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TEXTO INÉDITO - NÃO REPRODUZIR SEM A AUTORIZAÇÃO DOS AUTORES 1 Reconstruindo a intervenção da Enfermagem em Saúde Coletiva a Vilma Machado de Queiroz Maria Josefina Leuba Salum 1. Introdução A proposta contida neste trabalho veio sendo construída ao longo dos últimos oito anos, nas salas de aula, nas monografias, dissertações e teses por nós orientadas, nos espaços das unidades básicas de saúde, nas reuniões e discussões com os companheiros de trabalho e com aqueles que, na linha de frente, executam cotidianamente as políticas de saúde em nosso Estado. Desde o início, o nosso desejo era o de fugir da contemplação teórica, sem dela se desvaler, para formular um conjunto de encaminhamentos que pudessem, concretamente, reorientar a prática de enfermagem, recomposta e reconstruída sob um novo olhar. Assumimos a responsabilidade pública de resituar a prática de enfermagem diante do Sistema Único de Saúde - SUS – sob as novas diretrizes epidemiológicas que pulsavam no interior da corrente latino-americana; tínhamos, e temos clareza, de que a prática de enfermagem deveria superar as lacunas acumuladas no controle de saúde das populações, integrando, de um novo modo, o conjunto de práticas voltadas para o monitoramento das condições de saúde de todos aqueles que trabalham e vivem num espaço geo-social delimitado. O conhecimento e a prática gerados no campo da Saúde Pública, sob as bases da ciência epidemiológica em nosso país, têm sobrevivido ao lado da hegemonia do atendimento individual, biologizante e, porque não dizer, instituído e consagrado no espaço dos serviços especializados em saúde. Não há, pois, como negar que os saberes e práticas em saúde, voltados para o diagnóstico dos problemas de saúde e doença e para correspondente resposta dos serviços de saúde, em nosso meio, vinham – e inevitavelmente ainda vêm - tendo como base a demanda individual pelos serviços, ou seja, daqueles que procuram o serviço por apresentar algum tipo de agravo. Essa maneira de se proceder à produção em saúde, caudatária da histórica supremacia do modelo clínico de intervenção, de enfoque biologicista, centra-se no agravo do corpo individual, e atribui ao agravo uma causa (unicausalidade) ou causas diversas - sociais, econômicas, biológicas - não hierarquizadas (multicausalidade, seja na sua proposta originária, seja na proposta de Leavell e Clark). A implantação do SUS, preenchida da renovação epidemiológica e estruturada sob novas bases conceituais, veio apelar para uma nova forma de se produzir em saúde: tomando a saúde como direito social, reavivou a necessidade de se articular promoção, prevenção e recuperação, estendendo a intervenção em saúde a todos os habitantes do território nacional. 1 O projeto do SUS nos coloca diante da necessidade de realizar um trabalho epidemiológico que enfrente (...) uma 'prevenção profunda' (...) assumindo com profundidade e extensão, todos os processos que participam da determinação da saúde (...) os que protegem a saúde (...) [e] os que a destróem e a deterioram." 2 No entendimento de que a saúde-doença é um processo social, o projeto do SUS ousou provocar uma reviravolta na saúde. 3 Assentado nas diretrizes da descentralização, regionalização, hierarquização, integrando o setor privado, conveniado e filantrópico como complementar à ação do Estado e estruturando o financiamento da saúde sob o manto da seguridade social, atribuiu destaque à participação popular no controle social das ações em saúde. 4 Dadas as diretrizes sob as quais se construiu, a municipalização da oferta de serviços de saúde ganhou destaque. Por abordar os problemas de saúde e doença sob uma outra perspectiva, consequentemente, desencadeou a necessidade de se estruturar uma resposta dos serviços a Este documento é produto da revisão do texto inédito apresentado ao 48 o Congresso Brasileiro de Enfermagem, São Paulo, 1996, e ao qual foi conferido o prêmio de melhor trabalho de Enfermagem em Saúde Pública, Prêmio Izaura Barbosa Lima (QUEIROZ, V.M.; SALUM, M.J.L. (Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo) Reconstruindo a intervenção de Enfermagem em Saúde Coletiva. (Comunicação Coordenada apresentada ao Congresso Brasileiro de Enfermagem, 48, São Paulo, 1996. Prêmio Isaura Barbosa Lima (mimeografado).

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TEXTO INÉDITO - NÃO REPRODUZIR SEM A AUTORIZAÇÃO DOS AUTORES

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Reconstruindo a intervenção da Enfermagem em Saúde Coletivaa

Vilma Machado de Queiroz Maria Josefina Leuba Salum

1. Introdução

A proposta contida neste trabalho veio sendo construída ao longo dos últimos oito anos, nas salas de aula, nas monografias, dissertações e teses por nós orientadas, nos espaços das unidades básicas de saúde, nas reuniões e discussões com os companheiros de trabalho e com aqueles que, na linha de frente, executam cotidianamente as políticas de saúde em nosso Estado. Desde o início, o nosso desejo era o de fugir da contemplação teórica, sem dela se desvaler, para formular um conjunto de encaminhamentos que pudessem, concretamente, reorientar a prática de enfermagem, recomposta e reconstruída sob um novo olhar. Assumimos a responsabilidade pública de resituar a prática de enfermagem diante do Sistema Único de Saúde - SUS – sob as novas diretrizes epidemiológicas que pulsavam no interior da corrente latino-americana; tínhamos, e temos clareza, de que a prática de enfermagem deveria superar as lacunas acumuladas no controle de saúde das populações, integrando, de um novo modo, o conjunto de práticas voltadas para o monitoramento das condições de saúde de todos aqueles que trabalham e vivem num espaço geo-social delimitado.

O conhecimento e a prática gerados no campo da Saúde Pública, sob as bases da ciência epidemiológica em nosso país, têm sobrevivido ao lado da hegemonia do atendimento individual, biologizante e, porque não dizer, instituído e consagrado no espaço dos serviços especializados em saúde. Não há, pois, como negar que os saberes e práticas em saúde, voltados para o diagnóstico dos problemas de saúde e doença e para correspondente resposta dos serviços de saúde, em nosso meio, vinham – e inevitavelmente ainda vêm - tendo como base a demanda individual pelos serviços, ou seja, daqueles que procuram o serviço por apresentar algum tipo de agravo. Essa maneira de se proceder à produção em saúde, caudatária da histórica supremacia do modelo clínico de intervenção, de enfoque biologicista, centra-se no agravo do corpo individual, e atribui ao agravo uma causa (unicausalidade) ou causas diversas - sociais, econômicas, biológicas - não hierarquizadas (multicausalidade, seja na sua proposta originária, seja na proposta de Leavell e Clark).

A implantação do SUS, preenchida da renovação epidemiológica e estruturada sob novas bases conceituais, veio apelar para uma nova forma de se produzir em saúde: tomando a saúde como direito social, reavivou a necessidade de se articular promoção, prevenção e recuperação, estendendo a intervenção em saúde a todos os habitantes do território nacional.1 O projeto do SUS nos coloca diante da necessidade de realizar um trabalho epidemiológico que enfrente (...) uma 'prevenção profunda' (...) assumindo com profundidade e extensão, todos os processos que participam da determinação da saúde (...) os que protegem a saúde (...) [e] os que a destróem e a deterioram."2 No entendimento de que a saúde-doença é um processo social, o projeto do SUS ousou provocar uma reviravolta na saúde.3 Assentado nas diretrizes da descentralização, regionalização, hierarquização, integrando o setor privado, conveniado e filantrópico como complementar à ação do Estado e estruturando o financiamento da saúde sob o manto da seguridade social, atribuiu destaque à participação popular no controle social das ações em saúde.4 Dadas as diretrizes sob as quais se construiu, a municipalização da oferta de serviços de saúde ganhou destaque. Por abordar os problemas de saúde e doença sob uma outra perspectiva, consequentemente, desencadeou a necessidade de se estruturar uma resposta dos serviços

a Este documento é produto da revisão do texto inédito apresentado ao 48o Congresso Brasileiro de Enfermagem, São Paulo, 1996, e ao qual foi conferido o prêmio de melhor trabalho de Enfermagem em Saúde Pública, Prêmio Izaura Barbosa Lima (QUEIROZ, V.M.; SALUM, M.J.L. (Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo) Reconstruindo a intervenção de Enfermagem em Saúde Coletiva. (Comunicação Coordenada apresentada ao Congresso Brasileiro de Enfermagem, 48, São Paulo, 1996. Prêmio Isaura Barbosa Lima (mimeografado).

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que, integrando clínica e epidemiologia, reconhecesse: os problemas de saúde e doença referidos à totalidade da população - o coletivo e não a somatória dos indivíduos - que ocupa um determinado território, o espaço social municipalizado.5

Fiel aos pressupostos e diretrizes que nortearam a construção do SUS, a proposta aqui apresentada integra o conjunto daquelas que, espelhadas no projeto do monitoramento crítico, vêm buscando superar a noção restritiva da prevenção etiológica, particular da vigilância epidemiológica convencional, que tem como objeto os determinantes da saúde coletiva [e] perfis grupais de processos protetores e destrutivos6, expressos nos perfis epidemiológicos de grupos ou classes sociais. Foi, contudo, também a partir da perspectiva da estratégia da Vigilância à Saúde e da implantação dos Distritos Sanitários, projeto defendido pelo Prof. Eugênio Mendes, e de Sistemas Locais de Saúde, projeto defendido pela Organização Panamericana de Saúde (OPAS)7, que primeiramente nos inclinamos a propor a reconstrução da intervenção em Saúde Coletiva. Afinal de contas, eram estes os modelos operacionais mais popularizados na academia no início da década de 90, e que, entendíamos, mantinham sintonia com o projeto do monitoramento crítico.

Cabem então algumas considerações, uma vez que difundimos originalmente o encaminhamento do reordenamento da prática de enfermagem diante da Vigilância à Saúde, como se ela se confundisse com o monitoramento crítico. O Prof. Eugênio Mendes e seus colaboradores, mentores da proposta da Vigilância à Saúde e da implantação de Distritos Sanitários, vinham e vêm ocupando um espaço de destaque na produção de conhecimentos e práticas em direção à implantação do Sistema Único de Saúde. Três textos marcam a contribuição de Eugênio Mendes: o primeiro texto por ele organizado, e produzido com colaboradores8, explora as possibilidades de se investir na construção do Distrito Sanitário como estratégia de reordenação de conteúdos e práticas em saúde, estruturando a ação em saúde na estratégia da Vigilância à Saúde. No segundo texto de sua autoria exclusiva9, Eugênio defende a Produção Social da Saúde, inscrita na construção do Município Saudável, fundamentando-se nas contribuições que recolhe das diferentes experiências internacionais de reforma do setor saúde. Neste e no último texto, recentemente publicado10, inscreve a estratégia da Vigilância à Saúde num projeto de reengenharia institucional, em que o Programa da Saúde da Família (PSF) ocupa papel central, abandonando progressivamente a concepção do Estado Provedor no atendimento dos direitos sociais. Ajustando-se ao projeto de desregulamentação do Estado, a nova proposta da organização da saúde no nível local, se apresenta como mais um acontecimento da transição conservadora que tem caracterizado os pactos de elite 11, característica brasileira de resolver mediante acordos os conflitos.12 Por isso é que, restaurando os velhos pressupostos teóricos que ancoraram a proposição da estratégia da Vigilância à Saúde, não abandonamos alguns de seus encaminhamentos originais como eixos de um projeto de monitoramento das condições de saúde do coletivo, tendo consciência de que esta estratégia se apresenta como uma das possibilidades de se construir a universalidade, integralidade e eqüidade em saúde. Diga-se de passagem que a sistematização operada pelo Prof. Eugênio Mendes e colaboradores no seu primeiro texto constitui valiosa documentação; problemas como a defesa da supremacia do modelo epidemiológico, por oposição à clínica e que se desdobram em encaminhamentos operacionais específicos 13 são passíveis de superação, se contra-argumentados a partir dos autores que abordam a questão.

