tese doutorado schmidt

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Universidade Federal do Rio de Janeiro Instituto de Geociências Programa de Pós-Graduação em Geografia Curso de Doutorado A Geografia e os Geógrafos do IBGE no Período 1938-1998 Por Roberto Schmidt de Almeida Tese apresentada ao Curso de Doutorado em Geografia do Programa de Pós-Graduação em Geografia do Instituto de Geociências da Universidade Federal do Rio de Janeiro, como requisito parcial para obtenção do grau de Doutor em Geografia Orientadora: Lia Osório Machado Rio de Janeiro 2000

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  • Universidade Federal do Rio de Janeiro Instituto de Geocincias Programa de Ps-Graduao em Geografia Curso de Doutorado

    A Geografia e os Gegrafos do IBGE no Perodo 1938-1998

    Por

    Roberto Schmidt de Almeida

    Tese apresentada ao Curso de Doutorado em Geografia do Programa de Ps-Graduao em Geografia do Instituto de Geocincias da Universidade Federal do Rio de Janeiro, como requisito parcial para obteno do grau de Doutor em Geografia

    Orientadora: Lia Osrio Machado

    Rio de Janeiro 2000

  • Almeida, Roberto Schmidt de A Geografia e os gegrafos do IBGE no perodo 1938-1998 / Roberto Schmidt de Almeida. Rio de Janeiro : Universidade Federal do Rio de Janeiro, Programa de Ps-Graduao em Geografia, 2000. 2v.

    Orientadora: Prof. Dra. Lia Osrio Machado. Dissertao (doutorado) Universidade Federal do Rio de Janeiro. Programa de Ps-Graduao em Geografia.

    1. Geografia Histria Teses. 2. IBGE Histria Teses. 3. Histria oral Teses. 4. Gegrafos Brasil. 5. Formao profissional. 6. Gegrafos Biografia. 7. Memria. I. Machado, Lia Osrio. II. Universidade Federal do Rio de Janeiro. Programa de Ps-Graduao em Geografia. III. Ttulo

    CDU 91 (091) GEO

  • Universidade Federal do Rio de Janeiro Instituto de Geocincias Programa de Ps-Graduao em Geografia Curso de Doutorado

    A Geografia e os Gegrafos do IBGE no Perodo 1938-1998:

    Por

    Roberto Schmidt de Almeida

    Tese apresentada ao Curso de Doutorado em Geografia do Programa de Ps-Graduao em Geografia do Instituto de Geocincias da Universidade Federal do Rio de Janeiro, como requisito parcial para obteno do grau de Doutor em Geografia

    Banca Examinadora

    Professora Doutora Lia Osrio Machado orientadora

    Professora Doutora Maria do Carmo Galvo

    Professora Doutora Marieta de Moraes Ferreira

    Professora Doutora Lucia Lippi Oliveira

    Professor Doutor Paulo Csar da Costa Gomes

    Rio de Janeiro, RJ - Brasil 2000

  • Para os Gegrafos e os demais profissionais de outras formaes, que garantiram a qualidade da Geografia do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica ao longo desses anos. Isto , aos que criaram o documento e guardaram a memria.

    A memria alimenta uma cultura, nutre a esperana e torna humano o ser humano

    Elie Wiesel

  • Agradecimentos

    Desejo agradecer primeiramente ao Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica, que, com sua poltica de aperfeioamento de pessoal, garantiu-me o tempo necessrio para a concluso deste trabalho. Poltica que o IBGE vem mantendo sistematicamente desde sua fundao e que resultou na alta qualidade de seus quadros tcnicos, tanto em Estatstica, quanto em Geografia, Geodsia, Cartografia, Economia, Sociologia, Cincias Naturais e Computao, reas do conhecimento em que o IBGE opera direta ou indiretamente.

    No contexto da Diretoria de Geocincias, desejo explicitar as pessoas dos diretores Srgio Bruni e Trento Natali Filho que garantiram o suporte tcnico para que eu pudesse me afastar das tarefas burocrticas e pesquisar as atividades da rea. Agradeo tambm a pacincia deles ao dedicarem boa parte de seus tempos nos processos de gravao de seus depoimentos e nas discusses preliminares a esses depoimentos.

    No Departamento de Geografia, onde trabalhei 29 anos, as figuras de Csar Ajara e Maria Luza Castelo Branco, os dois ltimos chefes de departamento, foram fundamentais na garantia das condies fsicas de pesquisa para que este trabalho fosse concludo.

    No contexto do Centro de Documentao e Disseminao de Informaes, a liderana de David Wu Tai foi importante no processo de viabilizar meu acesso aos acervos histricos do IBGE, inclusive, me garantindo duas viagens de pesquisa aos arquivos histricos do IBGE localizados em Braslia, na Reserva Ecolgica do Roncador. Em Braslia, a amvel acolhida de Iracema Gonzales, responsvel pela Reserva Ecolgica e Guiomar Almeida e Silva, do Escritrio da Presidncia do IBGE em Braslia, foi de grande importncia, facilitando minha pesquisa.

    As figuras de Maria Teresa Passos Bastos, Edna Maria de S Morais, Regina Acioli e Josiane Pangaio foram incansveis nas etapas de pesquisa de documentos e na editorao final da tese.

    Ao corpo de professores e funcionrios do Departamento de Geografia da UFRJ, que me garantiram um estimulante ambiente de estudos, propiciando uma ampliao de meus conhecimentos nos estudos geogrficos.

    Aos colegas pesquisadores do Curso de Mestrado em Memria Social e Documento da UNIRIO que me garantiram um intensivo treinamento nas tcnicas de gravao de depoimentos em Histria Oral durante o trabalho sobre o Bairro da Urca, fundamental para o desenvolvimento de minha pesquisa.

    Explicitados todos esses agradecimentos, resta-me criar uma categoria muito especial de reconhecimento minha esposa Snia Rocha, economista que conheci no DEGEO, e com a qual casei-me em 1981. At hoje, continuamos intensamente trocando conhecimentos sobre os mais variados assuntos, at mesmo geografia e economia... e no meio tempo, cuidando de nossa filha Monica e de nossos gatos, Gatucho ( j falecido) e Bali .

    Resumo

  • A reconstituio histrica do conjunto de atividades levadas a efeito entre os anos de 1938 e 1998 por uma comunidade de pesquisadores geogrficos, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica (IBGE), a maior agncia de planejamento territorial do governo brasileiro, o principal objeto desta pesquisa. A relao entre Documento e Memria preside este trabalho, no qual documento expressa o que foi impresso (legislao, projetos, relatrios e a produo intelectual dos gegrafos, atravs de relatrios, livros, atlas e artigos ) enquanto memria exprime a experincia pessoal de um grupo de profissionais, atravs de seus depoimentos orais gravados e transcritos, que evocam suas respectivas trajetrias no IBGE. Essa relao esclarece sobre as diferentes conjunturas nas quais foi gestada a produo geogrfica, alm de desvendar os diversos conflitos de natureza poltica, cientfica, corporativa e pessoal enfrentados por esses gegrafos, ao construir o que se convencionou chamar de Geografia Oficial. O trabalho abarca um perodo de 60 anos, tendo como pano de fundo, os contextos poltico, econmico, cientfico do pas que se desenrolam paralelamente a quatro constituies, vinte e dois mandatos presidenciais (vinte e um presidentes e uma junta militar) e uma sucesso de crises polticas mais ou menos graves. Seguidas por alguns perodos excepcionais como o Estado Novo (1937 a 1945), da renncia de Jnio Quadros at a queda de Joo Goulart (1961 a 1964), o dos governos militares (1964 a 1985) e o dos trs governos posteriores. No campo do Pensamento Geogrfico, a pesquisa rastreia as principais mudanas de orientao metodolgica e tcnica por que passaram as matrizes de pensamento cientfico influenciando, via escolas francesa, alem e anglo-saxnica, nos principais trabalhos geogrficos da comunidade ibegeana.Finalmente, acompanharemos a trajetria do prestgio da Geografia. De incio, quando aliavam-se necessidade de conhecimento do territrio a uma determinao de integrao, levado a efeito por Vargas durante o Estado Novo. Ultimamente durante os governos ps-militares na dcada de 90, quando a palavra transio tornou-se o mote principal, referenciada, tanto s questes cientficas, quanto as tecnolgicas, e a noo de crise, financeira e gerencial, passou a figurar prioritariamente nas preocupaes dos legisladores e dos planejadores do aparelho estatal.

    Summary The main objective of this research is the historical recollection of activities pursued from 1938 to 1998 by a group of geographical researchers from the Brazilian Institute of Geography and Statistics (IBGE), the largest government agency on territorial planning in Brazil. The relation between Document and Memory command this work. Document refers to what is printed (legislation, projects, reports and the geographers' intellectual production, as reports, books, atlas and articles), while memory relates to the personal experience of a group of professionals, through their taped and transcribed oral testimony, describing their trajectory in IBGE and explaining the conditions under which their geographical production developed. The work also narrates the many political, scientific, corporative and personal conflicts which arose during the development of the so-called Official Geography.The work covers a 60 year-old period, having as background the countrys political, economical and scientific events, thus paralleling four constitutions, twenty-two presidential mandates (twenty-one presidents and a military committee), as well as a succession of political crises, which led to some exceptional periods as the Estado Novo (1937 to 1945), Jnio Quadross renouncement to Joo Goulart's fall (61 to 64), the military rule (1964 to 1985) and the three subsequent governments. The research trails how the main methodological and technical changes in the Geographical Thought, influenced by the French, German and Anglo-Saxon schools, affected the mainstream of IBGEs geographic production. It focus on the standing of Geography in Brazil. Firstly, during the period when, at the same time, there was the need to describe the territory and to pursue its administrative integration, which was Getlio Vargas` engagement during the Estado Novo. Lately, during the post military governments in the nineties, when the word transition became the keyword in scientific and technological matters, while crisis, financial as well as managerial, became the central concern of legislators and planners.

  • Sumrio

    A Geografia e os Gegrafos do IBGE no Perodo 1938-1998

    Introduo do autor....................................................................................................................... Apresentao................................................................................................................................

    Captulos Introdutrios

    I- A Relao entre Documento e Memria no Contexto da Histria Oral.................................. II- O Que o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica ? .................................................. III- O Pano de Fundo Cronolgico que Orientar a Saga Geogrfica do IBGE

    Parte I - A Estruturao da Tecnoburocracia do Planejamento Espacial no Brasil

    Introduo - O Papel do Estado Brasileiro nos anos 30 e sua Burocracia .................................. Captulo I - A Formao Institucional do Sistema de Planejamento Territorial Brasileiro ........... Captulo II - A Estruturao das reas de Geografia, Geodsia e Cartografia no IBGE.............. Captulo III - A Estruturao da Memria do Grupo Profissional dos Gegrafos do IBGE ........

