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UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE LETRAS DEPARTAMENTO DE FILOSOFIA

Figuras do Dionisaco na Filosofia de Nietzsche

Victor Manuel Gonalves Mestrado em Esttica e Filosofia da Arte

2004

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ndice Cap. I Nietzsche Intempestivo Cap. II Nascimento do dionisaco 1- O Drama Musical Grego 2- Scrates e a Tragdia 3- A Viso Dionisaca do Mundo 1 2 3 4 Cap. III O Dionisaco em O Nascimento da Tragdia 1- Ontologia 2- Princpios da esttica 3- Consolo esttico Consolo apolneo Consolo dionisaco 4- Genealogia da tragdia 5- Bildung Cap. IV Dioniso outro, outra vez 1- Perodo positivista 2- Zaratustra-Dioniso 3- Dioniso, Gnio do Corao 4- A embriaguez a- Retorno a O Nascimento da Tragdia b- Fisiologia da arte Concluso Bibliografia 8 36 41 59 68 75 80 84 91 99 105 109 119 119 121 125 136 145 148 155 166 177 178 181 193 197

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Suporte bibliogrfico Obras completas de Nietzsche, organizadas por Giorgio Colli e Mazzino Montinari: Friedrich Nietzsche, Werke, kritische Studienausgabe, Munich-Berlin-New York, dtv-Walter de Gruyter, 1999. Sempre citada com a sigla KSA, seguida do volume e do nmero de pgina. Todas as outras indicaes (nome da obra, livros, pargrafos, nmero do fragmento) sero dadas antes. Para a correspondncia: Smtliche Briefe, Kritische Studienausgabe, MunichBerlin-New York, dtv-Walter de Gruyter, 1986. Sempre citada com a sigla KSB, seguida do volume e do nmero de pgina. Faremos tambm uso da edio francesa: Friedrich Nietzsche, Oeuvres philosophiques compltes, Paris, Gallimard, 1968-1990. E de Correspondance, 2 vol., Paris, Gallimard, 1986 (para a correspondncia at 1874). Bem como em portugus de Friedrich Nietzsche, Obras Escolhidas, Lisboa, Relgio Dgua, 1998. Siglas GT O Nascimento da Tragdia (Die Geburt der Tragdie). GMD O Drama Musical Grego (Das griechische Musikdrama). ST Scrates e a Tragdia (Sokrates und die Tragdie). DW A Viso Dionisaca do Mundo (Die dionysische Weltanschauung).

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Desde a obscuridade de tudo que tudo inocente. Nunca se pode ver a noite toda de sbito.Herberto Helder

Ser-se o que se era grande demais e incontrolvel.Clarice Lispector

oh! meus pensamentos escritos e pintados, como possuo cores, muitas cores talvez, muitas tonalidades delicadas, cinquenta amarelos e castanhos e verdes e vermelhos: mas ningum, vendo-vos assim, adivinhar o vosso brilho matinal, centelhas sbitas e maravilhas da minha solido, meus velhos, meus caros maus pensamentos.Friedrich Nietzsche

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Prefcio

Deve cada recenso filosfica ser ao mesmo tempo filosofia da recenso (frg. 40 da Athenaeum). Que impulso originrio poder criar o desejo de fazer um texto filosfico (o que um texto filosfico?), decidir que tempo de nos lanarmos no Etna (O homem nada sabe at queimar os ps no fogo ardente. Sfocles, Antgona.)? Para os nefitos ser com certeza a pequena ingenuidade que sempre alimentou a audcia juvenil, no forjador experimentado outras necessidades, que apenas intumos, estaro presentes. por isso que no princpio acreditamos sempre poder vir a contribuir com uma bela pea para a histria da filosofia, vaidade e temeridade inconsequentes. Mas h quanto tempo estaria a rbita do mundo exangue sem estas impertinncias? Sem a nota extravagante que no deixa concluir a partitura universal, a transgresso ortogrfica que evita a morte da lngua, a dvida de ignorncia que falsifica uma teoria a Ordem reinaria sobre o Nada! Tambm poderamos ter escolhido o registo burocrtico, ou uma inquietao hereditria para justificar a queimadura. Construir uma dissertao de filosofia sobre Nietzsche obriga a pensar se esta disciplina fornece dispositivos discursivos, metodolgicos, conceptuais para aceder aos sentidos da sua obra. Um fragmento pstumo de 72/73 absolutamente claro em relao ao que o autor entendia dever ser a Filosofia (uma clareza que a obra posterior, a grande maioria, em nada obscureceu): Grande perplexidade: a Filosofia arte ou cincia? uma arte nos seus fins e produtos. Mas o seu meio de expresso, a exposio atravs de conceitos, algo que tem em comum com a cincia. uma forma de poesia [Dichtkunst]. Impossvel de decifrar ser preciso inventar e caracterizar uma nova

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categoria.1 Esta instabilidade, que vai muito para alm das duplicidades agora apresentadas, resulta, naturalmente, da sua sinceridade desconcertante, prxima da demncia, da provocao ou da revelao (A um ser perfeitamente so, psiquicamente e fisicamente, falta um saber essencial. Diz Cioran). Mas tambm, e neste lugar que faremos o nosso crculo de fogo, de Nietzsche ter percebido desde muito cedo que a racionalidade vive de um fundo arracional, que a transparncia concorre com a notransparncia, que o Aufklrung deve superar o desejo cndido, dogmtico e optimista, de tudo esquadrinhar para completar a enciclopdia da verdade. Procuraremos, pois, cuidar que o nosso texto, mesmo sem brilhar, resista a tudo aquilo que no faa boa memria de Nietzsche (no conseguiremos, verdade, mas o autor desculpa facilmente este tipo de imperfeio). Um discurso, o seu tom geral, feito a partir de duas grandes orientaes: sinttica ou analtica. A primeira peca por esquecer coisas que era necessrio dizer, a segunda por dizer coisas que no havia necessidade de referir. Quase todos os que escrevem tm uma destas inclinaes, excepto os clssicos reconhecidos ou putativos. No nosso caso, coube-nos em sorte, e que esforo fizemos para o transmutar, o segundo defeito (analtico). Pedimos, por isso, benevolncia a quem nos ler. Ficamos ainda mais entristecidos porque Nietzsche usa as palavras de uma forma to precisa, rpida, inteligente, fatal que parece que fala, ou melhor, que conversa connosco enquanto ultrapassa ondas numa praia. No temos a pretenso de elaborar um sistema das figuras do dionisaco na obra de Nietzsche. De catalogar minuciosamente os seus lugares do aparecer, a sequncia de mscaras que vai usando, poses ensaiadas, inflexes da voz... Seguimos o projecto de arrumar alguns traos da sua figura, mostrando como o dionisaco (a par dos muito citados vontade de potncia eterno retorno, sobre-homem e niilismo) pode servir para articular o conjunto da obra nietzschiana. No que assim se (re)faa o sentido do seu projecto (so excessivos os sentidos, os dele e os nossos, e a luz tambm cega), mas podemos ter a orografia geral, numa distncia que no sacrifique os pormenores, do seu mundo acidentado. Tanto mais que para ele a validade do conhecimento importa muito menos do que o seu valor. No trgico vale o que ameniza a noite dionisaca, o que permite amar o desagradvel, o que d forma excedncia.1

Nachlass, Sommer 1872 Anfang 1873; KSA 7, 439.

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Trata-se portanto do saber que concilia o stiro e o homem terico, corpo e razo; e com isso, de uma ou de outra maneira, prope j der bermensch. No se conclua daqui que Nietzsche sente medo da verdade, bom lembrar que em Ecce Homo dispara dizendo: a verdade fala pela minha boca. Mas a minha verdade temvel: pois at ao presente chamou-se mentira verdade.2 Ligando isto com Eu quero, de uma vez por todas, no conhecer [nicht wissen] muitas coisas. A sabedoria [Weissheit] at ao conhecimento [Erkenntniss] fixa limites.3, percebemos a irresistvel pulso que o leva a apostar nas verdades que cortam a humanidade ao meio, enquanto as intrigas do quotidiano o aborrecem profundamente. A nossa dissertao ser organizada a partir de quatro captulos. O primeiro dar a conhecer alguns traos da natureza nietzschiana. Tendncia aventureira, propulsora do desejo, desde a primeira juventude, em refundar a filologia clssica alem (Altertumswissenschaft) conduzido por Schopenhauer e, depois do encontro com Wagner, defender uma arte total que ressuscitasse a atmosfera geral das tragdias gregas antigas (e com isso alguns traos do grego arcaico). Esprito iconoclasta, que o far abandonar e combater o verdadeiro do seu tempo. Esprito genial, engenheiro de intuies fulgurantes que constituiro o corpo de alguns dos fragmentos mais entusiasmantes da histria ocidental. Centraremos, por isso, a nossa investigao nos anos de formao, na maneira como a paideia germnica, naquilo que directamente dizia respeito a Nietzsche, o moldou (uma modelagem muito incompleta, onde o papel activo do autor teve a maior importncia). Fundamentalmente, investigaremos a sua relao com a filologia clssica e esse desejo imenso, incontrolvel de conquistar um territrio prprio na cultura ocidental. No segundo interpretaremos textos prvios a O Nascimento da Tragdia (O Drama Musical Grego, Scrates e a Tragdia e A Viso Dionisaca do Mundo), onde experimentou pela primeira vez o dionisaco como chave hermenutica capaz de refazer a antiguidade grega. Demoraremos algum tempo para que possamos pensar pacientemente, quase em filigrana, textos nascentes orientadores do seu perodo de juventude. No terceiro ser a vez de examinarmos O Nascimento da Tragdia, espao maior, simultaneamente de iniciao e demonstrao do que pode o dionisaco, nessa2 3

Porque sou um destino, 1; KSA 6, 365. Crepsculo dos dolos, Mximas, 5; KSA 6, 59.

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ambgua fraternidade com o apolneo, alis esta relao, to estudada, ser tambm aqui amplamente debatida. Saber de que forma e com que intensidade este termo estrutura toda a problemtica em torno da origem, morte e ressurreio da tragdia grega. E compreender ainda a fora heurstica que possui para desencantar o presente e propor utopias esttico-polticas. Por ltimo, no quarto, aquele que abarca um perodo de vida e obra mais longo, tentaremos encontrar as razes do prprio desaparecimento do dionisaco e do seu posterior ressurgimento (sem esta linearidade, veremos que h um jogo de ocultao/desocultao muito activo). Apresentaremos um segundo Dionisaco com semelhanas e diferenas em relao ao fundador. Disseminado por alguns pontos nevrlgicos da sua obra ps-positivista. Naturalmente que irrecusvel faz-lo operar com as grandes noes de vontade de potncia, eterno retorno e sobre-homem, verificar se a esttica da embriaguez costura estes elementos para que a multiplicidade tenha unidade, sem nunca ser Um. Apenas mais uma observao. Alexis Philonenko refere que apesar de criticar impiedosamente os filsofos, Nietzsche se assemelhava a eles numa coisa: no deitava nada fora, da o enorme acervo de textos no preparados para edio, simples rascunhos, nalguns casos premonitrios e inteligentes, noutros francamente medocres, o Nachlass. Naturalmente que depois disto Philonenko s raramente os utiliza, privilegiando absolutamente a, como ele lhe chama, obra oficial (Se no possussemos a obra oficial no prestaramos qualquer interesse ao Nachlass. Sobre isto preciso ser firme: a obra oficial que valoriza o Nachlass e no o contrrio.4) No entanto, hoje em dia, sobretudo na filosofia francesa (com a qual conviveremos de muito perto), no natural fazer-se uma hierarquizao entre textos da obra e do Nachlass (relembremos que a Wille zur Macht foi durante muito tempo, veja-se Heidegger, analisada ao pormenor como se fosse uma obra oficial). Procederemos da mesma forma, embora com o cuidado de no convocar fragmentos pstumos que sejam em evidncia pouco relevantes ou meras experincias estilsticas.

