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UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ FACULDADE DE EDUCAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO MARCOS FÁBIO ALEXANDRE NICOLAU O CONCEITO DE FORMAÇÃO CULTURAL (BILDUNG) EM HEGEL FORTALEZA 2013

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Page 1: tese marcos fabio alexandre nicolau - UFC...O conceito de Formação Cultural (Bildung) em Hegel / Marcos Fábio Alexandre Nicolau. – 2013. 203 f. , enc. ; 30 cm. Tese (doutorado)

UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ FACULDADE DE EDUCAÇÃO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO

MARCOS FÁBIO ALEXANDRE NICOLAU

O CONCEITO DE FORMAÇÃO CULTURAL (BILDUNG) EM HEGEL

FORTALEZA 2013

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ FACULDADE DE EDUCAÇÃO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO

MARCOS FÁBIO ALEXANDRE NICOLAU

O CONCEITO DE FORMAÇÃO CULTURAL (BILDUNG) EM HEGEL

Tese submetida à Coordenação do Programa de Pós–Graduação em Educação Brasileira, da Faculdade de Educação da Universidade Federal do Ceará, como requisito parcial para obtenção do grau de Doutor em Educação. Orientador: Prof. Dr. Eduardo Ferreira Chagas Linha de Pesquisa: Filosofia e Sociologia da Educação – FILOS Eixo Temático: Marxismo, Teoria Crítica e Filosofia da Educação

FORTALEZA 2013

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Dados Internacionais de Catalogação na Publicação Universidade Federal do Ceará Biblioteca de Ciências Humanas

N548c Nicolau, Marcos Fábio Alexandre. O conceito de Formação Cultural (Bildung) em Hegel / Marcos Fábio Alexandre Nicolau. – 2013. 203 f. , enc. ; 30 cm. Tese (doutorado) – Universidade Federal do Ceará, Faculdade de Educação, Programa de Pós-Graduação em Educação Brasileira, Fortaleza, 2013. Área de Concentração: Educação Brasileira. Orientação: Prof. Dr. Eduardo Ferreira Chagas. 1. Educação - Filosofia. 2. Liberdade - Filosofia. 3. Filosofia alemã. I. Título. CDD 370.114

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MARCOS FÁBIO ALEXANDRE NICOLAU

O Conceito de Formação Cultural (Bildung) em Hegel Tese submetida à Coordenação do Programa de Pós–Graduação em Educação Brasileira, da Faculdade de Educação da Universidade Federal do Ceará, como requisito parcial para obtenção do grau de Doutor em Educação

Aprovada em ___/___/_______

BANCA EXAMINADORA

__________________________________________________ Dr. Eduardo F. Chagas

Orientador (UFC)

__________________________________________________ Dr. Evanildo Costeski 1º Examinador (UFC)

__________________________________________________ Dr. Francisco Humberto Cunha Filho

2º Examinador (UNIFOR)

_________________________________________________ Dr. Hildemar L. Rech 3º Examinador (UFC)

__________________________________________________ Dr. Antonio Glaudenir Brasil Maia

4º Examinador (UVA)

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DEDICATÓRIA

Dedico este trabalho às pessoas

mais importantes da minha vida

Pelo que me ensinaram e transmitiram

Pelo apoio incondicional e incessante

Pelo que sou

À Minha mãe Luzanira, a meu avô Pompeu e a minha sogra Lucimar

À minha esposa Diala e à nossa filha Sophia

Aos meus amigos

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AGRADECIMENTOS

É com satisfação que expresso aqui o mais profundo agradecimento a

todos aqueles que tornaram a realização deste trabalho possível.

Gostaria antes de mais de agradecer ao Professor Dr. Eduardo Ferreira

Chagas, orientador desta tese, pelo apoio, incentivo e disponibilidade

demonstrada em todos os momentos de pesquisa e escrita da mesma e pela

sincera amizade.

Agradeço as professoras Dra. Marly Soares de Carvalho (UECE) e Dra.

Josefa Jackline Rabelo (UFC) pela participação e contribuição na banca de

qualificação do projeto de tese. Aos professores Dr. Homero L. A. de Lima

(UFC) e Dr. Fábio M. Sobral (UFC), membros da banca de 2ª qualificação, pela

disponibilidade e por suas contribuições ao trabalho. Aos membros da banca

de tese: Dr. Evanildo Costeski (UFC), Dr. Hildemar L. Rech (UFC), Dr.

Francisco Humberto Cunha Filho (UNIFOR) e Dr. Antônio Glaudenir Brasil Maia

pela disponibilidade, atenção e contribuições para com o trabalho de tese.

Gostaria ainda de agradecer:

A todos os meus amigos e familiares, principalmente minha mãe,

Luzanira, pelo apoio e incentivo incondicional.

Um agradecimento especial aos amigos Renato Oliveira, Edmar Filho,

Flávio Pinheiro e Ermínio Nascimento pela amizade, sugestões e incentivos

que tornaram esse momento de minha vida mais vivo e profícuo.

Aos meus colegas de trabalho do Curso de Filosofia da Universidade

Estadual Vale do Acaraú-UVA, principalmente ao Geovani Oliveira, ao Antº

Luis Figueiredo e ao Ricardo George Araújo pela disposição irrestrita ao debate

de ideias e conceitos, o que me proporcionou por diversas vezes aprimorar

meu discurso e os argumentos dispostos na tese.

Aos colegas de turma do doutorado, das linhas E-LUTA e FILOS e do

eixo de pesquisa Marxismo, Teoria Crítica e Filosofia da Educação, assim

como aos professores e aos técnicos que compõem o Programa de Pós-

graduação em Educação da FACED-UFC, pelo ambiente propício para o bom

desenvolvimento da pesquisa e de boas amizades no decorrer desses 4 anos.

À Susy Anne Cabral pela sua inteira disponibilidade com as traduções e

revisões do Alemão. Danke! Pela disponibilidade das colegas Jessica Melo,

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para as traduções e revisões do Inglês, e Kylvia Pereira, para as traduções e

revisões do Francês. Thanks e Merci! Agradeço ainda a Cristianne Portela pela

revisão de português e ortografia. Muito obrigado!

À FUNCAP, pelo apoio financeiro com a manutenção da bolsa de

auxílio.

Por último à Diala, a minha amada companheira de percurso na vida,

pelo inestimável apoio que me deu nos últimos 15 anos, independente de meu

merecimento ou não, e por me proporcionar nesse ano de 2013 o momento

mais espetacular de minha vida: a vinda de nossa Sophia. Eu sempre te amarei

mais...

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O trabalho teórico, estou cada dia mais convencido, tem maior incidência no mundo que o prático; se se revoluciona primeiramente o reino das representações, a realidade não permanece a mesma.

G. W. F. HEGEL

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RESUMO NICOLAU, M. F. A. O conceito de Bildung em Hegel. 2013. 200 f. Tese (Doutorado). Universidade Federal do Ceará. Faculdade de Educação. Programa de Pós-graduação em Educação Brasileira. A tese empreende uma discussão sobre o conceito de Formação Cultural (Bildung) em G. W. F. Hegel (1770-1831), buscando apreender como o filósofo aborda a educação em suas obras. Para tal, analiso a formação do sistema escolar alemão com a finalidade de compreender o ideário cultural dos séculos XVIII e XIX europeu, contextualizando a perspectiva hegeliana de solução ao problema pedagógico, a saber, “Qual a melhor forma de educar o homem?”, imposto a todo e qualquer projeto educacional. Através de uma leitura imanente de textos da Fenomenologia do Espírito (1807), dos Discursos sobre Educação (1808-1816), e da Filosofia do Direito (1821), viso apreender o conceito de Formação Cultural em seu sistema filosófico. PALAVRA-CHAVES: Hegel, Formação Cultural, Problema Pedagógico, Liberdade.

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ZUSAMMENFASSUNG

Der Begriff der Bildung bei Hegel

Diese Doktorarbeit diskutiert den Begriff der Bildung bei G. W. F. Hegel (1770-1831), um zu erfassen, wie der Philosoph die Bildung in seinen Werken behandelt. Zu diesem Zweck wird die Entstehung des deutschen Schulsystems analysiert, um den kulturellen Ideengehalt im europäischen 18. und 19. Jahrhundert zu begreifen und die hegelsche Perspektive auf eine Lösung für das pädagogische Problem, „Was ist die beste Art, den Menschen zu erziehen?“, das jedem Bildungsprojekt zu Grunde liegt, zu kontextualisieren. Durch eine immanente Lektüre der Texte Phänomenologie des Geistes (1807), Nürnberger Gymnasialkurse und Gymnasialreden (1808-1816) und Grundlinien der Philosophie des Rechts (1821) soll somit der Begriff der Bildung in Hegels philosophischem System erfasst werden. Stichwörter: Hegel, Bildung, pädagogisches Problem, Freiheit.

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RESUMÉ

Le concepte de Formation Culturelle (Bildung) chez Hegel.

La thèse entreprend une discussion sur le concepte de Formation Culturelle (Building) chez G. W. F. Hegel (1770-1831), en cherchant comprendre comment le philosophe aborde l’éducation chez ses œuvres. À cette fin, j’analyse la formation du système scolaire allemand pour comprendre les idées culturelles du XVIIIe et XIXe siècles européens, en faisant la contextualisation de la solution du problème pédagogique à partir de la pespective hégélienne, à savoir : « Quelle est la meilleure façon d’éduquer l’homme ? », une imposition à tout et à n’importe quel projet éducatif. À travers d’une lecture immanente des textes de la Phénoménologie de l’Esprit (1807), des Discours sur l’éducation (1808-1816), et de la Philosophie du Droit (1821), je pretends saisir le concept de Formation Culturelle chez son système philosophique. Mots-clés: Hegel, Formation Culturelle, Problème Pédagogique, Liberté.

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SUMÁRIO Introdução..........................................................................................................13 1. As Condições Históricas para a Formação do Ideal da Bildung....................23 1.1. O Sistema Escolar Alemão.........................................................................27 1.2. Os Ideais da Bildung………………………………………..…………………..33 1.3. O Conceito de Bildung: Uma Possível Tradução........................................37 2. A Formação Cultural como Processo e Autoconscientização – A Fenomenologia do Espírito................................................................................42 2.1. A Fenomenologia do Espírito como uma “Pedagogia do Caminho”...........43 2.2. O Conceito de Formação Cultural na Fenomenologia do Espírito: Reconhecimento e Formação............................................................................62 2.3. Momentos da Formação Consciente-de-si: Autoconsciência, Dominação e Servidão, Liberdade da Autoconsciência...........................................................68 2.4. A Formação enquanto Exteriorização-de-si................................................79 3. A Institucionalização da Formação Cultural: os Discursos sobre Educação de Nüremberg (1808-1815)....................................................................................86 3.1. A Formação Cultural é Histórica.................................................................87 3.2. Um Projeto Educacional baseado na Filosofia Hegeliana..........................95 3.3. A Formação Cultural e a Instituição Escolar: o Modelo Hegeliano de Escola.............................................................................................................100 3.4. A indissociável relação entre a Formação Cultural e o estudo dos clássicos..........................................................................................................112 3.5. A Formação Cultural e a Profissão Docente.............................................121 3.6. A Formação Cultural e o ardil pedagógico: a instituição escolar e a formação ética.................................................................................................129 4. Formar o Cidadão: o Conceito de Formação Cultural nas Linhas Fundamentais de Filosofia do Direito de 1821................................................139 4.1. A Formação Cultural Familiar na Primeira Instituição Ética......................144

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4.2. A Formação Cultural do Mundo do Fenômeno do Ético: Formação e Sociedade Civil-Burguesa................................................................................151 4.3. A Formação Cultural Efetiva: a Ideia de Estado como Consolidação da Formação.........................................................................................................173 Considerações Finais......................................................................................181 Referências......................................................................................................188

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Introdução

A tese visa empreender uma investigação sobre o problema pedagógico

em G. W. F. Hegel (1770-1831), buscando apresentar sua apreensão do

conceito de Formação Cultural (Bildung) em seu sistema filosófico. O termo

Bildung, próprio da modernidade alemã, relaciona-se diretamente a ideia do

cultivo harmônico da personalidade, ou seja, configura uma proposta

educacional na qual não há outro objetivo além da própria formação. Nesse

sentido, busquei apresentar as reflexões hegelianas sobre o ideal da Bildung, a

partir de suas experiências em Iena, Nüremberg e Berlim, no intuito de

sistematizar o esboço de um projeto pedagógico que conduza o homem à

cidadania presente nos escritos hegelianos, ou seja, mapear uma proposta

formativa que torne o indivíduo um ser ético, logo livre.

Para tal, faz parte de uma análise filosófica a apreensão conceitual dos

elementos envolvidos naquilo a que se pretende estudar, pois somente ao

apreender o processo de como algo veio a ser é que posso tentar vislumbrar,

através de um discurso racionalmente compreensível e justificável o que vem a

ser a coisa mesma. Somente após esse processo, é possível argumentar sobre

o conceito hegeliano de Bildung.

A imposição desse procedimento a todo aquele que pretenda fazer

ciência é feita pelo filósofo, pois, como escreve em sua Fenomenologia do

Espírito, não há possibilidade de apreensão da verdade senão no todo – pois

“o verdadeiro é o todo” (HEGEL, 2001, p. 31) –, e essa apreensão deve ser

filosófica, ou seja, científica1, o que implica necessariamente a elaboração de

1 Escreve Hegel: “Colaborar para que a filosofia se aproxime da forma da ciência - da meta em que deixe de chamar-se amor ao saber para ser saber efetivo – é isto o que me proponho” (HEGEL, 2001, p. 23). O que é ratificado no primeiro prefácio à Ciência da Lógica, onde defende o caráter científico que a filosofia deve necessariamente assumir: “O ponto de vista essencial é que se trata sobretudo de um novo conceito de tratamento científico. A filosofia, ao dever ser ciência, não pode, para este efeito, como eu recordei noutro lugar [Fenomenologia do Espírito], pedir emprestado o seu método a uma ciência subordinada, como é a matemática, como tão pouco dar-se por satisfeita, com asseverações categóricas da intuição interior, nem servir-se de um raciocínio arguente fundado na reflexão exterior. Pelo contrário, só pode sê-lo a natureza do conteúdo, a qual se move no conhecer científico, sendo ao mesmo tempo esta reflexão mesma do conteúdo, que somente põe e produz a sua determinação mesma” – [Colchetes por mim acrescidos] (HEGEL, 1990, p. 107). Motivo pelo qual, no decorrer da tese, ciência e filosofia implicam-se mutuamente. Posição que não deixa de ser polêmica nos diais atuais, além de ser alvo de críticas por teóricos como E. Weil, que em seu artigo La Philosophie est-elle Scientifique? (1970) argumenta que, embora a filosofia possua o direito de se compreender como ciência, não o deve fazê-lo se isso significar a interdição da

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um conhecimento sistemático e rigoroso, um sistema – pois “o saber só é

efetivo – e só pode ser exposto – como ciência ou como sistema” (HEGEL,

2001, p. 33). Logo, a apreensão aqui almejada do conceito da Bildung em

Hegel não pode ser obtida de outra forma que não seja no relacionar dialético

das partes com o todo, ou seja, através da tematização sistemática da Bildung

enquanto processo.

É relevante salientar que esse ideal pedagógico não está caracterizado

por nenhuma obra específica no sistema de Hegel, o que tornara a tese um

empreendimento deveras complexo, no sentido de propor algo que o próprio

autor não explicitou como meta a seu sistema. Por isso, no decorrer da tese,

me restrinjo a reflexões oriundas do terceiro momento do sistema hegeliano, o

Espírito, por entender que os momentos precedentes, a Lógica e a Natureza,

ainda não preveem tal reflexão, sendo tão somente pressupostos pela mesma,

ainda que em regra geral não siga os desenvolvimentos desse momento como

estão dispostos na Filosofia do Espírito da Enciclopédia das Ciências

Filosóficas em Compêndio (Encyclopädie der philosophischen Wissenschaften

im Grundrisse) (1817/1827/1830).

Alerto também ao leitor que meu intuito não foi solucionar através dessa

pesquisa o problema pedagógico, ou seja, saber qual o melhor modo de educar

o homem. Na verdade, minha pesquisa pretendeu contribuir para o debate

sobre esse tema a partir da explicitação de uma proposta hegeliana – que deve

ser considerada como uma das possíveis propostas de solução ao mesmo.

Nesse sentido, analiso o conceito hegeliano de Bildung, expondo-o a

partir do ideal croceano de tornar evidente o que está vivo e o que está morto

em uma teoria hegeliana da educação,2 pois apreender as ideias hegelianas

sobre o processo de formação surge como o leitmotiv da tese ora realizada.

Nesse sentido, objetivo detectar e compreender o significado do conceito de

compreensão de si mesma enquanto possibilidade do homem (cf. PERINE, 2006, p. 325; SOARES, 1998, p. 37-41). 2 O filósofo italiano B. Croce (1866-1952) redigiu em 1907 um ensaio intitulado O que está e o que está morto na filosofia de Hegel (Ciò che è vivo e ciò che è morto della filosofia di Hegel), no qual apresenta o que há de profundo e perene no idealismo hegeliano. Croce seguiu um princípio simples, exposto ao final da obra, que não deixa de ser a principal chave de leitura de qualquer filosofia: “Mas, a primeira condição para se resolver acolher ou refutar os ensinamentos que Hegel propõe, é [...] ler os seus livros: cessando o espetáculo, entre cômico e repugnante, de acusar e injuriar um filósofo, que não se conhece, de batalhar estupidamente contra um espantalho ridículo, forjado pela própria imaginação sem estímulo, em nada nobre, da preguiça mental” [Tradução minha] (CROCE, 1907, p. 208).

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Bildung em Hegel a partir de duas problemáticas: 1) Como pode ser

apreendido o conceito de Bildung em Hegel? 2) Qual sua função e meta em

seu sistema filosófico?

Sabe-se que tais questões foram problematizadas logo após a

publicação da obra completa de Hegel, a famosa edição da Sociedade dos

Amigos do Morto (Verein von Freunden des Verewigten), quando alguns de

seus escritos ganharam especial atenção por evidenciarem as conclusões de

Hegel à questão da educação – especificamente os escritos do período de

Nüremberg, dispostos no volume 16 da supracitada edição –, surgindo daí uma

série de estudos que tinham por objetivo determinar o papel da Bildung no

sistema hegeliano.

Entretanto, como tudo no sistema de Hegel, a pressuposição da Bildung

como processo de efetivação do espírito absoluto no mundo é algo que não se

pode evitar, processo que por sua vez só pode ser apreendido no decorrer das

obras que formam esse sistema filosófico. Nessa perspectiva, proponho uma

busca sistemática pelo conceito de Bildung a partir de uma seleção de obras,

pois, por meus limites, obrigo-me a selecionar as passagens nas quais,

segundo minha interpretação, Hegel trata de forma mais evidente e objetiva

desse conceito. Assim, não proponho desvelar uma possível teoria da

educação formulada conscientemente pelo filósofo em seu sistema, mas uma

sistematização de suas ideias quanto ao processo educativo, constituindo uma

proposta educativa baseada nas reflexões hegelianas sobre o tema da Bildung,

e não a defesa de que Hegel teria formulado em sua obra uma teoria da

educação.

Dentre os principais trabalhos realizados nessa perspectiva, cito o de K.

Rosenkranz (1844, p. 253), que reprovou na biografia do mestre a falta de um

tratamento específico das questões da moral e do pedagógico em seu sistema,

e G. Thaulow, que notando tal falta, publica uma espécie de antologia, em três

volumes, recolhendo referências ao tema da Bildung, que se encontram

dispersas ao longo da obra hegeliana.3

3 Cf. THAULOW, G. Hegels Ansichten über Erziehung und Unterricht – 3 vol. Kiel: Akademische Buchhandlung, 1853-1854.

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Além desses, surgem como as principais fontes bibliográficas4 da

questão da pedagogia em Hegel os estudos de P. Ehler, Hegels Pädagogik-

dargestellt im Anschluss an sein philosophichers Systen (1912), na qual se

justifica o pouco espaço dado por Hegel à pedagogia pela própria lógica do

sistema enquanto tal; T. Litt, Die Philosophie der Gegenwart und ihr Einfluss

auf das Bildungsideal (1925), que propõe uma identificação entre sua teoria da

formação e sua filosofia do espírito e os trabalhos de W. Moog, Der

Bildungsbegriff Hegels (1934) e A. Reble, Hegel und die Pädagogik (1965);

além de trabalhos específicos de uma série de intérpretes do pensamento

hegeliano, tais como O. Pöggle, K. Lowith, G. Schimidt, B. Bourgeois, J.

D’Hondt, J. Pleines, W. R. Beyer, Fr. Nicolin, W. Hartkopf, F. L. Luqueer, W. M.

Bryant, G. Vechi, N. Tubbs, entre outros (cf. HENKE, 1989; GINZO, 2000).

No Brasil, o interesse pelo problema pedagógico em Hegel ainda é

bastante restrito. Seguindo uma ordem cronológica, temos algumas teses de

doutorado que se concentram na importância que um pensamento como o

hegeliano possui no tratamento de questões pedagógicas, principalmente pela

influência do seu método dialético. Exemplos disso são as teses de C. B. de

Oliveira, intitulada Da consciência à consciência-de-si: A Formação da

consciência-de-si como a tarefa pedagógica da Fenomenologia do Espírito em

Hegel (1997), a de A. G. B. de Souza, intitulada: Hegel e a questão da

educação (1998), a de G. Rigacci Júnior, intitulada: Educação e Formação:

Uma contribuição da Fenomenologia do Espírito de Hegel (2001), além dos

trabalhos de R. G. Nunes, intitulado Hegel, Dialética, Educação: sobre a

contribuição da dialética hegeliana para a práxis educativa (2002), e de C. M.

Ferreira, intitulado: A Formação do trabalho (Bildung) e o trabalho da formação

(Formieren): a educação da consciência desde a “certeza sensível” até a

“dominação e escravidão”, na obra Fenomenologia do Espírito de Hegel – 1807

(2003).

4 Além de apresentar um quadro teórico dos estudos pedagógicos dos escritos hegelianos, a proposta de citar tais autores é a de fornecer ao leitor um número maior de opções de pesquisa sobre uma proposta pedagógica em Hegel, no entanto, por meus limites, não utilizo no decorrer da tese todas essas referências, optando por um trabalho hermenêutico mais centrado nas próprias obras hegelianas, em vez de estabelecer uma discussão mais profunda com as diversas interpretações do papel da pedagogia na obra de Hegel – o que espero poder realizar em momentos posteriores a tese.

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Outro trabalho interessante, mas que não se ancora em Hegel, mas nas

consequências do método dialético na pedagogia brasileira, é a tese

Pensamento Dialética na Pedagogia de Paulo Freire e suas fontes inspiradoras

(2002), de N. B. de Oliveira, onde se faz uma interessante reflexão sobre as

ressonâncias da filosofia hegeliana na pedagogia de um dos maiores

educadores do século XX.

Some-se a esses trabalhos uma série de artigos que tocam em nosso

tema, dentre os quais elenco as reflexões propiciadas pelos professores P. G.

A. Novelli, nos trabalhos O conceito de Educação em Hegel (2001), O ensino

da filosofia segundo Hegel: contribuições para a atualidade (2005), A

universalidade da Educação em Hegel (2012), e C. A. Ramos, com seus

trabalhos: A Pedagogia de Hegel e a ação formadora da alteridade cultural

(2003) e Aprender a Filosofar ou Aprender a Filosofia: Kant ou Hegel? (2007).

Outros textos relevantes: o de P. A. PAGNI: O ensino de filosofia nas obras de

Kant, de Hegel e de Nietzsche: uma breve análise histórico-filosófica (2002), o

de G. B. HORN: Do ensino da filosofia à filosofia do ensino: contraposições

entre Kant e Hegel (2003), o de M. L. Bissoto, Hegel e a Educação: Aportes

para pensar a Educação Contemporânea (2005), o de R. P. Gelamo, O Ensino

da Filosofia e o Papel do Professor-Filósofo em Hegel (2008), e os recentes

artigos de A. L. Trevisan, Dois rapazes teimosos: a formação nas figuras do

espírito (2011), e de R. R. Lauxen, O ensino de filosofia na perspectiva

hegeliana: a negatividade da pratica pedagógica como matriz hermenêutica

(2012).

Porém, notamos que nenhum desses se propôs a analisar

sistematicamente o conceito de Bildung, o que proponho nessa tese, sendo

sua temática restrita a compreensão do problema pedagógico na generalidade

de algumas passagens da obra hegeliana. Diferenciando-me dessas

abordagens, proponho mapear a compreensão hegeliana do conceito de

Bildung no decorrer de sua filosofia, arquitetando uma exposição temática a

partir de três obras essenciais: a Fenomenologia do Espírito (Phänomenologie

des Geistes), publicada em 1807, os Discursos sobre Educação

(Gymnasialreden), redigidos entre 1808 e 1816, e as Linhas Fundamentais de

Filosofia do Direito (Grundlinien der Philosophie des Rechts), produzida em

1821 – todas circunscritas na esfera da filosofia do espírito. A seleção dessas

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obras não é fruto do acaso, pois todas têm como principal temática os

desenvolvimentos do ser humano em momentos vitais de sua existência,

apresentando um verdadeiro processo de formação no interior do sistema

hegeliano. Dessa forma, no decorrer da tese apresento minha interpretação

das questões de ordem pedagógica inerentes ao texto hegeliano.

Compartilho assim do argumento de Ramos, em seu artigo sobre uma

pedagogia hegeliana, de que, em diversos momentos do sistema, é possível

depreender um parecer de Hegel sobre questões de ordem pedagógica:

Destarte, algumas categorias básicas do sistema hegeliano serão tematizadas como elementos teórico-especulativos importantes para balizar uma possível pedagogia hegeliana, a saber: a) a ideia do aperfeiçoamento do indivíduo vinculado ao processo de perfectibilidade do espírito no gênero humano, e a noção de formação/cultura (Bildung) como meio de realização da natureza universal do homem na esfera da sociedade civil-burguesa (bürgerliche Gesellschaft); b) as categorias lógicas da mediação, da alteridade e da [exteriorização] (Entäusserung)5 como instrumentos pedagógicos no processo educativo; c) a concepção da disciplina (Zucht) como exigência pedagógica na relação educador-educando; d) a força conceitual da universalidade da vida ético-política (Sittlichkeit) na figura do Estado como paradigma para a educação (RAMOS, 2003, p. 42).

Assim, minha proposta se configura como a leitura pedagógica das três

obras supracitadas, por compreendê-las como as que mais explicitamente

expõem o conceito de Bildung no sistema hegeliano. Creio que ninguém se

oporá a consideração de que sua filosofia do espírito expressamente propõe

um processo de formação da consciência, em seus níveis individual – a

Fenomenologia do Espírito – e coletivo – Filosofia do Direito, sem descuidar da

relevância de uma educação escolar – Discursos sobre Educação. Cabe

ressaltar que compreender o conceito de Bildung como o próprio

desenvolvimento do espírito absoluto, que, ao longo do processo histórico,

compreende a si mesmo e a natureza, tornando-se livre, ou seja,

autoconsciente, é a chave de leitura para consecução de minha proposta

interpretativa.6

5 Embora Meneses opte pelo termo “alienação” em sua tradução da Fenomenologia, opto pela tradução “exteriorização”, diferenciando-a do sentido de “estranhamento”. Assim, todas as vezes que a tradução “alienação” e seus derivados ocorrerem no texto serão substituídos por exteriorização ou estranhamento, conforme a versão original alemã. Sobre a polêmica dos conceitos de Entäusserung e Entfremdung em Hegel, favor conferir tópico específico no segundo capítulo da tese. 6 Como bem afirma na Fenomenologia: “A tarefa de conduzir o indivíduo, desde seu estado inculto até ao saber, devia ser entendida em seu sentido universal, e tinha de considerar o

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Como, para Hegel, o homem culto é aquele que sabe conferir ao

particular o selo da universalidade, compreende a educação não como a

medida do que se conhece, mas o como se conhece e o uso racional e ético

desse conhecimento. Dessa forma, a tese visa apresentar como Hegel

interpretara o processo de formação dos indivíduos, tornando-os conscientes

de si ao superar o imediato. Nessa proposta, a subjetividade imediata,

indeterminada, mera individualidade sem relação, deve ser conduzida à

realidade ética, social e política, ou seja, ao mundo da cultura, próprio dos

homens educados, os cidadãos. Tal determinação é manifesta na ideia do

Estado (Staat), consequência do que Hegel denominou o espírito de um povo

(Volksgeist).

Desse modo, minha pesquisa findou na apreensão de três níveis do

conceito de Bildung na obra de Hegel: 1) uma Bildung da consciência, de

cunho individual; 2) uma Bildung institucional, formalizada no currículo da

escola; e 3) uma Bildung sociopolítica e ética, voltada para a coletividade e

cidadania. Esse último nível é realizado no momento da filosofia hegeliana

denominado espírito objetivo, sendo desenvolvido principalmente em sua

Filosofia do Direito e em sua Filosofia da História, nas quais os ideais de seu

conceito de Bildung são historicizados, ou seja, apreendidos a partir dos feitos

humanos na história. O direito e a história são os veículos para efetivação da

Bildung, assim como a Bildung é a condição para que os homens estabeleçam

seus direitos e produzam sua história.

Sendo meu intuito pesquisar a Bildung hegeliana, ou seja, como Hegel

compreende o processo de formação do indivíduo, impõe-se, antes de tudo, a

apreensão do conceito de Bildung em sua forma geral. Para isso, inicio a

primeira parte da tese apresentando como tal conceito foi formulado no

universo cultural alemão, que o teve como um conceito tão caro como a

Paideia para o grego, ou a Humanitas para o latino (cf. JAEGER, 2010, p. 13-

14).

indivíduo universal, o espírito consciente-de-si na sua formação cultural” (HEGEL, 2001, p. 35). O que permitiria apreender o conceito de Bildung como uma das principais chaves de leitura ao sistema do idealismo absoluto, pois, ao propor uma meta ao desenvolvimento do Espírito, determina e justifica esse sistema. Ideias como Reconhecimento, Ciência, Eticidade, Estado e Liberdade possuem uma intrínseca relação com o ideal da Bildung, que age como um “catalisador” de todos esses momentos. No decorrer da tese, argumento sobre a identidade entre o desenvolvimento do Espírito Absoluto e o processo da formação humana na história.

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Com o objetivo de compreender como Hegel trata a questão da Bildung,

se impôs a apreensão do contexto educacional que o filósofo alemão estava

inserido. Por isso, empreendo uma busca pelo campo histórico e ideológico das

discussões e propostas de solução ao problema pedagógico, próprios dos

séculos XVIII e XIX, com as quais o filósofo se defrontou. Em um período no

qual as experiências pessoais, desde que concordem com a razão, podem

representar experiências educativas, a análise da formação do ambiente

educacional alemão deve considerar não apenas os referenciais pedagógicos,

mas também os aspectos históricos, filosóficos e literários do período em

questão, o que foi exposto, ainda que resumidamente, nesse primeiro capítulo.

Após isso, analiso no segundo capítulo da tese o conceito de Bildung na

Fenomenologia do Espírito, porta de entrada ao sistema7, enquanto um

processo intrinsecamente vinculado ao desenvolvimento da consciência.

Interpreto a Fenomenologia como uma pedagogia do caminho, ou seja, como

uma formação propedêutica da consciência individual, que a prepara para a

prática científica, posterior condição para apreensão dos saberes éticos,

sociais e políticos, a partir da qual se considerará o homem enquanto indivíduo

em formação, mediada por uma teoria da educação (Erziehung). Na

Fenomenologia, o conceito Bildung assume a perspectiva de um processo de

formação individual, no qual a consciência se apreende a partir de suas figuras,

ou seja, reconhece seus processos de constituição de si, conhecendo-se a si

mesma, como reza o adágio socrático. O processo da Bildung se encontra

nessa obra como condição de possibilidade para a autoconscientização de

todo e qualquer indivíduo. 7 Assumo aqui a posição de Hösle ao argumentar que a “Fenomenologia do Espírito de Iena não pode ser interpretada propriamente como parte do sistema, mas apenas como propedêutica e, assim, o que nela é abordado deve ser desenvolvido uma vez mais com base na lógica” (HÖSLE, 2007, p. 390), compreendendo-a como uma obra propedêutica, um caminho pressuposto a qualquer um que queira enveredar pelo sistema hegeliano, a ser efetivamente iniciado na Ciência da Lógica. No entanto, tal posição é ponto de conflito entre os intérpretes de Hegel, pois em sua primeira edição, em 1807, Hegel formulara o seguinte título: Sistema da ciência. Primeira parte: a Fenomenologia do Espírito”, composto quando a obra ainda estava em vias de impressão, o que poria a obra como o primeiro momento de seu sistema – apenas na edição de 1832 que o livro adquiriu então o título que conhecemos: Fenomenologia do Espírito. Além disso, ao apresentar seu sistema em forma de compêndio para suas aulas em Heidelberg e Berlim, o filósofo revisou o lugar da Fenomenologia no sistema, realocando-a no momento da Filosofia do Espírito Subjetivo, na Enciclopédia, o que abriu uma série de discussões sobre o verdadeiro lugar da Fenomenologia no sistema. Sobre a problemática do lugar sistemático da obra, sua gênese e composição, assim como sua estrutura formal, cf. VALLS PLANA, 1994, p. 391-421; KERVÉGAN, 2008, p. 57-72; PUNTEL, 2009, p. 234-238; HYPPOLITE, 1999, p. 601-633; LUFT, 2008, p. 3-5.

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Logo após, no terceiro capítulo da tese, articulo as reflexões anunciadas

em seus Discursos sobre Educação, provenientes de seus anos de docência

em Nüremberg (1808-1816), como o enunciar de uma Bildung institucional ou

escolar, que configura a vital mediação entre a família e a vida em sociedade.

Ainda que esses escritos não configurem uma etapa específica do sistema

hegeliano, pois se tratam de uma série de escritos de circunstância, como

explicarei no decorrer da tese, suas temáticas podem ser enquadradas dentro

de minha proposta como a expressão e determinação da instituição escolar,

momento mediador entre a família e a vida em sociedade – argumento a ser

ratificado pela seção Família da Filosofia do Direito.

Como a escola, segundo Hegel, é uma instância de mediação entre a

Família e a Sociedade Civil-Burguesa, insiro as discussões sobre as ideias

pedagógicas hegelianas dispostas em seus Discursos, com o objetivo de

apreender o modelo de escola que o filósofo acreditava ser apto a realizar os

momentos da Eticidade, descritos em sua Filosofia do Espírito Objetivo.

Nesse intuito, organizei as reflexões hegelianas em quatro tópicos que

considero relevantes na constituição de uma teoria da educação hegeliana: 1)

o papel a ser desempenhado pela instituição escolar, 2) o desafio dos

professores enquanto transmissores do ideal da Bildung, 3) a formulação de

um currículo escolar no qual os estudos clássicos assumam uma posição

estratégica e vital, e 4) o necessário relacionar entre disciplina e ética na

educação.

Penso que a intercalação desses tópicos ao processo de

desenvolvimento dos indivíduos em formação configura o momento de uma

Bildung institucional, cujo objetivo é o de fornecer capacidades e habilidades

nos âmbitos social, ético e político, proporcionando aos indivíduos a cidadania

– compreendida aqui como autoconsciência e efetiva liberdade. Note-se que

essa vertente institucional da Bildung, descrita nos Discursos, não se identifica

com aquela proposta na Filosofia do Direito – Família, Sociedade Civil-

Burguesa e Estado – mas representa um momento chave para a efetivação

dessa proposta. O conceito de Bildung nos Discursos assume um valor

intermediário, no sentido de ser o processo através do qual crianças e jovens

são introduzidos nos assuntos próprios da vida pública: construção da

personalidade ética, da civilidade, da sociabilidade e da cidadania.

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Por fim, no quarto capítulo centro minha interpretação na efetivação da

Liberdade, que na compreensão do filósofo somente ocorre através de uma

educação para a cidadania, pois somente o cidadão pode ser

reconhecidamente livre. Para tal, apreendo o conceito de Bildung enquanto

uma formação ética, social e política, na Filosofia do Direito, que tem como

resultado essa formação do cidadão, consciente e livre.

Apesar de sua vital importância, tanto o momento da Bildung individual,

apresentada na Fenomenologia, quanto a Bildung institucional, apresentada

nos Discursos, ambas possuem um teor propedêutico e formal, pois o fim da

Bildung hegeliana é a efetividade da vida social e política proporcionada pelos

momentos da Família, da Sociedade Civil-Burguesa e do Estado. Observo que,

na Filosofia do Direito, o conceito de Bildung assume um teor sociopolítico, ou

seja, a formação proposta por Hegel nesse momento de sua obra visa preparar

o indivíduo para a vivência da liberdade, que somente é possível no Estado.

Por isso, o conceito de Bildung assume nas lições berlinenses de filosofia do

direito o sentido de uma formação para vida pública, ou para a Eticidade, o que

representa para o sistema o erigir de uma finalidade última: a efetivação do

espírito absoluto no mundo.

Nesse ínterim, evidentemente, são necessárias alusões às demais obras

(os Escritos de Juventude (1785-1806), a Grande Lógica (1812-1816), a

Enciclopédia (1817/1827/1830), as outras Lições de Berlim (1832/1836/1837),

a Correspondência (1785-1831) etc.), mas as farei de forma muito pontual e

sistemática, na medida em que auxiliem a compreensão das passagens

selecionadas nas obras supracitadas.

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Capítulo 1 As Condições Históricas para a Formação do Ideal da Bildung

Interessante notar que a Bildung expressa essencialmente uma teoria da

educação (Theorie der Erziehung) que não pode ser dissociada de um

desenvolvimento histórico da formação do próprio povo alemão.8 Marcada por

um ideal de reforma, próprio do fim do século XVIII, essa teoria ocupa-se dos

movimentos de uma realidade em contínua evolução e objetivava modificar e

fazer progredir as condições factuais, nas quais o processo educativo atuava.

No entanto, o tema da Bildung rompe a instância educacional, convertendo-se

na busca por uma identidade propriamente alemã, motivo pelo qual, segundo

Weber:

Não houve grande pensador ou escritor que não tenha manifestado certo fascínio pelo tema. Poder-se-ia dizer que a radicalidade da pergunta “O que é alemão?” – grande questão desde Lutero para os Alemães – forma-se sob o influxo do tema da Bildung. Porém, embora todas essas correntes tratem do tema da Bildung, umas fazem-no, operando um recuo ao medievo alemão, à mitologia nórdica, como é o caso do romantismo; outras, como o classicismo, o neo-humanismo, retornam à Grécia clássica; outros, por fim, como Hölderlin e Nietzsche, voltam à Grécia arcaica. Assim, a despeito das diferenças, a proeminência do conceito, da ideia de Bildung, encontra-se vinculada ao movimento do “tornar-se o que se é”, ou seja, ao movimento de constituição da própria identidade (WEBER, 2006, p. 126).

Assim, ainda que divergissem em suas interpretações, os teóricos da

Bildung visavam dar resposta a uma questão em comum, à qual denomino no

decorrer da tese de problema pedagógico, ou seja, o problema de saber qual a

melhor maneira de educar o homem.

Outro ponto a ser considerado é o momento histórico em que a solução

ao mencionado problema deveria ser dada. Por isso, é importante considerar o

aspecto histórico do conceito de Bildung, pois é impossível pôr a questão aqui

enfrentada nos justos termos ignorando seu desenvolvimento histórico, assim

como sua contextualização inicial. Não se pode esquecer que Hegel ensinara,

no Prefácio de sua Filosofia do Direito, que o presente é filho do passado e não

é possível agir e operar no quadro de cada época se não representá-la

8 Em Filosofia da História (Philosophie der Geschichte), de 1870, C. Hermann refere-se à França como o país da “civilização”, à Inglaterra como o da “cultura material”, e à Alemanha como o país da “Bildung”, o que demonstra bem a identidade desse termo com o povo alemão (cf. HERMANN, 1870, p. 528).

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criticamente como conclusão de um processo e base de um ulterior

desenvolvimento (cf. HEGEL, 2010, p. 43).

Como a história desse conceito é um pressuposto aceito pelo próprio

Hegel na construção de seu sistema, já que considerava a si mesmo filho de

seu tempo e era comprometido com os ideais do mesmo, impõe-se que o

conceito de Bildung seja apreendido em sua teorização anterior a Hegel, para

uma demarcação mais precisa das inovações propostas pelo filósofo ao termo

em seu idealismo absoluto. De antemão, pressuponho que a compreensão da

Bildung significará uma aproximação ao próprio sistema hegeliano, pois,

segundo Gadamer, fora Hegel quem “elaborou de maneira mais nítida o que é

formação (Bildung)” (GADAMER, 1997, p. 51), e isso se deve justamente por

identificá-la com o próprio processo de autodesenvolvimento do espírito

absoluto, como bem afirma na Fenomenologia: “pode reconhecer-se no

progresso pedagógico, copiada como em silhuetas, a história do espírito do

mundo” (HEGEL, 2001, p. 36).

A apreensão da perspectiva hegeliana deve então ser contextualizada

dentro do “olho de furacão” que foi esse conceito em sua época, ou seja, a

consideração de

um conceito de alta complexidade, com extensa aplicação nos campos da pedagogia, da educação e da cultura, além de indispensável nas reflexões sobre o homem e a humanidade, sobre a sociedade e o Estado. É até hoje um dos conceitos centrais da língua alemã, que foi revestido de uma carga filosófica, estética, pedagógica e ideológica sem igual, o que só é possível entender a partir do contexto da evolução político-social da Alemanha (BOLLE, 1997, p. 15).

Não por acaso seu estudo deve perpassar a própria formação do

sistema escolar alemão. Tal sistema tem seu apogeu ao final do século XVIII, o

século pedagógico por excelência, pois foi obra de todo um espaço cultural de

cultivo interior, que se tornou o verdadeiro mote para a proposta neo-humanista

de reforma educacional levada a cabo no território alemão por W. von

Humboldt (1767-1835), na Prússia, e por F. I. Niethammer (1766-1848), na

Baviera, nos primórdios do século XIX. Proposta essa assumida por Hegel

como sendo o ideal pedagógico mais adequado à sua perspectiva filosófica por

sua característica processual:

Wilhelm von Humboldt caracteriza a formação [Bildung] do ser humano como um processo, a saber, como processo de “melhoramento” e “enobrecimento” do ser humano. Trata-se de um

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processo que os indivíduos perfazem ao ocuparem-se com o mundo. Essa análise direciona-se, segundo Humboldt, para tudo o que é externo ao indivíduo, portanto, para a Natureza animada e inanimada, assim como para outros seres humanos. O homem em formação esforçar-se-ia para perceber o mundo e nele produzir algo. Contudo, tratar-se-ia aqui, primeiramente, apenas da coisa em si, de, por exemplo, um determinado conhecimento do mundo. Porque, na verdade, tratar-se-ia de um “melhoramento” ou “enobrecimento interno” do ser humano. Formação [Bildung] como “melhoramento” ou “enobrecimento” deve ser compreendida, por conseguinte, como processo no qual o indivíduo se ocupa com o mundo externo e, através disso, modifica-se e melhora a si mesmo – [colchetes acrescidos por mim] (MEYER, 2011, p. 13).

A supracitada reforma estabeleceu o ideal da Bildung como o principal

referencial do sistema escolar alemão. Ao analisar a realidade européia do

século XVIII, é notório que foi na Alemanha, que à época se encontrava

fragmentada em diferentes reinos9, que o processo de constituição de um

sistema educacional em âmbito nacional conheceu um vertiginoso

desenvolvimento. Enquanto as estruturas sociais e políticas na Inglaterra e na

França eram alteradas por revoluções, a relativa fraqueza da burguesia alemã

levou à adoção de uma estratégia reformista para efeito de modernização

social (cf. GEYMONAT, 1975, p. 34). O que fez com que a Alemanha, ainda

que ocupando geograficamente uma posição central no continente,

configurasse uma realidade à parte do restante das nações européias.

Nesse contexto, lamentava J. W. von Goethe (1749-1832), em conversa

com J. P. Eckermann (1792-1854), registrada em três de maio de 1827, a “vida

isolada, paupérrima” que os homens de letras alemães levavam e o tão pouco

de cultura que lhes chegava do exterior (cf. GOETHE, 1850, p. 407). Tal

realidade se dava pela própria história da Alemanha, ocorrida à parte dos

demais acontecimentos do resto da Europa. Fato que levou F. Nietzsche

(1844-1900), no §237 do ensaio Humano, Demasiado Humano, intitulado

“Renascença e Reforma”, a atribuir os malefícios de tal clausura intelectual à

oposição frente aos ideais positivos da Renascença, criada a partir da

renovação daquela tradição que tanto repudiava: o espírito e a obra da

Reforma Luterana, que, no seu entender, estigmatizou a nação alemã com

9 Segundo Arce, nesta época “A Alemanha era um país dividido em reinos, províncias e pequenos Estados: a Confederação Germânica era dividida em 38 Estados, cinco reinos, 29 grão-ducados e quatro cidades livres, praticamente independentes, fato este que dificultava muito seu desenvolvimento” (ARCE, 2002, p. 32).

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espíritos atrasados e impediu a fusão do ideal clássico com a modernidade (cf.

NIETZSCHE, 1990, p. 131-132).

Durante o século XVIII, os filósofos da Aufklärung começaram a atacar

as escolas religiosas e, em certa medida, o próprio currículo latino. Eles

ofereceram uma visão alternativa: queriam que o Estado, e não as igrejas,

organizasse as escolas, nomeasse professores e regulasse os estudos. As

crianças deveriam estudar a língua nacional, bem como a história latina e

nacional. O Estado deveria garantir às crianças o ensino de uma “boa moral”,

baseada em verdades éticas fundamentais, algo essencial, na visão desses

pensadores, para o bem-estar da sociedade.

Nessa perspectiva, pensava-se que as escolas não deviam ensinar uma

doutrina religiosa, para os reformadores iluministas, a escola deveria dar maior

ênfase em habilidades práticas.10 Finalmente, quiseram fornecer o ensino

básico para a população como um todo, mas não chegaram a endossar uma

proposta de educação universal. Ainda que os governantes não se

propusessem, em um primeiro momento, a uma mudança tão radical na esfera

educacional, crescia a ideia de que “a instrução pública é um dever da

sociedade para com seus cidadãos” (CONDORCET, 2008, p. 17),

principalmente no período pós-Revolução Francesa.

Na Alemanha, essa proposta de mudança foi encabeçada pelas

reformas prussianas, que acabaram configurando a busca de um sistema

nacional de ensino.11 Mas, para apreensão dessa reviravolta pedagógica,

10 Note-se que durante a maior parte do século XVIII, os funcionários públicos prussianos eram educados, sobretudo, na Universidade de Halle (cf. OZMENT, 2005, p. 132). Fundada em 1694, essa instituição alcançou uma posição única na vida intelectual da Alemanha do século XVIII, pois rompeu da maneira mais enfática possível com as tradições escolásticas do ensino superior, adotando o alemão e não o latim como língua usual nas aulas universitárias. Sob a influência de C. Thomasius (1655-1728) e, mais tarde, de C. Wolff (1679-1754), Halle deu preeminência ao conhecimento secular e moderno da época. Com esse ideal, Thomasius julgava ser a principal tarefa da educação promover as finalidades práticas e mundanas do homem e do bem-estar da sociedade. A importância de Halle no cenário alemão dessa época se dá porque, “Além de sua universidade, o sistema educativo de Halle incluía colégios para as meninas, para os órfãos e os pobres, um internato de latim para os meninos das classes superiores e um célebre seminário” (OZMENT, 2005, p. 133-134). 11 Como bem diz Obiols & Obiols (2008, p. 136), o sistema educativo atual, integrado pelos níveis primário, secundário e universitário, que nos resulta tão familiar no mundo ocidental, se estrutura progressiva e tardiamente de cima para baixo, quer dizer, se organizam primeiro as universidades, a partir dos séculos XII e XIII, logo os colégios que hoje chamamos “secundários” ou de “ensino médio” nos séculos XVI e XVII, na segunda metade do século XIX se estruturam as escolas primárias, que na segunda metade do século XX se estendem e institucionaliza-se a educação infantil, chamada em alguns países, até hoje, de pré-escolar, a

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ocorrida no século XVIII, faz-se necessário visualizar como foi desenvolvido o

sistema escolar alemão e como e por que a ideia de uma Bildung fora

assumida como o principal referencial educacional. Assim, no que segue

proponho uma contextualização histórica desse sistema escolar.

1.1. O Sistema Escolar Alemão

No século XVI, a reforma religiosa proposta por M. Lutero (1483-1546)

levou à fundação de Universidades de teor assumidamente protestante (cf.

PAULSEN, 1908, p. 50-59), que concebiam as virtudes humanas como algo

que devia formar-se para além da intervenção das palavras e formas

supérfluas, como propunha a Escolástica – modelo de educação católica –, só

admitindo o ensino que procura a verdade das coisas, e a clareza das ciências.

Sobre esses argumentos, pensadores como F. Melanchthon (1497-1560), J.

Sturm (1507-1589) e V. Friedland (1490-1556), conhecido como Trotzendorf,

propuseram uma instituição de formação contraposta à instituição católica (cf.

ABBAGNANO; VISALBERGHI, 1964, p. 258-262).

Foi também no século XVI que as cidades alemãs promulgaram a

primeira regulação sobre escolas primárias, o Código Escolar de Württemberg

e Saxônia, mais conhecido como Kirchenordnung, em 1559 (cf. PAULSEN,

1908, p. 77-78; BARNARD, 1861, p. 5), que regulava a estrutura das escolas

alemãs ou nacionais (Teutsch)12, na época formadas por poucas classes, nas

quais meninos e meninas, em turmas separadas, aprendiam a ler, escrever,

religião e música sacra. É interessante salientar que o Kirchenordnung também

previa a fundação de Escolas de Latim, também chamadas de escolas

privadas.

Como ressonâncias desse empreendimento revolucionário na educação

europeia, por volta do século XVIII, as escolas de ensino fundamental de

diversos reinos, influenciadas pelos ideais iluministas, tinham sido cada vez formação do sistema escolar alemão, que remonta à Idade Média, um de seus principais pilares. 12 As primeiras escolas existentes no território alemão foram as escolas medievais latinas. Só no final da Idade Média é que começaram a surgir escolas na língua alemã. A primeira Universidade fora fundada em 1386, em Heidelberg, posteriormente outras foram estabelecidas em Colônia, Leipzig, Freiburg, e uma série de outras cidades. Estas Universidades, como informa Ringer, formaram apenas uma pequena elite intelectual de alguns milhares, com foco nos clássicos e na religião (cf. RINGER, 2000, p. 30).

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mais separadas das igrejas, ficando paulatinamente sob a direção de

autoridades do Estado. Ainda que incluíssem a religião e os valores cristãos

em seus currículos, esses não eram os modelos de formação, tampouco o

Cristianismo, ou a Bíblia, ou as demais formas de espiritualidade religiosa.13

Nesse sentido, cabe aqui a compreensão de B. Bourgeois do princípio que

rege a proposta educacional moderna:

A unificação concreta, a totalização efetiva da vida humana, meta da educação, não pode ter como lugar ativo senão a universalidade circunscrita, fechada, da Cidade ou do Estado. Se a educação como fato de certo modo natural se enraíza na vida familiar, compete como tarefa ética e como preocupação a Cidade, em sua realidade ou em sua representação ideal, arrancar o mais cedo possível, da primeira as crianças a formar (BOURGEOIS, 2004, p. 100).

Seus princípios estavam postos na cidade, nos suportes do Estado, no

âmbito familiar, muito ligados à ciência experimental, às formas e às regras da

racionalidade, às formas do trabalho diário, contínuo, às necessidades dos

diversos setores da população e aos fins da indústria nascente, do urbanismo e

da civilização.14 Como afirma Starobinski, ao analisar a proposta de Condorcet:

“uma nova tarefa aparece: educar, emancipar, civilizar. O sagrado da

civilização substitui o sagrado da religião” (STAROBINSKI, 2001, p. 33).

Cabe salientar que, nesse momento, foi a Prússia a primeira a ter um

sistema de ensino obrigatório, acabando por torna-se um exemplo a ser

seguido pelos demais reinos do território germânico, e mesmo europeu –

dentre esses se encontra a velha Württemberg15, onde Hegel frequentou o

13 Essa visão encontrará em Lessing um porta-voz de peso. Para o autor, essa lógica confessional na educação deve ser substituída por uma natural lógica pedagógica, fato que Lessing pressupunha ser efetivado em algum momento pelo gênero humano (cf. LESSING, 1982, p. 589, §72). 14 Segundo Simmel: “a cidade grande cria precisamente estas condições psicológicas – a cada saída à rua, com a velocidade e as variedades da vida econômica, profissional e social –, ela propicia, já nos fundamentos sensíveis da vida anímica, no quantum da consciência que ela nos exige em virtude de nossa organização enquanto seres que operam distinções, uma oposição profunda com relação à cidade pequena e à vida no campo, com ritmo mais lento e mais habitual, que corre mais uniformemente de sua imagem sensível-espiritual de vida. Com isso se compreende sobretudo o caráter intelectualista da vida anímica do habitante da cidade grande, frente ao habitante da cidade pequena, que é antes baseado no ânimo e nas relações pautadas pelo sentimento. [...] Assim, o tipo do habitante da cidade grande – que naturalmente é envolto em milhares de modificações individuais – cria um órgão protetor contra o desenraizamento com o qual as correntes e discrepâncias de seu meio exterior o ameaçam: ele reage não com o ânimo, mas sobretudo com o entendimento, para o que a intensificação da consciência, criada pela mesma causa, propicia a prerrogativa anímica” (SIMMEL, 2005, 578). 15 Pinkard salienta que: “Como ocorria em muitos outros pontos [do território alemão], a Württemberg da juventude de Hegel e Niethammer havia sido uma exceção dentro do mosaico geral das instituições educativas alemãs. O sistema escolar de Württemberg estava baseado

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Gymnasium de Stuttgart, sua cidade natal, marcada fortemente pela cultura

protestante (cf. DICKEY, 1987, p. 1-39), e a Baviera, onde se localizava o

Gymnasium de Nüremberg, no qual viria a ser professor e reitor.

Como fator histórico para tal desenvoltura escolar, deve-se notar que a

educação alemã foi completamente interrompida pela Guerra dos Trinta

Anos16, na primeira metade do século XVII, o que forçou os vários Estados

germânicos, ao final do conflito, a se voltarem ao atendimento de crianças na

escola, imposta aos pais como obrigatória, sob pena de multa e perda da

guarda dos filhos, que, no descumprir dessa imposição, passaria ao Estado.

Surge, assim, o ideal da efetivação de um sistema escolar nacional. O primeiro

passo foi dado por Gotha, em 1643, que foi seguido pela Saxônia e por

Württemberg, em 1659, por Hildesheim, em 1663, por Calemberg, em 1681,

por Celle, em 1689, e pela Prússia, em 1717 (cf. BARNARD, 1854, p. 32). O

ano de 1717 marca, a partir da lei promulgada pelo rei Frederico Guilherme I

(1688-1740), o iniciar de uma fiscalização da frequência escolar, desde então

obrigatória a todas as crianças, nas escolas prussianas.

Os princípios desse sistema escolar foram reafirmados vigorosamente

no reinado de Frederico II, o Grande (1712-1781), que estabeleceu o sistema

prussiano de educação, particularmente, em seu Regulamento Geral para as

Escolas do País (Landschulreglement), de 176317, no qual ratificava a

na regulação litúrgica (Kirchenordnung) de 1559. As “escolas monásticas” (as que Holderlin havia assistido, ainda que não Hegel), estabelecidas segundo esta regulação, funcionaram efetivamente como um tipo de Gymnasium superior em Württemberg, do qual procedia sua elite não-nobre (e em particular a Ehrbarkeit, os notáveis não-nobres da cidade). Por outra parte, a existência em Württemberg do Landesexam (o exame a nível de Land), que titulava aos alunos para assistir a uma das escolas monásticas, dava à educação württemberguesa uma unidade que não tinham outras áreas do Sacro Império; entretanto, a irredutível identidade protestante da Ehrbarkeü assegurava que as “escolas de humanismo” do Renascimento, que eram ainda mais antigas, continuassem existindo como tradição viva na educação de Württemberg” (PINKARD, 2002, p. 355-356). 16 Ozment fala que “Antes das guerras mundiais do século XX, se chamou a Guerra dos Trinta Anos “o trauma dos alemães”. Pela primeira vez em sua história, os alemães se viram em um conflito catastrófico que era a um tempo internacional e interminável. Durante os 30 anos que durou a alternância de períodos de guerra fria e de guerra “candente”, a Alemanha se converteu em um campo de batalha involuntário no qual as nações militarmente superiores dirimiam seus conflitos e incrementavam suas posses. [...] A guerra dos trinta anos começou por causa do temor que inspirava nos alemães um imperador de sua mesma nacionalidade – Fernando II –, e terminou com uma reação alemã contra alguns aliados estrangeiros – Suécia e França – a quem os próprios alemães haviam convidado a entrar em suas terras para opor-se ao imperador” (OZMENT, 2005, p. 113-125). 17 Nas escolas elementares prussianas, as quais a assistência era obrigatória desde 1717, se introduz em 1763 o estudo da história, da geografia e das ciências naturais (cf. ABAGNANO; VISALBERGHI, 1964, p. 410).

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frequência escolar como obrigatória, além de regulamentar, dentre outros

assuntos, a situação dos professores que, a partir de então, deveriam ser

preparados e remunerados pelo desenvolvimento de suas funções, a

organização e a elaboração de livros didáticos e a instauração da inspeção

escolar. Com o Landschulreglement “proclamou-se, pela primeira vez, que a

força política e o bem-estar material e social do povo se alicerçavam na

educação” (KREUTZ, 1994, p. 30). As reformas educacionais tiveram, em

1794, continuidade com a promulgação do Código Geral Prussiano

(Allgemeines Landrecht), ainda que o mesmo não estabelecesse qualquer tipo

de igualdade civil, nem tampouco apresentasse uma lista de direitos políticos à

maneira das constituições modernas18, naquilo que tocava ao ensino

prussiano, proporcionou uma estrutura legal básica que continuaria em vigor

até o advento do nacional-socialismo, como bem informa Ringer:

As escolas e as universidades, afirmava o Código, eram instituições do Estado e só podiam ser fundadas com autorização oficial. Era garantido às universidades o direito de solucionar as questões puramente acadêmicas de acordo com os estatutos específicos da corporação; mas o controle e a supervisão final da educação superior, assim como seu suporte financeiro, continuavam a cargo do Estado. A questão era saber com que rapidez esse controle devia ser exercido e como o programa de ensino das universidades devia ajustar-se às necessidades práticas do governo (RINGER, 2000, p. 37).

