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1 Vinicius Muhlethaler Beire / UNICAMP Bartolomé de Las Casas e a questão dos sacrifícios humanos na Apologética Historia Sumaria. Posteriormente aos primeiros anos da conquista, o debate sobre o modo como os espanhóis deveriam catequizar os indígenas acirrava-se cada vez mais. O uso da força para persuadi-los foi defendido por muitos, enquanto outros acreditavam numa outra forma de apostolado, sem o uso da violência física. O dominicano Bartolomé de Las Casas, durante mais de cinqüenta anos, dedicou-se à defesa de uma colonização pacífica. Há muitas características nessa sua retórica, e poderíamos expor diversas delas. Contudo, a crença numa catequese gradual e harmônica, sem encomiendas, e contrária ao conteúdo encontrado no Requerimiento, fora uma constante, pelo menos a partir de 1511 i . No que se refere a questão dos sacrifícios humanos realizados pelos indígenas, Las Casas dedicara muitas linhas na Apologética Historia Sumaria. Sua existência era algo delicado, pois violava a noção de direito natural, como também seria uma blasfêmia segundo a moral cristã. Segundo o franciscano Toribio de Benavente “Motolinía”, sua prática era demoníaca. “Cuanto a los corazones de los que sacrificaban, digo: que en sacando el corazón a el sacrificado, aquel sacerdote del demonio ii tomaba el corazón en la mano, y levantábale como quien le muestra a el sol, y luego volvía a hacer otro tanto a el ídolo, y poníale delante de un vaso de palo pintado, mayor que una escudilla, y en otro vaso cogía la sangre y daban de ella como a comer a el principal ídolo, untándole los

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Sacrifícios Humanos

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Pargrafo ANPHLAC

Vinicius Muhlethaler Beire / UNICAMP

Bartolom de Las Casas e a questo dos sacrifcios humanos na Apologtica Historia Sumaria.

Posteriormente aos primeiros anos da conquista, o debate sobre o modo como os espanhis deveriam catequizar os indgenas acirrava-se cada vez mais. O uso da fora para persuadi-los foi defendido por muitos, enquanto outros acreditavam numa outra forma de apostolado, sem o uso da violncia fsica. O dominicano Bartolom de Las Casas, durante mais de cinqenta anos, dedicou-se defesa de uma colonizao pacfica. H muitas caractersticas nessa sua retrica, e poderamos expor diversas delas. Contudo, a crena numa catequese gradual e harmnica, sem encomiendas, e contrria ao contedo encontrado no Requerimiento, fora uma constante, pelo menos a partir de 1511.

No que se refere a questo dos sacrifcios humanos realizados pelos indgenas, Las Casas dedicara muitas linhas na Apologtica Historia Sumaria. Sua existncia era algo delicado, pois violava a noo de direito natural, como tambm seria uma blasfmia segundo a moral crist. Segundo o franciscano Toribio de Benavente Motolina, sua prtica era demonaca.

Cuanto a los corazones de los que sacrificaban, digo: que en sacando el corazn a el sacrificado, aquel sacerdote del demonio tomaba el corazn en la mano, y levantbale como quien le muestra a el sol, y luego volva a hacer otro tanto a el dolo, y ponale delante de un vaso de palo pintado, mayor que una escudilla, y en otro vaso coga la sangre y daban de ella como a comer a el principal dolo, untndole los labios, y despus a los otros dolos y figuras del demonio. En esta fiesta sacrificaban de los tomados en guerra o esclavos, porque casi siempre eran de stos los que sacrificaban, segn el pueblo, en unas veinte, en otros treinta, en otros cuarenta, y hasta cincuenta y sesenta; en Mxico sacrificaban ciento, y de ah arriba

O sacrifcio humano servia como um reforo argumentativo queles que defendiam uma cristianizao mais repressora. Motolina acreditava que era necessria uma converso fora no intuito de evitar que continuassem a realizar tais rituais. Uma catequizao pacfica estaria descartada, e poderia significar tambm uma negligncia. Afinal, se morressem sem serem batizados, todo o esforo inicial cairia por terra, assim como a tentativa de tentar torn-los cristos, mesmo atravs do uso da violncia, era entendido como um ato de caridade.

