texto orientativo sobre práticas integrativas e complementares em psicologia

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Texto Orientativo sobre Práticas Integrativas e Complementares em Psicologia O texto a seguir foi elaborado, a partir de uma demanda surgida nos Conselhos Regionais, que em seu contato direto com o profissional psicólogo, reconheceram a necessidade de uma orientação mais consistente sobre as chamadas práticas não reconhecidas em psicologia, porém utilizadas no dia-a-dia profissional do psicólogo. A partir dessa necessidade, esse texto foi produzido baseado no Encontro de COFs realizado no ano de 2007 e tem como objetivo oferecer diretrizes aos Conselhos Regionais com vistas a nortear os trabalhos no que tange às orientações em relação a essas práticas integrativas e complementares. É preciso compreender que o desenvolvimento de uma ciência se dá quando ações diárias, fundamentadas em teorias, permanentemente se confrontam com teores empíricos, ou seja, a teoria e a prática em consonância. Dessa forma, as idéias e as experiências vividas pelos profissionais em sua rotina de trabalho, funcionam como marcos teóricos para o desenvolvimento de métodos e de representações teóricas. Em suma, compreende-se que teorias e métodos não se constituem como sistemas estáticos, mas se complementam no desenvolvimento e aperfeiçoamento de uma ciência e de uma profissão, concomitantemente. Uma profissão se define, a partir do corpo de métodos e técnicas que cria com vistas a responder as necessidades geradas por uma sociedade, uma vez que as transformações sociais exigem formas de atuação flexíveis, que provoquem reflexões e revisões sobre as orientações teóricas e legais de qualquer profissão, solicitando constantemente pesquisas, debates e novas diretrizes. Todo esse corpo de orientações pode ser regulamentado pela legislação vigente e ainda pelos Códigos de Ética, que em si expressam o conceito de homem e de sociedade. Dessa forma, é necessário um trabalho de normatização que esteja em conformidade com valores, princípios e regras produzidos no interior da ciência, de modo a dar referências de atuação na profissão. Na psicologia em particular, são vários os desdobramentos que uma atuação profissional mal referenciada pode ter. Na esfera psicológica é preciso compreender o fenômeno apresentado como um todo, assim como o efeito que qualquer intervenção poderá ter. O psicólogo trabalha com fenômenos psicológicos que precisam ser compreendidos em suas dimensões inter e intra-pessoal, considerando os aspectos sociais, políticos e econômicos implicados em sua constituição. Em suma, exige-se dos profissionais psicólogos uma compreensão do conjunto de referências teóricas que abranja ainda suas razões instrumentais, visto que a técnica pela técnica não diferencia o profissional de um leigo. Nesse sentido, é preciso se atentar ainda para os princípios éticos da atuação profissional, e enfatizar que a utilização de uma técnica deve ser respaldada não só pela técnica e pela teoria, mas pela postura ética adotada pelo profissional.

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O texto a seguir foi elaborado, a partir de uma demanda surgida nos ConselhosRegionais, que em seu contato direto com o profissional psicólogo, reconheceram anecessidade de uma orientação mais consistente sobre as chamadas práticas nãoreconhecidas em psicologia, porém utilizadas no dia-a-dia profissional do psicólogo.

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Page 1: Texto Orientativo sobre Práticas Integrativas e Complementares em Psicologia

Texto Orientativo sobre Práticas Integrativas e Complementares em Psicologia

O texto a seguir foi elaborado, a partir de uma demanda surgida nos Conselhos

Regionais, que em seu contato direto com o profissional psicólogo, reconheceram a

necessidade de uma orientação mais consistente sobre as chamadas práticas não

reconhecidas em psicologia, porém utilizadas no dia-a-dia profissional do psicólogo. A

partir dessa necessidade, esse texto foi produzido baseado no Encontro de COFs realizado

no ano de 2007 e tem como objetivo oferecer diretrizes aos Conselhos Regionais com vistas

a nortear os trabalhos no que tange às orientações em relação a essas práticas integrativas e

complementares.

