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    ARTIGO EXTRADO DE:

    MAGALHES, Rita de Cssia B.P. Reflexes sobre a diferena: uma introduo educao

    especial Fortaleza: Demcrito Rocha/ Ed. UECE, 2002. p. 21-34

    TRADUES PARA AS PALAVRAS DIFERENA/DEFICINCIA:

    UM CONVITE A DESCOBERTA

    Rita de Cssia Barbosa Paiva Magalhes1

    Traduzir uma parte na outra parte

    __ que uma questo

    de vida e morte __

    - Ferreira Gullar -

    uma constatao, at mesmo do senso comum, o fato de que ns seres humanos somos

    diferentes uns dos outros do ponto de vista biolgico, psicolgico, social e cultural. Esta

    constatao tem estado presente nas investigaes nas reas de psicologia, sociologia e pedagogia,

    notadamente neste incio de sculo, quando a educao, como prtica social, chamada a

    considerar as diversidades no contexto da instituio escola.

    Algumas destas diferenas no causam estranhamento ou temor nas pessoas, contudo, como

    afirma OMOTE (1994: 65) as diferenas, especialmente as incomuns, inesperadas, bizarras,

    sempre atraram a ateno das pessoas despertando, por vezes, temor e desconfiana. Por isto

    comum que no saibamos como lidar em situaes sociais corriqueiras com pessoas que apresentem

    deficincias fsicas ou mentais. Os receios e desconfianas esto impregnados em nosso imaginrio

    e nascem no vcuo da ausncia de informao sobre as diferenas e interao social com estas

    pessoas. Este artigo um convite para repensar e redimensionar as nossas concepes sobre as

    diferenas que ganham um status social de deficincia.

    O status social de deficiente faz recair sobre o indivduo um olhar pejorativo que enfatiza

    suas dificuldades em detrimento de suas possibilidades de desenvolvimento e aprendizagem.

    Auxiliar na construo de um novo olhar est no cerne da construo de uma escola que d conta

    das diferenas e cumpra a sua funo de capacitar pessoas para o exerccio da liberdade e da

    autonomia.

    Dividimos o artigo em duas partes na primeira realizaremos uma breve discusso conceitual

    sobre os significados dados ao tema diferena/deficincia; na segunda faremos um breve retrospecto

    histrico acerca destes significados.

    No h completa traduo: muitas facetas de um fenmeno

    1 Pedagoga (UFC-CE). Mestre em Educao Especial (UFSCar-SP). Doutora em Educao (UFC-CE). Professora

    adjunta da UFRN, lotada no Departamento de Fund. e Polticas da Educao do Centro de Educao (CE). Docente do

    Programa de Ps-Graduao em Educao da UFRN.

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    SACRISTAN(2002) afirma que as formas de concebermos os fatos, de nos comportarmos

    diante dos mesmos esto atreladas a hbitos culturais, rotinas de nosso trabalho docente,

    deformaes e maneiras de nos posicionarmos perante o mundo. Assim, as formas atravs das quais

    concebemos as diferenas/deficincias influenciam nosso modo de encarar e lidar com os alunos

    que, de alguma forma, diferem dos padres convencionais de desenvolvimento, comportamento,

    aprendizagem esperados pela escola.

    Assim, apesar dos professores terem certa clareza de que existem diferenas no mbito

    intergrupal, interindividual, os alunos ainda so avaliados e considerados numa perspectiva

    homogeneizadora. Esta discusso merece vir tona quando nos referimos s deficincias ou a

    outras manifestaes da diversidade(diferena) na escola. Para SACRISTAN(2002:17) Nas

    condies culturais da ps-modernidade, essa complexidade e instabilidade de cada pessoa acentua-

    se consideravelmente diante da variedade de relacionamentos que estabelecemos em contextos

    mutveis. Nestes contextos, podero ser concretizadas prticas sociais e escolares inclusivas ou

    exclusivas, em todo caso a escola no instituio redentora das incompreenses que acompanham

    a diferena.

