teorias do texto – enunciação, discurso, texto

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PROFA. DRA. SHEILA VIEIRA DE CAMARGO GRILLO Teorias do Texto – enunciação, discurso, texto

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Page 1: Teorias do Texto – enunciação, discurso, texto

P R O F A . D R A . S H E I L A V I E I R A D E C A M A R G O G R I L L O

Teorias do Texto –enunciação, discurso, texto

Page 2: Teorias do Texto – enunciação, discurso, texto

SUBJETIVIDADEE

ALTERIDADE

Page 3: Teorias do Texto – enunciação, discurso, texto

AUTHIER-REVUZ, Jacqueline. Heterogeneidade(s)enunciativa(s). Cadernos de estudos lingüísticos, n. 19, Campinas, p.25-42, jul./dez.1990.

Complexidade enunciativa questiona duasconcepções correntes:

1)imagem de uma mensagem monódica (de uma só voz)

2) noção de sujeito fonte e senhor de seu dizer.

Page 4: Teorias do Texto – enunciação, discurso, texto

Constitutiva: processos reais de constituição de um discurso – Outro (interdiscurso e inconsciente) – isso fala. Condições reais de existência de um discurso.

Heterogeneidade constitutiva do sujeito e dodiscurso apoia-se em dois aportes teóricos:1) Discurso como fonte do interdiscurso –problemática do dialogismo bakhtiniano2) Abordagem do sujeito e de sua relação com alinguagem – leitura de Freud por Lacan.

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Heterogeneidade mostrada: conjunto de formas queinscrevem o outro na sequência do discurso (DD,aspas, DIL, ironia)

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HETEROGENEIDADE MOSTRADA

2.1 Formas marcadas de heterogeneidademostrada: formas de desconhecimento daheterogeneidade constitutiva é que elasoperam sobre o modo da denegação*.Sintoma e defesa da heterogeneidadeconstitutiva.

*Forma específica de negação na qual o enunciadode conteúdo afirmativo só pode ser expresso pormeio de uma negação (Constitui-se num dos meiosde o indivíduo expressar afetos recalcados) (Houaiss,2009, p. 613).

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FORMAS MARCADAS DE HETEROGENEIDADE MOSTRADA:

EXEMPLOSHoje é menos difícil pensar nisso. Ainda o vejo saltar dacanoa e se encaminhar para a rua dos Barés; ouço a vozdele criticar o comércio anacrônico do pai e os amigosque rodeavam o tabuleiro de gamão.“São pessoas que atrapalham o movimento da loja, unsurubus na carniça que ficam esperando o lanche datarde. Assim vocês não vão muito longe.”Rânia concordava, mas Halim, apoiando os braços nobalcão, perguntou:“Para que ir tão longe? E o prazer do jogo, da conversa?“O comércio não se alimenta de prazeres fortuitos”, disseYaqub, dirigindo-se à irmã. (HATOUM, Milton. Dois irmãos.São Paulo: Companhia das Letras, 2000. p. 116)

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2.2 Formas não-marcadas daheterogeneidade mostrada: não háruptura na cadeia discursiva, maispróximas da heterogeneidadeconstitutiva, discurso indireto livre,ironia, metáforas, jogos de palavras.

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Formas não-marcadas da heterogeneidade mostrada – Exemplo 1

“Omar e Dália se aconchegaram num canto dasala, e nesse momento Zana foi até lá falar com ela.Omar se afastou, deixando-as a sós. Não se sabe oque conversaram, mas cada uma tateava oterritório da outra, ambas cheias de gestos edisfarces, e muitos nervosas, atrizes em noite deestreia.” (HATOUM, Milton. Dois irmãos. São Paulo:Companhia das Letras, 2000. p. 101)

METÁFORA

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Formas não-marcadas da heterogeneidade mostrada – DIL

“Halim acenou com as duas mãos, mas o filho demorou areconhecer aquele homem vestido de branco, um pouco maisbaixo do que ele. Por pouco não esquecera o rosto do pai, osolhos do pai e o pai por inteiro. Apreensivo, ele se aproximou domoço, os dois se entreolharam e ele, o filho, perguntou:” Baba?”. Edepois os quatro beijos no rosto, o abraço demorado, assaudações em árabe. Saíram da praça Mauá abraçados e foramaté a Cinelândia. O filho falou da viagem e o pai lamentou apenúria em Manaus, a penúria e a fome durante os anos daguerra. Na Cinelândia sentaram-se à mesa de um bar, e no meiodo burburinho Yaqub abriu o farnel e tirou um embrulho, e o pai viupães embolorados e uma caixa de figos secos. Só isso trouxera doLíbano? Nenhuma carta? Nenhum presente? Não, não havia maisnada no farnel, nem roupa nem presente, nada! Então Yaqubexplicou em árabe que o tio, o irmão do pai, não queria que elevoltasse para o Brasil. (HATOUM, Milton. Dois irmãos. São Paulo:Companhia das Letras, 2000. p. 14)