A defesa do princpio da guerra justa, tambm influenciado pelo pensamento aristotlico-tomista, era muito freqente tambm. Juan Gins de Seplveda, o principal adversrio do dominicano segundo a historiografia lascasiana, via o indgena como um brbaro, e, conseqentemente, um servo por natureza.

Mas Las Casas aventurou-se em transformar essas mesmas prticas como reforo argumentativo numa tese contrria. O frade precisava afirmar que havia qualidades entre esses povos, igualmente capazes de se inserir no mundo cristo. Dentre outras caractersticas, a Apologtica deveria demonstrar que o indgena no era um ser com capacidade racional quase nula, mas sim perfeitamente racional e social, capacitado para se organizar em sociedades mais complexas, e que as diferenas de costumes no significavam irracionalidade ou vida viciosa. Em muitos aspectos, as formas de vida indgena poderiam ser melhores que as europias.

Era necessrio demonstrar que sua concepo de captao pacfica e religiosa do indgena funcionaria e era perfeitamente vivel, e seus novos argumentos acabariam surgindo dentro dessa proposta. Certamente, desde muito tempo, o dominicano j tinha a inteno de elaborar um grande estudo sobre o continente, para que os espanhis e outros europeus conhecessem a histria, os costumes e caractersticas dos indgenas. A partir da experincia e conhecimento adquiridos mediante uma correspondncia epistolar muito vasta, como tambm atravs de testemunhos pessoais e indiretos, iniciou sua redao tendo em mente a criao de vrios captulos que formariam a Historia Natural de las Indias.

Motolina no concordava com suas interpretaes a respeito de como os indgenas praticavam a idolatria. A presena de um sacerdote do demnio era uma de suas principais afirmaes. J Las Casas enxergava nos cultos realizados pelos habitantes do Novo Mundo caractersticas que indicariam um conhecimento natural, mesmo que confuso, de Deus.

Os escritos do franciscano, que posteriormente dariam origem a Memoriales e Historia de los indios de la Nueva Espaa, foram utilizados na confeco da Apologtica. Motolina fora um frade muito mais dedicado ao ofcio da catequese, convivendo muito tempo junto aos ndios. Seus textos foram lidos por outros cronistas tambm, como, por exemplo, Gernimo de Mendieta, na sua Historia Eclesistica Indiana.

Las Casas, tambm considerado um cronista de gabinete, mesmo no concordando com as mesmas idias, no fora uma exceo. El primer lugar y ocupando un puesto privilegiados aparece la crnica del franciscano fray Toribio de Benavente Motolina, obra abundantsima utilizada y copiada en 27 captulos diferentes de la Apologtica. Aunque hay varias alusiones indirectas al autor y a la obra, aunque Las Casas llega a citar su texto de forma explcita, en ningn caso se menciona el hostilidad personal hacia Motolina, a pesar del famoso conflicto que hubo entre ambos; muy por el contrario, varias de las alusiones indirectas que Las Casas hace de Motolina tienen un tono claramente elogioso.....

Provavelmente o uso do texto de Motolina no teria relao direta ao atrito entre ambos. Alis, Las Casas nem respondera as crticas apontadas pelo franciscano. Todavia, o fato do dominicano no ter citado seu nome sequer uma vez em toda a Apologtica, ou, no mximo, definindo-o como um bom frade franciscano, chama a ateno.

Hernn Corts, um dos viles da Brevsima Relacin de Destruccin de las Indias, citado como sua principal referncia, mesmo sendo Lpez de Gmara a fonte mais utilizada sobre a conquista do Mxico. O ato de citar ou no citar nomes demonstraria um determinado posicionamento, e quando de forma diferenciada segundo as circunstncias no caso de Corts reflete uma outra inteno ao novamente escrever sobre a Amrica. Las Casas no tivera como objetivo principal ressaltar a existncia dos assassinos e de suas respectivas vtimas na Apologtica.

Mesmo numa poca em que no existia a preocupao de se mencionar a origem das fontes, o fato de um autor religioso no citar certos nomes teria uma determinada inteno. Para a tradio judaico-crist, o nome fundamental, como tambm um novo mome: Deus mudara o nome de Abro para Abrao, assim como Jesus rebatizara Simo e Levi como Pedro e Mateus, respectivamente. Portanto, a omisso do nome do franciscano j denotaria que mesmo ao no expor as divergncias de ambos, Las Casas tratara-o somente como um tal bom religioso franciscano, ao lado de muitos que tambm escreveram sobre a Nova Espanha. Mesmo que este fosse a sua principal fonte para a confeco de toda a Apologtica, o dominicano tornou seu nome irrelevante.