    No caso especfico da deficincia estamos diante de um conceito, que apesar de fundamental

    para a Educao Especial, ambguo e mltiplo. GLAT(1998: 18-19) nos lembra que estamos

    diante de uma manifestao da diferena cuja marginalizao tem profundas razes histricas e

    culturais. Neste artigo a diferena da qual trataremos se refere a aquelas diferenas que chamam a

    ateno das pessoas porque so percebidas como desvantajosas e so atribudas significaes

    especialmente negativas, levando o seu portador ao descrdito social. ( OMOTE, 1999:05).

    Portanto, voc pode usar culos, ou seja, ter um leve problema visual , contudo as pessoas

    no estabelecero interaes com voc pensando nos seus culos, isto no o leva a um descrdito

    social. Muito provavelmente quando uma pessoa com deficincia visual estabelece interaes no

    cotidiano existe uma tendncia da sua limitao visual ser ressaltada em detrimento de seus outros

    atributos. Haver uma tendncia a serem exacerbados os esteretipos nestas interaes porque a

    maioria das pessoas nunca conviveu com deficientes visuais.

    Esta afirmao nos leva a evitar o equvoco de afirmar que todos somos deficientes. De

    fato, todos temos peculiaridades, facilidades e dificuldades (por exemplo, alguns tm dificuldade de

    orientao espacial, expresso musical, outros so exmios danarinos) mas estas peculiaridades no

    so ressaltadas em detrimento de outras.

    Os esteretipos servem para simplificar a realidade, que termina por ser indevidamente

    generalizada. Tendem rigidez e servem como orientadores de nossas aes em relao a pessoas

    rotuladas como deficientes. Por exemplo, o indivduo quando ganha o status de deficiente mental

    tende a ser caracterizado, em toda e qualquer situao, a partir de algumas peculiaridades da sua

    condio . . . a partir do momento em que o indivduo identificado como desviante ou anormal

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    por exemplo, homossexual, negro, retardado ou cego tudo o que ele faz ou passa a ser

    interpretado em funo de atributos estereotipados (GLAT, 1998:23).

    Contudo, quando se afirma a diferena de algum, de onde emerge esta afirmao? De

    comparaes, ou seja, a diferena no propriedade inerente de determinado indivduo. Elegemos

    as diferenas, isto , aquilo que desvia das normas a partir de determinados critrios. Quem e como

    se estabelecem estes critrios? Sabemos que no somos deficientes apenas na relao que

    estabelecemos com o denominado deficiente (diferente) no jogo da demarcao das identidades.

    SILVA(2000: 75) postula que, em geral, consideramos a diferena como produto derivado da

    identidade, isto refletiria a tendncia a tomarmos o que somos como a norma atravs da qual

    avaliamos e elegemos o que no somos. Cabe ressaltar que identidade e diferena nascem nas

    interaes sociais plantadas no solo das relaes de poder , portanto,o poder de definir a identidade

    e de marcar a diferena no pode ser separado das relaes de poder mais amplas. A identidade e a

    diferena no so, nunca, inocentes. . (SILVA, 2000: 81).

    As relaes de poder envolvidas na demarcao da norma implicam, tambm, nas

    retaliaes que sofrem os que desviam da norma. Neste artigo o desvio considerado fenmeno

    social, construdo para pr em evidncia o carter negativo atribudo a determinadas qualidades de

    uma pessoa(atributos, comportamentos ou afiliao grupal), que servem de base para estigmatizar e

    segregar essa pessoa (OMOTE, 1999:5). Ao desviar-se da norma a pessoa rotulada e

    estigmatizada.

    O termo estigma, cujo significado marca, se refere condio de descrdito social

    vivenciada pela pessoa que desvia de normas. Existe em funo dos julgamentos das pessoas com

    relao aos desviantes; no nosso caso os desviantes so as pessoas com deficincia.

