relatorio do 1º seminário internacional de práticas integrativas e complementares

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MINISTRIO DA SADE Secretaria de Ateno Sade Departamento de Ateno Bsica

Srie C. Projetos, Programas e Relatrios

Braslia-DF 2009

2009 Ministrio da Sade. Todos os direitos reservados. permitida a reproduo parcial ou total desta obra, desde que citada a fonte e que no seja para venda ou qualquer fim comercial. A responsabilidade pelos direitos autorais de textos e imagens desta obra da rea tcnica. A coleo institucional do Ministrio da Sade pode ser acessada, na ntegra, na Biblioteca Virtual em Sade do Ministrio da Sade: http://www.saude.gov.br/bvs Srie C. Projetos, Programas e Relatrios Tiragem: 1 edio 2009 1.000 exemplares Elaborao, distribuio e informaes: MINISTRIO DA SADE Secretaria de Ateno Sade Departamento de Ateno Bsica Esplanada dos Ministrios, bloco G, 6 andar, sala 655 CEP: 70058-900, Braslia DF Tel.: (61) 3315-2497 Fax: (61) 3226-4340 Home page: http://www.saude.gov.br/dab Organizao: Carmem Lcia de Simoni Elaborao tcnica: Lucinia Moreli Coordenao: Lucinia Moreli Flavio Goulart Relatora: Carla Morrone Reviso: Irisraquel Maria dos Anjos Impresso no Brasil / Printed in Brazil

Ficha Catalogrfica

Brasil. Ministrio da Sade. Secretaria de Ateno Sade. Departamento de Ateno Bsica. Relatrio do 1 seminrio Internacional de Prticas Integrativas e Complementares em Sade PNPIC / Ministrio da Sade, Secretaria de Ateno Sade, Departamento de Ateno Bsica. Braslia : Ministrio da Sade, 2009. 196 p. (Srie C. Projetos, Programas e Relatrios) ISBN XXXXXXXXXXXX 1. Poltica Nacional de Prticas Integrativas e Complementares. 2. Poltica de sade. 3. Terapias complementares. 4. Ateno sade. I. Ttulo. II. Srie. CDU 614(81) Catalogao na fonte Coordenao-Geral de Documentao e Informao Editora MS OS 2009/0139 Ttulos para indexao: Em ingls: Report of the1st International Seminary of Integrating and Complementary Practices in Health National Policy (PNPIC Brazil) Em espanhol: Informe del 1 Seminrio Internacional de la Poltica Nacional de Prcticas Integrativas y Complementares en Salud (PNPIC Brasil)

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LISTA DE SIGLASABEn Associao Brasileira de Enfermagem ABENFISIO Associao Brasileira de Ensino em Fisioterapia ABFH Associao Brasileira de Farmacuticos Homeopatas ABMA Associao Brasileira de Medicina Antroposfica ACELBRA Associao de Celacos do Brasil AMHB Associao Mdica de Homeopatia Brasileira AMQ Avaliao para Melhoria da Qualidade Anvisa Agncia Nacional de Vigilncia Sanitria ASSOCIOFITO Associao Nacional de Fitoterapia nos Servios Pblicos CAPS Centros de Atendimento Psicossocial CATI Coordenadoria de Assistncia Tcnica Integral CBPF Comprovao de Boas Prticas de Fabricao CEME Central de Medicamentos CEO Centro de Especialidades Odontolgicas CEPAL Comisso Econmica para Amrica Latina e Caribe CFBIO Conselho Federal de Biomedicina CFF Conselho Federal de Farmcia CFO Conselho Federal de Odontologia CIB Comisso Intergestores Bipartite CIPIC-SUS Comisso Intersetorial de Prticas Integrativas e Complementares no SUS CIT Comisso Intergestores Tripartite CNBB Conferncia Nacional dos Bispos do Brasil CNPQ Conselho Nacional de Desenvolvimento Cientfico e Tecnolgico CNS Conselho Nacional de Sade COFEPRIS Comisso Federal de Proteo com Riscos Sanitrios COFFITO Conselho Federal de Terapia Ocupacional COIAB Coordenao das Organizaes Indgenas da Amaznia Brasileira CONASEMS Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Sade CONASS Conselho Nacional de Secretrios de Sade CPIC Centro de Prticas Integrativas CQ Controle de Qualidade

MINISTRIO DA SADE

Secretaria de Ateno Sade Departamento de Ateno Bsica

CRTN Centro de Referncia em Tratamento Natural do Amap DAB Departamento de Ateno Bsica DC Dengue Clssica DH Dengue Hemorrgica DS II Distrito Sanitrio II ESCS Escola Superior de Cincias da Sade FAPESP Fundao de Amparo Pesquisa do Estado de So Paulo FCFAS Frum dos Conselhos Federais da rea da Sade FDA Food and Drug Administration FENTAS Frum das Entidades dos Trabalhadores em Sade FEPECS Fundao de Ensino e Pesquisa em Cincias da Sade Fiocruz Fundao Oswaldo Cruz GETI Grupo de Estudo e Trabalho Interinstitucional GETRIS Grupo de Estudos e Trabalho em Terapias Integrativas HAP Hospital de Apoio de Braslia HAS Hipertenso Arterial Sistmica IRCH International Regulatory Cooperation for Herbal Medicines Network MC Ministrio da Cultura MMA Ministrio do Meio Ambiente MNT Medicina Natural e Tradicional MS Ministrio da Sade NASF Ncleos de Apoio Sade da Famlia NUMENATI Ncleo de Medicina Natural e Terapias Integrativas OMS Organizao Mundial de Sade ONGs Organizaes No Governamentais OPAS Organizao Pan-Americana de Sade PACS Programa de Agentes Comunitrios de Sade PARLATINO Parlamento Latino-Americano PICs Prticas Integrativas e Complementares PNAB Poltica Nacional de Ateno Bsica PNPIC Poltica Nacional de Prticas Integrativas e Complementares em Sade PNPMF Poltica Nacional de Plantas Medicinais e Fitoterpicos PPSUS Programa Pesquisa para o SUS PROGRAB Programao para Gesto por Resultados na Ateno Bsica Proplam Programa de Plantas Medicinais

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PSF Programa Sade da Famlia RDC Resoluo da Diretoria Colegiada REMUME Relao Municipal de Medicamentos REP Roda de Estudos de Plantas SAFCI Modelo de Sade Familiar Comunitrio Intercultural SAS Secretaria de Ateno Sade SBT Sociedade Brasileira de Termalismo SCNES Sistema de Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Sade SESA Secretaria de Estado da Sade do Amap SF Sade da Famlia SGEP Secretaria de Gesto Estratgica e Participativa SMM Sistema Metablico Sexual Motor SMS Secretaria Municipal de Sade SNS Sistema Neurossensorial SOBRAFA Sociedade Brasileira de Farmacuticos Acupunturistas SOBRAFITO Associao Mdica Brasileira de Fitomedicina SOBRAPA Sociedade Brasileira de Psicologia e Acupuntura SOE Servio de Orientao ao Exerccio SR Sistema Rtmico SUS Sistema nico de Sade UBS Unidades Bsicas de Sade UCIS Unidade de Cuidados Integrais Sade UCIS/PCR Unidade de Cuidados Integrais Sade Professor Guilherme Abath UFPE Universidade Federal de Pernambuco UNICAMP Universidade Estadual de Campinas UNICAP Universidade Catlica de Campinas UNITAU Universidade de Taubat USP Universidade de So Paulo WFAS World Federation of Acupuncture-Moxabustion Societies

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SUMRIO Introduo ....................................................................................9 Parte 1: Relatrio Analtico .......................................................15Panorama internacional.............................................................17 As prticas integrativas e complementares ...............................21 Prticas integrativas e complementares: panorama brasileiro ....23 Prticas integrativas e complementares incorporadas ao Sistema nico de Sade .......................................................27 A insero das prticas integrativas e complementares nos sistemas oficiais de sade ..................................................31 As experincias brasileiras ........................................................37 Consideraes finais .................................................................43

Parte 2: Relatrio Descritivo.......................................................45

Cerimnia de abertura................................................................47 Conferncia Magna....................................................................53 Mesa 1 Insero das prticas Integrativas e Complementares nos Sistemas Oficiais de Sade.......................63 Brasil Poltica Nacional de Prticas Integrativas e Complementares no SUS Carmen De Simoni........................................................63 O Sistema de sade de Cuba e a Medicina natural e tradicional Jorge Lus Campistrous Lavaut................71 Mxico A poltica nacional de medicina complementar e integrativa no sistema nacional de sade mexicano A experincia do Mxico Hernn Garcia Ramirez .....79 A implementao do modelo de sade familiar comunitrio e intercultural no sistema de sade pblico da Bolvia Oscar Laguna................................................................85 Brasil Controle social e as prticas integrativas e complementares em sade Ana Cristhina de Oliveira Brasil.......................................90 Mesa 2 Homeopatia & Medicina Antroposfica ......................95 Brasil Homeopatia avanos, desafios na assistncia, no ensino e na pesquisa Madel Therezinha Luz ............95 Cuba Pesquisa em Prticas Integrativas e Complementares A dengue e os complexos homeopticos Jorge Lus Campistrous Lavaut ..................................101 Brasil medicina antroposfica: avanos, desafios na assistncia, no ensino e na pesquisa Ricardo Ghelman..107

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Brasil Experincia da Secretaria de Sade do Distrito Federal Experincias em prticas integrativas da Secretaria de Sade do Distrito Federal Soraya Coury ..............117 Brasil Experincia da Secretaria Municipal de Sade de Campinas (SP) Prticas integrativas e complementares em Campinas Lgia Aparecida Neiame de Almeida...........................122 Mesa 3 Medicina Tradicional chinesa/ Acupuntura e Termalismo..............................................................................129 China Medicina Tradicional chinesa/Acupuntura Avanos e desafios na assistncia, ensino e pesquisa A acupuntura no contexto atual e suas tendncias Deng Liang Yue...............................................................129 Itlia Termalismo social e crenoterapia - Uma perspectiva mundial Para onde vo as guas termais? Umberto Solimene.......................................................133 Brasil Experincia da Secretaria Estadual de Sade do Amap (AP) Elziwaldo Lobo Monteiro......................139 Brasil Experincia da Secretaria Municipal de Sade de Recife (PE) Odimariles Dantas................................145 Brasil - Experincia da Secretaria Municipal de Sade de Vrzea Paulista (SP) Maria do Carmo C. Carpintero ...152 Mesa 4 Plantas Medicinais e Fitoterpicos ..........................157 Brasil As plantas medicinais e a fitoterapia nos Sistemas Oficiais de Sade Jos Miguel Nascimento Jnior......157 Marcos regulatrios para plantas medicinais e fitoterpicos Ana Ceclia Bezerra de Carvalho................................162 Brasil Plantas medicinais e fitoterpicos - um olhar sobre a ateno sade Alex Botsaris..................................170 Brasil Experincia da Secretaria Munipal de Sade de Pindamonhagaba (SP) Ana Emlia Gaspar .............175 Experincia da Secretaria Municipal de Sade de Vitria (ES) Henriqueta Sacramento ....................................................179

