tese a linguagem em seus efeitos constitutivos do sujeito

159
I A LINGUAGEM EM SEUS EFEITOS CONSTITUTIVOS DO SUJEITO: Uma teoria psicanalítica sobre a linguagem, esta que estrutura o inconsciente e demarca o lugar do sujeito psíquico EVACYRA VIANA PEIXOTO UNIVERSIDADE ESTADUAL DO NORTE FLUMINENSE DARCY RIBEIRO - UENF CAMPOS DOS GOYTACAZES RJ JUNHO 2003

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I

A LINGUAGEM EM SEUS EFEITOS CONSTITUTIVOS DO SUJEITO:

Uma teoria psicanalítica sobre a linguagem, esta que estrutura o inconsciente e

demarca o lugar do sujeito psíquico

EVACYRA VIANA PEIXOTO

UNIVERSIDADE ESTADUAL DO NORTE FLUMINENSE DARCY RIBEIRO - UENF

CAMPOS DOS GOYTACAZES – RJ

JUNHO – 2003

II

A LINGUAGEM EM SEUS EFEITOS CONSTITUTIVOS DO SUJEITO:

Uma teoria psicanalítica sobre a linguagem, esta que estrutura o inconsciente e

demarca o lugar do sujeito psíquico

EVACYRA VIANA PEIXOTO

Dissertação de Mestrado apresen-

tada ao Centro de Ciências do Ho-

mem da Universidade Estadual do

Norte Fluminense Darcy Ribeiro

como parte das exigências para ob-

tenção do título de Mestre em Cog-

nição e Linguagem.

Orientador: Professor Doutor Sérgio Arruda de Moura

CAMPOS DOS GOYTACAZES – RJ

JUNHO – 2003

III

A LINGUAGEM EM SEUS EFEITOS CONSTITUTIVOS DO SUJEITO:

Uma teoria psicanalítica sobre a linguagem, esta que estrutura o inconsciente e

demarca o lugar do sujeito psíquico

EVACYRA VIANA PEIXOTO

Dissertação de Mestrado apresentada ao Centro

de Ciências do Homem da Universidade Estadu-

al do Norte Fluminense Darcy Ribeiro como par-

te das exigências para obtenção do título de

Mestre em Cognição e Linguagem.

Aprovada em 06 de junho de 2003

Banca Examinadora :

__________________________________________________ Sérgio Arruda de Moura (Doutor, Ciência da Literatura – UENF) – Orientador __________________________________________________ Nina Virgínia Araújo Leite (Doutora, Lingüística – UNICAMP) __________________________________________________ Marco Antônio Coutinho Jorge (Doutor, Comunicação e Cultura – UERJ) __________________________________________________ Paula Mousinho Martins (Doutora, Filosofia – UENF) __________________________________________________ Júlio César Ramos Esteves (Doutor, Filosofia – UENF) - Suplência

IV

AGRADEÇO aos Professores e colegas do Programa de pós-graduação em

Cognição e Linguagem pelo ensino intra e extra-curricular que proporcionaram em

nossa convivência.

Agradeço aos Professores Doutores do Programa de pós-graduação em

Cognição e Linguagem pela grata contribuição à minha dissertação de mestrado, na

qual é possível reconhecer os fundamentos das disciplinas por eles ministradas, es-

pecialmente os Professores Arlete, Júlio, Paula, Ruth, Sílvia e, naturalmente, Sérgio,

a quem elegi por sucessivas vezes meu professor.

Agradeço ao psicanalista Dr. Marco Antônio Coutinho Jorge, mestre em meus

passos iniciais na psicanálise no Colégio Freudiano, hoje reencontrado em interes-

ses convergentes, pelo acolhimento e atenção dispensada à minha pesquisa.

Agradeço ao gesto amigo de Rita Márcia Paixão e Olandina Cruz Pacheco

que, com suas contribuições intelectuais, impulsionaram a elaboração inicial e a

conclusão final de minha pesquisa.

.Agradeço carinhosa e especialmente ao Dr Sérgio Arruda de Moura, meu o-

rientador nesta dissertação – que com seu invejável bom humor, tornou nossa tarefa

mais agradável e amena –, pelo esmero com que cuidou de nosso trabalho.

.Agradeço à Drª Nina Virgínia Araújo Leite pelo esforço minucioso na correção

da dissertação e na argüição da defesa, que em muito contribuiu para melhorar o

formato final da dissertação.

Agradeço ao Dr Waldir Beividas por ter me oportunizado, ainda em tempo de

concluir, a confirmação douta de que minhas intuições – sobre o diálogo inacabado

entre linguística e psicanálise – estavam certas.

V

À memória de meu pai.

VI

Esse corte [o tropeço no discurso] da cadeia significante

é único para verificar a estrutura do sujeito como descontinui-

dade no real. Se a lingüística nos promove o significante, ao

ver nele o determinante do significado, a análise revela a ver-

dade dessa relação, ao fazer dos furos do sentido os determi-

nantes de seu discurso.

LACAN, 1960: 815

VII

RESUMO

Este trabalho refaz, de forma esquemática, o caminho percorrido pelo psicanalista francês Jacques Lacan junto ao movimento estruturalista derivado da lingüística saussuriana. Também enfatiza a questão da linguagem enquanto aquela que consti-tui o sujeito ao imprimir-lhe sua estrutura, já estabelecida previamente na cultura. Desenvolve noções de lingüística (língua, fala, diacronia, sincronia, sintagma, para-digma, estrutura da linguagem, signo, significante, significado e símbolo), de semió-tica (referente), que se tornaram ferramentas para a psicanálise operar os conceitos de inconsciente, sujeito, objeto, lalangue e lingüisterie, e de análise do discurso (su-jeito, discurso, enunciado, enunciação e sentido). Simultaneamente à elaboração teórica saussuriana, o inconsciente foi descoberto por Sigmund Freud, cujas forma-ções (sonhos, lapsos, chistes e sintomas) são tangíveis tal como uma linguagem. Baseando-se no aforismo lacaniano – O Inconsciente é estruturado como uma lin-guagem –, a psicanálise recupera o sujeito banido pelos estruturalistas, sendo para ela um sujeito inconsciente, constituído na estruturação do inconsciente como uma linguagem. A presente pesquisa foi realizada por meio da bibliografia disponível em português sobre o assunto, com alguns recursos a textos essenciais ainda não tra-duzidos para o português. Sendo assim, a pesquisa varou, à superfície, do estudo sobre o funcionamento da linguagem, concebida como uma estrutura lingüística, à estruturação do inconsciente como uma linguagem, vindo encontrar escoadouro na constituição do sujeito como efeito desta estrutura para o falante. Conclui portanto que este sujeito é constituído na ação da estrutura sobre o sujeito em constituição, e, que ele vem a ser aquilo que emerge do Real, enquanto aquilo que não porta ne-nhuma significação, mas que faz significar, pois é non sense. Palavras-chave: inconsciente – significante – estrutura – sujeito – sentido

VIII

ABSTRACT

This work remakes schematically the way run by the French psychoanalyst Jacques Lacan closed the structuralist movement deflected from the saussurian linguistics. It also emphasizes the issue of language as one that constitutes the subject by printing his/her structure soon established in culture previously. It develops notions of linguis-tics (langue, parole, diachrony, synchrony, syntagma, paradigma, language structure, sign, significant, meaning and symbol), of semiotics (referent), in which became themselves tools for psychoanalysis operating the concepts of unconsciousness, subject, object, lalangue and lingüisterie, and of discourse analysis (subject, speech, uttered, utterance and sense). Simultaneously to the saussurian theoretical elabora-tion, unconsciousness was discovered by Sigmund Freud whose arrangement (dreams, lapses, witties and symptoms) are tangible such as a language. Basing the lacanian aphorism on – Unconsciousness is structured as a language –, psychoanal-ysis recovers the subject banished by the structuralists being for it an unconscious subject constituted in the structuration of unconsciousness as a language. The pre-sent research was accomplished through available bibliography in Portuguese about this proposition with a few resources from essential texts that have not been translat-ed into Portuguese yet. So the research threw out superficially from the study about the action of language conceived as a linguistic structure to the structure of uncon-sciousness as a language finding canal in the constitution of subject as effect from this structure toward the speaker. As a conclusion this subject is constituted in the action of structure about the subject in constitution and he/she becomes that one which rises out from Real, while it does not bring any signification but which makes meaning because it is non sense. Key-words: unconsciousness – significant – structure – subject – sense

IX

Em comemoração ao aniversário de vinte anos de meu envolvimento com a

psicanálise de verve lacaniana – rememorando certo dia de março de 1983,

quando eu ingressava no Colégio Freudiano do Rio de Janeiro.

X

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ..................................................... ........... 1

I. ESTRUTURALISMOS, ESTRUTURA E FUNCIONAMENTO DA

LINGUAGEM ............................................................... 11

I.1. ESTRUTURA E FUNCIONAMENTO DA LINGUAGEM: a exclusão do

sujeito. .................... ................................ 21

I.2. O PÓS-ESTRUTURALISMO: a morte do sujeito ................... 35

I.3. A LINGUAGEM NO DISCURSO: a inclusão do sujeito ......... 42

II. O INCONSCIENTE ESTRUTURADO COMO UMA LINGUAGEM

................................................................ 55

II. 1. AS QUATRO FORMAÇÕES DO INCONSCIENTE ................ 67

II. 1. a) Sonhos ..................................................... 68

II. 1. b) Lapsos ..................... ................................ 73

II. 1. c) Chistes ..................................................... 75

II. 1. d) Sintoma ..................................................... 77

II. 2. A ESTRUTURA DO INCONSCIENTE: Real, Simbólico e Imaginário

..................................................... 81

II. 3. A ORDEM SIMBÓLICA E O ADVENTO DA LINGUAGEM ... 87

III. A CONSTITUIÇÃO DO SUJEITO COMO EFEITO DA ESTRUTURAÇÃO DO

INCONSCIENTE COMO UMA LINGUAGEM ............................... 94

III. 1. SUJEITO CARTESIANO X SUJEITO DO INCONSCIENTE: Cogito er-

go sum X Wo es war, soll ich werden ................................ 101

XI

III. 2. A CONSTITUIÇÃO DO SUJEITO: Estádio do espelho, Édipo e cas-

tração ..................................................... 109

CONSIDERAÇÕES FINAIS ..................................................... 129

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS DE SIGMUND FREUD .......... 136

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS DE JACQUES LACAN ........... 138

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS E DIGITALIZADAS ..................... 140

ANEXOS ..................................................... 144

1

INTRODUÇÃO

Que a via aberta por Freud não tem outro sentido senão o que retomo

o inconsciente é linguagem isso que é agora aceito já o era então para mim, como se sabe.

LACAN, 1965, 8811

Esta pesquisa foi motivada pelo interesse de melhor compreendermos, na es-

cuta psicanalítica, a implicação do signo lingüístico com o sintoma neurótico, que

funciona como uma linguagem permeada de ambigüidades e encontra sua decifra-

ção e dissolução na interpretação, tal como um sonho. “O sintoma, aqui, é o signifi-

cante de um significado recalcado da consciência do sujeito. Símbolo escrito na a-

reia da carne e no véu de Maia, ele participa da linguagem pela ambigüidade se-

mântica que já sublinhamos em sua constituição “ (LACAN, 1953: 282). Neste senti-

do, fomos movidos a buscar esclarecimentos sobre como são produzidas significa-

ções singulares, pertinentes a cada um de nós, na articulação entre significantes,

que flagram assim a ação de um sujeito, que não é outro senão aquele constituído

na estruturação do inconsciente como uma linguagem.