    GOFFMAN(1988:12) denominou de estigma

    um atributo que torna o estranho diferente dos outros que se encontram

    numa categoria em que pudesse (o estranho) ser includo, sendo at, de uma

    espcie menos desejvel... assim, deixamos de consider-lo criatura comum

    e total, reduzindo-o a uma pessoa estragada e diminuda

    No caso, a pessoa com deficincia ao desviar de determinada norma ( em aspectos

    psicossociais, comportamentais, cognitivos, fsicos) estigmatizada. O estigma diz respeito ao

    modo depreciativo de avaliar as diferenas ou caractersticas desta pessoa. Estas avaliaes

    depreciativas, muitas vezes, so mais difceis da pessoa com deficincia lidar do que com possveis

    dificuldades provenientes de seu estado porque influenciam sobremaneira as atitudes e aes

    direcionadas a sua pessoa.

    Podemos exemplificar estas afirmaes com os seguintes relatos:

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    a) Um jovem excelente cavaleiro que teve uma perna amputada;to logo fez

    adaptao de uma perna mecnica voltou a cavalgar. Certo dia, seu cavalo se

    assustou e ele levou um tombo. As pessoas que presenciaram observaram que sua

    perna mecnica no causou ou pde evitar o tombo, contudo a sua famlia atribuiu

    o acidente a ausncia da perna e pensou em proibir o jovem de montar.

    b) Muitas mes de adolescentes com deficincia mental relatam como, em geral, na

    convivncia social, as pessoas ao querer saber informaes sobre o filho raramente

    dirigem a palavra para o adolescente.

    c) muito comum ouvir frases como Ela to bonita, mas cega coitada ou Ele

    apesar de cego toca violo. Nestes casos usa-se como forma de negao da

    deficincia a compensao.(AMARAL, 1992: 9)

    d) Em outros casos, a presena da deficincia to incmoda que pode gerar

    negaes: cega, mais igual a todos nem parece ter deficincia ( AMARAL,

    1992: 9)

    Nos quatro casos estamos diante situaes nas quais o estigma leva a pessoa a ser

    inferiorizada. A deficincia tratada como nica ou principal caracterstica digna de ser analisada

    para explicar comportamentos de forma totalizante ou, ento, negada como forma de

    amenizar/negar a diferena.

    AMARAL(1994:17) lida com os conceitos de deficincia primria e secundria e afirma que

    seria a deficincia secundria o principal entrave para o desenvolvimento da pessoa com

    deficincia. Esta autora denomina deficincia primria a deficincia propriamente dita(disability)

    restrio/perda de atividade, sequela: o no ver, o no manipular, o no andar. . . Refere-se

    portanto aos fatores intrnsecos, s limitaes em si. A deficincia secundria est ligada a

    condio de deficincia caracterizando uma situao de desvantagem o que, naturalmente, s

    possvel num esquema comparativo: aquela pessoa em relao ao(s) seu(s) grupo(s). Est ligada a

    leitura social dada a diferena do indivduo.

    A deficincia secundria est no cerne das respostas pedaggicas construdas para atender as

    demandas da pessoa com deficincia. Algumas vezes, o que faz nascer a desvantagem do aluno com

    deficincia na escola no o no ouvir, o no ver, mas o fato da escola no encontrar alternativas

    para adequar o processo de ensino-aprendizagem as peculiaridades destes alunos. A presena de

    barreiras arquitetnicas, atitudinais e pedaggicas podem levar muitos alunos ao descrdito social,

    ou seja, perpetuar uma perspectiva da no aprendizagem ao invs de fomentar a importncia da

    considerao das diferenas no contexto escolar.

