tese elio pantoja para o trabalho de sociologia do desenvolvimento

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO ELIO DE JESUS PANTOJA ALVES REPERTÓRIOS E ARGUMENTOS DA MOBILIZAÇÃO POLÍTICA: um estudo sobre o Movimento Reage São Luís em São Luís-MA Rio de Janeiro Outubro de 2014

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Esta tese está inserida na temática dos conflitos socioambientais e tem como objeto a experiência de mobilização política de povoados rurais localizados na Zona Rural II do município de São Luís do Maranhão, nas proximidades do Complexo Portuário de São Luís. Analisa o movimento de reação política de dois dos doze povoados rurais afetados em 2004 e 2005 pelo processo de tentativa de instalação do Polo Siderúrgico de São Luís, iniciativa do governo estadual, em parceria com a Companhia VALE. Focaliza especialmente as experiências dos povoados do Taim e do Rio dos Cachorros como unidades de observação, identificando lideranças que tomaram a iniciativa no sentido de contraposição ao projeto e protagonizaram a reação política que transcendeu o âmbito local. Neste sentido, o estudo reconstrói o processo de “dessingularização” que gerou a reação política descrevendo as alianças com organizações da sociedade civil: movimentos, entidades e Igrejas, enfatizando também a interlocução com órgãos governamentais ligados à esfera ambiental. A análise se volta para o processo de territorialização, permeado por relações de poder sobre o território em disputa, tendo como exemplo, a proposta de instalação da Reserva Extrativista de Tauá-Mirim. Considera os repertórios de ações coletivas, acumulados desde os anos de 1980, que contribuíram para a formação do Movimento Reage São Luís e descreve as formas de ação e os argumentos a partir de três campos: “político”, “científico” e “ jurídico”. Foram analisadas 19 entrevistas prestadas por membros do Reage São Luís, com líderes comunitários e com outros atores políticos importantes. Foram analisadas também Atas de Audiências Públicas, documentos diversos e matérias de jornais sobre a instalação do polo siderúrgico e sobre as ações do Reage São Luís. Procurou-se dar visibilidade às formas de mobilização política dos atores locais e suas intervenções que revelam a importância crucial que tem a experiência doMovimento Reage São Luís na constituição de espaços públicos de participação política e no debate socioambiental

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Page 1: Tese Elio Pantoja Para o Trabalho de Sociologia Do Desenvolvimento

UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO

ELIO DE JESUS PANTOJA ALVES

REPERTÓRIOS E ARGUMENTOS DA MOBILIZAÇÃO POLÍTICA:

um estudo sobre o Movimento Reage São Luís em São Luís-MA

Rio de Janeiro

Outubro de 2014

Page 2: Tese Elio Pantoja Para o Trabalho de Sociologia Do Desenvolvimento

ELIO DE JESUS PANTOJA ALVES

REPERTÓRIOS E ARGUMENTOS DA MOBILIZAÇÃO POLÍTICA:

um estudo sobre o Movimento Reage São Luís em São Luís-MA

Tese de Doutorado apresentada ao Programa de

Pós-graduação em Sociologia e Antropologia

do Instituto de Filosofia e Ciências Sociais da

Universidade Federal do Rio de Janeiro, como

requisito parcial à obtenção do título de Doutor

em Ciências Humanas (Sociologia).

Orientadora: Profa. Dra. Neide Esterci

Rio de Janeiro

Outubro de 2014

Page 3: Tese Elio Pantoja Para o Trabalho de Sociologia Do Desenvolvimento

Alves, Elio de Jesus Pantoja.

Repertórios e argumentos da mobilização política: um

estudo sobre o Movimento Reage São Luís em São Luís-MA.

Rio de Janeiro: UFRJ/IFCS, 2014.

xviii, 190f.:il.; 31cm.

Orientador: Neide Esterci

Tese (Doutorado) – UFRJ/ Instituto de Filosofia e Ciências

Humanas/ Programa de Pós-graduação em Sociologia e

Antropologia, 2014.

Referências Bibliográficas: f. 207-218.

1. Conflitos Socioambientais. 2. Povoados Rurais.

3. Territorialização. 4. Reage São Luis. I. Alves, Elio de Jesus

Pantoja. II. Universidade Federal do Rio de Janeiro, Instituto de

Filosofia e Antropologia, Programa de Pós-graduação em

Sociologia e Antropologia. III.Título.

Page 4: Tese Elio Pantoja Para o Trabalho de Sociologia Do Desenvolvimento

ELIO DE JESUS PANTOJA ALVES

REPERTÓRIOS E ARGUMENTOS DA MOBILIZAÇÃO POLÍTICA:

um estudo sobre o Movimento Reage São Luís em São Luís-MA

Orientadora: Profa. Dra. Neide Esterci

Tese de Doutorado apresentada ao Programa de Pós-graduação em Sociologia e Antropologia

do Instituto de Filosofia e Ciências Sociais da Universidade Federal do Rio de Janeiro, como

requisito parcial à obtenção do título de Doutor em Ciências Humanas (Sociologia).

Aprovada em:

Banca Examinadora:

______________________________________________

Profa. Dra. Neide Esterci (Orientadora) – PPGSA/UFRJ

___________________________________________________

Prof. Dr. José Ricardo Garcia Pereira Ramalho – PPGSA/UFRJ

____________________________________________________

Prof. Dr. Horácio Antunes de Sant`Ana Júnior – PPGCS/UFMA

____________________________________________________

Prof. Dra. Annelise Caetano Fraga Fernandez – PPGCS/UFRRJ

____________________________________________________

Prof. Dr. Rodrigo Salles Pereira dos Santos – UFRJ

______________________________________

Prof. Dr. André Botelho – PPGSA/UFRJ (Suplente)

_________________________________________

Profa. Dra. Eliane Cantarino Odwyer – PPGA/UFF (Suplente)

Rio de Janeiro

Outubro de 2014

Page 5: Tese Elio Pantoja Para o Trabalho de Sociologia Do Desenvolvimento

Aos meus pais, Antonio Lino (in memoriam)

e à minha mãe Zuleide Pantoja, por tudo que

tem me ensinando.

Page 6: Tese Elio Pantoja Para o Trabalho de Sociologia Do Desenvolvimento

AGRADECIMENTOS

Agradeço à Deus e aos guias espirituais que me ajudaram a trilhar este caminho. À

minha orientadora, Prof. Dra. Neide Esterci que desde os primeiros momentos de minha

inserção no PPGSA aceitou-me como orientando. Durante estes anos de pesquisa tive a

oportunidade ímpar de lhe ouvir e de aprender com suas experiências e suas orientações sempre

muito preciosas durante nossos encontros e na escrita da tese. Muito obrigado Professora Neide!

Agradeço também aos Professores do PPGSA, em especial, ao Prof. Dr. José Ricardo Ramalho,

Prof. Dr. André Botelho, Prof. Dr. Michel Misse, Prof. Dr. Luiz Antonio Machado, e também

aos professores Dr. Alexandre Werneck, Dra. Joana Vargas e Dr. Bernardo Ricupero. Durante

as disciplinas ministradas por estes professores com temáticas diferentes da temática de minha

tese tive a oportunidade de aprofundar no conhecimento sociológico e também de conhecer

importantes autores e de participar das discussões de sala de aula que só enriqueceram a minha

formação.

Agradeço também aos funcionários da Secretaria do Programa do PPGSA, obrigado

Angela, Verônica, e em especial, a Cláudia pela simpatia, pela receptividade e simplicidade em

resolver os problemas nos momentos de dificuldades.

Ao Programa Nacional de Cooperação Acadêmica - Novas Fronteiras (PROCAD-

NF 21/2009), por meio do Projeto de Pesquisa: Territórios Emergentes da Ação Pública Local

e Desenvolvimento Sustentável na Amazônia Brasileira, coordenado pela Profa. Dra. Neide

Esterci e pelo Prof. Dr. Horácio Antunes. Por meio das atividades deste programa, pude expor

meu projeto e obter valiosas contribuições, realizando também “Missões de Estudo” contando

com apoio financeiro para viagens de estudos e de pesquisa de campo. Agradeço à Coordenação

de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – CAPES, pelo financiamento da Bolsa

Prodoutoral durante os primeiros 18 meses de estudo e também, à Fundação de Amparo à

Pesquisa e ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico do Maranhão – FAPEMA, pela Bolsa

de Doutorado Fora do Estado do Maranhão que me possibilitou permanecer por mais tempo no

Rio de Janeiro para cursar disciplinas do PPGSA como ouvinte até o primeiro semestre de 2013,

permitindo também encontros mais frequentes com minha orientadora.

Ao Professor Dr. Rafael Lima que no Rio de Janeiro me passou vários documentos

de pesquisa sobre o Movimento Reage São Luís. Desse material obtive importantes

informações oficiais do Governo do Maranhão sobre a instalação do polo siderúrgico. Agradeço

também à Prof. Dra. Annelise Fernandez da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro –

UFRRJ pelas contribuições a esta pesquisa durante a Qualificação e nas reuniões de estudos no

Page 7: Tese Elio Pantoja Para o Trabalho de Sociologia Do Desenvolvimento

IFCS. Ao Advogado e militante do Reage São Luís José Guilherme Zagallo, por ter me recebido

em seu escritório e me prestado riquíssimas informações, além de todo material que me passou

de seus arquivos pessoais sobre o Reage São Luís.

Aos colegas do Grupo de Estudos: Desenvolvimento, Modernidade e Meio

Ambiente da Universidade Federal do Maranhão – GEDMMA. Agradeço ao Professor e amigo

Bartolomeu Rodrigues, por me incentivar na pesquisa sobre a situação dos moradores da Zona

Rural II de São Luís, à Maiâna, ao Josemiro e ao Magno pela ajuda e pela agradável companhia

na pesquisa de campo. Foi por meio do GEDMMA que pude elaborar minha proposta de

pesquisa resultando nesta tese. Em especial agradeço ao amigo e Professor Dr. Horácio Antunes

pela ajuda na pesquisa, pela sua disponibilidade mesmo com tantas atividades acadêmicas a

cumprir. Agradeço suas sugestões, críticas, além de sua paciência e o seu apoio nos momentos

de dificuldades. Depois da tese, junto com este Grupo terei novos desafios de pesquisa pela

frente, e eles serão bem vindos. Muito obrigado professor Horácio e todos os amigos do

GEDMMA!

À Universidade Federal do Maranhão (UFMA), especialmente ao Departamento

de Sociologia e Antropologia pelo empenho para que o meu processo de afastamento fosse

possível durante o doutorado. À todos os colegas professores do Departamento e à UFMA

agradeço pela oportunidade que me foi dada.

Agradeço aos líderes dos povoados da Zona Rural II de São Luís, ao Alberto

Cantanhede, o “Beto do Taim”, à D. Maria Máxima, ao Cloves, ao Jean e à Rosana pela

receptividade, disposição e gentileza em ajudar na pesquisa. Agradeço também à todas as

lideranças que entrevistei. Espero que este trabalho possa ser um instrumento de luta política

em busca da dignidade e da justiça social.

À Carolina, minha companheira e amiga, ao Angelo, meu filhote pela paciência e

companheirismo. Peço desculpas pela minha “distância” em alguns momentos. Sempre

juntinhos, na alegria e nos momentos de dificuldades que a vida nos apresenta. Obrigado

Sheyla, Cláudio, D. Marlene, seu Nonato, Pirão, Silvana, Marlene e Fernandes pela força em

São Luís.

Aos amigos Rafael Gaspar pela leitura e crítica aos primeiros capítulos da tese, à

Mariana Teixeira e à Lícia e à Roberta pelas “intervenções pedagógicas” com o Angelo. Não

tem jeito, agora vocês são “tias” dele para sempre!

Ao meu irmão Zeca por tudo que fez para que ficássemos bem no Rio. À Carina,

à Isabelle e ao seu Heitor. Obrigado pelos momentos agradáveis dos fins de semana com vocês.

Page 8: Tese Elio Pantoja Para o Trabalho de Sociologia Do Desenvolvimento

Ao Igor e à Natália, pela companhia e pelas “conversas socioantropológicas” em casa e nos

botecos da Lapa. Ao primo querido Abinael que reencontrei depois de anos, pela companhia e

pelas longas e prazerosas conversas sobre literatura brasileira e claro, sempre relembrando de

nossa infância e de nosso “modo de vida” lá da Barreira, a “terrinha” querida e jamais

esquecida. Agradeço também ao Chico e à Ana, grandes amigos e ao André, à Jéssica, à Jeane.

À Liduína pela gentileza e ajuda no processo de aluguel do agradável apartamento em que

moramos no Rio. Por tudo que vocês fizeram por mim, muito obrigado!

À minha grande e querida família maranhense. Minha mãe, Zuleide Pantoja, meu

maior exemplo de educação, respeito, tolerância e principalmente meu exemplo de

compreensão da “diferença”. Sempre iluminando meus ideais, minhas dúvidas e minhas

convicções sobre a vida. Às minhas irmãs agradeço em especial à Mirian, pelos anos e anos de

ajuda durante a minha vida acadêmica quando estudante na saudosa Belém do Pará. Obrigado

pelo estímulo e pela credibilidade. À Socorro, Cleide e Regina e à Maria Amélia pelas energias

positivas para que eu concluísse este trabalho. Aos meus irmãos Zé Luís, Luís Antonio, Pedro

Jorge e Antonio Jorge, obrigado pelo afeto. Aos sobrinhos Fábio e Júnior, Naná e Rafaela pela

força em São Luís. À minha queridíssima sobrinha Lorena, a antropóloga da família, sempre

estimulando meu trabalho, ao Diego e ao Fabrício. Obrigado por fazerem parte de minha vida.

Agradeço também ao Fábio meu cunhado e ao amigo Márcio Cordeiro pelos pelas estadias

durante minhas vindas à São Luís para realização da pesquisa de campo. Ao Jonilton que está

sempre atento aos acontecimentos da “Família Pantoja Alves” para reinventá-las e nos divertir.

Todos vocês são muito importantes na minha vida.

A todos sou muito grato.

Elio Pantoja

São Luís, MA

Outubro de 2014.

Page 9: Tese Elio Pantoja Para o Trabalho de Sociologia Do Desenvolvimento

[...] Todo campo, o campo científico, por

exemplo, é um campo de forças e um campo

de lutas para conservar ou transformar esse

campo de forças [...]

Pierre Bourdieu

Page 10: Tese Elio Pantoja Para o Trabalho de Sociologia Do Desenvolvimento

RESUMO

Esta tese está inserida na temática dos conflitos socioambientais e tem como objeto a

experiência de mobilização política de povoados rurais localizados na Zona Rural II do

município de São Luís do Maranhão, nas proximidades do Complexo Portuário de São Luís.

Analisa o movimento de reação política de dois dos doze povoados rurais afetados em 2004 e

2005 pelo processo de tentativa de instalação do Polo Siderúrgico de São Luís, iniciativa do

governo estadual, em parceria com a Companhia VALE. Focaliza especialmente as

experiências dos povoados do Taim e do Rio dos Cachorros como unidades de observação,

identificando lideranças que tomaram a iniciativa no sentido de contraposição ao projeto e

protagonizaram a reação política que transcendeu o âmbito local. Neste sentido, o estudo

reconstrói o processo de “dessingularização” que gerou a reação política descrevendo as

alianças com organizações da sociedade civil: movimentos, entidades e Igrejas, enfatizando

também a interlocução com órgãos governamentais ligados à esfera ambiental. A análise se

volta para o processo de territorialização, permeado por relações de poder sobre o território em

disputa, tendo como exemplo, a proposta de instalação da Reserva Extrativista de Tauá-Mirim.

Considera os repertórios de ações coletivas, acumulados desde os anos de 1980, que

contribuíram para a formação do Movimento Reage São Luís e descreve as formas de ação e

os argumentos a partir de três campos: “político”, “científico” e “ jurídico”. Foram analisadas

19 entrevistas prestadas por membros do Reage São Luís, com líderes comunitários e com

outros atores políticos importantes. Foram analisadas também Atas de Audiências Públicas,

documentos diversos e matérias de jornais sobre a instalação do polo siderúrgico e sobre as

ações do Reage São Luís. Procurou-se dar visibilidade às formas de mobilização política dos

atores locais e suas intervenções que revelam a importância crucial que tem a experiência do

Movimento Reage São Luís na constituição de espaços públicos de participação política e no

debate socioambiental.

Palavras-chave: Conflitos Socioambientais, Povoados Rurais, Territorialização, Ações

Coletivas, Mobilização Política, Polo Siderúrgico, Reage São Luís.

Page 11: Tese Elio Pantoja Para o Trabalho de Sociologia Do Desenvolvimento

Résumé

Cette thèse est ancrée dans une thématique des conflits socio-environnementale et a comme

objet l’expérience de la mobilisation politique des villages ruraux qui vit dans la Zona Rural II

du municipe de São Luís, à la proximité du complexe portuaire de São Luís du Maranhão. Nous

analysons le mouvement de réaction politique des deux parmi douze villages ruraux affectés en

2004 et 2005 par le procès d’installation sidérurgique de São Luís, chantier du gouvernement

de l’état, en partenariat, avec la compagnie Vale. Nous focalisons spécialement à des

expériences du Taim et Rios dos Cachorros comme unités d’observation, en identifiant des forts

dirigeants qui ont pris l’initiative dans le sens de contraposition au projet et mis en scène la

réaction politique qui transcende le niveau local. En ce sens, l’étude reconstitue la

« désingularisation » qui a généré la réaction politique décrivant les alliances entre les

organisations de la société civile : mouvements sociaux, organisations civiles et églises,

soulignant également le dialogue avec les organismes gouvernementaux liés à la sphère

environnementale. L’analyse se tourne vers le processus de territorialisation, traversée par de

relation de pouvoir sur le territoire en confrontation, en prenant comme exemple, la proposition

d’installation de la Réserve extractive de Taua-Mirim. Nous considérons les répertoires

d’actions collectives, accumulés depuis les années 1980, qui ont contribué à la formation du

Mouvement Reage São Luís et décrit les formes d’action et des arguments de trois domaines :

« politique », « scientifique » et « juridique ». Nous avons 19 interviews données par les

membres de Reage São Luís, avec les dirigeants de la communauté et d’autres acteurs politiques

importants. Nous avons aussi analysé de procès-verbal, divers documents et coupure de presse

au sujet d’installation dans pole sidérurgique et des actions du groupe Reage São Luís.

Nous essayons donner visibilité aux manières de mobilisation politique des acteurs locaux et

leurs interventions qui témoignent de l’importance cruciale de l’expérience du mouvement

Reage São Luís dans les constitutions des espaces publics pour la participation politique et le

débat socio-environnemental.

Mots-clés : Conflits, socio-environnementaux, villages ruraux, territorialisation, les recours

collectifs, la mobilisation politique Polo acier, Reage São Luís.

Page 12: Tese Elio Pantoja Para o Trabalho de Sociologia Do Desenvolvimento

LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Figura 1 “Besta Fera”: imagem usada como símbolo de contestação pelo Comitê de

Defesa da Ilha nos anos 1980 50

Esquema 1 “Campos” acionados pelo Reage São Luís 114

Gráfico 1 Público mensal das atividades do Movimento Reage São Luís 123

Figura 2 Protesto pela anulação da Audiência Pública em dezembro de 2004 no

povoado Vila Maranhão 131

Figura 3 Associação de Bostrychia, Caloglossa e Catenella crescendo sobre Rizóforos

de Rhizophora Mangle 142

Figura 4 Manifestação dos povoados rurais e do Reage São Luís em Audiência Pública

na Vila Maranhão em 13 de dezembro de 2004 161

Page 13: Tese Elio Pantoja Para o Trabalho de Sociologia Do Desenvolvimento

LISTA DE MAPAS

Mapa 1 Localização do Complexo Portuário de São Luís-MA e sua integração com as

minas de ferro no sudeste do Estado do Pará através da Estrada de Ferro Carajás-

Itaqui da Companhia Vale 16

Mapa 2 Localização da área para instalação do polo siderúrgico de São Luís, em destaque

as Áreas de Influência Direta (AID) do empreendimento siderúrgico 59

Mapa 3 Planta Geral de Locação do Polo Siderúrgico de São Luís 61

Mapa 4 Limites das áreas sob influência das usinas do polo siderúrgico de São Luís 140

Mapa 5 Área proposta para a criação da RESEX de Tauá-Mirim (São Luís-MA) 189

Page 14: Tese Elio Pantoja Para o Trabalho de Sociologia Do Desenvolvimento

LISTA DE QUADROS

Quadro 1 Lista de entrevistados 32

Quadro 2 10 maiores siderurgias do mundo em 2003 56

Quadro 3 Reformulações no ordenamento territorial do Distrito Industrial de São Luís –

DISAL, entre 1974 e 2004 92

Quadro 4 Campo Sociopolítico: atores singulares 118

Quadro 5 Campo Sociopolítico: atores coletivos que compuseram o Movimento Reage

São Luís 120

Quadro 6 Público das atividades do Reage São Luís entre outubro de 2004 e julho de

2006 122

Quadro 7 Atividades de mobilização do Reage São Luís entre dezembro de 2005 e julho

de 2006 126

Quadro 8 Cronograma de Ações Estatais 128

Quadro 9 Cronograma de Resistência 129

Quadro 10 Povoados rurais que seriam deslocados para instalação do Polo Siderúrgico de

São Luís-MA (2004) 146

Quadro 11 Perfil da formação profissional da coordenação do Reage São Luís em 2004 148

Quadro 12 Comparação de impactos sociais e ambientais de projetos siderúrgicos entre

Vitória (ES) e São Luís (MA) 151

Quadro 13 Audiência Pública sobre Alteração do Zoneamento de São Luís (2004-2005) 162

Page 15: Tese Elio Pantoja Para o Trabalho de Sociologia Do Desenvolvimento

LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

ABAS Associação Brasileira de Águas Subterrâneas

ABDIB Associação Brasileira da Infra-Estrutura e Indústria de Base

ADA Área Diretamente Afetada

AGEMA Associação dos Geólogos do Maranhão

AI-5 Ato Institucional Número 5

AID Área de Influência Direta

Alcoa Companhia Americana de Alumínio

AMAVIDA Associação Maranhense para a Conservação da Natureza

AMZA Amazônia Mineração S/A

ASSACRE Associação Agrícola do Cristo Redentor

BID Banco Interamericano de Desenvolvimento

BNDES Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social

CAEMA Companhia de Saneamento Ambiental do Maranhão

CEBs Comunidades Eclesiais de Base

CEMOP Central de Movimentos Populares (CEMOP

CNPT Centro Nacional de Desenvolvimento Sustentado das Populações

Tradicionais

COPAMA Cooperativa de Pescadores Artesanais do Maranhão

CPT Comissão Pastoral da Terra

CUT Central Única dos Trabalhadores

DhESCA Plataforma Brasileira de Direitos Humanos, Econômicos, Sociais, Culturais e

Ambientais

DISAL Distrito industrial de São Luís

EIA-RIMAS Estudos e Relatório de Impacto Ambiental

EIV Estudo de Impacto de Vizinhança

EMAP Empresa Maranhense de Administração Portuária

Funasa Fundação Nacional de Saúde

GEDMMA Grupo de Estudos: Desenvolvimento, Modernidade e Meio Ambiente

GEIP Grupo Executivo para Implantação do Polo Siderúrgico

GTA Grupo de Trabalho Amazônico

IBAMA Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis

IIRSA Iniciativa para Integração da Infraestrutura Regional Sul-Americana

Page 16: Tese Elio Pantoja Para o Trabalho de Sociologia Do Desenvolvimento

IMARH Instituto Maranhense de Recursos Hídricos

IMCBio Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade

ITERMA Instituto de Terra do Maranhão

MONAPE Movimento Nacional de Pescadores

MST Movimento Sem Terra

NIMBY Not in my backyard

OAB Ordem dos Advogados do Brasil

ONGs Organizações Não-Governamentais

PAC Programa de Aceleração do Crescimento Econômico

PFC Projeto Ferro Carajás

PMDB Partido do Movimento Democrático Brasileiro

PSTU Partido Socialista dos Trabalhadores Unificados

PT Partido dos Trabalhadores

RBJA Rede Brasileira de Justiça Ambiental

RDS Reserva de Desenvolvimento Sustentável

RESEX Reserva Extrativista

SBPC Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência

SMDH Sociedade Maranhense de Direitos Humanos

SNUC Sistema Nacional de Unidade de Unidade de Conservação

UEMA Universidade Estadual do Maranhão

UFMA Universidade Federal do Maranhão

UNMP União Nacional por Moradia Popular (UNMP)

USIMAR Usina Siderúrgica do Maranhão

Page 17: Tese Elio Pantoja Para o Trabalho de Sociologia Do Desenvolvimento

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ..................................................................................................... 16

1 O “MEIO AMBIENTE” COMO QUESTÃO SOCIAL: trajetórias e

experiências de movimentos sociais de resistência à instalação de projetos

industriais em São Luís-MA ................................................................................. 40

1.1 Papel político das Comunidades Eclesiais de Base (CEBs) da Igreja Católica

e do Comitê de Defesa da Ilha .............................................................................. 44

2 DA “BESTA FERA” À PRETENSÃO DE “GIGANTES”: atores comerciais

globais e a instalação de uma siderúrgica em São Luís-MA ............................. 53

2.1 Polo Siderúrgico de São Luís: contexto e descrição do projeto ........................ 53

2.2 Atores sociais globais na disputa territorial para construção do polo

siderúrgico de São Luís ......................................................................................... 55

3 AÇÕES COLETIVAS DE CONTESTAÇÕES ACERCA DO POLO

SIDERÚRGICO DE SÃO LUÍS-MA .................................................................. 66

3.1 “Dessingularização”: elementos teóricos sobre o viés pragmatista das ações

coletivas .................................................................................................................. 68

3.2 Ações Coletivas: marcos teóricos e experiências de contestações acerca do

polo siderúrgico de São Luís (2004 e 2005) ......................................................... 73

3.3 O “Zoneamento” como processo de territorialização: o debate mobilizador

acerca do polo siderúrgico de São Luís ............................................................... 78

3.4 Link na formação de um movimento de contestação ......................................... 85

3.5 O papel político do Conselho da Cidade de São Luís na contestação à

proposta de alteração da Lei de Zoneamento de São Luís para viabilização

do polo siderúrgico ................................................................................................ 87

3.5.1 Entendendo o caso ................................................................................................. 90

3.6 O papel político da União Nacional por Moradia Popular (UNMP) ................ 93

3.7 O papel político das associações de moradores da Zona Rural de São Luís:

das unidades básicas de organização à formação de atores coletivos ............... 96

3.8 A “dessingularização” do Taim e do Rio dos Cachorros ................................... 97

4 O MOVIMENTO REAGE SÃO LUÍS: um perfil de um movimento social

contemporâneo....................................................................................................... 104

4.1 Caracterizando o Reage São Luís: repertórios da mobilização política,

argumentos científicos e jurídicos ........................................................................ 108

Page 18: Tese Elio Pantoja Para o Trabalho de Sociologia Do Desenvolvimento

4.1.1 O “Campo” sociopolítico: repertórios da mobilização política............................... 114

4.1.1.1 “Vaias e protestos marcaram a reunião para tratar da Lei de Zoneamento, Uso e

Ocupação do Solo da Zona Rural”: a Audiência Pública de 13 de dezembro de

2004 ......................................................................................................................... 129

4.1.2 O “Campo” Científico: argumentos técnico-científicos na disputa política

envolvendo a instalação do polo siderúrgico de São Luís....................................... 134

4.1.2.1 Os estudos preliminares do Governo do Maranhão e da Companhia Vale do Rio

Doce......................................................................................................................... 137

4.1.2.2 Reage São Luís - argumentos científicos de contestação ao polo siderúrgico ....... 144

4.1.3 O Campo Jurídico .................................................................................................... 153

4.1.3.1 As ações estatais ...................................................................................................... 154

4.1.3.2 Ações do Reage São Luís......................................................................................... 155

4.1.3.3 Relatos de intervenções em audiências públicas .................................................... 159

5 PROPOSTAS ANTAGÔNICAS: a Reserva Extrativista de Tauá-Mirim

versus Polo Siderúrgico ......................................................................................... 176

5.1 A RESEX de Tauá-Mirim: reviravolta na arena política local do meio

ambiente? ............................................................................................................... 180

6 CONCLUSÃO ....................................................................................................... 193

REFERÊNCIAS .................................................................................................... 207

Page 19: Tese Elio Pantoja Para o Trabalho de Sociologia Do Desenvolvimento

16

INTRODUÇÃO

Este trabalho analisa o processo de reação política por parte de moradores da Zona

Rural do município de São Luís-MA que, em 2004, organizados em suas associações se aliaram

a outras organizações sociais de São Luís compondo um movimento mais amplo de resistência

à instalação de um polo siderúrgico, de iniciativa da Companhia Vale1 e do Governo do

Maranhão, a ser implantado no entorno do Complexo Portuário de São Luís2 (ver Mapa 1), em

área definida legalmente, segundo o Plano Diretor do município de São Luís, como Zona Rural

II.

Mapa 1 – Localização do Complexo Portuário de São Luís-MA e sua integração com as minas

de ferro no sudeste do Estado do Pará através da Estrada de Ferro Carajás-Itaqui da

Companhia Vale.

Fonte: http://appweb2.antt.gov.br/concessaofer/efc/mapa_efc.asp

Trata-se de uma análise da reação política de atores locais em confronto com forças

econômicas e políticas de agentes econômicos e políticos externos muito mais poderosos e com

poder de manobra desproporcional ao dos habitantes daqueles pequenos “povoados rurais”.

1 A Vale é uma empresa brasileira privada de capital aberto desde 1997, quando foi privatizada. É a maior

produtora de minério de ferro do mundo e a segunda maior de níquel, produzindo também cobre, carvão,

manganês, ferro-liga, fertilizantes, cobalto e metais do grupo da platina. Atua também no setor de Logística,

Siderurgia, Energia e Fertilizantes. Está presente em 37 países, possui acionistas distribuídos em todos os

continentes e tem ações nas bolsas de São Paulo, Nova York, Hong Kong, Paris e Madrid. Até 2008 era

denominada Companhia Vale do Rio Doce quando passou a usar o nome Vale; é a maior empresa do Brasil em

volume de exportações. Foi criada em 1942, no governo Getúlio Vargas. (VALE, c2012). 2 O Complexo Portuário de São Luís é formado por três portos: Porto de Itaqui (administrado pela estatal estadual

Empresa Maranhense de Administração Portuária – EMAP), Ponta da Madeira (pertencente à Cia. Vale) e Porto

da Alumar (pertencente ao Consórcio de Alumínio do Maranhão, formado pelas empresas Alcoa, BHP Billiton e

Rio Tinto Alcan). Está localizado na baía de São Marcos, a 11 km do centro de São Luís, capital do Maranhão.

Page 20: Tese Elio Pantoja Para o Trabalho de Sociologia Do Desenvolvimento

17

Entre estes agentes externos estão, para citar apenas os principais, a Companhia Vale, em

parceria com a maior siderúrgica chinesa, a Baosteel Shanghai Group Corporation, além de

empresas como a siderúrgica francesa Arcelor, a sul-coreana Pohang Steel Company-Posco, a

alemã ThyssenKrupp, até então em processo de negociação, além do próprio governo brasileiro,

interessado na viabilidade do projeto.

O presente trabalho está centrado na análise dos seguintes pontos: os repertórios de

mobilização de lideranças e das organizações comunitárias da Zona Rural de São Luís, as

estratégias e as alianças construídas com outras entidades de São Luís. Procura analisar, assim,

a constituição do movimento, seus mecanismos de compartilhamento de interesses, as alianças

e coalizões que se formaram no confronto aos agentes representantes do empreendimento

siderúrgico e as forças que se aliaram aos povoados rurais.

Procura também mostrar que, entre as reivindicações do movimento de resistência

ao polo, encontram-se reivindicações de outras formas de uso social dos territórios. A primeira

destas reivindicações foi o pedido de instalação de uma reserva extrativista - a RESEX de Tauá-

Mirim, na mesma região onde o polo seria instalado. A reivindicação da instalação da RESEX,

entretanto, é anterior ao debate sobre o polo siderúrgico e, com a perspectiva de o

empreendimento ser viabilizado, a mobilização em defesa da RESEX foi retomada. De fato,

desde 1996, já havia um acúmulo de discussões sobre o projeto da RESEX, sendo que a

solicitação oficial para sua instalação foi feita em agosto de 2003. Era, portanto, uma discussão

anterior ao debate sobre a instalação do polo siderúrgico e que foi incorporada ao processo de

resistência. Uma segunda reivindicação surgiu mais recentemente, em 2012, encampada pelo

Movimento de Pescadores e Pescadoras Artesanais: trata-se do Projeto de Lei de Iniciativa

Popular Sobre Território Pesqueiro (MOVIMENTO DOS PESCADORES E PESCADORAS

ARTESANAIS, 2002). As reivindicações de uso social dos territórios se constituem como

instrumentos de luta política e estratégia de ação política na busca de reconhecimento da

população local no sentido de garantir direitos de permanência nas áreas que têm sido alvo de

políticas de zoneamento industrial.

A pesquisa documental refere-se principalmente às atividades desenvolvidas pelo

movimento de resistência, o Reage São Luís contra à instalação do polo siderúrgico entre 2004

e 2005, notando-se a adesão de pelo menos 40 entidades de São Luís e de outras organizações

nacionais conectadas à rede de Movimentos e de instituições nacionais e internacionais.

Considera, entretanto, também as experiências dos movimentos de resistência dos anos de 1980,

principalmente, movimentos que se constituíram para resistir à instalação de uma grande fábrica

de alumínio da Companhia Americana de Alumínio (Alcoa). Esses movimentos do passado

Page 21: Tese Elio Pantoja Para o Trabalho de Sociologia Do Desenvolvimento

18

serão analisados como parte dos repertórios de mobilização acionados no debate sobre polo

siderúrgico, pois, nas mobilizações contra o polo siderúrgico, em 2004, os testemunhos dos

anos de 1980 se fizeram presentes, trazendo ao público a memória daquela época quanto às

consequências sociais e ambientais da instalação do polo para a cidade de São Luís. As lutas

dos anos de 1980 tiveram forte influência das Comunidades Eclesiais de Base (CEBs) da Igreja

Católica e do Comitê em Defesa da Ilha, atores coletivos fundamentais nas mobilizações

daquele período.

Desenvolvimento da temática e construção do objeto

É ainda restrita, embora crescente, a produção acadêmica sobre as maneiras pelas

quais os grupos sociais locais reagem às forças econômicas que vêm se instalar na Amazônia e

os constrangem, em vários sentidos econômicos, sociais e políticos. No contexto da expansão

do desenvolvimento capitalista recente, em que grandes empreendimentos se instalam nos

territórios ocupados historicamente por estes grupos sociais. É, portanto, na perspectiva de

compreender e dar visibilidade às formas de “confrontação” como diria (OLIVIER DE

SARDAN, 1997), destes grupos com os novos ocupantes, que o objeto e a problemática deste

estudo estão situados.

Procuro mostrar, no entanto, que este processo de confrontação, não pode ser

compreendido sem que se leve em conta as circunstâncias e as conjunturas que se configuram

como estruturas de oportunidades que resultaram de enfrentamentos políticos anteriores,

sobretudo, dos chamados “ciclos de protestos pela redemocratização” (DOIMO, 1995;

ALONSO; COSTA; MACIEL, 2008), que dinamizaram e descentralizaram, em alguma

medida, os processos de tomada de decisão política. Os “ciclos de protestos” (exemplificados

pelas diferentes formas de manifestação, tais como as passeatas, teatro popular, etc.), não raro,

reprimidos fortemente pelo aparelho repressivo estatal, trouxeram à cena política, segmentos

sociais da sociedade brasileira historicamente excluídos e referidos na literatura como

“movimentos populares” (DOIMO, 2005) e pensados como representativos de “novos sujeitos

coletivos”. Neste cenário foi construída uma série de canais e instrumentos institucionais de

participação das pessoas, grupos sociais, organizações, e de novos canais de interlocução entre

a esfera estatal e da sociedade, ampliando os espaços públicos de debate e confronto. Numa

visão panorâmica, esse processo transcorre num longo período que se inicia nos anos de 1970

com os “movimentos populares” (DOIMO, 1995) e prossegue após os anos de 1990, trazendo

ao centro da cena da “sociedade civil” brasileira, novas experiências democráticas, por meio

Page 22: Tese Elio Pantoja Para o Trabalho de Sociologia Do Desenvolvimento

19

das manifestações e da construção de “consciências reivindicativas” (TELLES, 1994). Um dos

exemplos importantes destes dispositivos institucionais criados após a Constituição Federal de

1988 é o Estatuto da Cidade3, acionado pelas organizações da sociedade civil de São Luís, como

um instrumento importante de questionamento à viabilização legal do polo siderúrgico.

A temática da tese se insere, portanto, no debate socioambiental, e remete à

compreensão desse debate por duas vias processuais: a primeira, compreendendo este termo,

como indicativo de um processo de inserção da problemática ambiental nas rotinas de

mobilizações de associações surgidas concomitantes às lutas pela redemocratização nos anos

de 1970, como sugerem Alonso, Costa e Maciel (2008, p. 29) “[...] quando a definição do

problema ambiental passa das ciências naturais para as ciências humanas, com ênfase na relação

entre processos sociais e naturais”; a segunda via, remete às preocupações ambientais que

levaram os estudiosos a denominarem o processo de incorporação do meio ambiente na política,

como “ambientalização”, “[...] um neologismo semelhante a alguns outros que têm sido usados

nas ciências sociais para designar novos fenômenos, ou novas percepções dos fenômenos”

(LOPES, 2004, p. 17). Tal como os termos “industrialização” e “proletarização”, enquanto

fenômenos surgidos no Século XIX, a “ambientalização”, seria também, para Lopes (2004), um

novo fenômeno da atualidade.

A questão ambiental como problemática sociológica tem sido pensada a partir de

dois acontecimentos importantes: a Conferência da ONU sobre Meio Ambiente, ocorrida em

Estocolmo em 1972, que indica um primeiro recorte temporal no processo de consideração do

“meio ambiente” como uma “questão global”, incorporada pelos governos e pelas instituições

internacionais (LOPES, 2004) e a Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e

Desenvolvimento, ocorrida no Rio de Janeiro em 1992, 20 anos após a Conferência de

Estocolmo, que resultou na elaboração da “Agenda 21”, um documento assinado por

representantes de 170 países, propondo formulações e diretrizes para o “desenvolvimento

sustentável”. (MELLO, 2006). No Brasil, este último evento ganhou uma importância

significativa pelo fato de ter gerado um processo de mobilização dos governos estaduais e

municipais quanto às orientações e diretrizes da “Agenda 21”.

O processo histórico de “ambientalização” implicou, simultaneamente,

transformações importantes no âmbito das agências institucionais do meio ambiente, entre os

anos de 1970 e o final do século XX. As instituições resultantes dessas transformações se

3 “Art. 182. A política de desenvolvimento urbano, executada pelo Poder Público municipal, conforme diretrizes

gerais fixadas em lei, tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir

o bem-estar de seus habitantes”. (BRASIL, 1988).

Page 23: Tese Elio Pantoja Para o Trabalho de Sociologia Do Desenvolvimento

20

consolidaram principalmente a partir de meados dos anos de 1980, quando ocorreram mudanças

significativas também no comportamento das pessoas com relação aos problemas ambientais,

a exemplo das iniciativas de educação ambiental e de participação política ambiental.

Ainda com relação ao “fenômeno da ambientalização”, a literatura sobre o tema

considera que no Brasil ele é gerador de novas formas de conflito - os “conflitos ambientais”,

que podem ser produzidos quando pelo menos um dos grupos em questão tem a continuidade

das suas formas sociais de produção e de apropriação do meio, ameaçada. Quer dizer, remetem

mais diretamente aos impactos indesejáveis provocados por processos de industrialização que,

no caso deste estudo, estão ligados à cadeia de produção mínero-metalúrgica.

Configuram-se, portanto, situações em que o desenvolvimento destas práticas

compromete, por seus efeitos, a manutenção de práticas de reprodução de outros setores sociais

(ACSELRAD, 2004). Conforme aponta Acselrad (2004, p. 26), esse tipo de conflito,

frequentemente, envolve:

[...] Grupos sociais com modos diferenciados de apropriação, uso e significação do

território, tendo origem quando pelo menos um dos grupos tem a continuidade das

formas sociais de apropriação do meio que desenvolvem, ameaçada por impactos

indesejáveis [...] decorrentes do exercício de práticas de outros grupos. O conflito

pode derivar da disputa por apropriação de uma mesma base de recursos ou de bases

distintas, mas interconectadas por interações ecossistêmicas mediadas pela atmosfera,

pelo solo, pelas águas etc.

Tais conflitos têm sido classificados podem ser classificados da seguinte forma:

“conflitos ambientais distributivos” - indicando as graves desigualdades sociais no acesso e uso

de recursos naturais; e “conflitos ambientais espaciais” – referentes a efeitos ou impactos

ambientais que atingem os territórios de outros agentes ou grupos sociais, como são, por

exemplo, aqueles causados pelas emissões gasosas e poluição das águas; e “conflitos ambientais

territoriais” – que é o caso em que há “sobreposição de reivindicações” por seguimentos sociais

distintos sobre um mesmo recorte espacial (ZHOURI; LASCHEFSKI, 2010).

Os conflitos assinalados são também fruto da percepção e da interpretação dos

atores sociais sobre a conjuntura na qual estão imersos na medida em que eles os transformam

em problemas e os formulam publicamente. Leite Lopes (2004), baseado em estudos de caso

no Rio de Janeiro, Minas Gerais e Argentina, sugere analisar as percepções da poluição como

“processo social” partindo de três momentos ou dimensões. Um primeiro momento seria de

“naturalização”, ou seja, de incorporação no cotidiano dos efeitos da poluição sendo tais efeitos

atribuídos a uma funcionalidade da “ideologia desenvolvimentista” (LEITE LOPES, 2004).

Neste momento a coletividade afetada não problematiza a situação. Um segundo momento seria

de “desnaturalização”, quando os afetados apresentam algum nível de “estranhamento” e se

Page 24: Tese Elio Pantoja Para o Trabalho de Sociologia Do Desenvolvimento

21

manifestam com relação aos riscos e perigos de contaminação. Num terceiro momento, os

afetados “reelaboram” a funcionalidade da poluição e nesta situação, com um nível maior de

organização, estabelecem acordos e parcerias com os poluidores. Nesses estudos, verifica-se

frequentemente a relação entre a percepção da poluição e a proximidade da fonte poluidora. Em

certas circunstâncias, são os moradores vizinhos de indústrias que percebem de imediato, os

efeitos da poluição: sensações de incômodos, doenças. São identificados como consequências

da poluição industrial. Entretanto, como chama atenção este autor, não se deve interpretar esses

“momentos” segundo uma lógica progressiva ou etapas sucessivas.

Importa destacar também que nem sempre o sofrimento das pessoas resultante dos

efeitos da poluição é uma condição para despertar o interesse público. Nesse sentido,

“poluição”, “risco’ e “perigo”, diz este autor. “[...] são categorias construídas social e

culturalmente dentro de cada realidade local” (LOPES, 2004, p. 228).

Conforme propõe Lenoir (1996, p. 97):

[...] aparecimento de um problema social resulta de duas séries de fatores das

transformações que afetam a vida cotidiana dos indivíduos na sequência de diversas

reviravoltas sociais e cujos efeitos diferem segundo os grupos sociais; no entanto,

essas condições objetivas apenas darão origem a um problema social quando este

chegar a receber uma formulação pública.

As evidências e sugestões propostas por Lopes (2004) e a formulação de Lenoir

(1996) convergem para um ponto fundamental de interesse desta pesquisa: a formulação pública

da questão social, em grande medida é uma das questões estruturante desta tese e que tratarei

de descrever e analisar ao longo dos capítulos seguintes.

A reação dos povoados do Taim e Rio dos Cachorros ao projeto do polo siderúrgico de

São Luís

Em 2004, tomei conhecimento do projeto de instalação do polo siderúrgico no

município de São Luís, proposto pela Companhia Vale e pelo Governo do Estado do Maranhão,

para o qual medidas administrativas já estavam sendo providenciadas4. Inicialmente, tive acesso

às informações divulgadas por entidades da sociedade civil e por profissionais liberais inseridos

4 Em 2001 foi assinado o Primeiro Protocolo de Intenções entre o Governo do Maranhão e a Companhia Vale com

vista à instalação de três usinas siderúrgicas (CONCEIÇÃO, 2009); em novembro de 2004, foi assinado o

Protocolo de Intenções pela Prefeitura de São Luís, porém, a administração municipal ainda teria que realizar

alterações no seu Plano Diretor para que a área pretendida pelo projeto fosse classificada como Zona Industrial

(ZAGALLO et al., 2004).

Page 25: Tese Elio Pantoja Para o Trabalho de Sociologia Do Desenvolvimento

22

no Movimento Reage São Luís e que divulgavam as notícias por meio de informativos e

panfletos nos ambientes de debate5, a exemplo do trecho abaixo.

[...] a Companhia Vale do Rio Doce, o Governo do Estado do Maranhão e a Prefeitura

de São Luís anunciaram a pretensão de instalar um Pólo Siderúrgico composto por 3

usinas siderúrgicas com capacidade de produção de 7,5 milhões de toneladas anuais

de placas de aço na Ilha de São Luís, voltadas à exportação, totalizando 22,5 milhões

de toneladas/ano, e duas gusarias, em uma área de 2.471,71 hectares localizada na Ilha

de São Luís, próximo ao Porto do Itaqui (ZAGALLO et al., 2004).

Os dados sobre os “Impactos sociais e ambientais” a que tive acesso inicialmente,

diziam respeito às três usinas siderúrgicas que seriam instaladas em uma área de 2.471,71 ha,

instalações que implicavam no “deslocamento compulsório”6 de 14.400 pessoas residentes em

12 povoados. O empreendimento, segundo informativo dos membros do Movimento Reage São

Luís, seria “a maior agressão ambiental já realizada no Maranhão” (ZAGALLO, 2004).

Na pesquisa bibliográfica e documental relativa a situações de impactos sociais e

ambientais provocados por projetos industriais em São Luís, no primeiro momento tive acesso

a três importantes obras que me ajudaram a compreender o cenário mais amplo dos processos

tomados para observação. Na lista de referência sobre o assunto, tive acesso aos seguintes

trabalhos: “Alcoa na Ilha” (EGLISH, 1984), “Carajás, usinas e favelas” (GISTELINK, 1988) e

“Terra Prometida: as Comunidades Eclesiais de Base e os conflitos rurais” (ADRIANCE,

1996). Os registros elaborados por estes autores refletem o contexto dos conflitos que surgiram

nos anos de 1980, sendo, portanto, trabalhos importantes para ajudar a compreender as ações

reativas de organizações e de movimentos de resistência locais que inclusive ganharam

5 Entre o final de 2004 e 2006, coletei informativos, notas, panfletos, dentre os quais cito alguns exemplos:

Considerações preliminares sobre a implantação de um polo siderúrgico na Ilha de São Luís (ZAGALLO, 2004),

documento em cuja folha de rosto eram listadas as seguintes entidades parceiras ou aliadas: Associação dos

Geólogos do Maranhão (AGEMA); Instituto Maranhense de Recursos Hídricos (IMRH); Associação

Maranhense para a Conservação da Natureza (AMAVIDA); Central de Movimentos Populares; Forum de

Saneamento Ambiental; Forum Maranhense das Cidades; Sindicato dos Urbanitários do Maranhão; União por

Moradia Popular;. Além deste, há um documento mais denso sobre os “impactos sociais” e “ambientais” intitulado

Considerações sobre o risco geológico associado à implantação de um polo siderúrgico em um ambiente insular,

elaborado pela AGEMA e IMRH (2004). Há outros inúmeros documentos de conteúdos informativos sobre o polo

que também tivemos acesso nesse período: Que Cidade Queremos? (ABAS-MA; AGEMA, 2004); Comunicado:

1. Impactos ambientais urbanos no Brasil; 2. Impactos ambientais em São Luís (Fórum Maranhense de

Organizações da Sociedade Civil – FMOSC, s/d); Nota Técnica – Jun/2004/CS Polo siderúrgico em São Luís (José

de Ribamar Costa e Silva, Geógrafo - Brasília); Polo Siderúrgico em São Luís: Impacto Social e Riscos Ambientais

(José Guilherme Zagallo, Advogado; São Luís, 2004). Comunidade do Taim rejeita Polo Siderúrgico (Ed Wilson,

Jornalista; São Luís, s/d). 6 Conforme Magalhães (2007, p. 14), “deslocamento compulsório” designa “o processo pelo qual determinados

grupos sociais, em circunstâncias sobre as quais não dispõem de poder de deliberação, são obrigados a deixar ou

a transferir-se de suas casas e/ou de suas terras. Há, portanto, um conteúdo de cerceamento do poder decisório no

interior do próprio grupo social, advindo de uma intervenção externa”. Almeida (1996, p. 30), também define

“deslocamento compulsório” como “o conjunto de realidades factuais em que pessoas, grupos domésticos,

segmentos sociais e/ou etnias são obrigados a deixar suas moradias habituais, seus lugares históricos de ocupação

imemorial ou datada, mediante constrangimentos, inclusive físicos, sem qualquer opção de se contrapor e reverter

os efeitos de tal decisão, ditada por interesses circunstancialmente mais poderosos”.

Page 26: Tese Elio Pantoja Para o Trabalho de Sociologia Do Desenvolvimento

23

visibilidade em jornais de outros países. Sobre as questões ambientais, tirei bastante proveito

do trabalho de Eglish (1984), uma vez que esta autora registrou a ação política dos movimentos

sociais contra a instalação da fábrica da Alcoa em São Luís. Este trabalho inspirou a elaboração

do capítulo no qual procuro tratar da trajetória do processo de resistência das organizações

comunitárias da Zona Rural de São Luís. Posteriormente, tomei conhecimento do fato de que a

autora do trabalho, conhecida como Irmã Bárbara Eglish, por ser uma missionária, membro da

Congregação Irmãs de Notre Dame que havia chegado a São Luís em, 1960, tendo tido

importante atuação na formação de lideranças comunitárias e na organização das CEB’s da

Igreja Católica.

No final de 2004, fomos convidados eu e o Professor Horácio Antunes

(Departamento de Sociologia e Antropologia da Universidade Federal do Maranhão – UFMA),

a discutir com os alunos do Curso de Ciências Sociais da UFMA, a questão do polo siderúrgico,

focalizando a situação dos moradores de “povoados rurais” a serem deslocados, em função da

instalação da planta siderúrgica. Na condição de professores deste Departamento, formamos

com os estudantes o Grupo de Estudos: Desenvolvimento, Modernidade e Meio Ambiente

(GEDMMA), no qual procuramos aliar o debate sobre a situação dos povoados, com discussões

acerca de projetos de desenvolvimento e do processo de modernização do Complexo Portuário

de São Luís. Entendíamos que, para compreender o que ocorria em termos locais, era necessário

considerar as políticas de desenvolvimento do Governo Federal para a Amazônia Oriental7, que

desde os anos de 1960 e 1970, tinham como meta a “integração” da região à econômica

nacional. Iniciamos então, junto com os componentes do grupo, um conjunto de atividades de

pesquisa, envolvendo trabalho de campo na Zona Rural de São Luís, incidindo principalmente

na área portuária onde o polo siderúrgico seria instalado. Entre as primeiras pesquisas

exploratórias de campo e leituras sobre as questões ambientais discutimos os chamados

“Grandes Projetos de Desenvolvimento da Amazônia”, em especial o Projeto Ferro Carajás

(PFC), dadas as importantes repercussões políticas e sociais do mesmo, e aos seus impactos na

sociedade local. Em seguida, passei a coletar, informações sobre a questão do polo siderúrgico,

a realizar levantamento bibliográfico específico sobre este tema8. A partir desta iniciativa obtive

grande parte da documentação, que serviu de base para a formulação deste projeto de pesquisa.

7 A Amazônia Oriental é composta pelos Estados do Pará, Amapá, Tocantins e parte do Estado de Mato Grosso e

parte do Estado do Maranhão. 8 As atividades do GEDMMA iniciaram em 2005 quando elaboramos o Projeto de Pesquisa “Modernidade,

Desenvolvimento e Consequências Sócio-Ambientais: a Implantação do polo siderúrgico na Ilha de São Luís-

MA”, aprovado pelo Departamento de Sociologia e Antropologia da UFMA. Nesse mesmo período, o GEDMMA

foi cadastrado no Diretório de Pesquisa do CNPq. O projeto buscou investigar a implantação do projeto do polo

Page 27: Tese Elio Pantoja Para o Trabalho de Sociologia Do Desenvolvimento

24

Na época, os jornais locais chamavam atenção para a magnitude do projeto do polo

siderúrgico, em termos de investimentos e de projeção de produção: o “Maranhão vai ser o

maior produtor de aço”, destacava o “Jornal O Imparcial” do dia 27 de maio de 2004, após a

viagem do Governador do Maranhão, à época, José Reinaldo Tavares, à China com a comitiva

do Presidente Lula (MARANHÃO..., 2004). De fato, o governo maranhense mostrava-se

bastante convicto da viabilidade do projeto.

A Vale ajudará junto com a Baosteel na formação dos operários, dos engenheiros, de

todos que vão trabalhar nesse grande projeto siderúrgico que vai realmente mudar a

face industrial do Maranhão [...] O projeto avançou muito e não há mais o que duvidar.

O Maranhão está entrando numa nova era de industrialização em que virão muitos

parceiros. E, com isso, quem vai ganhar é a população do Estado, porque vai haver

muito crescimento e a geração de emprego (TAVARES, 2004 apud MARANHÃO...,

2004).

Com relação aos informativos produzidos pelas entidades, o que chamava atenção

era o número expressivo de entidades envolvidas e a pluralidade das mesmas. O engajamento

e a mobilização de entidades profissionais, associação de moradores, sindicatos, fóruns

diversos, além de profissionais liberais (médicos, advogados, jornalistas, sociólogos, geólogos),

intelectuais, pesquisadores de universidades, professores e funcionários públicos, convergindo

em um movimento mais amplo que uniu diversos atores sociais, contrários à instalação do polo

siderúrgico.

Inicialmente procurei identificar a complexa rede de entidades que compunha a

base do Movimento Reage São Luís, unindo as associações de moradores dos povoados da

Zona Rural que seriam atingidos pelo projeto do polo siderúrgico. As entidades, tão distintas,

como, por exemplo, Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-MA), Sindicatos dos Ferroviários,

Sociedade Maranhense de Direitos Humanos (SMDH) e Instituto Maranhense de Recursos

Hídricos (IMRH). Isto são, apenas algumas das entidades que ilustram a pluralidade na base de

formação do movimento.

Da leitura desse material empírico sobre a mobilização que ocorria em São Luís,

passei a conhecer a situação dos moradores da Zona Rural e dar mais atenção, em especial, as

organizações daqueles povoados. Em 2012, a imprensa local, divulgava o projeto de instalação

do polo. As localidades afetadas eram em geral designadas por “povoados”, enquanto, as

lideranças a elas se referiam usando o termo “comunidades”. O uso dos termos “povoado” e

“comunidade” ajudaram a conferir identidade distintiva a esses territórios historicamente

ocupados pela população local e à fazer reconhecer a noção de que neles havia um “modo de

siderúrgico no município de São Luís-MA, suas consequências socioambientais e sua relação com a demanda de

instalação da Reserva Extrativista de Tauá-Mirim.

Page 28: Tese Elio Pantoja Para o Trabalho de Sociologia Do Desenvolvimento

25

vida” a ser defendido. Além disso, esses termos revelaram também as distinções, sobretudo

quanto ao histórico do processo de ocupação, de uso da terra e na forma de sociabilidade e

coesão interna, assim como, as relações entre os diferentes núcleos de povoamento9. Esses

termos foram muito utilizados pela imprensa e na própria dinâmica de mobilização dos

movimentos de resistência ao polo siderúrgico, de modo que, posteriormente, com o avanço da

pesquisa documental, me interessei em explorar o nexo político na dinâmica de mobilização

entre as organizações, principalmente as associações de moradores, fóruns e Organizações Não-

Governamentais (ONG’s) além dos órgãos de governo que mantiveram um canal de diálogo

permanente com as lideranças destes povoados. Na prática, passei a questionar: como as

associações de moradores do Taim e do Rio dos Cachorros haviam conseguido dar visibilidade

política à sua situação. Havia uma variedade muito grande de organizações envolvidas naquele

debate, tornando difícil no debate entender o emaranhado de relações políticas entre elas. Em

2011, sistematizei o conjunto das principais entidades por meio de uma listagem, na qual ainda

precisei fazer muitos recortes em função da complexidade da teia de relações do movimento.

Fui percebendo a evolução e a dinâmica da mobilização, notando nos registros, as ações

coletivas e as alianças com as ONGs, sindicatos e além de outras instituições como

universidades, órgãos do governo e parlamentares, construídas pelas lideranças.

Entre leituras do material de campanha das entidades que compuseram o

movimento, conversas informais e entrevistas com ativistas ligados ao movimento contra o polo

siderúrgico, chamaram minha atenção a riqueza de dados dos informativos de divulgação sobre

os “impactos ambientais” e “sociais”, estes sistematicamente elaborados e tecnicamente

qualificados. Ao me interessar pela produção desses informativos, passei a me preocupar mais

com a composição da “base social” e o perfil desse movimento que contava com um grupo de

experts ou algo como um “núcleo” de direção com qualificação técnico-científica. Esta

característica ganhou relevância na comparação com outros movimentos sociais atuais, pois,

colocou a resistência num outro patamar de disputa. Havia uma disputa, por assim dizer, no

âmbito discursivo, cuja crítica se fazia pela via política, quer dizer, dos interesses políticos e

econômicos em jogo, aliada ao ativismo, assim como, pela crítica fundamentada no

conhecimento científico e, também, no âmbito jurídico, deste modo, questionava-se a

legalidade das decisões referentes às questões ambientais. A compreensão era de que haveria

“impactos socioambientais incalculáveis”. O movimento, ao produzir crítica ao projeto, levou

9 Sobre o processo de ocupação e sociabilidade entre os povoados mais antigos dessa área de São Luís, ver a

Dissertação Mestrado de Sislene Costa da Silva, intitulada “Filhos do Taim: estratégias para defesa e uso de um

território”. (SILVA, 2009).

Page 29: Tese Elio Pantoja Para o Trabalho de Sociologia Do Desenvolvimento

26

seus militantes a atuar também no sentido de recolher, no “campo científico”, as evidências,

constatações e provas de experiências passadas e atuais de impactos ambientais e sociais em

São Luís, e em outras cidades brasileiras, produzidos por empreendimentos siderúrgicos. Os

exemplos mais recorrentemente acionados de poluição ambiental, eram associados à situação

de saúde pública de cidades como Cubatão-SP e Vitória-ES e Volta Redonda-RJ. A produção

da crítica, entretanto, era traduzida em linguagem que pudesse ser acessível ao público em geral.

Fui me interessando pelo diálogo entre as lideranças comunitárias dos povoados afetados e

outros setores engajados no debate ambiental, a partir da cidade de São Luís. Terei oportunidade

de mais adiante discorrer, detalhadamente sobre os documentos, mas adianto um trecho desses

registros para ilustrar o teor dos informativos produzidos pelo movimento:

[...] Além dos riscos ambientais, caso sejam implantadas uma ou mais siderúrgicas

em são Luís, o impacto social também será muito forte. De fato, seriam removidas

14.400 pessoas de 11 comunidades rurais hoje existentes na área, que perderiam ao

mesmo tempo seus empregos e moradias, e em contra partida seriam gerados somente

10.500 empregos diretos com a operação das usinas, e mesmo assim, grande parte

destes empregos seria ocupada por pessoas de outros Estados (ZAGALLO, 2004).

Coletei inúmeros informativos, panfletos, alguns sem identificação de sua origem,

mas relativos ao debate do polo siderúrgico, além disso, textos com trechos publicados em

jornais, assim como fotocópias de artigos publicados, desde jornais de menos circulação e

jornais de maior circulação, até informativos de circulação mais restrita em São Luís. Do

acúmulo de leituras, selecionei aquelas mais relevantes, que apresentavam informações mais

consistentes, utilizando o argumento ambiental, entremeado de referências aos impactos

sociais, principalmente relacionados à situação da população a ser deslocada. A partir dessa

leitura, relacionada tanto ao polo siderúrgico, em si, quanto à história da associação do polo

com os projetos da Vale e da Alcoa que vem desde os anos 80, percebi que estes discursos

teriam que ser incluídos como parte do material empírico a ser analisado com vistas a compor

o “repertório de contestação” (TILLY, 1978; 1996), ou seja, repertórios da argumentação

usados para contestar a viabilidade de um projeto.

O aumento populacional e a falta de infraestrutura urbana, a baixa capacidade de

abastecimento de água e o aumento do consumo implicado pela presença da siderúrgica, entre

outros questionamentos foram levantados pelas entidades que compuseram o Reage São Luís.

A leitura dos informativos foi importante para que eu pudesse compreender inicialmente a

dinâmica de mobilização do movimento, sobretudo no que se refere ao embasamento em

estudos científicos, que municiavam seu discurso no debate público.

Page 30: Tese Elio Pantoja Para o Trabalho de Sociologia Do Desenvolvimento

27

As notícias sobre o projeto do polo siderúrgico tiveram maior visibilidade a partir

de 2004, quando as lideranças dos povoados criaram vários canais de discussão e debates, tanto

institucionais, no âmbito governamental, quanto através de canais constituídos por ONGs.

Buscaram também apoio em órgãos governamentais na esfera federal. Na época, o Instituto

Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA) e o Centro

Nacional de Desenvolvimento Sustentado das Populações Tradicionais (CNPT)10 tiveram um

papel político importante na interlocução entre as várias instâncias de governo e os movimentos

sociais11. A manutenção permanente de uma relação dialógica com a esfera governamental

conferiu importância ao movimento, sendo uma variável relevante para explicar o desempenho

e a eficácia de suas ações.

Outro argumento de contestação se referiu à reduzida quantidade de empregos

gerados, em relação aos vultosos impactos sociais e ambientais a serem causados: seriam

remanejados pelo menos 12 povoados localizados na Zona Rural II do município de São Luís,

sendo eles, Vila Maranhão, Taim, Cajueiro, Rio dos Cachorros, Porto Grande, Limoeiro, São

Benedito, Vila Conceição, Anandiba, Parnuaçu, Camboa dos Frades e Vila Madureira. Embora

estes povoados fossem parte do município de São Luís e se localizassem relativamente

próximos ao Complexo Portuário de São Luís e do centro da cidade de São Luís, é importante

enfatizar que a base dos meios de vida da população permanece sendo a pesca artesanal, o

extrativismo mineral (areia e pedra) e a pequena agricultura. Essas atividades articuladas com

o uso da mão-de-obra familiar permitem caracterizar essa população como camponesa, cujo

modo de vida se distingue, pois, do modo de vida urbano (SANT`ANA JÚNIOR; ALVES;

MENDONÇA, 2007). Em 2004, os moradores afetados totalizavam 14.400 pessoas,

10 O atualmente denominado Centro Nacional de Pesquisa e Conservação da Sociobiodiversidade Associada a

Povos e Comunidades Tradicionais (CNPT) é um órgão que integra o Instituto Chico Mendes, tendo como

objetivos: “promover pesquisa científica em manejo e conservação de ambientes e territórios utilizados por povos

e comunidades tradicionais, seus conhecimentos e modos de organização social; e estudos sobre formas de gestão

dos recursos naturais, em apoio ao manejo das Unidades de Conservação federais”. Foi criado pelo Instituto

Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA) em 1992. Após a criação do Instituto

Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) em 2007, o CNPT passou a fazer parte de sua

estrutura, sendo renomeado e reestruturado em 2009 (portaria ICMBio 078/2009), possuindo sede na cidade de

São Luís-MA. (CENTRO NACIONAL DE PESQUISA E CONSERVAÇÃO DA SOCIOBIODIVERSIDADE

ASSOCIADA A POVOS E COMUNIDADES TRADICIONAIS, c2014). 11 Segundo o depoimento de Alberto Cantanhede, liderança comunitária do povoado do Taim, os representantes

dos povoados do Taim e Rio dos Cachorros, após pressionarem o governo estadual conseguiram agendar duas

reuniões com o Secretário de Indústria e Comércio, colocando em questão a situação de ameaça dos moradores da

área. Nessas reuniões não houve acordo, mas os representantes dos povoados deixaram claro ao governo que não

estavam dispostos a negociar e que iriam recorrer a outras instâncias no sentido de resistir ao deslocamento dos

povoados (Entrevista com Alberto Cantanhede em 11 jan. 2012).

Page 31: Tese Elio Pantoja Para o Trabalho de Sociologia Do Desenvolvimento

28

distribuídas nos povoados a serem deslocados; em contrapartida, o empreendimento prometia

a geração de apenas 10.500 empregos diretos.

O que levou a uma maior mobilização, não somente pelas associações da Zona

Rural, mas também por parte das organizações e entidades da sociedade civil de São Luís, como

um todo, foi de fato a tentativa do governo municipal de converter 2.471,71 ha de terras da

Zona Rural em Zona Industrial. Em 2005, a contestação ao polo siderúrgico ganhou reforço

com a presença dos relatores da Plataforma Brasileira de Direitos Humanos, Econômicos,

Sociais, Culturais e Ambientais (DhESCA)12, em São Luís. Atendendo à solicitação do

Movimento Reage São Luís, os relatores visitaram a área e denunciaram que a situação dos

moradores consistia numa “violação de direitos humanos”, mediante a ameaça de deslocamento

pela instalação do polo siderúrgico (DHESCA, 2006).

Foram realizadas 13 audiências públicas, das quais selecionei trechos de

intervenções registradas em atas, que incorporei como parte do material de análise sobre o

Reage São Luís. A partir de 2011, com acesso a novos documentos e com as primeiras

entrevistas realizadas, direcionei as observações e a pesquisa documental, para a situação do

Taim e do Rio dos Cachorros, e passei a ressaltar esses casos no roteiro de entrevistas. Não

podia afirmar que era unânime a resistência nestes dois povoados, pois havia conflitos internos,

e diferentes interesses estavam em jogo. Por parte dos moradores havia incertezas quanto à

instalação do polo siderúrgico na área e, mesmo, o local para onde as famílias seriam

reassentadas. As posições dos moradores desses povoados se alteravam com a abertura de

possibilidade de barganha oportunizadas pelas propostas de indenização das benfeitorias.

Em síntese, a situação pode ser ilustrada da seguinte forma, como mostram Alves,

Sant’Ana Júnior e Mendonça (2007, p. 6):

[...] visando viabilizar o deslocamento daqueles que atualmente ocupam a área

destinada ao polo, o Governo do Estado e a Companhia Vale do Rio Doce contrataram

a empresa paulista Diagonal Urbana Consultoria LTDA para fazer o Diagnóstico

Sócio-Organizativo da área [...] A Diagonal entrou em contato direto com os

moradores, levantou dados e chegou a marcar com tinta preta e numeração as casas

das famílias que deveriam ser deslocadas (com exceção de parte das casas de Rio dos

Cachorros e do povoado do Taim, onde os moradores resistiram e impediram esta

marcação).

12 Plataforma Brasileira de Direitos Humanos, Econômicos, Sociais, Culturais e Ambientais (Dhesca Brasil) foi

criada em 2001 e é uma rede formada por organizações da sociedade civil que atua na reparação de violação de

direitos humanos. Colabora com o Estado no cumprimento de suas obrigações e exercício democrático do poder

institucionalizado. Tem como referência a Constituição Federal e os tratados e convenções internacionais de

proteção aos direitos humanos, seguindo as recomendações das missões das Relatorias Especiais da Organização

das Nações Unidas (ONU). (FAUSTINO; FURTADO, 2013).

Page 32: Tese Elio Pantoja Para o Trabalho de Sociologia Do Desenvolvimento

29

A resistência por parte do Taim e do Rio dos Cachorros foi um fato notório, havendo

relativo consenso entre as lideranças e a direção das associações de moradores sobre a

importância de permanecerem na área. Eles fortaleceram as associações de moradores e

passaram a mobilizar os moradores dos povoados vizinhos. Entretanto, não raramente, as

reuniões entre os povoados foram tensas, com práticas que poderiam ser identificadas como

tentativas de cooptação de lideranças por parte de agentes privados e de órgãos do governo

empenhados na viabilização do remanejamento.

Analisarei, no Capítulo 3, estes povoados, como unidades de observação desta

pesquisa, estão situados em uma área que historicamente tem apresentado conflitos ambientais

e territoriais (ZHOURI; LACHEFSKI, 2010), assim como também há um “processo de

territorialização” que implica em relações de poder e de dominação pelo controle do espaço

(SOUZA, 1995). A luta política historicamente configurada por parte destes povoados informa

em grande medida o sentimento que as lideranças e grande parte de seus moradores têm ao

falarem do “lugar”, remetendo ao sentimento de pertencerem às gerações passadas de grupos

familiares que ali se constituíram, onde se formam as novas famílias e onde conseguiram obter

patrimônios, tais como suas casas e seus terrenos, suas plantações, remetendo também à uma

memória coletiva de seus ancestrais. Este conjunto de elementos materiais e simbólicos serve

de referências à uma noção de comunidade, tal como assinalada por diferentes estudiosos de

comunidades rurais em processo de mudanças sociais, cujas relações são caracterizadas pelas

noções de “ambientes de vida” (HÉBETTE, 2004), “meios de vida”(CÂNDIDO, 1978),

podendo ser sintetizadas na definição de Meyer (1979, p. 16) em seu estudo sobre “uma

comunidade rural nordestina” quando diz: “a configuração de uma comunidade no espaço só

ganha significado quando percebida à luz de um sistema de relações sociais que articula não só

os elementos internos à comunidade, mas também, esses elementos àqueles que são externos”.

Minha intenção é considerar os dois povoados, Taim e Rio dos Cachorros, não

como abstrações ou nomeações genéricas, mas como dois universos, nos quais atores sociais

determinados e lideranças identificadas, tomaram iniciativas no sentido de se contraporem ao

projeto, defendendo não somente o território, mas todo o conjunto de elementos que permeiam

esta noção de comunidade, uma vez que as relações estabelecidas pelos moradores estão

historicamente e socialmente estruturadas. Por outro lado, importa no caso descrever o processo

de reação iniciado pelas lideranças e observar como o movimento foi transcendendo o nível

local na medida em que ganhava força com os aliados conquistados. De todo modo, a motivação

que levou à proposta desta tese foi o processo de reação local ao polo siderúrgico. Conforme

ilustra o trecho supracitado, as lideranças comunitárias do Taim e do Rio dos Cachorros, não

Page 33: Tese Elio Pantoja Para o Trabalho de Sociologia Do Desenvolvimento

30

somente reagiram à ação da empresa de consultoria quando esta tentou marcar as casas – suas

reações já indicavam o início de um processo de resistência mais amplo.

Em 2011, após a revisão bibliográfica passei a dar mais atenção na questão da

resistência, tendo como ponto de partida, a reação dos povoados do Taim e Rio dos Cachorros,

pois eles seriam o locus “ideal” para analisar o processo de organização e indagar sobre a forma

como se deu a inserção destes no movimento mais amplo de contestação - o Movimento Reage

São Luís.

Algumas contribuições teóricas foram fundamentais para a formulação do projeto

e serviram de inspiração para definir o objeto de investigação e as hipóteses centrais deste

estudo. Destaco a proposição de Olivier de Sardan (1997) de uma “socio-anthropologie du

changement social”. A socio-antropologia tal como propõe este autor, resulta de uma espécie

de fusão entre a tradição da sociologia empírica, a exemplo da Escola de Chicago (sociologie

du terrain) e a antropologia empírica (ethnographie) e, é definida por este autor como “l’ étude

empirique multidimensionnelle des groupes sociaux contemporains et de leurs interations, dans

une perspective diachronique, et combinant l’analyse des pratiques et celle des

représentations” (OLIVIER DE SARDAN, 1997, p. 10). Mais adiante, ele esclarece:

[...] Le développement est clairement un lieu d’affrontement “politique”, mais dans

um tout autre sens que celui que l’on donne habituellement à cette expression. Je

n’entends en effet faire allusion ni à la politique nationale ni à politique internationale,

espaces où circulent politiciens et hauts fonctionnaires [...] Je me situe à un autre

niveau, celui par exemple d’une opération de développement rural, qui met en rapport

direct ou indirect une série d’acteurs relevant des catégories variées. (OLIVIER DE

SARDAN, 1997, p.173).

Esse autor se interessa pela “confrontation des logiques sociales variées” entre

categorias, tais como: camponeses com posições diferenciadas, jovens desempregados,

representantes governamentais, mulheres, agentes de desenvolvimento, técnicos, membros de

ONG’s, que apresentam interesses diversos e estabelecem estratégias e manobras políticas para

defendê-los. O desenvolvimento ocorre por meio de um complexo jogo de interesses,

configurando-se como uma “arena”. Por esse prisma, a “arène” do desenvolvimento aparece

como um “sistema de recurso e de oportunidade” no qual, cada ator social tenta se apropriar à

sua maneira (OLIVIER DE SARDAN, 1997, p. 173). Em suma, o desenvolvimento é assim

pensado não como um conceito abstrato, mas como um “jogo” entre atores sociais com poderes

políticos diferenciados segundo as formas de capital que eles detêm. Foi por este viés que

procurei em linhas gerais compreender e descrever o ambiente de disputa e os atores sociais na

situação criada em torno do polo siderúrgico, considerando a capacidade destes atores locais

em construírem estratégias de resistência.