    Parte II - A Geografia Brasileira no Sculo XX Dentro e Fora do IBGE

    Introduo - O Contexto Histrico do Pensamento Geogrfico no Sculo XX ............................ Captulo I - O Poder das Escolas Estrangeiras de Geografia no Brasil: nas Sociedades Geogrficas, na Universidade e no IBGE ................................................................ Captulo II - Carisma e Liderana dos Gegrafos Estrangeiros na Formao da Geografia do IBGE ....................................................................................................................................... Captulo III - A "Velha Guarda" da Geografia do IBGE, a Estruturao das Lideranas Pioneiras .......................................................................................................................................

    Parte III - O Gegrafo do IBGE e sua Formao na Prtica

    Introduo - Uma Experincia de Histria Oral ............................................................................ Captulo I - A Aventura dos Depoimentos Gravados Com os Profissionais ................................ Captulo II - O Processo de Escolha da Carreira ......................................................................... Captulo III - Na Arena de Trabalho ............................................................................................

    Parte IV - As Prticas Profissionais da Geografia do IBGE e sua Representatividade

    Introduo ..................................................................................................................................... Captulo I - Do Conselho Nacional de Geografia ao Departamento de Geografia : uma anlise de suas prticas profissionais .................................................................................. Os temas escolhidos para analisar as prticas geogrficas no IBGE .......................................... 1- Regionalizao ......................................................................................................................... 2- Ocupao do territrio e habitat ............................................................................................... 3- Industrializao ........................................................................................................................ 4- Urbanizao ............................................................................................................................. 5- Modernizao da agricultura ................................................................................................... 6- Caracterizaes Ambientais ................................................................................................... 7- Diagnsticos Scio - Ambientais Integrados ..........................................................................

  • Captulo II - As Diferentes Vises da Alta Direo do IBGE Sobre a Geografia :

    1-Os Presidentes

    Gesto Isaac Kerstenetzky (por Eurico Neves Borba) ........................................................... Gesto Edson de Oliveira Nunes ........................................................................................... Gesto Charles Kurt Mueller .................................................................................................. Gesto Eurico Neves Borba ................................................................................................... Gesto Simon Schwartzman ..................................................................................................

    2 - Os Diretores

    Gesto Mauro Pereira de Mello na DGC ................................................................................. Gesto Srgio Bruni na DGC ................................................................................................... Gesto Trento Natali Filho na DGC .......................................................................................... Depoimento de Marilourdes Lopes Ferreira (Diretora Adjunta na DT e na DGC) .....................

    Parte V - Os Processos de Qualificao Profissional

    Introduo ................................................................................................................................. Captulo I - A Importncia das Relaes Com as Universidades no Exterior e no Brasil ...... Captulo II - O IBGE Como Disseminador da Geografia no Brasil .............................................

    Parte VI - Apogeu , Crise e Futuro da Geografia Ibegeana nos Anos 90

    Introduo - Crise do Servio Pblico ou Crise da Geografia ? A grande dispora de 1991 Captulo I - O Quadro de Transio da Geografia do IBGE nos Anos 90 Captulo I I - O Futuro da Geografia no IBGE no Contexto de Uma Agncia Executiva Com Um Contrato de Gesto.

    Captulos de Concluses

    Concluses.......................................................................................................................... Projetos Futuros para uma Memria Oral do IBGE.............................................................

    Bibliografia .......................................................................................................................... Anexos ............................................................................................................... Volume II

  • Introduo do Autor

    Tomando por base ser este trabalho o resultado de uma avaliao de vrias trajetrias profissionais, importante lembrar, e dar o devido crdito, a algumas pessoas que me ensinaram a arte do profissionalismo.

    Tornar-se um profissional competente um ideal a ser alcanado, embora exija um certo esforo, em termos de aprendizado de vrias habilidades no decorrer de nossas vidas. Essas pessoas que aparecero a seguir, conscientemente ou no, tornaram possvel a transformao de um jovem inexperiente, mas curioso e afoito, num profissional que se disps a contar a histria de um grupo de pesquisadores que se ocupou de estabelecer uma boa parte do conhecimento geogrfico do territrio brasileiro, ao longo de mais de 60 anos.

    A jornada inicia-se em 1964, ao ingressar nos quadros da companhia S/A White Martins pelas mos de Joo Garcia, um grande amigo de meu pai. Tio Joozinho ensinou-me a operar com o formalismo e com a hierarquia. Dali em diante, eu seria o responsvel por meus atos diante de meus pares.

    Antonio Gualano Consentino, gerente geral da Diviso Centro, ensinou-me a entender o que mandar e responsabilizar-se pelas aes de mando. Muito lucraria o IBGE, se a grande parte de suas chefias tivesse aprendido as lies do Dr. Consentino.

    Washington Paes, gerente de compras, ensinou-me os aspectos tcnicos dos equipamentos que a White Martins adquiria, tanto para revenda, quanto para uso interno. Muitas outras pessoas me auxiliaram nesse trabalho, mas a ltima palavra eu ouvia do Dr. Paes.

    O mesmo Washington Paes seria meu superior na rea de recursos humanos, durante minha ltima fase na White Martins (1969-70), quando eu j havia escolhido a Geografia como formao profissional (em 1968 iniciei meu curso na UFF). Para ele, era espantoso como um rapaz que tinha sido bem aceito pelos cdigos no escritos da companhia, no estava interessado em estudar administrao ou economia para seguir carreira na White Martins, e sim Geografia, fascinado pelo mundo do alpinismo, ao qual havia sido introduzido em 1965/66.

    Mais espantado Dr. Paes ficou quando, em fevereiro de 1970, tomei a deciso de me demitir da White Martins para ser estagirio no IBGE, sem contrato formal de trabalho e ganhando a metade do salrio. A deciso era to temerria, que o Dr. Paes, por ocasio da minha entrevista de desligamento, ofereceu-me uma nova oportunidade na companhia, caso as coisas no dessem certo no IBGE, pelo menos enquanto ele estivesse na gerncia de recursos humanos. Hoje, posso

  • agradecer a confiana depositada e dizer que em algumas ocasies, no incio do estgio do DEGEO, cheguei a pensar em conversar com Dr. Paes para uma volta.

    O primeiro gegrafo com quem estabeleci uma relao de confiana, foi Gelson Rangel Lima, meu professor de Geografia Humana na UFF e pesquisador de Geomorfologia no IBGE. Na poca, minha relao entre alpinismo e Geomorfologia ou Bio-geografia era muito forte em meus planos profissionais e o Prof. Gelson contribua de duas maneiras: ensinando informalmente Geomorfologia em suas excurses da UFF e relatando suas experincias na Europa, por ocasio de seu estgio de pesquisa na Frana, enviado pelo IBGE.

    Foi por sua influncia, que eu fui indicado pela UFF para tentar um estgio no IBGE no ano de 1970. Gelson foi incansvel no processo de minha preparao para a entrevista com os chefes do DEGEO, indicando bibliografias e explicando o novo movimento da Geografia Quantitativa, que se iniciava no Brasil. Era perfeitamente perceptvel que aquela no era sua rea de especializao, mas ele esforava-se para mostrar a chegada de mais uma opo em termos de Geografia.

    Outras duas pessoas a quem devo boa parte do conhecimento geogrfico que hoje possuo so Elza Coelho de Souza Keller e Roberto Lobato de Azevedo Corra, pois, alm de depositarem confiana em minha pessoa, efetivamente ensinaram-me a trabalhar na pesquisa geogrfica. Iniciei meus trabalhos em maro de 1970 e, em julho do mesmo ano, Elza Keller j me convocava para um longo trabalho de campo no Maranho, juntamente com o grupo de Roberto Lobato (os experientes estagirios Joo Rua e Lus Antnio Ribeiro).

    Nos anos seguintes, a figura de Roberto Lobato Corra passou a ser a principal referncia para meus estudos geogrficos. A mudana da Geografia Fsica para Geografia Urbana se completou, fundamentalmente por conta da orientao segura de Roberto Lobato, a quem devo meus conhecimentos, tanto de Geografia Urbana, quanto de sistemtica de pesquisa. O que ler, como ler, como fichar, o entendimento do que realmente fundamental num grupo de textos, reconhecer quem o autor de referncia num determinado assunto, foram as principais lies que aprendi com Roberto Lobato Corra, e que me foram de enorme valia por toda minha vida profissional.

    Com a ida de Lobato para Chicago, para fazer seu mestrado, outra pessoa ocupou seu lugar no processo de preparao de minha vida profissional. Olga Buarque de Lima, recm-chegada da Inglaterra, onde tinha concludo o mestrado, ocupou-se de dar-me as lies fundamentais do preparo de um texto escrito. Tarefa extremamente difcil, em virtude de minha total falta de domnio de um texto tcnico. Foram muitos meses de leitura e correo dos textos, com interminveis reconstrues, at tornarem-se palatveis aos olhos incansveis de Olga Buarque. Se pudesse

  • com uma nica frase definir esses tempos, diria que Roberto Lobato ensinou-me a estudar e Olga Buarque, a escrever corretamente um texto geogrfico.

    No incio dos anos 80, Lobato reassume seu posto de mentor, orientando minha tese de mestrado sobre o comportamento dos incorporadores imobilirios no municpio do Rio de Janeiro, defendida em 1982 na UFRJ. Tenho muito orgulho dela, pois foi a primeira tese que tratou de um agente modelador da iniciativa privada, j que todos os trabalhos do momento somente enfocavam dos agentes do Estado, como o Banco Nacional da Habitao - BNH e seus satlites. claro que, no contexto altamente ideologizado do incio dos anos 80, tive muitos problemas com esse tipo de abordagem, embora Roberto Lobato sempre me apoiasse.

    Gostaria ainda de lembrar de certas pessoas que, ao longo de minha vida profissional, assistematicamente, deram importantes contribuies para o meu aperfeioamento como gegrafo.

    Solange Tietzmann Silva e Olindina Viana Mequita foram duas gegrafas que sempre desviaram parte de seus afazeres profissionais para darem uma orientao de trabalho, uma leitura crtica de um texto, ou apresentando desafios novos, em forma de propostas de novos projetos de trabalho, ou de apresentao de captulos em projetos editoriais do DEGEO, durante a gesto comandada por Solange. A elas devo muito de minha desenvoltura profissional e a definitiva superao da sndrome da folha em branco , temor clssico que assombra muitos pesquisadores no incio da carreira. Como iniciar um texto de um projeto?

    Elza Keller, o casal Lysia e Nilo Bernardes, Pedro Geiger e Speridio Faissol foram profissionais que durante algum momento de suas vidas ensinaram-me algo, tanto de Geografia propriamente quanto dos afazeres de um gegrafo. Indicaes de novos livros ou artigos, convites para seminrios, oportunidades de participao em grupos de pesquisa foram o que de melhor aproveitei vindo desses profissionais.

    Alm disso, alguns deles me ofereceram oportunidades para lecionar em universidades. Nilo Bernardes, para substitu-lo na PUC-RJ, Ney Strauch, para substitu-lo na Escola Naval, Bertha Becker, para dar duas conferncias na Escola de Guerra Naval e, posteriormente, para trabalhar como professor colaborador na UFRJ.