Cerimnia de encerramento ......................................................185 Programao..............................................................................191

Introduo

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Na comemorao dos 20 anos do Sistema nico de Sade (SUS), o Ministrio da Sade e a Secretaria de Ateno Sade (SAS), por meio do Departamento de Ateno Bsica (DAB), em parceria com a Organizao Pan-Americana de Sade (OPAS), realizaram, em Braslia (DF), entre os dias 13 e 16 de maio de 2008, o 1 Seminrio Internacional de Prticas Integrativas e Complementares em Sade. O evento aconteceu depois de dois anos da implementao da Poltica Nacional de Prticas Integrativas e Complementares em Sade (PNPIC), aprovada em 2006, poltica que foi construda dentro do contexto nacional e estimulada pela Organizao Mundial de Sade (OMS). A Poltica Nacional de Prticas Integrativas e Complementares inseriu o Brasil na vanguarda das prticas integrativas no sistema oficial de sade no mbito das Amricas. Essa poltica responde ao desejo da populao, manifesto nas recomendaes de Conferncias Nacionais de Sade desde 1988, e assegura o acesso aos usurios do SUS medicina tradicional chinesa/acupuntura, homeopatia, plantas medicinais e fitoterapia, alm de constituir observatrio de prticas em sade para o termalismo e a medicina antroposfica. Pela primeira vez, o tema foi debatido pelo Governo Federal, com a presena de outros cinco pases e representantes da OMS. O Seminrio foi um espao para o intercmbio de experincias exitosas de modelos institudo s em outros pases nos sistemas oficiais de ateno sade. Foram apresentadas e debatidas experincias do Brasil, China, Cuba, Bolvia, Mxico e Itlia, contribuindo para o aprimoramento do modelo brasileiro. Participaram do evento cerca de 300 pessoas dentre convidados internacionais, representantes de agncias internacionais, experts e tcnicos de organismos internacionais representao da OPAS/ OMS, autoridades sanitrias, representantes de associaes e sociedades cientficas, docentes e pesquisadores das instituies de ensino e pesquisa em sade, gestores das trs esferas de gesto, coordenadores de sade municipais e estaduais, Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Sade (CONASEMS), entidades de classe profissional, Conselho Nacional de Sade, reas tcnicas do Ministrio da Sade e profissionais de sade.

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A mesa de abertura foi composta pelo Ministro da Sade, Jos Gomes Temporo; pelo Secretrio de Ateno Sade, Jos Carvalho de Noronha; pela Diretora do Departamento de Ateno Bsica, Claunara Schilling Mendona; pela Secretria Executiva do Ministrio da Sade, Mrcia Bassit; pelo representante da OPAS/OMS, Diego Victria; pela Coordenadora do Departamento de Medicina Tradicional da OMS, Xiaouri Zhang; pelo representante do Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Sade (CONASEMS), Slvio Fernandes da Silva; pelo Subsecretrio de Ateno Sade do Distrito Federal, Joo Luiz de Freitas. Durante a solenidade, Temporo recebeu, do Diretor da Secretaria-Geral da Federao Mundial de Hidroterapia e Climatoterapia, Umberto Solimene, a Medalha Oficial de Honra da Universidade de Milo. Na abertura do evento, a Conferncia Magna foi proferida por uma das maiores autoridades mundiais no tema: a mdica chinesa Xiaouri Zhang, Coordenadora do Programa de Medicina Tradicional da OMS, que proferiu palestra sobre As Prticas Integrativas e Complementares no Contexto Mundial. Foram realizadas quatro mesas nos dois dias de durao do Seminrio, no qual se fez uma reflexo coletiva sobre as Prticas Integrativas e Complementares e sua insero em diversos modelos e sistemas de sade. Na primeira mesa, coordenada por Adson Frana, Diretor do Departamento de Aes Programticas e Estratgicas do Ministrio da Sade, especialistas abordaram a Insero das Prticas Integrativas e Complementares nos Sistemas Oficiais de Sade. A Coordenadora da Poltica Nacional de Prticas Integrativas e Complementares do Ministrio da Sade, Carmem De Simoni, apresentou a Poltica Nacional de Prticas Integrativas e Complementares no SUS. Os representantes de Cuba Jorge Lus Campistrous Lavaut, chefe de pesquisas do Centro Nacional de Medicina Natural e Tradicional do Ministrio da Sade , do Mxico Hernn Garcia Ramirez, Subdiretor de Sistemas Complementares de Ateno do Ministrio da Sade , e da Bolvia Oscar Laguna, Secretrio Nacional de Medicina Tradicional do Ministrio da Sade , abordaram, em suas exposies, o Sistema Nacional de Sade e as Prticas Integrativas

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e Complementares em Sade. A apresentao de Ana Cristhina de Oliveira, Coordenadora da Comisso Intersetorial de Prticas Integrativas e Complementares do Conselho Nacional de Sade (CNS), teve como tema o processo de construo da Poltica Nacional de Prticas Integrativas e Complementares em Sade sob a tica do controle social. Por fim, o debatedor Nelson Filice de Barros, Coordenador do Laboratrio de Prticas Alternativas, Complementares e Integrativas em Sade da Universidade de Campinas, teceu comentrios sobre as exposies. tarde, a segunda mesa, Homeopatia & Medicina Antroposfica, foi coordenada por Pedro Lima, Superintendente de Ateno Bsica e Gesto do Cuidado da Secretaria Estadual do Rio de Janeiro, tendo como debatedor o professor titular de homeopatia da Pontifcia Universidade Catlica do Rio de Janeiro, Jorge Biolchini. Madel Therezinha Luz, professora do Instituto de Medicina Social da Universidade Estadual do Rio de Janeiro, fez uma reflexo sobre a Homeopatia Avanos e Desafios na Assistncia, no Ensino e na Pesquisa. Jorge Campistrous Lavaut, representante do Ministrio da Sade de Cuba, apresentou Pesquisa em Prticas Integrativas e Complementares A Dengue e Complexos Homeopticos. Ricardo Ghelman, coordenador do Setor Interdepartamental de Medicina Antroposfica da Universidade Federal de So Paulo, abordou a Medicina Antroposfica Avanos, Desafios na Assistncia, no Ensino e na Pesquisa. As experincias da Secretaria de Sade do Distrito Federal e da Secretaria Municipal de Sade de Campinas (SP) foram apresentadas, respectivamente, por Soraya Coury, representante da Gerncia do Ncleo de Medicina Natural e Terapias Integrativas, e Lgia Aparecida Neiame de Almeida, Diretora de Sade da Secretaria Municipal de Sade de Campinas (SP). A terceira mesa, Medicina Tradicional Chinesa/Acupuntura e Termalismo, foi dirigida pela Coordenadora da Poltica de Prticas Integrativas e Complementares do Ministrio da Sade, Carmem De Simoni, e teve como debatedora Ana Cristhina de Oliveira Brasil, representante do CNS. O Presidente da Federao Mundial de Acupuntura, Deng Liang Yue, proferiu palestra sobre a Medicina Tradicional Chinesa/Acupuntura Avanos e Desafios na Assistncia, Ensino e Pesquisa. Umberto Solimene, da Universidade de Milo, discorreu sobre o tema Termalismo Social e Crenoterapia uma perspectiva mundial. Foram apresentadas as experincias da Se-

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cretaria Estadual de Sade do Amap e das Secretarias Municipais de Sade de Recife (PE) e de Vrzea Paulista (SP), respectivamente, por: Elziwaldo Lobo Monteiro, Diretor do Centro de Reabilitao de Tratamento Natural; Odimariles Dantas, Gerente da Unidade de Prticas Integrativas Professor Guilherme Abath; Maria do Carmo Cabral Carpintero, Secretria Municipal de Sade. A quarta e ltima mesa do evento, Plantas Medicinais e Fitoterpicos, coordenada por Agenor lvares, Diretor da Agncia Nacional de Vigilncia Sanitria (Anvisa), teve como debatedor Helvo Slomp Jnior, professor da Universidade Federal do Paran. Jos Miguel Nascimento Jnior, representando o Departamento de Assistncia Farmacutica e Insumos Estratgicos, fez uma reflexo sobre As Plantas Medicinais e a Fitoterapia nos Sistemas Oficiais de Sade. O tema da palestra de Ana Ceclia Carvalho, Gerente de Plantas Medicinais e Homeopticas da Agncia Nacional de Vigilncia Sanitria, foi Marcos Regulatrios para Plantas Medicinais e Fitoterpicos. Alex Botsaris, Presidente do Instituto Brasileiro de Plantas Medicinais, falou sobre Plantas Medicinais e Fitoterpicos um olhar sobre a Ateno Sade. Experincias exitosas foram apresentadas por Ana Emlia Gaspar, representante da Secretaria Municipal de Sade de Pindamonhangaba (SP), e Henriqueta Sacramento, Coordenadora do Prticas Integrativas e Complementares da Secretaria Municipal de Sade de Vitria (ES). Participaram da solenidade de encerramento: Lus Fernando Rolim Sampaio, ex-Diretor do DAB; Xiaouri Zhang, Coordenadora do Departamento de Medicina Tradicional da Organizao Mundial de Sade (OMS); Agenor lvares, Diretor da Anvisa; Carmem De Simoni, Coordenadora da Poltica Nacional de Prticas Integrativas e Complementares do Ministrio da Sade.

PARTE 1: Relatrio Analtico

Braslia - DF 13 a 15 de maio 2008

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PANORAMA INTERNACIONAL

presena no cenrio global das Prticas Integrativas e Complementares (PICs) foi reforada aps a Conferncia Internacional sobre Ateno Primria em Sade em Alma-Ata, em 1978. A Declarao de Alma Ata reconheceu, pela primeira vez em termos oficiais, seus praticantes como trabalhadores de sade e sua importncia para o cuidado sade das populaes, principalmente na ateno primria sade, bem como a necessidade de intercmbio de informaes entre os diversos modelos das mesmas nos sistemas mundiais de sade. Nessa Conferncia, recomendado aos Estados-Membros proceder a formulao de polticas e regulamentaes nacionais referentes utilizao de remdios tradicionais de eficcia comprovada e explorao das possibilidades de se incorporar os detentores de conhecimento tradicional s atividades de ateno primria em sade, fornecendo-lhes treinamento correspondente. O campo das Prticas Integrativas e Complementares contempla sistemas mdicos complexos e recursos teraputicos, os quais so tambm denominados pela Organizao Mundial da Sade (OMS) de medicina tradicional e complementar/alternativa (MT/MCA). Ao final da dcada de 70, a OMS cria o Programa de Medicina Tradicional, que recomenda aos Estados-Membros o desenvolvimento de polticas pblicas para facilitar a integrao da MT/MCA nos sistemas nacionais de ateno sade, assim como promover o uso racional dessa integrao. A partir da dcada de 80 em vrios comunicados e resolues a OMS demonstra seu compromisso em incentivar os Estados-membros a formularem e implementarem polticas pblicas pra uso racional e integrado de MT/MCA nos sistemas nacionais de sade.

