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Texto sobre os Direitos Humanos da Criança e do Adolescente.

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    Anurio da Produo Acadmica Docente Vol. II, N. 3, Ano 2008

    Nilson Robson Guedes Silva Faculdade Anhanguera de Limeira [email protected]

    ENSAIO SOBRE O DESENVOLVIMENTO E A APRENDIZAGEM SEGUNDO O SCIO-INTERACIONISMO

    O papel da escola em discusso

    RESUMO

    Tendo como referencial as contribuies de Vygotsky e os seus desdobra-mentos, aborda a concepo de desenvolvimento e de aprendizagem segun-do o Scio-Interacionismo. Para a discusso do papel da escola, aborda al-guns 'pontos' relevantes da teoria vygotskyana, tais como a Mediao, o Pensamento e a Linguagem, a Fala Interior, o Desenvolvimento e a Aprendi-zagem e a Escrita. Conclui que o principal papel da escola, nesta concepo, o de identificar o nvel de desenvolvimento dos alunos para que possa atu-ar na Zona de Desenvolvimento Proximal de cada um e, assim, 'dirigir' o ensino para a consolidao das habilidades que j esto desencadeadas.

    Palavras-Chave: Educao; teorias da aprendizagem; scio-interacionismo; papel da escola.

    ABSTRACT

    Having as referential the contributions of Vygotsky and its unfolding, it ac-cording to approaches the conception of development and learning Socio-interactionismo. For the quarrel of the paper of the school, it approaches some points excellent of the vygotskyan theory, such as the Mediation, the Thought and the Language; it says Interior, the Development and the Learn-ing and the Writing. It concludes that the main paper of the school, in this conception, is to identify the level of development of the pupils so that it can act in the Zone of Development Proximal of each one e, thus, 'to direct' edu-cation for the consolidation of the abilities that already are unchained.

    Keywords: Education; Theories of learning; Socio-interactionismo; function of school.

    Anhanguera Educacional S.A. Correspondncia/Contato

    Alameda Maria Tereza, 2000 Valinhos, So Paulo CEP 13.278-181 [email protected]

    Coordenao Instituto de Pesquisas Aplicadas e Desenvolvimento Educacional - IPADE

    Artigo Original Recebido em: 07/10/2008 Avaliado em: 16/02/2008

    Publicao: 13 de maro de 2009

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    1. INTRODUO

    H muito boas razes para o interesse que temos hoje em dia pela obra de Vy-gotsky. Sua obra centrou-se, consistentemente, na idia da emergncia de novas formas na psich humana sob orientao social. Essa perspectiva tanto original quanto extremamente pertinente para as cincias sociais de nossos dias. A maior parte da psicologia e das cincias educacionais contemporneas esto em estag-nao devido perspectiva esttica que herdamos da histria das cincias sociais do ocidente nos ltimos sculos. (OLIVEIRA, 1997, p. 7).

    Vygotsky, terico sovitico nascido em 1896, formou-se em direito pela Uni-

    versidade de Moscou e freqentou cursos de Histria e Filosofia na Universidade Po-

    pular de Shanyaskii. Nessa mesma universidade, tambm aprofundou seus estudos em

    literatura e psicologia e, ainda, estudou medicina em Moscou e em Kharkovi.

    Considerado como um gnio por alguns autores, dedicou-se compreenso

    dos mecanismos psicolgicos tpicos do ser humano - os considerados mais complexos,

    superiores - aqueles que [...] envolvem o controle consciente do comportamento, a a-

    o intencional e a liberdade do indivduo em relao s caractersticas do momento e

    do espao presentes (OLIVEIRA, 1997, p. 26). So as chamadas funes psicolgicas

    superiores ou processos mentais superiores.