    Para OMOTE(1999:17) na relao com pessoas com deficincia, ou desviantes em geral,

    de suma importncia recomendar que independentemente do rtulo com que designada, a pessoa

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    com deficincia deve ser tratada de conformidade com as suas necessidades particulares,

    respeitando-se a sua individualidade e a singularidade. Assim os professores devem evitar ressaltar

    os esteretipos e o rtulo destas pessoas. Os rtulos so criados para designar a pessoa desviante da

    norma, assim termo o termo deficiente um rtulo.

    Muito se discute sobre o uso e a circulao de rtulos pejorativos para a pessoa com

    deficincia. Existe a busca por termos menos estigmatizantes; uma profuso de termos foram

    criados para tentar diminuir o peso do estigma, mas o rtulo ganha conotao negativa com o uso

    corrente; a mudana de terminologias importante, mas no resolve questo da marginalizao.

    Para OMOTE (1999:17) os rtulos poderiam ser utilizado como um meros nomes; lembra, ainda,

    que efeitos negativos que podem advir no so decorrentes dos rtulos, mas do uso imprprio que

    se faz deles.2

    O que isto tem a ver com o atendimento escolar da pessoa com deficincia? A relao

    clara: a forma de conceber a pessoa com deficincia fator determinante na consecuo de prticas

    educativas, isto , concepes pautadas em esteretipos, preconceitos tendem a enfatizar as

    dificuldades da pessoa com deficincia relegando segundo plano suas potencialidades e podem ser

    fatores impeditivos do desenvolvimento do indivduo, pois aprisiona-o nessa rede das

    significaes sociais, com seu rol de conseqncias: atitudes, preconceitos e esteretipos. (

    AMARAL,1992: 9). Assim, repensar nossas prprias concepes, preconceitos e atitudes com

    relao a pessoa com deficincia o primeiro passo no sentido de construir prticas pedaggicas, de

    fato, inclusivas.

    importante considerar que o imaginrio de cada de um de ns est povoado de imagens

    confusas sobre a deficincia. Conforme AMARAL( 1994;2001) estas imagens encontram-se

    personificadas, por exemplo,na literatura em personagens como Patinho Feio, Capito Gancho,

    Ricardo III , Quasmodo enfatizando que, de fato, a deficincia est associada a comportamentos

    morais no desejveis; nos meios de comunicao de massa,por exemplo, nas novelas e seus viles

    em cadeiras de roda.

    Por outro lado, pode estar personificada naqueles meninos e meninas que conhecemos na

    infncia que no falavam, no andavam ou no aprendiam na escola e nos causavam um misto de

    piedade e averso. oportuno esclarecer que estas imagens que povoam nosso imaginrio e

    influenciam nossas atitudes no surgem de forma natural, mas foram historicamente produzidas. As

    discusses acerca da construo de uma ordem tica pautada no respeito e na tolerncia apontam

    para a urgncia em se atender no mbito da escola regular as demandas de todos os alunos, mas

    historicamente esta discusso recente diante dos sculos de intolerncia que geraram formas de

    disciplinar e punir comportamentos julgados inadequados.

    2 O rtulo pessoas com necessidades educacionais especiais tem um importante significado na medida em que implica uma concepo do processo de ensino-aprendizagem pautada nas peculiaridades e demandas dos alunos. Seu uso substituiu termos como deficiente, excepcional que possuem alta carga pejorativa, mas a mudana terminolgica no garante a superao dos preconceitos e da marginalizao.

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    De volta ao comeo: o nascedouro de algumas tradues

    O atendimento, educacional ou no, das necessidades das pessoas com deficincia tem se

    evidenciado como resultado das atitudes sociais perante as peculiaridades destas pessoas. Podemos

    afirmar que tais formas de atendimento nascem das interaes sociais estabelecidas. Segundo

    GLAT(1998:22) a interao com o `outro` sempre situao de conflito em potencial por isto as

    regras sociais de conduta administram os atritos e encaixam este outro em categorias conhecidas

    que permitem prever determinados comportamentos.. Por exemplo, quando entramos em contato

    com uma pessoa com deficincia mental comum no sabermos como agir e isto pode gerar certos

    receios. A tendncia pensarmos que estas pessoas tero comportamentos inesperados e

    incompreensveis porque no construmos formas de lidar com as diversidades, vivemos sob o

    domnio dos rtulos e esteretipos. Historicamente, esta situao potencial de conflito vem se

    transformando na medida em que as diferenas so consideradas como partes da tessitura social e

    no de forma marginal a esta tessitura.