Tais questões foram problematizadas sob a tutela de Frederico

Guilherme III (1770-1840)19, que exerceu um papel fundamental no processo

de modernização e descentralização da política administrativa prussiana. Essa

emergente reformulação do papel do Estado na sociedade tinha como

horizonte a crise política que havia acabado de submeter a Prússia ao poder da

França, após a invasão de Napoleão e a derrota da batalha de Iena em 1806

(cf. HOLBORN, 1982, p. 386-395). Um dos resultados da derrota da Prússia

nas mãos de Napoleão foi a reforma do Estado prussiano, de suma importância

18 Segundo Ozment, isso se deu porque “Decepcionados pela rápida degeneração da Revolução Francesa, cujas promessas não haviam visto cumpridas, os legisladores alemães responsáveis pela redação da versão definitiva do Código geral prussiano, o Allgemeine Landrecht, publicado em 1794, o converteram em um corpo de leis mais conservador do que anteriormente havia-se podido ver-se induzido a esperar os observadores” (OZMENT, 2005, p. 144-145). 19 Cabe informar que Frederico II, o Grande, não deixou filhos, tendo como herdeiro ao trono o filho de seu irmão mais novo, Augusto Guilherme, que falecera 1758. Seu sucessor, Frederico Guilherme II (1744-1797), reinou na Prússia de 1786 até sua morte, sendo sucedido por seu filho, Frederico Guilherme III (cf. OZMENT, 2005, 129-133).

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não só para traçar novos rumos à guerra, mas também para marcar o futuro

papel da Prússia na unificação da Alemanha.

De 1806 a 1813, a Prússia sofreu a sua humilhação, ficando sob o

domínio das forças de Napoleão. Ao mesmo tempo, as reformas de estadistas

como o Barão F. K. von Stein (1757-1831)20, o Barão K. A. von Hardenberg

(1750-1852) e W. von Humboldt, juntamente com generais como G. von

Scharnhorst (1756-1813), N. von Gneisenau (1760-1831) e G. L. Blücher

(1742-1819) foram iniciadas (cf. LEGGIERE, 2002, p. 21-27; SCHWANITZ,

2006, p. 237-238). O arquiteto dessa reforma foi von Stein, Barão de Nassau,

que era um fervoroso opositor da Revolução Francesa, mas que queria

abandonar os antigos sistemas de absolutismo e de centralização e mobilizar

as energias físicas, intelectuais e morais do povo em prol de uma reforma do

Estado.21 Outro fator que, segundo Biesinger, corroborou para o ideal da

reforma foi o patriotismo estimulado pelos Discursos à Nação Alemã (Reden an

die deutschen Nation), de J. G. Fichte (1762-1814), e as canções inspiradoras

de poetas como E. M. Arndt (1769-1860), T. Körner (1791-1813) e R. Friedrich

(1788-1866) (cf. BIESINGER, 2006, p. 65-66).

Sob a influência de Humboldt, o sistema educacional foi reformado e

ampliado. A escola unificada substituiu as escolas socialmente separadas, e a

Universidade de Berlim foi fundada (1810), estabelecendo uma nova

perspectiva ao ensino superior. Uma moderna burocracia foi organizada na

Prússia, que se tornou um modelo de eficiência educacional. Com as reformas,

as Universidades doravante passavam para o controle direto do ministério do

interior, responsável também pela supervisão, bastante ampliada, do governo

central sobre as escolas secundárias (cf. SORKIN, 1983, p. 63-65).

Diante de tal proposta de reforma educacional, todos os estados

germânicos buscaram nesse período uma regulamentação escolar que

suprisse suas necessidades, porém tais reformas necessitavam de bases

20 Sobre a influência das idéias de von Stein no pensamento alemão, cf. ARIS, 2006, p. 361-390, e também FORD, 1922, p. 199-220. 21 Os reformadores acreditavam que a liberdade política e cívica asseguraria a unidade e a segurança do Estado. Suas reformas foram de cunho social, econômico, administrativo, educacional e militar. A partir de leis ousadas, Stein e Hardenberg aboliram os aspectos legais da servidão da classe camponesa, agora autorizada a assumir as hipotecas e a liberdade de casar, além de selecionar suas próprias ocupações. As corporações econômicas e as normas medievais foram eliminadas, e a liberdade de ocupação e do contrato fora estabelecida (cf. BIESINGER, 2006, p. 66).

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teóricas, e alguém teria que pensá-las. Coube, assim, a um grupo de

intelectuais fornecer as bases desse ideal reformista, respondendo às

necessidades temporais de um povo que ainda buscava sua identidade

cultural. A educação se tornou na Alemanha a bandeira nacional.

Isso ocorreu justamente nos anos que vão de 1770 a 1810, quando a

Revolução Francesa, as guerras políticas de Napoleão e o naturalismo de J.-J.

Rousseau (1712-1778)22 se libertaram da velha ordem social da Europa. Tais

pretensões de consolidar um novo homem influíram diretamente na formação

histórico-cultural alemã, que, embora não tenha vivido uma revolução como o

vivenciaram ingleses e franceses23, assimilara o ideal iluminista de tal forma

que Mme. Staël (1766-1817)24 reconhecera a Prússia como o país “dos

homens mais espirituais da Europa” – não por acaso, com uma frequência sem

precedentes, teólogos, filósofos, cientistas, enfim, homens de letras, assumiam

cargos importantes na administração das escolas que eles mesmos haviam

discutido conceitualmente.

Portanto, um dos fatores que mais contribuíram para a reorganização do

sistema educacional prussiano, e, nunca é demais lembrar, propriamente

alemão, foram os trabalhos teóricos desses pensadores, doadores de toda

fundamentação necessária a sua consecução, como bem afirmara Humboldt:

Para efetuar a transição desde a condição atual para a nova que tenha sido acordada, faz-se possível que cada reforma comece com as ideias e pelas cabeças dos homens (HUMBOLDT, 1983, p. 28).

22 Os pensadores e pedagogos germânicos dessa época de reformas foram profundamente influenciados por Rousseau e sua ênfase pela união entre a educação pública, produtora do citoyen e de uma educação privada, caracterizada pela preservação do homme naturel (cf. HAHN, 1998, p. 3). Nesse sentido, afirma Kant na primeira Crítica: “Apenas Rousseau pode tornar, mesmo o mais ensinado filósofo, um homem honesto e, sem auxílio da religião, pode fazê-lo não considerar a si melhor que o homem comum” (KANT, 1989, p. 298). 23 Embora, como informa Ringer (2000, p. 15), não devamos exagerar a divergência entre o pensamento anglo-francês e o alemão durante o século XVIII, pois a questão teórica da educação fora também muito importante a oeste do Reno, para este autor, a peculiaridade da situação social alemã era apenas uma questão de grau, como a consequente diferença de orientações intelectuais. Assim, não se deve descrever a tradição intelectual alemã apenas em termos de seu desvio de uma suposta norma inglesa empresarial-liberal que rege o mundo Europeu nesse período. O que distinguiu a Alemanha foi exatamente o fato de ter liderado o restante da Europa na criação de um sistema moderno de pesquisa e educação superior, como a Inglaterra liderou a Revolução Industrial. 24 Ao escrever em francês, língua franca daquela época, ela que pessoalmente conhecera Goethe, Schiller, Wieland e August Schlegel, quando em viagem pelo país entre 1803-1804, apresentando-os como “os homens mais instruídos e os mais meditativos da Europa”, difundiu as idéias e obras deles por todas as partes. Ainda que sua primeira edição de 1810 fosse interditada pelo regime de Napoleão, em 1814 foi republicada na Inglaterra, de onde ganhou o mundo. Isto fez de Mme. de Staël uma espécie de Tácito de saias (cf. STÄEL, 1850, p. 84).

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Foi nesse contexto de reformas que o conceito de Bildung assumira

relevância para o processo educacional. Os intelectuais dessa realidade

oitocentista alemã dedicaram-se a um projeto no qual a estética e a natureza

deveriam ser consideradas como potencialmente educativas, quando

mescladas a valores éticos e espirituais. A seguir, viso apreender os ideais que

moldaram o conceito de Bildung no contexto intelectual germânico desse

período.

1.2. Os Ideais da Bildung

O que se buscou de uma maneira geral foi a formação integral e

harmônica do ser humano, ideal que acabara por moldar e conferir um sentido

todo especial ao conceito de Bildung, como bem explica Meyer ao comentar a

proposta de Humboldt:

“Bildung” tornou-se, através de Humboldt, o conceito fundamental da Pedagogia de língua alemã. O recurso à formação individual declara, em Humboldt, os objetivos que deveriam ser o fundamento das instituições de ensino (ou seja, escola e universidade). Na formação individual, dá-se uma escolha e uma aquisição de conteúdos de unidades livres em relação com o desenvolvimento individual da personalidade. Eis porque, em última análise, os seres humanos podem apenas formar-se a si mesmos. Contudo, Humboldt também pensa que há condições institucionais que podem fomentar ou impedir o processo de formação individual e, por isso, ele mesmo apresenta propostas concretas (e eficazes) às condições institucionais de escola e universidade como lugares nos quais a formação ocorre (MEYER, 2011, p. 5).

De um ponto de vista social, a imagem medieval de um indivíduo

determinado por vínculos sanguíneos – e mesmo “divinos” –, ou por títulos de

nobreza, é afrontada pela imagem de um indivíduo intelectual e culturalmente

capaz de se formar interior e exteriormente, se tornando detentor de uma figura

harmoniosa de si mesmo.25 Pois,

Além de suas formulações específicas, Bildung representa as esperanças e aspirações dos intelectuais do século dezoito para si próprios e para a sua sociedade (SHEEHAN, 1991, p. 204).

Outro elemento não menos importante para apreensão desse conceito é

a sua contextualização sociopolítica, pois o século XVIII atrelou de forma

25 Essa ideia é desenvolvida desde a antiguidade clássica: “Mais tarde, absorvendo a lição do humanismo greco-latino, o filósofo Plotin proclamará: “É necessário esculpir sua própria estátua”. O romance de formação, sobretudo a partir de Wilhelm Meister, de Goethe, retoma a ideia e a formulará. A Bildung designa o trabalho sobre si, uma cultura de si que podemos assimilar a uma “escultura de si” (FABRE, 2011, p. 348).

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necessária desenvolvimento humano e educação. Impõe-se nessa discussão a

ideia iluminista de que a educação possibilita e capacita o indivíduo a conseguir

determinar sua vida de forma autônoma, superando as condições de

fragmentação nas quais está inserido. Essa proposta iluminista surge assim

como algo inseparável de uma profunda vontade de divulgação do saber e da

educação das massas, o que fez com que o período das primeiras décadas do

século XIX, que sucederam a Revolução Francesa, nas quais ocorrera a

produção do sistema hegeliano propriamente dito, fosse tido como um dos

momentos históricos no qual se viveu mais apaixonadamente o problema

pedagógico. O que pode ser comprovado, por exemplo, pelo fato de, na

Alemanha, surgirem mais escritos e artigos sobre educação e ensino nessa

passagem do século XVIII ao XIX, que nos últimos três séculos anteriores

juntos (cf. MENZE, 1975, p. 11). Segundo Gadamer, esse cenário favoreceu e

fora favorecido pelo conceito de Bildung,

que naqueles tempos elevou-se a um valor dominante, foi sem dúvida, o mais alto pensamento do século XVIII, e justamente esse conceito caracteriza o elemento em que vivem as ciências do espírito do século XIX (GADAMER, 1997, p. 47).

Dessa forma, a compreensão da Bildung pressupõe uma ação educativa

bastante abrangente, pois cabe manter conexões intrínsecas com a arte, a

ética e a ciência para efetivar uma formação integral do indivíduo. Daí a

consideração de sua complexidade ser um fator tão determinante para sua

apreensão:

Pessoas usavam o conceito de muitas maneiras e lhe davam diferentes colorações filosóficas e emocionais; para Kant e Mendelssohn, Bildung era pensamento esclarecido, para Herder e Schiller ele tem um caráter mais cultural e artístico (SHEEHAN, 1991, p. 204).

O conceito de Bildung obviamente mudou com o tempo, mas, em

essência, a Bildung sempre se referia à evolução do potencial do indivíduo, o

que lhe conferia uma importância única para a prática pedagógica. Ainda que

outros conceitos surgissem em outros contextos culturais, na Alemanha o ethos

da Bildung assumira o caráter de um pathos metafísico (cf. RINGER, 2004, p.

19-20), representando um ideal inalienável à educação dos indivíduos.

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Nessa nova perspectiva, se repudia consistentemente o conhecimento

instrumental ou “utilitário”26, compreendido como unilateral e insuficiente para

ser tido como um ideal de formação, além disso, a Bildung se confronta ao

ideal francês de Civilização (Civilization)27, propondo que a ciência

(Wissenschaft) podia e devia engendrar uma concepção de mundo

(Weltanschauung)28, o que remete à sua leitura em Paracelso (1493-1591),

Jakob Böhme (1575-1624) e G. W. Leibniz (1646-1716), que usaram o termo

em sua filosofia da natureza, referindo-se ao desenvolvimento ou

desdobramento de potencialidades dentro de um organismo (cf. SORKIN,

1990, p. 15; SCHIMDT, 1996, p. 630). Ainda no século XVIII, M. Mendelssohn

(1729-1786), o fundador da Iluminismo judaico, usou o termo no sentido de

desdobrar o potencial do indivíduo logo no início de seu influente ensaio Sobre

a pergunta: O que se chama esclarecer? (Über die Frage: Was heisst

Aufklären), de 1784, onde identificara a Bildung com a Aufklärung (cf.

MENDELSSOHN, 1996, p. 53).

Pedagogos como J. H. Campe (1746-1818), que Hegel criticara em suas

notas de aula em Nüremberg por possuir uma psicologia de todo empírica e

tentar empregá-la na educação (cf. HEGEL, 1989, p. 367), também se

concentraram em pensar como uma reforma pedagógica poderia promover o

aperfeiçoamento (Ausbildung) e formação (Bildung) dos cidadãos. Campe

observa, no tomo I de seu Dicionário da Lingua Alemã (Wörterbuch der

26 Segundo Ringer (2000, p. 33), o novo ideal de formação rejeitava abertamente o racionalismo de Halle, pautado numa formação utilitarista e profissionalizante, por sua vez os pensadores da reforma impregnaram seu programa educacional com certa tendência anti-utilitarista. Seu objetivo era a educação plena e harmoniosa do indivíduo integral, a formação de personalidades esteticamente harmoniosas, “cultivadas”. Em sua visão, o ensino implicava claramente algo mais que a formação intelectual. 27 Starobinski irá buscar uma definição e um campo de atuação ao termo Civilização: “A palavra civilização pôde ser adotada tanto mais rapidamente quanto constituía um vocábulo sintético para um conceito preexistente, formulado anteriormente de maneira múltipla e variada: abrandamento de costumes, educação dos espíritos, desenvolvimento da polidez, cultura das artes e das ciências, crescimento do comércio e da indústria, aquisição das comodidades materiais e do luxo. Para os indivíduos, os povos, a humanidade inteira, ela designa em primeiro lugar o processo que faz deles civilizados (termo preexistente), e depois o resultado cumulativo do processo, é um conceito unificador” (STAROBINSKI, 2001, p. 14). Porém, notará o risco da mesma configurar apenas uma expressão exterior da polidez, e se tornar uma mera convenção social (cf. Ibidem, p. 24). 28 Weltanschauung é um substantivo feminino composto de duas palavras alemãs: Welt – mundo, e Anschauung – concepção, percepção, intuição. Weltanschauungen é sua forma plural. As diversas traduções do conceito são concepção universal, ideologia, concepção de mundo, filosofia, visão de mundo e percepção de mundo, dentre outras possíveis em português (cf. Dicionário Alemão-Português. Porto: Editora Porto, 1990, p. 718).

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deutschen Sprache), de 1807, que Bildung era um termo da biologia que

representava

1) A onipotente formação de plantas e animais. Nessa formação cada parte que é adicionada é formada de acordo com as partes precedentes (epigenesis). 2) A essência natural e ordem inata (organização). 3) A imagem de um ser humano, principalmente sua face, – e finalmente – o estado de um ser humano cujo coração e espírito foram formados, de quem adquiriu habilidades e modos: um ser humano de uma formação [Bildung] sofisticada – [Colchetes acrescidos por mim] (CAMPE, 1807, p. 534).

Dessa forma, nos primeiros anos do século XIX, a Bildung estava se

tornando um termo com uma conotação espiritual, mas não apenas isso,

também assumira uma perspectiva política e filosófica. O que fizera com que o

conceito de Bildung fosse associado com a efetivação dos ideais iluministas,

ainda que não fosse esgotado por eles. A Bildung passa a ser considerada

tanto 1) um processo criativo, no qual o indivíduo, por meio de seu próprio agir,

forma e desenvolve a si e a seu meio cultural, quanto 2) a ideia de um tornar-se

o que se é, ou seja, um processo de realização do ser humano, sendo ambos

os sentidos o aspirar de uma vida melhor (cf. SILJANDER; SUTINEN, 2012, p.

3-4). Mas, é importante delimitar esse ideal a ponto de, como postula a

personagem Sócrates dos diálogos platônicos, determinar o que a Bildung não

é. Nesse sentido, a conclusão de Schwanitz é bastante relevante:

A cultura [Bildung] deve ser acreditada como uma forma de comunicação. Seu objetivo não é dificultar a comunicação senão enriquecê-la. Daí que não possa apresentar-se como uma imposição, como uma tarefa desagradável, como uma forma de competitividade ou como uma maneira de adular a si mesmo. Não deve manifestar-se como uma esfera separada da vida, nem converter-se em mais um tema; a cultura [Bildung] é o estilo de comunicar-se que faz do entendimento entre os seres humanos um autêntico prazer. Em uma palavra, a cultura [Bildung] é a forma em que espírito, carne e civilização se convertem em pessoa e se refletem no espelho que são os demais [Colchetes acrescidos por mim] (SCHWANITZ, 2006, p. 724).

A complexidade do conceito de Bildung não deixa de expressar sua

riqueza, na medida em que representa o próprio processo de formação

humana. Pensar a Bildung significa refletir os diversos momentos que o homem

experiencia na busca de ser mais (cf. FREIRE, 2001, p. 8), por isso seu estudo

implica na apreensão não apenas de sua dimensão histórica, mas também em

seu matiz etimológico. Cabe então, antes de analisar o conceito em seu viés

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hegeliano, trabalhar com a etimologia do verbete alemão e suas prováveis

traduções.

1.3. O Conceito de Bildung: Uma Possível Tradução

Seguindo a exposição realizada por Moura (2006, p. 153-154), o

substantivo Bildung é oriundo do verbo bilden, ação que durante a média

história alemã trazia em si o duplo sentido das variáveis próprias do alemão

antigo: biliden, que significava dar forma (Gestalt) e essência (Wesen) a algo, e

bilidon, que significava imitar uma forma. Desse modo, bilden passou a

representar o trabalho artesanal e artístico, assim como o próprio ato criador de

Deus. Posteriormente, passou também a designar o vir-a-ser das formas

naturais, expressão da ação criadora da natureza.

No entanto, a esse sentido de criação e fabricação de algo fora

acrescido os de einbilden, cunhar a alma, e ausbilden, colocar em uma

imagem, ambos oriundos da mística medieval, o que daria a Bildung tanto um

sentido de formação da imagem exterior quanto da imagem interior, ou mesmo

da relação das mesmas. A imbricação desses sentidos forneceu ao vocábulo

Bildung um teor pedagógico, assumido principalmente no século XVIII.

Essa riqueza filológica faz do conceito de Bildung um dos desafios do

ofício da tradução, pois, embora se note uma aproximação entre o conceito

Bildung29 ao francês formation30 e ao inglês formation, tais aproximações, ainda

que úteis, acabam por esvaziar a riqueza da expressão alemã, daí meu

cuidado no decorrer da tese de não identificar a Bildung ao termo formação

sem considerar suas mediações. Outra forma comum de se traduzir Bildung é

identificá-lo com educação (éducation, education), mas a língua alemã já

29 À primeira vista, a morfologia bastante simples da palavra Bildung poderia sugerir uma nitidez semântica em seu uso que, de fato, está bem longe de ser verdadeira. Bild, em geral, significa contorno, imagem ou, mais precisamente, forma – e o prefixo “–ung” assinala o processo segundo o qual essa forma seria obtida, o que nos permitiria traduzi-la em português por formação (cf. BRITTO, 2010). 30 Segundo Ringer: “o conceito francês de culture générale, o equivalente francês mais próximo da ideia alemã de Bildung, não era de modo nenhum idêntico a Bildung em seus significados e implicações. Não obstante, apesar dessas diferenças, foram-me surpreendendo cada vez mais as grandes semelhanças entre os sistemas educacionais da Europa moderna, a grande importância do ensino superior como elemento de estratificação social nos dois países e a essencialidade dos ideais educacionais para as atitudes da classe média e para papéis intelectuais em ambos os países” (RINGER, 2000, p. 16).

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possui um termo específico para representar a educação como momento

positivo de transmissão sistemática dos conteúdos da cultura: Erziehung.

Segundo Hegel,

É preciso distinguir – e excluir – da progressão que se vai considerar aqui o que é cultura [Bildung] e educação [Erziehung]. Essa esfera só se refere aos sujeitos singulares como tais, [de modo] que o espírito universal seja neles levado à existência. Na visão filosófica do espírito como tal, ele próprio é considerado como se cultivando e educando-se conforme seu conceito; e suas exteriorizações, [consideram-se] como os momentos de seu produzir-se rumo-a-si-mesmo, de se concluir consigo mesmo: só por meio disso é ele espírito efetivo – [Colchetes por mim acrescidos] (HEGEL, 1995, p. 38, §387).

Pois, embora possuam significados próximos, cabe salientar aqui uma

distinção entre Erziehung e Bildung. Devido a riqueza do significado do

segundo termo particularmente, em sentido geral, a demarcação específica do

primeiro termo alude costumeiramente ao fato concreto da educação, pois o

segundo exprime uma acepção mais vasta e salienta o aspecto gradual da

ação educativa.

De maneira geral, a tendência dos dicionários e do uso linguístico moderno é atribuir ao termo “educação” (Erziehung) o sentido de uma ação dirigida, com objetivos propedêuticos bastante definidos, ao passo que “formação” (Bildung) seria entendida mais como o resultado um processo que não pode ser atingido apenas pela atividade metódica da educação; a Bildung “pressupõe a atividade espontânea do indivíduo”, ocorrendo ao longo do processo de auto-aperfeiçoamento (MAAS, 1999, p. 27-28).

Outro termo que pode bem demarcar a amplitude do conceito de Bildung

é o de Unterricht, que significa ensino, instrução, o que na verdade está contido

na Bildung, mas não pode ser identificado com ela (cf. BLÄTTNER, 1994, p. 8;

HORLACHER, 2004, 409-410).

Por fim, a identificação da Bildung como cultura, como ocorre, por

exemplo, na tradução brasileira da Fenomenologia do Espírito, no capítulo que

narra a exteriorização do espírito de si mesmo, embora seja conveniente,

também não é uma proposta de tradução a ser aceita sem alguma

problematização, já que também o alemão possui um termo especifico para

isso: Kultur (cf. HEGEL, 1992¹, p. 35; BYCOVA, 2009, p. 287).31 Segundo

Moura,

31 De acordo com o eminente sociólogo N. Elias: “O conceito de Kultur fundiu-se por completo na fala comum com o que aqui e chamado de Ideale Bildung. Os ideais de Kultur e Bildung sempre foram estreitamente relacionados, embora a referência às realizações humanas objetivas tenha se tornado gradualmente mais importante no conceito de Kultur” (ELIAS, 1994,

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É justamente na medida em que a Kultur se consolida como experiência vivida que se assiste ao surgimento daquilo que os alemães chamariam de Bildung (formação). Qual o seu significado? Não se deve encarar a Bildung unicamente como uma sucessão conceitual da Kultur. Enquanto esta última designa o domínio das produções humanas, a Bildung representa o processo de formação necessário ao ingresso no mundo da Kultur. A Bildung é um conceito complementar ao de Kultur, mas ao mesmo tempo muito mais do que isso; ela representa a consumação daquilo que a Kultur acenava como horizonte possível, mas ainda não totalmente realizável (MOURA, 2009, p. 166).

Por isso, interessantemente a Bildung não deixa de ser tudo isso! Nesse

sentido, dentre as proposta de tradução ao complexo termo alemão, a de

Suarez (2005, p. 192) surge como uma das que mais se aproxima ao

significado evocado por essa ideia, ao preferir a terminologia Formação

Cultural às demais traduções supracitadas – Meneses também optou por essa

expressão no decorrer do Prefácio à Fenomenologia. Traduzir a Bildung pela

expressão Formação Cultural é uma proposta que garante sua complexidade,

pois é revestida por um significado duplo, a saber: o ideal pedagógico formativo

assentado em solo institucional, cultural, e o ideal de um autocultivo, não

necessariamente atrelado a uma instituição formativa.32 Mas é obvio que ainda

não é capaz de transmitir todo o sentido da Bildung, compreendido por Hegel

como um conceito de vários sentidos:

Conforme ao uso da língua alemã, Hegel emprega o termo Bildung em sentidos vários: a ele recorre tanto nos juízos que profere sobre a natureza, sobre a sociedade e sobre a civilização (Kultur), como nos desenvolvimentos e configurações que delas apresenta. Tal conceito, portanto, se estende, passando pelos processos de maturação ética e espiritual [nisus formativus], até as formas espirituais mais elevadas da religião, da arte e da ciência, em que se manifesta o espírito de um indivíduo, de um povo ou da humanidade. No caso, a acepção especificamente pedagógica ou educativa da palavra desempenha um papel inteiramente subalterno (PLEINES, 2010, p. 11).

p. 253, nota 2). Para especificar a Bildung em relação à Kultur, Gadamer recorre a Humboldt: “Quando nós, porém, em nosso idioma dizemos formação [Bildung], estamos com isso nos referindo a algo ao mesmo tempo mais íntimo, ou seja, à índole que vem do conhecimento e do sentimento do conjunto do empenho espiritual e moral, a se derramar harmonicamente na sensibilidade e no caráter” – [Colchetes por mim acrescidos] (HUMBOLDT apud GADAMER, 1997, 49). 32 Segundo Solomon: “Desta maneira, a ambiguidade da palavra “Bildung” entre crescimento (educação) e “cultura” está revelando particularmente: um indivíduo ou uma sociedade que apenas cresce na medida em que “cultiva” a si mesmo, se tornando parte de uma cultura. A política também, portanto, se torna não tanto uma questão de princípios políticos abstratos (“liberdade, igualdade, fraternidade”) tão desenvolvidos quanto uma totalidade “natural” de acordo com seus próprios princípios “internos”, um ideal estético em vez de um ideal político. Isto é uma verdade não apenas nos indivíduos e nas sociedades, mas mesmo na humanidade como um todo” (SOLOMON, 1983, p. 53).

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Segundo o argumento de Selbmann, em seu estudo sobre o Romance

de formação alemão (Der deutsche Bildungsroman): “O conceito de “formação”

[Bildung] é uma palavra intraduzível, mas a coisa [die Sache] não o é”

(SELBMANN, 1994, p. 1 apud MAZZARI, 2006, p. 11), ou seja, a palavra alemã

nunca encontrará uma “tradução perfeita” em outra língua, pois qualquer

proposta de tradução sempre implicará em uma série de explicações e

interpretações. Por isso, é intraduzível, mas seu sentido é compreensível e

transmissível. Entretanto, como minha proposta não é o de um estudo

linguístico sobre a Bildung, mas sobre seu conceito, no decorrer da tese, opto

pela proposta de tradução de Suarez (2005), Formação Cultural, visando

garantir a riqueza etimológica da mesma em suas dimensões histórica, ética,

política e cultural, o que nenhuma outra tradução em língua portuguesa seria

capaz de garantir – ainda que, quando for conveniente, mantenha a grafia

alemã em alguns momentos da tese.

A apreensão do conceito de Formação Cultural, apresentada na filosofia

hegeliana, significa a apreensão de um processo de devir humano ou, para

usar a expressão de N. Elias (1994, p. 13), de um processo “civilizador”,

mediante o qual o indivíduo natural torna-se um ser culto, formado, educado e

civilizado.

Esse caráter processual da Formação Cultural é salientado por Severino

(2006, p. 621), que recorda que o sentido dessa categoria envolve o complexo

conjunto de dimensões do verbo formar: constituir, compor, ordenar, fundar,

criar, instruir-se, colocar-se ao lado de, desenvolver-se, dar-se um ser. Assim,

deve-se observar o sentido reflexivo imposto por esse verbo, indicador de uma

ação cujo agente só pode ser o próprio sujeito (cf. ARAUJO; RIBEIRO, 2011, p.

73).

Não por acaso, Solomon (1983, p. 24) afirma que “Na Fenomenologia,

dialética e Bildung caminham lado a lado”, pois a Formação Cultural não é

apenas o resultado final de um processo pedagógico (apreensão do

conhecimento acumulado culturalmente), mas o próprio processo de formação

do homem em sua totalidade, do processo de tornar-se o que se é33, daí sua

33 “Torna-te quem és”, ou seja, “sejas sempre como tens aprendido a ser”, como reza a tradução espanhola de R. B. Nuño, aqui utilizada (cf. PINDARO, 1991, p. XVI [vv. 67-75]), é a frase inspirada na II Ode Pítica de Píndaro que traz em si a sentença magna do seu projeto de

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identidade com o ideal hegeliano, exposto no Prefácio à Fenomenologia, de

que a verdade não se encontra no resultado, mas em seu devir (cf. HEGEL,

2001, p. 23). Ainda com Solomon:

A dialética da Fenomenologia, a Bildung da perfectibilidade e da harmonia humana e o estado progressivo de Esclarecimento, por fim, eram todos a mesma coisa, não simplesmente um joguete técnico de poucos filósofos. Eles representavam as aspirações da época, não uma ascensão para Deus, mas o “Esclarecimento” da sociedade na Terra, até mesmo se ninguém soubesse onde eles estavam indo ou como [deveriam] proceder – [Colchetes por mim acrescidos] (SOLOMON, 1983, p. 24).

Assim, o conceito de Formação Cultural encontra-se vinculado à já

mencionada máxima de Píndaro, na qual o homem deve “tornar-se o que se é”,

ou seja, vincula-se ao movimento de constituição da própria identidade (cf.

WEBER, 2006, p. 126; NASSER, 2011, p. 190-195). Nesse sentido, a

Formação Cultural sintetiza “um ideal pedagógico, voltado à resolução do

antagonismo entre a vida e o espírito, o genérico e o individual, a natureza e a

cultura” (STIRNIMANN, 1997, p.14).

Nisso está fundada sua pretensão de universalidade, própria do

oitocentismo alemão (Aufklärung, Sturm um Drang, Classicismo, Romantismo,

Idealismo), que faz da Formação Cultural a busca da constituição de uma

cultura que doe sentido a seu ser-no-mundo, algo próprio do ser humano, como

dirá Heidegger.34 O conceito hegeliano de Formação Cultural, a ser mapeado

em seu sistema filosófico nos próximos capítulos da tese, impõe à educação

uma finalidade: desenvolver os âmbitos intelectual, cultural, ético, estético e

político dos indivíduos. Nesse intuito, inicio a pesquisa analisando a

Fenomenologia do Espírito como uma proposta pedagógica, uma verdadeira

pedagogia do caminho.

formação: a função educativa da atitude aristocrática baseada nos exemplos. “Para as crianças, o exemplo é belo” (Ibidem), por isso Jaeger vincula esse modelo ao próprio projeto da Paidéia, pois revela aos homens “a imagem mais alta do seu próprio ser” (JAEGER, 2010, p. 263). 34 Assim se expressa Heidegger: “Enquanto ocupação o ser-no-mundo é tomado pelo mundo de que se ocupa” (HEIDEGGER, 1993, p. 100).

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Capítulo 2 A Formação Cultural como Processo e Autoconscientização – A Fenomenologia do Espírito.

Para Hegel, uma educação promotora da Formação Cultural é a que

promove a formação da totalidade do humano, o que além da capacitação

técnico-científica, envolve formação política, ética e estética. Nessa

perspectiva, apresento a compreensão de Hegel de que o espírito absoluto é

efetivo na medida em que cada indivíduo se ultrapasse enquanto vivente,

enquanto desejo impulsionado pela natureza, que ele também é, mas deve

superar (Aufhebung), para vir a ser espírito completo, universal, que sabe quais

são as suas necessidades e, por isso, sabe conter-se, limitar-se. Assim, o que

me proponho analisar em Hegel, o conceito de Formação Cultural, é o que

configura o próprio processo educativo.

A compreensão de que a Formação Cultural não é em Hegel, de fato,

algo que ocorre apenas nas instituições escolares, uma vez que é a expressão

necessária da Eticidade do espírito do povo, é algo necessário para

compreensão do que vem a ser efetivamente educação para o filósofo. Assim,

pretendo debater a ideia hegeliana de que o homem educado-formado é o que

vive a universalidade da Formação Cultural (cf. GADAMER, 1997, p. 51). Isso é

demonstrado na Fenomenologia do Espírito. Nessa obra o conceito de

Formação Cultural assume a característica de formação da consciência, que se

prepara para compreender a si e ao mundo. Trata-se de uma Formação

Cultural individual e interior, configurando a primeira compreensão hegeliana

sobre o conceito aqui analisado.35

35 A questão da Bildung fascinava nosso filósofo desde cedo, dedicando-lhe algumas reflexões circunstanciais em diversas obras de sua juventude. Minha proposta, no entanto, se instaura em obras que perfazem o sistema do idealismo absoluto propriamente dito, ou seja, a partir da Fenomenologia do Espírito de Iena (1807). Embora não seja meu intuito adentrar nesse período da obra hegeliana, creio ser útil indicar o recentemente publicado estudo em língua italiana sobre o conceito de Bildung nos escritos juvenis de Hegel intitulado La nozione de Bildung nel primo Hegel (2012), de G. Gerardi. Sobre os escritos da juventude, cf. BECKENKAMP, 2009; RIPALDA, 1978, p. 11-32.

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2.1. A Fenomenologia do Espírito como uma “Pedagogia do Caminho”

Antes de tudo, cabe salientar que a filosofia hegeliana não pode ser

interpretada como um conteúdo fechado, pois não se configura como uma

teoria fixada em um significado abstrato e vazio. Sendo assim, sua apreensão

só pode ser realizada a partir de uma atitude crítica frente ao que Hegel

denominou entendimento tabelador (Der tabellarische Verstand) (cf. HEGEL,

2001, p. 48), que parte de conteúdos inertes, ou seja, de conceitos

aprisionados em definições estáticas:

O entendimento tabelador guarda para si a necessidade e o conceito do conteúdo: [tudo] o que constitui o concreto, a efetividade e o movimento vivo da coisa que classifica. Ou melhor, não é que o guarde para si, mas o desconhece; pois se tivesse essa perspicácia, bem que a mostraria. Na verdade, nem sequer conhece sua necessidade, aliás renunciaria a seu esquematizar ou pelo menos só o tomaria por uma indicação-do-conteúdo. De fato tal procedimento só fornece uma indicação-do-conteúdo, e não o conteúdo mesmo (HEGEL, 2001, p. 50).

Isso é relevante, pois ao entendimento tabelador Hegel atribui o

“esqueleto morto” de uma tríade formada pela tese-antítese-síntese,

vulgarmente atribuída ao filósofo, que no Prefácio da obra logo é esclarecido

como sendo um equívoco, pois não constitui a “vida” implícita de sua dialética.

Hegel, por sua vez, pretende partir de uma construção do conceito (Begriff)36,

em sua efetividade e movimento, ou seja, cabe ao filósofo compreender o real

a partir de seu próprio movimento: as relações intrínsecas da dialética

estrutural da realidade e do pensamento.

Hegel filosofa, e para ele a filosofia não pode ser desvinculada do real.

Enfatiza isso ao negar que o simples imaginar um mundo novo possua

qualquer relevância, pois não é suficiente para a apreensão desse mundo novo

pensar sobre ele, quiçá realizar dessa forma sua efetivação. Tal atitude é vazia,

pois lhe falta “uma efetividade acabada”. Para Hegel esse é um “ponto

essencial a não ser descuidado” (HEGEL, 2001, p. 26).

36 Importante salientar o sentido que Hegel atribui ao termo Conceito (Begriff), nesse ínterim tomo a exposição de Moraes: “Para Hegel, ao que nos parece, o conceito é o conhecimento em sua forma mais elevada, profunda e precisa; mas, é, também e principalmente, manifestação do espírito, é o espírito mesmo em seu manifestar-se e em seu si mesmo. De modo que o conceito é a palavra na qual o espírito se revela, desvela-se e desvela o que dele se vela em seu outro ou, o que é o mesmo, desvela o outro como outro de si mesmo, outro que é ele mesmo na medida em que se sabe como absoluto. Por conseguinte, o conceito é para Hegel a verdadeira realidade ou toda realidade” (MORAES, 2003, p. 75-76).

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Dessa forma, a filosofia hegeliana não apresenta conceitos prontos e

acabados, pois remete seus leitores à árdua compreensão do trabalho de

construção do conceito; em uma palavra, convida “ao sério, a dor, a paciência

e o trabalho do negativo” (HEGEL, 2001, p. 30). Para Hegel, o conceito

somente pode ser apreendido no movimento próprio do real, que é constitutivo

de si mesmo, pois na realidade efetiva o que há é uma rede de relações

conceituais, um processo.

Mas como meu objetivo aqui não é investigar a Fenomenologia em sua

integralidade, concentro-me naqueles momentos que direta e expressamente

se articula a temática dessa tese. Nesse ínterim, é interessante ressaltar que a

Fenomenologia é parte de um cenário no qual a questão da Formação Cultural

consolidava-se como a principal meta de qualquer sistema filosófico que

aspirasse ser levado a sério. Pois o mote principal das obras filosóficas nos

primórdios do século XIX era o ideal formativo que as mesmas deviam

despertar nos leitores, e é sob essa égide que Hegel redige sua

Fenomenologia, como bem afirma Harris: “A Fenomenologia é um trabalho de

Bildung (formação, educação), um trabalho que forma nossa consciência

racional, mostrando-nos a formação da consciência racional da semente ao

fruto” (HARRIS¹, 1997, p. 39).

Motivado pelos eventos posteriores à Revolução Francesa, e porque não

dizer dos ideais iluministas motivadores da mesma, Hegel vê o momento da

escrita da Fenomenologia um tempo de nascimento e trânsito para uma nova

época. Compreendendo que esse é um movimento do espírito, “que rompeu

com o mundo de seu ser-aí e de seu representar” (HEGEL, 2001, p. 26), Hegel

reporta diretamente ao conceito de espírito como o fundamento e objetivo da

Formação Cultural.

Sua proposta é de uma Formação Cultural de âmbito universal a

consciência, que nesses termos pode ser configurada como uma pedagogia da

consciência.37 Mas, cabe ressaltar, não há aqui a proposta da constituição de

um manual escolástico de conceitos, juízos ou qualquer outro fundamento

37 Como bem expôs Châtelet: “Ela é introdução. Toma a consciência em sua imediatidade, em sua ingenuidade, o que significa: em seu estado nativo ou natural. Nesse sentido, é pedagógica, pois segue o caminho que permite ir do não saber ao saber” (CHÂTELET, 1995, p. 72).

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estático, mas uma reflexão filosófica que percorre todos os momentos de

produção dos mesmos, demorando-se neles, compreendendo-os.

A verdade é que Hegel depara-se com o surgir de um mundo novo no

momento em que redige a Fenomenologia. A Revolução Francesa determinou

um novo parâmetro para a vida: a Liberdade. E diante do insurgir desse novo

mundo deve também insurgir uma vontade livre capaz de vivenciá-lo. Formar

as consciências para um mundo novo expressa o reconhecimento hegeliano do

valor 1) dos ideais da Revolução Francesa, ou seja, a razão na história, e 2) a

urgente necessidade de uma nova cultura, de uma formação do novo homem

prenunciado pela Aufklärung. Interessante é a ideia de uma mediação,

retratada no não rompimento radical com os momentos anteriores do processo,

como bem afirma a colocação de Hegel: “a riqueza do ser-aí anterior ainda está

presente na rememoração” (HEGEL, 2001, p. 27).

Assim, o surgir do mundo novo impacta diretamente na formação da

consciência do próprio indivíduo em sua integralidade. Porém, o começo desse

processo é a carência da forma, pois “falta-lhe aquele aprimoramento da forma,

mediante o qual as diferenças são determinadas com segurança e ordenadas

segundo suas sólidas relações” (HEGEL, 2001, p. 27). É claro que é através do

conceito que temos o “primeiro despontar” da coisa mesma, no caso, do mundo

novo, mas a mera definição, ou seja, a mera apreensão conceitual – o alicerce

de um edifício científico – não configura o todo mesmo, ou a coisa mesma. Em

Hegel, de nada adianta o conceito do todo se esse todo não for exposto em

seu vir-a-ser, ou seja, o todo é necessariamente processo, fruto de um

desenvolvimento anterior: é começo, meio e fim.

Isso reporta à consideração da forma especulativa com a qual Hegel

filosofa. Pois pensar especulativamente é um caro pressuposto aos que

pretendem compreender como Hegel sistematiza seus conceitos, ou seja,

apreender a lógica de seu sistema. No entanto, tal apreensão implica, em um

primeiro momento, deter-se na Fenomenologia, na qual se vislumbra o

argumento central de seu idealismo, que deve ser considerado por todo aquele

que adentre sua filosofia:

Segundo minha concepção – que só deve ser justificada pela apresentação do próprio sistema –, tudo decorre de entender e exprimir o verdadeiro não como substância, mas também, precisamente, como sujeito. Ao mesmo tempo, deve-se observar que a substancialidade inclui em si não só o universal ou a imediatez do

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saber mesmo, mas também aquela imediatez que é o ser, ou a imediatez para o saber (HEGEL, 2001, p. 29).

A verdade é o todo, e o todo é processo. Por isso, não se encontra

apenas na fixidez da substância, mas também na fluidez do sujeito. Para

Hegel, o sujeito é configurado por uma relação de construção de si mesmo, ou

seja, seu objeto é ele mesmo dentro de um movimento de formação e

determinação. O verdadeiro é o todo racional, ele é a essência que é obtida no

vir a ser, ele é desenvolvimento.

Por isso, a questão do processo de formação do homem na

Fenomenologia surge como resultado desse princípio: entender e exprimir o

verdadeiro também como sujeito, e não apenas como substância. A verdade é

uma construção do sujeito enquanto tal, um processo, e, como mencionado

acima, a mesma não está restrita a uma estática definição de algo.

Ressalta-se nessa ideia fundamental da Fenomenologia a identidade

entre ontologia e epistemologia em Hegel, “ser é pensar” (HEGEL, 2001, p. 51),

logo, conhecer a realidade a partir do conhecimento do ser em suas múltiplas

formas é a destinação epistemológica do homem: a ciência nada mais é que a

realidade expressa “didaticamente” através da descrição de suas ilações

dialéticas. Em Hegel, o resultado do conhecimento apresenta-se como o fim da

formulação de uma filosofia prática que não se esgota em uma mera abstração,

pois sua análise fenomenológica do espírito exprime passo a passo os diversos

momentos constituintes da totalidade do espírito absoluto38, ou seja, ela é “um

progressivo vir a ser consciente daquilo que é em si a verdade exposta pela

ciência” (BECKENKAMP, 2009, p. 273).

Nesse processo, cabe ao indivíduo percorrer igualmente cada etapa do

desenvolvimento do espírito, vistas por Hegel como figuras que o espírito já

abandonou, na verdade uma “série de figuras que a consciência percorre

nesse caminho [que] é, a bem dizer, a história detalhada da formação para a

38 Propõe-se aqui um paralelo entre a consciência individual e o espírito, que assume o sentido do que chamamos hoje de cultura, como nos expõe Cirne-Lima: “Na Fenomenologia o Absoluto é visto e tratado como o momento final a que, no desenvolvimento de suas múltiplas figurações, se elevam a consciência e o espírito que temos e que somos [grifo nosso]. O enfoque é, na Fenomenologia, o do desdobramento e da evolução das figuras do sujeito pensante concreto, do homem com suas certezas sensíveis, com seus problemas de autoconsciência, com sua consciência infeliz, em suma, com sua gênese e sua História. Tudo se encerra e se finaliza, na Fenomenologia, quando se chega ao Absoluto” (CIRNE-LIMA, 1993, p. 500).

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ciência da própria consciência” (HEGEL, 2001, p. 67). Tudo gira em torno do

efetivar do espírito absoluto no mundo e, embora sejam vários os sentidos

expostos por Hegel no decorrer do sistema para esse termo – espírito

subjetivo, espírito objetivo, espírito do mundo, espírito de um povo, espírito do

tempo e espírito absoluto –, todos devem ser compreendidos como momentos,

ou fases sistemáticas de um único Geist39, que mantém em sua estrutura,

independente de qual seja a fase em que se encontre, três características: 1) é

pura atividade; 2) desenvolve-se por estágios; e 3) “apossa-se” do que é outro

– no caso, da natureza, compreendida como nível inferior ao espírito.

Essa relação entre o espiritual e o natural é um dos principais

fundamentos da Formação Cultural hegeliana na Fenomenologia, no que diz

respeito a uma educação que não pode desconsiderar a experiência sensível

no processo de formação humana. Segundo o autor, a educação teórica

hegeliana está alicerçada por sua teoria da natureza, pois o espírito deve

reconhecer-se também na experiência sensível, ou seja, em sua relação com a

natureza:

A analogia de Hegel entre educação teórica e prática revela que ele acredita que a cultura teórica deveria expressar a experiência sensível, em vez de romper com ela. Este ideal de cultura teórica implica que as teorias aceitáveis serão aquelas que articulam como nós experimentamos sensivelmente seus objetos de investigação. Por extensão, uma teoria aceitável da natureza deve articular a nossa (implicitamente racionalmente estruturada) consciência sensível do mundo natural. O ideal de Hegel de uma Bildung teórica, portanto, já implica que ele está comprometido com o argumento fenomenológico para a sua teoria da natureza. Isto é confirmado pelo conteúdo substantivo de sua teoria, que está intimamente ligada com a sua análise da experiência sensível da natureza-sugestiva que ele se esforçou, guiado por seu ideal de uma Bildung teórica, para construir uma teoria que fosse coerente com a experiência sensível. Vamos, então, explorar como a teoria da natureza de Hegel relaciona-se com sua análise da experiência sensível (STONE, 2005, p. 117).

Por isso, a consideração dessa terceira característica do espírito será

vital à compreensão da Formação Cultural, pois, como bem expõe no Prefácio

da Fenomenologia, o indivíduo passará por um processo de transformação

ascendente, tanto do ponto de vista quantitativo quanto qualitativo: assim como

uma criança, que teve como primeiro momento de existência a “nutrição

tranquila” na gestação, realiza um salto qualitativo, “à primeira respiração”, o

39 Segundo Hegel: “A história do espírito é seu ato, pois ele é apenas o que ele faz, e seu ato é fazer-se objeto de sua consciência e, aqui, no caso, enquanto espírito, apreender-se se expondo para si mesmo” (HEGEL, 2010, §343, p. 306).

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espírito experiencia momentos de ruptura, de tensão entre um estado tranquilo

e um momento de ação, de mudança ou trans-form-ação. Embora esse

“desmoronar-se gradual” não altere a fisionomia do todo, ele é responsável por

uma determinação, ou re-significação do mesmo, que rompe com o seu

“mundo anterior” e ruma a um “mundo novo”. Não é difícil ver aqui o processo

pedagógico, que, embora não seja o foco principal da proposta hegeliana, não

é externo ao sistema, fazendo parte desse movimento do espírito.

Outro fator relevante é o caráter destrutivo que esse ideal carrega: “o

lento processo de crescimento” (HEGEL, 2001, p. 26), ou seja, o desenvolver

do espírito se dá através de uma ruptura, do desmanchar “tijolo por tijolo”, ou

mesmo do “desmoronar-se gradual” que perpassa o espírito em seu

desenvolver. Esse aspecto negativo, próprio do método especulativo – que é

expressão do próprio real em Hegel – também constitui um elemento

necessário na constituição da Formação Cultural. Por isso, Hegel expõe o

“interromper” de um processo tranquilo, por uma desconstrução que é uma

reformatação, uma transformação que também será interrompida “pelo sol

nascente, que revela num clarão a imagem (bild) de um novo mundo” (HEGEL,

2001, p. 26). O novo mundo é fruto de um processo, e não de um “tiro de

pistola”, eis já a prenúncio de uma “negação da negação”.

No que tange à minha pesquisa, a exposição do espírito no sistema

hegeliano confere um teor pedagógico à obra, pois o indivíduo deve percorrer o

caminho aberto pelo espírito como condição para sua formação: o caminho da

experiência da consciência, que, para o filósofo, já é ciência (Wissenschaft)

enquanto saber absoluto (cf. HEGEL, 2001, p. 72). Hegel mostra que as figuras

da certeza sensível, da percepção, do entendimento ou da força, primeiros

momentos do processo, são momentos iniciais de um caminho a ser percorrido

no desvelamento do próprio homem como ser-no-mundo, consequência da

própria dialética do conceito:

Desta forma, o método pretende expressar a forma original da própria vida no seu desenvolvimento. Pois, assim como todo objeto aparece como um todo, como uma unidade imediata, e depois vai à parte, para determinações opostas; mas trata de uma unidade perfeita através da superação e retomada das determinações em sua unidade – uma unidade perfeita que é novamente o ponto de partida de uma nova esfera de vida (e, através desta ligação o “tudo” das coisas que se mantém); do mesmo modo através do emprego deste modo de desenvolvimento, a própria ciência torna-se o autodesenvolvimento da espiritualidade e conceitualmente o seu autoapreender do

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universo. Mas a dialética é o ponto médio deste método, em que, como Hegel se expressa, é o princípio de movimento do conceito, e como a progressão imanente é o princípio pelo qual só a interdependência imanente e a necessidade entram no conteúdo da filosofia (cf. HARRIS¹, 1997, p. 25, nota 63).

Por isso, compreender esse processo implica na apreensão desses

momentos, e isso somente é possível, como o próprio Hegel afirma em várias

passagens, enveredando por esse denso e difícil percurso que a consciência

trilha na busca de si mesma, ou seja, no caminho da experiência da

consciência. Esse caminho não pode ser trilhado sem a desconfiança, cabe ao

indivíduo experienciar o “só sei que nada sei” socrático, pois

Esse temor ou medo de errar é, no entanto, segundo Hegel, já um erro, pois ele, em vez de buscar a verdade, a pressupõe, de fato, como dada e introduz na filosofia, que é para ele uma ciência, a Ciência Filosófica do absoluto, cuja tarefa é buscar e examinar a verdade, uma desconfiança (CHAGAS, 2008, p. 15).

Arriscar-se, então, é uma das propostas hegelianas. Dessa forma,

arrisco-me nesse momento em selecionar os aspectos pedagógicos dessa

proposta, por isso, analiso a Fenomenologia, tematizando-a como uma

pedagogia do caminho (GEORGE, 2006, p. 39-44).40 O que surge como uma

forma bastante conveniente para entender seu viés pedagógico, pois podemos

afirmar com o ilustre intérprete de Hegel, Lima Vaz, que

O caminho descrito pela Fenomenologia acompanha os passos da formação do indivíduo para a ciência, ou, se quisermos, do homem ocidental para a Filosofia (LIMA VAZ, 2001, p. 15).

Na medida em que propõe um caminho que deve necessariamente ser

trilhado pela consciência, fica claro que Hegel enceta na obra uma dimensão

pedagógica.41 Além disso, se considerarmos a educação como um processo de

acompanhamento contínuo dos avanços e retrocessos do desenvolvimento do

educando, pressupondo-se que os mais experientes, por já terem trilhado o

40 Mesmo ciente de que, como bem salienta Stewart (1995, p. 747-748), isso possa se tornar um problema a quem estude uma filosofia sistemática como a hegeliana, e principalmente sua Fenomenologia do Espírito. Isso torna a tarefa ainda mais complexa: selecionar sem quebrar a linha de argumentação do autor é o desafio. Que se torna ainda maior quando o que se tenta obter é uma argumentação aparente tangencial do objetivo geral da obra, a saber, uma teoria da educação em Hegel. 41 O que pode ser confirmado a partir das formas metafóricas que o filósofo usa para aludir à obra: “No prefácio, Hegel mostra uma propensão para metáforas mistas. Ele chama diversificadamente a Fenomenologia, uma “escada”, um “círculo”, uma “autoestrada”, uma educação (Bildung), uma “realização” – tornando real o que é apenas potencial, e, embora ele não diga exatamente isso, uma espiral, levando-nos do senso comum “até” o Absoluto. Ela é também um autofechamento de si, a caminho do reconhecimento de si mesmo” (SOLOMON, 1983, p. 219).

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caminho do saber e tendo-o por referência, guiam os educandos nesse

processo, a proposta da Fenomenologia nada mais é que o itinerário

pedagógico da consciência em sua efetiva Paidéia42, pois o que vemos é uma

ideia consciente de educação, que pode ser mais bem compreendida se

comparada ao ideal grego lançado pelos sofistas, exposto assim por Jaeger:

O que para os sofistas é decisivo é a idéia consciente da educação como tal. [...] Este esforço essencialmente educativo tinha de levar, sobretudo num povo de consciência filosófica tão viva, à formação do ideal consciente da educação, no sentido elevado que aqui lhe descobrimos. [...] a ação educativa deixou de limitar-se exclusivamente a infância e se passou a aplicar com especial vigor ao homem adulto, não deparando já com limites fixos na vida do homem. O conceito, que originariamente designava apenas o processo da educação como tal, estendeu ao aspecto objetivo e de conteúdo a esfera do seu significado, exatamente como a palavra alemã Bildung (formação) ou a equivalente latina cultura, do processo da formação passaram a designar o ser formado e o próprio conteúdo da cultura, e por fim abarcaram, na totalidade, o mundo da cultura espiritual: o mundo em que nasce o homem individual, pelo simples fato de pertencer ao seu povo ou a um círculo social determinado. A construção histórica deste mundo da cultura atinge o seu apogeu no momento em que se chega à ideia consciente de educação (JAEGER, 2010, p. 353-354).

Por isso, não é equivocado afirmar que essa é uma obra pedagógica, e

que nela Hegel propõe uma Formação Cultural. Pois, novamente com Lima

Vaz, a Fenomenologia:

é sobretudo a descrição de um caminho que pode ser levado a cabo por quem chegou ao seu termo e é capaz de rememorar os passos percorridos [...] Esse caminho é um caminho de experiências e o fio que as une é o próprio discurso dialético que mostra a necessidade de se passar de uma estação a outra, até que o fim se alcance no desvelamento total do sentido do caminho ou na recuperação dos seus passos na articulação de um saber que o funda e justifica (LIMA VAZ, 2001, p. 9).

Nesse caso, é óbvio que Hegel fala como um daqueles que conseguiram

trilhar esse caminho, o que o justifica como um guia confiável nesse processo

de formação. Pois apenas “quem chegou ao seu termo”, é possuidor

consciente da ideia de educação, encontrando-se em condições “de rememorar

os passos percorridos”, e tornar-se assim o παιδαγωγός nesse processo.43

42 Essa conclusão é corroborada pela compreensão da palavra pedagogo, originária da época clássica grega, quando se empregava apenas como denominação do trabalho que realizavam os escravos, ou mesmo outras pessoas que acompanhavam, cuidavam e, em parte, educavam as crianças. A estes se dava a denominação Paidagogos (παιδαγωγός), cuja etimologia provém da junção do termo Paidos, que significa criança e Gogía, no sentido de levar ou conduzir (cf. CAMBI, 1999, p. 49; BECK, 1964, p. 105-110). 43 Pois, segundo afirma o cidadão de Genebra: “Lembrai-vos de que, antes de ousar empreender a formação de um homem, é preciso ter-se feito homem; é preciso ter em si o

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Porém, ao assumir tal função Hegel não propõe ser um “facilitador”, antes

assume o papel de um educador rousseauniano44 que vê como regra mais útil

à educação, não o ganho de tempo, mas a perda de tempo (cf. ROUSSEAU,

1999, p. 91), ou seja, na perspectiva hegeliana, o indivíduo deve desvelar o

sentido do caminho por si mesmo, deve deter-se na formação da consciência e

apreender a estrutura do saber, pois esse caminho é tarefa de cada um, cabe

ao filósofo apenas o convite e as mediações necessárias ao processo.

Esse convite ao processo da autoformação da consciência é

desencadeado por uma predisposição comum a todos os homens. Saliente-se

que o caminho proposto não é o de um dever-ser a ser buscado e nunca

alcançado, não se propõe uma ideia regulativa, mas um caminho determinado,

que visa um objetivo efetível pelo indivíduo. O caminho proposto na

Fenomenologia não é uma “tentativa”, mas a descrição de uma jornada já

percorrida pelo filósofo e, mais importante, percorrível por todo e qualquer

indivíduo, pois é o caminho da consciência enquanto ruma ao espírito absoluto,

que já é, já se pôs, já se efetivou, já se objetivou. Por isso, essa obra constitui

um verdadeiro mapa que marca claramente os passos rumo ao “tesouro”, rumo

à “meta” muito bem enfatizada: “o saber absoluto, ou o espírito que se sabe

como espírito” (HEGEL, 1992¹, p. 220).

A Fenomenologia, portanto, não é nem uma antropologia nem uma filosofia da historia. Ela expõe o caminho da “formação” ou “cultura” (Bildung) da consciência para a ciência, ou seja, para o estágio em que o Espírito se manifesta como absoluto naquele que é, para Hegel, o kairós, o tempo propício da modernidade. Ora, essa manifestação do Espírito no seu pleno desabrochar tem lugar justamente na filosofia tal como Hegel a expõe – o Espírito que se sabe a si mesmo no tempo – capaz de designar para a consciência a própria forma do Saber absoluto (LIMA VAZ, 1997, p. 61).

Por isso, Hegel não mais remete a algo que deve ser efetivado, pois o

processo já fora efetivado, e sua exposição somente foi possível por sua

objetivação no real. O espírito absoluto pôs-se no mundo e está nele efetivado,

exemplo que se deve propor” (ROUSSEAU, 1999, p. 93). Hegel trilhou e apreendeu o sentido desse caminho, o que o possibilita expor o mesmo na Fenomenologia. 44 Dentre as obras principais da literatura filosófica do século XVIII, o Emílio ou Da Educação de Rousseau fora, com certeza, aquela que mais influenciou os filósofos alemães quanto a questão da formação do homem. Não por acaso “Hegel lera o Emílio de Rousseau em Tübingen: nesta obra encontrara uma primeira história da consciência natural a elevar-se por si mesma até a liberdade, por meio das experiências que lhe são próprias e que são particularmente formadoras. O Prefácio da Fenomenologia insistira no caráter pedagógico da obra, na relação entre a evolução do indivíduo e a evolução da espécie, relação que também a obra de Rousseau considerava” (HYPPOLITE, 1999, p. 27).