É preciso compreender que o desenvolvimento de uma ciência se dá quando ações

diárias, fundamentadas em teorias, permanentemente se confrontam com teores empíricos,

ou seja, a teoria e a prática em consonância. Dessa forma, as idéias e as experiências

vividas pelos profissionais em sua rotina de trabalho, funcionam como marcos teóricos para

o desenvolvimento de métodos e de representações teóricas. Em suma, compreende-se que

teorias e métodos não se constituem como sistemas estáticos, mas se complementam no

desenvolvimento e aperfeiçoamento de uma ciência e de uma profissão,

concomitantemente.

Uma profissão se define, a partir do corpo de métodos e técnicas que cria com vistas

a responder as necessidades geradas por uma sociedade, uma vez que as transformações

sociais exigem formas de atuação flexíveis, que provoquem reflexões e revisões sobre as

orientações teóricas e legais de qualquer profissão, solicitando constantemente pesquisas,

debates e novas diretrizes. Todo esse corpo de orientações pode ser regulamentado pela

legislação vigente e ainda pelos Códigos de Ética, que em si expressam o conceito de

homem e de sociedade. Dessa forma, é necessário um trabalho de normatização que esteja

em conformidade com valores, princípios e regras produzidos no interior da ciência, de

modo a dar referências de atuação na profissão.

Na psicologia em particular, são vários os desdobramentos que uma atuação

profissional mal referenciada pode ter. Na esfera psicológica é preciso compreender o

fenômeno apresentado como um todo, assim como o efeito que qualquer intervenção

poderá ter.

O psicólogo trabalha com fenômenos psicológicos que precisam ser compreendidos

em suas dimensões inter e intra-pessoal, considerando os aspectos sociais, políticos e

econômicos implicados em sua constituição.

Em suma, exige-se dos profissionais psicólogos uma compreensão do conjunto de

referências teóricas que abranja ainda suas razões instrumentais, visto que a técnica pela

técnica não diferencia o profissional de um leigo. Nesse sentido, é preciso se atentar ainda

para os princípios éticos da atuação profissional, e enfatizar que a utilização de uma técnica

deve ser respaldada não só pela técnica e pela teoria, mas pela postura ética adotada pelo

profissional.

Page 2: Texto Orientativo sobre Práticas Integrativas e Complementares em Psicologia

Atualmente a Psicologia se depara com o alargamento do seu espaço de atuação e

são diversos os recortes teóricos e metodológicos que o psicólogo pode escolher.

Entretanto, uma prática precisa adquirir sentido dentro de um marco teórico e seu uso se

relacionará com o conjunto de ações que caracterizarão seu curso ou suas formas concretas

de intervenção profissional, tornando-se inadequado o desenvolvimento de qualquer prática

que não esteja respaldada por um conjunto de critérios científicos capazes de sustentá-la.

A produção do conhecimento pode ser proveniente de várias fontes pertinentes à

psicologia, entretanto, é preciso se atentar que a falta técnica se constitui como falta ética.

É preciso respaldar uma nova prática, de modo que o acúmulo, a sustentação teórica

e a boa fundamentação obedeçam critérios e fundamentem a utilização profissional.

Não existe por parte da normatização profissional um consenso construído acerca de

quais são as práticas reconhecidas e o objetivo não é construir uma lista para tal. Entretanto,

as novas práticas que tem surgido na Psicologia, ou que até já existiam, mas estão chegando

ao conhecimento dos Conselhos de Psicologia atualmente, que têm sido denominadas de

práticas integrativas e complementares, devem ser conceitualmente debatidas de modo que

seu desenvolvimento contribua com a ciência da Psicologia.