    O autor diferencia a capacidade de controlar conscientemente as aes, a aten-

    o voluntria, a memorizao ativa, o pensamento abstrato e o comportamento inten-

    cional de outras atividades psicolgicas do ser humano, atividades essas consideradas

    elementares - as aes reflexas, reaes automatizadas e os processos de associao

    simples entre eventos. Para melhor compreenso do que estamos falando, exemplifi-

    camos cada uma dessas atividades consideradas elementares:

    a) aes reflexas: quando encostamos boca do beb o seio da me ou, ainda, o bico de uma mamadeira, ela comear imediatamente a suc-o do mesmo;

    b) reaes automatizadas: um som forte leva o ser humano a movimentar a cabea para a direo de onde o barulho veio;

    c) processos de associaes simples entre eventos: o ato de o indivduo evitar o contato de sua mo, ou de qualquer parte de seu corpo, com uma chama de fogo, exemplifica esse processo.

    Oliveira apresenta-nos uma ilustrao que nos ajuda a melhor compreender a

    diferena entre processos elementares e processos superiores. A autora afirma ser [...]

    possvel ensinar um animal a acender a luz num quarto escuro. Mas o animal no seria

    capaz de, voluntariamente, deixar de realizar o gesto aprendido porque v uma pessoa

    dormindo no quarto (1997, p. 26). A inteno do ser humano em realizar ou no uma

    ao que entendida enquanto um comportamento superior.

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    2. MEDIAO

    O processo de interveno de um elemento intermedirio numa relao chamado por

    Vygotsky de mediao. A Figura 1 mostra-nos a influncia desse elemento na relao

    do indivduo com o meio.

    S R X S = Estmulo R = Resposta X = Elemento Mediador

    Figura 1. Influncia da mediao na relao indivduo meio

    Para o autor, nesse novo processo, o impulso direto para reagir inibido, e

    incorporado um estmulo para auxiliar que facilita a complementao da orientao

    por meios indiretos (VYGOTSKY, 1991, p. 45). O ser humano no se relaciona direta-

    mente com o meio, mas, sempre, essa relao intermediada por dois elementos: a) os

    instrumentos; e b) os signos (Figura 2).

    Figura 2. Elementos de intermediao ser humano meio

    Os instrumentos esto, basicamente, relacionados atividade material produ-

    tiva do ser humano, ou seja, um elemento que faz a mediao entre o trabalhador e

    seu objeto de trabalho. Esse elemento facilita e amplia as possibilidades, pelo homem,

    de transformao da natureza. Ele carrega consigo, portanto, a funo para a qual foi

    criado e o modo de utilizao desenvolvido durante a histria do trabalho coletivo. ,

    Atividade Mediada

    Signos

    Instrumentos

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    pois, um objeto social e mediador da relao entre o indivduo e o mundo

    (OLIVEIRA, 1997, p. 26).

    Utilizados primitivamente pelo ser humano, tais instrumentos foram sendo

    aperfeioados pelo processo de transmisso aos membros do grupo social. Apesar de

    alguns animais tambm utilizarem alguns instrumentos, no tm a capacidade de pro-

    duzi-los para fins especficos e, ainda, no os guardam para um uso futuro e nem pre-

    servam a funo dos mesmos para transmisso a outros membros do grupo social.

    J os signos, outro elemento importante da mediao, representam outros ob-

    jetos, eventos ou situaes. Vygotsky afirma que o uso de signos conduz os seres hu-

    manos a uma estrutura especfica do comportamento que se destaca do desenvolvi-

    mento biolgico e cria novas formas de processos psicolgicos enraizados na cultura

    (1991, p. 45).