Page 34: Tese Elio Pantoja Para o Trabalho de Sociologia Do Desenvolvimento

31

Na medida em que avançava o levantamento documental sobre o debate em torno

do polo siderúrgico, fui selecionando também uma bibliografia que me ajudasse olhar

teoricamente o problema da pesquisa e mais especificamente o objeto de estudo. O processo de

formulação da problemática da pesquisa e definição do objeto coincidiu naquele momento com

a leitura exploratória da obra “El Amor y la Justicia como competências: tres ensayos de

sociologia de la acción”, de Boltanski (1990). Interessei-me pelo terceiro capítulo intitulado

“La denuncia pública”. Aqui, o autor apresenta um modelo de análise a partir de pesquisa

documental sobre cartas enviadas por “pessoas comuns”, vítimas de injustiças, encontradas nos

arquivos do jornal francês “Le monde”. O modelo de análise proposto suscitou uma série de

questões e de ideias sobre o meu projeto, sobretudo a partir da noção de “dessingularização”,

utilizada pelo autor. Resumidamente, tal noção se refere à capacidade de um determinado ator

tornar a sua reivindicação particular, nesse sentido “singular”, em uma reivindicação ampliada

a outros atores. A essa noção, associei uma série de eventos (de que tratarei de analisar mais

adiante) ocorridos entre 2004 e 2005, tendo como ponto de partida as experiências dos

povoados de Taim e do Rio dos Cachorros, e a formação do Movimento Reage São Luís. Nesta

perspectiva, busquei dar visibilidade às estratégias políticas, às alianças feitas com os demais

povoados e ao trabalho realizado pelas lideranças no sentido de convencerem outros grupos e

povoados, vivendo a mesma situação de ameaça, a se aliarem com eles em torno das mesmas

reivindicações contra o polo siderúrgico.

Com a ampliação das reivindicações, este movimento inicial foi ganhando força

política tendo apoio e assessoria de profissionais liberais engajados em movimentos sociais e

conhecedores da questão ambiental. A eles também vieram dar apoio estudantes engajados em

movimentos sociais, professores, pesquisadores das universidades públicas (UFMA e UEMA).

Ao ampliarem a base do movimento, as lideranças da Zona Rural de São Luís puseram em

questão interesses de outros setores, que também passaram se identificar com as reivindicações

e passaram a se interessar por discutir a situação da cidade de São Luís. Dessa forma,

potencializaram suas organizações e qualificaram seus discursos de contestação levados às

audiências públicas, algumas das quais, inclusive aconteceram como resultado da pressão do

movimento de resistência.

Após as primeiras entrevistas passei a conhecer melhor a base social do movimento

e percebi a importância do aprendizado, considerando o acúmulo de experiências

compartilhadas. Nesta perspectiva, o próprio perfil dos entrevistados membros do movimento

diz muito sobre a composição de um movimento cuja base social se caracteriza pela diversidade

e pluralidade da origem social de seus integrantes e de suas representações.

Page 35: Tese Elio Pantoja Para o Trabalho de Sociologia Do Desenvolvimento

32

Com o andamento da pesquisa de campo, a leitura de material que vinha

pesquisando sobre o processo de formação do Reage São Luís, precisei fazer uma seleção de

informantes-chave. Essa seleção obedeceu ao critério de participação conforme indicação dos

primeiros entrevistados, mas também em função da dificuldade em agendar encontros com os

ex. membros do Reage para entrevistá-los.

Após anos da experiência do Reage São Luís, ou seja, entre 2005 e até o início do

primeiro semestre de 2014, muitos daqueles militantes se encontravam agora envolvido em

outras atividades, sendo difícil retomar o contato. Razão pela qual fiz uma seleção bastante

criteriosa das pessoas que foram indicadas por membros do Reage São Luís, por meio dos quais

pude fazer contatos e realizar as entrevistas. Diante dessa dificuldade, procurei, então, levantar

o máximo de documentação para obtenção de informações qualitativas sobre o movimento.

Quanto aos entrevistados (Quadro 1), realizei também uma entrevista com o Sr.

José Reinaldo Tavares, Governador do Maranhão em 2004, ator político importante na defesa

do polo siderúrgico. Procurei fazer contatos com vereadores e deputados, assim como outros

atores relevantes na defesa do polo siderúrgico, mas não obtive resposta positiva para o

agendamento. A exceção do Ex-Governador. Todos entrevistados tiveram participação direta

no debate sobre o polo siderúrgico e defendendo a posição contrária ao empreendimento.

No procedimento de entrevista, elaborei um roteiro padrão, de acordo com o perfil

e trajetória do entrevistado, além do seu histórico de engajamento em movimentos sociais e,

especificamente, no Movimento Reage São Luís, procurei fazer adaptações. Nas primeiras

entrevistas, observando os relatos dos entrevistados sobre sua trajetória e experiências em

movimentos sociais, percebi que eles destacavam a questão da aprendizagem sobre a

organização e participação política que haviam acumulado nessas experiências anteriores.

Passei a explorar mais este aspecto no roteiro de entrevista, e incorporei as contribuições de

Charles Tilly (1978; 1996), entre estas, a noção de “repertórios” e também, o conceito de “ação

coletiva” a partir dos quais tirei bastante proveito para inspirar na estruturação e na descrição

das formas de contestação do Reage São Luís. Esta leitura abriu uma nova perspectiva no

sentido de considerar que a resistência política ocorreu num quadro mais amplo de contestação

desde os anos de 1980.

Quadro 1 – Lista de entrevistados

Entrevistados Instituição Data

Maria Máxima Lider Comunitária/ Ass. Moradores Rio dos Cachorros 24.05.2008

José Alcântara Sociólogo, Prof. UFMA, membro do Reage São Luís 15.12.2011

Edilea Pereira Geóloga, Prof. UFMA, membro do Reage São Luís 16.12.2011

Page 36: Tese Elio Pantoja Para o Trabalho de Sociologia Do Desenvolvimento

33

Cont. Quadro 1 – Lista de entrevistados

Alberto Cantanhede Pescador/Lider comunitário do povoado do Taim, membro

do GTA

11.01.2012

Rosana Mesquita Lider comunitária do povoado Taim 18.01.2012

Jean Carlos Lider comunitário do povoado do Taim 31.01.2012

Maria Roxa Moradora do Taim 31.01.2012

Irmã Anne Missionária da Congregação Irmãs de Notre Dame 17.09.2012

Maria Emília Lider comunitária do povoado Porto Grande 22.10.2012

Itajacira da Luz Silva Presidente Ass. Moradores Porto Grande 24.10 2012

Nair Barbosa Sociedade Maranhense de Direitos Humanos 06.12.2013

Creuzamar Pinho Coordenação do Movimento Nacional de Moradia Popular 26.11.2012

José Raimundo Coordenação do Movimento Nacional de Moradia Popular 26.11.2012

Maria do Espírito

Santo

Lider comunitária do povoado Vila Maranhão 07.12.2012

Cloves Amorim Silva Pescador/Lider Comunitário do povoado de Cajueiro 20.03.2013

Marluze Pastor Gerente Executiva do IBAMA em 2004 06.12.2013

Nair Barbosa Sociedade Maranhense de Direitos Humanos 06.12.2013

José Reinaldo Tavares Governador do MA em 2004 18.03.2013

Guilherme Zagallo Advogado coordenador do Movimento Reage São Luís 21.10.2013

Fonte: Dados da pesquisa.

Nas entrevistas não gravadas, procurei anotar informações mais importantes, sem

prejuízo das respostas que foram dadas às questões levantadas pelo roteiro. Destaco que utilizei

de uma entrevista realizada por integrantes do GEDMMA (UFMA) com a Sra. Maria Máxima,

liderança comunitária do povoado de Rio dos Cachorros em maio de 2008, cujo conteúdo retrata

a sua participação no processo de resistência ao polo siderúrgico13. Quanto aos depoimentos de

Alberto Cantanhede14, líder comunitário do Taim e do movimento de pescadores, utilizei de

duas entrevistas. Sendo a primeira delas realizada também por membros GEDMMA (UFMA),

e outra entrevista por mim realizada. Todas as entrevistas foram realizadas entre dezembro de

2011 e outubro de 2013.

Posteriormente, no segundo semestre de 2012 e 2013, durante um encontro com o

advogado e ex-militante do Reage São Luís, Guilherme Zagallo, este que gentilmente me

concedeu uma entrevista informal e permitiu o acesso aos seus arquivos pessoais sobre o Reage

ao São Luís. Nestes arquivos encontrei várias matérias publicadas em jornais locais e

13 Entrevista com Maria Máxima realizada por Ana Maria pereira dos Santos e Elizângela Maria Barbosa,

integrantes do GEDMMA. Esta entrevista foi publicada posteriormente no Livro Eco dos Conflitos

Socioambientais: a Resex do Tauá Mirim (organizado por Horácio Antunes de Sant`Ana Júnior, Madian Pereira,

Elio de J. P Alves, Carla R. Pereira, 2009). 14 Alberto Cantanhede, conhecido também como Beto do Taim, é um pescador artesanal e líder comunitário que

desde jovem se engajou no movimento de pescadores artesanais do Maranhão. É integrante do Movimento

Nacional de Pescadores (MONAPE) e do GTA.

Page 37: Tese Elio Pantoja Para o Trabalho de Sociologia Do Desenvolvimento

34

organizadas por data pela assessoria de comunicação da OAB-MA, encontrei também as listas

de atividades do Reage São Luís entre 2004 e 2006, além de inúmeros arquivos com

informações importantes, entre estes, vários documentos governamentais, imagens da planta

industrial do projeto do polo siderúrgico e os estudos encomendados pela Companhia Vale e

pelo Governo do Maranhão para subsidiarem a elaboração dos Estudos e Relatório de Impacto

Ambiental do polo Siderúrgico (EIA-RIMAS).

O material empírico ajudou a ampliar esse entendimento, pois, as lutas políticas dos

atores locais remetem aos processos de modernização desencadeados pelos Grandes Projetos

de desenvolvimento na Amazônia em oposição às formas de usos sociais locais e os seus

respectivos “ambientes de vida” (HÉBETTE, 2004). Nesta perspectiva, o PFC, através do qual

São Luís se insere na cadeia produtiva via estrutura ferroviária e portuária, guarda um histórico

de conflitos devido aos impactos de várias ordens, sob o “guarda-chuva” conceitual de

“impactos socioambientais”.

No caso da Amazônia, está em questão a situação das populações e seus territórios

ocupados historicamente. De fato, nesse amplo contexto de políticas de desenvolvimento para

a Amazônia de forma mais definida a partir dos anos de 1970 e com “expansão da geografia do

setor produtivo” sobre as populações locais (povos indígenas, seringueiros, quebradeiras de

côco babaçu, ribeirinhos, pescadores) em seus territórios, é que estes seguimentos da sociedade

local emergem com mais evidência política como atores políticos, construindo identidades

coletivas e formas próprias de resistência e de confrontação aos outros atores políticos do setor

produtivo capitalista. (FERRETTI; ESTERCI; RAMALHO, 2009).

Passadas três décadas, a luta política desses povos foi importante no processo de

“ambientalização” das políticas de desenvolvimento na Amazônia, na medida em que passaram

a exigir do Estado uma política nacional que incorporasse as preocupações ambientais.

Como observaram Ferretti, Esterci e Ramalho (2009, p. 8),

[...] de fato a Amazônia passa hoje por outro momento, com uma avaliação mais clara

das consequências sociais, políticas e econômicas de uma orientação anterior que fez

tabula rasa das formas tradicionais e locais de apropriação. Em especial, a introdução

do fator ambiental no debate sobre desenvolvimento [...]

A emergência dos seguimentos sociais locais como atores políticos e a inserção do

debate ambiental nas agências de desenvolvimento trouxeram à tona a explicitação dos

diferentes modelos de desenvolvimento que pode ser sintetizado em duas linhas de orientação:

um modelo desenvolvimentista e predador de exploração dos recursos naturais, e outro modelo,

que visa “[...] a preservação dos ecossistemas e à exploração sustentada das riquezas”.

(FERRETTI; ESTERCI; RAMALHO, 2009, p. 8).

Page 38: Tese Elio Pantoja Para o Trabalho de Sociologia Do Desenvolvimento

35

No caso da Ilha do Maranhão15, foi bastante significativa a movimentação política

durante os anos de 1980 conforme ilustrada pelas manifestações públicas organizadas e

aglutinadas em torno do Comitê em Defesa da Ilha, uma espécie de núcleo catalisador de

energias políticas para contestar a viabilidade social e ambiental da instalação da fábrica de

alumínio da Alcoa. O Comitê de Defesa da Ilha é um “exemplo” do Reage São Luís, como

disseram os membros do movimento durante suas intervenções em Audiências Públicas.

Analogamente, o Reage buscou a mobilização pela base, tal como se deu no processo de

mobilização pelo Comitê de Defesa da Ilha em conjunto com as Comunidades Eclesiais de

Base, as CEBs nos anos de 1980, buscando aglutinar energia política para a resistência contra

deslocamentos compulsórios.

Na experiência do Reage São Luís em 2004, os “repertórios” de mobilização

acionados se deram tanto pelas vias dos movimentos preexistentes, a exemplo das associações

de moradores e de Pastorais da Igreja Católica, ainda resultante do trabalho de base das CEBs,

mas também, por meio de formas inovadoras e contextualizadas de mobilização por meio das

“redes” e “links” sociais regionais e nacionais. Esse histórico das experiências anteriores serviu

de inspiração, inclusive a própria designação de Reage São Luís ao movimento de reação ao

polo siderúrgico e ocorreu no momento em que as lideranças se deram conta de que era

necessário buscar aliados e denunciar a situação, analogamente como ocorrera “na época do

professor Nascimento de Moraes”, líder do Comitê de Defesa da Ilha nos anos de 1980.

A hipótese aqui levantada é de que na “formulação pública” do problema social

(LENOIR, 1996) evidenciada na experiência do Reage São Luís, há uma série de elementos

que levam ao questionamento do espaço público e ao fortalecimento da sociedade civil no

âmbito das políticas sobre meio ambiente e, por consequência, uma abertura dos canais de

participação nos processos decisórios. A situação das disputas deflagradas envolvendo o polo

siderúrgico e a defesa do território e dos usos sociais historicamente construídos levou a pensá-

la pelo viés da “confrontação” na “arena política” do “campo político” ambiental. Quer dizer,

no interior da “arena” há múltiplos interesses, inclusive aqueles movidos por agentes

econômicos que atuam em escala global (OLIVIER DE SARDAN, 1997).

15 Ilha do Maranhão é o nome oficial da ilha onde se situa o município de São Luís. É também chamada de Upaon-

Açú (Ilha Grande), nome que seria designado pelos povos indígenas antes do período colonial. A Ilha do Maranhão

é constituída por um arquipélago com mais de cinquenta ilhas com variadas origens e dimensões. A maior delas é

a Ilha de São Luís, onde se localiza a capital do Maranhão. Na Ilha do Maranhão estão localizados os municípios

de São Luís, Raposa, Paço do Lumiar e São José de Ribamar (MARANHÃO, 2004a).

Page 39: Tese Elio Pantoja Para o Trabalho de Sociologia Do Desenvolvimento

36

Importante fonte de inspiração neste trabalho, encontrei também em Bourdieu

(1997) em sua análise na obra “O uso social da ciência” (BOURDIEU, 1997)16 onde destaca o

conhecimento científico como um “campo” em disputa. No caso do Reage São Luís, o “uso

social” deste conhecimento como instrumento de contestação é uma de suas características

marcantes. Neste sentido procuro mostrar como um movimento de contestação se apropria do

conhecimento científico e o instrumentaliza como crítica social. Da leitura sobre a teoria de

“campo” de Bourdieu, alarguei este conceito em três “campos” acionados pelo Reage São Luís:

o “campo” sociopolítico, o “campo” científico e o “campo” jurídico. Uma forma de descrever

e caracterizar as ações e os argumentos acionados pelo movimento.

A contestação do Reage São Luís, entretanto, como veremos, não se limitou à

reação ao polo siderúrgico. Incorporou, também na construção dos argumentos de resistência

outra forma de uso social dos recursos e dos territórios por meio da proposta de instalação de

uma Reserva Extrativista, a RESEX de Tauá-Mirim, ainda em processo de tramitação no

Ministério do Meio Ambiente. Incluir essa discussão no projeto interessou pela relevância

sociológica dessa questão, pois, se insere na lógica do conflito de que trato, ou seja, o debate

sobre a RESEX foi potencializado no processo de discussão da instalação do polo siderúrgico

e é interpretada no contexto da pesquisa como parte da resistência local.

O problema de que trata a pesquisa, começa, portanto a se colocar, com a indagação

sobre a reação a uma decisão que implicaria profundas mudanças sociais. Quer dizer, como se

deu esse “deslocamento” dos interesses singulares e localizados, para um interesse que se

tornou comum a outros grupos e entidades, formando um movimento mais amplo de reação

política, o Reage São Luís, cujas ações em grande medida resultaram na inviabilização da

instalação do polo siderúrgico de São Luís.

A tese, portanto, discute a configuração de uma arena no processo conflitivo,

enfatizando o papel da sociedade civil nas decisões políticas que, no caso analisado, afetariam

diretamente o interesse dos povoados rurais da Zona Rural II de São Luís.

16 Ao mencionar esta noção de “uso social” de Bourdieu, me oriento pela compreensão do conceito de Champ

(campo), quer dizer, a ciência é também um “campo”, (como é o caso do campo econômico, por exemplo) formado

por rapports de forces (relações de forças) (BOURDIEU, 1997, p. 21). Na arena de debates sobre o polo

siderúrgico, de forma geral o conhecimento científico foi utilizado por membros do Reage São Luís, como forma

de contestação aos argumentos “científicos” que preconizavam a viabilização do polo siderúrgico. Neste sentido

me utilizo aqui desta noção para descrever os argumentos de contestação a partir do “campo científico”.

Page 40: Tese Elio Pantoja Para o Trabalho de Sociologia Do Desenvolvimento

37

A organização da tese por capítulos

A tese está dividida em 5 capítulos. No primeiro capítulo, “‘Meio ambiente’ como

questão social trajetórias e experiências de movimentos sociais de resistência à instalação de

projetos industriais em São Luís-MA”, procuro apresentar um panorama dos movimentos de

resistência aos projetos industriais nos anos de 1980, considerando que a resistência política na

cidade de São Luís está associada ao processo de expansão da economia capitalista na

Amazônia, em destaque o Programa Grande Carajás. Naquele contexto os movimentos sociais

tiveram grande influência das Comunidades Eclesias de Base – CEBs - da igreja Católica que

em conjunto com outras organizações como o Comitê de Defesa da Ilha, deram apoio aos

povoados que resistiram ao deslocamento para instalação da fábrica de Alumínio da Alcoa. A

questão ambiental foi uma das preocupações centrais naquela época, sendo, portanto, uma

referência às experiências de resistência nos anos 2000. Nesse sentido, procuro situar o debate

do projeto do polo siderúrgico no contexto dos conflitos sociais na Amazônia e a emergência

de novos atores políticos locais. (FERRETTI; ESTERCI; RAMALHO, 2009).

No segundo capítulo, Da 'Besta Fera’ à pretensão de ‘Gigantes’: atores comerciais

globais e a instalação de uma siderúrgica em São Luís-MA, descrevo alguns aspectos do projeto

siderúrgico e a posição das multinacionais no mercado siderúrgico. Enfatizo brevemente os

atores comerciais globais e suas articulações político-administrativas com as agências do

governo estadual e também no âmbito federal. Procuro também descrever o cenário do mercado

mais amplo e as medidas político-administrativas governamentais para viabilização do projeto

do polo siderúrgico.

No terceiro capítulo, “Ações Coletivas de contestações acerca do polo siderúrgico

de São Luís-MA”, apresento discussões teóricas que deram suporte à descrição e análise nas

formas de mobilização contrárias à instalação do polo siderúrgico. Discorro sobre a proposta

teórica da “sociologia pragmatista” (NASCHI, 2002), referida também como uma “sociologia

da crítica” (BOLTANSKI, 1990, THEVENOT, 2006). Abordo, também, o conceito de ação

coletiva tendo por base os elementos que estruturam e caracterizam as ações assim definidas

por Tilly (1978; 1996). Neste capítulo procuro aliar estes conceitos básicos às leituras de autores

que tratam dos movimentos sociais no Brasil (CARDOSO, 1984; GOHN, 1995; 2012;

ADRIANCE, 1996). Especificamente, sobre o movimento ambientalista contemporâneo no

Brasil, enfatizo a contribuição de Alonso, Costa e Maciel (2008) que à luz das contribuições

teóricas de Tilly se utilizam do conceito de “estruturas de oportunidades”. Para estes autores, o

movimento ambientalista se confunde aos demais movimentos sociais no Brasil que ganharam

Page 41: Tese Elio Pantoja Para o Trabalho de Sociologia Do Desenvolvimento

38

força no contexto político de 1970 e, posteriormente, com a aprovação da Constituição de 1988

quando vários canais institucionais ligados ao meio ambiente foram criados no âmbito

governamental (LOPES, 2004). Neste capítulo faço uma explanação teórica acerca da noção de

território, uma vez que o debate sobre a instalação do polo siderúrgico foi antecedido de um

longo período de discussões entre 2001 e 2006 sobre a proposta da Prefeitura de São Luís de

alterar a Lei de Zoneamento, Parcelamento, Uso e Ocupação do Solo (Lei Municipal nº 3.253

de 1992). A discussão sobre territorialidade reflete as disputas no processo de zoneamento nas

quais estão subjacentes, de um lado, os interesses de agentes estatais e privados e, por outro, a

concepção de território enquanto um “ambiente de vida” reivindicado pelos atores locais. Dessa

forma, o território é (antes de qualquer acepção de caráter natural) fundamentalmente

constituído por atores cujas formas de usos e de percepção lhe imprimem significados políticos,

econômicos, sociais e também, significados de ordem cultural, distintamente, atribuídos. A

disputa pelo controle territorial entre atores políticos com lógicas distintas de apropriação é

indicada aqui também pela experiência de mobilização em defesa da instalação da RESEX de

Tauá-Mirim que irei analisar no Capítulo 5. Descrevo o desdobramento da disputa territorial

envolvendo a proposta da RESEX e abordo este processo à luz das contribuições da

socioantropologia do desenvolvimento proposta por Olivier de Sardan (1997).

No quarto capítulo, “O Movimento Reage São Luís: perfil de um movimento social

contemporâneo”, faço uma introdução no subcapítulo 4.1 no qual retomo o referencial teórico

sobre movimento social e abordo a formação do Reage São Luís como um movimento social

contemporâneo. Procuro descrever o seu surgimento e o processo de formação de sua “base

social”, bem como seus “repertórios de mobilização”. Descrevo suas estratégias de ação, suas

alianças e seus argumentos a partir da noção de “campo” de Bourdieu (1997) interpretando o

Reage São Luís a partir de três “campos”, que correspondem a três itens: 4.1.1 - “Campo”

sociopolítico, 4.1.2 - “Campo científico” e 4.1.3 - “Campo jurídico”. No “Campo” sociopolítico

enfatizo a composição do Reage São Luís, suas atividades e estratégias políticas. No “Campo”

científico, procuro descrever os argumentos utilizados a partir da produção científica de

integrantes do movimento, enfatizando a inserção de experts na coordenação do movimento e

como estes experts foram cruciais para a formação de um quadro argumentativo de contestação

em audiências públicas e na produção de textos informativos. No “Campo” jurídico, descrevo

os argumentos jurídicos construídos por assessores da área jurídica junto à base do Reage São

Luís, entre os instrumentos jurídicos de contestação destacam-se: o Estatuto da Cidade, o Plano

Diretor de São Luís e a Lei de Zoneamento, Parcelamento, Uso e Ocupação do Solo Urbano de

São Luís.

Page 42: Tese Elio Pantoja Para o Trabalho de Sociologia Do Desenvolvimento

39

No Capítulo cinco, apresento o projeto de instalação da Reserva Extrativista de

Tauá-Mirim. Esta RESEX foi discutida pelos moradores e lideranças dos povoados da Zona

Rural II de São Luís ainda nos anos de 1990, entre estes líderes do Taim e Rio dos Cachorros

que protagonizaram a mobilização contra o deslocamento compulsório para instalação do polo

siderúrgico. O Reage São Luís incorporou parcialmente a instalação como ponto de pauta de

suas reivindicações, entretanto, após a inviabilização do polo siderúrgico e a desarticulação do

Reage São Luís, os povoados deram continuidade nas mobilizações defendendo a proposta de

instalação da RESEX. Neste sentido, alguns desdobramentos são importantes. Procuro então

fazer um balanço crítico do processo.

Nas Conclusões procuro sintetizar em linhas gerais os argumentos da tese e também

levanto alguns aspectos sobre a experiência do Reage São Luís quanto a sua importância para

a sociedade civil local e para o debate socioambiental e seus efeitos no âmbito da esfera pública

e nas políticas de desenvolvimento. Apresento também algumas considerações sobre as

possibilidades e limites do Reage São Luís enquanto um movimento social contemporâneo.

Page 43: Tese Elio Pantoja Para o Trabalho de Sociologia Do Desenvolvimento

40

1 O “MEIO AMBIENTE” COMO QUESTÃO SOCIAL: trajetórias e experiências de

movimentos sociais de resistência à instalação de projetos industriais em São Luís-MA

A emergência do debate socioambiental em São Luís remete aos chamados Grandes

Projetos na Amazônia (HÉBETTE, 2004) instalados no decorrer da década de 1970, e mais

diretamente, ao Programa Grande Carajás (PGC), que se estendeu em toda a Amazônia oriental,

incluindo importantes investimentos para extração de minerais para exportação e para as

atividades industriais correlatas, estendendo-se também a atividades agropecuárias e florestais

(HALL, 1989).

O PGC foi institucionalizado pelo Presidente da República, João Figueiredo,

através Decreto Lei 1813, de 24 de novembro de 1980 (SANT'ANA JÚNIOR, 2014). No início

da década de 1980, o município de São Luís-MA foi estrategicamente incluído nos projetos de

infraestrutura e de exploração mínero-metalúrgicos do PGC. Conforme observam Sant'Ana

Júnior, Alves e Mendonça (2007, p. 31), a instalação do Complexo Portuário de São Luís e de

grandes empreendimentos industriais está articulada a um conjunto de medidas governamentais

de desenvolvimento para essa região. Sant'Ana Júnior, Alves e Mendonça (2007, p. 31)

lembram que:

[...] O Programa Grande Carajás surgiu a partir das investidas do regime ditatorial,

instalado a partir de 1964, no sentido da industrialização e, consequente modernização

do país e que previa, concomitante e associadamente, a integração da Amazônia à

dinâmica econômica do país [...] O Governo Federal planejou a instalação de infra-

estrutura básica (construção de grandes estradas de rodagem que cruzassem toda a

região, algumas ferrovias, portos, aeroportos, usinas hidroelétricas) que permitisse a

rápida ocupação da região, entendida, então, como um grande vazio demográfico e,

poderíamos falar mesmo, como um “vazio cultural”. A integração à economia

nacional e internacional dar-se-ia principalmente através da instalação de grandes

projetos de desenvolvimento destinados à exploração mineral, florestal, agrícola e

pecuária.

O primeiro desses empreendimentos foi o PFC, efetivado em 1985 pela estatal

Companhia Vale do Rio Doce (atual Vale S.A). O projeto se conectou com o Maranhão por

meio de seu moderno sistema mina-ferrovia-porto (minas de ferro no sudeste do Pará, Estrada

de Ferro Carajás, Porto de Itaqui e Porto Ponta da Madeira), sendo considerado a “espinha

dorsal” do Programa Grande Carajás. A construção da Estrada de Ferro Carajás ligando a serra

de Carajás no Pará, ao Complexo Portuário de São Luís-MA, foi iniciada em 1979. Com 890

km de extensão construídos, esta ferrovia teve suas operações de transporte de minério iniciadas

em 1985 (ver Mapa 1). De início, a Vale passou a ocupar em São Luís uma área de 2.221,35 ha

(GISTELINK, 1988).

Page 44: Tese Elio Pantoja Para o Trabalho de Sociologia Do Desenvolvimento

41

A inclusão estratégica de São Luís na trilha dos grandes projetos, tendo em vista a

viabilidade econômica do complexo “mina-ferrovia-porto” foi justificada pela “conveniência”,

devido à profundidade dos portos que permitem a atracação de grandes navios17 e o transporte

do minério por ferrovia (TETSUJI, 1986).

A partir das atividades desenvolvidas na mina de ferro de Carajás, foram

desmembrados dois importantes projetos integrados de produção de alumínio que refletiram a

disputa entre empresários japoneses e americanos do setor de mineração.18 O Complexo de

Alumínio Albrás / Alunorte em Barcarena, às margens do Rio Tocantins, próximo da cidade de

Belém-PA, na época ficou sobre o controle da Companhia Vale do Rio Doce (Companhia

VALE), com a participação de empresas estrangeiras como a Royal Dutch Shell-Billiton e

Reynolds, tendo suas operações iniciadas em 1983.

Um segundo projeto já vinha sendo idealizado no âmbito do Projeto Carajás, a ser

construído na cidade de São Luís, levando em conta a localização geográfica, do ponto de vista

da logística portuária para o escoamento da produção para o mercado internacional. Trata-se do

complexo de alumina-alumínio construído no município de São Luís que, naquele momento,

era o maior financiamento privado investido no Brasil e controlado exclusivamente por

multinacionais estrangeiras: a Aluminian Company of American (Alcoa) que tornou-se a

principal beneficiária no projeto, assim como, também a grande consumidora de energia gerada

pela Hidrelétrica de Tucuruí (PA) e beneficiaria da utilização da estrutura de transporte

viabilizada pelo governo brasileiro (PINTO, 1982).

Em 1980, a Alcoa19 chegou ao Maranhão com o nome de Alcominas (Companhia

Mineira de Alumínio), uma subsidiária da Alcoa Alumínio S.A. (Aluminum Company of

America). Em 1981, mediante o consórcio com a Billiton Metais, a empresa mudou seu nome

para ALUMAR - Alumínio do Maranhão (CÁRITAS BRASILEIRA, 1983). Para a instalação

17 Segundo informa o site da Companhia Vale, o Terminal Marítimo Ponta da Madeira é o único porto do Brasil

capaz de carregar o maior navio graneleiro do mundo, Berg Stahl com capacidade para transportar 355,767

toneladas e foi construído especialmente para a rota São Luís-MA - Roterdã (Holanda). (VALE, c2009). 18 Vale ressaltar que, antes de esses projetos serem implantados, o governo brasileiro já vinha desenvolvendo

pesquisas sobre o potencial hídrico da região para os futuros projetos, assim como viabilizando a implantação das

vias de escoamento da produção mineral. A concretização se deu com a construção das ferrovias, entre as quais a

Estrada de Ferro de Carajás (Carajás-São Luís-MA). O aproveitamento energético, voltado para atender a demanda

dos projetos, foi decidido em 1974, quando foi concebida a construção da Hidrelétrica de Tucuruí (Rio Tocantins,

no Pará), sob a alegação do governo brasileiro de que a barragem “[...] era necessária para romper um ciclo vicioso

que impedia a instalação de indústrias na Amazônia, por causa da falta de energia, mas também inviabilizava as

hidrelétricas devido à inexistência de indústrias altamente consumidoras de energia na região” (PINTO, 1982, p.

16). 19 O Consórcio de Alumínio do Maranhão (ALUMAR) atua na produção de alumínio primário e alumina e foi

inaugurado em Julho de 1984; é formado pelas empresas Alcoa, BHP Billiton e RioTinto Alcan. (ALUMAR,

c2010).

Page 45: Tese Elio Pantoja Para o Trabalho de Sociologia Do Desenvolvimento

42

da fábrica de alumínio da Alcoa foi concedida inicialmente uma área de 3.500 ha por meio de

um acordo entre a empresa e o governo estadual. Posteriormente, a empresa requereu do

governo estadual, o aumento de 10.000 ha, o que correspondia, a 12% do território da Ilha do

Maranhão e a 50% do Distrito Industrial de São Luís (CÁRITAS BRASILEIRA, 1983). A

fábrica da ALUMAR, desde então, passou a receber, em São Luís, o minério trazido por navios,

vindo dos municípios de Oriximiná e Juriti, ambos localizados no oeste do Estado do Pará,

região de Trombetas, onde o consórcio até hoje, explora as minas de bauxita.

Durante o trabalho de terraplanagem e desocupação da área para instalação da

fábrica de alumínio da Alcoa surgiram vários protestos contra “danos ambientais” e, em julho

de 1980, num ato simbólico, como uma forma de resposta a essas manifestações, a empresa

plantou uma muda de pau d’arco amarelo, nas margens da BR-135, na área do Distrito

Industrial, marcando o início da construção da obra (CÁRITAS BRASILEIRA, 1983).

Evidentemente, a ocupação pelos projetos governamentais e da iniciativa privada, de tão

significativa porção territorial da Ilha do Maranhão, em grande parte, já ocupada por famílias

de trabalhadores rurais e de pescadores, teve sérias consequências: gerou conflitos pela posse

da terra e causou fortes impactos ambientais – o que já vinha acontecendo desde o final dos

anos de 1970. Os conflitos se acirraram nos anos de 1980 com a resistência posta aos

deslocamentos por organizações comunitárias e através de manifestações e denúncias públicas

que mostravam evidências da destruição ambiental provocada pela instalação das empresas.

As críticas sociais mais diretas aos efeitos da industrialização e que trouxeram à

tona o debate socioambiental em São Luís, podem ser exemplificadas nas seguintes obras, já

citadas na Introdução: “Alcoa na Ilha: um documento acerca das implicações sociais,

econômicas e ambientais da implantação de uma indústria de alumínio em São Luís,

Maranhão”, de Bárbara Eglish (1984) e “Carajás, usinas e favelas”, de Frans Gistelink (1988).

Vale destacar um breve comentário sobre estes autores pela vivência que eles tiveram com as

populações afetadas diretamente pelo programa Grande Carajás e, em especial, em São Luís.

Ann Bárbara Eglish, também conhecida como Irmã Bárbara é uma missionária

americana, membro da Congregação Irmãs de Notre Dame de Namur que chegou a São Luís

em meados dos anos de 1960. Juntou-se aos padres missionários da Ordem Redentorista dos

EUA que haviam criado a uma paróquia na parte sul da Ilha do Maranhão, cujo nome original

era Cristo Redentor. Com estes missionários, Irmã Bárbara atuou entre 1969 e 1978 nesta

Paróquia. Com a saída dos Padres da Ordem Redentoristas as Irmãs de Notre Dame ficaram

fragilizadas politicamente, pois, o bispo de São Luís, Dom Mota, enviou um padre com intuito

de combater a ação política das CEBs, uma vez que as atividades das CEBs foram consideradas

Page 46: Tese Elio Pantoja Para o Trabalho de Sociologia Do Desenvolvimento

43

por ele como “subversivas” e “anti-religiosas”. Entretanto, o trabalho das CEBs, desde os anos

de 1970, havia fortalecido as organizações populares, pois, além das atividades litúrgicas, “[...]

haviam também desenvolvido um sistema de redes regionais de apoio mútuo” (ADRIANCE,

1996). Em 1985 Irmã Bárbara teve um papel político importante na organização política dos

povoados rurais para a resistência contra a instalação da fábrica de alumínio da Alcoa.

(ADRIANCE, 1996). Para as lideranças dos movimentos populares de São Luís, Irmã Bárbara

deixou um importante legado quanto à autonomia das organizações dos povoados.

Frans Gistelink começou seus primeiros contatos com a realidade da população

rural do Maranhão por meio de suas experiências de trabalho eclesial como padre e,

posteriormente, como funcionário do Instituto de Terra do Maranhão (ITERMA). Em dezembro

de 1974, participou de um encontro das Comunidades Eclesiais da área rural de São Luís, no

Centro Paroquial Cristo Redentor, na qual se discutia “o dragão de Carajás”, nome dado, pelos

movimentos de resistência, à Amazônia Mineração S/A (AMZA)20, em função do impacto de

suas obras nas proximidades do povoado de pescadores do Boqueirão e do Bairro Anjo da

Guarda. A sua participação nesse evento levou Gistelink a dar mais atenção à situação das

famílias deslocadas e às formas de organização política dos povoados rurais que naquele

momento resistiam contra os empreendimentos industriais. Relatando seu contato inicial “com

a problemática de Carajás”, Gistelink (1988, p. 7) descreve o seguinte sobre o bairro Anjo da

Guarda próximo as instalações da Companhia Vale:

[...] A população em torno de duas mil famílias tinha chegado a esta área cinco anos

antes, transferida do centro da cidade pelo governo estadual, em condições difíceis e

com muitas promessas não cumpridas, e já enfrentava de novo a ameaça de ser

expulsa.

No Anjo da Guarda este autor destacou o surgimento de “áreas de invasão” e a

situação de famílias de migrantes, a exemplo da área denominada de “Mauro Fecuri” e registrou

também a chegada de famílias remanejadas de outras áreas ocupadas pela Vale, famílias de

migrantes do interior do estado atraídas pelas promessas de empregos e de famílias oriundas de

bairros populares de São Luís pressionadas pela especulação imobiliária.

No livro “Terra Prometida: as Comunidades Eclesiais de Base e os Conflitos

Rurais” de Adriance (1996), esta autora diz descreve o seguinte

[...] cada CEB já tinha criado uma variedade de serviços sociais e religiosos: extensão

comunitária, cuidado das pessoas, doentes, preparação catequética de adultos e

crianças para os sacramentos, reflexão bíblica e celebração litúrgicas. Juntas haviam

20 A AMZA foi criada em 1970 pelo governo brasileiro por meio da Companhia Vale do Rio Doce como resultado

de uma negociação durante três anos com a empresa estrangeira US Steel. Sendo 51% do capital acionário em

poder da CVRD e 49% sob o controle da US Steel (HALL, 1991).

Page 47: Tese Elio Pantoja Para o Trabalho de Sociologia Do Desenvolvimento

44

também desenvolvido um sistema de redes regionais de apoio mútuo. (Adriance 1996,

p. 84).

Estes registros são de suma importância e colocam em relevo o papel político das

CBEs. De um lado, pelo trabalho de base que fortaleceu politicamente as relações comunitárias

já existentes, e também, por outro, ajudando estas organizações a questionarem os efeitos da

poluição ambiental gerados com a instalação de projetos industriais nos anos de 1980. E o que

de fato interessa ao debate socioambiental no que diz respeito à experiência de instalação desses

empreendimentos no Maranhão é o modelo de ocupação econômica que traz como

consequência imediata o desmantelamento da pequena produção camponesa em boa parte do

estado e, especificamente na Ilha do Maranhão, a desarticulação do modo de vida de inúmeras

comunidades de pescadores, agricultores e extrativistas (GISTELINK, 1988; ADRIENCE,

1996). Por outro lado, como observa Hébette (2004), considerando o sentido da expressão “o

cerco está se fechando” para caracterizar a chegada e penetração do “grande capital” na

Amazônia, vê-se que é necessário levar em conta a resistência e a busca de autonomia das

populações locais.

Nos anos de 1980, os movimentos sociais tiveram um papel muito importante na

crítica aos efeitos causados pelos resíduos industriais ao ambiente no município de São Luís.

Destacaram-se nesses movimentos, as organizações comunitárias de povoados da Zona Rural

aliados aos setores progressistas da Igreja Católica, a parlamentares e profissionais liberais

sensíveis aos danos ambientais. Nesse contexto, a preocupação ambiental tomou um rumo

político, indo muito além de uma questão de controle técnico da poluição. Os movimentos de

contestação levaram a questão ambiental ao debate público, pois, implicaram, sobretudo, em

decisões políticas e mudanças sociais significativas que afetavam a população de toda a ilha.

1.1 Papel político das Comunidades Eclesiais de Base (CEBs) da Igreja Católica e do

Comitê de Defesa da Ilha.

A emergência dos movimentos de contestação no início dos anos de 1980 em São

Luís de fato está associada aos projetos industriais, entretanto, tal emergência encontra um

terreno fértil na conjuntura mais ampla dos movimentos sociais no Brasil, sob a nova

designação de “movimentos populares”. É fundamental considerar esse histórico de resistência

nos anos de 1980 em São Luís e os processos pelos quais estas experiências produziram

importantes repertórios de mobilização, que foram atualizados no contexto recente a partir de

2000, quando os projetos de desenvolvimento foram retomados.

Page 48: Tese Elio Pantoja Para o Trabalho de Sociologia Do Desenvolvimento

45

Em primeiro lugar, é importante dizer que o “Movimento Popular” no Brasil passou

a ser percebido por acadêmicos e intelectuais ligados às universidades brasileiras pela ótica da

valorização da capacidade cognitiva de ação e de agenciamento do “povo” na vida política.

Entre os principais atores que potencializaram as “lutas populares”, está a Igreja Católica

através de seus setores progressistas. A inserção desses setores da Igreja nos movimentos

populares se deveu em grande parte ao impulso propiciado pelas mudanças de sua atuação após

a aprovação das diretrizes do Concílio Vaticano II (1962-1965). Em linhas gerais, as diretrizes

deste evento buscaram adaptar as ações da Igreja às novas realidades políticas e sociais

contemporâneas que, no Brasil, foram marcadas pelo processo de luta política pela

redemocratização do país. Destaca-se, entre outras organizações que surgiram nesse contexto,

a Comissão Brasileira de Justiça e Paz (CBJP, 2010) que teve um papel relevante na proteção

aos perseguidos políticos, sobretudo, após a institucionalização do Ato Institucional Número 5

(AI-5) em 1968 pelo regime ditatorial.

Na mesma época, a atuação dos setores progressistas da Igreja Católica no Brasil

foi marcada pela presença das CEBs, surgidas também entre os anos de 1960 e 1970, sob a

orientação da Teologia da Libertação, que impulsionou decididamente a participação de

“leigos”, e de pessoas de setores marginalizados da sociedade brasileira na vida política. A

atuação das CEBs, comungando com as orientações da Teologia da Libertação e com o método

de educação popular de Paulo Freire, apoiadas por “intelectuais orgânicos”21 das universidades

e de classes populares, reflete a proposta que considera “o povo como sujeito de sua própria

história” (DOIMO, 1995). Esta redescoberta do “povo” trouxe uma série questões

sociologicamente importantes. Dentre elas o sentido de “comunidade”, assim como a noção de

“classe popular”, que haviam ambas sido renegadas, por grande parte da intelectualidade

acadêmica, sobretudo, os intelectuais de esquerda.

Em São Luís, desde o final dos anos de 1960, as CEBs tiveram um papel importante.

Padres missionários Redentoristas e Irmãs da Congregação Missionárias de Notre Dame de

Namur, chegados a São Luís ainda nos anos de 1960, visitavam regularmente os povoados

rurais de São Luís. Nos “festejos de santos padroeiros”, celebravam missas, faziam batizados e

21 O conceito de “intelectuais orgânicos” foi elaborado por A. Gramsci (1995) ao referir-se ao papel desempenhado

por intelectuais “especializados” e originados de seus respectivos grupos sociais ou de sua classe. Diz Gramsci

(1995, p. 3): “[...]cada grupo social, nascendo no terreno originário de uma função essencial no mundo da produção

econômica, cria para si, ao mesmo tempo de um modo orgânico, uma ou mais camadas de intelectuais que lhe dão

homogeneidade e consciência da própria função, não apenas no campo econômico, mas também no social e no

político [...]”. Organizar e expandir os interesses da própria classe, eis uma das funções elementares desse tipo de

intelectual que, nesse sentido, deve reunir não somente habilidades intelectuais de sua atividade restrita no

desempenho de suas funções econômicas, mas uma capacidade de “organizar a sociedade em geral” visando criar

condições para expandir os interesses de sua classe.

Page 49: Tese Elio Pantoja Para o Trabalho de Sociologia Do Desenvolvimento

46

casamentos, ao mesmo tempo em que aproveitavam a “oportunidade para começar a oferecer

às pessoas um modo diferente de expressar sua fé” e de assumirem a responsabilidade pela

organização de sua própria vida religiosa (ADRIANCE, 1996, p. 82).

É nesse período que se registra presença de um trabalho de “educação popular”. O

trabalho dos missionários tinha um caráter político pedagógico, pois, eles estimulavam, a partir

das leituras bíblicas, a reflexão-ação sobre a realidade dos povoados e da vida das pessoas. Os

problemas que atingiam os povoados rurais na Zona Rural de São Luís na época eram por um

lado, a chegada dos “grileiros”22 e, por outro lado, a integração por parte do governo estadual,

das terras dos pequenos produtores, em áreas do cinturão industrial.

Para Adriance (1996), a questão fundiária em São Luís se tornou, na época, o

principal problema discutido pelas CEBs e as preocupações ambientais também foram se

aprofundando nos anos de 1980 com a instalação de indústrias na cidade. Veja-se, abaixo, um

trecho do depoimento de Irmã Bárbara extraído de Adriance (1996, p. 83), referente ao método

de trabalho das CEBs:

[...] começamos com um método de reflexão-ação: a vida e o evangelho. Prestamos

atenção à Palavra, à palavra viva na vida das pessoas. Então usamos a Palavra bíblica

para trazer à luz aquela realidade e para motivar as pessoas a reagir a ela. Elas

começaram ver as implicações das reflexões que faziam sobre a Bíblia e começaram

a agir de modo a melhorar a própria vida.

No início dos anos de 1980, iniciaram-se as obras de terraplanagem para instalação

da Alcoa. Com o processo de desapropriação de terras, duas organizações populares tiveram

importante papel nas ações de resistência. A Associação Agrícola do Cristo Redentor

(ASSACRE), fundada em 1976 e que difundia técnicas de manejo e incentivava a realização de

hortas comunitárias, e o Comitê de Defesa da Ilha, fundado em 1980 e formado por um grupo

de militantes e intelectuais, entre estes, advogados, jornalistas, parlamentares de esquerda,

funcionários públicos e religiosos ligados ao setor progressista da Igreja Católica. Na mesma

época o Comitê de Defesa da Ilha, em conjunto com as organizações comunitárias e com as

Pastorais da Igreja Católica, protagonizou a luta política em defesa dos povoados rurais e das

causas ambientais, tendo como objeto de contestação a instalação da fábrica da Alcoa em São

Luís. Segundo Eglish (1984, p. 28-29):

[...] Ao mesmo tempo em que os moradores do interior da ilha estavam tentando se

organizar, na cidade, o poeta e escritor, José Nascimento Moraes Filho, já reagia

energicamente contra a Alcoa. Logo um grupo de pessoas de diversas profissões,

preocupadas com a ecologia e com o prejuízo social reuniu-se com o professor

22 Conforme Asselim (2009), a “grilagem” de terras consiste na falsificação de documentos visando à obtenção de

escrituras de terra em cartórios, garantindo a titulação da propriedade privada das mesmas. “Grileiros” são aqueles

que detêm títulos de propriedade de terras por meio destes procedimentos.

Page 50: Tese Elio Pantoja Para o Trabalho de Sociologia Do Desenvolvimento

47

Nascimento, e juntos fundaram o Comitê de Defesa da Ilha de São Luís no dia 10 de

agosto de 1980, data comemorativa de Gonçalves Dias, poeta da natureza. Esse

Comitê com grande aceitação na comunidade, tem sido até agora o principal

sustentáculo da luta popular contra a Alcoa. Através de um forte programa de

comunicação nas ruas, nos jornais, no rádio e na TV, o Comitê prossegue em seu

propósito de manter informada a população de São Luís, e de, assim, contribuir a seu

senso crítico a respeito da Alcoa e do “progresso” trazido por essa companhia

transnacional. Também lança-se sempre em ações concretas de apoio à população do

interior da ilha à sua luta contra a Alcoa promovendo, na cidade, debates e

manifestações sobre a ecologia e a conservação do meio-ambiente.

E ainda, conforme relata Adriance (1996, p. 87), referindo-se as ações do Comitê:

[...] em agosto de 1980, organizaram o Comitê para Defesa da Ilha, que iniciou uma

campanha de esclarecimento ao público, por meio da imprensa nacional e

internacional, sobre os perigos de uma refinaria de alumínio naquele local. O comitê

providenciou amparo jurídico para os moradores dos povoados, desafiou

judicialmente três vezes a Alcoa por ações ilegais, promoveu debates na televisão,

estimulou o debate em programas de rádio e trabalhou em solidariedade com

organizações ambientalistas internacionais..

Sobre os atores que integraram o Comitê de Defesa da Ilha, vale descrever o seu

perfil e algumas ações importantes que caracterizaram o movimento de resistência naquela

época. Destaco o papel político de um de seus fundadores, o Jornalista e poeta maranhense

Nascimento de Moraes Filho, militante das causas sociais. Em um de seus poemas mais

conhecidos, Clamor da Hora Presente, publicado em uma Edição do Bem-Te-Vi, Informativo

do Comitê de Defesa da Ilha, em 200123, nota-se a crítica social deste poeta aos efeitos sociais

e ambientais da Alcoa em São Luís. Abaixo dois trechos extraídos do poema:

[...] Sou o filho da Miséria e da Injustiça / - Revolução é o meu nome! / Rugem dentro

de mim/os desejos recalcados das multidões! / trago dentro em mim a angústia dos

mártires / e arrastam-se comigo as vidas mutiladas! / Em cada lágrima de dor soluça

uma inocência crucificada e estorcem-se comigo as dores dos séculos! / Na minha

boca faminta, / tenho a fome de todos os que morrem sem comida! / Empunho a

destruição das castas [...] / Vinde a mim! /Vinde a mim, jovens de todo o mundo! /

Jovens, / A Liberdade é sol! [...] - Rebelai-vos! Rebelai-vos / Quebrai, ó almas

acorrentadas, quebrai /as Pesadas Cadeias da Opressão! / Destruí os Monstros

Sagrados,/ que vos devoram no Holocausto Social!…/ A Lei Servil – Capanga dos

Potentados – /queimai-a! queimai-a! / A Toga Corrupta rasgai-a em praça

pública,/rasgai-a! / E entronizai na Liberdade o Povo destronado! / Em vez das

profanadas imagens das igrejas colocai uma letra do alfabeto em cada altar! [...].

(MORAES FILHO, 2001, p. 2).

No trecho seguinte Nascimento de Moraes atribui ao consórcio da Alcoa

(ALUMAR) os termos “Alu-mata” e “Besta Fera”, que foram utilizados como símbolos nas

manifestações de resistência contra a fábrica de alumínio.

Vós que fostes Jesus, há dois mil anos, / expulsai do Sagrado Templo da Humanidade,

/ As malditas Alcoas / - Bestas-Feras,/que, fantasiadas de ilusões douradas, / acenam-

23 Texto publicado na Edição Especial do Bem-Te-Vi, Informativo do Comitê de Defesa da Ilha de São Luís (set.

2001, p. 2).

Page 51: Tese Elio Pantoja Para o Trabalho de Sociologia Do Desenvolvimento

48

vos com Esmeraldas da Esperança!… / - ALUMAR de Três Cabeças / (Billiton,

Alcoa, Shell)! / Besta-Fera,/que, mascarada de Progresso, / Alu-mata A Terra!/ as

Águas! / o Ar! / Alu-mata / O Verde!/ o Azul! / Alu-mata a Vida / Expulsai as Malditas

Alcoas! / - Alcoas, que alu-matam o corpo! / - Alcoas, que alu-matam a alma! /

Expulsai-as/com o látego de vossa cólera divina / - Expulsai-as! Expulsai-as! /

Jovens,/O Novo Dia vos chama! /- Marchai! Marchai! / Condores,/O Infinito vos

espera! /- Voai! (MORAES FILHO, 2001, p. 2).

No Comitê de Defesa da Ilha participaram também, figuras importantes da política

ambiental nacional como Raul Ximenes Galvão, químico e ambientalista que teve experiência

como consultor da ONU para assuntos ambientais e, também, como assessor do Ministério do

Planejamento. Em um trecho da entrevista publicada na “Revista de Ensino de Ciências”, n.

18, 1987, Raul Ximenes diz o seguinte:

[...] Do meu ponto de vista o maior atentado ao meio ambiente é o que se faz no Golfão

Maranhense, formado pelas baías de São Marcos e de São José. Esse estuário, um dos

maiores lares de reprodução e alimentação de fauna marinha do litoral norte do Brasil,

é integro, até os anos 80 passou a sofrer as consequências da construção do Porto da

Madeira da Companhia Vale do Rio Doce e da instalação da ALCOA, multinacional

do alumínio a que foi entregue 1/5 da ilha de São Luís [...] São Luís recebe cerca de

76 toneladas por dia de dióxido de enxofre e de fluoretos proveniente dessa indústria.

(XIMENES, 1987)

Em 1980, os representantes da Alcoa no Brasil estiveram em diferentes momentos

na cidade de São Luís para tratar da viabilidade da indústria de alumínio. Como foi registrado

pelo “Jornal Pequeno” do dia 5 de junho de 1980, enquanto os representantes da Alcoa

ressaltavam “os reflexos (positivos) da implantação da indústria do Alumínio no Maranhão” e

negavam “efeitos nocivos do impacto ecológico”, por outro lado, parlamentares oposicionistas

e os movimentos sociais questionavam o “modelo de industrialização” em curso. O trecho

abaixo, registrado pelo referido Jornal, sintetiza o conteúdo do discurso de intervenção do

Deputado Haroldo Sabóia, do Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB), e

membro do Comitê em Defesa da Ilha:

[...] O deputado Haroldo Sabóia denunciou ontem da tribuna da Assembleia

Legislativa a instalação de uma usina de produção de alumínio e alumina [...] A usina

“transformará São Luis num lixeiro da produção capitalista [...] A multinacional

precisará de 400 mil metros cúbicos de água e o Estado é que será o responsável por

esse fornecimento através do Projeto Italuís [...] Haroldo assinala que “enquanto a

Alcoa receberá quase de graça a bauxita, energia, transporte, água, terreno, São Luís

receberá o lixo como resultado imediato dessa implantação. Esse lixo é formado pelas

emissões de resíduos apelidado de lama vermelha, constituído de proporção quase

igual a dos produtos exportados [...]. (JORNAL PEQUENO, 1980).

A situação dos povoados impactados pela fábrica da Alcoa repercutiu também no

âmbito da Câmara Federal e no Senado. Por meio dos contatos com as irmãs de Notre Dame, a

notícia foi divulgada na imprensa internacional. Em 29 de junho de 1983, apareceu no Jornal

Inglês Guardian Third World Report; em 15 de agosto de 1983 no Jornal World Environment

Page 52: Tese Elio Pantoja Para o Trabalho de Sociologia Do Desenvolvimento

49

Report; em 22 de agosto de 1983 no Jornal of Commerce - todos repercutindo notícias sobre a

resistência popular em São Luís (EGLISH, 1984).

Ainda, é importante mencionar o papel das irmãs de Notre Dame de Namur quanto

ao auxílio prestado ao Comitê de Defesa da Ilha. Além de Irmã Bárbara, mencionada acima,

importa destacar a pessoa de Irmã Anne outra personagem importante no processo de educação

popular em São Luís. Irmã Anne Caroline Wihbey, natal da cidade de Waterbury, Connecticut,

nos Estados Unidos, e também da Congregação Irmãs de Notre Dame de Namur, chegou a São

Luís no início dos anos 1970. Entre 1970 e 1980, atuou na área da saúde, sobretudo, com as

mulheres da zona rural de São Luís. Junto com Irmã Bárbara, participou da resistência à

implantação da Alcoa. Entre 1984 e 1998 permaneceu na Nicarágua a pedido de sua

congregação e procurou aproximar as experiências nos dois países. Ao retornar em 1999,

compartilhou suas experiências de participação nas reuniões da Organização Mundial de Saúde

(OMS) e da Organização das Nações Unidas (ONU), cujos canais pode divulgar a situação das

comunidades quilombolas do município de Alcântara-MA, onde desenvolve atividades de

educação popular na área de saúde com as mulheres dessas comunidades e também passou a

fazer parte da Comissão de Justiça e Paz da Arquidiocese de São Luís. Em 2004 participou

ativamente do Movimento Reage São Luís e, em 2006, recebeu o título de Cidadã Maranhense

pela Assembleia Legislativa do Maranhão (ASSEMBLEIA LEGISLATIVA. c2014).

A contribuição de Irmã Anne nas discussões sobre ambiente em São Luís foi

fundamental pela sua experiência em outros países, sobretudo pelo seu ativismo nas

organizações internacionais, a exemplo da Organização Mundial da Saúde, e o

compartilhamento dessas experiências com os membros do Comitê de Defesa da Ilha nos anos

de 1980 e, posteriormente, nos anos de 2000, na resistência ao polo siderúrgico enquanto

membro do Movimento Reage São Luís.24

Importa considerar que nesses registros de ações e discursos a colocação dos

problemas ambientais nos anos de 1980. Seguindo os relatos de Eglish (1984), é possível

considerar que as CEBs nesse momento, atuando em conjunto com as organizações, entre elas

o Comitê, vinham incorporando, em seus trabalhos de “educação popular”, as reivindicações

relativas a defesa do meio do meio ambiente.

A situação mais emblemática no início de 1980 ocorreu com relação ao povoado de

Igaraú, que sofreu fortes impactos ambientais e perda de grande parte de suas terras para

instalação da fábrica de alumínio da Alcoa. As famílias que resistiram tiveram apoio do Comitê

24 Notas de depoimentos de Irmã Anne Caroline Wihbey, membro da Congregação Irmãs de Notre Dame em São

Luis, em entrevista em 17 set. 2012.

Page 53: Tese Elio Pantoja Para o Trabalho de Sociologia Do Desenvolvimento

50

de Defesa da Ilha, por meio de orientação e ações jurídicas. Na resistência conjunta com o

Comitê, contestaram a concessão do terreno para instalação da fábrica pelo governo estadual,

assim como, contestaram também, a construção de lagos de tratamento de resíduos químicos,

os chamados “lagos vermelhos”. As famílias de Igaraú que resistiram passaram a denunciar as

ameaças dos seguranças das empresas e de policiais militares aos moradores e, ao mesmo

tempo, alegavam também haver riscos de contaminação pelos resíduos químicos depositados

nos lagos.

A imagem da Alcoa criada pelos movimentos nos anos de 1980, em especial, pelo

Comitê em Defesa da Ilha foi representada através do desenho de um dragão apelidado de

“besta fera”, imagem publicada em destaque no Informativo do Comitê de Defesa da Ilha,

“contra a instalação da Alcoa no interior do capital maranhense”.

Figura 1 – “Besta Fera”: imagem usada como símbolo de contestação pelo

Comitê de Defesa da Ilha nos anos 1980.

. Fonte: Edição Especial do Bem Te Vi, Informativo do Comitê de Defesa da Ilha de São Luís

(Setembro de 2001, p.01)

Na página 4 deste Informativo a imagem da “Besta Fera” está acompanhada de um

trecho do poema “Clamor da Hora Presente”, do poeta Nascimento de Moraes Filho, que diz:

“[...] ALUMAR de três cabeças, De três carrancas de incréu! Três desgraças num só corpo -

Biliton, Alcoa, Shel!!! / Fora, Alcoa! Fora Alcoa! / Credo em Cruz! Monstro infernal!! / Fora,

Alcoa! Fora, Alcoa! / Fora, por bem ou por mal!!"

Page 54: Tese Elio Pantoja Para o Trabalho de Sociologia Do Desenvolvimento

51

E os editores relatam ainda na mesma página uma matéria sobre a visita do

Presidente da República, João Batista Figueiredo, à cidade de São Luís às vésperas das eleições

de 15 de novembro de 1982. Durante a visita, em pronunciamento público, o general havia

apelidado os membros do Comitê de “Profetas do Pessimismo”. Na mesma matéria, os

membros do Comitê de Defesa da Ilha declaram o seguinte:

[...] Profetas do Pessimismo por, prevermos em 1980, as desgraças que acontecem

hoje![...] por lutarmos, desde 1980, contra as desgraças que acontecerão amanhã! E

prega o presidente João Batista Figueiredo política de mão estendida para as

multinacionais, para os poderosos e a mão esquerda, a sinistra, estendida para o

povo...para puxá-lo para o abismo25.

Além das denúncias contra o governo, do confronto com as corporações

multinacionais, Shell, Billiton e Alcoa, o Comitê de Defesa da Ilha promoveu importantes

debates nas rádios, denunciando a situação do povoado de Igaraú. A metáfora da “Besta Fera”

foi a forma mais direta para chamar a atenção da população de São Luís sobre o poder destrutivo

daquelas empresas. Tratava-se de um momento importante de mudanças sociais, de discussões

e de formação deste “senso crítico” sobre o “progresso”, de que fala Eglish (1984).

Projetar as duas imagens, de um lado, a da “besta fera” e, de outro, a dos “profetas

do pessimismo”, é uma forma de traduzir a lógica dos conflitos, explicitando, inclusive, o cunho

fortemente ideológico das noções de progresso e desenvolvimento, num momento significativo,

em que ocorrem mudanças sociais importantes, como a chegada de empreendimentos

industriais em São Luís no início dos anos de 1980.

Na Edição Especial do “Bem Te Vi”, Informativo do Comitê de Defesa da Ilha de

São Luís (O BEM TE VI, 2001, p. 3), os editores publicaram o conteúdo de um processo

judicial, um “Recurso Especial” demandado por Nascimento de Moraes Filho, enquanto

representante do Comitê de Defesa da Ilha que foi enviado ao Tribunal Superior Eleitoral –

TSE em 08 de agosto de 2000 e assinado pelo advogado Altamir Bastos Carvalho, membro do

Comitê. O texto, “Razões do Recurso Especial” (BEM TE VI, 2001, p. 3), expunha as razões

que levaram o Comitê em Defesa da Ilha a pedir a impugnação da candidatura de João Castelo

a prefeito de São Luís, sob alegação de ser ele judicialmente responsável pelos danos ambientais

provocados pela instalação da fábrica da Alcoa:

[...] São Luís, rodeada de aririzais (palmeiras), juçarais, babaçuais, manguezais, região

estuarina, com lâminas de água potável e lençóis freáticos, irremediavelmente

comprometidos e destroçados com a instalação dessa fábrica de dura tecnologia, a

qual emite gases de fluoreto, tem contaminado com vazamento as áreas de cobertura

vegetal, motivo de inquérito civil público e propositura de ação civil pública pela

25 Ibdem.

Page 55: Tese Elio Pantoja Para o Trabalho de Sociologia Do Desenvolvimento

52

Curadoria do Meio Ambiente, praticamente comprovando as alegações sustentadas na

ação popular [...].

Em 2005, antigos membros do Comitê de Defesa da Ilha estiveram presentes nas

Audiências Públicas para consulta da população de São Luís sobre a alteração da Lei de

Zoneamento, Parcelamento, Uso e Ocupação do Solo. As experiências de resistência e as

consequências sociais e ambientais em decorrência da instalação da fábrica de alumínio da

Alcoa (ALUMAR) foram lembradas para alertar sobre a possibilidade de instalação do polo

siderúrgico anunciado pelo Governo do Maranhão e pela Companhia Vale.

[...] Eu queria aqui dar o testemunho da chama que o Professor Nascimento

(Nascimento de Moraes Filho) plantou quando da resistência contra a implantação

aqui da ALUMAR. Ela germinou e ainda tem muita gente aqui resistindo contra essa

implantação que não é mais uma ALUMAR, são três ALUMAR juntas. É preciso a

gente dizer e dar o testemunho aqui e agradecer que ao Sr com os demais da época,

foi importante para que esta chama continue viva em toda alma que está aqui presente,

que ela vai ecoar no Maranhão todo [...]. (Raimundo Martins, morador da Zona Rural

de São Luís)26

Entre 2004 e 2005, os povoados que se depararam com a ameaça de deslocamento

para dar lugar ao projeto de instalação do polo siderúrgico, deram continuidade à experiência

de mobilização dos anos de 1980 e, frequentemente, mencionaram em seus relatos o exemplo

de organização política e de resistência dos moradores atingidos pela Companhia Vale do Rio

Doce e pela ALUMAR, comparando-os à sua situação de ameaça atual.

26 Ata de Audiência Pública sobre a alteração da Lei de Zoneamento, Parcelamento, Uso e Ocupação do Solo de

São Luís, realizada em 8 mar. 2005 no povoado de Vila Maranhão em São Luís-MA.

Page 56: Tese Elio Pantoja Para o Trabalho de Sociologia Do Desenvolvimento

53

2 DA “BESTA FERA” À PRETENSÃO DE “GIGANTES”: atores comerciais globais e

a instalação de uma siderúrgica em São Luís-MA

2.1 Polo Siderúrgico de São Luís: contexto e descrição do projeto

Após duas décadas da instalação da fábrica da Alcoa, foi planejado um grande

projeto minero-metalúrgico para ser instalado em São Luís. O contexto era de crescente

expansão mundial da economia de commodities e inserção da economia brasileira no processo

de transnacionalização dos mercados de mineração (COELHO et al, 2010) envolvendo atores

comerciais globais. Por outro lado, entretanto, havia que considerar que, para a concretização

da expansão dos mercados globalizados, haveria a incorporação de territórios e alterações

importantes na vida social das populações locais. Por outro lado, as populações locais inseridas

nesses processos de expansão têm se mobilizado em vários sentidos: na perspectiva de obtenção

de ganhos com novas oportunidades e também exigindo a permanência nos territórios buscando

melhorias nos povoados tais como, asfaltamento das vias de acesso ao local de moradia,

melhoria no transporte público, instalação de postos de saúde e de escolas, buscam do Estado

as políticas sociais e, com as empresas buscam parceria por meio de projetos sociais. Assim,

elas buscam canais institucionais de participação que, embora sendo restritos, abrem

possibilidades de questionamento das tomadas decisão.

Como comentei na introdução da tese, noções como “confronto” e “arena”, a partir

da “socioantropologia” de Olivier de Sardan (1997), são elementos importantes neste estudo e

informam a descrição do campo empírico. Para Olivier de Sardan (1997, p. 178), a ideia de

Arena guarda aproximações com duas noções: a noção anglo-saxônica de social-field “espace

transversal où coexistante des institutions et des rôles multiples” e a noção de champ usada por

Bourdieu, considerando que se trata um “concept ouvert” e suscetível de variações e não

unívoco. O champ é um espaço de relações de força e de poder. Esta perspectiva é adotada por

Oliver de Sardan para formular um novo conceito que é o de “Arena”. Arène, entretanto, como

propõe este autor, é um conceito mais pragmático e tem um conteúdo mais descritivo da ação,

se comparado à ideia de champ. Notemos que o propósito de Olivier de Sardan (1997, p. 178-

179) é ampliar a noção de champ, uma vez que, na perspectiva de Bourdieu, se trata de uma

“estrutura social autonomizada” com instituições, agentes especializados, hierarquia de

posições, linguagens interiorizadas pelos agentes por meio do “habitus”. A noção de Arène é

definida da seguinte forma:

Page 57: Tese Elio Pantoja Para o Trabalho de Sociologia Do Desenvolvimento

54

Arène est une notion d`ordre plus interaccionniste, et aussi plus “politique” (au sens

qu’à ce terme pour la sociologie des organisations) [...] au sens où nous l’entendons,

est un lieu de confrontations concrètes d’acteurs sociaux en interaction autour

d’enjeux communs. Elle relève d’un espace “local”. Un projet de développement est

une arène. Le pouvoir villageois est une arène. Une coopérative est une arène. Arène

a un contenu descriptif plus fort que champ. (OLIVIER DE SARDAN, 1997, p. 179).

A noção de Arena será retomada mais adiante. Neste capítulo, começo descrevendo

os atores sociais relevantes que, por assim dizer, compuseram a Arena pública da disputa em

torno da proposta de instalação do polo siderúrgico. Pode-se dizer que nesta experiência do

polo siderúrgico há múltiplas lógicas em processo de “confrontação” informadas pelas

diferentes formas de uso social dos territórios e de seus recursos em questão, entretanto, destaco

duas lógicas de confronto como sendo as mais expressivas. De um lado, a luta por parte dos

povoados rurais que historicamente resistem ao deslocamento para instalação de

empreendimentos industriais e seus aliados. Por outro, as investidas contínuas por parte do

Estado e da iniciativa privada em converter as áreas rurais em áreas industriais para efetivar a

instalação de indústrias.

Relevante também é o papel da imprensa como ator social no processo de formação

da opinião pública. A imprensa tem um papel crucial, pois a produção da informação sobre o

andamento das negociações entre o governo maranhense com a Companhia Vale e os

investidores estrangeiros reflete seus interesses assumidos com os grupos políticos em disputa

no âmbito local. O exemplo desse reflexo está nas posições assumidas se não declaradamente,

mas pelo menos indiretamente. Nas circunstâncias do debate sobre o polo siderúrgico entre

2004 e 2005, é possível identificar a posição dos órgãos de imprensa com relação à decisão do

governo estadual. Em 2004, o Maranhão estava sendo governado por um grupo político de

oposição ao grupo político do Senador José Sarney que embora sendo eleito pelo Estado do

Amapá, mantém vínculos políticos no Maranhão. De fato, um dos Jornais de maior circulação

no Maranhão, o “Jornal O Estado do Maranhão”, durante o período em que se discutiu o projeto

siderúrgico entre 2004 e 2005, apresentou várias matérias apontando e reforçando os entraves

para viabilizar o projeto siderúrgico. Ao mesmo tempo, este jornal deu destaque à pressão dos

movimentos de resistência nas audiências públicas. Em posição oposta, o Jornal Pequeno,

coordenado por um grupo de jornalistas de oposição ao grupo do Senador Sarney, publicava

notícias positivas quanto ao polo e minimizando as notícias sobre a pressão ao movimento e os

seus argumentos ambientais. Há inúmeras matérias destes dois jornais cujos conteúdos a cerca

do debate do polo siderúrgico permite identificar a posição. Mostro um exemplo abaixo.

Page 58: Tese Elio Pantoja Para o Trabalho de Sociologia Do Desenvolvimento

55

Sobre a cobertura da votação da Lei nº. 63 de 27 de abril de 2005 na 37ª Sessão

Ordinária da Câmara Municipal de São Luís. O “Jornal O Estado do Maranhão” enfatiza a

posição dos vereadores contrários ao Projeto de Lei para alterar o zoneamento de São Luís,

Abdom Murad criticou a urgência na votação alegando desconhecer o parecer do

presidente da Comissão de Orçamento e Finanças [...] O vereador Joberval Bertoldo

(PCB) disse que o projeto não poderia ser votado em regime de urgência, pois o

plenário havia acordado que manteria a tramitação normal de todas as matérias. Ele

também pediu vista do projeto, mas foi negado [...] A vereadora Marília Mendonça

(PDT) também criticou o trabalho da Mesa Diretora. “Fico triste com o que está

acontecendo aqui. Nesse momento, estão desrespeitando o regime interno da Casa.

Além disso, há falta de respeito com a sociedade que votou em cada um de nós e que

participou das 11 audiências públicas realizadas pelo legislativo [...]. (JORNAL O

ESTADO DO MARANHÃO, 2005).

O “Jornal Pequeno” sobre o mesmo evento não deu vozes à posição contrária ao

projeto e enfocou o seguinte:

Cerca de 10 pessoas tentaram impedir ontem a votação da emenda na Lei de

Zoneamento na Câmara [...] A manifestação não foi aceita por populares que se

encontravam no local [...] a votação seguiu sem maiores problemas [...] O grupo que

promoveu o tumulto [...] era formado por militantes do Partido Socialista dos

Trabalhadores Unificados (PSTU), já conhecido por suas manifestações agressivas.

(JORNAL PEQUENO, 2005).

A composição da “Arena” que se constituiu em torno do polo siderúrgico, é aqui

compreendida, substancialmente, na perspectiva da “ambientalização” dos conflitos sociais

como processo histórico (LOPES, 2004) ou, mais especificamente, pela ótica dos “conflitos

ambientais”, ou seja, aqueles tipos de conflitos gerados quando pelo menos um dos grupos em

questão tem a continuidade das formas sociais de apropriação do meio ameaçada. E, ainda, se

remetem mais diretamente aos impactos indesejáveis provocados por processos de

industrialização e quando estes comprometem, por seus efeitos, a manutenção de práticas de

outros setores sociais (ACSELRAD, 2004). Pode-se dizer que essa é a motivação para a ação

coletiva que no geral circunscreve os conflitos em torno do polo siderúrgico.

A configuração da arena política em torno do polo siderúrgico, se constituiu de uma

complexa, ampla e diversificada rede de atores políticos locais (a formação do Reage São Luís

como veremos adiante) e de agentes políticos e econômicos locais e internacionais.

2.2 Atores sociais globais na disputa territorial para construção do polo siderúrgico de

São Luís

Recorrendo ao site da Companhia Vale (VALE, c.2009) em seus arquivos

disponibilizados em “Vale na Imprensa”, constatei que destacam o crescimento da empresa no

Page 59: Tese Elio Pantoja Para o Trabalho de Sociologia Do Desenvolvimento

56

mercado internacional nos anos de 2000. No ranking das empresas brasileiras, a Vale, em 2003,

ficava atrás da Petrobrás e ultrapassava a Embraer no comércio exterior, pois saltara de US$

1,790 bilhões, em 2002, para US$ 2,033 em exportações, em 2003, segundo o Ministério de

Desenvolvimento Indústria e Comércio Exterior (EXPORTAÇÃO..., 2004).

Em 2003 a economia brasileira encontrava-se em alta nas operações de exportação

e a Companhia Vale havia se tornado um ator comercial importante no mercado internacional

de commodities (VALE..., 2004). Acompanhando o crescimento da economia nacional e da

imagem do Brasil nas relações comerciais, a Vale ampliou seus negócios e ao mesmo tempo

consolidou acordos e contratos de longo prazo com parceiros internacionais, reajustando em

cerca de 18% os preços dos insumos, em dólar. A Vale, então, se tornou a maior produtora

mundial de minério de ferro (VELLOSO, 2004), sendo este produto responsável por 65% de

sua receita. Enquanto que a China, em 2003, tornou-se o maior importador de aço do Brasil

(MAGNAVITA, 2004).

Foi nesse cenário que se abriu um canal de diálogo por iniciativa da Companhia

Vale, com a maior siderúrgica chinesa, a Baosteel Shanghai Group Corporation, com a

siderúrgica francesa Arcelor (maior siderúrgica do mundo que também mantém acordos

comerciais com a Vale) e com o Governo do Maranhão, visando à instalação de uma usina

siderúrgica integrada, ou seja, uma modalidade de usina que opera nas três fases do processo

produtivo siderúrgico: redução, refino e laminação - na área do Complexo Portuário de São

Luís.

No Quadro 2, podemos visualizar no ranking mundial de produção de aço as 10

maiores siderúrgicas. Entre estas, a posição das quatro empresas incluídas no polo siderúrgico

de São Luís: a Arcelor, Posco, Shangai Baosteele a Thyssenkrupp.