O modo como o Motolina concebia os cultos indgenas era diferente. O processo de evangelizao poderia se basear no uso justo da fora, porm, sem a generalizao da crueldade, ou seja, no defendia a extrapolao desses atos, mas considerava um benefcio maior a salvao de suas almas, mesmo que involuntariamente, permanncia como pagos. Alm dessa diferena, o franciscano fizera constantes associaes dos sacrifcios com a idia de um culto ao diabo. Outra definio que Las Casas tambm no realizara. Todavia, Motolina entendia o indgena como algum que no conhecia a verdade divina do cristianismo, e que a partir do momento em que estivesse convertido verdadeira religio, suas prticas religiosas originais desapareceriam, mesmo que no fosse algo to fcil.

Nas muitas descries contidas na Apologtica, em quase em todas, o dominicano comparara as caractersticas encontradas no Novo Mundo com o passado dos povos pagos, principalmente gregos e romanos. Um dos argumentos centrais seria que os indgenas estariam vivendo num perodo anterior, cabendo aos espanhis a misso de torn-los crentes da verdadeira f, assim como os apstolos fizeram nos primrdios do cristianismo.

Nos captulos 147 e 187, Las Casas iniciara uma descrio sobre muitas das prticas religiosas encontradas no Novo Mundo. Acabara por trabalhar com os sacrifcios nesta parte da Apologtica. Primeiramente, comentara que a razo humana j mandaria oferecer sacrifcios a Deus. Independentemente se seriam homens, animais, alimentos ou objetos, j existiria na natureza essa determinada caracterstica de se fazer oferendas, quaisquer que fossem: ...es de suponer que aunque ofrecer sacrificio a dios sea de ley natural, pero las cosas en qu se deba ofrecer no es de ley natural, sino djase a la determinacin de los hombres de toda la comunidad o de aqul que la rige...

Apesar de ser de lei natural, o que era sacrificado no era dessa mesma lei. Deste modo, o sacrifcio humano, assim como de animais, no seria algo natural, e sim um equvoco do paganismo. ...por la iniquidad de los hombres fue introducida la costumbre llena de crueldad, que fue derramar sangre para los sacrificios.... Mas no necessariamente seriam exemplos de barbrie ou de adorao ao diabo, mesmo que este agisse persuadindo-os secretamente. Las Casas apontara que o ato de sacrificar pessoas existia na Antigidade. Muitos deles haviam ocorrido na prpria Espanha. Utilizando como referncia Eusbio de Cesaria, afirmara ter sido o sacrifcio de sangue humano algo comum em quase todas as naes do mundo.

Motolina, quando interpretava a idolatria indgena, defendia a idia da persuaso do demnio em tais atos, que poderiam culminar nesses sacrifcios. Las Casas no discordava dessa idia, mas, segundo ele, no era algo que tornava seus sacerdotes adeptos do satanismo. Os indgenas seriam iguais aos povos pagos antigos. A idolatria representava muito mais o conhecimento confuso do que seria Deus. Satans sempre aparecera ao longo da histria agindo dessa forma, porm, seus atos acompanhavam a divina providncia, pois Deus permitia suas aes a fim de testar os homens.

Aps longas consideraes sobre as religies pags da Antigidade, comeara a citar e discutir os sacrifcios realizados no Novo Mundo, a partir do captulo 166. Na Ilha Espanhola, restringiam-se basicamente s frutas, e os dolos eram poucos. As caractersticas dessas religies representariam muitas vantagens, e vrios dos rituais aproximavam-se dos cristos, mesmo os mais espantosos.

...No es de razn de pasar de aqu sin alguna consideracin: temamos al juicio de Dios los cristianos que cuarenta das de la cuaresma que la Iglesia ayunar nos manda por nuestros pecados... con tanta negligencia y falta de devocin... Y que aquellos infieles, los cuales quiz fuera de la infidelidad tenan munchos menos pecados, por servir y agradar y honrar a aquellos que tenan por dioses, habiendo sido hombres, tan dura y asperadamente y por ochenta das se martirizasen.