Existem vários modos de definir as chamadas psicologias integrativas e

complementares ou práticas integrativas. Uma dessas possibilidades é que o integrativo e

complementar não se define pela atividade prescrita em si, nem pelo fato de se constituir

como uma experiência nova no campo da intervenção psicológica, mas pelo tipo de

conhecimento veiculado e pelas concepções de homem e de mundo a ele subjacente, ou

seja, é necessário conhecer qual a visão que a prática tem do homem enquanto ser social e

qual a compreensão que se tem deste homem inserido em diferentes contextos sociais.

Tourinho, Z. E., Neto, M. B. de C., Neno (2004) e González Rey (1998) afirmaram

que definir uma prática como integrativa remete, inevitavelmente, a questionamentos sobre

a cientificidade e a falta de objetividade definida por um determinado paradigma. A

psicanálise, por exemplo, foi inicialmente muito questionada mediante o modelo de ciência

e após certo tempo e alguns acúmulos teóricos e práticos, se consolidou como um campo da

psicologia.

A produção de conhecimento em qualquer área necessita se ancorar nas informações

advindas do desenvolvimento da atividade profissional, incorporando conhecimentos

legitimados pela prática e que possam agregar à produção do pensamento sob a égide da

lógica, do corpo teórico e da coerência.

Não se pode deixar de pensar que em várias ciências existem variações teóricas, que

não encontram saída na/para prática profissional, e que o inverso também acontece, onde a

prática não se sustenta em embasamento teórico algum. Entretanto, é preciso compreender

este movimento como natural em uma profissão e que, devido ao crescimento da psicologia

como um serviço à sociedade e às suas peculiaridades, a demanda de serviços psicológicos

integrativos e complementares vêm aumentando visivelmente.

Page 3: Texto Orientativo sobre Práticas Integrativas e Complementares em Psicologia

O desenvolvimento de uma prática no âmbito da Psicologia deve ser trabalhado no

campo acadêmico, em consonância com a sociedade científica e com os profissionais

envolvidos. Entretanto, é preciso atentar-se para a legislação vigente e em princípio nortear

o desenvolvimento da prática apenas em caráter de pesquisa.

As psicologias academicamente reconhecidas são orientadas por pressupostos que já

foram submetidos a uma avaliação sistemática e crítica e ainda a processos científicos de

aferição de validade. Existe nessa esfera de reconhecimento, um compromisso ético com a

concepção de ciência já estabelecida e sobre a qual determinadas práticas já se assentaram.

È preciso, porém, compreender que este reconhecimento é acadêmico e não profissional.

Por outro lado, as psicologias integrativas e complementares são práticas ou

produções que se desenvolvem à margem da produção acadêmica e que prometem a

solução dos problemas humanos sem um vínculo convincente e coerente com o suporte

teórico/metodológico, o que as caracterizam como uma mera especulação acerca da vida do

ser humano. Dessa forma, para o contínuo crescimento da profissão é preciso que essas

chamadas psicologias integrativas e complementares entrem em contato com o

conhecimento científico e acadêmico, dando margem à produção de novas teorias.

Entretanto, é preciso ressaltar que o intuito não é reconhecer tais práticas, mas apenas

avaliar se estas não se desenvolvem em contrapartida ao Código de Ética e a Legislação do

Sistema Conselhos de Psicologia.

Por não existir na esfera da psicologia uma lista de práticas reconhecidas, e não ser

possível mapear todas as novas práticas que surgem na atuação profissional, o papel dos

Conselhos Regionais é o de fiscalizar e orientar o exercício da profissão de acordo com as

demandas que emergem, sempre se atentando para que haja coerência entre o contexto e a

legislação atual de Psicologia. O Conselho Federal de Psicologia por sua vez, possui a

função de fiscalizar, orientar e regulamentar o exercício profissional e deve atuar apenas

como uma instância de caráter recursal.

O Sistema Conselhos de Psicologia precisa avaliar as demandas que surgem acerca

dessas práticas integrativas e complementares. Investigar tais práticas, assim como trocar

experiências, com vistas a um norteamento sobre a questão, buscando um combinado do

trâmite de fiscalização de tais práticas. Em princípio, se uma prática não fere a legislação

do Sistema Conselhos de Psicologia, com ênfase para o Código de Ética, ela pode ser

usada, mas é preciso uma análise mais criteriosa por parte dos Regionais.