Compreendendo e respeitando os limites e possibilidades daquele projeto e dos demais projetos operacionais que se constituíram em nosso meio para dar conta da instauração do SUS– Ação Programática, Em Defesa da Vida, Planejamento Estratégico em Saúde – e fortalecidas pelos encaminhamentos pelas matrizes que a Epidemiologia Crítica nos oferece, integramos a perspectiva do monitoramento crítico para fundamentar o reordenamento do controle do processo saúde-doença das populações, em que o trabalho, a vida, a saúde e a doença convivem de modo articulado. Nesse sentido, advogamos que operacionalizar o controle das condições de saúde em um território exigirá de nós a responsabilidade de reconstruir o objeto, os meios e instrumentos de trabalho e o trabalho em si, perspectivando a construção de um trabalho coletivo e, com isso, de um trabalhador coletivo em saúde; as especificidades das práticas de saúde de cada grupo profissional assumirão “uma posição de complementariedade e interdependência dentro do processo coletivo de trabalho em saúde”14. Sob essa ótica é que discutiremos a reconstrução da

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intervenção da enfermagem em saúde coletiva - subordinando-a ao trabalho coletivo do que designaremos como monitoramento em saúde.

2. Bases para compreensão do objeto

A ênfase no coletivo como novo objeto da saúde fundamenta-se na evidência de que “existe uma relação [de determinação] entre o processo social e o processo saúde-doença (...) [que esse processo} tem caráter histórico em si mesmo e não apenas porque está socialmente determinado, permite-nos afirmar que o vínculo entre o processo social e o processo biológico saúde-doença é dado por processos particulares, que são ao mesmo tempo sociais e biológicos”15.

Além de trazer à baila a compreensão do processo saúde-doença como um processo histórico e social, a concepção da Determinação Social do Processo Saúde-Doença trouxe à tona o entendimento de que “o nosso objeto de estudo não se situa a nível do indivíduo e sim do grupo.”16 Dessa forma, dada a premissa de que a operacionalização do SUS se apoia na implantação de um projeto que prevê a tomar como objeto o grupo, representado pela totalidade dos habitantes - o coletivo - uma das primeiras questões a serem estudadas se refere a compreensão do que seja o coletivo.

Acresce que, ao apoiar a produção de serviços de saúde no processo de municipalização, reforça-se “o caráter coletivo das necessidades de saúde e, consequentemente, sua determinação histórica e social. (...) [ e assim] o projeto de redefinição das práticas de saúde (...) passa a requerer novas formas de apreensão desse objeto (...) desvendar os determinantes do processo saúde-doença (...) e alcançar a estrutura social seja nas esferas da produção e do consumo, seja nas representações elaboradas sobre a vida na sociedade, seja nas relações de dominação/subordinação entre indivíduos e classes sociais”17. Implica portanto, em interpretar o processo saúde-doença do coletivo a partir das suas raízes: formas de trabalhar - como expressão do momento de produção social - e formas de viver - como expressão do momento de consumo. Porém, para se operacionalizar o conceito de coletivo em saúde, é necessário, primeiramente, compreender a unidade dialética coletivo/ X indivíduo e a especificidade do coletivo para a saúde.

1) A unidade dialética coletivo X indivíduo Tomar o coletivo como totalidade significa compreender que o total de habitantes do

território, do Município, do Estado ou do País é o objeto de estudo/intervenção em Saúde Coletiva. Como porém dar conta de todos e de cada um sem incorrer na massificação do todo e sem subestimar as partes? A totalidade, num primeiro momento caótica, não nos dá a idéia das partes que o compõem, porém é referência para cada uma delas. Assim é preciso de um recurso teórico de abstração para decompor a totalidade e recompô-la de modo organizado, uma vez que para compreender as partes que a compõem, devemos buscar apreender as “determinações do núcleo fundamental [do coletivo] sem o que este fenômeno não se constituiria”18.

A integração da vertente marxista das Ciências Sociais no campo da Saúde nos ofereceu uma possibilidade de compreender as partes dessa totalidade ao conceber a sociedade - formada pelo coletivo - na sua estrutura e na sua dinâmica, nela evidenciando as classes e os estratos sociais. Permitiu trazer à evidência a compreensão do coletivo nos seus grupos sociais homogêneos em direção ao entendimento de grupo, expresso pela Profa. Asa Cristina Laurell, quando advogou que o objeto - coletivo – “sem dúvida, não poderia ser qualquer grupo mas um construído em função de suas características sociais”.19 Para situar enfim o indivíduo, enquanto unidade singular, essa totalidade tem ainda que ser compreendida na unidade dialética coletivo X indivíduo, pois como tal são interdependentes.

Na prática, tomar o coletivo como objeto implica então em contorná-lo pela totalidade, decompô-lo em grupos sociais, localizando o indivíduo e sua família nos grupos sociais homogêneos nos quais se insere e estes por sua vez na totalidade. “Ora, só é possível tratar com essa(s) antinomia(s) se as relações entre os diversos níveis da totalidade forem apreendidas dialeticamente como unidade de contrários. Unidade que implica a superação do caráter dicotômico da afirmação e da negação, e que neste contexto implica a superação da idéia positiva de que o conhecimento da saúde e da doença em sua

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dimensão coletiva exclua - por opor-se a ela - o conhecimento dos mesmos fenômenos em sua dimensão individual. Ou, o que dá no mesmo, que a única forma de coexistência possível desses dois conhecimentos será aquela em que o referente ao coletivo seja reduzido à mera justaposição de fenômenos individuais invariantes”. 20 Não se trata de desconsiderar um pólo, para sobrevalorizar o outro: o indivíduo se constrói nas relações sociais e, portanto, sempre referido ao conjunto de outros tantos a ele assemelhados nos quais se espelha e o coletivo se constituirá, não como pluralidade ou como somatória de indivíduos. Nessa perspectiva, depreende-se que seja composto por grupos sociais, estabelecidos a partir de sua inserção social, o que potencialmente determinará os perfis saúde-doença da totalidade, do coletivo.

Recortar o objeto, tendo como base a estrutura social, seja no momento da produção, seja no momento do consumo, implica em tomar como categoria central a Reprodução Social, que, como argumenta o Prof. Jaime Breilh, (...) “ é a que permite analisar o processo produtivo em seu movimento, estudar a oposição dialética entre produção (...) e consumo individual (...) e permite ainda compreender a oposição dialética entre reprodução natural-animal e a realização histórica de um sujeito social consciente”.21

No entanto, “este coletivo tem sido conceituado de distintas maneiras em função da incorporação de diferentes concepções sobre o social que tem gerados distintos enfoque no interior da epidemiologia”.22 Convivem hoje, em nosso meio, duas formas distintas de tratar o processo saúde-doença do coletivo: uma delas enfatiza a relação entre o momento da produção (formas de trabalhar) e a saúde do coletivo, levada adiante principalmente nos centros laborais; a outra, encaminhada principalmente nos serviços públicos de assistência à saúde da comunidade, enfatiza a relação entre o momento do consumo (formas de viver) e a saúde do coletivo.23

Polarizar o estudo em uma ou outra dessas formas que não captam a totalidade do processo de reprodução social - enquanto articulação dialética entre momento da produção e momento de consumo - constitui lacuna na caracterização dos grupos sociais que compõem o coletivo. Assim é que caracterizar os grupos sociais do coletivo tomando por base a sua inserção nos momentos de produção e de consumo, implica em superar a “insuficiência do pensar a reprodução em termos de ‘condições de vida’ que se somam às condições de trabalho”.24 Resituar-se-á assim, a relação de determinação e subordinação entre produção e consumo, e entre trabalho e vida, que, por sua vez, acolhem os diferentes potenciais de fortalecimento e de desgaste do coletivo, que o Prof. Jaime Breilh considera como processos protetores e processos destrutivos25, expressos nos perfis de saúde-doença de grupos sociais homogêneos - homogeneidade esta conferida por semelhantes formas de inserção nos momentos de produção e de consumo.

2) A especificidade do coletivo para a saúde: os perfis epidemiológicos dos grupos sociais homogêneos

Compreendido dessa forma (coletivo como totalidade, coletivo como grupos sociais homogêneos e coletivo como singularidade), o coletivo poderia ser objeto de qualquer prática social. Para compreender a sua especificidade para a saúde, será preciso, numa manobra teórica, antever a finalidade do trabalho em saúde26 - a de aperfeiçoamento das condições de saúde do coletivo - já que o produto final, como ponto de chegada, oferece as pistas para reconhecer o ponto de partida, o objeto. Compreender a finalidade requer que re-situemos o objeto, na lógica global que articula os “diferentes trabalhos, postos de serviços ou tarefas”,27 pois é no processo de produção em saúde, enquanto globalidade, que o objeto se evidencia: isso nos autoriza a examiná-lo eqüidistante dos processos de trabalho parciais em saúde, ou seja, situado como um dos elementos do trabalho em saúde. Se diz respeito às condições de saúde, necessariamente ai está a nossa especificidade.

Como partimos do pressuposto de que o processo saúde-doença é determinado - constituinte e constituído - no processo de reprodução social, nos seus momentos de produção e consumo, o objeto específico da Saúde Coletiva seriam então os perfis epidemiológicos do coletivo, resultantes da conjunção entre os perfis de reprodução social e os perfis de saúde-doença 28 expressos na totalidade, nos grupos sociais homogêneos e nas suas manifestações nos indivíduos e famílias desses grupos.

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Daí considerarmos que, no redimensionamento das práticas em Saúde Coletiva, o arcabouço político em que se assenta o SUS busca legitimar uma forma de produzir em saúde que pressupõe a intervenção nos perfis epidemiológicos do coletivo como objeto privilegiado.

3. Bases para a intervenção em Saúde Coletiva

3.1. A intervenção em Saúde Coletiva como processo de produção de serviços de saúde

Partimos de um outro pressuposto: o de que a intervenção em Saúde Coletiva se constitui em um processo de produção de serviços de saúde,29 inserido no setor terciário da economia nacional, especificamente no setor de prestação de serviços; em assim sendo, os trabalhadores de saúde são os executores da política social pública de saúde, quer em nível central, regional ou local. O processo de produção de serviços de saúde comporta distintos processos de trabalho que a ele se subordinam e que, como tal, foram estudados com profundidade por diferentes autores.30 Decompondo-os nos seus três elementos - objeto/finalidade, meios e instrumentos e o próprio trabalho - tais autores buscaram caracterizar o objeto privilegiado de alguns trabalhos parciais em saúde. De fato, a compreensão histórica e dialética das práticas sociais em saúde tem como ponto de partida o trabalho. Mas os processos de trabalho não existem desarticulados, “não se explicam por si sós, mas em parte por sua articulação com o processo global”.31

Por isso, reafirmamos que intervir em saúde se constitui num processo de produção de serviços, o que o Prof. Juan César Garcia, ao analisar as atividades médicas na década de 70, distinguiu como processo de produção de serviços de saúde, ponto de partida para a compreensão da materialidade da prestação de serviços em saúde.

Na perspectiva do monitoramento em saúde, consideramos que o processo de produção de serviços de saúde deve ter:

1) como objeto, os perfis epidemiológicos - perfis de reprodução social e perfis saúde-doença - do coletivo na sua totalidade, nos grupos sociais homogêneos e na sua singularidade;

2) como finalidade, a transformação destes perfis, visando o aperfeiçoamento dos processos saúde-doença do coletivo;

3) como meios e instrumentos, os recursos materiais e tecnológicos e a força de trabalho em saúde, que pauta sua ação no modelo assistencial proposto pelo SUS, que, fundamentalmente, sobredetermina também a organização e a divisão do trabalho.

4) como trabalho em si, os atos realizados pelo conjunto de trabalhadores da saúde orientados por um projeto que articula clínica e epidemiologia, sob a perspectiva do pensamento social em saúde, e que, na sua articulação, produzem a transformação no objeto.

É preciso adiantar que, ainda que o trabalho em si seja fragmentado em múltiplos atos - componentes das chamadas práticas sociais em saúde -, podemos distinguir quatro grandes processos de trabalho que caracterizam a produção de serviços de saúde: o trabalho de assistência à saúde, o de gerenciamento (da assistência à saúde e da produção de serviços de saúde), o de ensino (qualificação e requalificação da força de trabalho em saúde) e o de investigação em saúde.