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cabe agora ao indivíduo tomar consciência disso, eis um dos sentidos da

Formação Cultural na Fenomenologia. Para tal, trilhará um caminho que já está

traçado45, mas que não se resume ao trajeto proposto na obra, ao fim da

Fenomenologia o indivíduo encontra aberto diante de si um novo trajeto: o

sistema de um idealismo absoluto que ruma para a efetivação da liberdade na

objetivação do espírito na Arte, na Religião e na Filosofia. Tal determinação do

projeto da Fenomenologia é algo necessário porque, como bem afirma Hegel

no Prefácio,

Só o que é perfeitamente determinado é ao mesmo tempo exotérico, conceitual, capaz de ser ensinado a todos e de ser a propriedade de todos. A forma inteligível da ciência é o caminho para ela, a todos aberto e igual para todos. A justa exigência da consciência, que aborda a ciência, é chegar por meio do entendimento ao saber racional: já que o entendimento é o pensar, é o puro Eu em geral. O inteligível é o que já é conhecido, o que é comum à ciência e à consciência não-científica, a qual pode através dele imediatamente adentrar-se na ciência (HEGEL, 2001, p. 27).

O termo exotérico provém do grego e refere-se aos ensinamentos

transmitidos ao público em geral, sem restrições, pelas escolas filosóficas da

antiguidade. Por sua vez, o termo esotérico, também grego de origem, refere-

se aos ensinamentos restritos aos iniciados dessas escolas. Por isso, Hegel

dirá que a ciência que apenas expõe seus conteúdos a partir dos resultados é

algo de “posse esotérica”, já que sem a exposição da forma, ou seja, do

processo pelo qual se chegou aos resultados, apenas “uns tantos indivíduos”

terão a ela acesso. Hegel não propõe isso – por mais incrível que pareça! –,

pois preza pela “forma inteligível da ciência é o caminho para ela, a todos

aberto e igual para todos” (HEGEL, 2001, p. 27), na verdade não é o conteúdo

da ciência que deve ser publicizado, mas a sua forma inteligível, pois através

dela a consciência pré-científica pode “adentrar-se na ciência”.

Hegel afirma que a exigência de uma ciência pronta, ou seja, de uma

ciência que já seja detentora de resultados, é uma exigência injusta e

descabida, pois configura algo tão inadmissível quanto não querer reconhecer

a exigência do processo de formação cultural. A partir daqui podemos

estabelecer uma relação intrínseca entre o processo de formação do indivíduo

45 O que não implica um necessitarismo incontornável, pois não é um eterno retorno, cada indivíduo fará o “seu” caminho, será “sua” experiência realizada a “seu” tempo. Lembre-se que o ideal hegeliano é de um sistema da vontade livre ou da liberdade efetiva. Sobre a questão da liberdade e da necessidade no sistema hegeliano, cf. WEBER, 1996.

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e a ciência enquanto tal, pois fazer ciência sem considerar o vir-a-ser dos

resultados é tão irracional quanto pensar um indivíduo educado sem que tenha

passado pelos momentos e desdobramentos da Formação Cultural. Ambas as

atividades dependem do experienciar de um necessário processo.

Hegel quer deixar claro que o caminho da Fenomenologia não é o de

uma proposta de âmbito meramente abstrato, mas que assume um valor

objetivo na vida do indivíduo que a ela se engaja. Em Hegel, esse efetivar-se

do espírito representa o próprio saber absoluto, ou seja, a ciência, que é um

empreendimento especificamente humano, logo realizável por qualquer

indivíduo que se proponha a tal. A ciência tem como seu fundamento o

inteligível, ou seja, a racionalidade do discurso humano. Tal inteligibilidade

perpassa não apenas o “homem da ciência”, mas também se faz presente no

homem do senso comum, o que difere entre ambos é o grau de

desenvolvimento da consciência, já que também esse último é capaz de

“adentrar-se na ciência” a qualquer momento.

Isso é uma perspectiva importante na construção dessa interpretação da

Fenomenologia como matriz de um itinerário pedagógico universal, pois

salienta o elemento didático presente em seu conteúdo. Qualquer indivíduo

pode percorrer esse caminho, que segue uma coerência didática partindo do

mais simples ao mais complexo, configurando-se

como o caminho da consciência natural que abre passagem rumo ao saber verdadeiro. Ou como o caminho da alma, que percorre a série de suas figuras como estações que lhe são preestabelecidas por sua natureza, para que se possa purificar rumo ao espírito, e através dessa experiência completa de si mesma alcançar o conhecimento do que ela é em si mesma (HEGEL, 2001, p. 66).

Note-se que o caminho proposto tem como primeiro momento a

consciência apreendida ainda em sua imediatidade sensível, o mesmo nível

que se atribui a uma criança em suas primeiras experiências com a realidade

que a cerca, ou seja, tal caminho é o próprio homem em seu processo natural

de maturação: inicialmente destaca-se o puro ver, o puro ouvir, o puro sentir (a

certeza sensível), visando o elevar-se ao nível do conceito, o que ocorre

dialeticamente.

As experiências que a consciência faz sobre si mesma abrangem, sob um ângulo particular, o seu sistema completo, quer dizer, o âmbito total da verdade do Espírito. Esses momentos da verdade ou do todo são apresentados por Hegel não como momentos abstratos ou puros, mas sim tais como surgem para a consciência, razão por

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que são eles figuras (momentos) dela mesma (CHAGAS, 2008, p. 26).

Cada momento da exposição hegeliana desdobra-se em figurações cada

vez mais determinadas, de modo que Hegel não vê para a obra outro objetivo

que não seja a da formação da consciência. A Fenomenologia é um verdadeiro

convite à formação que conduz a um ponto central, pois, assim como um belo

jardim em forma de labirinto, ela consiste em um único caminho que, ainda que

com voltas que serpenteiam em sentido necessariamente circular de

desenvolvimento, possui uma teleologia própria.

Para expressar a teleologia própria do processo, Hegel recorre a um

exemplo: “Quando queremos ver um carvalho na robustez de seu tronco, na

expansão de seus ramos, na massa de sua folhagem, não nos damos por

satisfeitos se em seu lugar nos mostram uma bolota” (HEGEL, 2001, p. 27).

Podemos antever aqui a ideia aristotélica do ato e da potência. Embora não se

encontre satisfação em ter uma bolota em vez de um carvalho, não se pode

negar que o carvalho encontra-se em potência na bolota, da mesma forma, não

se pode negar que o mundo novo do espírito, ou o indivíduo autoconsciente, já

pode ser antevisto, ainda que apenas em potência em seu iniciar. Caberá ao

desenvolvimento, ao processo, a real efetivação do mesmo.

A proposta hegeliana é detentora de princípio e fim, expressando assim

a idéia aristotélica de archê kai telos (αρχη και τέλος) (cf. FERRARIN, 2004, p.

262). O caráter teleológico dessa introdução, que já é o próprio sistema da

ciência em desenvolvimento, é assim descrita pelo filósofo:

O que esta “Fenomenologia do Espírito” apresenta é o vir-a-ser da ciência em geral ou do saber. O saber, como é inicialmente – ou o espírito imediato – é algo carente-de-espírito: a consciência sensível. Para tornar-se saber autêntico, ou produzir o elemento da ciência que é seu conceito puro, o saber tem de se esfalfar através de um longo caminho. Esse vir-a-ser, como será apresentado em seu conteúdo e nas figuras que nele se mostram, não será o que obviamente se espera de uma introdução da consciência não-científica à ciência; e também será algo diverso da fundamentação da ciência (HEGEL, 2001, p. 35).

Na proposta hegeliana, a ciência “tem de se esfalfar” (durchzuarbeiten)

nesse caminho, ou seja, deve extenuar-se, esgotar-se nesse caminho, pois o

indivíduo deve entrar em uma espécie de luta pelo saber autêntico. Isso me

remete à ideia de “jogo” (ludens) como processo de formação do indivíduo,

mas em Hegel não há jogo no sentido de uma prazerosa e despretensiosa

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atividade, e sim como uma “luta” por algo.46 Mesmo que esse processo

represente uma libertação do indivíduo de um estado ainda não autoconsciente

de si, o que lhe conferiria um status “lúdico” bem positivo, o caminho da

experiência da consciência é marcado mais por uma experiência trágica, uma

verdadeira experiência de morte, do que por uma atividade praticada por puro

lazer.

Ainda que Hegel não proponha aqui na Fenomenologia uma

fundamentação da ciência – pois essa será a proposta de sua Ciência da

Lógica (1812-1816) –, a seriedade e o rigor desse discurso ainda será algo

inalienável a quem trilhe esse caminho, o que me permite compreender que o

caminho proposto por Hegel – assim como o próprio processo educativo – é

uma atividade árdua, não necessariamente prazerosa, pois agônica. Ao nível

educacional é de extrema importância que não se explique o que é essa

experiência de morte, ou essa luta, pois é necessário que o indivíduo a desvele

por si mesmo, na sua própria vivência. Deve ser o próprio indivíduo a decidir

alcançar a verdade.

Lembremos que o personagem liberto, na alegoria platônica, se esforça

por convencer os prisioneiros que vivem na ignorância que as sombras são

falsas, e que a luz está mais para lá do muro. Mas a decisão não cabe a ele,

cabe aos prisioneiros optarem pela saída da caverna.47 No entanto, todo

indivíduo deve estar ciente que é no momento em que “sai da caverna” que

começa realmente a atividade pedagógica48 e, consequentemente, sua agonia

46 A ludicidade do discurso hegeliano não está na ideia “despretensiosa” de uma atividade prazerosa que os atuais pedagogos usam como artifício para o desenvolvimento infantil, mas em uma perspectiva ontológica do homo ludens, descrita por Huizinga como detentora de uma função do jogo derivada diretamente de dois aspectos essenciais: “O jogo é uma luta por algo ou uma representação de algo. Ambas as funções podem fundir-se de forma que o jogo represente uma luta por algo, ou seja, uma aposta para ver quem reproduz melhor algo” (HUIZINGA, 2007, p. 28). Em Hegel vemos esse processo do jogo nos graus pelos quais a consciência vai avançando dentro de si, reproduzindo cada vez melhor a si mesmo, ou seja, o espírito consciente de si. 47 O que nos leva de encontro à constatação de Châtelet: “Em suma, a Fenomenologia do espírito, em sua equivocidade, repousa sobre uma constatação banal, experimentada por todo pedagogo. A primeira lição de leitura pega a criança ignorante e deve tratá-la como ignorante. Mas deve supor, ao mesmo tempo, não apenas um professor, que já saiba ler, mas também uma criança que já esteja em condições de tornar-se professor” (CHÂTELET, 1995, p. 73). 48 A comparação dessa proposta hegeliana à interpretação pedagógica da Alegoria da Caverna platônica, encontrada no livro VII d’A República, é inevitável. A personagem Sócrates retrata um processo de ascese marcado pela dor e pelo esforço daquele que se vê livre de suas correntes e busca “sair da caverna”. Segundo a narração platônica: “Logo que alguém soltasse um deles, e o forçasse a endireitar-se de repente, a voltar o pescoço, a andar e olhar para a luz, ao fazer tudo isso, sentiria dor, e o deslumbramento impedi-lo-ia de fixar os objetos cujas

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(ἀγών). O jogo de agón, ou agonístico, era praticado na antiguidade clássica

até a agonia, ou seja, até o limite humano, no qual o mesmo entra em crise

(κρίσης), e é assim o caminho que Hegel propõe aqui na Fenomenologia.49

Nesse caminho pedagógico, o indivíduo é responsável por sua própria

evolução, eis uma das maiores marcas da novidade hegeliana: a história da

humanidade se faz presente na sequência de figuras pelas quais o espírito

universal já passou. Hegel foi, sem dúvida, um dos primeiros filósofos a propor

uma relação entre o ser ontológico e o ser histórico do homem, por isso conclui

o percurso da Fenomenologia na consideração da historia como o local por

excelência do desenvolvimento do espírito. Dessa forma, não por acaso afirma

que

O singular deve também percorrer os degraus-de-formação-cultural do espírito universal, conforme seu conteúdo; porém, como figuras já depositadas pelo espírito, como plataformas de um caminho já preparado e aplainado. Desse modo, vemos conhecimentos, que em antigas épocas ocupavam o espírito maduro dos homens, serem rebaixados a exercícios – ou mesmo a jogos de meninos; assim pode reconhecer-se no progresso pedagógico, copiada como em silhuetas, a história do espírito do mundo (HEGEL, 2001, p. 36).

O singular, ou seja, a consciência individual deve reconhecer, ou ser

consciente, que seu caminho é marcado pelo ideal do espírito, efetivado por

seu progresso histórico. É pertinente ressaltar o ideal de progresso, que marca

profundamente o período pós-Revolução Francesa, se tornando a principal

característica do novo mundo que o indivíduo em formação se depara. Vemos

aqui que, ainda que Hegel tome a Aufklärung como um momento histórico-

conceitual a ser ultrapassado no caminho da experiência da consciência, há

uma forte influência iluminista no Prefácio dessa obra, expressa pelo uso de sombras via outrora”, e continua, “E se o arrancassem dali à força e o fizessem subir o caminho íngreme e rude, e não o deixassem fugir antes de o arrastarem até a luz do Sol, não seria natural que ele se doesse e agastasse, por ser assim arrastado, e, depois de chegar a luz, com olhos deslumbrados, nem sequer pudesse ver nada daquilo que agora dizemos serem os verdadeiros objetos?” (PLATÃO, 515a-e, 2000, p. 211). É claro que não se quer aqui desconsiderar o caráter lúdico da educação enquanto tal, é claro que a educação pode ser algo prazeroso, mas isso não é toda sua verdade, viso também chamar a atenção a uma compreensão do processo educacional marcada pelo esforço do indivíduo. 49 O agôn ou competição tem por mola o rancor, o ressentimento, a inveja, que cada indivíduo experimenta quando confrontado com a excelência de outro, que procura emular e superar. Está na base da formação dos jovens, mas também da atividade dos educadores, que competem entre si pela glória de serem os melhores na Grécia antiga. Huizinga assim nos expõe esse ideal formativo grego: “Todo este domínio (das competições e concursos), de tão grande importância para a vida dos gregos, é designado pela palavra agón. Pode-se bem dizer que no terreno do agón está ausente uma parte essencial do conceito de jogo. [...] É certo que regra geral o elemento de “não-seriedade”, o fator lúdico propriamente dito, não é claramente expresso pela palavra agón” (HUIZINGA, 2007, p. 48).

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termos como: “progresso”, “sol nascente”, “clarão” etc. Esse progresso é em

Hegel um fato histórico, pois descreve o caminho “preparado e aplainado” pelo

espírito a partir de sua experiência mundana, ou seja, representa as próprias

experiências do homem em seu peregrinar sobre a terra, expressão máxima do

espírito absoluto.

Portanto, sendo repleto de avanços e aprendizados, esse processo é

contínuo, pois se identifica com o espírito, que “nunca está em repouso, mas

sempre tomado por um movimento para frente” (HEGEL, 2001, p. 26). Novos

saberes e experiências serão, por sua vez, ultrapassados por outros em um

ciclo constante. Por isso, o indivíduo não parte “do zero” em seu processo de

formação, pois herda uma série de conhecimentos e experiências das

gerações passadas (tradição)50, isso marca seu ser histórico: o indivíduo

singular não vive apenas a sua história, mas a história do gênero humano

enquanto tal, o que implica na vivência da própria história do espírito do mundo

(Weltgeist), pois, afirmará o filósofo na Filosofia do Direito, “A história é a

configuração do espírito na forma do acontecer” (HEGEL, 2010, p. 308, §346).

Os avanços da humanidade ocorridos na história são também os

avanços do espírito no mundo. O espírito objetiva-se na história da

humanidade. Não por acaso, Hegel (2001, p. 36) enfatiza o dever do indivíduo

singular de percorrer os degraus-de-formação-cultural do espírito, o que faz de

sua existência uma verdadeira experiência pedagógica. A identidade aludida

por Hegel entre essa história do espírito do mundo e o progresso pedagógico

ratifica minha apresentação do caminho da experiência da consciência da

Fenomenologia como uma verdadeira proposta pedagógica. O filósofo vê uma

pedagogia no autodesenvolver do espírito, assim como identifica a própria

atividade pedagógica com esse autodesenvolvimento.

Cada época da história da humanidade assemelha-se a um degrau na

escada ascendente a ser percorrida pelo indivíduo em sua formação. No

entanto, esse processo “acumulativo” não configura uma mera coletânea de

saberes e experiências – cabe salientar que Hegel nunca foi favorável aos

50 Em suas Lições sobre História da Filosofia afirmará: “A posse da racionalidade autoconsciente que nos pertence a nós e ao mundo atual não surgiu imediatamente e despontou apenas do solo da atualidade, mas é-lhe essencial ser uma herança e, de modo mais definido, o resultado do trabalho e, decerto, do trabalho de todas as gerações passadas do gênero humano” (HEGEL, 2012, p. 18-19).

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ideais enciclopédicos franceses51 –, pois o indivíduo não as percorre sem uma

postura crítica e reflexiva, filosófica e científica. Nesse processo o indivíduo

apropria-se do ser-aí passado, não como fatos a serem lembrados, mas a

serem refletidos e “apropriados”, pois somente na apreensão do que as

gerações passadas objetivaram na história podemos experienciar a Formação

Cultural enquanto tal. Nesse ínterim, salienta-se que

Esse ser-aí passado é propriedade já adquirida do espírito universal e, aparecendo-lhe assim exteriormente, constitui sua natureza inorgânica. Conforme esse ponto de vista, a formação cultural considerada a partir do indivíduo consiste em adquirir o que lhe é apresentado, consumindo em si mesmo sua natureza inorgânica e apropriando-se dela. Vista porém do ângulo do espírito universal, enquanto é a substância, a formação cultural consiste apenas em que essa substância se dá a sua consciência-de-si, e em si produz seu vir-a-ser e sua reflexão (HEGEL, 2001, p. 36).

Não podemos esquecer que o passado é presente efetivado, assim

como futuro é presente a ser vivenciado. Essa relação do indivíduo com o

tempo enquanto espaço de vivência é de suma importância para compreensão

do projeto hegeliano, pois o sistema do idealismo absoluto encontra-se em uma

holística concepção de tempo, ou seja, a consciência em formação é passível

da influência desse eterno presente, já que a história enquanto tal é um

movimento racional, no qual o espírito ocorre no mundo. Os atos do Espírito

estão todos à mercê da reflexão humana, que em seu vir-a-ser acaba por

absorvê-los para si, tomando finalmente consciência-de-si:

Vir ao mundo não é ainda suficiente para também se ambientar nele. É preciso a proteção e o amparo, a instrução e o método, a aquisição de capacidades e habilidades, resumindo, é preciso tudo que transforma o homem inacabado em ser adulto, autônomo e dotado das competências exigidas, e um membro da sociedade. A educação parece ser, portanto, incondicionalmente necessária (EIDAM, 2009, p. 53).

Hegel é explicito ao afirmar que a Formação Cultural é uma “natureza

inorgânica”, ou seja, não é algo natural, mas histórico, pois é efetivada a partir

51 Hegel é um crítico do ideal enciclopédico francês (Diderot e D’Alambert), pois considerava a Encyclopedie uma mera coletânea de informações soltas e particulares. Evidencia essa crítica a observação ao §16 da Enciclopédia, onde afirma que a enciclopédia ordinária é um mero “agregado das ciências, que são acolhidas de modo contingente e empírico, e entre as quais há algumas que de ciências tem apenas o nome, embora elas mesmas sejam uma simples coleção de conhecimentos. A unidade em que, num tal agregado, as ciências se juntam – já que são acolhidas de maneira exterior – é uma unidade igualmente exterior: uma ordem. Essa ordem deve necessariamente pelo mesmo motivo e também porque os materiais são de natureza contingente, permanecer um ensaio, e apresentar sempre lados inadequados” (HEGEL, 1995, p. 56, §16).

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dos desenvolvimentos culturais dos indivíduos (cf. HARRIS¹, 1997, p. 176-177).

Por sua vez, para o espírito universal, ela é a substância, enquanto

reconhecimento de si, ou melhor, retorno a si. Isso sugere uma meta final para

a Formação Cultural: “a intuição espiritual do que é o saber”, a ser

experienciado pelo indivíduo ao “demorar-se em cada momento”, assim como o

faz o espírito – na Filosofia do Direito esse saber representará a efetivação da

liberdade, o que é uma ideia chave em Hegel. Na Formação Cultural, o

indivíduo efetiva em si o “espírito do mundo”, tomando-o como sua substância

no trilhar paciente do caminho que demanda “uma longa extensão de tempo” e

no empreender do “gigantesco trabalho da história mundial” (HEGEL, 2001, p.

36).

O que ocorre no tempo, a história, é um elemento essencial ao ser

humano, representa sua natureza inorgânica, ou seja, sua natureza adquirida,

não inata52, mas vivida – uma segunda natureza:

Pela cultura, o indivíduo afasta-se das determinações puramente naturais e consegue apreender-se subjetivamente em uma objetividade que, de um lado, o formou e que, de outro, ele contribui para formar. O indivíduo é cultural, temporal, em seu processo de determinação de si, o que lhe dá a possibilidade de considerar criticamente seu próprio processo de educação. A educação (formação) para a liberdade e, então, necessariamente produto de uma concepção do indivíduo que não privilegia uma de suas determinações em detrimento das outras. O indivíduo não é apenas uma individualidade empírica em luta com outras individualidades, nem uma individualidade abstrata desligada da cultura, nem mesmo uma simples subjetividade moral (ROSENFIELD, 1983, p. 47).

E será essa vivência que caracterizará a Formação Cultural, pois cabe

ao indivíduo apoderar-se dessa natureza inorgânica, consumindo-a em sua via

existencial e formativa. Por sua vez, ao espírito absoluto cabe o

52 A questão das ideias inatas constitui para Hegel um simples erro do entendimento, que não é capaz de compreender a relação intrínseca entre o imediato e o mediato. Há ideias inatas? Sim. Elas são acessíveis a todos, mas não são da consciência de todos, pois o processo de conscientização dos indivíduos depende da Bildung. Isso é apresentado por Inwood nos seguintes termos: “Geralmente a mediação é anterior ao imediatismo, mas Hegel considera um caso em que não é [assim], ou seja, o das ideias inatas. É muito errado, ele argumenta, supor que a visão de nossas ideias, ou algumas delas, são inatas, ou seja, “imediatas”, exclui as influências externas ou mediação. Educação e desenvolvimento são necessários, se estamos a tomar consciência de tais ideias. Os opositores da doutrina tem, por vezes, erroneamente acreditado que, se as ideias são inatas, então “todos os homens teriam que ter essas ideias, ter por exemplo, a lei da contradição em suas consciências, estar ciente disso”, enquanto na verdade, “as determinações mencionadas como inatas não deviam ser por isso tidos já na forma de ideias ou representações de algo já sabido” (Enz. I. 67). A educação é necessária para trazê-los à consciência, uma educação que pode, no caso de um indivíduo, ou mesmo de todo um povo, ser inexistente” (INWOOD, 2003, p. 210).

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reconhecimento desse processo como puro autodesenvolver, pois ele é a pura

substância desse processo, tudo que é vivenciado pelo indivíduo é experiência

do e no absoluto. Hegel enfatiza que a Formação Cultural consiste no doar-se

dessa substância – nunca podemos esquecer que a Formação Cultural é uma

via de efetivação do espírito absoluto no mundo e, como tal efetivação, é o

principal objeto do sistema hegeliano.

Por esse motivo, afirmo que o sistema do idealismo absoluto se

configura como uma verdadeira Formação Cultural: a proposta pedagógica

enquanto tal representa uma formação do indivíduo para a vida. Nesse sistema

cada momento do processo educativo encaminha para uma vida boa, que é,

em Hegel, a expressão máxima do espírito absoluto apreendido pelo indivíduo:

a Eticidade (Sittlichkeit). Assim, a identidade entre a educação e o idealismo

hegeliano não é uma coincidência ou uma inferência externa extraída de minha

interpretação, pois é inegável que o filósofo tece em seu sistema uma proposta

de formação da consciência, que posso muito bem alargar para fins

educacionais, pois

A ciência apresenta esse movimento de formação cultural em sua atualização e necessidade, como também apresenta em sua configuração o que já desceu ao nível de momento e propriedade do espírito. A meta final desse movimento é a intuição espiritual do que é o saber (HEGEL, 2001, p. 36).

A ciência aqui é tanto o processo quanto o resultado, pois é tanto o

processo do saber quanto o saber mesmo. É por isso que esse começo é já “o

todo” em seu retorno a si mesmo – esse retorno é o que configura a

interrupção do “sol nascente”. Sendo a ciência “a coroa de um mundo do

espírito”, e sendo este um “novo espírito” (HEGEL, 2001, p. 27), se conclui que

a ciência deve ser capaz de apreendê-lo em seu processo, logo, a ação

formadora da Formação Cultural se faz presente como uma necessidade para

a atividade científica. O ato de conhecer, que aqui não se resume ao mero

definir ou significar, deve ir além da apreensão do resultado, pois o mesmo é

resultado de um processo que teve um começo, e se algo começou e chegou a

um termo é porque se desenvolveu: do começo se seguiu um processo.

Essa série de desdobramentos, que, é importante salientar, não são

apenas desdobramentos do começo, mas constituidores do mesmo, demarcam

o surgir desse novo espírito:

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O começo do novo espírito é o produto de uma ampla transformação de múltiplas formas de cultura, o prêmio de um itinerário muito complexo, e também de um esforço e de uma fadiga multiformes (HEGEL, 2001, p. 27).

A ampla transformação da qual proveio o novo espírito é o produto de

inúmeras “formas de cultura”, ou seja, de uma objetivação do espírito,

representada pela atitude mental, pelo gênio e pelo temperamento

constituidores de uma época (Geist der Zeit), ou seja, o espírito comum de um

grupo social, objetivação do espírito subjetivo (costumes, leis, instituições etc.).

Para Hegel, o “espírito novo” é o “prêmio de um itinerário complexo”, pelo qual

passa o espírito absoluto, e pelo qual passará o indivíduo em sua formação.

Dessa forma, o resultado do caminho é essa expressão do espírito, a

ciência, relacionada diretamente à Eticidade e, consequentemente, a um

movimento da Formação Cultural, pois

se a Fenomenologia tem por conteúdo [...] o caminho da consciência natural que de repente a impulsiona em direção ao verdadeiro saber, ou [...] o caminho do espírito percorrendo a série de suas formações como as estações que lhe são prescritas por sua própria natureza, a apresentação científica deste avanço como necessário apenas pode ter realmente como virtude pedagógica a de confirmar em sua resolução especulativa um indivíduo que já está situado do ponto de vista do saber absoluto! (BOURGEOIS, 1990, p. 10).

Em uma palavra, a objetivação desse ideal está na ciência, figuração

última da Fenomenologia, desde então denominada saber absoluto, possuída

apenas por quem trilhou o caminho da experiência da consciência. Porém,

Hegel mais uma vez enfatiza o esforço a ser realizado pela consciência nesse

caminho, a começar pela paciência no conceito que a mesma terá de

desenvolver na longa extensão que deverá necessariamente ser percorrida em

todos os seus momentos – não há “atalhos” nessa jornada –, que por sua vez

devem ser morosamente experienciados, refletidos, superados e apropriados

(Aufhebung), já que

A impaciência exige o impossível, ou seja, a obtenção do fim sem os meios. De um lado, há que suportar as longas distâncias desse caminho, porque cada momento é necessário. De outro lado, há que demorar-se em cada momento, pois cada um deles é uma figura individual completa, e assim cada momento só é considerado absolutamente enquanto sua determinidade for vista como todo ou concreto, ou o todo [for visto] na peculiaridade dessa determinação (HEGEL, 2001, p. 36).

Tempos depois, em Nüremberg, Hegel irá argumentar nessa mesma via,

ao denunciar certa “impaciência” da pedagogia moderna que aspira aprender a

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filosofar53 sem conteúdo, o que o filósofo acredita ser tão absurdo quanto

sempre viajar sem, no entanto, chegar a conhecer nenhuma cidade, rio, país

ou homem. Cabe ao “viajante” da Fenomenologia ser paciente e deliberar o

tempo que for necessário ao todo que é cada momento desse caminho. Para

Hegel, a Fenomenologia não é um manual de como viajar, não deve ser

considerada instrumento (Órganon), mas sim a própria viagem que cada

indivíduo é impelido a realizar em sua formação, dessa maneira “não só se

aprende, mas efetivamente já se viaja” (HEGEL, 1989, p. 371). Ler a

Fenomenologia de Hegel é já realizar essa viagem, afinal de contas “o caminho

para a ciência já é ciência ele mesmo e, portanto, segundo seu conteúdo, é

ciência da experiência da consciência” (HEGEL, 2001, p. 72). Essa experiência

de leitura, juntamente com as consequentes reflexões e interpretações que se

produzirão no leitor, implicará em um processo de autoconscientização, que

aqui identifico a Formação Cultural.

2.2. O Conceito de Formação Cultural na Fenomenologia do Espírito: Reconhecimento e Formação

Como a Fenomenologia considera o desenvolvimento histórico como

parte do processo de efetivação do espírito, quando analisamos o

desenvolvimento do indivíduo singular, devemos inferir que o ser humano não

nasce pronto e formado, ao contrário, ele é resultado do desenvolvimento das

relações histórico-sociais. Mas esse processo de formação não acontece de

forma harmoniosa: o sujeito precisa se exteriorizar para poder encontrar a si

mesmo. É preciso sair de si mesmo e depois retornar a si, a partir dessa

experiência de transportar o negativo para dentro de si. Para Hegel, o processo

da Formação Cultural identifica-se com a própria vida do espírito, que

não é a vida que se atemoriza ante a morte e se conserva intacta da devastação, mas é a vida que suporta a morte e nela se conserva, que é a vida do espírito. O espírito só alcança sua verdade à medida que se encontra a si mesmo no dilaceramento absoluto. Ele não é essa potência como o positivo que se afasta do negativo [...] Ao contrário, o espírito só é essa potência enquanto encara diretamente o negativo e se demora junto dele. Esse demorar-se é o poder mágico que converte o negativo em ser. [...] Portanto, o sujeito é a

53 Saliente-se que para Hegel a filosofia autêntica é “esse longo caminho da cultura, esse movimento tão rico quanto profundo através do qual o espírito alcança o saber”, não podendo assim ser diferenciada da ciência enquanto tal. Sem filosofia a ciência não possuiria em si “nem vida, nem espírito, nem verdade” (HEGEL, 2001, p. 59).

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substância verdadeira, o ser ou a imediatez – que não tem fora de si a mediação, mas é a mediação mesma (HEGEL, 2001, p. 38).

Por isso, na perspectiva da Fenomenologia, a Formação Cultural não se

processa mediante um processo harmônico e tranquilo, mas mediante o

trabalho do negativo. O processo formativo implica o momento da exteriozação

(Entäusserung), e essa exigência não é uma imposição estranha ao sujeito da

Formação Cultural, pelo contrário, ela faz parte do processo constitutivo do

mesmo. A necessidade da exteriorização é um impulso geral posto pelo próprio

espírito que se objetiva no mundo e deve retornar a si, através dessa

objetivação, enquanto ser-para-si. Assim, pode surgir daqui, embora Hegel não

proponha explicitamente isso na Fenomenologia, também de uma teoria da

educação (Theorie der Erziehung), pois demarca-se os fundamentos, os

objetivos e os necessários momentos exigidos para uma efetiva educação.

Isso porque a proposta hegeliana não está enclausurada em uma perspectiva

educacional:

Em contraste com os seus contemporâneos, Hegel interpreta Bildung não como uma educação de interpretação restritiva, como o que ocorre no nível individual, mas sim como um processo histórico universal em que todos estão envolvidos coletivamente em que nós necessariamente participamos (BYKOVA, 2009, p. 286).

A Formação Cultural hegeliana na Fenomenologia pode ser descrita

como uma ascese de níveis de consciência de si que o indivíduo supera em

sua busca por reconhecimento, ainda que o indivíduo possua predisposições

para uma “educação natural”, o mesmo somente pode ser efetível em uma

segunda natureza, de âmbito cultural, social e histórico. Ainda no Prefácio,

Hegel expôs sobre a importância da mediação no processo de determinação

do saber verdadeiro (cf. HEGEL, 2001, p. 31), tomando um embrião como

exemplo para expressá-la:

Se o embrião é de fato homem em si, contudo não o é para si. Somente como razão cultivada e desenvolvida – que se fez a si mesma o que é em si – é homem para si; só essa é sua efetividade. Porém esse resultado por sua vez é imediatez simples, pois é liberdade consciente-de-si que em si repousa, e que não deixou de lado a oposição e ali a abandonou, mas se reconciliou com ela (HEGEL, 2001, p. 31).

Onde o “ser homem”, ou seja, o ser-para-si do homem, somente pode

ocorrer quando se reconhece “como razão cultivada e desenvolvida”, e,

salienta o filósofo, “que se fez a si mesma”. O que oferece a interpretação da

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Formação Cultural como autocultivo. Hegel estabelece uma identidade entre o

embrião e o homem natural, que é “de fato, homem em si”, mas pressupõe

uma necessária passagem para um estado superior. Embora sejam momentos

de um mesmo processo, o homem natural não pode coexistir com o homem

cultivado, ou “homem para si”, pois “só essa é sua efetividade” (HEGEL, 2001,

p. 31). Os motivos da necessária passagem podem ser vistas no comentário:

A razão eleva as pessoas livres para além dos acontecimentos fortuitos do mundo natural, tornando-as capazes de refletir criticamente sobre sua situação e sobre as forças que as influenciam. Portanto, a liberdade não pode ser totalmente alcançada sem pensamento critico, nem sem reflexão (SINGER, 1986, p. 45).

Dessa forma, a proposta hegeliana demonstra que o espiritual é superior

ao natural, ideia que está bem expressa no que segue:

Só o espiritual é o efetivo: é a essência ou o em-si-essente: o relacionado consigo e o determinado; o ser-outro e o ser-para-si, e o que nessa determinidade ou em seu ser-fora-de-si permanece em si mesmo – enfim, o [ser] espiritual é em-si-e-para-si (HEGEL, 2001, p. 33).

Eis o mote para radicalizar uma crítica hegeliana à proposta de uma

educação natural. Para Hegel, o natural é uma fase inalienável do processo de

formação, todas as consciências devem necessariamente perpassar os

estágios da natureza, mas isso não indica que devem aí permanecer, pois é

igualmente necessário ultrapassar esses estágios: “No homem, conexões

semelhantes perdem tanto mais importância quanto mais é cultivado; e quanto,

por isso, seu estado total mais se estabelece sobre uma base espiritual”

(HEGEL, 1995, p. 50, §392). Hegel denominará espiritual o momento em que a

consciência passa a produzir, a partir de si, o saber. Eis o momento em que

começamos a fazer ciência, o “conteúdo espiritual”.

Na terminologia hegeliana o natural representa um estado incipiente, ou

em-si, sem mediações e insuficiente; já o espiritual representa o elemento

para-si, ou um estado determinado da consciência que reflete a si mesmo.

Refletir a si mesmo é se tomar como objeto, reconhecendo a si mesmo como

algo a ser produzido para depois produzir.54 Nos termos da Formação Cultural,

54 Logo na introdução à Filosofia do Espírito da Enciclopédia, Hegel alude a esse autoconhecimento: “O desafio do autoconhecimento, lançado pelo Apolo délfico aos gregos, não tem, pois, o sentido de um preceito dirigido de fora ao espírito humano por uma potência estranha; antes, o deus que impele ao autoconhecimento não é outra coisa que a própria lei absoluta do espírito” (HEGEL, 1995, p. 8, §377, Adendo).

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o elemento espiritual da consciência representa o reconhecer de uma tarefa (cf.

SOLOMON, 1983, p. 263-264), assim descrita por Hegel:

A tarefa de conduzir o indivíduo, desde seu estado inculto até ao saber, devia ser entendida em seu sentido universal, e tinha de considerar o indivíduo universal, o espírito consciente-de-si na sua formação cultural (HEGEL, 2001, p. 35).

Por isso, sem esqueçer que a consciência natural é o primeiro momento

na formação do indivíduo, Hegel a compreende como uma significação

negativa que deve ser necessariamente superada (Aufheben), ou seja, o

natural deve perder sua verdade no caminho de desespero (Verzweilflung) (cf.

HARRIS¹, 1997, p. 177):

A consciência natural vai mostrar-se como sendo apenas conceito do saber, ou saber não real. Mas à medida que se toma imediatamente por saber real, esse caminho tem, para ela, significação negativa: o que é a realização do conceito vale para ela antes como perda de si mesma, já que nesse caminho perde sua verdade (HEGEL, 2001, p. 66).

O conceito hegeliano de Formação Cultural na Fenomenologia se

encaixa com sua visão de que conhecimento é obtido apenas a partir da

experiência filosófica, o que também obriga a procurar, como o protagonista de

um Bildungsroman55, a mais ampla variedade de experiências. E é nesse

movimento de experimentar todas as possibilidades da experiência, seja do

âmbito natural seja do âmbito espiritual, que a consciência proporciona-se o vir-

a-ser do saber (Wissen).

Além disso, como apresentado, a proposta hegeliana exige uma busca

apaixonada pela verdade por parte do indivíduo, pois implica em um

autodesenvolvimento consciente como consequência de um esforço individual,

além de um inflexível dever para consigo e para com os outros: se prepara aqui

o caminho para a Eticidade (cf. GADAMER, 1997, p. 149).

55 Sobre este gênero literário fundado por Goethe: “O modelo biográfico da Bildung construiu-se e se impôs na Alemanha e, logo, na Europa toda, sob a forma literária do Bildungsroman ou romance de formação. O Bildungsroman caracteriza-se por uma estrutura que acompanha as etapas do desenvolvimento do herói, de sua juventude à sua maturidade. Inicia-se com a entrada do personagem no mundo, depois segue as etapas marcantes de sua aprendizagem da vida e se encerra quando o personagem atinge um conhecimento de si e de seu lugar no mundo, suficiente para viver em harmonia consigo mesmo e com a sociedade a que pertence. Para o personagem do romance de formação, a vida é uma perpétua aprendizagem: de cada situação, de cada experiência da existência, não cessa de tirar, ou melhor, de absorver lições (como uma planta ou um organismo vivo absorve os elementos vitais de seu meio ambiente), encontra-se num processo de “formação” contínua, de contínuo “acondicionamento” de si, e procura, sem cessar, a forma própria que o tornará singular” (DELORY-MOMBERGER, 2011, 337-338).

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Embora seja prematuro expor essa responsabilidade social do indivíduo

em formação, já que ele deve primeiramente passar pelo estágio propedêutico

da Fenomenologia, para só posteriormente apreender os demais momentos do

sistema, a saber, Lógica, Natureza e Espírito, não podemos esquecer que a

educação efetivamente prepara – pois se só devesse preparar perderia por

completo seu sentido para Hegel – o indivíduo para exercer suas atividades na

vida real.

Para Hegel, a formação da autoconsciência livre do homem implica na

apreensão de seu ser-para-si, pois “Somente como razão cultivada e

desenvolvida – que se fez a si mesma o que é em si – é homem para si; só

essa é sua efetividade” (HEGEL, 2001, p. 39). A importância desse conceito

reside no sentido de que o desenvolvimento do ser-em-si do homem,

compreendido como ente natural, é parte e produto do desenvolvimento social,

ou seja, é imprescindível cultivar suas qualidades para chegar a ser um ser

universal. O homem não é por natureza o que deve ser, portanto requer a

Formação Cultural.

Assim, para Hegel, a Formação Cultural não é apenas enquanto

resultado, mas enquanto processo de desenvolvimento do espírito: espírito

absoluto que, ao longo do processo histórico a ser experienciado pelo homem,

compreende a natureza e a si mesmo, se tornando livre, ou seja,

autoconsciente. O que me permite afirmar que a proposta hegeliana na

Fenomenologia norteia também a meta de solucionar o problema pedagógico –

a saber, “qual a melhor forma de educar o homem?” –, que perpassa as

atividades intelectuais de seu tempo e se torna uma herança para as gerações

vindouras.

Mas, diante das inúmeras reflexões pedagógicas formuladas até o

momento histórico que Hegel vive, o que faltava ser dito? Diante de tantas

propostas, que novidade poderia Hegel trazer ao debate? E, mais importante,

em que poderia auxiliar na solução do problema pedagógico? Como as

reflexões da Fenomenologia poderiam contribuir para uma efetível Formação

Cultural?

A grande contribuição de Hegel pode ser apreendida em sua assertiva

de que a formação do homem ocorre em sua relação com o outro. A formação

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humana para Hegel não pode prescindir da cultura e da história, que somente

ocorrem no convívio com os outros.

O ser formado culturalmente passa da consciência de si à consciência

para si, reconhecendo-se na consciência de outro, ou seja, através de uma

experiência de morte. O para-si da consciência, esse retorno a si mesmo, se dá

na relação com o outro, na esfera do reconhecimento (Anerkennung):

As pessoas tomam posse de si através da “educação” (Bildung) [...] Bildung é a aquisição da capacidade de subordinar o particular ao universal (PhG K 488; PR §20), ou, em outras palavras, a capacidade necessária, a fim de entrar no reconhecimento mútuo dos outros como pessoas (EG §436). Tomamos posse de nós mesmos quando adquirimos a capacidade de pensar em nós mesmos como pessoas, considerando-nos como membros de uma comunidade de pessoas, uma “autoconsciência universal”. A dialética de reconhecimento de Hegel, portanto, especifica as circunstâncias em que os indivíduos tomaram posse de si mesmos como pessoas (WOOD, 1990, p. 95-96).

Eis a grande novidade hegeliana, eis o elemento que faltava à ideia de

Formação Cultural difundida nos tempos de Hegel: a formação é um processo

de mediação, de contradição, de negação, em uma palavra, é uma luta por

reconhecimento. Delinea-se aqui uma interpretação da filosofia hegeliana que

toma a questão da Formação Cultural como um tema essencial ao sistema do

idealismo absoluto, pois implica em sua apreensão como autodesenvolvimento

do espírito humano, tanto em seu âmbito individual quanto do próprio gênero

humano. Como mencionado, a Fenomenologia acaba por se identificar com um

Romance de Formação (Bildungsroman): uma história sobre o

desenvolvimento do indivíduo, bem como da própria humanidade. Na

Fenomenologia, como é típico de um Romance de Formação, Hegel mostra ao

leitor o desenvolvimento de sucessivas experiências do personagem principal,

no caso a consciência ou o indivíduo em formação, em sua gradativa evolução

e realização enquanto alteridade (cf. SPEIGHT, 2001, p. 14). E essas

experiências formativas, por mais pessoais que sejam, estão vinculadas ao

relacionar como outra consciência, ou seja, a Formação Cultural hegeliana

implica no reconhecimento do outro como fundamento do reconhecimento de

si. Nesse sentido,

Hegel deixa claro que Bildung é um processo universal concreto em que nós, seres humanos necessariamente participamos e através do qual nos tornamos conscientes de nós mesmos e de nosso ambiente natural e social. Este processo só pode ocorrer se um indivíduo

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interage coletivamente com outros indivíduos perseguindo os objetivos dos mesmos (BYKOVA, 2009, p. 278).

Assim, em Hegel a questão do outro representa a própria esfera do

reconhecimento da consciência, o que para minha proposta implica na própria

compreensão da Formação Cultural para o filósofo. Mas antes devo questionar:

como Hegel compreende o estatuto do outro? A experiência da consciência é

agora configurada como o movimento da dialética do reconhecimento, sendo

descrita na passagem da mera consciência-em-si para uma consciência-para-

si, o que somente se dará na relação da consciência com outra consciência.

2.3. Momentos da Formação da Consciência-de-si: Autoconsciência, Dominação e Servidão, Liberdade da Autoconsciência

Para entender o conceito hegeliano de Formação Cultural, cabe

apreender seu conceito de reconhecimento. Para Hegel, a proposta de uma

luta por reconhecimento implica um momento mediador da formação humana.

O processo do reconhecimento terá seu início nas reflexões realizadas no

capítulo IV da Fenomenologia, cujo título é A verdade da certeza de si mesmo,

mas somente terá seu fim no último capítulo da obra, o Saber Absoluto, pois “o

espírito não pode atingir sua perfeição como espírito consciente-de-si antes de

se ter-se consumado em-si, antes de ter-se consumado como espírito do

mundo.” (HEGEL, 1992¹, p. 216). Pois, a ideia hegeliana de reconhecimento,

envolve não simplesmente a identificação intelectual de uma coisa ou pessoa (embora pressuponha caracteristicamente tal reconhecimento intelectual), mas a atribuição a essa coisa ou pessoa de um valor positivo, assim como a expressão explicita dessa atribuição. Assim, em FE, IV.A, onde Hegel se ocupa da luta pelo reconhecimento, ele não está tratando do problema de “outras mentes”, do nosso direito epistemológico a ver outros como pessoas (e dos outros a nos ver como pessoa), mas do problema de como nos tornarmos uma pessoa plenamente desenvolvida pela obtenção do reconhecimento de nosso status por parte de outros (INWOOD, 1992, p. 275).

Nessa perspectiva, esse capítulo IV da Fenomenologia representa o

momento em que a consciência chegou a “uma certeza igual a sua verdade

(HEGEL, 2001, p. 119), ou seja, chegou a consciência-de-si, pela qual

adentramos na “terra pátria da verdade” (HEGEL, 2001, p. 120). Ao se tornar

um ser refletido sobre si, a consciência “veio-a-ser vida”, anunciando uma nova

figura no caminho da experiência da consciência. Mas, antes de tudo, é

importante salientar que o conceito hegeliano de vida não pode ser apreendido

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como uma realidade biológica, pois, ainda não estamos em uma Filosofia da

Natureza. Na verdade, todos os desenvolvimentos da Fenomenologia devem

ser apreendidos enquanto figuras da consciência em seu processo de

formação, logo o conceito de vida aqui se refere a uma vida espiritual, ou seja,

a uma vida que toma consciência de si mesma.

O objetivo é o reconhecimento do sujeito como sujeito, o que implica a

superação da oposição sujeito-objeto, por sua vez, essa superação somente

ocorre quando o sujeito se relaciona com um objeto que não lhe é alheio.

Hegel, na verdade, está re-significando a famosa epígrafe do Oráculo de

Delfos, que imortalizara Sócrates, pois, para o filósofo, ao “Conhece-te a ti

mesmo” se deve impor como condição de possibilidade a mediação de outro.

Nessa perspectiva, a consciência encontra em outra consciência uma

referência a si mesma, ou seja, ao se duplicar em consciência-em-si e

consciência-para-outro, a consciência se torna objeto de sua reflexão e

engendra o movimento que culminará na luta por reconhecimento.

A consciência busca desenvolver uma autocompreensão consistente de

si mesma, o que somente ocorrerá no reconhecimento. Segundo Hegel, há um

impulso, ou uma vontade latente na consciência de ser reconhecida em suas

prerrogativas, direitos, peculiaridades e capacidades.56 Assim, as figurações

derivadas do conceito de vida apresentam uma nova face do processo de

formação, na qual a nova figuração, o outro, surge para o em-si da consciência.

O que é exposto por Hegel nos seguintes termos:

No meio fluido universal, que é um tranquilo desdobrar-se-em-leque das figuras, a vida vem-a-ser, por isso mesmo, o movimento das figuras, isto é, a vida como processo. A fluidez universal simples é o Em-si; a diferença das figuras é o Outro. Porém, devido a tal diferença, essa mesma fluidez vem-a-ser o Outro; pois ela agora é para a diferença, que é em-si-e-para-si-mesma, e portanto o movimento infinito pelo qual aquele meio tranquilo é consumido; isto é, a vida como ser vivo (HEGEL, 2001, p. 122).

A luta por reconhecimento ocorre inicialmente na busca pela satisfação

do desejo. O desejo é a vida, ou seja, é a busca da consciência-de-si,

enquanto ser vivo, por sua autoconservação. A consciência-de-si é desejo de

56 Assim o reconhecimento é condição para a objetivação da consciência no mundo da cultura, sendo principal fundamento da Eticidade, na qual culmina a Bildung. Segundo Lima: “Como para Hegel a consciência somente tem uma existência genuína como reconhecida, só há vida social sob a pressuposição de um reconhecimento intersubjetivamente partilhado de um tecido normativo comum” (LIMA, 2008, p. 84).

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autoconservação, mas a satisfação desse desejo passa necessariamente pela

figura do outro, “essa outra vida” (HEGEL, 2001, p. 124).

Mas, para gozar tal satisfação, ela deve se experienciar como um ser-

para-outro. Seguindo a dinâmica da Fenomenologia, supera-se um nível de

consciência que é apenas enquanto posta em relação com o objeto, passando

ao nível de seu traumático confronto com outra consciência: “a consciência-de-

si é em si e para si quando e porque é em si e para si para outra; quer dizer, só

é como algo reconhecido” (HEGEL, 2001, p. 126).

Nessa perspectiva, Hegel descreve o momento do encontro entre duas

consciências nesses termos:

É uma consciência-de-si para uma consciência-de-si. E somente assim ela é, de fato: pois só assim vem-a-ser para ela a unidade de si mesma em seu ser-outro. O Eu, que é objeto de seu conceito, não é de fato objeto. Porém o objeto do desejo é só independente por ser a substância universal indestrutível, a fluida essência igual-a-si-mesma. Quando a consciência-de-si é o objeto, é tanto Eu quanto objeto. Para nós57, portanto, já está presente o conceito do espírito. Para a consciência, o que vem-a-ser mais adiante, é a experiência do que é o espírito: essa substância absoluta que na perfeita liberdade e independência de sua oposição – a saber, das diversas consciências-de-si para si essentes – é a unidade das mesmas: Eu, que é Nós, Nós que é Eu (HEGEL, 2001, p. 125).

Para que a consciência-de-si, em um primeiro momento, possa

conservar e elevar o outro, esse outro deve ser. Nesse primeiro momento, a

consciência-de-si considera tudo que é exterior a si – as demais consciências –

como um mero outro, como um objeto ou algo que está simplesmente diante de

si. Mas o outro não é apenas objeto, pois é outra consciência-de-si que

também possui independência. O problema está na ausência de

reconhecimento proveniente das duas consciências, pois ambas são desejo, só

alcançando sua satisfação no estabelecer de uma relação mútua para com a

outra de si, isto é, ambas são também dependência. A deficiência constatada

nessa relação acarreta a limitação no processo de constituição da consciência- 57 Importante compreender aqui a alternância entre as expressões “para a consciência” e “para nós”, tão recorrente ao texto da Fenomenologia: “[...] faz sentido distinguir – é uma particularidade da Fenomenologia do Espírito – dois níveis da análise, assinalados pelos indicadores que são as expressões “para a consciência” e “para nós” (ou ainda “em si”). O primeiro, de longe o mais importante quantitativamente, descreve o que se passa na consciência quando se esforça, em cada experiência, para levar sua certeza ao nível da verdade. O segundo reitera esse primeiro texto a partir de um comentário feito do ponto de vista do filósofo que examina as etapas do percurso da consciência na direção do saber e pensa seu encadeamento; ele descreve o que se passa “às costas” da consciência” (KERVÉGAN, 2008, p. 64). Sobre o significado do “Nós” hegeliano na Fenomenologia cf. HARRIS, 1997¹, p. 178.

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de-si enquanto estiver restrita a um “em-si-mesmamento”, pois tanto “Para um

povo, como para um indivíduo, nada é tão letal quanto estar só” (MENESES,

1993, p. 455).

Nessa primeira experiência de reconhecimento da consciência-de-si, a

saber, a exposição lógica contida nos primeiros parágrafos do capítulo IV,

demonstra-se o conceito puro de reconhecimento, ou seja, a estrutura lógica de

uma luta de vida e morte pela qual a consciência em formação deverá passar.

Segundo Stewart, esse é o primeiro momento de uma sequência de três: 1.

Autoconsciência; 2. Dominação e servidão; e 3. Liberdade da Autoconsciência.

(cf. STEWART, 1995, p. 755-756). É nesse sentido que Hegel afirma: “O

desdobramento do conceito dessa unidade espiritual, em sua duplicação, nos

apresenta o movimento do reconhecimento” (HEGEL, 2001, p. 126). Aqui, a

partir da deficiência de ambas as consciências, verificamos o conflito

engendrado por uma luta por reconhecimento.

Para Hegel, a formação das relações de reconhecimento mútuo só é possível para formas altamente sofisticadas de autoconsciência que emergem de uma vasta gama de experiências. Assim, grande parte de toda sua discussão de independência concentra-se no cultivo do espírito que nos prepara para entrar em relações de reconhecimento mútuo e escolher a liberdade sobre a morte em nossas lutas com outros seres autoconscientes. Certamente, o itinerário educativo que levaria à independência através de relações completamente recíprocas e iguais inicia o que ele caracteriza como a forma mais desigual do reconhecimento, a ligação de domínio e servidão. Na visão de Hegel, o longo caminho para a independência através do estabelecimento do reconhecimento mútuo se origina da vida de servidão, e a luta monumental do servo de inverter os termos de sua relação com seu senhor, bem como seu potencial para superar sua dependência, para alcançar sua autosuficiência, e para merecer o reconhecimento dos outros (GEORGE, 2006, p. 58).

Entretanto, será em uma segunda experiência de reconhecimento da

consciência-de-si que esse conceito adquirirá seu ideal formativo, pois a

dialética entre dominação e servidão demonstrará a insuficiência de uma

formação unilateral, ao apresentar o fracasso das figuras do senhor e do servo

em sua relação de independência, que já é desde sempre uma relação de

dependência mútua. Vejamos então como o processo da Formação Cultural

surge na luta por reconhecimento, nessa que “é a primeira vez, com efeito, que

Hegel ilustra de maneira tão concreta o verdadeiro salto dado por sua filosofia

em relação a todas aquelas que a precederam” (TIMMERMANS, 2005, p. 89).

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Em seu começo, ambas as consciências estão somente em si mesmas,

excluindo de si a diferença. Porém, ao se identificar como desejo, ambas

aspiram ser reconhecidas, mas o reconhecimento somente poderá ocorrer na

consideração da diferença, visto que somente outra consciência é capaz de

reconhecer. Hegel relatará que esse desejo desencadeará a luta pela

independência enquanto satisfação do desejo. Assim, cada consciência é

duplicada, assim como sua ação é duplicada, pois assim como é em-si, é para-

outra:

de acordo com o conceito do reconhecimento, isso não é possível a não ser que cada um leve a cabo essa pura abstração do ser-para-si: ele para o outro, o outro para ele; cada um em si mesmo, mediante seu próprio agir, e de novo, mediante o agir do outro (HEGEL, 2001, p. 128).

As consciências deverão se lançar à luta de vida ou morte através de um

agir duplicado:

Esta apresentação é o agir duplicado: o agir do Outro e o agir por meio de si mesmo. Enquanto agir do Outro, cada um tende, pois, à morte do Outro. Mas aí está também presente o segundo agir, o agir por meio de si mesmo, pois aquele agir do Outro inclui o arriscar a própria vida. Portanto, a relação das duas consciências-de-si é determinada de tal modo que elas se provam a si mesmas e uma a outra através de uma luta de vida ou morte (HEGEL, 2001, p. 128).

No entanto, na medida em que a efetiva morte não está nos planos das

consciências, pois uma não pode matar a outra, sob o risco de não ter mais

uma alteridade que lhe conceda reconhecimento, as mesmas não podem fugir

da luta por reconhecimento: “Só mediante o pôr a vida em risco, a liberdade [se

conquista]” (HEGEL, 2001, p. 128). Cabe ressaltar que a morte aqui não possui

um sentido meramente biológico, mas também espiritual, sendo absorvida pela

vida do espírito, pois

como a vida é a posição natural da consciência, a independência sem a absoluta negatividade, assim a morte é a negação natural desta mesma consciência, a negação sem a independência, que assim fica privada da significação pretendida do reconhecimento (HEGEL, 2001, p. 129).

E a proposta da Formação Cultural é justamente a elevação do

individual ao universal, do natural ao espiritual, representado na

“morte/renascimento” do individual, que passa a viver na esfera do universal.

Eis o resultado da primeira experiência: a dissolução daquela unidade

simples. Da luta de vida e morte, uma consciência sairá vencedora e a outra

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perdedora, uma se verá livre e independente, a outra escrava e dependente.

No entanto, Hegel não deixa esquecer que

São essenciais ambos os momentos; porém como, de início, são desiguais e opostos, e ainda não resultou sua reflexão na unidade, assim os dois momentos são como duas figuras opostas da consciência: uma, a consciência independente para a qual o ser-para-si é a essência; outra, a consciência dependente para a qual a essência é a vida, ou o ser para outro. Uma é o senhor, outra é o escravo (HEGEL, 2001, p. 129).

Na luta de vida ou morte, o senhor sai como vencedor e o servo como

vencido, mas em sua formação a consciência não abandonará nenhuma

dessas duas figuras.58 Antes de continuar, cabe ressaltar que não há aqui

qualquer elemento histórico, ou sociopolítico – embora possamos analisar tanto

a história quanto as relações sociopolíticas a partir da dialética proposta aqui

por Hegel. Note-se que

Hegel não diz em lugar nenhum que o senhor escolheu o “mau” caminho e o escravo o “bom”. A sequência do movimento mostrará, além de tudo, que não se vai assistir a uma simples “reviravolta’ pela qual o escravo se torna senhor e o senhor, escravo. Em seguida, Hegel não fala tanto de senhor e escravo quanto de dominação e servidão e, antes disso, de independência e dependência da consciência de si. Isso significa que a “luta” que se realiza aqui não tem necessariamente a intervenção de varias pessoas singulares, e pode muito bem dizer respeito a um só individuo tomado na dualidade, a duplicação, como diz Hegel, de sua consciência quando ela reflete sobre si mesma (TIMMERMANS, 2005, p. 89).

O intuito do filósofo é o de apresentar didaticamente o processo de

formação da consciência, senhor e servo são figuras que a consciência

apreende em si mesma, ou seja, momentos pelos quais passa em seu

processo de formação. Aqui a consciência se realiza enquanto ser de relação

(cf. TUBBS, 2004, p. 27).