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Alexis Philonenko, Nietzsche Le rire et le tragique, Paris, Livre de Poche, 1995, p. 4.

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CAPTULO I Nietzsche Intempestivo5

Experimentei negar tudo: oh! destruir fcil, mas construir!? E mesmo destruir parece mais fcil do que realmente. Fatum und Geschite, [1862].

Estamos no incio da dcada de 70 do sculo XIX. Um sculo que efectivou, mais do qualquer outro at a, por vezes ao ritmo de uma cascata caudalosa, sonhos tecidos na longa marcha da humanidade; a imaginao pretrita teve, finalmente, um espaolaboratrio onde experimentar a sua realizao. O sculo XVIII foi apenas um prlogo feito de indcios, por vezes vagos, do que viria a ser o prximo anelo da corrente histrica. Um breve sobrevoo num quadro sincrnico apresenta-nos uma era em ebulio, a humanidade-ao-trabalho na busca dos segredos mais vertiginosos ou redentores. , por isso, importante convocar a mania potica para compreendermos, com a resignao de quem olha para trs, que o frenesi terico-prtico tenha segregado, lenta mas inexoravelmente, o cansao estril (porque, nas melanclicas palavras de Fernando Pessoa, era apenas cansao6) sintetizado verbalmente na expresso Mal du sicle7.5

No duplo sentido do adjectivo alemo unzeitgemss (pelo menos no uso que Nietzsche lhe d): anacronismo e iconoclastia. 6 [...] O que h em mim sobretudo cansao - / No disto nem daquilo, / Nem sequer de tudo ou de nada: / Cansao assim mesmo, ele mesmo, / Cansao. [...]. (Fernando Pessoa, Poesias de lvaro de Campos, Lisboa, tica, sd, p. 64). 7 Para Peter Slterdijk On peut supposer que dj la gnration romantique qui se composait de tmoins et de survivants de la Rvolution franaise est dgust jusquau dgot la part dinconvnients que

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Friedrich Nietzsche filho desse tempo. Mais, filho prdigo que dele se separa (nas mltiplas viagens mtica Antiguidade grega ou volta do seu quarto) apenas para regressar com redobrada intensidade. Em cada linha da sua obra, em cada entoao da sua voz diferida est o sculo XIX8. A nostalgia, simultaneamente de uma possibilidade passada e futura, serve apenas como lente de aumento para a textura, tangvel e intangvel, que informa o seu tempo. Nada mais. At publicao de O Nascimento da Tragdia (Die Geburt der Tragdie, na primeira edio com o subttulo aus dem Geiste der Musik) a partir de agora usaremos a sigla GT foi, sobretudo por aquilo que legitimamente prometia, um distinto elemento da corporao filolgica alem. Num ambiente cientfico de excelncia, teve o privilgio da grande emulao, assimilando totalmente os procedimentos metodolgicos em vigor e dotando-se de uma grande erudio para a sua idade. Ser essa formao que lhe permitir fazer de outra maneira; a extrema sensibilidade para discriminaes e comparaes finas, uma prodigiosa mobilidade do olhar9 e o encontro com a filosofia de Schopenhauer e a msica e figura de Wagner fizeram o resto: pensamentos com seis mil ps de altura10. Isto , um pensar simultaneamente mergulhado nas entranhas do presente e pairando na atmosfera rarefeita das grandes intuies que forjam o futuro. No incio da dcada de 70 Nietzsche um jovem professor universitrio a quem muitos profetizam uma carreira acadmica brilhante11. Porm, cerca de trs anos depoiscomportait la mobilisation historique, pour elle le mal du sicle rsidait dans le sentiment que ce monde historique est un cimetire de enthousiasmes tous les projets si bien commencs y pourrissent. (Eurotaoismus - Zur kritik der politischen Kinetik, trad. fra. de Hans Hildenbrand, La Mobilisation infinie Vers une critique de la cintique politique, Paris, Cristian Bourgois diteur, points, 2000, p. 146.) Sobre o Stimmung do sculo XIX temos a frmula lapidar de George Steiner: Le cri le plus inoubliable, le plus prophtique du dix-neuvime sicle, est pour moi le plutt la barbarie que lennui de Thophile Gautier. (In Bluedeards Castle some Notes towards the Redifinition of Culture, trad. fr. Lucienne Lotringer, Dans le chteau de Barbe-Bleue Notes pour une Redfinition de la Culture, Paris, Gallimard, folio essais, 1998, p. 21.) 8 A obsesso que revela pelo futuro no acontece na omisso do presente, mas, pelo contrrio, na clarificao desmesurada dos seus alicerces. 9 S existe uma viso perspectiva [Perspektivisches Sehen], um conhecimento perspectivo; e quanto mais o nosso estado afectivo entra num jogo de relaes com uma coisa, mais olhos diferentes temos para essa coisa e mais ser completo o nosso conceito dessa coisa, a nossa objectividade. (Para uma Genealogia da Moral Zur Genealogie der Moral 3 dissertao, 12; KSA 5, 365.) 10 Apesar de tudo o que vir a acontecer, Wagner foi a grande inspirao da vida de Nietzsche, sem ele, esta a tese de Giorgio Colli, tudo seria menos interessante: La grande chance de Nietzsche en tant questhte fut de travailler daprs le modle vivant le plus extraordinaire. Ce que nous pouvons appeler, comme catgorie, art moderne, et qui comprend Euripide, Shakespeare et tant dautres personnages loigns dans le temps, atteint avec Wagner au point de son extrme dchanement. Nietzsche a t tmoin de cela, et limpression quil en a retire a t si bouleversante quelle en a perturb sa vie tout entire, lui accordant en change un regard premptoire et dfinitif sur le phnomne dans son ensemble. (Aprs Nietzsche, trad. fra. Pascal Gabellone, Paris, ditions de lclat, philosophie imaginaire, 1987, pp. 104-105.) 11 Nomeado, sob recomendao do seu mestre Friedrich Wilhelm Ritschl, professor auxiliar de Filologia Clssica da Universidade de Basileia a 12 de Fevereiro de 1869. Nessa altura no possua ainda o

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v-se anatematizado pela comunidade filolgica germnica, quer atravs das censuras pblicas de Ulrich von Wilamowitz-Mllendorff12, quer, porventura ainda mais incisivo, pelo silncio com que a maioria dos fillogos receberam a GT, sobretudo Ritschl. Mas o que importa realar neste momento, j que voltaremos mais frente a esta polmica, o facto de Nietzsche pertencer a uma comunidade cientfica com a qual partilhou uma Weltanschauung (cosmoviso13) da Grcia Antiga e, dentro dela, fez todo o percurso de aprendizagem que lhe permitiu mais tarde constituir uma voz prpria. verdade que Nietzsche muito reservado sobre as influncias bio-bibliogrficas mais ou menos directas que sofreu14. Alm de duas longas citaes de Schopenhauer na GT15, raras so as referncias ao acervo bibliogrfico que alimentou os seus textos, mesmo quando estamos na presena de citaes, ou parfrases fiis ao original. No entanto, a recuperao das figuras de Apolo e Dioniso pelo Primeiro Romantismo Alemo16 (e as marcas que ficaram) dever-lhe-ia ser absolutamente familiar, bem comoindispensvel doutoramento, conferido, sem exame, a 23 de Maro de 1869 pelos seus trabalhos para a Sociedade Clssica, por ele fundada, crticas filolgicas no Literasisches Centralblatt e contribuies para a prestigiada revista de filologia Rheinisches Museum fr Philologie, revista de filologia clssica dirigida por Ritschl. Ritschl tinha inmeros discpulos (segundo Giorgio Colli e Mazino Montinari, em 1872 contavam-se 36 professores de universidade e 38 directores de escolas secundrias), e Nietzsche inclua-se neste universo de filiao cientfica prpria comunidade filolgica. A carta de recomendao para Basileia, excluindo os excessos prprios da circunstncia, constitui prova de um Nietzsche bem formado e bem comportado: [...] de entre tantas jovens energias que me passaram sob os olhos desde h 39 anos, nunca conheci, levei, por todos os meios que dispunha, a trabalhar na minha disciplina um jovem que, to precocemente e to jovem, fosse to maduro como Nietzsche. Os seus ensaios para o Rheinisches Museum foram escritos durante o segundo e terceiro dos trs anos da universidade. E o primeiro estudante de quem aceito artigos para publicar. Se Deus lhe der uma longa vida, a minha profecia que um dia ele estar no primeiro lugar da filologia alem. Por enquanto tem apenas 24 anos: forte, activo, so, vigoroso de corpo e carcter, exactamente feito para se impor a naturezas como a sua. Por outro lado, possui o talento invejvel de saber falar sem preparao, calmamente, tanto com habilidade como com clareza. o dolo e (sem o pretender) o chefe de fila de todos os jovens fillogos aqui em Leipzig [...]. (Johannes Stroux, Nietzsches Professur in Basel, Ina, 1925. cit. por Giorgio Colli e Mazzino Montinari, Friedrich Nietzsche Correspondance, Vol. II, trad. fra. Jean Brjoux e Maurice de Gandillac, Paris, Gallimard, p. 562, nota 6.) 12 O panfleto contra a GT apareceu em Berlim no ms de Maio de 1872 sob o ttulo: Zukunftsphilologie! Eine Erwidung auf Friedrich Nietzsches geburt der Tragdie (Filologia do Futuro! Refutao do Nascimento da Tragdia de Friedrich Nietzsche). H um bom compndio em francs sobre a polmica da recepo GT: Querelle autour de la naissance de la tragdie Nietzsche, Ritschl, Rohde, Wilamowitz, Wagner, Paris, Vrin, 1995. 13 Preferimos o termo alemo traduo possvel em portugus de cosmoviso, por isso o usaremos a partir de agora. 14 Acerca das influncias francesas ler o excelente trabalho do Giuliano Campioni, Les lectures franaises de Nietzsche, Paris, PUF Perspectives germaniques, 2001. 15 No 5 sobe a essncia do lied (livro I de Die Welt als Wille und Vorstellung a partir de agora O Mundo como Vontade e como Representao, usamos a edio fra. Le Monde Comme Volont et Comme Reprsentation, trad. A. Burdeau corrigida por Richard Roos, Paris, PUF, 1966.) e no 16 sobre a relao entre o conceito e a msica (tambm do livro I da mesma obra). Tambm cita o Beethoven de Wagner, mas apenas como reforo ao texto de Schopenhauer. 16 Sobre a complexidade, emergente do fundo depreciativo que o informava (um pouco a maneira do impressionismo na pintura), do termo Frhromantik, a que aqui nos referimos, ler a excelente introduo de Lacoue-Labtarthe e Jean-Luc Nancy a Labsolu Littraire Thorie de la littrature du romantisme

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o uso que delas fez Wagner em A Arte e a Revoluo (Die Kunst und die Revolution) e Beethoven. No primeiro caso, pelo facto de frequentar uma escola filolgica que conhecia e, nalguns casos, admirava o movimento alternativo deificao do racional (Aufklrung). No segundo, porque a partir da primavera de 1869 vive regularmente no refgio de Tribschen o idlio de um cenculo artstico que orientar a renovao da pera germnica. Nas ltimas duas dcadas tm-se multiplicado os estudos sobre a filologia alem oitocentista. O interesse surgiu a partir da seguinte interrogao: que motivaes, alm das estritamente epistemolgicas, conduziram a Altertumswissenschaft (filologia clssica alem) obsesso pela pergunta: Warum ist Griechenland?. Sabemos que essa questo ultrapassou as fronteiras da filologia, autores como Herder, Schlegel, Schleiermacher, Hlderlin, Schelling, Creuzer, Hegel... quiseram viajar, alm do sobrevoo diletante, at ao magma originrio do Ocidente. Beber a funcionava como uma espcie de blsamo contra os excessos do Racionalismo Moderno. Sobre as pegadas indelveis destes pensadores, e recebendo o testemunho inteligente do primeiro grande fillogo alemo, Johann Winckelmann, a Altertumswissenschaft oitocentista com Wilhelm von Humbolt no incio do sculo XIX e depois Jacob Bernays, K. O. Mller, Ernest Curtivs, Wilhelm Teuffel, Theodor Mommsen, Boeckh, Wilckeer, Friedrich Ritschl... constituiu uma imensa rede de interpretaes, embora nem sempre complementares, para trazer ao palco do presente os traos principais da Grcia Antiga17. Retomemos ento a pergunta, Warum ist Griechenland? No do mbito desta dissertao citar a inmeras respostas que se foram editando ao longo desse sculo. Mas compreendermos o acervo que constituiu essa pergunta (principalmente nos sculos XVIII e XIX), como um leitmotiv das cincias humanas? Se quisermos, maneira de Gilles Deleuze, a nossa investigao, levada pureza do seu aparecimento, quer saber quem pergunta (e neste quem est subsumido o porqu)18. Seguindo Deleuze, Aqui o quem no tem a ver com os traos jurdicos ou sociais que esboam identidades, mas com o sentido e o valor que algum procura organizar simultaneamente com a pergunta e a resposta que formula. Por exemplo, se hojeallemand, Paris, Seuil, 1978. 17 Sobre a Altertumswissenshaft e as influncias em Nietzsche ver o rigoroso livro de James Porter, Nietzsche and the Philology of the future, Stanford, Stanford University Press, 2000, sobretudo os captulos 4 e 5. 18 Cf. Gilles Deleuze, Nietzsche et la philosophie, 3 ed., Paris, PUF, Quadrige, 1999 (1 ed. 1962), pp. 86-88.