    Duas mudanas fundamentais ocorrem ao longo da evoluo do ser humano e

    do desenvolvimento de cada indivduo. A criana, at uma certa idade, na maioria das

    situaes em que age o faz diretamente, sem intermediao. A partir de um determi-

    nado momento sua ao passa, cada vez mais, a ser intermediada por recursos externos

    que vo se internalizando de forma paulatina. Assim, so desenvolvidos sistemas sim-

    blicos, tais como a fala, que organizam os signos em estruturas complexas e articula-

    das. Abordando o tema, Oliveira afirma que

    [...] tanto o processo de internalizao como a utilizao de sistemas simblicos so essenciais para o desenvolvimento dos processos mentais superiores e evi-denciam a importncia das relaes sociais entre os indivduos na construo dos processos psicolgicos [...] Ao longo do processo de desenvolvimento, o indiv-duo deixa de necessitar de marcas externas e passa a utilizar signos internos, isto , representaes mentais que substituem os objetos do mundo real. (OLIVEIRA, 1997, p. 34-35).

    Essa representao da realidade dada socialmente. O indivduo percebe e

    organiza o real atravs do grupo cultural onde ele se desenvolve. No entendimento da

    autora, a partir de sua experincia com o mundo objetivo e do contrato com as for-

    mas culturalmente determinadas de organizao do real que os indivduos vo cons-

    truindo seus sistemas de signos (OLIVEIRA, 1997, p. 37). Tais signos constituem-se

    numa espcie de cdigo para decifrao do mundo.

    A internalizao dessa cultura pelo indivduo no ocorre de forma passiva,

    mas sim atravs de um processo de transformao e sntese. Ele toma posse [...] das

    formas de comportamento fornecidas pela cultura, num processo em que as atividades

    externas e as funes interpessoais transformam-se em atividades internas, intrapsico-

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    lgicas (OLIVEIRA, 1997, p. 38), ou seja, o desenvolvimento do ser humano ocorre de

    fora para dentro.

    Em trabalho emprico para conhecer a relao entre os instrumentos e os sig-

    nos, para incio do trabalho Vygotsky apresenta-nos trs condies: I) analogia e pon-

    tos comuns aos dois tipos de atividades; II) diferenas bsicas entre instrumentos e sig-

    nos; III) elo psicolgico real existente entre um e outro.

    I) Analogia e pontos comuns aos dois tipos de atividades: a Figura 2 mostra-nos a relao lgica entre o uso de instrumentos e o uso de sig-nos. Vygotsky afirma que [...] a analogia bsica entre signo e instru-mento repousa na funo mediadora que os caracteriza. Portanto, eles podem, a partir da perspectiva psicolgica, ser includos na mesma ca-tegoria (1991, p. 61).

    II) Diferenas bsicas entre instrumentos e signos: a diferena funda-mental entre os dois elementos que, enquanto o instrumento tem co-mo funo servir como um condutor da influncia humana sobre o ob-jeto da atividade, ou seja, ser orientado externamente, o signo orien-tado internamente - constitui um meio da atividade interna dirigida para o controle do prprio indivduo. Enquanto o instrumento controla a natureza, o signo controla o comportamento.

    III) Elo psicolgico real existente entre um e outro: o controle da natureza e o controle do comportamento esto mutuamente ligados, assim como a alterao provocada pelo homem sobre a natureza altera a prpria imagem do homem.

    3. PENSAMENTO E LINGUAGEM

    [...] a relao entre o pensamento e a palavra no uma coisa, mas um processo, um movimento contnuo de vaivm do pensamento para a palavra, e vice-versa. Nesse processo, a relao entre o pensamento e a palavra passa por transforma-es que, em si mesmas, podem ser consideradas um desenvolvimento no senti-do funcional. O pensamento no simplesmente expresso em palavras; por meio delas que ele passa a existir. Cada pensamento tende a relacionar alguma coisa com outra, a estabelecer uma relao entre as coisas. Cada pensamento que se move, amadurece e se desenvolve, desempenhando uma funo, soluciona um problema. Esse fluxo do pensamento ocorre como um movimento interior, atra-vs de uma srie de planos. Uma anlise da interao do pensamento e da pala-vra deve comear com uma investigao das fases e dos planos diferentes que um pensamento percorre antes de ser expresso em palavras. (VYGOTSKY, 1989, p. 108).