A

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H um contexto mundial favorvel para as Prticas Integrativas e Complementares (PICs), com a crise dos paradigmas de medicina at ento vigentes, com seus altos custos e apoio intensivo em tecnologias. Assim, o uso das PICs encontra-se disseminado por todo o mundo, com milhares de praticantes em centenas de pases. Em termos econmicos, existe um forte mercado internacional de PICs: s a fitoterapia movimenta anualmente na Europa 3,5 bilhes de Euros e na China 14 bilhes de dlares, mostrando crescimento expressivo ano a ano. Atualmente este mercado chega a 30% do total do comrcio de medicamentos em geral. A compreenso do panorama das PICs no mundo envolve o reconhecimento das dificuldades relativas s diferenas entre a medicina ocidental tpica e as PICs, como chamou ateno a representante da OMS no Seminrio, Dr Xiaouri Zhang - Coordenadora do Departamento de Medicina Tradicional. Na primeira, o objetivo identificar e combater os agentes das doenas, de modo a obter o retorno s funes normais do corpo e boa sade. J nas PICs e na medicina tradicional de maneira geral uma abordagem totalizante (holstica) realizada, de forma a abranger aspectos fsicos, emocionais, mentais e ambientais relativos ao paciente, de forma simultnea. Assim, o ato de curar pode ser visto como guerra ou como harmonizao. Essa a grande diferena entre os dois paradigmas. No devem ser omitidas, todavia, as dificuldades relativas ao uso das PICs, entre elas se destacando a relativa insuficincia de dados baseados em pesquisas, as limitaes do controle, o treinamento ainda pouco extensivo e a carncia de expertise. No campo da regulao destaca-se o problema da falta de controle de qualidade, por exemplo, traduzida pela identificao incorreta dos produtos utilizados, as instrues (bulas) inadequadas, alm da contaminao por outras substncias, problemas agravados por falta de comunicao internacional entre autoridades sanitrias. A OMS entende que desafios importantes esto em jogo, tais como: promoo do uso adequado, maior informao aos consumidores, maior qualificao e fiscalizao dos praticantes, divulgao das precaues relativas ao conceito equivocado de que o que natural no pode fazer mal.

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A OMS desenvolve estratgias relativas s PICs em quatro campos distintos: poltica; segurana, acesso e uso racional. Para 2004-2007 esforo especial foi concentrado em integrar as PICs nos sistemas nacionais de ateno sade, alm do aprimoramento dos procedimentos de avaliao e garantia de qualidade (availability and affordability). A expectativa da entidade lanar, ainda em 2008, nova estratgia mundial, que se basear em quatros pilares: estruturao poltica; garantia de segurana, qualidade e eficcia; ampliao do acesso, alm de conscientizao para o uso racional. As PICs podem ser praticadas tanto por profissionais mdicos como no mdicos. Entretanto, de fundamental importncia definir quem poder pratic-la ou no, por uma ampla discusso e pelo compartilhamento de experincias com outros pases. Sem dvida, h progressos na situao mundial das PICs, por exemplo, no incremento da informao obtida; no fato de que 30% dos pases membros j dispem de polticas nacionais para PICs, como o caso do Brasil, bem como de 65% dos pases j apresentarem procedimentos legais e de regulao. Grande contingente populacional de pases em desenvolvimento ou desenvolvidos fazem uso das PICs. Em relao capacidade de integrao da Medicina Complementar ao sistema de sade, observam-se quatro tipos distintos de sistemas: integrativos, inclusivos, tolerantes e exclusivos. A Poltica Nacional de Prticas Integrativas e Complementares (PNPIC) inseriu o Brasil na vanguarda das PICs no sistema oficial de sade no mbito das Amricas. So preocupaes da OMS relativas s PICs so as de expandir seu reconhecimento em todo o mundo, apoiar sua integrao aos sistemas nacionais de sade, prover cooperao tcnica e informao para difundir o uso das PICs, alm de preservar e proteger os conhecimentos, prticas e recursos respectivos, visando a sustentabilidade de seu uso. Os direcionamentos da entidade para o futuro, alm dos campos oficiais j citados, so: a promoo de seu uso na ateno primria sade, o incremento na formao e qualificao de recursos humanos, a segurana dos pacientes.

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AS PRTICAS INTEGRATIVAS E COMPLEMENTARES

Medicina Tradicional Chinesa: sistema mdico integral, originado h milhares de anos na China. Tem como fundamento, a teoria do Yin-Yang. Tambm inclui a teoria dos cinco movimentos. Utiliza linguagem que retrata simbolicamente as leis da natureza e que valoriza a inter-relao harmnica entre as partes visando a integridade. Utiliza como elementos a anamnese, palpao do pulso, observao da face e lngua em suas vrias modalidades de tratamento (acupuntura, plantas medicinais, deitoterapia, prticas corporais, e mentais). Acupuntura: recurso teraputico da Medicina Tradicional Chinesa (MTC), que aborda de modo integral e dinmico o processo sade-doena no ser humano. Pode ser usada de forma isolada ou integrada com outros recursos teraputicos. Permite o estmulo preciso de locais anatmicos na pele por meio da insero de finas agulhas metlicas para proteo, restaurao e promoo da sade. Homeopatia: sistema mdico complexo, de carter holstico, baseada no princpio vitalista e no uso da lei dos semelhantes, enunciada por Hipcrates no sculo IV a.C. Foi desenvolvida por Samuel Hahnemann no sculo XVIII, aps estudos e reflexes baseados na observao clnica e em experimentos. Utiliza como recurso diagnstico a Matria Mdica e o Repertrio e como recurso teraputico o medicamento homeoptico. Planta medicinal: espcie vegetal, cultivada ou no, utilizada com propsitos teraputicos. Chama-se planta fresca aquela coletada no momento de uso e planta seca a que foi precedida de secagem, equivalendo droga vegetal. O uso de plantas medicinais na arte de curar uma forma de tratamento de origens muito antigas, relacionada aos primrdios da medicina.

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Fitoterapia: teraputica caracterizada pela utilizao de plantas medicinais para fabricao de medicamentos em suas diferentes formas farmacuticas, sem a utilizao de substncias ativas isoladas, ainda que de origem vegetal. Termalismo Social/Crenoterapia: acesso a estabelecimentos termais para fins preventivos, teraputicos e de manuteno da sade. Utiliza guas minerais de maneira complementar aos demais tratamentos de sade. Medicina Antroposfica: abordagem mdico-teraputica complementar, de base vitalista, cujo modelo de ateno est organizado de maneira transdisciplinar, buscando a integralidade do cuidado em sade. Entre os recursos que acompanham a abordagem mdica destaca-se o uso de medicamentos baseados na homeopatia, na fitoterapia e outros especficos da medicina antroposfica. Integrado ao trabalho mdico esta prevista a atuao de outros profissionais de sade, de acordo com as especificidades de cada catgoria.

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PRTICAS INTEGRATIVAS E COMPLEMENTARES: PANORAMA BRASILEIRO

O Brasil pode sem dvida ser includo entre os pases que j dispem de uma poltica nacional voltada para as PICs, sendo a mesma construda no mbito do Sistema nico de Sade (SUS), embora algumas dificuldades ainda necessitem ser superadas. Com efeito, a PNPIC faz parte da Poltica Nacional de Ateno Bsica (PNAB), desde o ano de 2006. A sintonia entre PICs e ateno bsica marcante, j que esta ltima considera o sujeito em sua singularidade, complexidade, integralidade e insero scio-cultural, buscando tambm a promoo de sua sade, a preveno e tratamento de doenas e a reduo de danos ou de sofrimentos que possam comprometer suas possibilidades de viver de modo saudvel. A institucionalizao das PICs no Brasil tem expresso histrica, fazendo parte de demandas coletivas desde a criao do SUS, atravs das Conferncias Nacionais de Sade. A histrica 8 Conferncia Nacional de Sade realizada em 1986 tambm considerada um marco para a oferta das PICs no sistema de sade do Brasil, pois pautada pela reforma sanitria deliberou em seu relatrio final a introduo de prticas alternativas de assistncia sade no mbito dos servios de sade, possibilitando ao usurio o acesso democrtico de escolher a teraputica preferida. A instituio de um Grupo de Trabalho especfico para a elaborao da poltica se deu apenas em junho de 2003, seguido de estudos sobre a insero das PICs no SUS a partir de 2004. Em 03/05/2006, ocorreu a aprovao e publicao da Portaria Ministerial n 971, da Poltica Nacional de Prticas Integrativas e Complementares no SUS. A PNPIC contempla: homeopatia, Medicina Tradicional Chinesa/acupuntura, termalismo, medicina antroposfica, plantas medici-

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nais e fitoterapia. Em 17/07/2006 ocorre a aprovao e publicao da Portaria Ministerial n 1600, que preconiza a Constituio do Observatrio de Prticas para Medicina Antroposfica. A PNPIC tem como objetivos: (a) incorporar, implementar, estruturar e fortalecer as referidas prticas no SUS; (b) contribuir para o aumento da resolubilidade do Sistema e para a ampliao do acesso s PICs, particularmente dos medicamentos homeopticos e fitoterpicos; (c) promover a racionalizao das aes de sade; (d) estimular as aes referentes ao controle/participao social: (e) desenvolver estratgias de qualificao de pessoal; (f) divulgar conhecimentos e informaes sobre PICs para profissionais de sade, gestores e usurios do SUS. Alm disso, procura-se incentivar as aes intersetoriais, a pesquisa, as aes de acompanhamento e avaliao alm de cooperao nacional e internacional no mbito das prticas integrativas e complementares. O estabelecimento da PNPIC no Brasil, mesmo recente, j permite reconhecer alguns avanos, entre eles, a realizao de atividades de formao profissional, a ampliao do acesso a medicamentos homeopticos e fitoterpicos da Farmacopia Brasileira na ateno bsica, assegurado formalmente pela Portaria GM 3237/07, alm do financiamento de projetos de pesquisa em acupuntura, homeopatia, plantas medicinais e fitoterpicos. Alm disso, depois apenas de dois anos da implementao da PNPIC, j existem mais de 800 municpios brasileiros que oferecem alguns desses tratamentos pelo SUS, realizando anualmente cerca de 380 mil procedimentos de acupuntura e mais de 300 mil em homeopatia. Tal poltica se consolidou no apenas pelo acesso, mas tambm pelo nmero de profissionais que trabalham na rea dentro do sistema oficial, com a estimativa de que, em 2007, 810 profissionais atuavam na rea de homeopatia e 699 profissionais em acupuntura. Nos procedimentos de monitoramento e avaliao em curso no SUS, como por exemplo, nos programas Avaliao para Melhoria da Qualidade (AMQ) e Gesto por Resultados na Ateno Bsica (PROGRAB), ambos no mbito do DAB/SAS/MS ocorreu insero de questes sobre a PNPIC. A normatizao da SAS passou tambm a incluir na tabela de servios as PICs, desde 2006. No item participao e controle social, houve a criao de uma comisso intersetorial de PICs no Conselho Nacional de Sade (CNS). Ocorrem tambm eventos de cooperao tcnica com a OMS e a participao