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perguntssemos pelas caractersticas da arte de ser portugus o que realmente questionvamos era o sentido e o valor da portugalidade hodierna19. Jrgen Habermas, em O Discurso Filosfico da Modernidade (Der philosphische Diskurs der Modern), declara que o retorno do Frhromantik Grcia se deveu necessidade de fundar um grande processo de rejuvenescimento atravs da criao de um plo dialctico ao Aufklrung, espcie de contra-poder que articulasse uma emulao activa. Da a valorizao de uma nova mitologia (sobretudo Schelling, Schlegel e Hlderlin), reservando ao caos originrio a funo do outro da razo. Neste contexto, torna-se interessante a circunstncia de que Dioniso, o turbulento deus do xtase, da loucura e das incessantes transformaes, conhea uma surpreendente revalorizao no primeiro romantismo20. Este quem traz da Grcia o seu subsolo irracional para retemperar uma Modernidade efabulada na geometria do logos conceptual e aritmtico21. O Frhromantik, pelo menos parte dele, no pretendeu produzir um daguerretipo (passe o anacronismo) das figuraes do dionisaco, mas actualizar, a partir dele, novos sentidos e valores, reformular parte da Weltanschauung do Aufklrung. Dioniso, e todo o territrio mtico onde se efectivou em mltiplas variaes, foi apenas uma lana contra o predomnio sufocante do conhecimento terico (incluindo a seduo alienante das suas promessas) e de uma moral crist imobilizada no transcendente. Do que acabmos de dizer pode inferir-se, ainda que subtilmente, esta tese: grande parte19

O sentido e o valor, como muito bem viram Gilles Deleuze e Paul Audi, no so em Nietzsche lugares autnomos. Finalmente, qualquer sentido traz consigo o sentido desse mesmo sentido, revelado atravs do mtodo genealgico. Em Nietzsche esse sentido do sentido o seu valor. En effet et ce fut l pour Nietzsche une dcouverte majeure, quelque chose dont il fut convaincu plus et mieux que tout autre philosophe avant lui -, le sens est une instance qui ne se suffit jamais elle-mme; comme tout ce qui appartient en gnral la sphre du logos, il na, en son idalit et en son objectivit constitutives, aucune autonomie substantielle. Car il faut encore que le sens possde lui-mme un sens; plus exactement, il faut encore quil obtienne une signification. Cest--dire, dans la terminologie qui est celle de Nietzsche, une valeur. Une signification, en tout cas, qui valorise, ou une valeur conformment laquelle le sens parvient enfin compter, devient en lui-mme quelque chose dimportant. (Paul Audi, LIvresse de lart Nietzsche et lesthtique, Paris, Le Livre de Poche, 2003, pp. 74-75.) 20 Jrgen Habermas, O Discurso Filosfico da Modernidade, 3ed., Lisboa, Dom Quixote, 2000, p. 96. Uma pgina depois: O Ocidente jaz entorpecido, desde os primrdios, na noite da lonjura dos deuses ou do esquecimento do ser; o deus do futuro renovar as foras perdidas da origem; e o deus iminente torna a sua chegada perceptvel atravs de um supremo distanciamento; fazendo sentir aos abandonados, com premncia sempre crescente, aquilo de que foram desapossados, torna mais convincente ainda a promessa do seu regresso: no maior dos perigos se gera tambm aquilo que salva. (p. 97) 21 Numa repetio das crticas razo soberana, Theodor Adorno e Max Horkheimer, em plena Segunda Guerra Mundial, referem que o Aufklrung destri a incomensurabilidade. (Cf. La dialectique de la Raison Fragments philosophiques Dialektik der Aufklrung. Philosophische fragmente - trad. fra. liane Kaufholz, Paris, Gallimard, 1974, p. 30.) Apostando num juzo de valor, Peter Slterdijk deseja que Quand une Aufklrung advient, ce nest pas pour riger une dictature de la transparence mais pour engendrer un auto-claircissement dramatique de lexistence. (Le penseur sur scne, op. cit., p. 8.)

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daqueles que reflectiram sobre a Grcia, e aqui deve naturalmente incluir-se o prprio Nietzsche, fizeram-no como meio de destilar o sentido e o valor do seu tempo22. E a Grcia serviu perfeitamente esta vontade. Primeiro, porque oferecia modelos culturais exemplares, tidos pela histria do Ocidente como insuperveis; em segundo lugar, o seu lado obscuro permitia nomear quase toda a espcie de simulacros, adaptveis s utopias individuais de cada autor, ou escola. Feita na poca, esta observao fomentaria alguma averso; s assim se compreende, por exemplo, a polmica recepo da GT23. Hoje, pelo contrrio, nada nos parece mais natural (e reconfortante) do que um significante aberto, disponvel a multisignificaes, rico em combinaes possveis. Por isso, a nossa filologia assume sem pruridos que os fragmentos que fizemos emergir desse passado nos do apenas uma tonalidade geral, tanto mais difcil de interpretar quanto a nossa decifrao pode no ser compatvel com a chave usada pelos gregos. At porque no herdamos os testemunhos em primeiramo, e sabemos que eles foram manipulados com interpolaes, omisses, dedues, alteraes, voluntrias ou no, de sentido24. Mas esta incerteza irredutvel pode j ser vislumbrada em Johann Joachim Winckelmann, o primeiro grande classicista germnico. Para ele, na Grcia Antiga o ideal existencial assentava na vontade de beleza, demonstrou-o atravs do estudo da literatura grega e, sobretudo, da anlise da sua estaturia e pintura (Gedanken ber die Nachahmung der griechischen Werke in der Malerei und Bildhauerkunst 1755). Destas artes retirou o esprito da arte grega, que resumia as caractersticas artsticas essenciais e os juzos estticos que as fundavam e, por isso, permitia elaborar uma teoria global da arte grega25. Mas a reconstituio desse padro cultural continha, j na poca, alguns pontos de interrogao. No so, pois, as incertezas prprias ao conhecimento profano que aqui22

Em Ns Outros Fillogos (projecto inacabado de uma Intempestiva) sintetiza essa padronizao civilizacional da Antiguidade para melhor se pensar o presente: Mais ce qui ne peut spuiser, cest que toute poque se confronte lAntiguit, la prend pour mesure. (Sur la personnalit dHomre e Nous autres Philologues, trad. fra. Guy Fillion, Nantes, Le Passeur, 1992, p. 47.) Maurice Blanchot, um sculo depois, radicaliza esta fixao pelo presente: Nous nous interrogeons sur notre temps. Cette interrogation ne sexerce pas des moments privilgis, elle se poursuit sans relche, elle fait elle-mme partie du temps, elle le harcle la manire harcelante qui est propre au temps. (Lentretien infini, Paris, Gallimard, 1969, p.12.) 23 Discutido mais frente. 24 James Porter sintetiza aquilo que acabamos de dizer assim: All of the personalities reconstructed by Nietzsche from the past have this complex indexical and even ghostly quality to them, which makes them difficult to read, but in the absence of which they would be unreadable by us. Nietzsches lesson is plain, and it should be familiar by now. Antiquity can be read only through the traces of its transmission. We can have no unmediated access to it. (Nietzsche and the Philology of the Future, op. cit., p. 235) 25 Sobre este tema pode tambm ler-se M.S. Silk e J. P. Stern, Nietzsche on Tragedy, Cambridge, Cambridge University Press, 1982, pp. 3-5.

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queremos analisar mas a forma como lidaram, consciente ou inconscientemente, os vrios autores com a situao particular da Grcia. Por exemplo, sabemos da perplexidade de Winckelmann acerca da multiplicidade, por vezes contraditria, das esttuas de Apolo: [...] nem todas as esttuas de Apolo tm o mesmo grau de beleza [...]26, diz ele. verdade que no podemos atribuir a Winckelmann a origem da hipersubjectividade Ps-Moderna. Como precursor do Neo-Classicismo, na recusa do entusiasmo emocional do Barroco e Rococ, defendeu o retorno Grcia Clssica e, no seio desta, a recuperao dos elementos a priori da beleza, de forma a elevar a civilizao ocidental perfeio dos Antigos. No entanto, at pelo desejo de uma transladao esttica que alimentasse pedagogicamente a Modernidade, constitui-se uma espcie de neo-Renascimento, com tudo o que isso implica de provisrio. A Grcia no foi, veja-se a pluralidade da beleza apolnea, um espao silogstico, nem a sua recuperao, sempre fragmentria, um empreendimento puramente mimtico. Toda a filologia ps winckelmanniana, quer tenha isso presente ou no, construir a sua prpria inteligibilidade grega, sujeita s convenes acadmicas dominantes, descoberta de um novo fragmento (que tanto pode iluminar como obscurecer), temeridade, por vezes suicida, de uma outra singularidade cientfica, ao mercado editorial... Para isto contribuiu ainda, alis como condio primeira, o facto da Grcia ser um enorme mosaico cultural, sofisticado na sua multiplicidade, impedindo que num fcil esforo de demonstrao, se possam colmatar as zonas brancas ou dar aos fragmentos que temos um sopro orgnico capaz de iluminar as regularidades estruturantes da sua realidade viva. Mas a impossibilidade de plasmar o esqueleto da civilizao grega (entre a gesta homrica e o imprio alexandrino) nos discursos racionais da Modernidade no se traduziu na frustrao da vontade de objectividade dos crculos cientficos (ou pelo menos no h notcias substanciais de tais lamentos). Assumindo o inelutvel, a grande maioria dos autores que, pelas mais diversas razes, se dedicaram a este tema fizeram o seu trabalho recuperando cdigos de leitura para o presente. De uma ou de outra forma, a Altertumswissenschaft investigou a Grcia Antiga com o pressuposto que Nietzsche enunciou na GT: A necessidade de tal efeito seria porm intuda de forma mais certa por quem se sentisse retrospectivamente transportado, ainda que em sonhos, para uma

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J. J. Winckelmann, Geschite der Kunst des altertums, Darmstadt, 1972 (1 edio em 1764). (Cit. por James Porter, Nietzsche and the Philology of the Future, op. cit., p. 252).