Quadro 2 – 10 maiores siderurgias do mundo em 2003

Posição Siderúrgica Produção/2003 Milhões/Ton

1ª ARCELOR 42,8

2ª LMN 35,3

3ª NIPPON STEEL 31,3

4ª JFE 30,2

5ª POSCO 28,8

6ª SHANGAI BAOSTEEL 19,9

7ª CORUS GROUP 19,1

8ª US STEEL 17,9

9ª THYSSENKRUPP 16,1

10ª NUCOR Co 15,8

TOTAL 257,3

Fonte: IISI (International Iron and Steel Institute, 2003 apud ZAGALLO, 2004).

Page 60: Tese Elio Pantoja Para o Trabalho de Sociologia Do Desenvolvimento

57

O consórcio que estava sendo formado na ocasião seria representado

principalmente pela Baosteel como acionista majoritária e a Companhia Vale como sócia

minoritária, além de outras empresas do ramo siderúrgico cujas parcerias estavam sendo

anunciadas, tais como a sul-coreana Posco e a alemã ThyssenKrupp. A instalação do

empreendimento siderúrgico composto de três usinas estava prevista para 2006 e o início das

operações a partir de 2007.

Em termos de produção, a projeção dos sócios era produzir na primeira fase 3,7

milhões de toneladas de placas de aço/ano. Com a construção da segunda unidade, havia a

previsão de aumento para 7,5 milhões de toneladas/ano e, por último, a projeção de atingir a

produção de 24 milhões de toneladas anuais com as três unidades nas fases subsequentes

(DAMÉ, 2004). Em termos comparativos, observar-se os seguintes dados: a produção de aço

do Brasil, em 2003, havia sido registrada com 31 milhões de toneladas, enquanto a produção

mundial foi de 965 milhões de toneladas de aço (International Iron and Steel Institute, 2003

apud ZAGALLO, 2004).

Assim, a produção pretendida pela Companhia Vale do Rio Doce equivaleria a 80%

da produção brasileira e 2,5% da produção mundial de 2003. Se concretizada a

pretensão da Vale e do Governo do Estado, a Ilha de São Luís seria o 11º maior

produtor mundial de aço, à frente de países como França, Inglaterra e Espanha

(ZAGALLO, 2004)27.

Ainda sobre as projeções de produção de placas de aço pelo projeto siderúrgico, em

maio de 2004, a Vale e o Governo do Maranhão anunciavam à imprensa que havia interesse

dos sócios do empreendimento de, em dez anos, atingir 30 milhões de toneladas/ano de placas

de aço. Com esta projeção, a siderúrgica de São Luís produziria sozinha aproximadamente a

mesma quantidade de produção de aço produzida no país, como um todo (MA..., 2004).

No primeiro semestre de 2004, a Vale anunciava que os sócios do empreendimento

já haviam feito acordo de prestação de serviço de engenharia básica e estudo de viabilidade

econômica do projeto com as empresas: Ferrostaal, alemã, e CISDE Engineering, chinesa

(MAGNAVITA, 2004). O projeto tinha como previsão de investimentos US$ 1,5 bilhão, na

primeira etapa, sendo que 40% seriam divididos pelos três principais acionistas (Baosteel, Vale

e Arcelor) e 60% dos investimentos viriam de bancos de fomento, tais como, o banco alemão

KfWBankengrouppe, o banco japonês Eximbanke, e também, o Banco Nacional de

Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).

27Polo Siderúrgico em São Luís: impactos sociais e riscos ambientais. Informativo de 2 páginas, elaborado pelo

advogado José Guilherme Zagallo (ZAGALLO, 2004).

Page 61: Tese Elio Pantoja Para o Trabalho de Sociologia Do Desenvolvimento

58

A mobilização e envolvimento de atores econômicos internacionais no projeto

siderúrgico de São Luís se deu a partir do envolvimento dos seguintes atores: a empresa

brasileira Companhia Vale, a empresa chinesa Baosteel Shanghai Group Corporation, a

francesa Arcelor, a sul-coreana Posco e a alemã ThyssenKrupp; empresas de engenharia e de

estudos de viabilidade econômica: Ferrostaal (Alemanha), CISDE Engineering (China);

bancos: KfWBankengrouppe (Alemão), Eximbanke (Japão), BNDES (Brasil). O então

Governador do Maranhão, Sr. José Reinaldo Tavares, relata a ideia inicial do projeto em São

Luís em entrevista:

[...] A ideia da siderurgia não partiu do estado - partiu da Vale. Ela tinha uma política

naquela época de não fazer siderurgia para não competir com os compradores de

minério, mas ela tinha uma política de se associar para aumentar o consumo de

minério através da edificação de siderúrgicas e chegou a primeira vez um estudo de

localização que a Vale havia feito de uma usina siderúrgica para aproveitar o minério

do Carajás e ela cotejou Belém, porto de Santarém se não me engano e outro porto do

Pará, Barcarena e São Luís. E o estudo que foi feito mostrou que uma localização aqui

era muito mais econômica para um projeto de competição externa, ele diminuía muito

os custos de transporte interno e (o estudo) recomendava que fosse aqui em São Luís

e a própria Vale me procurou, me mostrou e nós começamos a trabalhar juntos. E a

Vale fez vários estudos e em sequência, escolheu um parceiro internacional que era a

Baosteel de Shanghai e os chineses queriam muito fazer esse projeto e nós fizemos

alguns estudos aqui junto com a Vale. E eu estive em Shanghai por duas vezes nesse

ano de 2004 em que nós conversamos com toda a cúpula da Baosteel, o presidente e

o encarregado do projeto daqui. A Baosteel contratou alguns projetos que faltavam.

A Vale estava desenvolvendo um projeto ambiental, inclusive com um sistema de

aviso de emissão acima de um determinado nível e a Baosteel contratou uns projetos

mais afetos a construção da usina que era o projeto de engenharia da usina. O processo

de viabilidade e de financiamento de uma usina daquele tamanho e os estudos deram

um resultado muito bom e aí nós contratamos um estudo de uma empresa mineira [...]

um estudo de impacto que ocorreria na região metropolitana em São Luís. A

quantidade de empregos que seriam criados, a exigência de infraestrutura urbana e

habitações. Enfim, um estudo grande sobre o impacto de uma siderúrgica desse

tamanho e também o tipo de treinamento e capacitação que teria que ser iniciado no

estado para que os maranhenses pudessem ter acesso aos empregos. (José Reinaldo

Tavares, Ex. Governados do Maranhão. Entrevista realizada em 18.03.2013).

Lima (2009, p. 233), observou que o projeto do polo siderúrgico despertou enorme

interesse dos estados do Maranhão e do Pará, uma vez que, siderúrgicas desse porte no Brasil

só existiam quatros: Companhia Siderúrgica Nacional (RJ), Usiminas (MG), Cosipa (SP) e

Companhia Siderúrgica de Tubarão (SC). Considerando as vantagens comparativas advindas

da instalação em São Luís, pode-se destacar que a Vale teria o benefício de manutenção de sua

própria logística integrada: mina-ferrovia-porto, a mina na Serra dos Carajás no Pará, a Estrada

de Ferro de Carajás, ligando a mina ao Terminal Marítimo de Ponta da Madeira em São Luís,

cuja localização é mais próxima aos mercados norte-americanos e europeus (VALE, c2009).

Outro fator importante seria a proximidade do local da siderúrgica com a Hidrelétrica de

Estreito (MA) na divisa do Maranhão com o Tocantins, no rio Tocantins, de onde a siderúrgica

Page 62: Tese Elio Pantoja Para o Trabalho de Sociologia Do Desenvolvimento

59

receberia energia. Esses fatores representavam uma redução considerável de custos

operacionais de produção e aumentariam o grau de competitividade diante dos demais

concorrentes globais.

O projeto contava com o apoio político e institucional por parte do governo

brasileiro, por meio do Ministro do Desenvolvimento e Comércio Exterior, Luiz Fernando

Furlan, “articulador” das negociações com o Ministério da Fazenda e com Ministério do Meio

Ambiente visando respectivamente reduzir a carga tributária e minimizar os condicionantes

ambientais, vistos como empecilhos do projeto (MONTELES, 2005a).

Mapa 2 – Localização da área para instalação do polo siderúrgico de São Luís, em

destaque as Áreas de Influência Direta (AID) do empreendimento

siderúrgico.

Fonte: Maranhão (2004b).

O Governo do Maranhão agilizou os pactos de aliança e unidade política (POLO...,

2005), bem como as medidas políticas e administrativas no âmbito de sua competência estadual

para que o projeto fosse implementado, promovendo encontros com empresários e convocando

as instituições governamentais e não-governamentais no âmbito regional para discussão e

envolvimento com o projeto.

O Governo Estadual, mediante a presença dos executivos da Companhia Vale e da

Baosteel em visita técnica em São Luís em agosto de 2004, procurou demonstrar que haveria

possibilidade de ampliação da capacidade de abastecimento de água da Companhia de

Saneamento Ambiental do Maranhão (CAEMA) visando atender a demanda do polo

siderúrgico. Conforme foi destacado pelo “Jornal Gazeta Mecantil” sobre uma das visitas

técnicas em 8 de abril de 2004 em São Luís:

Page 63: Tese Elio Pantoja Para o Trabalho de Sociologia Do Desenvolvimento

60

[...] Objetivo é obter do governo a garantia de abastecimento de água e energia para a

usina, avaliada em US$ 1,5 bilhão, que vai produzir placas de aço a partir de 2007

com destino a exportação. Depois de uma extensa programação de reuniões técnicas

e visita a obras de ampliação do abastecimento de água na Ilha durante o dia de ontem,

os executivos das duas empresas visitam hoje uma subestação da Eletronorte, no

Distrito Industrial de São Luís. O consumo de água estimado da usina é de 500 litros

por segundo (0,5 metros cúbicos por segundo) na primeira fase (2007) e 1000 litros

por segundo na segunda fase (2010) [...] Em uma reunião técnica com o presidente da

Companhia de Águas e Esgoto do Maranhão (Caema), Ronaldo Braga, na sede da

empresa em São Luís, os executivos obtiveram detalhes do projeto de duplicação do

sistema produtor do Itapecuru, denominado Italuís, que prevê a garantia de

abastecimento para o setor industrial. Também fizeram uma visita técnica ao Sistema

Italuís e aos rios Munim e Mearim. "O processo siderúrgico é intenso em água, que

não pode faltar. Estamos afirmando algumas informações que já haviam sido

repassadas antes para que os investidores possam sentir segurança no governo",

observou Ronaldo Braga. O projeto de ampliação de abastecimento de água prevê a

disponibilidade para a indústria. Para isso, a Caema pretende construir elevatória de

água decantada e adutoras para abastecer as zonas industriais. "A disponibilidade de

água às indústrias é aquela que for necessária", disse Ronaldo Braga, ao ressaltar a

capacidade do Maranhão em oferecer infra-estrutura básica às indústrias que queiram

se instalar no Estado. "Temos as três maiores bacias hidrográficas do Nordeste que

são os rios Mearim, Munim e Itapecuru, todas próximas à Ilha", disse Ronaldo Braga,

destacando que o Maranhão tem condições de atender mais 10 projetos como o da

Baosteel. (MONTELES, 2005a).

Sobre a questão do abastecimento de água para atender o polo siderúrgico, é

importante destacar que foi um forte argumento de contestação do Reage São Luís com base

em dados científicos (ver item 4.1.2). Outra preocupação levantada no encontro do governo

estadual com os executivos foi quanto ao fornecimento de energia. Na ocasião dessa visita, o

governo maranhense estava viabilizando medidas para o fornecimento de energia através da

Hidrelétrica de Estreito e da Eletronorte, pois o consumo de energia previsto seria de 200 MW

(MONTELES, 2004). Mediante as condições de logísticas, conforme declarou na imprensa o

presidente da Vale, Roger Agnelli, a cidade de São Luís “é o melhor lugar do mundo para

siderurgia” (JORNAL O IMPARCIAL, 2004).

Entre as pendências a serem resolvidas por parte do Governo do Maranhão e da

Prefeitura de São Luís, estavam a urgência na alteração da Lei de Zoneamento, Parcelamento,

Uso e Ocupação do Solo Urbano do Município de São Luís (Lei Municipal nº. 3.253/92), em

vigor desde 1992, para então criar as condições para o estabelecimento do Subdistrito

Siderúrgico (ver Mapa 2) para instalação das usinas e os estudos de impacto ambiental. O

Governo do Maranhão ainda não havia definido legalmente o local para onde as famílias seriam

reassentadas. Neste mapa se nota a existência de um “reassentamento provável” e distante das

áreas pesqueiras, onde grande parte das famílias tradicionalmente desenvolve atividades de

subsistência. A tentativa de converter a Zona Rural II de São Luís em área industrial, entretanto,

já vinha gerando discussões desde 2001, com os debates sobre a revisão do Plano Diretor de

Page 64: Tese Elio Pantoja Para o Trabalho de Sociologia Do Desenvolvimento

61

São Luís (CONCEIÇÃO, 2009). De modo que, com a proposta da siderurgia esse debate foi

precipitado, sendo objeto de intensa discussão pela sociedade civil de São Luís.

Mapa 3 – Planta Geral de Locação do Polo Siderúrgico de São Luís

Fonte: Maranhão (2004b)

A Prefeitura de São Luís, na época por meio do Prefeito Tadeu Palácio, mobilizou

as forças políticas e as ações administrativas em conjunto com o governo estadual, propondo

alteração da referida Lei visando à viabilidade legal da siderurgia28. Em reunião no Rio de

Janeiro com o Presidente da Vale, em 28 de março de 2005, o governador do Maranhão José

Reinaldo Tavares declarou à imprensa que “a conversa foi franca e muito boa. Embora ainda

não tenha uma posição definitiva por parte do investidor” (MONTELES, 2005b). Na mesma

ocasião, o Governador mencionava os entraves: os altos impostos exigidos aos investidores

pelo governo brasileiro e a negociação com o IBAMA quanto à questão da licença ambiental;

neste caso, sob a responsabilidade do governo federal. O Governo do Maranhão encomendou,

através da empresa de consultoria ERM LTDA, um estudo técnico para subsidiar a elaboração

do EIA-RIMA e para, em seguida, instaurar o processo de licenciamento ambiental prévio do

Subdistrito Industrial Siderúrgico de São Luís, em cumprimento aos artigos 241, VIII e 242, §

28A disputa política envolvendo o poder executivo municipal, o poder legislativo, o Ministério Público Estadual,

o Ministério Público Federal e as entidades e movimentos sociais para alteração da Lei de Zoneamento apresenta

desdobramentos importantes para análise deste trabalho, razão pela qual merece um capítulo à parte mais adiante.

Page 65: Tese Elio Pantoja Para o Trabalho de Sociologia Do Desenvolvimento

62

1o, da Constituição do Estado do Maranhão e às Resoluções do Conama nº 001/86 e nº. 237/97

(MARANHÃO, 2004b). A Companhia Vale, por sua vez, apresentou um “Diagnóstico do Meio

Biótico para o Licenciamento Ambiental da Usina Siderúrgica,” realizado pela Golder

Associates Brasil, Consultoria e Projetos LTDA, mostrando que a região escolhida para a

instalação do projeto, apresenta “[...] maior desenvolvimento econômico do Estado e dotada de

melhores condições de logística e de infraestrutura”. Este mesmo estudo adverte que se trata de

uma região que “[...] apresenta área ocupada por manguezais e outras fisionomias vegetais

importantes e fauna associada [...]” (VALE..., 2004, p. 1). Notemos que, a previsão de início

das obras da siderurgia de São Luís era para 2006. Entretanto, em março de 2005, estas

pendências não estavam resolvidas.

A partir do ano de 2005, a Companhia Vale passou a pressionar o Governo do

Maranhão quanto às providências administrativas, conforme se lê em trecho da Carta enviada

pelo então presidente da Vale Jorge Agnelli ao Governador do Maranhão, José Reinaldo

Tavares, em 09 de agosto de 2005, e publicada pelo Jornal Pequeno, em 28 de agosto de 2005:

[...] Ao longo do corrente ano, assistimos um processo crescente de

descredenciamento do projeto do Governo do Estado do Maranhão de promover a

instalação do Subdistrito Siderúrgico no qual vêm sendo utilizados argumentos

inconsistentes, mas que serviram ao propósito de alguns segmentos organizados da

sociedade maranhense de obstaculizar o estabelecimento do projeto. Uma das

consequências práticas mais evidentes das dificuldades de materialização do

subdistrito é explicitada nos trâmites do processo de modificação da Lei de

Zoneamento, Uso e ocupação do Solo, até hoje, inconclusivo, o que determina a

inviabilidade da instalação de empreendimento siderúrgico em São Luís [...] listamos

de forma clara as condições necessárias para que o projeto pudesse ser instalado.

Infelizmente, nenhuma das mesmas foi realizada, o que vem colocando a CVRD, em

seu papel de indutora do projeto, numa situação difícil e desgastante junto aos

parceiros Baosteel e Arcelor, e também junto ao governo federal [...] A menos que

novos fatos, tais como acesso livre e desimpedido do terreno, aprovação do

zoneamento, e as concessões das licenças ambientais venham a ocorrer, iremos, nos

próximos dias, comunicar formalmente aos nossos parceiros a total inviabilidade da

instalação do projeto, deixando a critério dos mesmos a decisão sobre o cancelamento

ou relocação da usina [...] (A VALE..., 2005).

Entre o final de 2005 e início de 2006, houve uma tentativa de renegociação, pois,

devido aos entraves legais e à pressão dos movimentos de reação, os investidores começaram

anunciar o desinteresse pelo Maranhão. Nesta ameaça de mudança de rumo das negociações,

estava o fato de que, em 2005, o Governo do Maranhão já não concordava com instalação da

siderurgia na cidade de São Luís e pretendia que ela fosse instalada no continente, sugerindo

para tanto o município de Bacabeira, a 66 quilômetros de São Luís. Segundo avaliação do

governo do estado, Bacabeira apresentava condições ambientais e logísticas mais adequadas e,

no continente, era o município mais próximo do Complexo Portuário de São Luís. Essa sugestão

do Governo Estadual, motivada pela pressão do movimento de indicar a siderúrgica para o

Page 66: Tese Elio Pantoja Para o Trabalho de Sociologia Do Desenvolvimento

63

continente, mudava consideravelmente o plano inicial quanto à infraestrutura. A siderurgia

tinha um orçamento inicial estimado de no máximo em US$ 4 bilhões, com a mudança da

localização, este valor seria acrescido em mais US$ 600 milhões, o que desagradava os

investidores. Em segundo lugar, havia aquilo que na visão dos planejadores do polo siderúrgico

era considerado como “intransigência do IBAMA” quanto à liberação do licenciamento

ambiental (QUEIROZ, 2005). Além dessas medidas, o projeto ainda teria que tramitar por pelo

menos três processos de licenciamento ambiental: do Subdistrito Siderúrgico (no qual seriam

alocadas as três unidades de usinas siderúrgicas e duas guseiras), da ampliação do Porto de

Itaqui e das obras de ampliação do sistema de captação de água, pois, havia uma estimativa do

consumo de 2.400 litros de água por segundo, correspondente aproximadamente ao total do

consumo da população de São Luís. A água seria captada do Rio Itapecuru, que passa por estado

adiantado de assoreamento e poluição. Ademais, o processo de licenciamento exige audiências

públicas, cuja participação e demora no andamento do processo, no entendimento dos

investidores, se constituiu como “obstáculos” ao polo siderúrgico.

Em 2004, 18 projetos de hidrelétricas estavam paralisados por não terem a licença

ambiental liberada pelo IBAMA. O governo brasileiro procurou estabelecer uma “agenda

positiva” entre os diferentes ministérios e seus respectivos órgãos, entre os quais o Ministério

do Meio Ambiente e o IBAMA foram chamados a manter “diálogo” com os demais ministérios

e organizações empresariais como a Associação Brasileira da Infra-Estrutura e Indústria de

Base (ABDIB). Para os agentes econômicos (estatais e privados), a questão ambiental naquele

momento era um “gargalo” do crescimento econômico. Importa lembrar, o Ministério do Meio

ambiente em 2004 estava sob o comando da ecologista Marina Silva (2003-2008), cuja gestão

não raramente manteve-se na contraposição aos projetos de desenvolvimento de grandes

impactos, resultando em fortes pressões políticas para liberação de licenças ambientais e,

consequentemente, mais tarde, o pedido de demissão da Ministra Marina Silva (QUEIROZ,

2005).

É relevante considerar que os sócios no projeto siderúrgico de São Luís são agentes

econômicos que operam em escala global e, no Brasil, encontram fortes incentivos estatais para

transitar nos territórios economicamente favoráveis aos seus negócios. Neste caso, trata-se de

um tipo de território que pode ser concebido como “espaço sídero-logístico”, ou seja, um

território constituído pelo encadeamento produtivo entre os centros logísticos e a infraestrutura

ferro-portuária (SANTOS, 2010). Na correlação de forças entre estes agentes comerciais

globais e os atores locais, a capacidade de imposição política e econômica dos primeiros é muito

maior do que a capacidade destes últimos em exigir do Estado a imposição das regulações para

Page 67: Tese Elio Pantoja Para o Trabalho de Sociologia Do Desenvolvimento

64

as condições adequadas de operacionalização de suas atividades, sobretudo, quanto aos

condicionantes ambientais. Os impasses nas decisões governamentais, entretanto, começaram

a gerar por parte dos investidores a ameaça de desistência do empreendimento siderúrgico de

São Luís. Essa situação se configurou dessa forma como uma “chantagem locacional”29.

Lembramos que a janela de oportunidade criada no mercado internacional para a

transferência de produção para os países em desenvolvimento é transitória, e que

existem outros países, tais como a Austrália e a Índia, que vêm apresentando uma

série de incentivos para atração de projetos semelhantes, concorrendo diretamente

com o Brasil. Apesar do anteriormente mencionado e do acima exposto, continuamos

nossa tentativa com a Posco, no que refere aos estudos para instalação de sua nova

usina no Brasil, mais precisamente no Maranhão [...] Lamentamos que o Estado do

Maranhão não tenha conseguido reunir e alinhar todos os segmentos da sociedade

num esforço comum para disponibilizar as condições mínimas para a atração de um

projeto desta importância e magnitude não somente para o estado, mas também para

o Brasil. (A VALE..., 2005).

A partir de 2005, os representantes da Vale e da Baosteel já anunciavam o interesse

em instalar a siderúrgica em Vitória-ES em decorrência do atraso do cronograma para

instalação da siderurgia em São Luís. Outros estados estariam “abrindo as portas e oferecendo

vantagens” aos investidores.

A Vale diz que o Maranhão é uma de suas opções para a siderúrgica. Mas não é a

única, até porque outros estados estão abrindo as portas e oferecendo vantagens [...]

Apenas rejeitar um projeto dessa envergadura sem analisar profundamente todas as

alternativas e nuances, é um pecado grave do qual, certamente, não será perdoado pela

população. O Maranhão não pode ficar novamente apenas como expectador, vendo

navios carregados de minério, cruzarem a baía de São Marcos levando a riqueza e

deixando o atraso. (JORNAL O IMPARCIAL, 2007).

O texto supracitado reflete uma opinião com relação à expectativa traduzida em

termos de “oportunidade” e de “alternativa” de emprego e renda com uma siderurgia de

proporções como as anunciadas até então pela Vale e pelo Governo do Maranhão. Que outros

fatores, entretanto, teriam sido importantes para a desistência dos investidores com relação ao

Maranhão? Muitos fatores estão em jogo. Em torno dessa preocupação os movimentos sociais

se organizaram tendo um papel político significativo nas discussões sobre a siderurgia. Retomo

aqui, trecho da fala acima mencionada do presidente da Companhia Vale que, não sem razão,

ao perceber o poder dos movimentos sociais declara que no “processo de descredenciamento”,

foram utilizados “argumentos inconsistentes”, mas que “[...] serviram ao propósito de alguns

segmentos organizados da sociedade maranhense de obstaculizar o estabelecimento do projeto

29 Esta expressão tem sido utilizada por alguns autores para caracterizar a situação na qual os investidores colocam

regiões em competição em torno do interesse despertado pelas oportunidades de criação de empregos para as

populações locais e pela geração de divisas e receitas públicas. Quando não conseguem as vantagens fiscais,

terrenos para instalação de empreendimentos, flexibilização de normas ambientais, ameaçam a “[...] deslocalização

de seus empreendimentos”. (ACSELRAD; BEZERRA, 2010).

Page 68: Tese Elio Pantoja Para o Trabalho de Sociologia Do Desenvolvimento

65

[...]” (JORNAL O IMPARCIAL, 2007). Nesse trecho, é possível perceber a importância dada

por um representante de um ator econômico global importante, inclusive reconhecendo os

movimentos organizados do Maranhão. A esses argumentos dos movimentos e desses atores

locais é que procuro dar visibilidade nos próximos capítulos.

Page 69: Tese Elio Pantoja Para o Trabalho de Sociologia Do Desenvolvimento

66

3 AÇÕES COLETIVAS DE CONTESTAÇÕES ACERCA DO POLO SIDERÚRGICO

DE SÃO LUÍS-MA

Neste capítulo procuro descrever e analisar as formas de mobilização contrárias à

instalação do polo siderúrgico de São Luís. Antes, porém, de adentrar na descrição das formas

de mobilização, procuro fazer uma discussão introdutória balizada por alguns autores cujas

reflexões serviram de base para elaboração deste capítulo.

Habermas (2003) assinala que é com a modernidade que se inaugura uma distinção

institucional entre “esfera pública”30 e “esfera privada” em decorrência de mudanças estruturais

produzidas pelas revoluções burguesas na Europa (a partir da segunda metade do século XVIII,

principalmente) e a ascensão do modelo político republicano. O cerne da discussão que aqui

interessa é a hipótese de que com o surgimento de uma “esfera pública política” se consolidaram

os princípios de universalidade, de racionalidade e de impessoalidade favorecendo a

emergência de uma “sociedade civil” cujo poder se tornara independente da vontade pessoal do

governante. Este processo marcaria assim uma ruptura importante no modo de governar. Mas

a aplicabilidade deste referencial deve ser relativizada considerando as singularidades políticas

e institucionais de cada contexto, a exemplo do Brasil. Os críticos de Habermas, ao lançarem

mão de suas teorias, procuram reconectar a articulação entre Estado e sociedade dentro da esfera

pública para pensar as experiências de participação da sociedade civil nas agendas deliberativas

do Brasil, principalmente após o processo de redemocratização a partir de 1988. Algumas

experiências localizadas ilustram a busca dessa reconexão considerando as peculiaridades das

instituições políticas e dos processos deliberativos no Brasil atual. Como ilustrou Almeida

(2008) na experiência dos conselhos de saúde e de educação na cidade de Juiz de Fora–MG, é

preciso compreender que os espaços de natureza deliberativa no Brasil articulam sociedade e

Estado. Dessa forma, esta autora alerta que, para o caso dos conselhos de políticas públicas, se

trata de “experiências que conjugam participação e representação na medida em que os atores

são eleitos com o objetivo de exercer o papel de representantes da sociedade civil” (ALMEIDA,

2008, p. 185). Tais representações diferem assim, daquelas exercidas tradicionalmente via

experiência parlamentar. Em resumo, está em questão as especificidades dos canais de

participação política no Brasil, onde a divisão entre sociedade civil e estado é problematizável,

30 A noção de “esfera pública” é desenvolvida na obra “Mudança Estrutural da Esfera Pública” (2003). A análise

de Habermas, é também no sentido de um processo de autonomização de várias “esferas”, como é o caso da “esfera

pública da arte”, “esfera pública da literatura” e o caso da estruturação da “esfera pública política”. A analogia a

esses termos refere-se a “questão ambiental” como uma “esfera” que nas últimas décadas passou a ser preocupação

dos governos e uma significativa temática de pesquisa em ciências sociais.

Page 70: Tese Elio Pantoja Para o Trabalho de Sociologia Do Desenvolvimento

67

sobretudo na atual conjuntura em que o Estado incorpora demandas da sociedade pela mediação

dos conselhos populares. Por outra via, essa relação entre estado e sociedade, Touraine (1994)

assinala que a modernidade implicou num duplo processo contraditório e complementar. Se de

um lado, ela gerou um processo de racionalização do mundo, por outro, há que se notar “a

emergência do sujeito humano como liberdade e como criação”, ou seja, o sujeito como um

processo de subjetivação. Assim, “é a livre produção de si mesmo que leva a afirmar o sujeito

e seus direitos em um mundo onde o ser humano é transformado em objeto” (TOURAINE,

1994, p. 248). Isto implica teoricamente uma conexão entre as “estruturas” institucionais do

poder estabelecido na figura do Estado e a constituição de “agências” nas quais os atores

constroem mecanismos de acessibilidade à política. Segundo Gohn (2012, p. 97), o mérito desta

“abordagem acionalista” de Touraine (1994, p. 248) reside na importância conferida aos

sujeitos na história “[...] como agentes dinâmicos, produtores de reivindicações e demandas, e

não como simples representantes de papéis pré-atribuídos pelo lugar que ocupam no sistema de

produção”.

No âmbito do campo ambiental é importante considerar seus desdobramentos,

sobretudo com relação aos diferentes interesses nos quais os atores sociais estão diretamente e

distintamente envolvidos, bem como as organizações político-institucionais que se constituíram

no âmbito das agências governamentais. Giddens (1991), por exemplo, chamou atenção em sua

obra “As consequências da Modernidade” sobre o potencial destrutivo de larga escala das forças

produtivas ao meio ambiente. Originário dos países ocidentais com maior desenvolvimento

industrial, o problema dos riscos ambientais, estendeu seus efeitos às demais nações, tornando-

se uma questão institucional inerente à dinâmica das sociedades modernas. Nesta perspectiva,

o “meio ambiente” tornou-se uma “esfera institucional” importante entre os anos de 1970 e o

Século XXI, revelando significativos processos e conflitos sociais no Brasil e na América

Latina (LOPES, 2004).

No Brasil, o processo de redemocratização a partir dos anos de 1980 e a

reivindicação dos movimentos sociais nas decisões políticas do país tiveram influências

significativas no âmbito do Estado com relação à criação de instâncias públicas que, em graus

diferentes possibilitam a participação da sociedade civil. Destacam-se as experiências de

“participação popular”: a importância do papel exercido pela Igreja Católica por meio das

CEBs, contribuindo decisivamente em ações propositivas que levaram criação dos “Conselhos

Populares” (DOIMO, 1995). De fato, é nas experiências localizadas que se destaca a

importância desta nova esfera institucional, na qual se insere o papel político dos Conselhos

Page 71: Tese Elio Pantoja Para o Trabalho de Sociologia Do Desenvolvimento

68

Municipais: Conselho Municipal de Meio Ambiente, Conselho Municipal de Saúde, Conselho

da Cidade, entre outros setores da sociedade civil que participam da gestão pública.

Na experiência do debate sobre o polo siderúrgico de São Luís em 2004, o Conselho

da Cidade de São Luís foi um espaço importante de mobilização da “sociedade civil”, uma vez

que, aglutinou segmentos diversos da sociedade local, sobretudo, lideranças de bairros

populares e representantes de entidades interessadas em discutir o destino da cidade. As

ferramentas institucionais fundamentais de orientação política foram: o documento do Plano

Diretor de São Luís e o Estatuto da Cidade que foram utilizadas pelo Conselho da Cidade, do

qual fazem parte diversas organizações populares espalhadas pelos bairros: associações de

moradores, ONGs ambientalistas, Igreja Católica, Igreja Batista, entre outras organizações, que

foram estabelecendo links e formando um mosaico de organizações em torno de um eixo

temático a ser discutido: a iminência de impactos ambientais e sociais no município de São Luís

em decorrência da instalação de um polo siderúrgico. Aí constituiu-se na prática um espaço

público cuja capacidade de agência dos atores locais ganhou relevância.

Como ocorreu esse acúmulo de experiências reunindo estratégias de lutas,

manobras de engrandecimentos em defesa do meio ambiente mediante um projeto de um polo

siderúrgico? Para tratar dessas experiências, busquei inspiração em alguns autores cujas

reflexões teóricas foram de suma importância para organizar a descrição e análise do campo

empírico deste estudo, ou seja, o processo de mobilização contra a instalação do polo

siderúrgico de São Luís.

3.1 “Dessingularização”: elementos teóricos sobre o viés pragmatista das ações coletivas

Abordarei as experiências de mobilização local, tendo como inspiração e ponto de

partida a “sociologia pragmatista” (NASCHI, 2002), referida também como uma “sociologia

da crítica” (BOLTANSKI, 1990; THEVENOT, 2006). Neste aporte busco inspiração teórica

para interpretar as ações políticas dos atores locais no processo de mobilização e na formação

de um movimento de contestação. Procuro apresentar o conceito de “ação coletiva” tendo por

base os elementos que estruturam e caracterizam as ações assim definidas por Tilly (1978;

1996), aliando este conceito às leituras de autores que tratam dos movimentos sociais no Brasil

(CARDOSO, 1984; GOHN, 1995; 2012; ADRIANCE, 1996) e especificamente, sobre o

movimento ambientalista contemporâneo no Brasil, enfoco a contribuição de Alonso, Costa e

Maciel (2008) que à luz de Tilly se utilizam do conceito de “estruturas de oportunidades”.

Page 72: Tese Elio Pantoja Para o Trabalho de Sociologia Do Desenvolvimento

69

Para Gohn (1995) e Alonso, Costa e Maciel (2008), o movimento ambientalista se

confunde com demais movimentos sociais no Brasil que ganharam força no contexto político

de 1970 e posteriormente com a aprovação da Constituição de 1988 quando vários canais

institucionais ligados ao meio ambiente foram criados no âmbito governamental, oportunizando

a emergência de atores políticos inseridos no processo de “ambientalização” dos conflitos.

Um pressuposto básico da perspectiva sociológica pragmatista parte do

entendimento de que no cotidiano as pessoas têm a capacidade de formular criticamente

questões relativas às suas vidas. Assim, elas identificam problemas que devem ser

solucionados. Ou seja, produzem um “momento crítico” questionando a ordem das coisas que

lhes inquietam. Assim, parte-se do princípio de que todos os membros de uma sociedade são

dotados de “capacidade crítica” (BOLTANSKI, 1990) e que, ao defenderem suas causas eles

produzem justificações que obedecem a determinadas “regras de aceitabilidade”.

A competência atribuída às pessoas para interpretar a realidade, é portanto, mediada

por uma forma de linguagem direta com o mundo e dessa forma se pressupõe uma ruptura com

a dicotomia que separa o senso comum produzido rotineiramente e o saber produzido

academicamente, o conhecimento científico. Aqui a ideia de “simetria” ilustra que nessa

interpretação sociológica das ações há uma espécie de “giro” no fundamento explicativo que

descentra a produção de conhecimento pautada exclusivamente pelo saber científico (os

cientistas não têm acesso privilegiado ao conhecimento). Isto significa que os sujeitos, sejam

eles individuais ou coletivos possuem capacidade crítica de questionar a realidade, o que

pressupõe também que, em seus diferentes mundos, adquirem saberes que lhes facultam o

engajamento em regimes diferenciados de ação.

Segundo Nachi (2002), a sociologia na atualidade tem se confrontado com novas

ciências, o que exige novos desafios e considera que a sociologia não tem tirado proveito da

“revolução cognitiva” que marcou a segunda metade do Século XX, a exemplo da antropologia

e da lingüística que ampliaram seus leques de possibilidades dessa “revolução”. Nesta

perspectiva, o “estilo” pragmatista considera que os atores são capazes de se manifestar em

“situações críticas”.

Na pluralidade das condições e dos mundos de cada ator, o pressuposto em questão

reconhece a capacidade de manifestação do saber nas distintas linguagens. Os atores produzem

formas distintas de engajamentos nas variadas situações da vida social (THEVENOT, 2006).

Essa capacidade confere aos atores uma disposição na busca de justiça e na denúncia das

injustiças.

Page 73: Tese Elio Pantoja Para o Trabalho de Sociologia Do Desenvolvimento

70

Na obra “El Amor y la Justicia como competencias: três ensayos de sociologia de

la acción” de Boltanski (1990), em especial em seu terceiro capítulo La denuncia pública este

autor fornece um quadro analítico bastante inspirador. Seguindo esta linha de interpretação,

qualquer pessoa possui uma capacidade para interpretar criticamente a realidade numa situação

de injustiça que a atinge. A esta “capacidade crítica” estão associadas as estratégias de ação ou

“manobras de engrandecimento”. Conforme Boltanski (1990, p. 72):

[…] Dotamos a las personas humanas de una capacidad metafísica y consideramos

que esa capacidad es esencial para comprender la posibilidad de un lazo social. En

efecto, para converger hacía un acordó las personas deben hacer referencia a algo

que no son personas y que as trasciende. Es esta referencia común lo que llamamos

de principio de equivalencia. Cuando el acuerdo es difícil de establecer, para

realizarlo las personas deben aclarar sus posiciones de justicia, adecuarse a un

imperativo de justificación y, para justificar deben sustraerse de la situación

inmediata y alcanzar un nivel más alto de generalidad.

O esquema teórico proposto por Boltanski está representado sinteticamente na

construção de dois gráficos bastante complexos que indicam o conjunto das ações de atores

envolvidos em casos de denúncia, designados como “sistema actancial” construído a partir da

análise de um conjunto de 275 cartas recebidas pelo Jornal francês “Le monde” em 1979, 1980

e 1981. Na pesquisa, as cartas passaram por uma espécie de triagem e classificadas segundo as

situações que se configuraram como “denúncia pública”. O que de fato é teórico e

metodologicamente sugestivo desta análise para o meu estudo é o processo por meio do qual os

casos “singulares” se ampliam. Quer dizer, como um determinado ator singular torna sua

denúncia pessoal em uma “denúncia pública” uma vez que envolve um conjunto de outros

atores em situação semelhante. De certa forma, esta proposta teórica e metodológica sugere

problematizar como as pessoas podem transformar suas inquietações particulares (“singular”)

em inquietações coletivas? O curso da ação é, portanto, interpretado por essa ótica como um

processo de “dessingularização” que ocorre na medida em que a situação passa a ser

reconhecida, legitimada e compartilhada por outros atores. O processo de “dessingularização”

está diretamente associado a esta “capacidade crítica” de um determinado ator tornar a sua

reivindicação particular em uma reivindicação ampliada a outros atores.

O propósito de Boltanski (1990 p. 243) visa “[...] construir um sistema de regras

que permitam determinar em quais casos a atitude que consiste em dar voz e protestar

publicamente têm possibilidades de ser reconhecida como válida”31. “Dessingularização” é o

31A “estrutura actancial” é exemplificada por quatro actantes em posições diferentes: 1. Denunciante (a denúncia

pode ser classificada como a mais pessoalizada e, portanto, mais singular e particular, até a mais impessoal, mais

plural e mais universal.) 2. Vítima (ator individual ou coletivo) 3. Perseguidor (pessoal ou impessoal – “pessoa

coletiva”/ “representante autorizado” Ex. um diretor de uma empresa ou uma empresa denunciada por razões

diversas.) 4. Juiz.

Page 74: Tese Elio Pantoja Para o Trabalho de Sociologia Do Desenvolvimento

71

termo que talvez sintetize a descrição do processo, ou seja, o “deslocamento” das relações

pessoais para relações impessoalizadas e/ou para a universalização de uma situação particular.

Este processo ocorre quando uma pessoa motivada por um sentimento de injustiça decide se

manifestar, num primeiro momento, uma ação isolada, mas que poderá ser ampliada aos outros

que podem estar passando pela mesma situação. Para isso, são necessários os “recursos críticos”

que unificam as pessoas e/ou instituições mobilizadas em torno de um “bem comum”. Segundo

Boltanski (1990, p. 260):

[...] en nuestras sociedades todos los actores disponen, en efecto, de capacidades

críticas, y poden movilizar, aunque sin duda de manera desigual según la situación,

recursos críticos que ponen en práctica en el curso de sus actividades cotidianas. En

ese sentido, estas sociedades pueden ser calificadas como sociedades críticas.

A interpretação desse modelo de fato me estimulou na compreensão de um

movimento de contestação local, que ganhou adesão de inúmeras entidades, movimentos,

pessoas, produzindo uma série de eventos: fóruns, seminários, palestras, oficinas, reuniões,

protestos, caminhadas, intervenções nos espaços públicos, participação em programas de rádio

divulgando a situação, estando estes eventos acompanhados da produção de uma crítica social

por meio de textos, artigos, panfletos, notas de repúdio, etc...O processo que abarcou este

conjunto de eventos, ações e trocas de experiências entre diferentes atores individuais e

coletivos, me pareceu guardar algumas similitudes com o que o autor interpreta como tendo

produzido ações, qualificadas como “dessingularizadas”. E mesmo a definição de actante que

embora não encontrando uma tradução correspondente em português, foi uma “luz” para pensar

a experiência de mobilização em São Luís. Actância é um termo que remete à ação dos “[...]

seres que intervienen en la denuncia con mismo término, ya se trate de personas individuales,

de personas colectivas constituidas o en vías de constitución.” (BOLTANSKI, 1990, p. 247).

A análise da “Estrutura Actancial” foca esse movimento do singular ao coletivo,

notando-se que a capacidade de mobilização está associada ao fato de os actantes se afastarem

de seus interesses pessoais em nome de um interesse maior que envolve a coletividade. A

grandeza da ação ou as “manobras de engrandecimento” estão associadas a essas condições de

“desingularização” que movem o espírito público de cada pessoa membro da “cidade”32.

32 Nesta obra a reflexão teórica de Boltanski tem como pano de fundo a discussão sobre a vida pública na

contemporaneidade, inspirada no debate clássico sobre o “bem comum” a partir de a “Política” de Aristóteles. Na

“Política”, a cidade relaciona-se à ideia mais geral de república que subjaz a coisa pública e/ou ao bem comum.

Assim, diz Aristóteles (1944, p. 09) no primeiro capítulo, “sabemos que toda cidade é uma espécie de associação,

e que toda associação se forma tendo por alvo algum bem; porque o homem só trabalha pelo que ele tem em conta

de um bem. Todas as sociedades, pois, se propõem qualquer lucro – sobretudo a mais importante delas, pois que

visa um bem maior, envolvendo todas as demais: a cidade [...]”. A esse bem maior que é a vida associativa o

Page 75: Tese Elio Pantoja Para o Trabalho de Sociologia Do Desenvolvimento

72

Partindo do modelo apresentado por Boltanski é, portanto, num primeiro plano,

uma reação política local motivada pelo sentimento de injustiça mediante uma ameaça de

deslocamento. Posteriormente, a adesão de outros indivíduos, grupos e/ou entidades à causa em

grande parte, está associada à capacidade crítica dos atores em validar ou tornar pública a sua

injustiça pessoal.

Observando a atuação dos atores, sejam eles pessoas ou grupos sociais organizados

em associações e entidades, o exemplo de São Luís se conecta com processos de mobilização

de movimentos de reação mais amplos que no Brasil contemporâneo buscam a

“dessingularização”. Ou seja, reivindicações localizadas tendem a se constituir em amplas

frentes de mobilização nacional e internacional. Essa tendência é percebida pela capacidade de

mobilizar “recursos coletivos”, e argumentos fundamentados em dados científicos traduzidos

em “crítica social” direcionados às ações de empresas poluidoras. Assim, os atores vítimas de

danos socioambientais em diferentes partes do Brasil têm conseguido transformar antigos

sentimentos de dor, incômodo e perdas, em reivindicações legitimadas.

Objetivamente, a mudança “[...] da percepção individual e de pequenos grupos para

tornar-se uma questão coletiva [...]”, para pensarmos o caso do fenômeno da “ambientalização”

no Brasil (LOPES, 2004) enquanto um processo análogo ao tipo de ação dessingularizada na

medida em que ganha adesão de diferentes indivíduos, grupos e de classes sociais distintas que,

por caminhos diferentes, se mobilizam em defesa do ambiente.

Como chama atenção Acselrad (2009) referindo-se ao chamado “Memorando

Summers”33 há uma lógica planejada na distribuição socialmente desigual da poluição industrial

na qual também subjaz a ideia de que o meio ambiente é uma preocupação “estética” típica

apenas dos “bem de vida”. Países e regiões subpoluídos deveriam naturalmente alocar

indústrias poluidoras. Tal imposição conforme a Declaração de fundação da Rede Brasileira de

Justiça Ambiental se configura como “Injustiça Ambiental”, que é definida como “um

fenômeno de imposição desproporcional dos riscos ambientais às populações menos dotadas

de recursos financeiros, políticos e informacionais”. Do contrário, a “Justiça Ambiental” é o

homem como “animal político” deve submeter-se. O que o distingue dos demais animais é que o homem “sabe

discernir o bem do mal, o justo do injusto”. A cité tal como utilizado por Boltanski, refere-se à “ordem de grandeza”

ou um “Princípio de Equivalência”, para onde convergem os interesses que transcendem o âmbito particular. É no

“Princípio de Equivalência” que os interesses universais estão representados. É nesse sentido que se deve buscar

compreender o processo de deslocamento no curso de uma ação particular ao universal, notando-se que na

universalidade as especificidades que o motivaram na situação singular estão contempladas. Pensar a noção de

“cidade” por essa ótica suscita uma série de questões relevantes sobre os eventos de mobilização registrados

durante a discussão sobre o polo siderúrgico em São Luís. 33 Trata-se de um memorando de circulação restrita do Banco Mundial de autoria de Lawrence Summers,

economista chefe do Banco que dizia o seguinte: “Cá entre nós, o Banco não deveria incentivar mais a migração

de indústrias poluentes para os países menos desenvolvidos?”. (ACSELRAD, 2009, p.7).

Page 76: Tese Elio Pantoja Para o Trabalho de Sociologia Do Desenvolvimento

73

conjunto de princípios e práticas que asseguram que nenhum grupo social, seja ele étnico, racial

ou de classe, suporte uma parcela desproporcional das consequências ambientais negativas de

operações econômicas, de decisões de políticas e de programas federais, estaduais, locais, assim

como da ausência ou omissão de tais políticas. (BRASIL, c2014c).

Mais adiante, meu propósito é demonstrar que essa noção de dessingularização

apresenta um potencial explicativo importante de experiências de contestações locais e como

elas se conectam aos processos mais amplos de mobilização no âmbito do ambientalismo

brasileiro e internacional. A conexão da Rede Brasileira de Justiça Ambiental com as

experiências de mobilização regional em defesa do meio ambiente e das populações vítimas de

“injustiça ambiental” é um exemplo que ilustra essa tendência dos movimentos socioambientais

contemporâneos no Brasil.

Dentro desse panorama, me sirvo da perspectiva da “sociologia da crítica” para

pensar as ações coletivas e o conjunto de argumentos: científicos e jurídicos utilizados pelo

movimento como instrumento de contestação à viabilização política e ambiental do polo

siderúrgico.

3.2 Ações Coletivas: marcos teóricos e experiências de contestação acerca ao polo

siderúrgico de São Luís (2004 e 2005)

O segundo pressuposto teórico que orienta a análise do processo de mobilização

das reações locais tem como ponto de partida o conceito de Ação Coletiva. O conceito implica

perspectivas diferenciadas, referentes à “lógica” da ação coletiva (OLSON, 1998) e à estrutura

(TILLY, 1978; 1996). O ponto comum, entretanto, reside na noção de que os grupos perseguem

“interesses”. São estes que movem suas ações, conforme sua dinâmica e o seu alcance.

Olson (1998) analisa a capacidade que cada grupo tem de compatibilizar o uso da

racionalidade na concretização de interesses individuais e do grupo. A busca de combinação de

interesses é para este autor, análoga a um mercado competitivo. Mas para Olson “não é de fato

verdade, que a ideia de que os grupos agindo em seu próprio interesse seja uma consequência

lógica da premissa do comportamento individual e racional e em benefício próprio” (OLSON,

1998, p. 2). Há outros fatores que devem ser levados em conta. Embora o autor discorra sobre

experiências de empresas e sindicatos norte-americanos, a análise apresenta aspectos

importantes para meu estudo. Olson reconhece a importância dos “incentivos sociais” (amizade,

prestígio, respeito) suscetíveis de mobilização (há outros tipos como: incentivos eróticos,

psicológicos e morais) e mais recorrentes entre pequenos grupos onde o contato pessoal é maior

Page 77: Tese Elio Pantoja Para o Trabalho de Sociologia Do Desenvolvimento

74

do que em grandes empresas. Ele destaca também a importância dos “grupos de pressão”

formados por especialistas que possuem competências para fazer campanhas, buscar apoio no

meio político e com poder de influência nos órgãos dos governos visando os interesses dos

grupos. Os exemplos são os interesses de grandes empresas quando lutam para a manutenção

do preço dos produtos evitando o prejuízo dos grupos empresariais organizados e de sindicatos

que lutam por melhores salários. O “Grupo de Pressão” abre uma chave explicativa importante

para compreender as estratégias e os recursos mobilizados nas ações coletivas.

Outro viés importante na teoria da ação coletiva é apresentado por Charles Tilly.

Sua premissa inicial da ação coletiva pressupõe a existência de dois importantes elementos

dialeticamente associados: a ação de grupos de interesses e os processos de coerção. Os

processos coercitivos acompanharam a formação e a consolidação do Estado em fases

historicamente distintas (TILLY, 1996). Por este viés, o Estado é historicamente visto como

uma forma de combinação entre o “capital” e “coerção”. Antes e durante a chamada era

moderna, assim como na contemporaneidade, a cidade e seus respectivos territórios têm sido

as bases sobre as quais essa combinação se dinamizou. Coerção, segundo Tilly (1996, p. 67):

[...] compreende toda aplicação combinada – ameaçada ou real – de uma ação que

comumente causa perda ou danos às pessoas ou às posses de indivíduos ou grupos, os

quais estão conscientes tanto da ação quanto do possível dano [...] onde o capital

define um domínio de exploração, a coerção define um campo de dominação.

O pressuposto é de que os grupos sociais em situações de constrangimentos

políticos e econômicos aprendem a desenvolver formas de cooperação e de solidariedade. Eles

constroem estratégias para a organização política visando reagir a esses constrangimentos.

Entre os estudiosos de movimentos sociais no Brasil e mais especificamente, sobre

os movimentos ambientalistas, há um relativo consenso de que a sua emergência está

diretamente relacionada pelo menos a dois fatores convergentes. Alguns autores analisam que

esta emergência está relacionada ao processo de redemocratização do Brasil entre os anos de

1970 e 1980 quando surge uma “estrutura de oportunidades políticas” por meio da mobilização

política, num momento de crise interna à coalizão do regime militar (ALONSO; COSTA;

MACIEL, 2008). Um segundo fator que diz respeito à transição de paradigmas da ação coletiva,

quando surgem novas formas de ação política que favoreceram a eclosão de lutas sociais

fortalecida pela conjuntura internacional, em destaque a questão dos direitos humanos.

Conforme Gohn (1995, p. 202), “[...] os novos direitos sociais brasileiros, ou a nova cidadania

[...] foram frutos da articulação entre a democracia institucional representativa e a democracia

direta, advinda das bases dos movimentos sociais”. Se antes, o paradigma da ação se

caracterizava pela ação sindical e pela mediação dos partidos entre as bases e o Estado, o

Page 78: Tese Elio Pantoja Para o Trabalho de Sociologia Do Desenvolvimento

75

“novo”, embora não tenha criado novos valores, mas apenas redefinindo e resgatando aqueles

valores consagrados e originados de diferentes matrizes epistemológicas, tais como, liberdade

de expressão, autonomia,) trouxe à tona a “figura do comunitário”, ou seja,

[...] uma figura híbrida que não se situa nem no setor público nem no privado. Trata-

se de uma espécie de privado público/não estatal, porque as ações partem de setores

privados, organizados na sociedade civil, mas os suportes financeiros e de infra-

estrutura são públicos estatais. (GOHN, 1995, p. 202).

A ideia de “comunidade” nesse cenário é redefinida, passando a adquirir o sentido

de intervenção na realidade, de certo modo abandonando a postura de esperar pela ação do

Estado e ao mesmo tempo, apresentando rupturas com a tradição oligárquica e patrimonialista

(GOHN, 1995. p. 203).

A análise de Cardoso (1984) procura destacar a emergência destes novos atores e

sugere que ainda durante ditadura, os cientistas sociais latino-americanos descobriram a força

dos movimentos, entretanto, descolando relativamente suas interpretações das abordagens

tendencialmente estruturantes que em sua grande maioria, subsumia a capacidade de agência

das organizações populares à ideologia, à dominação econômica e aos aparelhos repressivos do

Estado (CARDOSO, 1984). Seguindo a crítica desta autora, aquelas abordagens ao

privilegiarem “apenas o ângulo das relações de produção, não viram a unidade da consciência

reivindicativa que se manifestava ao mesmo tempo no comício e no protesto contra a

precariedade das condições de moradia” (CARDOSO, 1984 p. 222). Chama atenção na

avaliação de Cardoso (1984) a importância dada à capacidade de ação dos atores sociais, e

menos ênfase atribuída aos condicionantes estruturais.

No caso dos chamados “ciclos de protestos” (para citar dois exemplos do campo

ambiental: a Campanha em Defesa da Amazônia em 1978 contra os contratos firmados entre o

Governo Federal e empresas internacionais para explorar madeira da floresta e a campanha

“Adeus Sete Quedas” contra a Hidrelétrica de Itaipu em 1982) eles forçaram o Estado a instituir

importantes rearranjos políticos e institucionais garantindo pelas vias institucionais a

participação de amplos setores da sociedade nas decisões relativas à política ambiental

brasileira. As conquistas que resultaram desses protestos foram incorporadas aos novos

processos de institucionalização da política participativa, sobretudo, após a Constituição

Brasileira de 1988. Ações coletivas dessa natureza, entretanto, estão circunscritas a uma

“estrutura de oportunidades políticas” que favoreceram um maior diálogo dos movimentos com

a governança e uma relativa influência nos processos decisórios. Ao mesmo tempo,

fortaleceram o campo, o ativismo e a agenda socioambiental no Brasil (ALONSO; COSTA;

MACIEL, 2008).

Page 79: Tese Elio Pantoja Para o Trabalho de Sociologia Do Desenvolvimento

76

Concordando com Cardoso (1984, p. 236) que a análise de movimentos não pode

ser restrita “à mera recomposição cronológica das mobilizações”, e tem que se basear “na leitura

da inscrição dos movimentos sociais em um processo que lhes dá significação histórica [...]”,

penso, no entanto, que é preciso considerar que a formação de uma “consciência reivindicativa”

é também, fruto da experiências de ações compartilhadas entre as diferentes gerações de grupos

sociais historicamente excluídos dos processos de decisão política que os afeta diretamente. No

caso de São Luís, os conflitos de caráter socioambiental, remontam aos anos de 1980,

justamente num momento em que os movimentos sociais no país passaram a incorporar em

suas agendas os problemas ambientais articulados às questões sociais. A experiência do Comitê

de Defesa da Ilha pode ser um exemplo importante dessa “consciência reivindicativa”,

conforme o registro de Adriance (1996, p. 87):

[...] em agosto de 1980 [...] o Comitê para Defesa da Ilha, que iniciou uma campanha

de esclarecimento ao público, por meio da imprensa nacional e internacional, sobre

os perigos de uma refinaria de alumínio naquele local. O comitê providenciou amparo

jurídico para os moradores dos povoados, desafiou judicialmente três vezes a Alcoa

por ações ilegais, promoveu debates na televisão, estimulou o debate em programas

de rádio e trabalhou em solidariedade com organizações ambientalistas internacionais.

Ao mesmo tempo em que o Comitê instava os habitantes das vilas a resistir à expulsão.

Na prática o efeito das lutas travadas pelos movimentos sociais no Brasil, ainda sob

o regime militar levou a criação e institucionalização dos Conselhos Populares e

posteriormente, após a Constituição de 1988, os movimentos ganharam maior autonomia, uma

vez que as suas ações passam por meio de instrumentos de operacionalização tais como:

plenárias, fóruns, audiências públicas e orçamento participativo.

A análise do movimento de contestação objeto de meu estudo, de fato leva a uma

compreensão de que o movimento contra um empreendimento industrial se forma entremeado

pela capacidade de agência de um conjunto de atores sociais, mas esta capacidade não tomaria

uma dimensão pública sem contar também com as estruturas de oportunidades que facultaram

tais ações.

Com o novo cenário a partir da Constituição de 1988, ganham destaque os

instrumentos de participação, que embora “restritos”, são produtores de efeitos políticos

contrários a esta restrição da participação política (LIMA, 2009). Durante as audiências

públicas entre 2004 e 2005 para discutir o projeto de alteração da Lei de Zoneamento em São

Luís, o Reage São Luís forçou o governo municipal não somente a anular uma das audiências

públicas, mas também, pressionou a Câmara dos Vereadores a modificar o Projeto de Lei

original, reduzindo a área a ser convertida em Zona Industrial (sobre este processo irei tratar no

item 4.1.3.3 “Campo” Jurídico). Chamo atenção ao fato de que as intervenções dos movimentos

Page 80: Tese Elio Pantoja Para o Trabalho de Sociologia Do Desenvolvimento

77

sociais nestes espaços institucionais extrapolam as instâncias e canais formalmente

estabelecidos na medida em que modificam, sob certas circunstâncias e estruturas de

oportunidade o sentido das tomadas de decisão.

Esta é uma questão importante por dois motivos que estão entrelaçados. Em

primeiro lugar, pelo fortalecimento dos canais de participação, ainda que estes canais

institucionais sejam questionáveis quanto à sua forma “de cima para baixo”, apresentam

motivações importantes. Em segundo lugar, pelos seus efeitos e desdobramentos quanto ao

estímulo à busca de reconhecimento e de direitos. No caso em questão, os povoados localizados

na Zona Rural II de São Luís que buscam nestas novas “estruturas de oportunidades”

institucionais, o direito de permanecerem nos territórios por eles ocupados historicamente.

Ao longo do debate sobre o Plano Diretor de São Luís (entre 2003 e 2005), o foco

centra-se justamente no questionamento das organizações populares à Prefeitura de São Luís

sobre a conversão de áreas rurais em áreas industriais. Tal pretensão do poder executivo

municipal trouxe à tona o interesse pelo debate por parte dos moradores da Zona Rural de São

Luís, e em especial, a Zona Rural Rio dos Cachorros, naquele momento em litígio em função

do projeto polo siderúrgico. É, portanto, na busca de entender as alianças entre as organizações

envolvidas no debate sobre o Plano Diretor e conversão de áreas rurais em áreas industriais que

passo a me interessar pelas formas de engajamento das entidades no debate sobre o polo

siderúrgico.

Considerar as experiências de mobilização do passado, não é necessariamente fazer

uma “recomposição cronológica” das ações coletivas para compreender as lutas políticas do

presente, mas enfatizar que a resistência política dos grupos sociais quanto à permanência nos

territórios é uma luta política contínua e historicamente delineada com a instalação de projetos

industriais e com a expansão das atividades portuárias. É neste processo contínuo de luta pela

permanência que os “repertórios” de mobilização são continuamente recriados, atualizados e

acionados. Nesse sentido, as bases políticas das ações e suas referências se alinham, por

exemplo, no debate do desenvolvimento acoplado ao processo de “ambientalização” (LOPES,

2004). Surgiram novas estruturas de mobilização que inovaram as ações coletivas, mas foi dos

anos de 1980, que “brotou”, em grande parte a força dos movimentos de contestação ao polo

siderúrgico (LIMA, 2009).

Page 81: Tese Elio Pantoja Para o Trabalho de Sociologia Do Desenvolvimento

78

3.3 O “Zoneamento” como processo de territorialização: o debate mobilizador acerca do

polo siderúrgico de São Luís

Neste item farei uma breve explanação acerca da noção de território, uma vez que

o debate sobre a instalação do polo siderúrgico foi antecedido de um longo período de

discussões desde 2001, sobre a proposta da Prefeitura de São Luís de alterar a Lei de

Zoneamento, Parcelamento, Uso e Ocupação do Solo (Lei Municipal nº 3.253 de 1992).

A solicitação do Prefeito de São Luís encaminhada à Câmara dos Vereadores para

aprovar o projeto de alteração da Lei, está diretamente relacionado ao propósito do Governo do

Maranhão e da Companhia Vale em instalar o polo siderúrgico. Procuro então mostrar que esta

ação do poder público municipal serviu de dispositivo de ações coletivas (fóruns, seminários,

Audiências Públicas) referentes ao Plano Diretor de São Luís no qual a Lei de Zoneamento está

inserida.

Como analisei anteriormente, em São Luís, desde o final dos anos de 1970, registra-

se um quadro histórico de conflitos sociais que está diretamente atrelado ao processo de

industrialização e de expansão da estrutura portuária. Este duplo processo, industrialização e

expansão portuária, entretanto, ocorre concomitantemente por meio de uma série de alterações

na legislação e de procedimentos administrativos visando mudanças no zoneamento para

adequar a “compatibilidade” de usos industriais nas áreas próximas ao Complexo Portuário de

São Luís.

Tenho como ponto de partida a compreensão de que a política estatal de

zoneamento pressupõe uma concepção funcional do uso social dos territórios, à qual devem

estar subjacentes aos interesses de agentes estatais e privados com grande poder político e

econômico de defini-la. Dessa forma, o território é (antes de qualquer acepção de caráter

natural) fundamentalmente constituído por relações de poder. Assim, o território é pensado

pelas diferentes formas de usos e de percepção e dos diferentes significados políticos,

econômicos, sociais, e também, significados de ordem cultural que lhes são distintamente,

atribuídos. É na medida em que as ações de ocupação e de apropriação capitalista avançam

sobre outras formas de uso social que se pode perceber a dinâmica das relações de poder entre

os atores que disputam os recursos e os territórios. Estes possuem capacidade desigual quanto

ao acionamento dos recursos institucionais e políticos para fazer valer seus interesses, processo

que não tem ocorrido sem a produção de conflitos.

Page 82: Tese Elio Pantoja Para o Trabalho de Sociologia Do Desenvolvimento

79

A compreensão de que o espaço não se limita à noção fisiográfica é fundamental,

sobretudo pelo fato de que nos distancia da noção de “vazio demográfico”34 com a qual operou

e continua operando a “ideologia desenvolvimentista”35 no Brasil. Essa visão remonta aos anos

de 1950, quando a Amazônia Oriental passou a ser concebida pelos planejadores estatais como

“fronteira econômica” ainda não explorada, ou seja, um conjunto de “áreas novas de

incorporação à economia” segundo as atividades lucrativas do sistema de produção capitalista

(HÉBETTE, 2004; COELHO et al, 2010). Nesse sentido, a política de zoneamento é delineada

no âmbito dos projetos de desenvolvimento e de atividades econômicas e ganha relevância

sociológica na medida em que produz significativas mudanças sociais, econômicas, políticas e

culturais na estrutura organizacional de grupos sociais que atuam numa base material concreta.

Inúmeras medidas legais e administrativas foram tomadas pelos governos após a

construção do Porto de Itaqui entre 1966 e 1972 (PORTO DO ITAQUI, c2014) e foram

direcionadas aos planos de desenvolvimento regional, integradas às ações e medidas de

desenvolvimento econômico das demais regiões do país, mas principalmente, na Amazônia

Oriental, com a construção dos projetos de desenvolvimento, a exemplo do Programa Ferro

Carajás (PFC). As medidas, entretanto, nem sempre são consensuais entre as diferentes esferas

governamentais.

Vejamos por exemplo, que nos anos de 1970 a Gerência Regional da Secretaria de

Patrimônio da União (SPU) situa por meio de decretos (Decreto Federal nº. 66.227 de 18 de

fevereiro de 1970 e Decreto Federal nº. 78.129 de 29 de julho de 1976) as áreas de Itaqui-

Bacanga e Tibirí-Pedrinhas, na Zona Rural. Após duas décadas, em 2001, por meio de Ofício

(Ofício nº. 011 de 12 de janeiro de 2001) a Gerência de Planejamento e Desenvolvimento

Econômico do Governo do Maranhão, enviou à Secretaria do Patrimônio da União em Brasília

o pedido dessas áreas, cujo conteúdo diz que aqueles decretos trouxeram “[...] inúmeros

transtornos para o Estado [...] inibindo a sua política industrial”, uma vez que:

[...] A intenção primordial do Estado no recebimento das referidas grandes áreas teve

como objetivo a criação do Distrito Industrial de São Luís – DISAL, cujo desiderato

maior consiste na geração de emprego e renda, mediante o incentivo à instalação de

34 Importante enfatizar que a gênese da ideologia do “vazio demográfico” remonta a visão dos viajantes naturalistas

europeus do Século XIX, ganhando respaldo científico institucional através do uso de critérios fisiográficos. A

Amazônia por essa ótica passou a ser considerada como uma região homogênea, ignorando-se, muitas vezes, a

diversidade social e cultural de seus habitantes, como também, a sua diversidade ecológica (CONCEIÇÃO, 1996). 35 A noção de desenvolvimentismo abarca um amplo debate teórico sobre as economias dos países periféricos no

período pós-Segunda Guerra Mundial. Uma das críticas mais contundentes é a de Andreu Viola (2000) que incide

sobre o discurso de posse do Presidente dos EUA, H. Truman em janeiro de 1949, que em seu quarto ponto destaca

a concepção de divisão do mundo em desenvolvido e subdesenvolvido, tendo como base a suposta superioridade

técnica e científica das sociedades industriais capitalistas; a crítica também é lançada sobre a obra “As etapas do

crescimento econômico” de W. Rostow (1960), considerada como emblemática na teoria da modernização

(VIOLA, 2000).

Page 83: Tese Elio Pantoja Para o Trabalho de Sociologia Do Desenvolvimento

80

empresas industriais modernas, entre elas, o grande complexo siderúrgico

(MARANHÃO, 2001).

O Governo do Maranhão como ator político interessado pela instalação do polo

siderúrgico em São Luís solicitou mudanças nos Decretos Federais em vigência desde os anos

de 1970 referentes à Zona Rural, e ao mesmo tempo, solicitou à Prefeitura de São Luís que

fosse modificada a Lei de Zoneamento aprovada em 1992.

O “processo de territorialização” efetivamente ocorre por meio de experiências de

mobilização de forças antagônicas, podendo ser também percebido pela complexa rede de

relações interconectadas e intercaladas às outras redes por meio de nós que podem ser

superpostas (SOUZA, 1995)36. De fato, estão em questão, as variadas modalidades de uso das

terras tradicionalmente ocupadas por grupos sociais que reivindicam a política de demarcação.

Uma vez mobilizados, estes grupos sociais produzem processos criativos de territorialidade. Na

Amazônia, tem se constatado que é no enfrentamento às empresas capitalistas que estes grupos

passam a ser politicamente reconhecidos (ALMEIDA, 2010; COELHO et al. 2010).

Trata-se, portanto, de uma área em conflito constante entre lógicas diferenciadas de

apropriação e de uso de recursos naturais. Nesse sentido, envolve múltiplos fatores

corroborando com a configuração de conflitos ambientais, já mencionada anteriormente, ou

seja, aqueles conflitos gerados quando pelo menos um dos grupos em questão tem a

continuidade das formas sociais de apropriação do meio ameaçada, e que se remetem aos

impactos provocados pelos efeitos de atividades predatórias: industrialização, agricultura, obras

de infraestrutura, etc. Nestes tipos de conflitos o que está em questão, é o fato de que a

manutenção das práticas econômicas e sociais de outros grupos sociais fica comprometida

(ACSELRAD, 2004).

Como mencionei na introdução da tese, baseado em Zhouri e Lachefski (2010, p.

23), os conflitos ambientais podem ser também classificados como: “conflitos ambientais

distributivos”: indicando as graves desigualdades sociais no acesso e uso de recursos naturais,

“conflitos ambientais espaciais”: causados por efeitos ou impactos ambientais que ultrapassam

os limites territoriais de agentes ou grupos sociais, a exemplo de conflitos que são produzidos

pelas emissões gasosas e poluição das águas e, por último, os “conflitos ambientais territoriais”

36 Os exemplos de territórios e suas respectivas relações de poder ilustrados por Souza (1995) referem-se às suas

experiências de pesquisa de campo sobre os territórios do tráfico de drogas e os conflitos e/ ou alianças entre

“facções amigas” ou rivais na cidade do Rio de Janeiro. A forma de abordar o território por este autor é bastante

inspiradora neste estudo, sobretudo pelo fato de que se trata de uma abordagem antropológica na qual o território

é mediado por relações sociais e relações de poder, permitindo dialogar com a realidade aqui estudada.

Page 84: Tese Elio Pantoja Para o Trabalho de Sociologia Do Desenvolvimento

81

cuja definição interessa neste estudo pela configuração da situação analisada. Segundo Zhouri

e Lachefski (2010, p. 23), “Conflitos ambientais territoriais”:

[...] Marcam situações em que existe sobreposição de reivindicações de diversos

seguimentos sociais, portadores de identidade e lógicas culturais diferenciadas, sobre

o mesmo recorte espacial – por exemplo, área para implementação de uma hidrelétrica

versus territorialidades da população afetada. A diferença em relação aos conflitos

sobre a terra é que os grupos envolvidos apresentam modos distintos de produção dos

seus territórios, o que reflete nas variadas formas de apropriação daquilo que

chamamos de natureza naqueles recortes espaciais.

O debate sobre a Lei de Zoneamento, Parcelamento, Uso e Ocupação do Solo de

São Luís (Lei Municipal nº 3.253 de 1992) é indissociável do projeto do polo siderúrgico, uma

vez que, para instalar a planta industrial (Mapa 3) era necessária a alteração desta Lei. Segundo

a Carta do Prefeito de São Luís enviada à Câmara dos Vereadores de São Luís, a existência de

uma área estabelecida legalmente como parte da Zona Rural nas proximidades da Zona

Industrial, “criou uma incompatibilidade com características próprias da área, quando sua

vocação natural é nitidamente industrial”. E ainda:

[...] Tal área [...] denominada Zona Rural Rio dos Cachorros, [...] com vistas à

possibilidade de implantação do polo siderúrgico o Governo do Estado solicitou

formalmente à prefeitura de São Luís em setembro de 2004, que fosse estudada a

reformulação da Lei de Zoneamento [...] Justifica-se ainda a alteração do zoneamento

da área pela existência do complexo portuário e da malha ferroviária, o que

potencializa a implantação de projetos de média e grande escala, como siderurgia e

refinaria de petróleo [...] a prefeitura acompanha junto ao Governo Estadual, a

elaboração de propostas relacionadas à habitação, infra-estrutura e inclusão social a

ser disponibilizada à população, por ocasião da efetiva instalação de qualquer

empreendimento industrial (PREFEITURA DE SÃO LUÍS, 2004).

Para as lideranças comunitárias da Zona Rural contrárias ao projeto polo

siderúrgico, a percepção do território como sendo de pertencimento, está diretamente associada

a esse histórico de conflitos que veio a se configurar com as sequentes ameaças de perda e em

2004, mediante uma iminente possibilidade real de deslocamento das famílias. Dois aspectos

parecem ser cruciais na percepção do território. As ameaças de perdas do ambiente e de recursos

enquanto meio de vida mediante a instalação de um empreendimento e também das redes de

relações de parentesco e de vizinhança. Estas são características importantes que traçam o perfil

das relações sociais estabelecidas entre moradores da Zona Rural II de São Luís, como por

exemplo, no caso do povoado do Taim.

No caso do Taim, este processo de territorialização pode ser indicado pela noção de

pertencimento, quando seus moradores recorreram às referências dos pioneiros do lugar e seus

descendentes. Os “Filhos do Taim” denominação construída pelos moradores para se

Page 85: Tese Elio Pantoja Para o Trabalho de Sociologia Do Desenvolvimento

82

distinguirem dos “de fora”, conforme constatou Silva (2009)37 tem sido uma estratégia

importante para assegurar a permanência do povoado naquela área. Território neste contexto

abarca um conjunto de elementos que estão referidos à identidade cultural com o lugar,

incluindo as manifestações religiosas e culturais que unem os moradores. Estes aspectos

remetem ao grau de enraizamento das diferentes gerações de um mesmo grupo familiar, que

informa, por sua vez, a herança, e a noção de pertencimento à “comunidade

Nossa área a gente sabe que ela tem um privilégio porque é uma área portuária e a

gente sofre com essas ameaças há muito tempo só que a gente sofria e ouvia tudo

calado porque não sabia se defender, e após isso aí não, a gente sabe como se defender

[...] Aqui a comunidade é o seguinte, aqui tem as pessoas que são herdeiras não é,

pessoas que fundaram aqui o Taim, a comunidade, os filhos ainda moram aqui, os

netos, e as pessoas que vieram prá cá há mais tempo, antes até dos que estavam

engajados na briga do título da terra aqui, essas pessoas têm direito a um terreno o os

filhos têm direito a um terreno aqui no Taim, todos os filhos dela têm direito à um

terreno. (Jean Carlos, líder comunitário do Taim. Entrevista em 31 jan. 2012)

Com a natureza e na forma de explorar os recursos, os grupos constroem história,

criam normas, formas específicas de regulação social e produzem uma série de conhecimentos

compartilhados. Quer dizer, o “lugar” é ambiente de experiências significativas, com um grau

de enraizamento e conexão com a vida diária (ESCOBAR, 2005, p. 134). O ambiente sobre o

qual os grupos sociais atuam não se encerra no seu aspecto ocupacional ou no seu substrato

material. Embora se façam referências a um espaço específico delimitado, portador de

características físicas e de recursos naturais, o território possui seus “particularismos”, dada a

especificidade do ambiente no qual os grupos vivem, suas práticas econômicas, socioculturais

e simbólicas (DIEGUES, 1995). O imaginário, as crenças, os mitos e as entidades protetoras e

reguladoras, devem ser considerados não como meras crendices, mas como parte das

interdições e das regulações sociais de acesso ao ambiente enquanto uma totalidade que

constitui o território (GALVÃO, 1976; ALVES, 2003).

