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Literatura e Cinema de Resistência Novos olhares sobre a memória

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Literatura e Cinema de ResistênciaNovos olhares sobre a memória

UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ

Reitor Carlos Edilson de Almeida ManeschyVice-Reitor Horácio SchneiderPró-Reitor de Administração

Edson OrtizPró-Reitora de Ensino de Graduação

Marlene de FreitasPró-Reitor de Pesquisa e Pós-Graduação

Emmanuel Zagury TourinhoPró-Reitor de Extensão

Fernando Arthur de Freitas NevesPró-Reitor de Planejamento e Desenvolvimento

Erick PedreiraPró-Reitor de Gestão e Desenvolvimento de Pessoal João Cauby Júnior

CONSELHO EDITORIAL

Presidente Luiz Maffei (UFF)

Membros Maria de Lourdes Soares (UFRJ) Rosa Maria Martelo (Universidade do Porto) Ricardo Pinto de Souza (UFRJ) Phillip Rothwell (Rutgers University) Gerson Luiz Roani (Universidade Federal de Viçosa)

Augusto Sarmento-PantojaÉlcio Loureiro CornelsenTânia Sarmento-Pantoja

(Organizadores)

Literatura e Cinema de ResistênciaNovos olhares sobre a memória

Rio de Janeiro - Belém

© Augusto Sarmento-Pantoja, Élcio Loureiro Cornelsen e Tânia Sarmento-Pantoja (Organizadores), 2013

© Oficina Raquel, 2013

Editores Raquel Menezes e Luiz Maffei

Revisão: Tânia Samento-Pantoja

Editoração: Augusto Sarmento-Pantoja e Tânia Sarmento-Pantoja

CapaAugusto Sarmento-Pantoja

Fotografia Augusto Sarmento-Pantoja

Contato dos Organizadores:[email protected]@[email protected]

Dados Internacionais de Catalogação-na-Publicação (CIP)Biblioteca Central da UFPA – Belém- PA

Literatura e Cinema de Resistência: novos olhares sobre a memória/Augusto

Sarmento-Pantoja, Élcio Loureiro Cornelsen e Tânia Sarmento-Pantoja

(organizadores). Rio de Janeiro: Editora Oficina Raquel, 2013.

ISBN: 978-85-65505-12-3

1.Cultura. 2. Educação. 3 Pesquisa

CDD B869-91

www.oficinaraquel.com

Cinema & Resistência09

Memória e Resistência Cultural: Reflexões sobre a produção audiovisual entre o patrimônio

intangível e a espetacularização da culturaAndréa Casa Nova Maia

11

Imagens do Futebol no Cinema Brasileiro Contemporâneo:Memória e drama social como modos de resistência

Élcio Loureiro Cornelsen33

Visualidad y Resistencia:El héroe en el imaginario cinematográfico chileno

entre 1970 y 2008Gonzalo Leiva Quijada

49

Dictaduras y Resistencias en el Cine ArgentinoGustavo Aprea

63

Vermelho Como o Céu de RosaMayara Ribeiro Guimarães

81

Estéticas da Resistência91

Sobre o espetáculo em Guy DebordAugusto Sarmento-Pantoja

95

Literatura e Liberdade (a procura da palavra justa)Eduardo Pellejero

105

Direito pós-fáustico:Por um novo tribunal como espaço de rememoração

e elaboração dos traumas sociaisMárcio Seligmann-Silva

123

SSuummáárriioo

Pensar a resistência pela infância: o brinquedo como miniaturização e rastro

Tânia Sarmento-Pantoja139

A terra que não dorme: o testemunho no entremeio do sonho e da realidade

Viviane Dantas Moraes153

Outras Resistências163

Histórias de vida de quebradeiras de côco do Araguaia: mulheres e resistência cultural num território de conflitos

Ailce Margarida Negreiros Alves165

Termos e expressões do falar marabaense: sobre a literatura em Marabá

Eliane Pereira Machado Soares177

Benedito Nunes e o cinema: discussões na década de 1950 em Belém do Pará

Maria de Fátima do Nascimento187

Resistências Poéticas193

Sobre a Pelejja por Augusto Sarmento-Pantoja - 195Aufgabe e Destituição III por Tânia Sarmento-Pantoja - 196