Em outras palavras, defendemos a concepção de que os trabalhos, realizados pelos assistentes sociais, enfermeiros, fisioterapeutas, médicos, odontólogos, psicólogos, terapeutas ocupacionais e demais trabalhadores da saúde, são partes dos processos de trabalho de assistência, gerenciamento, ensino e investigação, uma vez que os processos de trabalho dizem respeito diretamente à produção e não às práticas profissionais. Nesse sentido, o monitoramento em saúde demandará que, consideradas as especificidades e a polivalência32 de cada corporação, se recomponham os processos de trabalho que compõem o processo de produção de serviços em saúde. 3.2. O território como cenário do processo de produção de serviços de saúde

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Além de compreender a intervenção em saúde como processo de produção de serviços de saúde, é preciso reconhecer que esse processo se concretiza numa dada realidade social. Esta realidade é a realidade do território adscrito que se define num certo espaço geográfico, populacional e administrativo, microcosmo da sociedade brasileira, “que dinamiza outros processos de natureza política, técnica e administrativa que se passam, tanto ao interior do conjunto das instituições que fazem parte do sistema de saúde, quanto ao interior de outras instituições estatais e no âmbito das organizações populares. Ou seja, pressupõe e implica ações a serem desencadeadas em outros espaços - específico e geral - da realidade de saúde e em outros planos da realidade social que determina e condiciona a situação de saúde objeto de intervenção no âmbito do [território]”33. Ainda que muito esquematicamente, recorreremos, de novo, à vertente marxista das Ciências Sociais para compreender a complexidade da organização de uma sociedade, quer nos seus aspectos globais, quer nos seus aspectos locais. Nesse trajeto, progressivamente, vamos tomar conta da não menor complexidade que implica tomar o território como cenário da produção de serviços de saúde, buscando intervir na estrutura da sociedade e na dinâmica social e levando em conta as suas instâncias jurídicas, políticas e ideológicas.

A estrutura da sociedade: a sociedade se estrutura através de uma base econômica, uma base social e uma base geo-social, espaços de constituição do coletivo; neles são gerados os diferentes processos de produção e entre eles o processo de produção de serviços de saúde. Com isso, levamos à compreensão de que as pessoas constituem o coletivo, quando se agregam em sociedade, ocupam um determinado território, em que precisam produzir o necessário para o atendimento de suas necessidades. Estruturam-se para essa produção e, ao estruturarem-se, não só elegem o “o quê“, mas “o como produzir“, e, para isso, organizam e dividem o trabalho a ser feito; dessa forma, organizam suas vidas. A produção para o atendimento de suas necessidades converte-se na base econômica, a inserção das pessoas na organização e divisão do trabalho converte-se na base social e o território ocupado socialmente converte-se na base geo-social.

A base econômica qualifica a inserção de cada sociedade num determinado modo de produção - no nosso caso, o modo capitalista de produção. Nele, três setores dão conta da atividade econômica: primário (extração de matérias primas), secundário (transformação de matérias primas) e terciário (comercialização de bens e produção de serviços), cada um contribuindo de forma diferenciada na economia nacional em função das próprias necessidades de manutenção do modo de produção. O processo de produção de serviços de saúde se situa, como já dissemos, no setor terciário da economia. Na base econômica, o coletivo se distribui entre dois pólos que se articulam: o polo do capital, representado pela classe dominante e o polo do trabalho, representado pela classe trabalhadora.

A base social resulta das responsabilidades que cada grupo dessa sociedade terá para atender às necessidades de todos os seus membros. Compõem a base social as distintas classes e/ou grupos sociais que, na evolução do modo capitalista de produção, consolidado contemporaneamente sob o projeto de globalização da economia, se distribuem entre aqueles com algum grau de inclusão e os excluídos sociais.

A base geo-social evidencia a distribuição das classes e/ou grupos sociais no usufruto do território delimitado como o espaço onde se dará a produção, o atendimento das suas necessidades e onde se processará a vida. De igual forma, sua ocupação e usufruto se dá de modo distinto para cada grupo. Basta fechar os olhos e construir a imagem de um município qualquer e nele localizar aqueles que vivem as possibilidades da inclusão e aqueles que foram progressivamente constituídos sob o manto da exclusão social.

A dinâmica social se refere ao processo de reprodução, de desenvolvimento, da sociedade, processo este que se dá em dois momentos: o momento da produção e o momento do consumo. Esses momentos não são estanques, pelo contrário, eles se interpenetram, mantendo-se sempre a intencionalidade do processo de reprodução social, que é a de atendimento das necessidades sociais. No momento da produção, produz-se não só aquilo que é necessário à sobrevivência, mas também produtos necessários ao desenvolvimento das potencialidades do coletivo, como produtos culturais, artísticos, entre outros. O momento do consumo, como denota a própria expressão, é o momento em que o coletivo consome - usufruindo o que produziu, dessa forma, vivendo a vida. Contudo, o

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momento da produção predomina e antecede, no sentido hierárquico, o momento do consumo34.

Entendido dessa forma, o momento da produção social congrega as atividades produtivas dos diferentes setores da estrutura econômica. O modo capitalista de produção utiliza esse momento da produção para multiplicar o capital, ao mesmo tempo em que produz o necessário para o atendimento das necessidades da sociedade. No momento de produção são desenvolvidos diferentes processos de trabalho com a utilização da tecnologia necessária . Os processos de trabalho e as tecnologias utilizadas são específicos em cada setor da estrutura econômica e dentro de cada setor também são distintos. Por isso mesmo, são diferentes as formas de trabalhar de cada classe e/ou grupo social que compõe a estrutura social, entre inserções qualificadas, semi-qualificadas e não qualificadas. Porém, somente com o momento da produção a sociedade não se desenvolve: produz-se para consumir.

O momento do consumo comporta a organização da vida na sociedade e representa os diferentes modos de andar a vida das diferentes classes e/ou grupos sociais. Esses diferentes modos de andar a vida são o reflexo de como as diferentes classes e/ou grupos sociais se inserem no momento da produção, o que lhes permite ter específicas e diferenciadas bases materiais de existência: são diferentes os modos de andar a vida e, portanto, é diferenciado o acesso e a forma de ocupação do espaço geo-social - o que significa que as diferentes classes e/ou grupos terão acesso não eqüitativo do território, do uso dos bens naturais e dos bens sociais construídos sobre o território.

Finalmente, é preciso introduzir aqui um outro elemento explicativo da organização da sociedade: a instância jurídico-político-ideológica. A função das políticas públicas sociais e de saúde e de todo o aparato político, jurídico e do conjunto de valores e idéias veiculadas no interior da sociedade - pelos meios de comunicação, pela escola, pela igreja e outros - é o de garantir e legitimar a estrutura e a dinâmica social dentro da ordem social vigente, ainda que devam constituir o espaço da "luta de classes (...) das lutas pela realização da cidadania, com o estabelecimento de correlações de forças favoráveis aos segmentos sociais efetivamente empenhados nessa realização".35

3.3. A necessidade de construir o objeto do processo de produção de serviços de saúde: a composição dos perfis epidemiológicos

A compreensão da estrutura e da dinâmica social nos leva a reconhecer que, em última análise, nas sociedades capitalistas, o coletivo, objeto da produção de serviços de saúde: a) se distribui em dois pólos - o do capital e o do trabalho; b) se distribui em classes e/ou grupos sociais que se concretizam na vida social através de diferentes formas de realização humana, diferentes formas de trabalhar e de viver,.

As formas de trabalhar comportam, simultaneamente e numa relação dialética, mediadores do fortalecimento e de desgaste, isto é, diferentes potenciais de fortalecimento e de desgaste ao próprio trabalho e à vida. Sob a ótica da saúde, estes potenciais, quando concretizados, impactam diferentemente o processo saúde-doença: geram diferentes gradientes de saúde-doença, expressos, ou por fortalecimento ou por desgaste. De igual modo, as formas de viver comportam, simultaneamente e numa relação dialética, diferentes potenciais de fortalecimento e de desgaste às condições de vida que também, sob a ótica da saúde, quando concretizados, impactam diferentemente o processo saúde-doença: geram diferentes gradientes de saúde-doença, expressos, ou por fortalecimento ou por desgaste.

Ao descrever, para cada grupo social homogêneo, as suas formas de trabalhar e de viver e os potenciais de fortalecimento e desgaste delas derivados, estaremos compondo seus perfis de reprodução social. Porque têm semelhantes formas de trabalhar e semelhantes formas de viver - o que os expõe a semelhantes potenciais de fortalecimento e desgaste à saúde e a semelhantes manifestações de fortalecimento e desgaste - os diferentes grupos sociais homogêneos apresentam diferentes perfis de saúde-doença, que conjugados aos perfis de reprodução social, comporão os perfis epidemiológicos de cada grupo social homogêneo.

Por perfil epidemiológico, entendemos o conjunto de informações /dados que caracterizam:

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1) o perfil de reprodução social de grupos sociais homogêneos, ou seja: como esse grupo produz socialmente - como se insere na produção; e como consome - como se insere na vida, como atende às suas necessidades e os potenciais de fortalecimento e desgaste a que está exposto, decorrentes da sua inserção nos momentos da produção e do consumo.

2) o perfil dos processos saúde-doença destes grupos sociais homogêneos, ou seja: a expressão do fortalecimento ou do desgaste concretizado no corpo biopsíquico dos indivíduos/famílias que compõem os grupos sociais homogêneos, articulados aos potenciais de fortalecimento e de desgaste à saúde, derivados das formas de trabalhar e de viver destes grupos.

Diante desse entendimento, reconhecemos que, ao se produzir serviços de saúde em determinado território, o objeto serão tantos perfis epidemiológicos, quantos forem os grupos sociais homogêneos, evidenciados pelas suas formas de trabalhar e pelas suas formas de viver.

3.4. Os meios e os instrumentos do processo de produção de serviços de saúde

Na perspectiva histórica, “o meio de trabalho é uma coisa ou um complexo de coisas que o trabalhador coloca entre si mesmo e o objeto de trabalho e que lhe serve como condutor de sua atividade sobre esse objeto”, [além de] (...) todas as condições objetivas que são exigidas para que o processo se realize”36. Vale recuperar aqui o destaque que o Prof. Ricardo Bruno Mendes Gonçalves37 deu à necessária subordinação que devem ter os instrumentos e do trabalho em relação à finalidade do processo. Nessa perspectiva é que destacaremos dentre os meios e/ou instrumentos do processo de produção de serviços de saúde: o modelo assistencial que, sob a perspectiva da Epidemiologia Crítica, deve renovar a complementaridade entre a clínica e a epidemiologia; o território com seus equipamentos sociais e em saúde; os saberes e a tecnologia em saúde coletiva; o trabalho coletivo e o trabalhador coletivo.

Há que se salientar que “a propriedade e a posse desses meios de trabalho - estatal ou privada - definem a cobertura e a abrangência das práticas de saúde por referência às diversas categorias e classes sociais. (...) É a organização social das práticas de saúde que vai explicar um dado modelo de atenção, contemplando necessidades sociais do conjunto da população ou demandas individuais de consumo médico, pelas ‘leis de mercado’ ou ‘socializadas’ pela ação estatal.”38

Quando se propõe, a renovação do modelo de atenção, resultado da articulação entre clínica e epidemiologia, como instrumento para a transformação do objeto - os perfis epidemiológicos do coletivo - a preocupação fundamental é romper com o “modelo médico assistencial privatista [que] está voltado fundamentalmente para a demanda espontânea. (...) é predominantemente curativo, tende a prejudicar o atendimento integral ao paciente e à comunidade, e não se compromete com o impacto sobre o nível de saúde da população”. (...) [É romper também com o] modelo assistencial ‘sanitarista’ (...) [que adota] formas verticais de intervenção [que] não contemplam a totalidade da situação de saúde, isto é, concentram sua atuação no controle de certos agravos ou em determinados grupos supostamente em risco de adoecer ou morrer. Essas formas de intervenção geralmente deixam de se preocupar com os problemas do sistema de saúde e com os determinantes mais gerais da situação sanitária. Configuram um modelo assistencial que não enfatiza a integralidade da atenção e não estimula a descentralização na organização dos serviços.” 39. Assim sendo, nem um nem outro dão conta da complexa necessidade de intervenção no objeto enquanto totalidade, enquanto grupos sociais homogêneos ou enquanto indivíduos e suas famílias reportados ao grupo social homogêneo ao qual pertencem. A renovação proposta busca a “solução de problemas de saúde com o atendimento de necessidades sociais”, buscando apreender os determinantes – e não só os resultados - do processo saúde-doença e neles intervir, mediado pelo “acompanhamento (monitorização) e avaliação das ações (serviços, programas e planos de saúde)”40.