    Alguns no gegrafos tambm foram importantssimos na construo de minha profisso. O bilogo e ecologista Fernando Segadas Viana orientou-me, por diversos sbados dos anos de 1968 e 69, sobre os segredos da vegetao tropical e desrtica, sobre a zoologia do cerrado, alm de me explicar detalhadamente a teoria de Alfred Wegner sobre a translao continental, o que resultou numa apresentao para o curso de Cosmografia na UFF.

  • No campo das relaes entre os estudos urbanos e a economia, o economista brasilianista Werner Baer, ao trabalhar com Pedro Geiger no DEGEO durante o ano de 1977, sobre os problemas das desigualdades regionais no desenvolvimento econmico brasileiro, disps-se vrias vezes a explicar os mtodos utilizados na pesquisa e a indicar uma bibliografia adequada ao meu nvel de entendimento da questo. Devo a ele boa parte do meu conhecimento de histria econmica do Brasil e o feliz encontro com o economista Annibal Villela, em seu stio em Araras, onde aprendi muito sobre a estrutura de poder do governo brasileiro no perodo Geisel.

    No incio dos anos 80, quando me casei com a economista do IBGE Sonia Rocha, intensificaram-se os laos com Annibal Villela, o que ampliou bastante meus conhecimentos sobre as estruturas das companhias estatais, rea de estudo desse pesquisador que havia sido Secretrio Executivo de Assuntos Econmicos e Sociais da Organizao dos Estados Americanos (OEA), Superintendente do Instituto de Pesquisas do IPEA, Assessor do Banco Mundial - BIRD e pesquisador e professor da FGV. Uma conversa com Dr. Villela era sempre uma possibilidade de aprender alguma coisa nova. Infelizmente, Dr. Villela faleceu em julho de 2000.

    Via Pedro Geiger e Werner Baer, pude conhecer Hamilton Tolosa e Thompson Andrade, economistas do IPEA especializados em Economia Urbana e Regional que, durante a segunda metade dos 70, estiveram varias vezes no DEGEO dando palestras e explicando suas pesquisas.

    David Vetter, economista americano que trabalhou no Departamento de Indicadores Sociais DEISO do IBGE, foi outro profissional importante na minha formao. Vetter ensinou-me os segredos dos dados censitrios referentes infra-estrutura domiciliar urbana. Participou da banca examinadora de minha tese de mestrado e estivemos em alguns seminrios de urbanismo. Apesar de suas dificuldades em falar portugus, escrevia objetivamente e era um mestre na anlise de dados censitrios. Atualmente analista financeiro e quase um banqueiro em Nova York.

    Outra figura incrvel foi Carlos Nelson Ferreira dos Santos. Era arquiteto urbanista, mas poderia ser socilogo, antroplogo, gegrafo, historiador, psiclogo sem grandes problemas. Era um profissional nico em seu meio, pois no era sectrio e sabia traduzir a alma humana como poucos. Por ter participado de muitos projetos de urbanizao de favelas, era conhecido como favellogo e coordenava um grupo de pesquisas urbanas no Instituto Brasileiro de Administrao Municipal (IBAM) . No perodo de meu projeto de tese de mestrado, conversamos muito sobre os mecanismos de ocupao residencial nos bairros da periferia do Rio. Era uma das cabeas mais lcidas de sua poca. Sua morte prematura foi uma grande perda para os estudos urbanos e para as mentes no sectrias...

  • Meu primeiro contato com o mundo interdisciplinar das apresentaes acadmicas e dos artigos publicados, fora do contexto do IBGE, aconteceu por intermdio de Carlos Nelson, que me apresentou Lcia do Prado Valladares, por ocasio de meu projeto de tese de mestrado. Ainda nem havia defendido o trabalho e Lcia j me pedia que eu escrevesse um artigo sobre a incorporao imobiliria carioca para um livro de uma coleo sobre urbanismo que ela organizava para a editora Zahar. Alm do artigo, participei ainda de alguns seminrios no Instituto de Administrao Municipal com ela e Carlos Nelson.

    Na rea da Cartografia, as figuras de Rodolfo Barbosa, Pedro Marclio e Mauro Mello foram os que mais me influenciaram. Rodolfo Barbosa e Marclio ensinaram-me a arte da cartografia temtica. Em caso de dvida, na hora de representar graficamente um tipo de dado, era com eles que eu ia me consultar. Mauro Mello foi nosso diretor de Geocincias e sempre fez questo de vincular Geografia com a Cartografia nos grandes projetos de que a diretoria de Geocincias do IBGE tomou parte. Tambm neste campo, em dois projetos de Atlas de que participei (Regional do Nordeste e Nacional do Brasil) a influncia de Roberto Lobato Corra como coordenador desses trabalhos foi particularmente importante na fase de organizao temtica e nas sugestes grficas iniciais. Esse aprendizado foi fundamental para o meu desenvolvimento profissional.

    Neste ponto, abro parnteses para uma lembrana profissional muito especial ao meu colega de curso na UFF e companheiro de trabalho no IBGE desde 1970, Miguel Angelo Ribeiro. Entre 1976 e 1994 estivemos trabalhando juntos em 11 trabalhos diferentes, todos devidamente publicados em peridicos, como a Revista Brasileira de Geografia (RBG), ou em livros e atlas do IBGE e de outras editoras. A grande vantagem de trabalhar com Miguel Angelo a sua obstinao e sua capacidade de trabalho. Para ele, no existem obstculos, em termos de trabalho, qualquer dia dia e qualquer hora tambm. Alm disso, Miguel nunca teve medo de idias novas. Com ele, era possvel tentar qualquer soluo heterodoxa para abordar um problema. Trabalhar com um profissional assim, garantiu-me uma experincia importante e espero que tenha sido recproca.

    No campo gerencial do IBGE, aprendi muito com Csar Ajara, chefe do DEGEO entre 1991-1999, pois fui seu assistente e substituto eventual na chefia do departamento at 1995. Acompanhei sua luta na tentativa de reorganizar um DEGEO cada vez com menos gegrafos, tragados pelo processo de aposentadorias, mas com demandas crescentes, em virtude das atribuies que lhe so definidas pelos estatutos da Instituio. Agradeo-lhe, especialmente, o empenho que teve junto diretoria do IBGE no processo de minha liberao integral para o doutoramento. Atualmente a gegrafa Maria Lusa Gomes Castello Branco continua a luta de reequipar o departamento, garantir a ampliao da qualificao dos profissionais que restaram e prepar-los para os desafios do censo 2000.

  • No contexto do curso de doutorado, a profissional mais importante foi minha orientadora Lia Osrio Machado. O mais interessante no processo que ela no foi importante por ser minha orientadora, e sim porque ela foi a primeira pessoa que me ouviu explanar sobre uma possvel pesquisa que abrangeria a Geografia do IBGE, e que me incentivou a inici-la, numa noite fria de Porto Alegre, em meio a muitas picanhas e vinho tinto.

    Nesse encontro, participvamos de um seminrio organizado por Gervsio Neves, sob os auspcios do Instituto Histrico e Geogrfico do Rio Grande do Sul, do qual participamos: Milton Santos (USP), Lia Osrio (UFRJ) e eu pelo IBGE. Naquele jantar, percebi que Lia seria a orientadora ideal, a pesquisadora com a qual se pode confiar e discutir com serenidade os pontos de vista.

    Este sentimento ampliou-se quando, no doutorado, fiz seu curso Razes das Idias Sobre a Natureza. Imaginando, que por ser o seu nico orientando no curso, teria algumas facilidades, pensei logo em escrever um texto sobre os gegrafos que trabalharam com a Natureza no IBGE e apresentei o projeto do sumrio. Qual no foi minha surpresa, quando a professora simplesmente colocou o seguinte obstculo. O curso tratou das razes das idias sobre a natureza e monitorou essas idias entre a antigidade e o sculo XIX. Meu sumrio portanto, estava fora de cogitaes, por pretender tratar de assuntos contemporneos.

    Ali percebi que estava lidando com uma pesquisadora de alta qualidade e que nossas relaes, em termos de produto, no poderiam ser de baixa qualidade, ou apenas para constar e engrossar a tese. Aps dois meses de trabalho duro apresentei um artigo sobre a evoluo da noo de determinismo natural. Acho que foi a partir desse trabalho que nossa confiana mtua cresceu.

    Durante a fase de qualificao, por ocasio da apresentao oral do projeto de tese para a banca examinadora, nosso processo de comunicao j estava pavimentado, um j entendia o outro por antecipao. A defesa do projeto fluiu e foi bem aceita pelos examinadores.

    Durante os dois anos de curso, tive o privilgio de trabalhar com um dos melhores grupos de pesquisadores/professores de ps-graduao em Geografia do pas : Bertha Becker, Marcelo Jos Lopes de Souza, Paulo Csar Gomes, Roberto Lobato Corra, Jlia Ado Bernardes, In Elias de Castro e Maurcio de Almeida Abreu, alm dos professores convidados como Orlando Valverde, Antnio Carlos Robert Moraes, Aziz Nacib AbSaber, Wanderley Messias da Costa, Jos Grabois e Irene Garrido Filha.

    A produo resultante desses dois anos traduziu-se em sete artigos sobre vrios temas geogrficos e, a apresentao de trabalhos, em quatro congressos de Geografia.

  • Apesar de priorizar meus agradecimentos para os gegrafos, foi com os historiadores, muselogos, arquivologistas e biblioteconomistas, que passei a trocar mais experincias no decurso de tomada de depoimentos do meu pblico alvo: os profissionais do IBGE.

    O processo iniciou-se no setor de memria do IBGE, quando fui solicitar assistncia para os preparativos de gravao dos depoimentos, pois este setor j havia entrevistado vrios profissionais da casa em diversas ocasies. Iclia Thiesen Magalhes Costa e Regina Acioli Oliveira deram-me as primeiras instrues e cederam cpias de algumas transcries para que eu me familiarizasse com o assunto.

    Algumas semanas depois, Iclia informou-me que um grupo estava se formando, no curso de mestrado em Memria Social e Documento da UNI-RIO e perguntou se eu estava disposto a aprender histria oral, um mtodo de criar documentos atravs da gravao e transcrio de entrevistas ou de depoimentos orais de pessoas que vivenciaram acontecimentos em pocas e/ou lugares especficos.

    Se eu tenho, portanto, que agradecer, primeiramente, a uma pessoa por ter me garantido a viabilidade de completar sem traumas meu projeto de tese, essa pessoa foi Iclia. Foi a partir de seus ensinamentos iniciais que comecei a ler sobre histria oral e a perceber que aquilo era muito mais do que simplesmente gravar uma conversa. Alm disso, Iclia me indicou uma tima profissional em transcries de fitas, Telma Salandra Lemos, que cuidou de todas as transcries em tempo hbil.

    Outra pessoa importante neste processo foi Jos Carlos Sebe Bom Meihy, professor de histria da USP e consultor do grupo da UNI-RIO, que nos orientou no sentido de montar um conjunto de depoimentos de moradores do bairro da Urca, para subsidiar uma linha de pesquisa chamada Histria Oral de Bairros do Rio de Janeiro. Ele e Snia Aparecida de Siqueira se revezaram na orientao inicial dos projetos. O primeiro focalizou a Urca e, o segundo, enfocaria os bairros da rea porturia, Sade ,Gamboa e Santo Cristo.