Por isso, ao afirmar que o senhor, com sua vitória, submete o servo a

trabalhar para si, Hegel apresenta um estado da consciência que se sente livre

a ponto de apenas gozar da natureza trabalhada/produzida pelo servo, que por

sua vez assume uma posição mediadora entre o senhor e a natureza,

transformando esta em produto de consumo do senhor – “este é o silogismo

[da dominação]” (HEGEL, 2001, p. 130), o senhor detém tanto a outra

consciência quanto a natureza por meio dessa. No entanto, temos aqui apenas 58 Para N. Tubbs, isso marca o aspecto educativo da relação entre Senhor e Servo na Fenomenologia, sendo o desenrolar dessa relação o próprio “aprender” da consciência, ou, como o autor propõe em seu texto, “O modelo da cultura do pensar, ou é a estrutura do ensino superior da filosofia de Hegel” (TUBBS, 2004, p. 26).

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uma consciência, pois a outra se reduzira a mero instrumento para consecução

da satisfação do desejo. Hegel explica esse momento unilateral do

reconhecimento nos seguintes termos:

Esse processo vai apresentar primeiro o lado da desigualdade de ambas [as consciências-de-si] ou o extravasar-se do meio termo nos extremos, os quais, como extremos, são opostos um ao outro; um extremo é só o que é reconhecido; o outro, só o que reconhece (HEGEL, 2001, p. 127-128).

Mas não esqueçamos que Hegel deixa bem explícito que esse é o

primeiro momento da dialética do reconhecimento, o momento da

desigualdade, no entanto essa dialética conduzirá a uma igualdade na

desigualdade, ou ao momento especulativo da negação da negação. Por isso,

não devemos esquecer o que foi exposto anteriormente: há uma duplicação no

agir da consciência, logo não podemos deixar de pensar que o fazer da

consciência servil deve ser também o fazer da consciência senhorial – o agir de

si e o agir do outro (cf. HEGEL, 2001, p. 128).

Ao desconsiderar esse duplo agir, falham as duas consciências.

Enquanto não houver o reconhecimento disso por parte de ambas, as

consciências não chegarão à verdade da consciência-de-si. Por isso, o senhor

ainda não pode ser reconhecido, sua verdade está na outra consciência, que

fora reduzida a um instrumento, a um inessencial. Embora seja o senhor “a

consciência para si essente”, não captou ainda a verdade do processo de

reconhecimento, que somente é possível através da consideração da outra

consciência como igual: “falta o momento em que o senhor opera sobre o outro

o que o outro opera sobre si mesmo”, assim como falta nesse primeiro

silogismo o momento em que “o escravo faz sobre si o que também faz sobre o

Outro” (HEGEL, 2001, p. 131), ou seja, falta ao senhor reconhecer ao servo

como igual, o que implicaria que deveria, assim como esse, trazer a negação

para dentro de si (medo absoluto) e trabalhar a natureza, da mesma forma falta

ao servo reconhecer a si mesmo como uma consciência para si essente, como

faz para com o senhor.

Isso permite compreender porque, ao iniciar sua exposição sobre a

figura do servo, Hegel surpreendentemente vem a afirmar: “A verdade da

consciência independente é, por conseguinte, a consciência escrava” (HEGEL,

2001, p. 131). O servo é a verdade do senhor, ou melhor, na consideração dos

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desdobramentos da consciência servil teremos agora o momento da verdade

da consciência-de-si. Hegel afirma isso por ter o servo como o momento da

Aufhebung dessa relação, assim não há uma confrontação entre dois

momentos separados, o que implicaria na unilateralidade que Hegel quer

superar, mas em uma complementação: na figura do senhor, a consciência

chegou a um nível que foi superado, agora pela figura do servo, que a supera

e, ao mesmo tempo, a conserva. Já que

Esse reconhecimento é [...] possível apenas como processo recíproco [...] no reconhecimento a mais alta finalidade é reconhecer, não os sujeitos distintos dele, mas o próprio processo de reconhecimento (e os sujeitos apenas enquanto participam dele). Em um reconhecimento assimétrico essa reflexividade do reconhecer não é realizada (HÖSLE, 2007, p. 413-414).

Mas, antes de reconhecer isso, o processo ocorreu na admissão por

parte do servo de sua derrota, ele se rendeu, passando a reconhecer o senhor

como essência e a si mesmo como inessencial. Nesse momento, narra Hegel,

a consciência servil “se dissolveu interiormente; em si mesma tremeu em sua

totalidade; e tudo que havia de fixo, nela vacilou” (HEGEL, 2001, p. 132).

Assim, o servo realmente passou pela experiência de morte, de exteriorização

de si, anteriormente mencionada como parte essencial ao processo de

reconhecimento. O medo absoluto representa a negação ocorrida dentro de si.

O medo impediu o servo de arriscar sua vida, mas ao mesmo tempo o fez

perdê-la: o servo realmente passou pelo processo de exteriorização de sua

condição como consciência-de-si, pois a perdeu.

Mas, diferentemente do senhor, nesse tremor, o servo obteve as bases

para uma inversão dessa relação, pois possui diante de si um ser que existe

em si mesmo, o senhor – mesmo que esse não o reconheça como tal. Cabe ao

servo agora tomar consciência de seu verdadeiro estado de existência, o que

implicará na inversão de sua situação na luta por reconhecimento. Hegel

chama a atenção que essa inversão está relacionada à dois elementos vitais,

ao já mencionado medo da morte e ao trabalho, que, para meu intuito, se torna

o elemento mais importante59, pois é na disciplina do trabalho que a

consciência experimenta uma verdadeira experiência de formação, já que

59 Sigo aqui a perspectiva de Marx ao afirmar que “A grandeza da “Fenomenologia” hegeliana e de seu resultado final – a dialética, a negatividade enquanto princípio motor e gerador – é que Hegeltoma, de um lado, a autoprodução do homem como um processo, a objetivação (Vergegenständlichung) como desobjetivação (Entgegenständlichung), como exteriorização

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aquela consciência não é só essa universal dissolução em geral, mas ela se implementa efetivamente no servir. Servindo, suprassume em todos os momentos sua aderência ao ser-aí natural; e, trabalhando-o, o elimina (HEGEL, 2001, p. 132).

Note-se que o servo, ao ser detentor do medo da morte e do trabalho60,

deteve os elementos que faltavam ao processo da Formação Cultural da

consciência – não por acaso, Rauch (1999, p. 58), em seu comentário da

Fenomenologia, afirma que “A cultura (Bildung), portanto, procede por meio do

escravo”. Tais elementos somados à primeira experiência da desigualdade,

realizada na consideração da figura do senhor, permite a consciência servil

compreender sua verdadeira condição: não era em nada inferior ao senhor

enquanto consciência-de-si, pois detinha em potência condições de ser

reconhecido. Ao trabalhar a natureza, a qual se encontra unido de forma

essencial, o servo transforma-a em produto do espírito, e nesse processo se

transforma, se forma, se educa. Nas palavras de Hegel:

embora o temor do senhor seja, sem dúvida, o início da sabedoria, a consciência aí é para ela mesma, mas não é o ser-para-si; porém encontra-se a si mesma por meio do trabalho. No momento que corresponde ao desejo na consciência do senhor, parecia caber à consciência escrava o lado da relação inessencial para com a coisa, porquanto ali a coisa mantém sua independência. O desejo se reservou o puro negar do objeto e por isso o sentimento-de-si-mesmo, sem mescla. Mas essa satisfação é pelo mesmo motivo, apenas um evanescente, já que lhe falta o lado objetivo ou o subsistir. O trabalho, ao contrário, é desejo refreado, um desvanecer contido, ou seja, o trabalho forma (HEGEL, 2001, p. 132).

Assim, pela disciplina do trabalho o servo inverte a relação, o que do

ponto de vista da consciência-de-si representa o retorno a si do indivíduo em

um processo triádico de formação, pois: 1) afirmara a si mesmo como essente

na figura do senhor – é em-si; 2) negara a si mesmo na figura do servo – é

para-outro; e 3) reencontrara a si mesmo na síntese realizada na figura do

servo – é em-si-para-si. Nesse sentido, o trabalho assume um aspecto

(Entäusserung) e supra-sunção (Aufhebung) dessa exteriorização; é que compreende a essência do trabalho e concebe o homem objetivo, verdadeiro, porque homem efetivo, como resultado de seu próprio trabalho (MARX, 2008, p. 123). 60 Trata-se aqui da “categoria filosófica trabalho” (RAMOS, 2000, p. 176). Sobre essa dimensão especulativa do conceito trabalho em Hegel, Borges salienta que: “O trabalho da consciência trabalhadora não é apenas um trabalho material, é um trabalho que enforma; o termo cultura (Bildung) lhe dá esta significação. Por Bildung, Hegel designa a construção do mundo pelo homem, o que inclui as formas de sociabilidade que os homens engendram no seu fazer político, incluindo o Estado. Pode-se fazer um paralelo entre a construção do mundo pelo servo através da cultura (Bildung) e a construção do Estado pelo cidadão” (BORGES, 2009, p. 58).

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formativo no servo, ao formá-lo na disciplina do servir.61 Transformando a

natureza, o servo forma a si mesmo, pois, como bem assevera Santos (1993,

p. 96), “não é possível transformar a natureza sem se transformar, sem tornar-

se cultivado”. O trabalho adquire o status de autocultivo, se tornando assim

condição para a Formação Cultural62, mas isso não implica em uma autonomia

da categoria trabalho, como bem explica Hösle:

Hegel declara que disciplina, temor e formação estão necessariamente interligados: sem a disciplina, o temor é meramente formal; sem se objetivar no trabalho, ele permanece “interior e mudo, e a consciência não vem-a-ser ela mesma”. Inversamente, porém, também a formação, sem o temor, é apenas um ato limitado, obstinado, que não é esclarecido pela experiência da negatividade absoluta. [...] Apenas quando mediado por essa negatividade o trabalho é mais do que mera “habilidade”; ele é “um formar universal, conceito absoluto” (HÖSLE, 2007, p. 417).

É obvio que Hegel não fala aqui do trabalho objetivo, no entanto, o trata

a partir de sua dimensão espiritual: o trabalho é a forma que o homem encontra

para transformar a natureza em cultura, ou seja, ao transformar a natureza em

um bem de consumo, o homem a transforma em algo que é para ele, e o

elemento natural é superado pelo cultural/espiritual.63 Note-se que o que ocorre

61 Nesse sentido, Gadamer é categórico: “enquanto o homem está adquirindo um “poder” (Können), uma habilidade, ganha ele, através disso, uma consciência de senso próprio. O que pareceu ser-lhe negado no destituir-se do próprio, no servir, na medida em que ele se submeteu totalmente a um sentido que lhe era estranho, volta em seu proveito, na medida em que ele é uma consciência laboriosa. Como tal encontra ele em si mesmo um sentido próprio, sendo perfeitamente correto dizer do trabalho: ele forma” (GADAMER, 1997, p. 52). 62 A ideia de que o trabalho deva ser considerado um elemento formador é expressamente moderna, sendo Hegel um dos idealizadores de sua dimensão filosófica, como bem informa Gorz: “O trabalho, tal como nós o entendemos, não é uma categoria antropológica. Ele é um conceito inventado no fim do século XVIII. Hanna Arendt lembra que, na Grécia antiga, o trabalho designava as atividades necessárias à vida. Essas atividades eram sem dignidade nem nobreza: eram necessidades. Trabalhar era submeter-se à necessidade, e essa submissão tornava o indivíduo indigno de participar como cidadão da vida pública. O trabalho era reservado aos escravos e às mulheres. Ele era considerado como o contrario de liberdade. Ele era confinado a esfera privada, domestica. No século XVIII, começa a tomar corpo uma concepção diferente. O trabalho começa a ser compreendido como uma atividade que transforma e domina a natureza, não como atividade que somente se submete a ela. [...] Pouco tempo após, Hegel dá ao trabalho em si um sentido mais amplo: ele não é simples dispêndio de energia, mas atividade pela qual os homens inscrevem seu espírito na matéria e, sem antes o saber, transformam e produzem o mundo” (GORZ, 2006, p. 50-51). 63 Isso é importante, pois pode-se cair no erro de compreender que o trabalho do escravo o forma, o que seria uma compreensão empobrecedora e, obviamente, inaceitável do conceito de trabalho. Em seu comentário, Rauch buscou esclarecer o erro dessa interpretação ao relacionar a libertação do servo hegeliano com a do prisioneiro da caverna platônica: “O que temos aqui não é, por exemplo, a negação que é conseguida pelo prisioneiro na caverna do Platão em sua ascensão espiritual / intelectual para uma realidade superior. A diferença entre o prisioneiro de Platão e o escravo de Hegel é que a negação atingida pelo primeiro envolve uma liberdade apreendida em uma visão abrangente de tudo, enquanto que para o último, qualquer "negação" do mundo é apenas parcial e apenas enfatiza a sua escravização no qual, nada do

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nesse momento é a passagem, tão aspirada na consciência, de um momento

natural para o cultural. Dessa forma, o trabalho efetiva esse momento da

formação, na dimensão dialética do senhor e do servo, pois nele o servo se

torna senhor da natureza, se tornando, por consequência, senhor de si mesmo:

Unicamente o trabalho transforma a natureza em mundo histórico. O trabalho é Bildung no duplo sentido da palavra: por uma parte transforma ao mundo volvendo-o mais adaptado ao homem. Por outra transforma, forma, educa ao homem, o humaniza volvendo-o mais conforme à ideia que ele se faz de si mesmo (VERA, 1964, p. 31).

Assim, Hegel demonstrou que o outro não poderia ser apenas

compreendido como um meio para o gozo das coisas, tomando-o como servo –

por isso “o senhor não está certo do ser-para-si como verdade; mas sua

verdade é de fato a consciência inessencial e o agir inessencial dessa

consciência” (HEGEL, 2001, p. 131); da mesma forma não pode ser apenas

aquilo que conjura o medo da morte, como se posicionara anteriormente o

servo, remetendo ao senhor sua essência, aparecendo assim, “de início fora de

si, e não como a verdade da consciência-de-si” (HEGEL, 2001, p. 131).

Portanto, o reconhecimento ocorre na consciência, por ora duplicada,

mas, na verdade, constituinte de uma unidade, quando sua primeira figura, a

consciência do senhor acaba igualada ao nível da consciência servil (ou a vê

elevada ao mesmo nível de si), ou seja, quando o servo toma consciência de si

como um ser cuja existência completa se encontra mediante o formar, a

disciplina do trabalho, na qual pode reconhecer em sua própria obra seu

próprio ser. Assim, a Formação Cultural proporciona um salto qualitativo na

consciência, descrito por Hegel nesses termos:

No senhor, o ser-para-si é para o escravo um Outro, ou seja, é somente para ele. No medo, o ser-para-si está nele mesmo. No formar, o ser-para-si se torna para ele como o seu próprio, e assim chega à consciência de ser ele mesmo em si e para si (HEGEL, 2001, p. 133).

Fundamental nesse processo, o medo absoluto, que impedia a

consciência servil de se reconhecer como consciência-de-si, é superado, e o

agir da consciência se configura como um movimento absoluto, pois agora é

realmente uma consciência independente. A consciência servil é efetivamente mundo era dele, para começar. O primeiro rejeita a realidade que ele teve, este último nunca teve nada a rejeitar. Dizer, portanto, que o trabalho do escravo é a sua libertação, que o liberta ou dignifica ele, é (na minha opinião) falar mais mito do que verdade. Trabalho liberta e dignifica quando é livre e digno” (RAUCH, 1999, p. 99)

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uma autoprodução de si, possuidora agora de condições para vivenciar a

liberdade, pois superara mais um momento em seu processo de formação. No

entanto, não possamos supervalorizar essa conquista, já que, como bem

afirma Kervégan (2008, p. 65), a dialética do servo e do senhor “não tem o

alcance absoluto [...], pois a inversão da posição inicial de dominação não é o

reconhecimento recíproco exigido pelo conceito de consciência de si.”

Mas Hegel precisou apresentar uma objetividade na Formação Cultural,

pois não poderia a consciência ficar em “uma liberdade que ainda permanece

no interior da escravidão” (HEGEL, 2001, p. 134). Mesmo com os

desenvolvimentos posteriores a reflexão proporcionada pelas figuras da

dominação e servidão, nos quais a consciência passou a se experimentar

como liberdade que pensa através de conceitos, sendo livre nesse pensar:

Surgiu, assim, para nós, uma nova figura da consciência-de-si: uma consciência que é para si mesma a essência como infinitude ou puro movimento da consciência: uma consciência que pensa, ou uma consciência-de-si livre (HEGEL, 2001, p. 134).

A sequência dialética das três figuras – estoicismo, ceticismo e

consciência infeliz –, representa os desdobramentos da consciência-de-si, ou

seja, da reflexão da consciência em si mesma, denunciando uma infeliz

experiência solipsista, na qual o mundo concreto da vida está separado da

consciência. Essa “infelicidade” da reflexão será superada apenas pela razão

autorreconhecida enquanto uma “essência em-si-e-para-si-essente, que ao

mesmo tempo é para si efetiva como consciência, e que se representa a si

mesma para si” (HEGEL, 1992¹, p. 8), ou seja, apenas no espírito teremos uma

completa apreensão do processo da Formação Cultural. Segundo Kervégan,

essa passagem da consciência ao espírito implica na

necessidade de passar do “espírito em seu mundo” ao “espírito consciente de si como espírito”, de recuperar o espírito objetivo, histórico, na eternidade do espírito absoluto. Mas para atingir esse resultado, correspondente ao ponto de vista do saber absoluto, é necessário todo o percurso da Fenomenologia. Ele é longo e supõe a paciência do conceito celebrado no “Prefácio” (KERVÉGAN, 2008, p. 58).

2.4. A Formação enquanto Exteriorização-de-si

Em Hegel, a culminância do imperativo de Píndaro, “Torna-te quem és”,

está na consideração da alteridade. O filósofo demonstrou que o “em-si-

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mesmamento” da consciência impossibilita o processo da Formação Cultural,

pois para que o mesmo ocorra é preciso me confrontar com o diferente, é

necessário me relacionar com aquilo que não sou para me apreender como

aquilo que sou. Assim, o reconhecimento foi o principal elemento da proposta

hegeliana da Formação Cultural, sendo um elemento vital para solução do

problema pedagógico. Mas, sua consecução depende da radicalização de dois

momentos que lhe são intrínsecos, a ser mais bem trabalhada na seção O

Espírito, a saber, a Entfremdung, no sentido de “estranhar-se”, matiz negativo,

e a Entäusserung, no sentido de “exteriorizar-se”, matiz positivo (cf. INWOOD,

1997, p. 45-48).

Cabe informar que tais termos são tidos pela literatura hegeliana como

de vital importância e, por isso, complexos e problemáticos nas traduções de

sua obra, principalmente pela forte influência das interpretações marxistas a ele

aplicadas. Ciente de tal dificuldade, Raniere dedicou-lhe um interessante

ensaio, no qual esclarece a diferença entre as duas palavras alemãs que caem

sob a alcunha de alienação em muitas versões portuguesas, para as quais

estabelece as seguintes definições: a Entäusserung possui “o sentido de

exteriorização (ou extrusão) que é, ao mesmo tempo, realização histórica-

política do espírito e constituição de seu reconhecer-se no percurso rumo ao

saber absoluto”; por sua vez, Entfremdung é para a consciência a

“impossibilidade de sua realização ética – ou seja, o estranhamento” (RANIERI,

2011, p. 77). Por isso, para fins de uma clara exposição, optei por traduzir

Entäusserung por exteriorização e Entfremdung por estranhamento no decorrer

da tese.64

Nessa perspectiva, Hegel propôs uma unidade entre a consciência-de-si,

agora desenvolvida como razão, e o mundo concreto da vida, ou seja, a

64 Nesse sentido, a exposição de Meneses é deveras interessante para compreender a especificidade dessa distinção: segundo o saudoso tradutor de Hegel, deve-se ter presente, antes de tudo, que “Entäusserung e Entfremdung se opõem como gênero e espécie”, ou seja, ambas são um tipo de extrusão, mas a segunda, Entfremdung, poderia ser chamada “extrusão perversa”, por isso deve-se compreendê-la como um estranhamento. Por sua vez, a Entäusserung, a exteriorização, seria uma “boa extrusão”, pois representa um processo de retorno a si. Na compreensão desse intérprete de Hegel, o estranhamento supõe uma exteriorização, pois “é gerada por ela, só que seu resultado, ou objetivação, é excessivo: escapa e se perde do sujeito que o produziu. [...] O indivíduo não se reconhece nessa sua exteriorização-objetivação: toma-a como um objeto estranho, e mesmo hostil. Dela não há retorno, isto é, o indivíduo não chega a refazer sua unidade, reconciliar-se com esse objeto numa unidade verdadeira” (MENESES, 2000, p. 309).

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história, a cultura, forjando assim o momento do Espírito (Geist) na

Fenomenologia: “A razão é espírito quando a certeza de ser toda a realidade

se eleva à verdade, e [quando] é consciente de si mesma como de seu mundo

e do mundo como de si mesma” (HEGEL, 1992¹, p. 8). Dessa forma, cabe

apreender o mundo da cultura, ou seja, o mundo do espírito externado de si

mesmo, ou seja, exteriorizado, no qual a Formação Cultural configurará “o

espírito da [exteriorização] do ser natural” (HEGEL, 1992¹, p. 39).

O uso de Hegel da Bildung no PhG mostra [...] um sentido geral e um específico. A própria PhG, no que diz respeito ao vir-a-ser ou o aparecimento da Ciência, configura-se como um determinado projeto de Bildung. A ciência é antes de tudo, não algo que – na famosa imagem de Hegel – é “um tiro de pistola” (PhG § 27), mas sim algo que entra em cena como o resultado de um processo de formação. E esta Bildung da Ciência é algo que deve ser recapitulado no nível do indivíduo: Hegel faz parte da tarefa do PhG para ser o “pedagógico” que “A tarefa de conduzir o indivíduo, desde seu estado inculto até ao saber” (PhG §28) (SPEIGHT, 2001, p. 76)

O mundo da cultura (Bildung) é o mundo da exteriorização

(Entäusserung), pois exige que o indivíduo se forme por meio de separação e

de oposição consigo mesmo. O objetivo dessa exteriorização não é outro

senão o de elevar a consciência de seu estado de incultura para um estado de

cultura plena, ou seja, a plena efetivação da Formação Cultural no indivíduo.

Dessa forma, o mundo da cultura consistirá em um processo de exteriorização

da exteriorização na consciência-de-si.

Relembremos que o caminho da experiência da consciência implica na

formação do indivíduo em-si, ainda preso a uma existência natural que, na

esfera do espírito, deve necessariamente se alhear e se opor a si mesmo.

Assim como a consciência se duplicou e retornou a si em busca da certeza de

si mesma, a consciência-de-si apenas conclui sua formação, ou seja, apenas

se encontra cultivada, através do processo no qual se separa, se desmembra e

se exterioriza de si mesma. É apenas a partir da exteriorização (Entäusserung)

que a Formação Cultural pode ocorrer. A Entfremdung, ou estranhamento, é a

experiência vivenciada pela consciência ao se relacionar com o mundo da

cultura, do qual se separa sem qualquer chance de retorno: o mundo produzido

pela consciência lhe é estranho e separado, o que tem por consequência uma

necessidade de re-apropriação. Essa experiência negativa se torna formativa

ao ser suprassumida na exteriorização, configurada como a saída-de-si que

traz inerente a si o retorno da consciência para si, se identificando com o

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mundo e consigo mesma. Na concepção hegeliana, essa experiência de perda

de si mesmo é vital para a formação humana.

Mas qual o sentido dessa exteriorização no processo de formação? Para

Hegel, a permanência em si, sem a perda de si e sem a perda do mundo

exterior, impossibilita a Formação Cultural. Por isso, a consciência-de-si que

primeiramente exteriorizou seu ser natural, sua certeza imediata sobre si

mesma, para formar para si o mundo da cultura, se opõe a sua segunda

natureza, fruto de seu próprio trabalho, indo além do simples reconhecimento

imediato através da mediação exteriorizadora. Isso representa o avanço da

consciência em seu caminho de formação, pois além de romper com sua

natureza determinada originária, busca se tornar efetivo no reconhecimento de

sua própria condição de ser histórico-cultural. Sem efetividade, o indivíduo não

realiza em si o tão almejado reconhecimento, por isso a exteriorização é vital

ao processo de formação.

O reconhecimento é efetivo na passagem do particular ao universal. O

indivíduo universal suprassume sua natureza determinada, a cultura,

constituindo sua segunda natureza.

É portanto mediante a cultura que o indivíduo tem aqui vigência e efetividade. A verdadeira natureza originária do indivíduo, e sua substância, é o espírito da [exteriorização] do ser natural. Essa exteriorização é, por isso, tanto o fim, como o ser-aí do indivíduo; é, ao mesmo tempo, o meio ou a passagem, seja da substância pensada para a efetividade, como inversamente da individualidade determinada para a essencialidade. Essa individualidade se forma para ser o que é em-si, e só desse modo é em-si e tem um ser-aí efetivo; tanto tem de cultura, quanto tem de efetividade e poder (HEGEL, 1992¹, p. 39).

A Formação Cultural, como obra da exteriorização do ser natural, é a

formação efetiva do indivíduo, sendo, então, a meta do indivíduo, a mediação

necessária da consciência para a realização enquanto ser ético e livre, detentor

de poder e efetividade. Eis a efetivação da Formação Cultural e a

suprassunção do espírito-exteriorizado-de-si. Assim, se conclui ser a Formação

Cultural na Fenomenologia a efetiva conciliação entre a vontade universal e a

singular, na qual o espírito encontra a si mesmo. O processo de formação da

consciência deve conduzir ao espírito consciente-de-si e livre: o espírito ético,

que se desdobrará na Eticidade:

Hegel vincula a realização da liberdade com o desenvolvimento do espírito, embora ligue-o com o fenômeno da Bildung [...]. O espírito

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como uma atividade infinita de autodesenvolvimento e de autocontemplação é usado por Hegel como equivalente para a liberdade. Na visão de Hegel, tanto o “autodesenvolvimento” do espírito como o da liberdade não são apenas do mundo, mas também realizações humanas. Elas ocorrem na e através da atividade humana ao longo do tempo histórico. No entanto, não são resultados de uma empresa individual, mas sim de um empreendimento da coletividade humana, que deve ser compreendido como a atividade universal de enculturação (Bildung) (BYKOVA, 2009, p. 278).

Abandona-se o formalismo, pois horizonte da Formação Cultural não é

mais o arbítrio do indivíduo, mas o universal, considerado como o fundamento

das vontades individuais. Isso se efetiva quando o mundo da objetividade não é

mais concebido como algo estranho e contraposto ao mundo do sujeito. O

mundo da objetividade é concebido, então, como tradução da vontade do

indivíduo.

Dessa forma, a Formação Cultural existe apenas no momento em que

há o mútuo perpassar entre a vontade individual e o mundo cultural. Desse

modo, haverá formação para uma efetiva liberdade quando o indivíduo não for

considerado o fim absoluto de vida coletiva e nem sacrificado em nome de uma

universalidade abstrata, pois em Hegel a liberdade só se efetiva como unidade

do universal e do particular, principal objetivo do processo de formação.

A Fenomenologia, portanto, não é nem uma antropologia nem uma

filosofia da história. Ela expõe o caminho da “formação” ou “cultura” (Bildung)

da consciência para a ciência, ou seja, para o estágio em que o espírito se

manifesta como absoluto naquele que é, para Hegel, o kairós, o tempo propício

da modernidade. Nesse sentido, a Fenomenologia cumpre a mesma tarefa do

logos dialogal, condutor do discípulo na Paidéia platônica e que, personificado

em Sócrates, deve levá-lo até à intuição da ideia do Bem, expressão

apreendida na introdução ao sistema hegeliano como Saber absoluto,

desenvolvida até se efetivar na figura do espírito absoluto.

Na Fenomenologia, Hegel delineou o caminho pressuposto para

qualquer um que queira enveredar pelo projeto universal da Formação Cultural.

A partir dessa obra, conclui que a formação da consciência somente pode ser

compreendida por quem parte do pressuposto metodológico que é o

reconhecimento de si, já que é um pressuposto possibilitador da mesma.65

65 Pois, como bem diz Lebrum: “o dialético, portanto, se encarrega de remar contra a corrente e de afastar seus ouvintes do uso comum da linguagem: ao deslocar os conceitos usuais, ao

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Recorde-se que a Fenomenologia expôs “o vir-a-ser da ciência em geral ou do

saber” (HEGEL, 2001, p. 35), tratando de mostrar, de fazer patentes, os

conteúdos e o desenvolvimento da experiência da consciência em seu

processo de autocultivo. Nela a Formação Cultural estava relacionada à

formação da consciência, que através de um método dialético-fenomenológico

deve ser capaz de compreender a estrutura de si mesma e do mundo.

O método dialético-fenomenológico de Hegel consiste em reconsiderar

ou reexaminar os conteúdos da consciência, compreendendo seu processo

progressivo a partir de um começo, situado na razão observante, até chegar a

um fim, o saber absoluto – que já é um novo começo, conforme a própria

proposta dialética de Hegel exige. O que me permitiu compreender esse

processo na Fenomenologia como uma pedagogia do caminho, pois tal

proposta poria de manifesto o caminho que tem percorrido a consciência para

chegar ao momento em que se encontra apta a efetivar os ideais do espírito

absoluto (der absolute Geist) na realidade, se tornando assim o caminho que

tem de percorrer todo indivíduo, se é que quer chegar a este ponto último: “o

espírito que se sabe a si mesmo” (HEGEL, 2001, p. 204) – o que posso

compreender como a expressão hegeliana análoga ao já mencionado “Tornar-

te quem és”, de Píndaro.66

No entanto, apreender o conceito de Formação Cultural em Hegel como

um projeto de autoconscientização do indivíduo, implica em compreendê-lo

como o efetivar dos ideais do espírito absoluto. Segue-se daí que a

consecução desses ideais é a demonstração de que a razão humana, agora

ciente de suas possibilidades, alçou seu voo sobre a construção de sua

realidade.

Por isso, as pretensões da Formação Cultural hegeliana se situam além

da tarefa pedagógica, pois a elaboração de uma teoria da educação não

configurava um dos temas essenciais do sistema, como bem expressa a

dissipar as pobres convicções que os induziam, ele conduzirá o interlocutor da incultura até o saber absoluto. Essa é a paidéia presente tanto na alegoria da Caverna quanto na Fenomenologia” (LEBRUM, 1988, p. 12). 66 Pois para Hegel esse saber de si como espírito significa que o Espírito “deve ser para si como objeto, mas ao mesmo tempo, imediatamente, como objeto suprassumido e refletido em si. Somente para nós ele é-para-si, enquanto seu conteúdo espiritual é produzido por ele mesmo. Porém, enquanto é para si também para si mesmo, então é essa dose, o puro conceito; é também para ele o elemento objetivo, no qual tem seu ser-aí e desse modo é, para si mesmo, objeto refletido em si no seu ser-aí” (HEGEL, 2001, p. 33-34).

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sequência lógica de suas obras. Na verdade, o que Hegel compreende por

Formação Cultural não pode estar limitado a uma esfera escolar, quem sabe

por causa disso não tenha sido formulada pelo filósofo em nenhum tratado

específico, já que não era de seu interesse apreender a mesma enquanto

disciplina acadêmica, como foi, por exemplo, exposta na compilação das lições

Sobre Pedagogia (Über Pädagogik) de Kant (cf. KANT, 1999, p. 5).

No entanto, questões de ordem pedagógico-escolar são elementos da

Formação Cultural, especificamente das dimensões didática e administrativa,

que podem ser encontradas em algumas passagens essenciais dos Discursos

sobre Educação, ainda que os mesmos sejam fruto de um encontro bastante

contingencial de Hegel com a educação institucional. Os Discursos de

Nüremberg esboçam uma proposta pedagógica hegeliana, configurada em

uma educação institucional, compreendida desde então como uma esfera

capaz de efetivar os ideais do projeto da Fenomenologia, constituindo a forma

da cultura no homem, a partir de então, educado, formado. Nesses escritos, o

conceito de Formação Cultural é apresentado como um itinerário curricular, ou

seja, como um processo de formação institucionalizado que deve preparar os

indivíduos para sua entrada na vida pública. Embora Hegel se paute na

realidade do sistema escolar alemão, não deixa de apresentar sua

compreensão de uma Formação Cultural via instituição escolar.

A escola é elencada pelo filósofo dentre uma das instituições sociais,

políticas e econômicas nas quais o espírito absoluto é manifestado, pois é no

homem que tal processo de manifestação no mundo atinge seu ápice. No

entanto, o filósofo ressalta que a formação humana não finda nessa esfera

institucional, pois é marcada pela universalidade da cultura, ou seja, do

conteúdo ou substância do espírito de um povo.

Interpretado a partir dessas bases, o sistema hegeliano configura uma

verdadeira pedagogia do caminho, propondo conduzir os indivíduos em sua

particularidade, marcada por um estado natural de quase inconsciência, à

universalidade ou autoconsciência, momento em que efetiva em si o saber

absoluto (das absolute Wissen). Com a análise dos Discursos sobre Educação

de Hegel, passo à segunda dimensão que a Formação Cultural assume em

minha pesquisa: a formação institucional realizada na escola.

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Capítulo 3 A Institucionalização da Formação Cultural: os Discursos sobre Educação de Nüremberg (1808-1815)

Partindo da perspectiva de que a reflexão filosófica sempre chega “tarde

demais”, ou seja, compreendendo que ao filósofo cabe o percurso já trilhado

pelo espírito, sendo sua reflexão a consideração posterior dos “fatos”, nesse

caso dos fatos culturais, históricos e intelectuais de seu tempo, a pretensão

hegeliana quanto a Formação Cultural é de descrever um processo que já

ocorreu na historia. Nesse aspecto é capital a sentença encontrada em sua

Filosofia do Direito, de que “a coruja de Minerva somente começa seu voo com

a irrupção do crepúsculo” (HEGEL, 2010, p. 44), não sendo a Formação

Cultural um dever-ser em vias de efetivação, mas um processo efetivado e,

justamente por isso, sempre efetível por todos.

Assim, não se deve esquecer a sentença hegeliana de que “a filosofia é

também seu tempo apreendido em pensamentos” (HEGEL, 2010, p. 43), pois

visa exprimir o espírito em sua manifestação no tempo. Não obstante, incorre o

filósofo na missão irrenunciável de criticar seu tempo, expondo-o como

manifestação do espírito na destruição sistemática dos conceitos e momentos

em voga e denunciar sua superação, não podendo sua análise da formação

humana ser separada de uma visão filosófica de seu contexto – lembrando

que, segundo Hegel, em filosofia só são permitidos discorrer sobre algo

aqueles que demonstrem e deduzam a partir do conceito (cf. HEGEL, 2010, p.

165, §141, Obs.). Tarefa que Hösle assim descreve:

a filosofia é recordação, olhar retrospectivo ao passado, não prolepse e projeto do que há de ver, do que há de se tornar realidade. E, na medida em que o que deve ser não está ainda realizado, não pode interessar à filosofia; ela apenas deve compreender o que é e o que foi (HÖSLE, 2007, p. 468).

Dessa forma, ainda que sua proposta de Formação Cultural seja

universal, o relato hegeliano se restringe a um mundo e a um contexto

específico, pois “cada um é de toda maneira um filho de seu tempo” (HEGEL,

2010, p. 43), e no caso hegeliano seu tempo é a passagem europeia do século

XVIII ao século XIX.

Em discussão com as correntes filosóficas e pedagógicas de seu tempo,

Hegel defende a possibilidade da razão guiar a consciência para que as

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situações de fragmentação sejam desveladas e, assim, pela Formação Cultural

o homem possa tornar-se aquilo que é. Dessa forma, se configura a Formação

Cultural a concepção de dever para consigo mesmo (cf. HEGEL, 1989, p. 310-

316), fundada por Kant, na qual é posto em evidência um indivíduo ativo, que

assume uma reivindicação de responsabilidade total, mas a qual, segundo

Hegel, deve ser acrescentada o elemento dialógico e intersubjetivo como

constitutivo (cf. GADAMER, 1999, p. 48-49; BYKOVA, 2009, p. 278-281).

Sendo a maioria das propostas pedagógicas nos séculos XVIII-XIX uma

espécie de ressonância do projeto kantiano do Sapere aude!67, se pensa um

indivíduo com a liberdade e poder de fazer frente às fragmentações impostas a

sua formação. Em tal proposta a dignidade humana é constitutiva, pois se

ratifica que o homem possui valor intrínseco por ser fim em si mesmo (cf.

KANT, 1974, p. 228-229).

Pensando nisso, busco agora apreender o pensamento hegeliano sobre

a Formação Cultural em sua manifestação no tempo e em sua objetivação

histórica. Os elementos constituintes dessa historicização da Formação

Cultural, com suas metas necessariamente realizáveis e suas dificuldades

possivelmente solucionáveis, surgem como o objeto de análise primordial

nesse momento da tese.

3.1. A Formação Cultural é Histórica

Sabe-se que após a publicação da Fenomenologia a situação dos

intelectuais em Iena, com a chegada das tropas de Napoleão, não era das

melhores. Segundo Konder, “a Universidade não conseguia funcionar, Hegel

não conseguia receber dinheiro algum e cresciam as tensões decorrentes do

nascimento do filho que tivera com a Sra. Burkhardt” (KONDER, 1991, p. 37).

Relata ainda que o filósofo buscou obter uma cátedra na Universidade de

Heidelberg, mas não obteve êxito – isso somente ocorreria em 1816.

67 “Ouse saber!”, famosa expressão latina utilizada por Kant para expressar o ideal da Aufklärung. Mas Dilthey chama a atenção de que não fora apenas a filosofia kantiana a exercer sua influencia sobre Hegel, pois “A geração a que pertencia Hegel estava ao mesmo tempo sob a influência do idealismo de Kant e de Fichte e a da Revolução Francesa. Ela estava tomada pela ideia de uma potenciação da humanidade e de futuras ordenações superiores da sociedade” (DILTHEY, 1990, p. 185).

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Sem muitas opções, Hegel foi ao encontro do amigo I. Niethammer, que

gozava de boas relações políticas no período. Esse lhe arranjou um emprego

como editor do Jornal de Bamberg (Bamberger Zeitung), no entanto, mais uma

vez suas atividades profissionais foram afetadas pelas decorrências da invasão

francesa. A censura das autoridades locais tornou sua nova função um

expediente arriscado e, a menos de um ano de sua chegada em Bamberg, teve

de deixar a direção do jornal, não sem antes ter sido convocado a prestar

esclarecimentos sobre a publicação de uma informação sobre assuntos

militares bávaros (cf. ALTHAUS, 1999, p. 212-223).

Diante desses fatos, o amigo solicitamente ofereceu-lhe outro emprego:

diretor e professor de filosofia em um ginásio oficial que havia recentemente

sido criado em Nüremberg. Por sorte, Niethammer foi nomeado em 1807

conselheiro escolar central para a confissão protestante, junto ao Ministério

Bávaro do Interior, e não encontrou dificuldades para, em 26 de outubro de

1808, confirmar ao filósofo que “fora nomeado professor das ciências filosóficas

preparatórias e por sua vez Reitor do Ginásio de Nüremberg” (HEGEL, 1962, p.

225-226).

Assim, Hegel foi conduzido caoticamente à complexa tarefa de educar

os jovens e dirigir um instituto de ensino. Caberia agora ao filósofo enfrentar o

problema pedagógico em duas frentes: a didática e a administrativa. Dentre

essas duas frentes, a primeira seria, com certeza, a que mais angustiaria o

filósofo, como denuncia outra carta ao amigo e protetor:

é mais fácil fazer-se incompreensível de uma forma sublime, que ser compreensível de uma forma simples, [...] a instrução da juventude e a preparação da matéria para isso constituem a última pedra de toque da clareza” (HEGEL, 1962, p. 163).

Já quanto as questões administrativas, anuncia em seu discurso de

1809 que havia muito a ser realizado nesse âmbito, já que as próprias

instalações do ginásio careciam de necessidades materiais:

Se o aspecto interno neste ano tem pouco a oferecer à historia, em contrapartida, as necessidades materiais, na sua maior parte, ainda vão iniciar a sua historia [...] A necessidade exterior mais notória é o melhoramento do local que nos foi transmitido no estado totalmente degradado que se conhece, o qual chegava a indecência (HEGEL, 1994, p. 50).68

68 A preocupação hegeliana é pertinente, pois como bem argumenta Barguil em seu texto Educação e Arquitetura: é possível uni-las?: “O prédio escolar é um dos elementos imprescindíveis para uma Educação de qualidade” (BARGUIL, 2006, p. 167), o que ratifica a

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Assim, Hegel adentrara na reforma do sistema educacional germânico

de uma forma muito mais onerosa e complexa que a dos pensadores da

mesma (Humboldt, Niethammer ou Fichte), pois teve de vivenciar o cotidiano

escolar na linha de frente das ações educativas, sendo formulador e executor

da mesma. Para isso, teve de enfrentar a necessidade da reformulação teórica,

na concepção de um currículo no qual a Formação Cultural pudesse ser

efetivada, e em uma série de questões de ordem prática, como as condições

de prédios, a preservação de acervos, a captação e distribuição de recursos, o

gerenciamento do pessoal docente e técnico, dentre outras.

Na verdade, o filósofo tinha diante de si uma das tarefas mais

desafiadoras do pensamento pedagógico: estabelecer uma efetiva relação

entre a teoria pedagógica e prática escolar cotidiana. Esse desafio se impunha

principalmente aos filósofos, já que esses sempre gozaram de uma má fama

quanto a questões práticas, como Herder já denunciara:

Se quiserdes ver mal feita uma qualquer tarefa, entrega-a a um filósofo. No papel vereis a pureza, a delicadeza, a beleza, a grandiosidade da concepção! Na execução vereis o desastre! A cada passo ficará perplexo, petrificado perante as dificuldades e as consequências imprevistas (HERDER, 1995, p. 70).

Herder fala com conhecimento de causa, pois desempenhou, a convite

de Goethe, a função de conselheiro do alto consistório do Ducado de Weimar

(cf. BOSSERT, 1882, p. 112; HORLACHER, 2004, p. 420-424), mas suas

críticas se dirigem a um público determinado, os pensadores da Aufklärung,

aos quais Hegel também teceu uma série de críticas. Além disso, a dedicação

de Hegel à sua nova função foi intensa, como bem demonstram seus

Discursos, proferidos não apenas para a comunidade escolar do Ginásio, mas

para autoridades fiscais do governo prussiano. Além disso,

As lembranças de antigos alunos nos instruem significativamente sobre a gestão competente, rigorosa e preocupada com os mínimos detalhes que foi a de Hegel, que cultivou, com o passar dos anos – a crermos no testemunho das autoridades – “a opinião do público local culto” (ROSENZWEIG, 2008, 331-332).

Como prova dessa dedicação, temos a atenuação de suas tarefas

institucionais em 1813, quando assume também a função de conselheiro argúcia do filósofo em sua nova função, pois geralmente a preocupação dos teóricos da educação recai sobre os pressupostos filosóficos, sociológicos e históricos de um modelo escolar, descuidando do currículo “oculto” do prédio escolar. No decorrer da tese voltarei a tratar da proposta hegeliana de um modelo de escola.

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escolar da cidade de Nüremberg (cf. HEGEL, 1962, p. 18), fato que, segundo

Ginzo, não fora aceito sem certa hesitação pelo filósofo:

ao ser nomeado Conselheiro escolar, reconhece certamente as possibilidades que lhe são abertas, de influir no âmbito educativo, porém não pode deixar de confessar, por sua vez, que sua inclinação fundamental versa sobre o cultivo das ciências e sobre a condição de professor e que por isso deve considerar aquele outro tipo de dificuldades, entre elas, naturalmente, as de caráter econômico, nas quais teve que desenvolver-se a existência do Ginásio, e que em algum momento chegaram a ameaçar sua sobrevivência como tal, não faziam mais que acentuar o estado de ânimo negativo em que se encontrava Hegel com respeito a dito tipo de atividades (GINZO, 2000, p. 25).

Dessa forma, não é sem concessões que apresento uma perspectiva

pedagógica hegeliana nesse período, já que as circunstâncias de tais reflexões

não foram as mais favoráveis. Ciente disso, busco manter o ideal sistemático

da proposta hegeliana, relacionando tais reflexões pedagógicas aos

desenvolvimentos da proposta ético-política da Filosofia do Direito. Na medida

em que os desenvolvimentos dessa obra expressam o historicizar da Formação

Cultural na vida dos povos, as reflexões educacionais dos Discursos de

Nuremberg podem ser deduzidos como as experiências pressupostas pelo

filósofo nesse processo de formação.

Dentre os escritos hegelianos, com certeza será nos redigidos no

período de Nüremberg que mais vivamente “assistimos a aplicação ao domínio

particular da vida da escola de vários temas da filosofia do espírito e da lógica

hegeliana” (FERNANDES, 1994, p. 11). Por isso, será nessa série de informes,

cartas e discursos proferidos aos finais de ano letivo que encontraremos as

mais concretas reflexões que Hegel se propôs sobre o problema pedagógico.

Além disso, dentre os escritos do período de Nüremberg, temos a

coletânea constituída a) pelos cadernos de aula utilizados pelo filósofo em seu

ensino de filosofia durante o período de 1808 a 1811, e b) pelas notas

resultantes da elucidação oral dessas aulas. Esse conjunto foi editado sob o

título de Propedêutica Filosófica (Philosophische Propädeutik)69, constituindo o

adicional volume XVIII das obras completas de Hegel. Tais textos estão longe

69 Essa compilação realizada por K. Rosenkranz de “uma confusão de papéis”, que o mesmo descobrira em 1838, pode ser considerada o primeiro esboço da versão enciclopédica de um sistema da ciência, pois situa-se no período em que Hegel ainda busca uma estrutura ou forma de seu sistema filosófico (1807-1817).

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de constituir um escrito orgânico, mas indicam uma preocupação didática do

professor Hegel na exposição de seu conteúdo.

Para Hartkopf (1980, p. 233), encontramos nesses cadernos de aulas

toda uma “dialética do pedagógico”, que por sua vez deve ser contextualizada

com os desenvolvimentos do próprio sistema (cf. VECCHI, 1975, p. 121, nota

26). Ainda que a educação e a pedagogia não tenham sido temas

contemplados com um escrito próprio no sistema hegeliano70, o próprio filósofo

relata, em uma carta a Niethammer, que o exercício das atividades

pedagógicas, por sua função de professor, e o conhecimento vivido dos

problemas escolares, por sua função de reitor, acabaram por torná-lo “um

pedagogo filósofo” (HEGEL, 1962, p. 371), pois se vê obrigado a explicitar sua

concepção acerca do sentido e do alcance da atividade educativa.

Comentando essa forçada relação de Hegel com questões pedagógicas,

Bourgeois escreve:

O “Sistema da ciência”, em sua primeira parte, é outra coisa que a pedagogia científica pela qual a consciência empírica individual parece poder, a partir dela mesma, elevar-se ao saber absoluto do espírito universal? A pedagogia, esta expressão privilegiada do espírito do tempo, obteria assim sua consagração filosófica no sistema hegeliano, que podia então ser caracterizado como uma filosofia pedagógica, como a filosofia pedagógica. Hegel se apresentaria como sendo por excelência o pedagogo da filosofia, o filósofo pedagogo! (BOURGEOIS, 1990, p. 9-10).

A proposta universalizante, iniciada na Fenomenologia, de uma

Formação Cultural da consciência tem aqui nesses escritos sua objetivação:

coube ao filósofo adaptar à realidade educacional alemã sua proposta de

formação, que influenciará diretamente sua descrição do momento da Eticidade

na Filosofia do Direito.

Não por acaso, se seguiram inúmeros estudos sobre a questão

pedagógica da Formação Cultural em Hegel já desde seu falecimento. A falta

de um tratamento específico da relação entre a moral e o pedagógico no

sistema hegeliano fora evidenciada por Rosenkranz, que não deixou de tentar

erigir uma proposta pedagógica, ainda que voltada para a formação de

professores, em sua obra A Pedagogia como Sistema (Die Pädagogik als

System) (1848). Como mencionado, essa lacuna tentou ser preenchida por G.

70 Apesar de sabermos que Hegel tenha exposto o desejo, em carta a Niethammer, de escrever uma pedagogia política (Staatspädagogik), o que nunca aconteceu (cf. HEGEL, 1952, p. 271).

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Thaulow, que organiza uma antologia, em três volumes, recolhendo referências

ao tema da educação ao longo da obra hegeliana. Como a proposta de

Thaulow não deixa de ser uma compilação assistemática de passagens

selecionadas nas obras de Hegel, a mesma não permite a pressuposição de

que exista uma proposta pedagógica hegeliana propriamente dita, pois

mesmo nesses escritos que em circunstâncias diversas tratam de questões pedagógicas, muitas expectativas serão frustradas, pois é preciso não superestimar o interesse que Hegel dedica ao que ordinariamente chamamos de educação da vontade ou formação do caráter. Não sem razão, com efeito, ele receava que esforços educativos desse tipo não recaíssem sub-repticiamente na doutrinação ou no adestramento, abandonando, no meio do caminho, a razão tal como ela se exprime no entendimento, na prudência e na sagacidade do indivíduo (PLEINES, 2010, p. 13).

No entanto, as mesmas servem de norte para determinar as posições de

Hegel sobre a questão pedagógica da Formação Cultural. Os escritos do

período de Nüremberg71, principalmente seus Discursos, ganharam especial

atenção por evidenciarem suas conclusões quanto à questão da educação,

surgindo daí uma série de estudos que tinham por objetivo determinar o papel

da pedagogia no sistema hegeliano.

Por isso, os Discursos proferidos aos finais do ano letivo são

fundamentais para perquirir em que bases conceituais assenta o trabalho

pedagógico em Hegel. Nesses Discursos o filósofo descrevera dialeticamente a

Formação Cultural, tomando-a como um processo de exteriorização e retorno,

em que a consciência juvenil é continuamente convidada a sair de um estado

natural através de uma ascese cultural. Outra relevante constatação é de que,

nos Discursos, Hegel defende uma proposta curricular bem específica para o

nível ginasial, o que demonstra a harmonia de seus pressupostos sistemáticos

com o projeto de reforma que circunda o ensino alemão nesse período.

No entanto, não esqueçamos que “a coruja de Minerva somente começa

seu voo com a irrupção do crepúsculo” (HEGEL, 2010, p. 44), pois Hegel não

formula, partindo apenas de suas convicções, uma postura pedagógica, antes

se preocupa em apreender as demais propostas que estão em vigor em sua

época. Além disso, assume o neohumanismo pedagógico proposto por

71 Publicados pela primeira vez em 1834, no volume XVI, da edição das obras de Hegel organizada pela Sociedade dos Amigos do Morto (Verein von Freuden des Verewigten).

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Niethammer72, ao qual consagrara esforços bem antes de sua posse como

reitor do Ginásio, como bem afirma Ginzo,

Hegel já estava a par dos trabalhos de Niethammer, antes de sua nomeação em Nüremberg, os seguiu com interesse e lhes mostrou seu apoio, sobretudo aos trabalhos referentes ao Ginásio. Uma vez integrado a seu cargo no Ginásio de Nuremberg, a Normativa vai contituir o marco referencial de sua nova atividade. [...] já em Berlim, Hegel lhe fala de seu projeto de escrever uma obra sobre Pedagogia, sem a menor dúvida em assinalar que seu desenvolvimento viria a consistir em uma explicitação da Normativa e das Instruções fornecidas por Niethammer (GINZO, 2000, p. 24).73

Isso é evidente nos Discursos, nos quais apresenta um modelo

educacional de forte teor neo-humanista, no qual crê ser possível formar o

homem. Hegel mescla aos ideais da pedagogia neo-humanista proposta por

Niethammer suas reflexões quanto a Formação Cultural, elaboradas na

Fenomenologia, erigindo assim um discurso abrangente sobre a temática

educacional. Hegel, assim como Niethammer, acreditavam que a vida moderna

tinha que permitir que a Formação Cultural, especificamente as pessoas de

Formação Cultural, constituísse a elite de uma nova vida social – o que não

fora, por motivos óbvios, bem recebido pela, na época, atual elite

conservadora. Não por acaso, em suas cartas, Hegel expunha aos amigos sua

crença nos ideais da Formação Cultural:

Mas manifesta tua atenção pela historia de nosso presente, e pode que não haja nada mais convincente que esta historia para mostrar que a Formação Cultural triunfa sobre a grosseria, e o espírito sobre o entendimento desprovido de espírito e a falsa sutilidade (HEGEL, 1962, p. 129).

Por isso, o processo educativo proposto por Hegel em sua compreensão

do problema pedagógico somente se pode dar na experiência vivida pelos

72 Sobre o neohumanismo proposto por Niethammer, informa Pinkard: “Para os neohumanistas, a educação tinha que estar fundamentalmente encaminhada para a Bildung, para colocar aos Estudantes em uma posição desde a qual pudessem dar cumprimento a um certo ideal de humanidade, a saber: o de devir uma pessoa cultivada e de gosto que fosse por sua vez responsável por sua própria direção e formação. Os proponentes do neohumanismo buscavam, portanto, um tipo de educação universal que pudesse ser identificada com a Bildung” (PINKARD, 2002, p. 351). 73 Niethammer publicara, em 1808, A luta do filantropismo e do humanismo na teoria pedagógica do nosso tempo, como exposição de suas perspectivas pedagógicas, e no mesmo ano, após assumir o cargo de conselheiro superior das escolas e dos cultos para a confissão protestante, a “Normativa para a organização dos estabelecimentos de ensino publico do reino”, no qual expôs seu projeto de reforma educacional. Nessas obras crítica veementemente o utilitarismo da pedagogia iluminista, que baseava-se, a seu ver, na unilateralidade do entendimento, motivo pelo qual propõe sua perspectiva neohumanista de uma formação integral do homem (cf. PINKARD, 2002, 354-358; LA VOPA, 1988, p. 264; GONON, 1995, 69-71).

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indivíduos, não sendo esse processo de formação “a tranquila continuação de

uma cadeia” (HEGEL, 1994, p. 34). Uma vez que o verdadeiro educador do

povo são suas experiências, pelas quais o espírito se manifesta na história, o

processo educativo, em seus âmbitos escolar e familiar, se torna

necessariamente processo formal e complementar.

Assim, reconhecer que a criança e o jovem são subjetividades imediatas

que precisam ser conformadas à Eticidade própria do espírito do povo, se

configura, na visão de Hegel, como uma proposta reconhecidamente

fundamental ao processo educacional. Se a educação escolar só pode ser

inicialmente disciplina formal, uma vez que deve ajustar, de maneira externa,

cada singularidade à Eticidade do povo, devemos reconhecer a experiência

histórica vivenciada por um determinado povo em suas tradições, em sua

cultura, como um dos principais elementos da Formação Cultural. Isso é, em

uma perspectiva hegeliana, uma necessidade do humano. A liberdade não

encontra sua realização adequada no âmbito da subjetividade, senão na vida

em sociedade, no mundo objetivo criado pelo homem, ou melhor, nas

instituições que articulam dita vida em sociedade. Dessa forma, segundo

Bourgeois, não se pode desconsiderar a importância da instituição escolar,

pois:

Certamente, a escola não é a única a educar, mas e a única instância educativa capaz de fazer realizar-se nela, e também nas outras instâncias educativas, o objetivo da educação. A família educa, mas apenas por um momento dela mesma, embora este seja o terceiro, isto e, o mais concreto: totalidade fechada sobre si mesma, privada de acréscimo, ela freia tanto o desenvolvimento da singularidade quanto o da universalidade, cuja tensão cultivada somente o processo educativo mobiliza (BOURGEOIS, 2004, p. 111).

Sendo a educação institucional um percurso para a Formação Cultural,

na medida em que desenvolve os elementos fundamentais à formação de um

indivíduo ético, autônomo, civilizado e cidadão, cabe agora compreender como

tais princípios educacionais formam o indivíduo para sua realização histórica,

pois “É na vida de um povo que o conceito tem, de fato, a efetivação da razão

consciente-de-si e sua realidade consumada” (HEGEL, 2001, p. 222).

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3.2. Um Projeto Educacional baseado na Filosofia Hegeliana

Os Discursos de Nüremberg expressam a tentativa de objetivação dos

ideais de uma Formação Cultural institucional, ou seja, o que foi vislumbrado

na Fenomenologia será efetivado a partir de instituições como a escola, nas

quais ocorrerá o processo de objetivação do espírito no mundo da cultura. Em

seus Discursos Hegel compreende a Formação Cultural como um processo

formal, no qual o desenvolvimento dos indivíduos em formação deve ocorrer a

partir de sua apreensão de conhecimento produzido até então – a ciência – e

do condicionamento do corpo e do espírito para tal.

Essa etapa “institucional” será fundamental para que os indivíduos em

formação se tornem expressões do Espírito Absoluto ao longo do processo

histórico, compreendendo a si mesmos e se tornando efetivamente livres, ou

seja, autoconscientes.74 O homem, que é espírito e natureza, se torna espírito

completo através da mediação de uma teoria da educação (Erziehung), a qual

tem por objetivo a formação do mesmo. Mas agora a Formação Cultural não

será exposta a partir da experiência da consciência em sua estrutura

fundamental, mas em seu âmbito prático e objetivo.

Os Discursos salientam a função social imposta à Formação Cultural, o

que demanda a formulação de uma teoria da educação que a possibilite e

realize. Por isso, ainda que o principal motivo dos Discursos seja a obrigação

do filósofo enquanto reitor de expor aos representantes do Estado e aos pais e

responsáveis, o que fora o ano escolar, aproveitara tais oportunidades para

apresentar seu parecer sobre uma série de questões educacionais e de

possíveis soluções às mesmas.

Ainda que não possa se afirmar que tais escritos erijam uma teoria da

educação hegeliana, o que é sempre bom salientar, esses Discursos apontam

o papel que uma educação institucionalizada pode desempenhar na

consecução dos ideais universais da Formação Cultural. Ainda que esta

institucionalização seja apenas uma parte do processo de formação humana,

não configurando por si só a completa efetivação do mesmo, como expressou

74 Como bem afirma na Fenomenologia do Espírito: “A tarefa de conduzir o indivíduo, desde seu estado inculto até ao saber, devia ser entendida em seu sentido universal, e tinha de considerar o indivíduo universal, o espírito consciente-de-si na sua formação cultural” (HEGEL, 2001, p. 35).