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existncia na Antiguidade helnica.27 Hoje este pressuposto elementar, a que poderemos chamar o estrato subjectivo irredutvel, j no , mesmo ocasionalmente, censurado pelas cincias humanas em geral e pela filologia em particular28. Assim, as crticas que Wilamowitz-Mllendorff proferiu contra o GT e, sobretudo, o seu autor, so pouco relevantes (neste contexto)29. J que em geral toda a filologia clssica germnica, inclusive ele prprio, idealizou a Grcia Antiga. Na conferncia Sobre a Personalidade de Homero (mais tarde com publicao muito restrita sob o27

GT, 25; KSA 1, 155. O sonho significa aqui, dentro da lgica epistemolgica dionisaca e apolnea, a modelao do passado a partir da bela aparncia. Isto , ler o passado na busca de um ideal para o presente, e no a procura da sua verdade histrica. Esta compreenso era j assumida por Wilhelm von Humboldt, o pai fundador da Altertumswissenschaft: For us, the Greeks are not only a people that is useful to know historically, but an ideal. (cit. por James Porter, Nietzsche and the Philology of the Future, op. cit., p. 192.) Alis, segundo Peter Slterdijk, a prpria GT inicia uma metodologia que consiste em convocar o passado histrico para melhor discorrer sobre o presente: Par ce discours sur lart, lui-mme proche de lart, le premier livre de Nietzsche devint le modle de beaucoup de publications faites depuis dans lordre de la thorie esthtique. [] Sous le prtexte dune thorie relative lantiquit, le philologue Nietzsche se consacre sa propre existence et aux passions du temps prsent. (Le penseur sur scne Le matrialisme de Nietzsche, trad. fra. Hans Hildenbrand, Paris, Christian Bourgois Editeur, 1990, p. 36.) 28 Podemos justificar esta tese com duas posies de escolas filolgicas distintas, mas que coincidem neste ponto: But these are individual writers or thinkers respondig to, and making use of, ancient Greece for their own individual purposes; whereas in the earlier period there was the constant hope, at least, of something more, something evoked by such of our phrases as quest for perfection, superior alternative to the present, blueprint for the German nation. The Greek achievement represented an ideal special, superior, but still largely remote and mysterious; Germany's own new culture was to evolve by coming to terms with it; and a collective effort was to be the means of realizing that aim. In the age of Winckelmann and Weimar, therefore, the sense of purpose depends on there being a common cause to guide the nation's culture; and it is this that wanes. (Nietzsche on Tragedy, op. cit., p. 9, de Silk e Stern, Cambridge). E: In the German cultural imaginary that forms the background to the present study, the seemingly innocent question "What is Greek?" is intimately bound up with the anxiety "What is German?" These questions do not disappear but only intensify over the century to come. (Philology of the Future, op. cit., p 256, de James Porter, Stanford.) 29 Vejamos um excerto que resume algumas delas em Zukunftsphilologie, Sans doute ncrit-il que pour ceux qui, comme lui, nont jamais lu Winckelmann. Celui qui lcole de Winckelmann, a appris ne voir lessence de lart grec que dans le beau se dtournera avec rpugnance du symbolisme universel de la douleur de lUn originaire, de la joie prise lanantissement, du plaisir que provoque la dissonance. Celui qui, lcole Winckelmann, a appris comprendre de faon historique lessence de la beaut et qui sait quelle se manifeste diffremment en des temps diffrents, et qui, surtout, a appris faire droit ce caractre double de la beaut si magistralement dvelopp par Winckelmann, celui-l ne parlera jamais dune dgnrescence frappante de lesprit grec, ni de Lysippe ont cr une beaut naturellement diffrente de celle cre par Phidias et Polygnote une beaut, si on veut, sans ethos, inconnue jusque l, mais ternellement admire et admirable. Un contraste tout fait analogue, sinon aussi marque, distingue lart dEuripide et de Mnandre de celui dEschyle et dAristophane. Enfin, nestce pas prcisment Winckelmann qui a montr par un exemple imprissable que les rgles gnrales de la critique scientifique taient tout aussi ncessaires lhistoire de lart et mme la comprhension de toute uvre dart singulire, que le jugement esthtique lui-mme ntait possible qua partir des conceptions de lpoque laquelle luvre dart est apparue, partir de lesprit de peuple qui la produite ? Et Monsieur Nietzsche ose prtendre quil connat Winckelmann? Lui qui fait preuve dune ignorance vraiment infantile ds quil se mle darchologie ; lui qui dote les satyres, ses humains stupides, de pieds de bouc, et qui ne sait pas distinguer Pan, Silne et satyre, lui qui fait brandir para Apollon la tte de Mduse au lieu de lgide, lui qui, lorsquil se propose de faon assez titanesque et barbare de dmonter pierre pierre la civilisation apollinienne, trouve les statues des dieux olympiens sur le toit et le fronton, et voit leur geste orner la frise et les murs en clatants bas-reliefs (Cit. em Querelle autour de la naissance de la tragdie [...], op. cit., pp. 97-99.) Nas suas Memrias, Wilamowitz

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nome Homer und die klassische Philologie), lio inaugural do curso de 1869 e liturgia de apresentao em Basileia, Nietzsche designa a filologia por estranho centauro, movimento cientfico-artstico (wissenschaftlich-knstlerische) dedicado a superar o abismo entre a Grcia ideal e a Grcia real. Sendo que a Grcia ideal talvez no seja mais que o mais belo fruto de um muito germnico amor nostlgico pelo sul.30 Algum tempo depois: O Helnico desde Winckelmann: uma intensa superficializao. [...] Tinha-se uma imagem Romana de um Helenismo universal, do Alexandrismo. Beleza e superficialidade de mos dadas, deveras necessrio! Teoria escandalosa31. Em resumo, da riqueza heurstica da Grcia, lugar multifundacional com variaes por vezes contrastantes, resultou a possibilidade de uma interpretao aberta, acomodando-se perfeitamente ao perspectivismo nascente da segunda metade do sculo XIX, de que Nietzsche foi um precursor32. Se verdade que na motivao originria dificilmente podemos distinguir Nietzsche dos outros intrpretes da Grcia (projeco de desejos pessoais, procura de modelos polticos, estticos, existenciais..., soluo de dilemas identitrios, fundamento crtica do presente e premonies de utopias...). H, contudo, alguns elementos que constituiro a especificidade nietzschiana. Ele busca na Grcia Antiga traos anhistricos; em consequncia, mais do que uma verdade legitimada pela preciso da transladao dos factos, o seu interesse recai no sentido e no valor dessa Grcia para os intrpretes. a) No prlogo de A Filosofia na poca Trgica dos Gregos (Die Philosophie im Tragischen Zeitalter der Griechen) obra incompleta mas, naquilo que se achou concludo, corrigida para publicao em Abril de 1873 , sintetiza o seu mtodo histrico: Conto, simplificando-a, a histria destes filsofos [Tales, Anaximandro, Heraclito, Parmnides, Anaxgoras, Empdocles, Demcrito e Scrates]: s quero extrair de cada sistema o ponto que um fragmento de personalidade e pertence parte do irrefutvel e indiscutvel que a histria tem de preservar. um primeiro passo parareconhecer que a GT no era obra para ser lida luz da filologia tradicional: Quelques mois plus tard, la Naissance de la tragdie parut. La violation de la ralit historique et de toute mthode philologique apparut de manire patente et me poussa prendre la dfense de ma science ainsi menace. Jtais dune dsesprante navet. Nietzsche ne poursuivait pas l le moindre dessein scientifique. Il ny tait mme pas vraiment question de la tragdie attique, mais bien plutt du drame musical wagnrien qui, pour ma part, ne mblouissait nullement. (Idem, p. 282.) 30 ( das vielleicht nur die schnste Blte germanischer Liebessehnsucht nach dem Sden ist .) Sur la personnalit dHomre, op. Cit., p. 18. 31 Nachlass, Frhjahr 1870, 3 [76]; KSA 7, 81. 32 Sobre este assunto cf. Antnio Marques, Introduo geral, in O Nascimento da Tragdia, Lisboa, Relgio Dgua, 1997. Sobretudo o ponto 12, pp. XXXI XXXV.

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encontrar e reconstruir por comparao essas personagens e para fazer ressoar novamente a polifonia de temperamento grego.33 Embora aqui queira caricaturar a sua distncia em relao filologia34, pensamos que esclarece posies anteriores acerca da recuperao do passado. O fragmento de personalidade irrefutvel e indiscutvel o elemento perennis que escapa histria. Alis, no primeiro ponto desse ensaio Nietzsche no deixa qualquer dvida sobre a possibilidade de algo se subtrair s leis do devir histrico: Com efeito, eles [filsofos gregos at Scrates] inventaram os grandes tipos de esprito filosfico e a posteridade no seu conjunto no inventou mais nada de essencial que se lhe possa juntar.35 A defesa de partculas anhistricas surgiu antes da recepo catastrfica GT36; quando ainda era um fillogo modelo e escrevia textos cannicos para o Rheinisches Museum. Importa reter que nos anos de formao universitria37 e nos que se lhe seguiram imediatamente at sua nomeao como professor extraordinrio de Filologia Clssica na universidade de Basileia, Nietzsche alimentou o objectivo de ser professor universitrio38. Neste sentido, os trabalhos filolgicos que realiza (sobre Tegnis, Digenes Larcio, Homero e Hesodo e o index dos trabalhos publicados no Rheinisches Museum) tm sempre em vista a obteno de prestgio cientfico no seio da academia filolgica tradicional. verdade que entretanto esboa o projecto de fazer um

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KSA 1, 801-02. Sem que disso resulte, ao contrrio do que o ttulo indicia, uma aproximao apaixonada filosofia. Isso absolutamente evidente ainda no prlogo: Podemos fazer o retrato de um homem em trs anedotas; esforo-me por extrair trs anedotas de cada sistema, e negligencio o resto. (Idem, p. 803.) Na verdade, o ensaio mais srio do que parece, mas fica indubitavelmente porta do corpus filosfico tradicional. 35 Idem, 1; KSA 1. 807. 36 O texto que vimos citando, embora corrigido em definitivo em 73, resulta no essencial da preparao de aulas sobre os filsofos pr-socrticos para o semestre de vero de 72 (recordamos que o panfleto de Wilamowitz de Maio de 72). Se fosse posterior, poder-se-ia fazer uma leitura baseada numa reaco de frustrao. 37 Primeiro em Bona, frequentando um ano Teologia, depois (1865-1867) em Leipzig, no curso de Filologia Clssica. Para a biografia de Nietzsche usamos a completssima obra de Curt Paul Janz, Friedrich Nietzsche, 4 volumes, Madrid, Alianza Editorial 1981 (ed. original Friedrich Nietzsche. Biographie, Mnchen Wien, Carl Hanser Verlag, 1978). 38 Apesar de tudo, enfrentaremos os dois [com Erwin Rohde] este futuro universitrio sem esperanas exageradas. Mas tenho como possvel que estamos em situao de encontrar e conservar no lugar de professor, primo uma disponibilidade propcia aos estudos pessoais, secundo um terreno til aco, enfim uma situao razoavelmente independente tanto do ponto de vista poltico como social. Esta ltima vantagem privilegia-nos em relao aos outros funcionrios, quer se trate de um jurista ou de um mestre de escola. (a Erwin Rohde, 3-4 de Maio de 68; KSB 2, 276.) J em 1868 se tinha instalado em Leipzig com a inteno de se tornar Privat-Docent (cf. carta a Deussen de meados de Outubro de 1968; Idem, 327-30.)