    Para Vygotsky, a linguagem tem duas funes bsicas, sendo a principal delas

    a funo de intercmbio social. Diz o autor que para se comunicar que o homem cria

    e utiliza os sistemas de linguagem (OLIVEIRA, 1997, p. 42).

    Essa funo torna-se evidente no beb quando o mesmo, atravs de sons, ges-

    tos e expresses, comunica seus desejos e estados emocionais. Baseada nos trabalhos de

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    Vygotsky, Oliveira afirma que a necessidade de comunicao que impulsiona, inici-

    almente, o desenvolvimento da linguagem (1997, p. 42).

    A partir da manifestao de um beb - atravs da comunicao - de seu estado

    de desconforto ou prazer, chega-se utilizao de signos que so compreensveis e

    precisos para o grupo social, que expressam idias, vontades, sentimentos e pensamen-

    tos.

    A segunda funo da linguagem a de pensamento generalizante. Oliveira a-

    firma que a linguagem ordena o real, agrupando todas as ocorrncias de uma mesma

    classe de objetos, eventos, situaes, sob uma mesma categoria profissional (1997, p.

    43). Segundo a mesma autora, Vygotsky afirma que justamente a funo de pensa-

    mento generalizante a que torna a linguagem um instrumento de pensamento:

    A linguagem fornece os conceitos e as formas de organizao do real que consti-tuem a mediao entre o sujeito e o objeto de conhecimento. A compreenso das relaes entre pensamento e linguagem , pois, essencial para a compreenso do funcionamento psicolgico do ser humano. (OLIVEIRA, 1997, p. 43).

    Vygotsky afirma existir a trajetria da linguagem independente do pensamen-

    to e a trajetria do pensamento desvinculado da linguagem e que, em determinado

    momento, as duas trajetrias se unem fazendo com que o pensamento se torne verbal e

    a linguagem racional.

    No processo filogentico, essa unio provocada pela necessidade de troca

    entre os indivduos durante o trabalho, atividade esta especificamente humana. O tra-

    balho exige, sob uma perspectiva, a utilizao de instrumentos para provocar a trans-

    formao da natureza e, sob outra, exige o planejamento, a ao coletiva (comunicao

    social). Oliveira afirma que o surgimento do pensamento verbal e da linguagem como

    sistema de signos um momento crucial no desenvolvimento da espcie humana,

    momento em que o biolgico transforma-se no scio-histrico (1997, p. 45).

    J no processo ontogentico, o impulso para a vinculao entre pensamento e

    linguagem se d pela insero da criana em um grupo social. Antes dessa vinculao,

    a criana passa por uma fase pr-verbal no desenvolvimento do pensamento, e por

    uma fase pr-intelectual no desenvolvimento da linguagem. Tal fato observado pela

    demonstrao da criana em resolver problemas prticos antes de dominar a lingua-

    gem, como, por exemplo, a utilizao de instrumentos para conseguir determinados

    objetivos, e pela demonstrao de comunicar-se com outras pessoas atravs do choro,

    do riso, etc. Segundo Oliveira, a interao com membros mais maduros da cultura,

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    que j dispem de uma linguagem estruturada, que vai provocar o salto qualitativo

    para o pensamento verbal (1997, p. 47).

    Quando surgem o Pensamento Verbal e a Linguagem Racional atravs da uni-

    o dos processos de desenvolvimento do pensamento e da linguagem (Figura 3), o ser

    humano, mediado pelo sistema simblico da linguagem, passa a dispor de um modo

    de funcionamento psicolgico mais sofisticado.

    Figura 3. Reproduzido de Oliveira, 1997, p. 47.