    No quadro abaixo possvel visualizar uma sinopse acerca das atitudes sociais com relao

    aos considerados deficientes, isto , atitudes com relao diversidade que influenciam modos de

    traduzir o seu significado.

    QUADRO - SINOPSE DAS ATITUDES SOCIAIS RELATIVAS DEFICINCIA

    PERODO

    HISTRICO

    CARACTERSTICAS DAS

    ATITUDES SOCIAIS

    Idade Antiga

    Abandono social explcito; extermnio

    Idade Mdia

    Concepes paradoxais(dubiedade caridade x castigo); incio do

    atendimento meramente caritativo(assistencialismo); prtica da

    segregao em instituies

    Idade Moderna

    incio do interesse cientfico pela temtica da deficincia;

    preponderncia da rea mdica; incio do atendimento educacional;

    persistncia da segregao em instituies

    Idade Contempornea

    Incio das crticas aos modelos segregados de atendimento;

    reconhecimento dos direitos sociais bsicos das pessoas com

    necessidades especiais;filosofia da integrao; paradigma da

    incluso;reconhecimento da diversidade e da heterogeneidade

    Na Idade Antiga, predominantemente, as crianas que nasciam com deficincia passavam

    por um processo de seleo natural, na medida em que as pessoas se adaptavam a estrutura

    organizacional da sociedade basicamente em funo de sua capacidade fsica. As probabilidades de

    sobrevivncia destas crianas eram mnimas: morriam precocemente ou eram sacrificadas. Em

    Esparta, por exemplo, as crianas com problemas fsicos eram jogadas em rochedos, enquanto

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    tribos nmades se livravam de crianas com deficincias porquanto no apresentarem condies de

    adaptao satisfatria s condies materiais existentes. Alm disto, as probabilidades de

    sobrevivncia de pessoas tidas como deficientes em sociedades sem recursos cientficos e

    tecnolgicos encontravam-se extremamente diminudas.

    Na Idade Mdia, o dilema caridade-castigo estabelecido; as crianas com deficincia,

    como cristos, possuem alma, portanto no podem ser sumariamente sacrificadas. Por outro lado,

    so passveis de pecado e merecem castigo divino. Livram-se do abandono explcito e ganham

    cuidado em instituies. Para SIMON(1991:14 ) trata-se de uma dupla proteo: a sociedade

    protege-se das crianas que a embaraam e protege tambm as crianas da sociedade e delas

    mesmas. o advento das formas de disciplinamento e punio dos comportamentos no

    aceitveis; o nascimento da perspectiva assistencialista e caritativa.

    A Idade Moderna, associado ao surgimento do capitalismo como modo de produo, ir

    testemunhar o nascimento do interesse da cincia, especificamente da Medicina, no referente

    questo da pessoa com deficincia. Apesar de persistir a institucionalizao existe a preocupao

    com a socializao e a educao. No entanto as deficincias eram, ainda, encaradas como

    patologias, tendo a rea mdica a supremacia no atendimento oferecido. O trabalho de ITARD

    (2000) pioneiro3 na medida em que defende a possibilidade de educao para a criana com

    deficincia mental com a elaborao de um programa de ensino.

    Sobrevieram dcadas de institucionalizao e isolamento social da pessoa com deficincia.