Buscando apreender as conseqüências do que é para SAUSSURE (1970/1ª

ed. bras.) o "mecanismo do signo no indivíduo", este trabalho de pesquisa e disser-

tação visa esclarecer de que forma a linguagem se reproduz para cada sujeito como

sistema simbólico sendo, ao mesmo tempo, estruturante do lugar do sujeito num

mundo simbólico. Partindo disto, este trabalho vai ao encontro da hipótese de

LACAN (1957) – O inconsciente é estruturado como uma linguagem – onde apreen-

demos a questão da constituição do sujeito psíquico, através da estruturação do in-

consciente como uma linguagem.

1 Encontraremos as referências feitas às obras tanto de FREUD e quanto de LACAN relativas

a cada ano em que foram escritas, e não ao ano da edição em que foram publicadas, dado à profu-são de artigos, livros e coleções editadas. Assim procederemos em benefício da precisão das refe-rências na citação.

2

Conforme é amplamente concebido, a linguagem é o artifício primordial dentro

da organização sócio-cultural humana de exploração e dominação da natureza, in-

clusive da própria natureza humana ao mesmo tempo em que a constitui como tal.

Se a linguagem é uma criação coletiva convencionada no decorrer da história da

humanidade, por outro lado há o uso singular que dela se faz e neste está implícito

um sujeito que fala de seus objetos.

Ao nascer, o ser humano é batizado com um nome e, antes mesmo, desde

sua gestação, ele já é falado. Muito antes de começar a balbuciar as primeiras pala-

vras, ele recebe seu nome, sendo assim já marcado pelo significante. Se por um

lado o homem constrói sua singularidade a partir de sua imersão na linguagem, por-

tal de entrada do mundo humano, para penetrar neste mundo é preciso portar este

distintivo, sem o qual o ser humano não se caracterizaria: o significante.

Para esclarecermos este termo tão vital, recorremos à lingüística saussuriana

que o trabalhou como uma das duas faces do signo lingüístico, bem como à versão

lacaniana do significante, influenciada não só pela lingüística e pelo Estruturalismo

dela decorrente, como também pelas formulações freudianas sobre o inconsciente e

seu funcionamento. Se o pensamento humano, enquanto simbólico, é feito de lin-

guagem, faz-se necessário que conheçamos o funcionamento da linguagem para

que possamos abordar este ser humano em sua particularidade de sujeito, para que

seja possível “fornecer um saber sempre mais preciso do funcionamento do signifi-

cante do homem” (KRISTEVA, 1969/1ª ed.: 23).

Ao estabelecer no início do século XX um corte sincrônico na linguagem,

FERDINAND DE SAUSSURE fundou um novo e revolucionário método de estudo

lingüístico. Recorta como objeto de estudo científico a linguagem verbal humana,

tomada a partir de então como um sistema de signos que expressam idéias, com-

posto de unidades que formam um sistema de linguagem. Estabeleceu assim o con-

ceito de signo e seus elementos inseparáveis – o significante e o significado. O

“som, unidade complexa acústico-vocal, forma por sua vez, com a idéia, uma unida-

de complexa, fisiológica e mental” (SAUSSURE, (1970/1ª ed. bras.: 16). Para ele a

linguagem é língua (langue) sistema de signos mais fala (parole). Desde então a

3

língua deixou de ser vista como substância, como era vista anteriormente, passando

a ser tomada como uma forma, um sistema – posteriormente chamado de estrutura

– tornando-se a lingüística estrutural um novo paradigma no cenário das Ciências

Humanas.

O psicanalista francês JACQUES LACAN (1901-1981), sob efeito e influência

da lingüística saussuriana e do movimento Estruturalista dela decorrente – onde se

destaca a Antropologia Estrutural encarnada por CLAUDE LÉVI-STRAUSS (1908-

1990), dentro deste profícuo movimento –, promoveu uma releitura da psicanálise

resgatando FREUD do ostracismo em que perigava cair, revitalizando suas palavras

e renovando sua obra. LACAN (1949, 1953, 1953-1954, 1954-1955, 1955-1956,

1957-1958, 1957, 1960, 1964, 1965, 1969-1970, 1972-1973, 1974-1975) fundamen-

tou assim a descoberta do inconsciente freudiano sobre novas bases, edificando-a

no campo da fala e da linguagem. Articulando idéias, estabelecendo conexões entre

variadas áreas de saber, LACAN abriu um leque de pesquisas e produções teóricas

na tangência da psicanálise e da lingüística, onde hoje encontramos muitos estudos

de autores afinados com a teoria lacaniana, como veremos com ARRIVÉ,

LECLAIRE, MILNER, NASIO, SAFOUAN.

Portanto, partimos dos esclarecimentos da estrutura e funcionamento da lin-

guagem até chegarmos aos estudos, dentro do ponto de vista psicanalítico, do que é

a estrutura do inconsciente e como é o seu funcionamento, na expectativa de assim

comprovar a existência material do inconsciente, bem como a do sujeito constituído

a partir desta estrutura – o que é considerado improvável por muitos opositores.

Para compreendermos o paradigmático corte saussuriano para as ciências

humanas, que fez inclusive derivar a proposição lacaniana “O inconsciente estrutu-

rado como uma linguagem”, tangenciaremos no capítulo I, Estruturalismos, estrutura

e funcionamento da linguagem, o movimento intelectual denominado Estruturalismo

que surgiu e se organizou em contraposição à filosofia humanista, sua antecessora

no campo filosófico e alguns de seus desdobramentos na atualidade naquilo que

toca mais particularmente à máxima lacaniana. Esclareceremos o papel de LACAN

na inserção da psicanálise com destaque dentre as ciências humanas, já que veio

4

então a ocupar o lugar privilegiado de “farol” do estruturalismo ao lado da Antropolo-

gia (DOSSE, 1993).

O Estruturalismo, termo cunhado pelos “herdeiros” de SAUSSURE, entre eles

JAKOBSON (Congresso de Haia, 1928), foi um movimento bastante profícuo, deri-

vado da Lingüística, que desabrochou e fez desabrochar as Ciências Humanas a

partir de meados do século XX, especialmente pelas possibilidades de se empregar

um método científico do qual as ciências humanas careciam, na tentativa de obter

estudos concretos e objetivos sobre o homem que não fossem puramente filosóficos

e metafísicos. Com isto, esperamos a partir daí podermos refazer o percurso de

LACAN pelas fronteiras lingüística e antropológica do Estruturalismo donde foi da-

da a partida para este movimento nas ciências humanas , reelaborando-se a impor-

tância destas contribuições para a obra de LACAN e vice-versa.

A estrutura, este conceito fundamental do estruturalismo, foi concebida como

um todo dinâmico composto de partes inter-relacionadas. O termo estrutura, origi-

nalmente, designava o modo como um edifício é construído. Hoje estrutura é um

termo empregado para designar os elementos mínimos necessários para caracteri-

zar um todo, uma coisa, um objeto. Certa noção de estrutura pode ser observada

sob termos tais como “essência”, “forma”, “figura”, “conjunto”, “totalidade”, “organis-

mo”, “sistema”, etc. Porém, a noção de estrutura a que se refere o movimento estru-

turalista, deles se destaca por ser a redução de um conjunto a seus elementos mí-

nimos necessários, que mantêm entre si uma relação de interdependência. A noção

de estrutura do estruturalismo inclui a combinação de elementos inter-relacionados

de modo dependente, de modo que a posição de cada um afeta a do outro, que reu-

nidos em uma totalidade apresentam qualidades específicas da totalidade, que é

autônoma.

Constituição é o ato de constituir, estabelecer e de firmar; é o modo pelo qual

se constitui uma coisa, um ser vivo, um grupo de pessoas. Segundo o dicionário Au-

rélio, é a organização, a formação. Já estruturação é o ato ou efeito de estruturar, de

fazer ou formar estrutura, que é a disposição e ordem das partes de um todo. Tam-

bém pode ser armação, esqueleto ou arcabouço.

5

Na primeira parte do capítulo I (I.1), Estrutura e funcionamento da linguagem:

a exclusão do sujeito, reveremos os estudos teóricos lingüísticos sobre a linguagem

verbal humana, realizados por SAUSSURE e por alguns de seus sucessores como

JAKOBSON, observando alguns pontos de dissidência que acabaram por dar aca-

bamento à lingüística concebida como estrutural. Assim retraçaremos, em boa parte,

o caminho feito por LACAN pela teoria saussuriana no estudo da linguagem em sua

estrutura e funcionamento, bem como os caminhos que apontou para solucionar

problemas cruciais que encontrou nesta teoria, como a exclusão do referente e do

sujeito. A abordagem estrutural e funcional da investigação científica dos fenômenos

da linguagem revelou as leis internas de um sistema determinado (PETERS, 2000)

dentro do qual não cabia a subjetividade humana – uma concepção de sujeito tal

como concebida pela doutrina cartesiana – mas LACAN reintroduziu na linguagem

um sujeito de bases freudianas, como veremos.

Se para SAUSSURE a linguagem é um sistema fechado em si mesmo – daí a

noção de estrutura –, para LACAN é uma estrutura aberta pela presença de um su-

jeito, mas do inconsciente, o que aponta desde já uma das principais divergências

entre a ciência-piloto das ciências humanas e a psicanálise.

[...] vê-se que, para Saussure, a língua é concebida como um sistema fechado, o que co-loca de saída uma diferença radical entre a noção de estrutura fechada do estruturalis-mo e a estrutura aberta, hiante, que implica a falta, que é posta em relevo pela psicaná-lise (COUTINHO JORGE, 2000: 78).

LACAN responde aos lingüistas, ciosos de seu campo de estudo, criando o

que chamou de lingüisterie, nomeando assim a linguagem que a psicanálise estuda

– uma linguagem histérica, enquanto aquela que se inscreve no corpo, que leva todo

falante a assumir uma posição sintomática no mundo simbólico.

Na segunda parte do capítulo I (I.2.), O Pós-Estruturalismo: a morte do sujei-

to, trataremos do encaminhamento da questão do sujeito para filósofos como

DERRIDA, FOUCAULT, HEIDEGGER, entre outros, que acabaram por sepultar o

sujeito cartesiano, levando às últimas conseqüências o descentramento do homem

pela estruturalidade da linguagem.

Na terceira parte do capítulo I (I.3.), A linguagem no discurso: a inclusão do

sujeito do inconsciente, acabamos por trazer à discussão alguns dos estudos lingüís-

6

ticos da atualidade que buscam a inclusão do sujeito do discurso na estrutura da

linguagem, sob o enfoque proporcionado pela releitura de LACAN da obra freudiana.

Há autores que se debruçam sobre o campo teórico da Psicanálise, supostamente estra-nho a sua disciplina, na busca de uma articulação que permita incluir nos estudos da lin-

guagem aquilo que foi recalcado – a questão do sujeito e do sentido no momento inau-gural de nascimento da lingüística como ciência (LEITE 1994: 15).

Os desdobramentos dos estudos da lingüística estrutural, sob a influência da

psicanálise e do marxismo, levaram ao desenvolvimento da análise do discurso

uma nova disciplina na qual está prevista uma teoria do sujeito. MICHEL PÊCHEUX

com seu inaugural Discurso: estrutura ou acontecimento (1990), responde pelos pri-

meiros passos desta novidade. Assim como o estruturalismo e o materialismo histó-

rico, também a psicanálise lacaniana participou da construção da análise do discur-

so, compondo o quadro epistemológico que contribuiu para o surgimento desta dis-

ciplina.