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doutoramento em filosofia39, mas pouco depois regressa ao ethos originrio40. Naturalmente, isto um sintoma premonitrio de interesses futuros e mostra, inclusive, uma indeciso fundamental em relao ao prprio exerccio de pensar41. Mas, no essencial, o lado pragmtico da obteno de um posto universitrio que orienta a sua produo intelectual da poca. Porm, nos ecos da sua vocao mais ntima descobrimos uma insatisfao recorrente com as convenes epistmicas da filologia clssica. So pequenos fragmentos, muitas vezes contaminados pelo curso da sua biografia, mas, por tudo aquilo que se seguiu a 1869, indicam j a urgncia de escapar s malhas do mundo filolgico tradicional. Veja-se este manifesto enviado ao amigo mais prximo da poca (afectiva e intelectualmente):Tenho uma vontade furiosa, no meu prximo trabalho in honorem Ritschelli (sobre os escritos de Demcrito), de dizer aos fillogos um bom nmero de verdades amargas. Por enquanto, este trabalho d-me as melhores esperanas; possui um pano de fundo filosfico [einen philosophischen Hintergrund] que faltava at agora a todos os meus outros textos.4239

De resto veio-me ideia nesta ocasio [dissertao em filosofia de Kohl, conhecido de Nietzsche e Rohde] de obter eu prprio um doutoramento em Filosofia. (a Rohde, 3 ou 4 de Abril de 1868; Idem, 265.) A 29 do mesmo ms, a Paul Deussen: De resto, quando receberes no final do ano a minha dissertao de doutoramento, lers mais do que uma passagem relacionada com este problema dos limites do conhecimento. O meu tema o conceito de orgnica a partir de Kant, a meio caminho entre a filosofia e as cincias da natureza. Os trabalhos preliminares esto quase terminados. (Idem, 269.) 40 verdade que tambm alimentei por algum tempo um projecto filosfico, [...] e que para esse efeito juntei muito material, mas no geral este tema no convm de forma alguma ao fim em questo, a menos que se aceite trat-lo com muito ligeireza. (a Rohde, 3 ou 4 de Maio de 1868; Idem, 274.) Em termos puramente acadmicos, o abandono do projecto filosfico manter-se-, apesar de em Janeiro de 1871 ter concorrido a uma ctedra de filosofia na universidade onde leccionava, propondo Rohde para o substituir em filologia clssica, sem xito. 41 Cf. o excelente texto de Jean-Luc Nancy La thse de Nietzsche sur la Tlologie, in Nietzsche Aujourdhui?, Vol. I (Intensits), Paris, U.G.E., 10/18, 1973, pp. 57-80. 42 A Rohde, 1-3 de Fevereiro de 1868; KSB 2, 248. O desejo de construir uma nova filologia contra o mtodo dominante vrias vezes repetido neste perodo: A Paul Deussen (fragmento), Setembro-Outubro de 1868: Na maior parte [dos fillogos] s reconhecemos o duro labor e a respeitvel energia, mas aplicada a objectos sem importncia; de maneira que temos o sentimento de ter perante ns algo de asctico, uma rude abnegao, quando, em conjunto, essas obras cuidadas procedem de um intelecto vulgar, de um intelecto que ignora um mundo de ideias superiores, de mais alto valor, que, no mnimo, incapaz de as tratar de uma forma fecunda e se conduz perante elas como um dono de mercearia. (Idem, 320.) A Erwin Rohde, 9 de Dezembro de 1868: Neste terreno no tive falta de sorte e acabei mesmo por acreditar que para fazer avanar trabalhos deste gnero uma certa astcia [ein gewissen Witz] filolgica, uma comparao por saltos sucessivos entre realidades secretamente anlogas e a aptido para colocar questes paradoxais so bem mais teis que o rigor metdico [Methodik], o qual s se impe onde o trabalho do esprito [geistig] est, no essencial, terminado. (Idem, 350.) A Carl von Gersdorff, 11 de Abril de 1869: Imagino, porm, poder resistir a este ardil com mais calma e segurana que a maior parte dos fillogos, o srio filosfico est j em mim to profundamente amarrado, j os verdadeiros, os problemas essenciais da vida e do pensamento me foram demasiado claramente definidos pelo grande mistagogo Schopenhauer para que tema uma vergonhosa desero da Ideia. (Idem, 386.) A Paul Deussen, 2 de Julho de 1868: Regra geral deves constatar que a maior parte dos fillogos sofrem de uma certa deformao moral. Isto explica-se em parte atravs de motivos fsicos, na medida em que eles so forados a levar uma vida contra-natura, de empanturrarem o esprito de comida insensata, de

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Assim, durante os anos de 68/69, com a segurana que nos d a sua voz epistolar plural (Rohde, Deussen e Gersdorff), vemos surgir a convico de que a filologia no responde sua vontade de conhecer. Pretende-se outra Darstellung43, livre dos processos agrimensores estreis da filologia. Uma Darstellung quase marginal na recusa de refazer, pela simples reposio, a antiguidade numa grelha cronolgica44. Neste sentido, a carta a Rohde de 9 de Dezembro de 1868 muito elucidativa, porventura a que melhor condensa os pressupostos que um ano mais tarde presidiro elaborao da GT. Analogias secretas, saltos cronolgicos e temticos, exposio de questes paradoxais, eis o manifesto prprio vontade de uma filologia outra, uma Zukunftsphilologie, ttulo do panfleto com que Wilamowitz-Mllendorff pretendeu ridicularizar a GT (e Nietzsche), mas que, afinal, tomado num certo registo, honra e precisa o desejo nietzschiano: um filologia que promova Zukunftsmglichkeiten! Ora, o local que escolhe para anunciar o seu manifesto a lio inaugural de 1869 em Basileia, precisamente no momento de apresentao das credenciais Universidade. Homer und die klassische Philologie inicia o seu combate pblico contra a filologia acadmica, afirmando logo de entrada que a filologia no passa de uma pedagogia:Nos nossos dias no existe na opinio pblica uma viso clara e coerente sobre o que a filologia clssica. Sente-se isso tanto nos meios cultos como naqueles que praticam esta cincia. necessrio procurar a causa desta confuso na sua diversidade, falta de unidade conceptual e no aglomerado de actividades cientficas mltiplas reunidas sob o nome de filologia. [] Ela tem algo artificial e imperativo sobre o plano esttico e moral que entra em contradio com o seu desenvolvimento como cincia. Ela pertence tanto histria como s cincias da natureza e esttica. [] Que todas estas tendncias estticas, ticas e cientficas, extremamente diferentes, se tenham reunido sob o mesmo nome por detrs de uma espcie de monarquia de fachada explica-se sobretudo pelo facto que, na sua origem e desenvolvimento, a filologia foi sempre uma pedagogia. Os elementos formadores que mereciam ser ensinados foram escolhidos do ponto de vista pedaggico; assim, a

negligenciarem o seu desenvolvimento psquico, o que lhes deforma a memria e o juzo. O belo dom do entusiasmo , justamente, o que mais raro nos fillogos de hoje. (Idem, 573-74.) 43 Usamos este termo com o significado que retira da sua oposio Dichtung. 44 Em 1875 sistematizar as condies para se ser um bom fillogo: Portanto, para atribuir aos fillogos a sua responsabilidade exacta na falncia da educao podemos resumir numa frase em que consiste a sua inocncia e a sua culpa, se quer provar a sua inocncia o fillogo deve compreender trs coisas: a Antiguidade, o presente e ele mesmo. O seu erro est em no compreender quer a Antiguidade, quer o presente, quer ele mesmo. (Nous autres Philologues, op. cit., p. 58.)

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partir da prtica de uma profisso e sob a influncia da necessidade que se desenvolveu esta cincia, ou pelo menos esta tendncia cientfica a que chamamos filologia.45

Extraordinria audcia intelectual, acabado de chegar ao mundo universitrio, professor de filologia clssica, Nietzsche defende que a cincia filolgica no existe. E, di-lo- no final da conferncia, para obter o estatuto cientfico tem de absorver o esprito filosfico: [] toda a actividade filolgica deve ser enquadrada, canalizada por uma concepo filosfica do mundo [einer philosophischen Weltanschauung] que omite os casos isolados para apenas atender ao que representa uma unidade global. E permitamme esperar que esta orientao no far de mim um estrangeiro perante vs46. precisamente a vontade de fixar um novo horizonte de investigao e a intuio de uma Weltanschauung apcrifa que conduzir a elaborao de trs textos muito pouco acadmicos sobre a tragdia na Grcia Antiga47: O Drama Musical Grego Das griechische Musikdrama (GMD), conferncia proferida na Freie Akademische Gesellschaf de Basileia a 18 de Janeiro de 1870; Scrates e a Tragdia Sokrates und die Tragdie (ST), no mesmo local a 1 de Fevereiro de 1870; e A Viso Dionisaca do Mundo Die dionysische Weltanschauung (DW), iniciado a 30 de Junho de 1870, mas nunca concludo. E a primeira obra de grande flego: Die Geburt der Tragdie aus dem Geiste der Musik, iniciada em Fevereiro de 1871 e publicada, depois da recusa do primeiro editor (Wilhelm Engelman de Leipzig), em Janeiro de 1872 pelo editor de Richard Wagner, E. W. Fritzsche, tambm de Leipzig. Nestas obras, analisadas por enquanto numa hermenutica em diagonal (no sentido, mutatis mutandis, de uma leitura em diagonal), a tonalidade do discurso e o aparelho crtico que justifica, ou devia justificar, as grandes asseres no correspondem, mesmo no grau mais baixo de uma possvel escala de correspondncias, forma de apresentao da filologia tradicional (a uma Darstellung filolgica). Vejamos alguns exemplos como iniciao ao seu padro discursivo:O Grego escapava vida pblica, to rotineira, cheia de distraces, vida do mercado, da rua, do tribunal para entrar na solenidade da aco teatral onde tudo predispunha ao repouso, convidava ao recolhimento: ao contrrio do alemo de outros tempos [der alte Deutsche] que tinha necessidade de distraces quando quebrava o crculo da sua vida45 46

Sur la personnalit dHomre, op. cit., pp. 11-13. Idem, pp. 40-41. Na realidade esta orientao filosfica, dominante na GT, far efectivamente de Nietzsche um estrangeiro. Uma profunda heterotopia para enobrecer a conscincia de si. 47 Mais frente veremos como e onde se inserem as influncias de Schopenhauer.

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interior e encontrava um divertimento verdadeiramente alegre no dilogo do tribunal que, por esta razo, determinou a forma e a atmosfera do seu drama.48

A conscincia socrtica e a sua f optimista na relao necessria entre virtude e saber [Tugend und wissen], felicidade e virtude [Glck und Tugend] tem como efeito, num grande nmero de poemas de Eurpides, abrir no final a perspectiva de uma existncia muito aprazvel, em geral graas a um casamento. A partir do momento em que o deus aparece sobre a sua mquina, percebemos, escondido de trs da mscara, Scrates que procura equilibrar felicidade e virtude sobre a sua balana.49

Voltando do tom de exortao calma que preside ao pensador, s os Gregos, repito-o, esto em condies de nos aprender o que pode significar, para a vida profunda de um povo, este acordar miraculoso e sbito da tragdia. o povo dos Mistrios Trgicos que se bate contra os Persas.50

Na tonalidade geral, clculos dedutivos ou indutivos, energia metafrica; mas tambm no entusiasmo e dogmatizao das teses, na certeza com que traa as linhas de frescos intemporais, h uma voz omnisciente que aparece a desvelar, no lugar de um plpito intangvel, a trama perene da humanidade. A demonstrao aqui serva da intuio. A verdade deve ser surpreendida pela inspirao da subjectividade, prov-la parece ser uma heresia. Numa nota de 72/73: Grande perplexidade, a filosofia uma arte ou uma cincia [eine Kunst oder eine Wissenschaft]? uma arte nos seus fins e produtos. Mas o seu meio de expresso, a exposio atravs de conceitos [die Darstellung in Begriffen], algo que tem em comum com a cincia. uma forma de poesia [Es ist eine Form der Dichtkunst]. Impossvel de decifrar, ser preciso inventar e caracterizar uma nova categoria [ein Species erfinden und charakterisiren].51 Para Jean-Luc Nancy, a forma de apresentao do discurso nunca deixou de preocupar Nietzsche, vemo-lo ao longo da sua vida intelectual experimentar vrias possibilidades: o ensaio na GT; uma espcie de discurso evanglico em Assim Falava Zaratustra (Also sprach Zarathustra); a descontinuidade, ainda que sem fracturas irredutveis, em Humano, demasiado Humano (Menschliches, Allzumenschliches), Aurora (Morgenrte), Gaia Cincia (Die frhliche48 49

GMD; KSA 1, 520-21. ST; KSA 1, 547. 50 GT, 21; KSA 1, 132. traduo ligeiramente modificada (para O Nascimento da Tragdia seguimos a traduo portuguesa das Obras escolhidas de Nietzsche para a Relgio Dgua, assinalaremos as alteraes). 51 Nachlass, Sommer 1872 - Anfang 1873, 19 [62] ; KSA 7, 439.