    Com o surgimento dessa possibilidade,

    o pensamento verbal passa a predominar na ao psicolgica tipicamente huma-na. Por isso ele objeto privilegiado dos estudos de psicologia, onde os processos mentais superiores interessam, particularmente, para a compreenso do funcio-namento do homem enquanto ser scio-histrico. (OLIVEIRA, 1997, p. 47).

    4. A FALA INTERIOR

    [...] 'discurso' interior [...] uma forma interna de linguagem dirigida ao prprio sujeito e no a um interlocutor externo. um discurso sem vocalizao, voltado para o pensamento com a funo de auxiliar o indivduo nas suas operaes psi-colgicas. [...] Embora apoiando-se em raciocnios, referncias e decises de car-ter verbal, a pessoa no fala alto, no conversa com ningum. Realiza, isto sim, o discurso interior que uma espcie de dilogo consigo mesma. (OLIVEIRA, 1997, p. 51).

    Explicando o motivo da interiorizao da fala, Vygotsky afirma que tal fato se

    d porque a funo da fala muda. E o desenvolvimento da fala, alm de passar por fa-

    ses fala exterior, fala egocntrica e fala interior -, segue o curso e obedece s leis de

    desenvolvimento das outras operaes mentais que envolvem o uso de signos. Essas

    operaes passam pelos seguintes estgios:

    I) Estgio natural ou primitivo: esse estgio corresponde fala pr-intelectual e ao pensamento pr-verbal, quando tais operaes apare-cem em sua forma original, da mesma forma que evoluram na cha-mada fase primitiva do comportamento.

    Fase Pr-lingstica do Pensamento - utilizao de instrumentos - inteligncia prtica

    Fase Pr-intelectual da Linguagem - alvio emocional - funo social

    Pensamento Verbal e Lin-guagem Racional - Transformao do biolgico no scio-histrico

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    II) Estgio da psicologia ingnua: para Vygotsky, essa fase est muito claramente definida no desenvolvimento da fala da criana. Manifesta-se pelo uso correto das formas e estruturas gramaticais antes que a cri-ana tenha entendido as operaes lgicas que representam (1989, p. 40). Como exemplo, o autor mostra que a criana j pode trabalhar com operaes subordinadas usando palavras como 'porque', 'se', 'quando' e 'mas' muito antes de aprender as relaes causais, condicionais e tem-porais. Isso significa um domnio da sintaxe da fala antes do domnio da sintaxe do pensamento.

    III) Estgio dos signos exteriores: esse estgio caracterizado pelo uso das operaes externas (signos exteriores) como auxiliares para soluo de problemas internos. A fala egocntrica caracteriza esse estgio no de-senvolvimento da fala.

    IV) Estgio de crescimento interior: nessa fase d-se a passagem das ope-raes externas para o interior, ocorrendo uma profunda mudana nesse processo de interiorizao. Em relao fala, este o final da fala interior - a fala silenciosa. Apesar da interiorizao, continua a ocorrer a interao entre operaes internas x operaes externas, porm, uma se transforma na outra com freqncia e sem esforo. Para Vygotsky, quanto forma, a fala interior pode se aproximar muito da fala exte-rior, ou mesmo tornar-se exatamente igual a esta ltima, quando serve de preparao para a fala exterior (1989, p. 41). Exemplo disso o re-passe mental de uma conferncia a ser dada. O mesmo autor afirma no existir nenhuma diviso clara entre o comportamento interno e o comportamento externo e, ainda, que um comportamento no influen-cia o outro.

    Considerando vrias hipteses, Vygotsky conclui que com o acmulo de mu-

    danas estruturais e funcionais, a fala interior vai se desenvolvendo. Afirma ainda que

    a fala interior se separa da fala exterior, nas crianas, quando ocorre a diferenciao das

    funes social e egocntrica da fala; e que as estruturas da fala, quando dominadas pela

    criana, tornam-se em estruturas bsicas de seu pensamento. Tais concluses levam o

    autor a declarar que

    o desenvolvimento do pensamento determinado pela linguagem, isto , pelos instrumentos lingsticos do pensamento e pela experincia scio-cultural da cri-ana. Basicamente, o desenvolvimento da fala interior depende de fatores exter-nos: o desenvolvimento lgico da criana [...] uma funo direta de sua fala so-cializada. (VYGOTSKY, 1989, p. 44).