O estudo das teorias estruturalistas da linguagem, passando pelos tempos

pós-estruturalistas, acabou por nos levar ao movimento contemporâneo de tentativa

de inclusão de um sujeito, a princípio excluído ou melhor dizendo, recalcado da

estrutura da linguagem, tal como esta fora concebida originalmente.

No capítulo II tratamos de clarificar o aforismo lacaniano O inconsciente é es-

truturado como uma linguagem, considerado por muitos um verdadeiro enigma.

LACAN (1957) elucidou o modo como ocorre a estruturação do inconsciente como

uma linguagem a partir de suas formulações sobre a lógica do significante, pautada

na afirmação saussuriana de que na língua só há diferenças, o que acabou por res-

saltar o quanto as teorias saussurianas e freudianas, trabalhadas simultaneamente e

ignorando-se mutuamente, tinham a dizer em comum a respeito do funcionamento

do sistema simbólico – a estrutura da linguagem e o inconsciente freudiano – sendo

certo que cada uma caminhava em direção à outra partindo de sentidos opostos.

Neste sentido, na primeira parte do capítulo II (II.1.), As formações do incons-

ciente, chamamos ao palco, onde se encena o texto do inconsciente, os sonhos, os

lapsos, os chistes e os sintomas. Aqui se oportunizará o momento de evidenciar o

quão à superfície se encontra o inconsciente, uma vez que ele se expressa nas psi-

7

copatologias corriqueiras da vida cotidiana de cada um, trazendo, nestas formações,

toda a força advinda do desejo recalcado – lugar do sujeito.

Na segunda parte deste capítulo (II.2.), Estrutura do inconsciente: Real, Sim-

bólico e Imaginário, cuidaremos de explicar a estruturação do inconsciente a partir

do entrelaçamento sintomático destes três elos, três registros do falante, onde o sin-

toma é o que vem dar amarração ao RSI.

A investigação da estruturação do inconsciente como uma linguagem permi-

tir-nos-á vislumbrar a inserção do sujeito no discurso concreto, como um sujeito que

emerge com as irrupções do Real, nas suspensões do sentido (non sense). Acabará

por se mostrar aqui a materialidade do sujeito do homem, enquanto um sujeito dese-

jante, que na falta da coisa, se faz falante.

Neste sentido exploraremos na terceira parte do capítulo dois (II.3.), A ordem

simbólica e o advento da linguagem, a articulação das teorias antropológicas e psi-

canalíticas com as da linguagem, no afã de clarificar o quanto o complexo de Édipo,

em sua magnitude universal, enquanto interdição do incesto, é também o portal uni-

versal para a humanidade no mundo simbólico, que é o mundo da linguagem.

No capítulo III, nosso esforço será empreendido para deixar claro que não

são objetos desta dissertação nem o ego, nem a consciência, nem a “pessoa hu-

mana”, nem o “indivíduo” (o indiviso), mas um sujeito desejante: o sujeito do in-

consciente. Nos perguntamos, quem vem a ser este sujeito? Sabemos que a partir

da era moderna, inaugurada pelo pensamento cartesiano, o homem passou a ser o

"primeiro e único verdadeiro subjectum [...] o ente sobre o qual todos os outros en-

tes se fundam quanto à sua maneira de ser e quanto à sua verdade" (HEIDEGGER,

1979). A visão cartesiana favoreceu o movimento científico e proporcionou a con-

juntura filosófica na qual a noção de mente (res cogitans) passou a imperar em pri-

vilégio e oposição à noção de físico (res extensa).

Na primeira parte do terceiro capítulo (III.1), Sujeito cartesiano X sujeito do in-

consciente, reproduziremos brevemente o debate lacaniano sobre o sujeito cartesia-

no e o de que se trata para a psicanálise. O sujeito para a psicanálise é o sujeito de-

8

sejante, do inconsciente, que interessa aqui enquanto a questão do sujeito da lin-

guagem.

SIGMUND FREUD previa o terceiro2 golpe no narcisismo humano ao formular

suas teorias sobre o inconsciente, pois o homem depois da descoberta de FREUD

não é visto mais como senhor em sua própria casa. Com a sua célebre assertiva

“Wo es war, soll ich Werden”3, FREUD desmonta o cogito, mostrando que o homem

pensa onde não está e está onde não se pensa. Desbanca assim o ego autônomo

cartesiano, centro do homem, que tantos subsídios proporcionou à ciência moderna,

e que abriu caminhos à filosofia epistemológica e à ciência psicológica.

O eixo em torno do qual se desenvolveu este trabalho de dissertação sedi-

menta-se sob o ponto de vista de que o sujeito do inconsciente, diferentemente do

sujeito entificado da psicologia, é um sujeito evanescente – derivado das conjunções

entre lingüística e psicanálise, como o concebeu LACAN –, que perpassa a cadeia

de significantes, trazendo para a superfície dela o sentido próprio do sujeito do in-

consciente, em permanente metonímia. O sujeito é constituído na “construção” do

simbólico, na incidência da linguagem, como morte da coisa, num processo que o-

corre desde que o ser humano nasce, até o atravessamento do Édipo em seus três

tempos. Sendo assim é constituído um sujeito no batismo simbólico que recebe do

Outro.

Isto é o que será devidamente tratado na segunda parte do terceiro capítulo

(III.2.) A constituição do sujeito: estádio do espelho, Édipo e castração, onde final-

mente desenvolveremos a questão de como se dá a constituição do sujeito na estru-

turação do inconsciente como uma linguagem. O sujeito do inconsciente pode ser

então entendido como aquele que está assujeitado à Lei paterna. Somente ao final

do Édipo, poderemos falar de sujeito do inconsciente, aquele que, embora tenha seu

lugar demarcado na estrutura, por meio de um processo simbólico, advém do Real.

É preciso ser assujeitado ao Outro simbólico, ser alienado ao significante dado pelo

Outro para constituir-se enquanto sujeito falante, estabelecendo então, uma aliena-

2 O primeiro foi descobrir que a terra não era o centro do universo e o segundo que o homem não

provém de Deus, mas do macaco (FREUD, 1932). 3 Onde isso estava, eu deve advir (FREUD, 1932).

9

ção constitutiva fundamental ao Campo do Outro o Campo dos significantes para

LACAN.

Como pudemos observar, não nos ateremos nesta dissertação ao estudo da

língua (langue), objeto da lingüística que SAUSSURE (1970/1ª ed. bras.) cria ser

passível de isolar da fala (parole), de ser dela esterilizado e estudado enquanto obje-

to puro. O que nos interessa é a linguagem em uso, contaminada pelo desejo do

sujeito do inconsciente, na palavra, no discurso concreto do falante (onde existe a

linguagem para LACAN), no texto, como inclusive convém aos atuais estágios de

desenvolvimento do tema pelos estudos lingüísticos.

A linguagem, objeto de estudo e pesquisa da lingüística, da Antropologia, da

Sociologia, da Psicologia, da Psicanálise, assim como da Filosofia, será explorada

no restrito âmbito que possa dar a sustentação necessária para que sejam explica-

dos sua estrutura e o seu funcionamento, incluindo-se aí suas formas discursivas

explicando assim a estrutura e o funcionamento do inconsciente que, tal como a lin-

guagem, é estruturado. O conceito de inconsciente sozinho já é tema sabidamente

tão amplo, que neste trabalho de dissertação não poderia ser abordado senão de

forma pontual, porém devidamente conceituado, para esclarecimentos à tese lacani-

ana.

Esta dissertação, de tudo até agora dito, não é sobre a teoria lacaniana, mas

sobre um ponto que a perpassa: o sujeito do inconsciente e falante. E o inconsci-

ente emerge enquanto um sujeito psíquico. O sujeito do inconsciente não é consis-

tente, nem está em algum lugar, mas tem seu lugar entre significantes, em desli-

zamento pela cadeia significante.

Para a fundamentação teórica das hipóteses, a dissertação se baseia em no-

ções conceituais, sobre sujeito, objeto, inconsciente, linguagem, significante,

simbólico, estrutura, discurso, sentido principalmente da teoria de LACAN teo-

ria que dá orientação à pesquisa naquilo que possa interessar à questão principal

dentro do Estruturalismo, de seus desenvolvimentos neo-estruturalistas e dissidên-

cias.

10

Encontramos nos estudos sobre a linguagem o lugar propício para desenvol-

ver pesquisas sobre a psicanálise, conforme nos ensinou, com mestria, JACQUES

LACAN, apontando assim para a estreiteza de temas da lingüística e psicanálise.

Embora este “LACAN estruturalista” ou o “primeiro LACAN” tenha sido considerado

ultrapassado pelos seus sucessores, entre eles JACQUES-ALAIN MILLER – especi-

almente por distinguirem que a linguagem que interessa à psicanálise é a lingüisterie

–, esta dissertação deixa margem, também, a evidenciar uma renovação do interes-

se pelo vigor do pensamento inaugural de LACAN, especialmente entre alguns lin-

güistas de renome da atualidade como ARRIVÉ e MILNER, mostrando-o ainda ines-

gotado.

No desenrolar da dissertação, observaremos desenhar-se o percurso de um

JACQUES LACAN pelas teorias lingüísticas do estruturalismo, até o encontro de

suas originais respostas e a construção de uma versão própria sobre a teoria da lin-

guagem com o destacamento da questão do sujeito do inconsciente na estrutura da

linguagem – que, diferentemente do que é para SAUSSURE, para LACAN, é aberta.

Ao refazermos o percurso de LACAN pelos caminhos estruturalistas da linguagem,

averiguaremos como se constituem os sujeitos para a psicanálise. Em contrapartida,

teremos um breve e resumido histórico do desenvolvimento da Lingüística estrutural

até os dias de hoje e das circunvoluções a que foi submetida sob a influência teórica

deste eminente pensador francês.

11

I. ESTRUTURALISMOS, ESTRUTURA E FUNCIONAMENTO DA

LINGUAGEM

Se o estruturalismo engloba um fenômeno muito diversificado, mais do que um método e menos do que uma filosofia, ele encontra seu cerne, sua base unificadora no modelo da lingüística moderna e na figura daquele que é a-presentado como seu iniciador: Ferdinand de Saussure.

DOSSE, 1993: 65

A condição de ciência da linguagem que alçou a lingüística saussuriana pro-

porcionou os argumentos com os quais o movimento estruturalista trabalhou na dé-

cada de 60, para a fundamentação das Ciências ditas Humanas. A linguagem, en-

quanto um sistema formal, foi primeiramente assim estabelecida por FERDINAND

DE SAUSSURE tal como encontramos em sua obra póstuma de 1916, Curso de

Lingüística Geral (CLG) (1970/1ª ed. bras.), com o estabelecimento do método sin-

crônico para o estudo do sistema da língua, dando a partida para o movimento estru-

turalista – tido como um grande guarda-chuva (PETERS, 2000) sob o qual se abri-

gavam ciências tais como a Antropologia, a Sociologia, a Educação e a Psicanálise

entre outras – na área dos estudos humanos. A partir de então, a lingüística foi to-

mada como um novo paradigma para as ciências humanas.

É também o momento em que a lingüística desempenha a função de ciência-piloto que orienta os passos da aquisição científica para as ciências sociais em geral. O estrutura-lismo terá sido, nesse plano, o estandarte dos modernos em sua luta contra os antigos. (DOSSE, 1993: 13).

Para entendermos esta revolução paradigmática por que passaram as ciên-

cias humanas no século XX, que foi capaz de trazer solidez às ciências soft, deve-

mos responder o que foi este movimento denominado de estruturalismo.