O processo de territorialização, portanto, implica na construção de sistemas sociais,

de domínio material e simbólico (COELHO et al. 2010). Os atores políticos e econômicos

hegemônicos do desenvolvimento se deparam com atores sociais e seus “ambientes de vida”

(HÉBETTE, 2004), que no enfrentamento aos processos decisórios reinventam criativamente o

território, a partir de suas histórias e trajetórias de vida pessoal e coletiva, acionando os aliados,

utilizando seus saberes e aparatos cognitivos sobre a história e os recursos. Como observou

Hébette (2004, p. 11), sobre as frentes de expansão capitalista na Amazônia;

37 Silva (2009) analisou como os moradores do Taim recorreram à memória coletiva como estratégia de luta

política para permanecer no território. A autora mostra que as relações de parentesco, de amizade, de vizinhança

e de compadrio, associados às manifestações culturais, a exemplo do Tambor de Crioula, e dos festejos dos santos

padroeiros, reforçam o processo de resistência para a permanência da comunidade no território.

Page 86: Tese Elio Pantoja Para o Trabalho de Sociologia Do Desenvolvimento

83

[...] Na verdade, é uma organização social que é atingida, um ambiente de vida onde

a população tinha desenvolvido lentamente seus laços de parentesco, de amizade e

vizinhança, plantado seus pomares, criado suas escolas, suas áreas de lazer, seus

centros de culto (HÉBETTE, 2004, p. 11)

Quando ameaçados pelas forças modernizadoras os grupos sociais locais se

projetam politicamente e estabelecem estratégias de resistência política contra as decisões de

outros atores e agentes politicamente mais fortes:

É tudo isto que é destruído e que deveria, pelo menos, ser restituído nas mesmas

condições. Não é substituível por qualquer terra pedregosa e sem água, por qualquer

casa [...] O capital não entende a linguagem das relações primárias; sua racionalidade

é de lucro, de produtividade, do tempo de trabalho; é a racionalidade das relações

mercantis (HÉBETTE, 2004, p. 11).

Os homens produzem suas condições de existência material, mas isto não ocorre

unilateralmente. “A produção da vida”, como assinala Marx em “A Ideologia Alemã”, aparece

numa dupla relação, de um lado como “relação natural”, de outro, como “relação social – social

no sentido de que se entende por isso a cooperação de vários indivíduos, quaisquer que sejam

as condições, o modo e a finalidade” (MARX, 1999, p. 42). Nessa perspectiva os significados

culturais não são simples expressão da base material das formações sociais, são “forças

constitutivas que também moldam a história e também afetam a transformação material”

(BARRETO FILHO, 2006). Ademais, as transformações não alteram, neste caso, se não

coletividades portadoras de formas específicas de sociabilidade e expressão cultural, portanto,

são grupos sociais cujos “meios de vida” (CÂNDIDO, 1987)38, estão em processo de

confrontação com outras lógicas de produção e de reprodução social. O território sobre o qual

trato, portanto, se constitui na dinâmica do conflito, e nesta se circunscrevem as relações de

poder, inerentes às mudanças sociais advindas com os processos de modernização de uma área

constantemente demandada pela ótica logística da estrutura portuária e requisitada

constantemente.

É portanto, neste sentido que a noção de “comunidade” aqui inserida deve ser

relativizada se tomada pela ótica de alguns autores brasileiros que em grande medida

38 O estudo de Cândido (1987) “O caipira paulista e a transformação de seus meios de vida” pode ajudar de forma

significativa a de perceber o meio de vida dos povoados da Zona Rural de São Luís que passam por profundas

mudanças desde os anos de 1980 com a instalação de projetos industriais. A resistência política desses povoados,

em grande medida é buscada também nas suas formas tradicionais de organização comunitária. É por meio dos

vínculos de solidariedade visando a manutenção do controle territorial que eles mantem a coesão organizativa,

envolvendo festas, trocas de dias de trabalho, parentesco e reciprocidades. Dessa forma, também se organizam

politicamente para dialogar com as instituições políticas da atualidade. As instituições tradicionais são

ressignificadas e transformadas em estratégia de mobilização política. A Romaria dos Trabalhadores, por exemplo,

realizada no mês de maio é parte do calendário anual dos festejos, é um evento religioso importante, mas também,

é um evento de mobilização comunitária para a participação da vida política. Entre 2004 e 2006 durante Romaria,

as lideranças comunitárias integrantes do Reage São Luís, mobilizaram os moradores do povoado divulgando a

situação de ameaça de deslocamento pela instalação do polo siderúrgico.

Page 87: Tese Elio Pantoja Para o Trabalho de Sociologia Do Desenvolvimento

84

influenciaram decisivamente nas abordagens sociológicas, principalmente em estudos de

comunidades rurais no Brasil em situação de transição. Nestes estudos, a figura do comunitário

diante dos processos de modernização, se refere principalmente às relações primárias, os

contatos pessoais, face-a-face, às relações familiares e de parentesco, de amizade, de

vizinhança, de compadrio por meio das quais se estabelecem as redes de contatos com a

sociedade mais ampla, com o mercado e com a política. Como descreveu por exemplo, C.

Wagley (1957) em seu estudo “Uma Comunidade Amazônica” nos anos de 1940 no interior

amazônico, ele analisou uma história de apogeu de uma comunidade com a expansão da

economia da borracha, mas com a decadência da produção a comunidade permaneceu embora

modificando suas redes de relações sociais. Numa perspectiva que também aponta o caráter

comunitário das relações sociais A. Cândido (1975) em seu livro Os Parceiros do Rio Bonito

apresenta uma análise sobre as transformações dos “meios de vida” dos caipiras em função da

modernização econômica no sudeste brasileiro e mostra como os bairros rurais se modificaram

readaptando as relações em novos contextos socioculturais. Os dois autores em diferentes

contextos rurais e socioculturais apontam que as relações comunitárias não se circunscrevem

pela lógica ocupacional, ambiental ou geográfica, como também não se referem pelas

delimitações administrativas de zoneamento.

Assinalei acima que a noção de territorialidade aqui discutida não está circunscrita

geograficamente, da mesma forma, a existência de uma “comunidade” prescinde de uma base

territorial, e de qualquer dimensão ambiental ou ocupacional. Quer dizer, abstraindo a

inexistência destes fatores a “comunidade” permanece porque o que une as pessoas são

sentimentos de pertencimento, vínculos sociais que que lhes dão substância histórica e sentido.

Mas isto não significa ignorar os referenciais materiais importantes para a produção e

reprodução social da “comunidade”. As relações com o meio material se concretizam por meio

de relações sociais, constituindo-se como “ambiente de vida” (HEBETTE, 2004). O que está

em questão são relações sociais em contextos de mudanças provocadas por processos

macroeconômicos e sociais nos quais os grupos estão inseridos. Me apoio, portanto, numa breve

consideração de Meyer (1979, p. 16) sobre seu estudo de “uma comunidade rural nordestina”

que diz o seguinte:

Ora, se é verdade que a comunidade não prescinde de uma base territorial, isto não significa que seus

limites sejam dados a partir dela. Pelo contrário, a própria delimitação espacial existe enquanto

materialização de limites dados a partir de relações sociais. Assim, nem sempre a proximidade física

define a existência de uma proximidade social, e, inversamente, nem sempre a distância física determina

a distância social. Nesse sentido a configuração da comunidade no espaço só ganha significado quando

percebida à luz de um sistema de relações sociais que articula não só os elementos internos à comunidade,

mas também, esses elementos àqueles que são externos. Nessa articulação, a partir de um jogo de

Page 88: Tese Elio Pantoja Para o Trabalho de Sociologia Do Desenvolvimento

85

diferenças e semelhanças, identificações e oposições, são traçados limites que, muito mais do que os

limites meramente físicos, existem enquanto limites sociais.

Conexões e articulações externas ganham muito sentido se considerarmos o contexto no

qual as comunidades aqui analisadas estão situadas. Procuro mostrar no Capítulo 05, que os as

comunidades da Zona Rural II de São Luís têm acionado a categoria de “população tradicional”

como dispositivo de luta visando a garantia de direitos culturais e territoriais. Nesta acepção,

ganha sentido a capacidade de agência e os mecanismos de acessibilidade à política destes

atores no novo contexto em que eles emergem enquanto sujeitos políticos, como também, a

ideia de “comunidade” nesta perspectiva é redefinida, na medida em que os atores locais

interferem por meio de suas organizações nos processos de decisão. Nesta perspectiva, é válido

considerar que as relações sociais e políticas no interior das comunidades estão inseridas num

processo de articulação política permanente às redes sociais que de certa forma permite

identificar por meio das organizações políticas locais uma relativa ruptura com as relações de

tradição oligárquica e patrimonialista como aponta Gohn (1995).

Por este prisma as “comunidades” rurais no Brasil agora não devem ser referidas

somente àquelas formas de relações primárias, como também estas relações não devem ser

tomadas como “resquícios” de um passado e serem analisados à luz de um contínuo folk-urbano

(OLIVEN, 1996). A perspectiva de comunidade aqui sinalizada é no sentido de perceber a

dinâmica das transformações. O sentido atribuído à “comunidade” procura aqui, portanto,

captar o nexo entre os processos de organização dos atores locais em confronto aos processos

e dinâmicas desencadeadas por atores globais, tais como as corporações capitalistas

internacionais que atuam no fluxo dos mercados globais nos territórios.

3.4 Links39 na formação de um movimento de contestação

Como procurei discutir anteriormente, a mobilização política é um conceito

importante em minha análise, uma vez que envolve o acionamento e aquisição de recursos

39Link é uma palavra de origem inglesa que pode ser traduzida como “ligação” ou “elo” entre dois elementos. Na

língua portuguesa o termo se tornou mais conhecido pelo seu uso na internet como um recurso para conectar textos

de sites diferentes, permitindo ao usuário fazer “atalhos” e múltiplas conexões virtuais. O termo Link tem sido

incorporado na linguagem cotidiana das pessoas. No caso do Reage São Luís, aparece nas entrevistas como

sinônimo de articulação para descrever as alianças, tal como citado recorrentemente na entrevista de uma

integrante do Reage São Luís para descrever as alianças estabelecidas entre entidades, pessoas e movimentos em

São Luís. O termo serviu de inspiração para descrever a configuração das conexões entre pessoas, grupos sociais

e organizações, uma vez que se refere à formação das redes sociais para produzir articulações, interatividade e

troca de informações, tanto presencial quanto virtual.

Page 89: Tese Elio Pantoja Para o Trabalho de Sociologia Do Desenvolvimento

86

importantes para tornar a ação coletiva possível. Nas análises a seguir procuro designar de links,

as alianças que fizeram parte do processo de mobilização da resistência local. Sobre este aspecto

ainda é importante frisar que o acionamento aos recursos, não ocorrem sem um processo de

“empoderamento” de lideranças e da organização comunitária. “Empoderamento” é um termo

que guarda aproximações com as noções de protagonismo, autonomia e capacidade dos atores

em interferir nas decisões que lhes dizem respeito. Na “perspectiva emancipatória”, segundo

Horochovski (2008, p. 214):

[...] é o processo pelo qual indivíduos, organizações e comunidades angariam recursos

que lhes permitem ter voz, visibilidade, influência e capacidade de ação e decisão.

Nesse sentido, equivale aos sujeitos terem poder de agenda nos temas que afetam suas

vidas. Como o acesso a esses recursos normalmente não é automático nem fácil, ações

estratégicas mais ou menos coordenadas são necessárias para sua obtenção.

No contexto deste estudo, a noção de “empoderamento” no sentido acima atribuído

está referida às práticas das organizações e da mobilização comunitárias ocorridas em grande

medida em função da intervenção das CEBs, principalmente nos anos de 1980 como procurei

mostrar anteriormente. É justamente esse o termo utilizado por Adriance (1996), ao caracterizar

a luta política de bairros populares de São Luís afetados pelos projetos industriais. Esta autora

se refere ao trabalho das Paróquias e à formação de lideranças religiosas para o trabalho de base

comunitária, o fortalecimento do associativismo e de potencialização da solidariedade

comunitária enquanto durou o trabalho dos missionários que levou a um empowerment dos

trabalhadores rurais por meio das comunidades de base (ADRIANCE, 1996, p. 94-95).

No início dos anos de 2000, é ainda nas bases do trabalho comunitário das paróquias

da Igreja Católica, em especial, por meio das Pastorais, que surgem em grande medida as fontes

de “energia política” das organizações da Zona Rural de São Luís, principalmente das áreas

próximas ao Complexo Portuário que passaram a enfrentar os novos desafios mediante a

possibilidade de instalação de um grande empreendimento industrial, materializado no polo

siderúrgico. A formação de lideranças comunitárias está diretamente associada às experiências

das Pastorais: direção de centros comunitários e de associação de moradores que se confundem

com as atividades de catequese e das Pastorais da Igreja Católica (Pastoral da Juventude,

Pastoral da Criança, Pastoral da Mulher). Mas estas organizações de base comunitária não

teriam força suficiente sem a interação e a formação de coalizões com outros movimentos e

entidades, a exemplo do Sindicato dos Urbanitários de São Luís, que por sua vez integra a CUT

e das associações de profissionais ligadas ao meio ambiente, a exemplo da Associação dos

Geólogos do Maranhão (AGEMA), para citar apenas dois exemplos. Adiante descrevo as

demais entidades de forma mais detalhada.

Page 90: Tese Elio Pantoja Para o Trabalho de Sociologia Do Desenvolvimento

87

3.5 O papel político do Conselho da Cidade de São Luís na contestação à proposta de

alteração da Lei de Zoneamento de São Luís para viabilização do polo siderúrgico

Os Conselhos fazem parte do aparato organizativo do Estado e não são consensuais

uma vez que são constituídos por representantes de diversos setores da sociedade e do Estado,

com interesses diferentes. Uma vez regulamentados institucionalmente, eles criam e recriam

dinâmicas específicas de participação e de articulações, uma vez que para além da função de

controlar e fiscalizar o poder executivo, eles propiciam a constituição de espaços de discussão

e de aprendizagem, interagem com setores progressistas do próprio Estado, criando coalizões,

alianças e estimulam o fortalecimento da sociedade civil nas decisões políticas.

O Conselho da Cidade de São Luís foi instituído em 2006, conforme Lei Municipal

nº. 4.611 de 18 de maio de 2006 e definido por esta lei como um órgão colegiado de natureza

deliberativa e consultiva,

[...] de composição paritária entre o Poder Público e a Sociedade Civil Organizada

com área de atuação no setor política de desenvolvimento urbano, com caráter

permanente, deliberativo, consultivo e fiscalizador, vinculado à Secretaria Municipal

de Planejamento e Desenvolvimento”. (CONCEIÇÃO, 2009, p. 5).

Entretanto, é importante ressaltar que o processo de mobilização para aprovação do

Conselho da Cidade e para a revisão do Plano Diretor ganhou força entre 2003 e 2005, ou seja,

antes de sua institucionalização oficial pela Prefeitura de São Luís. Conforme Conceição (2009,

p. 2):

[...] A revisão do Plano Diretor de São Luís foi pautada pelos diversos segmentos

sociais muito antes de ser oficializada pela Prefeitura. Exemplo disso são as

reivindicações e propostas expressas nas Conferências da Cidade, a primeira realizada

em 2003. Naquela oportunidade a plenária aprovou entre diversas resoluções a revisão

do Plano Diretor Urbano e da Lei de Zoneamento, Parcelamento, Uso e Ocupação do

Solo, a solicitação ao Governo do Estado de apresentação, por ocasião da realização

da Conferência Estadual das Cidades de parecer técnico sobre a viabilidade sócio-

ambiental de instalação da Siderúrgica da Companhia Vale do Rio Doce na Ilha de

São Luís do Maranhão, assim como, deliberou pela criação de um Grupo de Trabalho

com prazo de 120 dias para instalar o Conselho da Cidade. Porém, nenhuma das

resoluções foi implementada pelo poder público.

Sendo assim, houve um intenso debate que acumulou discussões, trocas de

experiências e mesmo a leitura do Estatuto da Cidade por meio de oficinas, antes que o

Conselho efetivamente tomasse posse. A Prefeitura entretanto, não somente não acatou as

resoluções desta I Conferência, como potencializou a pressão política para alterar a Lei de

Zoneamento. Entre os anos de 2003 até 2005, ocorreram vários fóruns, reuniões, oficinas

reunindo militantes, conselheiros, organizações. Estes eventos visaram instrumentalizar

Page 91: Tese Elio Pantoja Para o Trabalho de Sociologia Do Desenvolvimento

88

juridicamente as organizações e exigir dos gestores municipais a implementação das políticas

urbanas conforme o que está previsto no Plano Diretor da Cidade de São Luís. Ou seja, desse

processo de discussão e mobilização sobre o Plano Diretor de São Luís surgem questionamentos

das razões que levam o poder executivo municipal a propor alteração na Lei de Zoneamento

em vez de antes fazer a revisão e atualização do Plano Diretor. Vejamos os Artigos 20 e 21 do

Capítulo VI do Plano Diretor de São Luís: “Do Uso do Solo Rural”:

Art. 20. O uso e ocupação do solo serão regulamentados por lei complementar, que

deverá:

I - orientar e estimular o desenvolvimento rural sustentável de forma harmônica com

as diferentes atividades contidas na zona rural;

II - minimizar a existência de conflitos entre as áreas residenciais, rurais, industriais e

outras atividades sociais e econômicas existentes na zona rural;

III - adequar as zonas industriais, às reais necessidades do parque industrial do

Município, analisando e redimensionando os atuais limites que contemplam áreas

industriais fixadas anteriormente a elaboração deste Plano Diretor.

Art. 21. O planejamento e gestão rural serão realizados pelo órgão municipal

responsável pela política de agricultura familiar e desenvolvimento rural sustentável

e o Conselho. (SÃO LUÍS, 2006).

Com base nessas orientações contidas no Plano Diretor algumas ponderações foram

feitas pelos conselheiros, sobretudo quanto à questão da adequação e compatibilidade entre as

diferentes Zonas, principalmente relativas àquelas definidas como Zonas Rurais que os gestores

municipais e estaduais têm interesse em transformar em industriais. Na composição do

Conselho existem tanto aqueles que diretamente representam as organizações da sociedade

civil, como também, conselheiros ligados aos empresários de transporte e do ramo imobiliário.

Mas, o papel dos conselheiros na experiência inicial de mobilização contra o polo siderúrgico

foi crucial não somente no controle e fiscalização do poder executivo, mas também, na

divulgação acerca dos procedimentos administrativos para a concessão do terreno para a planta

siderúrgica. Naquele momento, o ponto de pauta mais recorrente era o propósito da Prefeitura

de São Luís de aprovar a alteração da Lei de Zoneamento40.

Esse debate ganha maior relevância a partir de 2004 no processo de mobilização da

sociedade civil, sobretudo, pelo fato de que a Prefeitura de São Luís, naquele momento,

concentra esforços políticos no sentido de alterar a Lei de Zoneamento do município de 1992 e

40A Lei de Zoneamento, Parcelamento, Uso e Ocupação do Solo (Lei Municipal nº 3.253 de 1992) estabelece a

divisão do município de São Luís nas seguintes Zonas: Zona Residencial, Zona Turística, Zona Administrativa,

Zona Central, Zona de Preservação Histórica, Zona de Proteção Ambiental, Zona de Segurança ao Aeroporto,

Zona de Reserva Florestal, Zona de Interesse Social, Zona Industrial, Corredor Primário, Corredor Consolidado,

Corredor Secundário e Zona Rural, sendo que cada modalidade de zoneamento e da respectiva forma de uso tem

suas subdivisões que resultaram de políticas de zoneamento anteriores e dos conflitos produzidos no próprio

processo de institucionalização do zoneamento.

Page 92: Tese Elio Pantoja Para o Trabalho de Sociologia Do Desenvolvimento

89

deixava claro na Mensagem enviada à Câmara o interesse do Governo do Maranhão pela

instalação da siderurgia.

A estratégia política do executivo municipal se deu por meio de um pedido formal

em Carta enviada pelo Prefeito Tadeu Palácio ao presidente da Câmara dos Vereadores.

Reproduzo um trecho do pedido de alteração da Lei de Zoneamento:

[...] A proposta refere-se à gleba do Distrito Industrial, cuja classificação como Zona

Rural criou uma incompatibilidade com características próprias da área, quando sua

vocação natural é nitidamente industrial [...] Tal área localiza-se nos Módulos F-

Norte, F-Sul e G do Distrito Industrial, inseridas nas glebas Itaquí/Bacanga /Rio

Anil/Tibirí/Pedrinhas, que tiveram seu domínio útil cedido ao Estado do Maranhão

pelos Decretos Federais nºs 66.227/70 e 78.129/76, denominada Zona Rural Rio dos

Cachorros, definida como distrito Industrial pela legislação estadual [...] com vistas à

possibilidade de implantação do polo siderúrgico o Governo do Estado solicitou

formalmente à prefeitura de São Luís, em setembro de 2004, que fosse estudada a

reformulação da Lei de Zoneamento [...] Justifica-se ainda a alteração do zoneamento

da área pela existência do complexo portuário e da malha ferroviária, o que

potencializa a implantação de projetos de média e grande escala, como siderurgia e

refinaria de petróleo [...] Entendendo seu papel na busca de medidas legais para

viabilizar o desenvolvimento econômico da cidade, notadamente a promoção e

geração de emprego e renda a seus munícipes, a prefeitura acompanha junto ao

Governo Estadual, a elaboração de propostas relacionadas à habitação, infra-estrutura

e inclusão social a ser disponibilizada à população, por ocasião da efetiva instalação

de qualquer empreendimento industrial (SÃO LUÍS, 2004).

No entanto, conforme observou Sousa (2009), com a intensificação do debate

durante as audiências públicas em 2005, a Prefeitura tentou estrategicamente dissimular sua

real intenção por meio de seus representantes que diziam que o pedido de alteração não tinha

relação com a instalação do polo siderúrgico. As ações do Poder Executivo motivaram reações

políticas por parte dos movimentos sociais, e também por parte do Ministério Público Estadual

que moveu uma Ação Civil Pública contra a Prefeitura de São Luís e a Câmara dos Vereadores,

resultando numa liminar judicial determinando uma nova sequência de audiências públicas na

Câmara dos Vereadores (SOUSA, 2009).

Entre 2003 e 2005, a UNMP e os movimentos estaduais por moradia e saneamento

juntaram-se aos professores e pesquisadores da Universidade Estadual do Maranhão (UEMA)

e criaram o Fórum Maranhense das Cidades (CONCEIÇÃO, 2009). Este Fórum se constituiu

num elo importante uma vez que potencializou as forças políticas de diferentes grupos sociais.

Na II Conferência da Cidade em 2005 que teve como lema “Reforma Urbana: Cidade para

todos” e o tema “Construindo a Política Nacional de Desenvolvimento Urbano”, entre as

resoluções do plenário foi a criação de uma campanha para a retirada do projeto de alteração da

Lei de Zoneamento, em tramitação na Câmara Municipal de São Luís. Os participantes

consideravam que a proposta de alteração do poder executivo municipal estava na contramão

do Plano Diretor que em suas diretrizes, conforme a Lei Federal do Estatuto da Cidade (artigos

Page 93: Tese Elio Pantoja Para o Trabalho de Sociologia Do Desenvolvimento

90

182 e 183) exige a participação da sociedade civil. O que de fato é consensual e que resume o

debate naquele contexto é a denúncia da mudança da Lei Municipal de Zoneamento pela

prefeitura visando contornar o “empecilho legal” para instalação do polo siderúrgico, ademais,

esta mudança não poderia ocorrer sem antes realizar a revisão do Plano Diretor (CONCEIÇÃO,

2006).

3.5.1 Entendendo o caso

a) A distribuição do zoneamento urbano, em princípio obedece a critérios técnicos

urbanísticos conforme o Plano Diretor de cada cidade41, sendo que este deve ser

revisado a cada dez anos conforme a Lei Federal do Estatuto da Cidade42.

b) No caso da Zona Rural de São Luís, mais especificamente a subárea denominada

de Zona Rural Rio dos Cachorros, localizada nas proximidades do Complexo

Portuário de São Luís foi legalmente criado ainda nos anos de 1970, pelos

Decretos Federais nºs 66.227/70 e 78.129/76, e incorporados posteriormente em

1992 pela Lei de Zoneamento, Parcelamento, Uso e Ocupação do Solo (Lei

Municipal nº 3.253 de 1992). Mas esta área é também definida como parte do

Distrito industrial de São Luís (DISAL), denominada de Área do Itaqui-

Bacanga, segundo Decreto Estadual nº 3.589 de 1974. A adequação do DISAL

à legislação ambiental levou à unificação das duas áreas Itaqui-Bacanga e Tibiri-

Pedrinhas (Decreto Estadual nº 7.632) com uma área de 19.946,2316 ha.

c) O Governo do Maranhão por meio da Gerência de Planejamento e

Desenvolvimento Econômico enviou ofício em janeiro de 2001 a SPU

solicitando o recebimento das referidas áreas decretadas como Zona Rural

(Decretos Federais nºs 66.227/70 e 78.129/76), uma vez que “nessas Glebas

estão localizados os Planos Diretores do Distrito Industrial de São Luís, além

dos principais portos marítimos do Estado (Itaquí, Ponta da Madeira, Alumar e

os Terminais de Ferry Boat e da Marinha), como também, áreas de retroporto”

(Estado do Maranhão, 2001).

41 O primeiro Plano Diretor de São Luís foi instituído em 1975 (Lei 2.155, de 26 de junho de 1975) pelo então

Prefeito de São Luís Antônio Bayma Júnior. 42 Lei nº 10.257, de 10 de julho de 2001 - Regulamenta os arts. 182 e 183 da Constituição Federal, estabelece

diretrizes gerais da política urbana e dá outras providências. (BRASIL, 2001).

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91

d) O Prefeito de São Luís, a pedido do Governo do Maranhão em dezembro de

2004 enviou por meio de Mensagem à Câmara dos Vereadores um Projeto de

Lei propondo a alteração da Lei de Zoneamento, Parcelamento, Uso e Ocupação

do Solo (Lei Municipal nº 3.253 de 1992), uma vez que a classificação da área

requerida como Zona Rural “criou uma incompatibilidade com as características

próprias da área, quando sua vocação natural é nitidamente industrial”

(Prefeitura de São Luís, 2004).

e) Os membros do Conselho da Cidade de São Luís questionaram os seguintes

aspectos:

Pelo projeto original do polo siderúrgico a área pretendida era de 2.471,71

ha entre o Porto de Itaqui e povoado de Rio dos Cachorros, situada na Zona

Rural do município de São Luís, mas a Constituição do Estado do Maranhão

somente autoriza a concessão de terras públicas até o limite de 1.000

hectares. Para utilizar toda a área pretendida, seria necessária uma

autorização da Assembleia Legislativa.

Que empreendimentos industriais somente poderão ser implantados em

Zona Industrial, baseados na Lei Federal nº 10.257, de 10 de julho de 2011

(arts. 182 e 183 do Estatuto da Cidade e Plano Diretor). Por ser definida

como Zona Rural, a ZR Rio dos Cachorros fica proibida de receber

instalação de empreendimentos industriais e/ou atividades correlatas. Obs.

a ZR Rio dos Cachorros localiza-se na área escolhida para a instalação do

polo siderúrgico.

Como procurei mostrar estes conflitos se configuram historicamente com a

expansão do Complexo Portuário de São Luís e com a instalação de indústrias, a exemplo da

Alumar e da Companhia Vale do Rio Doce. A política de zoneamento e de ordenamento

territorial por meio de medidas legais (ver Quadro 3) reflete portanto, um “processo de

territorialização” que mobiliza forças antagônicas (SOUZA, 1995).

Observando o panorama do zoneamento acima descrito, há contradições também

de ordem jurídica e administrativa nas diferentes esferas quanto ao tipo de uso e à forma de

zoneamento em São Luís. Os decretos federais classificam a área em litígio como Zona Rural,

e o Governo do Maranhão, por meio de um decreto estadual a define e reivindica como Zona

Industrial. O projeto de instalação do polo siderúrgico potencializou a disputa pelo zoneamento

sobre a Zona Rural de São Luís quando o Prefeito por meio de um Projeto de Lei pediu que a

Page 95: Tese Elio Pantoja Para o Trabalho de Sociologia Do Desenvolvimento

92

Câmara aprovasse a alteração do Zoneamento para viabilizar legalmente o projeto. Por outro

lado, os moradores dos povoados da Zona Rural II, representados pelas associações de

moradores do Taim e Rio dos Cachorros, e por moradores do Cajueiro e Porto Grande, também

reivindicam a área para permanecerem propondo a instalação da Reserva Extrativista de Tauá-

Mirim. Esta situação vem se configurar analogamente com a definição dos “Conflitos

ambientais territoriais” na medida em que há “sobreposição de reivindicações” de diversos

seguimentos, atores e agentes, portadores de interesses identidade e lógicas culturais

diferenciadas, sobre o mesmo recorte espacial, envolvendo também, modos distintos de

produção e de apropriação da natureza. (ZHOURI; LACHEFSKI, 2010, p. 23).

A configuração dos conflitos em torno do projeto do polo siderúrgico se situa

também num cenário mais amplo em que o governo brasileiro retoma importantes obras de

infraestrutura visando à integração do país de forma competitiva no cenário internacional.

Assim, se de um lado, como assinala Carvalho (2011), nesta “fase logística”, a gestão territorial

na área portuária de São Luís fica cada vez mais relacionada ao “exercício do poder” de

“agentes hegemônicos” integrando elementos da administração de empresas e da

governabilidade, por outro lado, é importante considerar que nesta experiência do polo

siderúrgico há múltiplas lógicas em processo de “confrontação” informadas pelas diferentes

formas de uso social dos territórios. Em linhas gerais, duas lógicas em confronto configuram

os conflitos: a luta das comunidades rurais de um lado, e por outro, as agências governamentais

promotoras dos projetos e planos de desenvolvimento, articulados à iniciativa privada.

Quadro 3 – Reformulações no ordenamento territorial do Distrito Industrial de São Luís –

DISAL, entre 1974 e 2004

ANO ATIVIDADE

1974 Delimitação do Distrito Industrial de São Luis (DISAL), área do Itaqui- Bacanga (Decreto

Estadual nº 3.589)

1975 Primeiro Plano diretor de São Luís (Lei 2.155, de 26 de junho de 1975);

Prefeito Antônio Bayma Júnior

1976 Secretaria de Patrimônio da União define por meio do Decreto Federal 78.129 de 29.07.1976, as

áreas de Itaqui-Bacanga e Tibirí-Pedrinhas como Zona Rural.

1977 Decreto Estadual nº 3.840 define a área Tibiri-Pedrinhas como parte da Zona Industrial.

1980 Adequação do DISAL à legislação ambiental levou à unificação das duas áreas Itaqui-Bacanga e

Tibiri-Pedrinhas (Decreto Estadual nº 7.632) com uma área de 19.946,2316 ha.

1992 Aprovação do Segundo Plano Diretor de São Luís e surgimento da Lei de Zoneamento,

Parcelamento, Uso e Ocupação do Solo de São Luís (Lei Municipal nº 3.253/92); Prefeito

Jackson Lago

2004 Reformulação do DISAL (Decreto estadual nº 20.727). Justificação para implantação do Polo

Siderúrgico

Fonte: Levantamento documental e pesquisa de campo (2011 e 2012).

Page 96: Tese Elio Pantoja Para o Trabalho de Sociologia Do Desenvolvimento

93

3.6 O papel político da União Nacional por Moradia Popular (UNMP)

A UNMP43 é uma das organizações protagonistas nesse debate específico sobre o

Plano Diretor, uma vez que desde 2003 faz parte do Fórum Maranhense das Cidades. Conforme

Creuzamar Pinho, coordenadora da UNMP no Maranhão esta entidade se caracteriza da

seguinte forma:

A União Nacional por Moradia Popular é uma ONG, mas é movimento social e dentro

do movimento social nós temos nosso CNPJ que nos resguarda de algumas ações e

nos possibilita assinar alguns convênios, a exemplo do Minha Casa Minha Vida44.

Então a estrutura da União é exatamente essa. Nós somos um movimento de massa

para fora, mas internamente é preciso que haja organicidade, uma pessoa jurídica,

inclusive pra poder responder oficialmente na luta de massa. (Creuzamar Pinho,

coordenadora da União Nacional por Moradia Popular. Entrevista realizada em 23

nov. 2012)

Pelo fato de lidar diretamente com as questões relativas à política urbana e à

moradia popular no âmbito nacional, a coordenação do Movimento por Moradia, teve um papel

crucial no debate sobre o polo siderúrgico, uma vez que implicava no “despejo forçado” de

famílias de trabalhadores rurais. Mas, também, pelo fato de ser uma ONG que atua diretamente

nas políticas públicas, têm acesso aos canais de informação, sendo, portanto uma organização

importante no debate sobre os problemas urbanos e, em especial, no que tange à política de

moradia popular. Nesse sentido teve papel importante como fornecedora de subsídios

institucionais e argumentos legais contra o “despejo” das famílias residentes na área em que

seria instalada a planta siderúrgica:

O que vai de fato é nome da União por Moradia Popular porque o CNPJ dificulta

inclusive as prisões policiais e os processos judiciais também [...] na luta contra o

despejo forçado, no caso a luta dos povoados rurais ameaçados pela instalação do polo

siderúrgico; ao mesmo tempo, o Movimento atua na via da organização política e

formação política das comunidades. (Creuzamar Pinho, coordenadora da União

Nacional por Moradia Popular. Entrevista realizada em 23 nov. 2012).

O Estatuto das Cidades foi um instrumento didático importante nas campanhas de

mobilização entre as organizações já reunidas em torno do debate sobre o polo siderúrgico.

Tinha essa perspectiva de instalação aqui na ilha, e aí nós tínhamos a certeza que nós

não éramos contra, como de fato nós não somos contra a vinda de nem um

empreendimento prá cá, muito pelo contrário, aqui é um estado fim de linha e que

precisa ser desenvolvido. Mas é necessário que se leve em consideração algumas

43A UNMP iniciou sua articulação em 1989 e consolidou-se a partir do processo de coletas de assinaturas para o

primeiro Projeto de Lei de Iniciativa Popular que criou o Sistema, o Fundo e o Conselho Nacional por Moradia

Popular no Brasil (Lei 11.124/05). Sua forma de organização tem uma forte influência da metodologia das

Comunidades Eclesiais de Base, de onde se origina grande parte de suas lideranças. A UNMP trabalha com grupos

de base nas regiões metropolitanas e se articula regionalmente nos principais polos dos estados. Os estados são

representados na instância nacional. (UNIÃO POR MORADIA POPULAR DO PARANÁ, c2014). 44 Refere-se ao conjunto habitacional do Programa Habitacional Minha Casa Minha Vida do Governo Federal.

Page 97: Tese Elio Pantoja Para o Trabalho de Sociologia Do Desenvolvimento

94

particularidades do Maranhão, é necessário que se olhe com o olhar social, com

compromisso social para as comunidades já instaladas em determinados espaços,

aquelas áreas são áreas rurais e vários interesses, inclusive comercial tornou-se uma

área industrial, mas sem levar em consideração as pessoas que já estavam instaladas

ali por muitos anos e com essa discussão do polo siderúrgico, a obrigatoriedade de

haver audiências públicas. (Creuzamar Pinho, coordenadora da União Nacional por

Moradia Popular. Entrevista realizada em 23 nov. 2012).

A União por Moradia Popular tem articulações políticas com os demais

movimentos sociais urbanos. Em São Luís, está articulada às ações da Central de Movimentos

Populares (CEMOP)45 que atua em conjunto com outros movimentos e entidades com

demandas bastante diversificadas, tais como, o Movimento de Lésbicas, Gays, Transexuais e

Bissexuais no Maranhão (Grupo Gayvota), o Fórum de Regularização Fundiária Metropolitana,

o Centro de Cultura Negra e o Fórum de Defesa da Criança e do Adolescente da Vila Luizão.

É importante enfatizar que embora esta inserção dos movimentos no debate sobre

a elaboração do Plano Diretor não possa ser uma ampla garantia de mudanças significativas no

planejamento urbano, dado o seu caráter formal e restritivo da participação, entretanto, a

introdução da “participação” tal como é bastante enfática na Lei Federal do Estatuto da Cidade

fortaleceu a luta política dos movimentos por dentro do próprio Estado.

Uma vez garantida formalmente a participação de representantes de amplos

segmentos da sociedade civil no Conselho da Cidade de São Luís, entretanto, a efetiva presença

qualitativa nas decisões, depende em grande medida da “capacidade crítica” de pessoas e das

organizações da sociedade civil acumularem recursos para ocuparem estes espaços que são

sempre objetos de disputa política de grupos sociais com interesses distintos. Mas, caberia aqui

continuar indagando, por outro lado, o que de fato levou a uma unificação, ou a formação de

links e de uma coalizão tão ampla de organizações articuladas dentro de um movimento de

reação política contra a instalação de um projeto? Ora, a hipótese aqui tem pelo menos dois

aspectos que podem orientar a sustentação dos argumentos. O primeiro refere-se à ótica dos

“novos movimentos sociais” que não se orientam apenas pela referência a uma determinada

classe social lutando pelos seus interesses. Um segundo aspecto indissociável do primeiro é o

processo de “dessingularização” que irei analisar adiante no Capítulo 3, item 3.8.

Atualmente, dentro dos formatos organizativos dos canais de participação, em

especial no campo da política ambiental brasileira, Acserald (2006, p. 23) observa que os

espaços deliberativos podem ser objeto de manipulação, a exemplo dos Conselhos de Meio

45 A Central de Movimentos Populares é uma organização nacional que surgiu em 1993 e é resultado de vários

anos de Encontros, Congressos, Fóruns organizados desde 1989 pela Pró-Central dos Movimentos Populares que

reunia militantes do Partido dos Trabalhadores e de líderes sindicais ligados à Central Única dos Trabalhadores –

CUT (GOHN, 1995).

Page 98: Tese Elio Pantoja Para o Trabalho de Sociologia Do Desenvolvimento

95

Ambiente. Nessa condição, a despolitização dessas instâncias pode levar a um freio da “crítica

social” e serem transformados em formatos organizativos de mediação e de “resolução de

conflitos”, criando o que este autor chamou de “democracia imagética”, ou “democracia de

proximidade”, como meio de forjar consensos.

A aprovação da alteração da Lei de Zoneamento ocorreu em 2005, mas somente em

maio de 2006 o Prefeito Tadeu Palácio deu a posse ao Conselho da Cidade de São Luís46. Para

as lideranças dos movimentos, que naquele momento se unificavam em torno do debate sobre

a siderurgia da Vale, o adiamento da posse do Conselho da Cidade teve relação com a pressão

do Governo Estadual sobre a Prefeitura de São Luís para viabilizar as medidas legais para

instalação da siderurgia.

Embora a posse do Conselho da Cidade de São Luís tenha ocorrido somente após a

alteração da Lei de Zoneamento, é importante considerar que este foi constituído visando à

revisão do Plano Diretor. Conforme o Relatório Final da Revisão do Plano Diretor da Cidade

de São Luís (2006), foram realizadas 23 reuniões do Conselho da Cidade, sendo 19

extraordinárias e 4 ordinárias, além de uma série de encontros e reuniões entre comitês técnicos

e representantes do Conselho, técnicos da prefeitura e observadores.

No âmbito das atividades do Conselho da Cidade muitos questionamentos foram

feitos. Por exemplo, na reunião do Conselho da Cidade de 10 de julho de 2006, houve várias

contestações, dentre elas, a manifestação do representante da OAB pelo fato de que “a análise

da leitura técnica apresentada na capacitação (de conselheiros) era inadequada”, seguido pelo

representante da Central de Movimentos Populares notando que “não constavam informações

sobre a Zona Rural de São Luís” (CONCEIÇÃO, 2006). Sobre a definição das políticas de

zoneamento de São Luís, é importante destacar que desde 2001, a Zona Rural estava passando

por tensões políticas em função do debate e das pressões para instalação da siderurgia e líderes

dos povoados que seriam deslocados também se inseriram nos debates. Tanto as empresas,

quanto o Governo do Maranhão e a Prefeitura de São Luís atuavam em conjunto no sentido de

agilizar a desocupação da área.

No caso do Conselho da Cidade de São Luís, a estratégia do poder executivo

municipal de mudar a Lei de Zoneamento para somente depois aprovar a composição do

Conselho, levou a um efeito contrário, uma vez que este mesmo espaço foi instrumentalizado

no sentido de ter sido transformado numa oportunidade de mobilização política contrária a

46O Conselho da Cidade ficou então constituído de 62 conselheiros: 31 Titulares e 31 suplentes, representantes da

sociedade civil, entre estes membros de entidades populares que integram os movimentos sociais, representantes

de empresas e de representantes do poder público.

Page 99: Tese Elio Pantoja Para o Trabalho de Sociologia Do Desenvolvimento

96

alteração da Lei de Zoneamento. Foram criados canais de diálogo e links que aglutinaram forças

políticas em torno de uma questão maior colocada pelos movimentos sociais, isto é, o combate

à implantação de um polo siderúrgico capitaneado pela Companhia Vale em parceria com o

Governo do Maranhão e a Prefeitura de São Luís, sendo que foi a compreensão de suas

consequências sociais e ambientais que motivou a mobilização das entidades.

Nessa primeira audiência, um dia antes fizemos uma articulação por telefone com

alguns companheiros, inclusive o Zagallo, a Suely Gonçalves e começamos a estudar

o Estatuto das Cidades onde trata das questões urbanas e no Estatuto das Cidades tem

as condicionantes para a realização de audiências públicas. Então o local não oferecia

condições necessárias adequadas para a realização de audiência pública, era uma

Igreja pequena, era um local sem banheiro, não cabia todo mundo e nós começamos

a ver por aí. Mas só isso não justificaria o pedido de suspensão de audiência, de

qualquer forma nos mobilizamos e tínhamos alguns exemplares do Estatuto. Alguns

não dominavam essa parte do Estatuto, mas começaram à estudar no domingo, a

audiência era na segunda. Fizemos várias articulações no domingo e fomos para lá

com essa intenção de tentar suspender essa audiência com base no Estatuto das

Cidades. Fizemos as falas, as intervenções, pedimos para suspender a audiência e

nada. O Promotor do Meio Ambiente estava lá, Fernando Barreto47. Pressionamos

tanto o Marcelo do Espírito Santo48, como também cobramos a posição do Ministério

Público que estava na audiência dizendo que era necessário cumprir as condicionantes

do Estatuto das Cidades para a realização de Audiências. Exigimos também o Estudo

de Impactos de Vizinhança para se instalar o polo, não tinha, e segundo os estudiosos

iria causar sérios problemas não somente para aquela população diretamente atingida,

mas pra toda ilha. (Creuzamar Pinho, coordenadora do Movimento Nacional por

Moradia Popular. Entrevista realizada em 23 nov. 2012).

3.7 O papel político das associações de moradores da Zona Rural de São Luís: das

unidades básicas de organização à formação de atores coletivos

Os “repertórios da ação coletiva” dos grupos que reivindicam direitos ao Estado são

sempre limitados, mas é na prática cotidiana de contestação que aprendem como fazer

reivindicações. Assim, a metáfora da “caixa de ferramentas culturais” resultante das

experiências acumuladas (TILLY, 1996), é sempre sugestiva para descrever o campo empírico

deste estudo. Uma organização com sentido cultural, envolvendo danças tradicionais, pode ser

transformada num espaço de mobilização. Este é um bom exemplo, ocorrido no Porto Grande,

localidade vizinha do Taim e do Rio dos Cachorros:

Foi assim um sonho, comecei com a dança portuguesa e pensava também na dança do

boiadeiro [...] e começaram reivindicar o transporte que nessa época era um ônibus

por dia, e foram para uma reunião, pois as crianças tinham que pegar o carro das 10

horas para entrar na escola às 13 horas e ficavam preocupados com as crianças e então

tiveram reunião na Taguatur (empresa de ônibus), depois teve outra na Vila Maranhão

47 Promotor da Procuradoria de Justiça do Meio Ambiente do Ministério Público Estadual. 48 Presidente do Instituto de Pesquisa e Planejamento do Município de São Luís, Presidente da Mesa Diretora das

Audiência Públicas da Prefeitura de São Luís.

Page 100: Tese Elio Pantoja Para o Trabalho de Sociologia Do Desenvolvimento

97

com toda a área rural [...] até as 11 não apareceu ninguém, somente da Taguatur [...]

a reivindicação era integrar o ônibus e melhorar o transporte, mas como a empresa

não compareceu, fecharam um ônibus e depois conseguiram integrar [...] eu fui pra

uma reunião, conversando com as pessoas de outras comunidades, e me veio na mente,

quem faz a comunidade somos nós, os moradores, se a gente se cala, ela não pode

melhorar [...] (Itajacira da Luz, 46 anos, Presidente da Associação de Moradores de

Porto Grande. Entrevista em 24 out. 2012).

Na mesma época, relata esta líder comunitária, que não conseguindo avançar nas

negociações, foi realizada uma nova reunião entre os povoados quando decidiram protestar

fechando a passagem dos ônibus de Porto Grande e Vila Maranhão. A estratégia era forçar as

autoridades virem até os povoados. Foram até a empresa, mas esta alegou não ter

disponibilidade de mais ônibus para aquele destino. Então passaram a exigir do órgão municipal

para colocar outra empresa. Realizaram abaixo-assinado, tiveram ajuda de um político para

mediar a reivindicação na Prefeitura. O governo acatou o pedido e colocou outra empresa, a

Primor, por três meses, com dois ônibus diários, depois a antiga empresa voltou a operar,

permanecendo dois ônibus para toda a área Itaqui-Bacanga. Há relatos de inúmeras

mobilizações como esta, iniciadas por pessoas que se reuniam para tratar de outros assuntos,

mas que tiveram suas pautas convertidas em reivindicações de interesse mais geral da

comunidade:

Mudei, e eu via muito assim que a gente na época da política existe aquelas coisas,

existe a liderança comunitária e existe o cabo eleitoral, o cabo eleitoral é aquele que

aparece no período político, diz que faz pela comunidade, leva o nome da comunidade,

mas não faz nada e daí a gente começou a cobrar, comecei olhar e disse: “olha a gente

só apoia um candidato que fizer algo dentro da comunidade, se não ninguém apoia

ele, mesmo assim a gente não consegue” [...] a gente começou ter melhoria que nós

não tínhamos, ruas era só essa avenida aqui, essas ruas que você vê era só caminho,

tipo caminho de roça e aí eu fui à luta. Consegui máquinas para abrir as ruas, fazer as

ruas [...] depois a água da comunidade, nós não tínhamos água, conseguimos dois

poços. Hoje a iluminação, eu fui atrás e a gente conseguiu e agora vamos construir

uma praça lá na Associação, de material reciclado. (Itajacira da Luz, Presidente

Associação de Moradores do Porto Grande. Entrevista em 24 out. 2012).

3.8 A “dessingularização” do Taim e do Rio dos Cachorros

Como já tive oportunidade de indicar anteriormente, é de interesse deste estudo

procurar entender o que designei de link entre as entidades mobilizadas em torno do projeto

polo siderúrgico de São Luís. Neste subcapítulo, darei uma atenção especial ao link estabelecido

entre as organizações populares de São Luís e as lideranças da Zona Rural. Destaco na análise

a experiência de lideranças dos povoados de Taim e Rio dos Cachorros, mas evidentemente que

as ações coletivas não são ações isoladas, como já assinalou Tilly (1978), pressupõem interação

e compartilhamento de interesses.

Cada contexto empírico apresenta formas específicas de ação coletiva. Tilly (1978),

por exemplo, apresenta os seguintes componentes: “interesses”, “mobilização” e a

Page 101: Tese Elio Pantoja Para o Trabalho de Sociologia Do Desenvolvimento

98

“oportunidade”. Mas considera que o contexto orienta os atores quanto às formas e todos os

recursos a serem utilizados. Nesse sentido, o caso em análise se caracteriza por uma ação

coletiva de caráter reativo, contra um grande projeto industrial que constitui substancialmente

o objeto de contestação que, por sua vez, implicou na iminente ameaça de deslocamento de

povoados rurais.

Para descrever o processo de mobilização me utilizo de algumas narrativas para

ilustrar momentos importantes das ações coletivas a partir das quais se constituiu um

movimento social mais amplo. Obviamente que a realidade é bem mais complexa do que se

pode deixar parecer uma síntese construída pela lógica sequencial proposta pelo pesquisador.

Entretanto, acredito que as sínteses e modelos explicativos são importantes como ponto de

partida para descrever e tornar inteligível a percepção dos eventos. Dessa forma, assumo aqui

o risco em sintetizar a dinâmica do processo principalmente pela narrativa de Alberto

Cantanhede, ator político importante do processo de reação política ao polo siderúrgico, e cuja

trajetória de experiência está referida a fóruns de discussão mais amplos, a exemplo da inserção

que teve no Grupo de Trabalho Amazônico (GTA)49. O critério de escolha para utilização desta

narrativa para compor a análise do processo, foi o da representatividade deste líder que narra

algumas ações coletivas desencadeadas a partir de suas iniciativas, como líder comunitário que

é reconhecido e legitimado pelos moradores do Taim, do Rio dos Cachorros e por parte dos

moradores das demais localidades. Ademais, sobre este ator singular, é importante assinalar a

sua experiência de militância e de engajamento político nas organizações comunitárias locais e

extra-locais, e que portanto, traçam o perfil do próprio líder, ou seja, as suas vivências e

experiências de mobilização política no âmbito local se confundem com o próprio trajeto de

mobilização da comunidade do Taim em processos de resistência ocorridos anteriormente à

reação ao polo siderúrgico.

Há outras importantes lideranças que se engajaram na mobilização contra o polo

siderúrgico, entre as quais, cito a Senhora Máxima, do povoado de Rio dos Cachorros, que

também protagonizou a reação política local ao pedir ajuda de outras lideranças do povoado do

Taim mediante a presença dos funcionários da empresa de consultoria que em 2004 fazia o

cadastramento das famílias e dos terrenos para fins de desapropriação. Nessa perspectiva me

posiciono metodologicamente justificando que as ações coletivas não ocorrem a não ser por

49A Rede GTA surgiu após a Eco-92 no Rio de Janeiro e é formada por 20 coletivos regionais em nove estados

brasileiros que ocupam mais da metade do tamanho do país, envolvendo mais de 600 entidades representativas de

agricultores, seringueiros, indígenas, quilombolas, quebradeiras de coco babaçu, pescadores, ribeirinhos e

entidades ambientalistas, de assessoria técnica, de comunicação comunitária e de direitos humanos. (REDE

GRUPO DE TRABALHO AMAZÔNICO, c2014).

Page 102: Tese Elio Pantoja Para o Trabalho de Sociologia Do Desenvolvimento

99

pessoas, como se diz, “de carne e osso” que são afetadas por alguma forma de injustiça.

Interessa aqui descrever e analisar a “formulação pública” de uma questão que se tornou um

problema social (LENOIR, 1996) evidenciada por pessoas diretamente afetadas.

Descrevo a narrativa em diferentes momentos, seguindo uma lógica que se inicia

com a mobilização local de atores “singulares” (indivíduos, famílias) afetados diretamente. Na

sequência, importante verificar as formas pelas quais estes atores acionam as vias institucionais

do governo, questionando a presença de uma empresa de consultoria no local, cujo objetivo era

fazer levantamento das famílias, dos terrenos e benfeitorias para fins de desapropriação. Na

mesma ocasião, as casas foram marcadas e numeradas com tinta preta, e nas vias de acesso aos

povoados foram colocadas estacas com timbre das empresas. Segundo informação dos

funcionários da empresa, depois de vistoriadas e numeradas, as casas e seus quintais não

poderiam sofrer qualquer alteração, pois seriam indenizadas somente por aquilo que havia sido

levantado na vistoria realizada. A reação a essas ações levou a uma série de questionamentos

por parte das lideranças que mobilizaram os moradores e unificaram as ações por meio de suas

associações.

A estratégia inicial do movimento de reação foi impedir a ação da empresa Diagonal

Consultoria que havia sido contratada pelo Governo do Maranhão para fazer os primeiros

levantamentos e cadastros das famílias que naquele momento estavam sendo notificadas para

serem indenizadas. A reação imediata foi impedir a continuidade nas atividades dessa empresa

e buscar ajuda de outras organizações.

Vejamos o que diz Alberto Cantanhede, sobre o início da reação nos povoados

rurais50:

a) No primeiro momento, retrata a iniciativa da mobilização inicial como situação

de iminente ameaça de deslocamento dos moradores de Vila Maranhão,

Cajueiro, Porto Grande, Rio dos Cachorros e a reação contrária do Taim:

[...] quando uma consultoria entra na área fazendo entrevistas com as famílias e já

dizendo “vocês podem ser remanejados”. Mas eles não afirmavam isso, eles só diziam

“podem” ser remanejados, então se forem remanejados nós estamos fazendo um

levantamento do potencial de produção de vocês, o que vocês têm enquanto

patrimônio. Depois faziam uma foto da família na frente da casa e diziam pra eles que

não podia mais investir naquela casa, no terreno, por que se fossem remanejados só ia

ser pago aquilo. Então, já diziam para as pessoas que iam perder dinheiro se fizessem

investimento na casa.

50 Trechos de entrevista realizada em 11 dez. 2012.

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100

b) O segundo momento descreve a iniciativa da ajuda aos moradores do povoado

vizinho de Rio dos Cachorros:

[...] foi ai que a Máxima51 me ligou, eles ainda não tinham feito52no Taim, eles tinham

feito no Cajueiro, parte da Vila Maranhão e entraram no Rio dos Cachorros, no Porto

Grande eles entraram. Eles não precisaram conversar com ninguém, eles marcaram

pela estrada; eles botaram uma estaca assim, foram botando tudo já com o timbre das

empresas que eram a Diagonal e a Vale do Rio Doce, o Governo do Estado, a

Secretaria de Indústria e Comércio. Então, no Porto Grande estava dado que saía sem

discussão nenhuma, até porque lá já tinha um porto e era investimento do governo

federal que estava passando pro Estado. Não deram sinal de que iam conversar com

ninguém, só botaram as pedras e marcaram pela estrada, mas não marcaram casa de

ninguém. No Rio dos Cachorros eles fizeram casa a casa, quando chegou à casa da

Máxima, Máxima me ligou e disse que estava havendo essa entrevista e que ela não

entendeu porque eles queriam fazer essa entrevista e aí eu disse para ela que era para

ela segurar o pessoal que eu ia lá. Aí eu fui lá no Rio dos Cachorros.

c) No terceiro momento a narrativa descreve a reação local, inicialmente contra a

ação da empresa de consultoria:

[...] quando eu cheguei lá encontrei as consultorias, as pessoas que estavam fazendo

as entrevistas. Eu disse que a gente precisava conversar com o Secretário de Indústria

e Comércio, que eles não podiam mais fazer aquilo. Até porque nem pode me proibir

de mexer no meu terreno enquanto eu não vender; eu tenho que botar à venda,

primeiro; assim é mais legítima a venda. Aí, eles disseram: ah mas é só um estudo! E

eu disse: ah! É só um estudo? Então por que é que vocês estão colocando condições,

se é só um estudo? É só um estudo, então não precisa colocar condições, fazer fotos

das pessoas, depois bota um número na casa, aí não, não faz mais nenhuma. E lá no

Taim vocês não vão, vocês não vão fazer nenhuma. Aí eu fiz uma reunião às pressas

aqui. A gente fez as primeiras reuniões muito sós, muito soltos. Eu, Máxima, a menina

do Porto Grande, e mais uma pessoa do Rio dos Cachorros.

d) Após as primeiras reuniões locais entre as lideranças comunitárias do Taim,

Porto Grande e Rio dos Cachorros eles exigiram uma reunião com o Secretário

Estadual de Indústria e Comércio:

[...] a gente começou, marcamos uma reunião com o Secretário de Indústria e

Comércio. Ele chegou lá dizendo que já tinha hora prá sair. Começamos às 9 horas e

ele dizendo que só podia ficar até às 10 h. Nós ficamos até 3 h da tarde e ninguém

almoçou nesse dia e não chegamos num acordo e disse: “olha secretário nós não

vamos abrir mão do que é nosso porque primeiro, você tem que tirar essa história de

marcar casa, não tem negócio de marcação de casa, depois, eu posso sim investir na

minha casa mesmo depois de vocês dizerem que a gente vai ser desapropriado, por

que não posso valorizar o que é meu?” “Ah porque vai ter especulador”. Sim, vai ter

especulador inclusive o estado está especulando, quem tá especulando é o estado não

somos nós, por que vocês vão passar essas áreas pro estado, mas quem tá dentro do

estado? Você e a governadora”, na época era a Roseana, vão faturar em cima disso

também politicamente, economicamente, por que nós não podemos faturar onde nós

moramos? E não vai ter mais cadastramento, aí saímos de lá 3 h da tarde não teve

acordo.

51 Maria Máxima, liderança comunitária do povoado de Rio dos Cachorros, foi integrante do Movimento Reage

São Luís. 52 O entrevistado se refere à marcação das casas com tinta preta.

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101

e) Após a reunião com o Secretário Estadual de Indústria e Comércio, sem acordo,

houve uma nova reunião, desta vez, convocada pelo próprio Secretário:

[...] ele mesmo convocou com ofício para todo mundo. Lá pra dentro, ali na

Conceição onde tem um galpão grande ali em frente à oficina, a garagem da Vale.

Mas já botando uma observação no documento que não queria imprensa, ia ser lá que

era um local isolado que não queria imprensa Aí foi outra reunião (janeiro de 2005)

que era para começar as duas da tarde era para terminar as quatro e nós chegamos até

11 h da noite. Mandou53 deixar todo mundo em casa mas não saiu acordo de novo.

f) As lideranças recorrem às outras vias, buscando possíveis aliados para apoiar às

suas causas:

[...] mas nós estamos fracos precisamos procurar apoio. Começamos procurar a

Sociedade Maranhense de Direitos Humanos e eles não tinham um advogado com

esse perfil. O advogado deles era mais pra questão agrária, de conflito agrário mesmo

e ele já tinha ajudado a gente aqui estava com Helena Heluy (Deputada Estadual do

Partido dos Trabalhadores) e ela disponibilizou o Marcio Andrews, mas também

estava se especializando em legislação agrária, mas aí (Helena disse:) “Beto eu vou

indicar Zagallo54, mas Zagallo está trabalhando no Sindicato dos Urbanitários. Tú vais

ter que conversar com a direção do Sindicato para disponibilizar o Zagallo, ele é bom

nisso inclusive já trabalhou na Vale”. E foi aí que a gente conheceu o Zagallo e pedi

uma reunião com a direção do Sindicato e disse que a gente precisava de apoio e fui

colocando.

g) Cruzando a narrativa de Alberto Cantanhede com as discussões acumuladas

entre 2003 e 2005 sobre o Estatuto da Cidade, o que se nota é o acúmulo de

experiências das entidades engajadas na discussão sobre o Plano Diretor de São

Luís. Se de um lado, há um processo de investimento das consultorias na Zona

Rural visando convencer os moradores da inevitabilidade do remanejamento

para instalação do polo siderúrgico, por outro, é na busca permanente de novos

aliados e de informações, que uma reação mais ampla foi ganhando força política

e se constituindo independentemente das instâncias institucionais de

participação.

53 O Secretário de Indústria e Comércio viabilizou transporte para os participantes da reunião até suas residências

nos povoados. 54 Guilherme Zagallo é ex-Técnico de Manutenção Eletrônica na Companhia Vale do Rio Doce (1983 a 1992) e

posteriormente, assessor da Divisão de Comercialização da Estrada de Ferro Carajás desta mesma empresa (1992

a 1994). Graduou-se em direito pela Universidade Federal do Maranhão e como advogado tem atuado na defesa

de sindicato de trabalhadores no Maranhão. Entre 2004 e 2005 se dedicou aos estudos dos impactos ambientais

provocados com a possível instalação do polo siderúrgico. Como advogado militante e membro fundador do Reage

São Luís, defendeu os povoados contra o deslocamento durante o debate em audiências públicas em São Luís e

impulsionou a formação do movimento de resistência ministrando palestras e oficinas nos povoados. Foi um ator

fundamental neste processo de “dessingularização”. Faz parte da coordenação da Campanha Justiça nos Trilhos,

que articula ações de entidades da sociedade civil para se contrapor aos impactos socioambientais ao longo da

Estrada de Ferro Carajás. Foi também membro da OAB-MA, relator da Plataforma Dhesca e recebeu o título de

Cidadão Maranhense pela Câmara dos Deputados em 2009. (ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA, c2014).

Page 105: Tese Elio Pantoja Para o Trabalho de Sociologia Do Desenvolvimento

102

Conseguimos falar com a Delegacia do Trabalho na época era o Bira55 que veio pra

dentro, porque tinha muito o discurso da geração de emprego e ele como Delegado do

Trabalho podia acessar as informações concretas do que ia gerar de emprego. Então a

gente foi buscar ele muito mais nessa ótica do que vai ter mesmo de emprego. Ele

colocou os números prá gente. Só que o município e o estado insistiam num discurso

em que a transformação da área em Zona Industrial não era prá implantar alguma

indústria específica, era prá botar qualquer coisa prá incentivar geração de emprego

no estado e foi que o pessoal da União por Moradia que tinha uma articulação bem

forte com o Ministerio das Cidades informou pra gente, “Olha! vão na Secretaria de

Patrimônio da União em Brasília que vocês vão ter outras informações”. E a própria

Creuzamar de Pinho que tava na União por Moradia Popular deu os contatos e fomos

à Brasília, eu e Zagallo prá conversar com a Paula Santos que na época era a Secretaria

de Patrimônio da União em Brasília. Chegamos lá colocamos qual era a situação, as

informações que a gente queria sobre São Luís. Nem completamos a informação e ela

disse “olha eu tenho um processo aqui pedindo uma área lá prá implantar um polo

siderúrgico”. A gente colocou, nós levamos também um relatório dos assentamentos

e dissemos: “Olhe essa área aqui tá num conflito”. Era exatamente sobre essa área que

a gente queria saber porque o estado criou vários assentamentos aqui dentro e agora

tá querendo desapropriar sumariamente sem nenhuma discussão prá colocar esse polo

siderúrgico. Aqui tem quatro, cinco comunidades grandes quase 20 mil pessoas. Aí

ela na mesma na hora ligou pra cá pro gerente de Patrimônio da União, pediu o

processo, (Ela disse:) me devolva o processo que eu tenho uns erros aí prá corrigir [...]

O processo já estava aqui pra cessão da área e o estado insistia ainda em dizer que não

era prá polo siderúrgico.

h) O desaguamento de diferentes forças políticas das entidades da sociedade civil:

o impacto seria para todo mundo...

[...] agora não era só uma questão nossa das comunidades. Nós íamos ter o primeiro

impacto, mas depois esse empreendimento implantado o impacto seria pro todo

mundo. Quando o Zagallo viu isso começou a divulgar e foi trazendo mais gente. A

gente reuniu o Movimento de Moradia, a Sociedade de Direitos Humanos e reuniu

algumas lideranças aqui da comunidade na CUT. Zagallo levou um documento mais

completo e disse “olha gente o projeto é esse e o risco não é só das comunidades [...]”.

A gente não tinha muito espaço, quando a gente insere aí o Sindicato dos Urbanitários

que disponibiliza o Zagallo, a CUT, o próprio Nivaldo (dirigente sindical CUT) vem

prá dentro do movimento e começa articular outros sindicatos, também o Sindicato

dos Ferroviários, o Sindicato dos Metalúrgicos, o Tijupá (ONG), o Fórum Carajás já

tava também dentro. Vem algumas figuras meio que individual. A Helena Heluy

(Deputada Estadual do Partido dos Trabalhadores) fortaleceu muito. A gente tem que

reagir igual como se fez no período da implantação da Alcoa que houve um

movimento mais estruturado que era o Nascimento de Morais, era um outro grupo,

mas nós temos que reagir, então a palavra Reage [...] constituiu o Reage São Luís, e

passamos a nos reunir todas as segundas lá na sede da Central Única dos

Trabalhadores. A CUT também encampou a discussão e passamos a usar a sede da

CUT como referência onde nós nos reuníamos todas as segundas feiras.

Síntese do processo de “dessingularização”, seguindo os passos da narrativa

descrita acima.

55 Ubirajara do Pindaré Sousa, Delegado Regional do Trabalho em 2005/membro do Partido dos Trabalhadores.

Page 106: Tese Elio Pantoja Para o Trabalho de Sociologia Do Desenvolvimento

103

a) Nos meados de 2004, uma liderança comunitária do Rio dos Cachorros percebe

que está sendo ameaçada de deslocamento em função da presença de

funcionários da Diagonal Consultoria, da Companhia Vale e do governo estadual

que estavam visitando o Rio dos Cachorros e demais povoados e realizando

cadastramento das famílias, levantamento de benfeitorias, numerando os

terrenos por meio de marcas de tinta spray preta. Motivada pelo sentimento de

insegurança e injustiça, imediatamente procura ajuda de outra liderança no

povoado vizinho do Taim.

b) As duas lideranças juntas são engajados em outras atividades de defesa dos

interesses dos dois povoados: Taim e Rio Cachorros. Eles organizaram as

primeiras ações convocando um pequeno grupo de pessoas mais próximas,

parentes, vizinhos e amigos também inseridos em outras atividades

comunitárias. Realizaram as primeiras reuniões na Igreja e nas escolas dos

povoados. Mobilizaram os representantes das associações de moradores. Num

grupo maior, passaram a difundir a notícia da real situação de ameaça aos

povoados, encontraram dificuldade em convencer muitos moradores da

necessidade da resistência, mas receberam apoio de muitos. Saem dos pequenos

povoados em busca de aliados com capacidade de agência política: na Câmara

dos Vereadores de São Luís tiveram apoio de três vereadores que denunciaram

à situação dos povoados nas Sessões da Câmara.

c) Na Assembleia Legislativa tiveram apoio de uma Deputada Estadual do Partido

dos Trabalhadores que indicou uma assessoria jurídica. Acionaram outros canais

institucionais importantes como a Delegacia do Trabalho, União por Moradia

Popular, Ministério das Cidades, SPU.

d) Receberam apoio de ONGs e sindicatos ligados à Central Única dos

Trabalhadores do Maranhão (CUT-MA), da OAB-MA, da Sociedade

Maranhense de Direitos Humanos, do Bispo de São Luís, do Movimento Sem

Terra (MST), da Comissão Pastoral da Terra (CPT), da Cáritas brasileira, da

Congregação Irmãs de Notre Dame, da Paróquia de São Joaquim do Bacanga,

da Comissão de Justiça e Paz da Arquidiocese de São Luís, da AGEMA, da

Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência do Maranhão (SBPC-MA),

além de vários movimentos e associações de bairros da cidade de São Luís.

Page 107: Tese Elio Pantoja Para o Trabalho de Sociologia Do Desenvolvimento

104

4 O MOVIMENTO REAGE SÃO LUÍS: um perfil de um movimento social

contemporâneo

[...] um movimento que foi crescendo, que foi agregando outros movimentos que nem

sempre estão juntos, mas que em razão do impacto que esse projeto traria foram se

agregando. (Nair Barbosa, Sociedade Maranhense de Direitos Humanos, membro do

Reage São Luís)

“Movimento social: que categoria controvertida!” Acredito que esta inquietação

mencionada por Doimo (1995) ao abordar a temática dos movimentos sociais no Brasil, seja

compartilhada por todos que se interessam por este tema e em especial, sobre os movimentos

que passaram a ser designados pela literatura contemporânea como “novos movimentos

sociais” para distinguir dos “velhos” movimentos sociais.

O que seria um movimento social conceitualmente falando? Mesmo os experts

neste assunto certamente não teriam uma resposta pronta para a questão. Uma definição

generalizada e abstrata talvez não encontre um chão empírico diante da multiplicidade de

experiências que se tem hoje de movimentos e também de seus respectivos contextos e cenários:

histórico, cultural e político. Acredito que buscar uma mediação entre algumas reflexões

teóricas articuladas às experiências contextualizadas de ações coletivas concretas pode lançar

algumas luzes neste empreendimento.

Como discuti anteriormente, ações coletivas se confundem com movimentos

sociais, mas nem toda ação coletiva é movimento social. As pessoas ao compartilharem

interesses no sentido de exigir direitos, estão agindo coletivamente em busca da resolução de

problemas que afetam diretamente suas vidas, mas isto não implica necessariamente na

formação de um movimento social, se tivermos como referências, determinadas correntes

teóricas e o contexto no qual este conceito foi instituído. Quer dizer, a noção de movimento

social pensada como ações e organizações estruturadas por um grupo social ou uma categoria

sócio-profissional, referidas por interesses de classe, que buscam não somente conquistar

direitos, mas que também lutam por mudanças estruturais da sociedade, levando adiante e de

forma permanente a reivindicação de tais mudanças. Numa ação coletiva, distintamente, os

vínculos que unem as pessoas, podem cessar na medida em que suas demandas são atendidas.

Ações coletivas como vimos anteriormente, se confundem com movimentos sociais, mas se

distinguem quanto à dinâmica de suas ações.

Movimento social é um conceito referido tradicionalmente na literatura sociológica

àquelas formas de ação e de participação da classe operária europeia por meio de suas

associações e sindicatos emergidos com o capitalismo industrial ainda na metade do Século

XIX. Esta noção prevaleceu até os anos de 1960 e sob a forte influência dos movimentos

Page 108: Tese Elio Pantoja Para o Trabalho de Sociologia Do Desenvolvimento

105

operários europeus e de partidos e sindicatos de orientação marxista, ligados à organização

racional da classe trabalhadora. Importante frisar que tomada esta noção de movimento social

a partir daquele contexto, a mesma guarda aproximações com o surgimento da “classe operária"

e de seus interesses, no âmbito das relações de produção do sistema capitalista industrial.

Como então operar na atualidade com um conceito construído numa realidade

histórica distinta da realidade social e política contemporânea? Seguindo os passos de Doimo

(1995, p. 37), uma resposta interessante para compreender os movimentos sociais pode ser

buscada na própria dinâmica das transformações estruturais de nossa sociedade. Houve uma

“transmutação de significados”, oscilando “entre a determinação econômica e o papel ativo da

cultura na constituição de sujeitos históricos, entre o ser racional e sujeitos espontâneos

protagonistas da transformação social”. Essa transmutação de significados está associada a uma

série de fatores que causaram uma crise ao próprio conceito de movimento social, sobretudo,

na tradição marxista. Embora o paradigma marxista apresente um potencial e alcance teóricos

importantes, esta autora assinala que este apresenta “sinais de exaustão analítica”. Embora não

sendo minha pretensão adentrar no detalhamento dessa crise conceitual, acho pertinente ao

menos brevemente levantar alguns aspectos para lançar luzes sobre o Movimento Reage São

Luís, considerando o contexto no qual este movimento se insere.

Substancialmente, a transmutação de significados está relacionada às mudanças na

estrutura produtiva do sistema capitalista no final dos anos de 1960. Mais especificamente,

refere-se ao impacto do processo de diferenciação interna da coletividade da classe trabalhadora

assalariada provocado pela produção de bens e de serviços fora da estrutura institucional do

trabalho. Dois fatores importantes devem ser considerados como decorrência deste processo. A

produção de novas formas de conflitos, pois, se antes, os conflitos estavam centralizados na

órbita das relações de produção, após essas mudanças estruturais, os conflitos passam a ocorrer

com mais intensidade em outros espaços entre mercado, Estado e cultura. Em segundo lugar,

este descentramento dos conflitos da órbita das relações de produção provocou uma crise no

paradigma predominante sobre os movimentos sociais, trazendo consigo importantes críticas

às antinomias recorrentes tais como, reforma-revolução, movimento político-movimento pré-

político e outras dicotomias como sagrado-secular, comunidade-sociedade, tradicional-

moderno.

Ademais, a proliferação de novas formas de manifestação: movimentos ligados às

questões de gênero, movimentos pacifistas, movimentos ecológicos e nacionalistas não se

coadunam aos esquemas interpretativos tidos como “clássicos”, razão pela qual foram

Page 109: Tese Elio Pantoja Para o Trabalho de Sociologia Do Desenvolvimento

106

concebidos como “espontâneos” em oposição àqueles definidos como “racional” na perspectiva

de uma classe lutando pelos seus interesses.

O movimento operário, embora resguardando sua importância, deixa de ser o

personagem central, assim como o “Grande Partido” deixa de ter o seu papel centralizador,

além da crise de sua representatividade mediante as novas formas de participação e de

contestação. É preciso considerar a desmistificação e a perda de referência política dos regimes

socialistas do Leste Europeu. O “campo cultural torna-se o lócus onde se formam as principais

contestações e lutas” (DOIMO, 1995, p. 41).

Se de um lado estes “novos movimentos” se colocaram como boas novas, pondo

em xeque as teorias e a legitimidade das representações, tais como, partidos e sindicatos,

entretanto, não foram poupados de críticas. Conforme Touraine (1981 apud DOIMO, 1995),

estes movimentos apresentam uma espécie de “fascínio pelo presente” e dificultam a formação

de um projeto ou “uma promessa de futuro” que se contraponha às classes dirigentes. Para isso,

seria necessário retomar as representações e as institucionalidades políticas como forças

mediadoras para a construção de unidades de propósitos e projetos de mudanças sociais. A

retomada dessas institucionalidades pelos “novos movimentos”, entretanto, passa

necessariamente pela ajuda dos movimentos socialistas, sindicatos, partidos e outras

representações ao invés da recusa das orientações normativas da vida social.

Nota-se que, mediante a fragmentação das ações coletivas e dos respectivos

movimentos de contestação, a “base social” dos novos movimentos se caracteriza, sobretudo

pela dispersão e pela volatilidade de atores. Estes em geral se remetem aos fundos públicos e

bens de consumo coletivo e se originam fora dos formatos tradicionais de representação

política. Em função da “lógica consensual-solidarística” que via de regra os caracterizam estes

movimentos se tornam vulneráveis ao agenciamento de grupos e de instituições. Eles

estabelecem diálogos com a cultura da igualdade social, mas também podem produzir “redes

sociais perversas pela interação que mantém com a cultura da violência e da intolerância”

(DOIMO, 1995, p. 53).