Uma vez que é a propriedade dos meios de trabalho que definem a cobertura e a abrangência das práticas de saúde e por ser esta renovação aquela que permite uma ação abrangente sobre o coletivo, defendemos que o modelo assistencial seja renovado pelos

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pressupostos da Epidemiologia Crítica de modo a privilegiar a intervenção no coletivo no conjunto das práticas sociais sob responsabilidade do Estado.

As práticas sociais em saúde e o novo modelo assistencial devem localizar-se então naquele que consideramos o meio privilegiado do processo de produção de serviços de saúde - o território adscrito. Mais do que organizador das novas práticas, o território pressupõe a responsabilidade do setor público de saúde no espaço social onde se situa o objeto, no espaço social onde se transforma o objeto. É o “locus” onde a esfera pública concretiza o monitoramento em saúde. Seus equipamentos incluem Hospitais Gerais e Especializados, Unidades Básicas de Saúde, Ambulatórios de Especialidades, Prontos-Socorros, além de outros equipamentos sociais aos quais a ação em saúde se desdobra: sindicatos, associações profissionais, associações de moradores, equipamentos educacionais, centros de abastecimento, equipamentos de segurança, centros de coordenação de transporte e de tráfego, centros sociais e desportivos, centros de cultura e lazer, órgãos de comunicação de massa, entre outros. Esses equipamentos, dispostos no território, devem dar cobertura à população residente dentro de uma determinada área de abrangência, uma vez que sob a concepção de processo saúde-doença socialmente determinado, tal cobertura deve se dar pela intervenção nos perfis epidemiológicos – perfis de reprodução social e perfis saúde-doença - dos grupos sociais homogêneos. Por isso é que considerado como instância de operacionalização da intervenção em Saúde Coletiva, deve-se manter no território estreita articulação entre as instâncias de representação da base da sociedade, da produção social e do consumo. Internamente, ele deve estar estruturado de forma regionalizada e hierarquizada, e contar com um sistema de referência e contra-referência. Sob essa orientação, a produção de serviços deve ser subsidiada por um sistema de informação, processamento e análise, que encaminhe à construção da prática do monitoramento em saúde, o próprio trabalho.

Não resta dúvida de que qualquer processo de produção requer um conjunto de saberes e recursos tecnológicos construídos especialmente em função da necessidade de delimitar e de transformar o objeto. Assim sendo, ao privilegiarmos o saber e a tecnologia em saúde coletiva como instrumentos do processo de produção de serviços de saúde - tal qual buscamos articular anteriormente - reconhecemos a necessidade de construir saberes e tecnologias construídos à luz do conhecimento renovado pelo Epidemiologia Crítica e que dêem conta de atingir a finalidade da produção em saúde que é a de aperfeiçoamento dos perfis epidemiológicos do coletivo.

Declaramos de antemão que não subjaz aqui a visão maniqueísta de que o individual se opõe ao coletivo e a clínica à epidemiologia como se fossem momentos estanques de processos diferentes.41 Guardam sim uma oposição dialética e não formal42, pois que, como dissemos, tomar o coletivo como objeto implica em contorná-lo pela totalidade, decompô-lo em grupos sociais, localizando o indivíduo e sua família nos grupos sociais homogêneos nos quais se insere e este por sua vez na totalidade; não há, portanto, privilégio para o todo em detrimento da parte. De outro lado, advogar a primazia do modelo epidemiológico para o reconhecimento das questões coletivas não significaria relegar à clínica o espaço do mal e à epidemiologia o espaço do bem: “(...) a clínica e a epidemiologia são, sempre foram e serão instrumentos complementares da assistência. A clínica se utiliza da epidemiologia para a construção de sua abordagem e a epidemiologia se utiliza da clínica no mesmo sentido”.43 Tratar-se-ia então de, ao centrar o foco no grupo e no todo, reconhecer que os problemas coletivos de saúde e os projetos de intervenção no coletivo estão sobremaneira afeitos à “aplicação tecnológica da ciência epidemiológica (...) [que reconhece no objeto da produção de serviços de saúde facetas diversas daquelas conhecidas] (...) pelas ciências médicas.”44 Assim sendo, não se nega o saber e a tecnologia do modelo clínico, mas se reconhece a sua insuficiência no trato das questões coletivas, do mesmo modo que o saber epidemiológico seria insuficiente para dar conta das questões individuais. Essa insuficiência pode ser superada na medida em que saber e tecnologia do modelo clínico se re-situem, numa relação de complementaridade, ao saber e tecnologia do modelo epidemiológico e vice-versa.

Uma vez que a recomposição do novo objeto em saúde coletiva é ainda recente, há necessidade de avançar na produção de saber e tecnologia aderentes ao novo objeto. Se nos especializamos no reconhecimento da intervenção no corpo individual, temos ainda

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grandes lacunas no que toca às demais facetas através das quais se expressa o humano na vida social (grupos sociais homogêneos ou classes sociais e totalidade). Nesse sentido, o primeiro vazio a preencher se refere à construção de um saber prático que supere os pontos de estrangulamento gerados pelo reconhecimento de que: 1) toda intervenção em saúde é intervenção em Saúde Coletiva, dado o caráter multifacetado do objeto; 2) intervir em Saúde Coletiva é intervir nos determinantes do processo saúde-doença e não somente na expressão bio-psíquica; 3) intervir no coletivo implica em superar os limites da assistência individual ou à família; 4) o coletivo é a totalidade dos habitantes do território e não a demanda dos serviços; 5) o coletivo não é homogêneo e a sua heterogeneidade se manifesta a partir da inserção social dos grupos sociais que comporta, e não a partir das suas diferenças cronológicas; 6) ainda que as diferenças cronológicas sejam relevantes para a caracterização de algumas das necessidades e problemas do coletivo, devem elas se subordinar às necessidades e problemas do grupo social a que pertencem; 7) o coletivo é o objeto de todas as práticas sociais em saúde, o que requer a construção de um saber/tecnologia sobre o trabalho coletivo e sobre o trabalhador coletivo, para a partir daí recompor a especificidade de cada prática profissional frente ao novo objeto/finalidade.

Resta-nos agora abordar, nos limites de conhecimento e de prática que hoje enfrentamos, o trabalho coletivo e o trabalhador coletivo como instrumentos do processo de produção de serviços de saúde, reconhecendo que “resgata-se a natureza coletiva dos sujeitos da prática sanitária sem que isso implique o desconhecimento suas dimensões individuais”. 45 “O (...) campo da saúde coletiva, deve ser considerado não como uma área de ‘especialidade’ (...) das (...) práticas da área de saúde, mas sim como uma área multiprofissional e, portanto, com trabalhadores coletivos que desenvolvem processos cooperativos que não são meramente a soma dos processos de trabalho e habilidades dos conjuntos dos membros da equipe multiprofissional”. 46 Mas, “a organização e identificação de núcleos necessários de conhecimento a serem desenvolvidos tem como exigência um trabalho de natureza interdisciplinar [que não se confunde com ] uma espécie de sopa metodológica” 47

Assumir a constituição do trabalho coletivo e do trabalhador coletivo significa, portanto, abraçar a construção democrática de relações de novo tipo. Implica que se tenha em vista que o trabalho coletivo resulte do volume total de trabalho global necessário à transformação do objeto - perfis epidemiológicos do coletivo - e não simplesmente da somatória dos trabalhos parciais em saúde. Implica combinar graus de polivalência com certo nível necessário e inevitável de especialização articulando clínica e epidemiologia em torno dos processos de trabalho em que a prática social de enfermagem se inscreve.48

Uma vez que o objeto - perfis epidemiológicos do coletivo - e a finalidade - transformação dos perfis para o seu aperfeiçoamento - se referem ao processo de produção e não aos processos de trabalho parciais, os instrumentos já vistos devem ser de domínio de todos aqueles que executam as práticas sociais de saúde. Esse volume total de trabalho para transformação do objeto - trabalho coletivo - é o instrumento que deve sempre se interpor entre o objeto e cada trabalho parcial. Em outras palavras, o trabalho parcial não se anula, mas se subordina ao trabalho coletivo. De igual forma, o trabalhador coletivo - responsável pelo volume total de trabalho - é o instrumento que deve sempre se interpor entre o objeto e cada trabalhador parcial. Assim, o trabalho coletivo e o trabalhador coletivo serão os que irão deter a competência específica para produzir o produto final ou finalidade da produção em saúde - a transformação dos perfis epidemiológicos evidenciados no território.

3.5. O trabalho em si do Processo de Produção de Serviços de Saúde Para o desenvolvimento do trabalho em si já se pressupõe uma delimitação anterior

do objeto, da definição do modelo e da seleção dos meios e instrumentos voltados para o alcance da finalidade, para então se constituírem as práticas sociais de saúde aderentes ao processo de produção de serviços de saúde.

Como vimos, o processo de produção de serviços de saúde comporta distintos processos de trabalho que a ele se subordinam. Esses processos de trabalho é que irão mediar a transformação do objeto. Ora, se o nosso objeto são os perfis epidemiológicos evidenciados no território e se a nossa finalidade é a sua transformação visando o

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aperfeiçoamento dos processos saúde-doença de todos os habitantes, o trabalho em si corresponderá os processos de trabalhos necessários para tal produção: o de assistência à saúde, o de gerenciamento dessa assistência, o de ensino e o de investigação científica (gerando o saber necessário à produção). Como já enfatizamos anteriormente, tais processos de trabalho se referem ao processo de produção e não ao trabalho específico de cada profissional.

A centralidade de cada um desses processos de trabalho se situa no objeto a ser transformado, permeado pela finalidade. Assim, o processo de trabalho de assistência à saúde ao qual daremos destaque deve prever o monitoramento/acompanhamento dos perfis epidemiológicos - perfis de reprodução social e perfis de saúde doença - de cada grupo social homogêneo evidenciado no território. As práticas sociais de saúde exercidas pelos diferentes profissionais contribuirão com uma parcela para compor a assistência total necessária. Desta forma, a assistência médica, a assistência de enfermagem e outras formas de assistência, desde que conjugadas e com a mesma finalidade, estarão a serviço de tal monitoramento/acompanhamento. Cada uma dessas formas de assistência não são um fim em si mesmas mas sim uma parcela da totalidade da assistência.