O estruturalismo surgiu em contraposição ao humanismo. Do ponto de vista

estruturalista o humanismo era considerado a continuidade do teologismo, pois, se

este coloca DEUS como centro de todas as coisas, assim também fez o humanismo

12

com o homem, e seguindo o mesmo modelo, denunciava a mesma visão filosófica

subjacente. O estruturalismo destrói esta noção de centro do homem e, com ela, as

ficções da subjetividade, trazendo a análise das relações do sujeito com a linguagem

para o âmbito da estruturalidade.

Talvez possamos dizer que, se o Renascimento substitui o culto do Deus medieval pelo do Homem com maiúscula, a nossa época apagando qualquer culto traz uma revolução não menos importante, visto que substitui o último, o do homem, por um sistema acessí-vel à análise científica: a linguagem. O homem como linguagem, a linguagem no lugar do homem, será o gesto desmistificador por excelência, que introduz a ciência na zona complexa e imprecisa do humano, no ponto onde se instalam (habitualmente) as ideolo-gias e as religiões. É a lingüística que parece ser a alavanca dessa desmistificação; é ela que supõe a linguagem como objeto de ciência, e que nos ensina as leis do seu funcio-namento (KRISTEVA, 1969/1ª ed.: 14).

O sistema de linguagem de SAUSSURE foi equacionado como uma estrutura

por participantes da Escola de Praga e do Círculo de Copenhague (DOSSE,

1993:15), onde se destacaram JAKOBSON e HJELMSLEV, por ser a língua um sis-

tema fechado sobre si mesmo, que se define numa relação de interdependência de

elementos em seu interior, onde se estrutura o seu objeto. “O estruturalismo de ver-

tente saussuriana define as estruturas da língua em função da relação que elas es-

tabelecem entre si no interior de um mesmo sistema lingüístico” (MUSSALIM,

2001:102, vol. 2). As relações entre os elementos da estrutura formam um conjunto

organizado de modo que cada elemento afeta o outro. A posição de cada elemento

depende da relação que estabelece com os demais do conjunto.

Apesar do alcance que tomou mais tarde, a repercussão da obra saussuriana

fora fraca a princípio, e só alcançou o meio intelectual ampliando-se, cerca de cin-

qüenta anos após seu lançamento, embora JAKOBSON – desde o I Congresso In-

ternacional de Lingüística, em Haia (1928) – já antevisse que seria deslanchado o

movimento estruturalista. JAKOBSON, um estudioso da linguagem poética, contribu-

iu grandemente para a difusão do estruturalismo no Ocidente como vice-presidente

do Círculo de Praga –, especialmente em virtude daquele congresso.

O estruturalismo vê seu sucesso na França no encontro das idéias de dois

grandes mestres: o antropólogo CLAUDE LÉVI-STRAUSS e o lingüista ROMAN

JAKOBSON. O estruturalismo pode ser identificado com a figura-chave de CLAUDE

LÉVI-STRAUSS. Ele adota o modelo fonológico de JAKOBSON, com quem mantém

intensa interlocução, que possibilita lançar luzes no campo da antropologia.

13

O nosso trabalho não é analisar toda a subtileza com que Lévi-Strauss estabelece os sis-temas de parentesco no decorrer da sua investigação e de que o seu livro Les Structures élementaires de la parenté (1949) é a súmula magistral. Queremos apenas sublinhar como é que a problemática da linguagem, ou até mesmo uma ciência particular da lín-gua, a fonologia, se tornou a alavanca de uma nova ciência num outro domínio, a antro-pologia estrutural, permitindo-lhe assim descobrir as leis fundamentais nas quais se ba-seia a comunicação, isto é, a comunidade humana (KRISTEVA, 1969: 346).

LÉVI-STRAUSS (1989) estudou os sistemas de parentesco da mesma manei-

ra que o lingüista estudava os fonemas, de modo que os termos de parentesco eram

comparados a elementos de significação, e que, como os fonemas, adquirem esta

significação quando se integram em sistemas.

Nenhuma ciência pode, hoje considerar as estruturas que lhe dizem respeito como redu-tíveis a um arranjo qualquer de algumas partes.

Só é estruturado o arranjo que preencha essas duas condições: ser um sistema, regido por uma coesão interna; e esta coesão, inacessível à observação de um sistema isolado, revelar-se no estudo das transformações, graças às quais encontram-se propriedades similares em sistemas aparentemente diferentes. Como escrevia Goethe:

“Todas as formas são semelhantes, e nenhuma é igual às outras, de tal modo que sua harmonização conduz a uma lei escondida”.

Esta convergência de perspectivas científicas é muito reconfortante para as ciências se-miológicas, de que faz parte a antropologia social, pois os signos e símbolos não podem desempenhar seu papel senão na medida que pertençam a sistemas regidos por leis in-ternas de implicação e exclusão; e porque a característica de um sistema de signos é ser transformável, ou ainda, traduzível na linguagem de um outro sistema com a ajuda de substituições (LÉVI-STRAUSS, 1989: 26).

LÉVI-STRAUSS, ao assimilar o corte saussuriano, aprofunda-se na relação

entre significante e significado e “adapta-a ao terreno antropológico ao atribuir ao

significante o lugar da estrutura e ao significado o do sentido, ao passo que em

Saussure trata-se, antes, de opor som e conceito” (DOSSE, 1993: 43). Apontou a

correspondência entre a estrutura da língua e o sistema formal de parentesco, con-

siderando-o como uma linguagem.

[...] a antropologia tornou-se o domínio principal ao qual se aplicou uma metodologia próxima da lingüística. Podemos dizer por conseguinte que, sem se apresentar explici-tamente como uma semiótica e sem se entregar propriamente a uma reflexão e a uma exploração sobre a natureza do signo, a antropologia estrutural é uma semiótica, na me-dida em que considera como linguagens os fenômenos antropológicos e lhes aplica o processo de descrição próprio da lingüística (KRISTEVA, 1969/1ª ed.: 343).

SAUSSURE (1970/1ª ed. bras.) deixou em aberto um espaço à Semiologia

para que no futuro ela fosse chamada a ocupar seu lugar nas ciências humanas,

trazendo sua contribuição para a compreensão do signo em sua face social. Se por

um lado há o estudo do mecanismo do signo no indivíduo, que é do campo do psí-

14

quico, há por outro a semiologia4, que é a ciência que estuda a vida dos signos no

seio da vida social.

Acabamos de ver que a língua constitui uma instituição social, mas ela se distingue por vários traços das outras instituições políticas, jurídicas etc....

A língua é um sistema de signos que exprimem idéias, e é comparável, por isso, à escri-ta, ao alfabeto dos surdo-mudos, aos ritos simbólicos, às formas de polidez, aos sinais militares etc., etc.. Ela é apenas o principal desses sistemas.

Pode-se, então, conceber uma ciência que estude a vida dos signos no seio da vida so-cial; ela constituiria uma parte da Psicologia social e, por conseguinte, da Psicologia ge-ral; chamá-la-emos de Semiologia (do grego sêmeion, "signo"). Ela nos ensinará em que

consistem os signos, que leis os regem (SAUSSURE, 1970/1ª ed. bras.: 24).

LÉVI-STRAUSS vai inscrever a antropologia neste espaço aberto e ante-visto

por SAUSSURE como uma ciência geral dos signos, a que chamou semiologia, on-

de inscreve ele próprio a lingüística como sistema principal. Para LÉVI-STRAUSS

(1989) a antropologia é uma espécie de semiologia por ocupar-se justamente da es-

crita dos povos, do alfabeto dos surdo-mudos, dos ritos simbólicos, dos sinais milita-

res, além de ocupar-se também dos sistemas de parentesco, das regras e rituais de

casamento, das regras de incesto, dos tabus e etc.

Para LÉVI-STRAUSS as ciências humanas serão tanto mais científicas quan-

to menos humanas forem o que expressa sinteticamente o pensamento estrutura-

lista, que se opunha ao humanismo então vigente. “Essa negação do homem, já do

ângulo morto do horizonte saussuriano, também vai passar a ser um elemento es-

sencial do paradigma estruturalista, para além do campo lingüístico” (DOSSE, 1993:

73).

Para LÉVI-STRAUSS a finalidade última das ciências humanas foi dissolver o

homem, diluindo-o na estruturalidade da linguagem. O estruturalismo pôs em xeque

a centralidade da subjetividade do homem ao propor um jogo combinatório para de-

finir a estrutura da linguagem humana. Caracterizou-se por dar uma nova direção às

ciências ditas humanas, que estavam impregnadas da filosofia humanista e não dis-

punham de formas objetivas de estudar o homem.

4 Roland Barthes inverte a importância da lingüística em relação à Semiologia, dizendo que todos os

códigos e comportamentos são perpassados pela linguagem, ou seja, "qualquer sistema semiológico, repassa-se de linguagem"(1992: 12).

15

É a partir destes estudos aritméticos caso se entenda por aritmético não apenas a ma-nipulação das coleções de objetos, mas também a compreensão do alcance destas ope-rações combinatórias, que vai além de qualquer espécie de dado que se poderia deduzir

experimentalmente da relação vital do sujeito com o mundo que Lévi- Strauss demons-tra haver uma classificação correta daquilo que as estruturas elementares do parentesco nos apresentam. Isto supõe que as instâncias simbólicas estejam funcionando na socie-dade desde a origem, desde o momento em que ela aparece como humana. Ora, é o que supõe igualmente o inconsciente tal como o descobrimos e manipulamos na análise (LACAN, 1985 :15?).

Ao excluir o locutor da fala – ou o sujeito do discurso –, a lingüística paga um

pesado tributo para ser aceita como disciplina científica. É neste ponto que intervém

a psicanálise ao privilegiar o lugar do sujeito do inconsciente na fala, no discurso,

mesmo pagando por isto, a certa altura, o preço de ter de declarar-se antiestrutura-

lista.

A subjetividade humana deixou de ser invocada a partir da análise de que o

sentido do discurso emerge da combinação de elementos, que, somente nesta con-

dição de combinados passam a significar algo, já que por trás do sentido aparente

há sempre um não sentido. O homem é construído pela estrutura da linguagem cujo

centro é apenas um lugar vazio, uma brecha aberta. Assim, não é o mundo enquan-

to experiência das coisas que ensina, mas a linguagem. A suposta interioridade do

homem é efeito literário, fala em forma de pensamentos, escrita “mental” que cria a

suposta ‘‘subjetividade’’ humana.

EDUARDO PRADO COELHO (1967), em seu prefácio à antologia Estrutura-

lismo, por ele organizada, onde reúne a nata dos estruturalistas – principais expoen-

tes no assunto –, nos fala do alto de sua visão panorâmica sobre as circunvoluções,

antagonismos e convergências deste movimento. Para ele, o estruturalismo não é

uma filosofia, mas traz implícitas várias filosofias, pois, em seu interior, a partir dos

atritos entre suas diferentes engrenagens um engenhoso motor o pôs em movimen-

to, carregando inúmeros conceitos. O estruturalismo perpassa a etnologia, a psica-

nálise, a lingüística, o materialismo histórico, a sociologia, etc. De certo modo in-

compatíveis, o que une estas Ciências ou “pseudociências” é a problemática comum

de que tratam.

16

Para LÉVI-STRAUSS, a estrutura nunca existe na realidade concreta, mas é ela que de-fine o sistema de relações e transformações possíveis dessa realidade. ...[é a] lei ou con-junto de leis que delimitam e determinam as modificações possíveis dos elementos do sistema. Neste caso, a estrutura é um sistema de relações, é a sintaxe das transforma-ções possíveis. (COELHO, 1967: XXV-XXVI).