O Dia em Abaetetuba por Eduardo Aníbal Pellejero - 197Cotijuba: memória e ruína de uma ilha-prisão por Augusto

Sarmento-Pantoja e Tânia Sarmento-Pantoja - 202

Os Organizadores205

SSuummáárriioo

Apresentação

Este livro apresenta-se como mais um esforço dos pesquisadores de

diversos grupos e instituições, articulados com investigações envolvendo

literatura, cinema e resistência, em busca de desvendar caminhos ainda obscuros

na pesquisa em ciências humanas e literatura. Nesta coletânea se encontram

vários resultados dessas investigações que, na forma de estudos, foram

primeiramente apresentados no III Seminário Nacional Literatura e Cinema de

Resistência (SELCIR), realizado no período de 27 a 31 de agosto de 2012, na

Universidade Federal (UFPA). O III SELCIR foi organizado pelos grupos de

pesquisa Estudos de Narrativa de Resistência (NARRARES) e Estéticas,

Performances e Hibridismos (ESPHERI), sob a coordenação dos professores

Tânia Sarmento-Pantoja e Augusto Sarmento-Pantoja. O evento contou ainda

com a colaboração do Prof. Élcio Loureiro Cornelsen, da Universidade Federal de

Minas Gerais (UFMG), que co-coordenou o evento como convidado externo à

UFPA.

Para a realização do III SELCIR contamos com fomento da Coordenação

de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) por meio do edital de

apoio a eventos no país CAPES 004/2012; da Fundação Amazônia Paraense

(FAPESPA), por meio do edital de Apoio à eventos 002/2012; da Fundação de

Amparo e Desenvolvimento à Pesquisa (FADESP), Pró-Reitoria de Pesquisa e

Pós-Graduação (PROPESP) da UFPA, por meio do edital PAEV 03/2012.

Contamos ainda com o apoio logístico e fomento do Programa de Pós-Graduação

em Letras (PPGL/UFPA). Deixamos registrado que sem aos referidos

financiamentos e o apoio do PPGL seria difícil a materialização do evento e a

concretização deste livro.

Durante os dias de realização do III SELCIR estreitamos os laços

acadêmicos com diversos pesquisadores, em âmbito regional, nacional e

internacional. Os trabalhos apresentados estão disponíveis nos Anais do III

SELCIR e podem ser encontrados no site do evento: iiiselcir.wordpress.com/

anais. As conferências e as palestras proferidas nas mesas de debates estão

sendo disponibilizados neste livro.

Consideramos imprescindível o esforço em divulgar a produção por meio

de uma coletânea, pois materializa as devidas interlocuções com diversos

pesquisadores no Brasil e fora dele em uma prática bastante salutar. Para nós, o III

SELCIR, expressa bem nosso esforço, pois tivemos 48 comunicações,

organizadas em 12 sessões; 15 palestras, distribuídas em 5 mesas de debate; e 8

conferências.

O livro Literatura e Cinema de Resistência: novos olhares sobre a memória

conta com 13 artigos científicos, distribuídos em três seções: “Cinema &

Resistência”, composta de cinco artigos que contribuem para o debate acerca das

relações entre cinema e as várias formas de resistência, em narrativas de ficção e

documentários, abrangendo tanto o cinema, brasileiro, quanto experiências no

Chile, na Argentina e na Itália. Em seguida temos “Estéticas da Resistência”,

seção com cinco trabalhos voltados às dimensões estéticas que envolvem o

espetáculo, a elaboração do trauma, o papel do brinquedo na infância e o

testemunho. A última seção de estudos chama-se “Outras Resistências” e aponta

para outros caminhos intrínsecos à presença da resistência em objetos não

artísticos, o que implica uma travessia para campos de conhecimento para além

da teoria da literatura e da estética: antropologia, sociologia, linguística , história

das mentalidades etc. O livro finaliza com um último setor destinado a arte literária

por nós chamadas de “Resistências Poéticas”, que agrega a poesia e o conto de

alguns dos pesquisadores desta coletânea e um ensaio fotográfico, em mais um

exercício de resistência.

Esse projeto não pode se dizer fundamental apenas por tratarmos de

pesquisas de grande envergadura em âmbito acadêmico, mas também, e

principalmente, por representar a incansável tarefa do pesquisador comprometido

com o dever de memória: resistir, resistir, resistir.