    Repentinamente, estava envolvido com preparao de artigos sobre aspectos geo-histricos da Urca e acabei escrevendo um livro sobre iconografia da Urca e prefaciando o livro de anlise do Jos Carlos e Sonia A. de Siqueira, alm de participar do processo de entrevistas, transcries, conferncia de fidelidade e copidesque, alm de comparecer a seminrios especializados . Nesta fase, o apoio de Maria Jos Wheling, coordenadora do Mestrado em Memria Social da UNI-RIO foi fundamental, ainda que eu no pertencesse aos quadros da UNI-RIO, tive sua total colaborao durante todas as fases do projeto.

  • Nesse nterim, tive a sorte de conhecer Verena Alberti, Lcia Lippi e Marieta de Moraes Ferreira do CPDOC da Fundao Getlio Vargas, que tambm me auxiliaram muito na arte de entrevistar. A Professora Marieta, especificamente, muito me auxiliou na pesquisa sobre o papel desempenhado por Pierre Deffontaines na Geografia brasileira.

    Na etapa final da pesquisa, aps retornar ao Departamento de Geografia tomei a difcil deciso de solicitar minha transferncia para a rea da Memria Institucional do IBGE, a fim de montar a estrutura da memria tcnica do segmento de Geocincias e, futuramente, criar tambm estruturas semelhantes para a Estatstica, Processamento de Dados, Rede de Coleta e Administrao.

    Isto significava mudar de rea de pesquisa para acompanhar a histria desta agncia que tem como objetivo monitorar o Brasil. Neste processo, contei com a compreenso das chefias da Diretoria de Geocincias e com o apoio das chefias do Centro de Documentao e Disseminao de Informaes (CDDI) para a realizao do projeto.

    David Wu Tai, Maria Teresa Bastos, Edna Moraes no apoio administrativo que o CDDDI me deu, proporcionando duas idas ao arquivo do Roncador em Braslia para as pesquisas histricas, a Josianne Pangaio, Paulo Roberto Lindesay, Srgio de Assis Barbosa e Luis Carlos Carril no processo de tratamento de imagens das fotos escolhidas e no processo de edio, a Vera Abrantes que foi minha co-orientanda (a orientadora oficial foi Iclia Thissen) em sua tese de mestrado sobre o arquivo fotogrfico do IBGE, na rea de trabalhos de campo em Geografia, e outros que de muitas maneiras me auxiliaram nesta empreitada.

    Finalmente, embora possa parea estranho, gostaria de reconhecer a importncia de alguns autores que criaram obras, que efetivamente me fizeram a cabea para encarar este desafio. Alguns, que li antes da germinao das idias, chamarei de subsidiadores subliminares do projeto, outros eu li no calor da hora, e que serviram para, alm da ampliao do conhecimento, cimentar minha confiana de que era possvel escrever uma histria da relao entre memria e documento da geografia e dos gegrafos, enfocando a instituio que escolhi para trabalhar durante os trinta anos restantes de minha vida profissional formal.

    Por isso, o meu reconhecimento a Renato Mezan pelos seus Freud, Pensador da Cultura e Escrever a Clnica, a Elisabeth Roudinesco com sua Histria da Psicanlise na Frana, a Ricardo Bielchowsky pelo seu Pensamento Econmico Brasileiro, a Warren Dean por A Ferro e Fogo, a Franois Fourquet e seus colaboradores pelo seu incrvel Les Comptes de La Puissance, a Simon Schama por seu Paisagem e Memria, a Clarence J. Glacken por sua erudio em Traces on the Rhodian Shore, a Edson Nunes pelo seu instigante A Gramtica Poltica do Brasil , a Aspsia

  • Camargo pelo seu magistral artigo Histria Oral e Poltica no livro organizado por Marieta de Moraes Histria Oral e Multidisciplinaridade, a Anne Buttimer pelos seus The Practice of Geography e Society and Milieu in the French Geographic Tradition , a Vincent Berdoulay por seus La Formation de Lcole Franaise de Geographie (1870-1914) e Des Mots et Des Lieux: la dynamique du discours gographique, a John Kirtland Wright pela sua completssima histria da American Geographical Society em seu livro Geography in the Making, a Ronaldo Costa Couto pelo seus recentssimos A Histria Indiscreta da Ditadura e da Abertura e Memria Viva do Regime Militar e a Maurcio de Almeida Abreu pelos seus artigos Estudo Geogrfico da Cidade no Brasil: Evoluo e Avaliao e Sobre a Memria das Cidades, vitais para a pesquisa... e finalmente, a Simon Schwartzman, Helena Bomeny e Vanda Costa, pelo importantssimo Tempos de Capanema que chegou em tima hora.

    Roberto Schmidt de Almeida.

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    Apresentao

    A reflexo sobre um conjunto de atividades levadas a efeito por uma comunidade de pesquisadores geogrficos, situados na maior agncia de planejamento territorial do governo brasileiro, entre os anos de 1938 e 1998, ser o principal objeto desta pesquisa. Atividades essas classificadas por temas que abarcam as duas principais vertentes da Geografia: Humana e Fsica, que devero ser analisadas atravs de dois pontos de vista diferentes: a prioridade do papel institucional da Geografia no contexto do IBGE, e as contribuies de seus gegrafos ao longo desse mesmo perodo.

    A relao entre Documento e Memria presidir esta pesquisa, na qual documento expressar o que foi impresso (legislao, projetos, relatrios e a produo intelectual dos gegrafos, atravs de relatrios, livros, atlas e artigos) e memria exprimir a experincia pessoal de um grupo de profissionais, atravs de seus depoimentos orais gravados e transcritos, que evocam suas respectivas trajetrias no IBGE e que nos esclarecem sobre as diferentes conjunturas onde foram gestadas suas produes geogrficas.

    Como este trabalho pretende explicar os diferentes papis representados tanto pela Geografia praticada com a chancela do IBGE, quanto pelos seus gegrafos1 a relao entre documento e memria ser sempre a linha de tenso que ir norte-lo. Linha esta que por vezes estar frouxa e, em outras ocasies tornar-se- retesada, podendo desvendar conflitos de natureza diversas, polticos, cientficos, corporativos e pessoais por que passaram esses gegrafos que construram o que se convencionou chamar de Geografia Oficial.

    O quesito onde abarca o espao territorial brasileiro, objeto de trabalho e atribuio legal da Geografia do IBGE. Embutida nessa questo, estaro os problemas concernentes s escalas de observao de determinados tipos de trabalho geogrficos, que causaram, em certos perodos, algumas celeumas internas sobre a convenincia ou no, de se estudar tpicos da Geografia que enfocavam nveis de detalhamento, aparentemente incompatveis com a escala de trabalho normalmente operada pelo rgo. Os trabalhos sobre Estrutura interna das Regies Metropolitanas e sobre Agentes Modeladores do Uso do Solo Urbano foram exemplos de estudos que geraram tais controvrsias.

    O quesito quando abarcar o tratamento desses 60 anos, podendo tambm ser alvo de estudos pormenorizados, levando-se em considerao, como pano de fundo, os diversos contextos pelos

    1 vistos aqui enquanto chefes de crculos de afinidades que orientaram tcnicas ou estabeleceram

    certos tipos de discursos geogrficos, e pesquisadores que, isoladamente, produziram trabalhos que foram incorporados Histria da Geografia brasileira

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    quais o pas passou, sejam eles: polticos, econmicos, cientficos em suas diversas acepes. importante ressaltar, por exemplo, que este perodo abrange, do ponto de vista poltico, quatro constituies (1938,1946,1969,1988, alm das inmeras modificaes por que esta ltima passou e ainda continua passando ), vinte e dois mandatos presidenciais ( vinte e um presidentes e uma junta militar) e uma sucesso de crises polticas mais ou menos graves que geraram alguns perodos excepcionais como: o Estado Novo (1937 a 1945); a crise da renncia de Jnio Quadros at a queda do governo de Joo Goulart. (1961 a 1964); o perodo dos governos militares (1964 a 1985); um governo hbrido, planejado por Tancredo Neves, falecido antes de assumir e levado por seu vice Jos Sarney (1985 a 1990 ); dois governos em um , com dois anos de Fernando Collor, um impeachment e mais dois anos de seu vice Itamar Franco ( 1992 a 1994 ) e o primeiro mandato de Fernando Henrique Cardoso (1994 a 1998).

    Igualmente importante ser a avaliao do IBGE enquanto instituio heterognea que opera desde reas como a Geodsia e Cartografia at a elaborao de indicadores econmicos, passando por todas as etapas da pesquisa estatstica e geogrfica e que sempre se situou em nveis elevados na estrutura burocrtica do Estado brasileiro. Neste contexto, os trabalhos de Gonalves (1995), Penha (1993) e a Cronologia, organizada por Iclia Costa e equipe (1998), contribuiro em muito na anlise da legislao pertinente ao rgo. Para a rea da Geografia em particular, ser mostrado, via informaes institucionais, sua trajetria na burocracia do rgo e suas vinculaes com outros estratos burocrticos do poder na rea de planejamento. Primeiramente, em termos de organogramas que determinaram os diversos perodos de ascenso, estabilidade ou queda de seu status perante outras reas da instituio e do governo; em seguida, avaliando a evoluo de seu contingente de profissionais.

    No campo do Pensamento Geogrfico iremos igualmente rastrear as inmeras mudanas de orientao metodolgica e tcnica por que passaram as matrizes de pensamento cientfico, influenciados ora pelas escolas francesa e alem, ora pela escola anglo-saxnica, e que tiveram repercusso nos trabalhos geogrficos da comunidade ibegeana.

    Ser dada uma especial ateno s comparaes entre o que se convencionar chamar de trabalhos oficiais (Estudos solicitados pela direo do IBGE ou demandados por nveis hierrquicos superiores a ela, pressupondo-se geralmente um entendimento prvio da metodologia a ser aplicada e da forma final do produto) e os trabalhos dos gegrafos (estudos elaborados de forma independente por alguns profissionais de Geografia do IBGE, podendo estar relacionados ou no s linhas de pesquisa do rgo). Nesse contexto, ser tratada tambm a curiosa separao ocorrida entre a Geografia Fsica e a Humana, no final dos anos sessenta, e que somente agora nos anos noventa, comea a ser desfeita.

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    Finalmente, acompanharemos a trajetria do prestgio da Geografia, desde um perodo em que se aliava a necessidade de conhecimento do territrio a uma determinao de integrao, atravs de um processo de unificao administrativa levado a efeito por Vargas durante o Estado Novo, at os governos ps militares da dcada de 90, em que a palavra transio o principal mote, num momento em que as questes cientficas e tecnolgicas e a noo de crise, tanto financeira quanto gerencial, figuravam na ordem do dia das preocupaes dos legisladores e dos executores do aparelho estatal. Certeza e opulncia dos anos 40 confrontam-se, portanto, com dvida e escassez dos anos 80/ 90.