    Assim, para que ocorra o crescimento intelectual da criana necessrio que a

    mesma tenha um domnio dos meios sociais do pensamento, isto , tenha domnio da

    linguagem.

    5. DESENVOLVIMENTO E APRENDIZAGEM

    Existe um percurso de desenvolvimento, em parte definido pelo processo de ma-turao do organismo individual, pertencente espcie humana, mas o apren-

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    dizado que possibilita o despertar de processos internos de desenvolvimento que, no fosse o contato do indivduo com certo ambiente cultural, no ocorreriam. (OLIVEIRA, 1997, p. 56) (grifos nossos).

    O desenvolvimento e a aprendizagem, e a relao entre ambos, so temas cen-

    trais da obra de Vygotsky. O autor afirma que a aprendizagem exerce um papel fun-

    damental para o desenvolvimento e que, na ausncia de situaes que propiciem o a-

    prendizado, h um bloqueio para que o desenvolvimento ocorra, sendo fundamental

    para tal fato o papel do outro social. Para discusso do assunto, so importantes alguns

    conceitos apresentados pelo autor, tais como o conceito de Nvel de Desenvolvimento

    Real, o de Nvel de Desenvolvimento Potencial e, ainda, o de Zona de Desenvolvimen-

    to Proximal.

    - Nvel de Desenvolvimento Real: a capacidade que se tem de realizar determi-nada tarefa sem a ajuda de algum. Se uma criana realiza uma tarefa sozinha, como,

    por exemplo, amarrar seus sapatos, dizemos que ela tem capacidade para amarrar os

    sapatos. Porm, antes de ter essa capacidade (amarrar os sapatos), a criana j passou

    por outras fases, ou seja, essa capacidade o resultado de outros processos j consoli-

    dados.

    - Nvel de Desenvolvimento Potencial: nesse nvel a criana tambm consegue realizar algumas atividades, mas ela ainda necessita da ajuda de outra pessoa para tal.

    Ela at comeou, para usar o mesmo exemplo anterior, a amarrar seus sapatos, mas

    precisa de algum que a ajude, podendo ser esse algum um adulto ou algum compa-

    nheiro que seja mais capaz. Essa interferncia de uma pessoa em sua atividade pode

    representar um momento de progresso, desde que ela ocorra num certo nvel de de-

    senvolvimento. Vygotsky [...] atribui importncia extrema interao social no pro-

    cesso de construo das funes psicolgicas humanas (OLIVEIRA, 1997, p. 60), ou se-

    ja, o desenvolvimento individual se d num ambiente social determinado e a relao

    com o outro, nas diversas esferas e nveis da atividade humana, essencial para o pro-

    cesso de construo do ser psicolgico individual (idem, ibidem).

    - Nvel de Desenvolvimento Proximal: a Zona de Desenvolvimento Proximal definida como a distncia entre o nvel de desenvolvimento real, que se costuma de-

    terminar atravs da soluo independente de problemas, e o nvel de desenvolvimento

    potencial, determinado atravs da soluo de problemas sob a orientao de um adulto

    ou em colaborao com companheiros mais capazes (VYGOTSKY, 1991, p. 97).

    Nesse entendimento, a Zona de Desenvolvimento Proximal seria o caminho a

    ser percorrido entre o Nvel de Desenvolvimento Potencial (o que se consegue fazer

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    com a ajuda de outro) e o Nvel de Desenvolvimento Real (o que se consegue fazer so-

    zinho). E justamente na Zona de Desenvolvimento Proximal onde podem ocorrer as

    interferncias (de adultos ou de colegas mais capazes) que [...] contribuem para mo-

    vimentar os processos de desenvolvimento dos membros imaturos da cultura

    (OLIVEIRA, 1997, p. 60).