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o filósofo em seu discurso ao reitor Schenk, de 1809, onde reconhece que “a

influência das instituições é poderosa”, mas não deve ser supervalorizada, pois

“o espírito do homem é ainda mais poderoso e a insuficiência daquelas pode

ser completada e superada por este” (HEGEL, 1994, p. 24), ou seja, caso seja

deixada apenas à mercê da educação institucional, a formação humana tende

a ser insuficiente (cf. HARRIS, 1997¹, p. 71).

Isso porque uma teoria da educação, que estrutura a instituição escolar,

apenas traça as práticas de transmissão do saber enciclopédico tecido a partir

do caminho que a humanidade trilhou até os dias atuais – o que implica no

desenvolvimento de técnicas de ensino-aprendizagem, configuração de

espaços propícios à aprendizagem, seleção de conteúdos e materiais didáticos

etc. Hegel será impositivo quanto à importância que a coletânea de saberes

matemáticos, linguísticos, geográficos, históricos, políticos, bioquímicos, físicos

e, principalmente, filosóficos, representa ao indivíduo em formação. Tais

conteúdos devem ser apreendidos por esse indivíduo através de uma teoria da

educação coerente e sistemática, o que expõe o teor pedagógico que o

processo de formação deve possuir no ensino das novas gerações.

Dessa forma, Hegel compreenderá a teoria pedagógica como um

instrumento necessário à Formação Cultural, já que a posse da cultura (Kultur)

é uma condição básica ao desenvolvimento do indivíduo em formação. O

filósofo acredita que a Formação Cultural é o processo através do qual “Um

homem culto em geral na realidade não limitou a sua natureza a algo de

particular, mas, pelo contrário, tornou-a apta para tudo.” (HEGEL, 1994, p. 44),

mas isso somente é possível pela apreensão do tesouro cultural produzido até

então.

Embora não seja o que se conhece, mas o como se conhece e as

capacidades de se servir desse conhecimento, o elemento vital desse

processo, a seleção do conteúdo e a sua transmissão são questões relevantes,

sendo impostas ao processo de formação. A Formação Cultural se configura

como uma capacidade crítica e especulativa na qual o indivíduo é capaz de

vislumbrar o todo a partir do relacionar das partes. E essa é a forma por meio

da qual o espírito se torna consciente de si mesmo no constante superar do

imediato estado natural, corporificado na cultura que se lhe antepõe e na qual

se exterioriza (cf. HEGEL, 1994, p. 34-35).

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A Formação Cultural é um processo em que há a presença constante de

uma angústia de aperfeiçoamento e mudança, pois é característico do homem

culto o fato de estar em um processo reflexivo, imerso em um conhecimento

voltado para si mesmo. E é aqui que entra a relevância da seleção de

conteúdos para uma demarcação da ciência, enquanto uma lógica de

argumentação do conhecimento científico, identificando o ponto de ruptura com

o senso comum, o que em termos hegelianos representa a ruptura do estado

natural para o elevado estado cultural próprio da Formação Cultural.

Porém, não posso incorrer no erro de identificar as reflexões filosófico-

educacionais hegelianas com os modelos sociais e educacionais promotores

de formação pragmática e utilitária, pois a proposta é dar as bases necessárias

para formulação de um currículo escolar cuja principal tarefa é fazer éticos os

homens, levando-os a suprassumir o natural, transformando essa sua primeira

natureza em uma segunda natureza ou saber incorporado, de caráter espiritual

(cf. HEGEL, 2010, p. 56), pois o natural é transcender o estado natural, e não

estagnar no mesmo. O que foi exposto já na Fenomenologia, onde o filósofo

dirige uma dura crítica a uma postura naturalista da educação:

Enfim, se a consciência simples exige a dissolução de todo esse mundo da inversão [...] a exigência desse afastamento não pode ter a significação de que a razão abandone de novo a culta consciência espiritual a que chegou, que deixe a extensa riqueza de seus momentos afundar de volta na simplicidade do coração natural, ou então recair na selvageria e na vizinhança da consciência animal, – a que chamam “natureza” e “inocência”. Ao contrário: a exigência dessa dissolução só pode dirigir-se ao espírito mesmo da cultura, para que de sua confusão retorne a si como espírito e atinja uma consciência ainda mais alta (HEGEL, 1992¹, 58-59).

Por isso defenderá uma teoria da educação que amplie o círculo de

visão da juventude em formação, proporcionando essa tão necessária

passagem ao mundo espiritual.

Já quando inserida nos anos da aprendizagem a juventude reconhece com alegria como, com as lições, se abrem ao seu espírito novas representações, conceitos, verdades; percebe com gratidão este prolongamento gradual do seu círculo de visão, esta abertura do conteúdo e sentido, antes apenas pressentido, da vida natural e espiritual (HEGEL, 1994, p. 22).

Encontra-se em Hegel uma educação voltada para um processo de

autoconscientização, na qual o homem possa se fazer a partir de um projeto

universal, marcado pelo retorno a si mesmo do espírito absoluto, que é

proposto de forma racional e livre.

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O ser humano é inconcluso, e enquanto inconcluso precisa se

humanizar, o que abre a possibilidade de ser livre, de construir a si mesmo,

mas, ao mesmo tempo, o torna um ser responsável por si mesmo, pois nele o

projeto hegeliano de desvelamento do absoluto se efetiva. Mas esse processo

não pode prescindir do ideal de uma autoformação do educando centrada na

auto-responsabilidade, pois

Mas para que o ensino dado na escola dê frutos para os estudantes, para que estes, através desse ensino, façam progressos efetivos, para tal é tão necessária a sua própria aplicação pessoal como é [necessário] o próprio ensino (HEGEL, 1994, p. 45).

Enfim, para Hegel, a educação institucional configura um exercício

racional necessário à Formação Cultural, mas sua principal função ainda é a de

fomentar o autocultivo característico da mesma. Por isso, é importante salientar

que em nenhum momento a perspectiva escolar hegeliana se aproxima de uma

razão instrumental75, que considera a escola mais um mecanismo ideológico do

Estado (Althusser), pois a razão em Hegel é absoluta e histórica, nunca

desvinculada do real, o que faria do âmbito escolar uma parte do todo. O ideal

sempre é o de desenvolver nos indivíduos em formação o autocultivo

característico da Formação Cultural, que na Fenomenologia foi representado

pelo “saber [que] conhece não só a si, mas também o negativo de si mesmo,

ou seu limite” (HEGEL, 1992¹, p. 219).

A teoria da educação promotora da Formação Cultural é a que promove

a formação da totalidade do humano, o que além da capacitação técnico- 75 Segundo Wellmer: “Uma forma de racionalidade que caracterizam [...] pela confluência de racionalidade formal e racionalidade instrumental. A racionalidade formal se exterioriza no impulso de produzir sistemas, unitários e sem contradições, de ação, explicação e conhecimento. Segundo Adorno e Horkheimer, essa força da razão é capaz de instaurar unidade e consistência, ao que se refere o conceito de racionalidade formal, surge das condições básicas de todo pensamento conceitual: na medida em que o pensamento, o uso da linguagem, estão vinculados à lei de não contradição – considerada quase como núcleo de racionalidade necessariamente operante em todas as culturas enquanto formas de interação simbólica mediada –, já se instala em todas as realizações cognoscitivas e modos de operar dos homens, desde seu começo, essa pressão que os força a estabelecer consistência e ordem sistemática no saber e no fazer. A razão, encadeada à lei de não contradição, já está encarada desde sempre para a racionalização formal e a sistematização do saber e do fazer. Pensar, no sentido do iluminismo, é produzir ordem científica e unitária, e deduzir conhecimentos factuais a partir de princípios, já se interpretem estes como axiomas arbitrariamente estabelecidos, ideias inatas, ou abstrações de grau superior... As leis lógicas instauram as relações mais gerais no sentido da ordem, e o definem. A unidade se encontra na unanimidade. O princípio de contradição é o sistema in nuce... A razão nada acolhe senão a ideia de unidade sistemática, o elemento formal de um sólido sistema conceitual. A difícil tese de Adorno e Horkheimer é então a de que a racionalidade formal, em último termo, significa o mesmo que racionalidade instrumental, isto é, uma racionalidade “coisificadora” que aponta para o controle e manipulação de processos sociais e naturais” (WELLMER, 1993, p. 139-140).

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científica, envolve formação política, ética e estética (cf. HEGEL, 1994, p. 44).

A compreensão de Hegel de que o espírito universal requer que cada indivíduo

se ultrapasse enquanto vivente, enquanto desejo impulsionado pela natureza

que ele também é, para vir a ser espírito completo, universal, que sabe quais

são as suas necessidades e, por isso, sabe se conter, se limitar, representa o

traço mais próprio de sua concepção de Formação Cultural.

Hegel propõe a formação para a autodeterminação inteligente da

vontade, ou seja, a conformação da vontade particular para com a vontade

universal, o que envolve se guiar por princípios racionais e pelas tendências

que concordam com a razão, a fim de que a vontade não permaneça

determinada, seja por impulsos, seja por coações externas. Por isso o

processo educativo é a tomada de consciência da necessidade de limitar meus

impulsos para me realizar como ser ético:

Já a formação geral está, segundo a sua forma, ligada, do modo mais íntimo, à formação moral; pois não devemos de modo nenhum limitá-la a alguns princípios e máximas, a uma honradez geral, a uma boa intenção e disposição moral honesta, mas antes acreditar que só um homem com uma boa formação geral pode ser também um homem com formação moral (HEGEL, 1994, p. 49).

Com o objetivo da Formação Cultural institucional já estabelecido, cabe

então saber como será executado. Hegel estabelecerá em seus Discursos

quais elementos uma teoria da educação deveria possuir para realizar tal

objetivo, elementos esses que não são apenas pensados e conceituados, mas

experienciados e testados no desempenhar de suas funções nesse período em

Nüremberg, pois, como tudo em Hegel, não é proposto algo que deve ser, mas

que algo que é: a Formação Cultural, em qualquer uma das instâncias

concebidas pelo filósofo, é real, objetiva, concreta e histórica.

Embora não deixe de ser minha interpretação sobre as ideias

pedagógicas hegelianas76, creio que posso elencar como elementos vitais

dessa proposta os seguintes tópicos77: 1) o papel a ser desempenhado pela

76 Pois, como bem afirma Pleines, “o intérprete [de uma teoria da educação em Hegel], portanto, se vê obrigado a recolher, na obra completa, anotações isoladas, dispersas, ocasionalmente rapsódicas e reuni-las à maneira de um mosaico, antes de tirar delas as suas conclusões” [Colchetes acrescidos por mim] (PLEINES, 2010, p. 13). 77 Esses tópicos podem ser contextualizados através da exposição realizada por T. Pinkard sobre a passagem de Hegel por Nüremberg, no capítulo 7 de sua biografia do filósofo, intitulado “A respeitabilidade de Nüremberg”, pois os detalhes biográficos desse momento da vida de Hegel permitem compreender suas motivações e seus objetivos ao redigir os discursos. No entanto, como meu objetivo não possui esse caráter biográfico, centro nos argumentos

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instituição escolar, 2) o desafio dos professores enquanto transmissores do

ideal da Formação Cultural, 3) a formulação de um currículo escolar no qual os

estudos clássicos assumam uma posição estratégica e vital, e 4) o necessário

relacionar entre disciplina e moral na educação. A partir da análise desses

tópicos, defendo aqui que os Discursos apresentam elementos essenciais para

que a Formação Cultural, em seu viés institucional, se efetive e possibilite aos

indivíduos se tornarem membros da Sociedade Civil-Burguesa e,

consequentemente, cidadãos do Estado.

3.3. A Formação Cultural e a Instituição Escolar: o Modelo Hegeliano de Escola

Em discurso proferido em 1809, por ocasião do fim de seu primeiro ano

à frente do Ginásio de Nüremberg, Hegel afirmara que o bom funcionamento

dos povos pressuporia dois ramos primordiais: 1. uma boa administração da

justiça – que receberá especial atenção na esfera da Sociedade Civil-

Burguesa, na Filosofia do Direito, como ver-se-á mais a frente – e, 2. bons

estabelecimentos de ensino, pois, segundo Hegel, “não há outros cujas

vantagens e os efeitos o homem privado dê conta e sinta de forma tão

imediata, próxima a pormenorizada” (HEGEL, 1994, p. 27), o que complementa

mais tarde em outro discurso, reafirmando a responsabilidade da família no

processo de formação, pois

os tesouros interiores que os pais dão aos filhos, através de uma boa educação e pela utilização de estabelecimentos de ensino, são indestrutíveis, e mantém o seu valor em todas as circunstâncias; é o melhor e mais seguro bem que podem proporcionar e deixar aos filhos (HEGEL, 1994, p. 76).

Em Iena, Hegel já refletiu sobre uma educação vinculada à Eticidade dos

povos, de forma que em seu artigo Sobre as Maneiras Científicas de tratar o

Direito Natural (Über die Wissenschaft Behandllungsarten des Naturrechts), de

1802, já anunciara ser a criança, indiscutivelmente, o principal sujeito da

educação, pois representaria “a forma da possibilidade de um indivíduo ético”

(HEGEL, 2007, p. 110), demarcando o vínculo da educação com a vida pública.

presentes nos discursos como forma de apreender uma possível teoria da educação hegeliana. Assim, para maiores informações sobre a redação dos discursos, cf. PINKARD, 2002, 347-424.

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Uma educação vinculada à Eticidade implica na estruturação de uma

sociedade de cidadãos conscientes e participantes, o que o filósofo expõe nos

seguintes termos:

a respeito da educação, [é o que] um pitagórico respondeu, quando alguém lhe perguntou qual seria a melhor educação para seus filhos: “É que tu faças dele um cidadão de um povo bem organizado” (HEGEL, 2007, p. 111; cf. HEGEL, 2010, p. 172).

A proposta hegeliana de uma educação para a cidadania perpassa toda

sua obra, que tem como culminância a Eticidade (cf. PERTILLE, 2005, 190),

efetivada nos conceitos de Sociedade Civil-Burguesa e de Estado; e, como já

foi mencionado anteriormente, se opõe à proposta original de Rousseau, no

Emílio ou da Educação, pois Hegel atribui à educação o objetivo de superar o

estado natural, vinculado a esfera da Família, se abrindo a vida cultural e suas

instâncias. Apenas uma teoria da educação que objetiva efetivar os ideais da

Formação Cultural pode fazer do homem o que ele deve ser: um ser que se

realiza no ultrapassar do natural para o cultural, ou para o ético. Por isso, uma

das principais preocupações deve ser a formulação de um modelo de escola

apropriado a esse projeto. Hegel afirmara que “A escola encontra-se, de fato,

entre a família e o mundo efetivo e constitui o elemento mediador de ligação,

de passagem daquela para este” (HEGEL, 1994, p. 61).

Note-se que a Formação Cultural é uma tarefa universal, pois faz parte

da própria condição humana, no entanto uma teoria da educação é algo que

ocorre dentro de um sistema escolar, formatado a partir das escolhas que um

governo assume na gerência de suas instituições escolares. Pensar um modelo

de escola78 que possibilite a Formação Cultural dos indivíduos é tarefa do

Estado, que deve conformar o mesmo não apenas a “uma palavra”, ou a uma

teoria abstrata sem vinculações com a realidade cultural, como advertira

Herder, mas a realidade de seu povo, o que implica na consideração de

elementos históricos, sociais, linguísticos, econômicos, geográficos, climáticos

etc. (cf. HERDER, 1995, p. 35).

78 Quando discuto um “modelo de escola”, tenho em foco um modelo que vá além de sua concepção arquitetônica. Assim como Young (2007) considero necessário a esse modelo o esclarecimento de três questões: 1) quais os propósitos desse modelo de escola; 2) como esse modelo de escola pretende dar aos alunos o “conhecimento poderoso”, ao qual eles raramente terão em casa; e 3) como esse modelo de escola estabelecerá a diferenciação entre conhecimento escolar e o não-escolar.

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A figura de Herder é aqui essencial, pois com sua compreensão de que

um povo possui uma identidade cultural única forneceu aos pensadores do

século XIX as bases para um historiocentrismo, do qual Hegel é um dos

principais herdeiros. Isso permite compreender porque Hegel reconhecia o

governo prussiano como responsável pelo “aperfeiçoamento das escolas

alemãs”: para o filósofo, na medida em que o governo assume a proposta de

reforma, leva em consideração as especificidades da realidade de seu povo,

principalmente em sua perspectiva institucional, e não apenas teórica,

formulando um modelo de escola centrado na formação humanística,

progredindo do particular ao universal, esse mesmo governo opta pela

efetivação do projeto universal da Formação Cultural e, consequentemente, da

Eticidade.

A busca pela efetivação desses ideais foi declarada no discurso

proferido em 1809, no qual o filósofo aproveita o fato do recém-criado Ginásio

de Nüremberg ter completado seu primeiro ciclo escolar em sua gestão. Hegel

analisa como se deu a participação do estabelecimento no sistema educacional

prussiano, em seus avanços e dificuldades, pois “Porque a própria coisa acaba

de nascer, a sua substância ocupa ainda a curiosidade e as considerações

mais reflexivas” (HEGEL, 1994, p. 28).

A questão que o discurso hegeliano de 1809 suscita é a formatação de

um modelo de escola que possibilite ao indivíduo as bases fundamentais para

o autocultivo próprio da Formação Cultural, ainda que reconheça o caráter

parcial da formação escolar, configurando um dos momentos da formação

humana proposta pelo filósofo, já que “O juízo proferido pela escola não pode,

tão pouco, ser algo de acabado quanto o homem nela não está acabado”

(HEGEL, 1994, p. 65).

Por isso, depois de um breve comentário acerca do convite “para

apresentar em um discurso a história do Ginásio no passado ano e mencionar

aquilo que seja adequado para relação do público com o mesmo”, Hegel

aponta alguns elementos acerca da vantagem reconhecida de uma “nova

instituição escolar”, favorecida pela “necessidade de modificação” (HEGEL,

1994, p. 27).

O “novo estabelecimento”, alude Hegel, não abriu mão da historia dos

estabelecimentos de ensino precedentes, evitando assim o risco de se tornar

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algo “passageiro” e “experimental”, pois aproveitou as experiências passadas

para consolidar seus ideais. Hegel expõe no discurso de 1809 algumas “ideias

gerais” provenientes de sua vivência, ou seja, das “múltiplas atividades”

exercidas por seu cargo nesse período. O trabalho realizado no Ginásio de

Nüremberg não configura, dessa forma, um espaço para o teste de teorias

educacionais, mas sim para a consolidação da proposta neo-humanista de

reforma educacional assumida por Hegel. Eis uma postura importante para que

a instituição escolar se constitua como momento efetivo da Formação Cultural:

não ser uma experiência, mas sim a objetivação de uma estrutura previamente

pensada.

Ela não pode ser o momento da formulação de uma teoria da educação,

mas de sua realização. Uma teoria da educação pode ser vislumbrada em duas

perspectivas fundamentais: sua formulação e sua aplicação. É obvio que

pensar a formulação de uma teoria implica em um processo de elaboração,

ampliação e revisão contínuos79, mas desse processo sempre deve derivar

uma teoria aplicável, que garanta o ensino-aprendizagem. Por isso, Hegel

constata em seu discurso que a instituição escolar possui um pressuposto

irrenunciável:

A instalação de uma instituição está concluída antes de ter formado o seu tom e espírito; mas é igualmente essencial para a sua completude que aquilo que, de início, é o seguimento de uma ordem, se torne num hábito e que se forme e fixe uma atitude interior uniforme (HEGEL, 1994, p. 42).

No entanto, para o filósofo tal modelo deveria cumprir com aquilo que

entende como sendo a função da escola nesse projeto, que pode ser dividida

nas três esferas responsáveis diretamente pela concretização do ideal da

Formação Cultural:

1. A instituição escolar deve proporcionar a todos a educação, ou seja,

deve zelar pelo princípio de publicidade do saber, eis seu propósito. Todos

devem receber os meios para aprender o que lhe é essencial como homens e o

que lhes é útil para sua condição social (cf. HEGEL, 1994, p. 30), ou seja, o

ideal de uma educação para todos, tão em voga no cenário pós-revolução

79 Cabe salientar que os momentos de ampliação e revisão são recorrentes na constante reelaboração de um modelo escolar. A instituição escolar nunca deve ser algo estático, pois deve educar o indivíduo para agir sobre sua realidade em constante atualização, já que, segundo Hegel, o indivíduo em formação sempre será filho de seu tempo (cf. HEGEL, 2010, p. 43).

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francesa, permanece latente no pensamento pedagógico hegeliano.80 A escola,

assim, assume uma função social de extrema importância, pois está a serviço

daqueles “que até agora sentiram a falta de algo melhor” (HEGEL, 1994, p. 30).

Dessa forma a escola pode ser considerada corresponsável pela

estruturação social do Estado – o que em Hegel significa a efetivação de um

Estado ético –, pois, como dirá em seu discurso proferido em 1811, é ela

responsável pela qualificação dos funcionários públicos81, logo pelo efetivar da

ideia de Estado na realidade social – Condorcet complementaria afirmando que

“O país mais livre é aquele no qual o maior número de funções públicas pode

ser exercido por aqueles que só receberam uma instrução comum”

(CONDORCET, 2008, p. 36), ou seja, o país no qual a educação fundamental

seria fornecida a todos e os capacitaria à participação política e social, ou,

como Hegel argumenta, formaria para as “relações efetivas”:

A escola não fica apenas por este efeito geral; ela é também um estado ético particular em que o homem se demora e no qual adquire uma formação prática, habituando-se a relações efetivas. É uma esfera que tem uma matéria e um objeto próprios, os seus castigos e recompensas e que constitui, efetivamente, um degrau essencial no desenvolvimento do caráter ético no seu todo (HEGEL, 1994, p. 61).

2. Essa primeira função escolar seria corroborada por uma segunda: a

garantia do ensino das “ciências e a consecução de habilidades e práticas mais

elevadas” aos indivíduos em formação. Caberia à escola a formação científica

que cada cidadão deve aprender para sua efetiva participação na vida social.

Note-se que nem todos chegarão ao ensino superior, mas a formação ginasial

deve garantir a todos as bases necessárias para tal, ou seja, deve garantir uma

80 É nítida a relação do discurso hegeliano com a proposta de Condorcet, que descrevera em suas Cinco Memórias sobre a Instrução Pública esse ideal: “A instrução pública é um dever da sociedade para com os cidadãos. [...] As leis pronunciam a igualdade de direitos. Só as instituições de instrução podem tornar essa igualdade real. Aquela que é fixada pelas leis é ordenada pela justiça; mas somente a instrução pode fazer que esse princípio de justiça não fique em contradição com aquele que prescreve não atribuir aos homens a não ser os direitos cujo exercício, conforme a razão e o interesse comum, não firam os direitos de outros membros da mesma sociedade” (CONDORCET, 2008, p. 17 e 37). 81 Na Filosofia do Direito, Hegel chamará a atenção a essa formação, ao considerar que “No comportamento e na cultura dos funcionários reside o ponto em que as leis e as decisões do governo atingem a singularidade e se fazem valer na efetividade” (HEGEL, 2010, §295, p. 276, Obs.). Essa formação é decisiva para atuação do Estado, pois “Os membros do governo e os funcionários do Estado constituem a parte principal do estamento mediano, em que recaem a inteligência cultivada e a consciência jurídica da massa de um povo. Que ele não tome a posição isolada de uma aristocracia e que a cultura e a habilidade não se tornem um meio do arbítrio de uma dominação é o que efetivam, de cima para baixo, as instituições da soberania, de baixo para cima, os direitos das corporações” (HEGEL, 2010, §297, p. 277).

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formação básica sólida que garanta aos indivíduos oportunidades de

crescimento e participação, proporcionando ao indivíduo em formação a

obtenção de “conhecimento poderoso” (cf. YOUNG, 2007, p. 1294), raramente

fornecido em casa.

Alguns poderiam criticar a universalidade dessa função da escola, assim

como sua legitimidade, já que há um desinteresse natural da juventude para

com o conhecimento científico do currículo escolar, abrindo espaço para

questionar a necessidade e a validade da “imposição” desses saberes e

valores ao indivíduo em formação. Contra esse argumento, rechaçado

veementemente pelo filósofo, se argumenta que

se a teoria abstrata da ciência parece não se relacionar bem com a frescura concreta da jovem plenitude de vida, em contrapartida, o homem apercebeu-se do que é apenas sonho e brilho da vida e do que é a sua verdade; ele experimentou que são os tesouros da sabedoria antiga, cedo implantados no seu coração, que nos sustentam em toda a mudança de circunstâncias, que nos fortalecem e suportam; ele experimentou como é grande o valor da cultura em geral, tão grande que um antigo diria que a diferença entre um homem culto e um inculto é tão grande como a diferença entre o homem em geral e uma pedra (HEGEL, 1994, p. 22-23).

Encontra-se aqui a crença hegeliana de que a ciência não está

desvinculada da vida, motivo pelo qual todo cidadão deve dominar-lhe as

bases. Na Fenomenologia, Hegel já havia informado que a ciência é algo

próprio do homem, logo acessível a todos, o que faz o ensino das ciências na

escola um dos momentos vitais de uma teoria da educação, logo de um modelo

de escola. Nela os indivíduos serão apresentados à ciência.

3. Por fim, a conservação do “estudo das línguas antigas” garantirá essa

apreensão, estabelecendo a necessária diferenciação entre saber escolar e

não-escolar – embora essa seja uma função específica da instituição ginasial

da qual Hegel era reitor, o filósofo dá-lhe status universal. Para o filósofo a

formulação de um currículo escolar deve oferecer aos educandos a

possibilidade de apreender os fundamentos e desenvolvimentos do espírito

absoluto, o que remonta a uma apreensão da cultura greco-romana, na qual a

ciência ocidental fixou suas bases. Dessa forma, a escola seria o local onde os

indivíduos poderiam estabelecer o contato com tais fundamentos, a partir do

estudo das línguas clássicas. Mais adiante, em um tópico específico desse

capítulo da tese, analisarei a defesa hegeliana do estudo das línguas clássicas

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nos Discursos, por ser esse um dos pontos principais da proposta neo-

humanista assumida por Hegel.

Antes, cabe compreender como Hegel pensava ser possível assegurar

que a escola cumprisse com tais funções, começando por sua

responsabilidade de fornecer o ensino básico a todos. No entanto, cabe

salientar que essa não era nem de longe a realidade alemã no século XIX. Kant

já havia denunciado em suas lições Sobre Pedagogia (Über Pädagogik),

ministradas entre os anos de 1776 a 1787, o diminuto número de Institutos de

Educação, assim como de alunos nos mesmos. Segundo o filósofo, tais

institutos

na verdade, são caríssimos e a simples montagem desses colégios acarreta grandes despesas [...] Os edifícios necessários, o pagamento dos diretores, dos supervisores e dos serviçais, absorvem metade do orçamento [...] Por isso também é difícil conseguir que outras crianças, que não as dos ricos, participem nesses institutos (KANT, 1999, p. 30-31).

O relato kantiano diz respeito ao caráter seletivo que a educação

institucional alemã possuía na virada do século XVIII ao XIX, e demonstra a

consciência dos pensadores quanto às condições materiais a serem

enfrentadas para uma reforma no sistema de ensino. Para Alves (2005, p. 94-

95), a denúncia de Kant evidencia uma insuficiência da educação doméstica

(família), que por sua vez seria suprida pelos Institutos de Educação,

dedicados a essa função complementar, mas o alto custo de manutenção

desses estabelecimentos restringia drasticamente seu acesso às camadas

mais pobres do povo alemão.

Hegel não ficou alheio a essa realidade nos Discursos, reconhecendo

que “ainda há muito a desejar e a fazer, e que os males de que as escolas

elementares [...] padecem são incuráveis sem uma transformação no

essencial” (HEGEL, 1994, p. 82). Nesse ínterim, nos discursos de 1811 e 1815,

o filósofo apresentou algumas iniciativas que já estavam em trânsito durante

sua gestão no Ginásio de Nüremberg: além de receber auxílios

governamentais provindos dos impostos, o estabelecimento recebia doações

filantrópicas que seriam voltadas tanto para manutenção e formação de

acervos e instalações, quanto para formação de um fundo destinado ao apoio

dos alunos necessitados:

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é de citar que o fundo destinado ao apoio dos alunos necessitados do Ginásio e do estabelecimento de ensino prático ganhou consistência e segura continuidade quanto à entrada permanente de verbas [...] Este ano as bolsas provenientes daquele fundo [...] foram concedidas e pagas aos alunos do Ginásio [...] Além disso, foram utilizados [...] na distribuição de livros e material escolar. A utilização adequada, a saber, em alunos verdadeiramente necessitados, vocacionados para o estudo, tornou possível uma ajuda mais considerável do que até aqui (HEGEL, 1994, p. 69).

Segundo Alves (2005, p. 109), em torno de uma dezena de estudantes

necessitados foram beneficiados por esse fundo, o que em uma escala

municipal não representa quase nada, mas ratifica a postura hegeliana de um

modelo de escola que conceda, ou pelo menos busque conceder, a todos a

educação fundamental necessária à consecução da Formação Cultural. Dessa

forma, o modelo de instituição escolar pensado por Hegel deveria, em sua

essência, ser um espaço público, aberto às diversas camadas da população,

que proporcionasse um momento mediador entre Família e Sociedade Civil-

Burguesa aos indivíduos em formação.

No entanto, para que isso ocorresse, dever-se-ia conformar esse espaço

a um momento de mediação, ou seja, se o objetivo seria preparar o educando

para a vivência da Formação Cultural, e, consequentemente, para a vida em

sociedade, um modelo escolar que assegurasse uma educação para a ciência

e para a autonomia seria necessário. A segunda função a ser desempenhada

pela instituição escolar, segundo Hegel, incorre na configuração de um espaço

escolar de ampla liberdade intelectual no ensino, no qual a comunidade escolar

possibilita aos diversos campos do saber o desenvolvimento de suas pesquisas

e seu ensino:

O autêntico sinal da liberdade e da força de uma organização consiste em que os diferentes momentos que ela contém se aprofundam em si e perfazem sistemas completos, exercem a sua atividade e veem-se exercê-la sem inveja e sem receio, e em todos são, por sua vez, partes de um grande todo (HEGEL, 1994, p. 31).

A harmonia proposta por Hegel aos momentos que constituem a escola

dá uma boa visão do Hegel reitor/administrador, além de evidenciar sua leitura

dialética da realidade. Cada ciência teria seu espaço garantido no ambiente

escolar, desde que nunca esqueça que é parte de um todo. Da mesma forma,

cada setor administrativo, cada função escolar, cada indivíduo da comunidade

escolar, possui sua importância no grande conjunto que é a escola. A escola

traz em si as marcas de uma realidade contraditória e complexa, pois

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configura, enquanto instituição histórico-cultural, a objetivação da ideia lógica, o

espírito absoluto objetivado enquanto instituição.

Dessa forma a escola demarcará o momento do amadurecimento da

criança, já que no âmbito familiar a criança age a partir de obediência pessoal

motivada pelo amor, enquanto que no âmbito escolar seu comportamento

passa a ser regido segundo o dever e a lei – o que será analisado a seguir ao

analisar a profissão docente. O indivíduo em formação é estimulado a realizar a

necessária passagem do singular ao universal, aqui representado pela

comunidade de educandos, no qual aprenderá a respeitar os outros, que de

início lhe são estranhos, mas nem por isso detentores de menor

respeitabilidade e confiança.

A escola é, portanto, a esfera mediadora que faz passar o homem do círculo familiar para o mundo, das relações naturais do sentimento e da inclinação para o elemento da coisa. Isto é, na escola começa a atividade da criança a receber, no essencial e de forma radical, um significado sério, na medida em que deixa de estar ao critério do arbítrio e do acaso, do prazer e da inclinação do momento; aprende a determinar o seu agir segundo uma finalidade e segundo regras; cessa de valer pela pessoa imediata e começa a valer por aquilo que realiza, a conquistar para si um mérito (HEGEL, 1994, p. 61).

Para Hegel, esse momento escolar possibilitará ao educando “ganhar a

confiança em si mesmo na sua relação com eles – os outros educandos –, e,

deste modo, a iniciar na formação e na prática das virtudes sociais” (HEGEL,

1994, p. 62). A escola seria então o ambiente no qual o indivíduo em formação

adentraria na estrutura sócio-lógica do mundo efetivo:

a escola tem uma relação com o mundo efetivo, e a sua tarefa é preparar a juventude para o mesmo. O mundo efetivo é um todo consistente, ligado em si mesmo, de leis de organizações tendo como fim o universal. Os indivíduos só valem na medida em que se adéquam a este universal e agem em conformidade com ele, e esse mundo não se ocupa dos seus fins, opiniões e mentalidades particulares (HEGEL, 1994, p. 64).

No entanto, o filósofo não cairá no erro de pôr na interação social o

propósito principal da escola, pois centra suas atenções na dialética-dialógica

das ciências ou disciplinas curriculares que fornecem o conteúdo necessário a

preparação para a complexa vida social que aguarda o indivíduo em formação.

Por isso, no âmbito escolar, a liberdade de pensamento surge como condição

sino qua non da Formação Cultural, motivo pelo qual a ênfase hegeliana na

autonomia das disciplinas curriculares no ginásio desempenha uma função de

extrema relevância no processo de formação do indivíduo, já que será o

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momento de encontro com as ideias e representações que regem a vida

pública:

Na escola calam-se os interesses privados e as paixões do egoísmo; ela é um círculo onde as ocupações giram sobretudo à volta de representações e ideias. [...] O que se realiza na escola, a formação dos indivíduos, é a capacidade dos mesmos para pertencer a essa vida pública (HEGEL, 1994, p. 64).

A autonomia acarreta necessariamente um conhecimento de si, da

realidade e dos outros, e ao transportarmos essa perspectiva ao contexto

escolar chegaremos a uma compreensão interdisciplinar do currículo, ou seja,

à preocupação com a forma como as disciplinas escolares se compreendem e

compreendem o todo no qual estão inseridas, pois disso depende o cumprir de

seu propósito. A escola, na perspectiva de Hegel, não pode ser o lugar de uma

ou duas ciências, mas de todas.82

Para Hegel, a relação implica na compreensão positiva da contradição,

que é algo intrínseco a toda forma de conhecimento. A Aufhebung descrita em

termos educacionais significa que o educando deve aprender a relacionar os

diversos saberes proporcionados pelas ciências, apreendendo a transição de

um a outro como um processo de progressão científica. Nesse ponto, o método

dialético hegeliano, no qual a contradição deve ser considerada e trabalhada,

como ele mesmo diz no primeiro volume da Enciclopédia (cf. HEGEL, 1995, p.

163), ocorre como a própria alma motriz do pensamento e da própria ciência,

por isso, a educação para ciência implica em um ensino que não é mais

estático, pois ocorre por meio de contradições superadas e guardadas, como

em um diálogo em que a verdade surge a partir da discussão e das

contradições.

Uma proposição não pode se pôr sem se opor a outra em que a primeira

é negada, transformada em outra que não ela mesma. Essas proposições se

solicitam umas as outras, e, apesar de opostas, tendem a formar uma “unidade

de contrários”, uma grande síntese (cf. CIRNE-LIMA, 2003, p. 16). Hegel

formula uma educação dialética, na qual, por sua interdependência, nenhuma

das disciplinas curriculares pode existir sem estar em diálogo com as demais.

82 Heráclito, um dos pensadores mais relevantes para a compreensão da dialética hegeliana, reivindica uma formação na qual “Muita instrução não ensina a ter inteligência [...] Pois uma só é a (coisa) sábia, possuir o conhecimento que tudo dirige através de tudo” (HERÁCLITO, 1991, fragmentos 40-41, p. 55), o que expressa bem a crítica hegeliana a uma proposta educacional que busca saber muitas coisas sem saber o necessário: que tudo é um.

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Dessa forma, as disciplinas curriculares devem expressar essa estrutura

dialógica por meio da interdisciplinaridade.

Sabe-se que Hegel é um crítico declarado do modelo educacional

enciclopédico-iluminista, de certa forma precursor da vertente positivista na

educação, por isso declara que o conhecimento das ciências e das artes não

pode ocorrer no isolamento, ou na consideração particularizada das ciências,

pois isso impossibilitaria sua apreensão do todo, caracterizando aquilo que T.

W. Adorno chamou de semiformação (Halbbildung)83, uma formação parcial,

unilateral e insuficiente:

Habituamo-nos em demasia a considerar cada arte e ciência particular como algo de específico; aquela a que nos dedicamos apresenta-se como uma natureza que, então, nós possuímos; as outras a que não nos conduzem, nem a nossa destinação nem uma formação anterior [apresentam-se-nos] como algo de estranho, em que a nossa natureza já não consegue penetrar (HEGEL, 1994, p. 44).

Para Hegel, a efetivação da Formação Cultural está vinculada a

aquisição de competências e habilidades84 do indivíduo em formação que lhe

permitam apreender o todo da ciência, ou seja, compreender a relação

intrínseca existente entre os saberes, o que apenas uma educação

interdisciplinar seria capaz de fornecer.

Nos Discursos de Hegel a formulação de um modelo de escola impõe

uma série de temáticas caras à educação. A compreensão interdisciplinar das

disciplinas curriculares proposta denuncia a perspicácia hegeliana na

apreensão da realidade educacional de seu tempo, assim como a angústia por

possíveis soluções às questões que influenciavam diretamente o cotidiano

escolar, cuja necessária formulação se impõe a alguém que estivesse em uma

função como a que exercia nesse período, legando à escola contemporânea a

necessidade de repensar suas bases.

83 Segundo Adorno: “Uma semicultura [ou semiformação] que por oposição à simples incultura [ou ausência de formação] hipostasia o saber limitado como verdade, não pode mais suportar a ruptura entre o interior e o exterior, o destino individual e a lei social, a manifestação e a essência. Essa dor encerra, é claro, um elemento de verdade em comparação com a simples aceitação da realidade dada. [...] Contudo a semicultura, em seu modo, recorre estereotipadamente à fórmula que lhe convém melhor em cada caso, ora para justificar a desgraça, ora para profetizar a catástrofe disfarçada, às vezes, de regeneração” (ADORNO; HORKHEIMER, 1985, p. 183-184). 84 Segundo Perrenoud, as competências são traduzidas em domínios práticos das situações cotidianas que necessariamente passam compreensão da ação empreendida e do uso a que essa ação se destina. Já as habilidades são representadas pelas ações em si, ou seja, pelas ações determinadas pelas competências de forma concreta (cf. PERRENOUD, 1999, p. 26).

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Com sua proposta dialética e interdisciplinar reafirma o ideal da

Formação Cultural, de uma formação integral do indivíduo, que não encontraria

na instituição escolar uma mera aglomeração de saberes particulares e

desconexos, mas um espaço interdisciplinar capaz de formar um homem culto,

apto para tudo (cf. HEGEL, 1994, p. 44). Porém, a compreensão da sentença

“apto para tudo”, não implica, na visão de Hegel, a conclusão do processo de

formação, indicado mais a realização do ideal proposto pela Fenomenologia de

uma consciência que efetiva em si o “saber absoluto”.

A Formação Cultural não se encerra na educação institucional da escola,

não sendo a formulação de um modelo de escola a realização última da

formação humana, que seria assim “necessariamente concretizável” por esse

modelo, o que não passa de uma ilusão, como bem ilustra Hegel:

Mas, se o conteúdo objetivo do que se aprende na escola é algo já pronto há muito tempo, em contrapartida, os indivíduos que só agora são formados nesse conteúdo não são ainda algo pronto; não se pode completar totalmente esta atividade preparatória, a formação, mas apenas atingir um determinado nível (HEGEL, 1994, p. 64).

Tal questão salienta a preocupação hegeliana com a pedagogia de seu

tempo, tema que o inquietava ainda no prefácio da primeira edição de sua

Ciência da Lógica, redigido em 22 de março de 1812, onde critica a miséria dos

tempos, que abre mão de uma formação humana em prol de uma educação

pragmática e imediata:

Ao encontro dessa doutrina popular – teoria crítica kantiana – veio o clamor da pedagogia moderna – a miséria dos tempos –, que dirige os olhos [apenas] às carências imediatas; segundo a qual, como para o conhecimento a experiência seria o primeiro, assim também para o saber-fazer na vida pública e privada a profundidade teorética seria até mesmo nociva, e o essencial seria o exercício e a formação prática em geral, [para ela] unicamente o que seria aproveitável (HEGEL, 1992¹, p. 36).

Conhecer apenas o que é útil, sem saber estabelecer qualquer relação

desse conhecimento com o mundo da vida, é o oposto da proposta da

Formação Cultural. Essa formação implica em adentrar no mundo da vida no

seu sentido mais elevado, ou seja, o conteúdo da Formação Cultural é a

própria cultura enquanto linguagem, lazer (estético), trabalho e relações

humanas (ética/política). Por isso, esse teor pragmático da educação não pode

se impor como principal objetivo na formação do indivíduo, o que remete à

proposta neo-humanista assumida pelo filósofo.

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Para Hegel, o que importava, tanto na formação ginasial quanto no

ensino superior, era transmitir aos jovens o conceito de uma vida completa, o

que somente seria possível, em seu entender, nos Studia humaniora. Estudar

os clássicos proporcionaria aos educandos, dentre outras vantagens, a

necessária ligação da vida pública com a privada, fundamental para apreensão

do universal. Os jovens compreenderiam a partir desse estudo que as leis e os

deveres não se apresentam como princípios abstratos e sem sentido.

Dessa forma, a Formação Cultural contrasta com o pragmatismo

estreito das orientações pedagógicas que preferiam uma educação para o útil e

imediato de uma profissão, em vez de proporcionar ao educando o tesouro

inestimável de uma boa cultural geral. Hegel acreditava que uma formação

fundada nos clássicos fornece um suporte sólido para a vida pública em todos

os seus âmbitos, nesse sentido, não se pode esquecer a relevância dos ideais

da cidade-estado grega e do estado de direito romano na formulação da ideia

hegeliana de Estado.

Portanto, defende que mesmo a preparação para uma carreira

profissional nos estamentos da Sociedade Civil-Burguesa deve ter por

fundamento a formação a partir da cultura clássica. Nos clássicos encontramos

os elementos iniciais e as representações fundamentais das ciências ou,

genericamente, daquilo que é digno de ser conhecido (cf. HEGEL, 1994, p. 74).

Por este motivo, são eles tão apropriados para a preparação destinada às

ciências profissionais (cf. PIRES, 1998, p. 895-896). Essa indissociável relação

da Formação Cultural hegeliana e o estudos dos clássicos passa a ser o objeto

de análise no que segue.

3.4. A Indissociável Relação entre a Formação Cultural e o Estudo dos Clássicos

Para Hegel, a educação institucional, enquanto momento da Formação

Cultural, deve preparar para uma vida virtuosa, a ser desempenhada na

sociedade. Esse ideal neo-humanista é o principal fundamento da defesa

hegeliana dos estudos clássicos que, não por acaso, surge como um dos

principais tópicos dos Discursos. No discurso de 1809, Hegel expõe, quase que

exclusivamente, a estrutura basilar a partir da qual erige o currículo do Ginásio

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de Nüremberg, assim como a função que o estudo clássicos assume em tal

projeto pedagógico.

Hegel também abre caminho para pensar um currículo que dê conta da

realidade, e não se contente com ideias recebidas, mas relacione-as com seu

mundo. Por isso, inicia o discurso informando à comunidade escolar que o

estudo dos clássicos é a principal meta e espírito do ginásio (cf. HEGEL, 1994,

p. 28).

Clássico é tudo aquilo que manteve seu sentido e relevância formativa

para além de seu tempo e espaço geográfico, configurando a verdadeira porta

de entrada para uma formação universal. Para Hegel, o estudo dos clássicos

constitui a matéria-prima indispensável, a partir da qual os educandos

adquirem a disciplina e a reflexão crítica, motivo pelo qual não deve ser

considerado um mero exercício de leitura, sem relação para como o mundo do

educando.

O intuito hegeliano de inserir os estudos clássicos no currículo do

ginásio era o de conceder aos educandos um profícuo convívio com a

universalidade das obras que guiaram a civilização ocidental em sua

estruturação científica, estética, ético e política, pois é nas obras dos antigos

que encontramos o conteúdo espiritual fundamental para a proposta da

Formação Cultural, a saber, a grandeza dos sentimentos, as virtudes, o

patriotismo, os costumes e as leis, necessários à formação para a Eticidade.

Devendo a escola fornecer aos educandos todas as bases necessárias para o

bom desenvolvimento de suas capacidades e habilidades, Hegel pensa no

estudo dos clássicos da literatura greco-romana como a melhor forma de

transmissão e assimilação dos elementos fundamentais para esse ensino.

Como o currículo escolar, o conjunto das atividades nucleares

distribuídas no espaço e tempo da escola (cf. SAVIANI, 2008, p. 18), deve

sistematizar o saber sobre bases sólidas, no entender de Hegel, deve fincar

suas bases no “milagre grego”, principal acontecimento da civilização

ocidental85:

85 Cabe aqui salientar que, para Hegel, o mundo clássico diz respeito quase que exclusivamente aos gregos, como bem expressa nos Cursos de Estética: “No que se refere à efetivação histórica do clássico, quase não é necessário observar que devemos procurá-la nos gregos. A beleza clássica com a sua abrangência infinita do Conteúdo, da matéria e da Forma foi uma dádiva concedida ao povo grego, e devemos prestar honras a este povo por ter

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Desde alguns milênios é este o solo no qual assentou toda a cultura, do qual toda ela brotou e com o qual esteve em permanente conexão. Assim como as organizações naturais, plantas e animais, se desprendem da gravidade, mas não podem abandonar este elemento de sua essência, do mesmo modo toda a arte e brotaram daquele solo (HEGEL, 1994, p. 28-29).

Nessa perspectiva, a Formação Cultural hegeliana ocorre na relação do

indivíduo com o mundo clássico, no qual, Hegel faz questão de salientar, obtém

a formação espiritual seu conteúdo, o que implica que o estudo das línguas

clássicas não poderia ser tido como um mero acessório dispensável, ou um

capricho, mas um elemento necessário do processo de formação.

Hegel é convicto disso, por isso critica aqueles que propõem rechaçar e

eliminar os estudos clássicos do currículo escolar, alegando certa insuficiência

e desvantagens dos princípios e instituições antigas. Com a Aufhebung

pedagógica em mente, o filósofo discorda veementemente dessa posição, por

ser a cultura greco-romana fonte primeva dos princípios e virtudes necessários

às suas concepções de Ciência e de Estado (cf. HEGEL, 1994, p. 74).

A defesa hegeliana do estudo das línguas clássicas, grego e latim, vêm

ao encontro ao ideal da Formação Cultural ao proporcionar aos indivíduos em

formação a necessária relação para com os princípios éticos desenvolvidos em

seu sistema. O que justifica sua reclamação pelo ensino de latim ser tido como

um estudo “extra”, ministrado apenas em centros específicos, e não como parte

mais essencial do estudo em si. Salienta Hegel que o estudo do latim, por

muito tempo, fora o “único meio de formação elevado oferecido aquele que não

queria permanecer no ensino geral, totalmente elementar” (HEGEL, 1994, p.

29), se tornando um elemento primordial à obtenção de conhecimentos “úteis

para vida civil, ou que em si e para si tem valor” (HEGEL, 1994, p. 29). Tal

condição faz de tal ensino um elemento essencial na formação para Eticidade,

devendo ser universalizado através da escola.

Ora, na época de Hegel se defendia que seria o trato da própria língua

nacional que deveria ser cultivado em lugar do latim, o que torna

compreensível essa ardorosa defesa das línguas clássicas no discurso

hegeliano, uma vez que não havia o consenso de que as mesmas

produzido a arte na sua suprema vitalidade. Os gregos, segundo sua efetividade imediata, viveram no afortunado centro da liberdade subjetiva autoconsciente e da substancia ética” (HEGEL, 2000², p. 166).

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configuravam um “meio formativo” fundamental. No entanto, Hegel entendia a

urgência da situação em que se encontrava a língua alemã e a necessidade de

sua consideração na formação de uma identidade nacional, pelo

sentimento de que um povo não pode ser visto como culto se não conseguir exprimir todos os tesouros da ciência na sua própria língua, e se nela não se mover livremente em qualquer conteúdo (HEGEL, 1994, p. 29).

O comprometimento hegeliano a essa causa ressoa ainda em Berlim,

em suas Lições sobre História da Filosofia (Vorlesungen über die Geschichte

der Philosophie), ao expressar a convicção de que “o homem só pode se

considerar verdadeiramente dono daqueles pensamentos que aparecem

expressos na sua própria língua” (HEGEL, 1955, p. 166). A preocupação por

parte dos intelectuais alemães era justificada pelo fato de que a realidade

germânica, em meados do século XVIII, não possuía um universo de leitores

expressivo, o que inviabilizava qualquer tipo de unificação cultural ou política.

Na verdade, o universo de analfabetos era estimado em cerca de 80%.86 Nessa

época a população experimentava uma série de fragmentações, que vão desde

a de caráter cultural e político, até a do ponto de vista linguístico, o que

impossibilitava a universalização da Formação Cultural.

Para que se tenha ideia, no século XVIII o idioma alemão não era usado

em publicações oficiais, sequer era adotado nas cortes, salvo quando

necessário para se dirigir a subalternos, gente do povo; mesmo com o declínio

do latim, em boa parte do território germânico, fora o francês, a língua da

Enciclopédia, assim como toda sua cultura, a língua eleita pela nobreza –

inclusive pelo próprio monarca, Frederico II. (cf. OZMENT, 2005, p. 138;

MOURA, 2009, 159).

Dessa forma a defesa da língua alemã era algo necessário, sendo

assumido pela classe média alemã através de intelectuais como Lessing,

Goethe e Hegel, que era consciente do valor ontológico da linguagem e da

necessidade de um povo em expressar em uma língua própria a interpretação

de seu mundo:

86 O número de leitores na Alemanha por volta de 1800 era pouco maior que 1% da população total, e segundo Jean Paul, escritor da época, o público era constituído por uns 300.000 leitores, algo que se poderia esperar de uma população que em sua maioria vivia no campo e era analfabeta (cf. BOLLE, 2000, p. 258). O que explica o fato da Fenomenologia do Espírito demorar cerca de 20 anos para esgotar sua primeira edição.

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Na linguagem, o homem é um elemento produtor e criador: esta é a primeira exterioridade de que o homem se reveste, a mais simples forma de existência de que adquire consciência; o que o homem se representa, representa-se também, interiormente, como falado. Pois bem, esta primeira forma aparece como algo estranho quando o homem se vê obrigado a expressar ou sentir numa língua estrangeira o que toca ao seu supremo interesse (HEGEL, 1955, p. 195).

Por isso, concedia importância à língua materna na consolidação de

uma Kultur que identificasse o povo alemão, pois:

Parece ser uma pretensão justa, que a cultura, a arte e a ciência de um povo possam assentar nelas mesmas. Não nos era permitido acreditar, em relação à cultura do mundo novo, à nossa ilustração e aos progressos de todas as artes e ciências, que eles substituíram a infância grega ou romana, [e que]. Emancipados das suas antigas andadeiras podem finalmente assentar sobre seu próprio fundamento e no seu próprio terreno? (HEGEL, 1994, p. 31).87

No entanto, essa “parece” ser uma pretensão justa, pois pode levar a um

nacionalismo linguístico sem sentido e banir o estudo das línguas clássicas da

formação do povo. Hegel sabe dos limites que a linguagem pode impor e o

quanto essa radicalidade pode prejudicar o processo formativo ao furtar ao

educando o momento de uma exteriorização cultural, ou seja, a necessária

“separação que procura em relação ao seu ser e estado natural” (HEGEL,

1994, p. 35). Nesse sentido, o conhecimento dos clássicos já contribui para que

o indivíduo deixe seu estado natural e se depare com as riquezas do espírito.

Na verdade, isso nada mais é que a consecução do projeto hegeliano de

subsumir o particular no universal, na medida em que lança o educando para

além de seu mundo, geográfica e temporalmente, pondo no espírito jovem,

ansioso por viver numa ilha distante com Robinson, “um mundo afastado e

estranho” que lhe permita experienciar a exteriorização espiritual própria ao

processo da Formação Cultural. No entanto, esse processo não se encerra

com esse encontro, a exteriorização só possui sentido com o retorno a si, ou

seja, com a particularização do universal, representado pelo confronto

realizado pelo educando, do saber dos antigos com o saber contemporâneo.

Segundo Gadamer:

87 Esse ideal, próprio do século XIX, fora relatado por Elias, em sua obra Os Alemães: “Por algum tempo, o humanismo idealista do movimento clássico teve uma influência determinante nas iniciativas políticas da oposição da classe média alemã. De um modo geral, duas correntes da política da classe média podem ser reconhecidas no século XIX e começos do atual: uma idealista-liberal e outra conservadora-nacionalista. No início do século XIX, um dos principais pontos nos programas de ambas as correntes era a unificação da Alemanha, pondo fim à pluralidade de numerosos e pequenos Estados” (ELIAS, 1997, p. 26).

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Cada indivíduo em particular que se leva de seu ser natural a um ser espiritual, encontra no idioma, no costume, nas instituições de seu povo uma substância já existente, que, como o aprender a falar, ele terá de fazer seu. É por isso que cada indivíduo em particular já está sempre a caminho da formação e já sempre a ponto de suspender sua naturalidade, tão logo o mundo em que esteja crescendo seja um mundo formado humanamente no que diz respeito a linguagem e ao costume. Hegel acentua: nesse seu mundo um povo deu-se à existência. Ele trabalhou a partir de si mesmo e extraiu de si, o que ele é em si (GADAMER, 1997, p. 54).

Não por acaso, Hegel considera o domínio das línguas clássicas

essencial para adentrar no universo cultural greco-latino, pois a tradução não o

representa de forma suficiente. Na tradução a letra mata o espírito, e na

Formação Cultural “já não há letra, tudo é espírito” (LEBRUN, 2006, p. 116).

Por isso Hegel afirma:

A língua é o elemento musical, o elemento da intimidade, que desaparece na tradução – o fino aroma pelo qual a simpatia da alma se dá a saborear, mas sem o qual uma obra dos Antigos apenas sabe como vinho de Reno que perdeu o cheiro (HEGEL, 1994, p. 35).

Por isso, traduções das obras dos antigos são como “as rosas de

imitação, que podem ser análogas às naturais na forma, na cor, porventura

também no perfume, mas que não atingem o encanto, a fragilidade e macieza

da vida” (HEGEL, 1994, p. 33). Pensando nisso, ainda que não negue o status

que a língua materna e as demais ciências devem possuir na Formação

Cultural88, salienta a riqueza do latim e do grego, cuja cultura e sabedoria

somente podem ser descobertas se estudadas e lidas no original89:

Esta intimidade, com a qual a nossa língua nos pertence, falta aos conhecimentos que nós só possuímos em língua estrangeira; estes estão separados de nós por uma barreira que não deixa o espírito sentir-se neles verdadeiramente em casa (HEGEL, 1994, p. 29-30).

A Formação Cultural é histórica, e a historia é racional. Cada uma das

grandes civilizações do ocidente representou com sua cultura um passo no 88 Segundo Hegel, a educação institucional, antevista em seu todo, não finda no estudo dos clássicos, que apenas fundamentam o domínio dos demais conhecimentos, tais como: “o ensino da religião, a língua Alemã juntamente com a familiarização com os clássicos nacionais, Aritmética, mais tarde Álgebra, Geometria, História, Fisiografia – que compreende a Cosmografia, a História Natural e a Física –, Ciências Filosóficas Preparatórias; e ainda Francês, e também para os futuros Teólogos, Língua Hebraica, Desenho e Caligrafia” (HEGEL, 1994, p. 37). 89 Hegel exaltará na Ciência da Lógica a capacidade especulativa da língua alemã, mas nessa obra também reconhecerá que existem certos termos científicos que somente são compreensíveis e legitimados em uma determinada língua e tradição: “Muitas vezes ainda irá se impor a observação que a linguagem técnica da filosofia emprega expressões latinas para determinações reflexivas, ou porque a língua materna não tem expressões para tanto ou, quando as tem, como é o caso aqui, sua expressão lembra mais o imediato, ao passo que a língua estrangeira lembra mais o sentido reflexivo” (HEGEL, 2011, p. 98-99).

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caminho percorrido pelo espírito em seu autodesenvolvimento, por isso a

compreensão dessas culturas, dessas sabedorias, é um passo importante do

percurso pedagógico assumidos nessa fase da Formação Cultural. Cada passo

é incontornável, não há formação sem a apropriação por parte do indivíduo do

legado das gerações passadas. Por causa disso, Hegel exige no currículo do

Ginásio o estudo das línguas clássicas como a condição de fornecer aos

alunos uma formação de excelência:

Admitamos, porém, como válido que, em geral, é de partir do excelente; então, para o estudo mais elevado a base tem que ser e permanecer, em primeiro lugar, a literatura dos Gregos e, em seguida, dos Romanos (HEGEL, 1994, p. 32).

Hegel, mais do que qualquer outro, sabia da relevância que os estudos

dos clássicos possuíam na formação juvenil, pois desde a escola elementar até

o tempo de sua formação acadêmica, no Stift de Tübinger, todos os seus

estudos vinham embebidos desse “banho espiritual, o batismo profano”, que é

cultura clássica, predominantemente helenística. Cedo o grego e o latim se lhe

tornam tão familiares, que, pelo menos do ginásio em diante, “falava em latim

com os colegas, as dissertações escolares redigia-as estatutariamente nesta

língua, que emparceirava até com o alemão, no seu diário pessoal” (PIRES,

1989, p. 891).

Isso porque a relação entre a língua e a cultura é inexorável, pois da

mesma forma que a língua pode ser definida como um código simbólico

através do qual mensagens são transmitidas e interpretadas, a cultura é

também um código simbólico onde é transmitida e interpretada a identidade

dos povos, pois a cultura de um povo forma o seu mundo (cf. AGRA, 2006, p.

2). O que Hegel pretende proporcionar aos educandos do Ginásio é a riqueza

de uma educação vinculada aos grandes documentos da cultura ocidental, pois

O interesse do ensino se refere menos aos que estão ensinando que ao que está sendo ensinado, menos aos sujeitos reais como particularidade eventual a trazer posse da verdade, que a este objeto ideal onde o absoluto exige que ele possua sujeitos para se cumprir reflexivamente (BOURGEOIS, 1990, p. 19)

Para o filósofo, os grandes livros da literatura grega e da literatura

romana descrevem a ciência e a cultura ocidental em seu começo, principal

motivo de sua relevância no processo de formação. Tal começo recebe aqui o

sentido de uma verdadeira gênese lógico-histórica, pois é a partir desse

começo que a Formação Cultural adquire suas bases e inicia seu

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desenvolvimento. Cabe salientar que para Hegel todo começo possui uma

natureza dialética, pois é ele tanto um imediato, um pressuposto, um marco

zero de onde se parte, quanto é um mediato, pois apenas no fim, no caso da

Eticidade almejada pela Formação Cultural, é que o começo, a sabedoria dos

antigos, será verdadeiro e efetivo.