Os Organizadores

Apresentação [08] Os Organizadores

Cinema & Resistência

O cinema teve para a modernidade importância capital no que concerne ao

surgimento de novos regimes de representação, pois instaura uma nova

sensibilidade junto ao público. Walter Benjamin, em texto seminal e bastante

conhecido, A obra de arte na era de sua reprodutibilidade técnica, procura mostrar

como essa nova sensibilidade altera o modo de olhar e perceber a experiência. A

captura de universos marcados pela ruína e pelos afetos instaura um saber acerca

do tempo e acerca da experiência comunitária. Contudo, em uma Era que não é só

da Modernidade, mas também das Catástrofes, que corresponde ao Século XX e

ao seu herdeiro, o Século XXI, reverberam nessa experiência os antagonismos

constituídos a partir não apenas de um modo de ser, mas, sobretudo, de um modo

de estar em sociedade.

Essa condição, multifacetada, pode ser apreendida pelos objetos artísticos

de variadas formas e lugares. Ao cinema cabe, a partir do labor com a imagem,

codificar o gesto plurissignificativo desse modo de estar. Se esse modo de estar

corteja, na relação de antagonismo, um pensar acerca do Mal, é possível que

nessa beligerância se faça presente o gesto de resistência ou pelo menos um

lugar especulativo a partir do qual se reflita acerca da resistência ou de sua

ausência. Os textos que compõem a seção Cinema & Resistência apontam para

essas possibilidades.

Memória e Resistência Cultural – reflexões sobre a produção audiovisual

entre o patrimônio intangível e a espetacularização da cultura, parte da

apresentação de um vídeo documentário, que foi um dos produtos de uma

pesquisa histórica sobre a cultura nos antigos Caminhos do Diamante, entre o

Serro e Diamantina (MG). O vídeo constitui-se como ferramenta de registro e

preservação de alguns aspectos da cultura tradicional e dos distintos modos de

vida dos habitantes de pequenos povoados, às margens do antigo caminho de

tropas, mas ao mesmo tempo se instaura no ensaio como provocação a um

pensar acerca dos processos de tratamento da memória. A partir dessa leitura, é

instaurado um debate pautado na seguinte problematização: em que medida é

possível falar de uma resistência através da memória documentada em

fragmentos, já que alguns elementos da cultura regional foram espetacularizados

para atender ao Turismo ou outras demandas externas a essas comunidades.

O ensaio Imagens do futebol no cinema brasileiro contemporâneo:

memória e drama social como modos de emergência visa à análise comparativa

dos filmes Boleiros – era uma vez o futebol… (1998), de Ugo Giorgetti e Linha de

passe (2008), de Walter Salles e Daniela Thomas. O tratamento fílmico dado às

imagens do futebol no Brasil, enquanto modos de resistência ao esquecimento e

ao descaso social, constitui sua principal linha argumentativa.

Em Visualidad y resistencia: El héroe en el imaginario cinematográfico

chileno entre 1970 y 2008 é possível observar como a produção cinematográfica

chilena sofre considerável metamorfose em função do Golpe Militar de 1973 e

interage com esse episódio histórico, firmando-se como lugar de resistência. A

construção desse lugar de resistência – e memória, se faz a partir de uma crítica

do olvidamento a que desde então o cinema chileno esteve sujeito. Crítica

constituída, seja pela presença de protagonistas fracassados, seja por

reconhecer que o lugar de onde se fala é o de um país periférico, com uma

memória ferida.

Dictaduras y resistencias en el cine argentino procura, considerando uma

cartografia prévia, interpretar as lógicas políticas e estéticas a partir das quais foi

concebida a resistência cinematográfica. A proposta é comparar dois momentos,

as ditaduras autodenominadas “Revolução Argentina”, que se estendeu de 1966 a

1973 e o “Processo de Reorganizacão Nacional”, que assolou o país entre os anos

de 1976 e 1983, com vistas a verificar de que modo a resistência esteve

constituída em cada um desses momentos.

Vermelho como o céu de Rosa, além do belíssimo título, propõe, pela

perspectiva do personagente, invenção criada por Guimarães Rosa para designar

o ser convertido em essência autêntica, uma leitura do conto “Pirlimpsiquice”, de

Primeiras estórias, em diálogo poético com o filme Rosso come il cielo (2004), de

Cristiano Bortone. Uma possibilidade de leitura em que poesia e cinema figuram

como instrumentos de resistência à automatização da vida e da arte a partir da

infância como núcleo central.