Na América Latina, em especial, no caso brasileiro - diferente do escopo do Welfare

State europeu que se caracterizou pelo “mercado institucionalmente regulado” – houve uma

forte intervenção estatal na reprodução do capital, porém, isentando-se do financiamento da

reprodução da força de trabalho. Doimo (1995) explica que esse processo resultou na

“desarticulação social” e no aprofundamento crescente da exclusão social. O Estado tornou-se

um ator estruturante das relações econômicas, assumindo o papel de gestor do desenvolvimento,

mas as políticas públicas resultaram muito mais de decisões de poder dos quais foram

Page 110: Tese Elio Pantoja Para o Trabalho de Sociologia Do Desenvolvimento

107

conduzidas do que pelo conflito de classe. Ora, isto imprime uma feição peculiar na formação

da “base social” dos novos movimentos, e que de certa forma rompem com os sistemas

tradicionais de participação levando a uma nova forma de ação e de participação. Eles se

caracterizam muito mais pela fragmentação, pela volatilidade e pela “ação direta”, que nas

formulações de Doimo (1995) e de Gohn (2012), baseadas em Touraine podem ser designados

como “movimentalistas”. Aqui, do ponto de vista analítico, a noção de “movimento social”,

enquanto sujeito histórico, de certa forma assume o lugar e a posição que antes estavam

centralizados na “classe”. Mas é importante considerar que, os “novos movimentos”,

majoritariamente não buscam necessariamente mudanças radicais na estrutura das relações

capitalistas de produção, visando construir outra sociedade. Eles buscam muito mais a garantia

de direitos e outras reivindicações ligadas à liberdade de escolha e de modo de vida, além de

trazer à cena política outros atores e processos de dominação fora da esfera econômica. Daí a

ênfase, por exemplo, na relação de gênero, a reivindicação aos direitos territoriais e de

respectivos modos de vida de determinados grupos e/ou populações, associada ao direito ao

ambiente saudável, além de outros tantos movimentos de natureza diversificada como os

movimentos pela paz, movimentos de gays, lésbicas e transexuais, surgidos entre o final do

Século XX e início do Século XXI.

Considerado este giro na análise sobre os movimentos sociais, minha intenção não

é enquadrar a experiência do Reage São Luís dentro desses novos formatos organizativos,

embora, como veremos, haja alguns fatores que corroboram para isso. Quer dizer, o Reage São

Luís pode ser pensado, portanto, como sendo fruto tanto daqueles formatos institucionais

criados pelas agências estatais que resultaram dos “ciclos de protestos” desde os anos de 1970

(ALONSO; COSTA; MACIEL, 2008), quanto aqueles surgidos posteriormente com a

Constituição de 1988, beneficiando-se destas novas estruturas de oportunidade e com uma base

social caracterizada pela diversidade de sua composição, tendo seus argumentos focados na

política ambiental. Ademais, considerando, o cenário político atual em que o governo brasileiro

incorpora em parte a crítica social produzida pelos movimentos sociais, e em especial, dos

movimentos socioambientais, tal crítica, não raramente, tem sido em parte, incorporada nas

estratégias ideológicas e de ação no sentido de amenizar os conflitos e mitigar o impacto

provocado pelos efeitos das políticas de desenvolvimento.

A experiência que trato aqui, se alinha aos formatos organizativos destes “novos

movimentos”, apresentando um padrão dialógico de organização, com um dinamismo peculiar.

Se por um lado se alinha aos novos movimentos, por outro, se articulou por meio de múltiplas

alianças e coalizões, contando com apoio de organizações sindicais e de parlamentares. Nesse

Page 111: Tese Elio Pantoja Para o Trabalho de Sociologia Do Desenvolvimento

108

sentido, acredito que descrever as ações e procurar identificar os atores sociais mais relevantes,

ajuda muito mais a traçar o perfil e a dinâmica do movimento, ao invés de buscar categorias e

conceitos pré-estabelecidos, assim como, procuro evitar as dicotomias do tipo movimento

institucionalizado e/ou não institucionalizado.

Em minhas observações e leituras sobre o Reage São Luís, considero um

movimento misto que reúne recursos institucionais e não institucionais empiricamente

inseparáveis dentro da dinâmica de mobilização, inclusive mantendo interações dialógicas com

agências do próprio Estado, por meio das quais se estabeleceram parcerias e contribuições

importantes. Entretanto, vale ressaltar que o diálogo com as agências estatais não implicou em

menos autonomia ao movimento, procuro mostrar adiante que a confrontação do Reage São

Luís se deu mais diretamente com os agentes do Governo do Maranhão e da Prefeitura de São

Luís.

4.1 Caracterizando o Reage São Luís: repertórios da mobilização política, argumentos

científicos e jurídicos

A denominação Reage São Luís, dada ao movimento, surgiu da ação propriamente

reativa contra a instalação do polo siderúrgico e a partir do momento em que seus integrantes

se deram conta da necessidade de ampliar as redes de mobilização. Como disse Alberto

Cantanhede: “[...] reagir como se fez no período da implantação da Alcoa que houve um

movimento mais estruturado [...] então a palavra Reage [...] constituiu o Reage São Luís”

(Trecho de entrevista realizada em 11 jan. 2012).

Como aludimos anteriormente, seguindo a interpretação de Tilly (1978), a “ação

coletiva” implica em uma ação conjunta, envolvendo “interesses”, “organização”,

“mobilização”, “oportunidade”. Estes componentes referem-se respectivamente, por ganhos e

perdas, pela capacidade organizativa na busca de interesses e a aquisição de recursos e de

controle coletivo sobre os mesmos. A eficácia das ações, entretanto, está também associada às

oportunidades: conjunturas e cenários políticos, culturais e sociais, envolvendo uma série de

combinações mutáveis destes componentes (TILLY, 1978).

Mas objetivamente, qual a “substância” que mobiliza as pessoas e quais os

interesses compartilhados na formação de um movimento mais amplo de reação política?

Dada a abrangência dos tipos de organizações envolvidas na contestação ao polo

siderúrgico, ao tentar estabelecer uma tipologia padrão ou buscar uma classificação pré-

definida, se pode perder de vista as especificidades do movimento ou por outro lado, cair num

Page 112: Tese Elio Pantoja Para o Trabalho de Sociologia Do Desenvolvimento

109

reducionismo ao querer enxergar o movimento pelo prisma de um ou outro ator ou segmento

que o constitui. Procuro, portanto, descrever as características do Movimento Reage São Luís

estabelecendo aproximações com o formato organizativo dos chamados “novos movimentos

sociais” emergido após os anos de 1970 no Brasil (DOIMO, 1994). Tenho como inspirações

teóricas os componentes da ação coletiva e a dinâmica da mobilização (TILLY, 1978), o

processo de “dessingularização” (BOLTANSKI,1990) a partir das quais descrevo a ampliação

das reivindicações. Utilizo também a teoria do “campo” (BOURDIEU, 1997) para descrever os

recursos de ação política e as argumentações do movimento.

Doimo (1994) sugere o estabelecimento de cortes analíticos a partir da sobreposição

de dois eixos: um “eixo territorializado” e um “eixo temático”. O “eixo territorializado” conecta

redes locais às redes nacionais e se caracteriza pela agregação de uma infinidade de pessoas e

de diferentes tipos de redes sociais, transversalmente entrelaçadas: estas redes conectaram

pessoas e organizações segundo uma multiplicidade de reivindicações, tais como, a “luta”

contra o alto custo de vida, por melhorias na saúde, no saneamento básico, na moradia e pela

regularização de loteamentos, dentre outras demandas de movimentos que surgiram de norte a

sul do Brasil, tendo por base o trabalho político das CEBs e das Pastorais da Igreja Católica,

mas também, recebendo apoio de organizações internacionais, sobretudo, de origem europeia.

O segundo eixo, o “eixo temático” indica a “especialização de funções”, pautado

pela importância da inserção política do “campo científico”, em destaque o papel das ONGs

surgidas nas universidades brasileiras e de renomados intelectuais que passaram a atuar fora

dos espaços delimitados pela ação do Estado durante o regime militar. Desde os anos de 1980,

observa-se, portanto, uma “experiência de deslocamento da produção científica para as ONGS”

a serviço dos “movimentos populares” em todas as regiões do Brasil (DOIMO, 1994).

Considerando este esquema interpretativo de Doimo (2004), é importante notar pelo

prisma do “eixo temático” que o Movimento Reage São Luís em grande parte se articulou a

partir das organizações e de movimentos de bairros e com o trabalho das Pastorais da Igreja

Católica, e também, obtendo apoio da Comissão de Justiça e Paz da Arquidiocese de São Luís.

Atores sociais do “campo científico” (professores e pesquisadores universitários, entidades

profissionais, funcionários públicos com qualificação técnica na área ambiental), muniram o

Movimento Reage São Luís de argumentos respaldados em estudos técnico-científicos. Pelo

prisma do “eixo territorializado”, o Movimento Reage São Luís, procurou se articular às redes

sociais nacionais (a Rede Brasileira de Justiça Ambiental – RBJA e a Plataforma Brasileira de

Direitos Humanos, Econômicos, Sociais, Culturais e Ambientais – Plataforma DhESCA, são

exemplos importantes) que por sua vez estão conectadas aos organismos internacionais, a

Page 113: Tese Elio Pantoja Para o Trabalho de Sociologia Do Desenvolvimento

110

exemplo da Organização Não Governamental Justiça Global e a ONU. Além destes atores, o

Reage buscou assessoria jurídica, tendo apoio de membros da OAB-MA. A presença destes

atores foi relevante no sentido de exigir que o Ministério Público Estadual e o Ministério

Público Federal-MA se pronunciassem nas audiências públicas.

Uma noção importante para sistematizar a estrutura de ação e de argumentação do

Reage São Luís é a de “campo”, tomada aqui na acepção de Bourdieu (1997, p. 21) como um

“espaço social” intermediário formado por rapports des forces (relações de forças) e

relativamente autônomo, com regras específicas. Estes agentes disputam posições dentro de um

mesmo campo, assim como entre agentes de campos diferentes. Um campo é também mais

autônomo, quando sofre menos intervenção de outro campo.

A teoria do “campo” de Bourdieu é, entretanto, muito mais complexa, e não se trata

de uma teoria fechada. A própria noção de campo abre amplas possibilidades de aplicabilidade.

Para Bourdieu são os “agentes” que em processos de interação mobilizam formas de capitais

específicos e distribuídos dentro dos distintos “campos”: educacional, científico, religioso,

esportivo, etc, e estes “campos” em interação são abertos às possibilidades de acionamento por

estes “agentes”56. Na obra “Les usages sociaux de la Science” (1997), cujo foco de análise é

“campo científico”, o autor apresenta os subcampos, que são as disciplinas, por meio das quais

seus “agentes” disputam legitimidades discursivas. É a posição que estes ocupam na estrutura

que determina as suas posições no processo de decisão. Bourdieu dá o exemplo da noção “d’où

il parle”, uma noção, segundo ele vaga, utilizada por volta de 1968 para indicar a posição social

na estrutura de relações de poder dentro de um determinado “campo”.

A noção de “campo” tem sido um importante instrumento de interpretação na

temática socioambiental no Brasil. Ao tomar os “conflitos ambientais” como objeto de análise

56 É na obra “A Distinção: Crítica social do julgamento” (2008) que Bourdieu apresenta a relação entre os

“campos” e o processo de distribuição de bens (materiais e simbólicos). Ele mostra, por exemplo, a trajetória de

famílias de professores e empresários, notando que a aquisição das respectivas formas de capitais (neste caso, o

“capital cultural” e o “capital econômico”) tem relação com a capacidade dos descendentes das famílias se

manterem no mesmo nível das gerações passadas. A capacidade dos agentes na manutenção do patrimônio familiar

(material e simbólico) pode ser um indicador na análise da permanência, ascensão ou declínio social. Bourdieu

descentraliza o conceito de classe social da referência exclusiva da posse e controle dos meios materiais de

produção, dessa forma, não há um exclusivismo do capital econômico. A análise de classe é ampliada,

incorporando outras dimensões como a cultura a partir da qual ele opera com a ideia de “habitus de classe” como

um “princípio unificador das práticas”. Ele se refere também ao “capital herdado” e sua reconversão pelos

membros das classes como “forma incorporada da condição de classe e dos condicionamentos que ela impõe”.

Trata-se de uma análise tridimensional do “espaço social” que engloba: o “capital cultural”, o “capital econômico”

e o “capital social” por meio dos quais os agentes podem manifestar seus diferentes repertórios que estão contidos

nas disposições obtidas nos “habitus”. Assim, o “Volume Global do Capital” resulta dessas variadas dimensões.

Desse volume global de capitais se estabelecem critérios de “distinção” que Bourdieu apresenta a partir de

estatísticas e levantamentos governamentais, assim como de pesquisas empíricas com grupos e pessoas de

diferentes posições sociais na França. É este alargamento entre a ação e a estrutura que caracteriza a proposta desta

teoria, sem, no entanto, sair da análise estrutural de classe, como elemento de estratificação social.

Page 114: Tese Elio Pantoja Para o Trabalho de Sociologia Do Desenvolvimento

111

sociológica, Acselrad (2004) apontou limites e dificuldades teóricas em três importantes

interpretações vigentes na análise deste tipo de conflito e buscou na teoria social de Bourdieu,

ampliar os horizontes teóricos sobre a questão.

A primeira das interpretações, identificada por este autor como sendo de tradição

evolucionista, problematiza os conflitos ambientais pela ótica da adaptação do homem,

enquanto espécie animal, ao meio. Ou seja, a questão dos conflitos como centrada na adaptação

humana ao mundo natural.

Uma segunda abordagem é aquela que considera a dimensão econômica por dois

tipos de conflitos: o primeiro, “decorrente da dificuldade dos geradores de impactos externos

assumirem a responsabilidade por suas consequências” – este seria o “conflito por distribuição

de externalidades”. O segundo tipo de conflito seria pelo “acesso e uso dos recursos naturais,

decorrente da dificuldade de se definir a propriedade sobre os recursos”. A ausência de um

mercado e de recursos não valorados economicamente e que não são objetos de apropriação

privada explicariam esta forma de conflito. Uma vez que os conflitos se justificam neste tipo,

pela ausência de um mercado, esta perspectiva, segundo Acselrad (2004) encontra-se

aprisionada pela hegemonia das categorias mercantis.

Na terceira via os conflitos ambientais são caracterizados por interesses e

estratégias diferenciadas de “apropriação e aproveitamento da natureza na era da globalização

econômico-ecológica” e é suposto que que a resolução não ocorre unicamente pela lógica do

mercado e nem pelos códigos jurídicos do direto privado - reafirmam-se “racionalidades não

hegemônicas, que ressignificam conceitos e formas jurídicas de caracterização de territórios

étnicos como espaços de reprodução cultural e preservação da capacidade dos povos indígenas

usufruírem de seus patrimônios naturais”. Esta abordagem, entretanto, restringe os conflitos a

fronteiras definidas por “especificidades espaciais” e não como parte das fronteiras de vigência

dos mercados e das relações capitalistas (ACSELRAD, 2004, p.18).

Dada a complexidade da caracterização do “conflito ambiental”, Acselrad (2004)

pela via da abordagem “estruturalista construtivista” de Bourdieu (1997), se utilizou da noção

de “campo” para operar conceitualmente com a noção de conflito ambiental. Nesta perspectiva

o “campo dos conflitos ambientais” pode ser pensado como “uma configuração de relações

objetivas entre posições na estrutura de distribuição de diferentes espécies de poder”; e também,

como espaço de ações coletivas que se manifestam em lutas simbólicas que podem ser

questionadas, legitimadas e deslegitimadas de acordo com os “tipos de capital” dos diferentes

atores e suas respectivas posições. Além de disputas que envolvem interesses materiais, nesse

“campo” deve-se levar em conta a esfera simbólica e as diferentes lógicas e sentidos atribuídos

Page 115: Tese Elio Pantoja Para o Trabalho de Sociologia Do Desenvolvimento

112

pelos atores sociais, na medida em que cada ator disputa a legitimidade de suas ações. Diz

Acselrad (2004, p. 19):

Deste ponto de vista se considerarmos o meio ambiente como um terreno contestado

material e simbolicamente, sua nomeação, - ou seja, a designação daquilo que é ou

não é ambientalmente benigno - redistribui o poder sobre os recursos territorializados,

pela legitimação/deslegitimação das práticas de apropriação da base material das

sociedades e/ou de suas localizações. As lutas por recursos ambientais são, assim,

lutas por sentidos culturais. Pois o meio ambiente é uma construção variável no tempo

e no espaço, um recurso argumentativo a que atores sociais recorrem discursivamente

através de estratégias de localização conceitual nas condições específicas da luta

social por “mudança ambiental”, ou seja, pela afirmação de certos projetos em

contextos de desigualdade sociopolítica.

Ora, a substância daquilo que mobiliza as pessoas não pode, portanto, ser reduzida

à esfera econômica e à esfera biológica. Dessa forma, há que se levar em conta que o processo

de apropriação material de recursos naturais não ocorre sem um processo de apropriação

simbólica dos mesmos. Tornar-se-ia até redundante a justificativa de que esses dois processos

são indissociáveis.

Ademais, como já expus no Capítulo 3, a luta política dos diferentes grupos sociais,

varia também, segundo o contexto sociocultural, e segundo o processo histórico dessas lutas.

Neste caso, a luta pela permanência nos territórios e pela garantia da manutenção das formas

de uso social dos recursos existentes nos mesmos.

Esterci (2014) analisando dois casos de política ambiental na Amazônia: o caso da

Reserva de Desenvolvimento Sustentável (RDS) Mamirauá, no Médio Solimões no Amazonas

e a Reserva Extrativista do Alto Juruá (Resex do Alto Juruá) no Acre, entende que as formas

de territorialização instituídas nos dois casos refletem também a percepção e a compreensão

dos cientistas (antropólogos e biólogos) que contribuíram para a formulação dos respectivos

projetos. Segundo a autora, “foram duas grandes extensões de área projetadas de forma

inovadora para fins de conservação da biodiversidade e reprodução de vida social e cultural que

habitam a região amazônica” (ESTERCI, 2014, p. 23). Interessante notar nos dois casos, as

distintas percepções que informam os respectivos projetos de política ambiental adotadas pelos

cientistas: no caso do Projeto Mamirauá, a orientação do Biólogo Márcio Ayres e seus parceiros

tem um caráter mais conservacionista que embora buscando parcerias da sociedade local e

organizações de caráter interdisciplinar, se concretizou numa forma de intervenção que prioriza

o “saber científico” sobre o “conhecimento empírico” local. Como contraponto desta

perspectiva de intervenção, Esterci (2014) apresenta a experiência da Reserva Extrativista do

Alto Juruá, cujo processo de implementação teve a participação expressiva de pesquisadores de

Ciências Sociais, entre este o Antropólogo Mauro Almeida, com histórico de engajamento nas

Page 116: Tese Elio Pantoja Para o Trabalho de Sociologia Do Desenvolvimento

113

lutas políticas dos seringueiros naquele estado e que envolveu sindicalistas e militantes ligados

à causa ambiental e expressando mais forte valorização do conhecimento dos seringueiros. Face

a tais experiências, ambas com importantes contribuições de cientistas - no primeiro caso, o

biólogo preocupado mais com a proteção do meio ambiente; e no segundo caso, o antropólogo,

muito comprometido com o combate às desigualdades sociais. Esterci (2014, p. 35) acredita

estarmos “[...] diante de espaços inovadores de produção de conhecimento e de formulação de

projetos políticos e socioambientais”. Há forças políticas e espaços políticos inovadores e atores

sociais diversos que na atualidade imprimem especificidades à esfera das relações com o meio

ambiente: empresas privadas, o Estado, as populações alvo de políticas ambientais, as ONGs,

os movimentos sociais, etc. A inserção de diferentes atores, a exemplo dos cientistas, nas

políticas ambientais, tem corroborado com contribuído para a maior complexidade desse

“campo”. Nesse sentido, esses autores constatam que há uma maior complexidade no “campo

dos conflitos ambientais” (ACSELRAD, 2004), foco de novos significados e de novas

experiências (ESTERCI, 2014).

A partir estes pressupostos, proponho discutir as ações coletivas e os argumentos

do Reage São Luís segundo um esquema interpretativo estruturado em três “campos”: o

político, o científico e o jurídico57 sintetizados no esquema abaixo (ver Esquema 01). Procuro

mais adiante, complementar esta análise inserindo os argumentos em defesa do polo

siderúrgico. Neste sentido, faço o contra-ponto aos argumentos do movimento a partir de

documentos do Governo do Estado do Maranhão e da Companhia Vale, sugerindo que o debate

acerca do polo siderúrgico se configura também como uma “arena” no sentido proposto por

Olivier de Sardan (1997).

57 A ideia de usar esta estrutura me ocorreu durante a análise das entrevistas e da leitura de documentos produzidos

pelo Reage São Luís. Foi reforçada também, após uma entrevista com a Profª. Drª Edilea Dutra Pereira, do

Departamento de Geografia da UFMA e membro do Reage São Luís em 16 dez. 2011. Na ocasião ela descreveu

a atuação do Reage São Luís mencionando três aspectos: a força política da sociedade civil, enfatizando a

organização dos povoados, a ajuda que o movimento teve da assessoria jurídica e o uso do conhecimento científico.

Naquela entrevista, ela literalmente falou “a força política”, “a ciência” e “o jurídico”. Além desta entrevista, me

baseei também nos depoimentos de outros membros e em documentos coletados nos arquivos digitais do Reage

São Luís. A produção textual do Movimento Reage bedece a uma espécie de divisão do trabalho intelectual por

meio de “equipes” formadas por experts em cada assunto: por exemplo, o estudo do Estatuto da Cidade ficou a

cargo de advogados, sociólogos e de pessoas ligadas ao Movimento Nacional por Moradia Popular com

experiência nessa área. Na área ambiental, nota-se a presença de geólogos, médicos e de pesquisadores de áreas

diversas com afinidade sobre esse assunto. Nesta área, a argumentação se fundamentou principalmente em estudos

e dados científicos sobre outras cidades brasileiras e, mesmo nos estudos geológicos realizados em São Luís por

pesquisadores que integraram o Reage São Luís. Foi através da somatória da força dos argumentos de contestação

e a mobilização política das bases por meio de oficinas ministradas por estes experts que o Reage se estruturou

politicamente. Mas, é importante lembrar que este movimento teve apoio de setores do governo, o que torna o

movimento muito mais dialógico e complexo. Há que se considerar nesse sentido, a estrutura de oportunidades: o

cenário político em que as agências estatais tiveram maior diálogo com movimentos sociais, fortalecendo os canais

de participação em decisões importantes; a presença de funcionários e militantes envolvidos com a questão

ambiental motivou as agências estatais a incorporar parcialmente a crítica socioambiental.

Page 117: Tese Elio Pantoja Para o Trabalho de Sociologia Do Desenvolvimento

114

Esquema 1 – “Campos” acionados pelo Reage São Luís

Fonte: Dados da Pesquisa

4.1.1 O “Campo” sociopolítico: repertórios da mobilização política

O estudo das ações coletivas nos leva a muitas direções, por isso, requer o

conhecimento das circunstancias particulares em que os participantes se encontram: os

problemas enfrentados, os opositores, os meios de ação de que lançam mão e suas definições

quanto aos acontecimentos. Quer dizer, uma ação coletiva emerge, em determinadas

circunstâncias específicas nas quais os atores sociais estão contextualizados. Já pontuamos

acima que segundo a interpretação de Tilly (1978), uma “ação coletiva” emerge do

compartilhamento de interesses, e nestes interesses subjaz uma “substância” à qual estes estão

referidos. A “substância”, portanto, definirá as razões que levam diferentes atores a aderirem a

determinadas ações coletivas, e isto informa no que os grupos estão interessados.

Charles Tilly na obra “From mobilization to revolution” (TILLY, 1978) apresenta

um tópico denominado “The componentes of colletive action” organizado a partir de registros

historiográficos sobre motins, rebeliões e manifestações na Europa e nas colônias inglesas da

América do Norte ao longo do Século XVIII. O autor cita exemplos de destruição e rebeliões

populares no Condado de Suffolk em 1765 na Inglaterra contra a construção de hospícios para

abrigar pobres e indigentes aldeões ingleses originados de diversas paróquias. Esses hospícios

também chamados de “casa da indústria” submetiam os pobres à supervisão pública e à

administração centralizada que naquele contexto expandiam-se nos territórios. Charles Tilly

mostra também outros conflitos surgidos em 1765 como os que ocorreram nas colônias inglesas

na América do Norte, por exemplo, a resistência à taxação da chamada Lei do Selo imposta

pela Inglaterra. Pelo menos por dez anos, motins, rebeliões, saques e diversas formas de

protestos foram intensificados contra as instituições e às propriedades dos agentes do governo

Reage São Luís

Campo sociopolítico Campo científico Campo jurídico

Page 118: Tese Elio Pantoja Para o Trabalho de Sociologia Do Desenvolvimento

115

nas colônias. As notícias sobre os protestos das colônias repercutiram na metrópole que por sua

vez também intensificaram os protestos na metrópole.

Neste estudo, Tilly procura mostrar que, o que está por trás das manifestações são

formas de ações coletivas num contexto de expansão das relações de propriedade capitalistas e

também em decorrência do surgimento do Estado Nacional. O conceito fundamental elaborado

pelo autor a partir dos exemplos analisados é o de “mobilização” associado à questão do

confronto das diferentes formas de organização social. A mobilização, como categoria analítica

é a “mobilização política” (para distinguir do conceito de mobilização social)58 que, na

interpretação de Gohn (2012, p. 66) sobre a teoria de Tilly, “[...] envolve os caminhos pelos

quais os grupos sociais adquirem recursos suficientes para tornar a ação coletiva possível”.

A “colletive action”, portanto, refere-se à ação conjunta em busca de interesses

comuns e, no esboço teórico apresentado por Tilly, é constituído dos seguintes componentes:

“interesses”, “organização”, “mobilização”, “oportunidade” e a própria “ação coletiva”.

a) Os interesses segundo Tilly referem-se aos ganhos e as perdas resultantes da

interação de um grupo com outro grupo;

b) a organização refere-se à capacidade dos grupos na busca de seus interesses. A

organização dos grupos envolve também a importância do compromisso de seus

integrantes e a divisão de trabalho;

c) a mobilização “[...] é o processo através do qual um grupo adquire controle

coletivo sobre os recursos necessários para a ação”. (TILLY, 1978, p. 7). A

questão da mobilização suscita grande interesse sociológico. Diz Tilly (1978, p.

7):

[...] Às vezes um grupo como, por exemplo, uma comunidade, tem uma estrutura

interna complexa, mas poucos recursos compartilhados. Outras vezes um grupo é rico

em recursos, mas todos esses recursos encontram-se sob o controle individual. A

análise de mobilização trata das maneiras pelas os grupos adquirem recursos e os

disponibilizam para a ação coletiva. (TILLY, 1978, p. 7).

d) a oportunidade: se refere à relação entre um grupo e “o mundo que o cerca”. É

importante considerar as mudanças que podem ameaçar os interesses do grupo,

mas também, podem proporcionar novas possibilidades para agir em função de

58 Baseada em Toro (2007), Gohn (2012, p. 66) apresenta o conceito de “mobilização social” como o envolvimento

ativo do cidadão, de organização social e de empresas nos rumos dos acontecimentos em sua sociedade. Ela destaca

que mobilização social para Toro é uma ferramenta para “convocar vontades”, propondo metodologias e processos

participativos locais em “projetos mobilizadores”. Estas características se distinguem da “mobilização política” de

militantes de movimentos sociais “que têm suas atuações voltadas para o todo, para o mundo”.

Page 119: Tese Elio Pantoja Para o Trabalho de Sociologia Do Desenvolvimento

116

tais interesses. As circunstâncias e a conjuntura política ganham relevância nesse

quadro teórico.

e) a ação coletiva consiste de “pessoas agindo conjuntamente em busca de

interesses comuns. A ação coletiva resulta de combinações mutáveis de

interesses, organização, mobilização e oportunidade”. (TILLY, 1978, p. 7).

Alguns elementos complementares ainda nos ajudam a explorar este quadro teórico.

Em primeiro lugar, a ação coletiva não se caracteriza por atos isolados de indivíduos ou grupos

agindo solitariamente. Antes, pressupõe relações de interação entre indivíduos e/ou grupos,

organizações e inclusive agências estatais. Em segundo lugar, uma ação coletiva também

implica no compartilhamento de interesses dos diferentes atores envolvidos. Os interesses

compartilhados são uma chave explicativa importante para compreensão do que leva indivíduos

e grupos a se mobilizarem contra instalação de um projeto industrial, por exemplo. Uma vez

que uma “ação coletiva” emerge do compartilhamento de interesses e nestes interesses subjaz

uma “substância” à qual estes estão referidos é, portanto, fundamental destacar qual a

“substância”, ou seja, o que motiva diferentes atores a aderirem a uma ação coletiva e a se

engajarem em movimento de contestação. E um terceiro aspecto é que o estudo das ações

coletivas nos leva em muitas direções, por isso, requer o conhecimento das circunstâncias

particulares em que os participantes se encontram: os problemas enfrentados, os meios de ação

sobre os quais lançam mão e suas definições dos acontecimentos. Quer dizer, uma ação coletiva

não surge, a não ser sob as circunstâncias específicas nas quais os atores sociais estão

contextualizados. Assim, resumo o esboço teórico da ação coletiva apresentada por Tilly

(1978), uma vez que este estudo oferece uma série de elementos analíticos importantes para

abordar o processo de mobilização política para reagir contra a instalação de um polo

siderúrgico na cidade de São Luís:

a) as pessoas não agem por causas abstratas e nem isoladamente, há uma causa

concreta que atinge a todos e que precisa ser defendida. Diz Tilly (1978, p. 143):

“Real people do not get together and Act Collectively. They meet to petition

Parliament, organize telephone campaigns, demonstrat outside of cite hall, attack

powerlooms, go on strike” 59

59 Pessoas reais não se juntam para Agir Coletivamente. Elas se juntam para levar petições ao Parlamento,

organizar campanhas de telefone, manifestar do lado de fora da prefeitura, atacar teares mecanizados ou entrar em

greve. (TILLY, 1978, p. 143). Tradução do autor.

Page 120: Tese Elio Pantoja Para o Trabalho de Sociologia Do Desenvolvimento

117

b) a ação coletiva implica numa interação envolvendo a persuasão de outros

grupos, inclusive os governos. Portanto, raramente se trata de uma performance

solitária.

c) a ação coletiva não busca questões universais, mas “coisas bem definidas” e

contextualizadas dentro de cenários culturais:

[...] Collectiv action usually takes well-defined forms already familiar to the

participants, in the same sense that most of an era´s art takes on of a small number of

established forms. Because of that, neither the search for universal forms (such as

those sometimes proposed for crowds or revolutions) nor the assumption of an infinity

of means to group ends will take us very far. Because of that, the study of the concrete

forms of colletive action immediately draws us into thinking about the cultural

settings in which more forms appear. (TILLY, 1978, p, 143)60.

Inicialmente a reação dos povoados da Zona Rural de São Luís foi motivada pelo

sentimento de injustiça e, aqui, poderia ser mesmo atribuído o sentido da “injustiça ambiental”,

que se caracteriza como aquele “[...] fenômeno de imposição desproporcional dos riscos

ambientais às populações menos dotadas de recursos financeiros, político e informacionais”.

Quer dizer, lideranças dos povoados, ao mobilizarem recursos (canais da justiça, pesquisadores

de universidades e a própria organização política), exigiram o direito de não arcar e de não ter

que suportar “as consequências ambientais negativas de operações econômicas, de decisões de

políticas e de programas federais, estaduais, locais, assim como da ausência ou omissão de tais

políticas [...]61. A busca desses direitos ocorreu pela pressão e pela mobilização política,

motivadas pela defesa da permanência nos territórios, enquanto “ambientes de vida”

(HÉBETTE, 2004), desde os anos de 1980, quando os povoados rurais organizados em

associações de moradores iniciaram suas primeiras experiências de resistência aos projetos

industriais instalados na região.

No processo de constituição de um movimento mais amplo, a reação contra o polo

siderúrgico já não era mais um problema somente dos moradores da Zona Rural, circunscrito

ao âmbito da disputa de um território cuja ameaça de perda, colocou em questão a continuidade

dos meios de vida de comunidades rurais, mas era um problema que colocava em questão

interesses de outros atores individuais e coletivos representados pela cidade de São Luís. A

noção de “cidade”, aqui pensada num duplo sentido: quer dizer, enquanto um símbolo que

60 [...] a ação coletiva geralmente assume formas bem definidas e já conhecidas pelos participantes, no mesmo

sentido em que a maioria da produção artística de uma época específica assume uma pequena quantidade de formas

estabelecidas. Por isso, nem a busca de formas universais (como as que são por vezes propostas para multidões

ou revoluções) nem a pressuposição de uma infinidade de meios para as finalidades de cada grupo nos levará muito

longe. Por isso, o estudo de formas concretas para a ação coletiva imediatamente nos obriga a pensar sobre os

cenários culturais em que as formas apareceram (TILLY, 1978, p. 143, tradução do autor). 61 Ver Acserald (2009) e também em Brasil (c2014c)

Page 121: Tese Elio Pantoja Para o Trabalho de Sociologia Do Desenvolvimento

118

encarna e representa diferentes interesses e, no sentido em que é refletido por Boltanski (1990),

para caracterizar o “bem comum”. Ou seja, a “cidade” simbolizando uma diversidade de atores

ou, para usar um termo de Boltanski, como um “princípio de equivalência”, que tem a referência

comum dos diferentes mundos nos quais os atores estão inseridos.

O importante nesta análise é indicar as razões pelas quais as pessoas compartilham

interesses, e mesmo sendo elas de origens sociais diferentes, suas ações convergem para uma

mesma finalidade. Parto, portanto, do pressuposto segundo o qual considera que os atores

sociais injustiçados são dotados de capacidade para estabelecer laços sociais. Ações coletivas

implicam em interações sociais e relações dialógicas com outros atores: pessoas, organizações

e instituições diversas. Nesta perspectiva, segundo Boltanski (1990, p.72):

[…] Dotamos a las personas humanas de una capacidad metafísica y consideramos

que esa capacidad es esencial para comprender la posibilidad de un lazo social. En

efecto, para converger hacía un acuerdo las personas deben hacer referencia a algo

que no son personas y que as trasciende. Es esta referencia común lo que llamamos

de principio de equivalencia.

No Quadro 4 procuro ilustrar os diferentes atores singulares que foram acessados

inicialmente. Neste caso, são contatos diretos com pessoas com poder de influência nos

diferentes “campos”, e que tiveram importância crucial na construção de estratégias de

engrandecimento do movimento.

Quadro 4 – Campo Sociopolítico: atores singulares

ATORES

SINGULARES

OCUPAÇÃO/FUNÇÃO/CARGO

REFERENTE AOS ANOS DE

2004/2005

ENTIDADES/ORGÃO/INSTITUIÇÃO

Maria Máxima

Pires

Líder Comunitária Associação de Moradores Rio dos Cachorros

Alberto

Cantanhede,

“Beto do Taim”

Líder Comunitário/Conselho Grupo de

Trabalho Amazônico (GTA)

Associação de Moradores do

Taim/Movimento Nacional de Pescadores

(MONAPE) / GTA

Helena Heluy Deputada Estadual/PT-

MA/advogada/promotora de

justiça/membro da Comissão

Arquidiocesana de Justiça e Paz

Câmara dos Deputados/Partido dos

Trabalhadores/MA / Comissão

Arquidiocesana de Justiça e Paz

Guilherme

Zagallo

Advogado, membro da OAB – MA,

relator da Plataforma DhESCA

Ordem dos Advogados do Brasil/MA,

Advogado do Sindicato dos Urbanitários-MA

Irmã Anne

Caroline Wihbey

Missionária católica, educadora Congregação das Irmãs de Notre Dame de

Namur

Creuzamar Pinho Coordenadora da União Nacional por

Moradia Popular

União Nacional por Moradia Popular

Marluze Pastor Gerente Executiva IBAMA (MA) IBAMA

Ubirajara do

Pindaré

“Bira do

Pindaré”

Delegado Regional do Trabalho em

2005/membro do Partido dos

Trabalhadores

Delegacia Regional do Trabalho/MA /

membro do PT-MA.

Page 122: Tese Elio Pantoja Para o Trabalho de Sociologia Do Desenvolvimento

119

Cont. Quadro 4 – Campo sociopolítico: atores singulares

Paula Santos Diretora Dep. Ações Descentralizadas da

Secretaria Nacional de Patrimônio da União

Ministério das Cidades/Secretaria

Nacional de Patrimônio da União

Abdom

Murad

Vereador, médico Câmara dos Vereadores, PMDB, membro

do Conselho Regional de Medicina

Joberval

Bertoldo

Vereador, engenheiro Câmara dos Vereadores/PCB - Partido

Comunista Brasileiro

Marília

Mendonça

Vereadora, bacharel em direito Câmara dos Vereadores/PDT - Partido

Democrático Trabalhista

Edilea

Pereira

Pesquisadora/Geóloga UFMA

José

Alcântara

Pesquisador/Sociólogo UFMA

Fonte: levantamento de pesquisa documental sobre o Reage São Luís e entrevistas com lideranças comunitárias.

Este quadro não corresponde quantitativamente à totalidade de atores individuais

e/ou instituições que aparecem aleatoriamente em documentos elaborados pelo Reage São Luís

aos quais tive acesso. Ou seja, o processo de mobilização em redes de entidades e redes de

influência entre as pessoas é muito importante na formação, consolidação e ampliação do

movimento, mas torna-se difícil para o pesquisador estabelecer um quadro completo. Nestas

interações interessa, portanto, destacar que a capacidade de mobilizar recursos políticos ocorreu

processualmente com a formação de uma frente de resistência: a constituição de um poder para

influenciar no “campo político” e colocar na pauta da agenda política local a discussão de um

polo siderúrgico.

Na verdade, eu acho que esse é o diferencial interessante do Reage, porque estava se

discutindo normalmente os movimentos de bairro, os problemas internos, os

estudantes vão para as ruas para discutir normalmente meia passagem, as greves são

para discutir seus problemas específicos. Aquele, não, estava discutindo um problema

muito mais amplo, mais do mundo, um problema que hoje está se discutindo, a

questão ambiental, as questões das mudanças ambientais. Então isso é interessante de

registrar em relação ao Movimento Reage São Luís, e essas diferenças entre os grupos

que estavam ali também é interessante, porque você tinha ali o advogado, a pessoa da

comunidade, alguns estudantes, pessoas das organizações que de certa forma são

sempre os que mais se mobilizam, mas você tinha também outros que estavam

discutindo aquele tema. Parece que houve uma aliança em favor, pela proteção da ilha.

A gente defendia que o polo siderúrgico estaria destruindo e pelas condições

geológicas, pelas condições hídricas, pela quantidade de pessoas que vinha de fora,

que ia acontecer um inchamento aqui nessa ilha, frente aquilo que já acontecia, e as

próprias comunidades que já estavam lá. Então a aliança daquele momento, as

pessoas, esse sentimento de querer, de tesão pela ilha de qualquer forma aflora mais.

Talvez, aí tem a ver com a questão macro. A questão ambiental das mudanças também

aflorou, mas também a discussão, essa paixão por São Luis, querer proteger o seu, a

sua cidade, essa ilha, também aflorou bem que conseguiu juntar essas pessoas e por

ser a capital também uma série de interesses de vários grupos estavam ali

representados. (Marluze Pastor, Ex. Gerente Executiva do IBAMA-MA. Entrevista

realizada em 6 dez. 2013).

Page 123: Tese Elio Pantoja Para o Trabalho de Sociologia Do Desenvolvimento

120

Se, inicialmente, o processo de mobilização focou a situação dos povoados, num

segundo momento, o foco de discussão é ampliado, volta-se também para a cidade de São Luís.

A noção de “cidade” é, por assim dizer, substancialmente a “metafísica” de que fala Boltanski,

que dá uma substância maior ao movimento. A cidade é este “bem comum” encarnado pelo

sentimento de pertencer e defender “o seu”: “essa paixão por São Luis, querer proteger o seu,

a sua cidade, essa ilha”.

A composição do Reage São Luís é, portanto, o resultado da ação de pessoas que

tiveram seus interesses diretamente afetados. Ao buscarem aliados estratégicos, construíram

redes de alianças com a inserção de um leque maior de organizações. Mas, é importante destacar

que estas alianças não surgiram sem um acúmulo de experiências, que é um dos aspectos

fundamentais na estruturação dos repertórios da ação coletiva (TILLY, 1978), pois, entre estes

atores coletivos e individuais que compuseram o Reage São Luís, estavam também aqueles que

haviam participado de lutas políticas anteriores desde os anos de 1980, como por exemplo os

membros do Comitê de Defesa da Ilha que junto com as associações de moradores da Zona

Rural de São Luís contestaram a instalação da fábrica de Alumínio da Alcoa (Alumar) e que

durante as Audiências Públicas em 2005, deram seus testemunhos do que ocorreu naquela

época. Procuro ilustrar o alargamento deste processo no Quadro 5.

Quadro 5 – Campo Sociopolítico: atores coletivos que compuseram o Movimento Reage São

Luís

Atores coletivos que compuseram o Movimento Reage São Luís

Associação dos Geólogos do Maranhão – AGEMA

Associação Brasileira de Águas Subterrâneas – ABAS-MA

Associação Maranhense para a Conservação da Natureza - AMAVIDA

Associação dos Professores da Universidade Federal do Maranhão – APRUMA

Associação de Saúde da Periferia

Associação de Moradores do Taim

Associação de Moradores do Rio dos Cachorros

Associação de Moradores do Porto Grande

Associação Agroecológica Tijupá

Cáritas

Central Única dos Trabalhadores - CUT-MA

Central de Movimentos Populares

Centro de Apoio e Pesquisa aos Pescadores Artesanais do Maranhão – CAPAM

Centro de Cultura Negra

Cepaib – Centro Educacional da Àrea Itaqui-Bacanga

Centro Acadêmico 1º de Maio

Centro de Defesa Padre Marcos Passerin

Comissão Arquidiocesana de Justiça e Paz

Page 124: Tese Elio Pantoja Para o Trabalho de Sociologia Do Desenvolvimento

121

Cont. Quadro 5 – Campo Sociopolítico: atores coletivos que compuseram o Movimento Reage

São Luís

Comitê de Defesa da Ilha

Comitê Pro-Marcha Zumbi +10

Comissão Pastoral da Terra – CPT

Conselho Regional de Medicina- CRM

Federação dos Trabalhadores na Agricultura do Estado do Maranhão-FETAEMA

Fórum Nacional da Sociedade Civil nos Comitês de Bacias Hidrográficas

Fórum de Saneamento Ambiental

Fórum Carajás

Fórum Maranhense das Cidades

Fórum Maranhense de Organizações da Sociedade Civil – FMOSC

Instituto do Homem

Irmãs de Notre Dame

Movimento de Saúde dos Povos

Movimento dos Trabalhadores Sem-Terra – MST

Movimento Nacional por Moradia Popular

Núcleo de Assessoria Jurídica Universitária Popular Negro Cosme – UFMA

Sociedade Maranhense de Direitos Humanos – SMDH

Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência – SBPC-MA

Sindicato dos Trabalhadores Ferroviárias do Maranhão, Pará e Tocantins

Sindicato dos Urbanitários do Maranhão

Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais de São Luís

Sindicato dos Trabalhadores em Educação do 3o Grau do Estado do Maranhão

Sindicato dos Trabalhadores Rurais de São Luís

Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência - SBPC-MA

Talher/MA

Fonte: Arquivos Digitais do Movimento Reage São Luís.

Quanto ao dinamismo da estrutura organizativa interna do Reage São Luís, destaca-

se a sistemática na divisão do trabalho intelectual da coordenação, cujo papel político guarda

algumas aproximações dos membros da coordenação do Movimento Reage com o de

“intelectuais orgânicos” (GRAMSCI, 1995). Ao aproximar este conceito da experiência do

Reage São Luís, remeto ao trabalho político pedagógico para a formação da base social do

movimento, dada a relevância deste fator na organização e na linguagem científica

compartilhada. A conversão da linguagem técnico-científica dos estudos, as reuniões e oficinas

de base, a produção do material informativo baseado em relatórios, laudos e estudos sobre

impactos sociais e ambientais e o engajamento destes intelectuais na base, são fatores que

corroboraram para uma maior eficácia das mobilizações.

A gente tinha um grupo de estudo que ia lá, pegava esses documentos esmiuçava e

transformava em propostas contrárias a ele mesmo. Você pegava o documento [...] do

polo siderúrgico, a própria consultoria comparava com o Rio de Janeiro, uma favelona

enorme entre o Complexo Portuário e a saída da cidade. Tá no documento isso, esse

Page 125: Tese Elio Pantoja Para o Trabalho de Sociologia Do Desenvolvimento

122

empreendimento ia atrair tanta gente que íamos ter especulação imobiliária ao longo

da BR toda; tudo isso aqui ia ser ocupado não ia sobrar outro lugar. A população daqui

quando menos na melhor das hipóteses, ia para o outro lado do Arraial, ali perto do

lixeiro da Ribeira [...] então para onde que iam as outras pessoas que iam migrar pra

São Luís atrás desses empregos? Iam morar na beirada da estrada aqui para serem

expulsos mais tarde ou no Campo de Perizes [...] Ia virar uma baixada fluminense, em

pouco tempo [...]. (Alberto Cantanhede, liderança do Taim, membro do Reage São

Luís. Entrevista realizada em 11 jan. 2012).

Conforme os dados sistematizados e arquivados pelo Reage São Luís,

aproximadamente 16.000 pessoas foram mobilizadas entre dezembro de 2004 e julho de 2006

(ver Quadro 6). A primeira reunião de avaliação e de planejamento de ações ocorreu em 13 de

dezembro de 2004, na mesma data da primeira Audiência Pública convocada pela Prefeitura de

São Luís na Igreja de São Joaquim do Bacanga, no povoado de Rio dos Cachorros, Zona Rural

de São Luís.

Reuniões regulares e eventuais para debater o assunto do polo siderúrgico

ocorreram ao longo desse período e em diferentes espaços e instâncias políticas. No caso das

oficinas, o foco era organizar as manifestações no ambiente das audiências, assim como

elaborar estratégias de intervenção por meio das inscrições. Neste caso, a intervenção seguia

uma orientação quanto à formulação da questão previamente discutida coletivamente.

De fato, o que chama atenção nessas atividades é que elas não se restringiram à

coordenação do Reage, mas houve uma multiplicação de ações dessa natureza por meio de

pequenas redes de pessoas inseridas individualmente em diferentes ambientes e espaços

institucionais.

Então foi assim, foi se ramificando e as pessoas saíram do seu espaço institucional.

Então quando eu passei na Igreja, o vídeo que causou essa discussão, já não era a

SMDH; era alguém que trabalhava na Sociedade (SMDH) que levou isso para outros

espaços. Assim, foi se congregando um pouco, um movimento, pessoas que iam se

agregando e tomando consciência do impacto que esse projeto traria e esse movimento

foi crescente e a Sociedade (SMDH) se fez presente em vários momentos. E também

foi decisiva a nossa articulação. (Nair Barbosa, Sociedade Maranhense de Direitos

Humanos – SMDH. Entrevista realizada em 6 dez. 2013).

Quadro 6 – Público das atividades do Reage São Luís entre outubro de 2004 e julho de 2006

Atividades Número de eventos Público mobilizado

Oficinas + reuniões 99 8.932 pessoas

Audiências Públicas 15 6.892 pessoas

Total 114 15.824 pessoas

Fonte: Arquivos Digitais do Movimento Reage São Luís.

O gráfico abaixo (Gráfico 1) elaborado pelo Reage São Luís registra o número de

participantes entre os meses de outubro de 2004 a maio de 2005. Em dezembro de 2004, o

Page 126: Tese Elio Pantoja Para o Trabalho de Sociologia Do Desenvolvimento

123

movimento mobilizou um público de 1.365 pessoas para participarem de uma Audiência

Pública no povoado de Rio dos Cachorros, planejada para o dia 13 de dezembro.

Gráfico 1 – Público mensal das atividades do Movimento Reage São Luís

Fonte: Arquivos Digitais do Movimento Reage São Luís.

Em março de 2005, a mobilização atingiu um público acumulado de 2.062 pessoas,

sendo fator principal de motivação, duas audiências públicas ocorridas, respectivamente, nos

dias 8 e 28 de março/2005 no povoado de Vila Maranhão e na Sede do Ministério Público

Estadual (ver Quadro 12). Trata-se de um período de decisões importantes para viabilizar o

polo siderúrgico e de acirramento dos debates nas audiências. Nas atividades de mobilização

entre outubro de 2004 e maio de 2005, o Reage São Luís registrou um público acumulado de

6.232 pessoas. O fator central de mobilização era a contínua discussão da proposta de alteração

da Lei de Zoneamento do Município de São Luís pela Prefeitura objetivando converter áreas

rurais em áreas industriais.

Se, por um lado, os vários níveis de governo e as empresas mobilizaram recursos

para a viabilização do polo siderúrgico, por outro lado, por parte do movimento, houve uma

instrumentalização do conhecimento científico (“campo” científico”), das ferramentas jurídicas

(“campo” jurídico) e das mobilizações políticas (“campo” sociopolítico) como mecanismos de

contestação aos argumentos dos representantes do governo e da iniciativa privada. De modo

que, por parte do movimento, a realização das oficinas assim como as intervenções públicas

contaram com um corpo de experts que alertavam sobre os riscos ambientais, as questões

sociais e as implicações jurídicas no âmbito das decisões que vinham sendo tomadas pelo

governo municipal e pelo governo estadual visando à viabilidade do polo siderúrgico.

Page 127: Tese Elio Pantoja Para o Trabalho de Sociologia Do Desenvolvimento

124

Nestas oficinas, discutiam-se assuntos como o Estatuto da Cidade, a Lei de

Zoneamento do Município, os impactos ambientais e sociais, a questão do emprego a ser

gerado, o custo e o benefício para a população. Importante notar as estratégias do movimento

quanto à questão política pedagógica junto à base: “A gente pegava esses documentos e

transformava em provocações contrárias ao próprio documento, porque aí eles não se atinham,

eles não acreditavam, como o documento era pouco disponível, pouco acessível, linguagem

muito técnica a maioria de nós não ia nem compreender” (Alberto Cantanhede, liderança do

Taim e membro do Reage São Luís. Entrevista realizada em 11 jan. 2012).

Abaixo destaco alguns exemplos de “questões” extraídas dos arquivos digitais do

Reage São Luís que foram elaboradas pelos participantes das oficinas e foram utilizadas nas

intervenções durante as audiências públicas:

a) O Edital de convocação para esta audiência pública fala da criação da Zona

Industrial 3. Contudo, além desta zona já existir na Lei nº 3.253 (Lei de Uso do

Solo de São Luís), temos uma declaração do Ministério Público Estadual

informando que os documentos formalmente disponibilizados para consulta pelo

Município para esta audiência pública são os mesmos da audiência designada

para o dia 13 de dezembro, que referem-se a criação da zona industrial 4,

denominado sub-distrito siderúrgico. Assim, ou edital é nulo por propor uma

alteração diferente daquela constante nos documentos disponibilizados para

consulta (que falam em ZI 4) ou, se o edital é correto, esta audiência é nula por

não terem sido disponibilizados documentos referentes à “criação” da Zona

Industrial 3.

b) Em 16 de dezembro de 2004 foi protocolado na Prefeitura de São Luís

requerimento subscrito por mais de 50 pessoas solicitando a realização de

audiências públicas nos demais bairros e região central de São Luís, face à

limitação dos meios de transporte público para a Vila Maranhão e o interesse na

mudança da lei de zoneamento ser de todos os moradores de São Luís. Contudo,

apesar do Decreto nº 27.030 obrigar a solicitação de audiência pública quando

solicitado por mais de 50 pessoas, o edital de convocação da audiência pública

deveria contemplar a realização de pelo menos mais uma audiência além desta,

a ocorrer na região do centro da cidade.

Page 128: Tese Elio Pantoja Para o Trabalho de Sociologia Do Desenvolvimento

125

c) A alteração da lei de zoneamento e uso do solo não deveria ser precedida da

Revisão do Plano Diretor de São Luís, que pelo Estatuto das Cidades deve

ocorrer até outubro de 2006? Não é ilegal a revisão parcial da lei de uso do solo?

d) Como se justifica a alteração da lei de uso de solo de São Luís para se acrescer

mais 2.471 hectares de zona industrial se o nosso Distrito Industrial tem mais de

50% de sua área desocupada?

e) Quantos empregos justificam uma morte ou um caso de câncer nas famílias das

pessoas que residirão nas proximidades de um distrito industrial habilitado a

receber indústrias perigosas e poluentes? E para as famílias do Prefeito, dos

Secretários Municipais e técnicos que estão trabalhando na alteração da lei de

uso de solo do município de São Luís?

Com o objetivo de atingir o público mais geral, algumas estratégias foram adotadas

pela coordenação do movimento. Numa lista de 57 reuniões realizadas entre 13 de dezembro

de 2004 e 10 de julho de 2006, fiz uma seleção para efeito de ilustração da capacidade de

ampliação do movimento em distintos espaços e públicos.

Estes eventos de mobilização estão classificados nos arquivos digitais do

Movimento Reage São Luís como “outras reuniões realizadas”. Sob este rótulo de “reuniões”,

estão registrados outros tipos de ações coletivas mais diretas, como é o caso de intervenções

em audiências públicas e em manifestações na Câmara dos Vereadores de São Luís.

Page 129: Tese Elio Pantoja Para o Trabalho de Sociologia Do Desenvolvimento

126

Quadro 7 – Atividades de mobilização do Reage São Luís entre dezembro de 2005 e julho de

2006

Data do evento Atividades de participação/mobilização do Reage São Luís

13.10.04 Manifestação para cancelamento da Audiência Pública no Rio dos Cachorros

28.10.04 Reunião com o arcebispado de São Luís

28.10.04 Reunião do Reage São Luís na Assembleia Legislativa com parlamentares

27.04.05 Debate promovido pelo Departamento de Economia UFMA

28.04.05 Exposição de Painel na Câmara dos Vereadores de São Luís

01.05.05 Romaria dos Trabalhadores – Zona Rural de São Luís

07.06.05 Debate promovido pelo Curso de Comunicação Social da UFMA

17.06.05 Participação na Sessão “Sexta-Jurídica” da Ordem dos Advogados do Brasil

(OAB-MA)

22.08.05 Acompanhamento da Relatoria da Plataforma DhESCA na visita aos povoados

ameaçados de deslocamento pelo polo siderúrgico

24.08.05 Participação de representantes do Reage São Luís na Jornada de Políticas

Públicas na UFMA

07.09.05 Participação no “Grito dos Excluídos”

15.09.05 Vigília na Câmara dos Vereadores de São Luís

30.09.05 Manifestação na Câmara dos Vereadores de São Luís

30.09.05 Panfletagem e exibição de vídeos no bairro do Coroadinho

30.09.05 Panfletagem e exibição de vídeos no bairro Vila Embratel

01.10.05 Panfletagem e exibição de vídeos no bairro Vila Nova República

01.10.05 Debate na Semana de Serviço Social – UFMA

01.10.05 Panfletagem e exibição de vídeos no povoado de Rio dos Cachorros

02.10.05 Panfletagem e exibição de vídeos no bairro Vila Maranhão

11.10.05 Passeata e manifestação na Câmara dos Vereadores

11.11.05 Participação no Seminário Internacional de Direito Ambiental

21.03.06 Participação na Mesa Redonda Sociedade e Meio Ambiente

21.06.06 Debate sobre o polo siderúrgico na Escola Miguel Lins

10.07.06 Participação no Seminário Desenvolvimento e Meio Ambiente promovido pelo

Grupo de Estudos: Modernidade, Desenvolvimento e Meio Ambiente

(GEDMMA/UFMA)

Fonte: Arquivos Digitais do Movimento Reage São Luís.

Desde o início da mobilização contra o polo siderúrgico, o debate no âmbito das

organizações se concentrou em torno da alteração da Lei de Zoneamento, e as implicações

jurídicas do Estatuto da Cidade. A estratégia era associar o pedido de alteração da Lei e a sua

contradição com o Estatuto da Cidade, sendo este, um dos fortes argumentos acionados em

Audiências Públicas (ver também 4.1.3, “Campo Jurídico”).

As reuniões na CUT que aconteciam semanalmente eram para “planejar e avaliar o

grau de articulação e ampliação que essa luta tinha”; então era planejar e avaliar as

estratégias; como eram definidas, quais grupos precisariam ser mobilizados e pensar

o material, panfletos, oficinas nas comunidades. Tinha um videozinho que era usado

nesse processo de mobilização das comunidades, ou em Igrejas. (Nair Barbosa,

Sociedade Maranhense de Direitos Humanos – SMDH. Entrevista realizada em 6 dez.

2013).

Page 130: Tese Elio Pantoja Para o Trabalho de Sociologia Do Desenvolvimento

127

As estratégias do “jogo” político, entretanto, se desenvolveram não somente por

parte do movimento de resistência. Houve um investimento político por parte dos grupos

interessados na viabilidade da alteração da Lei de Zoneamento e, consequentemente, da

legalização do processo de instalação do polo siderúrgico. Vejamos o que diz Alberto

Cantanhede, liderança do Taim e membro do Reage São Luís:

As audiências públicas, elas não colocavam os documentos com tempo, nem local

acessível. Então, era sempre em local fechado que você não pode nem tirar de lá para

fazer uma cópia. Então, a gente tinha que ter estratégia de pegar esses documentos, a

gente tinha a Irmã Anne que ajudou bastante nisso na busca de documentos, que ela

tinha um certo acesso por causa da Comissão de Justiça e Paz. E Jackson Lago, no

período dele, conheceu a irmã e tem certo respeito. Ela conseguia os documentos para

a gente, Zagallo conseguia na internet o que era disponibilizado [...]. (Alberto

Cantanhede, Liderança comunitária do Taim e membro do Reage São Luís. Entrevista

realizada em 11 jan. 2012).

A retomada do projeto do polo siderúrgico de São Luís, em 2002, pelo Governo do

Maranhão e pela Companhia Vale, entretanto, ocorreu dentro de um novo cenário político no

qual a população é inserida formalmente nas decisões políticas, muito embora os militantes do

Reage levantassem dúvidas quanto à imparcialidade dos processos de decisão nas audiências.

Estratégias políticas eram necessárias.

As mobilizações, se não tivessem acontecido? As Audiências, são para cumprir tabela,

durante as Audiências a própria Prefeitura articulava ônibus de várias comunidades

também na região porque houve uma divisão social na própria comunidade, tinha a

turma que reagia contrária à instalação; tinha turma que plantava, que colhia, que vivia

dali, que morava ali, e tinha a turma cooptada pelo capitalismo. Isso é um fato e

acontece e não é privilégio do Maranhão, há um processo de cooptação muito grande

sobre as lideranças, algumas ditas lideranças, e nesse processo havia as comunidades

cooptadas pelo governo do Estado, pela Prefeitura e que faziam um discurso favorável

à instalação do polo, e isso foi uma coisa que dificultou bastante, porque nas

audiências públicas o enfrentamento não era somente com o poder público, mas era

também com as comunidades cooptadas pelo capitalismo por essa promessa de

emprego, por essa promessa de que as pessoas seriam remanejadas que queriam uma

vida melhor. Então de fato, isso foi um enfrentamento muito difícil, e aí com todo esse

processo, com esse calendário que foi se esticando mais e a gente inventava novas

coisas, a gente inventava um novo parágrafo, e isso foi se alongando e claro, não

podiam se instalar. (Creuzamar Pinho, coordenadora da União Nacional por Moradia

Popular. Entrevista realizada em 23 dez. 2012).

Nos arquivos digitais do Reage São Luís, encontrei um documento em formato de

exposição (Power Point) do qual constavam 24 slides, intitulado: Avaliação do Processo de

Implantação do Polo Siderúrgico em São Luís e elaborado pelo advogado Guilherme Zagallo,

coordenador do Reage São Luís. O documento apresenta inicialmente a composição do

Movimento Reage São Luís com 43 entidades e dados sobre os seguintes aspectos: a “Crise

Ambiental Global”, descrição e localização do polo siderúrgico, o “Cronograma de Ações

Estatais” e o “Cronograma de Resistência, Descrição do Processo Siderúrgico, Impactos

Ambientais, Impactos Sociais”, dados comparativos sobre “Emissão de Poluentes” na

Page 131: Tese Elio Pantoja Para o Trabalho de Sociologia Do Desenvolvimento

128

atmosfera e os efeitos sobre à saúde pública, em destaque, a relação entre a produção siderúrgica

e as estatísticas sobre casos de câncer, a exemplo da cidade de Vitória (ES) e Cubatão (SP).

Sobre a descrição e argumentos destes aspectos tratarei mais adiante no subcapítulo “campo

científico”.

Dois slides deste arquivo são importantes neste “campo político” e apresento abaixo

em formato de quadros. No primeiro, com conteúdo apresentado no Quadro 8, organizei as

informações que sintetizam as principais ações governamentais tendo em vista a viabilização

do polo siderúrgico. O segundo, com conteúdo apresentado no Quadro 9, diz respeito à agenda

de ações coletivas do Reage São Luís.

Quadro 8 – Cronograma de Ações Estatais

DATA ATIVIDADE

17/07/2002 Protocolo de Intenções CVRD/Estado do Maranhão (concessão de 1.000

hectares p 1ª usina )

30/08/2004 Criação Sub-Distrito Siderúrgico

29/09/2004 Declaração Utilidade Pública Sub-Distrito Siderúrgico

10/12/2004 Remessa e retirada Projeto de Lei para alteração uso do solo

26/04/2005 Criação GEIP – Grupo Executivo de Implantação do Polo (Decreto nº

21.190)

07 e 28/03/2005 Audiências Públicas Poder Executivo

29/04/2005 Remessa Projeto de Lei Executivo para alteração uso do solo à Câmara de

Vereadores

23/06 a 01/09/2005 Audiências Públicas Poder Legislativo

02/09/2005 em diante Tramitação PL nº 063/65 na Câmara de Vereadores

Ago a nov/2004 CVRD realiza levantamento propriedades e estudos de impacto urbanísticos

e socioambientais

Fonte: Arquivos Digitais do Movimento Reage São Luís.

Vale ressaltar que a instalação do polo siderúrgico no Maranhão é um projeto que

vinha sendo cogitado desde 1987 quando foi criada a Usina Siderúrgica do Maranhão

(USIMAR), e que funcionou até 1999, ano em que foi desativada. Em 1999 surgiu a segunda

Usimar, empresa privada com a Razão Social USIMAR – Componentes Automotivos LTDA.

Esta empresa previa a instalação conjunta de uma usina siderúrgica, mas as obras foram

paralisadas. Conforme o Governo do Maranhão por meio de um documento elaborado pelo

Grupo Técnico Executivo de Coordenação Geral do Polo Sider – GEP, intitulado Agenda

Operacional do Polosider (Governo do Maranhão, 2004):

[...] A primeira Usimar funcionou durante 12 anos, até 28 de dezembro de 1998,

quando foi extinta no bojo da lei da reforma administrativa do governo estadual. No

período de 1987-1998, foram feitos inúmeros contatos e discutidas dezenas de

propostas de implantação de diversos projetos siderúrgicos com empresas italianas,

chinesas, soviéticas, colombianas, japonesas, entre outras. Embora tenham sido

Page 132: Tese Elio Pantoja Para o Trabalho de Sociologia Do Desenvolvimento

129

assinados vários Protocolos de Intenções, e aportados recursos da SIDEBRAS para os

projetos de engenharia [elaborados pela Cobrapi e Italimpianti; 1988-90]. A 1ª

USIMAR foi fechada e liquidada administrativamente [em fevereiro de 1999] sem ter

tido os meios de promover a implantação da siderurgia do aço no Maranhão [...] Em

meados de 1999 é criada com apoio institucional do governo estadual a segunda

USIMAR [...] que previa a implantação conjunta de uma usina siderúrgica e uma

fábrica de blocos de motores, ao custo de US$ 1,3 bilhões. A Construção da USIMAR

privada é iniciada em 2000, mas as obras foram paralisadas logo depois, após

investimentos da ordem de R $ 44 milhões, em função da extinção da SUDAM.

Nesse sentido, é importante compreender a forma pela qual os atores locais

interferiram no processo decisório, considerando o “Cronograma de Resistência” como o

denominaram os coordenadores do movimento.

Quadro 9 – Cronograma de Resistência

DATA ATIVIDADE

28/10/2004 Seminário Instituto do Homem

Dez/2004 Criação Movimento Reage São Luís

Fev/2005 a out/2005 Realização de Oficinas (42) e Reuniões (50) com a participação de 13.000 pessoas

04/04/2005 Audiência Movimento Reage São Luís com Governador do MA

28/04/2005 Painel Câmara de Vereadores

24/05/2005 Audiência Pública - Assembleia Legislativa

24 a 26/08/2005 Missão dos Relatores Nacionais em Direitos Humanos (Plataforma DhESCA)

07/09/2005 Grito dos Excluídos (com forte repressão policial)

23/09/2005 Apresentação do relatório preliminar da Missão Relatores Nacionais

Fonte: Arquivos Digitais do Movimento Reage São Luís.

4.1.1.1 “Vaias e protestos marcaram a reunião para tratar da Lei de Zoneamento, Uso e

Ocupação do Solo da Zona Rural”: a Audiência Pública de 13 de dezembro de 200462

Audiências Públicas são espaços públicos, mas também, instrumentos por meio dos

quais os governos procuram buscar mecanismos de legitimidades de suas ações. Em grande

medida restringem a participação qualitativa dos interessados nas decisões que são tomadas

nestes espaços, em função de seus formalismos e o modo como são efetivamente organizadas.

No caso das Audiências para tratar da alteração do zoneamento da cidade de São Luís, este

espaço foi não somente objeto de questionamento quanto à sua forma de condução do processo

decisório, mas também foi questionado o próprio objeto de discussão, ou seja, a conversão de

áreas rurais em áreas industriais. O objetivo central era alterar a Lei de Zoneamento, tal como

procuro descrever e analisar mais adiante. Entretanto, importante dizer que este espaço, no final

das contas acabou sendo importante para o Reage São Luís no sentido de aglutinar e canalizar

62 “Vaias e protestos marcaram a reunião para tratar da Lei de Zoneamento, Uso e Ocupação do Solo da Zona

Rural” (Jornal O Estado do Maranhão, Geral, 7, São Luís, 14 dez. 2004, p. 7).

Page 133: Tese Elio Pantoja Para o Trabalho de Sociologia Do Desenvolvimento

130

energias políticas para contestar o polo siderúrgico; produzindo, portanto, um efeito contrário

desta restrição.

A Audiência realizada em 13 de dezembro de 2004 é bastante emblemática quanto

a esse aspecto pela intervenção dos movimentos de resistência à proposta de alteração da Lei

de Zoneamento pela Prefeitura de São Luís. Como procurei mostrar anteriormente, o debate

sobre o zoneamento de São Luís, estava na agenda dos movimentos sociais desde o início de

2000, quando se mobilizaram pela aprovação e posse do Conselho da Cidade. A alteração da

Lei de Zoneamento, conforme o Estatuto da Cidade, não poderia ser realizada, sem a revisão

do Plano Diretor. Nesse sentido, os movimentos identificaram nas audiências públicas que a

intenção do poder executivo era instrumentalizar este espaço tornando consensual o pedido de

alteração da Lei, para atender à demanda do polo siderúrgico. Os movimentos, entretanto,

interferiram no debate associando a ação da Prefeitura a uma tentativa de dissimular o seu real

objetivo que seria converter parte da Zona Rural II em Área Industrial.

A Prefeitura de São Luís publicou, em 2 de dezembro de 2004, o Edital de

Convocação da audiência Pública na Igreja de São Joaquim do Bacanga na Vila Maranhão, uma

das áreas cuja população residente seria diretamente afetada pelo polo siderúrgico. A Prefeitura

de São Luís, objetivamente visava criar condições políticas e institucionais convocando a

população e em especial os moradores da Zona Rural para “informar e esclarecer a opinião

pública sobre as condições gerais do processo de revisão da Legislação Urbanística, bem como,

dirimir dúvidas, colher subsídios, sugestões e contribuições de forma ampla, da população, de

entidades de classe e da sociedade civil organizada [...]” (Prefeitura de São Luís, 2004).

Oficialmente, em seus aspectos técnicos, a audiência objetivava diretamente tratar da proposta

de alteração da Lei de Zoneamento, parcelamento, Uso e Ocupação do Solo Urbano de São

Luís (Lei 3.253, de 29.12.1992). Veja-se que o objetivo específico desta audiência era “a

redefinição dos limites de parte da Zona Residencial 10 (ZR10), Zona Rural Rio dos Cachorros,

e a criação da Zona Industrial 4 (Polo Siderúrgico)” (Prefeitura de São Luís, 2004), atendendo

ao pedido do Governo do Estado para instalar o Subdistrito Industrial Siderúrgico de São Luís.

Tal objetivo foi o mesmo durante as treze audiências que ocorreram posteriormente (ver item

4.1.3)

A matéria publicada no Jornal O Estado do Maranhão em 14 de dezembro de 2004

destacou a Audiência Pública de 13 de dezembro de 2004 na Igreja de São Joaquim na Vila

Maranhão coordenada pela Prefeitura e enfatizou também que a sociedade civil organizada foi

representada naquela ocasião por 30 instituições sendo representadas pelo Movimento Reage

São Luís. Os manifestantes encaminharam requerimento à Mesa Diretora exigindo o

Page 134: Tese Elio Pantoja Para o Trabalho de Sociologia Do Desenvolvimento

131

cancelamento da Audiência, pedido que foi acatado sob forte pressão das organizações. Este

Jornal destacou as seguintes razões para o pedido de cancelamento:

a) a inexistência do Estudo de Impacto de Vizinhança, informados pelos artigos 36º

e 37º do Estatuto da Cidade;

b) a restrita divulgação da data, local e horário da audiência, que havia sido

divulgada apenas em um veículo de comunicação, comprometendo o caráter da

publicidade da audiência para que os cidadãos da cidade interessados pudessem

participar e não somente os moradores da ADA.

c) o local escolhido para a audiência foi inadequado, pois, a Igreja estava lotada e

havia 400 pessoas na área externa sem poder participar do debate;

d) o Edital apresentado pela prefeitura não apresentava a justificativa técnica da

alteração da Lei de Zoneamento. (Retomo estes aspectos no item 4.1.3).

Figura 2 – Protesto pela anulação da Audiência Pública em dezembro de 2004 no povoado

Vila Maranhão

Fonte: Reprodução/Jornal O Estado do Maranhão (2004)b.

Ainda, conforme registrado pelo “Jornal O Estado do Maranhão” (14 de dezembro

de 2004), nesta audiência houve a intervenção do Pároco da Igreja de São Joaquim, Padre

Page 135: Tese Elio Pantoja Para o Trabalho de Sociologia Do Desenvolvimento

132

Luzimar. Este, temendo a depredação do prédio da Igreja, pediu ao Secretário Municipal de

Terras, Urbanismo e Fiscalização que a audiência fosse cancelada. A pressão do movimento

social e, sobretudo, dos moradores dos povoados diretamente afetados, que se manifestaram

com faixas e pedidos de cancelamento da audiência (além do pedido do padre e de autoridades

presentes, entre elas, o Promotor de Proteção ao Meio Ambiente, Urbanismo e Patrimônio

Cultural de São Luís Fernando Barreto e do Advogado Guilherme Zagallo, membro do Reage

São Luís), levou à decisão da Mesa Diretora de cancelar a Audiência Pública.

O quadro teórico evocado a partir dos componentes da ação coletiva (TILLY,

(1978) permite explorar inúmeras formas de ação organizadas pelo Reage São Luís. A pressão

exercida pelo movimento não foi uma decisão tomada sem um processo de mobilização

anterior. Como procurei mostrar, há um cronograma, uma agenda de mobilizações: reuniões e

oficinas envolvendo discussões e planejamento estratégico e público alvo de mobilização.

Quanto ao espaço público, este formalmente instituído no formato de Audiência,

contando com uma Mesa Diretora definida pela Prefeitura de São Luís, com inscrições e tempo

de falas cronometrado, além de outros procedimentos formais, entretanto, gerou um processo

contrário a esse caráter restritivo. Em grande medida como veremos adiante no item 4.1.3, este

espaço acabou sendo convertido estrategicamente pelo Movimento Reage São Luís como um

espaço aglutinador de diferentes forças políticas convergentes de reação à instalação de um

polo siderúrgico em São Luís. O exemplo da reação ao modo como foi planejada a Audiência

de 13 de dezembro, refletiu desde o início como o Reage São Luís iria atuar ao longo das demais

audiências. A busca por aliados que pudessem dar visibilidade à situação dos povoados

atingidos e à construção da crítica aos impactos socioambientais que seriam produzidos pela

siderúrgica, na cidade de São Luís como um todo.

Outras estratégias de visibilidade e de contínua busca pela “dessingularização”

pode ser também ilustrada na demanda do Reage São Luís em 2005 pela visita dos Relatores

da Plataforma DhESCA (Plataforma Brasileira de Direitos Humanos, Econômicos, Sociais,

Culturais e Ambientais) em São Luís que relataram o seguinte:

[...] a missão foi realizada a pedido do Fórum Reage São Luís, que congrega várias

entidades da sociedade civil maranhense e representantes das comunidades contrárias

ao empreendimento. Inicialmente, a missão teria um caráter preventivo, mas as visitas

in loco permitiram constatar que já estão ocorrendo graves violações dos direitos

humanos dos moradores das onze comunidades que seriam diretamente afetadas pela

implantação do Polo Siderúrgico de São Luís. Durante a missão, as Relatorias tiveram

a oportunidade de visitar algumas comunidades diretamente ameaçadas de remoção

(Cajueiro, Vila Maranhão, Rio dos Cachorros e Taim), de manter contatos com

autoridades e entidades representativas da sociedade civil maranhense e de dialogar

diretamente com os representantes das demais comunidades que serão afetadas, direta

ou indiretamente, pela construção do Polo Siderúrgico (Porto Grande, Limoeiro, São

Aurélio
Highlight
Aurélio
Highlight
Aurélio
Highlight
Page 136: Tese Elio Pantoja Para o Trabalho de Sociologia Do Desenvolvimento

133

Benedito, Vila Conceição, Anandiba, Parna-Açu, Camboa dos Frades e Madureira).