    Para demarcar os mais significativos segmentos de tempo desses 60 anos, foram levados em considerao critrios de contextura que esclarecem o realce de cada segmento. No mbito externo ao IBGE, o quadro poltico-institucional brasileiro e o estado da arte no campo cientfico e tecnolgico foram os de maior peso. Em mbito interno, as prioridades de atuao do rgo quanto a projetos, escalas de anlise e reas, alm das polticas de recursos humanos foram as que imprimiram a marca da Geografia Oficial do IBGE.

    O trabalho est estruturado em seis partes, antecedidas de trs captulos introdutrios. O primeiro, estabelecendo a relao entre documento e memria no contexto de trabalhos que se utilizaram das tcnicas de Histria Oral, ligando-os a uma pesquisa que enfoca uma instituio de governo e a um grupo especfico da tecnoburocracia estatal e determinando sua escala temporal de ao. O segundo, traando uma explanao sobre o IBGE, onde descrita a evoluo de suas principais funes nas reas de Geodsia e Cartografia, Geografia, Ecologia, Estatsticas demogrficas e econmicas, Redes de Coleta de Informaes, Estruturao e Manuteno de Bancos de Dados de Grande Porte, Disseminao de Informaes impressas e por meio magntico e Ensino e Treinamento, alm do suporte administrativo que acompanhou o cotidiano de milhares de profissionais em todo o Brasil. O terceiro, fazendo um overview ao longo de 13 perodos considerados como um pano de fundo cronolgico que orientou a saga da geografia no IBGE.

    A parte I contempla a estruturao da tecnocracia ligada ao Planejamento Territorial brasileiro, com uma introduo que explica o papel da nova burocracia estatal implantada aps a revoluo de 1930. Est dividida em trs captulos: o primeiro que explica a institucionalizao do sistema de planejamento territorial brasileiro, tendo como elemento chave o IBGE; o segundo que relata a estruturao das reas de Geografia, Geodsia e Cartografia no IBGE, em funo da preparao da base cartogrfica municipal para o censo de 1940; o terceiro destacando o grupo de Gegrafos e Cartgrafos que fizeram parte da pesquisa, como detentores da memria do grupo profissional estudado.

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    A parte II enfoca o papel da Geografia do IBGE no contexto do pensamento geogrfico brasileiro, com uma introduo que acompanha a sua evoluo desde a primeira metade do sculo XX , como base para uma avaliao da Geografia que se estabeleceu ao longo dos anos no IBGE; avaliao essa que alcana o final dos anos 90.

    O captulo I analisa a fora das escolas de pensamento geogrfico estrangeiras nas diferentes arenas de trabalho e discusso: as Sociedades Geogrficas, a Universidade e o IBGE.

    O captulo II descreve os diferentes tipos de liderana exercidos por gegrafos estrangeiros que formaram algumas geraes de profissionais do IBGE. Figuras carismticas como os franceses Emmanuel de Martonne, Pierre Deffontaines, Francis Ruellan; posteriormente Jean Tricart e Michel Rochefort e, nos tempos atuais, Philipe Waniez e Herv Thry ; os alemes Leo Waibel e posteriormente Gerd Kohllepp ; o canadense Pierre Dansereau ; os americanos Preston James, Clarence F. Jones e, posteriormente, Brian Berry e Howard Gautier e o ingls John P. Cole.

    O captulo III apresenta o conjunto de profissionais que foram formados nos primeiros anos de estruturao do rgo e que se transformaram nas lideranas pioneiras da Geografia do IBGE.

    A parte III focaliza o processo de formao profissional do gegrafo do IBGE pelo ponto de vista da memria, utilizando uma experincia de Histria Oral, ao registrar em meio magntico os depoimentos de um grupo de gegrafos de diferentes idades, interesses e que participaram da maioria dos 13 perodos estudados.

    O capitulo I conta um pouco da aventura de se registrar esses depoimentos e avalia a importncia da memria , no desvendar do verdadeiro significado de se registrar esses depoimentos para as geraes profissionais do presente e do futuro.

    O captulo II analisa os padres gerais de insero na carreira, tendo como principais referncias os professores do ensino mdio, os mestres universitrios e os lderes de grupos de afinidades, quando na fase de estgio no IBGE. O exemplo mais significativo desse segmento est na figura de Francis Ruellan, que deixou uma legio de seguidores, tanto na Universidade, quanto no IBGE, que sob outras formas, continuaram a disseminar o seu legado.

    O captulo III enfoca algumas recordaes profissionais referenciadas ao ambiente de trabalho, os principais projetos e seus respectivos produtos, com exemplos de maior ou menor engajamento a algum determinado lder de grupo de afinidades e algumas trajetrias de especializao temtica ou regional. Analisa, ainda, o antigo papel da AGB como palco dos primeiros ritos de iniciao profissional.

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    A parte IV analisa as prticas profissionais levadas a efeito pelos gegrafos do IBGE ao longo do perodo estudado e avalia sua representatividade perante outras instncias do IBGE. Atravs da anlise dos trabalhos de uma lista de temas geogrficos que mais marcaram a imagem do IBGE na arena geogrfica brasileira. Por outro lado, verificou-se, tambm, como essas prticas foram percebidas pela alta direo da casa, representadas aqui pelos depoimentos orais dos diretores de rea e de alguns presidentes.

    O captulo I descreve em linhas gerais, um grupo de sete temas que geraram as grandes linhas de pesquisa geogrfica no IBGE, analisando sua relevncia para a poltica federal de gerenciamento do territrio e para a ampliao do conhecimento geogrfico no Brasil, seus principais responsveis tcnicos ou lderes de grupos de afinidades e os perodos de maior destaque.

    O captulo II reflete as diferentes percepes da alta direo do IBGE sobre essas prticas profissionais, onde mesclam-se admiraes e restries pessoais com diferentes enfoques de carter poltico e espistemolgicos decorrentes das variadas conjunturas por que passou o sistema de planejamento brasileiro no perodo.

    A parte V cobre os processos de qualificao profissional, enfatizando os cursos de aperfeioamento e especializao e a ps-graduao em seus vrios nveis ao longo do perodo.

    O captulo I focaliza as relaes entre o rgo e os centros de aperfeioamento e pesquisas tanto no exterior, quanto no Brasil. Nesse segmento, a memria resgatada nos exemplos de depoimentos de alguns gegrafos que contam suas experincias.

    No captulo II, a nfase orientada para o papel disseminador do IBGE atravs dos cursos de aperfeioamento em geografia orientados para o corpo docente de ensino mdio e para o de nvel superior. Os depoimentos de profissionais que organizaram ou ministraram esses cursos, misturam-se a importantes gegrafos no ibgeanos que tiveram sua formao profissional ampliada por esse aprendizado.

    A parte VI trata do perodo de crise por que passou a Geografia do IBGE nos anos 90, em decorrncia das convulses no setor pblico durante os governos Collor de Melo - Itamar Franco - Fernando Henrique Cardoso. So analisados os fatores que levaram grande dispora de 1991, com a sada macia de profissionais que aliavam competncia liderana: o incipiente processo de reposio de pessoal e os mecanismos de adaptao dos que restaram, em contraponto s demandas que continuaram a ser criadas.

    O captulo I descreve o processo de transio por que passou a Geografia do IBGE nos anos 90, tanto no contexto de suas atribuies institucionais, quanto no campo da integrao com os demais vetores do conhecimento que envolvem as Geocincias. O captulo II tenta alguns prognsticos

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    quanto ao futuro da Geografia, na ainda hipottica agncia executiva proposta pelo Ministrio da Reforma do Estado ao IBGE para o ano de 2000.

    Nos captulos conclusivos, alm das consideraes finais, apresentada a atuao da Equipe da Memria Institucional do IBGE e esboado o projeto de Histria Oral que dar prosseguimento aos depoimentos de funcionrios que assumiram posies relevantes no projeto tcnico da instituio, assim como uma descrio de alguns produtos que estaro futuramente disposio dos usurios.

  • I - A Relao Entre Documento e Memria no Contexto da Histria Oral

    O processo de acompanhamento, ao longo do tempo, de parte da memria institucional de uma grande e complexa agncia federal como o IBGE exige que se recorra a alguns materiais formadores da memria coletiva. Em primeiro lugar o documento , como definido por Pierre Le Goff em sua forma mais ampla (Le Goff, 1994: 540-541) assumido aqui como o material impresso que determinou a representao da produo geogrfica do IBGE e de seus profissionais, e as resolues jurdico-administrativas que definiram os principais projetos de trabalho, alm de outros meios de informao e divulgao da Geografia do IBGE.

    Em segundo, a memria, tanto individual como coletiva de um conjunto de tcnicos ( gegrafos) e administradores (cargos de direo) que desempenharam funes importantes no rgo e que recordaram seletivamente suas respectivas trajetrias profissionais, atravs de depoimentos orais e de informaes informais.

    Neste ponto, temos de refletir sobre algumas colocaes de Alessandro Portelli na revista organizada pelas professoras Dayse Perelmutter e Maria Antonieta Antonacci, onde ele argumenta que... A essencialidade do indivduo salientada pelo fato de a Histria Oral dizer respeito a verses do passado, ou seja, memria. Ainda que esta seja sempre moldada de diversas formas pelo meio social, em ltima anlise, o ato e a arte de lembrar jamais deixam de ser profundamente pessoais.... A memria um processo individual, que ocorre em um meio social dinmico, valendo-se de instrumentos socialmente criados e compartilhados. Em vista disso, as recordaes podem ser semelhantes, contraditrias ou sobrepostas. Porm, em hiptese alguma, as lembranas de duas pessoas so assim como as impresses digitais, ou, a bem da verdade, como as vozes - exatamente iguais. por esse motivo que eu, pessoalmente, prefiro evitar o termo memria coletiva. (Portelli, 1997:16)

    Neste trabalho, no evitaremos o termo; mas tomaremos os devidos cuidados para no utiliz-lo indevidamente, pois, ao trabalharmos com uma comunidade tcnica sediada numa agncia de planejamento do governo federal, possvel inferir sobre uma boa dose de consenso entre eles, principalmente no que se refere a muitos assuntos considerados como referenciais para a coletividade geogrfica.

    A relao entre documento e memria gerar, em certa medida, a fidedignidade necessria a esta histria. Esta questo crucial, pois tanto do lado do documento, quanto ao da memria existem grandes problemas. Michel Foucault em sua obra, A Arqueologia do Saber (Foucault,1987), nos alerta sobre a necessidade de se questionar o documento, considerando-se que eles so sempre

  • produtos seletivos. Os processos de seleo iniciam-se no produtor do documento em si, passam por quem o seleciona e o arquiva e terminam por quem o pesquisa e o faz ressurgir sob um determinado ponto de vista.

    No que se refere questo da memria, os mecanismos so ainda mais complexos e esto no cerne das discusses sobre o uso da Histria Oral. O ensaio de Lutz Niethammer sobre os conceitos de identidade e de memria nos d uma boa viso das dificuldades que podem ser encontradas quando se tenta trabalhar com eles (Niethammer, 1997). Dos cinco autores analisados por Niethammer como precursores desses conceitos (Carl Schmitt, George Lukcs, Aldous Huxley, Sigmund Freud e Maurice Halbwachs), a noo de memria coletiva de Halbwachs, que mais se encaixa com que estamos tratando (Halbwachs,1980).