Comentara sobre aqueles encontrados na Nova Espanha, e a devoo com que realizavam tais atos era de se admirar, pois tinham muita f. Contudo, o frade destacara a importncia dos cristos em persuadi-los a abandonar essas prticas, porque o verdadeiro Deus no exigia sacrifcios to speros:

Fue tanta y tal la religin y el celo della y devocin a sus dioses... celebrada y conservada con ritos y sacrificios tales y tan costosos y speros... consideralla es cosa para espantar y tambin para poner temor a los que somos cristianos, cuando no agradeciremos a Dios habermos benignamente dado religin y ley tan suave y sacrificio tan sin costa.

Ao escrever a respeito dos indgenas da Guatemala, afirmara que antes dos sacrifcios humanos havia at uma espcie de quaresma. O conhecimento confuso de Deus estaria presente nestas caractersticas. Sobre os totonacas, afirmara que a prtica de sacrifcios humanos fora influenciada pelos mexicanos. Com isso acabara por estabelecer um ncleo especfico onde o maior nmero de sacrifcios deste tipo ocorriam, e por sua vez influenciavam outros povos ao redor:

...Esta gente, como otras munchas de la Nueva Espaa, no solan sacrificar hombres, sino animalejos, hasta que vinieron los mexicanos, que introdujeron poco a poco en todas aquellas provincias este sacrificio... por la doctrina de Christo, fueron alumbrados que no quera el verdadero y grande dios rescebir sacrificio ni ser servido una vocal confesin...

Concentrando a maior parte dos sacrifcios num determinado local, Las Casas tornava os indgenas que os praticavam uma minoria em relao aos restantes. Mesmo que representassem uma grande devoo, algo que merecia a admirao por parte dos espanhis e no somente o repdio, a grande maioria no chegava a esses extremos.

De um modo geral, os sacrifcios representavam muito mais uma forma de manifestao de uma determinada f do que uma persuaso do demnio. O que inicialmente aparecia como blasfmia, agora era entendido como uma qualidade. Satans influenciava a todos, como tambm aos espanhis. O que Las Casas jogara como ponto a favor a caracterstica de que aquela crena era algo prprio da natureza humana. Se praticavam idolatrias acompanhadas de sacrifcios era muito mais por ignorncia, e no por adorao ao demnio. E essa mesma devoo poderia ser transformada numa f crist perfeitamente.

No intuito de defender a tese de que a existncia desses sacrifcios aproximava muito mais o indgena do europeu, do que o distanciava, o frade fizera mais comparaes. Citara inclusive a semelhanas do calendrio com festas crists, uma maneira semelhante de separar os dias das celebraes, como tambm afirmara que muitos sacrifcios eram praticados de forma semelhante s mortificaes feitas pelos cristos durante a quaresma:

...Y sbese por los nuestros religiosos que comnmente acaeca as, o porque el demonio, permitindole Dios, le causaba la muerte con obras que para ello haca, para tenellos ms devotos y ligados en aquella penitencia y cerimonias de su servicio, o porque la imaginacin de haber cometido pecado.... comenzada su cuaresma, todos, mujeres y hombres, tenan gran recogimiento y mortificacin... sacrificaban los hombres de los lugares dichos con sus navajas....

Descrevera detalhes sobre os sacrifcios de escravos, que poderiam at ser seguidos de antropofagia. Como tambm quando pediam perdo pelos pecados e flagelavam-se como uma penitncia. Aps as converses, essa mesma devoo para praticar tais atos serviria como vantagens.

...despus de convertidos, es cosa maravillosa la devocin y fe que tienen com los Sanctos Sacramentos, en especial con el de la Confesin, y es increble a quien no lo ha visto con cunta importunidad lo piden y hasta lo alcanzar cun suma es su perseverancia y diligencia....

Descrevera tambm sobre outras regies, como a Terra do Brasil, e outras prximas do Rio da Prata. Tivera a inteno de abranger todo continente. O sacrifcio, a sua idia, j seria um avano em relao a um provvel conceito inato (mesmo que confuso) de Deus. Logo, os mexicanos estariam mais avanados, j que eram os recordistas de sacrifcios.