Nessas visitas, as Relatorias foram acompanhadas por representantes de diferentes

entidades que compõem o Fórum Reage São Luís. A missão foi concluída com uma

audiência pública convocada pelas Relatorias em parceria com o Ministério Público

Estadual, realizada no auditório da sede do Ministério Público do Estado do

Maranhão. A audiência contou com a presença de cerca de 300 pessoas, entre elas

representantes das onze comunidades interessadas, representantes de entidades da

sociedade civil local e de autoridades municipais, estaduais e federais. Durante a

audiência foi apresentada, por entidades, comunidades e autoridades, uma série de

documentos relevante às denúncias. (DHESCA, 2006, p. 19).

Em síntese, os relatores observaram as seguintes situações: intimidação de

moradores; cadastramento ilegal das famílias sem o procedimento de autorização; imposição

de restrições arbitrárias sobre o direito dos moradores quanto ao uso pleno de seus direitos de

propriedade; ameaças à população de expulsão sair de seus locais de moradia; deficiência no

acesso da população às informações sobre o processo de implementação da siderurgia. Ao

considerarem como situação de violação dos direitos humanos, foram feitas recomendações ao

poder público municipal e, também, o caso foi levado à Casa Civil da Presidência da República,

por meio de uma reunião em dezembro de 2005 em Brasília que contou com a participação de

representantes do Governo Federal e de representantes dos movimentos sociais. Em função da

pressão exercida pelos movimentos sociais e pelos relatores da Plataforma DhESCA, os

representantes do governo se comprometeram a consultar a Ministra-Chefe da Casa Civil da

Presidência da República, na ocasião, Dilma Roussef, assim como os ministérios envolvidos

(DHESCA, 2006).

Na sequência da mobilização política contra o polo siderúrgico temos:

a) um processo de mobilização política (“dessingularização”) iniciado pelos

povoados Taim e Rio dos Cachorros, buscando apoio de lideranças de demais

povoados, na mesma situação de ameaça de deslocamento;

b) a mobilização transcendeu o âmbito local, na medida em que, ganhou força de

atores singulares, porém, com maior poder de influência no “campo”

sociopolítico (Quadro 4);

c) o acesso aos atores coletivos produziu um movimento de reação mais amplo,

uma “mobilização política” envolvendo uma grande variedade de organizações

que aderiu ao movimento (Quadro 5).

A seguir procuro apresentar os argumentos científicos acionados pelo Reage São

Luís.

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Page 137: Tese Elio Pantoja Para o Trabalho de Sociologia Do Desenvolvimento

134

4.1.2 O “Campo” Científico: argumentos técnico-científicos na disputa política envolvendo a

instalação do polo siderúrgico de São Luís.

O “campo científico”, segundo a teorização de Bourdieu (1997, p. 16), “[...] est um

champ de forces et um champ de luttes pour conserver ou transformer ce champ de forces”.

Cumpre dizer que Bourdieu recorrentemente em sua teoria do campo utiliza o termo “agente”

referindo aos indivíduos em processo de interação e disputas nos diferentes campos em que se

situam. Para Bourdieu (1997) na análise do “campo científico” e o “capital científico”, com o

qual os “agentes” operam, alguns fatores devem ser considerados. A distribuição deste capital

e o seu acúmulo, o seu reconhecimento, sua legitimidade e o processo de institucionalização

dessa forma de capital que se converte em um “habitus” de indivíduos e de grupos. Neste quadro

interpretativo procuro situar o debate sobre o polo siderúrgico tomando por base o “campo

científico” e suas formas específicas de capital nas ações institucionais de decisão no âmbito da

questão ambiental.

A literatura sociológica contemporânea tem mostrado que na atualidade a ciência,

tem sido um instrumento importante nos processos de decisão político-administrativos

concernentes ao campo ambiental. Alguns autores, por meio de abordagens distintas têm

chamado atenção para esta temática. Giddens (1991, p. 35) em “As consequências da

modernidade” fala de “sistema peritos”, referindo-se aos “sistemas de excelência técnica ou

competência profissional que organizam grandes áreas dos ambientes material e social em que

vivemos hoje”, desde a consolidação da moderna sociedade, quando os indivíduos passaram a

incorporar a noção de “risco” em suas atividades rotineiras. Beck (1998) em “La sociedad del

riesgo”, assinala que na modernidade avançada, a produção social da riqueza é

sistematicamente acompanhada da produção de riscos e, com estes, a institucionalização da

promessa da segurança por meio da “gestão” política e científica de seus “efeitos secundários”.

No processo de modernização e de sobredesenvolvimento das forças produtivas em escala

global, ficam liberadas as forças destrutivas que trazem, entre outras consequências, a “crise

ecológica” que afeta globalmente os indivíduos (BECK, 1998, p. 26).63

63 A noção de “risco” desenvolvida por Giddens, tanto na obra “As consequências da modernidade” (1991), e

principalmente, na obra “Para além da esquerda e da direita” (1996) foi objeto de críticas por autores brasileiros

e, especificamente por pesquisadores ligados aos movimentos socioambientais (ver ACSELRAD; MELLO;

BEZERRA, 2009). O argumento central é de que na noção de “risco” associada aos problemas ambientais não há

distinção social no processo de distribuição dos prejuízos ambientais em escala global. Ou seja, refuta-se a ideia

de que os problemas ambientais atingem à todas as nações, sociedades, regiões, indivíduos, grupos étnicos e classes

na mesma proporção. A ideia de “crise ecológica”, por exemplo, nesta perspectiva, é uma representação dominante

do mundo e nas ciências humanas uma noção “socialmente indiferenciada” (GIDDENS, 1996), a partir da qual,

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135

Noções como “poluição”, “risco” e “perigo”, entretanto, segundo Lopes (2004, p.

228) são categorias percebidas enquanto processos sociais, ou seja, são categorias construídas

social e culturalmente dentro de cada realidade local e apresentam variações segundo as

ocupações (pescadores, camponeses, operários industriais), gênero (homens e mulheres) e,

também, segundo as posições dos indivíduos. Como comentei na Introdução da tese, Lopes

(2004) sugere a análise desse processo social como dimensões ou momentos que seriam a

“naturalização” (a poluição é percebida como inerente à funcionalidade do sistema), a

“desnaturalização”, quando “estranham” os riscos e perigos de contaminação e, por fim, quando

os afetados “reelaboram” a visão funcional e passam a exigir acordos e parcerias com os

poluidores.

Nesta perspectiva Lopes (2004, p. 230) reconhece o “caráter polissêmico” no uso

do termo “meio ambiente”, evitando dessa forma, “o reconhecimento da existência de uma

questão ambiental a priori”. Tal compreensão apontada torna-se aqui relevante pelo fato de que

o “meio ambiente” enquanto uma construção ou um processo social, uma vez incorporado no

discurso dos atores sociais, recoloca preocupações ou “velhas” questões e práticas antes não

problematizadas. Vejamos o trecho do relato de Alberto Cantanhede liderança do povoado do

Taim, Zona Rural de São Luís:

[...] Eu tive oportunidade de estar em vários espaços, aonde se discutiam os Grandes

Projetos na Amazônia, e aí estavam incluídos a produção de alumínio, a cadeia de

alumínio, a cadeia do aço. Então estávamos discutindo não mais a redução do peixe

[...] mas as consequências, as razões disso, a raiz do problema. As comunidades

décadas passadas, anos 40, 50, tiveram uma participação muito ativa no

deflorestamento do mangue, era para suprir o combustível das fábricas de São Luís.

E era tanto a lenha quanto a casca do mangue que deu um impacto negativo no mangue

ao entorno da ilha de São Luís. E isso, nós vamos resgatar já aqui nesse período de

2000, de 1999 pra frente. Quando se chega nesses grandes projetos, nós percebemos

que as comunidades não viviam mais disso, [porém], o produto continuava

diminuindo, o peixe, as terras continuavam fracas e produzindo menos [...] Nós

começamos a atribuir a partir de alguns eventos, por exemplo, quando a Alcoa fez seu

primeiro lago [lago para tratamento de resíduos] [...] os primeiros foram feitos aqui

dentro da planta, então, estão na cabeceira de dois igarapés grandes, que é o igarapé

do Andiroba e o igarapé do Ribeira [...] sofreram um impacto enorme, nos anos 87, já

para início dos 90 [...] percebíamos a coloração da água do rio mudar, e não

conseguíamos atribuir isso a nada [...]64.

incute-se nas mentes e corações que todos os seres humanos sofrem potencialmente na mesma proporção a

ecotoxidade e o “efeito estufa”, por exemplo. Acselrad, Mello e Bezerra (2009), no bojo dessa crítica enfatizam

que é sobre os mais pobres e os grupos étnicos desprovidos de poder que recaí os riscos ambientais socialmente

induzidos, seja nos processos de extração dos recursos naturais, seja na disposição de resíduos no ambiente. Para

estes autores, a ideia de que a “crise ecológica” atinge a todos indistintamente, encontra suas bases no conceito de

“modernização ecológica” que procura conciliar o crescimento econômico com discursos de sustentabilidade

ambiental e está amparada nos pressupostos teóricos neoliberais que ganharam força política nos anos de 1990. 64 Entrevista com Alberto Cantanhede, realizada por Ana Carolina P. Miranda, Maiâna Roque e Rafael B. Gaspar.

Esta entrevista foi publicada no Livro “Eco dos Conflitos Socioambientais: a Resex do Tauá Mirim” (Orgs.

Horácio Antunes de Sant`Ana Júnior, Madian Pereira, Elio de J. P Alves, Carla R. Pereira, 2009).

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Desde o início desta tese venho argumentando que este é um caso em que está

colocada a formulação pública de um problema (LENOIR, 1996). Na problematização do “meio

ambiente” enquanto questão social, de fato, as circunstâncias sob as quais o problema ocorre, é

um ponto de partida para o enfrentamento da situação. Entretanto, é importante mencionar o

papel dos agentes de intermediação na sua constituição, tais como (órgãos e agentes estatais,

ONGs, Igrejas, parlamentares, partidos, pesquisadores, etc,), que em grande medida colaboram

decisivamente para despertar o interesse coletivo, impulsionam a percepção do problema e

ajudam na formulação pública do “meio ambiente”. Sob certas circunstâncias, são os moradores

vizinhos de indústrias que percebem de imediato os efeitos da poluição: sensações de

incômodos, doenças, etc, identificados como consequências da poluição industrial. Entretanto,

como chama atenção Lopes (2004) não se deve interpretar esses “momentos” como uma lógica

progressiva ou etapas sucessivas, como também, nem sempre o sofrimento das pessoas como

resultado dos efeitos da poluição é uma condição para despertar o interesse público. Categorias

tais como “poluição”, “risco’ e “perigo”, também são construções teóricas formuladas por

agentes que fazem a mediação. É também resultado de diálogos e de trocas de experiências

entre estes agentes e os grupos sociais que, na condição de afetados pelos efeitos da poluição,

também constroem alianças com especialistas engajados em movimentos sociais.

Dentro deste quadro teórico, insiro o papel político dos cientistas no debate e na

disputa política em torno do processo de instalação do projeto do polo siderúrgico em São Luís.

Procuro mostrar adiante que tal inserção ocorreu tanto por parte do movimento de resistência

ao polo quanto por parte do governo e da Companhia Vale:

Sobre o papel do perito na atualidade, Jerónimo (2006, p.1143), diz o seguinte:

[...] Não sendo uma posição recente ou exclusiva da sociedade contemporânea — pois

encontram-se muitas vezes referências ao desempenho dos savants como conselheiros

da elite política na Antiguidade clássica —, o papel do perito reorienta-se hoje em

função das encruzilhadas com origem nas áreas industriais, tecnológicas e ambientais.

A introdução de organismos geneticamente modificados na agricultura e na

alimentação, a BSE (ou “doença das vacas loucas”), o tratamento de resíduos

perigosos, as alterações climáticas e os efeitos das dioxinas no ambiente e na saúde

pública são apenas algumas das questões para as quais o conhecimento especializado

dos peritos é convocado.

Esta nova ordem de questões, bem como o caráter inédito de fenômenos que

escapam ao repertório do conhecimento existente e impelem as instâncias político-

administrativas a recorrerem à peritagem científica, sobretudo “animadas pela ideia de que

valor e estatuto social da ciência permitirão fundamentar e legitimar as decisões”. É oportuno

trazer para o contexto deste estudo as considerações de Jerónimo (2006) pelo fato de que, na

experiência de contestação ao polo siderúrgico pelo Movimento Reage São Luís, as ações e os

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Page 140: Tese Elio Pantoja Para o Trabalho de Sociologia Do Desenvolvimento

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discursos se pautaram em grande medida pelos argumentos científicos, ou para usar a teoria do

“campo” de Bourdieu, o movimento contou com argumentos e “agentes” do “campo científico”

ou seja experts engajados na causa socioambiental. Veremos a seguir que se por um lado, o

Governo do Maranhão e a Companhia Vale em 2004 encomendaram os estudos prévios para o

licenciamento ambiental, por outro os membros do Reage São Luís procuraram reunir provas

científicas sobre impactos ambientais na cidade de São Luís. Se instrumentalizou também com

estudos sobre impactos socioambientais em outras cidades onde existem siderúrgicas. De modo

que mediante um conjunto de estudos sobre impactos de siderurgias referentes à saúde pública

e ao ambiente, eles contestaram a versão dos estudos encomendados pelo Governo do Maranhão

e pela Companhia Vale. Neste sentido, chamo atenção, para o fato de que a disputa em torno

da instalação de um polo siderúrgico na ilha do Maranhão, ocorreu também no âmbito do

“campo científico”.

4.1.2.1 Os estudos preliminares do Governo do Maranhão e da Companhia Vale do Rio Doce

Interessa situar as descrições destes estudos no “campo científico” considerando

que os cientistas são inseridos no âmbito da ação institucional e no dinamismo dos processos

decisórios. A “peritagem científica” como diz Jeronimo (2006, p.1144) “é uma atividade de

interface entre o mundo do conhecimento científico e o mundo da decisão”. Perito é, portanto,

“aquele que sabe por experiência” cuja identidade está referida a esse mundo da decisão.

Nesse sentido, o conhecimento científico só adquire valor de peritagem quando é

convocado para clarificar, justificar ou fundamentar, mesmo que parcialmente, uma

decisão. Do mesmo modo, só quando o cientista deixa o laboratório para integrar uma

comissão sobre determinado tema solicitado por decisores65 é que passa a situar-se no

registro da peritagem, e já não propriamente no âmbito da pesquisa científica. A sua

função não é a de fornecer pura e simplesmente um conhecimento, mas um

conhecimento que se destina a esclarecer aqueles que têm a responsabilidade de tomar

decisões. Trata-se de um conhecimento que serve a decisão, embora não constitua a

própria decisão.

O início do processo de licenciamento ambiental para instalação do polo siderúrgico

de São Luís teve por base dois importantes estudos que acredito serem suficientes para ilustrar

as iniciativas do empreendimento. Sendo o primeiro realizado pelo Governo do Maranhão

através da empresa ERM LTDA que elaborou um relatório de 608 páginas, intitulado

“Subsídios para Elaboração do EIA do Subdistrito Industrial Siderúrgico de São Luís, MA”

(MARANHÃO, 2004b). O segundo estudo foi encomendado pela Companhia Vale através da

65 A expressão “decisores” refere-se aos agentes que tomam decisões, ou seja, os tomadores de decisão. O termo

tal como utilizada por Jerônimo (2006) não tem um termo equivalente na língua portuguesa utilizada no Brasil,

por isso decidi manter a forma utilizada pela autora.

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Note
Disputa entre especialistas (campo cientifico)
Page 141: Tese Elio Pantoja Para o Trabalho de Sociologia Do Desenvolvimento

138

Golder Associates Brasil Consultoria e Projetos LTDA, contendo 183 páginas, intitulado

“Diagnóstico do Meio Biótico para o Licenciamento Ambiental da Usina Siderúrgica de Placas

da Companhia Vale do Rio Doce – São Luís, MA – Revisão 1” (CVRD, 2004).

Cabe salientar que o licenciamento de um projeto da magnitude do polo siderúrgico,

é um prolongado e complexo processo de negociação que iniciou com estes estudos

preliminares para subsidiar a elaboração dos Estudos e Relatórios de Impactos Ambientais para

o licenciamento do Sub-distrito Siderúrgico de São Luís e os licenciamentos das três usinas

siderúrgicas que estavam sendo planejadas. Os EIA-RIMAS do Subdistrito Siderúrgico, bem

como do polo siderúrgico não foram concretizados. Portanto, o processo de licenciamento se

limitou a esta fase inicial dos estudos preliminares.

Os objetivos dos estudos prévios eram, no caso do primeiro estudo, subsidiar o

licenciamento ambiental para conversão de uma área de 2.471,71 ha situada na Zona Rural de

São Luís, em área do Subdistrito Industrial Siderúrgico. No estudo elaborado em dezembro de

2004, “Subsídios para Elaboração do EIA do Subdistrito Industrial Siderúrgico de São Luís,

MA” (MARANHÃO, 2004b) consta um diagnóstico ambiental de 608 páginas com minuciosas

informações sobre fauna, flora, recursos hídricos, dados geológicos, e outros aspectos

ambientais mais gerais. Nota-se, entretanto, apenas informações gerais sobre os 12 povoados

afetados, constando sobre estes, um item denominado “[...] aglomerações rurais que aparecem

em decorrência da localização na área delimitada para o estudo de solo na Área Diretamente

Afetada (ADA)” (MARANHÃO, 2004b, p. 438-439). No documento são descritos os seguintes

povoados: Vila Conceição, Cajueiro, Limoeiro, Vila Maranhão, Porto Grande, Taim, Sítio

Madureira, Sítio São Benedito e Rio dos Cachorros. Destaco trechos das descrições de quatro

destes povoados:

Vila Maranhão: é a maior aglomeração na região do empreendimento e também a

mais urbanizada entre as comunidades situadas na área do Subdistrito. Abrange área

de 668,19 ha e faz divisa, entre outros, com os povoados de Limoeiro, Cajueiro e Rio

dos Cachorros, além de margear o mangue com distância de 775,25 metros. Possui

1.604 imóveis, 1.099 famílias e 4.173 habitantes. “A Vila Maranhão é composta

basicamente por dois tipos de ocupação: uma mais regular e outra mais orgânica. Na

parte da ocupação mais regular, entre a BR-135 e a Via Férrea RFFSA, há um

conjunto de casas com projeto de parcelamento, em alvenaria estrutural, revestidas e

em bom estado de conservação. Essa parte, que se originou de uma Vila Operária,

possui vias largas, com a maioria das ruas pavimentadas, água canalizada e uma caixa

d’água que atende ao consumo das famílias residentes. Há eletrificação e a maioria

das casas possui fossas sépticas.” (Diagonal, 2004). Nesse núcleo localiza-se o Centro

de Saúde Yves Pargas, instalado em 1981, tendo ainda uma escola de ensino

fundamental e um cemitério. Embora o uso exclusivo das edificações para fim

residencial seja de 61,8%, constatou-se que os imóveis destinados a alguma atividade

econômica atingem quase 10,0% do universo (147 imóveis) onde funcionam alguns

bares e mercadinhos precários. O número de imóveis vagos e em construção juntos

somam mais de 20,0% do total. Na Vila Maranhão ocorre feira livre nos finais de

Page 142: Tese Elio Pantoja Para o Trabalho de Sociologia Do Desenvolvimento

139

semana. As casas são de alvenaria, em sua maioria, sendo que existem pequenos

núcleos isolados de casas vernaculares [casas construídas com recursos do ambiente

local tais como barro e palha], as construções em alvenaria representam 57,50% do

total de imóveis, mas a construção de taipa também alcança a expressiva incidência

de 40,0% das edificações. Embora apresente melhor infra-estrutura urbana, na Vila

Maranhão 35,30% dos imóveis fazem uso de ligações clandestinas de energia elétrica

“gambiarra”; a água proveniente dos poços profundos da administração pública

atende 57,40%; existe rede de esgoto ligada a 12,0% dos imóveis, sendo a fossa negra

(sintina) o tipo de esgotamento sanitário mais presente (48,8%). A parcela mais

estruturada e populosa da Vila Maranhão está estabelecida na área prevista para

implantação de um cinturão verde. No lado leste da rodovia encontra-se a igreja mais

antiga da região, a Igreja de São Joaquim do Bacanga (Coordenadas: 575560.491E e

9709168.905N) Anexo à igreja existe um cemitério. A outra parte da Vila Maranhão,

localizada na sua maior porção, entre o lado oeste da BR-135 e a Via Férrea de Carajás

(CVRD), predominam as casas feitas em taipa, com características rurais, onde se

pode ver acessos não pavimentados, abastecimento de água através de poços,

pequenas plantações e presença de gambiarras. Nesta região há também um cemitério.

Porto Grande: ocupa uma área de 88,73 ha. A Diagonal estimou cerca de 150

imóveis. Predominam as edificações simples – de taipa e de alvenaria, contando com

infra-estrutura precária. É uma comunidade que já começa a apresentar características

urbanas, embora a sua população ainda sobreviva predominantemente de atividades

agrícolas, da pecuária e do extrativismo. A principal atividade produtiva deste porto

ocorre pela presença da empresa Netuno, de importação e comércio de pescado. Há

ainda um pequeno comércio local, com bares e mercearia, igreja evangélica e um

Jardim de Infância. Na via de acesso a essa comunidade há uma antiga área de

extração de areia, ainda em exploração, consorciada com três ou quatro tanques de

criação de peixes, numa atividade de piscicultura comercial de organização familiar;

Taim: é uma comunidade pequena, localizada próxima ao rio dos Cachorros, parte

dessa comunidade encontra-se fora da ADA, incluída na Área de Estudo Local.

Comunidade de características fortemente rurais, ocupa uma área de 86,01 ha,

predominantemente de casas de construção artesanal vernacular [casas construídas

com recursos locais, tais como barro e palha] com paredes de taipa, coberta de fibras

naturais ou de telha. Nela estima-se cerca de 100 imóveis, 72 famílias e 302

habitantes. A infra-estrutura disponível é precária: estrada carroçável de

aproximadamente 8 km de extensão ligando o povoado à BR-135, em péssimo estado

de conservação; o abastecimento de energia elétrica, feito através de rede trifásica

oficial, atende apenas uma parcela da população e a escola pública da rede municipal

de ensino. Na localidade há um poço profundo;

Rio dos Cachorros: ocupa área de 393,60 ha e possui cerca de 150 domicílios. Este

povoado limita-se com o igarapé rio dos Cachorros, a comunidade Limoeiro e a Vila

Maranhão. Na localidade há rede de energia elétrica e é atendida por linha de ônibus

regular. Predominantemente residencial, as condições das habitações diferem bastante

uma das outras, mas o que prevalece são as edificações de alvenaria, sendo as de taipa

cerca de 25,0% do total de construções. A comunidade é desprovida de estrutura de

saneamento básico. Algumas residências estão associadas a agricultura de

subsistência. Foi identificada uma igreja (de São Miguel), 01 Posto de Saúde, 01 Posto

Telefônico. (Grifo nosso).

O estudo encomendado pela Companhia Vale, “Diagnóstico do Meio Biótico para

o Licenciamento Ambiental da Usina Siderúrgica de Placas da Companhia Vale do Rio Doce”

(CVRD, 2004) foi elaborado em agosto de 2004 e teve como objetivo a caracterização dos

ecossistemas presentes nas áreas de influência do empreendimento. Este diagnóstico se limitou

ao levantamento de dados biológicos visando estabelecer parâmetros bioindicadores da

qualidade ambiental da área.

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Conforme indiquei no Capítulo 2, a área total a ser ocupada pelo empreendimento

seria aproximadamente 4 km por 2,5 km, totalizando 10 km quadrados, entretanto, o raio de

influência das usinas extrapola esta área. Nesse sentido, o diagnóstico apresenta assim 03 áreas

distintas em termos de nível de influência, indo do menor ao maior nível de impacto conforme

a distância (ver Mapa 4):

Mapa 4 – Limites das áreas sob influência das usinas do polo siderúrgico de São

Luís

Fonte: CVRD (2004)

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a) A primeira área, definida como ADA, ou seja, o local propriamente de instalação

das usinas, é limitada ao norte pelo igarapé Buenos Aires, ao sul pelo igarapé

Arapopaí, a leste pela Estrada de Ferro São Luís-Teresina, e a oeste pela Baía de

São Marcos;

b) A segunda área, a Área de Influência Direta (AID), é traçada nos contornos da

ADA, incluindo aqui o “meio aquático”, que no estudo, destaca as “alterações

nos fluxos de energia e matéria que afetam diretamente a biota [...]. A AID, ainda

segundo o diagnóstico “é determinada em função da maior probabilidade de

alteração destes fluxos em função da implementação de um empreendimento

[...]”. Nesta área, o estudo inclui as bacias hidrográficas dos igarapés Arapopaí,

Buenos Aires e do Rio Bacanga. Sobre estes ambientes, o estudo apontou o

seguinte:

[...] Quando se compara a flora registrada na década de 90 com aquela mais recente

referente aos anos de 2003 e 2004, para as áreas de influência consideradas neste

estudo, observa-se acentuada redução no número de espécies, provavelmente devido

a impactos antrópicos provenientes do desmatamento, aterros, assoreamento dos

manguezais. (CVRD, 2004, p. 17).

c) A terceira área, a Área de Influência Indireta (AII), compreende a extensão da

ilha de São Luís (observando-se que esta ilha é uma, entre outras, que compõem

o arquipélago que forma a ilha maior, a Ilha do Maranhão) inserida no centro do

Golfão Maranhense. Nesta área, o relatório enfoca a questão da “agua de

lastro”66 retirada dos navios e despejada na Baía de São Marcos, pois, “[...] Sabe-

se que a água de lastro, proveniente dos navios, está sendo considerada

atualmente como uma das grandes veiculadoras de espécies exóticas e

possivelmente tóxicas”. (CVRD, 2004, p. 11).

Na descrição científica visando o diagnóstico do meio biótico, vale a pena

considerar os trechos abaixo:

[...] o manguezal da região apresenta impactos naturais e de origem humana [...] Dos

impactos das atividades humanas, destacam-se, o corte de árvores e o assoreamento

dos manguezais e cursos d´água decorrente do deslizamento das encostas adjacentes.

66 “Àgua de Lastro” é a água captada nos portos pelos navios após o descarregamento. Quando os navios retornam

a sua origem descarregados, é necessário fazer essa operação, pois, o peso da água visa dar estabilidade aos navios

durante o percurso e facilitar as manobras de navegação. Entretanto, a transferência da água implica também na

transferência de espécies exóticas gerando mudanças nas condições aquáticas da região invadida, levando à

extinção de espécies nativas, transmissão de doenças, proliferação de bactérias. Este tipo de alteração provocado

pela água de lastro também é chamado de “bioinvasão”. (ONG ÁGUA DE LASTRO BRASIL, 2009).

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142

Registra-se, ainda, a ocorrência de películas de óleo proveniente das embarcações que

trafegam pela Baía e pelos canais. (CVRD, 2004, p. 38).

Veja-se que na área de manguezais, aos impactos ambientais constatados não se

atribui a poluição ambiental a um ator social específico, sendo portanto um ator social

generalizado, como sendo resultante das “atividades humanas” e “impactos antrópicos”.

Figura 3 – Associação de Bostrychia, Caloglossa e Catenella crescendo sobre Rizóforos

de Rhizophora Mangle67

Fonte: CVRD (2004)

[...] Além da presença de óleo na área de abrangência do Porto do Itaquí, em

decorrência de acidentes e lavagem porões. Como consequência, os resíduos são

carreados pelas correntezas da Baía de São Marcos, indo aderir aos substratos

disponíveis neste ecossistema (troncos, rizóforos, pneumatóforos das árvores do

mangue) ou dispersar no meio aquático [...] (CVRD, 2004, p. 17)

Entretanto, na medida em que a descrição se volta para as áreas de terra firme ou

“áreas mais altas” habitadas por populações humanas, os atores locais são identificados pelas

formas de utilização social – “roça”, “capoeira”, “campos agrícolas”, “agricultura de

subsistência” – neste caso, a análise leva a conclusão de que estas atividades são as principais

responsáveis pelas alterações do meio biótico.

Nas áreas mais altas, onde as altitudes podem chegar a 50 metros, são comuns os

campos agrícolas, os babaçuais e as capoeiras. Nestas áreas, os estragos causados pelo

aumento do número e intensidade são mais evidentes; em consequência, é menor o

número de espécies e de indivíduos por espécies no estrato arbóreo [...] As capoeiras

nestas faixas de idade confirmam o uso intensivo e continuado da área na implantação

de roças e o curto período de pousio dado ao solo local. O uso intensivo para roças

limita o desenvolvimento dos indivíduos das espécies de sucessão secundária que,

67 Mantive o título da imagem do texto original. Os moradores dos povoados designam estas substâncias como um

“lodo” que aparece nas árvores do manguezal. A essa substância se atribui a contaminação da vegetação do mangue

e da água que por sua vez, contribui para o desaparecimento dos recursos pesqueiros tais como: peixe, camarão,

caranguejo, ostra, entre outros.

Page 146: Tese Elio Pantoja Para o Trabalho de Sociologia Do Desenvolvimento

143

frequentemente, não passam de suas fases iniciais de crescimento, sendo eliminados

pelo desmatamento e pelas queimadas das roças. A presença humana, nas partes mais

altas da área é indicada mais pela presença das roças do que por povoações [...] Nas

áreas onde a capoeira jovem é dominante, não existe o estrato de epífetas, devido ao

acentuado raleamento da vegetação; os cipós também são reduzidos nessas condições.

Nas demais localidades, embora a agricultura de subsistência seja importante como

fator de mudança na vegetação, o crescimento populacional assume também um papel

importante pela instalação humana com suas derivações de uso e ocupação (CVRD,

2004, p. 55)

O que se observa não é o fato de os agentes da pesquisa científica constatarem que

a população local também contribui para o desmatamento, mas de omitir que há outros agentes

que atuam com um potencial de destruição dos ecossistemas muito mais forte e que não são

identificados. A natureza das questões e o contexto em que a peritagem científica é exercida,

ou seja, no quadro de decisões políticas, produzem-se transgressões aos limites da ciência, que

segundo Jerónimo (1996) podem ser caracterizadas por três ordens de questões.

A primeira, é que “[...] os peritos transgridem as fronteiras das suas disciplinas,

dando lugar a um espaço de articulação e síntese pluridisciplinar, porque não dispõem de uma

resposta imediata à questão que lhes é colocada pelos decisores” (JERÓNIMO, 2006, p. 1148).

A segunda é aquela na qual as opiniões expressas pelos peritos tendem a ultrapassar

os parâmetros de objetividade de sua atividade (convicções pessoais, e ideologias institucionais

entram em jogo).

A última indicação assinalada pela autora diz respeito ao fato de que os peritos se

dirigem não somente aos seus pares, mas também às audiências, exigindo que eles desenvolvam

argumentos sensíveis às expectativas e experiências heterogêneas de um público misto. Nessas

condições a peritagem torna-se vulnerável à contestação e conflituosa (JERÓNIMO, 2006).

Evoco esta noção de “transgressão” assinalada no contexto apresentado pela autora no sentido

de reforçar a descrição empírica do processo de instrumentalização do saber científico no caso

do polo siderúrgico.

Sobre a área do igarapé de Parna-Açu, por exemplo, localizado na AID do projeto

do polo siderúrgico, vejamos como os pesquisadores descrevem os fatores socioeconômicos da

comunidade Homônima.

Do ponto de vista socioeconômico, sugere-se que os estoques das espécies do

manguezal de Parna-Açu não suportariam a exploração comercial. Assim, esse

ambiente não deve ser considerado auto-sustentável. Parna-Açu apresenta uma

população rural de periferia urbana, voltada para o cultivo e extrativismo das áreas de

terra firme, com a presença marcante de pessoas que praticam a pesca ou que mantém

algum tipo de relação com o manguezal próximo a elas. [...] Observou-se, na grande

maioria das entrevistas, que a população não tem consciência dos benefícios que o

manguezal pode lhe trazer. As dificuldades de acesso à localidade, tanto pelos meios

de transporte como pela ausência de recursos de educação e saúde, tornam essa

comunidade especialmente necessitada dos trabalhos de educação e recuperação

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Page 147: Tese Elio Pantoja Para o Trabalho de Sociologia Do Desenvolvimento

144

ambiental como um caminho para a melhoria de sua qualidade de vida. [...] Quanto

aos aspectos sociais, pôde-se observar que 52% da população tem como ocupação

principal a pesca, 29% a lavoura, 5% é composta por comerciantes, 5% por

agropecuarista, 5% por soldador e 5% por doméstica. A pesca é, assim, a principal

fonte de renda para a sobrevivência destas famílias, sendo que suas rendas mensais

variam de 0,5 salário mínimo até 3 salários mínimos [...] a relação dos entrevistados

mostra que 48% destes utilizam o manguezal para coletar peixe e camarão, 5%

coletam caranguejo, 9% não utilizam o manguezal, 38% coletam peixe camarão e

madeira. [...] A comunidade de Parna-Açu é, portanto, altamente dependente do

manguezal, fonte principal de seu sustento [...] 69% eliminam os dejetos ao ar livre,

29% possuem fossa e 5% é jogado no manguezal, não havendo nenhum recolhimento

por parte da Prefeitura (CVRD, 2004, p. 83).

Alguns trechos chamam atenção: “[...] o ambiente não deve ser considerado auto-

sustentável”, uma vez que, “a população de Parna-Açú é rural de periferia urbana voltada para

o cultivo e extrativismo das áreas de terra firme [...]” com “presença marcante de pessoas que

praticam a pesca ou que mantém algum tipo de relação com o com o manguezal”. Em termos

quantitativos, 52% da população tem como ocupação principal a pesca, 29% a lavoura. Em

contraposição, afirma-se que “a população não tem consciência dos benefícios que o manguezal

pode lhe trazer”.

A posição do perito, assim como de equipes de cientistas, está referida, portanto, ao

“contexto de sua convocação”, i, é, à decisão política e aos “constrangimentos indexados a essa

finalidade” (JERÓNIMO, 2006, p. 1144). Como ator social, o cientista cumpre um papel

importante na execução de finalidades traçadas antecipadamente, pois, a peritagem em grande

medida se situa nestas condições. Neste contexto trata-se de um meio de justificar decisões

politicamente planejadas, mas que são passíveis de questionamento. É nesta perspectiva que se

situa a contestação ao polo siderúrgico de São Luís.

4.1.2.2 Reage São Luís - argumentos científicos de contestação ao polo siderúrgico.

Como procurei mostrar nos capítulos anteriores, a mobilização política contrária à

instalação do polo siderúrgico iniciou com a interpelação de lideranças dos povoados do Rio

dos Cachorros e do Taim aos funcionários da Diagonal, empresa de consultoria contratada para

fazer o levantamento das famílias em 2004, quando também impediram a demarcação da área

e a marcação das casas com tinta preta. Posteriormente, estas lideranças buscaram aliados

importantes para fortalecer a resistência, produzindo um movimento de reação mais amplo, o

Reage São Luís.

Desde as primeiras mobilizações no início de 2004 que convergiram na formação

do Reage São Luís, um aspecto importante que caracteriza este processo de resistência é a coleta

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Page 148: Tese Elio Pantoja Para o Trabalho de Sociologia Do Desenvolvimento

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e sistematização de dados como recurso discursivo para refutar nas audiências públicas a versão

dos agentes do governo e da Companhia Vale sobre a viabilidade do polo siderúrgico. De

imediato era necessário dar visibilidade aos povoados, pois os estudos do Governo do Maranhão

e da Companhia Vale realizados até então enfatizavam os fatores bióticos. A visibilidade dos

povoados passava pela amostragem numérica e que havia uma população historicamente

estabelecida. Conforme Alberto Cantanhede.

Nós tínhamos que mostrar números porque nos documentos oficiais do Estado, nós

éramos um vazio demográfico, e eles falavam também de ocupações irregulares e

davam até um recorte no tempo, as ocupações eram de 15 anos, ou seja, a gente tinha

invadido a área nos últimos 15 anos, era o documento oficial da Secretaria de

Planejamento. (Entrevista com Alberto Cantanhede realizada em 21 jun. 2014).

Importante descrever esta experiência do Taim, pois demonstra a dinâmica deste

processo quanto à produção da crítica socioambiental inovadora com o levantamento de dados

e com a sistematização e produção de textos informativos e o fluxo de informação entre a

coordenação do movimento e as entidades que o compuseram. Este material era analisado e

transformado em textos que subsidiavam as discussões nas oficinas e reuniões de mobilização

(descrevi estas atividades no item 4.1.1).

A coordenação do Reage organizou uma equipe que se dedicou ao levantamento de

dados sobre impactos ambientais e sociais provocados por siderúrgicas em outras regiões do

Brasil, reunindo também estudos geológicos sobre a área do polo siderúrgico em São Luís, a

partir dos quais foram produzidos textos informativos. Esta equipe contou com a participação

de pesquisadores da área de geologia, de sociologia e de militantes que a partir dos dados

chamaram atenção para os “impactos sociais” e os “riscos ambientais” em decorrência da

instalação do polo siderúrgico.

Sobre os “impactos sociais”, era necessário para o movimento que as lideranças dos

povoados fizessem o que Alberto Cantanhede chamou de “o trabalho de casa”, ou seja, as

lideranças mobilizadas contra o polo siderúrgico se deram conta de que era preciso ter dados

estatístico sobre sua própria realidade, para dar visibilidade à sua história e ao seu modo de

vida. A iniciativa imediata foi a realização de um importante levantamento do número de

moradores de cada povoado situado dentro da área de influência do polo siderúrgico.

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Page 149: Tese Elio Pantoja Para o Trabalho de Sociologia Do Desenvolvimento

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Quadro 10 – Povoados rurais que seriam deslocados para instalação do Polo Siderúrgico de São

Luís-MA (2004)

COMUNIDADES ÁREA POPULAÇÃO

Cajueiro 280 1.000

Vila Maranhão 800 8.000

Povoado Parnuaçú 320 600

Povoado Rio dos Cachorros 470 1.500

Povoado Taim 490 500

Povoado Porto Grande 120 1.200

Povoado Ananandiba 118 300

Collier ND 800

São Benedito ND 300

Madureira ND 80

Camboa dos Frades ND 100

TOTAL 2.598 14.380

Fonte: Levantamento realizado pela Associação de Moradores do Taim (2004)

Este trabalho de levantamento foi coordenado pela Associação de Moradores do

Taim e contou com uma equipe de formada por cinco pessoas. Esta equipe inicialmente fez

levantamento de dados extraídos do mapa da Fundação Nacional de Saúde (Funasa) e, na

medida em que estes dados suscitaram dúvidas, foi necessário realizar um levantamento “in

loco”. No povoado de Parna-Açu, por exemplo, a população registrada pelos dados levantados

da Funasa em 2004 era de 800 pessoas, entretanto, os agentes do governo estadual apresentaram

uma estimativa de que naquela localidade havia mais de mil moradores. No levantamento eles

observaram que esse aumento se deu em função da especulação de terras e que se tratavam de

residências provisórias em áreas que haviam sido ocupadas naquele momento.

No caso do Porto Grande, a equipe verificou uma grande oscilação no número de

moradores em função das atividades de uma cooperativa de pesca, a Cooperativa de Pescadores

Artesanais do Maranhão (COPAMA), que atraiu temporariamente famílias de pescadores para

aquele povoado. No Cajueiro e no Parna-Açu a equipe constatou o aumento de “invasões” em

função da especulação imobiliária devido à possibilidade de instalação do polo siderúrgico. A

oscilação do número de moradores, entretanto, foi verificada em todos os povoados o que exigiu

desta equipe que fizesse uma seleção e contagem apenas das famílias que tinham moradia fixa.

Neste caso, no levantamento foram desconsideradas as residências temporárias.

É importante frisar que este levantamento foi realizado num momento de tensão e

de conflito em diferentes níveis, em função dos interesses em jogo. Conflitos dos moradores

contra a instalação do polo siderúrgico e também conflitos entre os moradores que se dividiam

pelas diferentes opiniões com relação à instalação do polo siderúrgico. O governo estadual

Page 150: Tese Elio Pantoja Para o Trabalho de Sociologia Do Desenvolvimento

147

através de seus órgãos e agentes de intermediação também precipitou os conflitos internos na

medida em que recrutou moradores e lideranças como aliados. Nessa mesma ocasião se tentou

criar novas associações, potencializando os conflitos já existentes na área. Na Vila Maranhão

por exemplo, sendo numericamente o maior povoado com 8.000 moradores, este é dividido em

núcleos de povoamento menores. Nestes núcleos menores também existem associações que

foram politicamente divididas durante as audiências públicas. Como relatou uma liderança da

área:

[...] era o impacto que ia causar nesta área e em toda São Luís, como o governo tinha

mais interesse vinha os representantes do governo dizendo que não tinha esse impacto

grande que os ambientalistas estavam dizendo, que as pessoas iam ter trabalhos, ia

chegar o progresso e ia ter mais trabalho, que moradores da área e também teve aquela

importância das indenizações das pessoas que moravam naquele local, porque o que

aconteceu na comunidade? Quando surgiu a história do polo siderúrgico, todos nós

pensávamos odos nós, que íamos sair da área, isso aí foi a grande preocupação de

comunitários, de lideranças [...] o que mais marcou mesmo foi os ambientalistas

batendo em cima que não era prá deixar, porque todo mundo sofre com um

empreendimento desse [...] o meu filho é técnico em meio ambiente, e ele falou: “mãe

a senhora sabia que a nossa área vai aumentar de temperatura de dois graus a mais de

temperatura? Eu disse: não”. E ele disse: “então fique sabendo, e todo mundo sofre

com isso” [...]. Na Vila Maranhão são mais de 10 associações, aí uns apoiavam outros

não, aí dividiu a comunidade, eu não aceito nunca, nunca vou aceitar, eles disseram

coisas que a gente pensava que ia acontecer , mas na hora, na verdade nunca aconteceu

até hoje [...] você vê que isso aí não é verdade não, essas empresas que estão aí bem

poucas pessoas da comunidade trabalham, trabalham assim de ajudante, até porque

quando chega não tem uma qualificação, nós maranhenses, nós ludovicenses somos

carentes disso. Então, quando eles chegam já trazem seus trabalhadores, na Vila

Maranhão tá cheio de gente diferente, gente de outros estados, gente de Pernambuco,

da Bahia, daqui mesmo eu trabalho pra eles e os daqui que não tem qualificação, você

trabalha de ajudante, ganha um salário mais nada. (Maria do Espírito Santo, líder

comunitária da Vila Maranhão. Entrevista realizada em 7 dez. 2012).

A presença de agentes do Governo do Maranhão e da Companhia Vale,

ambientalistas, as comunidades, suas associações e seus conflitos internos, moradores antigos

e moradores recém-chegados formava este amplo leque de atores sociais em torno do projeto

do polo siderúrgico. É dentro dessa heterogeneidade de situações e de posições com relação ao

projeto do polo que o Reage São Luís busca disputar espaço político. Não raro, dentro dos

povoados havia também movimentos articulados por lideranças para apoiar o projeto do polo

durante as audiências públicas. Estas alianças ocorreram não somente com lideranças

estabelecidas, como também se formaram alianças com aqueles moradores recém-chegados,

identificados pelos membros do Reage São Luís como “invasores” e que estavam

temporariamente na área para fazerem números nas audiências. Esta situação se colocou como

um desafio ao Reage São Luís por meio das lideranças locais para a disputa pela hegemonia

interna. As associações de moradores foram o centro dessa disputa, tanto o caso da Vila

Maranhão como o caso do povoado de Cajueiro ilustram essa situação.

Aurélio
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148

No povoado Cajueiro, o grupo que realizava o levantamento se deparou com o

aumento de moradores temporários, mas que estavam participando das mobilizações em favor

do polo siderúrgico. Além disso, havia cisões internas no âmbito das instituições dos povoados,

a exemplo da divisão política entre católicos e evangélicos. Embora não dispor de dados para

analisar a fundo este conflito de cunho religioso, entretanto, é importante mencionar pela

recorrência nos relatos das lideranças locais de que essa divisão refletiu na opinião das pessoas

durante as reuniões. Relataram também que muitos evangélicos se manifestaram a favor do

deslocamento e defenderam a siderurgia, justificando-se pelos benefícios que o

empreendimento iria trazer em termos de indenizações e de geração de empregos. Tal situação

política narrada pelas lideranças permite ter outras nuances que envolvem os conflitos

deflagrados no interior dos povoados. Vale ressaltar que os dados coletados pela Associação de

Moradores do Taim foram bastante utilizados pelo Reage São Luís no sentido de contestar os

dados populacionais apresentados pelos estudos da Companhia Vale e do Governo do

Maranhão.

A inserção dos pesquisadores experts em questões ambientais e das instituições

ligadas à área ambiental confere um diferencial na sustentação dos argumentos do Reage São

Luís. A produção dos textos embasados em dados científicos teve importância crucial na

produção da crítica à instalação do polo siderúrgico. Como destacou Alberto Cantanhede,

[...] você tinha um grupo de estudiosos por trás das discussões, produzindo

documentos para nós, e nós íamos para a prática, havia um estudo que nos baseamos

nas consequências do polo Siderúrgico de Camaçarí, do Polo Siderúrgico de Volta

Redonda, do Complexo Industrial de São Paulo, e nós começamos a discutir com base

nisso, as formas de enfrentamento.

Quadro 11 – Perfil da formação profissional da coordenação do Reage São Luís em 2004.

NOME FORMAÇÃO PROFISSIONAL

Jose G. Zagallo Advogado – membro da OAB-MA

Edileia Pereira Geóloga – Prof. UFMA, Drª em Geologia

Eduardo Padilha Geólogo – funcionário CAEMA

Gilvanda Nunes Química – Prof. UFMA, Drª Química

Suely Gonçalves Desenho Industrial/ Esp. Gestão de Cidades, CAEMA

José Alcantara Júnior Sociólogo – Prof. UFMA, Dr. Sociologia

Fonte: levantamento documental sobre Reage São Luís

Neste quadro apresento os nomes recorrentes nos documentos, mas há outros

profissionais, como é o caso por exemplo da presença de médicos e de assistentes sociais que

fizeram parte do movimento. Considero também importância das instituições de pesquisa e

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Page 152: Tese Elio Pantoja Para o Trabalho de Sociologia Do Desenvolvimento

149

profissionais às quais uma parte desses profissionais estão ligados a exemplo da UFMA, da

AGEMA e da ABAS-MA e do IMRH inseridas no processo de mobilização (ver o Quadro 5).

Há dois importantes textos elaborados pelas entidades que compuseram o

Movimento Reage São Luís. O primeiro, “Considerações sobre o risco geológico associado à

implantação de um polo siderúrgico em um ambiente insular” foi produzido pela AGEMA e

pelo IMRH (AGEMA; IMRH, 2004). O segundo, “Considerações preliminares sobre a

implantação de um polo siderúrgico na Ilha de São Luís” (ZAGALLO et al, 2004), foi

produzido pela coordenação do Reage São Luís, incluindo os pesquisadores engajados no

movimento. Os dois textos são complementares e foram produzidos no mesmo contexto e

serviram de instrumento de contestação à viabilidade social e ambiental do polo siderúrgico em

São Luís (sobre o perfil dos pesquisadores ver Quadro 11).

Minha intenção aqui, entretanto não é expor todos os fatores apontados nestas

“considerações”, mas mostrar o teor dos argumentos apresentados nos textos que subsidiaram

o conteúdo, a “substância” da contestação, principalmente sobre o impacto ambiental que não

havia sido considerado pelos estudos encomendados pela Companhia Vale e pelo Governo do

Maranhão na AID.

Nos textos produzidos pelo Reage São Luís, os autores apresentam estudos sobre a

dinâmica de “condução hidráulica”, visando dar sustentação à hipótese de que com a instalação

do polo siderúrgico haveria “riscos” ambientais, considerando que a área pleiteada para a

instalação do polo siderúrgico apresenta alta capacidade de infiltração do solo, e que se tratam

de “área de recargas de aquíferos” e há também, as preocupações quanto às emissões de gases

na atmosfera resultante da atividade siderúrgica. Essas “considerações preliminares” sobre a

instalação do polo siderúrgico em São Luís, em grande parte foram elaboradas também a partir

de

[...] informações técnicas prestadas por técnicos da Companhia Vale do Rio Doce

perante o Ministério Público Federal em audiência ocorrida no dia 5 de outubro de

2004, e pela empresa Phorum Consultoria e Pesquisas em Economia Ltda., em

audiência ocorrida na Associação Comercial do Maranhão em 17 de novembro de

2004. (ZAGALLO et al, 2004).

No documento “Considerações sobre o risco geológico associado à implantação de

um polo siderúrgico em ambiente insular” (AGEMA; IMRH, 2004), foram utilizados os dados

climatológicos coletados entre os anos de 1993 e 2002 pelo Departamento de Meteorologia da

Aeronáutica do Aeroporto Mal. Cunha Machado de São Luís. A partir destes foram extraídas

Page 153: Tese Elio Pantoja Para o Trabalho de Sociologia Do Desenvolvimento

150

as informações sobre a direção dos ventos na região em função das “emissões gasosas”68, uma

vez que,

[...] produção de ferro e aço está baseada fundamentalmente em procedimentos

pirometalúrgicos, mediante a redução (retirada do oxigênio de uma combinação

química) do minério de ferro, sendo o principal agente redutor o carbono, tanto que a

classificação da liga ferro-carbono está baseada no teor de carbono, como exemplos,

ferro gusa (1,7 a 6,67 % de teor de carbono) e aço (0,2 a 1,7 % de teor de carbono)

[...] Nesse processo a contaminação do ar é o fator mais relevante, por gerar em grande

quantidade e por conter numerosas emissões de contaminantes gasosos perigosos

(metais pesados, como chumbo, mercúrio e cádmio) e de poeira (material particulado)

(AGEMA; IMRH, 2004, p. 8).

Com relação à água, o texto detalha informações sobre a chamada “água residuária”

que apresenta substancias tóxicas como cianetos, fenóis e amoníaco. Alerta ainda quanto,

[...] a utilização de água no sistema de refrigeração e nos sistemas de depuração de

gases, surgem problemas de contaminação de águas residuais. Nos processos

siderúrgicos também são produzidas escórias (sobras do minério na obtenção do ferro

e aço) que devem ser aproveitadas para outros usos. Estes materiais devem ser

rapidamente reutilizáveis ou armazenados adequadamente, caso contrário podem

gerar acúmulo de poeira e lodo, levando a contaminação do ar, solo e água [...]

(AGEMA; IMRH, 2004, p. 8).

O Quadro comparativo (Quadro 12) entre a Siderúrgica de Tubarão em Vitória (ES)

e a projeção dos impactos do polo siderúrgico de São Luís sintetiza a compreensão do Reage

São Luís quanto ao projeto.

No Brasil, a Siderúrgica de Tubarão em Vitória (ES) instalou-se na década de 70, na

região metropolitana, pertencendo ao mesmo grupo CVRD. Os moradores da cidade

sofrem com a poluição atmosférica e com aumento de doenças respiratórias,

principalmente em crianças e idosos (AGEMA; IMRH, 2004, p. 11).

68 “Emissões gasosas – compreende o monóxido de carbono, óxido de nitrogênio, dióxido de enxofre e compostos

de flúor e em períodos curtos fenol, amoníaco, amina, compostos de cianetos e hidrocarbonetos aromáticos. Estas

substâncias têm odor penetrante e efeitos lacrimejantes, causando danos ao sistema respiratório e às mucosas”

(AGEMA; IMRH, 2004, p. 10).

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151

Quadro 12 – Comparação de impactos sociais e ambientais de projetos siderúrgicos entre

Vitória (ES) e São Luís (MA)

VITÓRIA (ES) SÃO LUÍS (MA)

Localização: estuário do Rio Santa Maria Localização: estuário do Rio Bacanga

Projeto de Desenvolvimento:

Década de 1970 – instalação da indústria siderúrgica

na região metropolitana

Projeto de desenvolvimento:

Década de 1980 – instalação da Alumar;

Em 2000 – instalação da usina de pelotização da

Companhia Vale

Produção de aço:

2003 – 3 milhões ton/ano

2004 – 5 milhões ton/ano

2006 – 7,5 milhões ton/ano

Produção de aço:

2007 – 3,7 milhões ton/ano

2009 – 7 milhões ton/ano

IMPACTOS

Fluxo migratório da população de baixa renda;

Poluição do ar: poeira de carvão e ferro lançada no

ar;

Aumento de doenças respiratórias em crianças e

velhos;

Alto consumo de água – 2000 l/seg – para produção

de 3 milhões ton/ano de placas de aço;

Ocupação desordenada

IMPACTOS

Fluxo migratório da população de baixa renda do

interior do Estado;

Aumento da densidade demográfica atualmente com

1000 hab/km2

Concentra 20% da população maranhense;

Ocupação desordenada de várzeas, encostas. Ex. Bairro

Coroadinho;

Impermeabilização das áreas de recargas de aquífero;

Falta de saneamento básico e poluição dos rios Bacanga,

Anil, Paciência, Tibirí;

Aumento do consumo de água, considerando que a

cidade já sofre com o racionamento nos bairros:

Coroadinho, Vinhais, Cohafuma, Lira, Centro Histórico

e outros.

Fonte: AGEMA; IMRH (2004)

Quanto ao questionamento da viabilidade ambiental, vale salientar que o Reage São

Luís se utilizou da tese de doutoramento em geociência da Professora Edilea Pereira, do

Departamento de Geociências da UFMA69. A inserção desta pesquisa na estrutura de

argumentação do Reage São Luís, como também, a própria autora do estudo como ativista no

debate público e como expert sobre assuntos geológicos dentro do movimento de resistência

contra o polo siderúrgico. Tive oportunidade de entrevistá-la, quando falou que seu objeto de

estudo sofreu influência das discussões em torno do polo siderúrgico, uma vez que o estudo

tratou da “Vulnerabilidade Natural à Contaminação do Solo e Aquífero”. O local onde foram

feitas as amostragens de sua pesquisa, estava inserido na área que seria atingida pelas usinas

siderúrgicas. Com o acirramento das discussões sobre as possibilidades ou a inviabilidade do

projeto, os dados produzidos no trabalho de campo foram incorporados nas argumentações

contra a viabilidade ambiental da siderurgia. Esta autora analisou o “nível de vulnerabilidade

69 Tese de Doutoramento intitulada Avaliação da Vulnerabilidade Natural à Contaminação do Solo e Aquífero do

Reservatório Batatã – São Luís-MA (Universidade Estadual Paulista, Instituto de Geociências e Ciências Exatas.

Rio Claro: SP, 2006).

Page 155: Tese Elio Pantoja Para o Trabalho de Sociologia Do Desenvolvimento

152

de resíduos” (PEREIRA, 2006)70 no Reservatório do Batatã. A inserção deste estudo teve um

duplo papel. Primeiro pela importância para subsidiar na arena argumentativa a contestação ao

polo siderúrgico e também como instrumento de contraposição à versão dos estudos do governo

e da Companhia Vale. Importância também da inserção da própria autora como conhecedora

dos riscos ambientais que seriam gerados pelo polo siderúrgico no solo. O reconhecimento e o

renome da instituição é importante, sendo professora de uma universidade que tem peso político

local, naquela circunstância de disputa por legitimidade no “campo científico” foi fundamental

para agregar força política ao movimento de contestação.

O Reservatório do Batatã, onde a pesquisa foi realizada está situado a 4 km da área

onde estava sendo planejada a instalação da siderurgia, e é localizado dentro da reserva florestal

do Parque Estadual do Bacanga. Este reservatório é uma fonte de distribuição de água potável

para uma população estimada em 200.000 habitantes. Nas proximidades da área pretendida para

a siderurgia também está localizada a Área de Preservação Ambiental do Maracanã (APA),

considerada como “áreas de recarga de aquíferos” com proteção prevista em Lei Estadual (Lei

Estadual nº. 8149, de 5 de junho de 2004, cap. II, art 3º, item VIII) (AGEMA; IMRH, 2004).

Sendo que os lençóis subterrâneos existentes na região são responsáveis pelo

abastecimento de 40% do consumo de água da população de São Luís e o Reage São Luís

enfatizou em seu argumento a preocupação com o abastecimento de água, pois,

As três usinas pretendidas seriam idênticas em tamanho e processo de produção,

demandando, cada uma, área de aproximadamente 700 hectares para implantação.

[...] o consumo de água de cada uma destas usinas seria de 0,7 m³ por segundo,

basicamente devido a perdas na forma de vapor (o consumo de água é muito superior,

mas cerca de 99% da água consumida é reaproveitada).

[...] atualmente a produção total de água potável do Sistema Italuís é de 1,6 m³ por

segundo (captação no Rio Itapecuru, na altura do Município de Bacabeira-MA), sendo

que a demanda de São Luís é de 2,5 m³ por segundo. A demanda excedente à produção

do Sistema Italuís é atendida pelo Sistema autônomo do Batatã e por poços artesianos.

[...] como a demanda total de água do pólo siderúrgico pretendido é de 2,4 m³ (que

são convertidos em vapor), haveria a necessidade de ampliação do Sistema Italuís.

(ZAGALLO et al, 2004, p. 15)

Os riachos Arapopaí, Buenos Aires, Parna-Açú e Pindoba situados nas áreas de

influência do projeto aparecem sob a denominação de “Igarapés” no “Diagnóstico do Meio

Biótico para o Licenciamento Ambiental da Usina Siderúrgica de Placas da Companhia Vale

do Rio Doce” (CVRD, 2004, p. 8) e embora se tenha dada atenção aos fatores bióticos nestes

ecossistemas, os membros do Reage São Luís alegaram que este estudo omitiu informações

importantes quanto à função social que estes ecossistemas desempenham para a população de

70 Entende-se por vulnerabilidade o conjunto de características do aquífero que determina o quanto ele poderá ser

afetado pela ação de determinado poluente (SILVA, 2004 apud PEREIRA, 2006).

Page 156: Tese Elio Pantoja Para o Trabalho de Sociologia Do Desenvolvimento

153

São Luís e que se tratam de áreas protegidas legalmente. Em contraposição, no estudo da

AGEMA e o IMRH (2004, p. 3), estes riachos se constituem em uma área “característica de

recarga de aquíferos”, com proteção prevista em lei (Lei Estadual nº. 8149, de 5 de junho de

2004, cap. II, art. 3°, item VIII). Pelas análises de solo (PEREIRA, 2006), esta área permite

grande infiltração de águas pluviais. Há várias drenagens naturais que se conectam com a sub-

bacia do Rio Bacanga (a leste) e pequenos cursos d´água como dos riachos Arapopai, Buenos

Aires e Pindoba (a oeste), contribuintes da bacia oceânica (AGEMA; IMRAH, 2004). Uma vez

afetados os fluxos de água no subsolo, a população teria um prejuízo ambiental incalculável.

Nessa perspectiva o argumento do Reage São Luís concentrou sobre a necessidade de preservar

essa área devido à sua importância ambiental para todo o município.

A Companhia de Saneamento Ambiental do Maranhão (CAEMA) possui duas

fontes de captação de água para abastecer o município de São Luís: os poços artesianos do

Reservatório do Batatã localizado no Parque Estadual do Bacanga, (situado dentro da AID da

planta siderúrgica), e o rio Itapecurú, através do Sistema Italuís instalado no município de

Bacabeira (MA). Estas duas fontes respondem em média por 60 % do total da demanda do

abastecimento de água no município de São Luís, enquanto que o restante, ou seja, cerca de 40

% da população utiliza poços artesianos. O consumo de água de São Luís em 2004 era de 2,5

metros cúbicos /segundos e a demanda total de água da siderurgia seria de 2,5 metros cúbicos,

ou seja, para atender São Luís e a siderúrgica a ser implantada seria necessário que a CAEMA

ampliasse a capacidade de abastecimento de água do Sistema Italuís, entretanto, em 2004, as

obras de ampliação desse sistema se encontravam suspensas por determinação do Tribunal de

Contas da União e da Justiça por questões de legalidade do contrato e por implicações

ambientais (ZAGALLO et al, 2004).

Ademais, a população do município de São Luís, em 2004, era de 870.028 pessoas,

segundo o Censo Demográfico de 2000 (IBGE, 2000), e correspondia a 20% da população de

todo o Estado do Maranhão em uma área que não chega a 0,5% da área do Estado. Com o

provável fluxo migratório gerado com o polo siderúrgico, a cidade de São Luís não teria

estrutura suficiente para suportar o impacto de um projeto siderúrgico daquela proporção,

segundo apontaram a AGEMA e ABAS (2004).

4.1.3 O Campo Jurídico

Neste item pretendo levantar os aspectos da contestação jurídica pelo Movimento

Reage São Luís. Para isto, retomo o debate que foi suscitado em torno da proposta de alteração

Aurélio
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Page 157: Tese Elio Pantoja Para o Trabalho de Sociologia Do Desenvolvimento

154

da Lei de Zoneamento, Parcelamento, Uso e Ocupação do Solo (Lei Municipal nº. 3.253 de

1992) em 2004. Posteriormente, procuro explorar alguns discursos selecionados das

intervenções ocorridas em Audiências Públicas, enfatizando o conteúdo dos questionamentos.

4.1.3.1 As ações estatais

A proposta de alteração da Lei de Zoneamento, como enfatizei anteriormente, se

constituiu num passo importante das etapas iniciais do processo de negociação da área para

instalação do polo siderúrgico e o debate sobre esta proposta foi antecedido de um longo

período de discussões que remonta os anos de 2003 a 2005, envolvendo questões relativas ao

Plano Diretor de São Luís. Portanto, o debate gerado sobre o pedido de alteração da Lei de

Zoneamento, Parcelamento, Uso e Ocupação do Solo de São Luís em 2004, está diretamente

vinculado ao projeto de instalação do polo siderúrgico e é por este projeto potencializado.

Pela ótica do plano governamental da Prefeitura de São Luís, fazia-se necessária a

reformulação da Lei de Zoneamento, uma vez que, segundo o comunicado do Prefeito de São

Luís à Câmara dos Vereadores, esta Lei “criou uma incompatibilidade com características

próprias da área, quando sua vocação natural é nitidamente industrial”. (Tratei deste aspecto no

subcapítulo 3.1). Esta argumentação em defesa da reformulação buscou se respaldar também

pelo fato de que a área escolhida para a siderurgia é definida como parte do Distrito industrial

de São Luís (DISAL), denominada de Área do Itaqui-Bacanga, segundo Decreto Estadual nº

3.589 de 1974 (SÃO LUÍS, 2004):

[...] Acresce registrar que a ação conjunta da Prefeitura com o Governo do Estado

realizou extenso estudo sócio-econômico sobre as comunidades que, levadas por

pressões sociais as mais diversas, instalaram-se na área ao longo dos últimos

quarenta anos.

[...] entendendo seu papel na busca de medidas legais para viabilizar o

desenvolvimento econômico da cidade, notadamente a promoção e geração de

emprego e renda a seus munícipes a Prefeitura acompanha, junto ao Governo

Estadual, a elaboração de propostas relacionadas à habitação, infra-estrutura e

inclusão social a ser disponibilizada, à população, por ocasião da efetiva instalação de

qualquer empreendimento industrial.

[...] a alteração proposta para uso da área destinada a atividades industriais não

colide com o atual Plano Diretor (Lei Municipal nº 3.253, de 29 de dezembro de

1992), que menciona, em suas Diretrizes Gerais, que a promoção de políticas de

desenvolvimento econômico, é um dos itens pretendidos para a elevação do nível de

emprego e qualidade de vida da população [...] Este é o objetivo da proposta que ora

encaminhamos ao estudo dessa Colenda Casa, visando excluir usos incompatíveis

ou indesejáveis próximos às áreas destinadas ao desenvolvimento industrial do

Estado do Maranhão, além de reduzir conflitos sociais, promovendo a

preservação ambiental da área e seu desenvolvimento econômico. (SÃO LUÍS,

2004, grifo nosso).

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Page 158: Tese Elio Pantoja Para o Trabalho de Sociologia Do Desenvolvimento

155

O Governo do Maranhão em 2001 como um ator político interessado na instalação

do projeto siderúrgico, não somente pressionou a Prefeitura de São Luís para alterar a Lei de

Zoneamento, como também, solicitou à SPU o recebimento das referidas áreas que foram

decretadas como Zona Rural (Decretos Federais nº 66.227/70 e 78.129/76) (MARANHÃO,

2001).

4.1.3.2 Ações do Reage São Luís

A remoção de 14.400 pessoas, de onze comunidades tradicionais na região,

diminuição de emprego no turismo, na Zona Rural, aumento das doenças em

decorrência da Siderurgia e outros impactos ambientais já verificados pelo Governo

do Estado, aumento de custo, isso aqui nós resumimos um relatório elaborado pelo

Dr. Paulo Hadad da FORUM, Consultoria Econômica que informa, aumento de custo

na Construção Civil, ocupação de área de mangue, aumento de palafitas na Ilha,

aumento de invasões, criação de uma área semelhante à baixada Fluminense em torno

de São Luís, possibilidade de invasões nos Casarões do Centro Histórico e

crescimento da população desempregada na nossa cidade. E um paradoxo do

empreendimento que gera emprego, aumenta o desemprego, mas o que os Consultores

nos dizem, é que o volume de pessoas que vai migrar para a nossa cidade vai ser

superior ao volume de pessoas que o empreendimento tem condição, de absorver e

empregar. (Guilherme Zagallo, advogado e militante do Movimento Reage São Luís.

Trecho de sua intervenção em Audiência Pública em 26 jun. 2005)

O Movimento Reage São Luís, como procurei situar anteriormente, é um

movimento alinhado aos chamados “novos movimentos sociais”. No Brasil eles emergem

dentro de um cenário político em que a sociedade civil brasileira lutava pelo processo de

democratização (DOIMO, 1995). Para Gohn (1995) e Alonso, Costa e Maciel (2008), dentre

estes “novos movimentos”, o movimento ambientalista ganhou força política com a aprovação

da Constituição de 1988 quando vários canais institucionais ligados ao meio ambiente foram

criados. Trata-se de um contexto em que se cria uma “estrutura de oportunidades políticas”,

ilustrada por um lado, na formação de um “novo arcabouço jurídico” que instituiu o sistema de

licenciamento ambiental. Em princípio este arcabouço jurídico garante juridicamente uma

maior regulação no âmbito da gestão de impactos sociais e ambientais no setor público e

privado. As autoras acima mencionadas assinalaram também que o contexto favoreceu um

maior diálogo dos movimentos com a esfera governamental na medida em que a sociedade civil

passou a exigir maior participação nos processos decisórios relativos ao meio ambiente.

(ALONSO; COSTA; MACIEL, 2008).

Com relação a este novo arcabouço jurídico, que pode ser exemplificado entre

outros processos, a institucionalização da Política Nacional de Meio Ambiente (Lei 6938 de 31

agosto de 1981) e posteriormente, com a Constituição Federal de 1988 (Art. 225, § 1º, Inciso

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156

IV) que passou a exigir estudos prévios de impactos ambientais para a instalação de

obras/atividades potencialmente causadoras de significativa degradação do meio ambiente.

Conforme informa o site do Ministério do Meio Ambiente:

[...] O atual arcabouço jurídico-institucional do sistema de licenciamento ambiental

brasileiro reproduz as experiências, reflexões e sistematização de mais de duas

décadas consagradas à gestão de impactos ambientais de obras, atividades e projetos,

nos setores público e privado. Sua consolidação, no âmbito das instituições e da

sociedade, mantém-se como processo em construção, atento às transformações e

demandas sociais e ao resguardo do princípio fundamental do meio ambiente

ecologicamente equilibrado como patrimônio público, direito e dever de toda a

coletividade. (BRASIL, 2014).

Entretanto, a despeito deste arcabouço jurídico, é preciso salientar que nos últimos

anos o governo brasileiro por meio de suas metas de desenvolvimento econômico visando

ampliar sua projeção externa tem adotado medidas de flexibilização jurídica no sentido de

atender as expectativas do mercado e de investidores internacionais dentro da lógica do

mercado global. Dessa forma, se por um lado, este arcabouço jurídico-institucional pode

formalmente representar alguma garantia de participação popular nos processos de decisão, por

outro, no caso brasileiro, é o Estado o principal articulador e financiador dos interesses privados

por meio de fortes subsídios e incentivos quem promove o “desmonte” dos instrumentos

jurídicos de regulação; aqueles que foram garantidos constitucionalmente em grande medida

pela pressão exercida dos movimentos e pela sociedade civil como um todo, ainda num período

em que o país vivia sob o controle do regime ditatorial. Sobre este cenário de inserção do Brasil

no mercado internacional nos últimos anos, Garzon, (2010, p. 91) fornece uma análise sobre as

formas como as agências estatais e privadas se conectam no âmbito dos mercados, fazendo com

que os governos adotem medidas que flexibilizam os processos regulatórios. O autor diz o

seguinte:

[...] O empenho do governo brasileiro no G-20 – em sua última versão – para reciclar

a governabilidade da globalização e sua meta de tornar factível a Iniciativa para

Integração da Infraestrutura Regional Sul-Americana (IIRSA), replicando sua lógica

no Programa de Aceleração do Crescimento Econômico (PAC), não deixa nenhuma

margem de dúvida sobre a opção que o país adotou acerca de sua projeção externa. O

BNDS, ao mesmo tempo que se torna o principal esteio das obras do PAC, vem

cumprindo o mesmo papel com relação aos corredores do IIRSA, deslocando o Banco

Interamericano de Desenvolvimento (BID) de sua posição matricial originária. A

IIRSSA, não deve ser vista como um pacote de projetos físicos. Mais do que isso, ela

é uma ferramenta política do imperialismo que se converte em matriz das políticas de

infraestrutura dos Estados nacionais sul-americanos. A IIRSA passa a ser uma

coordenação intergovernamental que referencia acordos político-econômicos, para

aumentar a escala dos atuais corredores de exportação e criar novos. Na Amazônia,

este jogo ainda é mais visível com o desmonte da regulamentação ambiental, com

imposição de restrições às territorializações impeditivas (dos povos indígenas,

quilombolas e ribeirinhos) da territorialização única dos grandes negócios, e com a

regularização da grilagem e do latifúndio e de todas as suas práticas e modos

criminosos.

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Page 160: Tese Elio Pantoja Para o Trabalho de Sociologia Do Desenvolvimento

157

Este panorama descrito por Garzon (2010) nos ajuda a ter uma visão do contexto

político e econômico em que o Reage São Luís foi inserido em 2004. Pela compreensão do

processo de negociação entre as diferentes partes envolvidas no projeto do polo siderúrgico, há

que se notar a gama de atores comerciais globais, a exemplo da Companhia Vale e a siderúrgica

chinesa Baosteel com apoio do governo federal, do Governo do Maranhão e da Prefeitura de

São Luís. O cenário permite também lançar uma visão sobre as formas como os processos

globais interferem diretamente no interesse público no âmbito local. Ou como os processos

políticos e econômicos locais estão conectados aos processos mais amplos cujas decisões dos

atores globalizados e agencias do governo podem ter suas decisões modificadas na medida em

que os atores locais fazem a confrontação.

A mudança da Lei de Zoneamento proposto pela Prefeitura de São Luís que por sua

vez estava sendo pressionada pelo governo estadual para atender a demanda dos investidores

internacionais, certamente se conecta com este cenário de “desmonte” das regulações jurídicas

concretamente vivenciada e enfrentado pelos atores sociais locais sobre os territórios que

ocupam historicamente. O Reage São Luís se defrontou diretamente com a ação da Prefeitura

de São Luís e principalmente com as agências do Governo do Maranhão. Por outro lado, estas

estavam sendo pressionados pela Companhia Vale e seus parceiros internacionais, entre eles a

maior siderúrgica chinesa, a Baosteel Shanghai Group Corporation para tomar as medidas

administrativas quanto à desocupação da área para o início das obras do projeto siderúrgico.

Embora algumas medidas já estivessem sido providenciadas (ver o Quadro 8), estavam

pendentes os Estudos e Relatórios de Impactos Ambientais (EIA-RIMAS) e o Estudo de

Impacto de Vizinhança (EIV). A inexistência destes estudos também se constituiu em objeto de

contestação porque implicava em outros problemas ambientais, como a proximidade da planta

do projeto com áreas de preservação.

É dentro desse “arcabouço jurídico” que em grande medida o Reage São Luís

buscou os fundamentos de sua contestação por meio das intervenções nas audiências públicas.

Em linhas gerais, foram questionados os seguintes aspectos:

a) O local indicado para instalação da planta siderúrgica (ver Mapa 03) está situado

em uma área que é definida legalmente como na Zona Rural (Zona Rural Rio

dos Cachorros), conforme a Lei de Zoneamento, Parcelamento, Uso e Ocupação

do Solo (Lei Municipal nº 3.253 de 1992). Argumentou-se também que esta

definição de Zona Rural, está respaldada pelos Decretos Federais nºs 66.227/70

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Note
A resistencia tem exitos
Page 161: Tese Elio Pantoja Para o Trabalho de Sociologia Do Desenvolvimento

158

e 78.129/76, incorporados posteriormente na Lei de Zoneamento de 1992. Ou

seja, esta área é definida como Zona Rural desde os anos de 1970;

b) Devido ao fato do projeto de Lei para alterar a Lei de Zoneamento estar

associado à instalação do polo siderúrgico, o movimento exigiu o Estudo de

Impacto de Vizinhança - EIV, informados pelos artigos 36 e 37 do Estatuto da

Cidade. Segundo o Estatuto da Cidade (artigos 182 e 183) a alteração da Lei de

Zoneamento exige antecipadamente a revisão do Plano Diretor que, por sua vez,

é legalmente condicionada à participação da sociedade civil por meio de seus

representantes no Conselho da Cidade. Portanto, o pedido de alteração da Lei de

Zoneamento sem a revisão do Plano Diretor e sem a participação do Conselho

da Cidade se constituiu em objeto de contestação jurídica.

c) Outro aspecto recorrente na documentação produzida pelo Reage diz respeito à

proximidade do projeto do polo siderúrgico com áreas de preservação ambiental.