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Wissenschaft), Para Alm Bem e Mal (Jenseits von Gut und Bse), Crepsculo dos dolos (Gtzen-Dmmerung); o retorno forma ensasta em Para uma Genealogia da Moral (Zur Genealogie der Moral); o panfletrio em Ecce Homo, O Caso Wagner (Der Fall Wagner), Nietzsche contra Wagner (Nietzsche contra Wagner) e O Anticristo (Der Antichrist). Nietzsche, que dizia ter feito pela lngua alem mais do que qualquer outro52, percebe desde o incio da sua carreira de esprito livre que a exposio discursiva deve oscilar entre uma Darstellung e uma Dichtung, que a fronteira entre elas no est claramente definida, contaminando-se mutuamente53. Da a bela sntese de Jean-Luc Nancy: O texto o relevo [relief] do discurso, o que justamente quer dizer, e ainda a partir das fontes plurais da palavra, o que embaraa [embarrasse] o discurso.54 E no se trata, at pelo que ficou dito, de propor a substituio mecnica de uma Darstellung especificamente filolgica por outra com as caractersticas do discurso filosfico55. Nietzsche no recusa a possibilidade da cincia filolgica, mas a pequena52

Em Ecce Homo, Porque escrevo livros to bons, 4: Man weiss vor mir nicht, wass man mit der deutschen Sprache kann, wass man berhaupt mit der Sprache kann. (KSA 6, 304.) Numa carta a Erwin Rohde de 22 de Fevereiro de 1884: ich bilde mir ein, mit diesem Zarathustra die deutsche Sprache zu ihrer Vollendung gebracht zu haben. (KSB 6, 479.) Hans-Georg Gadamer, noutro plano, corrobora esta opinio dizendo que Nietzsche est com Goethe e Heinrich Heine entre os maiores estilistas da lngua alem. (Zarathustras, Tbingen, 1987; trad. fr. Christophe David, Lantipode Le Drame de Zarathoustra, Paris, Ed. Allia, p. 9) 53 Porventura o caso mais paradigmtico desta indefinio situa-se numa pequena obra de 1873: Acerca da Verdade e da Mentira em Sentido Extramoral (ber Wahrheit und Lge im aussermoralischen Sinne). A anlise que vamos fazer requer a separao de dois planos do discurso: o primeiro tem a ver, grosso modo, com o contedo. Nietzsche claro: [...] entre duas esferas absolutamente distintas, como entre sujeito e objecto, no existe nenhuma causalidade, nenhuma correco, nenhuma expresso, mas quando muito uma relao esttica, ou seja, uma transposio aproximada, uma traduo que segue o original de forma balbuciante para uma lngua totalmente desconhecida: para o que, em todo o caso, necessria uma esfera intermediria e um poder intermedirio livremente potico e inventivo. (KSA 1, 884.) Digamos que o contedo pertence a uma Dichtung. No entanto, no segundo plano do discurso, o que o autoriza a referir duas esferas absolutamente distintas, nenhuma causalidade, sujeito e objecto seno uma Darstellung? Usa, portanto, no limite de uma contradio insolvel, uma Darstellung (ainda que esbatida) para dizer que s uma Dichtung tem eficcia discursiva. 54 Jean-Luc Nancy, La Thse de Nietzsche sur la Tlologie, op. cit., p. 79. H belssimos trabalhos sobre o(s) estilo(s) de Nietzsche. Nomeadamente o de Jacques Derrida perons Les Styles de Nietzsche, Paris, Flammarion, 1978. Sarah Kofman Nietzsche et la mtaphore, Paris, Galil, 1972. Angle KremerMarietti, Nietzsche et la rhtorique, Paris, PUF, linterrogation philosophique, 1992. 55 quase um clich dizer-se que no existe consenso entre os comentadores nietzschianos sobre o carcter filosfico da sua obra. Se pensarmos, por exemplo, esta problemtica a partir da recepo francesa de Nietzsche vemos que at ao Collge de Sociologie (Com Georges Bataille, Klossowski e Jean Wahl) no final da dcada de 30 do sculo XX, a recepo de Nietzsche foi quase exclusivamente literria (at Jean-Paul Sartre tinha um projecto de romance nietzschiano). Mas mesmo depois, a sua pureza filosfica, marcada por dois colquios geniais (Royaumont em 1964 e Cerisy-la-Salle em 1972), nunca deixou de ser questionada, embora agora se aprecie infinitamente a sua Darstellung indefinida. Sobre a recepo de Nietzsche em Frana cf. Jacques le Rider, Nietzsche en France, PUF, Perspectives germaniques, 1999. No nosso caso subscrevemos, na medida em que no cabe a este trabalho desenvolver o assunto, aquilo que Gilles Deleuze diz acerca do carcter (no) filosfico da obra nietzschiana: Or si Nietzsche nappartient pas la philosophie, cest peut-tre quiil est le premier concevoir un autre type de discours comme une contre-philosophie. Cest--dire un discours avant tout nomade, dont les noncs ne seraient pas produits par une machine rationnelle administrative, les philosophes comme bureaucrates de la raison

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filologia, aquela, como o refere a Rohde em Novembro de 1868, que nos fillogos do seu tempo provoca uma [...] alegria em capturar um verme [...], e a indiferena em relao [...] aos verdadeiros, urgentes problemas da vida [...]56. Apesar do que acabmos de dizer, e retomando a ideia do incio do pargrafo anterior, Nietzsche manter sempre uma afeco muito especial pela filologia. Regra geral, a filologia far de contraponto ao modo de pensar filosfico (tradicional, metafsico). Por isso declara no 270 de Humano, demasiado Humano I:O estabelecimento e a depurao dos textos praticados durante sculos pela nossa corporao, acrescentando a sua explicao, permitiram, enfim, nos nossos dias a descoberta de verdadeiros mtodos [richtigen Methoden]; toda a Idade Mdia foi radicalmente incapaz de uma explicao estritamente filolgica, isto , da simples vontade de compreender o que o autor dizia no se deve subestimar a descoberta deste mtodo! A cincia s adquiriu continuidade e permanncia no dia em que a arte de ler com exactido [die Kunst des richtigen Lessens], isto , a filologia, chegou ao seu apogeu.57

Alguns anos depois (esta comparao interna serve para realar certas regularidades), no prefcio de Aurora reitera o seu valor:Um livro destes, um problema destes no tm pressa; alis, somos ambos amigos do lento, eu e o meu livro. No fomos fillogos para nada, somo-lo talvez ainda, o que quer dizer professor de leitura lenta [ein Lehrer des langsamen Lesens]: - acabamos tambm por escrever lentamente.58

pure, mais par une machine de guerre mobile. (Pense Nomade, in Nietzsche Aujourdhui?, vol. I, op. cit., p. 173) 56 20 de Novembro de 1868; KSB 2, 344. Para reforar esta ideia recorremos a uma citao de Richard Blunck, longa mas elucidativa. La philologie a cot Nietzsche, tudiant et enseignant, une grande partie de sa vie. Jusquen 1879, il lui est reste fidle sur le plan professionnel. On ne saurait imaginer sans elle sa vie et sa pense. Nanmoins, elle ne fut essentielle et ncessaire ni lune ni lautre. Ce que Nietzsche lui devait outre sa position dans le monde et son gagne-pain tait la matire dont elle procde : la tradition littraire de lAntiquit. La mthode avec laquelle elle pntrait cette matire, ds le dbut, ne satisfaisait pas son esprit rceptif et encore moins ses intentions cratrices. Il est vrai quil percevait et acceptait sans rticences lexactitude scientifique de la rflexion et de la recherche philologique, mais plutt comme un exercice et une discipline du sens de la vrit que comme un but final ; son imagination et sa puissance intuitive de reprsentation dpassaient constamment, et sans timidit, les limites que la philologie rigoureuse stait assignes et continuait sassigner. Il sapprochait des problmes philologiques, pourvu quil y prt feu, toujours avec les yeux de lartiste. Certes, il apprenait trs tt dominer le mtier comme le faisaient peu de ses collgues et il le reconnaissait -, mais partout o, dans ses travaux philologiques, il restait dans le cadre de ce mtier, comme lors de la poursuite de son travail sur Thognis, il se sentait profondment insatisfait. La petite besogne philologique ne suffisait pas son instinct crateur. (Cit. por Henz Wismann, Nietzsche et la Philologie, in Nietzsche Aujourdhui?, vol. II, op. cit., p. 328.) 57 KSA 2, 223. 58 5; KSA 3, 17.

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Na Genealogia, semelhana da obra anterior no lugar-conveno das indicaes de leitura (prefcio), Nietzsche retoma a ideia de uma leitura filolgica:Evidentemente, para praticar a leitura como arte [das Lesen als Kunst] necessrio algo que nos nossos dias foi absolutamente esquecido e por isto que preciso tempo para que os meus livros sejam legveis, algo que exigiria quase que fssemos da raa bovina, e jamais um homem moderno, preciso saber ruminar... [sein muss: das Wiederkuen]59

H, naturalmente, diferenas entre o primeiro texto e os outros. Naquele somos, por exemplo, surpreendidos pela palavra richtigen, omitida nos restantes. Mas mantm-se aquilo que essencial: o saber ler como condio para apreender a seiva que alimenta as palavras, uma iniciao filolgica. Apresar disto, ou talvez por causa disto, a distncia para com a filologia acadmica vai-se acentuando a partir de 1871. A espeleologia etimolgica, datao, decifrao, catalogao das verses, classificao e interpretao dos erros, elucidao das interpolaes, estabelecimento de critrios de autenticidade...60 d lugar monocondio de se saber ler, lento ou ruminando. Dois predicados insuficientes para que possamos estabelecer um plano pedaggico para esse saber. Omisso imperdovel? No, sabemos com Zaratustra que Nietzsche no quer discpulos, ou pelo menos no os quer amestrados na dinmica mimtica. Porque no h herana que possa sobreviver ao estilhaar da subjectividade, o torna-te o que s (du sollst der werden der du bist)61 no suporta qualquer processo de discipulato. Ficamos, pois, com uma condio geral, ruminando o enunciado que diz ser essa a condio para extrair as fibras

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8; KSA 5, 256. Uma espcie de funcionrios da verdade. 61 Peter Slterdijk em Le Penseur sur scne Le materialisme de Nietzsche, experimenta um sentido para esta vontade da ipseidade iniciar, paradoxalmente, a procura de si mesma. Questo de auto-conscincia dolorosa e desejo de superao: Qui cherche un chemin menant lui-mme, rve dun tat dans lequel il se supporterait lui-mme. Cest pourquoi aucune recherche du vrai Soi nest recherche thorique ; elle nat de laspiration de ltre vivant une vrit qui rendrait supportable une vie insupportable. L o se situent ces questions radicales, toute thorie cesse et, soit dbouche sur un art de vivre, soit reste ce quelle tait : symptme dune vie mutile. Lide que le vrai Soi est chose qui peut tre cherche, provient immdiatement de la souffrance cause par le vrai Soi. Seul ce qui se fait mal soi-mme, commence se chercher en proie la nostalgie dun Soi meilleur qui serait le vrai Soi parce quil aurait cess de souffrir cause de soi. Ainsi, seul parvient soi qui veut sen aller lin de soi ; le vouloir-senaller indique directement la direction du chemin quemprunte la recherche de soi. Se chercher cest dabord avoir la volont dun chemin ; mais la direction de ce chemin ne peut tre, au dpart, que celle du loin ! de soi. (op. cit., pp. 74-75.)