Sob essa ótica, não existirá prática social de saúde subordinada a outra prática como existe até então, em que a prática médica subordina as outras práticas de saúde, tornando-as complementares ao ato médico. A um novo objeto corresponderá um novo conjunto de práticas sociais, todas subordinadas ao produto final ou finalidade do processo de produção de serviços de saúde. “O modelo altera, pelo menos potencialmente, as condições objetivas sobre as quais se estabelecem as hierarquias no interior do trabalho coletivo em saúde (...), se desloca do binômio diagnóstico/prescrição a nível de cada indivíduo para a esfera do diagnóstico sobre o coletivo e a prescrição sobre o coletivo, isto é, do médico, para o planejador em saúde”49, ou seja, para o trabalhador coletivo. “O produto do trabalho em saúde terá sempre que ser o resultado de um trabalho coletivo, isto é, um conjunto de atividades integradas e articuladas pela finalidade orientadora desse trabalho, ou seja, o atendimento às necessidades de saúde tomadas e constituídas em objeto para a prática dos serviços.50

No âmbito do processo de trabalho de assistência, o elo de ligação entre as práticas sociais de saúde é o monitoramento em saúde do coletivo, que deve articular, "(...) sob a forma de operações, um conjunto de processos de trabalho relativos a situações de saúde a preservar, riscos, danos e seqüelas, incidentes sobre indivíduos, famílias, ambientes coletivos (...) grupos sociais e meios ambiente, normalmente dispersos em atividades setorizadas em programas de saúde pública, na vigilância sanitária, na vigilância epidemiológica, na vigilância nutricional e alimentar, no controle de vetores, na educação para a saúde, nas ações sobre o meio ambiente, com ações extra-setoriais, para enfrentar problemas contínuos num território determinado, especialmente a nível de microárea”.51

Se o objeto se concretiza nos perfis epidemiológicos dos grupos sociais homogêneos, que são o produto da articulação entre os perfis de reprodução social e os perfis saúde-doença desses grupos, as ações de monitoramento em saúde devem incidir sobre esses perfis. Ao fazer um paralelo com os “eventos sentinela” da epidemiologia clássica, o Prof. Jaime Breilh52 propõe o monitoramento crítico em saúde coletiva balizado por processos críticos estratégicos que indiquem e controlem o desenvolvimento não só dos resultados do processo saúde-doença mas, principalmente, de seus determinantes. Dessa forma, há que se estabelecer parâmetros para o acompanhamento dos determinantes do processo saúde-doença, identificando os potenciais de desgaste e de fortalecimento advindos das formas de trabalhar e das formas de viver dos grupos sociais homogêneos, caracterizando as forças sociais e a sua capacidade organizativa, e não só as evidências do fortalecimento ou do desgaste por elas gerados.

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4. A intervenção no objeto e prática de enfermagem no processo de assistência em saúde coletiva

Por tudo o que foi dito até agora podemos considerar que na prática intervir em saúde hoje significa assumir a responsabilidade pelo monitoramento/acompanhamento das condições de saúde da totalidade da população de um determinado território. Ainda, diante do exposto, é preciso destacar que, como as diferentes práticas profissionais em saúde são parcelas dos quatro processos de trabalho (assistência, gerenciamento, ensino e investigação) que compõem o processo de produção de serviços de saúde, seu objeto e sua finalidade são idênticos aos do processo de produção a que se articulam.

Intervir em saúde implica em fazer parte de um processo de produção de serviços de saúde que comporta diferentes processos de trabalho articulados entre si (trabalho coletivo/ trabalhador coletivo) para atender a finalidade do processo.

Assumir a responsabilidade pela saúde dos habitantes do território implica em que o setor público de saúde deve assumir o controle de saúde da totalidade dos habitantes do território, com a complementaridade do setor privado, conveniado e filantrópico de saúde.

Monitorar/acompanhar as condições de saúde da totalidade dos habitantes do território significa exercer o monitoramento em saúde do coletivo, na sua totalidade, nos seus grupos sociais homogêneos e na sua singularidade, caracterizando os perfis epidemiológicos - perfis de reprodução social e perfis saúde-doença dos grupos sociais homogêneos que compõem o coletivo - e neles intervindo visando ao aperfeiçoamento do processos saúde-doença de todos os habitantes do território.

Por isso, consideramos que o projeto de assistência em Saúde Coletiva é único e incorpora o monitoramento das condições de trabalho, de vida e de saúde, que é a forma como se operacionaliza o monitoramento em saúde.

O monitoramento em saúde não pode se restringir a um sistema de informações por mais abrangente que este possa ser. Pressupõe um sistema dinâmico de informações, de processamento e análise e de intervenção.53 Esses componentes - informação, processamento e análise e intervenção - devem se submeter às bases teóricas que suportam o campo da Saúde Coletiva, guardando assim estreita relação com o quadro teórico da Determinação Social do Processo Saúde-Doença. Por isso é que os dados tradicionais de informação em Saúde Coletiva devem ser reordenados e ampliados em extensão e profundidade para dar conta de compor o cenário do território e permitir a conformação do objeto na sua totalidade e nas suas partes.

Se o objeto é recortado na sua generalidade com o auxílio das Ciências Sociais, na sua vertente histórica, e na sua especificidade com as ferramentas da Epidemiologia Crítica, é imprescindível que:

x o sistema de informação acumule dados que permitam compor os perfis de reprodução social e os perfis de saúde-doença que, conjugados, conformarão os perfis epidemiológicos;

x o sistema de processamento e de análise, acoplado ao sistema de informação, deve também se submeter ao mesmo quadro teórico, favorecendo uma classificação dos dados que permita evidenciar os perfis de reprodução social no território, nele localizar os grupos sociais homogêneos e delinear os seus perfis de saúde-doença, encaminhando assim à constituição dos perfis epidemiológicos do coletivo na sua totalidade e nas suas partes;

x a intervenção, enquanto proposta e prática, deve incidir tanto na estrutura como na dinâmica do território, âmbitos nos quais o objeto (perfis epidemiológicos) se expressa na sua generalidade (perfis de reprodução social) e na sua especificidade (perfis saúde-doença).

Essa rede de sistemas exige que se contorne o objeto, localizando-o no âmbitos: da estrutura da sociedade - base econômica, base social, base geo-social e da dinâmica da sociedade no seu momento de produção social - formas de trabalhar - e no momento do consumo - formas de viver.

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É extremamente difícil materializar o conceito de coletivo. Este parece ser um dos pontos de estrangulamento na Saúde Coletiva. O Quadro 1 esquematiza uma proposta de operacionalizar o conceito, proposta esta construída e desenvolvida, em 1996, para subsidiar o ensino de graduação em enfermagem em saúde coletiva54. Para efeitos práticos, o coletivo precisa ser materializado: na sua totalidade, nas partes que o compõem - grupos sociais e na sua singularidade - indivíduos e famílias.

O coletivo na sua totalidade dificilmente é encontrado. Em outras palavras, não há um espaço nem um momento próprio em que todos os habitantes de um território se congreguem simultaneamente para receber as ações de saúde. Ainda assim, distribuída nas relações capital/trabalho, a totalidade no âmbito da estrutura da sociedade está representada, nos espaços sociais organizados, como, por exemplo, nos movimentos sociais, nos partidos políticos, nas organizações não governamentais.

O coletivo, enquanto grupos sociais, também está representado na estrutura da sociedade pela sua inserção de classe (relação capital/trabalho) na base econômica, na base social e na base geo-social. No âmbito da dinâmica da sociedade, especificamente no seu momento produtivo, se localiza nos espaços formais de trabalho e de representação das relações capital/trabalho como, por exemplo, nos locais de trabalho, nos sindicatos patronais e de trabalhadores, nos órgãos de classe e de defesa popular. Ainda no âmbito da dinâmica da sociedade, mas especificamente no seu momento do consumo, ele é encontrado nos momentos em que usufrui dos equipamentos sociais públicos e privados, como escolas, creches, clubes, igrejas.

O coletivo enquanto singularidade (famílias e indivíduos) também se situa na estrutura da sociedade. Mas é na dinâmica social - nos momentos de produção e consumo - que o coletivo, na sua singularidade, subordinado aos grupos sociais, mais interessa à saúde. Nesses dois momentos, podemos encontrar os indivíduos quando estão a trabalhar ou a viver a vida. Assim, os espaços do coletivo como singularidade podem ser seus locais de trabalho, suas residências, os equipamentos de saúde e outros locais públicos em que transitam. Quadro 1. A decomposição do objeto de intervenção em Saúde Coletiva e sua localização na estrutura e na dinâmica da sociedade.

Dinâmica da sociedade Âmbitos de intervenção

Objeto de intervenção

O coletivo na generalidade da

saúde

O coletivo na especificidade da

saúde

Estrutura da sociedade

(base econômica, base social e base

geo-social)

Momento da

produção (formas de trabalhar)

Momento do

consumo (formas de viver)

Coletivo: totalidade Perfis epidemiológicos do

coletivo

Partidos políticos Movimentos sociais ONG’s

Coletivo: grupos sociais

Perfis epidemiológicos de

grupos sociais homogêneos

Inserção na base econômica, na base social e na base geo-social.

Sindicatos Órgãos de classe Órgãos de defesa popular Locais de trabalho

Instituições sociais: escolas, creches, igrejas, clubes, espaços de cultura, esporte e lazer, associações comunitárias

Coletivo: singularidade

(indivíduo e família)

Expressões bio-psíquicas

singulares de indivíduos e

famílias por grupos sociais

homogêneos

Locais de trabalho Residências, clubes, igrejas Equipamentos de saúde Locais de recreação Transporte Público Passeios Públicos Zonas de comércio

Localizado o coletivo, na totalidade, nos seus grupos sociais e na sua singularidade nos âmbitos da estrutura e da dinâmica social do território, é nestes espaços que se

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operacionalizará o monitoramento em saúde. Em outras palavras, é nestes espaços que se deve operar o sistema de informação, processamento e análise das informações sobre o objeto e sobretudo o projeto/prática de intervenção propriamente ditos no coletivo de forma a compor o projeto de intervenção.

O Quadro 2 apresenta de forma sistematizada uma proposta de projeto de intervenção voltado para o monitoramento em saúde, por recortes do coletivo - totalidade, grupos sociais e singularidade: esboça o conteúdo de um sistema de informação, processamento e análise de dados e um conjunto de ações interventivas referidas à estrutura e à dinâmica social - nos seus momentos de produção e consumo. Este quadro, tal qual o Quadro 1, está fundamentado numa proposta construída e desenvolvida, em 1996, para subsidiar o ensino de graduação em enfermagem em saúde coletiva.55

Um primeiro aspecto a destacar é que o projeto de intervenção requer continuamente uma articulação intra-setorial - entre os setores público, privado, conveniado e filantrópico de saúde - e uma articulação trans-setorial - que congregue os espaços sociais organizados no âmbito da estrutura e da dinâmica social e os setores públicos do território. Fazê-lo coincidir com territórios político-administrativos, “apresenta, dentre outras, a vantagem da possibilitação de uma integração da autoridade sanitária com responsáveis por outros setores, contribuindo para a facilitação de uma ação intersetorial (...) por conseqüência, (...) a prática (...) [do monitoramento em saúde é conduzida] mediante um conjunto de ações interdisciplinares e intersetoriais”. 56 Estes dois níveis de articulação não são só necessários, mas indispensáveis para globalizar a informação e a intervenção, uma vez que os perfis epidemiológicos do coletivo, congregam os determinantes do processo saúde-doença - perfis de reprodução social - e os seus resultados - perfis saúde-doença - e que intervir em Saúde Coletiva é intervir em todos os determinantes do processo saúde-doença e não somente na expressão bio-psíquica o coletivo.

Os dados do sistema de informação, processamento e análise, como se vê no Quadro 2, devem ser buscados na estrutura econômica, na estrutura social, na estrutura geo-social (estrutura da sociedade), nos espaços onde se dá o momento da produção e o do consumo (dinâmica da sociedade), a fim de caracterizar o coletivo na sua totalidade e nos seus grupos sociais homogêneos. Para caracterizar o coletivo na sua singularidade, interessam especialmente as informações referentes ao momento da produção e do consumo relacionadas às perspectivas individual/familiar sobre os potenciais de fortalecimento e de desgaste oriundos das formas de trabalhar e de viver (condições de existência e estilo de vida) e aos processos saúde-doença individual/familiar (problemas e necessidades de saúde). Mapeando o espaço social do território, enquanto território ocupado de modo organizado e dinâmico em que diferentes gradientes de saúde e doença se manifestam, poderão subsidiar a construção dos perfis epidemiológicos (perfis de reprodução social e perfis de saúde-doença) e a sua realimentação, de modo a mapear a sua evolução na horizontalidade, fornecendo as bases para a construção da intervenção e para os ajustes que forem sendo necessários.