Promover discussões entre os Conselhos Regionais e o Federal e com essas novas

práticas que se apresentam permite que os Conselhos possuam respaldo para emitir sua

opinião na esfera do Sistema Conselhos acerca da problemática discutida. Esse processo de

discussão deve ser contínuo para que tais práticas possam ser debatidas. Entretanto, o

intuito dessas discussões não é criar uma resolução para regulamentar tais práticas, pois um

certo tempo é demandado para que uma prática se firme no campo científico. Com essas

discussões, ter-se-á a opinião dos CRPs de acordo com o momento, de acordo com o

contexto em que a prática está existindo. É possível assim um acordo para permitir que os

psicólogos usem tais práticas, desde que estas sejam desenvolvidas de acordo com as

resoluções do CFP, no entanto, não haverá necessariamente uma legislação referendando o

uso de cada prática discutida.

Page 4: Texto Orientativo sobre Práticas Integrativas e Complementares em Psicologia

Critérios para divulgação de cursos de práticas integrativas/complementares

O Conselho Federal de Psicologia como órgão de referência da categoria, recebe

diariamente solicitações de divulgação de cursos, palestras, seminários, fóruns entre outros.

Em suma, os critérios utilizados para a divulgação ou não desses eventos, é a adequação à

legislação do Sistema Conselhos de Psicologia com destaque para o Código de Ética

Profissional e o reconhecimento acadêmico da área, uma vez que o próprio Código dispõe:

Art. 20 - O psicólogo, ao promover publicamente seus serviços, por quaisquer

meios, individual ou coletivamente:

c) divulgará somente qualificações, atividades e recursos relativos a técnicas e

práticas que estejam reconhecidas ou regulamentadas pela profissão.

Nesse sentido, ressalta-se que não existe uma lista de técnicas e/ou práticas

reconhecidas passíveis de serem relacionadas aos eventos que solicitam divulgação, uma

vez que o reconhecimento de uma área no campo acadêmico estende-se por um longo

período. Entretanto, eventos relacionados a essas chamadas práticas integrativas e

complementares, devem manter uma característica de pesquisa e não de atuação

profissional.

Para a divulgação de eventos é preciso que alguns parâmetros do Código de Ética

Profissional sejam considerados. Não é permitido, por exemplo, a indução a convicções

políticas, filosóficas, morais, ideológicas, religiosas, de orientação sexual ou qualquer tipo

de preconceito. A prática ou a conivência com atos que caracterizem negligência,

discriminação, exploração, violência, crueldade, opressão ou ainda a utilização de práticas

psicológicas como instrumentos de castigo, tortura ou qualquer forma de violência também

são pontos importantes a serem considerados como transgressão ao Código.

É de extrema relevância informar que a divulgação de cursos, palestras, seminário,

fóruns, workshops ou qualquer evento que esteja relacionado a práticas integrativas e

complementares, e que não fira a legislação do Sistema Conselhos, não se constitui ação de

reconhecimento/regulamentação pelo Sistema Conselhos, tratando-se apenas de difusão do

processo de construção do conhecimento científico.

De acordo com o artigo 1º da Resolução CFP n° 012/1997: O ensino de métodos e

técnicas psicológicas fica reservado exclusivamente aos alunos regulamente matriculados

nos Cursos de Psicologia, regulamentados nos termos da lei 4.119, de 27 de agosto de

1962, e aos psicólogos registrados no respectivo Conselho Regional.

Ressalta-se, que os CRPs, ao divulgarem eventos relacionados a práticas

integrativas e complementares, devem enfatizar que não existe vínculo com o evento e que

trata-se apenas de uma divulgação. Nesse sentido, os CRPs devem instituir parâmetros que

padronizem a divulgação de eventos, de modo que todos sejam analisados da mesma forma

por qualquer que seja o Conselho Regional.