Os Organizadores

Cinema e Resistência [10] Os Organizadores

Estéticas da Resistência

Ilana Feldman em um texto intitulado O apelo realista cita Jean-Louis

Comolli: “No auge do triunfo do espetáculo, espera-se um espetáculo que não

mais simule”. O que parece mais uma ilusão frente a um universo que aposta cada

vez mais não somente na simulação, mas sobretudo no simulacro e na

dissimulação, percebemos que o espetáculo pode se transformar em uma

ferramenta conceitual densa e capaz de dar conta de experiências antes

impensáveis de serem compreendidas na chave do espetáculo, como é o caso

dos textos de cunho memorialístico, caso, por exemplo, do testemunho. Contudo,

para que essa possibilidade se materialize é necessário repensar o próprio

conceito de espetáculo. É justamente esse desafio que norteia o estudo de

Augusto Sarmento-Pantoja em Sobre o Espetáculo em Guy Debord. O autor

retoma A Sociedade do Espetáculo, obra máxima do pensamento filosófico de

Guy Debord, em busca de repensar a relação do ensaio de Debord com o

pensamento marxista e a dimensão estética, com vistas à compreensão das

poéticas visuais contemporâneas. Na revisitação ao texto base de Debord

Sarmento-Pantoja estabelece um repensar acerca do espetáculo sobre o viés das

visualidades, para assim construir uma argumentação que compreende o

espetáculo como processo de formulação das espetacularizações e das

performances artísticas.

Em Literatura e Liberdade (a procura da palavra justa), ensaio de Eduardo

Pellejero, o núcleo especulativo é a liberdade pensada como imperativo para a

arte, para além dos projetos políticos e morais. Por essa razão Pellejero analisa as

diferentes esferas em que se encontram a literatura e a moral, privilegiando o

papel que a ideia de liberdade assume no limiar entre esses dois campos e como a

dimensão ética se torna um dos principais interlocutores em produções artísticas,

cujos autores estiveram deliberadamente envolvidos com a práxis política. É o

caso de Francisco “Paco” Urondo, ativista político e militante que, no contexto da

ditadura argentina, foi assassinado, em 1976, durante cerco conjunto organizado

pela polícia e pelo exército. E Haroldo Conti, que também em 1976, no mesmo

contexto em que ocorre a morte de Urondo, foi seqüestrado por forças policiais e

até hoje figura como desaparecido político. O autor analisa a produção dos dois

com vistas a traçar algumas considerações acerca da procura da palavra justa,

pensada no entremeio entre o dever de justiça e a adequação da matéria artística.

As preocupações com a memória e sua relação com o dever de justiça

permanecem como núcleo fulcral dos trabalhos que compõem a presente

coletânea. Assim como o espetáculo se torna uma alternativa instrumental e

conceitual para a compreensão de determinadas performances, algumas

categorias implicadas em uma teoria – e uma filosofia do direito, como é o caso do

tribunal, se constituem no ponto de partida de Márcio Seligmann-Silva no ensaio

Direito pós-fáustico: Por um novo tribunal como espaço de rememoração e

elaboração dos traumas sociais. O trabalho apresenta algumas ideias acerca da

questão da memória e do arquivamento em um mundo afundado na hipermnésia

do universo da web. Enfoca alguns aspectos no que tange às dificuldades da

rememoração e do arquivamento, destacando o papel do testemunho como meio

de inscrição da violência e como canal de busca da justiça. Desse modo, introduz

uma consciência clara da relação entre direito e memória, que revela também a

necessária relação entre direito e política. Destaca também a amnésia e a

hipomnésia como faces não menos importantes da nossa hipermnésia. Com base

em Jacques Derrida para quem, em Mal de arquivo, “Não haveria certamente

desejo de arquivo sem a finitude radical, sem a possibilidade de um esquecimento

que não se limita ao recalcamento.” (2001, 32), Seligmann-Silva aposta na ideia

de que o esquecimento pode ter muitas faces: o apagamento, a tentativa de borrar

da história, uma amnésia provocada por catástrofes naturais, ou ainda um

esquecimento decretado que, no fundo é uma contradição nos seus próprios

termos. Para ele o testemunho, como exercício de narrar e elaborar traumas

sociais, na prática política, conforme se mostra, é uma tentativa de se escovar a

história a contrapelo, abrindo espaço para aquilo que normalmente permanece

esquecido, recalcado e legado a um segundo (ou último) plano.