Para COELHO (1967), LACAN e LÉVI-STRAUSS fundamentam o estrutura-

lismo em uma “razão natural” baseada na estrutura da linguagem. Letra e Lei inscre-

vem uma nova ordem que sobrepuja a natureza: a ordem simbólica. Assim, mencio-

na na instituição da estrutura edipiana, que ocorre no 3° momento do “Estádio do

espelho”, a introdução da ordem simbólica pelo Outro, pelo Pai, que se introduz en-

tre a criança e sua imagem especular, como elemento interditor da relação dual e

imaginária.

Por conseguinte, a sociedade tem uma origem simbólica. Proibindo o incesto, o pai ins-taura a Lei e a Lei é a ordem da linguagem que vai constituir o sujeito: daí a importância do nome como lugar onde cada um de nós se vai inserir e encontrar (COELHO, 1967: XLVII).

Conclui COELHO que a grande descoberta de FREUD “[...] É a descoberta

da incidência na natureza do homem das suas relações com a ordem simbólica” (p.

XLVIII) para articular com LACAN “E se a ordem simbólica é contituída pelo Outro (o

terceiro, o Pai, a Lei), compreendemos assim a fórmula central de Lacan incessan-

temente repetida: o inconsciente é o discurso do Outro” (p. XLVIII).

Se o discurso científico depende da eficácia dos conceitos que nele se produ-

zem, por sua vez o estruturalismo constrói uma ciência sem subjetividade. Isto mos-

tra que o homem é um efeito da estrutura e a ela se atém. Não há liberdade do ho-

mem, portanto, pois ele é aquilo que espelha do Outro – Campo dos significantes

para LACAN. A linguagem produz o homem, que é falado, é agido. “Ao mesmo tem-

po racional e irracional, o estruturalismo aponta para o estabelecimento do sistema

significante que determina a cultura na qual o homem se insere e a ‘natureza’ deste

próprio ‘homem’” (COELHO, 1967: XLVII).

COELHO (1967) ressalta que LACAN considera o inconsciente freudiano, tal

como LÉVI-STRAUSS considera as sociedades: um sistema simbólico.

Praticantes da função simbólica, é espantoso que nos esquivemos de aprofunda-la, a ponto de desconhecer que é ela que nos situa no cerne do movimento que instaura uma nova ordem das ciências, com um novo questionamento da antropologia (LACAN, 1957: 285).

17

Destaca na teoria do “Estádio do espelho” de LACAN (1936), estádio vivido

por um bebê de 06-18 meses, o modelo ideológico de reprodução do pensamento

dominante, constitutivo de um EU alienado ao Outro tomado como um espelho onde

a imagem egóica se projeta. Aquela imagem que é tomada para si, do Outro, é o

elemento de troca simbólica pelo qual este ser se torna humano, passando de uma

existência animal, à uma existência humana pela instauração da ordem simbólica,

“...e esta ordem simbólica é formalmente igual à ordem da linguagem” (Ibidem: XLIV-

XLV). Quanto às relações entre estrutura (sincronia) e história (diacronia), não afirma

que haja uma imobilidade da história na estrutura, nem propriamente uma oposição

entre elas:

[...] a estrutura é a sintaxe das transformações possíveis num determinado conjunto, de modo algum se poderá acusar o ‘estruturalismo’ de mutilar o dinamismo da realidade e de ser fixista. Pelo contrário, só uma análise estrutural nos permite ultrapassar uma aná-lise meramente empírica da sucessão dos fatos (Ibidem: XXXIII).

COELHO (1967) concluiu que a estrutura não é acessível ao conhecimento

empírico, até porque ela própria suscita esta inacessibilidade, e estruturalismo é um

anti-historicismo, pois seu estudo é acrônico. A estruturalidade da estrutura não tem

centro, pois ele é ausente, não sendo o estruturalismo nem uma psicologia nem uma

sociologia, opondo-se, pois a elas. O sistema de leis que regem as transformações

possíveis de um conjunto é o que se pode tomar como sendo a estruturalidade, po-

dendo essas transformações se realizarem ou no espaço, tendo em vista o método

sincrônico, ou no tempo, visando-se o método diacrônico. “A estruturalidade é, por

conseguinte, acrônica” (p.: XXXIII). Mas LÉVI-STRAUSS não despreza a história:

O fato de que as análises estruturais se situem voluntariamente no nível da sincronia, não significa que elas voltem as costas à história. Por toda a parte onde existe, a história não poderia ser ignorada, pois, por um lado multiplica, pela dimensão do tempo, a quan-tidade dos níveis sincrônicos disponíveis,e , por outro lado, pelo próprio fato de já se te-rem realizado, os níveis passados são postos fora do alcance das ilusões da subjetivida-de, e podem, em conseqüência, servir para controlar as incertezas da percepção intuitiva e as ilusões de uma fascinação recíproca que, por mais tentadora que seja, se arrisca sempre a engendrar a conivência às custas da verdade (LÉVI-STRAUSS, 1989: 282).

JAKOBSON em suas divergências com as teses saussurianas, adicionou o

termo funcional ao Sistema da língua de SAUSSURE, por conceber que a língua só

existe em funcionamento (DOSSE, 1993: 79-80). Outra dissidência do lingüista de

Praga refere-se ao que chamou de sincronia dinâmica, que pretende opor a visão

18

estática da estrutura encontrada no corte sincrônico da língua. Prefere, à cesura di-

cotômica diacronia/sincronia saussuriana, a sincronia enquanto dinâmica, fazendo

divergir sincrônico de estático.

Em primeiro lugar, o Círculo de Praga definiu a sua cooperação da língua como um sis-tema funcional. [...] Por outro lado, as teses de Praga também divergem do corte saussu-riano diacronia/sincronia, recusando-se a aceitar essa cesura como uma barreira in-transponível. Jakobson recusa por diversas vezes essa linha divisória e prefere-lhe a no-ção de sincronia dinâmica.... Mais do que um modelo lingüístico, o que vai constituir o núcleo racional do estruturalismo, o modelo dos modelos, é a fonologia estrutural (DOSSE, 1993: 80).

JAKOBSON considera o código fonemático binário como uma linguagem for-

mal matemática. É ele quem vai abrir espaço para a entrada da psicanálise no mo-

vimento estruturalista a partir do modelo fonológico de estrutura em seus estudos

sobre dois tipos de afasia: deficiência na seleção (distúrbio de similaridade) e defici-

ência de contexto (distúrbio de contigüidade). Num tipo, o distúrbio se dá no eixo

associativo; noutro, no sintagmático.

Com efeito, ele distingue nesse distúrbio da linguagem dois tipos de alteração que permi-tem reconstituir os mecanismos de aquisição da linguagem, portanto de suas leis pró-prias, e extrair ensinamentos clínicos sobre os dois tipos de disfunção (Ibidem: 81).

LACAN recebe as influências dos estudos fonológicos de JAKOBSON e rela-

cionará os distúrbios de contigüidade e de similaridade às noções freudianas de des-

locamento e de condensação, como formuladas na Interpretação dos sonhos, pas-

sando a explicar assim o modo de funcionamento do inconsciente, como veremos no

capítulo II. Para LACAN “a forma de matematização em que se inscreve a desco-

berta do fonema como função dos pares de oposição compostos pelos menores e-

lementos discriminativos captáveis da semântica”, acabaria por nos levar aos fun-

damentos da doutrina freudiana por apontar “numa conotação vocálica da presença

e da ausência, as origens subjetivas da função simbólica” (1953: 286). Para ele a

psicanálise deve se aparelhar tal como se aparelha a Antropologia “decifrando os

mitos segundo a sincronia dos mitemas”, pois para LACAN o terreno onde se assen-

ta as estruturas da linguagem é o terreno onde FREUD assenta o inconsciente.

Não é patente que um Lévi-Strauss, ao sugerir a implicação das estruturas da linguagem e da parte das leis sociais que rege a aliança e o parentesco, já vai conquistando o ter-reno mesmo em que Freud assenta o inconsciente? (LACAN, 1953: 286).

LÉVI-STRAUSS em seus trabalhos antropológicos estruturalistas uniu “as du-

as ciências faróis do grande período estruturalista: a antropologia e a psicanálise,

19

apoiando-se ambas numa outra ciência (ciência piloto), verdadeiro modelo heurísti-

co: a lingüística” (DOSSE, 1993: 49). Para ele o estruturalismo é a ciência do simbó-

lico e neste o código precede a mensagem, é independente dela, assim como para

LACAN o sujeito está submetido à lógica do significante, às suas leis, que sobre ele

se abate em forma de estrutura da linguagem.

A noção de estrutura merece por si mesma que nos detenhamos nela. Tal como a faze-mos funcionar eficazmente na análise, ela implica um certo número de coordenadas, e a própria noção de coordenada dela faz parte. A estrutura é em primeiro lugar um grupo de elementos formando um conjunto covariante.

Eu disse um conjunto, e não uma totalidade. Com efeito, a noção de estrutura é analíti-ca. A estrutura se estabelece sempre pela referência de algo que é coerente com algo diverso, que lhe é complementar. Mas a noção de totalidade só intervém se lidamos com uma relação fechada com um correspondente, de que a estrutura é solidária. Pode ha-ver, ao contrário, uma relação aberta, que chamaremos suplementaridade [...]

Penso que vocês já estão bastante avançados para compreender que a noção de estru-tura já é por si própria uma manifestação do significante. O pouco que acabo de indicar-lhes sobre sua dinâmica, sobre o que ela implica, dirige vocês em direção à noção de significante (LACAN, 1955-56: 209-210).

A lingüística, assim como ocupou o papel de vanguarda para a Antropologia

contemporânea e outras ciências humanas, para LACAN se pôs como um guia para

a psicanálise.

Mas, hoje em dia, vindo as ciências conjecturais resgatar a noção da ciência de sempre, elas nos obrigam a rever a classificação das ciências que herdamos do século XIX, num sentido que os espíritos mais lúcidos denotam claramente.

Basta acompanharmos a evolução concreta das disciplinas para nos apercebermos dis-so.

A lingüística pode servir-nos de guia neste ponto, já que é esse o papel que ela desem-penha na vanguarda da antropologia contemporânea, e não poderíamos ficar-lhe indife-rentes (LACAN, 1953: 285-286).

É inegável a participação de LACAN no movimento estruturalista, dentro do

qual desenvolveu suas originais idéias sobre a estrutura do inconsciente. Mas de

tudo que foi dito até então, podemos definir LACAN como um estruturalista? Este é o

pomo da discórdia para os lacanianos.

Por um lado, Lacan participa efetivamente do fenômeno estruturalista, visto que extrai sua noção de estrutura de Jakobson por intermédio de Lévi-Strauss, mas se dissocia de-le porque a estrutura dos estruturalistas “é coerente e completa, ao passo que a estrutu-ra lacaniana é antinômica e descompletada” [MILLER, Ornicar]. ... Diferentemente da es-trutura saussuriana, que se apresenta em oposição e se define pela completação entre significante e significado, o sujeito do inconsciente da estrutura lacaniana mantém-se fundamentalmente inacessível. Permanece cindido para sempre, além de toda possibili-dade de apreensão, ausência de ser, sempre em outro lugar (DOSSE, 1993: 146-7).

20

Podemos pensar com as conjecturas de MILLER (1988) que, ao traçar o per-

curso de LACAN pelos estudos da linguagem, definindo-o em três tempos, procurou

destacar o posicionamento lacaniano do estruturalismo:

Em um primeiro sentido, Lacan é estruturalista, e sua noção de estrutura lhe vem de Roman Jakobson, por intermédio de Claude Lévi-strauss, e também diretamente de seu trabalho com Jakobson que, efetivamente, pode ser situado entre seus mestres e seus amigos .