Nas proximidades da planta siderúrgica estão situadas a Área de Preservação

Ambiental do Maracanã – APA, considerada como “área de recarga de

aquíferos” (lençóis subterrâneos) com proteção prevista em Lei Estadual (Lei

8149, de 05.06.2004, cap. II, art 3º, item VIII) e também, a 4 km, da área do

projeto encontra-se a reserva florestal do Parque Estadual do Bacanga, onde se

localiza o reservatório Batatã, fonte de distribuição de água potável para uma

população estimada em 200.000 habitantes. Estas observações foram feitas por

meio de informativos da AGEMA e pelo IMRH, entidades que fizeram parte do

Movimento Reage São Luís e que tiveram participação na elaboração de textos

com base em dados geológicos sobre a área (AGEMA; IMRH, 2004). Sendo

considerada área de recarga de aquíferos, o Reage São Luís argumentou também

que a APA do Maracanã se insere na Convenção de Ramsar71, do qual o Brasil

é signatário (ZAGALLO, et al, 2004, p. 33).

71 A Convenção de Ramsar é um tratado intergovernamental de importância internacional que estabelece marcos

para ações nacionais e para a cooperação entre países com o objetivo de promover a conservação e o uso racional

de zonas úmidas no mundo. Essas ações estão fundamentadas no reconhecimento, pelos países signatários da

Convenção, da importância ecológica e do valor social, econômico, cultural, científico e recreativo de tais áreas.

Estabelecida em fevereiro de 1971, na cidade iraniana de Ramsar, está em vigor desde 21 de dezembro de 1975, e

seu tempo de vigência é indeterminado. O Brasil assinou esta Convenção em setembro de 1993, ratificando-a três

anos depois. Conforme a Convenção de Ramsar, essa decisão possibilita ao país ter acesso a benefícios como

cooperação técnica e apoio financeiro para promover a utilização dos recursos naturais das zonas úmidas de forma

sustentável, favorecendo a implantação, em tais áreas, de um modelo de desenvolvimento que proporcione

qualidade de vida aos seus habitantes. (BRASIL, c2014a)

Page 162: Tese Elio Pantoja Para o Trabalho de Sociologia Do Desenvolvimento

159

4.1.3.3 Relatos de intervenções em audiências públicas

Como observou Lima (2009) sobre a experiência do Reage São Luís, o modelo de

participação no formato das audiências públicas é restritivo e os conflitos existentes em torno

da implantação destes projetos privados são ressignificados e notabilizam-se estratégias de

consensos que são forjados pelos agentes politicamente mais dotados de poder. Acserald (2006)

em sua análise observa também que:

[...] Os manuais que disseminam os novos formatos organizativos para enfrentar as

contradições ambientais do desenvolvimento adotam modelos formais de adesão a

uma consciência ambiental abstrata, desconectados dos conflitos ambientais

concretos que desafiam aqueles atores dispostos a democratizar o meio ambiente.

(ACSERALD, 2006, p. 23).

O que de fato interessa “resgatar” neste “campo jurídico” é a dimensão política, e

isto, implica em trazer à cena da “arena” a dimensão do conflito socioambiental. A proposta de

alteração da Lei de Zoneamento é uma decisão política, que no processo de discussão o poder

executivo procurou estrategicamente aprovar com o apoio da Câmara Municipal, como sendo

uma mudança somente técnico-jurídica do processo de zoneamento, e que a “questão social”

seria também uma questão de planejamento técnico e de gestão. Dessa forma, a análise deste

processo deve ser pensada pela perspectiva da conflitualidade, na qual os sujeitos atingidos são

protagonistas: comunidades mobilizadas politicamente e suas respectivas formas de ação e

canais de participação que são criados no quadro de oportunidades, considerando o caráter

restritivo destes espaços públicos, sejam eles de caráter consultivos, no caso das audiências

públicas, sejam eles de caráter deliberativos, no caso da Sessão da Câmara Municipal de São

Luís que aprovou o Projeto de Lei de alteração do Zoneamento de São Luís para aumentar a

área industrial e reduzir a Zona Rural.

A realização das audiências públicas no processo de revisão da Legislação

Urbanística, do Plano Diretor, e Lei de Zoneamento inicia por meio de Decretos do Prefeito

Municipal, instituídos por Regimento Interno, dentro das diretrizes da Lei Federal nº 10.257,

de 10 de julho de 2001 – Estatuto da Cidade e inciso VI do artigo 3º da Lei Orgânica do

Município de São Luís. Segundo, o Estatuto da Cidade, a realização de uma audiência está

condicionada à sua publicidade por meio de editais, o que permite garantir a participação da

população nas decisões. Observando o Decreto nº 27.030 de 1 de dezembro de 2004 (SÃO

LUÍS, 2004), se lê o seguinte:

Art. 2º – Toda Audiência Pública é aberta a qualquer pessoa ou entidade interessada,

tendo por objetivo dar conhecimento, informar e esclarecer a opinião pública sobre as

condições gerais do processo de revisão da Legislação Urbanística do Município de

Aurélio
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Page 163: Tese Elio Pantoja Para o Trabalho de Sociologia Do Desenvolvimento

160

São Luís, bem como dirimir dúvidas, colher subsídios, sugestões e contribuições de

forma ampla de toda a sociedade.

Art. 3º – Datas, Calendários e Horários de cada Audiência Pública deverão ser alvo

de Edital próprio, publicados nos meios de comunicação locais, com a antecedência

mínima de 5 (cinco) dias ao dia de sua realização.

Para a realização das Audiências Públicas coordenadas pela Prefeitura de São Luís,

constam nos Editais de Convocação as seguintes informações, conforme o trecho abaixo

extraído do Edital do dia 2 de dezembro de 2004:

[...] O Prefeito Municipal de São Luís, no uso de suas atribuições legais, com o

objetivo de dar conhecimento, informar e esclarecer a opinião pública sobre as

condições gerais do processo de revisão da Legislação [...] bem como dirimir dúvidas,

colher subsídios, sugestões, contribuições de forma ampla da população, entidades de

classe e da sociedade civil organizada [...].

As audiências foram coordenadas por uma Mesa Diretora nomeada pelo Prefeito

Municipal, composta pelo quadro técnico do município. Seguindo as orientações do Decreto

acima mencionado, a Mesa Diretora foi formada pelo Presidente do Instituto de Pesquisa e

Planejamento do Município de São Luís (IPLAM), o urbanista Marcelo Espírito Santo, pelo

Secretário de Terras, Habitação Urbanismo e Fiscalização Urbana, Roberto Furtado e o Chefe

de Assessoria Especial, João Rebelo. Já nas audiências públicas da Câmara dos Vereadores os

trabalhos foram conduzidos pelo Presidente da Câmara em conjunto com as Comissões da

Câmara compostas por vereadores, conforme o seu regimento interno.

Nos arquivos do Reage São Luís, estão registradas 13 audiências públicas entre 08

de março e 01 de setembro de 2005. Entretanto, enfatizo a audiência planejada pela Prefeitura

de São Luís para o dia 13 de dezembro de 2004 no povoado de Vila Maranhão. Embora não

tenha tido acesso à ata, esta Audiência é emblemática uma vez que foi cancelada pela pressão

do movimento (conforme descrevi no item 4.1.1). Consta nos arquivos do Reage São Luís que

nesta primeira audiência o movimento mobilizou cerca de 570 pessoas e conforme registrou o

“Jornal O Estado do Maranhão”, em 14 de dezembro de 2004, o cancelamento resultou da

pressão de lideranças dos povoados rurais e do Reage São Luís, uma vez que mais de 400

pessoas ficaram do lado de fora do prédio da Igreja de São Joaquim do Bacanga na Vila

Maranhão. Tal situação levou os manifestantes e membros do Reage São Luís a questionarem

as condições de realização da audiência num espaço que comprometera a participação dos

moradores, neste caso, o não cumprimento dos regulamentos acima mencionados.

Forçar o adiamento das audiências, questionando o não cumprimento do que prevê

os regulamentos (decretos e editais) foi uma das importantes estratégias dos representantes do

Reage São Luís, sobretudo, aqueles membros com formação na área jurídica, que orientavam a

base social do movimento nas inscrições, a exemplo das intervenções do advogado Guilherme

Aurélio
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Page 164: Tese Elio Pantoja Para o Trabalho de Sociologia Do Desenvolvimento

161

Zagallo e de Creuzamar Pinho, conhecedora do Estatuto da Cidade pela experiência no

Movimento de Moradia Popular em São Luís. Então,

[...] foi um enfrentamento muito difícil, e aí com todo esse processo, com esse

calendário que foi se esticando mais que elástico e a gente inventava novas coisas, a

gente inventava um novo parágrafo, e aí isso foi se alongando [...] havia um calendário

de audiência pré-estabelecido, o que não estava previsto era o processo de

organização, de articulação da sociedade civil para estar nessas audiências, porque aí

nós montamos uma agenda paralela de acordo com as audiências já previstas, uma

agenda de articulação e mobilização, então nas audiências só dava nós, então não tinha

como acontecer audiência e eram diversos movimentos. Toda audiência dava logo um

jeito de se inscrever, bom, mas segundo o estatuto, o parágrafo tal, essa audiência não

pode acontecer, por isso, por isso... (Creuzamar Pinho, Movimento Nacional por

Moradia Popular, membro do Reage São Luís. Entrevista em 23 dez. 2012)

José Raimundo72 do Movimento Nacional por Moradia Popular, sobre esta

experiência diz que “[...] andava com o Estatuto debaixo do braço, virou bíblia nessa época

[...]”, porque era necessário intervir num processo que segundo ele estava dado certo de que

seria irreversível barrar a instalação do polo siderúrgico no Maranhão, face os poderes que

estavam envolvidos. Uma das estratégias era “atrasar o processo e ganhar tempo” para

“desgastar” a força política da proposta de conversão das áreas rurais em áreas industriais.

Figura 4 – Manifestação dos povoados rurais e do Reage São Luís em Audiência

Pública na Vila Maranhão em 13 de dezembro de 2004

Fonte: Reprodução/ Jornal o Estado do Maranhão (2004b).

72 Membro do Reage São Luís e da coordenação do Movimento Nacional de Moradia Popular. Entrevista em 23

dez. 2012.

Page 165: Tese Elio Pantoja Para o Trabalho de Sociologia Do Desenvolvimento

162

Vejamos os depoimentos registrados pelo “Jornal O Estado do Maranhão” (2004a)

nesta Audiência de 13 de dezembro de 2004:

[...] De acordo com Creuzamar Pinho, coordenadora da União pela Moradia Popular,

a convocação para a audiência fere os artigos do Estatuto das Cidades que tratam do

Estudo de Impacto de Vizinhança. “Prefeitura também infringiu os aspectos da

divulgação e publicidade da audiência que foi restrita à veiculação do edital em um

único dia e num só veículo de comunicação. [...] para o Promotor Fernando Barreto

que encaminhou um documento ao Prefeito Tadeu palácio com uma série de

procedimentos referentes sobre uma pontual alteração na lei de Zoneamento, disse

que o município demonstrou na audiência que não tem habilidade para dialogar com

a população. “Não souberam conversar e acabaram por contribuir para um problema

imenso. Para o Promotor de Proteção ao Meio Ambiente, Urbanismo e Patrimônio

Cultural de São Luís, além das mobilizações das comunidades, o Estatuto da Cidade

impôs ao município essa derrota. “A Legislação do estatuto das Cidades é clara, a

população terá que ser ouvida, não tem outro jeito” (JORNAL O ESTADO DO

MARANHÃO, 2004b).

Quadro 13 – Audiência Pública sobre Alteração do Zoneamento de São Luís (2004-2005)

Data Local Assunto Órgão Responsável

13.12.04.

Obs. Audiência cancelada

Vila Maranhão Alteração da Lei de

Zoneamento,

Parcelamento, Uso e

Ocupação do Solo

Prefeitura de São Luís

08.03.05 Vila Maranhão “ Prefeitura de São Luís

28.03.05 Min. Pub. Estadual “ Prefeitura de São Luís

23.06.05 Câm. Vereadores “ Câm. Vereadores

24.06.05 Câm. Vereadores “ Câm. Vereadores

27.06.05 Câm. Vereadores “ Câm. Vereadores

28.06.05 Câm. Vereadores “ Câm. Vereadores

30.06.05 Câm. Vereadores “ Câm. Vereadores

25.08.05 Rio dos Cachorros “ Prefeitura de São Luís

26.08.05 Bairro São Francisco “ Prefeitura de São Luís

29.08.05 UFMA “ Prefeitura de São Luís

30.08.05 Vila Maranhão “ Prefeitura de São Luís

31.08.05 Povoado Maracanã “ Prefeitura de São Luís

01.09.05 Seminário Santo

Antonio

“ Prefeitura de São Luís

Fonte: Levantamento documental/Arquivos do Reage São Luís

Das 13 audiências efetivamente realizadas entre 08 de março e 01 de setembro de

2005, tive acesso apenas a 07 atas a partir das quais fiz um mapeamento das intervenções e

selecionei alguns trechos que considerei como mais significativos. Outro documento importante

que tive acesso foi a ata da Sessão na Câmara Municipal de São Luís (37ª Sessão Ordinária)

realizada em 30 de novembro de 2005. Nesta Sessão foi discutido e aprovado o Projeto de Lei

Page 166: Tese Elio Pantoja Para o Trabalho de Sociologia Do Desenvolvimento

163

para alterar a Lei de Zoneamento. Dada a repercussão desta Sessão, farei uma síntese sobre a

mesma mais adiante.

O objetivo das audiências públicas foi consultar a população sobre o pedido de

alteração da Lei de Zoneamento pelo prefeito de São Luís. No entanto, com as intervenções o

debate foi direcionado para a instalação do polo siderúrgico. Como procuro mostrar adiante

uma das estratégias discursivas do Reage foi associar as audiências públicas aos objetivos da

Prefeitura de São Luís para converter a Zona Rural em Zona Industrial. Ao serem questionados,

a Mesa Diretora e os representantes do governo estadual justificaram que o pedido de alteração

do prefeito atendia a uma demanda legal e técnica do zoneamento municipal em função da

ampliação dos usos, pois, a existência de Zona Rural e Residencial naquela área havia gerado

um problema de “incompatibilidade de usos”. Na verdade esse foi o tom das discussões que no

geral caracterizaram as audiências públicas.

É válido assinalar que entre o final de 2004 e ao longo do ano de 2005 já havia uma

crítica social bastante consistente quanto às repercussões negativas do polo siderúrgico dentro

do Movimento Reage São Luís que foi difundida ao público em geral. Para aqueles cidadãos

interessados no debate sobre a revisão do Plano Diretor de São Luís, a proposta de alteração da

Lei de Zoneamento e de instalação de um polo siderúrgico são fatores indissociáveis, pois:

a) A área destinada às instalações de três usinas siderúrgicas previstas seria de

2.471,71 hectares, localizados entre o Porto do Itaqui e o povoado de Rio dos

Cachorros, na região administrativa municipal do Itaqui/Bacanga e que, em

2004, foi declarada como de utilidade pública para fins de desapropriação pelo

governo do Estado do Maranhão (Decretos nº 20.727-DO, de 30 de agosto de

2004, e nº 20.781-DO, de 29 de setembro de 2004);

b) Pelo projeto original do polo siderúrgico a área pretendida era de 2.471,71 ha

entre o Porto de Itaqui e povoado de Rio dos Cachorros, situada na Zona Rural

do município de São Luís, mas a Constituição do Estado do Maranhão somente

autoriza a concessão de terras públicas até o limite de 1.000 hectares. Para

utilizar toda a área pretendida, seria necessária uma autorização da Assembleia

Legislativa. (DHESCA, 2006, p. 19).

c) Havia o pedido formal em Carta enviada pelo Prefeito Tadeu Palácio ao

presidente da Câmara dos Vereadores em 2004 “[...] com vistas à possibilidade

de implantação do polo siderúrgico o Governo do Estado solicitou formalmente

Page 167: Tese Elio Pantoja Para o Trabalho de Sociologia Do Desenvolvimento

164

à Prefeitura de São Luís, em setembro de 2004, que fosse estudada a

reformulação da Lei de Zoneamento [...]”. (SÃO LUÍS, 2004).

Interessante notar que, mesmo diante dos documentos em mãos pelos membros do

Reage São Luís, o representante da prefeitura explica as razões do pedido de alteração pelo

critério técnico e jurídico, tal como na Audiência do dia 08 de março de 2004 na Vila Maranhão,

quando inicia seu discurso dizendo que “A Lei 3.253 [...] de Zoneamento acabou causando um

problema jurídico ao lançar sobre as áreas do Distrito Industrial de São Luís, trechos de uma

Zona Residencial, trechos da chamada Zona Rural”. O que justifica, portanto, segundo o Projeto

de Lei 063/05 de 27 de abril de 2005 e a explanação do Presidente da Mesa Diretora da

Audiência do dia 08 de março de 2005, são os seguintes aspectos73:

a) “[...] ampliação das possibilidades de desenvolvimento socio-econômico da

cidade incentivando a questão industrial”, pois, “[...] a correção de um erro

político causado pela legislação de 1992, que lançou sobre determinadas áreas

do sul da ilha um zoneamento rural [...]”.

b) “[...] a proposta de alteração que a prefeitura apresenta neste momento é a

transformação da Zona Rural, a chamada ZR1 – Rio dos Cachorros em Zona

Industrial 3, a chamada ZI3 – Itaquí [...]74.

Os documentos apresentados nas audiências para esclarecer ao público presente,

referentes à Lei de Zoneamento, são constituídos de uma série mapas e de códigos que indicam

as Zonas (Zona Rural, Zona Industrial, Zona de Interesse Social, Zona Residencial, Zona

Turística, além de suas enumerações, assim como, as chamadas Glebas e suas respectivas

subdivisões) de modo que, nem sempre é de fácil compreensão ao público em geral. Utilizo-

me da ata de Audiência do dia 08 de março de 2005 que teve a presença de 496 pessoas,

conforme a lista de assinatura documentada em ata. A primeira intervenção nesta audiência foi

sobre a necessidade de mudança na forma da linguagem técnica sobre o processo de mudança

no zoneamento.

73 Com relação ao conteúdo dos trechos extraídos das atas de audiências públicas, procurei manter a forma original

uma vez que se trata de uma fonte de pesquisa; razão pela qual possíveis erros de digitação ou de gramática podem

ser percebidos. 74 Registro de Ata de Audiência Pública sobre o pedido de alteração do Zoneamento de São Luís no povoado de

Vila Maranhão em 08.03.04.

Page 168: Tese Elio Pantoja Para o Trabalho de Sociologia Do Desenvolvimento

165

Como representante da sociedade e em nome da Constituição peço à mesa diretora

dos trabalhos que cumpra com mais exatidão o Estatuto da Cidade no que diz respeito

à consultoria pública. A audiência pública [...] é de natureza constitutiva, a opinião

dos senhores é relevante [...] não é de meros expectadores, por isso, os senhores têm

direito de tomar conhecimento claro do por que desta alteração. A argumentação foi

apenas jurídica e eu gostaria que fossem colocados os outros aspectos sociais e

econômicos que motivam esta preposição e pediria ao doutor José Marcelo que fosse

mais claro com relação às consequências desta alteração. Porque aqui a população

está entendendo o que é ZI3, ZR10. Tenho absoluta certeza que todos entenderam o

que está lá, mas o que está em dúvida em todas as mentes aqui é quem está envolvido,

o bairro de quem, a casa de quem? e qual a consequência que traz esta alteração?

Porque esta é a função da audiência pública, esta é função que está no Estatuto da

Cidade. É garantir a participação popular, é dar a eles o poder de exercer a democracia

direta, que está na constituição, que está no Estatuto da Cidade [...] eu pediria que

vossa excelência fosse um pouco mais claro com a população, antes de abrir para o

debate. (Fernando Barreto, Promotor de Justiça de Meio Ambiente).

O questionamento inicial do Promotor de Justiça foi seguido do advogado e

militante do Reage São Luís Guilherme Zagallo que levantou uma série de questões relativas

aos procedimentos da Audiência:

[...] O edital de convocação para esta audiência fala da criação da Zona Industrial 3

[...] temos uma declaração do ministério público estadual informando que os

documentos formalmente disponibilizados para consulta pelo município para esta

audiência são os mesmos da audiência designada para o dia 3 de dezembro [...] em 16

de dezembro de 2004 foi protocolado na Prefeitura de São Luís requerimento

subscrito por mais de 50 pessoas na forma de decreto 27030 solicitando realização de

audiências públicas nos demais bairros e na região central de São Luís em face da

limitação do transporte público para Vila Maranhão e o interesse da mudança da Lei

de Zoneamento será de todos os moradores de São Luís [...] Estas duas questões foram

encaminhadas ao Ministério Público e o Ministério Público tentou junto ao município

obter a retificação do edital [...] o município não formalizou ao Ministério Público a

proposta de alteração que foi apresentada agora da Zona Industrial 3 e tão pouco deu

uma resposta sobre o pedido de mais de uma audiência pública [...] pediria ao Dr.

Barreto que se pronunciasse sobre essas questões, que podem tornar o trabalho feito

aqui hoje, em nulidade, que venha inclusive ser discutidas na justiça. (Guilherme

Zagallo, advogado e militante do Reage São Luís)

A intervenção seguinte foi da representante da União Nacional de Moradia Popular

e inserida também no debate sobre o Plano Diretor de São Luís.

[...] Nós do Conselho fizemos uma mesa no Sindicato dos Bancários [...] discutimos

a revisão do Plano Diretor. O plano tem 12 anos e a prefeitura não se dispõe a discutir

[...] parece que esta audiência puxada para cá, parece que é para discutir a questão

apenas da Vila Maranhão [...] é um problema que afeta todos nós que moramos em

São Luís. A mudança na Lei de Zoneamento não é só uma mudançazinha, é mudar

todo o funcionamento da cidade. Enquanto Conselheira Nacional das Cidades, exijo

que seja suspensa esta audiência e que seja estabelecido na cidade um calendário de

audiências, porque no Estatuto da Cidade, no artigo 36 e 38 exige que a Prefeitura

disponibilize para nós um Estudo de Impacto de Vizinhança e um Estudo de Impacto

Ambiental [...] então exigimos o cumprimento da Lei Federal, o Estatuto das Cidades,

aprovada e apoiada por nós e não permitimos que a Lei seja desrespeitada pela

Prefeitura [...] (Creuzamar Pinho, Movimento Nacional por Moradia Popular e

membro do Reage São Luís)

Page 169: Tese Elio Pantoja Para o Trabalho de Sociologia Do Desenvolvimento

166

Repetidamente o Presidente da Mesa Diretora retomou em suas respostas os

aspectos técnicos para justificar a alteração da Lei.

Não se discute a aprovação de uma siderúrgica, da indústria A ou B, por isso

justificamos a alteração de uma Zona Industrial ampla e igual para todo e qualquer

tipo de indústria. Com relação ao uso incompatível ou compatível, a Prefeitura não

licencia indústria, ela trabalha com o uso de solo, permitindo determinados uso, e a

indústria, se ela é incômoda, se ela é poluente ou não, passa por uma instância superior

e, neste momento a Prefeitura não está avaliando se uma indústria vai de fato se

instalar ou não. A resposta é ampliar as possibilidades e oferecer seja lá qual indústria

for, as possibilidades de futuras instalações na cidade [...] A Prefeitura não está

avaliando nenhum projeto específico nesta alteração da Lei de Zoneamento. (Marcelo

do Espírito Santo, Presidente do Instituto de Pesquisa e Planejamento do Município

de São Luís, Presidente da Mesa Diretora da Audiência Pública).

Após a justificativa do representante da Prefeitura com relação aos questionamentos, na

sequência estão documentadas duas intervenções de apoio ao propósito da prefeitura, nas quais

se nota a questão do desenvolvimento econômico associado ao emprego a ser gerado pelo polo.

Na sequência, quatro intervenções que apresentam críticas ao polo siderúrgico, sendo que a

primeira retoma os exemplos da Alumar e da Companhia Vale, a segunda que enfatiza os

impactos ambientais e a terceira e quarta que colocam em questão o fato do representante da

Prefeitura dizer que a alteração da Lei de Zoneamento está dissociada do projeto do polo

siderúrgico, e também sobre a legislação ambiental:

[...] Esta reunião é uma opinião [...] está se discutindo o desenvolvimento sócio-

econômico que, ao meu ver vem beneficiar a todos nós que moramos nesta região.

Sou nascido e criado aqui, já fiz muitas coisas e hoje eu tenho um emprego graças aos

projetos da Vale do Rio Doce. Pensem que nós podemos ter mais e ter um

desenvolvimento sim para todos nós. (Geraldo, Comunidade de São Benedito)

É lamentável o apoio que nós estamos tendo de Zagallo e de alguns deputados que

aqui estão. Eu gostaria que este apoio tivesse antes vendo as necessidades que nós

temos na comunidade.(Zé Augusto Vila Conceição)

Quero dizer prá vocês que já temos duas empresas grandes que é a Alumar e a CVRD

[...] quem aqui é empregado dessas duas empresas? Aqui estamos com vários

parlamentares [...] trabalhei no restaurante na implantação da CVRD, quando

terminou a implantação fui despedida, tenho filhos jovens que até hoje não

conseguiram uma vaga na CVRD e são formados, isso é ilusão [...] Essas empresas

multinacionais que vem se instalar no Maranhão, que vejam não os trabalhos, mas os

danos que vêm causando na nossa área, porque emprego prá população pobre não tem

[...] o nosso Maranhão é um antro de doenças e prostituição porque eu sou testemunha

quando foram construir aqui a CVRD e a Alumar, as filhas dos pobres [...] foram se

prostituindo [...] não vai ter nada de emprego prá pobre(Maria da Fita, Moradora do

Sá Viana)

Primeiro eu queria fazer uma pergunta: quantas vezes você já andou na área Itaqui-

Bacanga? Você conhece esta área? Você sabia que é uma área de mangue? Você sabia

que é uma área de preservação ambiental? Vou fazer outra pergunta: o prefeito, o

governador do estado [...] por que eles não dão uma das suas fazendas que é maior do

que a área Iraqui-Bacanga? Eu gostaria de perguntar qual o benefício que vai trazer

Page 170: Tese Elio Pantoja Para o Trabalho de Sociologia Do Desenvolvimento

167

para São Luís? vai ficar 15 anos sem pagar impostos. Eu pergunto qual o benefício

dessa siderurgia para São Luís? (Sr José, morador do Rio dos Cachorros)

A Prefeitura que é obrigada a fazer a revisão do Plano Diretor até outubro de 2006

está atravancando o processo e está fazendo a revisão parcial da lei de Zoneamento.

As outras áreas da cidade não vão ser revistas? Nós não vamos discutir, por exemplo,

as zonas de interesse social, as zonas de proteção ambiental, as zonas de interesse

turístico? Nós não vamos discutir a nossa cidade, porque nós estamos fazendo a

revisão de uma lei complementar sem discutir o nosso Plano Diretor, lá sim, nós

vamos discutir a cidade como um todo, discutir o desenvolvimento da cidade. A outra

questão, o senhor não pode se recusar a responder as questões do polo siderúrgico

porque quando saiu o edital a documentação disponibilizada é sobre o polo

siderúrgico. Esta audiência aqui é uma enganação, pois nós não temos documentos

que justifiquem a alteração [...] este documento não chegou às mãos dos cidadãos [...]

A outra questão: por que a Prefeitura está na contramão da revisão do Plano Diretor,

contrariando uma orientação do Governo Federal e do Estatuto da Cidade que dizem

que a revisão do Plano Diretor tem de ser participativo. Por que estamos sendo

excluídos? (Suely Gonçalves, funcionária pública, membro do Reage São Luís)

A prefeitura está desrespeitando as Leis [...} é necessário que seja feito um estudo de

impacto ambiental para verificar as características da área. E digo, se esta zona criada

há 20 anos, tivesse as leis ambientais ela hoje não seria aqui, porque estamos numa

área onde as características físicas do solo não permitem a instalação de indústrias

pesadas, apenas indústrias limpas. Não pensem que nós não estamos percebendo o

que vocês estão fazendo, existem leis estaduais, a lei dos recursos hídricos, por

exemplo, prevê no artigo 30 estabelece total proteção às áreas com características

topográficas [...] prevê a preservação de toda esta área: Rio dos Cachorros, Taim que

jamais poderão ser zona industrial. O desenvolvimento é necessário, mas deve estar

em harmonia com o meio ambiente. (Edilea Pereira, Geóloga, Professora da UFMA,

membro do Reage São Luís).

Conforme o Quadro 13 foram realizadas 05 audiências na Câmara Municipal de

São Luís nos dias 23, 24, 27, 28, 30 de junho de 2005. Todas, sobre o Projeto de Lei 063/65 de

27 de abril de 2005 enviado pelo Prefeito de São Luís à Câmara dos Vereadores para ser

submetido à votação.

A primeira desta sequência de audiências, ou seja, em 23 de junho de 2005 ocorreu

sem a presença dos representantes da Prefeitura, gerando críticas dos presentes uma vez que o

poder executivo como autor do projeto deveria prestar esclarecimentos conforme o que

estabelecem os editais. Resumo o teor deste debate em torno de duas intervenções: a do

advogado Guilherme Zagallo do Reage São Luís e a do Engenheiro Deusdedith Soares,

representante da Secretaria Estadual de Indústria e Comércio que expôs o projeto de habitação

da população que seria remanejada. Zagallo, expôs o seguinte:

[...] Movimento Reage de São Luís é um movimento composto por cerca de 40

Entidades das Sociedades Civis, Entidades das mais diversas: Sindicatos, Entidades

Cientificas como é SBPC, entidades de classe como Conselho Regional de Medicina,

CUT é um movimento bastante plural, Comissão de Justiça e Paz, da Arquidiocese de

São Luís, não é contra a implantação do Polo Siderúrgico no Estado do Maranhão,

mas acha, é tecnicamente impossível que essa instalação ocorra na cidade de São Luís,

ou melhor, dizendo, na Ilha de São Luís sem que isso cause grave prejuízo a

população. Tanto da população que vai ser removida pra implantação do

empreendimento, quanto à população do restante da Ilha de São Luís. Nós já

Page 171: Tese Elio Pantoja Para o Trabalho de Sociologia Do Desenvolvimento

168

mostramos aqui em outras apresentações, que o Estado sabe, conhece detalhes da

planta, aqui é a área do Cajueiro com a planta da Usina, ou seja, o Estado em que pese

em determinado momento ter dito que não reconhecia depois, sabe, é uma planta

enorme, mais de 1 km de extensão cada uma delas. Este é o desenho em detalhe, aqui

é o Porto de Itaqui aqui é o Porto do Polo Siderúrgico, que vai ter que ser licenciado

ainda é um porto grande, são duas pontes, uma de 900 metros de outra de 1.200 metros

sobre o mar. As três plantas, a primeira a Usina, a segunda e a terceira cada uma delas

pra 7 milhões e meio de toneladas, mais duas Usinas de produção de ferro gusa [...] já

consta nos documentos do Governo do Estado, de como será a produção do carvão,

minério de ferro, coquerias, sinterização, alto forno enfim, o processo resumindo com

as quantidades em milhares de toneladas de insumo que serão utilizadas, de carvão

mineral, de minério de ferro, de fundentes que no caso é calcário [...] já fizemos uma

discussão na Audiência passada, de que a região pretendida por remoção das famílias,

a região está localizada próximo ao aterro da Ribeira, o lixão da cidade de São Luís,

e que em parte do tempo, pelo menos 20% do tempo, os ventos são de direção Norte

e Nordeste, o que significa que os ventos passarão do aterro da Ribeira [...]

Esta intervenção continua questionando o fato de a Prefeitura Municipal de São

Luís omitir a intenção de instalação do polo siderúrgico, uma vez que a exposição do

representante do Governo do Estado era especificamente sobre o polo siderúrgico. Naquele

contexto, o governo do Maranhão já havia criado por Decreto Estadual nº 21.190 de 26 de abril

de 2005, o Grupo Executivo para Implantação do Polo Siderúrgico (GEIP), com a finalidade de

“[...] coordenar e implementar as ações técnicas e operacionais de responsabilidade do Governo

Estadual à implantação do Polo Siderúrgico do Maranhão, no Sub-Distrito Industrial, em São

Luís”. Este Grupo, também já apresentava nos fóruns de debates um plano de remanejamento

de uma parte dos povoados, como Cajueiro e Vila Maranhão para um “bairro planejado”, que

seria o bairro do Tinaí. Tal plano de remanejamento, entretanto, havia sido elaborado sem a

consulta aos povoados afetados. Pelo que expôs em audiência o representante do governo

estadual, este plano prévia o reassentamento de 611 famílias, com acesso a casas de alvenaria

de 60 m, infraestrutura, serviços públicos básicos e também uma média de 16 mil reais de

indenização para cada uma delas.

Enquanto o Reage São Luís contabilizava aproximadamente 14. 400 pessoas que

seriam deslocadas, este representante do governo estadual falava 1.549. Houve um intenso

debate, inclusive em termos de números de povoados, e de pessoas que seriam afetadas.

Vejamos um trecho de sua exposição:

[...] a área hoje é objeto de estudos onde nós estamos pedindo que a área rural seja

transformada em área industrial, esse trabalho que estamos discutindo hoje, na

realidade começou em 21 de agosto de 2002, chegando até ao final agora onde

estamos fazendo está proposta, onde nós afirmamos que no ofício feito do Plano

Diretor do Distrito Industrial, que é do Estado do Maranhão, no seu Decreto do Plano

Diretor, aonde esse Decreto, estamos pedindo com essa modificação de área, ele vai

ficar condizente com o Plano Diretor do Distrito Industrial de São Luís, esse Decreto

é de nº 20.727 de 23 de agosto de 2004, no seu art. 2º que eu vou ler aqui para vocês.

O Governo do Estado mostra claramente o que pretende com essa área, ele diz que:

Dos 2.471,71 hectares, seriam destinados à implantação de um Sub-Distrito Industrial

Aurélio
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Page 172: Tese Elio Pantoja Para o Trabalho de Sociologia Do Desenvolvimento

169

Siderúrgico. Então a pretensão nossa é que no local, hoje rural nós pudermos

transformar em área industrial [...] o mais importante hoje, é um trabalho apresentado,

onde as empresas hoje têm o seu projeto e tem a sua política ambiental, e dentro dessa

política ambiental, tem o seu sistema de gestão ambiental, eu quero dizer com isso

aqui que, não basta você ter o EIA/RIMA hoje, pronta aprovada e garantido, ter o

EIA/RIMA é como se fosse um carro novo, quem compra um carro, o que acontece?

Não precisa fazer, recuperar, não precisa levar para a oficina, mais daqui a 2 anos, o

carro começa a dar problema, e aí o EIA/RIMA está superado. Então, o importante é

que tenhamos sim o EIA/RIMA de base, mais o importante é que obtenhamos a

política ambiental, onde vai permitir que o EIA/RIMA seja monitorado, atualizado e

todo o tempo de acordo com as novas legislações ambientais. Agora, voltando ao

assunto, dentro da credibilidade que nós estamos propondo da retirada de 1.549

pessoas, nós queremos fazer um trabalho que é mostrar uma fita uma realidade que lá

nós temos, para que vocês vejam em função dessa fita depois, e vou mostrar algumas

fotografias da área e depois vamos mostrar um orçamento básico do que o Estado do

Maranhão está se propondo dentro do projeto que já mostramos que é de residências

de benfeitorias e infra-estrutura. (Deusdedith Soares, representante da Secretaria

Estadual de Indústria e Comércio)

No dia 31 de julho de 2004, os integrantes do Reage São Luís enviaram uma

Representação para a Promotoria de Justiça da Curadoria do Meio Ambiente da Comarca de

São Luís expondo o seguinte:

[...] integrantes do Movimento “Reage São Luís”, vem respeitosamente, informar a

existência de inconstitucionalidades e ilegalidades no Decreto Legislativo nº

004/2005 da Câmara Municipal de São Luís (doc. 1), publicado no Diário Oficial do

Município de São Luís do dia 01 de junho de 2005 e no Edital de Convocação da

Audiência Pública sobre Alteração do Zoneamento de São Luís (doc. 2), publicado no

mesmo dia, pelos motivos a seguir expostos:

A realização de audiências públicas é requisito para modificação de lei de

planejamento municipal. Não se trata de mera liberalidade e discricionariedade a

realização de tais audiências no que diz respeito à consulta popular acerca de

modificações na configuração do espaço urbano. Num ponto tamanho que se chega

até a identificar como prática digna da caracterização como improbidade

administrativa a não realização de audiências públicas no caso de criação,

modificação e fiscalização do Plano Diretor, instrumento norteador da política

urbano-rural de um município.

A existência da regulamentação da participação popular exigência legal fundamentada

em preceito constitucional tem como fundo permitir que os cidadãos tomem ciência e

intervenham no processo de formação do espaço urbano e se compreendam como

parte integrante dele, de forma a colocarem de forma direta suas necessidades e

anseios.

A questão levantada pelo Reage São Luís na Representação é que pelo Decreto

Legislativo houve “restrição à participação popular”: as audiências iniciariam após dez dias do

início das inscrições e pelo edital de Convocação o prazo estabelecido para as inscrições acabou

sendo menor do que o estabelecido, e houve somente 40 inscrições com duração de 05 minutos

de intervenção para os inscritos. O Movimento Reage São Luís alegou o seguinte:

A experiência de se resolver “tecnicamente” as questões de ordenamento urbano

mostrou que o olhar que guia a organização do espaço urbano privilegiava um setor

social em detrimento de outros. Tal paradigma criou o caos urbano que possibilitou

um crescimento desigual e desestruturado das cidades. A participação popular tem

dupla função porque possibilita à população um sentimento de detenção de direitos na

Page 173: Tese Elio Pantoja Para o Trabalho de Sociologia Do Desenvolvimento

170

cidade e permite que os grupos sociais tenham uma possibilidade maior de disputar

seus interesses.

Assim, conjugados os dispositivos, chega-se à soma (se houverem audiências todos

os dias) de 400 (quatrocentos) participantes, o que não significa nem 0,04% (zero

vírgula zero quatro por cento) da população de São Luís e 0,35% (zero vírgula trinta

e cinco por cento) da população que sofre ameaça de despejo forçado, caso o

Zoneamento seja modificado. (Representação do Reage São Luís ao Promotor de

Justiça da Curadoria do Meio Ambiente da Comarca de São Luís MA, 31, julho de

2004)

Enquanto ocorriam as audiências entre os dias 23 e 30 de junho de 2005, tramitou

nas quatro Comissões da Câmara de Vereadores (Comissão de Saúde, Educação e Cultura,

Comissão de Meio Ambiente, Comissão de Orçamento, Comissão de Constituição e Justiça) o

Projeto de Lei 063/05 de 27 de abril de 2005 enviado pelo Prefeito de São Luís. A tramitação,

por sua vez, refletiu na disputa política interna da Câmara pela aprovação ou não do projeto

pelos vereadores de São Luís. Este debate foi bastante emblemático entre os vereadores que se

dividiram em duas posições, sendo, de um lado, aqueles que se aliaram às ações do Reage São

Luís, sobretudo incorporando o discurso dos danos ambientais, à questão da saúde pública em

decorrência da emissão de gases e a questão social com o deslocamento dos moradores. Por

outro lado, os vereadores que apoiaram o projeto siderúrgico pela defesa do “desenvolvimento

econômico”, sobretudo pelo discurso da geração de emprego para a população do Maranhão.

Após as discussões nas treze audiências públicas, entre estas, as cinco audiências

da Câmara dos Vereadores de São Luís, ocorreu a Sessão Ordinária em 30 de novembro de

2005 em que foi votado o Projeto de Lei 063/05 de 27 de abril de 2005 para alterar a Lei de

Zoneamento, Parcelamento, Uso e Ocupação do Solo (Lei Municipal nº 3.253 de 1992). Dos

21 vereadores, apenas três mantiveram-se contra o projeto de alteração do zoneamento e contra

o projeto do polo siderúrgico: Marília Mendonça (PDT), Joberval Bertoldo (PCB) e Abdon

Murad (PMDB).

A Vereadora Marília Mendonça (PDT) tinha aproximações com as lideranças do

movimento social e havia participado intensamente dos debates nas audiências. Em seus

discursos durante as audiências da Câmara e na Sessão de votação do Projeto de Lei para alterar

o zoneamento, manteve uma postura crítica em relação às ações do poder executivo e quanto à

pretensão do governo de instalar o polo siderúrgico. O seu discurso da Sessão de votação do

dia 30 de novembro de 2005, consta na ata o seguinte:

Aurélio
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Page 174: Tese Elio Pantoja Para o Trabalho de Sociologia Do Desenvolvimento

171

Fiquei muito triste [...] primeiro como foi composta a galeria da Casa75, não tem que

haver seleção, de quem vai entrar para assistir uma Sessão, temos um regimento [...]

estamos desrespeitando, nem se fala em respeito com a sociedade que confiou em

cada um de nós, depois de assistir todas as audiências, me fiz presente para ouvir a

população, o que a população quer, e se nós abríssemos hoje uma votação na área

afetada [...] não é só Porto Grande, Rio dos Cachorros, a Ilha não é só composta de

São Luís, têm outros municípios 76[...] então não é só questão de emprego que a Vale

do Doce não mudou a situação do Anjo da Guarda, daqueles bairros alí adjacentes, os

empregados da Alumar que estão vivendo um problema seríssimo e nós estamos de

braços cruzados, os vendedores ambulantes que nós não temos uma resposta [...] nós

fizemos um acordo e nós mesmos quebramos [...] aquela galeria que hoje está

composta por pessoas exatamente enumeradas para vaiar [...] (Intervenção do

Presidente da Sessão) Pessoal por favor, olha a galeria por favor, eu gostaria de ouvir

a vereadora com calma [...] Vereadora Marília Mendonça: estamos discutindo

transformação de área mas só se fala em geração de emprego [...] isso é o que todo

mundo busca, mas de forma responsável, até porque temos um Distrito Industrial que

está abandonado, não tem política dirigida para alí e sim emprego imediato, temos

problemas de água seríssimos, sem falar de outras situações, saúde, educação [...] sou

contra essa transformação, tenho que ter responsabilidade com as pessoas que me

deram essa responsabilidade.

O Vereador Abdom Murad (PMDB), era Presidente e relator da Comissão de

Saúde, Educação e Cultura da Câmara Municipal em 2005 e como médico e Presidente do

Conselho Regional de Medicina, tinha experiência e informação na área de saúde pública e

também havia participado do debate sobre os impactos da Alcoa nos anos de 1980 junto ao

Comitê de Defesa da Ilha e do Professor Nascimento de Moraes (sobre a atuação do Comitê de

Defesa da Ilha discuti no Capítulo 1). Naquele processo de argumentação em defesa e contra o

projeto de alteração da lei de zoneamento e da instalação de um polo siderúrgico, os vereadores

Abdom Murad e Joberval Bertoldo defendendo a posição contrária à da maioria na Câmara

haviam feito um “pedido de vista” para rever o projeto. Questionavam o porquê da pressa na

aprovação do projeto uma vez que havia necessidade de revisão. Tal pedido, entretanto, foi

negado. Em seu pronunciamento, disse o seguinte:

Não há força política contra, o povo de São Luís se dividiu [...] ora a favor ora contra,

e aí cabe no pensamento de cada um de nós analisar esse posicionamento do povo.

Mas temos que votar contra aquilo que parece bom para uma pessoa e que a gente

sabidamente sabe que não é. O elevado índice de mortalidade por câncer nas cidades

onde tem siderúrgica me faz tremer ao saber que daqui há cinco dez anos o mesmo

quadro poderá estar acontecendo aqui em São Luís, porque a siderúrgica implantada

aqui vai trazer contaminação, vai favorecer o aparecimento de doenças graves,

principalmente doenças de câncer em vários órgãos como acontece em Vitória, como

acontece em Cubatão, como em Volta Redonda, onde o índice é bem maior do que

nas cidades onde não têm [...] Não sou fiscal do voto de ninguém, nunca policiei voto

de companheiro algum, merecem todo meu respeito, e preciso que também respeitem

o meu voto e o meu posicionamento. Saio triste [...] me desculpe a Mesa Diretora da

Casa, presenciamos algumas manobras, desde quando um pedido de vista não foi

75 Refere-se ao espaço destinado a populares que busquem participar das sessões da Câmara Municipal. É

importante destacar que, no caso da Câmara de São Luís, esse espaço é muito pequeno (cabe cerca de 40 pessoas)

e fica isolado do salão em que se localizam os vereadores por uma placa de vidro. 76 Além de São Luís, a Ilha de São Luís é composta pelos municípios de Raposa, Paço do Lumiar e São José de

Ribamar.

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172

aceito Senhor Presidente? Saio chateado porque o processo que foi democrático até

hoje, termina com mais de 40 policiais lá fora cercando esta casa como se aqui dentro

tivessem bandido. Aqui está o povo falando, quer falar e não precisa polícia [...]

aqueles que estão lá fora merecem o mesmo respeito dos que estão aqui dentro [...]

esses que estão aqui chegaram mais cedo, os que estão lá fora sofreram ameaça da

polícia, estão sendo escorraçado para não emitir o desejo que a Câmara votasse contra

porque alguém disse a eles que os que estão lá fora são perigosos, os que estão aqui

dentro são inocentes. Quando todos são inocentes na sua vontade e nós temos que

respeitar a vontade do povo, seja ela contra ou a favor, ou a favor da nossa [...] onze

audiências eu também frequentei, não frequentei as duas do Poder Executivo porque

não me sinto motivado de ouvir os técnicos vomitarem informações da Prefeitura,

porque eles não tiveram o cuidado de ir às onze audiências [...] então não houve

preocupação da Prefeitura, não houve respeito com o povo que foi às audiências, não

houve respeito com os vereadores que participaram das audiências [...] vamos deixar

que o tempo se encarregue de fazer com que essa maldita siderurgia não venha para

São Luís apesar de aprovada aqui nesta Casa, porque ainda tem esperança do IBAMA

[...] de outros órgãos federais que vão fiscalizar os estaduais, a implantação de uma

indústria criminosa que agride a saúde e a dignidade do povo de onde ela se instala.

O Vereador Joberval Bertoldo (PCB), era membro da Comissão de Meio Ambiente

e diferente dos demais integrantes desta Comissão teve posição contrária à aprovação do Projeto

de Lei e se alinhava à posição do Reage São Luís e dos movimentos sociais. Politicamente

também essa posição refletia em seu histórico de engajamento e em defesa dos interesses dos

moradores dos povoados afetados, uma vez que naquela região também possuía base eleitoral.

Sintetizo um pequeno trecho de uma de suas intervenções na Sessão da Câmara do dia 30 de

novembro de 2005, denunciando a forma na condução do processo. Em seu ponto de vista a

votação foi um “rolo compressor”, uma vez que a votação foi realizada sem o aprofundamento

pelos vereadores que estavam se posicionando favorável:

Vou me ater na ótica do processo [...] esta aula parlamentar de hoje é uma aula [...]

nos meus tempos de escola gostaria de não ter participado [...] tem uma coisa que se

chama consciência que cada um de nós fará a sua prestação de contas. Essa aula de

hoje se chama rolo compressor [...] os dois artigos citados da Lei Orgânica, 149 o

município assegurará a seus habitantes em pleno exercício de direitos culturais, o 150,

o Patrimônio Cultural do Maranhão. É preciso que se relate para que cada vereador

aqui presente saiba como se constituiu esse processo que não foi à luz de estudos, foi

à luz simplesmente de saber que no final nós vamos dar um voto favorável ou contra,

mas que esse voto representa alguma coisa do conteúdo que está estabelecido nesse

processo e não votar só por votar [...]

A votação do Projeto naquele contexto implicava nas decisões futuras quanto à

viabilização da instalação de um polo siderúrgico que era de interesse da Companhia Vale, do

Governo do Maranhão e da Prefeitura articulados no âmbito da Câmara Municipal, refletindo

numericamente no resultado da votação, ou seja, de vinte e um vereadores apenas três tinham

posição contrária ao polo siderúrgico.

A posição de uma das lideranças da Câmara reflete o significado do polo

siderúrgico. Vejamos o discurso do vereador Pinto da Itamaraty (PDT)

Aurélio
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Aurélio
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Page 176: Tese Elio Pantoja Para o Trabalho de Sociologia Do Desenvolvimento

173

Sr. Presidente Colegas vereadores, galeria, o projeto é muito interessante, quando

chegou nesta Casa era solicitado no corpo do projeto 4 mil hectares para implantação

de uma possível siderúrgica, a Câmara entrou em discussão justamente com as

autoridades competentes e nós conseguimos trabalhar e reduzir a área em média 75%

das áreas, logo houve um trabalho para preservação de 75% das comunidades

também. Aqui hoje poucas pessoas têm capacidade técnica para discutir siderúrgica.

Eu tenho, eu trabalhei 8 anos na Alumar, e outra coisa, não fui para Alumar por favor,

foi por meio de seleção. Saí da Alumar quando pedi demissão para continuar meu

curso de engenharia. Conseguir formar grande parte de minha família trabalhando na

Alumar [...] eu não votei contra o relatório do vereador Abdom Murad, apenas me

posicionei de acordo com minha visão, meu ponto de vista técnico [...] e alí no

relatório do vereador, se nós percebermos hoje em São Luís tem 906 mil habitantes

com um índice de 74,3 para cada 100 mil habitantes, o que estou dizendo está escrito,

e lá quando fala que o índice de câncer de doenças é muito grande onde tem indústrias,

aqui nesse momento eu faço minha contestação, porque São Luís tem a Alumar

operando há a 25 anos, chegou aqui nos anos 80, temos a Companhia vale do Rio

Doce. E eu comecei minha grande trajetória profissional na Alumar, a Alumar me

projetou para chegar até aqui, claro e evidentemente que eu soube muito bem

aproveitar as oportunidades que a vida ofereceu e continuo aproveitando, mas sempre

pautado na dignidade, na transparência, acima de tudo de pai de família e de um

cidadão. Eu não estou aqui na Câmara por um acaso, estou aqui cumprindo uma

missão que foi outorgada por deus e pelo povo e é desta forma que vou continuar me

pautando tenho as mãos limpas e vou ter a certeza do que estou fazendo do que estou

votando. Logo, qual é a esperança de nossa juventude quando termina o seu ensino

médio, seu curso médio em busca da vida profissional? Ainda agora o colega citou

que precisamos fazer concursos e concursos públicos prá botar aonde? A Prefeitura

está abarrotada, o Governo do estado não cabe mais ninguém, a Câmara de São Luís

não cabe mais ninguém [...]

Para a Sessão de votação do projeto de alteração da lei de zoneamento, o Reage São

Luís havia mobilizado sua base: as entidades e os moradores dos povoados que se manifestaram

do lado de fora da Câmara contra a aprovação do Projeto. Outros grupos e militantes também

estavam na manifestação. No processo de aprovação houve “tumulto” e “pressão”, e “clima

tenso” como foi destacado pela imprensa77:

Manifestações marcaram a votação da lei de zoneamento [...] os ânimos estavam

alterados dentro e fora da Câmara Municipal. Estrategicamente os manifestantes que

eram a favor da lei, chegaram mais cedo à galeria que excepcionalmente foi aberto

antes do horário previsto, e ocuparam todo o espaço destinado a população dentro da

Casa. As pessoas que fazem parte de movimentos antipólo siderúrgico ficaram do lado

de fora da galeria fazendo batucada em frente à Câmara. Para evitar excessos, a

Presidência da Casa contratou mais seguranças e pediu policiamento. Em cada porta

da Câmara havia cerca de três seguranças e mais de vinte policiais. Mesmo com toda

essa segurança, alguns incidentes aconteceram. Do lado de dentro um dos seguranças

da Câmara estava ameaçando um jovem na galeria. Observando o fato, o jornalista

Walter Rodrigues tentou impedir [...] resolveu retirar o jovem do local. Com uma

atitude autoritária, o chefe da segurança do local, Lula, proibiu que o jornalista e o

jovem ameaçado passassem para o outro lado da galeria. Indignado, Walter Rodrigues

recorreu ao presidente Pereirinha que logo acatou o apelo do jornalista [...] do lado de

fora, membros do PSTU e Unipar – União dos Estudantes do Ensino Superior

77 “Lei de Zoneamento é aprovada na Câmara de São luís” (JORNAL “O DEBATE”, 2005); “Em clima tenso,

projeto é aprovado” (JORNAL “O ESTADO DO MARANHÃO, 2005); “Lei de Zoneamento aprovada na Câmara

em clima de tensão” (JORNAL ATOS E FATOS, 2005); “Tumulto marca aprovação da Lei de Zoneamento”

(JORNAL PEQUENO, .2005).

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Particular – estavam se se enfrentando e que resultou na prisão de um dos integrantes

da Unipar.(Texto publicado no Jornal O Debate – 01.12.04)

O Projeto de Lei, entretanto, foi alterado por meio de uma emenda do vereador

Edvaldo Holanda Júnior (PTC), Presidente da Comissão de Constituição e Justiça reduzindo a

área de 4 mil hectares que havia sido solicitada no projeto original, para 1.063 hectares. A

proposição dessa emenda, entretanto, como se destacou na imprensa, foi resultado de um

“consenso” entre as diferentes posições na Câmara, mas também reflexo da pressão do Reage

São Luís. A pressão do Reage São Luís e das manifestações durante as audiências públicas e,

em especial, no dia da votação do Projeto de Lei para alterar a Lei de Zoneamento, surtiu efeito

a ponto da proposição da emenda reduzir consideravelmente o tamanho da área, retirando da

proposta original a área que incluía o Rio dos Cachorros. Vejamos no discurso do Vereador

Pinto da Itamarati (PDT) que de certa forma sintetiza o resultado da discussão, expondo sua

posição:

[...] Então nós temos que buscar alternativas e alternativas inteligentes. Sr. Presidente,

eu peço aqui de V. Excelência e dos vereadores atenção redobrada, triplicada para que

a gente para que a gente possa buscar investimento para zona Rural, para as

comunidades preservadas [...] Rio dos Cachorros, Taim, Limoeiro, entre outras e aqui

eu quero formar uma Comissão com permissão desta Casa e representante da Zona

Rural dessas comunidades que foram preservadas para ir até o Sr. Prefeito de São Luís

para pedir melhorias, porque não basta só essas pessoas permanecerem [...] tem que

ter escolas, posto de saúde, tem que ter melhoria no transporte público [...] não preciso

da tribuna para fazer palco político e muito menos demagogia porque eu me elegi 7º

mais votado na primeira eleição e nessa agora o mais votado porque no mínimo a

população entendeu que eu posso representa-la [...] justifico meu voto me

posicionando contrário em parte e eu tinha citado ao vereador Abdom Murad, apenas

uma parte de seu relatório principalmente quando V. Excelência colocou que estamos

transformando o Rio dos cachorros em Zona Industrial. Não é verdade, o Rio dos

Cachorros está preservado [...]

Em síntese: o esforço político de alteração da Lei de Zoneamento pela Prefeitura de

São Luís a pedido do Governo Estadual visava resolver a questão legal do terreno para

instalação da siderurgia proposta pela Companhia Vale e pelo Governo do Maranhão. O

Governo Estadual e o Governo Municipal tinham pressa nas alterações em função do

cronograma de atividades para instalação da siderurgia, pois, os investidores aguardavam as

decisões dos gestores locais. a) a área prevista para as instalações de três usinas seria de

2.471,71 hectares, localizados entre o Porto do Itaqui e o povoado de Rio dos Cachorros, na

região administrativa municipal do Itaqui/Bacanga. Para isso era necessário converter uma área

total de 4.000 hectares, incluindo o Rio dos Cachorros como Zona Industrial. Em 2004, esta

área foi declarada como de utilidade pública para fins de desapropriação pelo governo do Estado

do Maranhão (Decretos nº 20.727-DO, de 30 de agosto de 2004, e nº 20.781-DO, de 29 de

setembro de 2004); b) porém, havia um impedimento legal para instalação das usinas: a Lei de

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Zoneamento, Parcelamento, Uso e Ocupação do Solo Urbano do Município de São Luís, em

vigor desde 1992 situa a área que foi planejada para a siderurgia na Zona Rural II do Município

de São Luís, sendo que segundo a Lei acima citada, empreendimentos industriais somente

podem ser implantados em Zona Industrial; c) visando eliminar esta dificuldade legal, a

Prefeitura Municipal de São Luís encaminhou à Câmara Municipal um projeto de alteração

desta Lei, convertendo a área em Zona Industrial; d) a pressão dos movimentos sociais

contrários à implantação da siderurgia não impediu que a Câmara Municipal aprovasse a

mudança na Lei, mas levou à alteração do projeto inicial, “excluindo as áreas de preservação

permanente, constituídas das nascentes e cursos d´água existentes e reduzindo a área do projeto

para 1.068 hectares” (FORUM CARAJÁS, 2006).

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5 PROPOSTAS ANTAGÔNICAS78: a Reserva Extrativista de Tauá-Mirim versus Polo

Siderúrgico

Observemos os Mapas 2 e 4. Eles localizam a planta do projeto siderúrgico em

discussão em 2004. E observemos o Mapa 5 que demarca a área do projeto de instalação da

Reserva Extrativista de Tauá-Mirim. O que está em questão? Um “processo de

territorialização” que se efetiva por meio de experiências de mobilização de forças antagônicas

notando-se uma complexa rede de relações de poder interconectadas e intercaladas (SOUZA,

1995)79 e a “sobreposição de reivindicações” de diferentes atores “[...] portadores de

identidades e lógicas culturais diferenciadas, sobre o mesmo recorte espacial”, sendo portanto,

uma situação que pode ser classificada no rol de “Conflitos ambientais territoriais” (ZHOURI;

LACHEFSKI, 2010, p. 23).

A existência de forças políticas antagônicas, com reivindicação de controle sobre o

mesmo espaço, ganha sentido histórico pela ação estatal, que aliando-se à iniciativa privada

representada por grandes empresas multinacionais do setor mínero-metalúrgico tem

potencializado esses conflitos Como analisei no Capítulo 1, os povoados da Zona Rural II de

São Luís convivem com a constante ameaça de deslocamento desde o final dos anos de 1970,

quando começaram as obras de instalação da fábrica de Alumínio da Alumar (na época

denominada somente Alcoa) e a construção da Estrada de Ferro de Carajás, assim como dos

terminais de carga e passageiros da Companhia Vale.

Vale relembrar que em 1987 foi criada a estatal Usina Siderúrgica do Maranhão

(USIMAR) que funcionou até 1999 quando foi desativada. Em 1999, a empresa foi reativada

pela iniciativa privada com apoio institucional do governo estadual, mas em 2000 as obras

foram paralisadas em função da extinção da Sudam (MARANHÃO, 2004a). Já em 2001, o

Governo do Maranhão, em parceria com a Companhia Vale retomou o projeto de instalação de

um polo siderúrgico em São Luís, inserido num cenário em que o governo brasileiro retomava

importantes investimentos em obras de infraestrutura visando tornar o país competitivo na

economia internacional. Neste contexto o Estado, por meio de suas agências de

78 Foi o termo utilizado por Alberto Cantanhede em entrevista em 11 jan. 2012 ao caracterizar a situação de conflito

que surgiu com o projeto de instalação do polo siderúrgico em 2004 na mesma área em que as associações de

moradores dos povoados rurais da Zona Rural II de São Luís propunham a instalação da Reserva Extrativista de

Tauá-Mirim cujo projeto vinha sendo discutido desde os anos de 1990. 79 Os exemplos de territórios e suas respectivas relações de poder ilustrados por Souza (1995) referem-se às suas

experiências de pesquisa de campo sobre os territórios do tráfico de drogas e os conflitos e/ ou alianças entre

“facções amigas” ou rivais na cidade do Rio de Janeiro. A forma de abordar o território por este autor é bastante

inspiradora neste estudo, sobretudo pelo fato de que se trata de uma abordagem antropológica na qual o território

é mediado por relações sociais e relações de poder, permitindo dialogar com a realidade aqui estudada.

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Page 180: Tese Elio Pantoja Para o Trabalho de Sociologia Do Desenvolvimento

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desenvolvimento econômico, mobilizou recursos, estabeleceu planos estratégicos, estabeleceu

novas diretrizes de gestão territorial, incluindo grandes extensões de terra em áreas portuárias,

como foi o caso da área do Porto de Itaqui, adequando-se aos interesses de “agentes

hegemônicos” (CARVALHO, 2011).

Com relação aos efeitos destes projetos sobre os povoados da zona portuária da

cidade de São Luís, Sant’Ana Júnior et al. (2009, p. 23) verificaram o seguinte,

[...] a instalação destes empreendimentos implicou em deslocamentos compulsórios

de vários povoados, e seu funcionamento acarreta uma série de problemas ambientais.

Além disso, devido às condições logísticas existentes para a instalação de novos

empreendimentos industriais, há uma possibilidade constante de novos deslocamentos

[...] em áreas nas quais a regularização fundiária é muito incipiente, o que os fragiliza

quanto à posse e controle do território. Esses grupos são submetidos, também a

constantes constrangimentos simbólicos, pois a percepção de sua condição de

fraqueza é sempre reforçada diante do que é apresentado como sendo a força dos

grandes empreendedores públicos e privados;

O Estado é um agente indutor importante do processo de territorialização, por ser o

principal articulador e promotor das ações político-institucionais e administrativas, e é ao

mesmo tempo um “agente hegemônico” dentro da arena constituída pela disputa territorial e

controle ambiental. Como dito antes, o “campo dos conflitos ambientais”, seguindo a

formulação de Acselrad (2004) pode ser considerado como:

a) “Um terreno contestado material e simbolicamente”, pois remete ao processo de

redistribuição de poderes sobre os recursos territorializados;

b) Implica em “legitimação/deslegitimação das práticas de apropriação da base

material das sociedades e/ou de suas localizações”.

c) As lutas por recursos ambientais são “lutas por sentidos culturais”. O meio

ambiente é percebido assim como:

[...] Uma construção variável no tempo e no espaço, um recurso argumentativo a que

atores sociais recorrem discursivamente através de estratégias de localização

conceitual nas condições específicas da luta social [...] pela afirmação de certos

projetos em contextos de desigualdade sociopolítica. (ACSELRAD, 2004, p. 19).

Um conflito social tem uma historicidade, envolve experiência e aprendizagem e é

continuamente reinventado e ressignificado, na medida em que as circunstâncias e os contextos

influenciam as formas da ação coletiva e os interesses em questão (TILLY, 1978; OLSON,

1998). Não é uma manifestação espontânea, é reflexo da condição social e do despertar para o

mundo da política na vida cotidiana. Neste caso, o conflito instalado é fruto do processo de

modernização e expansão econômica capitalista via projetos de desenvolvimento.

A percepção do fortalecimento político dos atores locais é importante, pois, a

existência do conflito é também fruto da compreensão e da percepção de indivíduos, de grupos

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Page 181: Tese Elio Pantoja Para o Trabalho de Sociologia Do Desenvolvimento

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politicamente mobilizados (LOPES, 2004). Um conflito pode ter início a partir de uma

coletividade, mas pode surgir também de um problema individual, pessoal, que se transforma

em um processo mais amplo e “dessingularizado”, de reivindicações (BOLTANSKI, 1990).

No Capítulo 3, chamei atenção para a ideia de “comunidade”, que neste estudo, está

empiricamente referida aos povoados, mas tal noção aqui, é redefinida no sentido de serem

“comunidades” pensadas enquanto coletividades dinâmicas com uma capacidade de

intervenção na realidade, com uma relativa autonomia com relação à ação do Estado e com um

certo nível de protagonismo, para lembrar as reflexões formuladas a partir dos formatos

organizativos dos “novos movimentos sociais” que em sua maioria irrompem com a tradição

oligárquica e patrimonialista (GOHN, 1995, p. 203). Neste estudo trata-se da emergência de

novos sujeitos que se constituem como força política que não somente questionam a forma de

atuação do Estado, mas também criam estruturas de ação coletivas que pressionam ao Estado a

dar respostas institucionais em forma de políticas sociais. Foi nesta perspectiva que me referi

ao trecho da narrativa do jovem líder do Taim quando falou do “fortalecimento da

comunidade”. A meu ver, a narrativa exemplifica o processo de subjetivação acima referido. A

“comunidade” e o sentimento de a ela pertencer e de defendê-la são também resultado da

pressão econômica, da configuração de forças antagônicas que gera o sentimento de pertencer

a uma comunidade face às ameaças e perdas materiais e simbólicas relativas ao lugar. Por esse

prisma, o processo de modernização e sua contraposição são percebidos, como mais dinâmicos,

como se neles não houvesse uma posição pré-definida uma vez que os atores não somente não

são meras “correias de transmissão”, como também dispõem de uma “margem de manobras”

(OLIVIER DE SARDAN, 1997).

Observando a documentação produzida pelo Governo do Maranhão, assim como os

documentos produzidos pelo Reage São Luís, não encontrei referências politicamente

expressivas sobre o pedido de instalação da Reserva Extrativista. A atuação do Reage São Luís

priorizou de fato a reivindicação mais imediata qual seja, a de impedir a instalação de um polo

siderúrgico. A reivindicação da RESEX foi um ponto de pauta do movimento, entretanto, não

foi o principal. A retomada da proposta de instalação do projeto da Reserva Extrativista, no

âmbito das mobilizações ocorreu posteriormente. Naquelas circunstâncias, sob pressão do

movimento o governo já cogitava a possibilidade de transferir a instalação do empreendimento

para o continente, e esta foi a proposta, inclusive da coordenação do Reage São Luís, durante

as audiências públicas. Se não foi uma posição unânime do movimento, a coordenação tinha a

compreensão de que “o desenvolvimento é necessário, mas deve estar em harmonia com o meio

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ambiente”80, o que de certa forma, sugere que, na possibilidade dessa harmonia, o

empreendimento poderia ser instalado em um local ambientalmente viável e que oferecesse as

condições logísticas e apresentasse uma relação custo-benefício interessante aos investidores.

Um trecho da de intervenção na Audiência Pública de 24 de março de 2005 ilustra a posição do

Reage São Luís.

A primeira coisa que nós deixamos claro, sempre que temos conversado com as

pessoas, é que o movimento não é contra a implantação do Polo Siderúrgico no Estado

do Maranhão. O movimento acha que não é tecnicamente possível que isso aconteça

na Ilha de São Luís. E nós fazemos questão de começar a nossa apresentação

mostrando que economicamente é viável que o Polo Siderúrgico se instale no Estado

do Maranhão sem que seja necessariamente na Ilha de São Luís. O Brasil, essas

indústrias que querem vir pra cá, nós estamos falando da alteração da Lei do Uso do

Solo, mas é alteração da Lei de Uso do Solo para finalidade de instalação de um

empreendimento siderúrgico no nosso Estado. Pois bem, o Brasil tem o menor custo

de produção de placas de aço do mundo. Este é o principal motivo pelo qual as

indústrias procuram o Brasil: é porque aqui é barato produzir, pelo tipo de minério

que nós temos de alta qualidade, pelos salários dos brasileiros que são mais baixos de

que em outras regiões; enfim, somando todos os fatores é barato produzir no Brasil.

Provavelmente no Maranhão será mais barato ainda, por quê? Porque nós temos um

minério - Minério de Carajás - que é o melhor minério de ferro do mundo com 66%

de concentração. Existem usinas pelo mundo que trabalham com Mineiro de Ferro

com 28% de teor de ferro, com 40%, com 50%. No nosso caso, temos 66%. Isto

significa custo de produção mais baixo. A estimativa que nós temos é que remover,

por exemplo, de São Luís para o Município de Bacabeira teria custo adicional da

ordem de 03 dólares por tonelada, ainda assim seria um excelente negócio para as

indústrias que querem vir se instalar, no Maranhão. Então, é possível que essa

instalação, que essa implantação ocorra. Nós usamos o Município de Bacabeira como

referência, apenas porque em 1996, quando o Estado fez o Plano Diretor do Distrito

Industrial, concluiu, sugeriu que esse tipo de indústria mais pesada - Indústria do Aço,

Cimento - não fosse instalada na Ilha de São Luís. Foi criado na época no Município

de Rosário um Distrito Industrial e determinado que esse tipo de indústria fosse

instalado naquele local. Então, a sugestão de Bacabeira na verdade vem do Governo

do Estado, em 1996. Curiosamente, no estudo que foi patrocinado pela Companhia

Vale do Rio Doce, na época, ela não tinha interesse em se tornar sócia de nenhum

empreendimento siderúrgico. No atual momento há esse interesse talvez porque ela

tenha tanta insistência para que seja na Ilha de São Luís. Realmente, na Ilha de São

Luís, é mais barato. As empresas se forem produzir na Ilha, terão um lucro maior. Mas

é perfeitamente viável que seja instalada fora da Ilha de São Luís, que ainda assim vai

ser um excelente negócio para as empresas81.

A posição política e a proposição dos membros do Reage sempre remetem à

problemática socioambiental da instalação de um empreendimento da magnitude daquele que

estava sendo planejado, em uma ilha que já apresenta visível fragilidade ambiental. Vejamos

no trecho abaixo o que dizem outras organizações ligadas ao Reage São Luís:

[...] Os efeitos socioambientais e econômicos do polo siderúrgico serão,

indiscutivelmente, positivos desde que sua localização seja direcionada para uma área

segura. Nesses aspectos as áreas continentais da região norte do Maranhão, situadas

80 Trecho extraído da ata da Audiência Pública de 8 mar. 2005. Intervenção de Edilea Pereira, Geóloga, Professora

da UFMA, membro do Reage São Luís. 81 Trecho extraído da ata da Audiência Pública de 24 jun. 2005. Intervenção de Guilherme Zagallo, advogado e

coordenador do Reage São Luís.

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ao sul da cidade de Bacabeira surgem como estratégicas, sob todos os aspectos:

locacionais, de acessibilidade, de disponibilidade de água e de energia, e de maior

garantia geoquímica contra eventos poluidores (AGEMA; IMRH, 2004, p. 13)

Os argumentos acima expostos de certa forma ajudam a traçar o perfil do Reage

São Luís. Não se trata de um movimento de oposição ao modelo de desenvolvimento

econômico, seja no âmbito global, regional ou o modelo em curso no país. Volta-se muito mais

para uma pauta específica, qual seja um enfrentamento de ordem mais pragmática, localizada e

pontual, que é a instalação de um grande projeto siderúrgico, face à fragilidade ambiental da

ilha. Este enfrentamento levou a debate mais amplo, ao qual se pode atribuir uma crítica de

caráter mais global, entretanto, o caráter global da crítica se refere mais diretamente aos efeitos

da poluição ambiental. Um debate sobre o capitalismo não teve lugar privilegiado, pois, não foi

este o alvo direto da crítica social do Reage São Luís. Nesta posição mediana, contra a

instalação de um polo siderúrgico na ilha, contra o desenvolvimento a qualquer custo, mas não

contra o modelo de desenvolvimento, reside o principal dispositivo estratégico discursivo do

Reage São Luís.

Importante considerar também, o cenário político em que as instâncias

governamentais principalmente da esfera federal, foram mais propensas a ouvir “a voz do

popular”. As “estruturas de oportunidade” neste caso, identificadas no cenário político nacional,

aliadas à habilidade da coordenação do Reage São Luís formada por um corpo de experts capaz

de identificar as falhas nos processos de decisão administrativa e delas tirar proveito. A meu

ver, estes foram em geral os fatores decisivos para uma maior eficácia do discurso

socioambiental do Reage São Luís, a ponto de frustrar a expectativa dos investidores e, como

desdobramento fortalecer a proposta de instalação de uma reserva extrativista que já estava em

pauta antes do debate sobre a instalação do polo siderúrgico.

5.1 A RESEX de Tauá-Mirim: reviravolta na arena política local do meio ambiente?

Passado o período mais tenso do debate acerca do polo siderúrgico, já no final de

2006 e durante o ano de 2007, na gestão do Governador Jackson Lago, irmã Anne da

Congregação das Irmãs de Notre Dame e membro do Reage São Luís, lembrou82 que o

governador havia lhe dito em um dos encontros que teve com ele, que a instalação da Reserva

Extrativista na região onde se cogitou a instalação do polo siderúrgico, dependia muito mais da

82 Notas de um encontro com Irmã Anne em 17 set. 2012.

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organização da sociedade civil local para exigir sua efetivação83. Compreendo que esta

observação é bastante significativa nesse quadro de oportunidades do qual a coordenação do

Reage São Luís soube estrategicamente aproveitar. Sirvo-me, também, de outra observação que

complementa a lembrança de irmã Anne, feita por Marluze Pastor, Gerente Executiva do

IBAMA (MA) em 2004: perguntei sobre sua compreensão acerca do contexto político mais

geral em que se discutia um polo siderúrgico em São Luís e ela disse:

[...] Tem algum momento interessante que já era o conflito entre Roseana e José

Reinaldo, eu acho que também é importante porque José Reinaldo estava muito

confuso em relação a isso, a esse tal empreendimento e Jackson Lago que assume

depois o governo já defende que não devia ser em São Luís, deveria ser em Bacabeira.

Então essa conjuntura, há esses conflitos no grupo, no grupo Sarney também. Ao nível

nacional tem a questão da Marina84 (Ministra do Meio Ambiente) pelo que ela

representava no Ministério, na questão ambiental no Brasil, e tinha um trâmite muito

importante no governo, tinha uma marca no IBAMA e tinha uma série de pessoas que

asseguraram [...] que estavam junto com Marina lá no Ministério e deram respaldo

[...] teve ação do Ministério Público contra o polo siderúrgico, teve a ação do IBAMA

contra o polo siderúrgico, teve pessoas do lado jurídico [...] que assinaram ação. Então

essa conjuntura política foi importante naquele momento, tanto no que acontecia aqui

no Estado de conflito entre o grupo Sarney e José Reinaldo e a formação de Jackson

pra ser o governante, quanto em nível nacional. Esse momento do início do governo

Lula que de alguma forma favoreceu, as reivindicações dos movimentos sociais [...]