Igualmente sem perder de vista a dimensão do trabalho com a memória o

ensaio Pensar a resistência pela infância: o brinquedo como miniaturização e

Estéticas da Resistência [92 ] Os Organizadores

rastro, de Tânia Sarmento-Pantoja, parte de várias contribuições de Giorgio

Agamben e Walter Benjamin, para pensar acerca da infância como paradigma e

ferramenta conceitual. O intuito central é construir algumas considerações acerca

da miniaturização e de como essa categoria pode auxiliar no desvelamento de

alguns nuances presentes na narrativa da catástrofe com protagonismo infantil.

Testemunho, experiência anticolonial e dever de memória são os aspectos

que movem a análise realizada por Viviane Dantas Moraes, no estudo A terra que

não dorme: o testemunho no entremeio do sonho e da realidade. Para Dantas

Moraes o romance Terra Sonâmbula, do escritor moçambicano Mia Couto, assim

como muitas de suas obras, retrata uma visão intimista da África devastada pelas

conseqüências da colonização e pela violência de quase trinta anos de guerra civil

e anticolonial. No livro, um menino e um homem desamparados pelas atrocidades

do conflito encontram ao lado de um jovem morto uma mala com vários escritos.

Cada um dos cadernos retrata os horrores desse universo destruído, além de nos

revelar, ao mesmo tempo, as tentativas que a memória tem de camuflar ou

transfigurar fatos a partir de experiências dolorosas. Por meio dos cadernos, que

podem servir como uma espécie de testemunho de um fugitivo de guerra, o

menino Muidinga e o velho Tuhair adentram em vários relatos que traduzem o

sentimento conturbado de uma terra devastada pela catástrofe. Entrelaçando

memória, identidade e História, os manuscritos de Kindzu trazem à tona a tradição

oral africana, símbolo da resistência identitária que, de certa forma, aludem à

única tentativa de vivência de um povo castigado pelos sofrimentos da guerra.

Os Organizadores

Literatura e Cinema de Resistência: [93] Novos olhares sobre a memória

Outras Resistências

Os rastros da memória podem se expressar de muitos modos. Muitos são

os modos de usá-los. Diversificados, os rastros cintilam não apenas o tempo a que

estiveram factualmente agregados, cintilam outras mobilidades da práxis

humana. Os rastros transmitem – e tramitam – uma “tradição” como aquela a que

se reporta Jeanne Marie Gagnebin no conhecido ensaio A Cicatriz de Ulisses.

Traços como a cicatriz deixada por um javali no corpo de Ulisses nos dizem da

“continuidade das gerações”, das alianças da força da palavra. Nos falam de

outras dimensões da existência humana, especialmente daquelas existências

singulares, não somente porque são singulares, mas porque se deixaram

envolver por formas de resistência. A possibilidade de correlação entre resistência

e memória é reclamada como norte nos estudos que compõem os textos desta

seção.

O estudo apresentado por Ailce Margarida Negreiros Alves, intitulado

Histórias de vida de quebradeiras de côco do Araguaia: mulheres e resistência

cultural num território de conflitos têm como locus e objeto a micro-região do

Araguaia, mais precisamente os municípios de São Domingos do Araguaia e

Palestina do Pará. Trata-se de um dos territórios entre os tantos das regiões que

compõe o Sudeste do Pará onde residem e resistem centenas de mulheres

sobrevivendo da quebra do coco babaçu. Buscando formas de sobrevivência,

essas mulheres catam, quebram e beneficiam o babaçu produzindo vários

subprodutos: azeite, sabonete, farinha, carvão e o artesanato usado como

utensílios domésticos (abanos, cestos, esteiras, etc.). Há também um espaço em

disputa, onde essas mulheres sofrem pressões de todas as ordens, conforme

mostram seus relatos. Intalaram-se ali mandos e desmandos das oligarquias da

castanha; grandes projetos da conhecida Operação Amazônia; da Guerrilha do

Araguaia; e mais recentemente do agronegócio. O estudo analisa as formas de

resistência construídas pelas mulheres quebradeiras de coco babaçu na luta pela

sobrevivência, bem como o enfrentamento das variadas formas de pressão,

opressão e exploração, além da resistência à tentativa do modelo de

desenvolvimento vigente, de eliminar essa forma de vida no campo.