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do Ministrio da Sade em grupos de trabalho e agendas internacionais, com potencial de desenvolvimento de projetos de cooperao com diversos pases na frica, Amricas, Europa e sia. Restam desafios importantes, embora no insuperveis, tais como aqueles relativos qualificao massiva de profissionais, ampliao da articulao com a estratgia de Sade da Famlia, a constituio de redes de ateno, o desenvolvimento de processos de monitoramento e avaliao, o aprimoramento dos registros de servios e dos sistemas de informao, com a necessria atualizao do Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Sade (CNES), a ampliao dos processos de cooperao horizontal, como maior visualizao e divulgao de experincias bem sucedidas, bem como aprofundamento da poltica de insumos, de forma a incluir medicamentos homeopticos, fitoterpicos, agulhas para acupuntura, alm do fomento pesquisa. Na rea especfica de Plantas Medicinais e Fitoterpicos a acumulao brasileira especialmente relevante, particularmente nos ltimo cinco anos. O decreto n 5.813 de 22/06/2006, estabeleceu a Poltica Nacional de Plantas Medicinais e Fitoterpicos (PNPMF), atravs da qual aes interministeriais vm cobrindo toda cadeia produtiva, com a constituio de um Grupo de Trabalho do qual participam o Ministrio da Sade (que o coordena); a Agncia Nacional de Vigilncia Sanitria (Anvisa); a Fundao Oswaldo Cruz (Fiocruz); a Casa Civil da Presidncia da Repblica, alm dos ministrios da Integrao Nacional, Desenvolvimento, Indstria e Comrcio Exterior, Desenvolvimento Agrrio, Cincia e Tecnologia, Meio Ambiente, Agricultura, Pecuria e Abastecimento, Desenvolvimento Social e Combate a Fome e Cultura. Os eixos da referida poltica compreendem no s o acesso a plantas medicinais e fitoterpicos, como tambm seu uso racional e seguro, o uso sustentvel da biodiversidade, o desenvolvimento de toda a cadeia produtiva, o fortalecimento da indstria nacional, alm do reconhecimento e a valorizao do uso tradicional. Como aspectos notveis do desenvolvimento de tal rea no Brasil, merecem destaque alguns fatos, tais como: (a) a disponibilidade de guias fitoterpicos ou similares publicados em parcela considervel dos estados brasileiros; (b) o desenvolvimento de programas nacionais de fomento produo pblica e inovao, bem como de qualificao da produo e da inovao em equipamentos e outros

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materiais de uso em sade; (c) o desenvolvimento de material instrutivo sobre uso racional de plantas medicinais e fitoterpicos bem como de um memento teraputico para profissionais; (d) a articulao com Sistema Nacional de Vigilncia Sanitria, atravs da Anvisa, para monitoramento da qualidade dos fitoterpicos; (e) o processo de levantamento da legislao sanitria de plantas medicinais e fitoterpicos, para farmcias e laboratrios; (f) idem com relao ao marco regulatrio especfico para harmonizar a PNPMF com os servios disponveis no Pas; (g) a elaborao de um Manual de Boas Prticas de Manipulao/Fabricao de Fitoterpicos, ainda em andamento. Alm disso, no campo da formao e educao permanente dos profissionais de sade, existem inmeras propostas em andamento no Pas, voltadas para o estabelecimento de critrios para formao e a reorientao profissional, qualificao tcnica, educao permanente na assistncia farmacutica em fitoterapia, desenvolvimento de contedos e estratgias pedaggicas para os cursos de graduao em farmcia, inclusive com ensino especfico de PICs. Outro aspecto positivo da PNPMF refere-se ao grau de resposta obtida em consulta pblica referente mesma, j finalizada, sendo que em 90 dias surgiram mais de setecentas contribuies, todas consolidadas. Em etapa prxima ser realizada a elaborao da Relao Nacional de Plantas Medicinais e da Relao Nacional de Fitoterpicos. No mbito da Anvisa, cuja presena no processo fundamental para que a poltica se desenvolva, ocorre tambm o desenvolvimento de atividades intensivas, buscando-se a elaborao dos marcos regulatrios relativos a plantas medicinais e fitoterpicos, partindo do pressuposto de que todo fitoterpico industrializado deve ser registrado previamente, com definio de critrios de qualidade, segurana e eficcia semelhantes aos exigidos para os medicamentos alopticos. As licenas para produo de fitoterpicos se aplicam s instituies farmacuticas pblicas ou privadas, desde que se submetam autorizao de funcionamento, licena sanitria e condies satisfatrias de produo, alm de segurana e eficcia, de acordo com os critrios estabelecidos pela Anvisa. O trabalho desta agncia reguladora tem trazido outros resultados importantes, dado a crescente institucionalizao das PICs no Pas, tais como: padronizao e emisso de critrios para bulas, fortalecimento de pesquisas e incremento no registro simplificado.

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PRTICAS INTEGRATIVAS E COMPLEMENTARES INCORPORADAS AO SISTEMA NICO DE SADE

As prticas contempladas na PNPIC receberam nfase especial, com a presena de convidados, especialistas e estudiosos nacionais e estrangeiros, que abordaram a Medicina Tradicional Chinesa/acupuntura, a homeopatia, plantas medicinais e fitoterapia, medicina antroposfica e termalismo social/crenoterapia. Medicina Tradicional Chinesa/Acupuntura O convidado foi mdico chins Deng Liang Yue, presidente da Federao Mundial de Associaes de Acupuntura e Moxabusto (WFAS), sediada em Beijing. Segundo ele estas prticas esto presentes hoje em mais de 130 pases do mundo e em franca ascenso. O esforo desenvolvido pela entidade que preside tem hoje gama variada, com focos na resolutividade clnica, na formao e na capacitao profissional, na pesquisa, no desenvolvimento da legislao e no intercmbio internacional em acupuntura e mtodos assemelhados. Os processos de padronizao de mtodos e procedimentos e acupuntura tambm esto na ordem do dia da WFAS, neles se incluindo os contedos da formao, a definio de accupoints, alm da definio mais precisa das aplicaes clnicas. Termalismo Social/Crenoterapia O mdico italiano Umberto Solimene, docente da Universidade de Milo e diretor da Secretaria Geral da Federao Mundial de Hidroterapia e Climatoterapia, apresentou a experincia de seu pas nestes campos, qualificando-a como uma antiga terapia para uma nova medicina. A Itlia tem forte tradio nesta modalidade teraputica, sendo o prprio nome spa uma expresso dos antigos romanos, significando salute per aquam. Este pas tem tambm condies

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geolgicas muito favorveis a esta modalidade teraputica, com a presena de numerosas fontes termais em seu territrio. Cerca de 30 milhes de procedimentos so realizados por ano dentro de tal modalidade na Itlia e, alm disso, a movimentao financeira associada s termas e banhos bastante expressiva, estimando-se em cerca de 350 milhes de Euros anuais, sendo 100 milhes no mbito do sistema nacional de servios de sade (SNS). O termalismo considerado na Itlia como uma prtica de amplo respaldo cientfico, dentro da qual se reconhecem utilizaes e procedimentos diferenciados. Uma regra essencial a individualizao dos procedimentos teraputicos, de forma a adapt-los a cada condio nosolgica e a cada paciente. A prtica italiana do termalismo contempla vrios procedimentos, que percorrem um amplo espectro de especialidades mdicas, como traumatologia, ortopedia, neurologia, dermatologia, reumatologia, doenas respiratrias, alm de outras. Uso de Plantas Medicinais e Fitoterapia O mdico brasileiro Alex Botsaris, militante de movimento social pela humanizao da medicina e representante do Instituto Brasileiro de Plantas Medicinais, uma organizao no-governamental, discorreu sobre as plantas medicinais, consideradas como o recurso de sade mais antigo da humanidade. Apesar de sua antiguidade, todavia, as pesquisas apontam que ainda h grande potencialidade em seu emprego teraputico, com utilizao crescente em todo o mundo, tanto nos pases ricos e desenvolvidos como nos pases pobres, onde constituem os principais medicamentos usados pela populao. Os conceitos contemporneos relativos fitoterapia abrangem a noo de fitocomplexo, ou seja, princpios ativos formados por grupos de substncias ativas semelhantes, porm com diferentes aes nos receptores, modulando assim as funes do organismo. Entre outras vantagens, a utilizao de plantas medicinais na ateno bsica a sade possui alta efetividade teraputica, valorizando a cultura popular, contribuindo para a formao de cadeias produtivas geradoras de emprego e renda, apresentando custo baixo com maior segurana, alm de boa aceitao por parte da populao. Os fitoterpicos tm se mostrado capazes de substituir parte dos medicamentos mais prescritos por possurem excelente relao custo-benefcio, com um perfil de ao adequado aos problemas que podem chegar aos 95% dos atendimentos na ateno bsi-

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ca. Entre outros medicamentos, considera-se que h alternativas em fitoterapia para benzodiazepnicos e sedativos; analgsicos e antitrmicos; antiinflamatrios; corticosterides; broncodilatadores; protetores da mucosa gstrica. Investir em fitoterpicos ajuda no melhor aproveitamento da biodiversidade brasileira. Medicina Antroposfica A medicina antroposfica (MA) foi apresentada por Ricardo Ghelman, Coordenador do Setor Interdepartamental de Medicina Antroposfica da Universidade Federal de So Paulo, como alternativa para muitos desafios colocados pelo reducionismo da medicina cientfica. Ela praticada em cerca de 80 pases, h quase um sculo e no Brasil, atuam cerca de 1,5 mil mdicos antroposficos em oito estados. A MA dispe de metodologia cientfica prpria, com processo de trabalho focado em equipes multidisciplinares, alm de uma abordagem integrada da fisiologia, da fisio-patologia e da teraputica. Por definio, o profissional de sade antroposfico aquele que se empenha junto ao paciente e sua famlia em busca dos significados da doena, dentro da viso do desenvolvimento noo-psico-somtico, tendo como pano de fundo do estudo racional da biografia do paciente. Na MA a viso do corpo contempla quatro organizaes (eu, anmico, vital e fsico) e trs sistemas orgnicos funcionais (neuro-sensorial, rtmico, e metablico-motor), respondendo a terapias diversas, tais como banhos, massagens, terapia artstica, terapia-biogrfica, terapia medicamentosa. Nesta ltima, diferentes farmacopias so compreendidas, tais como: terapia aloptica; fitoterpica e base de dinamizados, estes j reconhecidos oficialmente pela Avisa. Existem servios pblicos de MA nas cidades de Belo Horizonte e So Joo Del Rei, em Minas Gerais. A MA constitui disciplina eletiva em algumas faculdades de medicina brasileiras. Homeopatia Madel Terezinha da Luz, docente e pesquisadora do Instituto de Medicina Social da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ) uma estudiosa da homeopatia enquanto racionalidade mdica ocidental. O estudo da homeopatia, a sua racionalidade, a sua forma de insero na sociedade e no Estado, revelaram ser ela um sistema mdico complexo, uma outra racionalidade em

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medicina. A homeopatia uma teraputica da fora vital, com foco na totalidade da vida humana, tendo como objeto o indivduo como unidade viva, portador de mltiplas dimenses e a sua teraputica deve ser congruente com essa concepo. A pesquisa homeoptica, objeto de crtica das outras racionalidades, enfrenta, sabidamente, obstculos institucionais importantes, por se constituir como um saber vitalista que contraria certos princpios biomecanicistas e bio-fisiopatologistas do cientificismo ocidental. Tais obstculos no so apenas metodolgicos, mas tambm ideolgicos e epistemolgicos, alm de institucionais, com reflexos nas prticas, no ensino da homeopatia e na prpria existncia de instituies homeopticas. No plano cientifico a homeopatia mais desenvolvida na ndia.