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semnticas que mais importam (uma hermenutica aristocrtica, afirmao da interpretao singular)62. No seguimento do que acabamos de dizer, agora num plano mais filosfico (numa Darstellung em conceitos), vamos convocar uma interpretao que procura enquadrar esta tenso entre a recusa (da filologia tradicional) e a manuteno (de uma filologia outra) numa hermenutica geral (ou total) da obra nietzschiana. Referimo-nos a Gilles Deleuze de Nietzsche et la philosophie. O livro inicia-se com uma tese que ir percorrlo na totalidade: O projecto mais geral de Nietzsche consiste nisto: introduzir em filosofia os conceitos de sentido e valor.63 A partir deste motivo fundacional, expe uma teoria geral do sentido e do valor em Nietzsche. Com consequncias que vo alm da mera alterao terminolgica, a filologia nietzschiana designada como filologia activa64. Dois aspectos essenciais separam esta nova filologia da tradicional. a) Reserva-se o poder de retirar da linguagem verbal (enquanto produto e produo de significaes65) a qualidade da aco de quem lhe d voz: A lingustica activa procura descobrir aquele que fala e que nomeia. Quem se serve de tal palavra, a quem a aplica ele em primeiro lugar, a ele mesmo, a outro que ouve, a outra coisa; e com que inteno? Que quer ele ao dizer tal palavra? A transformao do sentido de uma palavra significa que outro (uma outra fora e uma outra vontade) o toma, aplica-o a outra coisa porque quer qualquer coisa de diferente. 66 Deleuze reala que toda a etimologia e filologia nietzschiana seguem esta regra, e justifica-o com os 4, 5, 10 e 11 da Primeira Dissertao da Genealogia. Por exemplo:O que me indicou o verdadeiro [Rechten] mtodo foi a questo de saber o que significam ao certo, do ponto de vista etimolgico, as expresses de bom nas diversas lnguas: conclu que reenviam todas mesma transformao dos conceitos, que em todo o lado distinto, nobre, no sentido de grau social, o conceito fundamental de onde nascem e se desenvolvem necessariamente as ideias de bom no sentido de alma distinta e de nobre no de alma superior, de alma privilegiada.6762

Compreendemos a sugesto nietzschiana, sabemos tambm que s um cuidado demorado permite comunicar com os seus textos, mas um lento que no embala, sacode. Serve para Nietzsche aquilo que Alain Jouffroy disse de Artaud: quand on a lu Artaud on ne sen remet ps. Experincia de leitura devastadora, porque induz ao mergulho no abismo pela destruio do territrio subjectivo (mesmo que seja s o epidrmico). para provocar o xtase que Nietzsche se d a ler, quase toda a sua obra uma liturgia dionisaca que convoca para o coro de stiros. 63 Gilles Deleuze, Nietzsche et la philosophie, op. cit., p. 1. 64 Nietzsche rve dune autre philologie, une philologie active. (idem, p. 84) 65 Assim entendida, a linguagem enquanto manifestao lingustica permite apreender as particularidades de uma cultura. No se trata, pois, de um exame estritamente intertextual. 66 Idem., p. 85. 67 4; KSA 5, 261.

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Portanto, aqui a palavra bom, proferida pelos senhores, remete-nos para as prprias qualidades superiores de quem a diz. Utilizada pelos escravos, pelos homens do ressentimento, revela-nos as suas qualidades baixas68. Assim, as palavras denunciam a nossa prpria Weltanschauung, funo bem superior a qualquer prtica de correspondncias entre significante e significado. b) Esta nova filologia seria uma cincia activa, porque, como refere Deleuze: S um cincia activa capaz de descobrir as foras activas, mas tambm de reconhecer as foras reactivas enquanto tal, isto , como foras.69 Percebe-se, s uma nova filologia poder decantar todo o percurso de incrustao de significaes que uma palavra vai sofrendo ao longo da sua vida, e com isso revelar finalmente as qualidades de quem a criou ou dela se apropriou. Ainda segundo Deleuze, esta nova cincia apresenta-se sobre trs formas: Uma sintomatologia, j que ela interpreta os fenmenos, tratando-os como sintomas, cujo sentido est nas foras que os produzem. Uma tipologia, visto que interpreta as foras do ponto de vista da sua qualidade, activa ou reactiva. Uma genealogia, porque avalia [value] a origem das foras do ponto de vista da sua nobreza ou da sua vulgaridade [bassesse], porque encontra a sua ascendncia na vontade de potncia e na qualidade dessa vontade.70 A leitura deleuziana, mesmo elaborada dentro de uma estratgia mais vasta (demonstrar que a filosofia de Nietzsche radicalmente anti-dialctica, e que, por isso mesmo, o seu registo polmico pretende desmistificar todos os resqucios dialcticos que ainda se mantm de p), esclarece a sua posio em relao filologia, realando aspectos que Nietzsche nunca teorizou explicitamente, mas que se podem deduzir de muitos dos seus enunciados. Por exemplo, no excerto da Genealogia h pouco citado vimos que a palavra bom, enquanto realidade lingustica, provinha, etimologicamente se quisermos, de termos relacionados com a forma de ser dos senhores (distinto, nobre). Portanto, a palavra bom um sintoma das foras que a criaram, d-nos tambm a saber que tipo de foras a produziu (na boca dos senhores foram foras activas, mas na dos escravos foram as reactivas); finalmente, se foi uma vontade afirmativa ou negativa que esteve na sua origem.68

Qualidades do homem do ressentimento: O homem do ressentimento no nem franco, nem ingnuo, nem honesto e sincero para com ele mesmo. A sua alma cobarde; o seu esprito ama os reparos, os desvios e as portas derrubadas [...]. (Genealogia, I, 10; KSA 5, 272.) 69 Gilles Deleuze, Nietzsche et la philosophie, op., cit., p. 85. 70 Ibidem.

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Embora se possa acusar a argumentao que acabamos de reconstituir de anacrnica (recordamos que neste ponto nos situamos quase exclusivamente entre 1869 e 1873, enquanto a prova documental apresentada por Deleuze de 1887), julgamos que, mais ou menos fiel trilogia deleuziana, a partir de 1868 Nietzsche pressente que a sua filologia ter uma orientao metodolgica, se ainda de mtodo se trata, distinta da Altertumswissenschaft cannica. Foi isso que procurmos mostrar com os dilogos epistolares que citmos, textos pblicos de 1870, cuja tecedura pouco j tinha a ver com o trabalho minucioso, mecnico da escola tradicional, e sobretudo a lio inaugural de Basileia. Mas devemos ir mais longe. Convoquemos, por exemplo, o primeiro texto intencionalmente polmico71: a Considerao Intempestiva sobre David Strauss (Unzeitgemsse Betrachtungen Erstes Stck: David Strauss der Bekenner und der Schriftsteller) de 187372. Como muito bem refere Eugen Fink em Nietzsches Philosophie, o objectivo no tanto o de denunciar David Strauss como um filisteu da cultura (Bildungsphilister), mas sobretudo o de criticar o esprito altivo e autosuficiente da cultura alem da poca (depois da vitria na Guerra Franco-Alem de 1870)73. O termo Bildungsphilister resulta da importncia de se distinguirem dois tipos71

Entendido na acepo original de polemik atitude guerreira. Ser polmico, para Nietzsche, combater uma ordem estabelecida, uma ordem intelectual, social, poltica, moral..., isto , civilizacional (mesmo, paradoxalmente, quando no existe qualquer civilizao). tanto mais combate que no prope explicitamente uma nova ordem que substitua, numa espcie de processo evolutivo darwinista, a anterior. O que ele pretende, no respeito pela singularidade, a mxima desordem institucional (entendido como a efectivao de toda a legislao da jurdica palavra de honra contratual). Cremos que neste sentido que Deleuze afirma: Au niveau de ce quil crit et de ce quil pense, Nietzsche poursuit une tentative de dcodage, pas au sens dun dcodage relatif qui consisterait dchiffrer les codes anciens, prsents ou venir, mais dun dcodage absolu faire passer quelque chose qui ne soit pas codable, brouiller tous les codes. (Pense Nomade, in Nietzsche Aujourdhui?, vol. I, op. cit., p. 163) 72 Nietzsche viu no livro de David Strauss Der alte und der neue Glaube (A Antiga e a Nova F), publicado em 1872, um evangelho burgus, instrumentalizando a razo, a msica e a poesia de forma a constituir uma ordem social laica fundada num diletantismo mediano. Sem audcia ou profundidade, a proposta straussiana no ia alm de um bom senso cinzento que a utopia bayreuthiana no podia deixar de recusar. A primeira Intempestiva no um texto marcante no conjunto da obra nietzschiana. quase s um exerccio polmico, que Nietzsche pretendia publicar com o nome de Gersdorff (recusado), referindo-se a ela com o termo straussiada. Mas valeu-lhe uma hostilidade alargada por parte da imprensa Suia e Alem, quer devido forma como criticou Strauss quer animosidade pela Alemanha que nela est presente. 73 Sobre Fink, cf. ed. fra. La philosophie de Nietzsche, paris, Minuit, 1965, p. 45. Alis, esta ideia est expressa logo no incio do 1 da primeira Intempestiva: Digamo-lo portanto: uma grande vitria um grande perigo. A natureza humana acomoda-se a ela com menos facilidade do que a uma derrota; parece mesmo que mais fcil conseguir uma vitria deste tipo do que digeri-la para que no resulte da uma derrota mais grave. Mas de todas as consequncias nefastas que resultam da nossa recente vitria contra a Frana, a mais perigosa talvez um erro largamente divulgado, seno mesmo geral: o erro que faz acreditar opinio pblica e a todos os opinadores pblicos que a civilizao alem teria tambm responsabilidade nesta vitria, e deveria, em consequncia, ser coroada como costume depois de acontecimentos e sucessos extraordinrios. Esta iluso extremamente nefasta: no porque seja uma iluso existem, com efeito, erros perfeitamente salutares e benficos -, mais porque ela susceptvel de