Las Casas distorcia os argumentos de seus opositores. Relembrara tambm que as naes mais religiosas foram aquelas que ofereceram mais sacrifcios a Deus. E, com isso, afirmara o quo proveitoso a observncia religiosa para as repblicas:

...no resta para cumplir con la quinta parte quel Philsopho trae requ[er]isse a la ciudad o polica que ha de ser por s suficiente y bien ordenada, que es el divino cultu, templos, sacrificios y sacerdocio, sino cotejar y comparar los sacrificios, ritos y cerimonias de los antiguos a stos de agora, o estos modernos a aqullos de entonces, para que se muestre qu gentes, aquellas o estas... fueron en sus desvaros ms cercanas o desviadas de razn....

las naciones que a sus dioses ofrecan en sacrificio hombres, por la misma razn, mejor concepto formaron y ms noble y digna estimacin tuvieron de la excelencia y deidad y merecimiento (puesto que idlatras engaados) de sus dioses y, por consiguiente, mejor consideracin naturalmente y ms cierto discurso y juicio de razn y mejor usaron de los actos del entendimiento que todas las otras, y a todas las dichas hicieron ventaja como ms religiosas y sobre todos los del mundo se aventajaron los que por bien de sus pueblos ofrecan en sacrificios sus propios hijos... .

O sacrifcio humano era entendido como um sacrifcio mximo frente a Deus. Como uma autoflagelao perante o Criador, e tinha suas vantagens frente aos sacrifcios de animais. Assim como tambm aquelas naes cujo culto e sacrifcios eram mais solenes teriam um conceito mais alto de seus deuses. ...dar los propios hijos para sacrificar voluntariamente era obra sealada, como ninguna cosa otras despus de las proprias personas sea tan cara y tan amada de los padres... ms notable concepto... mejor del juicio de la razn....

Dentre essas justificativas para a existncia desses sacrifcios, suas referncias tomistas tambm apareceram: ...Tambin dice {So Toms} probando que ofrecer sacrifcio a Dios es de ley natural y que naturalmente los hombres a ofrecerlo son inclinados, por manera que en cualquiera tiempo y edad y entre todas las naciones del mundo siempre hobo y usaron los hombres a ofrecer a Dios sacrificio.

Como fora narrado na Bblia, Abrao iria matar Isaac. Alm desse quase-sacrifcio humano, os hebreus, de um modo geral, ofereciam constantemente cordeiros imolados a Deus, outro tipo de sacrifcio, considerado profano. Mesmo que o assassinato do filho do patriarca fosse somente um teste, indiretamente sua atitude acabara por tambm demonstrar o modo como alguns povos do passado poderiam realizar prticas semelhantes as dos indgenas. A partir do momento em que conhecessem a verdadeira f, os indgenas abandonariam tais rituais, da mesma forma que os pagos da Antigidade.

Apesar de serem comportamentos contrrios ao cristianismo, essas prticas tambm serviam como provas do conhecimento inato de Deus, tanto dos povos antigos, quanto dos indgenas. Alis, muitas delas demonstravam que eles tinham alguma concepo, mesmo que incompleta, da lei divina. Algo fundamental para a organizao das comunidades. Seguindo So Toms, Las Casas tambm afirmara que em todos os homens existiria este conhecimento inato de Deus, mesmo que ainda confuso e obscuro. Os indgenas eram assim e se converteriam neste sentido. por essa mesma razo que existiria uma pluralidade de formas sociais, polticas e religiosas. Da mesma forma que romanos e gregos haviam sido idlatras antes de conhecer a palavra de Deus, os indgenas tambm eram. Algo que iria ser revertido aps a catequizao. Diferenciara o que era exigvel a uma religio por natureza, e os aspectos que cada cultura teria para uma plena autonomia de escolha.

Mas sua postura no implicara na aceitao passiva de todo costume estrangeiro, mas sim uma primeira etapa de conhecimento e compreenso e uma segunda fazer de fomento, erradicao ou transformao, usando o direito natural quanto princpio jurdico ou poltico de convencimento de livre consentimento.