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A INSERO DAS PRTICAS INTEGRATIVAS E COMPLEMENTARES NOS SISTEMAS OFICIAIS DE SADE

Nos quatro pases latino-americanos, Brasil, Cuba, Mxico e Bolvia, a incorporao das PICs ao sistema oficial de sade, ou seja, a atribuio do estatuto de direito s mesmas, relativamente recente, remontando h pouco mais de 10 anos em Cuba, aos primeiros anos da dcada atual no Mxico, a partir de 2006 no Brasil e mais recentemente ainda na Bolvia. Em todos eles parece ter sido marcante a influncia das resolues da OMS sobre o tema, particularmente aquelas emanadas da 56 Assemblia Mundial da Sade, realizada em 2003. Assim, pode-se dizer que as referidas polticas nacionais contm componentes de desenvolvimento de marcos legais e de regulao; de fiscalizao e controle de qualidade; de ensino; pesquisa e validao cientfica, alm dos aspectos da teraputica propriamente dita. Nos pases que possuem sistemas pblicos nacionais unificados de sade, como o caso do Brasil e de Cuba, a incorporao e institucionalizao das PICs em tais sistemas mais intensiva, com destaque especial para o caso de Cuba. Nos pases com sistemas de sade mais segmentados, de que so exemplos o Mxico e a Bolvia, a insero ocorre, particularmente no primeiro deles, mas o grau de institucionalizao das PICs como poltica oficial de sade menor. No s em sua vertente tradicional autctone, mas tambm no caso das prticas importadas, principalmente a homeopatia, as experincias nacionais possuem curso histrico abrangente, destacando-se o caso do Mxico, que teve a homeopatia assumida como prtica oficial de sade, reconhecida e protegida por leis nacionais, desde os primrdios de sua revoluo institucional, ainda no sculo XIX. As denominaes das prticas variam. O que se chama no Brasil de prticas integrativa e complementar (PICs), no Mxico conhecido

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como medicina complementar e integrativa (MCI) e em Cuba medicina natural e tradicional (MNT). Na Bolvia no h denominao especfica, mas encontram-se tais prticas inseridas dentro do chamado modelo de sade familiar comunitrio intercultural (SAFCI). Em 2002, o Ministrio da Sade mexicano criou a Direo de Medicina Tradicional e Desenvolvimento Intercultural e estabeleceu as Diretrizes Nacionais de Medicina Tradicional e Desenvolvimento Intercultural. A poltica intercultural delineada por quatro grandes linhas de ao: enfoque intercultural nos servios de sade, medicina tradicional, sistemas complementares e poltica de ateno sade dos povos indgenas. Vrias aes foram implementadas visando o fortalecimento do marco legal. Decreto-lei reconheceu a medicina tradicional indgena como direito cultural dos povos indgenas (2001). Na Bolvia o SAFCI deve ir alm dos aspectos particulares e ser capaz de integrar e utilizar com respeito e em igualdade de condies a cultura, a lngua, o conhecimento e prticas ocidentais e tambm o conhecimento e prticas dos povos indgenas, camponeses e afrodescendentes. O SAFCI vincula, envolve e articula a equipe de sade, as pessoas, a famlia, a comunidade e suas organizaes nos mbitos de gesto e ateno sade. Cuba, no s pelas suas dimenses territoriais e populao, como tambm pelas peculiaridades de seu sistema poltico e de sade e tambm, sem dvida, pelo grau de deciso poltica relativo medicina natural e tradicional, dispe de um sistema avanado nesta rea. Com efeito, j nos meados dos anos 90 do sculo XX, uma coordenao nacional de MNT foi criada no Ministrio da Sade Pblica cubano, sendo tambm institudo posteriormente um Centro Nacional de MNT, com tarefas de formulao tcnica e normativa, desenvolvimento de pesquisas e tecnologia, ensino, fiscalizao, divulgao e estabelecimento de padres tcnicos e de qualidade. Em 2004 a MNT foi erigida como um dos Programas da Revoluo, o que sem dvida configura um estatuto especial para esta rea. Em 1997, foi aprovado o Programa Nacional para desenvolvimento e generalizao da MNT, sendo instituda uma rede de servios e centros de atendimento em MNT em todo o pas. Ainda em Cuba bastante extenso o repertrio de prticas de MNT; alm das mais convencionais como homeopatia, acupuntura

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e medicina tradicional chinesa, esto presentes tambm prticas to variadas como apiterapia, ozonioterapia, campos magnticos, hidroterapia, raios laser, hipnose e outras. No pas, a integrao dos dois tipos de medicina uma realidade. O mdico capaz de oferecer uma grande quantidade de servios, dentre eles, prticas da MNT. No Mxico, embora certamente no haja restries a outras modalidades, so referidas pelo menos 125 tipos diferentes de MCI, porm as prticas contempladas dentro do sistema nacional de sade mexicano so a homeopatia, a acupuntura e a fitoterapia (herbolaria). A progresso da MNT ao longo de mais de uma dcada de sua oficializao em Cuba foi tambm bastante expressiva. A integrao no sistema de sade um aspecto essencial do Programa de Medicina Natural e Tradicional. No pas todos os nveis de ateno empregam a MNT no seu cotidiano de trabalho. Alm disso, as prticas de MNT esto disseminadas nos vrios nveis hierrquicos e categorias institucionais do sistema de sade cubano, abrangendo as reas ambulatorial e hospitalar, ateno bsica e especialidades, doenas crnicas e emergncias, medicina e odontologia, cura e preveno, entre outras. No Brasil o elenco oficial de PICs inclui a homeopatia, a medicina tradicional chinesa/acupuntura, as plantas medicinais e fitoterpicos, alm do termalismo social/crenoterapia e da medicina antroposfica. A PNPIC preconiza o reforo integrao no SUS por meio da Ateno Bsica. No Mxico h meno de utilizao ambulatorial e hospitalar relativa s prticas de MCI, enquanto no Brasil as PICs, salvo excees pontuais, se restringem ao componente da ateno bsica do SUS, ao qual, alis, tal rea est vinculada na estrutura do Ministrio da Sade. Contedos de Promoo da Sade parecem tambm fazer parte dos diversos sistemas de prticas teraputicas complementares. Em Cuba, se fala de uma medicina integrativa, definida a partir da considerao de que o desenvolvimento humano se torna sustentvel medida que seja possvel constituir um sistema de cuidados baseado em estilos de vida saudveis, em harmonia com a natureza, com pleno respeito ao ambiente e com o emprego de meios ao alcan-

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ce de todos os cidados, o que tem correspondncia com a Poltica Nacional de Promoo da Sade (PNPS) no Brasil e com definies semelhantes nas polticas de sade mexicana e boliviana. A formao e capacitao relativas s PICs fazem parte das vrias propostas nacionais apresentadas. Cuba, por exemplo, tem inmeras iniciativas nesta rea, com ampla difuso e apoio estatal formao graduada, ps-graduada e em servio. Foram treinados em MNT 80% dos mdicos cubanos, 70% dos enfermeiros e 82% dos farmacuticos. No Brasil atividades visando a formao profissional esto em curso. Dentre as iniciativas em andamento pode ser citado o Curso de Especializao em Homeopatia para mdicos da rede pblica de sade em Rio Branco (Acre). Tambm esto em curso propostas visando a implantao de educao permanente na rea de assistncia farmacutica em fitoterapia. No Mxico centros acadmicos oferecem licenciaturas e especializaes em prticas de medicina complementar. Foram constitudos comits tcnicos em acupuntura, homeopatia e fitoterapia e um Comit Interinstitucional para a Formao de Recursos Humanos em Sade. Quanto ao acesso a medicamentos homeopticos e fitoterpicos, no Brasil a Portaria GM n 3237/07, que dispe sobre medicamentos de referncia para a Ateno Bsica, incluiu dois fitoterpicos e os medicamentos homeopticos pertencentes farmacopia brasileira. Em Cuba, no Programa de Medicina Natural e Tradicional a produo de medicamentos naturais atividade considerada essencial. Aspecto de destaque no sistema mexicano, que certamente se enraza na tradio que os estudos de antropologia possuem neste pas, a forte abordagem das MCI ancorada no que denominam de desenvolvimento intercultural. Isso est traduzido, por exemplo, na expressiva classificao das prticas complementares e integrativas apresentadas no evento, com ilustrativas e numerosas categorias e subcategorias. Na prpria estrutura da Direcin Nacional, alis, denominada de Medicina Tradicional y Desarollo Intercultural, tal nfase fica bem evidente. No seria por acaso, certamente, que um dos componentes operacionais da direo nacional de MTDI diz respeito sade indgena, situao que tambm diferencia o Mxico dos outros dois pases analisados aqui.

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Tal enfoque tambm est presente no sistema boliviano, que apresenta um conceito chave de interculturalidade, definido como a relao de grupos ou pessoas culturalmente distintas, porm baseada no dilogo, na aceitao, no reconhecimento, na valorizao, na articulao, bem como na complementaridade entre os diferentes saberes e prticas mdicas e que contribuem para melhorar a sade da populao. Tal modelo, dito biomdico/socio/cultural volta-se prioritariamente para os povos indgenas e para as populaes rurais e se articula com a medicina tradicional de forte presena no pas. So aspectos tambm notveis as pesquisas desenvolvidas sobre a utilizao das prticas em pauta em diversas condies patolgicas. Assim, no Mxico desenvolvem-se estudos sobre sua aplicao no diabetes, na dependncia qumica e na reabilitao do trauma, caso especfico da acupuntura. No pas tambm foi formado um comit de validao, composto por especialistas em diferentes reas de formao, e estabelecimento de critrios para validar os diferentes modelos de medicina complementar existentes. Em Cuba grande destaque foi dado ao uso da homeopatia no controle e na preveno da dengue, com bons resultados registrados. No pas o Programa Ramal, vinculado ao Ministrio da Sade, integrado a outros Ministrios desenvolve pesquisas abarcando diversos temas relacionados Medicina Tradicional, segundo recomendaes da OMS. No Brasil existem atualmente linhas diversificadas de pesquisas financiadas pelo Ministrio da Sade, foram aprovados projetos para a acupuntura e para a homeopatia, tendo sido lanado um edital especfico para plantas medicinais e fitoterpicos. Quanto ao controle social e participao social, no Brasil foi criada a Comisso Intersetorial PICs no Conselho Nacional de Sade, para garantir o espao de interlocuo com os atores-chave. Na Bolvia participao social um princpio do SAFCI.