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Origens teóricas da constituição heterogênea do discurso:

1) Dialogismo do Círculo de Bakhtin: outros discursos são um “centro” exterior constitutivo, aquele já dito, com o que se tece o discurso. 2) A noção de pré-construto, marca do interdiscurso nointradiscurso – AD de Pêcheux – ilusão de sujeitoenunciador capaz de escolhas, intenções e decisões.Toda fala é determinada de fora da vontade do sujeito eeste é “mais falado do que fala” (p. 28)3) Fala fundamentalmente heterogênea e de um sujeitodividido – psicanálise – sujeito é atravessado peloinconsciente. Outro= discurso, ideologia, inconsciente. (p.29)

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Exemplo de interdiscurso:HORIZONTE IDEOLÓGICO DA CULTURA

BRASILEIRA“Zana não se despegava dele, e o outro ficava aoscuidados de Domingas, a cunhantã mirrada, meioescrava, meio ama, “louca para ser livre”, como elame disse certa vez, cansada, derrotada, entregueao feitiço da família, não muito diferente das outrasempregadas da vizinhança, alfabetizadas,educadas pelas religiosas das missões, mas todasvivendo nos fundos da casa, muito perto da cercaou do muro, onde dormiam com seus sonhos deliberdade.” (HATOUM, Milton. Dois irmãos. São Paulo:Companhia das Letras, 2000. p. 67)

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2. Descrição das formas marcadas de heterogeneidade mostrada no discurso – inscrição do outro na cadeia discursiva

2.1 Autonímia – ruptura sintática, o fragmento éapresentado como objeto.•Dupla designação: um lugar do fragmento e umaremissão à alteridade, gesto metalinguístico, oenunciador comenta ao mesmo tempo que enuncia suaspalavras.Exemplo: “Halim não teve tempo de recusar a ajudaprovidencial. Uma boa amostra da indústria e doprogresso de São Paulo estacionou diante da casa. Osvizinhos se aproximaram para ver o caminhão cheio decaixas de madeira lacradas; a palavra frágil, pintada devermelho num dos lados, saltava aos olhos.” (HATOUM,Milton. Dois irmãos. São Paulo: Companhia das Letras,2000. p. 129)

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2.2 FORMAS MARCADAS DE HETEROGENEIDADE:

- outro ato de enunciação, caracterizado por um traçosemântico de “dizer” e de uma informação mínima sobre amensagem do discurso relatado.

""Hoje é menos difícil pensar nisso. Ainda o vejo saltar da canoae se encaminhar para a rua dos Barés; ouço a voz delecriticar o comércio anacrônico do pai e os amigos querodeavam o tabuleiro de gamão.

“São pessoas que atrapalham o movimento da loja, uns urubusna carniça que ficam esperando o lanche da tarde. Assimvocês não vão muito longe.” (HATOUM, Milton. Dois irmãos.São Paulo: Companhia das Letras, 2000. p. 116)

–- Outra língua:“Majnun! Um maluco, esse Omar!, disse Halim, bebendo umtrago de arak.” (HATOUM, Milton. Dois irmãos. São Paulo:Companhia das Letras, 2000. p. 120)

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outra modalidade de consideração do sentido (metáfora, polissemia, homonímia, sinonímia etc.)

Exemplo 1: “Os projetos que criaram os novos órgãos e funçõescomissionadas representarão um impacto de R$ 7 milhões esteano e de R$ 8,9 milhões em 2014. O reajuste dos valores dochamado “cotão”, verba que cobre gastos dos 513 deputadosfederais com passagens aéreas, telefone e correios, entreoutros benefícios, definido pela assessoria técnica da Câmara,será de 12,7%” (OESP, A3, 24/03/2013, “Câmara gasta o queeconomizou”)O Contexto é considerado insuficiente para determinar osentido da expressão cujo sentido é explicitado peloenunciador por meio de uma glosa definitória. Trata-se degarantir a relação da palavra com o seu referente, ao mesmotempo que o enunciador toma uma distância.