    Para Niethammer, a construo social do passado engendrada por Halbwachs, implica considerar a memria como algo muito mais amplo que um mecanismo individual de lembranas pessoais... toda lembrana significativa um processo socialmente condicionado de reconstruo que se apia na estrutura social de relquias culturais e rituais de comunicao de um dado grupo no presente (pg. 128). As lembranas de um grupo so, portanto, de maneira geral, referenciadas mais aos elementos constituidores da cultura daquele grupo do que aos dos prprios indivduos. Isso faz sentido, principalmente, quando operamos um processo de entrevista gravada que, inicialmente, implica o convite e as devidas explicaes sobre o objetivo da gravao. Na maioria dos casos, o depoente se prepara filtrando e organizando lembranas, quase sempre, orientadas pela cultura do grupo ao qual pertence.

    Niethammer assinala, ainda, que estas noes criadas por Halbwachs nos anos 20, voltaram a ter influncia nos anos 90, principalmente junto aos historiadores da cultura... num plano mais genrico, a sociedade ps-moderna de identidades culturais com o seu jogo de citaes simblicas (por exemplo na arquitetura) ou sua intertextualidade literria colocou Halbwachs em prtica (pg.129).

    Tambm sob as diferentes interpretaes por que passam as lembranas, o socilogo Jess M. de Miguel em seu manual sobre biografias sociolgicas (Miguel,1996) analisa alguns pontos positivos e negativos dos relatos biogrficos, lembrando que no caso de biografias ou auto-biografias, "existem pelo menos quatro pessoas distintas: a que relata a vida, a que escreve ( quando no uma auto-biografia), a que l e a que realmente existiu. importante diferenciar, pelo menos, entre a pessoa que , da que foi e da que escreveu. So trs nveis de realidade que devem ser analisados..." (p.16).

  • No contexto das tcnicas de Histria Oral, onde um depoimento gravado em meio magntico e, posteriormente, transcrito, importante ressaltar que a palavra verso assume uma importncia mpar, pois nas palavras de Verena Alberti " Certamente no ser porque a entrevista adquire estatuto de documento que a histria oral passa a obedecer aos requisitos da "cincia positiva". Ao contrrio: trata-se de tomar a entrevista produzida como documento, sim, mas deslocando o objeto documentado: no mais ao passado "tal como efetivamente ocorreu", e sim a verso do entrevistado. A entrevista de histria oral, portanto - seu registro gravado e transcrito -, no documenta nada alm de uma verso do passado. Isso pressupe que esta verso, e a comparao entre diferentes verses, tenham passado a ser relevantes para estudos na rea das cincias humanas" (Alberti, 1989 :2).

    Neste sentido, o principal mrito da relao entre documento e memria poder comparar seletivamente algumas linhas de tenso entre fatos e verses nas diferentes fases por que passou a Geografia do IBGE nos 60 anos analisados. perceber como natural certas distores, esquecimentos, silncios ou mesmo mudanas de ponto de vista dos depoentes ao longo de suas narrativas. importante, igualmente, perceber como algumas verses passam a ser oficializadas pela maioria dos depoentes.

    Considerando-se que a pesquisa geogrfica passou, ao longo desses 60 anos, por fortes modificaes e que foi bastante influenciada por inmeros conflitos metodolgicos e ideolgicos -alm de ter testemunhado, nos anos 90, uma incrvel evoluo tecnolgica nas ferramentas computacionais de mapeamento e localizao, de bancos de dados, de clculos e de editorao - de se esperar que algumas dessas linhas de tenso estiveram muito prximas do rompimento.

    Os artigos de Fred K. Schaefer sobre o excepcionalismo em Geografia (Schaefer,1953), o de Willian W. Bunge sobre o processo de canibalismo terico decenal que estava ocorrendo, e que infelizmente continuou ao longo da dcada de 80 (Bunge, 1973), e o de Milton Santos sobre problemas do marxismo na Geografia (Santos,1981) foram bons exemplos desses momentos de grande tenso.

    Atualmente, a expresso Globalizao parece causar tambm grandes reas de turbulncia no pensamento geogrfico, embora no haja, ainda, um artigo que se possa classificar como decisivo sobre o problema.

    A palavra seletividade representa, portanto, um papel fundamental na relao entre documento e memria e fica perfeitamente claro que este processo de seleo nunca contentar a todos, pois seria extremamente difcil escrever a histria total da Geografia do IBGE, vista por todos os

  • diferentes ngulos, ao estilo de Fernand Braudel em sua obra sobre o Mediterrneo (Braudel,1983). Esta ser apenas uma das possveis vises que este assunto evocar.

    Algumas obras serviro de referncia para o entendimento dessa relao, principalmente por terem de alguma forma, trabalhado com a Histria Oral. O livro de Franois Fourquet Les Comptes de la Puissance , certamente, o mais sofisticado e complexo, pois o autor d uma co-autoria a 26 personagens que foram os criadores das reas de contabilidade nacional, do planejamento de governo e das estatsticas econmicas francesas (Fourquet,1980): profissionais da alta burocracia governamental como o ministro Michel Rocard e acadmicos de primeira linha do sistema de ensino e pesquisa universitrio como Franois Perroux (economia industrial), Alfred Sauvy (estatstica) ou Jean-Vitold Marczewski (contas nacionais) para citar alguns que a rea geogrfica certamente conhece.

    No processo de criao, operando conjuntamente com os 26 co-autores, Fourquet fez uma longa nota explicativa inicial, chamando a ateno do leitor para as dificuldades sentidas por ele no processo. importante lembrar que os 26 co-autores eram muitas vezes adversrios entre si, tanto em termos tcnicos quanto ideolgicos, o que levou o autor a estruturar uma urdidura dos temas e das opinies poucas vezes vista nas cincias sociais. certamente um clssico do assunto.

    O monumental trabalho de Elisabeth Roudinesco em seu segundo volume da Histria da Psicanlise na Frana : 1925-1985 outro marco na relao documento / memria (Roudinesco,1988). A seo de agradecimentos praticamente cobre quase toda a elite intelectual francesa, cuja grande maioria prestou depoimentos ou cedeu documentos para esta pesquisa que transitou por quase todos os campos das artes, filosofia e da literatura da Frana, alm do campo especfico da medicina psiquitrica e, particularmente, pela saga profissional de Jacques Lacan, o mais importante psicanalista aps Sigmund Freud.

    O uso exaustivo e sistemtico da documentao, que vai da correspondncia privada aos autos de tribunais, passando pelas atas de congressos e recortes de material da imprensa, encaixando-se com uma perfeio de relojoaria aos depoimentos e testemunhos prestados por figuras da intelectualidade como Jacques Derrida, Louis Althusser , Franoise Dolto e outros, faz da obra de Roudinesco uma referncia indispensvel no estudo da histria contempornea de cunho memorialista.

    O mais interessante exemplo de uma relao entre documentos e memrias foi realizado por Bill Couturie em seu filme Cartas do Vietn ( Dear America: Letters Home from Vietnam, 1987) onde foi estruturada uma excelente relao entre os contedos das cartas de militares norte-americanos, servindo no teatro da guerra do sudeste asitico, aos seus parentes e amigos e as imagens

  • documentais referentes aos diversos perodos de envolvimento dos EUA no conflito. O teor das cartas e as das imagens, inicialmente de cunho laudatrio, vo se deteriorando, enquanto a guerra recrudesce, at tornarem-se trgicos e melanclicos, medida que a difcil percepo do real objetivo daquela guerra soma-se s cruis experincias pessoais em um campo de batalha no convencional, imerso numa cultura totalmente diferente, culminando com a humilhao da derrota. O trabalho de escolha das cartas e das imagens o credencia como um dos mais importantes trabalhos de relao documento / memria fora dos clssicos compndios de Histria Oral.

    No contexto brasileiro, o trabalho de Ricardo Bielchowsky Pensamento Econmico Brasileiro : O Ciclo Ideolgico do Desenvolvimento, embora no se utilizasse das ferramentas dos depoimentos orais, um dos melhores ensaios de historiografia econmica baseado exclusivamente na literatura especializada e em documentao governamental (Bielchowsky, 1995). Sua primeira verso de 1984 foi destinada ao mundo acadmico ingls como tese de doutoramento na Universidade de Leicester. Sua primeira edio brasileira foi editada pelo IPEA em 1988, como reconhecimento pelo Prmio Haralambos Simeodines da Associao Nacional de Ps-Graduao em Economia (ANPEC) de 1995 na categoria tese.

    As anlises das principais correntes de pensamento econmico que influenciaram as decises governamentais entre 1930 a 1964, enfatizando o perodo 1945-1964 garantem um quadro de referncia importante para se entender o processo de desenvolvimento econmico do Brasil contemporneo.

    A experincia memorialista de Roberto Campos no seu A Lanterna na Popa: Memrias (Campos,1994) faz um excelente contraponto com o trabalho de Bielchowsky, principalmente no que tange ao tumultuado processo de planejamento macroeconmico e sua instrumentao ao longo desses 60 anos ( importante lembrar que como deputado federal, Campos encerrou o seu mandato ao incio de 1999, ao perder para Saturnino Braga a vaga de senador do Rio de Janeiro nas eleies de novembro de 1998).

    O captulo VI, que trata da criao do Banco Nacional do Desenvolvimento Econmico (BNDE atual BNDES), particularmente interessante assim como o cap. IX, que trata dos anos de Juscelino. Sua memria prodigiosa somada vasta documentao apresentada, fazem do livro de Roberto Campos um timo referencial para se entender os diversos conceitos que foram atribudos palavra desenvolvimento desde o ciclo Vargas at a Nova Repblica, passando pelo ciclo militar.

    Referenciado ao perodo militar, o melhor trabalho de Histria Oral foi, com certeza, o depoimento do ex-presidente Ernesto Geisel organizado por Maria Celina D'Araujo e Celso Castro, entre julho

  • de 1993 e maro de 1994 e somente publicado aps seu falecimento em setembro de 1996, aos 89 anos (D'Araujo & Castro, 1997).

    O enfoque fundamentalmente poltico, com poucas incurses ao terreno econmico. A preocupao dos organizadores do depoimento era cobrir os aspectos da formao intelectual de Geisel e seus reflexos na carreira militar e administrativa; sua experincia de comando na Presidncia da Repblica e a avaliao dos governos posteriores at 1994.

    No mesmo contexto, ainda que enfatizasse o perodo final do ciclo militar e o processo de abertura poltica - que culminou com a eleio de Tancredo Neves, seu falecimento e a posse de Jos Sarney - a tese de doutoramento de Ronaldo Costa Couto para a Universidade de Paris IV, defendida em novembro de 1997 e publicada pela Record em janeiro de 1999, Histria Indiscreta da Ditadura e da Abertura: Brasil 1964-1985 , sem dvida, o melhor trabalho historiogrfico do perodo que fez uso sistemtico da Histria Oral (com 32 depoimentos dos principais homens pblicos do pas, civis e militares, sendo que trs foram Presidentes da Repblica: Ernesto Geisel, Joo Baptista de Oliveira Figueiredo e Jos Sarney) contrapondo-a com a documentao pesquisada (Couto, 1999a).