A intervenção propriamente dita deve prever ações sobre os perfis epidemiológicos do coletivo, na sua totalidade, nos grupos sociais e na sua singularidade, centradas no âmbito da estrutura e no âmbito da dinâmica da sociedade. Não é demais reiterar que toda intervenção em saúde é intervenção em Saúde Coletiva, dado o caráter multifacetado do objeto, que intervir no coletivo implica em reconhecer a sua heterogeneidade e superar os limites da assistência individual ou à família, tomando como objeto os perfis de reprodução social conjugados ao perfis de saúde-doença - perfis epidemiológicos.

Dessa forma, a intervenção em Saúde Coletiva deve estar orientada a: 1) atingir os pontos de estrangulamento da estrutura da sociedade que geram as iniqüidades de inserção na base econômica, na base social e na base geo-social; 2) aprimorar/preservar os potenciais de fortalecimento que se manifestam nos momentos da produção e do consumo (formas de trabalhar e de viver), controlando as expressões de fortalecimento concretizadas no corpo bio-psíquico de indivíduos/famílias dos grupos sociais homogêneos; 3) superar os potenciais de desgaste que se manifestam nos momentos da produção e do consumo (formas de trabalhar e de viver) e não somente de imprimir ações de

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recuperação do desgaste concretizado no corpo bio-psíquico de indivíduos/famílias dos grupos sociais homogêneos.

Nesse sentido, como se pode ver no Quadro 2, vez por outra, tomamos de empréstimo a proposta do Prof. Jaime Breilh, quando preconiza que a intervenção nos perfis epidemiológicos - a prevenção profunda - deve prever ações de fortalecimento (aprimorar potenciais de fortalecimento), proteção (preservar potenciais de fortalecimento) e recuperação (superar potenciais de desgaste).

Na sua totalidade, a intervenção privilegiará: 1) no âmbito da estrutura: ações conjuntas luta pela criação, manutenção de

postos de trabalho, pela criação e manutenção de projetos de qualificação e requalificação da força de trabalho e pelo redirecionamento das políticas sociais públicas no atendimento dos direitos e necessidades sociais (habitação, cultura, esporte, lazer, educação, saúde, abastecimento, saneamento, transporte, segurança pública).

2) no âmbito da dinâmica social: a instauração de programas de monitoramento dos potenciais de fortalecimento e de desgaste, instrumentalização dos trabalhadores e moradores do território para superar os potenciais de desgaste e aperfeiçoar os potenciais de fortalecimento derivados do trabalho e da vida.

Na direção dos grupos sociais homogêneos, a intervenção, deve prever: 1) no âmbito da estrutura da sociedade: ações de fortalecimento, proteção e

recuperação, que promovam a eqüidade social, favorecendo o trânsito na base econômica, lembrando que a dinâmica populacional e a mobilidade geográfica serão assim favorecidas, uma vez que estão em estreita relação com a dinâmica da base econômica.

2) no âmbito da dinâmica da sociedade, no momento da produção social: priorizando os grupos sociais homogêneos, com algum grau de instabilidade na inserção no momento da produção, ações que visem a qualificação/requalificação para o trabalho, manutenção/ampliação dos direitos e benefícios trabalhistas, a sistematização na rede pública de programas de assistência aos trabalhadores, cabendo ao setor público a supervisão dos locais de trabalho e o estabelecimento de diretrizes e o acompanhamento dos serviços de saúde das empresas do setor privado.

3) no âmbito da dinâmica da sociedade, no momento do consumo: priorizando os grupos sociais homogêneos, com algum grau de instabilidade na inserção no momento do consumo, ações de fortalecimento, proteção e recuperação que visem ao controle de riscos oriundos de desastres naturais e catástrofes sociais, ao incentivo da agregação social, à instrumentalização em saúde da inteligência popular, núcleo fundante da ação revolucionária em Saúde Coletiva, ao controle de crescimento/ desenvolvimento/ maturação/ envelhecimento de grupos cronológicos, subordinando-as às necessidades e problemas do grupo social homogêneo a que pertencem, ações de cobertura vacinal e ações específicas de proteção (aperfeiçoamento dos potenciais de fortalecimento) e recomposição do desgaste voltadas às principais necessidades e causas de morbi-mortalidade em cada grupo social homogêneo.

Finalmente, a intervenção no coletivo na sua singularidade - expressões bio-psíquicas singulares do processo saúde-doença de famílias/indivíduos pertencentes aos grupos sociais homogêneos, deve prever:

1) no âmbito da dinâmica da sociedade, no momento da produção social: ações que garantam o desenvolvimento de um programa único de monitoramento em saúde dos trabalhadores, no sentido de garantir a cobertura a todos os trabalhadores do território, tendo como base os perfis epidemiológicos delineados.

2) no âmbito da dinâmica da sociedade, no momento do consumo: ações elaboradas com base nos perfis epidemiológicos delineados no território, que articulem todos os seus equipamentos de saúde - publico, privados, conveniados e filantrópicos - de modo a distribuir com eqüidade o atendimento aos indivíduos/famílias, priorizando o atendimento na rede pública daqueles que são oriundos de grupos com algum grau de instabilidade no momento do consumo, mas reservando à rede pública a supervisão da execução do atendimento nos demais setores.

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Quadro 2 - Proposta de projeto de intervenção em saúde coletiva centrado no monitoramento em saúde do território - 2.1. A totalidade.

Dinâmica da Sociedade Âmbitos de Intervenção

Objeto de intervenção

Estrutura da sociedade

(base econômica, base social, base geo-social)

Momento da produção (formas de trabalhar)

Momento do consumo

(formas de viver) Articulação: partidos políticos, movimentos sociais, ONG’s, setores públicos do território

Articulação: sindicatos, órgãos de classe, órgãos de defesa popular, comissões de trabalhadores em seus locais de trabalho.

Articulação: instituições sociais (escolas, creches, igrejas, clubes, espaços culturais)

Sistema de informação, processamento e análise de dados: 1. Base econômica: característica da produção nos três setores da economia - índice de emprego/desemprego,

vínculo formal/informal; - índice de inflação; - índices salariais; - caracterização da produção/

distribuição de serviços: habitação, cultura, esporte, lazer, educação, saúde, abastecimento, saneamento, transporte, segurança pública, incluindo sua localização no espaço público e privado, formal e informal, índices de desempenho e cobertura.

2. Base social: características da estrutura social - relação capital/ trabalho; - dinâmica populacional (migração,

composição etária, fecundidade, natalidade, expectativa de vida)

- grau de coesão social; - meios de comunicação de massa. 3. Base geo-social: características da ocupação do território - uso do solo; - aproveitamento dos recursos

naturais; - bens sociais construídos no

território.

Sistema de informação, processamento e análise de dados: - Características dos

processos de produção e dos respectivos processos de trabalho dos setores da economia do território, potenciais de fortalecimento e desgaste.

Sistema de informação, processamento e análise de dados: - Características e

espacialização dos recursos sociais e naturais do território, potenciais de fortalecimento e de desgaste.

Perfis epidemiológicos

Totalidade

Intervenção: - luta pela criação, manutenção de

postos de trabalho; - luta pela criação e manutenção de

projetos de qualificação e requalificação da força de trabalho;

- luta pelo redirecionamento das políticas sociais públicas no atendimento dos direitos e necessidades sociais (habitação, cultura, esporte, lazer, educação, saúde, abastecimento, saneamento, transporte, segurança pública).

Intervenção: - Programas de

monitoramento dos potenciais de fortalecimento e de desgaste, instrumentalização dos trabalhadores para superar os potenciais de desgaste e aperfeiçoar os potenciais de fortalecimento.

Intervenção: - Programas de

monitoramento dos potenciais de fortalecimento e de desgaste, instrumentalização dos moradores para superar os potenciais de desgaste e aperfeiçoar os potenciais de fortalecimento.

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Quadro 2 - Proposta de projeto de intervenção em saúde coletiva centrado no monitoramento em saúde do território - 2.2. Os grupos sociais homogêneos: sistemas de informação, processamento e análise de dados.

Dinâmica da Sociedade Âmbitos de Intervenção

Objeto de intervenção

Estrutura da sociedade

(base econômica, base social, base geo-social)

Momento da produção (formas de trabalhar)

Momento do consumo

(formas de viver)

Perfis epidemiológicos (grupos sociais homogêneos)

Sistema de informação, processamento e análise de dados: 1. Base econômica: - inserção e mobilbidade de

cada grupo social homogêneo na estrutura econômica

- cobertura que o setor público (habitação, cultura, esporte, lazer, educação, saúde, abastecimento, saneamento, transporte, segurança pública) oferece a cada grupo social homogêneo em relação à totalidade

2. Base social: - inserção e mobilbidade de

cada grupo social homogêneo na dinâmica populacional (migração, composição etária, fecundidade, natalidade, expectativa de vida)

- grau de coesão social de cada grupo social homogêneo;

- políticas e práticas sociais públicas para grupo social homogêneo em relação à totalidade.

3. Base geo-social: - ocupação e usufruto do

espaço geo-social em cada grupo social homogêneo em relação à totalidade;

- políticas e práticas sociais públicas de distribuição/ acesso aos bens públicos, aos recursos naturais em cada grupo social homogêneo em relação à totalidade

Sistema de informação, processamento e análise de dados: - Formas de organização do

capital e da classe-que-vive-do-trabalho;

- Grau de sindicalização (patronal e dos trabalhadores).

- Características dos locais de trabalho: processos de produção, processos de trabalho. organização dos trabalhadores; mapeamento dos potenciais de fortalecimento e de desgaste.

Sistema de informação, processamento e análise de dados: - Distribuição espacializada

dos grupos sociais homogêneos no território, confrontada com a distribuição espacializada dos recursos sociais e naturais, potenciais de fortalecimento e de desgaste.

- Estilos de vida dos grupos sociais homogêneos (religião, hábitos e costumes, padrões culturais, discriminando por grupos etários, gênero, etnia), potenciais de fortalecimento e de desgaste.

- Conhecimentos e práticas de saúde dos grupos sociais homogêneos, potenciais de fortalecimento e de desgaste.

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Quadro 2 - Proposta de projeto de intervenção em saúde coletiva centrado no monitoramento em saúde do território - 2.2. Os grupos sociais homogêneos: intervenção.

Dinâmica da Sociedade Âmbitos de Intervenção

Objeto de intervenção

Estrutura da sociedade

(base econômica, base social, base geo-social)

Momento da produção (formas de trabalhar)

Momento do consumo

(formas de viver)

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Perfis epidemiológicos (grupos sociais homogêneos)

Intervenção: Fundamentada na busca pela eqüidade social nos aspectos econômico, social e geo-social. - ações de fortalecimento da

inserção econômica de grupos sociais homogêneos estáveis no momento da produção e do consumo e manutenção da cobertura dos serviços públicos oferecidos;

- ações de proteção da inserção econômica de grupos sociais homogêneos com algum grau de instabilidade no momento da produção/ consumo e ampliação da cobertura dos serviços públicos oferecidos;

- ações que favoreçam a re-inserção econômica dos grupos sociais homogêneos excluídos do momento da produção/ consumo e priorização da cobertura dos serviços públicos oferecidos.

Ao encaminhar tais ações que favorecem o trânsito na base econômica, lembrar que a dinâmica populacional e a mobilidade geográfica também serão favorecidas uma vez que estão em íntima relação com a dinâmica da base econômica

Intervenção: Articulação com sindicatos de trabalhadores e patronais instrumentalizando os representantes sindicais para a necessidade de: - requalificação para o

trabalho, dos grupos sociais homogêneos com algum grau de instabilidade na inserção no momento da produção;

- ampliação dos direitos e benefícios trabalhistas para os grupos sociais homogêneos com algum no momento da produção, reforçando reivindicação por contratos coletivos de trabalho, e a manutenção de direitos e benefícios trabalhistas dos grupos sociais homogêneos com estabilidade no momento da produção;

- sistematização na rede pública de saúde de programas de assistência a saúde dos trabalhadores, englobando mapeamento de potenciais de fortalecimento e desgaste dos locais de trabalho, controles de saúde admissionais, periódicos e demissionais dos trabalhadores;

- supervisão pela rede pública de saúde dos locais de trabalho, com base nos mapeamentos de potenciais de fortalecimento e desgaste; - diretrizes e acompanhamento pela rede pública de saúde dos serviços de saúde das empresas privadas.