    Porm, os trabalho de Itard e Seguin nos sculos XVIII e XIX, respectivamente e da Montessori, no

    sculo passado enfatizaram a possibilidade da educao da pessoa com deficincia.Trata-se de uma

    perspectiva clnico-mdica que de um lado constri um discurso cientfico sobre a questo da

    deficincia e prope formas de reabilitao e, por outro, enfatiza fatores congnitos, constitucionais

    e perfis clnicos estveis. Para MARCHESI e MARTIN(1995:7) Esta concepo impulsionou um

    grande nmero de estudos que tinham por objetivo organizar em diferentes categorias todos os

    possveis distrbios que pudessem ser detectados o resultado era a proposio de formas de

    atendimento fora do mbito da educao regular.

    Estas transformaes nas atitudes sociais sobre deficincia obviamente acompanharam as

    profundas mudanas nos modos de produo econmica e a supremacia da cincia frente a outras

    formas de conhecimento, que alcana o seu apogeu no sculo XX.

    Por outro lado, no sculo XX , a sociedade comea a considerar a possibilidade destas

    pessoas poderem se inserir, inclusive, no mercado de trabalho. A educao passa a ser o principal

    elemento que poderia propiciar esta convivncia. A institucionalizao marcou a primeira metade

    do sculo passado;a segunda metade marcada, por um lado, pelas contribuies a educao

    3 Itard foi um medido francs que no sculo XVIII defendeu a possibilidade de educao para um menino chamado

    Victor, considerado deficiente mental. Sua obra na qual descreve, com mincias, os avanos e dificuldades do menino

    considerada precursora da Educao Especial.

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    especial proveniente dos trabalhos na rea de psicologia, notadamente as contribuies das

    psicologia comportamental, cognitiva e scio-histrica e, por outro lado, pelo advento da Filosofia

    da Integrao e, posteriormente do Paradigma da Incluso. Este ltimo acompanha as profundas

    mudanas ocorridas sob a efervescncia da crise mundial do capitalismo e da negao da cincia

    como forma hegemnica de conhecimento.

    Para SACRISTAN(2002:25) a discusso em torno do direito educao para toda a

    populao est atrelada a expanso da escolaridade universal e obrigatria cuja (. . . ) realizao foi

    historicamente paralela a duas tradies do pensamento: o desenvolvimento da psicologia

    diferencial e infantil e a instalao do pensamento taylorista como modelo de organizao industrial

    e empresarial. Sem dvida a influncia do taylorismo e da psicologia na educao pode

    visualizada, por exemplo, na concepo tcnico-instrumental de currculo que desaguou na

    tecnificao da prtica pedaggica nos idos dos anos 70.

    Apesar de didaticamente organizadas neste artigo, estas atitudes no seguem uma

    linearidade, ou seja, as concepes tpicas de um determinado perodo histrico no evaporam com

    o passar dos anos. As concepes relacionadas com uma postura caritativa ainda resistem: o olhar

    que direcionamos para estas pessoas predominantemente um olhar pautado na tica crist. Assim,

    o abandono, o assistencialismo, a piedade, a viso clnico-mdica da questo da deficincia ainda

    impregna nossas concepes. Reconhec-las um significativo passo na construo de uma escola

    democrtica que atenda s demandas de seus alunos e no somente busque enquadr-los dentro de

    modelos idealizados de bom ou mau aluno. Com efeito, pode representar uma possibilidade de

    auto-conhecimento e descoberta de novas formas de organizar a vida social e o processo de ensino-

    aprendizagem desenvolvido nas escolas.

    Assim, fundamental no somente saber como as pessoas com deficincia se comportam e

    quais os rtulos utilizados para design-las, mas refletir sobre nossas concepes, crenas, aes,

    ou seja, pensar sobre as formas atravs das quais traduzimos a diferena no cotidiano. Encontrar a

    traduo(ou tradues?) para a diferena, parte constitutiva da vida social, pode ser ,tambm, uma

    forma de, como diria Ferreira Gullar, TRADUZIR-SE neste encontro com o outro.