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AS EXPERINCIAS BRASILEIRAS

No Brasil, a institucionalizao das PICs iniciaram-se a partir da dcada de 80, principalmente, aps a criao do SUS. Com a descentralizao e a participao popular, os estados e os municpios ganharam maior autonomia na definio das suas aes em sade e polticas, vindo a implantar experincias pioneiras. Foram trazidas ao evento sete experincias brasileiras em programas de incorporao das PICs aos sistemas de sade. Destas, cinco so experincias desenvolvidas por Secretarias Municipais de Sade (Campinas, Vrzea Paulista, Pindamonhangaba, Recife, Vitria); as outras duas so do estado do Amap e do Distrito Federal. As prticas integrativas e complementares predominantes nessas experincias foram: homeopatia, acupuntura e fitoterapia, alm de prticas corporais de diversas modalidades. Existe uma gama muito grande de PICs presentes, podendo ainda ser citadas: bioenergtica, ioga, nutrio saudvel, massagem, arte e musicoterapia, prticas educativas diversas, alm de muitas outras. A experincia de Campinas se revela avanada em termos conceituais, ao propor a noo de sade integrativa, definida como a percepo do Homem e de suas molstias enquanto resultado da interao entre os seres humanos e com os elementos da natureza, alm da considerao dos estilos de vida, da alimentao, dos exerccios como fatores de sade, traduzindo-se como uma viso integral do processo sade-doena, mediante a qual se pode de fato encontrar a cura, como equilbrio entre a matria e a energia. Embora originria de uma experincia isolada, tal conceito define, de forma cabal, os objetivos do conjunto de experincias apresentadas no Seminrio. Todas as experincias tm desenvolvimento e implantao recentes, estando possivelmente sintonizadas com as discusses e o lanamento de novas diretrizes da PNPIC, que tambm remonta a

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anos recentes. Existe tambm uma tendncia, bastante visvel em Vrzea Paulista, Recife e Pindamonhangaba, mas no s nestas localidades, da poltica local de PICs se constituir, na verdade, como um segmento de polticas sociais mais amplas, envolvendo ateno bsica, participao social, democratizao da gesto e reorganizao dos sistemas assistenciais e gerenciais como um todo, dentro do contexto da ltima mudana de governos municipais, a partir de 2005 ou mesmo na eleio anterior. Outro aspecto comum s diversas experincias a sua articulao com as aes de ateno bsica, em particular com a estratgia Sade da Famlia (Campinas, Vitria e Recife). Em boa parte dos casos ocorre tambm parceria com universidades e instituies de pesquisa, inclusive em cidades que no abrigam tais instituies em seu territrio, configurando assim uma forma de cooperao tcnica alm-fronteiras. Tais parcerias esto configuradas como transferncia de expertise, realizao de pesquisas em servio e tambm utilizao dos programas para estgio de alunos dos cursos de graduao. Da mesma forma, notvel a preocupao com a capacitao das equipes de sade para essas modalidades de prticas, voltadas para as diversas categorias profissionais e mediante diferentes formatos de cursos de treinamento. Tais processos so realizados geralmente mediante mobilizao de esforos internos dos prprios rgos gestores, podendo tambm contar com a cooperao tcnica universitria em algumas circunstncias. Alguns aspectos peculiares de cada uma das experincias so comentados a seguir: Amap (AP) A experincia possui alto grau de institucionalizao, em comparao com as demais, com uma lei estadual especfica e a criao de um Centro de Referncias em Terapias Naturais, de abrangncia estadual. Constitui tambm a experincia que apresenta maior diversidade de PICs incorporadas, incluindo, alm da trade clssica de homeopatia, acupuntura e fitoterapia, prticas to diversas quanto auriculoterapia/reflexologia auricular; geoterapia (argila); hipnoterapia;

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massoterapias diversas (tui-n, shiatsu, drenagem linftica manual, sueca tradicional, reflexologia facial, palmar e podal, quick massage, seitai e shantala); pilates; quiropraxia/reiki; Reeducao Postural Global; bioginstica, ioga e outras. A experincia se apia na diversidade cultural, inclusive indgena, do estado do Amap e tambm na biodiversidade da Floresta Amaznica. A interculturalidade um aspecto importante, sendo desenvolvidos trabalhos com parteiras, populao ribeirinha, indgenas. Um fator diferencial da experincia do Amap a realizao de atendimentos mveis a populaes remotas e dispersas no ambiente amaznico. Campinas (SP) Trata-se da experincia que possui fundamentao conceitual mais aprofundada, traduzida no conceito de sade integrativa, j referido anteriormente, o que possivelmente se relaciona com a tradio acadmica da cidade de Campinas, com a presena de importantes instituies de ensino e pesquisa, traduzida concretamente em parceria formal com a Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP). Alm disso, desde o ano de 2001 foi constitudo no mbito da SMS o Grupo de Estudos e Trabalho em Terapias Integrativas (GETRIS), responsvel pela formulao da atual poltica. A influncia oriental tambm marcante na experincia de Campinas, tendo possveis razes na grande afluncia japonesa e de outras etnias orientais, prevalentes no estado de So Paulo desde a chegado do Kasato-Maru, em 1908. Na experincia de Campinas esto destacadas particularmente as prticas corporais, denominadas como corpo em movimento, projeto criado tendo como objetivo de apoiar a transformao do usurio em personagem que produz sua prpria sade, no seu caminhar na vida. Entre outras, esto includas em tal projeto as seguintes prticas: Lian Gong (parte do arsenal teraputico da Medicina Tradicional Chinesa, utilizada no tratamento e preveno de patologias osteo musculares crnicas); ginstica postural e harmnica; ioga; chikung (exerccios para a terceira idade); meditao na variedade Chan Tao; Tai Chi Chu; danas circulares.

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A cooperao da UNICAMP tem tambm se traduzido na realizao de pesquisas em servio, por exemplo, uma realizada pelos alunos de medicina da Faculdade de Cincias Mdicas demonstrando os benefcios do Lian Gong. H tambm outras pesquisas demonstrando avaliao do impacto das PICs entre os usurios dos servios de sade. A integrao com a estratgia Sade da Famlia em Campinas tambm digno de destaque. Os processos de capacitao profissional esto bastante avanados e pelos mesmos j passaram centenas de trabalhadores do sistema de sade. Distrito Federal (DF) Em Braslia est constitudo formalmente, no mbito da SES-DF o Ncleo de Medicina Natural e Terapias Integrativas (NUMENATI), responsvel pela formulao e conduo da poltica de PICs na Capital Federal. As palavras de ordem desta instncia do sistema de sade do Distrito Federal, com reflexos na incorporao das PICs so: a integralidade como atitude. O NUMENATI possui ramificaes acadmicas importantes, no s pelas preocupaes de seus criadores, mas tambm pela facilitao obtida por pertencer o mesmo a uma instituio que tambm abriga uma unidade voltada para a formao superior em medicina e enfermagem, alm de cursos de nvel mdio na rea de sade a Fundao de Ensino e Pesquisa em Cincias da Sade (FEPECS). Um aspecto diferencial importante da atuao do NUMENATI a criao recente de uma Residncia em Acupuntura, sediada na FEPECS. digno de nota, tambm, a realizao de prticas de manipulao relativa a fitoterpicos no mbito do setor, fornecendo uma lista bsica de medicamentos desta natureza para a rede de servios do DF. Pindamonhangaba (SP) Este municpio paulista tambm pode ser destacado como detentor de um alto grau de institucionalizao de seu programa de PICs, constitudo que foi atravs de portaria municipal. Um Centro de Prticas Integrativas e Complementares (CPIC) foi criado e se responsabiliza pela formulao e execuo da poltica municipal relativa a esta rea. Esto tambm presentes parcerias diversas, com instituies pblicas e organismos no governamentais.

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Uma pesquisa sobre utilizao preferencial de fitoterpicos foi realizada na rede, apresentando sugestivos resultados que tm orientado a formulao da poltica e o direcionamento das atividades. Outros aspectos a destacar na experincia de Pindamonhangaba so: a instituio das rodas de estudo em plantas medicinais, a criao de um Dia Municipal das Plantas Medicinais, alm da preocupao com pesquisa e informao relativas ao tema das PICs. Recife (PE) No programa da SMS da Cidade do Recife esto includas alm da trade homeopatia, acupuntura, fitoterapia bioenergtica, tantra ioga, nutrio saudvel, Lian ong, Tai Chi Chuan, dana e percusso, automassagem, alm de prticas educativas diversas. A poltica de PICs em Recife constitui um dos exemplos de insero em polticas sociais mais amplas, envolvendo ateno bsica, participao social, democratizao da gesto e reorganizao dos sistemas assistenciais e gerenciais, remontando ao incio da dcada. O programa volta-se para o Distrito Sanitrio II, rea pobre da cidade que detm populao de mais de duzentos mil habitantes, 14,48% da populao total do municpio, alm de altos ndices de densidade demogrfica e de habitantes por domiclio. forte a preocupao com a capacitao de profissionais da rede de servios e tambm de cuidadores e da populao em geral, sobre a necessidade de incorporao das prticas de cuidados integrais no enfrentamento das doenas comuns. Aspecto distintivo so as variadas parcerias institucionais, por exemplo, com a Universidade Federal de Pernambuco, Universidade de Pernambuco e Universidade Catlica (PE). Vitria (ES) A experincia de Vitria tem forte foco na fitoterapia. Um interessante processo de diagnstico do uso tradicional de plantas medicinais pela populao foi desenvolvido e tem orientado a poltica local de PICs. Aspectos distintivos interessantes so a criao de jardins terapu-

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ticos no mbito de unidades de sade; a articulao com o PSF; a criao de uma farmcia de manipulao, com produo de 12 itens, com mdia de 20.000 receitas/ano, alm da a criao de uma comisso municipal de padronizao dos medicamentos homeopticos e fitoterpicos. Servios de orientao ao exerccio fsico esto presentes tambm em diversos locais da cidade de Vitria, incluindo hidroginstica; ioga; alongamentos, alm de acompanhamento e orientao para caminhadas. Dentro de tal mbito ocorreu a implementao de Academias Populares para prtica de atividades fsicas ao ar livre, com acesso amplo da populao. Alm disso, a experincia em que as reas de arte e musicoterapia esto contempladas de forma mais abrangente.