Intervenção: - programas articulados com

outros setores públicos (habitação, cultura, esporte, lazer, educação, saúde, abastecimento, saneamento, transporte, segurança pública) para controle de potenciais de desgaste, como violência, acidentes, e outros riscos oriundos de desastres naturais e catástrofes sociais, de acordo com as necessidades e problemas dos diferentes grupos sociais homogêneos, priorizando os grupos com algum grau de instabilidade no momento do consumo;

- articulação com movimentos sociais (igrejas, escolas, clubes, associações comunitárias, etc.), buscando estabelecer programas de apoio e incentivo à agregação social nos diferentes grupos sociais homogêneos, priorizando os grupos com algum grau de instabilidade no momento do consumo;

- instrumentalizar “em saúde” a “inteligência popular” dos diferentes grupos sociais homogêneos, fundamentando-se nos seus conhecimentos, práticas e necessidades de saúde;

- programas de controle de crescimento/desenvolvimento/maturação/envelhecimento de grupos cronológicos em cada grupo social homogêneo, através de instituições públicas (creches, escolas, associações) e da articulação e acompanhamento dessas ações nas instituições privadas/filantrópicas;

- programas específicos de proteção e de recomposição do desgaste nos grupos sociais homogêneos, de acordo com as principais causas de morbi-mortalidade em cada grupo;

- programas de ampliação da cobertura vacinal para os grupos sociais homogêneos, priorizando os que apresentam baixa cobertura.

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Quadro 2 - Proposta de projeto de intervenção em saúde coletiva centrado no monitoramento em saúde do território - 2.3. A singularidade: indivíduo e família.

Dinâmica da Sociedade Âmbitos de Intervenção

Objeto de intervenção

Estrutura da sociedade

(base econômica, base social, base geo-social)

Momento da produção (formas de trabalhar)

Momento do consumo

(formas de viver) Sistema de informação,

processamento e análise de dados: Perspectiva individual/ familiar sobre os potenciais de desgaste e de fortalecimento derivados das formas de trabalhar Processos de desgaste e de fortalecimento individual e familiar

Sistema de informação, processamento e análise de dados: Perspectiva individual/ familiar sobre os potenciais de desgaste e de fortalecimento derivados das formas de viver (condições de existência e estilo de vida) Processos de desgaste e de fortalecimento individual e familiar

Intervenção: - articulação de todos os

serviços de assistência à saúde do trabalhador - públicos, privados e sindicais - no sentido de garantir a cobertura a todos os trabalhadores do território, desenvolvendo programa único de vigilância à saúde dos trabalhadores, cabendo ao serviço público o controle da execução do programa pelo setor privado e pelos sindicatos;

- implementar os programas de saúde do trabalhador da rede pública previamente elaborados com base nos perfis epidemiológicos delineados no território e supervisionar a sua execução pelo setor privado, conveniado e filantrópico.

Intervenção: - articulação de todos os equipamentos de saúde - públicos, privados, conveniados, filantrópicos - do território no sentido de distribuir com equidade o atendimento aos indivíduos/famílias dos grupos sociais homogêneos, cabendo ao serviço público de saúde priorizar a assistência àqueles oriundos de grupos sociais homogêneos excluídos ou com algum grau de instabilidade no momento do consumo; - implementar os programas de saúde da rede pública previamente elaborados com base nos perfis epidemiológicos delineados no território e supervisionar a sua execução pelo setor privado, conveniado e filantrópico.

Por tudo o que até agora foi dito, não temos dúvida de que é no desenvolvimento de

um projeto único de intervenção em Saúde Coletiva que os trabalhadores de enfermagem, articulados aos demais trabalhadores da saúde, devem recompor a prática de enfermagem, na perspectiva de construção conjunta do trabalho/trabalhador coletivo, e que a sua especificidade o cuidar possa ser igualmente reorientada, integrando sob outra perspectiva o novo objeto - o coletivo. A prática de enfermagem, assim como as demais práticas sociais em saúde devem se integrar para desenvolver um projeto que é único. Partindo do entendimento de que “a prática de enfermagem é parte da produção geral de saúde no país”, sua reorganização deve estar amparada na elaboração coletiva de uma nova forma de concepção de saúde e de organização de serviços. 57

No início desta década, a Associação Brasileira de Enfermagem (ABEn)se empenhou em caracterizar as novas bases para a prática de enfermagem no SUS, “com o propósito de contribuir para a reflexão e a intervenção das enfermeiras no processo de reorganização dos serviços de saúde do país e de reorganização das práticas sanitárias - particularmente a de enfermagem.”58

Ao discutir a prática da enfermagem nos diversos níveis do SUS, evidenciava a preocupação que tinha com relação a enfermagem “assumir posições bem delimitadas nas estruturas hierárquicas (...) [o que poderia envolvê-la] num movimento puramente corporativista, deslocando a discussão do ponto em que se considera primeiro e fundamental que são as práticas de saúde relacionadas ao modelo assistencial”. Recolocando a enfermagem como uma das práticas do trabalho em saúde, reorientado pela renovação da

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integração entre clínica e epidemiologia, à luz dos conhecimentos da Epidemiologia Crítica, e construído sob a organização do trabalho coletivo, enfatiza que “se se toma como nuclear a resolução de problemas de saúde da população (...) isto implica em não definir a priori qual (is) o (s) profissional (is) e que papéis devem desempenhar. O primado deve ser o da resolução do problema e não o do espaço institucional da corporação”.59 De outro lado, ao discutir a consulta de enfermagem no contexto da prática de enfermagem, apoiado em argumentos semelhantes, o documento da ABEn tece críticas à este instrumento que foi aprimorado sob a égide do modelo clínico e recomenda “repensá-la na perspectiva de um novo modelo de atenção, que toma como objeto o processo saúde/doença na coletividade, exigindo assim, que as práticas de saúde, e por conseguinte, da enfermagem, sejam estruturadas a partir de novos paradigmas”. Conclui também que a prática da enfermagem “não deve ser repensada isoladamente, com vistas ao atendimento de interesses específicos da profissão, mas referida ao processo coletivo do trabalho em saúde”. 60 Finalmente, um outro documento, em que se advoga a reorientação da prática da enfermagem no âmbito da Vigilância à Saúde, consideram que, diante das exigências da construção do SUS, “a enfermagem e em particular a enfermeira pode assumir a condução deste processo desde quando o seu compromisso venha a ser com as necessidades de saúde da população”. 61

De fato, como já reiteramos anteriormente, o novo objeto e a nova finalidade do processo de produção de serviços de saúde demandam, na reorientação das práticas sociais em saúde, um clara compreensão de que todo o esforço para construir um novo modelo assistencial requer a constituição do trabalho/trabalhador coletivo, aos quais devem se subordinar os trabalhos/trabalhadores parciais em saúde. Desde o início partimos do pressuposto de que a prática social de enfermagem se localiza no conjunto de práticas sociais da saúde como instrumento do processo de produção em saúde. Realizada por um conjunto heterogêneo de trabalhadores, constituída historicamente, como “cuidar” ou “assistir” deve ter como perspectiva a reorientação do “cuidar” em estreita articulação com as demais práticas sociais em saúde e calcada no modelo assistencial regido pelos princípios e diretrizes do SUS. Nesse sentido, acreditamos que o “cuidar” deve se operacionalizar no acompanhamento sistemático e horizontal da trajetória dos processos saúde-doença do coletivo, daí a necessidade da enfermagem se instrumentalizar para participar ativamente na construção e na intervenção dos perfis epidemiológicos: perfis de reprodução social e perfis saúde-doença dos grupos sociais homogêneos. Por inserir-se como um dos instrumentos do processo de produção de serviços de saúde, o objeto e a finalidade da enfermagem são exatamente os mesmos do processo de produção a que se articula (perfis epidemiológicos e transformação dos perfis epidemiológicos, respectivamente) e a renovação do modelo de atenção, crivado pela articulação entre a clínica e a epidemiologia, deve ser a rota primeira por onde devem transitar suas ações interventivas. A especificidade da enfermagem enquanto prática social na área da saúde, é dada pelos saberes e tecnologias que lhe são próprios. Contudo, como participante do processo de produção de serviços de saúde deve subordinar a utilização desses instrumentos ao trabalho/trabalhador coletivo em saúde, na perspectiva de consolidação de relações sociais de novo tipo que traz à tona também um novo tipo de trabalhador social: o trabalhador coletivo.

NOTAS BIBLIOGRÁFICAS

1 A esse respeito consultar, entre outros, LUZ, M.T. As conferências nacionais de saúde e as políticas de saúde da década de 80. In: GUIMARÃES, R.; TAVARES, R. Saúde e sociedade no Brasil: anos 80. Rio de Janeiro, Relume-Dumará, 1994. Cap. 5; GERSCHMAN, S. A democracia inconclusa: um estudo da reforma sanitária brasileira. Rio de Janeiro, FIOCRUZ, 1995; PAIM, J. Bases conceituais da Reforma Sanitária Brasileira In: FLEURY, S. (org) Saúde e Democracia: a luta do CEBES, São Paulo, Lemos, 1997, cap.1 2 BREILH, J. Nuevos conceptos y técnicas de investigación: guía pedagógica para un taller de metodología. Quito, CEAS, 1995, p. 48. 3 ESCOREL, S. Reviravolta na saúde: origem e articulação do movimento sanitário. Rio de Janeiro, FIOCRUZ, 1998.