(Marluze Pastor, Gerente Executiva do IBAMA em 2004. Entrevista em 06 jun. 2013)

Após sua avaliação do cenário político do momento (2004-2006), perguntei se o

cenário mudaria caso o projeto do polo siderúrgico tivesse sido proposto anteriormente quando

o governo estadual estava sob o controle do “grupo Sarney”, ela disse o seguinte:

[...] Seria bem diferente. Tem duas coisas que seriam diferentes: primeiro, você não

tem essa conjuntura política nacional e local, como você tem outra situação. O

governo do grupo Sarney é um governo de medo, as pessoas têm medo de dar

visibilidade de reagir, as pessoas morrem de medo. Na época do José Reinaldo as

pessoas tiveram mais com ele, criticaram mais. A mesma coisa com Jackson, estavam

sempre lá com ele criticando, questionando - é um governo de menos medo e mais

liberdade, entre aspas, as pessoas criticaram muito mais, se expuseram muito mais,

colocaram suas questões muito mais, aflorou muito mais [...] As pessoas tem muito

medo de dar uma palavra contra esse pessoal (“grupo Sarney”) - é um governo de

compadrio, se ficar contra ele, perde qualquer oportunidade, então não sai da toca.

Esses são dois pontos importantes que levariam o movimento para outra direção, pelo

menos, menos projeção [...]. Também tem outra coisa, a relação de José Reinaldo e

Jackson com essas empresas é diferente da relação deles; Sarney faz esse jogo de troca

que os outros fizeram menos, esse contexto foi importante. (Marluze Pastor, Gerente

Executiva do IBAMA em 2004. Entrevista em 06 jun. 2013)

83 O governador na ocasião, Jackson Lago (PDT), com histórico de aproximações com os movimentos sociais foi

eleito em outubro de 2006 por uma diversificada rede de alianças e de coalizões capitaneadas pelos partidos de

oposição ao grupo político do Senador José Sarney, o PDT e o PSDB (COSTA, 2009). 84 Refere-se ao fato de que a Ministra do Meio Ambiente, a ecologista Marina Silva (2003-2008) manteve uma

política de controle quanto à liberação de projetos geradores de grandes impactos ambientais. Como assinalei no

Capítulo 2 a postura da Ministra do Meio Ambiente para os agentes econômicos (estatais e privados) resultou em

fortes pressões políticas para liberação de licenças ambientais e consequentemente o pedido de demissão da

Ministra Marina Silva do Ministério do Meio Ambiente, em 2008.

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Considerar estes elementos que compõem o cenário político torna-se

imprescindível porque eles indicam na análise em curso, que um movimento também avança

em suas formas de ação e de negociação dentro de um quadro político - ou como venho

chamando atenção, dentro de uma “estrutura de oportunidades” que permitiu avançar nas

negociações no âmbito das políticas ambientais.

Desde 1996, já havia um acúmulo de discussões sobre projetos de unidades de

conservação na área da Zona Rural II, como foi registrado no Laudo Sócio-Econômico e

Biológico para Criação da Reserva Extrativista do Taim (IBAMA, 2007, p. 9):

[...] Com o início da negociação para a criação da pretendida unidade de conservação,

as lideranças perceberam que seria muito difícil que as empresas instaladas na região

abrissem mão de suas áreas cedidas pelo estado, e então começaram e pensar em outra

alternativa. A partir de 1997, dentro do contexto de reuniões do Fórum Carajás e da

Sociedade de Direitos Humanos, surgiram as primeiras sugestões de se criar uma

reserva extrativista, entendendo que esse modelo de unidade seria o que mais se

adequava como instrumento para proteger toda a comunidade e seu modo de vida.

Vejamos que os moradores e lideranças da Zona Rural II de São Luís, desde os anos

de 1990 já estavam articulados por meio de suas organizações com outras entidades, tais como

Maranhense de Direitos Humanos, Fórum Carajás85 e também por meio do GTA. Nestes

espaços consolidaram importantes parcerias por meio das quais discutiram o projeto da RESEX.

Retomo um trecho da entrevista com Alberto Cantanhede, líder do povoado do Taim, em 11 de

janeiro de 2012 que mostra o panorama desse entrecruzamento entre o pedido de instalação da

Reserva de Tauá-Mirim e o projeto de instalação do polo siderúrgico:

[...] Eu entrei no movimento em 1990 então 2 anos depois eu comecei a frequentar a

reunião do GTA (Grupo de Trabalho Amazônico) e em 1996 eu fui para o Conselho

e agora em 2005 a 2007 eu fui presidente do grupo. Em 2008 terminou o mandato e

eu voltei para a secretaria e elegemos um outro companheiro do Amazonas, e eu voltei

para a secretaria e terminou o mandato agora esse ano dessa secretaria [...]. Então

nesse centro a gente começa ver outras articulações, sobretudo na questão ambiental

e a questão da criação de reservas é o forte dentro do GTA, de potencializar tanto a

criação quanto as que já estão criadas, então quando eu começo lá e cá, então começo

achar que a gente podia criar uma unidade de conservação aqui, que o modelo de

assentamento como a gente teve não funcionou. Teve comunidade em 1997 que o

governo do estado criou 15 assentamentos em São Luís, Jacamim, Taim, Rio dos

Cachorros, Porto Grande, tudo é assentamento. Mas ninguém tem uma coordenação

desses assentamentos, então têm comunidades como, por exemplo, Tajaçuaba em que

entrou um Presidente de associação e vendeu as terras todas, vendendo loteando as

85 Conforme consta em seu site o Fórum Carajás é uma ONG formada por uma teia de entidades do Maranhão,

Pará e Tocantins, surgida em 1992 e voltada às implicações ambientais, sociais e econômicas produzidas por

grandes projetos. Atua nas políticas de projetos para a Região do Carajás, promove atividades de sensibilização

da opinião pública e formação de lideranças; realiza estudos voltados ao fortalecimento do Movimento Popular;

busca encontrar soluções para os problemas socioambientais através de articulação com entidades não-

governamentais da Alemanha e de outras regiões do Brasil e do mundo. Consiste “num espaço pluri-institucional

que desenvolve bases sustentáveis, tendo na produção agroecológica e na agricultura familiar extrativista, a

garantia de participação democrática no âmbito de gestão e deliberação de políticas públicas das populações

atingidas pelos grandes projetos”. (FORUM CARAJÁS, 2006).

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183

terras das comunidades que eram o assentamento. Então não tinha uma coordenação,

não tinha um regimento nada, então eu disse “olha para a gente preservar o que ainda

resta, a gente pode transformar vários assentamentos em uma unidade de

conservação”.

Alberto Cantanhede fala de sua inserção na discussão ambiental na Amazônia desde

1996, como pescador e morador do povoado do Taim, fazia a articulação “lá e cá” na luta

política pela regularização das terras em conflito territorial. Note-se que somente em 2000 foi

instituído o Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC), mas preocupações com

preservação, já faziam parte da agenda de discussões e de mobilizações das lideranças por meio

das organizações locais, entre elas, a Colônia de Pescadores e o movimento de pescadores,

envolvendo também as associações de moradores, entre estas as associações de moradores do

Taim e do Rio dos Cachorros.

Entre 2004 e 2005 no confronto com o projeto de instalação do polo siderúrgico, os

membros do Reage São Luís foram orientados a procurar a SPU em Brasília, quando

descobriram que havia um documento do Governo do Maranhão solicitando terras da Zona

Rural II para instalação do projeto siderúrgico. Perceberam também que na área solicitada pelo

governo estadual estava situada a área de assentamento (descrevi e analisei essa situação no

Item 3.8). Ainda seguindo o relato de Alberto Cantanhede, a discussão sobre unidade de

conservação se deu a partir da percepção de que a experiência de assentamento foi fracassada

em função das especificidades da população, do ambiente e de suas atividades produtivas:

Foi aí que surgiu a ideia da Reserva Extrativista, mas esse assentamento foi criado em

97 e ai a gente vem com ele e em 98 a gente começa discutir a RESEX a que foi dada

a entrada só em 2003. Em 2004 começa a discussão do polo siderúrgico e aí a gente

entrou em parafuso por que são duas propostas antagônicas né, uma querendo

preservar e a outra querendo destruir. O polo siderúrgico vinha com a proposta de 3

unidades de produção de aço. Então era um outro mundo. (Entrevista com Alberto

Cantanhede, líder do povoado do Taim em 11 jan. 2012).

Seguindo as explicações de Alberto Cantanhede e de Cloves Amorim86, também

pescador e liderança do povoado de Cajueiro, se vê que o modelo de gestão do território baseado

em assentamento rural, para aqueles povoados da Zona Rural, não correspondeu às

singularidades da população. Embora sejam significativas as atividades agrícolas voltadas para

a subsistência com base na pequena produção familiar, tratava-se de uma população com

atividades muito mais voltadas ao extrativismo marinho (e atualmente em menor escala à

prática de extrativismo mineral) e à atividade de pesca artesanal. Quer dizer, para estas

86 Entrevista em 20 mar. 2013 com Cloves Amorim: pescador, líder comunitário do povoado de Cajueiro, engajado

no movimento de pescadores artesanais e membro do Reage São Luís.

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lideranças, o projeto de assentamento rural na forma estabelecida foi mais um processo de

imposição “de cima para baixo” sem diálogo com a sociedade e com as organizações.

Em 2000, já informados pelo SNUC, viram que o modelo de unidade de

conservação no formato de uma Reserva Extrativista estaria muito mais aproximado da

realidade. Quanto ao processo de institucionalização nota-se também uma mudança

significativa na forma de atuação dos órgãos governamentais que lidam com as políticas

ambientais, em especial o IBAMA, por meio do CNPT que propõe “[...] metodologias

participativas para que a construção coletiva do conhecimento seja também um instrumento de

articulação entre os atores envolvidos e de valorização da cultura tradicional” (IBAMA, 2007,

p.7).

Foi nesse contexto de mobilizações que estas lideranças, por meio das associações

de moradores e articulados ao GTA e com o MONAPE, iniciaram a busca de reconhecimento

oficial como “populações tradicionais”. Ao acionar esta categoria, os moradores e as

organizações, principalmente as associações de moradores articuladas ao movimento de

pescadores e as demais organizações mencionadas acima, tais como GTA, Sociedade

Maranhense de Direitos Humanos, Forum Carajás, recorreram a vários dispositivos com o

propósito de reivindicar legalmente a propriedade da área.

Em primeiro lugar, nota-se que as lideranças recorreram ao amparo legal, uma vez

que o termo “populações tradicionais” foi incorporado inicialmente pelos órgãos estatais que

lidam com o meio ambiente. Mais especificamente, com o CNPT em 1992, órgão ligado

diretamente ao IBAMA e posteriormente, em 2007 com o surgimento do Instituto Chico

Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), o CNPT passou a integrar este novo

órgão federal. Nota-se um enquadramento de determinados grupos sociais como “populações

tradicionais” a serem alvos de planos, programas e projetos, dentre dos quais se encontram as

atribuições relativas à criação de Reservas Extrativistas em conjunto com estes grupos assim

denominados. Ora, neste processo de resistência ao deslocamento para instalação do polo

siderúrgico e também em defesa da Reserva Extrativista, como verificou Gaspar (2009, p. 117)

no caso do Taim, “a expressão populações tradicionais aparece como categoria de atribuição às

famílias residentes nos povoados incluídos na área pretendida para a criação da RESEX de

Tauá-Mirim”. Nesta busca, os moradores mobilizados por meio das associações

recorrentemente passaram a acionar esta categoria. Observa Gaspar (2009) que os moradores

do Taim recorrem ao histórico de ocupação como forma de conectar as gerações presentes com

uma “ancestralidade comum”, aos primeiros moradores do lugar, entre estes negros escravos.

Outra forma de conectar o presente ao passado ocorre também através das manifestações

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culturais que seriam herdadas destes primeiros habitantes negros, tais como, as festividades e

devoção a São Benedito, acompanhados de danças como o Tambor de Crioula87. O Tambor de

Crioula tem sido uma manifestação cultural local importante também na ótica da identidade

local (ver Silva (2009)88. Em segundo lugar é importante salientar que o uso do termo

“população tradicional” passou a ser recorrente nos discursos das lideranças comunitárias se

constituindo como parte da composição do repertório de ação política. Segundo Sant`Ana

Júnior et al., (2009, p. 27).

Parte dos moradores da área disputada para instalação do polo siderúrgico, através de

suas associações e lideranças, reivindica a condição de “população tradicional”,

argumentando que praticam a pesca, coleta de marisco, agricultura familiar, mantendo

uma relação sustentável, mantêm suas próprias formas de organização comunitária,

ocupam ancestralmente a área, mantendo um modo de vida e uma cultura próprios.

O uso do termo, entretanto, não se restringe às manifestações públicas. Tem sido

disseminado na linguagem cotidiana por diversos meios de difusão tais como escolas, cursos

de capacitação, associação de moradores, órgãos governamentais, de modo que passou a operar

como uma espécie de “dupla hermenêutica”, conforme uso do termo feito por Giddens (1996),

ao falar da reflexividade da produção do conhecimento no campo sociológico, quando os atores

sociais incorporam, em suas práticas sociais, um conceito construído fora, mas acionado por

eles, na medida em que se faz necessário incorporá-lo, dotando-o de novos significados e novos

sentidos atribuídos dentro do contexto social em questão. O uso que se faz da expressão

“Populações Tradicionais”, agora não é somente o que vem daqueles órgãos e/ou intelectuais

que o inventaram para intervir na realidade. Passa ser também um dispositivo de ação política

a ser acionado, uma vez que é uma forma de categorização, de classificação social e política

que, neste caso, é instrumentalizado juridicamente porque interessa a toda uma coletividade.

Neste sentido, as lideranças do Taim, Rio dos Cachorros, Cajueiro, Porto Grande,

entre outros perceberam que havia perdas e compreenderam a necessidade de que essas perdas

deveriam ser reparadas, considerando também, o perfil da população local tendo em vista que

se trata de uma população de pescadores-agricultores e extrativistas. Essa foi a razão pela qual

as lideranças tomaram a iniciativa de solicitar a instalação de uma Reserva Extrativista.

87 O Tambor de Crioula é uma forma de expressão de matriz afro-brasileira que envolve dança circular, canto e

percussão de tambores. Seja ao ar livre, nas praças, no interior de terreiros, ou então associado a outros eventos e

manifestações, é realizado sem local específico ou calendário pré-fixado e praticado especialmente em louvor a

São Benedito. (IPHAN, c2014). 88 Silva (2009) analisou como os moradores do Taim recorreram à memória coletiva como estratégia de luta

política para permanecer no território. A autora mostra que as relações de parentesco, de amizade, de vizinhança

e de compadrio, associados às manifestações culturais, a exemplo do Tambor de Crioula, e dos festejos dos santos

padroeiros, reforçam e se constituem como elementos de organização comunitária importantes nos processos de

resistência política aos deslocamentos compulsórios.

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A gente tinha acabado de dar entrada no pedido da RESEX em agosto de 2003, quando

já havia todo um ambiente para isso. Já vínhamos discutindo desde 98 a possibilidade

de reparação dos danos ambientais, a gente só não sabia como fazer isso, a gente

começou essa discussão. O que que a gente pensava, perdemos produção, perdemos

espaço de trabalho e um conjunto de coisas, de patrimônios que a gente tinha. Então

como é que a gente fazia, uma ideia era garantir que a gente não piorasse. Solicitamos

reuniões com as empresas do setor e diziam que topavam, achavam a ideia interessante

conversamos com o poder público municipal que era a criação de um centro de

referência pra saúde, não pedimos indenização nenhuma né, até então, esse era outro

passo que a gente tinha, então nós queríamos assegurar que pudesse estabilizar a

questão saúde tanto do trabalhador quanto das populações que estão no entorno desses

grandes empreendimentos e aí a gente não avançou muito, disseram ok, mas não

deram o passo seguinte, tanto o estado quanto a empresa, aí a gente queria ver essa

questão do meio ambiente como é que ficava na mesma tentativa de estabilizar os

danos, aí a gente pensa na unidade de conservação. (Entrevista com Alberto

Cantanhede, líder do povoado do Taim. Entrevista em 11 jan. 2012).

O projeto de instalação da Reserva Extrativista como relata Alberto Cantanhede,

começou pela articulação nas discussões em nível nacional sobre a política ambiental no âmbito

do GTA. O Governo do Maranhão e a Prefeitura de São Luís, em conjunto com a Companhia

Vale empenhavam-se pela instalação do polo siderúrgico e mobilizavam a sociedade local -

tanto seguimentos organizados da sociedade, como foi o caso do empresariado maranhense,

quanto as lideranças que também deram apoio ao projeto do governo. Mas, a mobilização contra

a instalação do polo siderúrgico e, por conseguinte, contra o deslocamento de grande parte dos

povoados da Zona Rural II de São Luís, foi também um momento importante para dar

visibilidade ao projeto de instalação da Reserva Extrativista. A retomada deste projeto no

âmbito do Reage São Luís pode ser compreendida, portanto, como um desdobramento da

mobilização contra o polo siderúrgico.

Outra estratégia importante foi acessar os canais institucionais no âmbito do

governo federal ligados às políticas ambientais. Na época, o IBAMA e o CNPT foram

importantes na interlocução para a demanda da RESEX entre as várias instâncias do governo e

os movimentos sociais, pois, erem estes órgãos os responsáveis respectivamente pela criação

da RESEX e por sua gestão. Questões como os instrumentos e a forma de gestão de uma RESEX

ainda eram desconhecidas pela maioria dos moradores, o que de certa forma gerou uma série

de dúvidas quanto à continuidade de suas atividades econômicas e de sobrevivência, caso a

RESEX viesse a ser instalada. Entre 2006 e 2007 ocorreram várias reuniões para tratar do

projeto da RESEX. Tive a oportunidade de participar de uma Audiência Pública em 2006, no

povoado de Vila Maranhão. Naquele ano não tinha pretensão de estudar a situação, no entanto,

como membro do GEDMMA (UFMA), observando os desdobramentos do debate sobre o polo

siderúrgico, percebi que alguns moradores presentes na Audiência trabalhavam com extração

mineral, fosse de areia, barro ou pedras, temiam ter suas atividades paralisadas e seus imóveis

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desapropriados com a mudança de gestão. Embora sendo um número reduzido de pessoas, tais

preocupações por parte destes moradores mostraram a dimensão do problema que os

proponentes da RESEX iriam enfrentar. Percebi nas intervenções deste pequeno grupo que

havia preocupações com o que poderia acontecer se suas atividades fossem controladas pelo

“Conselho” e segundo o “Plano de Manejo” que naquele contexto estavam sendo apresentados

e discutidos.

Reserva Extrativista (RESEX) é uma modalidade de unidade de conservação

ambiental prevista no Sistema Nacional de Unidade de Unidade de Conservação (SNUC),

conforme está instituído pela Lei nº. 9.985, de 18 de julho de 2000. O SNUC estabelece duas

modalidades de unidade de conservação: 1) de Proteção Integral; e 2) de Uso Sustentável

(MINISTÉRIO DO MEIO AMBIENTE, 2003).

As Unidades de Uso Sustentável visam “[...] compatibilizar a conservação da

natureza com o uso sustentável de parcela de seus recursos naturais”. São divididas em sete

categorias: Área de Proteção Ambiental; Área de Relevante Interesse Ecológico; Floresta

Nacional; Reserva Extrativista (grifo meu); Reserva de Fauna; Reserva de Desenvolvimento

Sustentável; e Reserva Particular do Patrimônio Natural. Já as Unidades de Proteção Integral,

visam “[...] preservar a natureza, sendo admitido apenas o uso indireto dos seus recursos

naturais, com exceção dos casos previstos nesta Lei”. Estas se dividem em: Estação Ecológica;

Reserva Biológica; Parque Nacional; Monumento Natural; Refúgio de Vida Silvestre

(MINISTÉRIO DO MEIO AMBIENTE, 2003).

Dadas as especificidades das atividades, do ambiente e da população, no diálogo

estabelecido entre a população, o IBAMA e o CNPT, houve um acordo em torno da

classificação prevista no SNUC de que a RESEX seria classificada como Reserva Extrativista

Marinha. Em 2003 os moradores dos povoados de Taim, Cajueiro, Rio dos Cachorros, Limoeiro

e Porto Grande, por meio de um abaixo-assinado, solicitaram ao IBAMA a criação da RESEX

na Zona Rural II de São Luís. Em seguida, o IBAMA instaurou o processo de constituição da

RESEX (nº 02012.001265/2003-73, de 22 de agosto de 2003). Foram realizados dois laudos

como requisito legal para a instalação da RESEX, sendo que o primeiro foi publicado em 2006

e o segundo em 2007. A realização da primeira audiência ocorreu em 2006, sob a coordenação

do IBAMA, visando consultar a população acerca do pedido de inclusão dos povoados na

RESEX (MIRANDA, 2009).

Vejamos como o debate sobre a instalação da RESEX em contraposição da

instalação do polo siderúrgico está posto no primeiro Laudo Socioeconômico e Biológico para

a criação da Reserva Extrativista de 2006 (IBAMA, 2006, p. 7).

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[...] A instalação do Polo Siderúrgico em São Luís implicará na destruição de

aproximadamente 10 mil hectares de manguezais (desmatamento e aterramento) tanto

para a instalação das usinas, como para a construção do porto. Essa área compreende

extensas áreas de brejos que formam nascentes de rios e riachos.

Para implantação do Polo Siderúrgico é necessária a instalação de lagoas de contenção

de lama ácida. Na hipótese de vazamento, estas lagoas poderão contaminar os

mangues. Existe ainda a possibilidade de ocorrer chuva ácida na região, causando

danos aos manguezais situados na direção dos ventos predominantes, a exemplo da

Ilha dos Caranguejos, com graves conseqüências sobre todo o ecossistema da Baía de

São Marcos.

Estas questões enumeradas acima e outras que poderão surgir com a reflexão

consciente sobre o assunto, fortalecem a discussão, que vem sendo realizada pela

comunidade desde 1996, antes da existência do projeto de criação do Polo

Siderúrgico, sobre a criação da RESEX do Taim. Para as comunidades envolvidas

nessas discussões, a RESEX se apresenta como alternativa de conservação, por

conciliar o potencial natural às tradições sócio-culturais da região, concretizando os

preceitos da sustentabilidade ambiental. No caso da área proposta, a criação da

RESEX viria garantir a territorialidade, o uso dos recursos naturais e o modo de vida

tradicional [...]

Pelo Laudo de 2006 a proposta da RESEX incluiu os povoados de Cajueiro,

Limoeiro, Taim, Rio dos Cachorros, Porto Grande, parte da Vila Maranhão (estes incluídos no

processo de deslocamento para instalação do polo siderúrgico) e foi denominada de RESEX do

Taim (IBAMA, 2006). Posteriormente, em 2007 foi realizado o segundo Laudo Sócio-

Econômico e Biológico incluindo a ilha de Tauá-Mirim (ver Mapa 5), onde estão localizados

os povoados de Amapá, Embaubal, Portinho, Jacamim, Ilha Pequena, Amapá e Tauá-Mirim,

uma vez que esta ilha apresenta alto grau de conservação ambiental. Foi alterada também a

denominação que antes era RESEX do Taim e neste novo laudo de 2007, passou a ser RESEX

de Tauá-Mirim, pois, durante a tramitação do pedido de instalação, foi constatado pelo IBAMA

que havia uma Reserva Biológica no Rio Grande do Sul com o mesmo nome (IBAMA, 2007).

Na proposta atual, conforme o Mapa 5, a área totaliza 16.663,55 hectares e perímetro de 71,21

km (SANT’ANA JÚNIOR, et al., 2009).

A inviabilização do polo siderúrgico, entretanto, deixa sem garantia a permanência

nos territórios. Mesmo sem a instalação de um grande empreendimento, há ameaças contínuas

em função da instalação de empreendimentos menores. Vejamos no Mapa 5, que os povoados

estão localizados ao longo da faixa litorânea conforme o traçado dos limites da proposta da

RESEX. Eles estão sendo pressionados no sentido do interior da ilha em direção aos seus

territórios. Se por um lado, a ameaça com o polo siderúrgico despertou o interesse pela

organização política de resistência ao deslocamento, reativando a proposta da instalação da

RESEX, por outro, há um visível avanço no processo de ocupação das áreas no entorno dos

povoados, que os coloca em situação de constante ameaça, principalmente em função da

escassez dos recursos naturais, sobretudo quanto aos recursos pesqueiros que fazem parte da

subsistência dos moradores.

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Mapa 5 – Área proposta para a criação da RESEX de Tauá-Mirim (São Luís-

MA)

Fonte: IBAMA (2007)

Vale observar o que dizem algumas lideranças89 sobre esse avanço dos

empreendimentos.

No primeiro relato trata-se da situação de um dos povoados localizados entre a baía

de São Marcos e as empresas que avançam sobre as áreas agrícolas e de empresas ligadas às

atividades portuárias que impactam as atividades pesqueiras:

[...] Acho que daqui a dez anos não tem mais ninguém aqui: elas estão vindo devagar

e ocupando o espaço. Não tem aquele posto ali na frente? É administrador desse porto

aqui; uma época ele queria botar uma lavagem aqui, nós embargamos, [...] Eu

participava do movimento e, no documento, o porto era da comunidade, foi a Marinha

que doou pra comunidade. Aqui, o pessoal quase não pesca, tem o mar bem aqui, mas

essas empresas estão acabando, dragando o fundo do mar, mas o pessoal ainda vai

pescar, mas não vive mais de pesca. De agricultura tem poucas pessoas que trabalham.

Aqui as pessoas dizem assim: “ah eu me aposentei, não tem nada”, já teve, tem muita

plantação, hoje não tem mais por conta também dessas jazidas, dessa degradação

dessas usinas. Um aposentado, uma mandioca aqui, você conhece aqui na ponta de

dedo as pessoas aqui que trabalham, mas só pra comer e não pra vender, se fosse viver

de horta já estava morto [...] acho que daqui a dez anos nós não estamos mas aqui

porque essa área todinha tá sendo tomada pelas empresas, de um lado, aqui é o mar,

do outro essa Votorantim (refere-se à fábrica de cimento desta empresa), mais lá na

frente já tão fazendo o Minha Casa Minha Vida perto do Rio dos Cachorros; por trás

da mineradora tem um terreno comprado já ouvir dizer, da Argamassa. Tudo isso polui

a gente aqui, aí já tem essas jazidas (refere-se à fábrica que extrai pedra e areia), essas

usinas de asfalto, bem aqui tem duas, tem a Prime e a Paraíba, aí a outra Egídio

Oliveira, Vieira Moreira, só mineradora. (L. Entrevista realizada em 22 out. 2012)

Srª. M. relatou que na época em que participou da mobilização contra a instalação

do polo siderúrgico um funcionário de uma das empresas de consultoria da qual não lembra o

nome, disse a ela o seguinte:

89 Por questões de segurança, neste caso, dei um nome fictício ao entrevistado evitando também mencionar o nome

do povoado.

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D. L. daqui a uns 15 anos vocês não vão estar mais aqui”, ele me disse: “é fase por

fase que vai acontecer isso”. Aí digo: olha o que esse homem me disse tá acontecendo,

ele disse que vem uma empresa muito grande, até 2012 e 2013 tá finalizando e tá

mesmo, a MPX (Termelétrica Porto de Itaqui da MPX)90. Foi uma briga tão grande

o pessoal do Cajueiro, fez tanta confusão que essa empresa não ia entrar, era vereador

dando cem reais para ir para as reuniões, todos querendo que essa empresa

acontecesse, era muita confusão muito debate, não adiantou nada, tá aí a MPX estão

lá, até dando curso de meio ambiente aqui para a gente. (L. Entrevista realizada em

22 out. 2012).

A situação do Taim, na percepção de uma das lideranças do povoado também é

relatada da seguinte forma:

[...] Tem as empresas, as minerações, são oito minerações, duas de asfalto, uma de

concreto, uma de fertilizante, já estão fazendo outra de fertilizantes, tem uma fábrica

de cimento, tem a Termelétrica (Termelétrica Porto de Itaqui da MPX) e a Vale com

o projeto dela e a Alumar. Só no nosso entorno aqui tem mais 6 indústrias de médio

porte [...]. (Jean Carlos, liderança do Taim. Entrevista em 31 jan. 2012).

Em vista da situação por ele relatada, perguntei sua opinião sobre o processo de

resistência ao polo siderúrgico do Taim e a que ele atribuía o êxito da organização local que de

certa forma havia evitado o deslocamento de seus moradores. O relato é o seguinte:

[...] talvez seja porque quando uma pessoa luta só ele não tem tanto êxito, agora

quando se une ai a gente viu que o que a gente tira de lição é isso, quando uma pessoa

se une com outra pessoa ela vai se unindo gera uma rede, aí fortalece e a gente tem

orgulho de pessoas irem dizer lá que a comunidade mais resistente ao Polo

Siderúrgico, “que não gosta do progresso”, foi o que eles falavam, é o Taim, que foi

a única que não foi pixada91 por eles, foi a única que poucas pessoas vieram aqui

conversar com a gente aqui; que a gente não aceitava, e eles sempre queriam vir aqui

conversar para talvez pra amolecer, enfraquecer o movimento. Queriam conversar

marcar reunião, só que a gente nunca quis reunião com eles, porque eles fizeram

reuniões em quase todas comunidades, foram lá mostraram o projeto querendo ganhar

mais seguidores. Mas o Taim nunca teve isso não, tem esse orgulho de dizer que teve

uma grande resistência aqui até a barrar o polo siderúrgico. Barramos o polo

siderúrgico, mas outras coisas, foi o que eles falaram, vamos transformar isso aqui em

área industrial que é o que eles queriam, o segundo distrito industrial de São Luís.

Agora o que me deixa mais triste é que eles estão quase conseguindo fazer isso, tem

indústria para tudo enquanto é lado aqui nessa região. (Jean Carlos, liderança do Taim.

Entrevista em 31 jan. 2012).

Os trechos acima concordam quanto à percepção de que as empresas estão

avançando sobre os povoados, mas é preciso dizer que há posições diferentes quanto à ideia de

continuar resistindo, como também, na perspectiva de buscar o reconhecimento como

90 Usina Termoelétrica Porto do Itaqui, foi instalada em 2009 e iniciou suas operações em 2012. Inicialmente

pertenceu a empresa MPX Mineração e Energia Ltda, do empresário Eike Batista, e integra o Programa de

Aceleração do Crescimento (PAC) do Governo Federal. Com a falência da MPX em 2013, a Termelétrica foi

comprada pela Companhia ENEVA S.A que atua nas áreas de geração e comercialização de energia elétrica, com

negócios complementares em exploração e produção de gás natural. (ENEVA, c2014). 91 Vale lembrar que quando os funcionários da Diagonal Consultoria tentaram marcar as casas com numeração

feita em tinta preta no povoado do Rio dos Cachorros, imediatamente as lideranças locais, em especial a Sr.

Máxima Pires acionou Alberto Cantanhede, líder Comunitário do povoado vizinho, o Taim que juntos impediram

a continuidade das marcações. Descrevi este episódio no Subcapítulo 3.8.

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“população tradicional”. As lideranças locais têm procurado estabelecer unidade entre os

povoados, como também buscado parcerias com outros organismos governamentais (a

exemplo, o CNPT, ONGs, pesquisadores e universidades). A proposta tem sido objeto de

divulgação e discussão entre os moradores no sentido da sensibilização para a compreensão do

que seja uma Reserva Extrativista e sua importância para os moradores e também para a cidade

de São Luís.

O Laudo Socioeconômico e Biológico para a criação da Reserva Extrativista do

Taim apresenta um perfil ocupacional da população da área da RESEX, indicando os seguintes

dados: estudantes (26%), donas de casa (15%), pescadores (11%), mineradores de areia e pedra

(9%), lavradores (6%), aposentados (4%), desempregados (4%), extratores de lenha (1%); 24%

da população em idade produtiva está caracterizada na categoria “outras ocupações” (IBAMA,

2007). Embora sendo uma região que apresenta um potencial em termos de recursos e

ambientes que devem ser preservados e que também seus moradores em grande parte se

beneficiem de tais recursos, os dados confirmam a percepção da crescente escassez de recursos

tal como relatado acima. Ou seja, os relatos e os dados indicam o quanto os meios de vida da

população estão ameaçados em função do avanço de empreendimentos industriais e de

atividades portuárias que geram profundos impactos, principalmente nas atividades pesqueiras,

ou seja, apenas 11% se ocupam com esta atividade. E embora os dados possam omitir outras

variáveis quanto às atividades de subsistência eles permitem inferir o quanto estes recursos

decrescem na medida em que são produzidos cada vez mais impactos ambientais em

decorrência de obras de expansão da estrutura portuária das grandes empresas instaladas nas

proximidades da área solicitada para instalação da RESEX.

O processo de instalação RESEX explícita o histórico de conflitos que remonta aos

anos de 1980. Ilustra a tensão entre aqueles atores que reivindicam a permanência nos territórios

e aqueles que consideram os mesmos territórios como áreas de “vocação industrial”. Sobre o

processo de implementação das políticas de ordenamento territorial nas áreas onde se localizam

esses povoados, nota-se que um dos dilemas que enfrentam os gestores é o de tentar

compatibilizar a demarcação das fronteiras com o uso e ocupação do solo por atores sociais

heterogêneos, com seus diferentes interesses e lógicas de uso e de ocupação nessa região da

ilha de São Luís (CARVALHO, 2009).

Entretanto, para as lideranças dos povoados empenhados na proposta da RESEX

são “duas propostas antagônicas, um querendo preservar e outro querendo destruir”. Face a

estas duas posições há que se levar em conta a correlação de forças. Foram cumpridas as

seguintes etapas para a criação da RESEX: a solicitação formal dos moradores da área; a

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realização de vistoria técnica pelo CNPT/IBAMA para realização do levantamento sobre a

potencialidade dos recursos; a elaboração de laudos socioeconômicos e biológicos e a

realização de consulta pública aos moradores da área para a implantação da reserva.

Atualmente o cenário político tanto no nível nacional quanto no âmbito regional se

modificou. Com a saída de Marina Silva do Ministério do Meio Ambiente o Governo Federal

mudou a orientação da política ambiental, retomados grandes projetos de infraestrutura. Com

saída de Marluze Pastor da Gerência Executiva do IBAMA (MA) este cargo voltou a ser

ocupado por indicação do governo estadual, no caso, a governadora Roseana Sarney. Conforme

Sant’Ana Júnior, et al., (2009, p. 28), o processo da RESEX de Tauá-Mirim foi concluído,

estando apenas aguardando sanção presidencial, entretanto,

[...] aqueles que demandam a criação da Reserva Extrativista, atualmente vivem um

momento de expectativa, pois existe uma orientação geral da Presidência da

República de que novas unidades de conservação geridas pelo Governo Federal

somente seriam instaladas com a aceitação formal dos governos dos estados nos quais

seriam criadas. A consulta, presentemente está sendo feita ao Governo do Maranhão

que sofre fortes pressões por parte dos planejadores estaduais, empresas nacionais e

estrangeiras e empreendimentos mineradores (de areia e pedra) que atuam na área ou

a percebem como local estratégico para novos empreendimentos, em função da

infraestrutura (portos, ferrovia, rodovias) disponível. Por outro lado, as organizações

sociais dos povoados implicados, com apoio de movimentos sociais, estudiosos e

organizações sociais, buscam fazer valer seus interesses, articulando formas de

intervenção nos processos decisórios.

O projeto de instalação da RESEX continua sendo objeto de disputa. Vale notar que

as condições políticas criadas na dinâmica do movimento não garantem, a priori, “de fato” o

que é formalmente estabelecido como sendo “de direito”. Estão em “jogo” concepções de

projetos de desenvolvimento, nos quais subjazem diferentes concepções de uso social de

recursos e dos territórios, representadas de um lado pela compreensão e interesse de grupos que

os consideram como sendo de “vocação industrial”. Por outro, aqueles grupos apoiados por

órgãos governamentais como o IBAMA que os considerou como sendo de “vocação ecológica”,

tal como conclui o Laudo Sócio-Econômico e Biológico (IBAMA, 2007, p. 44):

A área em questão possui vocação ecológica e social para a consolidação de uma

Reserva Extrativista. A implantação de um polo siderúrgico seria inadequada, pois

não cumpriria função social alguma e traria sério impacto a áreas bastante relevantes

para preservação.

A criação de uma unidade de conservação agroextrativista na região representará um

ponto de resistência comunitária e de conservação da biodiversidade, repensando os

modelos contemporâneos de sociedade. Esta unidade contemplaria a Ilha de São Luís

com mais um reduto natural protegido por lei, promovendo um apoio à forma de viver

dos povos tradicionais, valorizando-os e possibilitando a continuidade de sua

existência.

Aurélio
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Page 196: Tese Elio Pantoja Para o Trabalho de Sociologia Do Desenvolvimento

193

6 CONCLUSÃO

Neste trabalho busquei identificar, descrever e analisar as formas de contestação à

instalação de um polo siderúrgico na cidade de São Luís. A partir de relatos dos atores sociais

que participaram deste processo procurei identificar as formas de resistência por eles

vivenciadas. Comecei a análise pelas primeiras ações coletivas iniciadas postas em prática por

lideranças comunitárias, tendo como unidades de observação dois povoados, Taim e Rio dos

Cachorros. Posteriormente, procurei verificar os links ou as alianças por elas construídas com

outros atores importantes, organizados em ONGs, em movimentos sociais diversos, em igrejas,

associações de moradores, centros comunitários, Pastorais da Igreja Católica, e outros povoados

também ameaçados de deslocamento.

À luz do modelo analítico proposto por Boltanski (1990), considerei o percurso das

experiências (descritas e analisadas a partir do Capítulo 3) como um processo de

“dessingularização” que desaguou num movimento mais amplo, o Reage São Luís. Os

povoados Taim e Rio dos Cachorros localizados na área da Zona Rural II de São Luís se

mobilizaram contra a instalação do polo siderúrgico e consequentemente contra a ameaça de

deslocamento dos moradores daquela área cujos territórios ocupam historicamente. Evitar a

instalação de um empreendimento da magnitude do polo siderúrgico e enfrentar interesses de

outros atores e agentes, política e economicamente muito mais fortes levou as lideranças

daqueles povoados a buscarem aliados às suas reivindicações e procurar também envolver

outros povoados em situação de ameaça pela planta siderúrgica.

O Reage São Luís, como propus, pode ser visto como resultado dessa resistência

inicial que sustenta a hipótese do “processo de dessingularização”, uma vez que, aquela

mobilização inicial dos povoados de Taim e de Rio dos Cachorros, transcendeu os interesses

locais, pois, a instalação de um empreendimento com alto poder de impacto ambiental poderia

prejudicar toda a ilha do Maranhão e não somente os povoados diretamente afetados. Tal

hipótese é alicerçada também pelo entendimento de que a problematização da questão

ambiental passa pela capacidade crítica dos atores locais de perceberem os impactos

socioambientais e os formularem publicamente. (LOPES, 2004). Quer dizer, pela capacidade

de atribuírem à causa desse problema uma dimensão política ou a uma formulação pública,

envolvendo um conjunto de atores coletivos (LENOIR, 1996).

O que está em questão: a instalação de um polo siderúrgico e a possibilidade de

pelo menos 12 povoados localizados na Zona Rural II de São Luís, serem deslocados

compulsoriamente. Tal empreendimento siderúrgico envolveu grandes empresas entre elas a

Aurélio
Highlight
Page 197: Tese Elio Pantoja Para o Trabalho de Sociologia Do Desenvolvimento

194

Companhia Vale e a siderúrgica chinesa Baosteel, além de outras empresas que estavam em

processo de negociação, tais como a sul-coreana Posco, e a alemã ThyssenKrupp, que contavam

também com apoio do governo brasileiro, tanto nas esferas estadual e municipal, quanto na

esfera federal. Situação que na análise se evidencia como um processo conflitivo de

“territorialização” (SOUZA, 1995) e socioambiental de várias ordens (ACSELRAD, 2004;

ZHOURI; LACHEFSKI, 2010).

A configuração do conflito instalado sugeria que se desse visibilidade também,

ainda que brevemente, aos atores comerciais globais, ou seja àquelas empresas multinacionais

mencionadas acima que denominei de Gigantes, termo que apareceu na imprensa, referindo-se

ao poder econômico que estes possuem, uma vez que atuam no mercado global de commodities

(ver Capítulo 2). Estes atores comerciais globais estavam articulados aos atores políticos locais,

entre os quais se destacava o papel do governo estadual, com apoio de agências do governo

federal e também da Prefeitura de São Luís. Procurei, então, pensar a configuração de uma

“arena” no sentido dado por Olivier De Sardan (p. 178-179):“[...] est une notion d’ordre plus

interaccionniste, [...] plus “politique” [...] est un lieu de confrontations concrètes d’acteurs

sociaux [...] Un projet de développement est une arène. Le pouvoir villageois est une arène. Un

ecoopérative est une arène”.

Embora se leve em consideração a capacidade de imposição pelo poder econômico

das grandes empresas, os atores locais foram capazes de colocar em questão à viabilização de

um empreendimento que estava dado como um projeto a ser realizado. O governo em suas

várias instâncias assim como estes atores comerciais globais, se surpreendeu com a mobilização

política e de resistência local que ganhou notoriedade pela adesão de significativos setores da

sociedade civil organizada de São Luís.

De certa forma, as ações coletivas organizadas pelo Reage São Luís evidenciam a

sugestiva proposição teórica de Olivier De Sardan (1997) quando diz que face aos “projetos de

desenvolvimento” os atores sociais locais não são meras “correias de transmissão”. Este autor

percebe que estes atores locais têm capacidade crítica de reagir, de negociar de tirar proveito

conforme os interesses em jogo. Quer dizer, numa perspectiva mais pragmática e descritiva, a

“Arena” é um “lugar de confrontação concreta” (lieu de confrontations concrètes d’acteurs

sociaux). A noção de Arena abre um leque bastante amplo de possibilidades analíticas pois não

se restringe a estabelecer padrões e categorias analíticas pré-definidas. Há um conteúdo

descritivo que permite visualizar os processos sociais por uma ótica mais interacionista que

complexifica a percepção dos conflitos.

Page 198: Tese Elio Pantoja Para o Trabalho de Sociologia Do Desenvolvimento

195

No entanto, no caso analisado, se trata de uma situação de enfrentamento político

bastante delimitado, pontual quanto às ações coletivas visando questionar um projeto de

“desenvolvimento econômico” para uma área que, na percepção dos planejadores estatais

apresenta uma “vocação industrial”, termo recorrentemente utilizados pelos agentes e

planejadores governamentais ao justificarem a necessidade de converter as áreas rurais e

residenciais em áreas industriais.

Quanto à estrutura dos repertórios, às formas de ação e ao quadro argumentativo,

procurei descrever a estrutura de mobilização e de argumentação do Reage São Luís pela ótica

da teoria de “campo” de Bourdieu (1997). Dessa forma, identifiquei três “campos”: o “campo

sociopolítico”, o “campo científico” e o “campo jurídico”. Tratei de utilizar estes “campos”

para descrever a dinâmica do Reage São Luís, pois a ideia de usar essa nomenclatura me ocorreu

na medida em que fui aprofundando na análise das entrevistas e observando a forma como

alguns membros do Reage São Luís expunham sua compreensão do processo de mobilização.

Importante, mencionar que este viés foi complementado pela perspectiva interacionista

proposta pela ótica da “arena” de Olivier de Sardan (1997) que ajudou a ampliar o olhar para

as variações e diferentes níveis de conflitos. Quer dizer, os conflitos não se dão apenas entre os

que desejam e os que não desejam o desenvolvimento, e também não se resumem às diferenças

entre a agência estatal e a sociedade civil, ou entre estas e as grandes empresas interessadas no

empreendimento siderúrgico, no caso da Companhia Vale e empresa siderúrgica chinesa

Baosteel.

Na realidade, houve parcerias entre os agentes e agências estatais e as associações

de moradores, para citar apenas o caso da parceria entre o CNPT e a Associação de Moradores

do Taim, a Associação de Moradores do Rio dos Cachorros, contando também com a

participação de moradores e lideranças dos povoados de Cajueiro e de Porto Grande. No

período em que se debatia o projeto de instalação do polo siderúrgico, estes moradores por meio

de suas organizações locais, discutiam por outro lado, o projeto de instalação da Reserva

Extrativista de Tauá-Mirim. Neste processo de disputa territorial a parceria com o CNPT

contribuiu decisivamente para a percepção, formulação e ampliação da questão socioambiental.

Por outra ótica, houve conflitos entre os moradores dos povoados quanto à opinião de ser a

favor ou contra a instalação do polo siderúrgico na área. Estes conflitos entre os prós e os contra

o polo siderúrgico, foram potencializados com os processos de alianças e de adesão de

lideranças aos empreendedores e agentes estatais durante as negociações, tal como procurei

ilustrar em alguns relatos. Mas, há também aqueles conflitos que estão em “jogo” por outros

Page 199: Tese Elio Pantoja Para o Trabalho de Sociologia Do Desenvolvimento

196

interesses e sobre os quais somente uma pesquisa empírica de profundidade em cada caso

poderia oferecer um quadro mais detalhado. Não é, entretanto, meu propósito neste estudo.

Ao defenderem a posição contrária à instalação do polo siderúrgico, lideranças do

Taim, por exemplo, foram consideradas pelos seus opositores como sendo contra ao

“progresso” e o “desenvolvimento”92. Essa situação de ter que se justificar foi também

recorrente no âmbito dos coordenadores do Reage São Luís. Como lembrou o sociólogo e

Professor José Alcântara Júnior, membro do Reage São Luís93, a coordenação do movimento

teve que não somente se empenhar em argumentar contra a instalação do polo siderúrgico, mas

também justificar por que o movimento era contra um projeto que estava sendo publicado como

gerador de emprego e renda para os maranhenses. Portanto, tratar de conflito no âmbito de

projetos de desenvolvimento é de uma complexidade tamanha que neste caso, escapa às

formulações teóricas que organizam a visão científica do pesquisador.

Dentro do processo conflitivo e mediante a complexidade na configuração da

“arena” foi necessário estabelecer um recorte empírico, razão pela qual a formulação do objeto

de estudo desta tese foi centrado na formação do movimento de contestação, procurando por

meio dos relatos, evidenciar as formas de mobilização, os repertórios de ação política que no

conjunto das ações designei como processo de “dessingularização”.

Na descrição das organizações sociais que compuseram o movimento Reage São

Luís, procurei mostrar as interconexões que convergiram para a formação da resistência,

enfatizando os argumentos e os repertórios de mobilização. Situei o Reage São Luís dentro dos

formatos organizativos dos “novos movimentos sociais”, que segundo Doimo (1995) não se

inserem mais na órbita das relações de produção, mas em outros espaços entre mercado, Estado

e cultura. Lima (2009) ao analisar alguns aspectos do Movimento Reage São Luís, o considera

como “um movimento de coalizão e transclassista”, uma vez que a sua reivindicação

transcendeu as fronteiras de classe, unificando organizações distintas cujo interesse é a questão

socioambiental. Nesta perspectiva este autor também situa o Reage São Luís como um

movimento contemporâneo.

Dentro destes novos formatos organizativos da atualidade, alguns aspectos

destacados por Gohn (2013) podem ser elucidativos para pensar o caso do Reage São Luís. Em

primeiro lugar, os movimentos da atualidade se caracterizam pelo caráter sociopolítico e

cultural das ações coletivas, adotando diferentes estratégias de reivindicação: denúncia, pressão

direta e indireta. No caso do Reage São Luís, a pressão direta do movimento sobre o governo

92 Notas de entrevista com Jean Carlos, liderança do povoado do Taim em 31 jan. 2012 93 Notas de entrevista realizada em 15 dez. 2011.

Page 200: Tese Elio Pantoja Para o Trabalho de Sociologia Do Desenvolvimento

197

do Maranhão pode ser ilustrada: pela exigência imediata de uma reunião com o Secretário de

Indústria e Comércio e com a Prefeitura de São Luís, e pelas intervenções nas audiências

públicas. Indiretamente, as pressões se deram, por exemplo, pela busca ao acesso à

documentação sobre a área na SPU em Brasília quando os membros do Reage São Luís

constataram que havia de fato um pedido de desapropriação de terras na Zona Rural II de São

Luís para instalação de um polo siderúrgico.

Em segundo lugar, os movimentos da atualidade se organizam por meio das

chamadas “Redes Sociais” que articulam as demandas locais às nacionais e internacionais com

novos meios de comunicação e informação, a exemplo, a internet. As “Redes Sociais”, diz Gohn

(2013, p. 15):

[...] São estruturas da sociedade contemporânea globalizada e informatizada. Elas se

referem a um tipo de relação social, atuam segundo objetivos estratégicos e produzem

articulações com resultados relevantes para os movimentos sociais e para a sociedade

civil em geral.

As redes podem ser articuladas diretamente nos bairros, comunidades, povoados,

no contato direto entre pessoas, organizações e movimentos, mas podem ser articuladas também

virtualmente, por meio de articulações via online com uso da internet. O uso do termo link por

membros do Reage São Luís, exemplifica esta estratégia de articulação virtual, mas, as

articulações se fizeram também pelo contato direto entre pessoas, organizações inseridas nas

redes sociais. Entre as instituições que foram acessadas por articulação em redes pelo Reage

São Luís, destacam-se, por exemplo, Fórum Carajás, Sociedade Brasileira para o Progresso da

Ciência (MA), Movimento Nacional por Moradia Popular, OAB-MA, Congregação Irmãs de

Notre Dame (MA), SMDH, Plataforma DhESCA. Estas organizações por sua vez estão

conectadas com outras organizações regionais, nacionais e internacionais. De modo que este

formato organizativo em redes permite não somente a rapidez no fluxo de informações para as

tomadas de decisão, mas também o empoderamento político, na medida em que criam “sujeitos

sociais” para atuarem nas redes (GOHN, 2013).

Vale destacar que no caso do Reage São Luís, diferentes experiências ocorridas em

contextos históricos diferentes, foram utilizados. Além das redes sociais, o Reage pôde se

utilizar de repertórios historicamente acumulados. Entre estes, procurei destacar as experiências

de resistência durante os anos de 1980, a exemplo do surgimento do Comitê de Defesa da Ilha

que naquele período se uniu às comunidades ameaçadas de deslocamento pela instalação da

Alcoa, tal como discuti no Capítulo 1. O Reage São Luís, no entanto, como um movimento

social contemporâneo inovou nas formas de mobilização política através das redes de

movimentos sociais, mas também, aproveitando-se das oportunidades políticas do presente,

Aurélio
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198

sobretudo, considerando os novos escopos e espaços institucionalizados com o processo de

democratização instalados na estrutura do poder estatal (o processo de instalação da Reserva

Extrativista de Tauá-Mirim exemplifica essa relação dialógica entre os povoados que

reivindicam a RESEX e a parceria estabelecida com o IBAMA e o CNPT). Se por um lado,

estes novos espaços, embora tenham dado “voz e vez” a estes novos sujeitos sociopolíticos

historicamente excluídos das arenas de participação (DOIMO, 1995; GOHN, 2013), por outro,

as novas institucionalidades não são garantias a priori da participação e da justiça social.

A experiência de resistência organizada pelo Reage São Luís mostra, por exemplo,

que os conselhos (Conselho da Cidade, Conselho de Meio Ambiente), bem como as audiências

públicas podem ser transformados em instrumentos e meios de forjar decisões consensuais.

Nesse sentido, pode-se dizer que estes espaços são objetos de disputas. Assim, estes espaços

não somente não garantem de antemão a participação qualitativa desses sujeitos políticos, como

também, podem ser transformados em instrumentos de manobras políticas por parte dos grupos

de interesse. Neste caso em estudo, há que se considerar que o governo estadual, articulado

politicamente ao governo municipal se empenharam pela viabilização do polo siderúrgico, de

modo a construir manobras políticas para evitar os mecanismos de participação e de

questionamento, pelos impactos que o projeto do polo siderúrgico causaria caso fosse instalado

em São Luís.

Face à premissa segundo a qual as estruturas formais não garantem de antemão a

participação política, busquei privilegiar as estratégias de mobilização, descrevendo as formas

de ação coletiva construídas pelo Reage São Luís. Estas, substancialmente colocam em questão

a participação nos processos decisórios. Na dinâmica do movimento, destaquei a experiência

das oficinas e reuniões preparatórias para o público mobilizado intervir nas audiências, e das

reuniões para traçar estratégias de mobilização do público alvo a ser mobilizado.

Retomando as formulações e a metáfora de Olivier de Sardan (1997), anteriormente

mencionadas, é importante conceber os agentes do desenvolvimento, não como “correias de

transmissão”, mas como atores sociais relevantes com capacidade de mobilizar recursos e

importantes aparatos cognitivos mediante as agências de desenvolvimento.

Se, por um lado, as ações empresariais estratégicas têm sido importantes nos

processos de negociação sobre implantação de projetos de desenvolvimento, por outro lado, as

respostas e /ou reações dos atores que conflitam, dialogam e negociam com tais empresas,

devem ser consideradas, sobretudo quando essas ações podem acarretar novos desdobramentos

nos processos de decisão. Nesta perspectiva, “atores sociais relevantes” interagem no “jogo”,

são dotados de uma capacidade cognitiva que lhes facultam construir estratégias de ação. Por

Aurélio
Highlight
Page 202: Tese Elio Pantoja Para o Trabalho de Sociologia Do Desenvolvimento

199

esse prisma, o desenvolvimento é interpretado como uma espécie de “aposta” segundo as

distintas formas de capitais de cada “jogador”. O desenvolvimento é, portanto, um universo

amplamente cosmopolita de atores sociais diversificados: experts, burocratas, pesquisadores,

representantes de ONGs, trabalhadores rurais e técnicos, que mobilizam “recursos materiais e

simbólicos consideráveis”. Esta perspectiva da “socioantropologia”, como sugere Olivier de

Sardan (1997, p. 8) ajudaria a maximizar as observações sobre os processos de mudanças

sociais, como também, “[...] minimiser les présupposés idéologiques et les catégories

préfabriquées”.

Sobre a produção sociológica no Brasil, a crítica de Olivier de Sardan (1997) pode

ser sugerida no artigo intitulado “Por uma sociologia dos conflitos ambientais no Brasil”, de

Alonso e Costa (2000). Os autores avaliam que, no país, a produção acadêmica das ciências

sociais sobre meio ambiente tem sido caracterizada por uma superposição entre ativismo

ambientalista e pesquisa acadêmica, de modo que a abordagem socioambiental, originária ainda

nos anos de 1970, estaria comprometida por um “viés engajado” que teria transformado suas

concepções ideológicas em pressupostos analíticos. O processo de institucionalização do

ambientalismo, segundo estes autores, tornou hegemônica esta perspectiva: de um lado, através

das agências estatais como o IBAMA e, por outro, através de setores da sociedade civil como

ONGs, sindicatos, movimentos sociais. A crítica agora feita é que os estudos devem levar em

conta “os interesses” e captar objetivamente as relações políticas em que se inserem os atores

sociais em suas respectivas reivindicações e repertórios, considerando também, a dimensão

cultural dos mesmos. Uma maior “objetividade” evitaria, assim, tanto a generalização do

“discurso verde” ou a disseminação ideológica de uma “democracia verde”, quanto o

pressuposto de que, dadas as condições institucionais formais para expansão da participação

popular, pela realização de Audiências Públicas e formação de Conselhos Deliberativos na

gestão das RESEX, por exemplo, estariam garantidas as decisões consensuais sobre os dilemas

ambientais (ALONSO; COSTA, 2000).

A experiência de mobilização do Reage São Luís e a proposição da Reserva

Extrativista de Tauá-Mirim indicam que as mudanças na forma de atuação do Estado têm sido

muito mais impulsionadas pela força da mobilização política. Se, de um lado, o histórico de

ameaça de deslocamento pode ter sido estimulante para a organização desses povoados, como

apontou um de seus líderes, por outro, as experiências das CEBs potencializaram a

solidariedade pré-existente entre eles, mesmo antes da chegada das indústrias nessa região. Em

grande parte a organização política dos povoados está associada ao papel das pastorais da Igreja

e das paróquias, cujos espaços de festividades religiosas, “festas de santo”, também se tornaram

Page 203: Tese Elio Pantoja Para o Trabalho de Sociologia Do Desenvolvimento

200

espaços de discussão dos interesses comuns aos povoados. É valido lembrar também, a

importância do Comitê em Defesa da Ilha quanto à crítica socioambiental ainda nos anos de

1980 aos projetos da Vale e da Alcoa (Alumar).

Em 2004, com o projeto do polo siderúrgico, as investidas de modernização se

defrontaram com um cenário de resistência produzido tanto pelos novos formatos de

mobilização, como pelo repertório de experiências anteriores, culminando na emergência do

Movimento Reage São Luís que em grande medida se beneficiou da “estrutura de

oportunidades” no seio do próprio Estado, que também foi fruto de enfrentamentos políticos e

de resistências anteriores. Por outro lado, lancei mão do cenário político que propiciou o

resultado das ações coletivas, proponho sintetizar 02 (dois) cenários para analisar sob que

circunstância o processo de resistência ocorreu:

No cenário nacional: o governo do Presidente Luís Inácio Lula da Silva ampliou

consideravelmente os diálogos com a sociedade civil. O Ministério do Meio Ambiente estava

sob o comando da ecologista Marina Silva. No cenário regional: o IBAMA no Estado do

Maranhão estava sob o comando de Marluze Pastor com trajetória de participação nos

movimentos sociais ligadas ao meio ambiente na Amazônia e que participou de oficinas,

discutiu com a base do Reage São Luís e apoiou a reivindicação dos povoados. Na mesma linha

de atuação estava o CNPT, órgão do IBAMA que naquele contexto de embate com o polo

siderúrgico já estava envolvido com os povoados para viabilizar o pedido de instalação da

RESEX de Tauá-Mirim. Outro aspecto importante na cena política estadual: o grupo político

do Senador José Sarney estava fora do governo estadual e conforme registrado pela imprensa,

membros do grupo político e mesmo diretamente o Senador Sarney teria mobilizado

politicamente seus aliados em Brasília (no Senado e Câmara Federal) para barrar o projeto do

polo siderúrgico no Maranhão, visando fragilizar politicamente seus opositores que estavam no

controle do governo estadual (FREIRE, 2005).

Quanto ao perfil do Reage São Luís, embora eu não tenha investido na obtenção de

dados que me permitissem ter uma visão mais detalhada sobre as diferentes posições internas

no que diz respeito à política ambiental, com relação ao polo siderúrgico, foi possível identificar

pelo menos duas posições: a primeira posição é aquela que minoritariamente, se colocou contra

a instalação do polo siderúrgico incondicionalmente, ou seja, defendia que o polo não deveria

ser instalado não somente na ilha do Maranhão, mas também era contra a instalação do mesmo

em qualquer outro lugar. A segunda posição é aquela que sustenta a necessidade do

desenvolvimento e defende que um polo siderúrgico na magnitude daquele que estava sendo

discutido pudesse ser instalado fora da ilha. Esta última posição lança um amplo leque de

Page 204: Tese Elio Pantoja Para o Trabalho de Sociologia Do Desenvolvimento

201

questões relativas aos discursos dos membros do Reage São Luís. Sendo uma posição

majoritária, levanto duas ordens de questões não necessariamente para enquadrá-lo, mas no

sentido de lançar um olhar crítico sobre esse posicionamento.

Em primeiro lugar seria o caso de se questionar, por exemplo, se esta última posição

do Reage São Luís, se insere na lógica dos movimentos NIMBY (Not in my backyard – “não

no meu quintal”), surgidos nos Estados Unidos e que orientam decisões locacionais de

indústrias poluentes “para o quintal dos outros” (ACSERALD et al, 2009).

Em segundo lugar, como um movimento alinhado aos chamados “novos

movimentos sociais” o Reage se enquadraria naquela crítica feita por Doimo (1995), ao

parafrasear Touraine (1981), de que estes movimentos apresentam um “fascínio pelo presente”

e dificultam a formação de um projeto ou “uma promessa de futuro” que se contraponha às

classes dirigentes.

Ademais, o Reage São Luís, é um movimento social que como pude mostrar se

caracteriza pelo seu pragmatismo, pela sua objetividade em definir um foco de contestação

visando um resultado político pontual de relevância significativa, qual seja o de barrar a

instalação de um polo siderúrgico. Uma vez inviabilizado o projeto de instalação deste

empreendimento, o movimento foi desarticulado. As organizações e movimentos que o

compuseram retornaram às suas agendas específicas, desfazendo o mosaico de entidades que

convergiu a uma causa. Caberia perguntar por que as entidades e os “intelectuais orgânicos” e

experts não deram continuidade a outras agendas socioambientais da cidade de São Luís, como

é o caso, por exemplo da campanha em defesa da instalação da RESEX de Tauá-Mirim?

As características elementares dos “novos movimentos sociais”, em parte indicam

alguns elementos que permitem dialogar com o caso do Reage São Luís. Em geral, se

caracterizam pela fragmentação das ações coletivas; apresentam uma “base social” dispersa e

volátil; se originam fora dos formatos tradicionais de representação política; são propensos e

vulneráveis ao agenciamento de grupos e de instituições; estabelecem diálogos com a cultura

da igualdade social; se organizam em redes sociais (DOIMO, 1995, p. 53).

Para uma análise sobre os movimentos sociais no início do século XXI, Gohn

(2013, p. 16-17), sugere 04 (quatro) pontos:

1) Lutas em defesa das culturas locais, contra os efeitos devastadores da

globalização e enfatiza o resgate “das coisas públicas”;

Page 205: Tese Elio Pantoja Para o Trabalho de Sociologia Do Desenvolvimento

202

2) Exercício da vigilância sobre a atuação estatal/governamental. Os movimentos

orientam a população para o que está sendo desviado do que é público para o

tratamento particular;

3) Os movimentos atuais cobrem áreas do cotidiano, não acessadas por outras

entidades tais como partidos, sindicatos e igrejas. Ênfase na subjetividade: sexo,

crença, valores com alto grau de tolerância. Com relação à questão da tolerância,

tanto Gohn (2013) quanto Doimo (1995) chamam atenção para o fato de que

estes movimentos da atualidade podem também apresentar manifestações de

intolerância que têm estado presentes em movimentos fanático-religiosos e

também de movimentos nacionalistas que geram ódio e guerra;

4) Por último, a questão da autonomia dos movimentos atuais, que se distingue da

autonomia dos movimentos dos anos de 1980. Para Gohn (2013, p. 16-17), “[...]

ter autonomia não é ser contra tudo e todos, estar isolado ou de costas para o

Estado”, mas fundamentalmente ter projetos, ter planejamento estratégico, ter

proposta de resolução para os conflitos que estão envolvidos, ser flexível para

incorporação de outros que tem desejo de participação; é tentar dar

universalidade às demandas particulares e fazer política vencendo os desafios

dos localismos, priorizar a cidadania, construindo-a onde não existe, refazendo-

a onde foi corrompida, é ter pessoal capacitado dos movimentos nas

negociações;

Dos aspectos acima enfatizados pela autora, está em questão, uma autonomia

circunscrita ao âmbito de processos de institucionalização dos movimentos. O Reage São Luís

atuou tanto por meio de mecanismos institucionais, como não institucionais. Neste caso,

inúmeras formas de manifestação tais como as que exemplifiquei no item 4.1.1. Ao mesmo

tempo em que se articulou, por exemplo, aos canais institucionalizados tais como, a OAB-MA

e o IBAMA/CNPTAB-MA, fazendo com que estes por sua vez cobrassem do Ministério

Público Estadual uma posição perante o público nas Audiências Públicas. Por outro lado, se

conectou com outros inúmeros movimentos, fóruns coletivos e entidades de bairros e

comunidades rurais, a exemplo das Associações de Moradores do Taim e da Associação de

Moradores de Rio dos Cachorros e de Porto Grande.

Passada uma década desta importante experiência política e social que foi o Reage

São Luís, estas comunidades hoje continuam, não somente reagindo aos constantes

constrangimentos, mas também procurando formular propostas criativas, novos experimentos

Page 206: Tese Elio Pantoja Para o Trabalho de Sociologia Do Desenvolvimento

203

de gestão territorial e dos recursos naturais. A proposta de instalação da RESEX de Tauá-Mirim

indica novos rumos no processo de mobilização e pluraliza o debate sobre a gestão territorial.

A organização política, os saberes e práticas construídos na mobilização coletiva, a

ampliação de suas causas aos demais grupos sociais e comunidades vizinhas atingidas pelos

impactos produzidos por empresas e indústrias têm indicado a necessidade de um contínuo

processo de “dessingularização”. Isto porque envolve a luta política pelo reconhecimento de

seus próprios atores enquanto sujeitos de direitos. Tal luta, tem sido concretamente

encaminhada pela reivindicação de “populações tradicionais”. Mas é também uma luta política

cotidiana não somente pela demanda desse direito mediante as agências estatais, mas também,

uma luta, inclusive pela legitimidade dessa identidade perante os moradores destas

comunidades. Ao mesmo tempo em que as lideranças lutam pelo reconhecimento de seu modo

de vida ao reivindicarem a identidade de “populações tradicionais”, há um aparato privado e

estatal que investe contra esse reconhecimento. Tal investida tem sido evidenciada tanto por

meio de ameaças e uso da coerção direta como ocorreu com os moradores deslocados da

comunidade de Vila Madureira e como se evidenciou na situação de isolamento da comunidade

de Camboa dos Frades durante o processo de instalação da Usina Termelétrica da MPX em

2009, e também se expressa por meio da política de cooptação através de ofertas de dinheiro,

bens ou privilégios a lideranças para mudarem de posição política de modo a provocar conflitos

no interior das comunidades (MENDONÇA, 2006).

Note-se que para os planejadores, os territórios onde se situam estas comunidades

são portadores de uma “vocação industrial” e há um contínuo avanço de atividades empresariais

sobre a Zona Rural II. A permanência desta Zona e as lutas que se travam na arena pública

visando garantias de direito ao território, para os planejadores estatais, se constituem num

grande entrave ao desenvolvimento.

Em contraposição, as organizações sociais e lideranças locais têm lançado mão de

algumas estratégias, entre estas as parcerias com instituições como ONGs, Universidades por

meio das quais são desenvolvidos Projetos de Extensão, Cursos de Educação Ambiental,

envolvimento de jovens em atividades de mobilização comunitária, etc., visando fomentar o

debate político sobre a temática socioambiental e a formação de novas lideranças comunitárias.

Por meio destas atividades surgem novas perspectivas organizacionais para enfrentar os novos

desafios.

Surgiu a partir de 2012 através do Movimento de Pescadores e Pescadoras

Artesanais, a proposta do Território Pesqueiro por meio de um Projeto de Lei de Iniciativa

Popular sobre Território Pesqueiro (MOVIMENTO DOS PESCADORES E PESCADORAS

Page 207: Tese Elio Pantoja Para o Trabalho de Sociologia Do Desenvolvimento

204

ARTESANAIS, 2002). Para o Movimento de Pescadores e Pescadoras Artesanais, as Unidades

de Conservação da Natureza são importantes para impedir que áreas sejam destruídas, a

exemplo da proposta da RESEX, entretanto, argumenta o Movimento de Pescadores e

Pescadoras que, a forma que esta modalidade assumiu na sua criação “[...] nem sempre assegura

corretamente o respeito à natureza e a manutenção dos modos de ser e de viver dos povos e

comunidades tradicionais que habitam os ambientes onde esta forma de gestão é implementada”

(MOVIMENTO DOS PESCADORES E PESCADORAS ARTESANAIS, 2002).

Em primeiro lugar, eles criticam que há ainda uma compreensão de que a

preservação da natureza seja incompatível com as práticas de atividades socioeconômicas por

parte desses grupos sociais. Argumentam também que esta modalidade de Unidade de

Conservação não se adapta às formas pelas quais cada grupo social se relaciona com a natureza.

Razão pela qual estão também defendendo a proposta do Projeto de Território pesqueiro. As

duas propostas em pauta, a da Reserva Extrativista de Tauá-Mirim e a proposta pela

implementação da Lei de Iniciativa Popular de Território Pesqueiro sobre uma parte da mesma

área da Zona Rural II de São Luís, refletem a busca de garantia jurídica para permanecerem nos

territórios e ter continuidade nas formas tradicionais de uso social dos recursos e de gestão

territorial. As reivindicações do uso social dos territórios se constituem como instrumentos de

luta e de estratégia de ação política na busca de reconhecimento da população local no sentido

de garantia de direitos pela permanência nas áreas que têm sido alvo de políticas de zoneamento

industrial. Estas frentes de mobilização denotam o processo de formação de sujeitos políticos

que problematizam a forma como o Estado e empreendimentos privados intervêm no seu “modo

de vida” e no “ambiente de vida” que construíram.

Quando comecei esboçar o projeto de tese entre 2010 e 2011, havia algo que me

impulsionava para uma compreensão do Reage São Luís pela ótica da busca de uma política,

pelo “bem comum”, pela participação efetiva dos atores locais nos espaços púbicos em que

ocorrem os processos decisórios. Naquele momento, antes da pesquisa de campo, tinha uma

ideia muito ampla, mas que no fundo serviu de inspiração. Estas inquietações resultaram tanto

das leituras introdutórias de Boltanski (1990) quanto de Habermas (2003), além de outras

leituras importantes de experiências de pesquisas realizadas no Brasil que em síntese

estimulavam inquietações para explorar a questão “pública”, referida em geral aos termos:

“bem comum”, “esfera pública”, “espaço público”, conceitos que me estimularam para tentar

compreender por meio de uma experiência local a discussão acerca do “campo dos conflitos

ambientais” (ACSELRAD, 2004), e do processo de ambientalização dos conflitos sociais

(LOPES, 2004). No primeiro momento, tinha a impressão de que neste “campo” e dentro dos

Page 208: Tese Elio Pantoja Para o Trabalho de Sociologia Do Desenvolvimento

205

processos de “ambientalização” havia um grande peso das estruturas políticas e econômicas de

agentes privados e estatais que submetiam os atores locais ao império da “razão instrumental”

materializada no poder econômico das multinacionais envolvidas no processo de instalação do

polo siderúrgico. Com o aprofundamento da pesquisa empírica, leituras e dialogando com

outras experiências e discussões sobre o espaço público no Brasil atual, aprendi que a “esfera

pública” deve ser relativizada considerando as singularidades de nossas instituições,

principalmente após o processo de democratização em 1988. Razão pela qual é necessário

reconectar a articulação entre Estado e sociedade dentro da esfera pública. Quer dizer, a esfera

pública e espaços públicos não são meros instrumentos de controle. Os espaços públicos são

espaços de disputas, de diálogos, são espaços de lutas políticas. Os exemplos de experiências

de participação e de exercício democrático, ainda que nos limites das formalidades destes canais

institucionais após 1988, são os conselhos de políticas públicas que “conjugam participação e

representação” (ALMEIDA, 2008, p. 185).

O Reage São Luís, portanto, pode ser pensado como resultado de um acúmulo de

experiências do passado conectadas com as experiências do presente. Reúne elementos dos

movimentos populares emergidos ainda nos anos de 1970 que foram empoderados e

potencializados pelas CEBs, assim como herdou os repertórios de mobilização criados pelo

Comitê de Defesa da Ilha que teve um papel relevante nas ações coletivas e nos debates

socioambientais ainda nos anos de 1980. Tal como o Comitê em Defesa da Ilha que lutou contra

a instalação da fábrica de alumínio da multinacional norte-americana Alcoa, ou como a

apelidaram, as lideranças do Comitê, a “Besta Fera”, o Reage São Luís se deparou com

“Gigantes”, desta vez, não era apenas “uma Alcoa”, mas “três Alcoas juntas” como destaquei

em um trecho de intervenção de audiências públicas. Duas experiências em tempos e cenários

políticos diferentes. Após três décadas de experiências de resistência, os povoados da Zona

Rural II de São Luís em conjunto com a sociedade civil organizada foram capazes de colocar

na agenda política local, durante pelo menos dois anos, 2004 e 2005, a reflexão, o debate, em

torno de um grande projeto industrial que teria como consequência social imediata a ruptura de

pelo menos quatorze mil e quatrocentas pessoas com o seu modo de viver. Diria que aquelas

noções básicas da sociologia pragmatista que mencionei no Capítulo 3 ajudam a pensar e

valorizar as competências e os saberes dos atores locais para ocuparem os espaços públicos nos

quais, é tomada grande parte das decisões que afetam a vida.

Na sociologia pragmatista, parte-se de um pressuposto de que no cotidiano as

pessoas produzem um “momento crítico” ao questionarem a ordem daquilo que lhes incomoda.

Todos os membros de uma sociedade apresentam uma “capacidade crítica” (BOLTANSKI,

Page 209: Tese Elio Pantoja Para o Trabalho de Sociologia Do Desenvolvimento

206

1990) e na medida em que defendem suas causas produzem justificações submetidas ao

julgamento de outros. São “regras de aceitabilidade”. Os sujeitos têm capacidade crítica e esta

capacidade interessa porque no caso aqui em discussão, são interpretadas como energias que

podem ser canalizadas. Ações coletivas, mobilizações políticas, disposições, motivações,

argumentos, criatividade e inovação, talvez sejam palavras que dão substância a estas energias

políticas canalizadas para defender a vida e contestar a lógica do mercado. No fundo por este

viés, a experiência do Reage São Luís pode ser um exemplo de resgate da dimensão política

das decisões que envolvem a questão socioambiental.

Por fim, a experiência do Reage São Luís é uma experiência social, no sentido de

que contribuiu decisivamente para frustrar um processo social que estava sendo planejado.

Deslocar grupos humanos historicamente enraizados de um lugar para outro de maneira forçada

é uma experiência social, na medida em que implica em mudanças no modo de organizar

socialmente a vida; implica em desestruturação social e em redefinição dos elementos

constitutivos dos laços sociais; modificam-se expectativas de futuro, eliminam-se histórias e

experiências; Tal situação pode ser traduzida como “lamento e dor” (MAGALHÃES, 2007). O

Movimento Reage São Luís é também uma experiência política quando os atores locais se

manifestam e problematizam as decisões ocupando os espaços públicos: quando denunciam,

quando interferem nas Audiências Públicas, quando ocupam as galerias da Câmara de

Vereadores, quando mobilizam a sociedade civil para participar das decisões sobre o destino da

cidade, quando fazem manifestações nos bairros de periferia, quando vão às universidades e às

ruas falar dos problemas que os afetam. Tudo isto faz parte deste amplo repertório de ações

criadas e recriadas por um movimento de contestação que não somente frustrou um grande

projeto, mas evitou também a concretização de um planejamento cujo resultado seria lucrativo

para grupos econômicos e políticos bastante restritos, mas que poderia ser catastrófico para a

cidade.

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