    O volume especial com a ntegra de 26 entrevistas intitulado Memria Viva do Regime Militar: Brasil 1964-1985, que foi lanado em maio do mesmo ano, tambm muito interessante, pois confronta diversas verses sobre alguns episdios polticos cruciais ocorridos entre 1964 e 1985 (Couto, 1999b). Questes como a preparao do golpe militar, a sucesso de Castelo Branco por Costa e Silva; as mortes de Vladimir Herzog e Manuel Fiel Filho e a exonerao do comandante do II Exrcito, General Ednardo DAvila Mello; a exonerao do Ministro do Exrcito General Silvio Frota; o processo de escolha de Tancredo Neves; a deciso da posse de Jos Sarney e muitos outros so analisadas sob diferentes pontos de vista.

    Cabe lembrar que Costa Couto foi um dos mais importantes homens pblicos do final do perodo militar e da Nova Repblica, tendo sido por duas vezes Secretrio de Estado de Planejamento (no Rio de Janeiro, no governo do Almirante Faria Lima, e em Minas Gerais, no governo de Tancredo Neves); durante a presidncia de Jos Sarney foi nomeado Ministro do Interior (1985-1987), cargo que acumulou com o de Governador do Distrito Federal, sendo posteriormente transferido para Ministro-Chefe do Gabinete Civil (1987-1989). Essa combinao entre capacidade tcnica, pois era economista formado pela UFMG com especializao em macro-planejamento, e uma rara habilidade poltica, aprendida com um mestre do assunto, Tancredo Neves, o credencia como uma das melhores testemunhas daqueles perodos.

  • A esquerda estudantil de 1968 tambm tem seu livro de memrias organizado por Daniel Aaro Reis Filho, com fotos de Pedro de Moraes (1998), 1968 a Paixo de Uma Utopia . O trabalho com 12 depoimentos das principais lideranas estudantis da poca, como Luis Travassos, Vladimir Palmeira, Jean Marc Von der Weid, Jos Dirceu, Jos Genono e outros, apresenta um quadro bem interessante das dificuldades de organizao do movimento estudantil, que muitas vezes saa do controle das lideranas e era empalmado pelos participantes das passeatas e comcios, gerando conflitos com as foras de represso, como o do restaurante do Calabouo que resultou na morte do estudante Edson Luis, em 28 de maro, e a Sexta Feira Sangrenta, de 21 de junho, com um saldo de 1000 presos, 57 feridos e 3 mortos.

    Alm disso, os autores contextualizaram muito bem o ano de 1968, analisando os diferentes tipos de conflitos estudantis que eclodiram em vrias partes do mundo e organizando uma excelente cronologia (pg. 201) que contrape os acontecimentos no Brasil e em outros pases. Neste contexto tambm interessante ler a entrevista do grande historiador francs Pierre Vilar a Jean Boutier (Boutier & Julia, 1998), que encara os acontecimentos de 1968 na Frana com um misto de necessidade e descontrole... O perigo um pensamento revolucionrio que se transforma em mstica revolucionria. No se deve esquecer que Pol Pot foi formado na Paris de 1968. (pg. 283).

    Ainda no contexto da memria das esquerdas no Brasil, um outro lado mais amargo nos mostrado por Elizabeth F. Xavier Ferreira (1996), ao colher depoimentos de 13 mulheres, que foram presas polticas durante os governos do ciclo militar, para sua tese de mestrado em Antropologia Social do Museu Nacional da UFRJ.

    O foco nas histrias de vidas dessas mulheres, enfatizando os perodos de militncia poltica e o da priso, abre um importante campo de anlise da memria de gnero, onde o papel da mulher, tanto no campo das vinculaes com a hierarquia masculina dos movimentos de esquerda, quanto no ambiente dos pores da ditadura militar sempre foi visto sob uma tica de preconceito e, por isso, mal avaliado.

    No campo especfico da Histria Oral das organizaes brasileiras, o melhor especialista Jos Luciano de Mattos Dias (1994), que mostrou tambm o seu talento ao analisar a trajetria profissional dos engenheiros. Sua pesquisa cobriu os acervos orais de organizaes estatais de grande porte como a Petrleo Brasileiro S.A. (Petrobrs) e Centrais Eltricas Brasileiras (Eletrobrs). A nfase foi dada aos polticos que as criaram, aos burocratas que as dirigiram e a alguns executivos tcnicos que decidiam em reas chave dessas organizaes. Apesar de ser um artigo de coletnea, o trabalho de Mattos Dias de extrema valia para os que querem se aventurar na Histria Oral de organizaes de qualquer ordem.

  • importante tambm considerar o livro de Jaime Larry Benchimol e Luiz Antnio Teixeira (1993) Cobras, Lagartos & outros bichos: uma histria comparada dos institutos Oswaldo Cruz e Butantan. Embora no trabalhem com Histria Oral, os autores operaram muito bem com a documentao dos dois institutos e apresentaram um bom quadro comparativo de seus respectivos campos de atuao ao longo dos anos. Os autores, entretanto, reconhecem, que deram maior nfase ao instituto carioca do que o paulistano.

    No segmento da Histria Oral de grupos profissionais, os economistas so, evidentemente, os mais estudados. Alm da coletnea organizada por Angela de Castro Gomes (1994) Engenheiros e Economistas: Novas Elites Burocrticas, onde esto os trabalhos de Jos Luciano de Mattos Dias sobre os engenheiros e de Marly Silva da Motta sobre os economistas, trs outras obras estudaram a importncia do papel deste grupo profissional na conduo dos destinos do Brasil nos ltimos 60 anos.

    Burocracia e Elites Burocrticas no Brasil de Gilda Portugal Gouveia (1994), tese de doutoramento no Instituto de Filosofia e Cincias Humanas da Universidade de Campinas (UNICAMP) defendida em junho de 1994, que enfoca a construo do Sistema Financeiro Nacional entre 1930 e 1964 sob a tica da estruturao de seus quadros burocrticos de elite, compostos majoritariamente por economistas e juristas. Foram entrevistados 22 homens pblicos e tcnicos do alto escalo do governo, dos quais, quatro, foram Ministros de Estado ligados aos setores da economia e da alta administrao federal.

    Os Economistas no Governo de Maria Rita Loureiro (1997), tese de livre-docncia para a Faculdade de Economia da Universidade de So Paulo, apresentada em agosto de 1996, analisa o papel dos economistas como dirigentes polticos e trabalha a sempre tensa relao entre a racionalidade tcnica e os objetivos polticos e que constantemente pe prova esses profissionais da elite governamental brasileira. Foram entrevistados 30 economistas, dos quais trs foram Ministros de Estado, alm da consulta a 10 depoimentos orais arquivados no Centro de Pesquisa e Documentao de Histria Contempornea do Brasil (CPDOC) da Fundao Getlio Vargas (FGV), dos quais trs foram Ministros de Estado.

    Conversas com Economistas Brasileiros de Ciro Biderman, Luiz Felipe L. Cozac e Jos Marcio Rego (1997) o melhor dos quatro, no apenas pelo elenco de profissionais escolhidos, mas tambm pela maneira de tratar o tema da Histria Oral do pensamento econmico brasileiro. O prefcio de Pedro Malan de uma exatido e elegncia poucas vezes vistas nas publicaes dos ltimos anos. A apresentao dos autores e o captulo que trata da histria do ensino de economia no Brasil so tambm peas interessantes, pois aliam conciso e clareza, alm de um captulo

  • final, chamado Uma leitura Comparada das Entrevistas que demonstra o alto nvel de sntese dos organizadores da obra.

    Mas o que ouro puro neste livro so as conversas altamente profissionais com uma importante parcela dos melhores economistas do pas. Dos 13 entrevistados, cinco foram Ministros de Estado, dois presidiram o Banco Central, trs possuam mandatos eletivos no Congresso Nacional, alm de todos serem professores das melhores escolas de economia do Brasil.

    O teor das entrevistas revela-se altamente profissional, pois em nenhum momento o dilogo resvala para a crtica fcil ou o "achismo"; so dilogos de profissionais para profissionais, apesar de estarem na arena figuras como Delfin Neto, Mrio Henrique Simonsen, Maria da Conceio Tavares, Roberto Campos, Celso Furtado, Andr Lara Resende e Prsio Arida, expoentes de linhas de pensamento bem diversas.

    Num contexto intermedirio das cincias ambientais, onde a Geografia possui forte presena, o livro da jornalista Teresa Urban (1998) Saudade do Mato organizado pela Fundao Boticrio e a The John D. and Catherine T. Mac Arthur Fondation conta a histria do movimento de Conservao da Natureza no Brasil, utilizando os depoimentos orais de seis personalidades lderes em seus segmentos. O zologo Aldemar Faria Coimbra Filho, o biogegrafo Alceo Magnanini, o Almirante e paleontlogo Ibsen de Gusmo Cmara, a engenheira agrnoma Maria Tereza Jorge Pdua, o naturalista Paulo Nogueira-Neto e o engenheiro agrnomo e administrador de parques naturais Wanderbilt Duarte de Barros. Dessas personalidades, duas trabalharam no IBGE Alceo Magnanini e Wanderbilt Duarte de Barros.

    No que concerne Historia Oral dos Gegrafos, o trabalho do Departamento de Geocincias da Universidade Federal de Santa Catarina, atravs da revista Geosul, de alta relevncia. Esto sendo sistematicamente entrevistados os principais gegrafos brasileiros que contriburam com os seus conhecimentos para a melhoria do ensino de Geografia no pas. O volume 12 / 13 j tornou-se um clssico, pois concentra 9 dos melhores profissionais de Geografia, alm do economista Igncio Rangel, considerado como um gegrafo honorrio. Professores como Orlando Valverde, Milton Santos, Joo Jos Bigarella, Victor Antnio Peluso Jnior, Roberto Lobato Corra e Carlos Augusto de Figueiredo Monteiro so alguns exemplos deste importante volume.

    O Departamento de Geografia da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ) tambm iniciou em 1997 a publicao de sua revista GeoUerj com uma seo de entrevistas a gegrafos importantes, inaugurando a srie com o Professor Speridio Faissol.

  • A rea de Memria Institucional do IBGE concebeu em 1991, um projeto de depoimentos com os profissionais da casa e, desse projeto, foram entrevistados trs gegrafos: Orlando Valverde, Gelson Rangel Lima e Alusio Capdeville Duarte, alm do importante depoimento de Cristvo Leite de Castro (engenheiro), organizador da estrutura burocrtica que criou o Conselho Nacional de Geografia em 1937.