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CONSIDERAES FINAIS

1. A realizao do presente Seminrio Internacional, por si s, pode ser considerado um evento da mais alta relevncia. Foram inmeros os ensinamentos trazidos pelos pases presentes, que podem e devem ser incorporados pelo Brasil com as devidas adaptaes. 2. Como decorrncia, o intercmbio internacional no campo das PICs deve continuar e ser cada vez mais incrementado, alcanando tambm, em futuros eventos, outros pases que tambm tenham experincias a compartilhar com o Brasil. O Ministrio da Sade deve se esforar em acompanhar e realizar intercmbio permanente com pases que detenham tradio e expertise na utilizao e incorporao das PICs em seus sistemas de sade. 3. A ampliao do escopo das PICs na PNPIC tambm deve ser co gitada, de forma no s a incorporar novas modalidades de prticas de eficcia comprovada, como tambm mediante a utilizao dos critrios da OMS para qualificao da poltica nacional, entre outros: (a) abrangncia e coerncia da poltica, com o desenvolvimento de instrumentos de regulao voltados para as prticas e produtos; (b) incremento da disponibilidade de PICs em todos os nveis do sistema de sade; (c) currculos escolares universitrios contemplando as PICs; (d) pesquisa com apoio oficial s PICs em bases idnticas s da medicina convencional. 4. Possui fundamental importncia a divulgao das experincias bem sucedidas em curso nos estados e municpios, como este I Seminrio demonstrou, alm daquelas de outros pases, para o que fundamental desenvolver instrumentos apropriados, como, por exemplo, mediante a criao de um Observatrio de PICs e tambm realizar eventos de integrao e intercmbio, visando ampliao e o fortalecimento da cooperao tcnica, no s originria do Ministrio da Sade como em modalidades horizontalizadas, entre gestores de mesma esfera de governo.

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MINISTRIO DA SADE

Secretaria de Ateno Sade Departamento de Ateno Bsica

5. As exposies realizadas pelos estados e municpios durante este I Seminrio demonstraram que o quadro de PICs contemplado na Poltica Nacional, embora represente um real avano em relao ao passado mesmo recente, ainda um tanto quanto limitado. Existe a necessidade de incremento qualitativo e quantitativo da insero das PICs no SUS. 6. O desenvolvimento recente da PNPIC no Brasil, aliado ao domnio histrico da medicina e outras prticas de sade convencionais no pas, acarretam enormes desafios no que tange formao e capacitao de recursos humanos para esta rea, cabendo de forma urgente, entre outras medidas, a insero do ensino das PICs no ensino de graduao dos cursos de sade, a capacitao e aperfeioamento das equipes de sade em todos os nveis do sistema. 7. Ampliao de informaes ao pblico outra medida de grande importncia, no s visando a ampliao da utilizao racional das PICs, mas tambm de forma a regular e conter eventuais abusos, exageros e iluses do tipo o que natural no faz mal. 8. Apesar de transformaes positivas no panorama recente, a ampliao de recursos para pesquisa nas diferentes etapas do processo de produo e consumo de PICs uma medida desejvel, sendo ideal a situao em que a as PICs recebessem investimentos proporcionais queles destinados s pesquisas de produtos e procedimentos convencionais. 9. A criao no Brasil de um Centro Colaborador em Medicina Tradicional/ Medicina Complementar Alternativa uma iniciativa bastante importante para o desenvolvimento das PICs no pas. Tal iniciativa proporcionaria a formao de recursos humanos dentro de uma outra racionalidade, fomentaria a realizao de pesquisa e tambm o intercmbio de experincias.

PARTE 2: Relatrio Descritivo

Braslia - DF 13 a 15 de maio 2008

Relatrio do 1 Seminrio Internacional de Prticas Integrativas e Complementares - PNPIC

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Primeiro Dia Data: 13 de maio Horrio: 19 Horas

CERIMNIA DE ABERTURA

Slvio Fernandes da Silva1

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u queria, em nome do Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Sade (CONASEMS), que representa cinco mil e quinhentos e sessenta e quatro municpios, parabenizar o Ministrio da Sade pela iniciativa e dizer que os municpios esto com uma expectativa muito positiva com a realizao deste Seminrio, at porque uma oportunidade de consolidar ainda mais uma poltica que est se desenvolvendo no Sistema nico de Sade (SUS) brasileiro desde o incio do seu processo de construo e, certamente, eventos como este nos permitiro ampliar e consolidar diversas iniciativas que acontecem nas vrias regies, nos estados brasileiros e nos diversos municpios. Eu venho de um municpio onde a homeopatia, a acupuntura, a fitoterapia, o do-in esto incorporados nas prticas do sistema de sade e posso dizer, com absoluta certeza, que no sou de uma cidade que a exceo: centenas, eu diria, at, milhares de municpios brasileiros esto incorporando essas prticas. Quero, portanto, mais uma vez, reforar as congratulaes da nossa entidade e desejar um excelente Seminrio a todos ns.

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Representante do Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Sade

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MINISTRIO DA SADE

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Diego Victria2 com muita honra que a representao da Organizao Pan-Americana da Sade (Opas/OMS) se faz participante e co-patrocinadora deste importante Seminrio. Vivemos num mundo de contnuas e rpidas mudanas, num planeta em transformao. Essas mudanas acabam por gerar a necessidade de oferta de uma pluralidade de servios de sade, incorporando novos mtodos e tecnologias segundo critrios de efetividade e necessidade, sem esquecer, porm, da existncia de um grande nmero de pessoas que demandam uma maneira tradicional de receber cuidados em sade baseados em premissas completamente diferentes e culturalmente distintas. Nesse sentido, o respeito s diferenas, que semeia culturas e gera polticas e prticas de incluso, ainda que por vezes contraditrias, condio essencial para o desenvolvimento de estratgias de operacionalizao de alternativas inclusivas. Portanto, as diferenas precisam ser encaradas como fonte de recursos para as transformaes em vez de serem vistas como obstculos. Trata-se de questionar o elo das relaes humanas, a participao de cada sujeito, suas vivncias e a estruturao das relaes sociais. Ao se falar em diferena refora-se o respeito s caractersticas prprias de cada indivduo e dos grupos aos quais ele pertence. Dessa forma, faz-se necessrio observar todas as nuances do entorno social e planejar o servio de sade adequado para atender s diferentes modalidades de vida e demandas de cuidados. Os determinantes de sade so mltiplos, exigindo, assim, vrias abordagens para a obteno de um sucesso teraputico eficaz e prolongado. Em um grande nmero de pases ocidentais toma corpo uma forma especial de atendimento em sade que agrega ao conhecimento ocidental as chamadas Prticas Integrativas e Complementares (PICs), ou seja, uma opo a mais para a oferta de cuidados integrais. A OMS, que conta neste Seminrio com a presena da ilustre co2

Representante da Organizao Pan-Americana da Sade/Organizao Mundial da Sade

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lega doutora Xiaouri Zhang, possui uma estratgia definida para a chamada medicina tradicional, cujos objetivos so: facilitar a integrao da medicina tradicional nos sistemas nacionais de sade, ajudando os Estados-Membros no desenvolvimento de suas prprias polticas em medicina tradicional; promover o uso adequado da medicina tradicional por meio da formulao e promoo de padres internacionais, protocolos tcnicos e metodologias; agir na qualidade de facilitador para o intercmbio de conhecimento no campo da medicina tradicional. O Ministrio da Sade do Brasil publicou, em 2006, a Poltica Nacional de Prticas Integrativas e Complementares (PNPIC), visando ampliao do acesso e integralidade do cuidado. Essa ao est alinhada aos objetivos estratgicos da OMS anteriormente citados e conta com o total apoio da nossa representao brasileira para a sua implementao e desenvolvimento. Para encerrar, desejo que as prticas integrativas sigam a sbia recomendao de Paulo Freire: que os nela envolvidos se ajudem mutuamente, crescendo juntos no esforo comum de conhecer a realidade que buscam transformar. E que o ato de ajudar no se transforme em dominao de quem ajuda sobre quem ajudado.

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Jos Gomes Temporo3 com prazer que compareo a este evento de suma importncia em nosso pas. As experincias vivenciadas com a insero das Prticas Integrativas e Complementares vinculadas ateno primria esto cada vez mais em evidncia no mundo. So em espaos como o deste Seminrio Internacional, organizado pelo Ministrio da Sade do Brasil, que o conhecimento, as discusses e o estreitamento das relaes dos modelos de ateno sade ocorrem, visando troca de boas experincias em nvel nacional e internacional. Em 20 anos de SUS, muita coisa foi realizada. Um conjunto de avanos comprova a adequao dos princpios e diretrizes constitucionais do Sistema nico de Sade Brasileiro. Sua construo um processo positivo em andamento. Cada poltica especfica criada no interior do sistema significa um desafio para a sua articulao, estruturao, financiamento e gesto. Como destaque, temos a estratgia Sade da Famlia, que j atinge cerca de 90 milhes de pessoas, baseada em experincias municipais j em curso no pas. A estratgia Sade da Famlia operacionaliza pontos fundamentais do SUS, como: a proteo e promoo da sade; a territorializao; a participao comunitria atravs de aes de educao e promoo da sade; a ateno integral e contnua; a integrao ao sistema local de sade; o impacto sobre a formao de recursos humanos; o estmulo ao controle social. Em 2006, lanamos as Polticas Nacionais de Prticas Integrativas e Complementares no SUS e de Plantas Medicinais e Fitoterpicos. Essas Polticas foram construdas dentro de um contexto nacional, a partir do anseio popular, expresso em diversas conferncias nacionais de sade, e do estmulo internacional da OMS.3

Ministro da Sade

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Criamos um documento que objetivava o uso racional e integrado da medicina tradicional complementar e alternativa na rede pblica de sade. A Poltica Nacional de Prticas Integrativas e Complementares no SUS inclui aes voltadas para: homeopatia, medicina tradicional chinesa/acupuntura, uso de plantas medicinais e fitoterpicos, medicina antroposfica e termalismo social. Com o Decreto Presidencial de 2005, articulamos 11 Ministrios para garantir acesso seguro s plantas medicinais e fitoterpicos em todas as etapas da cadeia produtiva. Ainda como Secretrio de Ateno Sade, editei Portaria que possibilitou o registro dos servios de Prticas Integrativas e Complementares com suas diversas modalidades nos sistemas de informao de base nacional do SUS. Isso permitiu, a partir daquele momento, um monitoramento efetivo da insero das prticas integrativas. Essas iniciativas e compromissos assumidos refletiram positivamente e, como resultados alcanados, destacamos que, em 2007, foram realizadas mais de 312 mil consultas em homeopatia e 386 mil em acupuntura, alm de outros 150 mil procedimentos relacionados acupuntura. Em terapia comunitria, vamos formar mais de mil profissionais de sade. Como uma ao do Programa Mais Sade, j implementado, criamos o incentivo qualificao da estratgia Sade da Famlia com os Ncleos de Apoio Sade da Famlia (NASF). Os ncleos contemplam as prticas integrativas. Essas polticas, programas e projetos devem se integrar nos territrios locais e so dependentes da capacidade tcnica existente e do compromisso e estratgia dos gestores estaduais e municipais. O Brasil tem se destacado com a proposta da Sade da Famlia como um modelo de universalizao e busca da integralidade e eqidade propostas pelo SUS.