Em um segundo sentido, Lacan é estruturalista, mas um estruturalista radical, pois se ocupa da conjunção entre a estrutura e o sujeito, enquanto a própria questão não existe para os estruturalistas, fica reduzida, é um zero. Lacan, ao contrário, tentou elaborar qual é o estatuto do sujeito compatível com a idéia de estrutura .

Em um terceiro sentido, Lacan não é de modo algum estruturalista, pois a estrutura dos estruturalistas é uma estrutura coerente e completa (por princípio, a estrutura diacrítica é completa), enquanto a estrutura lacaniana é fundamentalmente antinômica e incompleta. Diria que o primeiro dos três aspectos é bem conhecido, e que os outros dois são muito menos conhecidos” ( MILLER, 1988: 24).

O posicionamento da teoria lacaniana é que a estrutura em jogo para a psica-

nálise é uma outra por LACAN edificada – embora inspirando-se na criação de

SAUSSURE – conforme reafirma COUTINHO JORGE (2000), de modo esclarece-

dor:

Lacan foi erroneamente considerado como um teórico estruturalista, pois o termo estrutu-ra, comparecente em sua assertiva “o inconsciente é estruturado como uma linguagem”, não deve ser tomado no sentido estruturalista, mas sim no sentido psicanalítico. Trata-se, na estrutura em jogo na lingüística, de uma estrutura de exclusão do sujeito, ao passo que, na psicanálise, de uma estrutura de inclusão do sujeito. Assim, tal asserti-va lacaniana deve ser compreendida à luz daquela outra que afirma que “o inconsciente é o discurso do Outro”, na qual se depreende, por um lado, a necessária referência à fa-la, ao discurso do sujeito, e, por outro lado, ao Outro enquanto lugar de absoluta alteri-dade dos significantes (p. 79).

A estrutura da linguagem para LACAN, não existe fora de seu funcionamento.

É na linguagem em funcionamento, ou seja, no discurso, que vamos encontrar o su-

jeito do inconsciente em ação, já que é no âmbito da fala que ele se apresenta.

21

I. 1. ESTRUTURA E FUNCIONAMENTO DA LINGUAGEM: a exclusão

do sujeito.

Portanto a língua aparece não como evolução, árvore genealógica, história, mas como estrutura, com leis e regras de funcionamento que se trata de descrever. A separação língua/fala, paradigma/ sintagma, sincronia/ diacro-nia... marca bem esta orientação da lingüística para a língua, para o para-digma e para a sincronia mais do que para a fala, para o sintagma e para a diacronia.

KRISTEVA, 1969: 252

Se antes do advento da lingüística saussuriana importavam as origens, as ra-

ízes e a história de uma língua – a diacronia – há uma mudança no paradigma, en-

tão vigente, ao definir-se e introduzir-se uma dimensão sincrônica da linguagem que

aponta um sistema (estrutura) presente na língua, importando não somente o antes

ou o depois histórico das palavras, mas também o elemento estrutural passível de

ser encontrado repetidamente em todos os segmentos da estrutura: "a cada instan-

te, a linguagem implica ao mesmo tempo um sistema estabelecido e uma evolução:

a cada instante, ela é um produto atual e produto do passado" ((1970/1ª ed. bras.:

16) nos diz SAUSSURE, numa autoria póstuma (1916) do Curso de Lingüística Ge-

ral. Duas são as vertentes de estudo que SAUSSURE estabelece, tornando-se obje-

to de estudo tanto a lingüística sincrônica, “que se ocupará das relações lógicas e

psicológicas que unem os termos coexistentes e que formam sistema, tais como são

percebidos pela consciência coletiva”, quanto a lingüística diacrônica que “estudará,

ao contrário, as relações que unem termos sucessivos não percebidos por uma

mesma consciência coletiva e que se substituem uns aos outros sem formar sistema

entre si.” (SAUSSURE, 1970/1ª ed. bras.: 116). A sincronia é um corte metodológico

com o qual visa-se observar o momento estrutural da língua para se saber como ela

se estrutura.

22

A lingüística saussuriana assumiu uma forma lógico-matemática ao voltar

seus esforços para o estudo da estrutura do sistema binário da língua, deixando ao

lado, para que dela se ocupasse a filosofia, a psicologia e também a psicanálise, a

questão da subjetividade a ela intrinsecamente relacionada.

Para estudo, SAUSSURE estabeleceu que a linguagem comporta duas sub-

divisões: o estudo da língua (langue), que em sua essência é social, e o estudo da

fala (parole), que é o uso individual, subjetivo, que é feito da língua "a parte individu-

al da linguagem" (1970/1ª ed. bras.: 27). Para SAUSSURE o objeto que viabilizou o

estudo lingüístico foi a língua, norma de todas as outras manifestações da lingua-

gem "suscetível duma definição autônoma" (1970/1ª ed. bras.: 17), pois a ela cabe

uma definição autônoma e livre das ambigüidades da linguagem, esta que, enquanto

objeto, pode sê-lo de várias ciências. A fala, concebida por ele como acessória à

língua, restringe-se ao uso subjetivo da língua. A fala é a articulação criativa da lín-

gua – em cujos entremeios e falhas discursivas a psicanálise vislumbrará a ação de

um sujeito.

MICHEL ARRIVÉ (1999), na primeira parte de Linguagem e psicanálise, Lin-

güística e Inconsciente, aponta que é um erro comum entre lingüistas afirmar que

SAUSSURE exclui da lingüística “tudo o que é utilização pelo ‘sujeito falante’ do có-

digo da língua”. Afirma que este erro não foi cometido por LACAN que reconheceu a

importância da fala na obra de SAUSSURE. Ressalta ele que dentro da hierarquia

proposta por SAUSSURE entre a língua – essencial – e a fala – acessória –,

SAUSSURE acabou por também desenvolver uma lingüística da fala: “Temos aqui,

claramente, a instauração da lingüística da enunciação, sob o nome de lingüística da

fala” (1970/1ª ed. bras.: 37). SAUSSURE, na verdade, incluiu a fala no campo da

lingüística como acessória à língua, dando reconhecimento de seu lugar, mesmo que

secundário, dentro destes estudos.

Através do circuito da fala entre duas pessoas A e B SAUSSURE nos mostra

a linguagem em funcionamento e a língua, nela presente e dela destacável:

23

Suponhamos que um dado conceito suscite no cérebro uma imagem acústica corres-pondente: é um fenômeno inteiramente psíquico, seguido, por sua vez, de um processo fisiológico: o cérebro transmite aos órgãos da fonação um impulso correlativo da ima-gem; depois as ondas sonoras se propagam da boca de A até o ouvido de B: processo puramente físico. Em seguida, o circuito se prolonga em B numa ordem inversa: do ouvi-do ao cérebro, transmissão fisiológica da imagem acústica; no cérebro, associação psí-quica dessa imagem com o conceito correspondente (1970/1ª ed. bras.: 19).

O sistema saussuriano é composto de dicotomias não-excludentes que mos-

tram um sistema da linguagem dual em que vige a diferença: língua-fala, sincronia-

diacronia, significante-significado, eixo associativo-eixo sintagmático. A principal di-

cotomia saussuriana é a que operacionaliza o funcionamento do signo: uma unidade

lingüística estrutural une um conceito a uma imagem acústica, um significado a um

significante, ambos termos psíquicos indissociáveis um do outro, compondo uma

totalidade sígnica com suas duas faces. O conceito vem a ser o significado e a ima-

gem acústica o significante. Superpõe o significado (o desenho de uma árvore) ao

significante (a palavra arbor) num algoritmo único que traduz para ele o signo lin-

güístico.

Para SAUSSURE os componentes do signo se associam de modo arbitrário,

pois não há nenhuma ligação implícita ou natural entre os sons de uma palavra e a

coisa a qual ela se refere, como por exemplo o objeto árvore e a palavra arbor. O

signo é uma convenção social arbitrária, e esta é uma das suas principais caracterís-

ticas. Distingue-se de símbolo já que este é semi-arbitrário, pois há uma vinculação

indireta e outra direta entre a coisa representada e seu símbolo representante, como

o objeto cruz, onde Cristo foi crucificado, e a palavra cruz e a cruz que vem a repre-

sentar o cristianismo.

O essencial da demonstração consiste em fundamentar o arbitrário do signo, em mostrar que a língua é um sistema de valores constituído não por conteúdos ou produtos de uma vivência mas por diferenças puras. Saussure oferece uma interpretação da língua que a coloca resolutamente do lado da abstração para melhor a separar do empirismo e das considerações psicologizantes (DOSSE, 1993: 65-6).

Os significantes têm natureza auditiva e formam uma cadeia linear, se suce-

dendo um após o outro no tempo. Temos aqui a segunda característica do signo lin-

güístico, além da arbitrariedade: a impressão psíquica do som é dada materialmente

pelo sentido da audição, um após o outro, em contraste um com o outro. Não há du-

alidade entre eles mas diferenciações com os que estão ao lado. Para SAUSSURE

(s.d.) na relação entre os termos lingüísticos que rege a cadeia sintagmática, ou se-

ja, no encadeamento entre os termos lingüísticos que organiza o sintagma, um termo

24

adquire seu valor ao opor-se ao que o precede, se diferenciando dele e dos que o

sucedem, e assim sucessivamente.

A noção de valor consiste então que a significação de uma palavra, depende

da relação que mantém com as outras palavras do sistema, não dependendo portan-

to da relação significante-significado. Assim, uma palavra só significa em contraposi-

ção a outra, o que não passou despercebido para LACAN em sua articulação com o

inconsciente na teoria freudiana, como veremos adiante.

A língua possui internamente relações e funções entre seus termos e sua

forma é produto da coerência sintática adicionada à coerência semântica. “Todo e-

lemento lingüístico [...] deve ser definido lingüisticamente apenas de acordo com su-

as relações (sintagmáticas e paradigmáticas) com os outros elementos ou por fun-

ção no sistema” (CARVALHO, 2000: 53).

A lingüística tem como objeto de estudo científico a linguagem verbal huma-

na, tomada a partir de então como um sistema de signos que expressam idéias,

composto de unidades que formam um sistema de linguagem. LACAN diverge do

ponto de vista saussuriano de que a língua é um sistema fechado, pois para ele a

língua só existe no discurso, o que a faz vulnerável ao seu uso pelo falante. Ressal-

temos, então de antemão as divergências com a teoria lingüística, que proporciona-

ram a LACAN formular a questão em seus próprios moldes, uma vez que

SAUSSURE (1970/1ª ed. bras.) procurou isolar o objeto língua das afetações do su-

jeito para, justamente, objetivar seu estudo. SAUSSURE (1970/1ª ed. bras.) encon-

tra a objetividade da língua no fato de ser ela um objeto de ordem coletiva, social.

Pelo funcionamento das faculdades receptiva e coordenativa, nos indivíduos falantes, é que se formam as marcas que chegam a ser sensivelmente as mesmas em todos. De que maneira se deve representar esse produto social para que a língua apareça perfei-tamente desembaraçada do restante? Se pudéssemos abarcar a totalidade das imagens verbais armazenadas em todos os indivíduos, atingiríamos o liame social que constitui a língua (SAUSSURE, 1970/1ª ed. bras.: 21).