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METÁFORA ACOMPANHADA DE GLOSA

Exemplo 2: “Deixou para trás a feira onde asbarracas estavam sendo desmontadas, asmercadorias recolhidas. Atravessou por entre osedifícios da estrada de ferro. Antes de começar omorro da Conquista ficava o “mercado dosescravos”. Alguém assim apelidara, há tempos, olugar onde os retirantes acampavam à espera detrabalho. O nome pegara, ninguém chamava deoutra maneira.” (AMADO, J. Gabriela, cravo ecanela. São Paulo: Companhia das Letras. p. 130)

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UM OUTRO, INTERLOCUTOR

- distanciamento em relação ao interlocutor que não forma“um” com ele – Um outro, o interlocutor, para marcar que aspalavras ditas pelo locutor não são as do interlocutor. Trata-sede comentários metaenunciativos que manifestam os pontosde conflito, de não coincidência entre os parceiros do atocomunicativo."Nem sempre os filhos reproduzem os pais. Camões afirmou quede certo pai só se podia esperar tal filho, e a ciência confirmaesta regra poética. Pela minha parte creio na ciência como napoesia, mas há exceções, amigo. Sucede, às vezes, que anatureza faz outra coisa, e nem por isso as plantas deixam decrescer e as estrelas de luzir. O que se deve crer sem erro é queDeus é Deus; e, se alguma rapariga árabe me estiver lendo,ponha-lhe Alá. Todas as línguas vão dar ao Céu. (ASSIS, M. deEsaú e Jacó. Porto Alegre: L&PM, 2011. p. 107)

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Outro discurso/ Outra variedade de língua

O Caçula, expulso pelos padres, só encontrouabrigo numa escola de Manaus onde eu estudariaanos depois. O nome do colégio era pomposo –Liceu Rui Barbosa, o Águia de Haia -, mas o apelidoera bem menos edificante: Galinheiro dos Vândalos.

Hoje, penso que o apelido era inadequado eum tanto quanto preconceituoso. No Liceu, que nãoera totalmente desprezível, reinava a liberdade degestos ousados, a liberdade que faz estremecerconvenções e normas. A escória de Manaus ofrequentava, e eu me deixei arrastar pela torrentedos insensatos.

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Outra língua/Outra ato de enunciação/outra modalidade de consideração do Sentido

Ninguém ali era “tres raisonnable”, como dizia o mestre de francês, elemesmo um excêntrico, um dândi deslocado na província, recitador desimbolistas, palhaço da sua própria excentricidade. Não ensinava agramática, apenas recitava, barítono, as iluminações e as verdesneves de seu adorado simbolista francês. Quem entendia essasimagens fulgurantes? Todos eram atraídos pelo encanto da voz, ealguém, num átimo, apreendia algo, sentia uma fulguração,desnorteava-se. Depois da “aula”, na calçada do Café Mocambo,ele fazia loas a Diana, a deusa de bronze, beleza esbelta da praçadas Acácias. Os elogios passavam da deusa a uma moça fardada,toda ela índia, acobreada, assanhada de desejo; e os dois, juntos,escapuliam do Mocambo e sumiam na noite da cidade sem luz.(HATOUM, M. Dois irmãos. São Paulo: Martins Fontes, 2000. p. 35-36)

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CONCLUSÕES

3. Dupla afirmação do um – ao nível da cadeia dodiscurso, localizar um ponto de heterogeneidade écircunscrever esse ponto, ou seja, opô-lo por diferença doresto da cadeia. Determina pela diferença um interior,identidade do discurso. A zona de contato entre exteriore interior é reveladora desse discurso.

4. Exterioridade do enunciador capaz de se colocardistante de sua língua e de seu discurso.

•Teorias não-subjetivas da fala , ilusão do sujeito na sua fala.

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ATIVIDADES

1) Exponha as noções de heterogeneidade constitutiva eheterogeneidade mostrada, tal como foram formuladas porAuthier-Revuz.2) Indique no fragmento abaixo o tipo de heterogeneidadepresente e o explique.“Deixou para trás a feira onde as barracas estavam sendodesmontadas, as mercadorias recolhidas. Atravessou por entreos edifícios da estrada de ferro. Antes de começar o morro daConquista ficava o “mercado dos escravos”. Alguém assimapelidara, há tempos, o lugar onde os retirantes acampavam àespera de trabalho. O nome pegara, ninguém chamava deoutra maneira.” (AMADO, J. Gabriela, cravo e canela. SãoPaulo: Companhia das Letras. p. 130)