Desta forma, o discurso lascasiano completou-se para ser posteriormente ser direcionado aos seus opositores. Contudo, podemos apontar algumas ambigidades. Se os indgenas que praticavam sacrifcios humanos eram poucos algo que o frade fizera questo de frisar logo, somente uma minoria praticava esta blasfmia ao violar uma lei natural. Os demais, ou seja, a maioria, no chegava a esses extremos. Entretanto, havia vantagens nesses mesmos poucos indgenas pelo fato realizarem mortificaes to emblemticas.

Las Casas era muito hbil na sua retrica, e tentar decifrar at que ponto era coerente ou incoerente algo difcil, principalmente na Apologtica, mesmo ao questionar essas ambigidades mais aparentes. Alis, sua principal inteno era a de convencer. Estava muito mais preocupado em distorcer os argumentos de seus opositores do que realizar um estudo sobre sacrifcios humanos, mesmo que j tivesse adquirido um conhecimento vasto sobre o tema. As referncias tanto europias quanto indgenas, como tambm essas distores argumentativas, so caractersticas as quais podemos ressaltar com mais propriedade.

Sobre Motolina, algo marcante ter sido a fonte principal utilizada por Las Casas na escrita da Apologtica. O franciscano certamente realizara um trabalho muito mais presente junto aos indgenas do que o bispo de Chiapas, que utilizou seu trabalho, mesmo ao estabelecer outras afirmaes a respeito da catequizao indgena. Por mais que a utilizao do texto de Motolina pudesse estar ligada aos seus dados empricos, ou seja, em dados etnogrficos aos quais o dominicano consultara, h uma aproximao entre os dois autores, e conseqentemente semelhanas ou repeties. Em relao ao papel do demnio, no realizaram interpretaes to distantes entre si. Ambos concordavam que existiria uma influncia sobre os homens. A diferena estaria nas caractersticas daquelas idolatrias que, segundo Las Casas, no seriam ministradas por sacerdotes do demnio. Consistiria muito mais no conhecimento natural, mesmo que confuso de Deus, que tanto insistira em afirmar, ao longo de centenas de pginas.

Fontes

LAS CASAS, B; Apologtica Historia Sumaria, Madrid, Alianza Editorial, 1992.

Historia de las Indias, Mxico, Fondo de Cultura Econmica, 1951.

MOTOLINA, T. B.; Carta do franciscano Motolina a Carlos V comunicando 300 mil batismos e expressando o seu desacordo com a atuao do dominicano Las Casas, in: SUESS, P. (org.); A Conquista Espiritual da Amrica Espanhola 200 documentos sculo XVI, Petrpolis, Vozes, 1992, pp. 852-868.

Historia de los indios de la Nueva Espaa, Mxico, Porra, 1995.

Bibliografia

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BRUIT, H; Bartolom de Las Casas e a simulao dos vencidos, Campinas, UNICAMP, 1994.

FREITAS NETO, J. A.; Bartolom de Las Casas: a narrativa trgica, o amor cristo e a memria americana, So Paulo, ANNABLUME, 2003.

GUTIERREZ, J. L. R.; Aristteles e os conquistadores, Campinas, UNICAMP, 1994.

HARTOG, F.; O espelho de Herdoto: ensaio sobre a representao do outro, Belo Horizonte, UFMG, 1999.

HANSEN, J. A.; A Servido Natural do Selvagem e a Guerra Justa Contra o Brbaro, in: NOVAIS, A (org.); A Descoberta do Homem e do Mundo, So Paulo, Companhia das Letras, 1998.

KARNAL, L. & FREITAS NETO, J. A. & MONTORO, G C. & FERNANDES, L. E. O. & MORAIS, M. V (organizadores); Revista do Instituto de Filosofia e Cincias Humanas Idias Cronistas da Amrica, Campinas, Grfica do IFCH, Ano 11(1), 2004.

SEED, P.; Cerimnias de Posse na Conquista do Novo Mundo (1492-1640), So Paulo, UNESP/Cambridge, 1999.

A 30 de novembro de 1511, ao escutar os sermes do Padre Antnio de Montesinos (dominicano), que criticava queles que eram violentos com os indgenas, Las Casas passara a questionar se era vlida a prtica das encomiendas segundo os ensinamentos cristos. In: LAS CASAS, B; Historia de las Indias, Mxico, Fondo de Cultura Econmica, 1951.