Dessa forma, o conhecimento das línguas clássicas proporciona ao

currículo escolar proposto por Hegel a familiarização com os grandes

documentos literários da cultura greco-latina, proporcionando as bases para o

estudo das ciências de seu tempo, pois tal estudo configura uma propedêutica

à ciência, e já que sempre se deve começar pelo mais excelente: “em nenhuma

outra cultura esteve unido tanto de excelente, digno de admiração, de original,

de multilateral e de instrutivo” (HEGEL, 1994, p. 33).

Por fim, em seu último argumento, Hegel apresenta o estudo dos

Antigos como uma imposição do destino – o Absoluto assim fora desvelado na

cultura –, e se alguém reclamar dos esforços que se deve dispensar a tal

estudo, que este cobre contas do próprio destino que não legou tal saber

universal em sua língua materna (cf. HEGEL, 1994, p. 34).

No entanto, ainda que o modelo hegeliano de escola, enquanto

preparação para vida pública, erija seu currículo a partir dos princípios e das

virtudes elencados no mundo clássico, esse modelo deve assumir a tarefa de

pôr o antigo em uma nova relação com o todo e, desta forma, conservar o

essencial do mesmo, o que por sua vez o mudaria e o renovaria (cf. HEGEL,

1994, p. 29), ou seja, cabe ao currículo escolar levar os educandos, além de se

apropriar da sabedoria dos antigos, a capacidade de relacioná-la às

necessidades do mundo moderno, no qual o educando estenderá sua ação.

Isso somente é possível pelo caráter atemporal e cosmopolita dos

conhecimentos e virtudes dessa literatura clássica.

Nesse sentido, a retomada dos estudos clássicos, idealizada pela

reforma de Niethammer, representa para Hegel o momento da

autoconscientização do Estado que, ao se apreender enquanto

desenvolvimento do espírito absoluto, foi capaz de entender que essa lógica

que o perpassa é a estrutura da própria vida pública, para a qual os educandos

devem ser preparados. A escola, através de uma formação pautada nos

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clássicos, forma para a cidadania, o que garante ao Estado, como analisar-se-á

no que segue, sua manutenção e a eficácia de sua ação.

Dessa forma, a escola efetiva em si a etimologia dos verbetes latinos

educãre e educere90, em suas três dimensões: a escola alimenta, a escola

conduzir e a escola ensina a criar – dimensões diretamente vinculadas a figura

do professor, basilar a qualquer modelo de escola.

A educação institucional apoia então em um tripé: alimentar, conduzir e

criar. Alimentar porque é um processo de suprir as novas gerações com

conhecimentos e valores socioculturais, fornecendo-lhes os elementos

necessários a seu bom desenvolvimento físico, intelectual e moral. Conduzir

porque é um processo de acompanhamento contínuo dos avanços e

retrocessos do desenvolvimento do educando, no qual os mais experientes, por

já terem trilhado o caminho do saber e tendo-o por referência, guiam o

educando no processo. Por fim, criar porque é um processo de fornecer aos

educandos possibilidades para que possam, por seu próprio pensar e por suas

próprias escolhas, criar seus próprios processos de participação e decisão nos

assuntos que afetam suas vidas (cf. NICOLAU, 2011, p. 73).

A realização dessas ações está relacionada à prática docente, que tem a

finalidade de direcionar os educandos ao trilhar de uma via ética e civilizada,

como fora exposto por Pleines:

E no entanto, no domínio mais restrito dos esforços intencionais e das atividades docentes, é possível extrair, da obra de Hegel, os elementos de uma doutrina da educação cuja meta mais nobre consiste em vencer, no plano teórico e no plano prático, a teimosia e os interesses egoístas, para finalmente conduzi-los àquela comunidade do saber e da vontade que é a condição primeira de toda via ética e civilizada (PLEINES, 2010, p. 13).

Será através do professor, que não é apenas “aquele que ensina uma

ciência, arte, técnica” (FERREIRA, 1988, p. 385), que a instituição escolar

efetivará sua parcela de contribuição à Formação Cultural. Hegel não deixou de

salientar essa questão em seus Discursos, o que me permite tematizar sua

compreensão da profissão docente e sua relação com os ideais da Formação

Cultural.

90 “A palavra educação tem sua origem nos verbos latinos educãre (alimentar, criar), significando “algo que se dá a alguém”, com o sentido de “algo externo que se acrescenta ao indivíduo, procurando dar-lhe condições para o seu desenvolvimento”, e educere, com a idéia de “conduzir para fora, fazer sair, tirar de”, que “sugere a liberação de forças que estão latentes e que dependem de estimulação para virem à tona”.” (OLIVEIRA, 2006, p. 26)

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3.5. A Formação Cultural e a Profissão Docente

Por docência se compreende a prática de um determinado sujeito – o

educador – de buscar uma trans/form/ação91 através de uma interação com

outro sujeito – o educando –, na qual ocorre uma produção de saberes. O que

implica que a docência constitua um ato de instrução, coerência e motivação,

realizado por sujeitos autônomos. Nesse sentido, “O homem não é somente o

que ele pode se tornar e fazer de si mesmo, mas também aquilo em que o

transformam a natureza, a historia, a sociedade e, não por último, os

educadores” (EIDAM, 2009, p. 84).

O professor ensina conteúdos, e ao mesmo tempo alimenta, conduz e

conscientiza o educando de sua vocação para a autonomia. Mas, para que isso

se efetive, é necessário considerar o professor como um intelectual autônomo,

que investiga, propõe e busca novas formas de solucionar o problema

pedagógico (cf. LEBRUN, 2006, p. 115-117). Pois, a figura do professor está

vinculada a um indivíduo ético, coerente e maduro, unificador de discurso e

ação que, como dito anteriormente, trilhou o caminho da Formação Cultural e

pode assumir a responsabilidade de formar outrem. Em A Vida de Jesus (Das

Leben Jesu), o jovem Hegel analisa as sentenças de Jesus a partir de uma

perspectiva moral kantiana, convertendo a virtude na verdadeira fonte da ação

ética, o que pode muito bem expressar esse aspecto da profissão docente:

aquele para quem sua felicidade ou sua vida são mais queridas que a virtude, não é bastante hábil nem para trabalhar pela própria perfeição nem para conduzir a outros para ela. Em especial, quem quer trabalhar para outros, que antes examine bem suas forças para ver se está em condições de fazê-lo (HEGEL,1981, p. 65).

Consciente disso, o professor deve relacionar em sua prática docente o

discurso e a ação, na medida em que percebe que nessa prática deve

transmitir a seus educandos não apenas o conteúdo curricular, mas o agir

autônomo e responsável para com esse conteúdo. Em consonância com o

adágio bíblico (Lc 12, 48), que reza: “àquele a quem muito se deu, muito será

pedido, e a quem muito se houver confiado, mais será reclamado” (BÍBLIA

SAGRADA, 1996, p. 1995), Hegel expõe o grau de responsabilidade atribuído

91 Ou seja, realizar mudança (trans), dando uma forma (form) e motivando a ação.

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aquele que assume o trabalho docente como uma missão, uma vocação que

exige uma capacidade para tal, já que depende de sua interpretação e espírito:

O tesouro da cultura, dos conhecimentos e das verdades, no qual trabalham as épocas passadas, foi confiado ao professorado, para o conservar e o transferir à posteridade. [...] Esta transmissão tem de suceder por um lado, por meio de um esforço fiel mas, simultaneamente, a letra só será verdadeiramente frutuosa pela interpretação e espírito do próprio professor (HEGEL, 1994, p. 23).

Para Hegel, a dialética da aprendizagem está centrada na ação docente

– e não neste ou naquele professor –, através da qual o indivíduo em formação

compreende seu vínculo com o objeto do conhecimento, objeto esse do qual o

professor é o guardião e sacerdote (cf. HEGEL, 1994, p. 23). Anteriormente,

mencionou-se a responsabilidade que o indivíduo em formação detém no

processo de aprendizagem, cabe agora evidenciar que lugar ocupa o educador

nesse processo, demonstrando a relação dialética entre educador e educando,

inerente a essa ação. Para Dickey essa relação educando-educador é

essencial à Formação Cultural institucional:

Dado este sistema, a concepção pedagógica de Hegel de como evoluir intuições em conceitos, parece depender de duas coisas. Primeiro, ela depende da existência de um grupo de "estudantes" (ou seja, os grupos medianos da Alemanha), que, depois de ter experimentado o "infinito ruim" e a decepção da "identidade relativa", são psicologicamente dispostos para ouvir chamadas de formas orgânicas de integração e formação de identidade. Segundo, ela depende da existência de um grupo de "professores" (ou seja, a primeira classe de Hegel) que estão em uma posição de oferecer uma visão do que pode consistir a unidade orgânica (DICKEY, 1987, p. 272).

Entra em cena na discussão hegeliana a ação docente, principal

engrenagem da complexa máquina que é a educação institucional, e que tem

como principal proposta, na perspectiva de Hegel, converter a aprendizagem

em um estudo:

A natureza da matéria e da forma de ensino que não é o imprimir de uma coleção de particularidades, qualquer coisa como um conjunto de palavras e modos de falar, mas uma passagem em que há uma interação entre o singular e o universal, faz da aprendizagem no nosso estabelecimento um estudar (HEGEL, 1994, p. 46).

Para Hegel, a natureza do ensino converte o aprender em um estudar92,

ou seja, em uma atividade provocada pelo educador e assumida pelo

92 Embora aprender e estudar estejam intrinsecamente relacionados, o jogo de palavras de Hegel visa estabelecer uma diferença entre os mesmos a partir da seguinte lógica, que será mantida no decorrer da tese, para o filósofo o aprender está relacionado à mera recepção de conteúdos, ou seja, uma atitude passiva do educando, que espera pelo professor, já o estudar

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educando. Para tal, Hegel salienta a necessária disposição do professor a

transcender seu status de mero transmissor de conteúdos, já que compreender

“a aprendizagem como mera recepção e assunto da memória é um aspecto

altamente incompleto do ensino” (HEGEL, 1994, p. 45).

Ainda que o processo de ensino-aprendizagem seja totalmente

dependente da figura do aprendiz, pois é sua condição insuficiente –

incompetência e inabilidade – que é pressuposta pelo ato de educar, a figura

do professor complementa o processo ao suprir tal insuficiência, dotando-lhe

das competências e habilidades necessárias para adentrar no mundo da vida,

interpretando-o e impondo suas condições de participação. No entanto, o

processo impõe etapas, que por sua vez foram experienciadas e superadas

pelo professor, o que torna sua figura um elemento vital na educação

institucional.

Ao demonstrar isso, Hegel relata a proposta pitagórica aos educandos,

que nos primeiros quatro anos de aprendizagem devem calar. Para tal proposta

pedagógica esse primeiro momento não deve ser a da entrega dos educandos

a ideias ou pensamento próprios, ou pelo menos, não é o momento de revelá-

los; a partir disso, ocorreria o que para Hegel é o fim principal da educação, a

saber: “que estas ideias, pensamentos e reflexões próprios, que a juventude

pode ter e fazer, e a forma como os pode retirar de si, sejam extirpados”

(HEGEL, 1994, p. 46).93

Mas, o que os educandos usufruem nessa prática? O que Hegel vê de

tão útil nessa pedagogia pitagórica, a ponto de classificá-la como realizadora

do fim principal da educação? O filósofo chama atenção à necessidade de

impor-se limites, inerente à Formação Cultural, que a juventude deve adquirir:

Os ideais da juventude não tem limites; designa-se a realidade (Wirklichkeit) como algo de triste porque não corresponde aquele infinito. Mas a vida ativa, a eficácia, o caráter, têm essa condição

está relacionado a uma ação do educando para com o conteúdo, embora a figura do professor ainda seja necessária, ela é colaborada com a atitude ativa do educando. Hegel compreende o educando como personagem ativo do processo de formação. 93 Segundo o adendo do §396 da Enciclopédia, a entrega precoce dos educandos a um raciocinar próprio é o produto da “pior maneira de educação”, pois essa “educação pelo jogo pode ter sobre toda a vida do menino a consequência de que ele considere tudo com o espírito de desprezo. Tal resultado triste pode também ser provocado por uma incitação [feita] aos meninos para raciocinar, recomendada constantemente por pedagogos insensatos; dessa maneira, [o que] ele adquirem facilmente [é] algo de petulante. Sem dúvida, o pensar próprio dos meninos deve ser despertado; mas não é licito entregar a dignidade da Coisa a seu entendimento imaturo e frívolo” (HEGEL, 1955, p. 77, §396, adendo).

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essencial de se fixarem num ponto determinado; quem quer o que é grande tem de saber limitar-se, diz o poeta [Goethe] (HEGEL, 1994, p. 75).94

De antemão, deve-se reconhecer que, na maioria das vezes, o prazer

pelo estudo não é uma atitude espontânea dos educandos, pois não é uma

atividade que cumprem com satisfação. Além disso, por sua imaturidade, a

juventude cria ideias com a mesma facilidade e voluptuosidade que as

abandona. Cabe ao professor, e não ao educando, disciplinar esse processo, o

que se apresenta como um aspecto bastante enfatizado por Hegel para

consecução dos objetivos educacionais, pois “Assim como a vontade, o

pensamento deve começar pela obediência” (HEGEL, 1994, p. 45; cf. WOOD,

1990, p. 86).95

A obediência é algo pressuposto pela educação proposta por Hegel96, e

não é algo natural, nem o resultado de um adestramento, mas uma atitude

consciente e livre, resultada da ação docente, que dá razões ao ato de

obedecer. O educando deve reconhecer no educador alguém a quem deve

obedecer, pois dele receberá não apenas o conteúdo, mas a disciplina e as

competências e habilidades necessárias para pensar por si mesmo e adentrar

na vida pública. Isso deve estar claro para o educando, pois é o que configura

a identidade da profissão docente (cf. HARRIS¹, 1997, p. 349).

94 Para Hegel, a dialética entre finito/limite e infinito/ilimitado é um fundamento ontológico do real. Em sua Ciência da Lógica demonstra que o verdadeiro infinito é o infinito da razão, que não é como uma reta que prossegue sem fim, mas como um processo circular que encontra a si mesmo no outro, ou seja, o verdadeiro infinito traz as marcas do próprio processo dialético. Hegel terá essa determinação como a verdadeira infinitude, pois algo, em seu passar para outro, só vem a se juntar consigo mesmo e, assim, como ocorre com a negação, a alteração somente se encontra no finito, pois é ele que é o outro; já o infinito se configura como o outro do outro, restaurando-se como negação da negação, como afirmativo, ou seja, o ser que se restabeleceu a partir da limitação (cf. NICOLAU, 2010, p. 73). 95 Nos adendos da Enciclopédia afirma-se tal pensamento: “ele deve obedecer para aprender a mandar. A obediência é o começo de toda sabedoria; pois, por ela, a vontade que ainda não conhece o verdadeiro, o objetivo, e não faz deles o seu fim – pelo que ainda não é verdadeiramente autônoma e livre, mas antes, uma vontade despreparada – faz que em si vigore a vontade racional que lhe vem de fora, e que pouco a pouco esta se torne a sua vontade” (HEGEL, 1995, p. 77, §396). 96 O argumento hegeliano da obediência como momento pedagógico não deixará de ser polêmico, logo nos vem à mente as criticas de M. Foucault aos processos disciplinares e suas consequências na vida das pessoas dentro de instituições como a escola. Para o filósofo francês, tais processos produzem “corpos dóceis”, isto é, corpos obedientes e “bonzinhos”, que não contestam e que apenas se deixam instruir (cf. FOUCAULT, 2002, p. 141-142). No entanto, o argumento hegeliano propõe um disciplinar da consciência, não do corpo, estando a obediência nesses anos iniciais como um pressuposto pedagógico, o que será justificado no que segue (cf. HEGEL, 2010, p. 87, §48).

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A obediência é a primeira etapa do processo de ensino-aprendizagem

justamente porque o educando ainda não viveu, não experienciou, não

conheceu uma gama saberes que a escola irá lhe propiciar através da ação do

professor. E como, para o filósofo, a Formação Cultural está vinculada à ideia

novecentista de uma formação pela ciência, somente na consideração da

teoria, ou seja, a ciência em sua descrição didática, a educação escolar

poderia cumprir sua função.

A prática docente não poderia divorciar-se do ideal de uma formação

pela ciência, pois essa é uma característica inalienável à Formação Cultural.

Nesse ponto, por mais contraditório que possa parecer, Hegel aproxima-se da

proposta do pedagogo brasileiro Paulo Freire, ao explicar o porquê cobrar

obediência ao pensamento do educando é algo tão vital ao ensino-

aprendizagem.

Primeiramente, deve-se compreender que, para Hegel, a juventude não

pode ser abandonada a suas ideias, pensamentos e reflexões, em uma

espécie de aprendizado “sem mestre”. Nos anos iniciais o “autodidatismo” é

uma prática sem sentido, pois o educando não possui os elementos

necessários ao conhecimento científico (disciplina, ordem, coerência e conexão

de pensamento), evidenciando uma unilateralidade que destoa da proposta da

Formação Cultural de uma formação científica e integral. Por sua vez, Freire

sempre defendeu que

A educação que se impõe aos que verdadeiramente se comprometem com a libertação não pode fundar-se numa compreensão dos homens como seres vazios a quem o mundo “encha” de conteúdos; não pode basear-se numa consciência espacializada, mecanicistamente compartimentada, mas nos homens como “corpos conscientes” e na consciência como consciência intencionada ao mundo. Não pode ser a do depósito de conteúdos, mas a da problematização dos homens em suas relações com o mundo (FREIRE, 1997, p. 38).

O que suscita ser a educação um processo dialógico, onde ambos,

educador e educando, são sujeitos conscientes e problematizadores, isso

Hegel não contesta, desde que resguarde o fato de cada um assumir a parte

que lhe cabe no processo. O conhecimento é algo produzido em conjunto, isso

também não está em questão para Hegel, mas não se pode esquecer que a

didática desse processo exige necessariamente uma guia, pressupõe uma

lógica.

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Por isso, Hegel chama atenção para a condição insuficiente que o

educando parte em sua formação, e a responsabilidade do educador de

alimentá-lo com sua interpretação e transmissão didática dos conteúdos, além

de conduzi-lo na disciplina e coerência no pensar. Assim como Freire, Hegel é

contra uma educação bancária, mera recepção e memorização de conteúdos,

pois, como enfaticamente argumenta no discurso de 1810: “não é só receber,

mas só a autoatividade da compreensão e a capacidade de o utilizar de novo

que fazem de um conhecimento propriedade nossa” (HEGEL, 1994, p. 46).

Dessa forma, o educando é corresponsável no processo, ou seja, é

agente ativo do mesmo, proprietário do conhecimento, também nesse

momento no qual deve calar. Deixar-se conduzir é também participar. Apenas

deve-se deixar claro que esse seja apenas um dos momentos do processo

educacional. Hegel não está aqui restringindo a ação do educando no processo

de ensino-aprendizagem, ou, na linguagem de Freire, “oprimindo-o”, na

verdade, está descrevendo esse processo em seus respectivos momentos e as

atitudes esperadas de seus participantes.

Nunca é demais lembrar que, para Hegel, a realidade está arquitetada

por uma lógica absoluta que perpassa e é perpassada pela inteligência

humana. Ser é pensar. Esse princípio autoriza o filósofo a descrever o real e

acreditar na factualidade de sua descrição. Por isso, quando pretende

descrever o processo de ensino-aprendizagem, não pensa como o mesmo

deveria ser, mas como ele é. Sua compreensão da profissão docente deve ser

exposta a partir desse pressuposto. A ação docente faz parte de uma parte da

Formação Cultural: a educação institucional, descrita como um dos

desenvolvimentos da lógica que perpassa a própria formação humana.

Qualquer um que não estivesse em sintonia com esse ideal em sua

prática docente faria um desfavor aos indivíduos em formação, não sendo

considerado digno, ou mesmo capaz, de exercer tal função e a

responsabilidade nela implicada. Não por acaso, Hegel dedica considerável

espaço em seus Discursos ao tema da profissão docente, pois credita à “alma

interior do professor” a “eficácia do seu ensino” (HEGEL, 1994, p. 23).

Quando Hegel fala em “alma do professor”, relata que o elemento mais

importante da ação docente é o entusiasmo e motivação do professor. Com

efeito, Hegel remete a eficácia do ensino não só para os fatores associados à

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aquisição de habilidades e competências, mas também para a vocação

docente que, diferentemente do que se possa pensar, para Hegel não está

relacionada a uma missão divina, na qual certos “gênios” dotados de dons

seriam escolhidos, na verdade, alude a uma responsabilidade do professor,

que se propôs a trilhar o caminho, e por seu esforço tornou-se aquilo que é,

saiu da caverna e escolheu assumir a responsabilidade de retornar pelos

que ainda estavam lá. Somente um professor com vocação para estudar com

entusiasmo intelectual e para ensinar a estudar servindo de exemplo,

desempenhando o papel de guia do caminho pedagógico e que tenha

conhecimentos profundos sobre aquilo que ensina pode ser um bom

profissional.

No entanto, Hegel não é um mero teórico romântico da profissão

docente, nem forja, em termos lukáscianos, uma falsa ideologia docente, é bom

lembrar que, além de reitor, Hegel era professor de ciências filosóficas do

ginásio, ou seja, era ciente das dificuldades enfrentadas por seus colegas de

profissão, o que lhe permite uma descrição bem realista da mesma:

Os professores, se pensassem apenas em si, ver-se-iam de boa vontade libertos daqueles cuja falta de atenção e de aplicação, assim com outros comportamentos impróprios, tiveram de combater ao longo de um ano (HEGEL, 1994, p. 72).

Interessante é saber que, para o filósofo, a dedicação dos professores

não estava apenas no suportar tais atitudes impróprias do corpo estudantil,

mas na atitude de “só dar a passagem em consequência do mérito”, não

enganando educandos, pais e a sociedade. Segundo Hegel, não basta para

cumprir a tarefa com responsabilidade e dedicação suportar os problemas

disciplinares do cotidiano escolar. A instituição escolar tem um compromisso

para com os indivíduos em formação e para com o Estado, pois:

Os estabelecimentos de ensino públicos são sobretudo viveiros de servidores do Estado; têm, perante o governo, a responsabilidade de não lhe fornecerem elementos inaptos, assim como têm perante os pais, a responsabilidade de não lhes criarem esperanças infundadas, que aliás seriam mais tarde desmentidas, e só arrastariam consigo custos inúteis e o negligenciar de uma formação mais apropriada (HEGEL, 1994, p. 73).

O professor tem no conhecimento, a base de sua ação pedagógica. Em

sua hábil transmissão os indivíduos em formação e o Estado vislumbram a

possibilidade de avanços científicos, culturais, tecnológicos e artísticos. Não

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por acaso, Hegel enfatiza a valorização dos profissionais da educação como o

alicerce da construção de um mundo ético.97 Sua reflexão filosófica sobre a

ação docente pressupõe a formação de cidadãos, que ao final estejam aptos

para tudo que a Eticidade exige. Trata-se de um processo formativo no qual,

por meio dos saberes curriculares, o indivíduo em formação possua as

condições necessárias para se tornar consciente da sua autonomia, capaz de

se compreender como parte integrante da sociedade.

Por esse motivo, o professor não deve duvidar da eficácia de suas

sementes, ainda que deva sempre questionar a eficiência de sua semeadura.

Hegel fala em seu discurso como se o professor devesse encontrar sua alegria

na efetivação da Formação Cultural, ocorrida tanto em si mesmo, quanto em

seus educandos. Por isso,

O professor, quando na sua profissão espalhou as sementes do conhecimento, retira-se do seu trabalho; ainda que algo do semeado não tenha encontrado solo propício, ele está certo, por causa do espiritual, da força mais elevada que reside na dádiva distribuída; ele pode alegrar-se com o pensamento na semente que será impressa (HEGEL, 1994, p. 22).

Sendo assim, os conceitos de Erziehung e Bildung conduzem a ação

docente, que não pode ser identificada com a pragmática aplicação de

métodos pré-estabelecidos. Hegel critica duramente a imposição de uma

metodologia geral, aplicada pelo professor, que ensina, ao educando, que

aprende, como se ambos fossem simples engrenagens de um mecanismo cuja

finalidade lhes escapa, agindo sem compreender o processo no qual estão

inseridos. A ação consciente é um pressuposto ao processo da Formação

Cultural, como bem expôs a Fenomenologia.

A educação possui um fim em si mesma, ao mesmo tempo em que é

meio para a consecução de um resultado. A dialética entre fim e meio é latente

na ação docente, pois o professor não educa por educar, nem o educando

aprende por aprender, isso não tem sentido para Hegel, por isso critica à

pedagogia de seu tempo, que se preocupava mais em ensinar a aprender

97 Ao final do discurso de 1810, Hegel comemora a graça concedida por sua majestade ao professorado que, a partir de então, passaria a classe de funcionários do Estado: “Sua Majestade dignou-se colocar os professores dos Liceus, dos Ginásios e dos estabelecimentos de ensino prático, na classe de funcionários do Estado e estender até eles as vantagens pragmáticas do serviço [público], elevada a mercê que temos que honrar com o agradecimento mais respeitoso e encontrar aí uma nova razão para a dedicação ao cumprimento dos nosso deveres” (HEGEL, 1994, p. 54).

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(passividade) do que a ensinar a estudar (atividade). Ao mesmo tempo em que

a Formação Cultural é o fim do homem, enquanto inerente condição de

incompletude, ela é o meio pelo qual esse homem realizar-se-á com ser ético.98

3.6. A Formação Cultural e o Ardil Pedagógico: a Instituição Escolar e a

Formação Ética

Uma das principais questões do discurso de 1811 é a discussão acerca

da relação entre a instituição escolar e a formação ética (cf. HEGEL, 1994, p.

57-70). Segundo Hegel, a escola deve conscientizar os educandos a respeito

da dimensão ética pressuposta pela vida pública. O que implica na tarefa de

conservar e desenvolver a Eticidade no educando, justificando suas razões.

Como a Eticidade pressupõe certa durabilidade, certo reconhecimento, em

princípio, da autoridade, cabe à instituição escolar a legitimação da mesma,

pois

Se leis e organizações que deveriam constituir o fundamento e o apoio seguros do mutável, eles próprios se tornam mutáveis, em que se pode apoiar o que, em si e para si, é mutável? (HEGEL, 1994, p. 71).

O argumento de Hegel visa fundamentar a estrutura sociopolítica

resultada do processo da Formação Cultural. A vida pública, para a qual o

educando está sendo formado, não pode ocorrer sem normas e leis de caráter

universal, que assegurem sua existência. Por isso, a instituição escolar deve

justificar os princípios e formas de agir que elevem o espírito do educando,

forjando costumes que se tornam hábitos através de seu exercício. Mas, para

que a Formação Cultural ocorra, a instituição escolar deve convencer os

educandos de que a disciplina e o reconhecimento da autoridade são

necessários e vantajosos em termos da convivência social.

Mas tal tarefa traz em si um dos grandes desafios da instituição escolar

e, ao mesmo tempo, o seu enigmático paradoxo: conciliar dois polos

aparentemente inconciliáveis, a liberdade/autonomia e a autoridade/disciplina.

98 Eidan questiona: “a educação é, incluindo todas as ações pedagógicas, que lhe dizem respeito, somente o meio para se alcançar o que não reside nela mesma ou tem o processo da educação um fim e valor em si mesmo? A educação é apenas um meio para um fim, ou possui a propriedade de ter em si mesma seu fim e, nesse sentido, ser um fim em si mesma?” (EIDAN, 2009, p. 63). Em Hegel tal questão é resolvida na dialética entre fins e meios na Bildung, pois os princípios da Eticidade são cultivados no processo de formação (Bildung), que é seu meio de realização e ao mesmo tempo sua meta e fim. Para analisar esse âmbito da Bildung hegeliana dedico o próximo capítulo da tese.

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Em seu discurso, Hegel afirma que o espírito juvenil irrequieto, que se encontra

no ginásio, deve ser coibido e, por um ardil pedagógico, conduzido através da

ação docente à compreensão da Eticidade. Impõe-se a questão da relação da

escola e seu ensino com a formação ética do homem em geral. Mas o que

Hegel compreende por formação ética?

A proposta ética hegeliana está fundada em seu conceito de

autoconsciência, que traz em si o ideal da liberdade. A ética hegeliana

pressupõe o controle da vontade a partir da compreensão de sua dimensão

dialética. O indivíduo consciente, logo formado, adquire a autonomia enquanto

capacidade de relacionar sua razão e suas paixões em uma vontade livre para

si, verdadeira expressão do espírito absoluto no homem (cf. HEGEL, 2010, p.

67, §21), o que é ratificado na Filosofia do Espírito da Enciclopédia: “Nada de

grande foi levado a termo sem paixão, nem pode ser levado a termo sem ela.

Só a moralidade morta, ou mesmo, muitas vezes, hipócrita, se desencadeia

contra a forma da paixão enquanto tal” (HEGEL, 1995, p. 270-271, §474,

Obs.).99

Essa ética não é absoluta por extinguir o desejo, mas por proporcionar

ao indivíduo formado a maioridade da razão, ou seja, a capacidade de

relacionar o particular e o universal em sua vida, que se converte em uma

Eticidade. Lembre-se que o Absoluto em Hegel representa o resultado objetivo

do desenvolvimento da Ideia, ou seja, sua efetivação no homem, que só é

efetivo enquanto membro do Estado. A Eticidade configura assim a formação

acabada, a completa instrução do ser humano (Bildung).

Dessa forma, a Eticidade adquire no discurso hegeliano uma formatação

pedagógica, pois pressupõe a formação integral do indivíduo como preparação

à sua participação efetiva na vida pública. A ética hegeliana supera o particular

e objetiva o universal, formando um indivíduo que não é apenas em si, mas em

sua relação para com o outro – é para-outro.

A Formação Cultural hegeliana agora entra em seu ápice, pois a

formação ética representa a consolidação do projeto educacional formulado 99 Afinal, um dos mais célebres adágios hegelianos afirma que “Afirmamos, então, que nada foi realizado sem um interesse de parte dos que o provocaram. Se o “interesse” for chamado de “paixão” – porque toda a individualidade concentra todos os seus desejos e forças, com todas as fibras da vontade para descuido de todos os outros interesses e objetivos reais ou possíveis, em um objeto –, podemos, então, afirmar sem qualificação que nada de grandioso no mundo foi realizado sem paixão (grifo nosso)” (HEGEL, 2001, p. 69).

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pelo filósofo. A instituição escolar, ao justificar e exercitar os princípios e formas

de agir próprias da Eticidade, consolida os ideais de uma formação integral, no

qual o indivíduo estará apto para tudo (cf. HEGEL, 1994, p. 44). Porém, a

efetivação dessa esfera institucional da Formação Cultural depende da

realização de mais três etapas transversais ao currículo escolar: a) a

familiarização da consciência com as determinações éticas; b) a consolidação

das reflexões morais e c) a condução a meditação desses temas. Dessa forma,

cabe à escola fornecer “as linhas de orientação” que conduzirão o educando à

sua participação efetiva na vida pública.

Não por acaso, Hegel salienta que a educação institucional não separa a

cabeça do coração, pois compreende o espírito humano como uma unidade

entre vontade e razão, que devem estar em harmonia para a efetivação de uma

formação integral. Portanto, a formação intelectual está intrinsecamente

relacionada à formação ética (cf. HEGEL, 1994, p. 49).

Motivo pelo qual Hegel, mais uma vez, salientará o valor de uma

formação fundada nos clássicos, pois, a partir dela, ocasiona-se a

exteriorização necessária à Formação Cultural, na medida em que efetiva o

separar de si próprio, da sua imediata existência natural, da sua esfera sem liberdade do sentimento e do impulso, e de colocá-lo no pensamento, pelo que ele alcança uma consciência sobre as reações instintivas (HEGEL, 1994, p. 61).

Os clássicos podem auxiliar na condução dos educandos à disciplina, tão

necessária à Eticidade, por sua capacidade de causar um estranhamento no

educando, separando-o de seu confortável mundo particular e lançando-o na

complexa relação com o universal, onde ocorrerá a familiarização da

consciência com as questões éticas. Nessa perspectiva, ao ler os “clássicos”, o

educando entra em contato com os feitos e personagens que merecem louvor

ou censura na literatura precursora da cultura ocidental: os dramas humanos e

os valores neles envolvidos, com sentimentos e ações fundados na

solidariedade e no egoísmo, no respeito ou no desrespeito ao outro. Aprendem,

assim, a admirar ou desprezar condutas e nelas se espelhar em suas angústias

e decisões, consolidando assim as reflexões morais trabalhadas na instituição

escolar (cf. CARVALHO, 2002, p. 164).

Através dos clássicos o professor pode conduzir à meditação dos temas

éticos, transmitindo aos educandos a capacidade de relacionar o particular e o

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universal em uma formação ética, que se torna a principal esfera da educação

institucional. Por isso, na formação ética a Formação Cultural chega a seu

termo, pois o processo educacional não separa os princípios éticos das

ciências e conteúdos curriculares, relacionando cultura formal e formação ética.

A partir disso, o educando deve desenvolver a “capacidade de apreender de

forma correta o caso e as circunstâncias, distinguir bem as mesmas

determinações éticas e fazer delas uma utilização adequada” (HEGEL, 1994, p.

60). A apreensão do sentido das relações entre o particular e o universal,

implica na formação geral e ética, perseguida pelo modelo de escola hegeliano:

Já a formação geral está, segundo a sua forma, ligada, do modo mais íntimo, à formação moral; pois não devemos de modo nenhum limitá-la a alguns princípios e máximas, a uma honradez geral, a uma boa intenção e disposição moral honesta, mas antes acreditar que só um homem com uma boa formação geral pode ser também um homem com formação moral (HEGEL, 1994, p. 49).

O autor afirma que a formação geral é necessária para a ação ética,

tendo em vista que faz parte do ensino da cultura a capacidade de aprender

corretamente as circunstâncias adequadas para a prática das atitudes éticas.

No entanto, à escola não está confiada toda a esfera de existência do

educando, que não passa todo seu tempo sob a ação escolar, pois

fora do local de ensino ficam sob a autoridade dos pais ou daqueles que junto deles ocupam o seu lugar; são eles que determinam a liberdade que concedem aos seus filhos, as relações que lhes autorizam, os gastos e o tipo de prazeres que lhes querem permitir (HEGEL, 1994, p. 63).

Isso impõe um limite à ação escolar, mas, ao mesmo tempo, dá-lhe uma

forma própria: nela o educando prepara-se para a vida pública. Por sua vez, na

vida familiar o indivíduo

experimenta, sem o merecer, o amor dos pais, assim como tem de suportar sua cólera, sem ter qualquer direito contra esta. Em contrapartida, no mundo, o homem vale por aquilo que realiza; só tem valor na medida em que o merece (HEGEL, 1994, p. 61).

Por isso, ainda que a escola não se identifique com a vida pública,

demarca um estágio superior ao da relação amorosa da Família, onde a

tolerância e a compreensão dos atos inconsequentes das crianças e

adolescentes não têm limites. A escola se encontra, assim, entre a Família e o

mundo efetivo, constituindo-se como elo de mediação e de passagem de um

mundo para o outro. Isso faz da escola uma instituição que é, por natureza,

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uma esfera mediadora (cf. HEGEL, 1994, p. 61; HEGEL, 1995, p. 78, §396,

adendo).

Para Hegel, a formação ética excede os limites da ação escolar, pois a

disciplina e a eficácia moral da escola não se estendem a toda esfera de

existência de um aluno: à escola cabe justificar e exercitar os elementos da

disciplina e da ética, mas sua consolidação escapa seus domínios (cf.

SÆVEROT, 2010, p. 12-13). Somente no mundo efetivo a formação poderá ser

consolidada, fazendo a escola o papel de mediadora. Assim, a escola dá forma

aos elementos da disciplina e da ética, mas não é responsável pela criação

desses elementos. Cabe salientar que o ato de dar forma pressupõe uma

matéria informe sobre a qual se estenderá a ação formadora. Nessa

perspectiva, o educando é a matéria informe sobre a qual a ação escolar se

estenderá, com o intuito de dar-lhe forma. Mas, salienta Hegel, “Só através de

uma ação comum e concordante de pais e professores se pode alcançar um

êxito efetivo em casos importantes, particularmente em erros morais” (HEGEL,

1994, p. 50).

Para o filósofo, a instituição escolar desenvolve uma habilidade que já foi

introduzida pela Família, mas que não está ainda desenvolvida: a disciplina. É

um pressuposto da proposta hegeliana que a disciplina deve ser ensinada

desde os primeiros anos de vida, sendo suas primeiras noções dadas pelos

pais. Cabe-lhes a responsabilidade de disciplinar seus filhos, a partir do amor e

da autoridade que lhes é inerente.

Compreenda-se aqui por disciplina a capacidade de fazer o que

devemos e não o que queremos, ou seja, agir de acordo com a razão,

desenvolvendo uma vontade livre. Por isso, a disciplina deve ser entendida

como uma educação básica, realizada em âmbito familiar, não sendo de

responsabilidade da instituição escolar, pois a essa é delegada à formação

ética, como bem afirma Hegel:

A disciplina propriamente dita não pode ser uma finalidade de uma instituição de ensino, mas apenas a formação moral, e mesmo esta, não em toda extensão de seus meios. Uma instituição de ensino não tem que começar por obter a disciplina dos seus alunos, mas antes que pressupô-la. Devemos exigir que as crianças cheguem educadas a nossa escola (HEGEL, 1994, p. 47).

O modelo de escola proposto por Hegel determina sua função e seus

limites, por isso o currículo escolar não deve incluir nenhum tipo de formação

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específica para a disciplina, mas sim para a formação ética do indivíduo. Não

cabe a escola ensinar qual o comportamento apropriado dos educandos no

ambiente escolar, cabe cobrá-lo e justificá-lo enquanto um ato consciente,

através do qual o educando discerne, vivencia e pratica os princípios e formas

de agir éticos.

Esse comportamento deve ser proporcionado pelo próprio ambiente

familiar, pois é uma tarefa e um dever dos pais fornecer-lhes regras básicas de

conduta para que estejam prontos e dispostos para aprender. Tal disposição e

conduta deve ser um pressuposto da escola, que recebe o indivíduo que está

apto para a realidade escolar. Hegel somente pode afirmar isso, porque erigiu

um modelo de escola e um currículo escolar fundados no ideal de formação

para a (cons)ciência, que pressupõe a disciplina e a aplicação do educando a

esse objetivo. Sobre essa educação familiar, Hegel informa:

Para frequência das nossas escolas é apropriado um comportamento calmo, a habituação a uma atenção persistente, um sentimento de respeito e de obediência para com os professores, uma conduta correta, modesta atenção aos mesmos e em relação aos condiscípulos (HEGEL, 1994, p. 47-48).

Entretanto, sabe o filósofo que “é mais fácil amar os filhos do que educá-

los” (HEGEL, 1994, p. 85). A instituição escolar e a Família devem enfrentar

aquilo que é próprio da juventude: a resistência em reconhecer o princípio da

autoridade e a necessidade da disciplina. Por isso, é próprio da juventude não

ver sentido e considerar, por vezes, injusta a autoridade. No entanto, o discurso

educacional hegeliano exige a disciplina como condição para a vivência efetiva

da Formação Cultural, legando sua legitimação à educação institucional, mas

sua implantação a Família, pois

Os estabelecimentos escolares são em parte instituições de ensino, e não imediatamente de educação, por outro lado, não começam pelos primeiros elementos de formação, nem do conhecimento, nem dos costumes (HEGEL, 1994, p. 47).

A instituição escolar, juntamente com a Família, prepara para a vida

pública. A educação institucional demonstra que sem uma boa estrutura

familiar “nunca a disciplina e a ordem chegam ao pensamento, nem a

coerência e a conexão chegam ao conhecimento” (HEGEL, 1994, p. 46). Sem

uma educação básica, realizada na Família, não há como efetivar os ideais da

Formação Cultural, por isso, alerta Hegel:

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e se em sujeitos que não preenchem estas condições, a melhoria não se der rapidamente, se a rudeza, a insubordinação, a desordem não cederem com o tempo, eles devem ser afastados de um estabelecimento cujo ensino não pode dar frutos num terreno bravio (HEGEL, 1994, p. 48).

Hegel é radical ao afirmar que o estabelecimento escolar não é o

ambiente no qual vai ocorrer a “educação”, ou seja, a implantação da disciplina.

Essa delimitação deve estar bem clara à comunidade escolar. No entender de

Hegel, a instituição escolar deve assumir a responsabilidade de conscientizar

aqueles que são obrigados a seguir os valores e as normas que regem a vida

pública do porque são obrigados a fazê-lo, ou seja, deve, na mesma medida

que a cobra, justificar a disciplina, mas não ensiná-la. Lembre-se que a

Formação Cultural hegeliana ocorre no processo de autoconscientização do

indivíduo em formação, que só pode ser desencadeado após a determinação

de um começo, nesse caso a educação familiar.

Encontramos em Hegel, portanto, um debate que segue vigente no

campo da educação e que está relacionado com a função da instituição escolar

no processo de formação. Nesses termos, a argumentação hegeliana propõe

uma superação dialética do infrutífero “ou..., ou...”, ou autonomia, ou disciplina.

A educação institucional deve evitar cair em um dos dois extremos, ou seja, a

formação não pode ser entregue “ao desenvolvimento natural do bem a partir

do coração e da habituação pelo exemplo” (HEGEL, 1994, p. 59), mas também

não deve enrijecer-se em um modelo mecânico e autoritário. Pois um dos

problemas de formular uma proposta educacional coerente com o ideal da

Formação Cultural é o risco de adotar posturas libertárias, que pretendem a

negação de toda autoridade ou universalidade, deixando de lado a inerente

dialética entre os conceitos de autonomia/liberdade e

autoridade/necessidade.100 Negar a autoridade desde a vontade não nos faz

livres, mas apenas voluntaristas. Para o filósofo:

Difícil é encontrar a via intermédia entre a concessão de uma liberdade excessiva às crianças e uma limitação excessiva desta liberdade. Na medida em que ambas as vias constituem um erro, o primeiro erro é bem o maior (HEGEL, 1994, p. 84).

100 Para Bourgeois: “Se a escola pode realizar esse objetivo ao evitar tanto o erro repressivo – controlar o indivíduo sem libertá-lo, para que seja seu próprio mestre – quanto o erro laxista – libertar falsamente o indivíduo, impedindo-o de controlar-se em sua espontaneidade –, é porque, em seu próprio estatuto de instância educativa real, ela encarna tanto a exigência de liberdade quanto a exigência de autoridade” (BOURGEOIS, 2004, p. 111).

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Por sua vez, não pode incorrer no autoritarismo que tolha ao educando o

direito de se posicionar em relação às questões que ocorrem no ambiente

escolar.

Os conceitos sobre o que em particular se deve entender por disciplina, e por disciplina escolar em particular, modificaram-se muito com o desenvolvimento da cultura. Uma vez que a educação foi sendo considerada cada vez mais do ponto de vista correto de que ela deve ser essencialmente mais apoio que opressão do sentimento de si-mesmo que desperta, de que deve ser uma formação para a autonomia, foi-se perdendo na família, assim como nos estabelecimentos de ensino, o costume de em tudo, seja no que for, dar à juventude o sentimento de submissão e de ausência de liberdade, de a fazer obedecer, também naquilo que é indiferente, a outro que não ao seu próprio arbítrio, – de exigir uma vazia obediência pela obediência e alcançar através da dureza o que cabe apenas ao sentimento do amor, do respeito e da seriedade da coisa (HEGEL, 1994, p. 62-63).

A Aufhebung pedagógica requer conservar elementos de ambos os

momentos, autonomia e autoridade, como elementos essenciais a formação

humana.

A educação para a autonomia exige que a juventude seja habituada desde cedo a consultar o seu sentimento próprio e que lhe seja deixada livre uma esfera em que, entre si e em relação com os mais velhos, determine o seu próprio comportamento (HEGEL, 1994, p. 63).

Entretanto, Hegel denuncia em seu discurso outro problema a ser

enfrentado ao relacionar o ensino escolar e a formação ética: a crença de

alguns de que seja algo mais pedagógico não expor crianças, adolescentes e

jovens a questões de cunho ético, por reconhecer não ser próprio de sua idade

refletir sobre tais questões. Para Hegel, não há um tempo pedagógico para

essas questões, pois

toda nossa vida não consiste senão em aprender a compreender a sua importância e alcance de forma cada vez mais profunda, em vê-los espelhados em exemplos e casos sempre novos, e apenas assim conhecer cada vez com mais desenvolvimento a vasta compreensão do seu sentido e a determinação da sua aplicação (HEGEL, 1994, p. 60).

Hegel não deixa de considerar que cada fase do desenvolvimento

individual representa um momento da Formação Cultural, uma parte do todo,

que não deve ser absolutizada, nem mesmo desprezada ao ser superada, mas

sim compreendida. Baseado nisso, Hegel dirá que somente o homem que

passou pela experiência da vida poderá avaliar de forma completa a cultura

adquirida, as capacidades e os princípios implantados.

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É verdade que a juventude está próxima demais do processo para

prever seus resultados, sendo a impaciência própria dessa fase, pois em seu

julgamento deve “avançar rapidamente para além das vastas disposições e dos

preparativos da escola para entrar no mundo” (HEGEL, 1994, p. 22).

Portanto, a estrutura administrativa, curricular e didática do Ginásio foi

erigida de forma a expressar o espírito da Formação Cultural neo-humanista,

afirmando assim o papel que a escola possui de manter e desenvolver a

Eticidade, contribuindo com a formação do indivíduo em conjunto com a

sociedade e a Família, conformando a “comunidade dos fins na diversidade

dos meios” (HEGEL, 1994, p. 24). Ora, essa necessidade hoje suscitada pela

escola da participação da Família e da sociedade na formação do educando

leva à compreensão hegeliana da necessidade da ideia do Estado (cf. HEGEL,

2010, p. 229, §257), a ser evidenciada na concepção de uma Formação

Cultural social (cf. DICKEY, 1987, p. 271) na esfera da Sociedade Civil-

Burguesa, a qual o indivíduo, após a mediação escolar, está apto a adentrar.

Para Hegel, o ato reflexivo, ou seja, o pensamento universal, traz em si a

propriedade destruidora que mantém perene apenas o princípio transcendental

do espírito, a liberdade. Por isso, pensamento e liberdade estão em intrínseca

relação na Formação Cultural. A efetivação da liberdade ocorre na destruição

da subjetividade imediata e na construção da universalidade do pensar – o que

foi elaborado na Fenomenologia, no desmanchar “tijolo por tijolo o edifício de

seu mundo anterior” (HEGEL, 2001, p. 26), e nos Discursos de Nüremberg, na

compreensão do principal fim da educação, qual seja, o extirpar ideias,

pensamentos e reflexões unilaterais da juventude, frutos de sua imaturidade

juvenil (cf. HEGEL, 1994, p. 46). Mas esse não é um processo infinito, pois tem

um fim, que é o voltar-se para si mesmo no tornar-se o que se é – o que posso

relacionar a figura do “homem que passou pela experiência da vida” (HEGEL

1994, p. 22-23), capaz agora de entender e valorizar sua formação.101

101 No entanto, a educação deve ser considerada fim ou meio? Eidam propõe esse debate, indagando: “a educação é, incluindo todas as ações pedagógicas que lhes dizem respeito, somente o meio para se alcançar o que não reside nela mesma ou tem o processo da educação um fim e um valor em si mesmo? A educação é apenas um meio para um fim, ou possui a propriedade de ter em si mesma seu fim e, nesse sentido, ser um fim em si mesma?” (EIDAM, 2009, p. 63), questão que responde com uma conclusão simples: “Há educação por causa das crianças, não crianças por causa da educação” (Idem, p. 71), o que demonstra o âmbito teleológico que o processo educativo traz em si, assumido por Hegel em seus discursos.

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A educação institucional é vista como o preâmbulo de uma vida social,

cujas bases e fins são apresentados na filosofia política de Hegel. Nesse

sentido, a Filosofia do Direito surge como o ápice de minha proposta de

apreender o conceito hegeliano de Formação Cultural, pois nessa obra a

filosofia hegeliana vincula o processo de formação à própria efetivação da

liberdade em seu âmbito social e político. Nesse momento do sistema

hegeliano, o conceito de Formação Cultural se identifica com a efetivação da

própria ideia do direito, cujo fim é o cidadão do Estado ético, no qual reconheço

o fim último da Formação Cultural.

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Capítulo 4 Formar o Cidadão: o Conceito de Formação Cultural nas Linhas Fundamentais de Filosofia do Direito de 1821

Em sua imediaticidade a vontade é indeterminada, ou seja, não

reconhece limites ou leis, apenas deseja, sem saber como fazer para satisfazer

ou mesmo o que esperar após a satisfação desse desejo. A essa racionalidade

da vontade Hegel vincula o próprio ato de educar, pois a tem como produto da

Formação Cultural. A racionalização da ação, ou o purificar dos instintos,

concede à Formação Cultural um valor em si: é a esfera responsável por fazer

brotar a universalidade do pensamento nos indivíduos (cf. MEYER, 2011, p. 45-

47). Nesse sentido, o processo da formação humana implica na libertação da

imediaticidade dos desejos. Na perspectiva da Filosofia do Direito, essa

libertação é alcançada mediante a criação de instituições éticas e sociais às

quais os indivíduos se submetem, convertendo essa libertação em um

processo de racionalização da vontade (cf. HEGEL, 2010, p. 67, §20).

Instituições sócio-racionais asseguram as condições sociais necessárias para se alcançar a liberdade pessoal e moral, principalmente através da Bildung - a formação ou educação - de seus membros em agentes que possuem as capacidades subjetivas exigidas às pessoas e assuntos morais. Por sua própria natureza, a Bildung deve ocorrer inconscientemente e involuntariamente - "nas costas" daqueles que se submetem a ela. Isto porque as capacidades subjetivas de liberdade dependem e só são adquiridas através de um regime disciplinar, como o trabalho (a forma de disciplina distinta à sociedade civil) ou sujeição à vontade de uma autoridade superior (a base da disciplina na família) (NEUHOUSER, 2011, p. 293-294).

Segundo Hegel, o espírito é livre em si e, trazendo o mundo para si,

reconhece-se ainda mais livre porque, através da Formação Cultural, exerce

sua liberdade. A Formação Cultural, por assim dizer, configura a segunda

natureza do espírito, enquanto momento de externação do seu bem próprio, ou

melhor, a ideia absoluta.102 Assim, o espírito é livre porque tem em seu

domínio, como seu bem próprio, a ideia exteriorizada pela Formação Cultural.

102 Segundo Hegel: “Ela (a Ideia Absoluta) é o único objeto e conteúdo da filosofia. Na medida em que contém em si toda a determinidade e sua essência consiste em retornar a si por meio de sua determinação de si ou particularização, ela possui diversas configurações e a tarefa da filosofia consiste em reconhecê-la nestas configurações. A natureza e o espírito são em geral modos distintos de expor sua existência [...] a filosofia possui com a arte e a religião o mesmo conteúdo e a mesma finalidade; mas ela é o modo supremo de apreender a ideia absoluta, porque o seu modo é o modo supremo, o conceito” (HEGEL, 2011, p. 264)

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A ideia, primeira natureza do espírito, e a cultura, segunda natureza, perfazem

o movimento livre em si e para si, agora concretizado como vontade livre.

Para Hegel, a vontade natural, ainda que seja uma etapa inalienável do

espírito humano, é inculta e extremamente limitada em seu agir, o que torna ao

processo de formação uma condição para a vivência da verdadeira liberdade.

Para o filósofo, o homem não pode ser entregue à natureza, pois isso significa

o estacionar em seu desenvolvimento natural, ou seja, configura uma

incompletude, uma inconclusão que na sua insconsciência crê-se completa.

Uma sociedade, enquanto mundo do espírito, deve ser protegida desse

estacionar das consciências, por isso o reino da liberdade, ou a esfera do

direito, será validada ou justificada apenas por essa formação do espírito

humano.

Isso é afirmado por Hegel quando considera a “coação pedagógica ou

coação exercida contra a selvageria e a brutalidade” (HEGEL, 2010, p. 118,

§93, Obs.), imposta contra a selvageria do estado de imediaticidade que se

encontra o indivíduo em seus primeiros anos de formação. De acordo com seu

idealismo absoluto, Hegel deposita sua confiança na razão103, fundamento da

“segunda natureza” para a qual deve o homem dirigir-se em seu autocultivo.

Limitar a vontade natural, tida como violência à liberdade efetiva, é o principal

objetivo da Formação Cultural enquanto condução à vontade livre e sua

vivência.

Por isso, Hegel impõe à vontade uma limitação, que em uma

consideração imediata seria ilegítima, pois configura uma violência para com a

vontade. No entanto, essa posição deve ser reconsiderada, pois essa restrição,

aparentemente ilegítima, volta-se contra uma vontade tão coagente, ou

violenta, quanto ela. A vontade natural configura uma limitação ou violência,

sobre a qual a educação deve atuar, ou seja, a essa coação bárbara e

selvagem deve contrapor-se uma coação pedagógica, uma negação da

103 Segundo Borges: “Não são racionais apenas as leis que os homens constroem na sua relação com a natureza, mas há uma razão virtual em tudo o que é produzido nas relações entre os homens: os costumes, as leis, o Estado. Este é o sentido da afirmação hegeliana de que “o que é racional é efetivo e o que é efetivo é racional”. Tanto as regras da natureza quanto as regras do mundo espiritual são racionais, podendo, portanto, ser conhecidas. Isso não significa que toda realidade natural, ética, política e social, seja racional, mas que deve buscar o elemento de racionalidade existente na realidade, tanto natural, quanto social.” [grifo meu] (BORGES, 2009, p. 24-25)

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negação que justifica e legitima sua aplicação. Tal interpretação é corroborada

por Hösle,

Hegel declara [...] que a coação aparentemente primeira que educadores e heróis exercem contra a vontade natural de crianças e bárbaros seria legítima, uma vez que a própria vontade natural já seria violência (HÖSLE, 2007, p. 551, nota).

Ao estado de natureza, estado de violência em geral, a ideia funda um

direito dos heróis, uma coação pedagógica capaz de conduzir os indivíduos ao

direito da igualdade de condições em uma existência ética. (HEGEL, 2010, p.

118, §93, Obs.)

O processo da Formação Cultural faz com que o indivíduo afaste-se das

determinações puramente naturais e apreenda-se subjetivamente em uma

objetividade que, de um lado, o formou e que, de outro, ele contribui para

formar. A formação para a liberdade é, então, necessariamente produto de uma

concepção de homem que não privilegia uma de suas determinações em

detrimento de outras. Pensa-se o homem em sua integralidade e atividade,

pois somente pela atividade e pela consciência dos indivíduos que o espírito

libera-se e atualiza-se no devir dos acontecimentos históricos.

Na compreensão de Hegel, é da natureza do espírito encarnar-se no

mundo através da efetiva liberdade dos indivíduos. Essa “encarnação” é a

Formação Cultural enquanto passagem obrigatória do indivíduo em formação a

uma “segunda natureza”, que representa, por sua vez, o ser-aí objetivo do

espírito.

A segunda natureza do homem é a história ética do indivíduo, isto é, a

história do movimento ativo dos indivíduos chegando à consciência de si

mesmos como membros de uma sociedade. Somente esta imbricação entre o

natural e o ético possibilita pensar a liberdade como pleno exercício da

racionalidade contida em qualquer indivíduo. Bourgeois, ao analisar o

pensamento político hegeliano nos escritos de Tübingen, já reconhece esse

princípio ao afirmar:

A liberdade deve nascer do interior, antecipando-se ela própria como sentido da liberdade. Aquele que dirá no fim de sua vida que não há revolução sem reforma percebe desde Tübingen a necessidade de uma educação da consciência existente para a liberdade. Ao elaborar um projeto prático de educação popular, Hegel se coloca numa corrente característica da época (BOURGEOIS, 2000, p. 41).

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É pela autoconsciência da racionalidade inscrita nas relações éticas de

uma época que caminha a ideia da liberdade, ou seja, não há liberdade

enquanto os homens não se tornam conscientes e capazes de efetivar sua

existência. Por isso, segundo Hegel, a liberdade é eminentemente histórica.

Cada indivíduo, a partir de suas escolhas, formata o mundo no qual o

espírito é manifestado. Tal compreensão da historia direcionou Hegel à análise

da ação humana e sua justificação, ou seja, levou-o à esfera da Moralidade.

Nesse sentido, o momento da Moralidade é vital para Hegel, pois é a mediação

entre a abstração do direito contratual e a objetividade da Eticidade, na qual a

liberdade está efetivada enquanto “mundo presente e natureza da

autoconsciência” (HEGEL, 2010, p. 167, §142).

No entanto, do ponto de vista pedagógico, não cabe à Formação

Cultural impor uma tábua de obrigações a ser seguida independente de ser

compreendida ou não, pois ela não configura uma doutrina das obrigações,

mas uma doutrina das virtudes, ou seja, não configura uma legislação que

obriga o indivíduo uma ação em cada situação particular, mas uma formação

que desenvolva ações virtuosas, refletidas e conscientes. Isso porque as

virtudes representam a formação universal que capacita para ação ética na

particularidade. As virtudes “são o ético na aplicação ao particular” (HEGEL,

2010, p. 171, §150, Obs.), pois permitem aos indivíduos compreender a

necessidade de uma normatização das ações na vida em sociedade. Através

dessa doutrina das virtudes proposta pela Formação Cultural, cada indivíduo

molda sua vontade a fins universais. A mencionada relação entre direitos e

deveres surge nesse plano moral objetivo, pois segundo Hegel: “o homem,

mediante o ético, tem direitos na medida em que ele tem obrigações e

obrigações na medida em que ele tem direitos” (HEGEL, 2010, p. 173, §155).

Tal racionalidade das ações surge a partir dos costumes de um povo,

expressos em um código de leis que rege a vida em sociedade em seus

âmbitos social, político e administrativo. Hegel apresenta o costume como o

“modo de ação universal” (HEGEL, 2010, p. 171, §151) dos indivíduos,

representando a efetivação de um “hábito”, ou seja, a conformação dos

indivíduos a uma “segunda natureza”104, posta em lugar da mera vontade

104 Que é definido na Enciclopédia nesses termos: “O hábito foi chamado, com razão, uma segunda natureza: natureza, porque é um ser imediato da alma; uma segunda [natureza]

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natural. Essa segunda natureza adquirida pelo hábito é a “alma, a significação

e a efetividade” (HEGEL, 2010, p. 172, §151) do ser-aí dos indivíduos, que

agora identificam-se com o espírito vivo na formação da vida social (cf. HEGEL,

2001, p. 223).