Os Organizadores

Augusto Sarmento-Pantoja: Doutorando em Teoria e

História Literária pela UNICAMP. Mestre em Letras pela

UFPA (2006). Possui Graduação em Letras pela UFPA.

Atualmente e professor Assistente II, de Literatura

Vernácula na UFPA (Campus Abaetetuba). Lidera o grupo

de Pesquisa Estéticas, Performances e Hibridismos (ESPERHI) e coordena o

projeto de pesquisa Performance e espetacularização da violência nas narrativas

da memória traumática pós-64, com financiamento da PROPESP/UFPA, por meio

da Bolsa PIBIC-Interior/UFPA. Organizou as coletâneas: Cultura, Educação e

Pesquisa na Amazônia (2011); Memória e Resistência: percursos, histórias e

identidades ( 2012); Vertigens no Olhar: estudos de literatura vernácula (2012).

Élcio Loureiro Cornelsen. Possui graduação em Letras

Alemão e Português pela USP (1992), Mestrado em Letras

(Língua e Literatura Alemã) pela USP (1995), doutorado em

Germanística-Freie Universität Berlin(1999), na Alemanha,

pós-doutorado em Estudos Organizacionais pela Fundação

Getúlio Vargas (FGV-EAESP; 2005), e pós-doutorado em Teoria Literária pelo

Instituto de Estudos da Linguagem, da Unicamp (IEL-Unicamp; concluído em fev.

2010). É Professor Associado II da Faculdade de Letras da UFMG, credenciado

junto ao Programa de Pós Graduação em Estudos Literários. É docente

credenciado junto ao Programa de Pós-Graduação em Estudos do Lazer, da

Escola de Educação Física, Fisioterapia e Terapia Ocupacional (EEFFTO/UFMG).

É membro do Grupo Integrado de Pesquisa: Literatura e Autoritarismo;

(CAL/UFSM-RS) desde 2000, do Núcleo Walter Benjamin (FALE/UFMG), desde

2006, do Núcleo de Estudos sobre Literatura e Guerra (FALE/UFMG), desde

2009, e líder do FULIA - Núcleo de Estudos sobre Futebol, Linguagem e Artes

[205]

(FALE/UFMG), fundado em 2010. Tem experiência na área de Letras, com ênfase

em Literatura Moderna Alemã, Literatura, História e Memória Cultural, e Literatura

e outros Sistemas Semióticos, atuando principalmente nos seguintes âmbitos:

teoria literária, literatura alemã, língua alemã, análise do discurso e cinema.

Atualmente, desenvolve atividades também no âmbito da relação entre futebol,

linguagem, artes e cultura. É Bolsista de Produtividade em Pesquisa do CNPq -

nível II e do Programa Pesquisador Mineiro da FAPEMIG, com o Projeto:

Literatura, Música e Futebol.

Tânia Sarment-Pantoja. Possui graduação em Letras pela

Universidade Federal do Pará (1995), mestrado em Letras

pela Universidade Federal de Pernambuco (1999) e

doutorado em Estudos Literários pela Universidade

Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (2005).

Foi bolsista CAPES no Mestrado e no Doutorado. Atualmente, é professora

Adjunto I da Universidade Federal do Pará atuando na Graduação e na Pós-

Graduação. Possui experiência na área de Letras, com ênfase em narrativas

literárias brasileiras e portuguesas, desenvolvidas na contemporaneidade,

atuando principalmente nos seguintes tópicos: narrativa pós-ditatorial, narrativa

de resistência, romance histórico contemporâneo de língua portuguesa. Tem

trabalhos publicados sobre Jorge de Sena, José Riço Direitinho, Alexandre

Pinheiro Torres, Benedicto Monteiro, Bernardo Carvalho, Antonio Callado, Ignácio

de Loyolla Brandão, entre outros. É líder do Grupo de Pesquisa NARRARES -

Estudos sobre narrativa de resistência. Organizou as coletâneas: Multiplicidades

do discurso (2010) Memórias do Presente (2012), Vertigens do Olhar: estudos de

literatura vernácula (2012).

[206]