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de cultura. Uma, simultaneamente produto e produtora de civilizao, formadora de uma Weltanschauung nacional, como a francesa74. Outra, falsa cultura, fruto do inebriamento popular pelas vitrias militares ocasionais. Sem um suporte civilizacional e, por isso, alimentada por outras civilizaes (neste caso, paradoxalmente, a alem pela francesa), uma cultura da imitao e entusiasmo picaro75. Ora, pensamos que podemos facilmente aplicar aqui a noo de filologia activa referida h pouco: a palavra cultura na boca de David Strauss, ou dos alemes (David Strauss representa a sua poca), revela somente o tipo de homem que a profere, as foras que o constituem, as avaliaes que sustenta. E, ao longo da obra nietzschiana, o mesmo, mutatis mutandis, suceder com Schopenhauer (os dois, mestre e niilista), Richard Wagner (igualmente dplice), Scrates... O exerccio filolgico nietzschiano retira o sentido e o valor do locutor (que representa sempre, repetimos, um determinado tipo: Scrates homem terico, Wagner decadente, Schopenhauer niilista...) atravs das palavras que usa e da forma como se apropriou delas. Mas esta nova filologia instaura tambm a possibilidade, e a necessidade nietzschiana, de questionar a discursividade prpria filologia. Conceptual ou potica?76 Um discurso de razo ou um discurso de imaginao? A carta a Rohde de 9 de Dezembro de 1868 citada supra pode esclarecer-nos: [impe-se] para fazer avanar trabalhos deste gnero, uma certa astcia [ein gewissen Witz] filolgica, uma comparao por saltos sucessivos entre realidades secretamente anlogas e a aptido para colocar questes paradoxais [...]. Estamos aqui nos antpodas do projecto positivista da segunda metade do sculo XIX (que tambm contaminar mais tarde o prprio Nietzsche). J o dissemos, semelhana dos seus pares, Nietzsche usou a Antiguidade para levar a cabo uma compreenso global da sua poca. Mais, serviu-se dela como elemento de emulao para confrontar o presente. O que o distingue datransformar a nossa vitria numa derrota total: a derrota, ou seja, a extirpao do esprito alemo [deutschen Geistes] em proveito do imprio alemo [deutschen Reiches]. (KSA 1, 159-160.) 74 Em Nietzsche a diferena entre Cultur (que escreve com um k) e Civilisation no deve ser procurada apenas na autonomia morfolgica dos termos. Se verdade que acaba por usar as duas palavras, na maior parte das vezes apenas utiliza Kultur, que de acordo com o contexto pode significar formao intelectual, conhecimentos, ou, no sentido mais forte (sinnima da civilisation francesa), conjunto das actividades humanas que formam uma Weltanschauung comum. Sobre este assunto consultar Patrick Wotling, Nietzsche et le problme de la civilisation, Paris, PUF, Questions, 1995, pp. 28-29. 75 Nas palavras de Nietzsche: Se tivssemos verdadeiramente terminado dos os imitar, no os teramos por isso vencido; seramos apenas autnomos em relao a eles. S se lhes tivssemos imposto uma cultura original alem [eine originale deutsche Kultur] poderamos falar de um triunfo da civilizao alem [einem Triumphe der deustchen Kultur]. At l, dependemos, ainda e sempre, de Paris em tudo o que diz respeito forma e que no pode ser de outra maneira, j que no existe, at ao presente, a civilizao alem original [deuschte original Kultur]. (Idem, 163-64.) 76 No sentido arcaico de posis, produo/fabricao.

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filologia tradicional, logo desde 1869, so a desvalorizao do aparelho crtico nos seus textos tidos como filolgicos (referimo-nos sobretudo GT) e o tom filosfico, cada vez mais visvel77, que instala no discurso de forma a realar em cada facto uma tendncia universal78. Noutros termos, ao trabalho estritamente filolgico de catalogao e interpretao mimtica; ao pressuposto terico da causalidade, sucede a vontade de expor os grandes veios metafsicos que alimentam o mundo. Neste sentido, a metafsica da arte foi o resultado extremado desta nova tendncia. Mas isto ainda no constitui uma fractura irredutvel. Uma pequena imerso em regies metafsicas no obrigam ao abandono de uma compreenso epidrmica da realidade79, Humano, demasiado Humano um bom exemplo disso. Julgamos que o mais decisivo, o irrecupervel se d na forma como Nietzsche se expe, ou melhor, se compe naquilo que escreve. Pensamos que Nietzsche pretende fazer de cada texto uma obra que o represente no seu mximo vigor. No se trata de construir uma correspondncia fiel entre o texto e o seu autor, nem sequer no seu livro testamento Ecce Homo, como se o texto plasmasse, noutros caracteres, a ossatura existencial do, afinal, autobiografado. outra coisa, os seus livros projectam o grande Nietzsche, mesmo na confisso das suas fraquezas. Quando pegamos em alguns captulos de Ecce Homo vemos uma auto-estima desmesurada, sintetizada em ttulos como Por que sou to perspicaz (Warum ich so klug bin), Por que escrevo livros to bons (Warum ich so gute Bcher schreibe) e, no captulo final, Por que sou um destino (Warum ich ein Schicksal bin). Mais, os outros captulos so um regresso ao conjunto da obra, cujos ttulos reproduzem a dos livros originais, propondo chaves de leitura que realcem

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Sobretudo com ressonncias de Artur Schopenhauer, Albert Lange e Eduard von Hartmann. Em relao ao primeiro so inmeras as referncias que Nietzsche lhe dedica, quer no registo epistolar quer nas obras pblicas e publicadas, nomeadamente a O Mundo como Vontade e como Representao. O segundo, de quem leu Die Geschichte des Materialismus (Histria do Materialismo), descobre-o em 1868 e influenciar, entre outras coisas, a sua futura recusa da coisa-em-si, resqucio da metafsica kantiana. D notcia dele a Gersdorff com grande entusiasmo: [...] um livro que traz infinitamente mais que o anunciado pelo ttulo, e que podemos, como um verdadeiro tesouro, ler, reler e meditar. (16 de Fevereiro de 1868; KSB 2, 257.) O terceiro, vrias vezes referido, publicou Philosophie des Unbewusstsein (Filosofia do Inconsciente) em 1869, e teve com certeza grande influncia nas tentativas nietzschianas de expor a sua teoria psicolgica (onde o inconsciente muitas vezes referenciado). A partir de 1869, devido amizade com Romundt, de quem, alis, recebeu a indicao para ler Hartmann. 78 Relembramos o excerto que citamos supra da lio inaugural, patente tambm em carta de 21 de Dezembro de 1871 ao amigo Rhode, na qual o aconselha a cuidar em segredo os universais que consiga formular: [...] tudo o que tenhas a dizer com valor universal, guarda-te bem de o dizeres s malditas revistas filolgicas [...] (KSB 3, 257-58.) 79 Aqui epidrmico no quer dizer superficial. Procuramos com este termo traduzir um saber preocupado com a corrente viva que informa o quotidiano, uma ateno especial s regularidades que no anulam as singularidades.

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o genial e indiquem o que se deve omitir80. Poder-se- objectar que Ecce Homo um livro nico, destilado no contexto emocional e intelectual de desconsiderao cientfica e social a que a sua poca o votou, uma obra de raiva81. Mas no, antes deste autoevangelho encontrmos vrios enunciados que vo no mesmo sentido. Por exemplo, em Aurora vemo-lo desejar essa distncia com o comum: Quanto mais nos elevamos, mais pequenos parecemos aos que no sabem voar. Logo a seguir, [...] E onde queremos ir? Queremos atravessar o mar? Onde nos leva este desejo poderoso que vale para ns mais do que qualquer alegria? Porqu, precisamente, nesta direco, a onde at ao presente todos os sis da humanidade desapareceram? Talvez um dia digam que tambm ns, indo para oeste, espervamos atingir uma ndia, - mas que o nosso destino foi de fracassar diante do infinito? Ou ento, meus irmos? Ou ento? 82 A elevao acima de tudo. A separao, o abandono do comum, do banal. Preo a pagar: excomunho laica ou loucura (infinito)83. Ou ento? Ou ento uma nova arquitectura do mundo, o bermensch em toda a sua extenso. Na Gaia Cincia pergunta: O que um livro que nem sequer nos leva para alm de todos os livros?84 essa a sua hubris, cada livro ser um atentado biblioclasta. Em Zaratustra o subttulo revela, logo de entrada, a atmosfera rarefeita, quase irrespirvel, s para grandes pulmes, que vamos encontrar: Ein Buch fr Alle und Keinen (Um Livro Para Todos e Ningum). No Crepsculo dos dolos, prefcio, a guerra aberta: Tambm estas pginas que o80

Por exemplo O Nascimento da Tragdia: Para fazer justia a O Nascimento da Tragdia (1872), necessrio esquecer um certo nmero de coisas. [...] S houve orelhas para a nova formulao da arte, das intenes, da misso de Wagner; e, nesse sentido, ningum prestou ateno ao que a obra tinha no fundo de precioso. [...] As duas principais novidades deste livro so, por um lado, a compreenso do fenmeno dionisaco nos Gregos: d-lhe a primeira dimenso psicolgica, v nele a raiz nica de toda a arte grega. O outro aspecto a compreenso do socratismo: Scrates reconhecido pela primeira vez como instrumento de decomposio do Helenismo, como decadente tipo. ( 1; KSA 6, 309-10.) Caso paradigmtico da orientao interpretativa. No ponto dois desse captulo surge o inevitvel panegrico: Com estas duas descobertas a que altitude no me elevei de um nico salto por cima da piedosa debilidade argumentativa dos imbecis que opem incessantemente o optimismo ao pessimismo! (Idem, 311.) 81 Um pouco semelhana do que ele prprio diz sobre Schopenhauer (e atravs dele de todos os grandes filsofos) na terceira Intempestiva (Schopenhauer als Ezieher). Acreditamos, alis, ser um texto absolutamente premonitrio sobre ele mesmo. E esta amargura prolongada [resultado da necessidade, apesar da sua solido, de entrar no jogo das aparncias pblicas] torna-os vulcnicos e ameaadores. De tempos a tempos vingam-se da sua dissimulao forada, da reserva que se impem. Saiem da sua caverna com um aspecto horrvel, as suas palavras e actos so ento exploses, e por vezes acontece que sucumbem de terem sido eles mesmos. ( 3; KSA 1, 354.) 82 574 e 575, respectivamente; KSA 3, 331. 83 Para Peter Slterdijk a queda de Nietzsche na loucura no foi um assunto privado, Bien au contraire. Cette dchance tait le rsume individuel de toute une civilisation, un sacrifice exemplaire qui, ct de la mort de Socrate et du meurtre de Jsus, constitue un troisime nonc inoubliable sur la relation entre le discours dautorit et la manifestation de la vie dans la civilisation occidentale. (Le penseur sur scne, op. cit., p. 158.) 84 248; KSA 3, 515.

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ttulo trai , so antes de mais uma distraco, uma tarefa solar, ou uma pausa no meio do passatempo estudioso de um psiclogo. Talvez anunciem elas tambm uma nova guerra? Talvez nos permitam auscultar novos dolos?... Este pequeno livro uma grande declarao de guerra.85 Mas tudo isto, ou quase tudo, j perceptvel no jovem Nietzsche. Desde muito cedo, embora nem sempre com a clareza de uma meditao longa ou na evidncia final de uma sequncia de experincias estilsticas, v-se impelido a usar uma estratgia editorial que o apresente como um grande combatente, um heri das letras, quer pelo tom polmico que inaugura com a Intempestivas, quer pelo estilo aforstico a partir de Humano, demasiado Humano I, quer ainda pela abrangncia temtica, claramente em contra-corrente com a tendncia de especializao epistmica, que faz do conjunto da sua obra uma espcie de enciclopdia unipessoal de cincias humanas. S isso justifica que a carta ao amigo Rohde de 28 de Janeiro de 1872 termine dizendo que necessrio [...] fundar uma autntica instituio alem de instruo para regenerar o esprito alemo e acabar com a pretensa cultura privilegiada at aqui combate navalha! Ou a tiros de canho!86 Ou ainda, ao mesmo destinatrio a 4 de Fevereiro, no contexto da m recepo da GT: A forma como nasce uma obra destas, o trabalho que supe, o tormento que necessrio suportar para no se deixar contaminar pelas outras concepes, que de todos os lados vos assaltam, a audcia do projecto, a honestidade na execuo.87 Nestes testemunhos, relativamente privados, encontramos a ideia da genialidade, do gnio singular que desbrava um caminho outro, sem ter em conta as rotas confortveis com uma sinalizao legitimada pelas teorias dominantes88. Poderamos dizer que o mundo catalogado demasiado pequeno e previsvel para85 86

KSA 6, 58. KSB 3, 279-80. Em 27 de Maio de 1872, tambm a Rohde, finaliza dizendo: Estou em estado de fuso. Combate, combate, combate! Preciso de Guerra. (KSB 4, 4.) 87 KSB 3, 288. 88 Na elucidao da genialidade seguimos algumas indicaes de Nietzsche: O gnio tem a faculdade de envolver o mundo numa nova rede de iluses. (Nachlass, Ende 1870, 6 [3]; KSA 7, 130.) E Os grandes homens so,