A esfera na qual a liberdade encontra-se nessa perspectiva é a Eticidade

(Sittlichkeit), pois nela serão considerados os elementos formadores do espírito

de um povo: seus costumes, seus valores, suas leis, suas instituições, seu

idioma, sua religião, além de sua ciência e arte. O conceito de liberdade efetiva

é o bem vivente, na medida em que, como efetiva (wirklich)105, a liberdade

significa a potenciação do indivíduo, que, dessa maneira, amplia os seus

espaços de deliberação e ação. O âmbito no qual o indivíduo se determina é “o

conceito de liberdade que se tornou mundo real e adquiriu a natureza da

consciência de si” (HEGEL, 2010, p. 167, §142).

Na compreensão de Patten, três passos são importantes para

desenvolver a ideia de liberdade, e consequentemente da Formação Cultural,

segundo o sistema hegeliano: a) primeiramente deve ser assumido que as

capacidades, as metas e as atitudes de um indivíduo livre não são uma

propriedade natural de todos, mas derivados de seu processo de educação e

socialização (Bildung); b) posteriormente, que é central para esse processo de

formação o momento do reconhecimento, pois apenas em meio a uma

comunidade de mútuo reconhecimento entre os indivíduos que os mesmos

podem ser verdadeiramente livres; e, por fim, c) essa comunidade de

reconhecimento mútuo somente pode ser estabelecida e assegurada se os

indivíduos estiverem comprometidos com os princípios éticos derivados de

instituições racionais (Família, Sociedade Civil-Burguesa, Estado), pois o

filósofo reconhece que essa é uma associação frágil, que somente pode

porque é uma imediatez posta pela alma, uma introjeção e penetração [Ein-und Durchbildung] da corporeidade, que pertence às determinações-de-sentimento como tais, e às determinidades da representação e da vontade enquanto corporificadas” (HEGEL, 1995, p. 169, §410). 105 É necessário começar pela categoria do real ou da realidade. Hegel emprega essa categoria em dois sentidos, um fraco e outro forte. No sentido fraco, indica um fato empírico qualquer, um acontecimento como uma chuva, o nascimento de um indivíduo, uma batalha. Para esse sentido, emprega o substantivo Realität. No sentido forte, “realidade” – Wirklichkeit – indica sempre a realidade subjetual, ou melhor, intersubjetual. A verdadeira realidade está constituída pelos sujeitos, pelos seres históricos. A família, a sociedade civil, o Estado, não são Realität e sim Wirklichkeit. São verdadeiras realidades.

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manter-se se seus membros assumirem uma responsabilidade para com a

coletividade (cf. PATTEN, 1999, p. 102).

A Eticidade apresenta, assim, a efetividade do direito e, portanto, da

liberdade. Liberdade que é realizada nas instituições que compõem o todo

social: a Família, a Sociedade Civil-Burguesa e o Estado, cuja análise será

realizada a seguir.

4.1. A Formação Cultural Familiar na Primeira Instituição Ética

Segundo Hegel, “A família, enquanto substancialidade imediata do

espírito, tem por sua determinação sua unidade sentindo-se, o amor” (HEGEL,

2010, p. 174, §158). O conceito de amor é de extrema relevância na formação

do sistema hegeliano, como bem pode ser visto nos escritos de juventude.

Mas, o que entende Hegel por amor? No fragmento O Amor (Die Liebe),

provavelmente redigido pelo filósofo, segundo Knox (1948, p. 302), entre 1797-

1798, em Frankfurt, encontra-se a seguinte definição:

o amor exclui toda contraposição, ele não é entendimento, cujas relações deixam o múltiplo sempre ainda um múltiplo e cuja unidade ela mesma são contraposições; ele não é razão, a qual simplesmente contrapõe seu determinar ao determinado; ele não é algo limitante, nem algo limitado, não é algo finito; ele é um sentimento, mas não um sentimento singular; do sentimento singular, porque apenas uma vida parcial, não toda a vida, a vida rompe através da dissolução, até a dispersão na multiplicidade dos sentimentos, e para se encontrar neste todo da multiplicidade; no amor, esse todo não está contido como na soma de muitos particulares separados; [...] No amor o separado ainda é, mas já não como separado – como uno, e o vivo sente o vivo (HEGEL, 2008, p. 59-60).

Assim, uma das principais características do conceito de amor hegeliano

é a exclusão de toda oposição, o que demarca o essencial da esfera familiar: a

necessária unidade entre seus membros. Dessa forma, o amor consiste

inicialmente no sacrifício da autonomia em favor da unidade da Família,

caracterizada por uma relação solidária de seus membros.

Por isso, o momento da Família na Filosofia do Direito implica na

consciência de não querer ser uma pessoa para si, pois nela o que o indivíduo

é, forma-se a partir do reconhecimento mútuo dos membros. No entanto, Hegel

salienta que na Família esse reconhecimento não deriva da luta, mas do amor:

cada membro traz em si sua individualidade, mas através do sentimento, o

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amor e a confiança, nega-a para afirmar-se na unidade. Em sua análise na

Fenomenologia, Hegel a toma como uma comunidade ética natural que

como conceito carente-de-consciência, e ainda interior, da efetividade consciente de si, como o elemento da efetividade do povo, se contrapõe ao povo mesmo; como ser ético imediato se contrapõe à eticidade que se forma e se sustém mediante o trabalho em prol do universal: os Penates se contrapõem ao espírito universal (HEGEL, 1988, p. 12).

Cabe salientar que a Família está ainda ancorada no domínio natural,

imediato, estabelecendo vínculos a partir do sentimento. Mas, ainda que no

âmbito familiar não seja o direito positivo que forneça a base das relações entre

seus membros, mas sim o amor, essa esfera não deixa de ser parte da ideia do

direito de que trata a Filosofia do Direito.

Segundo Hegel, a dependência mútua dos membros da Família

estabelece sua relevância enquanto formação dos mesmos, na medida em que

apresenta a Eticidade a partir de uma didática baseada no amor, e não no

entendimento ou na razão. Como uma espécie de propedêutica, a Família

prepara o indivíduo para a vivência da liberdade efetiva, que apenas ocorrerá

na esfera da Sociedade Civil-Burguesa, que lhe é posterior. A oposição entre

família e sociedade está no fato de que a presença do meio sócio-jurídico

significa a dissolução da Família, o que é representado pelos dispositivos

jurídicos do divórcio e da herança.

Hegel constata essa dinâmica ao analisar as figuras da Família: 1) o

matrimônio, considerado o conceito mais imediato da relação ética; 2) a

propriedade e os bens familiares, ou seja, a constituição de um patrimônio

familiar que garanta a realização externa da Família – cabe salientar que a

consideração de um patrimônio já implica o erigir do direito familiar; 3) a

educação e dissolução do vínculo familiar, que estabelece o nexo com a esfera

posterior de realização do espírito objetivo – a Sociedade Civil-Burguesa –,

representando o ultrapassar desse momento de formação (cf. HARRIS, 1997²,

183).

A Formação Cultural será então assegurada pela ação educativa da

Família. Nesse âmbito, Hegel pensa uma educação (Erziehung) cujos objetivos

vão além da esfera familiar, pois compreende que os pais educam seus filhos

tendo em vista a universalidade do espírito, e não seus interesses particulares.

Assim como a história humana é perscrutada por uma Razão na Historia, a

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educação dada pelos pais desenvolve nas crianças uma consciência voltada

para a universalidade que as capacita para a vida em sociedade, como se os

mesmos desempenhassem o papel de uma Razão na Educação. Recorrendo

mais uma vez a introdução do sistema da ciência:

Quanto à família, é antes negativa e consiste em pôr o Singular fora da família, em subjulgar sua naturalidade e singularidade, e em educá-la para a virtude, para a vida no – e para o – universal. [E conclui afirmando que:] (...) somente como cidadão ele é efetivo e substancial, o Singular, enquanto não é cidadão e pertence à família é apenas a sombra inefetiva sem contornos (HEGEL, 1988, p. 13-14).

Por isso, a Família pode ser posta como um dos momentos da Eticidade

e, por consequência, da Formação Cultural, pois seu conteúdo formativo é tão

necessário quanto seu ultrapassar. A experiência formativa ocorrida na Família

faz parte do itinerário pedagógico previsto por Hegel. O dissolver iminente da

Família implica na inalienável formação dos filhos, pois devem ser capacitados

para constituir suas próprias famílias em meio às necessidades impostas pela

complexa vida em sociedade.

Nesse sentido, a educação ocorrida na Família é a primeira expressão

de uma pedagogia negativa (cf. RAMOS, 2000, p. 144-145), ou seja, de uma

proposta pedagógica de negação dessa imediaticidade natural em que se

encontram as crianças – a segunda, como já foi analisado, é a escola, pois

Embora reconhecendo os diversos lugares, coextensivos ao espírito objetivo, da educação, Hegel sublinha que eles só podem cumprir seu papel pedagógico relativo fecundados por um meio cuja razão de ser e a própria educação, isto é, pela instituição escolar (BOURGEOIS, 2004, p. 112).

Ao destruir a unidade natural da Família, a educação expressa a

negação dessa imediaticidade em prol da autonomia e da personalidade livre

do indivíduo. Isso faz da dissolução da Família um princípio ético no qual os

indivíduos em formação são reconhecidos como pessoas de direito, cidadãos.

Uma vez educados, esses cidadãos formarão suas próprias famílias, pondo-se

em condição de pais que assegurarão a formação das futuras gerações (cf.

HEGEL, 2010, p. 184, §177), o que configura uma negação da negação a partir

da necessária síntese do movimento dialético dessa pedagogia negativa.

A efetividade dessa educação determina a dissolução da Família

(HEGEL, 2010, p. 174, §160) e assegura a constituição de outras famílias, pois

a partir da dissolução familiar o indivíduo toma consciência de que é uma

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personalidade livre que faz parte de uma Família imersa em uma multiplicidade

de famílias conseguintes: a sociedade. A Família tem assim um télos próprio:

sustentar e educar os filhos para que se tornem cidadãos em suas próprias

famílias.

Mas, em que consiste essa educação? Qual seu conteúdo? Na

perspectiva de Hegel, os pais ensinam, e por isso tem o direito de cobrar,

disciplina aos filhos (HEGEL, 2010, p. 182, §174). Através da disciplina a

Eticidade é apresentada às crianças, que, ainda que com um sentimento

imediato, irrefletido, particular e abstrato, pois “sem oposição”, tem seu primeiro

contato com a mesma a partir do amor. E assim, ainda sem entender o porquê

das obrigações para com o todo social, o indivíduo é levado a obedecer, sob o

ardil pedagógico do amor e da confiança. A proposta é a de elevar sua

consciência a partir dessa pedagogia negativa, configurada pela passagem do

seu estado natural e imediato ao mundo das relações. Ao cumprir-se esse

círculo, adquire o indivíduo “a capacidade de sair da unidade natural da família”

(HEGEL, 2010, p. 182, §175). Cabe salientar mais uma vez que essa educação

vem somar-se à educação institucional, exposta no capitulo anterior, na qual a

disciplina adquirida nessa Formação Cultural familiar surge como um

pressuposto irrecusável.

No entanto, para que ocorra essa educação, deve ser estabelecido um

direito dos pais sobre o arbítrio dos filhos. Ora, Hegel sabe e defende que

nenhum ser humano pode ser propriedade de outro, mas explica que o mesmo

pode ser responsabilidade de outro. Por assumir essa responsabilidade, os

pais exercem um direito sobre o livre arbítrio dos filhos, já que a compreensão

desses da liberdade é ainda imediata. O direito dos pais sobre os filhos possui

uma finalidade pedagógica de, através da disciplina, educá-los. O que faz

desse primeiro nível de educação um direito inalienável dos indivíduos e dever

irrenunciável da Família.

Dever porque a criança não possui condições de se compreender como

membro de uma totalidade social, existindo como indivíduo que pensa existir

por si mesmo, ainda sem condições de reconhecer em si mesmo a esfera

pública como lugar natural do homem. Nesse sentido, é um dever desenvolver

nas crianças a autonomia, a disposição moral e as virtudes, pois sem a base

fornecida pela educação isso não seria realizável.

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Direito por proporcionar à criança a realização de sua liberdade, o que

implica não apenas em um fator de sobrevivência social, mas em uma

realização ética e estética, própria do humano. Em sua estadia em Berna, o

jovem Hegel redigiu A Positividade da Religião Cristã (Die Positivität der

christlichen Religion), nessa obra já afirmava “o direito das crianças ao livre

desenvolvimento das faculdades da alma” (HEGEL, 1978, p. 112),

compreendendo que o homem não é, por sua natureza, tudo que deve ser, pois

o que o homem deve ser, deve ser adquirido. Por isso, afirma Hegel ser um

dos direitos essenciais da criança a educação (cf. HEGEL, 2010, p. 82,

§174).106

No entanto, seja como dever, seja como direito, a educação assume

para o indivíduo em formação uma instância de mediação, situando-se entre a

existência imediata da criança a partir do amor e confiança da Família e sua

inserção nas necessidades e responsabilidades da Sociedade Civil-Burguesa.

Através dela a criança desperta para a realização integral de sua humanidade.

Isso porque, para Hegel, a criança é o homem em si, ou melhor, é o

homem em pleno desenvolvimento de si, sendo a infância a primeira

possibilidade da razão e da liberdade.107 O que é primeiro em si, não está

ainda em sua efetividade, mas em vias de efetivar seu conceito. Dessa forma,

a educação é o momento da exteriorização desse em si infantil, pois nela o

indivíduo em formação produzirá a si mesmo. Essa pedagogia da ruptura108

proposta por Hegel enfatiza a exteriorização de si como momento do

autocultivo, próprio da Formação Cultural: ao negar aquilo que é em si,

aparente e imediato, a criança transita ao que é para si, conquistando o que lhe

é essencial e tornando-se consciente de suas relações. Apenas assim o

106 Quanto a essa questão, aparentemente trivial, V. Hösle chamará atenção a uma contraposição hegeliana, a saber, à postura de Fichte, que defendia que “na perspectiva da teoria do contrato, apenas seres atualmente racionais são sujeitos de direitos, portanto, “não [se poderia] dizer que a criança tem um direito coercitivo à educação” (3,359). [...] Contra essa brutal concepção, Hegel, com razão, aponta para a potencial natureza espiritual das crianças” (HÖSLE, 2007, p. 584). 107 Essa posição é assumida desde a Fenomenologia, quando o filósofo analisa a ação consciente, logo, responsabilizável, culpável, quando, curiosamente, afirma que “Inocente, portanto, é só o não-agir, – como o ser de uma pedra; nem mesmo o ser de uma criança [é inocente]” (HEGEL, 1988, p. 24), ou seja, mesmo a criança já é, ainda que em si, uma consciência que age. 108 Pois, para Bourgeois, tal elemento destrutivo faz parte da proposta hegeliana: “o espírito da pedagogia hegeliana parece ser o que faz dela uma pedagogia da ruptura” (BOURGEOIS, 1990, p. 74).

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indivíduo é para si (HEGEL, 2010, p. 62, §10, adendo). Por isso, Hegel

compreende o ser infantil a partir da figura do adulto, o que ele é, mas apenas

enquanto possibilidade (Möglichkeit). Cabe à educação transformá-lo em um

adulto em efetividade (Wirklichkeit).109

Na perspectiva hegeliana, a insatisfação da criança com seu estado

imediato é o reflexo da necessária realização da Formação Cultural no homem:

a criança aspira a autoconsciência e a posse de si, pois urge tornar-se aquilo

que é. A Formação Cultural emerge como uma marca divina impregnada em

seu ser, que faz a criança pressentir o mundo superior, o mundo das relações.

Essa momentânea inconsciência infantil do que o mundo é, faz com que ele, o

mundo, não seja o que realmente é, além de não auxiliar na compreensão do

que indivíduo é em seu conceito, por isso somos necessariamente impelidos ao

“mundo dos adultos” (HEGEL, 2010, p. 183, §175, Obs.).110

Enquanto o sentimento da unidade imediata com os pais é o leite materno espiritual por cuja sucção as crianças se desenvolvem, sua própria necessidade [Bedürfnis] de se tornarem grandes, os educa. Essa aspiração, própria das crianças, a serem educadas é o movimento imanente de toda a educação (HEGEL, 1995, p. 76, §396, adendo).

Hegel compreende esse processo educacional como o aprendizado

gradual da criança, que suprime e supera a exclusividade de sua própria

subjetividade, elevando-se a um devenir-adulto (Mannbarwerden) a partir de

uma “coação pedagógica”. O que implica que

a educação, segundo sua determinidade, é a suprassunção progressiva, que se manifesta, do negativo ou subjetivo; pois a criança é, enquanto [ela é] a forma da possibilidade de um indivíduo ético, um [ser] subjetivo ou negativo cujo devenir-adulto é a cessação desta forma e cuja educação é a disciplina ou o repressão (HEGEL, 2007, p. 110).

Não por acaso, uma das principais críticas de Hegel recai sobre a

pedagogia do jogo, e por um motivo bem simples: como proporcionar ao

indivíduo em formação os estímulos necessários a seu devenir-adulto, se lhe

109 Em Hegel a Möglichkeit e a Wirklichkeit estão relacionadas diretamente as ideias aristotélicas de Potência e Ato. Uma análise mais detalhada sobre a relação dessa terminologia hegeliana e sua relação com os conceitos metafísicos aristotélicos pode ser encontrada em FERRARIN, 2004, 105-128. 110 O que para Hegel faz parte de uma mudança natural, própria do ser humano, que passa pelas idades da vida: o em-si da criança, a não-autonomia do jovem e o reconhecimento da necessidade e racionalidade objetivas do mundo no homem adulto, que segue assim “até a plena realização da unidade com essa objetividade”, ou seja, o ancião (cf. HEGEL, 1995, p. 71, §396).

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apresentamos atividades e recursos didáticos que nada fazem a não ser

acomodá-los a sua atual condição? A infância não vale já em si, mas apenas

como momento a ser ultrapassado. É claro que o filósofo não está proibindo as

crianças de vivenciar seu ser criança, mas discutindo o ato educacional. Para o

filósofo, o ser criança é um momento necessariamente ultrapassável na vida

humana, e uma formação efetiva deve propor um progredir constante rumo a

vida adulta. Assim, o que condena não é o ser criança, mas o prolongar ilógico

dessa condição infantil à revelia do crescimento biológico e intelectual.

Por esse motivo deve-se declarar como um completo absurdo a pedagogia do jogo, que pretende saber que o que é sério deve ser levado as crianças como um jogo, e exige dos educadores que desçam ao nível da inteligência infantil, em vez de a elevar a seriedade da Coisa (HEGEL 1995, p. 77, §396).

As crianças devem ser educadas para a personalidade livre, para que se

tornem pessoas jurídicas e constituam propriedade e família (cf. HEGEL, 2010,

p. 184, §177).

Nesse sentido, é curiosa a afirmação do filósofo de que as próprias

crianças consideram sua condição infantil de pouca importância. Apela-se aqui

ao conceito que cada indivíduo carrega em si, ao homem que cada criança traz

em si, ainda que em possibilidade, cabendo apenas os estímulos adequados

para que esse homem seja efetivado. Uma pedagogia infantilizada acaba por

adormecer esse processo, gerando apenas apatia e desinteresse pelas

relações substanciais do mundo do espírito, impedindo a consecução desse

mundo e, consequentemente, a própria Formação Cultural (cf. HEGEL, 2010,

§175, Obs.).

A criança não pode estar satisfeita em ser aquilo que é porque a

Eticidade que a realiza ocorre em um mundo espiritual, complexo, contraditório

e relacional. A carência dessa fase infantil ocorre justamente na insconciência

desse mundo. A negação dessa negação é o caminho da Formação Cultural,

por isso, ao final, a dissolução da Família é o marco da abertura do indivíduo

ao universal na figura do cidadão (bourgeois) de um povo, de uma nação, a ser

efetivada na instância da Sociedade Civil-Burguesa. Mas essa passagem da

Família para a Sociedade Civil-Burguesa pressupõe uma instância de

mediação, a saber, a educação institucional ocorrida na escola. Esse é o

momento institucional da Formação Cultural, que prepara o indivíduo para a

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vida social a partir de conteúdos formais, cujo desenvolvimento objetiva a

consecução da ideia do Estado.

4.2. A Formação Cultural do Mundo do Fenômeno do Ético: Formação e Sociedade Civil-Burguesa

Ao analisar esse novo estágio do desenvolvimento do conceito de

Formação Cultural no sistema hegeliano, o principal objetivo é compreender

como ocorre a formação do cidadão em plena vida em sociedade. Como os

momentos anteriores se detiveram nos fundamentos necessários para a

entrada do indivíduo no âmbito social, cabe agora apreender como esse

indivíduo comportar-se-á ao ser inserido nesse mundo fenomênico do ético,

que é a Sociedade Civil-Burguesa, e como nela o mesmo pode continuar sua

Formação Cultural. No entanto, deve-se antes compreender esse indivíduo que

viverá essa formação cidadã e em que contexto irá exercê-la111, ou seja, quais

são as características desse ser social? Quais serão os novos desafios que

deverá enfrentar? Pois a determinação desses elementos possibilitará o

estabelecer de conteúdos para uma Formação Cultural social que contribua

para uma formação humana integral.

Como enunciado, na esfera anterior a Formação Cultural configurava

uma preparação para a prenunciada entrada na complexa vida em sociedade,

sendo a educação institucional o elo de mediação e de passagem entre a

Família e a Sociedade Civil-Burguesa (cf. HEGEL, 1994, p. 61). Todavia, nesse

momento, a formação a ser proposta deve considerar uma nova metodologia e

um novo conteúdo, pois agora o indivíduo não será determinado por um direito

abstrato, por uma consciência moral subjetiva, ou simplesmente pela unidade

familiar, mas por ser uma “pessoa concreta, que enquanto particular é a si fim”

(HEGEL, 2010, p. 189, §182). O indivíduo defronta-se com uma realidade

objetiva, na qual as condições históricas impõem carências reais.

A Formação Cultural fornecida pela Família e pela escola fez com que o

jovem indivíduo em formação se reconheça como uma pessoa adulta e

concreta, detentora de “um todo de carecimentos [Bedürfnisse]” e de “uma

mescla de necessidade natural e de arbítrio” (HEGEL, 2010, p. 189, §182), isto 111 O adágio rousseauniano é bem vindo em nossa proposta: “É preciso estudar a sociedade pelos homens, e os homens pela sociedade” (ROUSSEAU, 1999, p. 309).

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é, reconheça-se em sua objetividade histórica. Nesse sentido, cabe ao

indivíduo, detentor consciente dessa série de carecimentos, buscar a

satisfação de suas necessidades, sejam essas objetivas ou subjetivas – o que

representa o primeiro princípio da Sociedade Civil-Burguesa em Hegel:

reconhecer na existência objetiva do indivíduo em formação uma carência

essencial, que o instigará a buscar incessantemente sua supressão.112 Não por

acaso, afirmará que “o homem é propriamente o objeto de análise do sistema

dos carecimentos”, pois “é o concreto da representação” (HEGEL, 2010, p.

194, §190).

Entretanto, a satisfação desses carecimentos não ocorre na existência

solíptica da particularidade, mas em sua relação com a universalidade. Eis o

segundo princípio da Sociedade Civil-Burguesa: a necessária mediação do

particular pelo universal. A sociedade teria então como condição de existência

a liberdade do indivíduo particular em sua busca por satisfação, já que é

necessariamente carente, contanto que o mesmo conceda aos outros

indivíduos particulares a mesma possibilidade, o que o remete

necessariamente a uma existência coletiva. Na esfera social o indivíduo, ainda

que a revelia, precisa estabelecer relação com os outros – o que demonstra a

extrema relevância que o conceito de reconhecimento exerce em todo sistema

hegeliano.

A consideração concreta, a ideia, mostra que o momento da particularidade é igualmente essencial e, que o momento da particularidade é igualmente essencial e, com isso, mostra sua satisfação como pura e simplesmente necessária; o individuo precisa encontrar, no cumprimento de sua obrigação, ao mesmo tempo, de algum modo, seu interesse próprio, sua satisfação ou seu proveito e, por sua relação no Estado, resulta um direito para ele, pelo qual a Coisa universal torna-se sua própria Coisa particular. O interesse particular não deve, na verdade, ser posto de lado ou mesmo reprimido, porém posto em concordância com o universal, pelo qual ele mesmo e o universal são preservados. O individuo, segundo suas obrigações, encontra como cidadão, no seu cumprimento, a proteção de sua pessoa e de sua propriedade, a consideração de seu bem-estar particular e a satisfação de sua essência substancial, a consciência e o sentimento próprio de ser membro desse todo, e nessa realização das obrigações, enquanto prestações e ocupações

112 Para Hegel há uma “razão imanente no sistema dos carecimentos humanos e de seu movimento que articula esse para um todo orgânico de diferenças” (HEGEL, 2010, p. 198, §200, Obs.), o que fora apreendido por Marcuse, ao interpretar tal condição humana como sendo a expressão objetiva do que Hegel denominava “astúcia da razão”: “Suas paixões e interesses, porém, não sucumbem, são os dispositivos que mantém seu trabalho a serviço de um poder superior e de um interesse superior” (MARCUSE, 1955, p. 233) [Tradução minha].

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para o Estado, esse possui sua preservação e sua subsistência (HEGEL, 2010, p. 237-238, §261).

O interessante é que, para Hegel, o indivíduo não faria isso por um

respeito puro e desinteressado pelo outro, mas por ser consciente de que “se

encontra essencialmente em vinculação com outra particularidade semelhante”

(HEGEL, 2010, p. 189, §182), de forma que somente assim torna possível sua

própria satisfação. Dessa forma, ainda que sejam motivados por fins egoístas,

a vida em sociedade é também um momento no qual os indivíduos são

conduzidos à busca do bem comum, por isso é um momento da Formação

Cultural, como será demonstrado mais à frente na instância da corporação.

O processo de mediação do particular pelo universal, e vice-versa, fora

exposto na Ciência da Lógica como expressão das condições fundamentais do

vir a ser da realidade113 em seus matizes objetivo e subjetivo, dos quais deriva

a ideia central de que “O particular contém a universalidade, que constitui sua

substância” (HEGEL, 2011, p. 209). O particular efetiva-se apenas através do

mediar do universal, sendo esse sua condição. Da mesma forma, a substância

ética tratada aqui na Filosofia do Direito, deparada inicialmente por uma cisão

entre particular e universal, somente pode ser determinada dialeticamente, pois

representa a Aufhebung da Sociedade Civil-Burguesa.

A partir de uma exposição didática, Hegel demonstra como a Sociedade

Civil-Burguesa surge na existência histórica e na consciência do indivíduo

particular, detentor de interesses privados. Hegel relata que, ao buscar sanar

suas carências, o indivíduo expande-se em todas as direções, tomando tudo

como meio para a realização dos seus fins. Essa ação é devastadora, pois

destrói qualquer forma de sociabilidade, sendo essa busca desenfreada pela

supressão desses fins egoístas (HEGEL, 2010, p. 190, §185) nada mais que

um mal infinito (cf. HEGEL, 1992², p. 189-190).

113 Essa característica própria do método hegeliano, que recobre uma série de momentos e é a ideia de que o processo dialético se conclui conservando e realizando a unidade do que parecia, inicialmente, totalmente oposto, é o que melhor especifica a inovação metódica de Hegel. Essa unidade marca uma autodeterminação do conceito, partindo do universal ao particular num movimento de enriquecimento, como afirma Brunelli: “A originalidade de Hegel está em mostrar que o singular é o universal realizado, e a negação dialética é criadora: a negação do universal produz o particular. A dupla negação é conservação dialética do universal enriquecido pelo particular e singular, portanto a divisão é a força do conceito” (BRUNELLI, 2002, p. 82).

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Dessa forma, a particularidade, vítima de sua própria condição, é

conduzida necessariamente à universalidade.114 A imposição dessas restrições

ao agir subjetivo da particularidade faz do universal seu fundamento, sua

própria condição de existência. No entanto, não se compreenda o universal

como uma forma de particularidade, um mero meio para obtenção de fins, mas

como “fundamento e forma necessária da particularidade, assim como o poder

sobre ela e como seu fim último” (HEGEL, 2010, p. 189, §184).

Isso não significa que o determinar da Sociedade Civil-Burguesa se

fundamenta em princípios abstratos, pois, como demonstra a observação ao

§185, há uma origem histórica dos mesmos. Para Hegel, a questão da

particularidade da pessoa concreta tem sua origem em pleno processo de

decomposição política dos Estados antigos:

O desenvolvimento autônomo da particularidade é o momento em que, nos Estados antigos, se apresenta como o irrompendo da corrupção dos costumes e o fundamento último de seu declínio (HEGEL, 2010, p. 190, §185, Obs.).

Para o filósofo, tais cenários sociopolíticos não conseguiram absorver a

mencionada cisão entre particular e universal, pois não possuíam “a força

verdadeiramente infinita” da unidade dialética, que permite à particularidade o

excesso, a miséria e a corrupção ética e física, como o momento negativo de

uma Formação Cultural social que acaba por expor as consequências e os

limites desse excesso, ou seja, faz reconhecer a necessária relação com o

universal como sua condição.115 O filósofo ilustra esse processo apresentando

os limites da proposta platônica, que já seria uma tentativa de resposta ao

surgimento da particularidade na antiguidade clássica, sem, no entanto, ser

114 E. Weil comentará a crítica de R. Haym (1857, p. 368-369), em sua obra Hegel e seu Tempo (Hegel und seine Zeit), a esse princípio da filosofia política hegeliana, que, para esse crítico da filosofia hegeliana, acaba por sacrificar a individualidade em prol da universalidade: “Haym, que era um crítico inteligente, não deixou de de dizer claramente o que o separava de Hegel: para ele, Hegel sacrifica o individuo porque o interesse da harmonia prevalece sobre o da individualidade concreta e vivente. Hegel responderia (e ele o faz efetivamente): a individualidade será racional enquanto tal? O racional não é necessariamente o universal? A individualidade pode exigir mais que ser reconciliada com a realidade do racional, que encontrar-se a si mesma no que é na medida em que é é racional?” (WEIL, 2011, p. 30). 115 É sempre esclarecedor remeter essas reflexões à própria metodologia do pensamento hegeliano: na Fenomenologia do Espírito fora exposto o processo da Bildung a partir de uma identificação com a própria vida do Espírito, que “não é a vida que se atemoriza ante a morte e se conserva intacta da devastação, mas é a vida que suporta a morte e nela se conserva, que é a vida do espírito.” (HEGEL, 2001, p. 38) Da mesma forma, a particularidade deve ser livre para experimentar o excesso para, a partir das consequências dessa experiência, reconhecer seus limites e retornar conscientemente à universalidade.

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capaz de dar conta desse princípio da particularidade autônoma116 – motivo

pelo qual continua a ser criticada como um ideal, no sentido de um sonho do

pensamento abstrato (cf. WEIL, 2011, p. 34).117 Hegel não quer esse veredicto

sobre sua proposta, por isso considera o desenvolvimento histórico da questão

como uma das bases de sua reflexão:

O princípio da personalidade infinita dentro de si autônoma do singular, da liberdade subjetiva, que surgiu interiormente dentro da religião cristã e exteriormente no mundo romano, por isso ligado com a universalidade abstrata, chega a seu direito apenas nessa forma substancial do espírito efetivo. Esse princípio é historicamente posterior ao mundo grego, e do mesmo modo a reflexão filosófica que desce até essa profundidade é ulterior à ideia substancial da filosofia grega (HEGEL, 2010, p. 190-191, §185).

Por isso, não se pode deixar de conceber a compreensão hegeliana da

Sociedade Civil-Burguesa como uma descrição filosófica da sociedade

novecentista – o que determinaria os limites de uma atualização de sua

proposta –, a partir do princípio da particularidade e de sua necessária

implicação com a universalidade, ou seja, com a consideração da coletividade

de pessoas concretas. Esse é o contexto em que a proposta hegeliana da

Formação Cultural deve ocorrer, na consideração do individualismo moderno e

de suas consequências, o que lhe impõe um desafio: formar um cidadão real,

que não deixará de ser uma pessoa concreta em meio a pessoas concretas

(Bürger), mas que deverá assumir para si uma responsabilidade para com o

todo social em prol de sua própria realização, ou seja, tonar-se um cidadão no

Estado (Citoyen).118

116 O que Hegel já anuncia no prefácio à obra: “No decurso do tratado que segue, observei que mesmo a República platônica, que é tida como exemplo proverbial de um ideal vazio, não apreendeu essencialmente nada senão a natureza da eticidade grega, e foi então preciso que Platão, consciente que era da irrupção nela de um princípio mais profundo, que não podia aparecer de maneira imediata a não ser como uma aspiração ainda insatisfeita e, nisso, como um fator de corrupção, buscasse ali auxílio tinha de vir do alto [;] apenas pode inicialmente buscá-lo em uma forma particular externa dessa eticidade, através da qual ele imaginava dominar essa corrupção e pela qual ele atingiu justamente o mais profundo de seu mais profundo impulso, a personalidade livre infinita” (HEGEL, 2010, p. 41). 117 Essa discussão ocorre no livro V de A República, precisamente na passagem 462b-e, onde se lê: “SÓCRATES – Ora, haverá algum mal maior para a cidade do que aquele que a dilacerar e a tornar múltipla, em vez de uma? Ou maior bem do que o que a aproximar e tornar unitária? [...] E não é o individualismo destes sentimentos que os divide, quando uns sofrem profundamente e outros se regozijam em extremo a propósito dos mesmos acontecimentos públicos ou particulares? [...] Penso, pois, que, se a um dos cidadãos acontecer seja o que for, de bom ou mal, uma cidade assim [justa] proclamará sua essa sensação e toda ela se regozijará ou se afligirá juntamente com ele. GLAUCO – É forçoso que assim seja, numa cidade com boas leis” [Acréscimo nosso] (PLATÃO, 1987, p. 231-232). 118 Como nos informa Inwood: “A sociedade civil faz um Bürger; o estado faz um citoyen, um cidadão da França ou da Prússia, e não simplesmente um comerciante, que faz negócios tanto

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Segundo Hegel, essa função da Formação Cultural reporta à história dos

povos. Os povos primitivos consideravam a satisfação dos interesses

particulares como algo em si mesmo, “fins absolutos”, considerando a

Formação Cultural um simples meio para consecução desse fim. Para o

filósofo, quem pensa assim demonstra o “desconhecimento da natureza do

espírito e das finalidades da razão” (HEGEL, 2010, p. 191, §187), pois há um

nível de consciência a ser alcançado pelo indivíduo necessariamente, e pôr a

realização do indivíduo na mera satisfação de seus carecimentos não pode ser

seu fim absoluto. Se assim fosse, independeria se essa satisfação ocorresse

por via interna ou externa, ou seja, independeria se ocorresse formação ou

não. A Formação Cultural é necessariamente um processo interno,

consequência de um autocultivo que torna o indivíduo apto para tudo (cf.

HEGEL, 1994, p. 44), inclusive para a satisfação de seus carecimentos, sendo

por isso o verdadeiro fim absoluto.

Não por acaso, retomará suas fortes críticas ao ideal de uma educação

natural, que toma os costumes dos povos não-cultivados como ideais a serem

buscados. Ainda que a história e a cultura dos povos possuam sua relevância

no processo de formação, e de que a Formação Cultural não deixe de possuir

um teor utilitário, na medida em que a formação científica do homem supre

suas necessidades materiais, promovendo melhores condições de vida119, isso

não pode ser a meta principal da Formação Cultural. A consideração das

carências, da satisfação, das fruições e das comodidades da vida particular,

são questões importantes para apreensão do real, mas não podem ser

tomados como fins absolutos. Por esse motivo, a Formação Cultural deve

promover a efetiva liberdade de seus membros (cf. HEGEL, 2010, p. 191,

§187), sendo tudo o mais consequência dessa liberdade. Por isso, afirma Cristi:

A universalidade concreta do estado ético transcende a sociedade civil. Ela representa o apogeu ético pelo qual a sociedade civil é liderada como o resultado de um processo de educação (Bildung). Para se tornar a ferramenta adequada a fim de estimular os seres

com franceses como com prussianos” (INWOOD, 1997, p. 296). Cf. também RAMOS, 2000, p. 157-160. 119 Para o filósofo: “Nesse momento assumo a postura de H. Marcuse em relação a fim último da ciência: “A ciência, como todo pensamento crítico, tem sua origem no esforço de proteger e melhorar a vida humana em sua luta com a natureza; o telos interno da ciência não é nada mais que a proteção e o melhoramento da existência humana. Essa tem sido a razão de ser da ciência, e seu abandono é equivalente à ruptura entre a ciência e a razão” (MARCUSE, 2009, p. 164).

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humanos para a vida ética [Eticidade], este processo educativo não pode ser concebido como instrução externa, superadicionados ao ser natural. A noção de um estado Rousseuniano de inocência pela falta de esclarecimento e da simplicidade dos costumes é totalmente incorreta. Se este fosse o caso, a educação teria que ser vista como uma “aliada para a corrupção” (§187). A educação não se limita apenas a aumentar a satisfação de nossa necessidade de conforto e requinte. Hegel vê a educação como ponto absoluto de transição para o estado ético. A imediata substancialidade natural da família não é o que é alcançado naquela esfera superior. O Estado ético permite a obtenção da “infinita substancialidade subjetiva” (§187) elevada à forma da universalidade. A subjetividade do sentimento e da convicção e a arbitrariedade da inclinação são definitivamente canceladas. Mas não se chega ao estado ético imediatamente. Subjetividade deve ser “educada em sua particularidade” (§187) – Colchetes por mim acrescido (CRISTI, 2005, p. 95-96).

Como mencionado acima, o homem só é livre ao tomar posse de si

através do cultivar de seu corpo e de seu espírito (cf. HEGEL, 2010, p. 87,

§48), ou seja, quando transita de sua condição natural imediata para uma

“segunda natureza”, resultada da ação cultural e laboral. Dessa forma,

contrapõe-se à inocente posição de pensadores que consideram a sociedade

tão somente como o momento do desencadeamento das misérias humanas120,

concebendo o homem segundo sua imediaticidade (ser-em-si). Por isso,

restaura o estatuto de necessidade121 da sociedade, que não deturpa ou é

deturpada, pois deve ser apreendida simplesmente pelo que é, a saber: 1) uma

instância de mediação dos carecimentos e co-satisfação dos singulares

mediante o trabalho – eis o sistema dos carecimentos; 2) uma instância de

proteção da propriedade privada, efetivada pela administração do direito; e 3)

uma instância de prevenção contra as contingências da vida social, realizada

pela administração pública e pelas corporações (cf. HEGEL, 2010, p. 193,

§188).

Não cabe aqui uma completa exposição do que seja a Sociedade Civil-

Burguesa no sistema hegeliano, mas sim analisar qual seu papel no projeto

filosófico da Formação Cultural. Nesse sentido, para Hegel, a Sociedade Civil-

Burguesa é um momento incontornável, não fazendo sentido proibir ou protelar 120 No Emílio, Rousseau critica veementemente as bases nas quais a sociedade “civilizada” estava erigida: “Toda nossa sabedoria consiste em preconceitos servis, todos os nossos costumes não passam de sujeição, embarco e constrangimento. O homem civil nasce, vive e morre na escravidão; enquanto conservar a figura humana, está acorrentando por nossas instituições”, e conclui que “a sociedade enfraqueceu o homem não apenas lhe tolhendo o direito que tinha sobre suas próprias forças, mas sobretudo tornando-as insuficientes”. (ROUSSEAU, 1999, p. 16 e p. 76). 121 Essa necessidade deve ser compreendida como “A necessidade na idealidade é o desenvolvimento da ideia no interior de si mesma” (HEGEL, 2010, §267, p. 239).

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a inserção do indivíduo na mesma, pois nela a Formação Cultural ocorre

enquanto

processo de elevar, pela necessidade natural e igualmente pelo arbítrio dos carecimentos, a singularidade e a naturalidade dos mesmos à liberdade formal e a universalidade formal do saber e do querer, a cultivar a subjetividade em sua particularidade (HEGEL, 2010, p. 191, §187).

Ao constituir-se como o meio de efetivação e satisfação dos interesses

particulares, ou seja, o arbítrio dos carecimentos, a Formação Cultural

proporciona aos indivíduos elementos para determinar seu saber, sua vontade

e sua ação de forma universal, pois seu objetivo é o de “elevar” e “cultivar” a

subjetividade em sua particularidade à universalidade. Como bom leitor de

Lessing, Hegel sabia que: “A educação tem sua meta, tanto a educação do

gênero humano como a do indivíduo. O que se educa para algo se educa”

(LESSING, 1982, p. 591, §82)122, ou seja, há um objetivo no processo da

Formação Cultural, sendo a supressão dos carecimentos apenas sua

consequência. A educação em Hegel visa a liberdade, no entanto, esse

objetivo deve ser conquistado, pois não é já realizado, mas possivelmente

realizável por todos que perpassem esse caminho pedagógico. Mas, como foi

exposto anteriormente, pesa sobre o processo da Formação Cultural o fato de

não ser necessariamente prazerosa sua realização, motivo de “desfavor que

recai sobre ela” (HEGEL, 2010, p. 192, §187), o que não anula sua

necessidade, pois apenas nela a vontade subjetiva adquire objetividade, e a

ideia do Estado “surge” como uma necessidade. – No entanto, não se pode

compreender o Estado como algo que deriva da Sociedade Civil-Burguesa,

pois é uma ideia intrínseca a mesma, sendo o “surgir” dessa ideia apenas o

tomar consciência de sua necessidade por parte dos indivíduos em formação.

Segundo Inwood (1997, p. 295), Hegel foi o primeiro a distinguir

claramente entre sociedade civil e Estado, o que não significa que essas duas 122 Cabe lembrar que Hegel fora influenciado diretamente pelo pensamento de Lessing, a ponto de Schelling, em carta de 04 de fevereiro de 1795, considerá-lo “alguém familiarizado com Lessing” (HEGEL, 1962, p. 26). Influência que pode ser melhor compreendida através da análise de Pinker, que afirma: “Qualquer que fosse o conhecimento que o jovem Hegel adquirisse sobre Kant, do qual não há dúvida é a da grande influência que Gotthold Ephraim Lessing exerceu sobre ele, e da imensa devoção que despertou nele sua figura” (PINKARD, 2002, p. 45). Não por acaso, o conceito de Formação Cultural em Hegel assume o movimento de secularização realizado por Lessing, no qual todo processo de educação do gênero humano nada mais é do que a progressiva transformação de verdades reveladas em verdades racionais (cf. LESSING, 1982, p. 574, § 5), motivo pelo qual o discurso hegeliano não problematiza mais essa passagem do divino ao secular.

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esferas da Eticidade devem ser pensadas como separadas, pois isso seria uma

incompreensão da própria lógica da sociabilidade hegeliana.

Se o Estado é confundido com a sociedade civil-burguesa e se sua determinação é posta na segurança e na proteção da propriedade e da liberdade pessoal, então o interesse dos singulares enquanto tais é o fim último, em vista do qual eles estão unidos, e disso se segue, igualmente, que é algo do bel-prazer ser membro do Estado (HEGEL, 2010, p. 230, §258, Obs.).

Para o filósofo, formar as consciências é um rigoroso trabalho que

representa uma libertação para os indivíduos em formação:

Essa libertação é no sujeito o rigoroso trabalho contra a mera subjetividade do comportamento, contra a imediatidade do desejo, assim como contra a vaidade subjetiva do sentimento e o arbítrio do bel-prazer (HEGEL, 2010, p. 192, §187).

Nessa perspectiva, a Formação Cultural realmente ocorre na Sociedade

Civil-Burguesa, que definitivamente não deve ser compreendida apenas

enquanto corruptora da natureza humana, mas como um momento que

corrobora para que o espírito realize seu caminho de efetivação, o que foi

exposto por Hegel nos seguintes termos:

O espírito apenas tem sua efetividade mediante o fato de que ele se cinde dentro de si mesmo, nos carecimentos naturais e na conexão dessa necessidade externa se dão essa delimitação e finitude, e precisamente desse modo ele se cultiva dentro delas, supera-as e nisso adquire o seu ser-aí objetivo (HEGEL, 2010, p. 191-192, §187, Obs.).

Desse modo, a formação da consciência para a universalidade é

desencadeada pelo trabalho, a categoria essencial do sistema dos

carecimentos. Recorde-se que nesse primeiro momento da Sociedade Civil-

Burguesa, a mesma é compreendida como um artifício na consecução de um

fim, pois, através da comum-unidade de seus membros, deve criar condições

para satisfazer materialmente os carecimentos que os afligem. No entanto, os

desdobramentos da Sociedade Civil-Burguesa não estão restritos a essa

satisfação material por meio do trabalho – a produção de riquezas123 –, pois

123 Hegel encontra na ciência da economia política uma forma de apreender o “elemento reconciliador” necessário à superação da cisão que marca a sociedade civil, reconhecendo “nas esferas dos carecimentos o aparecer da racionalidade que reside na Coisa e nela atua” (HEGEL, 2010, p. 194, §189, Obs.). Hegel estudou a economia política de Stewart e de Adam Smith, o que fora registrado em cadernos de leitura de seu período em Frankfurt, mas que por obra do destino foram perdidos, no entanto tem-se o testemunho de seu biógrafo K. Rosenkranz, que teve acesso aos cadernos e pôde informar que: “Todos os pensamentos de Hegel sobre a essência da sociedade burguesa, sobre as necessidades e o trabalho, sobre divisão do trabalho e fortuna dos estamentos, assistência social e ordem pública, impostos, etc. terminaram concentrando-se em um comentário em forma de glosas à tradução alemã da

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essa categoria hegeliana deve antes ser promotora da Formação Cultural aos

indivíduos.

Na Fenomenologia, Hegel já determinara o trabalho como uma ação

formadora, ao afirmar que “o trabalho forma” (HEGEL, 2001, p. 132), o que

Gadamer já vislumbrava como sendo a intrínseca relação entre a Formação

Cultural prática e o trabalho:

O sentido próprio (Selbstgefühl) da consciência laboriosa contém todos os momentos daquilo que perfaz uma formação prática: distanciamento da imediatez da cobiça, das necessidades pessoais e do interesse privado e a exigência de um sentido universal (GADAMER, 1997, p. 52).

Na Filosofia do Direito o trabalho vem de encontro aos carecimentos da

particularidade, que após reconhecer a necessária mediação da

universalidade, representada pela consideração dos demais particulares, deve

encontrar um meio de suprir as necessidades particulares de todos: “O

egoísmo subjetivo transforma-se em contribuição para a satisfação dos

carecimentos de todos os outros” (HEGEL, 2010, p. 197, §199). O trabalho,

meio de satisfação dos carecimentos do indivíduo egoísta, configura o

movimento dialético enquanto mediação entre o particular e o universal.

Portanto, na Sociedade Civil-Burguesa, o produto do trabalho não é para a

fruição individual ou egoísta, mas para a fruição coletiva.124

Tal é o valor infinito da Cultura como momento imanente do absoluto, já considerado por Hegel na sua obra Fenomenologia do Espírito em que insiste sobre a importância desse processo de Educação (Bildung) em que o homem se engaja por seu trabalho – reconhecendo talentos e capacidades não só para si, mas para toda a sociedade, embora ainda num nível abstrato (SOARES, 2009, p. 142).

A dimensão formativa do trabalho está justamente em sua experiência,

por isso Hegel não considera o produto do trabalho, mas o próprio ato de

trabalhar como o meio de formação para a liberdade. A Formação Cultural não

Economia política de Stewart, que Hegel escreveu de 19 de fevereiro à 16 de maio de 1799 e ainda se conserva íntegro. Nele se encontram uma multidão de magníficas perspectivas sobre política e historia e muitas observações sutis. Stewart era ainda partidário do mercantilismo. Com nobres paços, com abundância de interessantes exemplos, Hegel lutou contra o morto desse sistema, tratando de salvar a sensibilidade do homem em meio da competência como no mecanismo do trabalho e do comércio.” (ROSENKRANZ, 1844, p. 86 apud HEGEL, 1978, p. 258). Sobre os estudos hegelianos sobre economia, cf. DICKEY, 1987, 186-204. 124 O trabalho é o meio de efetivação da Bildung, o que já fora evidenciado na Fenomenologia, quando afirma que “o trabalho do indivíduo para prover a suas necessidades, é tanto a satisfação das necessidades alheias quanto das próprias; e o indivíduo só obtém a satisfação de suas necessidades mediante o trabalho dos outros” (HEGEL, 2001, p. 223).

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está no usufruir dos resultados do trabalho de outrem para satisfazer suas

necessidades, por isso a formação não está no produto, mas no ato. O trabalho

forma porque capacita o indivíduo a participar da produção do “patrimônio

estável, universal” por sua cultura e por sua habilidade (HEGEL, 2010, p. 198,

§199).

A Formação Cultural hegeliana deve então ser compreendida tanto

como a libertação quanto como o trabalho de libertação, ou seja, é uma ação

libertadora, expressão máxima do requerido “dever para consigo” (HEGEL,

1989, p. 310, §41) que possibilita ao indivíduo a liberdade, pois o capacita a

atuar de acordo com princípios cada vez mais universais. Nesse momento do

desenvolvimento do espírito na Filosofia do Direito, a Formação Cultural

ensina, ao menos formalmente, a subordinar o interesse particular ao bem

universal. Esse ensino dá-se a partir de uma dimensão teórica e uma dimensão

prática.

No entanto, Hegel não propõe uma formação teórica correspondente ao

mero acúmulo de informações, pois a Formação Cultural não é “coisa de

memória” – pois, no parecer de Gadamer, até “A memória tem de ser formada”

(GADAMER, 1997, p. 56) –, mas sim o desenvolvimento da capacidade de

apreensão da estrutura complexa da formação, compreensão e comunicação

dos processos de produção. A Formação Cultural capacita o indivíduo a

“mover-se” entre as representações e a formulação das mesmas. Tal

capacidade teórica está intrinsecamente relacionada à linguagem: “capacidade

de descrever o mundo em conceitos”. (HEGEL, 2010, p. 197, §197). Hegel

capta na Sociedade Civil-Burguesa níveis cada vez mais complexos de

sociabilidade, a partir do desenvolvimento da produção, do mercado e do

consumo, o que incita a necessidade de criar uma linguagem que dê conta

dessa complexidade e apreenda as “vinculações emaranhadas e universais” da

realidade socioeconômica (cf. GADAMER, 1997, p. 52).

Por sua vez, a Formação Cultural prática

consiste no carecimento que se produz e no hábito da ocupação em geral, em seguida, na delimitação de seu atuar, em parte, segundo a natureza do material, mas, em parte, sobretudo segundo o arbítrio dos outros, e ela consiste num hábito que se adquire por essa disciplina de ter a atividade objetiva e habilidade válida universalmente (HEGEL, 2010, p. 197, §197).

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Nesse sentido, a Formação Cultural prática visa aperfeiçoar a ação

laboral em suas habilidades produtivas e técnicas no indivíduo em formação,

de maneira que as mesmas tonem-se hábitos na vida dos indivíduos. Por meio

dessa formação prática novas formas de transformar a natureza em produtos

de âmbito social são desenvolvidas, capacitando os membros da sociedade a

suprir cada vez mais eficientemente seus carecimentos.

Mas essa formação prática também implica na “delimitação de seu

atuar”, seja em sua relação com a natureza, seja com outros arbítrios, ou seja,

outros indivíduos. Curiosamente é possível depreender uma dimensão ética

que vá além da relação entre os indivíduos, mas que se estende à relação

homem-natureza, configurando um principio ético-ecológico na Formação

Cultural prática, pois se na esfera da moralidade tudo estava delimitado à

consciência subjetiva, agora na Eticidade o indivíduo deve considerar a

natureza em sua facticidade, além do conjunto de consciências históricas que o

defronta com seus arbítrios e carecimentos. Por isso, o filósofo considera essa

formação como um “hábito que se adquire”, ou seja, uma formação para vida

cotidiana, na qual o indivíduo deverá estar preparado para tomar uma série de

decisões que não devem considerar apenas sua satisfação, mas as condições

materiais para tal e as implicações que terá na vida coletiva.

No entanto, a Formação Cultural não gera igualdade absoluta, na

verdade, ela é “universal”, no sentido de ser ofertada a todos, mas não “igual”,

no sentido de ser experienciada e desenvolvida da mesma forma por todos. Há

uma “desigualdade do patrimônio e das habilidades dos indivíduos” (HEGEL,

2010, p. 198, §200)125 que delimita a participação no desenvolver e usufruir do

patrimônio universal. Por isso, a Formação Cultural não é garantia de igualdade

dentre os membros da sociedade, mas de conscientização e organização

social. Os indivíduos, em sua contingência, deverão cultivar as habilidades e

produzir seus patrimônios particulares como forma de participar do patrimônio

universal. Pois,

Antes de tudo, no que toca à igualdade, a proposição corrente de que “todos os homens são iguais por natureza” encerra o mal-entendido de confundir o natural com o conceito; [...] Mas que essa igualdade

125 Em sua Antropologia, na Enciclopédia, Hegel afirmará que “Essa diferença transparece nas particularidades que pode denominar-se espírito locais, que se mostram na maneira exterior de viver, na ocupação, na conformação e disposição corporais; porém, mais ainda, na tendência e na aptidão interiores do caráter intelectual e ético dos povos” (HEGEL, 1995, §394, p. 61).

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esteja presente, que seja o homem – e não somente alguns homens como na Grécia, Roma, etc. - , que se reconheça como pessoa, e faça valer legalmente, eis algo que é tão pouco de natureza, que antes é só produto e resultado da consciência do mais profundo principio do espírito, e da universalidade e avanço cultural dessa consciência (HEGEL, 1995, p. 308, §539, Obs.).

Segundo Hegel, há uma “desigualdade entre os homens posta pela

natureza”, ou seja, um elemento da desigualdade, que é produzido a partir do

próprio desenvolvimento do espírito. Essa desigualdade é elevada pela razão,

que, não se pode esquecer, é imanente ao sistema dos carecimentos, até uma

diferenciação entre as habilidades, os patrimônios particulares, e mesmo entre

a formação intelectual e moral dos indivíduos. O que justificaria uma diferença

de estamentos ou classes sociais na Sociedade Civil-Burguesa, assim como a

divisão e organização do trabalho, polêmica que não será aprofundada aqui.126

Assim, ao fim do sistema dos carecimentos o indivíduo, através de sua

atividade, sua diligência e habilidade, torna-se membro de um dos estamentos

sociais e adquire o reconhecimento dos demais membros. Através dessa

retidão e honra do estamento, o indivíduo goza de um direito a propriedade,

oriundo da universalidade da liberdade abstrata (cf. HEGEL, 2010, p. 203,

§208). Depreende-se daí a necessidade de proteger à propriedade adquirida

pelo indivíduo através de sua atividade laboral, o que inicia um novo momento

da Sociedade Civil-Burguesa: a Administração do Direito.

Nesse momento da Eticidade, interessa saber que é a Formação

Cultural que dá ao direito seu ser-aí, na medida em que estabelece o “elemento

relativo”, ou seja, a relação recíproca entre os carecimentos e o trabalho. O

direito abstrato foi o começo, ainda não justificado, nem determinado, do reino

do direito ou da liberdade, isso porque lhe faltava tornar a ideia do direito algo

126 Hegel dividira os estamentos, segundo o conceito, em: a) o estamento substancial ou imediato, representado pela agricultura e pela relação familiar, voltada para subsistência e formação básica – cultural e religiosa; b) o estamento reflexivo ou formal, representado pela indústria, pois está relacionado às relações sócio-econômicas geradas pelo trabalho reflexivo e material, motivo pelo qual engendra os estamentos do artesanato, dos fabricantes e do comércio; e por fim c) o estamento universal, que “tem por sua ocupação os interesses universais da situação social” (HEGEL, 2010, p. 201, §205), ou seja, os funcionários públicos, que trabalham pelo universal (cf. RAMOS, 2000, p. 182-183). No entanto, isso expõe o aspecto depreciativo que algumas convicções hegelianas carregam, como bem expressa Hösle: “Sobretudo se há de, contra Hegel, considerar inaceitável que diferenças de bens devam legitimar também diferenças “da formação intelectual e moral” (§200 A, 7.354). Que pelo menos tenha que ser oferecida a possibilidade de uma formação espiritual a qualquer pessoa apta a isto, independentemente dos bens de seus pais, eis uma exigência que pode ser fundamentada sem dificuldade com base em uma filosofia para qual o absoluto é espírito” (HÖSLE, 2007, p. 594).

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reconhecido, sabido e querido universalmente. Para Hegel, isso somente pode

ocorrer através da Formação Cultural, pois somente o indivíduo formado, ciente

do que o direito é, poderá desejá-lo (HEGEL, 2010, p. 203, §209).

O direito exige a submissão ao dever, isso já foi analisado como sendo

um princípio a ser interiorizado nos indivíduos em sua formação. Nessa

perspectiva, o texto hegeliano enfatiza que o indivíduo, essa pessoa concreta,

ao reconhecer-se como detentor de um direito à propriedade, deve aprender a

reconhecer no outro seu igual, inclusive quanto a esse direito, pois “o que,

nessas esferas abstratas, é direito para um, deve também ser direito para o

outro, e o que é obrigação para um deve também ser obrigação para o outro”

(HEGEL, 2010, p. 237, §261, Obs.). Esse princípio é fundamental para

assegurar a vida em sociedade, e implica não só proteger a propriedade

privada, mas “é uma das determinações mais importantes e contém o vigor

interno dos Estados.” (Idem). Por isso, deve ser um dos conteúdos a ser

desenvolvidos pela Formação Cultural, sendo a compreensão e o assumir

desse princípio proporcionados pelo “pensar como consciência do singular na

forma da universalidade” (HEGEL, 2010, p. 203, §209, Obs.), que o filósofo

depreende do processo de formação.

Cabe a essa formação conscientizar o indivíduo de que o direito está

fundado sob o conceito de homem enquanto “pessoa universal”. Todos os

indivíduos devem ser conduzidos à compreensão de que há uma identidade

universal entre os homens, que perpassa suas diferenças. Entretanto, para que

isso ocorra, Hegel primeiramente teve que formular em que os homens são

iguais, já que anteriormente demonstrou a natural desigualdade entre os

mesmos, inclusive no próprio desenvolvimento educacional. Nesse sentido, a

afirmação: “O homem vale assim, porque ele é homem”, busca justificar o

conteúdo universal que a ideia do direito carrega em si.