    Vygotsky considera a situao escolar, por sua estrutura e comprometimento,

    como a que, de forma constante e deliberada, possibilita a interveno na Zona de De-

    senvolvimento Proximal1.

    6. A ESCRITA

    [...] desenhar e brincar deveriam ser estgios preparatrios ao desenvolvimento da linguagem escrita das crianas. Os educadores devem organizar todas essas aes e todo o complexo processo de transio de um tipo de linguagem escrita para outro. Devem acompanhar esse processo atravs de seus momentos crticos, at o ponto da descoberta de que se pode desenhar no somente objetos, mas tambm a fala. Se quisssemos resumir todas essas demandas prticas e express-las de uma forma unificada, poderamos dizer que o que se deve fazer ensinar s crianas a linguagem escrita e no apenas a escrita das letras. (VYGOTSKY, 1991, p. 134).

    Para Vygotsky, a escrita inicia-se em perodo anterior entrada da criana na

    escola, sendo esse denominado de pr-histria da linguagem escrita. Esse perodo

    apresenta o seguinte percurso:

    a) Rabiscos mecnicos: a aprendizagem da escrita pela criana inicia-se atravs da imitao da escrita do adulto. Nessa imitao elas produ-zem rabiscos mecnicos, sem nenhuma relao com o que quer repre-sentar. Assim, essa escrita no cumpre a funo de representao, de recuperao de alguma informao que deve ser lembrada.

    b) Marcas topogrficas: ainda no fazendo nenhuma relao com a fala, a criana passa produzir as marcas topogrficas, superando os rabiscos mecnicos, fazendo alguns rabiscos no papel que sugerem pistas de al-guma informao que queira se lembrar.

    c) Representaes pictogrficas: nesta etapa comea a acontecer a relao da escrita com a fala, passando a ocorrer na escrita as diferenas que tambm esto presentes na fala. Abordando o tema, Oliveira afirma que primeiramente as diferenas registradas so formais, refletindo [...] o 'ritmo da fala', isto , frases curtas so registradas com marcas pequenas e frases longas com marcas grandes (1997, p. 71). Na se-qncia, a criana j diferencia, pelo contedo do que falado, as ca-ractersticas concretas do que se diz (quantidade, tamanho, forma, etc.), descobrindo, portanto, a natureza instrumental da escrita. Assim, ela comea a utilizar as representaes pictogrficas, ou seja, desenhos que representam o que ela quer transmitir.

    1 Tambm o brinquedo, que no abordaremos nesse trabalho, considerado como um outro fator que apresenta claras relaes com o desenvolvimento.

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    Aps essa utilizao do desenho como signos mediadores, representando de-

    terminados contedos, a criana chega escrita simblica [...] inventando formas de

    representar informaes difceis de serem desenhadas (por exemplo, um crculo escuro

    pode representar a noite) (OLIVEIRA, 1997, p. 71).

    Aps esse passo, a criana inserida num cultura letrada estar assimilando a

    lngua escrita da forma como utilizada socialmente.

    7. CONSIDERAES FINAIS

    Conforme discutimos, numa perspectiva scio-interacionista fundamental para o de-

    senvolvimento humano a interferncia de algum mais experiente durante o processo

    de alguma aprendizagem por que est passando algum indivduo. Porm, esse indiv-

    duo somente se beneficiaria de forma mais proveitosa dessa interferncia se ela ocorrer

    no momento adequado, ou seja, na Zona de Desenvolvimento Proximal, quando j foi

    desencadeado o processo de determinada habilidade.

    Ela no pode ocorrer nem num momento em que o processo de desenvolvi-

    mento de alguma habilidade no tenha iniciado (no se beneficiaria da ao externa) e

    nem quando esse processo j esteja consolidado (no necessitaria de ao externa para

    ser desencadeado).