Grifo meu

MOTOLINA, T. B.; Historia de los indios de la Nueva Espaa, Mxico, Editora Porra, 1995, pp.32-33

Pensamento que tambm era o mais presente no discurso lascasiano, visto que o dominicano citara constantemente a existncia da boa e ordenada repblica encontrada nas ndias, algo que seus opositores discordavam. Portanto, cada um utilizava as mesmas referncias aristotlico-tomistas para teses contrrias.

A debate de ambos conhecido como a Controvrsia de Valladolid. Durante os primeiros anos de 1550, as teses de Las Casas e Seplveda foram discutidas abertamente. Tornou-se uma espcie de palco do grande conflito entre os dois autores. Um dos episdios vividos por Las Casas mais estudados. Porm, importante ressaltar que essa caracterstica conflituosa do debate provavelmente no acontecera. Antes de ser uma espcie de tribunal internacional que buscasse reconhecer ou no o indgena, o debate de Valladolid era algo muito mais centrado na discusso filosfica e teolgica da colonizao. De certo modo distante da burocracia colonial implantada pela coroa espanhola do sculo XVI.

Segundo este pensamento, aqueles que praticavam sacrifcios humanos pertenciam terceira espcie de brbaros, cuja aspereza e degenerao dos costumes era evidente. Brbaros por e os verdadeiros escravos por natureza. Es la tercera especie y manera de brbaros, tomndose el trmino o vocablo estrecha y muy estrecha y propriamente, conviene a saber, los que por sus extraas y speras y malas costumbres o por su mala y perversa inclinacin salen crueles y feroces y extraos de los otros hombres y no se rigen por razn, antes son como estlidos o fantochados, ni tienen ni curan de ley ni derecho, ni de pueblo ni amistad ni conversin de otros hombres..., in: LAS CASAS, B., Apologtica Historia Sumaria, Madrid, Alianza Editorial, 1992, p. 1580. Encontrados na Poltica de Aristteles (captulos 2.o e 5.o), eram considerados escravos por natureza, somente livres enquanto sozinhos. Poderiam ser at caados como animais. Las Casas recordara a raridade desta classe de brbaros. Apesar da concordncia inicial por sua parte em relao s idias de Aristteles, o frade fizera algumas ressalvas. ...afirmou que no se podia concluir da doutrina aristotlica que qualquer que era prudente e hbil para mandar, era imediatamente senhor do outro que no o era. A interpretao que Las Casas deu ao texto do Filsofo foi que a natureza simplesmente, produziu alguns para governar e outros para ser governados, ou seja, as palavras de Aristteles estavam referidas atitude e no ao ato., in: GUTIRREZ, J. L. R.; Aristteles e os conquistadores, Campinas, UNICAMP, 1994, pp. 175-176. A partir do momento em que tornassem cristos, tais costumes degenerados desapareceriam.

Posteriormente separados em Historia de las ndias e Apologtica Historia Sumaria. A primeira obra acabou sendo dedicada a narrao dos primeiros anos da conquista do continente.

A obra de Motolina propriamente dita no se conserva como a atual. Acredita-se que a Historia poderia ter sido organizada aps a sua morte. Las Casas teria usado um manuscrito hoje desconhecido. Para isso, consultar: OGORMAN, E.; La incgnita de la llamada Historia de los indios de la Nueva Espaa atribuida a fray Toribio Motolina, Fondo de Cultura Econmica, Mxico, 1982.

GARCA, J. B.; Las Fuentes utilizadas para Mxico y la Nueva Espaa en la Apologtica Historia, in: LAS CASAS, B.; Op. Cit., p. 243.

Sigo a numerao dos captulos encontrada na edio da Alianza Editorial. Esta numerao diferente em relao outras edies, como, por exemplo, a da Porra (organizada por Edmundo OGorman).

LAS CASAS, B.; Op. Cit., p. 969.

Idem, p. 973.

Ibidem, p. 1125.

Ibidem p. 1175.

Ibidem, p. 1162.

Ibidem, p. 1192.

Ibidem, p. 1186.

Ibidem, p. 1189.

Ibidem, p. 1192.

Ibidem, p. 1198.

LAS CASAS, B. Op. Cit, p. 1215.

Idem, p. 1217.

Ibidem, p. 1224.

Ibidem, p. 639.