    A anlise do tema Memria Institucional foi o objetivo do trabalho de Iclia Thiesen Magalhes Costa para sua tese de mestrado em Cincia da Informao na Escola de Comunicao da UFRJ em 1992 Memria Institucional do IBGE: Um Estudo Exploratrio-Metodolgico, onde foram trabalhadas 23 entrevistas com funcionrios e ex-funcionrios do IBGE, alm especialistas de instituies que lidavam com memria institucional, tambm foram aplicados 28 questionrios, respondidos por funcionrios das unidades regionais do IBGE de 11 estados brasileiros.

    Eli Alves Penha (1993) em sua tese de mestrado A Criao do IBGE no Contexto da Centralizao Poltica do Estado Novo j inicia um processo de abordagem da Histria Oral ao entrevistar sete gegrafos do IBGE a respeito das prticas profissionais, alm do engenheiro Christovo Leite de Castro.

    Ainda no campo da Histria Oral dos profissionais, Jos Carlos Sebe Bom Meihy (1990) lana A Colnia Brasilianista: Histria Oral Acadmica obra fundamental para se entender a formao do grupo de profissionais conhecido como os brasilianistas da comunidade acadmica norte-americana. Foram gravados os depoimentos de 32 profissionais que se especializaram em Brasil nas suas diferentes atividades acadmicas: literatura, crtica literria, economia, histria, antropologia, cincia poltica, sociologia e filosofia / teologia. Em sua maioria americanos, mas tambm de outros pases como Gana, Inglaterra, Frana e at um brasileiro, Wilson Martins autor da coleo A Histria da Inteligncia Brasileira em sete volumes, que residiu e lecionou na University of New York entre 1965 e 1998.

    Aps esta reviso, a estrutura que organiza esta primeira parte do trabalho est dividida em mais dois captulos que objetivam referenciar a agncia IBGE, com sua estruturao organizacional atual e estabelecer um pano de fundo cronolgico que acompanhar os 60 anos de atividades geogrficas da instituio.

  • II - O Que o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica ?

    Criado pelo decreto-lei n0 218 de 26 de janeiro de 1938, O IBGE na realidade foi apenas uma mudana de nomes de agncias federais de Estatstica e Geografia que j existiam. O subttulo do decreto era... Muda o nome do Instituto Nacional de Estatstica e do Conselho Brasileiro de Geografia e em suas consideraes iniciais esclarecia ... O Presidente da Repblica dos Estados Unidos do Brasil, no uso das atribuies que lhe confere o artigo 180 da Constituio da Repblica: Atendendo estrutura definitiva com que ficou o Instituto Nacional de Estatstica, ex-vi dos decretos n0s 24.609, de 6 de julho de 1934, 1.200, de 17 de novembro de 1936 e 1.527, de 24 de maro de 1937; Considerando o que propuseram o Conselho Nacional de Estatstica e o Conselho Nacional de Geografia, respectivamente, pelas "Resolues" nos 31 e 5, de 10 e 13 de julho de 1937; Considerando, ainda, a convenincia de uniformidade na designao dos rgos deliberativos do Instituto,

    Decreta:

    Art. 10 O Instituto Nacional de Estatstica passa a denominar-se Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica, ficando ambos os seus rgos colegiais de direo - o de Geografia e o de Estatstica - com a denominao de "Conselho Nacional".

    Portanto, a estrutura j existia formalmente desde julho de 1934 e operacionalmente desde 1935/36, alm disso, sua abrangncia nacional at ao nvel de municpio, tambm j havia sido determinada por ocasio da criao do Instituto Nacional de Estatstica.

    A saga de implantao dessas agncias, inicia-se nos primeiros meses do governo revolucionrio que sucede o golpe militar consolidado em 03 de outubro de 1930 pelos Generais Tasso Fragoso, Mena Barreto e Isaas Noronha, que passam o comandado do pas para Getlio Dorneles Vargas em 03 de novembro de 1930. Getlio Vargas inaugura um processo poltico-jurdico-administrativo, que vai muito alm do simples intervencionismo estatal, pois a principal preocupao de Vargas era de dotar o aparelho estatal de uma imagem claramente nacional, e no apenas uma referncia ao poder do Palcio do Catete, ao Rio de Janeiro (capital federal), ou mesmo de carter pessoal.

    A criao dos Ministrios do Trabalho, Indstria e Comrcio e da Educao e Sade Pblica inicia uma srie de modificaes na estrutura poltico-administrativa do novo governo, dentre elas a

  • criao de uma agncia federal de Estatstica que objetivava uma centralizao dos rgos de informao que subsidiariam a administrao federal. Tais modificaes no aconteceram sem lutas burocrticas entre Ministrios, principalmente entre os novos e os antigos.

    No caso do Instituto Nacional de Estatstica criado em 1934/1936 pelo menos quatro ministros (Juarez Tvora Agricultura , Francisco Lus da Silva Campos Educao e Cultura, Osvaldo Aranha Fazenda e Francisco Antunes Maciel Justia e Negcios Interiores) lutaram pelo fortalecimento ou enfraquecimento de tal agncia. (ver anexos - documentos histricos)

    A importncia de que se revestia um rgo como este, apresenta fundamentos polticos muito precisos para aquele perodo. Nos anos subseqentes a 1930 e, aps o golpe instaurador do Estado Novo de 1937 at 1945 (Schwarztman,1983), o governo federal desenvolveu uma estratgia de criao de agncias especializadas, que exigiam pessoal tcnico qualificado, mas que no estariam espacialmente concentradas no Rio de Janeiro; e sim, disseminadas por grande parte do territrio nacional, se possvel em nvel municipal, para que toda a sociedade percebesse que, a partir daquele momento, o dilogo poderia ser travado diretamente com o governo federal, sem intermediaes das polticas locais ou estaduais.

    Nesse dilogo, o porta voz do governo federal seria um tcnico, que nas palavras de Edson Nunes (1997:18) "estava isolado das disputas polticas" . A combinao entre conhecimento tcnico e a investidura de poder federal garantia o que Nunes (1997:18) chama de insulamento burocrtico, uma das quatro gramticas que organizam as relaes entre o governo e a sociedade: clientelismo, corporativismo, insulamento burocrtico, e universalismo de procedimentos.

    Para este autor, justamente no governo de Vargas que as trs ltimas gramticas so introduzidas e incorporadas ao clientelismo preexistente, sendo que para Nunes "... o corporativismo constitui, sem dvida, uma de suas parcelas mais importantes. As tentativas de implantao tanto do universalismo de procedimentos quanto do insulamento burocrtico no foram bem sucedidas nem tiveram tanto apoio quanto os regulamentos corporativistas" .

    importante considerar que as duas primeiras fases do governo Vargas (1930-1937 e 1938-1945) estavam referenciadas a esquemas ideolgicos de corte autoritrio. Perodo este muito bem analisado por Jarbas Medeiros em sua obra Ideologia autoritria no Brasil 1930-1945 (Medeiros, 1978), ao selecionar o iderio de cinco intelectuais que contriburam com o regime sob diferentes formas e que tiveram papel influente na estruturao jurdico-poltica-administrativa do Estado Novo. Francisco Campos, Oliveira Vianna, Azevedo Amaral, Alceu do Amoroso Lima e Plnio Salgado.

  • Raimundo Faoro em seu prefcio obra de Medeiros diz que estes personagens... pertencem categoria algo difusa, algo identificvel, dos intelectuais. Intelectuais que, em algum momento, incorporaram-se ao aparelhamento do Estado, fizeram leis ou as influenciaram e fizeram constituies ou influenciaram sua feitura. Membros da elite, elitistas todos, conquistaram o casaco de veludo do mandarinato. (p. XII).

    com esse pano de fundo jurdico-poltico-administrativo que se deve avaliar o papel das agncias de Estatstica e Geografia que vieram a gerar o IBGE. O rgo, nos seus primeiros anos, foi um exemplo tpico de instituio do insulamento burocrtico, que utilizou fortemente o universalismo de procedimentos para a qualificao de seus quadros tcnicos. Apesar desses mecanismos iniciais, sua histria, entretanto, no imune a controvrsias, criadas justamente por esquemas corporativos e algumas pitadas de clientelismo.

    Ao se analisar todo o perodo de existncia do IBGE, possvel perceber quatro fases distintas, quanto sua relao com o poder central da repblica. Entre 1934 e 1967 a agncia esteve vinculada diretamente Presidncia da Repblica, sendo seus servidores regidos pela legislao do funcionalismo pblico. Entre 1967 e 1990, por fora do Decreto-Lei 161 de 13/02/1967, a agncia transforma-se em Fundao IBGE e seus servidores passam ter contratos de trabalho, da mesma forma que as empresas da iniciativa privada. Sua vinculao hierrquica passa a fazer parte do ncleo ministerial do governo, geralmente sendo coordenada por um ministro de estado (Planejamento ou Fazenda).

    A partir de 1990, o IBGE retorna ao Regime Jurdico nico, transferindo todos os seus funcionrios, anteriormente regidos pela C.L.T. (Consolidao das Leis do Trabalho) para a esfera do funcionalismo pblico federal. Em 1993, o IBGE passa a fazer parte do sistema de agncias vinculadas estrutura de cincia e tecnologia do governo federal, continuando sua ligao com a estrutura do servio pblico federal. Para o ano 2001, est em andamento uma nova mudana de vinculao, para transformar o IBGE em agncia executiva do governo, com autonomia financeira e possibilidade de contratao por C.L.T. para projetos especficos.

    No que concerne aos aspectos jurdicos e polticos, a criao do IBGE j foi devidamente tratada por dois autores da casa, Gonalves (1995) e Penha (1993). A advogada Jayci de Mattos Madeira Gonalves organizou de maneira sistemtica o arcabouo jurdico que sustentou legalmente as agncias anteriores, tanto de Estatstica, como de Geografia, at a sua fuso no IBGE, alm de toda a legislao que foi posteriormente incorporada para garantir o seu desempenho at hoje. O gegrafo Eli Alves Penha desenvolveu, para sua dissertao de mestrado, um interessante trabalho de Geografia Poltica, enfocando o papel do IBGE no contexto de centralizao poltica do Estado Novo.

  • Alm desses autores, foram tambm includos dois trabalhos compilatrios: o primeiro referenciado ao conjunto de leis e decretos que deram suporte jurdico ao Conselho Nacional de Geografia (IBGE,1952) e, o segundo, Cronologia do IBGE, coordenada por Iclia Costa (1998), que lista boa parte da legislao externa e interna ao rgo como as resolues das Assemblias Gerais dos Conselhos Nacionais de Estatstica e de Geografia (AG/CNE e AG/CNG), da Junta Executiva Central (JEC), do Diretrio Central (DC) e do Conselho Diretor sob duas siglas (COD, a antiga e CD a atual).

    Para complementar o entendimento sobre o rgo durante os anos 90, importante considerar ainda os documentos elaborados em 1994, pelo ento presidente Simon Schwartzmwan (1994-1999) durante sua gesto, que trataram especificamente sobre o papel do IBGE no contexto dos rgos de pesquisa do Governo Federal do Brasil e que apontam para um projeto de criao de uma agncia executiva controlada por um projeto de gesto (http://www.fbds.org.