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A articulao das prticas integrativas favorece a ampliao de acesso a recursos antes restritos rea privada. Este Seminrio Internacional est no rol das iniciativas de reforo tcnico-poltico da ateno bsica e das Prticas Integrativas e Complementares, alm de dar transparncia ao esforo brasileiro de incluso desse campo num sistema pblico e universal de sade. O compartilhamento de experincias exitosas e desafios a serem enfrentados em outros pases poder, sem dvida, auxiliar esses processos no Brasil. Convidamos, para debater suas experincias, representantes da Bolvia, da China, de Cuba, do Mxico e da Itlia. Teremos, ainda, mesas temticas sobre a homeopatia e a medicina antroposfica, medicina tradicional chinesa, termalismo social, plantas medicinais e fitoterapia. A Conferncia Magna ser proferida pela Dra. Xiaouri Zhang, que coordena, em Genebra, o Programa de Medicina Tradicional da Organizao Mundial de Sade. marca de sua gesto incentivar a insero dessas prticas nos sistemas oficiais de sade. Teremos uma riqussima oportunidade de intercmbio internacional de experincias e a possibilidade de nascimento de parcerias para o futuro que incluam intercmbio de profissionais, centros formadores e gestores. Bom trabalho a todos!

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CONFERNCIA MAGNA

As Prticas Integrativas e Complementares no Contexto Mundial Mudanas e Progressos Integrao da Medicina Complementar nos Sistemas Nacionais de SadeXiaouri Zhang1

H

trinta anos, em 1978, a Organizao Mundial de Sade (OMS) instituiu a Declarao de Alma Ata, que estabelecia uma srie de objetivos para proporcionar Sade para Todos os habitantes do planeta. Infelizmente, esses objetivos no foram completamente atingidos at os dias de hoje. Entretanto, fundamental salientar que essa Declarao exerceu um importante papel para a medicina tradicional ao reconhecer sua importncia para o cuidado sade das populaes, principalmente na ateno primria. No final da dcada de 70, a OMS criou o Programa de Medicina Tradicional, que recomenda aos Estados-Membros o desenvolvimento de polticas pblicas para facilitar a integrao da medicina tradicional e da medicina complementar alternativa nos sistemas nacionais de ateno sade assim como a promoo do uso racional dessa integrao. preciso ressaltar que as diferenas de terminologia trazem toda uma carga cultural envolvida. No Ocidente, tende-se a chamar de Medicina Integrativa e Complementar justamente por, como1

Coordenadora do Departamento de Medicina Tradicional Organizao Mundial de Sade

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indica o nome, integrar e complementar um sistema de sade vigente, que se baseia, sobretudo, na alopatia. No Oriente, especialmente na China, chama-se de Medicina Tradicional, por se tratar do sistema vigente l, onde complementar a alopatia. Ao longo desses anos, a medicina tradicional passou por importantes mudanas. Grande contingente populacional de pases em desenvolvimento ou desenvolvidos fizeram ou fazem uso de prticas complementares, como a Alemanha (80%), Canad (70%), Frana (49%), Austrlia (48%), Estados Unidos (42%), Etipia (90%), Benin (70%), ndia (70)%, Ruanda (70%), Tanznia (60%) e Uganda (60%). A medicina tradicional oferece uma srie de servios diferenciados populao, como acupuntura, fitoterapia e homeopatia. Dentre essas prticas, a mais utilizada a fitoterapia. Na China, em 2005, a fitoterapia cresceu, em nmero de atendimentos, 23,81% comparado com o ano anterior, gerando gastos em torno de 14 bilhes de dlares. A homeopatia tem grande penetrao, contando com 7.000 homeopatas atuando em 49 pases. A acupuntura tambm uma prtica muito popular. necessrio ressaltar o grande desafio que para a OMS promover um crescimento seguro das prticas como acupuntura, fitoterapia e homeopatia, pois existe uma dificuldade de se estabelecerem mecanismos de controle desse mercado. Apesar de a medicina tradicional ou complementar estar sendo, hoje, popularmente utilizada no mundo, muitas dificuldades se impem na sua trajetria, podendo-se citar: Insuficincia de profissionais especializados, de pesquisas cientficas na rea, de mecanismos de controle, de aes de capacitao e desenvolvimento de profissionais; Falhas de regulamentao em alguns pases, gerando uma prtica com qualidade heterognea, caracterizada, por exemplo, por imprecises na identificao das plantas a serem utilizadas por fitoterapeutas, pela deficincia no fornecimento de informaes aos usurios, pelas contaminaes por metais pesados ou substncias qumicas ou ilegais;

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Falhas no sistema de comunicao entre as autoridades farmacuticas na regulamentao das drogas; Desconhecimento ou desinformao dos usurios sobre as prticas complementares (grande parte deles as considera terapias naturais e, por isso, seguras, podendo ser utilizadas por conta prpria); Falta de uma sistemtica de credenciamento dos profissionais adequadamente qualificados para as prticas complementares.

Com o objetivo de fazer frente aos obstculos identificados, foram estabelecidas pela OMS, em 2005, estratgias a serem adotadas pelos pases. Dentre elas, destacam-se: integrao da medicina complementar ao sistema nacional de sade, tendo por base as circunstncias de uso da medicina tradicional/medicina alternativa e complementar nesses pases; promoo de suporte para a sua efetiva regulamentao, garantindo eficcia, segurana e qualidade aos usurios; fomento de aes de proteo e estmulo ao uso das prticas complementares e das plantas medicinais; estabelecimento de medidas capazes de garantir o acesso s prticas complementares e a promoo do uso racional, esclarecendo adequadamente ao usurio as caractersticas essenciais das prticas complementares e qualificando profissionais. Dados sobre o alcance dessas estratgias so especificados em relatrios, como no WHO Global Survey and Database of National Policy and Regulation of TM/CAM and Herbal Medicines 2004, que apresenta informaes de 142 dos 192 pases, ou no Summary report of the global survey on national policy on traditional medicine and regulation of herbal medicines 2005. Importante salientar que, antes dos anos 90, apenas cinco pases possuam regulamentao e polticas voltadas medicina complementar. Em 2003, esse nmero subiu para 44, sendo que, em outros 51 pases, polticas nacionais estavam em processo de elaborao. Em 1986, apenas 14 pases tinham regulamentao sobre a homeopatia, nmero que, em 2003, foi alterado para 83 pases. Dados encaminhados pelos diversos pases, em 2007, revelam que: em 48 pases, a medicina complementar est integrada ao sistema nacio-

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nal de sade; em 110 pases, foi estabelecida regulamentao para a fitoterapia; em 62 pases, existem institutos de pesquisas voltados para a medicina complementar. Em 2003, a OMS estabeleceu uma regulamentao para as polticas de sade, na qual, dentre diferentes aspectos, foi determinado que a medicina tradicional assumisse o papel de incrementar o reconhecimento da medicina complementar, favorecendo sua integrao aos sistemas nacionais de sade, fornecendo suporte tcnico e informacional aos usurios para permitir-lhes us-la com eficcia e segurana e preservando e protegendo o arcabouo terico da medicina complementar. A integrao da medicina complementar aos sistemas nacionais de sade muito difcil, pois abarca diferentes concepes filosficas. No Ocidente, concebe-se a medicina como uma cincia que tem por objeto o corpo humano, no qual existem doenas, causadas por agentes que devem ser identificados para que o indivduo retome o seu estado saudvel. A medicina complementar, por outro lado, possui uma viso holstica, pela qual o indivduo visto em sua totalidade. A doena, seu diagnstico e tratamento devem ser vistos sob aspectos fsicos, emocionais, espirituais, mentais e sociais, simultaneamente. Esse paradigma estende-se tambm s drogas alopticas, que levam, em mdia, 13 anos para serem validadas, ao custo de cem milhes de dlares, e s utilizadas pela medicina complementar, que so compostas por um conjunto de plantas. Margareth Chang, Diretora da OMS, no seu discurso de posse, em 2006, afirmou: Eu tenho observado a importncia dos sistemas de ateno bsica na Amrica Latina, Europa e sia. Muitos pases da frica tm superado os desafios de reconstruo dos sistemas de suporte social. Pases da sia Central e Europa Ocidental esto migrando para a economia de mercado. Eles solicitam o suporte da OMS. Querem a garantia de que sistemas de ateno bsica eqitativos e acessveis a todos no sejam prejudicados por esse processo de mudana. Lembraram-me que a medicina tradicional uma pea importante do sistema que deve ser assegurada. Concepo com a qual concordo. Nessa mesma Conferncia, o Prncipe de Gales afirmou:

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Neste momento, questiono no a possibilidade de integrao da medicina tradicional aos sistemas de sade, mas sim como e at quando isso pode ser feito. Ao redor do mundo, em relao capacidade de integrao da medicina complementar ao sistema de sade, observam-se quatro tipos distintos de sistemas: integrativos, inclusivos, tolerantes e exclusivos. Ao mesmo tempo, percebe-se que no h, em muitos pases, critrios claros capazes de definir essa integrao, fato que levou a OMS a estabelecer alguns critrios para que um sistema de sade seja considerado como integrativo: 1. Apresentar polticas nacionais e legislao coerente, que inclua a prtica e a utilizao de produtos da medicina complementar; 2. Utilizar remdios e prticas complementares nos diferentes nveis de sade, tanto nos servios pblicos como particulares; 3. Ter cobertura dos seguros de sade tanto pblicos como privados; 4. Apresentar cursos de graduao e ps-graduao na rea, oficialmente reconhecidos; 5. Possuir centros de pesquisa e polticas de incentivo a pesquisas voltadas para a medicina complementar. China, Coria do Norte e Vietn so exemplos de pases que apresentam sucesso nos seus processos de integrao. Na Europa, outros exemplos podem ser evidenciados: Na Frana, 75% da populao acessaram ou acessam a medicina complementar e, na Alemanha, 80% da populao. Nos dois pases, h regulamentao e os servios so cobertos por seguros de sade. Tambm preciso enfatizar a importncia da educao no contexto da disseminao desse tipo de prticas, alertando que, por mais que os tratamentos sejam tidos como mais naturais, a medicina integrativa e complementar tambm deve ser praticada com conhecimento e segurana. Hoje em dia, observa-se que mais e mais pases t