texto politicau eajan2010

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Terminou há pouco o programa Contas à Vida na TVI24 horas, conduzido pelo jornalista António Perez Metelo, com a participação dos ex-Ministros Braga de Macedo e Pina Moura e, esta semana, com o João Rodrigues. O debate andou essencialmente à volta de dois temas – as tensões de política macroeconómica que se vivem na zona euro e a questão das contas públicas em Portugal. O João disse aquilo que temos escrito neste blog: 1) que a arquitectura da gestão macroeconómica na UE não permite fazer face a crises que afectam assimetricamente os estados membros; 2) que os discursos sobre os défices externos das economias periféricas esquecem que eles são espelho dos excedentes de outros países, pelo que os dois problemas têm de ser vistos em conjunto; 3) que é um erro, por sinal nada ingénuo, confundir o défice externo (digo eu: dívida externa) com a política orçamental em Portugal, já que o grosso da dívida externa é privada - e, já agora, indissociável do processo de construção da UEM; e 4) que a retórica recorrente que culpabiliza cada economia em dificuldade e não o regime de gestão macroeconómica da UEM pelas crises conduz a um estado permanente de austeridade e à erosão do Estado Social. Pina Moura surpreendeu-me pela fraqueza dos seus argumentos. Ao afirmar que não é um problema a Europa não ser uma zona monetária óptima, pois esta será um resultado do próprio processo de integração, ignora não apenas os custos de ajustamento como a ausência de factos que corroborem aquela afirmação. E ao sugerir que a UE saberá encontrar formas de melhorar gradualmente a

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Terminou há pouco o programa Contas à Vida na TVI24 horas, conduzido pelo jornalista António Perez Metelo, com a participação dos ex-Ministros Braga de Macedo e Pina Moura e, esta semana, com o João Rodrigues.

O debate andou essencialmente à volta de dois temas – as tensões de política macroeconómica que se vivem na zona euro e a questão das contas públicas em Portugal.

O João disse aquilo que temos escrito neste blog: 1) que a arquitectura da gestão macroeconómica na UE não permite fazer face a crises que afectam assimetricamente os estados membros; 2) que os discursos sobre os défices externos das economias periféricas esquecem que eles são espelho dos excedentes de outros países, pelo que os dois problemas têm de ser vistos em conjunto; 3) que é um erro, por sinal nada ingénuo, confundir o défice externo (digo eu: dívida externa) com a política orçamental em Portugal, já que o grosso da dívida externa é privada - e, já agora, indissociável do processo de construção da UEM; e 4) que a retórica recorrente que culpabiliza cada economia em dificuldade e não o regime de gestão macroeconómica da UEM pelas crises conduz a um estado permanente de austeridade e à erosão do Estado Social.

Pina Moura surpreendeu-me pela fraqueza dos seus argumentos. Ao afirmar que não é um problema a Europa não ser uma zona monetária óptima, pois esta será um resultado do próprio processo de integração, ignora não apenas os custos de ajustamento como a ausência de factos que corroborem aquela afirmação. E ao sugerir que a UE saberá encontrar formas de melhorar gradualmente a deficiente arquitectura económica existente, persiste na ilusão em que tem vivido grande parte da social-democracia europeia (como e o João aqui discutimos em detalhe) – a de que é possível obter os consensos, exigidos pelos Tratados, entre os governos dos 27 estados membros para introduzir as mudanças necessárias (e.g., um orçamento comunitário com funções de estabilização, a harmonização da fiscalidade directa, o fim dos paraísos fiscais, a coordenação das políticas sociais e

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laborais, etc.). Sinceramente, não consigo perceber se se trata de um acto de fé («as coisas vão melhorar, só podem melhorar») ou de ocultação deliberada das implicações da UEM na sua versão actual. Vindo de quem vem, ignorância não é concerteza. Mas os argumentos não são convincentes.