LACAN em A instância da letra no inconsciente inverte a composição do signo

saussuriano (significado /significante), ressaltando a prevalência do significante so-

bre o significado (Significante /significado) (1957: 500), pois o significado desliza sob

o significante. Para ele “o significante, por sua natureza, sempre se antecipa ao sen-

tido, desdobrando como que adiante dele sua dimensão” (1957: 505). O significado

25

não é inerente ao significante enquanto conceito, já que o significante pode produzir

muitos outros sentidos. “Donde se pode dizer que é na cadeia significante que o

sentido insiste, mas que nenhum dos elementos da cadeia consiste na significação

de que ele é capaz nesse mesmo momento” (1957: 506). E mais adiante conclui

“Impõe-se , portanto, a noção de um deslizamento incessante do significado sob o

significante” como o esquema com as duas sinuosidades A e B que SAUSSURE

superpõe, ilustrando o plano das “idéias confusas (A) sôbre o plano não menos inde-

terminado dos sons (B)” (1970/1ª ed. bras.:131) – dois planos da língua.

Para LACAN, diferentemente do que para SAUSSURE, o significante não

forma com o significado uma unidade indissolúvel. Além de estarem invertidos, na

fórmula lacaniana, em relação à fórmula saussuriana, significante e significado pas-

sam a estar separados por uma espessa barra, pois, ao invés de formarem uma uni-

dade estrutural, encontram uma barreira resistente à significação. Os significantes

são independentes dos significados pois equivocam e evocam sentidos diversos,

quando articulados entre eles em cadeia o que indica que os sentidos, em detri-

mento do significado, surgem entre significantes, no intervalo destes.

A temática dessa ciência, por conseguinte, está efetivamente presa à posição primordial do significante e do significado, como ordens distintas e inicialmente separadas por uma barreira resistente à significação. Eis o que tornará possível um estudo exato das ligações próprias do significante e da amplitude da função destas na gênese do significado. .... Por esta via, as coisas não podem fazer mais que demonstrar que nenhuma significa-ção se sustenta a não ser pela remissão a uma outra significação... (LACAN, 1957: 500-501).

Isto quer dizer que, para LACAN, o significante não tem significado, mas a

significação é estabelecida nas relações “sintagmáticas” e “paradigmáticas” (asso-

ciativas para SAUSSURE) entre significantes. Uma vez os significantes organizados

num sintagma, encontraremos significação, sentido, produzido no discurso do falan-

te, onde para este mestre, a língua habita.

Por fim, o princípio da primazia do significante instaura na linguagem analisada uma sin-taxe que passa por cima do sentido linear da cadeia falada e liga unidades significantes localizadas em diversos morfemas do texto, seguindo uma lógica combinatória (KRISTEVA, 1969: 317).

26

Para LACAN a significação só se torna estanque no “ponto de basta”5 onde o

significante reconhece o significado como seu par, onde se amarram duas faces em

um só signo lingüístico, onde o desejo se estanca. É aqui que o significante faz sig-

no para alguém. “Existem pontos de basta, portanto, mas eles deixam uma certa

elasticidade nas ligações entre dois termos” (LACAN, 1957-58: 15).

LACAN vai à exaustão para dissecar o que seja o significante, pinçado por ele

em primazia sobre o significado: “Com efeito, o significante é primeiro aquilo que tem

efeito de significado, e importa não elidir que, entre os dois, há algo de barrado a

atravessar” (LACAN, 1972-73: 29). A fonologia jakobsoniana é o seu suporte:

Esta maneira de topologizar o que é da linguagem é ilustrada da maneira mais admirável pela fonologia, no que ela encarna o significante no fonema. Mas o significante não pode limitar-se de modo algum a esse suporte fonemático. De novo – o que é um significante? (LACAN, 1972-73: 29).

Neste caso, o significante é autônomo e destaca-se do significado no discur-

so, produzindo um sentido outro, diferente e independente do significado intencional

consciente. “Ligada a esta problemática da produção do sentido e do sujeito na lin-

guagem, a psicanálise promete uma outra: a do primado (sincrônico) do significante

sobre o significado” (KRISTEVA, 1969/1ª ed.: 316-317).

Para KRISTEVA pensar o significado separado do significante, desmembran-

do o signo, numa psicanálise, é o que permite dividir a linguagem em camadas, es-

cutando e apontando um discurso do inconsciente. A não correspondência entre os

significantes e os significados se dá por terem eles características próprias, sendo

desta inadequação que se origina a mudança constante da língua. A incompletude

do signo gera constantes tentativas de ajustar os significados aos significantes.

SAUSSURE estabeleceu duas esferas distintas da atividade mental em que

se desenvolvem as relações e as diferenças entre os termos lingüísticos: a esfera

associativa e a sintagmática – que compõem a totalidade das possibilidades de rela-

ções entre os termos lingüísticos.

5 LACAN fala em “pontos de basta”, como uma técnica do estofador, em que um tecido superficial se

prende a outro que lhe está subjacente, num ponto, deixando as duas camadas de tecido superpos-tas e praticamente soltas.

27

Dois modos de alinhamento permitem a intelegibilidade da combinatória interna da lín-gua: as relações de contigüidade, chamadas sintagmáticas, lineares, e as relações in absentia, a que Saussure chama relações associativas, e que serão retomadas mais tar-de na noção de paradigma (DOSSE, 1993: 71).

A língua é uma estrutura que pré-existe à fala, ao ato de fala, condição para

sua realização, e oferece as associações dos termos lingüísticos – num eixo vertical

da linguagem – que vão se organizar linearmente num sintagma – eixo horizontal.

Esta estrutura se organiza em ausência, na fala cotidiana.

De um lado, no discurso, os termos estabelecem entre si, em virtude de seu encadea-mento, relações baseadas no caráter linear da língua, que exclui a possibilidade de pro-nunciar dois elementos ao mesmo tempo. [...] Colocado num sintagma, um termo só ad-quire seu valor porque se opõe ao que o precede ou ao que o segue, ou ambos. Por outro lado, fora do discurso, as palavras que oferecem algo de comum se associam na memória e assim se formam grupos dentro dos quais imperam relações muito diver-sas (SAUSSURE, s.d.: 142-143).

O significante é de ordem material, reafirma LACAN (1957), e forma com ou-

tros uma cadeia de elementos diferenciais e opositivos. Para LACAN um significante

remete na verdade a um outro significante, que assim organizados num sintagma, se

diferenciam entre eles dos que o antecedem e o sucedem, tal como a definição de

sintagma de SAUSSURE, cujas relações sintagmáticas que se dão em termos de

encadeamento entre significantes.

O que essa estrutura da cadeia significante revela é a possibilidade que eu tenho, justa-mente na mediada em que sua língua me é comum com outros sujeitos, isto é, em que essa língua existe, de me servir dela para expressar algo completamente diferente do que ela diz (LACAN, 1957: 508).

Segundo COELHO (1967: XVIII), se para SAUSSURE cada elemento da lin-

guagem “define-se negativamente pelas diferenças que estabelece com todos os

outros elementos do sistema. Por conseguinte, numa mesma língua, apenas existem

diferenças”, conclui-se que não está implícita no termo lingüístico a relação com o

que ele deve designar, mas nas relações de diferença que este termo estabelece

com os que lhe antecedem ou sucedem.

[...] em qualquer sistema simbólico, o significante excede o significado: a linguagem (co-mo significante) é criada de uma só vez, mas tudo o que se pode dizer através da lin-guagem (significado) só ao longo da história se vai revelando e só poderá cessar com o fim da história” (COELHO, 1967: XXXVI).

Se então os termos valem pelas diferenças recíprocas entre eles, também o

significado se define a partir de uma relação de diferenças no interior do sistema;

28

como os fonemas [p] e [t], homem se define com relação à mulher por ser [-feminino]

e em relação a homem, cachorro se define por ser [+quadrúpede].

De acordo com a definição clássica, os fonemas são elementos desprovidos de significa-ção, mas que servem, em virtude de sua presença ou ausência, para diferenciar termos – as palavras – que possuem, eles mesmos, um sentido. Se estas palavras parecem ar-bitrárias quanto à sua forma sonora, não é somente por serem o produto grandemente aleatório (talvez, aliás, menos do que se crê) das combinações possíveis entre os fone-mas, que cada língua autoriza em número muito elevado. A contingência das formas verbais vem sobretudo do fato de que suas unidades constitutivas – os fonemas – são elas próprias indeterminadas sob a relação da significação: nada predestina certas com-binações sonoras a veicular tal ou qual sentido. Já tentamos demonstrar anteriormente que a estruturação do vocabulário se opera em outro nível: a posteriori e não a priori (LÉVI-STRAUSS, 1989: 149).

Cada termo lingüístico que é falado remete-nos a outros termos da língua,

numa associação de palavras pertencentes ao sistema da língua. Cada termo, por-

tanto, não se apresenta isolado de seu conjunto, o que projeta o liame social que

constitui a língua.

SAUSSURE estabelece, portanto, duas esferas distintas da atividade mental

em que se desenvolvem as relações e as diferenças entre os termos lingüísticos: a

esfera sintagmática e a associativa. A noção de sintagma se aplica não só às pala-

vras mas também a grupos delas, como as frases. A associação mental aproxima

os termos que apresentem algo comum, porém através de diversas formas de rela-

ções, entre sons, entre significados ou entre morfemas6. No mecanismo da língua,

encontramos então um conjunto de relações comparativas que estabelecem e presi-

dem o seu funcionamento. Concluindo com SAUSSURE as duas esferas distintas da

atividade mental em que se desenvolvem as diferenças e as relações entre os ter-

mos lingüísticos correspondem a dois eixos: o eixo horizontal – da esfera sintagmáti-

ca – em que os elementos são encadeados em linearidade, de modo a opor-se com

os que o antecedem e o sucedem, e o eixo vertical da esfera associativa – em que

os termos da linguagem7 se associam na memória, formando grupos.

Falar implica a seleção de certas entidades lingüísticas e sua combinação em unidades lingüísticas de mais alto grau de complexidade. Isto se evidencia imediatamente ao nível lexical: quem fala seleciona palavras e as combina em frases, de acôrdo com o sistema sintático da língua que utiliza; as frases, por sua vez, são combinadas em enunciados. Mas o que fala não é de modo algum um agente completamente livre na sua escolha de palavras: a seleção (exceto casos raros de efetivo neologismo) deve ser feita a partir do

6 Os morfemas são as menores unidades significativas das palavras.

7 Roland Barthes (1992) aproxima o plano associativo à língua (langue) e o plano sintagmático à fala (parole).

29

repertório lexical que êle próprio e o destinatário da mensagem possuem em comum (JAKOBSON, 1995: 37).

Para JAKOBSON (1995) então, dois são os modos de arranjo do signo lin-

güístico: a combinação e a seleção. A combinação dá o contexto ao signo, ligando-o

aos demais em um agrupamento. A seleção implica numa substituição na medida

que quando um significante é escolhido, ele o é entre termos alternativos, o que o

faz substituível por outro. Combinação e seleção são as duas operações efetuadas

pelos eixos sintagmático e associativo (paradigmático) da linguagem. “O destinatário

percebe que o enunciado dado (mensagem) é uma combinação de partes constituin-

tes (frase, palavras, fonemas etc.) selecionadas do repertório de tôdas as partes

constituintes possíveis (código)“ (JAKOBSON, 1995: 40). A partir desta reflexão,

prossegue ele estabelecendo a interligação entre contexto e substituição e a relação

lógica da contigüidade e da similaridade.

Os constituintes de um contexto têm um estatuto de contigüidade, enquanto num grupo de substituição os signos estão ligados entre si por diferentes graus de similaridade, que oscilam entre a equivalência dos sinônimos e o fundo comum (common core) dos antô-nimos (JAKOBSON, 1995: 40).

É a partir destes esclarecimentos que JAKOBSON vai distinguir dois tipos de

afasia, que veremos no próximo capítulo: distúrbio de combinação e distúrbio de se-

leção.