Somente após essa conscientização o direito passa a existir na vida das

pessoas, podendo ser conhecido e administrado (cf. HEGEL, 2010, p. 208,

§215). Pois essa “consciência de importância infinita” dá ao direito sua

existência histórica e social, objetivando-o para que seja posteriormente

administrado. Nunca se pode esquecer que a Formação Cultural capacita o

indivíduo para que compreenda o mundo como ele é, e assim possa intervir

conscientemente no mesmo, exercendo sua cidadania. Ser consciente da ideia

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de direito é condição para realizá-la no mundo127, sendo a realização do direito

o ser-aí da vontade livre (Dasein der Freiheit) (HEGEL, 2010, p. 72, §29). Esse

é mais um passo rumo à efetivação dos ideais da Formação Cultural hegeliana

na ideia do Estado. No entanto, E. Weil salienta que o que Hegel propõe é:

Uma teoria, não um desejo, uma investigação do Estado: pode-se buscar o bom Estado porque há Estado; mas o que se busca sob o nome de Estado bom nunca é senão o Estado tout court, tal como em si mesmo pela razão. Mais ainda, esta investigação só poderia ser uma procura teórica, uma busca do que é real: a ciência, e é de ciência que se trata, ocupa-se do que é, “a filosofia é sua época captada pelo pensamento” (WEIL, 2011, p. 33).

Por isso, Hegel não quer defender um cosmopolitismo como o fez Kant,

que desconsiderou, segundo seu parecer, as contradições existentes na “vida

concreta do Estado” (HEGEL, 2010, p. 203, §209, Obs.). Esse discurso

cosmopolita sobre o universal é insuficiente no parecer de Hegel, pois

desconsidera a historicidade imanente ao sistema sócio-jurídico a ser erigido

na proteção da propriedade.

Dada a existência do direito, cabe saber como administrá-lo. E, como o

direito é o ser-aí da liberdade, sua atuação deve fornecer as condições

necessárias para a efetivação dessa liberdade. Anteriormente, Hegel já

anunciara que a liberdade está intrinsecamente relacionada com a

responsabilidade, pois a consolidação de minha vontade está diretamente

relacionada com a consolidação da vontade dos outros, ou seja, há um

princípio de sociabilidade a ser considerado pelos membros do corpo social.

A lei é a objetividade do espírito e da vontade em sua verdade, e só z vontade que obedece a lei é livre, pois ela obedece a si mesma, está em si mesma livremente. Quando o Estado, a pátria, constitui uma coletividade da existência, quando a vontade subjetiva do homem se submete a leis, a oposição entre liberdade e necessidade desaparece (HEGEL, 1998, p. 40).

127 Cabe lembrar que “o sistema do direito é o reino da liberdade efetivada” (HEGEL, 2010, p. 56, §4), justamente porque implica nessa formação para o exercer da ideia do direito, que envolve uma perspectiva ética, social e política, e não apenas da ciência positiva do direito. A essa Hegel já tecera suas críticas: “Aliás, a ciência positiva do direito não tem muito a fazer com essa definição, pois essa visa principalmente indicar o que é o direito, isto é, quais são as determinações legais particulares, razão pela qual se dizia em maneira de advertência: onminis definitio in jure civili periculosa [em direito civil, toda definição é perigosa]. E, de fato, quanto mais as determinações de um direito são incoerentes e contraditórias dentro de si, tanto menos são possíveis ali as definições, pois essas devem antes conter as determinações universais, as quais tornam imediatamente visível, em sua nudez, o que há ali de contraditório, aqui, o ilícito” (HEGEL, 2010, p. 48, §4, Obs.).

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Disciplinar essa relação é uma das tarefas da Formação Cultural, o que

objetivamente ocorre a partir da lei (cf. HEGEL, 2010, p. 206, §212)128, que

garante as conquistas do indivíduo ao institucionalizar o direito. Segundo

Novelli, a “lei aparece aqui como tal expressão que não se basta como

expediente regulador, mas que precisa mostrar a todos como preservar um

valor da organização social” (NOVELLI, 2009, p. 115).

Somente o homem age disciplinado por um princípio racional

historicizado, sendo sua ação dotada de um sentido. Não é apenas o instinto

[“o que”] que determina a ação humana, mas os motivos racionais [“porque” e

“como”] que o levam a agir no mundo. Isso não significa que há um princípio

social, ou mesmo moral, a priori que deve ser apreendido, mas que as ações

dos indivíduos devem ser compreendidas e realizadas de forma consciente.

Cabe salientar que, para Hegel, esse princípio não é algo a ser formulado

teoricamente, mas apreendido nas próprias ações humanas, ou seja, nos

hábitos, pois não expressa algo que deve ser (futuro), mas que é (presente).

Quanto a isso, Hegel é explícito: “as leis vigentes numa nação, por terem sido

escritas e compiladas, não cessam de ser seus hábitos” (HEGEL, 2010, p. 204,

§211, Obs.). Por isso, o homem deve receber uma formação que desenvolva

essa capacidade de compreensão, somente assim assumirá as leis para-si.129

Essa capacidade de racionalizar sua ação possibilita ao homem analisar as leis

que a regem, distinguindo-o dos demais animais.

Por isso, não se pode compreender a lei como algo externo à ação

humana, ou seja, um princípio regulativo que se aplica à ação após sua

ocorrência, a fim de determiná-la boa ou ruim. Pensar dessa forma implica em

uma separação entre lei e ação, ou seja, entre forma e conteúdo, o que para

Hegel é um erro. Na verdade, Hegel não diferencia as leis dos hábitos, ou

128 O que Jaeschke resumiu nos seguintes termos: “O conceito de direito é a unificação de minha vontade livre com outras vontades livres sob uma lei. O conceito de vontade livre não é o de uma vontade isolada, mas sim o de uma vontade, que, unificada sob a lei da liberdade, é de todos aqueles que gozam do direito” (JAESCHKE, 2004, p. 37). 129 O que aparentemente está em consonância com a proposta de Kant, quando afirma que um homem não obedece a nenhuma lei que não seja estabelecida por ele mesmo. Sendo a lei um produto da razão, e o homem um ser racional, acataria a lei simplesmente porque é lei, ou seja, porque é racional. Com isso Kant busca demonstrar que a justificação de uma ação não está em seus resultados ou consequências, eles não podem ser o fundamento de uma lei. Assim, a base do direito deve ser obedecer à lei pela lei, e não por causa de suas consequências. Isso não ocorre na proposta hegeliana, que considera os desdobramentos, as circunstâncias e as consequências dos princípios que regem a ação (cf. WEBER, 1999, p. 104-105).

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melhor, a lei não é meramente algo escrito, como palavra morta a ser

consultada em caso de uma infração e mero critério teórico para execução de

uma pena, mas a descrição de ações efetivas, ou seja, ações históricas que

possuem desdobramentos, circunstâncias e consequências: experiências

virtuosas – que devem ser motivadas –, e experiências viciadas – que devem

ser coibidas (cf. HEGEL, 2010, p. 206, §212, Obs.).130

Ao criar uma lei que coíbe ingerir bebidas alcoólicas e em seguida dirigir

um veículo automotivo, não estamos apenas presumindo que a bebida

influenciará os reflexos do motorista ao volante, mas estamos atestando que

essa combinação é fatal, pois já a experienciamos. Se aplicarmos tal princípio

interpretativo às leis, podemos não apenas entendê-las, mas assumi-las. Essa

é a proposta hegeliana: assumir a lei não por uma obrigação externa (porque a

sociedade me obriga, ou por receio de multas, ou porque temo ser preso), mas

por ser consciente do porque ela existe, dos benefícios e malefícios sociais, e

não apenas individuais, que se seguem de sua observância ou não.

Porém, ainda que a Formação Cultural seja o processo que torne isso

possível, não se pode incorrer na errônea interpretação de que a educação por

ela fornecida “salvará” a sociedade, resolvendo todos os seus problemas. Na

realidade, a educação capacita para a vida em sociedade, de forma que os

indivíduos estejam preparados para compreender a realidade em suas

contingências sociais e deliberar conscientemente sua ação, avaliando e

reavaliando os hábitos sociais. Como foi analisado na proposta pedagógica da

Fenomenologia, isso não significa que não haverá o erro, mas que o indivíduo

bem formado será capaz de aprender com esse erro, caso ele ocorra. O que

deve ser aplicado aos códigos públicos, que não devem ser perfeitos, mas

efetivos, no sentido de que devem acompanhar as transformações histórico-

sociais:

Exigir de um código a perfeição, que seja absolutamente acabado, que não deva ser capaz de nenhuma determinação ulterior, [...] e pela razão de que ele não pode ser tão perfeito, não o deixar chegar a ser

130 Novelli expõe essa característica da lei em Hegel, nesses termos: “a lei não é aleatória e nem casuísta, pois se funda sobre o que já se pratica, isto é, o costume. Este não é posto ao sabor da arbitrariedade, mas somente se constitui e permanece ao sobreviver ao processo histórico que o interpela permanentemente. Sua efetivação é a expressão viva do que as pessoas pensam, desejam e fazem cotidianamente. O que é pensado, desejado, e feito, é tudo o que é querido de modo interessado pelos sujeitos. A escolha confirma a liberdade da vontade que se move pelo querer e pela possibilidade de determinar o querer” (NOVELLI, 2009, p. 112).

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chamado imperfeito, isto é, não o deixar chegar a efetividade (HEGEL 2010, p. 209, §216, Obs.).

Isso é importante, porque a Formação Cultural visa efetivar a liberdade,

e não torná-la “perfeita”. Em Hegel o efetivo não é o perfeito, é o histórico. Por

isso, exigir perfeição, no sentido de completude e conclusão, é não

compreender a dialética da realidade. A liberdade traz em si

particularidade/contingência e universalidade/necessidade. Ambas estão em

seu processo de efetivação, pois a liberdade ocorre na contingência do agir

particular na necessidade do agir universal, e vice-versa.131 De forma que o

efetivo está sempre em processo de efetivação, sendo efetivo justamente por

ser um processo de efetivação constante. Por isso, Hegel afirmara na

introdução da Filosofia do Direito que:

Cada grau de desenvolvimento da ideia da liberdade tem seu direito característico, porque ele é o ser-aí da liberdade numa de suas determinações próprias. [...] A moralidade, a eticidade, o interesse do Estado, cada um é um direito característico, porque cada uma dessas figuras é uma determinação e um ser-aí da liberdade (HEGEL, 2010, p. 73, §30, Obs.).

A ideia de liberdade “perfeita”, na qual não haveria qualquer tipo de

“coação”, já fora abandonada por Hegel – ao analisar a abstração do livre-

arbítrio (cf. HEGEL, 2010, p. 65, §15) –, pois compreendeu que a liberdade

efetiva traz em si a “coação”, ou seja, impõe um limite, uma restrição: “Quem

quer o que é grande deve saber limitar-se, diz o poeta” (HEGEL, 1994, p. 75;

2000, p 97, § 13, adendo).

Mas que a ausência de paixão, a retidão e a moderação do

comportamento se tornem costume, [isso] se liga, em parte, com a cultura do

pensamento e com a cultura ética direta, que mantém o equilíbrio espiritual

sobre o aprendizado do que tem de mecânico e semelhantes dentro de si as

assim chamadas ciências dos objetos dessas esferas, a exigida prática das

ocupações, o trabalho efetivo etc” (HEGEL, 2010, p. 277, §296).

A confusão cometida por quem não entende essa dialética está na

consideração do universal, pois há uma “diferença entre o universal da razão e 131 Segundo Weber: “Se houver uma predominância da necessidade, na síntese, o sistema fica totalitário, uma vez que a contingencia vai sendo gradualmente eliminada. [...] Se houver uma predominância da contingencia, na síntese, o sistema fica anárquico. Portanto, a dialética hegeliana, entendida como um sistema da liberdade, implica considerar toda síntese (nas diferentes figuras) como contendo em si, tese e antítese, superadas e guardadas em iguais proporções. Liberdade inclui, então, a necessidade e contingência igualmente superadas e guardadas” (WEBER, 2001, p. 317).

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o universal do entendimento” (HEGEL, 2010, p. 209, §216). Enquanto o

primeiro expressa a mediação histórica do particular pelo universal, o segundo

expressa a proposta de uma perfeição a ser buscada, mas nunca alcançada,

em um perpetuar da aproximação, configurado em uma ética do dever ser.132

Por sua vez, Hegel não adere a um progresso infinito, a uma busca pela

perfeição, que rumaria indeterminadamente para o melhor, o que afirma

recorrendo a um adágio francês: “o maior inimigo do bem é o melhor” (HEGEL,

2010, p. 209, §216). Pois o bem não está no melhor, mas no efetivo.

Prosseguindo na leitura desse momento da Sociedade Civil-Burguesa,

Hegel irá preocupar-se com a aplicação do direito ao particular e ao caso

singular, o que implica a formulação de contratos e formalidades, que dotarão o

direito à propriedade de força jurídica. O estabelecer de um código jurídico faz-

se necessário para determinar os parâmetros de aplicação da lei, que deve

corresponder aos hábitos da sociedade.

Mas, o que interessa nesse momento é a compreensão de que somente

o homem bem formado pode usufruir do ser-aí do direito. Ao tomar consciência

da ideia do direito, de forma que reconheça sua efetivação na vida em

sociedade, o indivíduo passa a exercê-la a partir do conhecimento que lhe

compete enquanto homem cultivado (cf. HEGEL, 2010, p. 215, §227). Nesse

ínterim, reconhece que o exercer do direito pelos particulares pressupõe a

mediação do universal. A consequência dessa mediação pode ser vista em

âmbito jurídico, pois para que não aja uma repressão do crime via vingança,

faz-se necessário o erigir de um tribunal, que representará o poder público, na

administração da justiça (cf. HEGEL, 2010, p. 211-217, §219-229).

Dessa forma, visando estabelecer uma organização social sólida, que

não dependa das subjetividades individuais, o filósofo desvela mais uma

necessidade da Sociedade Civil-Burguesa: diante das contradições e conflitos

sociais, a sociedade deve realizar ações educativas, no sentido de manter a

unidade social vigente. O que implica na passagem da esfera socioeconômica

para a esfera política, a partir da instituição de instâncias reguladoras no seio

da própria sociedade. A mencionada administração da justiça é uma dessas

132 Nunca é demais lembrar que “a filosofia, porque ela é o indagar do racional, é precisamente por isso o apreender do presente e do efetivo, não o estabelecer um além, sabe Deus onde deveria estar,– ou do qual bem se sabe dizer de fato onde está, a saber, no erro de um racionar vazio, unilateral” (HEGEL, 2010, p. 41).

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instâncias, que deve ser corroborada pela Administração Pública e pela

Corporação.

O percurso trilhado até aqui descreve didaticamente o processo de

estruturação da vida em sociedade, por isso visa apresentar tanto os

problemas que a assolam, quanto as formas de superá-los e garantir a

convivência, e não a mera coexistência, entre seus membros. É com esse

intuito que as instituições surgem no processo, pois expressam o momento da

conquista de uma organização social objetiva que, como ver-se-á mais a frente,

tem sua efetivação no Estado.

Embora a Sociedade Civil-Burguesa ainda não seja a esfera na qual é

efetivada a liberdade, a Eticidade, o surgir de uma organização social cuja

finalidade é preservar o interesse dos indivíduos particulares a partir de ações

universais já aponta para esse fim. A partir de uma Aufhebung desencadeada

pelo processo da Formação Cultural, o interesse individual, fonte da Sociedade

Civil-Burguesa, converte-se no âmbito da corporação em interesse geral,

conduzindo seus membros para além dessa comunidade de interesses

particulares.

Visto que, segundo a ideia, a particularidade mesma faz desse universal, que está em seus interesses imanentes, o fim e o objeto de sua vontade e de sua atividade, assim retorna o elemento ético como algo imanente na sociedade civil-burguesa; isso constitui a determinação da corporação (HEGEL, 2010, p. 225, §249).

Enquanto associação de interesses particulares comunitários (cf.

HEGEL, 2010, p. 272, §288), a corporação, diversamente do que ocorre na

Família, não promove o interesse geral através de uma imposição da

autoridade, mas a partir da confiança de seus próprios membros entre si.

Nesse sentido, a corporação prefigura o Estado, porque conduz ao exercer da

cidadania, fim ético da ação social. Para Hegel, a ação social desempenhada

na corporação possibilita a convivência e a cooperação entre os membros da

sociedade, expressando a atitude esperada por quem passou pela Formação

Cultural.

Dessa forma, a corporação é um momento objetivo da Formação

Cultural, pois nela os indivíduos são conduzidos ao universal a partir de sua

colaboração mútua, pois assume o caráter de uma segunda família (cf.

HEGEL, 2010, p. 226, §252), transmitindo aos membros da Sociedade Civil-

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Burguesa a força da comunidade ética, pois revelam uma prática que antecipa

o exercício concreto da cidadania, ou melhor, da efetiva Eticidade no Estado.

O espírito da corporação, que se engendra na legitimação das esferas particulares, reveste-se ao mesmo tempo para dentro de si mesmo no espírito do Estado, visto que ele no Estado tem o meio de conservação de seus fins particulares. Esse é o segredo do patriotismo dos cidadãos segundo esse aspecto, de que eles sabem o Estado enquanto sua substância, porque ele conserva suas esferas particulares, sua legitimação e a autoridade como seu bem-estar. No espírito da corporação, visto que ele contém imediatamente o enraizamento do particular no universal, na medida em que é a profundidade e o vigor do Estado, que ele possui na disposição de espírito (HEGEL, 2010, p. 273, §289).

Por isso, o terceiro momento da dialética da Sociedade Civil-Burguesa

visa garantir “que o bem-estar particular seja tratado e efetivado enquanto

direito” (HEGEL, 2010, p. 218, §230). A consecução desse objetivo abrange a

segurança das pessoas, a luta contra o crime, a regulação da economia e, o

que mais interessa a tese, a educação (cf. HEGEL, 2000, p. 290, §236,

adendo).

Como foi exposto, a educação (Erzierung) é um direito do indivíduo, ao

mesmo tempo em que é um dever da Família e da Sociedade Civil-Burguesa –

tematizada agora como família universal (cf. HEGEL, 2010, p. 221, §239). O

desenvolvimento de conhecimentos e atitudes na formação das consciências

para a vida social cabe primeiramente à ação escolar, que apresenta, ainda

que formalmente, a universalidade aos indivíduos em formação. Assim, essa

Formação Cultural institucional fornece os fundamentos para uma elevação dos

indivíduos à universalidade da Eticidade, a ser efetivada na esfera do Estado –

embora Hegel não tenha sido tão enfático, como pressupus a partir de suas

posições em Nüremberg, sobre a ação do Estado nesse âmbito escolar (cf.

HÖSLE, 2007, p. 612-613).133

Por isso que, primando pela garantia da formação dos indivíduos para a

vida social, a administração pública exerce o direito de interferir sobre o

processo de formação de seus membros através de uma ação institucional que

supervisione e controle as próprias instituições de ensino. A escola, assim

como a corporação, configura uma instituição que garante aos indivíduos os

133 Cabe lembrar que, no Sistema da Eticidade (System der Sittlichkeit), Hegel estabeleceu a existência de três “sistemas” através dos quais o Estado operaria: 1) da necessidade, 2) da justiça e da guerra, e 3) da educação, formação, conquista, colonização (cf. ROSENZWEIG, 2008, p. 236-258).

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elementos necessários à efetivação de um bem-estar particular. Ao formá-los

para a universalidade, a instituição escolar prepara os indivíduos para

Eticidade, cultivando nos mesmos os princípios necessários à efetivação do

Estado.

A consciência desse papel da instituição escolar inspira na Sociedade

Civil-Burguesa uma responsabilidade educativa sobre seus membros, pois a

faz reconhecer que seu próprio existir depende da consecução dessa

Formação Cultural institucional. Assim, mesmo o direito dos pais de educar

seus filhos está subordinado a seu dever de formá-los para a vida em

sociedade. Não por acaso, Hegel transfere à Sociedade Civil-Burguesa, na

falta desse compromisso social dos pais, a responsabilidade de conduzir seus

filhos à escola, assim como o de proporcionar-lhes a própria escola.

Ela [a sociedade civil-burguesa] tem nesse caráter de família universal a obrigação e o direito, frente ao arbítrio e à contingencia dos pais, de ter controle e influência sobre a educação, à medida que ela se vincula com a capacidade de tornar membro da sociedade, principalmente quando ela não é completada pelos pais mesmos, porém por outros, - igualmente na medida em que para isso podem ser feitas [e] encontradas instituições comuns (HEGEL, 2010, p. 221, §239).

Essas ações devem promover a educação a todas as crianças, mesmo

para aquelas que, comprovadamente, estejam em situação de miséria, cujos

pais não possuem condições de prover sua educação (cf. WOOD, 1990, p.

106). Ora, a Sociedade Civil-Burguesa não poder permitir que os indivíduos

sejam privados da Formação Cultural, pois isso implicaria na privação de

“todas as vantagens da sociedade, da capacidade de aquisição de habilidades

ou de cultura em geral” (HEGEL, 2010, p. 221, §241). A consequência dessa

privação seria o triste fenômeno de uma sociedade na qual os membros

desenvolvem a “disposição de espírito da preguiça, à maldade e aos demais

vícios que surgem de tal situação e do sentimento de sua ilicitude” (Idem). Essa

é uma das principais preocupações da Sociedade Civil-Burguesa na acepção

de Hegel, pois a não formação acarreta não participação, a não aquisição da

cidadania:

A queda de uma grande massa [de indivíduos] abaixo da medida de certo modo de subsistência, que se regula por si mesmo como o necessário para um membro da sociedade, – e com isso a perda do sentimento do direito, da retidão e da honra de subsistir mediante atividade própria e trabalho próprio,– produz o engendramento da populaça, a qual, por sua vez, acarreta ao mesmo tempo uma

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facilidade maior de concentrar, em poucas mãos, riquezas desproporcionais (HEGEL, 2010, p. 223, §244).

Dessa forma, a proposta de um controle sobre determinadas instâncias

sociais, como a instituição escolar, não visa controlar a vida dos indivíduos,

convém lembrar que o sistema prima pela efetivação da liberdade, mas

solidificar as instâncias que garantem, na perspectiva individual, uma vontade

livre e, na perspectiva coletiva, uma ordem social, pois “o homem é livre na

medida em que quer a liberdade do homem numa comunidade livre” (WEIL,

2011, p. 43).

Por isso, a organização social funda instituições com o objetivo de suprir

sua necessidade, no entanto, as mesmas não estão ainda fundadas em

princípios universais, mas em princípios puramente instrumentais, ou seja, são

exclusivamente criadas para suprir os interesses dos membros da sociedade –

instituições de interesse privado. Essas instituições surgem ainda por uma

motivação particular, mas representam a abertura das pessoas particulares a

uma esfera política, que consolida os direitos adquiridos quanto a sua

propriedade privada – o que já implica a primeira figuração da ideia do Estado.

Não por acaso, a passagem da Sociedade Civil-Burguesa para o Estado

decorre da própria finalidade da corporação, a saber: alcançar o “fim universal”

em si e para si, ou seja, sua “efetividade absoluta” (HEGEL, 2010, p. 228,

§256). Ao proporcionar a seus membros uma efetiva intervenção na vida

pública, na medida em que na corporação os indivíduos encontram o

enraizamento do particular no universal, a mesma os forma para o universal e

torna-se mais um momento do desenvolvimento da Formação Cultural. A partir

de então, Hegel argumenta no sentido de demonstrar que a ideia do Estado é a

efetivação desse universal e que, através dela, os indivíduos formados

efetivam em si a verdadeira Eticidade.

4.3. A Formação Cultural Efetiva: a Ideia de Estado como Consolidação da Formação

Ao remontar o percurso da Formação Cultural trilhado na Filosofia do

Direito, vê-se que a proposta pedagógica hegeliana conduz os indivíduos à

liberdade efetiva, à vontade livre, findando com sua conversão aos ideais do

Estado, que, segundo o filósofo, possui uma doutrina própria (cf. HEGEL, 2010,

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p. 247, §270). No entanto, não se compreenda esse processo como a

“construção” do Estado, pois, ao adentrar na efetividade do Estado, o indivíduo

não o funda, já que o mesmo não depende de sua subjetividade como ocorre

em um contrato; tampouco é uma instância externa ao indivíduo, a ponto de ser

assumida ou não. Nesse sentido, cabe citar esclarecimentos do próprio autor

sobre essa má compreensão de sua ideia de Estado, pois:

visto que ele não é nenhum mecanismo, porém a vida racional da liberdade autoconsciente, o sistema do mundo ético, assim a disposição de espírito e logo a consciência da mesma nos princípios são um momento essencial no Estado efetivo (HEGEL, 2010, p. 247, §270, Obs.).

Na verdade, a efetivação do Estado decorre de uma necessidade interior

que deve ser exteriorizada, ou seja, decorre de seu saber pelo cidadão – que

justamente por saber sobre o Estado é cidadão –, por isso é representado por

Hegel como “o fim imanente” da Família e da Sociedade Civil-Burguesa, pois é

a unidade consciente do fim universal e do interesse particular. Por isso, o

Estado surge como a efetivação da ideia ética, pois representa o momento que

cada um dos indivíduos em formação toma consciência de si e dos outros

enquanto participantes de um organismo político, que os realiza enquanto

seres éticos.

No entanto, essa realização ética depende da formação das

consciências, ocorrida na relação entre a Formação Cultural e a ideia do

Estado. Isso porque, para Hegel, a existência imediata do Estado está no

costume, no cotidiano dos indivíduos, o que implica que a educação dos

mesmos impactará diretamente sobre o ser-aí da ideia do Estado. A segunda

natureza proposta pela Formação Cultural, que visa elevar a “autoconsciência

do singular, no saber e na atividade do mesmo”, surge como a condição

primordial para que o indivíduo seja capacitado para a vivência de uma

liberdade substancial (cf. HEGEL, 2010, p. 229, §257).

Nesse processo formativo, a autoconsciência do singular, que “é o

racional em si e para si”, eleva sua vontade à universalidade, efetivando em si

a liberdade substancial: unidade entre particular e universal, o “autofim imóvel

absoluto”, no qual a liberdade alcança seu “direito supremo” frente ao singular.

Mas isso somente pode ser realizado no membro do Estado, pois o indivíduo

em formação somente possui “objetividade, verdade e eticidade” como membro

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do Estado. Segundo Hegel, o indivíduo autoconsciente, o cidadão, reconhece a

“obrigação suprema” que é “ser membro do Estado” (HEGEL, 2010, p. 230,

§258) através da Formação Cultural.134

O Estado surge na Filosofia do Direito como a síntese dos

desenvolvimentos da Eticidade, que a partir da unidade concreta do universal

no particular efetiva no mundo dos costumes, dos valores, das instituições e

das leis, a liberdade no ser humano. Mas, ao analisar esse momento da

Filosofia do Direito, deve-se considerar que tais desenvolvimentos da ideia de

Estado nada mais são que “a demonstração científica do conceito de Estado”

(HEGEL, 2010, p. 229, §256, Obs.), pois, se pensarmos cientificamente, o que

Hegel realiza nessa obra é uma descrição didática do desenvolver da ideia de

liberdade, “uma teoria das estruturas gerais do social” (HÖSLE, 2007, p. 463),

que deve passar pelos momentos do direito abstrato, da moralidade e da

Eticidade, culminando na efetividade da ideia de Estado.

Entretanto, se pensarmos objetivamente, a ideia de Estado precede a

todos esses momentos, pois é o verdadeiro fundamento de todos. Sem o

Estado, nenhum desses momentos vem à existência. Por isso, Hegel o

concebe como o que é, o que permite analisá-lo e descrevê-lo. Sem essa

chave de leitura, o projeto hegeliano torna-se uma mera abstração de fácil

refutação. No entanto, da mesma forma que a proposta de uma Formação

Cultural somente pode ser histórica, o Estado também o é.

Dito isso, sigo a reflexão hegeliana, buscando encontrar nesse terceiro e

último momento da Filosofia do Direito o desfecho da Formação Cultural.

Nesse sentido, a sentença lessinguiana impõe-se, pois quem se educa para

algo se educa, e a proposta de uma pedagogia hegeliana, desvelada nessa

pesquisa, indica um necessário fim a esse processo de formação: a liberdade.

134 Nas Lições sobre Filosofia da Historia (Vorlesugen über die Philosophie der Geschichte) essa ideia é aprofundada nos seguintes termos “Na historia universal só se pode falar dos povos que formam um Estado. É preciso saber que tal Estado é a realização da liberdade, isto é, da finalidade absoluta, que ele existe por si mesmo; além disso, deve-se saber que todo valor que o homem possui, toda realidade espiritual, ele só o tem mediante o Estado. Sua realidade espiritual consiste em que o seu ser, o racional, seja objetivo para ele que sabe, que tenha para ele existência objetiva e imediata; só assim o homem é consciência, só assim ele está na eticidade, na vida legal e moral do Estado, pois o verdadeiro é a unidade da vontade universal e subjetiva. No Estado, o universal está nas leis, em determinações gerais e racionais. Ele é a ideia divina, tal qual existe no mundo” (HEGEL, 1998, p. 39-40).

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Após uma série de desdobramentos, a Sociedade Civil-Burguesa

retomou sua “substância ética”, superando a particularidade que lhe limitava.

Essa retomada pode ser compreendida a partir 1) do tramite entre a

“diferenciação infinita” e o ser-dentro-de-si sendo-para-si da autoconsciência,

2) e da “forma universal” ou “forma do pensamento”, que em minha

interpretação implica no próprio processo da Formação Cultural, identificado

como a própria efetivação do Estado na vida dos indivíduos, primeiramente

enquanto relação ética, e consequentemente como processo educacional dos

mesmos. Nessa perspectiva, a liberdade é a unidade da vontade substancial

universal e da liberdade subjetiva, configurando o “ser em si e para si eterno e

necessário do espírito” (HEGEL, 2010, p. 230, §258, Obs.). O que garante ao

processo formativo uma finalidade última, a grande síntese da existência

humana, pois, no parecer de Hegel: “a determinação dos indivíduos é levar

uma vida universal” (HEGEL, 2010, p. 230, §258, Obs.).

Assim, a retomada da substância ética na Sociedade Civil-Burguesa

enquanto uma Formação Cultural social, ratifica a presença efetiva da ideia de

Estado na formação humana, ainda que como fim último, pois nela o espírito

torna-se para si no indivíduo, que se vê formado e cultivado nas leis e

instituições sociopolíticas, a partir do desenvolver de uma “vontade pensada”

(HEGEL, 2010, p. 229, §256, Obs.).

O Estado, enquanto elemento ético, enquanto compenetração do substancial e do particular, implica que minha obrigatoriedade frente ao substancial seja, ao mesmo tempo, o ser-aí de minha liberdade particular, isto é, que nele a obrigação e o direito estão reunidos em uma mesma vinculação (HEGEL, 2010, p. 237, §261, Obs.).

A efetivação da ideia de Estado é o surgir do indivíduo enquanto ser livre

e ético, o que implica no percurso percorrido no processo de formação. Por

isso o Estado é o momento que o espírito ético “se pensa e se sabe e realiza o

que sabe e na medida em que se sabe”, pois é para si, aqui sua ideia “é nítida

a si mesma”, manifestando a vontade substancial desse mesmo espírito.

(HEGEL, 2010, p. 229, §257)

O espírito objetiva-se na realização desse elemento ético, consequência

do processo da Formação Cultural, pois para Hegel o Estado não é ético

porque prescreve a seus membros linhas de ação, não lhe cabe impor

externamente uma lei moral, isso implicaria que o povo não compreende a

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própria ideia de Estado, ou seja, que não passara pela Formação Cultural e,

logo, não estaria formado. O Estado é ético por representar a consciência de

seus membros de que a verdadeira liberdade somente pode ocorrer quando os

mesmos propõem a si um limite. Quando reconhecem não somente seus

direitos, mas também seus deveres para com o organismo sociopolítico,

tornando-se cidadãos. Note-se que esse princípio ético não formula um

imperativo categórico kantiano, pois não é a priori, na verdade configura uma

razão ética moldada pela historia vivida, pelos costumes dos povos em suas

ações viciadas e virtuosas. Eis a realidade efetiva da substância ética

hegeliana no Estado.

O Estado efetiva o espírito no mundo quando se torna efetivo na

consciência de seus cidadãos, por isso a esfera do universal somente pode ser

efetiva a partir da relação da lei e do costume, como foi anunciado

anteriormente, sendo a Formação Cultural a dialética e a síntese dessa

efetivação. Somente o indivíduo bem formado pode ter essa consciência. Por

isso, a expressão máxima da unidade do particular e do universal é a

efetivação da Formação Cultural, na qual o indivíduo passa a possuir o

“reconhecimento e o total desenvolvimento” do direito de sua “individualidade

pessoal e seus interesses particulares” (HEGEL, 2010, p. 235, §260).

Assim se entende que esse indivíduo é verdadeiramente livre enquanto

cidadão do Estado, “efetividade da liberdade concreta” (HEGEL, 2010, p. 235,

§260). Essa liberdade concreta consistiu no desenvolver completo dos

interesses particulares (efetivação dos ideais da Família e da Sociedade Civil-

Burguesa) de maneira que sejam reconhecidos em “seu direito para si”, e

concluiu-se na passagem desse interesse particular ao universal:

de modo que nem o universal valha e possa ser consumado sem o interesse, o saber e o querer particulares, nem os indivíduos vivam meramente para esses últimos, enquanto pessoas privadas, sem os querer, ao mesmo tempo, no e para o universal e sem que tenham uma atividade eficaz consciente desse fim (HEGEL, 2010, p. 235-236, §260).

Dessa forma, o Estado é uma instituição ética que, dialeticamente, é

fundamento e consequência da liberdade dos cidadãos, por isso não pode ser

tido como uma instância coercitiva externa, pois representa o próprio processo

de organização civil e política da humanidade. Uma vez efetivado, a função do

Estado é a de possibilitar e garantir a liberdade dos cidadãos – e, por motivos

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óbvios, não a de impô-la –, que a partir dele ascendem sua particularidade para

além de si e se comprometem com o universal. Por isso, a ideia de Estado em

Hegel ocorre na disposição de espírito (HEGEL, 2010, p. 273, §289) de realizar

a razão na historia, o elemento ético ocorre na historia dos homens a partir de

uma convivência que possibilite e garanta a liberdade dos mesmos.

Que o fim do Estado é o interesse universal como tal, e nisso, enquanto sua substância, a conservação dos interesses particulares constitui 1. sua efetividade abstrata ou sua substancialidade; mas ele é 2. sua necessidade enquanto ele se dirime nas diferenças conceituais da sua atividade eficaz, que, por aquela substancialidade, são igualmente determinações estáveis, poderes; 3. mas precisamente essa substancialidade é o espírito que se sabe e quer, enquanto atravessou a forma da cultura. Por isso o Estado sabe o que ele quer, e o sabe em sua universalidade, enquanto algo pensado; por causa disso, ele atua e age segundo fins conscientes, segundo princípios conhecidos e segundo leis que não são apenas em si, porém para a consciência; e igualmente, á medida que suas ações se vinculam com as circunstâncias e as relações presentes, ele atua e age segundo o conhecimento determinado das mesmas (HEGEL, 2010, p. 241, §270).

O fim do Estado é o interesse universal enquanto tal, essa é sua

substância: ser “o espírito que se sabe e quer”, mas isso apenas é efetível por

ter a consciência atravessado a “forma da cultura” (HEGEL, 2010, p. 241,

§270). Formar no povo um espírito efetivo implica fazer desse povo um

conjunto de indivíduos que “se sabem”, ou seja, autoconscientes, o que só é

possível na Formação Cultural. Para o filósofo, o Estado é consequência, ou

melhor, expressão e efetividade desse processo de autoconscientização

enquanto determina-se como espírito de um povo. Apenas quando a lei

provinda do Estado penetra nas relações, nos costumes, na consciência dos

indivíduos, ocorre a efetividade da constituição, sinal objetivo da liberdade

pública (cf. HEGEL, 2010, p. 259-260, §274), pois

o verdadeiro é o prodigioso transpor do interno para o externo, a imaginação da razão na realidade, que toda a historia mundial trabalhou, e por cujo trabalho a humanidade cultivada conquistou a efetividade e a consciência do ser-aí racional, das instituições do Estado e das leis (HEGEL, 2010, p. 244, §270, Obs.).

Dessa forma, a Formação Cultural articula-se na realidade histórica do

Estado, que deve fornecer as condições necessárias à sua efetiva realização,

pois, apesar de ser um processo que conduz o indivíduo em formação ao

Estado, a Formação Cultural somente ocorre no Estado, que garante o direito à

formação teórico-científica, ética, estética e política de seus membros como

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sendo sua própria condição de existência (cf. BECKEMKAMP, 2009, p. 120-

121).135 A culminância da Formação Cultural está no homem cultivado, cidadão

de um Estado de boas leis.

Assim, a proposta pedagógica hegeliana visa formar um povo cujo

direito é exercido por meio do Estado, em suas instituições sociopolíticas. De

acordo com Hegel, educar para a cidadania implica justamente em tornar os

indivíduos aptos a uma participação ativa na esfera pública, desenvolvendo sua

personalidade jurídica, sua consciência moral, suas habilidades produtivas e

sua capacidade em tomar decisões políticas, ou melhor, decisões que versem

sobre a vida em sociedade.

Curiosamente essa vida em sociedade, assim como o Estado, é

condição e consequência para a formação dos cidadãos, que participam da

vida pública tomando consciência das políticas públicas do Estado e sua

influência na vida social em seus estamentos. Não por acaso, Hegel afirma ser

a opinião pública um dos mais eficazes meios de formação, pois abre a

possibilidade do debate a partir de “pensamentos verdadeiros”, que

proporcionam o conhecimento necessário para o correto “discernimento da

situação e do conceito do Estado e de seus assuntos” (HEGEL, 2010, p. 290,

§315), proporcionando “uma capacidade de julgar mais racionalmente” suas

ações, ou, como afirma Rosenfield, a opinião publica é o espaço “onde se forja

a educação política dos cidadãos, pela sua capacidade de verificação e pelo

controle que exerce, concretiza uma das determinações do “direito de dizer

não”.” (ROSENFIELD, 1983, p. 259).

No entanto, a última palavra não é do Estado e sim da história:

A historia desse aprofundamento do espírito no mundo dentro de si, ou o que é o mesmo, essa livre formação em que a ideia despede de si seus momentos – e que apenas são seus momentos – como totalidades e os contém precisamente, com isso, na unidade ideal do conceito, enquanto nisso consiste a racionalidade real, - a historia dessa configuração verdadeira da vida ética [Eticidade] é assunto da historia mundial universal – Colchetes por mim acrescidos (HEGEL, 2010, p. 256, §273).

Hegel compreende a história como o desdobramento dos momentos da

razão, nesse sentido, a Formação Cultural hegeliana segue o ideal oitocentista

135 Em suas Lições sobre Filosofia da Historia afirma-se que: “Na vida dentro do Estado, reside a necessidade de uma estrutura formal – e, com isso, do surgimento das ciências bem como de elaboradas poesia e arte” (HEGEL, 1998, p. 64).

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de que a história faz-se mediante o aperfeiçoamento e educação da

humanidade. Na última parte da Filosofia do Direito, a Formação Cultural eleva-

se ao nível de uma formação universal que abrange povos, Estados e

indivíduos, tornando-os atores conscientes de sua história, ou seja, tonando-os

aquilo que são.

Aqueles que afirmaram essa perfectibilidade pressentiram algo da natureza do espírito, de sua natureza de ter como lei do seu ser o Γνώθι σεαυτόν [conhece-te a ti mesmo], e visto que ele apreende o que ele é, o de ser uma figura mais elevada do que a figura que constituía seu ser (HEGEL, 2010, p. 307, §343, Obs.).

Sendo o Estado o ponto de chegada da Formação Cultural, a mesma

expressa o reconhecimento do conceito ético por parte dos cidadãos, a quem

corresponde dar a esse uma vida efetiva. Essa autoconsciência dos cidadãos

implica na própria compreensão do que é a Eticidade e está enraizada no

processo da Formação Cultural enquanto o surgir dos momentos da liberdade

na historia. Ao reconhecer a liberdade em seu momento histórico, o indivíduo

formado é capaz de criá-la e recriá-la, atualizando essa liberdade. Para Hegel,

esse reconhecimento é

o começo da liberdade que se sabe e, com isso, liberdade verdadeira. Essa liberdade real da ideia, visto que ela consiste precisamente em dar, a cada um dos momentos da racionalidade, sua efetividade autoconsciente, presente, própria, que com isso atribui á função de uma consciência a certeza última, determinando-se a si mesma, que constitui o ápice do conceito de vontade (HEGEL, 2010, p. 266, §279).

A efetividade autoconsciente da liberdade representa a configuração

histórica da Formação Cultural136, processo de formação das consciências

históricas para a liberdade e, consequentemente, processo de objetivação do

espírito absoluto no mundo (cf. BOURGEOIS, 2000, p. 41). Isso porque Hegel

considera a própria historia como desenvolvimento desse espírito, tendo o

efetivar da liberdade como seu fundamento. A Formação Cultural expressa

então a formação das consciências individuais na apreensão de uma liberdade

substancial, o que para o filósofo indica a principal mote do problema

pedagógico: formar para a liberdade efetiva, formar para a vontade livre.

136 Argumento desenvolvido por Hegel na Filosofia do Espírito da Enciclopédia: “Se o saber da ideia – isto é, do saber dos homens de que sua essência, meta e objetivo é a liberdade – for especulativo, essa ideia mesma como tal é a efetividade dos homens: portanto, não a ideia que eles têm, mas a ideia que eles são” (HEGEL, 1995, p. 275-276, §482, Obs.).

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

A tese visou empreender uma discussão sobre o conceito de Bildung em

Hegel, buscando responder a questão: como compreender o conceito de

Formação Cultural (Bildung) em seu sistema filosófico? Nessa perspectiva,

rastreei as reflexões hegelianas sobre educação em alguns de seus principais

escritos, no intuito de tecer uma proposta pedagógica.

Mas, antes, empreendi uma breve pesquisa sobre o próprio conceito de

Formação Cultural no pensamento alemão nos séculos XVIII e XIX, por

compreender que o conceito tem uma história. Apresentei sucintamente o

processo de formação do sistema educacional alemão até os dias de Hegel,

concluindo que o ideal da Formação Cultural surgira nessa tradição identificado

a vocação humana de cultivo de si através da ciência (Wissenchaft) e da

cultura (Kultur). A recapitulação desses elementos históricos ratificou a

relevância que o conceito de Formação Cultural exerceu no pensamento

alemão no momento em que Hegel tecera seu sistema, sendo sua influência

clara ao analisar a Fenomenologia do Espírito.

Essa obra trouxe como uma de suas principais questões o percurso de

formação da consciência, o que a torna a porta de entrada para a compreensão

do conceito de Formação Cultural em Hegel. Sendo o conceito aí descrito

como um processo imanente, de cunho individual, através do qual toda e

qualquer consciência percorre um caminho de âmbito pedagógico,

possibilitando formar a si mesma na experiência do “Conhece-te a ti mesmo”.

Cada momento desse processo representou um nível de autoconscientização,

que ao fim torna o indivíduo em formação capaz de conhecer, ou melhor, o

capacita para realizar a ciência.

Nesse primeiro sentido, a posição hegeliana quanto a Formação Cultural

esteve pautada no estabelecimento das condições de possibilidade da própria

educação de si, sem as quais a mesma não poderia ocorrer em sua

efetividade. O conceito de Formação Cultural deve ser compreendido nesse

primeiro momento como um processo de autoconscientização que culmina na

apreensão do Saber Absoluto, apreendido como o adquirir de uma

competência para a atividade científica.

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Na verdade, Hegel afirmou na Fenomenologia que cada consciência,

através de uma experiência que lhe é própria, passa por um processo de

formação, mas que não cessa no adquirir dessa autoconsciência, pois

configura uma abertura dos indivíduos à prática científica.

A universalidade desse projeto da Fenomenologia foi confrontada com a

pragmaticidade enfrentada pelo filósofo em sua estadia em Nüremberg. Ao

estudar os escritos desse período fui levado a uma nova compreensão do

conceito de Formação Cultural, pautado nesse momento no currículo da

instituição escolar. A partir de seus Discursos sobre Educação, pude apreender

um conceito de Formação Cultural aplicável a um sistema escolar. Nesses

Discursos, Hegel toca estritamente em questões sobre a educação, pois é um

dos agentes da execução de um projeto educacional em plena vigência, ou

seja, não se trata de escritos sobre como deveria ser a Formação Cultural, mas

uma prestação de contas de como estava sendo realizada tal formação.

Segundo o parecer de Hegel, o institucionalizar a Formação Cultural

promove uma capacitação técnico-científica, sendo a escola uma das principais

instituições a fornecer às novas gerações os fundamentos necessários à

vivência da política, da ética e da estética – o tripé que sustenta as ações

humanas. Assim, o papel da escola é o de desenvolver as habilidades e

capacidades necessárias à vivência da Liberdade. Nesse momento, a

Formação Cultural assumiu na obra do filósofo uma perspectiva formal e

institucionalizada, a ser realizada do exterior para o interior – ainda que essa

ação exterior apenas sirva para “despertar” uma atitude interior de autocultivo.

Os indivíduos são influenciados por uma formação que lhes é oferecida a partir

do currículo escolar, contribuindo com a formação conjunta entre a sociedade e

a família.

A Formação Cultural institucionalizada na escola visa o homem

educado, apto para efetivar a Liberdade, objetivada no Estado composto por

homens livres – conscientes de suas necessidades, e, portanto, capazes de se

autolimitar. O sistema hegeliano encaminha para uma educação que procura

fazer com que o indivíduo não continue sendo algo subjetivo e vazio, mas que

se faça objetivo e pleno, o que o filósofo compreende como a efetivação da

ideia do direito.

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A vida sociopolítica implica a necessidade da cultura formal e, por

conseguinte, do nascimento das ciências, assim como de uma poesia e uma

arte culta em geral. Estas atividades humanas formais são cultivadas nas

escolas. Mas esse não é um percurso infinito, pois tem um fim, que é o voltar-

se para si mesmo. Daí a tese hegeliana de que todo indivíduo necessita

percorrer em sua formação distintas esferas, as quais fundamentam seu

conceito de espírito e se formam e desenvolvem cada uma por si,

independentemente, em uma determinada época. A educação escolar é, então,

a forma da cultura (Kultur) e o homem educado-formado é o que vive a

universalidade da cultura. Frente a essa concepção, a perspectiva hegeliana da

Formação Cultural assume uma perspectiva inovadora ao ser identificada ao

próprio processo histórico de formação humana.

Na Filosofia do Direito o conceito de Formação Cultural é historicizado,

pois se trata de um processo em execução: é um fato, não um projeto. Isso

implica na compreensão de sua perspectiva, não como formulação de uma

proposta educativa de âmbito meramente teórico, mas como descrição de um

processo educativo histórico. Assim, não prevê como deveria ser, pauta-se em

algo que é, ou seja, na Filosofia do Direito Hegel não “propõe” uma Formação

Cultural, na verdade, esse último sentido do conceito hegeliano de Formação

Cultural está no fato de ser a descrição de um processo que já se deu e está se

dando na história humana.

Não se esqueça de que Hegel formula um idealismo absoluto, sua

preocupação gira em torno da necessária apreensão de conceitos e princípios

que fundamentam a realidade, ou seja, as ideias – que são efetivas e, por isso,

apreendíveis. A educação possui, assim, uma meta, um fim, pois quem se

educa para algo se educa. Nessa perspectiva, a educação deve ser

compreendida como o processo de aquisição desses conceitos e princípios,

que capacitam e habilitam os indivíduos a relacionar-se com o mundo objetivo

e com seus pares, formando o cidadão (Citoyen).

Hegel compreende, de uma forma geral, a Formação Cultural como

processo de desenvolvimento humano137 que, desde a proposta kantiana do

137 Essa perspectiva fora trabalhada por N. Tubbs, em sua obra Education in Hegel, tomando por base três conceitos de educação no sistema hegeliano: Bildung, relacionado à proposta educacional da Fenomenologia, Entwicklung (Desenvolvimento – no sentido de progressão

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“sapere aude!” (ouse saber!), pressupõe a autonomia do indivíduo, além de

conhecimentos e valores verdadeiros, válidos e autênticos como detentores de

maior dignidade do que outros tipos de conhecimento e valores. Tal pretensão

é por demais criticada nos dias atuais, como fizera M. Borrelli (2010) ao

questionar se “Há algum sentido, hoje, falar de Bildung?”, pois a consideração

das condições históricas é um fator essencial para efetivação da Formação

Cultural. Nesse sentido, seu parecer, pautado nas propostas hermenêuticas de

Gadamer e Heidegger, é bastante pessimista. Sua argumentação é de que as

condições para que a Bildung defendida pelos pensadores antigos (Paidéia) e

modernos (Selbstbildung) não estão mais presentes em nosso momento

histórico, tornando-a hoje um projeto decadente.

As bases para que a mesma ocorra foram minados, a saber: o projeto

iluminista kantiano de um interesse intrínseco do homem pela razão

(selbstinteresse), fundamento de um projeto educacional que visa o autocultivo,

desmoronou na passagem da modernidade à contemporaneidade. O autor

elenca duas causas para esse fenômeno contemporâneo: uma 1) Causa

externa, que enfatiza o fenômeno de uma razão que fora tragada pela técnica e

pelo cientificismo, o que culminou em uma razão instrumental, e, além disso,

uma 2) Causa Interna, que descreve a perda das dimensões estética e moral

da razão, que tornaram, na contemporaneidade, inviável o projeto da Bildung

(cf. BORRELLI, 2010, 5-11).

Minha hipótese, ao contrário, é a de que esse conceito não perde seu

valor educativo com as variações histórico-sociais dos ideais da razão

moderna, ainda que as mesmas devam ser necessariamente consideradas ao

se propor uma educação fundada sob o conceito de Bildung, pois:

A necessária historicização e contextualização do conceito de razão e suas implicações no campo das teorias da aprendizagem, todavia, não significa uma renúncia da própria ideia de fundamentação e, muito menos, da importância de se pensar o processo educacional do

dialética), relacionada ao telos inerente ao desenvolvimento das ideias na Historia da Filosofia, e Aufhebung (convenientemente traduzida pelo autor como Auto-re-formação), relacionada à dialética inerente ao próprio processo de desenvolvimento histórico das ideias, marcado por um retorno a si da ideia absoluta (cf. TUBBS, 2008, p. 43-50). Todos os três de suma importância ao sistema filosófico hegeliano, e expressam sua ideia de educação. No entanto, a opção realizada pelo autor, segundo minha interpretação, não deixa de ser um recurso didático para expor a ideia hegeliana de educação em seus diversos momentos, pois, ao se compreender a proposta hegeliana como sendo o próprio “processo formativo”, a própria ideia da Bildung traz em si os outros dois conceitos em sua efetivação, opção que será por mim assumida no decorrer da tese.

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homem baseado na ideia de uma formação geral (Bildung), que leve em conta o desenvolvimento de diversas potencialidades humanas, incluindo nelas o sentimento moral de respeito e reconhecimento do outro (DALBOSCO; EIDAM, 2009, p. 16).

Nesse sentido, Flickinger (2011, p. 160) chama atenção ao fato de Hegel

ter sido o iniciador de uma aproximação entre a formação dos indivíduos e o

contexto social no qual estavam inseridos, convertendo o projeto iluminista de

elevar o indivíduo a uma maioridade da razão a uma autoconscientização

enquanto ser social e político, o que Bakhurst (2011, p. 8-18) desenvolveu em

sua obra A Formação da Razão (The Formation of Reason) a partir da questão:

“O que a filosofia pode nos falar sobre como o espírito se produz na história?”.

Assim esclarece que o conceito de Formação Cultural assume a conotação de

ser um processo de socialização e politização. Tal formação deve conduzir o

indivíduo ao reconhecimento de si enquanto cidadão (citoyen) portador de uma

vontade consciente e livre.

Seguindo essa perspectiva, o conceito de Formação Cultural em Hegel

pode ser descrito como uma proposta para uma educação cidadã, ou seja, de

uma educação que capacite os indivíduos para a vida em suas dimensões

ética, estética138, social e política.

Minha hipótese é que Hegel compreende essa formação como algo que

vai muito além de um mero dever ser, ou seja, de uma regulação subjetiva da

vida social, externa ao indivíduo, pois a compreendia como sendo algo próprio

da condição humana, manifestação do espírito absoluto no mundo, ou seja, a

Formação Cultural seria algo fático, um processo inalienável ao ser humano.

Teria Hegel razão?

Apreender-se como ser pensante significa, para o filósofo, ser capaz de

compreender não apenas a si, mas ao mundo forjado por si e para si, o mundo

138 Para Hegel, a Bildung só está completa quando acompanhada de uma erudição estética, ou seja, de uma erudição em arte, uma apreensão da historia da arte. A beleza, segundo Hegel, é um produto da subjetividade e da historia (cf. HERNANDEZ, 2009, p. 78). E esse elemento estético da formelle Bildung tem sua representação na mais sublime das artes, a poesia: “A poesia adquire uma dignidade superior por se tornar, de novo, no fim o que era no começo – mestra da humanidade; pois que deixa de haver filosofia, história, só a arte poética sobrevirá a todas as restantes ciências e artes” (HEGEL, 2009, p. 5). Tal formação estética é desencadeada, segundo Werle (2005, p. 19), pela união entre sensível e supra-sensível que ocorre em seu interior, ou seja, na própria formação ou produção poética. No entanto, não desenvolverei no decorrer da tese uma discussão mais aprofundada sobre a função da arte na Bildung, limitando-me a citá-la como uma das aptidões desenvolvidas pelo indivíduo formado. Para maiores informações sobre o tema, cf. WERLE, 2009; GONÇALVES, 2001; LUQUE, 1988.

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da cultura, ou da vida. A realidade possui uma lógica, uma estrutura que se

identifica com o próprio ato de pensar, por isso a experiência da consciência se

identifica com o caminho (pedagógico) que a consciência trilha na apreensão

de si mesma, findando por adquirir o Saber Absoluto, condição para

compreender e atualizar o real. Tal caminho fora descrito na Fenomenologia e

objetivado em uma teoria da educação aqui esboçada, derivada de sua

experiência em Nüremberg e interpretada a partir de seus Discursos. Assim,

sua filosofia subjetiva fundamenta uma proposta objetiva, na qual se consolida

seu ideal histórico de Formação Cultural enquanto apreensão da lógica

sociopolítica da vida humana. Sua Filosofia do Direito descreveu o

desenvolvimento do espírito absoluto, objetivado na história e na cultura

humana, ou seja, descreveu o trajeto educacional do homem em sua história.

O espírito entra em si e faz-se para si objeto; e a direção do seu pensar fornece-lhe imediatamente forma e determinação do pensamento. Este atuar que, do conceito em que [o espírito] se apreendeu e ele próprio é, desta sua cultura, deste seu ser, de novo dele separado, fez o seu objeto e a que novamente aplicou a sua atividade, prossegue na formação do anteriormente formado, dá-lhe mais determinação, torna-o mais definido, mais elaborado e mais profundo. Cada época tem antes de si uma outra e é uma elaboração da mesma e, justamente por isso, uma cultura mais elevada (HEGEL, 2012, p. 63).

Sendo filho de seu tempo, apreendeu o espírito de seu tempo, expondo

uma figura da vida que se tornou velha, pintando seu cinza sobre cinza – a

atitude própria do filósofo. Sua compreensão de que a Formação Cultural

expressa em seu ideal o próprio progresso da humanidade na história, faz

pensar. A história é uma construção humana, pois só o homem “faz historia” e

transmite-a as gerações futuras, se tornando um ser de cultura. O que lhe

permite essa exclusividade é certa contingência de seus atos, que acabam

“valorizados” por suas consequências como bons ou maus, virtuosos ou

viciados. A compreensão de que as ações humanas impõem uma

responsabilidade ao agente – pois o homem é sempre o motor da ação, como

afirma Aristóteles, e o homem é responsável por sua paixão, como afirma

Sartre – demarcam o campo da ética, e desencadeia a questão da Liberdade

na história humana.

Deduz-se daqui que, sendo a história o âmbito da liberdade, e, sendo a

Formação Cultural o processo histórico de desenvolvimento humano, a mesma

pode ser compreendida como processo de efetivação da Liberdade. Na

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verdade, Hegel a pensa dessa forma, o que me permitiu compreender a

Formação Cultural como um ideal que perpassa todo seu sistema filosófico. A

proposta hegeliana de Formação Cultural assume, assim, um das tarefas

fundamentais da vida humana: desenvolver e assegurar a Liberdade. O que

dota sua proposta formativa de universalidade e atualidade únicas.

Deduz-se da proposta hegeliana que uma proposta formativa autêntica e

verdadeira deve a) estar centrada no ser humano e seus direitos, deve b)

promover a justiça social, deve c) preparar para a participação política, deve d)

capacitar para a participação econômica (trabalho), e deve findar na e)

obtenção da autonomia/liberdade, concedendo a cidadania aos indivíduos.

Realizar um projeto educacional de teor hegeliano não é algo que está

em questão aqui, apreendê-lo para que seja uma fundamentação teórica a uma

proposta efetiva de educação é o que se objetiva. Constituir um projeto

educacional que realize a mencionada “transformação pela educação” –

entenda-se a passagem a uma segunda natureza, visando a formação de

cidadãos (citoyens) – corresponde a apropriação de determinadas concepções

filosófico-educacionais que põem a formação humana no centro de suas

reflexões. Nesse sentido, o conceito de Formação Cultural em Hegel atua

como uma formação teórica que, na apreensão dos conceitos e princípios da

realidade, fundamentam, por sua vez, uma formação prática, ou melhor, um

agir ético e político.

Nesse sentido, ao compreender a formação como o apreender dos

conceitos e princípios necessários para a Eticidade, a Formação Cultural em

Hegel surge como uma das rochas em que a educação pode estabelecer seus

alicerces, assumindo o preceito de que:

O trabalho teórico [...] tem maior incidência no mundo que o prático; se se revoluciona primeiramente o reino das representações, a realidade não permanece a mesma (HEGEL, 1962, p. 229).

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REFERÊNCIAS No decorrer da tese opto por, sempre que possível, trabalhar com as versões portuguesas da obra de Hegel, realizando, quando creio ser necessário, adaptações, ou mesmo inclusões de termos no original alemão entre parênteses nos casos polêmicos. No intuito de dirimir as dúvidas na leitura dos textos hegelianos, utilizei versões em inglês, espanhol, italiano e francês para cotejar o original alemão, motivo pelo qual apresento nas referências abaixo as demais versões, por mim pesquisadas, na leitura e interpretação da obra hegeliana.

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