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4 COHN, A.; ELIAS, P. E. Saúde no Brasil: políticas e organização de serviços. São Paulo, Cortez, 1999. 5 Diferentes possibilidades estruturam modelos assistenciais que deêm conta da tarefa concebida no espaço de formulação da política social pública de saúde. A esse respeito, consultar SILVA Jr., A. Modelos tecnoassistenciais em saúde: o debate no campo da saúde coletiva. Tese (Doutorado) Escola Nacional de Saúde Pública - FIOCRUZ, Rio de Janeiro, 1996. 6 BREILH, J. Nuevos conceptos y técnicas de investigación: guía pedagógica para un taller de metodología. Quito, CEAS, 1995, cap. 7. 7 VAUGHAN, J. P.; MORROW, R. H. Epidemiologia para os municípios: manual para gerenciamento dos distritos sanitários. São Paulo, HUCITEC, 1992. 8 MENDES, E. V. (org.) Distrito sanitário: O processo social de mudanças das práticas sanitárias do Sistema Único de Saúde. 3.ed., São Paulo, Hucitec, 1994. 9 MENDES, E. V. Uma agenda para a saúde. São Paulo, Hucitec, 1996. 10 MENDES, E. V. (org.) A organização da saúde no nível local. São Paulo, Hucitec, 1998. 11 SALUM, M.J.L. A responsabilidade da universidade pública no processo institucional de renovação das práticas de saúde: questões sobre o Programa de Saúde da Família. [online]. Disponível na Internet http://www.datasus.gov.br/cns/tribuna. htm.(11.nov.99) 12 Em 1992, o Prof. Gastão W. de Sousa Campos já criticava a proposta dos Sistemas Locais de Saúde, considerando-a como uma das reformas "da estrutura administrativa, ainda que tecnicamente justificadas, mas que não logram alterar o modo da produção e a lógica diretora do modelo, costumam redundar em empreitadas esvaziadas de conteúdo. A municipalização, a divisão de sistemas locais em distritos e outras medidas, até de fundo descentralizadoras, só têm resultado, na experiência brasileira, em movimentos de readequação dos padrões vigentes de atenção ao novo quadro. (...) Na lenda silvícola, Yara, compadecida com o penar do jovem guerreiro, ensinou-lhe o segredo do látex, impermeabilizando, assim, sua vasilha, seu instrumento de trabalho. (...) Precisamos encontrar o látex da reforma sanitária. Vejo as recomendações da OPAS, sobre os SILOS, como nosso cesto de cipó, por onde flui a reprodução e a permanência da lógica neoliberal. - CAMPOS, G.W.S. (1992), op. cit., p. 145 - (grifos nossos). 13 Ao fundamentar a estratégia da Vigilância à Saúde, o Prof. Jairnilson Paim enfatizava: “uma vez que o projeto de distrito sanitário[DS] possibilita a elaboração e teste de soluções técnicas, ainda que moldadas pelas relações sociais vigentes em sociedades capitalistas, outras recomposições dos instrumentos de trabalho podem ser concebidas com base na construção de novos paradigmas para organização da assistência e para as formas de exercer o trabalho. Se o DS privilegia as necessidades sociais de saúde, traduzidas em problemas pelos agentes dessas práticas, haveria que recorrer mais à epidemiologia que à clínica como meio de apreensão do objeto, menos ao médico individualmente no seu “colóquio singular’ e mais ao trabalhador coletivo em outras formas de exercício. Portanto, os modelos de organização da assistência em DS requereriam mais um trabalho epidemiologicamente orientado na perspectiva de uma atenção à saúde na sua dimensão coletiva do que um trabalho clinicamente dirigido para o cuidado médico individual”. PAIM, J.S. A reorganização das práticas de saúde em distritos sanitários. In: MENDES, E.V. (org.)(1994), op. cit., p. 206 (grifos nossos). 14 MELO, C.; ARAÚJO, M.J.S. A nova prática de enfermagem no Sistema Único de Saúde. In: ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE ENFERMAGEM. Comissão Permanente de Serviço de Enfermagem. Descentralização em saúde e a prática de enfermagem. Brasília, ABEn, 1992 (série Documento 3), p. 26. 15 LAURELL, A.C. A saúde-doença como processo social. In: NUNES, E.D. (org.) Medicina social: aspectos históricos e teóricos. São Paulo, Global, 1983, p. 156. 16 LAURELL, A.C. (1983), op. cit., p. 150. 17 PAIM, J.S. A reorganização das práticas de saúde em distritos sanitários. In: MENDES, E.V. (org.) Distrito Sanitário: O processo social de mudanças das práticas sanitárias do Sistema Único de Saúde. São Paulo - Rio de Janeiro, Hucitec-ABRASCO, 1994, p. 230. 18 FRIGOTTO, G. Educação e a crise do capitalismo real. São Paulo, Cortez, 1995, p. 17-8. 19 LAURELL, A.C. (1983), op. cit., p. 150. 20 GONÇALVES, R.B.M. Tecnologia e organização social das práticas de saúde: características tecnológicas de processo de trabalho na Rede Estadual de Centros de Saúde de São Paulo. São Paulo-Rio de Janeiro, Hucitec-Abrasco, 1994, p. 86. 21 BREILH, J. Epidemiologia: economia, política e saúde. São Paulo, UNESP-Hucitec, 1991, p. 196. 22 MENDES, E.V. apud PAIM, J.S. (1994), op. cit., p. 181 23 LAURELL, A.C.; NORIEGA, M. Processo de produção e saúde: trabalho e desgaste operário. São Paulo, Hucitec, 1989. 24 LAURELL, A.C. (1983), op. cit., p. 271.

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25 O Prof. Jaime Breilh critica o conceito de riscos da vigilância convencional, mas também o conceito de cargas, categoria proposta pela Profa. Asa Cristina Laurell para explicar os mediadores do trabalho que se articulam ao desgaste. Trabalha com o que denomina processos destrutivos e construtores na consideração de que, a despeito do caráter alienado e explorado do trabalho sob o modo capitalista de produção, o trabalho comporta a possibilidade de aperfeiçoamento bio-psíquico. A denominação potenciais de fortalecimento e de desgaste tem sido por nós adotada para designar os processos mediadores entre trabalho/vida e saúde/doença. 26 "A apreensão do objeto consiste basicamente na identificação de suas características que permitem a visualização do produto final, antevisto nas finalidades do trabalho. O objeto não se impõe em nenhum caso naturalmente, mas corresponde já a um olhar enviesado que nele discrimina a potencialidade do produto." MENDES-GONÇALVES, R.B.M. (1994), op. cit., p. 62. 27 LAURELL, A.C.; NORIEGA, M. (1989), op. cit., p. 176. 28 BREILH, J.; GRANDA, E. Investigação da Saúde e sociedade: guia pedagógico sobre um novo enfoque do método epidemiológico. São Paulo, Instituto de Saúde/ABRASCO, 1986. 29 GARCIA, J.C. As ciências sociais em medicina. In: NUNES, E.D. (org.) Pensamento social em saúde na América Latina. São Paulo, Cortez/ABRASCO, 1989; GONÇALVES, R.B.M. (1994), op. cit.; NOGUEIRA, R.P. Capital e trabalho nos serviços de saúde. s/d. (mimeografado). 30 Nesse sentido, destacamos os trabalhos de GONÇALVES, R.B.M. Medicina e história: raízes socais do trabalho médico. São Paulo, 1979. Dissertação (Mestrado). Faculdade de Medicina da USP., CASTELLANOS, B.E.P. O trabalho do enfermeiro: a procura e o encontro de um caminho para o seu estudo - da abordagem mecânico-funcionalista à pesquisa emancipatória. São Paulo, 1987. Tese (doutorado). Escola de Enfermagem da USP e ALMEIDA, M.C.P. et al. O trabalho de enfermagem e sua articulação com o processo de trabalho em saúde coletiva. Rev.Bras.Enf. 44 (2/3): 64-75, abril/set. 1991. 31 LAURELL, A.C.; NORIEGA, M. (1989), op. cit., p. 176. 32 CAMPOS, G.W. Subjetividade e administração de pessoal: considerações sobre modos de gerenciar trabalho em equipes de saúde. In: MERHY, E. E.; ONOCKO, R.(orgs.) Agir em saúde: um desafio para o público. São Paulo, HUCITEC, 1997. 33 MENDES, E.V. et al. Distritos Sanitários: conceitos-chave. In: MENDES, E.V. (1994), op. cit. ,p. 162. 34 BREILH, J. (1991), op. cit. 35 COUTINHO, C.N. Contra a corrente: ensaios sobre democracia e socialismo. São Paulo, Cortez, 2000, p. 65 36 MARX, K. O capital: crítica da economia política. 2.ed. São Paulo, Nova Cultural, 1985. (vol. I), p. 150-1. 37 GONÇALVES, R.B.M. Práticas de saúde: processos de trabalho e necessidades. São Paulo, s/d. (mimeografado). 38 PAIM, J.S. (1994), op. cit., p. 204-5. 39 PAIM, J.S. A epidemiologia na organização dos serviços de saúde: modelos assistenciais e vigilância em saúde, s/d (mimeografado), p.2. 40 PAIM, J.S. (s/d) op. cit., p.3. 41 BUENO, W.S. Betim: construindo um gestor único Pleno. In: MERHY, E. E.; ONOCKO, R. (orgs.) Agir em saúde: um desafio para o público. São Paulo, Hucitec, 1997, cap. 5. 42 Para compreender as relações entre a lógica formal e a lógica dialética e as possibilidades que cada uma delas nos oferecem para compreender e interpretar a realidade e nela intervir, remetemos ao estudo das preciosas lições do prof. Álvaro Vieira Pinto, considerado o primeiro filósofo brasileiro, (PINTO, A. V. Ciência e existência. 3. ed., Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1979) e a obra de Henry Lebfévre (LEBFEVRE, H. Lógica formal e lógica dialética. São Paulo, Civilização Brasileira, 1975). 43 BUENO, W.S. (1997), op. cit., p., 195. 44 Estamos aqui nos apropriando do entendimento dos propositores da Ação Programática, para os quais não há maniqueísmo mas uma profunda clareza da unidade dialética indivíduo/sociedade: “a Epidemiologia conhece um objeto diverso daquele conhecido pelas ciências médicas (...). Naquela, o objeto de conhecimento e de trabalho é um processo contínuo com dimensões biológicas, psicológicas e sociais e situado no coletivo; nestas, o objeto de conhecimento e de trabalho é uma alteração morfofuncional do corpo individual. Naquela, a finalidade do conhecimento e do trabalho inclui objetivamente todas as etapas do processo saúde-doença, por identificá-las e tratá-las ao nível populacional; nestas, a finalidade do conhecimento e do trabalho inclui objetivamente apenas a doença individual manifesta, ou suas conseqüências”. Ainda que se argumente pela não complementaridade das duas disciplinas (idealmente complementam-se mas concretamente divergem), considera-se que “tratam do mesmo problema na realidade social (...) [embora não tratem do mesmo problema no plano do conhecimento e das técnicas]; (...) encontram-se [porém] contraditoriamente opostas (...) sempre que (...) [a Medicina] (...) for apresentada como portadora da única verdade e das soluções adequadas para aquele mesmo problema. (MENDES-GONÇALVES, R.B.; SCHRAIBER, L.B.; NEMES, M.I.B. Seis

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teses sobre a Ação programática hoje. In: SCHRAIBER, L.B. Programação em saúde hoje, São Paulo, Hucitec, 1993, cap. 1.43-6). 45 MENDES, E.V. O processo social de distritalização da saúde. In: MENDES, E.V. (org.) (1994), op. cit., p. 142. 46 CASTELLANOS, B.E.P. et al. Os desafios da enfermagem para os anos 90. In: CONGRESSO BRASILEIRO DE ENFERMAGEM, 41º, Anais, Florianópolis, 1989, p. 160. 47 FRIGOTTO, G. Educação e a crise do capitalismo real. São Paulo, Cortez, 1995, p. 180. 48 CAMPOS, G.W.S. (1997), op. cit. 49 GONÇALVES, R.B.M. (s/d), op. cit., p. 77-8. 50 BARATA, R.B. Reorientação das práticas de vigilância à saúde. In: ANAIS, Seminário Nacional de Vigilância Epidemiológica, jul. 1993, Brasília: FNS, CENEPI, 1993, p. 66. 51 MENDES, E.V. et al. Distritos Sanitários: conceitos-chave. In: MENDES, E.V. (1994), op. cit.,, p. 179. 52 BREILH, J. (1995), op. cit.. 53 BETANCOURT, O. La salud y el trabajo: reflexiones teórico metodológicas, monitoreo epidemiológico, atención básica en salud. Quito, CEAS, 1995. 54 QUEIROZ, V.M.; SALUM, M.J.L Modelo estrutural para construção de projeto de intervenção em perfis epidemiológicos. Documento Pedagógico de apoio ao ensino da Disciplina Enfermagem Preventiva e Comunitária da Escola de Enfermagem da USP. São Paulo, 21/04/96. 55 QUEIROZ, V.M.; SALUM, M.J.L Modelo estrutural para construção de projeto de intervenção em perfis epidemiológicos. Documento Pedagógico de apoio ao ensino da Disciplina Enfermagem Preventiva e Comunitária da Escola de Enfermagem da USP. São Paulo, 21/04/96. 56 MENDES, E.V. et al. Distritos Sanitários: conceitos-chave. In: MENDES, E.V. (1994), op. cit., p. 167 57CARVALHO, A. N.; OLIVEIRA, F.V.S. A produção do serviço de enfermagem na atual conjuntura de saúde - contribuição ao debate. Rev.Bras.Enf., 43 (1.2.3/4): 7-13, jan/dez., 1990, p. 7. 58 SILVA, N.F. Apresentação. In: ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE ENFERMAGEM. Comissão Permanente de Serviço de Enfermagem. Descentralização em saúde e a prática de enfermagem. Brasília, ABEn, 1992 (série Documento 3), p. introdutória. 59 COSTA, H.O.G. A prática da enfermagem nos diversos níveis do Sistema Único de Saúde. In: ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE ENFERMAGEM. Comissão Permanente de Serviço de Enfermagem. Organização da assistência de enfermagem. Brasília, ABEn, 1991 (série Documento1), p. 14-5, 24. 60 ARAÚJO, M.J.S. A consulta de enfermagem no contexto da pratica da enfermagem. In: ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE ENFERMAGEM (1991), op. cit., p. 40-1. 61 MELO, C.; ARAÚJO, M.J.S. A nova prática de enfermagem no Sistema Único de Saúde. In: ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE ENFERMAGEM. (1992), op. cit., p. 30.