    Dessa forma, fica muito claro determinar o papel da escola nesse processo,

    qual seja, o de identificar o nvel de desenvolvimento dos alunos para que possa atuar

    na Zona de Desenvolvimento Proximal dos mesmos e, assim, dirigir o ensino para con-

    solidao das habilidades j desencadeadas. Para Vygotsky, o nico bom ensino o

    que se adianta ao desenvolvimento. Oliveira contribui para clarear esse papel da esco-

    la, quando afirma que

    os procedimentos regulares que ocorrem na escola demonstrao, assistncia, fornecimento de pistas, instrues so fundamentais na promoo do 'bom en-sino'. Isto , a criana no tem condies de percorrer, sozinha, o caminho do a-prendizado. A interveno de outras pessoas - que, no caso especfico da escola, so o professor e as demais crianas fundamental para a promoo do desen-volvimento do indivduo. (OLIVEIRA, 1997, p. 62).

    Segundo a mesma autora, essa nfase no papel da interveno para o desen-

    volvimento humano no pode ser confundida com uma pedagogia diretiva onde o a-

    luno passivo diante de todo o processo ensino-aprendizagem. Vygotsky trabalha

    constantemente com a idia de que o indivduo, nesse processo de aprendizagem com

    algum mais capaz, reelabora, reconstri o que lhe transmitido. A constante recriao

  • Ensaio sobre o desenvolvimento e a aprendizagem segundo o scio-interacionismo

    Anurio da Produo Acadmica Docente Vol. II, N. 3, Ano 2008 p. 121-132

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    da cultura por parte de cada um dos membros de um grupo cultural [...] a base do

    processo histrico, sempre em transformao, das sociedades humanas (idem, ibi-

    dem).

    No processo de desenvolvimento de cada indivduo, Vygotsky valoriza tanto

    a interveno do professor quanto a de outras crianas, sugerindo modalidades de in-

    terao que podem ser tidas como legtimas promotoras de aprendizagem. Sua teoria

    recoloca algumas questes que na poca eram valorizadas. A troca realizada entre as

    crianas pode tornar a tarefa produtiva para elas e, por isso, no deve ser encarada co-

    mo um procedimento incorreto, indisciplinado. Tambm um recurso legtimo para a

    promoo de seu prprio desenvolvimento a solicitao, pelo aluno, do auxlio do pro-

    fessor para a resoluo de determinado problema escolar.

    Assim, se integrada num contexto de aprendizado e desenvolvimento, a inte-

    rao social pode ser utilizada de forma produtiva na situao escolar.

    REFERNCIAS

    OLIVEIRA, Marta Kohl de. Aprendizado e desenvolvimento. um processo scio-histrico. So Paulo: Scipione, 1997.

    VYGOTSKY, Lev Semenovich. Pensamento e linguagem. 2. ed. So Paulo: Martins Fontes, 1989.

    ______. A formao social da mente: o desenvolvimento dos processos psicolgicos superiores. 4. ed. So Paulo: Martins Fontes, 1991.

    Nilson Robson Guedes Silva

    Possui graduao em Pedagogia pela Faculda-de de Filosofia Cincias e Letras Eugnio Pacel-li (1987), Mestrado e Doutorado em Educao pela Universidade Estadual de Campinas. Atu-almente Coordenador do Curso de Pedagogia das Faculdades Anhanguera de Limeira e de Santa Brbara dOeste, Supervisor do Curso de Pedagogia da Anhanguera Educacional S/A, e Supervisor Escolar da Prefeitura Municipal de Limeira. Tem experincia na rea de Educao, com nfase em Gesto Escolar (treze anos em direo e superviso escolar do ensino pblico), atuando principalmente nos seguintes temas: administrao escolar, polticas de educao, gesto democrtica e planejamento escolar.

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