ARRIVÉ (1999) nos lembra que SAUSSURE une no signo “um conceito e

uma imagem acústica”, e não uma coisa e um nome. A “coisa” que SAUSSURE ex-

cluiu do signo, ao defini-lo, é o que os semioticistas chamam de referente, como

também o enfatiza DOSSE:

O signo lingüístico une não uma coisa ao seu nome, mas um conceito a uma imagem acústica num vínculo arbitrário que remete a realidade, o referente, para o exterior do campo do estudo a fim de definir a perspectiva, por definição restrita, do lingüista. O sig-no saussuriano só envolve, portanto, a relação entre significado (o conceito) e significan-te (imagem acústica), com exclusão do referente (1993: 70).

ARRIVÉ afirma que o breve esboço do que chamou de uma ”teoria da refe-

renciação” feita por SAUSSURE, ao descartar a coisa – quando critica a simplicida-

de inverídica da concepção da língua como nomenclatura que uniria um nome a

uma coisa – pertence justamente ao campo da fala. Recorrendo a EDOUARD

PICHON e a BENVENISTE, ARRIVÉ tece uma crítica a SAUSSURE, que, ao argu-

mentar sobre a arbitrariedade entre significado e significante, acaba por falar do sig-

30

no e do referente, pois recorreu à coisa, referida nas diversas línguas, para mostrar

que a palavra/som que a designa sempre varia, embora a coisa seja invariável. Se a

coisa havia sido posta de lado por SAUSSURE, ela aparece em seu texto de forma

contraditória. Com isto ele caiu despercebidamente na concepção da língua como

nomenclatura, que havia inicialmente rejeitado.

O fato de Saussure exemplificar a arbitrariedade do signo pelo recurso à diversidade das línguas suscitou críticas de Pichon e de Benveniste, na medida em que Saussure rein-troduz assim o problema do referente, do objeto, que havia sido descartado de saída na fórmula do signo (COUTINHO JORGE, 2000: 76).

ARRIVÉ pondera que embora o signo seja constituído de significante e signi-

ficado, faz falta que o significado tenha relação com o referente. “A mais ‘imanente’

das semânticas nunca consegue eliminar completamente o fato de que um referente

deve apresentar traços compatíveis com os do significado que o assume” (1999: 44).

LACAN (1957), se a princípio se equivoca, posteriormente também vai se filiar a esta

reflexão crítica.

Quando ele fala da diferença entre böf e o-k-s, refere-se sem querer ao fato de que es-ses dois termos se aplicam à mesma realidade. Aí está pois a coisa, expressamente ex-cluída, de início, da definição do signo, e que se introduz nela por uma desvio, instalando permanentemente a contradição (in PLG, 1, p.50) (BENVENISTE apud ARRIVÉ,1999: 43).

ARRIVÉ, a título de esclarecer alguns aspectos da leitura que LACAN fez do

CLG de SAUSSURE, destaca tudo que foi “importado” por LACAN de SAUSSURE.

ARRIVÉ explica que a arbitrariedade é intrínseca ao signo, entre suas duas faces.

“O signo é regido por dois ‘princípios’: a ‘arbitrariedade do signo’ e o ‘caráter linear

do significante’. Essas duas noções serão conservadas, em condições diferentes,

por Lacan” (ARRIVÉ, 1999: 41).

ARRIVÉ passa a discutir a segunda característica do signo: o caráter linear do

significante, que, segundo SAUSSURE, é representado em uma extensão e mensu-

rável como uma linha, com os significantes em sucessão. Na verdade, ao falar da

segunda característica do signo, SAUSSURE fala apenas do significante. Obrigaria

que ele falasse também do significado, se tratasse do signo. Mas é a ‘cadeia da fala’

é que é afetada pela linearidade, submetida ao tempo, por causa do caráter material

dos elementos fônicos que a constituem. “Vemos que a linearidade do significante

não é mais do que a submissão ao tempo dos ‘significantes acústicos’, também

chamados ‘elementos’” (1999:48). SAUSSURE também vai aplicar ou substituir o

caráter linear do significante pelo caráter linear da língua, sem cerimônia, como diz

31

ARRIVÉ, e aí insere o sintagma como um encadeamento linear, fundadas sobre o

caráter linear da língua. “É porque a linearidade atravessa os limites dos signos: o

encadeamento dos signos é tão linear quanto o dos significantes. Sendo a língua um

sistema de signos, torna-se possível falar da ‘linearidade da língua’” (ARRIVÉ, 1999:

50).

SAUSSURE escreveu sobre anagramas, do que só se teve acesso em 1964

através de JEAN STAROBINSKI, que os publicou parcialmente. A partir destas pu-

blicações, novo direcionamento foi dado às investigações sobre a linguagem através

de JULIA KRISTEVA e JAKOBSON, trazendo, segundo o historiador DOSSE, uma

segunda revolução saussuriana (1993: 72). É dentro desta segunda vertente que

retornará à tona o sujeito recalcado no CLG. Se, para obter um objeto científico - a

língua -, a lingüística excluiu o sujeito falante do seu horizonte, por esta segunda

vertente vemo-lo adentrar pela janela novamente depois de ter sido posto porta a

fora, por conta da racionalização científica a que se submeteu a Lingüística, ao des-

tacar como seu objeto a língua, dentro da linguagem. “A conseqüência disto é a eli-

minação do sujeito falante, do homem de fala” (DOSSE, 1993: 73).

SAUSSURE meditava e fazia anotações sobre os textos védicos e saturninos

da poesia sagrada da índia e de Roma e acabou por rascunhar uma teoria sobre

anagramas, ao tentar ver “se não haveria um nome próprio disseminado no interior

desses textos que fosse, ao mesmo tempo, o destinatário e o sentido fundamental

da mensagem” (DOSSE, 1993: 72). Chegou-se a dizer que havia aí um segundo

SAUSSURE, que buscava entender se havia “uma linguagem sob a linguagem, de

uma codificação consciente ou inconsciente das palavras sob as palavras, uma bus-

ca de estruturas latentes das quais não existe o menor traço no CLG” (DOSSE,

1993: 72).

ARRIVÉ cita que LACAN vê um ponto de interlocução possível entre FREUD

e SAUSSURE nos anagramas do último, que via nos versos saturninos “as mais es-

tranhas pontuações da escrita”. Nos seus anagramas, SAUSSURE observa a insis-

tência repetitiva das letras de uma palavra numa sentença. SAUSSURE suspeitava

do caráter, intencional ou não, dos elementos anagramatizados, como se a ele fal-

tasse o saber sobre o inconsciente freudiano. ARRIVÉ ressalta a também linearida-

de, ou consecutividade, com que as letras insistentes aparecem. Vemos aí funcionar

32

uma outra lógica em ação que a dos princípios da língua, superando as regras do

funcionamento linear do significante. Neste sentido, esclarece LACAN:

Não há cadeia significante, com efeito, que não sustente, como que apenso na pontua-ção de cada uma de suas unidades, tudo o que se articula de contextos atestados na vertical, por assim dizer, desse ponto (1957: 507).

Se LACAN, a princípio, reconheceu a origem saussuriana da teoria do signifi-

cante, como sabemos por ARRIVÉ: “Limito-me, aqui, a observar que Lacan reivindi-

ca plenamente o modelo saussuriano como epônimo e étimo do seu próprio ‘algorit-

mo’” (1999: 77), posteriormente ele deu vida própria à sua concepção por uma lógica

do significante.

Falar do inconsciente é, indissoluvelmente, falar da linguagem, por exemplo sob o aspec-to do lapso, ‘quando realmente se diz alguma coisa pela palavra que falta’. Afirmando a cisão do sujeito – que nunca é aquele que sabe o que diz, supondo-se que se possa sa-ber o que se diz – Freud apenas ‘antecipa’ (e, cronologicamente, se aceitarmos o seu ponto de vista, Lacan não está inteiramente errado) a divisão fundadora, sobre o ‘corte inaugural’, marcado pela ‘barra’ que separa o significante do significado “ (ARRIVÉ, 1999: 79).

ARRIVÉ ressalta a correspondência estabelecida por LACAN entre os concei-

tos lingüísticos e do inconsciente freudiano, como por exemplo a sincronia do signifi-

cante, que corresponderia à simultaneidade/ contemporaneidade das marcações

psíquicas freudianas, já que, ressalta ainda, para LACAN a sincronia só afetaria o

significante. LACAN correlaciona ainda o significante ao Vorstellungsrepräsentanz8,

que é o “significante binário”, recalcado primordial, ponto central de atração que tor-

na possível todos os outros recalques.

A divergência entre o algoritmo do signo saussuriano – união indissolúvel en-

tre significante e significado – para o lacaniano centra-se em que, para LACAN “o

signo representa alguma coisa para alguém”, numa alusão à formulação teórica do

signo na Semiótica do filósofo e lógico CHARLES SANDERS PIERCE. Como nos

explica KRISTEVA na teoria de Pierce “o signo é uma relação triádica que se esta-

belece entre um objecto, o seu representante e o interpretante” (1969/1ª ed.: 25).

Para SAUSSURE, o signo porta uma relação dual, dicotômica, embora não

excludente. Com isto SAUSSURE despreza a coisa e mantém-se estritamente entre

a imagem acústica e o conceito da coisa.

8 Representante representativo.

33

O signo ou ‘representamen’, diz Pierce, é aquilo que substitui qualquer coisa para al-guém. O signo dirige-se a alguém e evoca para ele um objecto ou um facto na ausência desse objecto e desse facto. Por isso dizemos que o signo significa ‘in absentia’ (KRISTEVA, 1969: 23).

LACAN considera que o significado desliza sob o significante por haver uma

barra refratária à união entre eles. “A relação do significante e do significado está

longe de ser, como se diz na teoria dos conjuntos, biunívoca”. A coisa não é o signi-

ficado, a coisa chamada de referente por LACAN, é representada na fala, de modo

falho, pelo significado. Mas é preciso, como reconhece LACAN, que “aqui e ali, o

significante ‘se amarre’ ao significado. É isso que opera o ‘ponto de basta’”(ARRIVÉ,

1999: 89), onde se amarram periodicamente significante e significado.

Para LACAN (1972-1973) a suposta arbitrariedade do signo saussuriano se

deslinda nesta crítica, que denuncia uma expectativa de referência ao real:

[...] Ora, o que passa por arbitrário é que os efeitos de significado têm o ar de nada terem a ver com o que os causa. Só que, se eles têm o ar de nada terem a ver com o que os causa, é porque a gente es-pera que aquilo que os causa tenha certa relação com o real (p. 30-31).

A crítica lacaniana sobre a exclusão do referente, na relação entre significante

e significado, pesa sobre SAUSSURE, como um deslize por ele praticado. “Dizer que

o significante é arbitrário não é do mesmo porte que dizer simplesmente que ele não

tem relação com seu efeito de significado, pois é escorregar para uma outra referên-

cia” (LACAN, 1972-73: 43). Observe-se que, aqui, para LACAN, é o significante, e

não o signo – como originalmente caracterizado por SAUSSURE –, que é tomado

como arbitrário. Para ele a referência do significante, encontra-se no funcionamento

da linguagem, no discurso portanto:

A palavra referência, na ocasião, só se pode situar pelo que constitui como liame o dis-curso. O significante como tal não se refere a nada, a não ser que se refira a um discur-so, quer dizer, a um modo de funcionamento, a uma utilização da linguagem como liame (LACAN, 1972-73: 43).

O que é o significante para LACAN? “O significante, eu disse, se caracteriza

por representar um sujeito para outro significante. Do que é que se trata no signo?”

Para responder ao que é o significante ele recorre à contestação do que seja um

signo, tal como considerado na teoria lingüística: “O signo não é portanto signo de

alguma coisa, mas de um efeito que é aquilo que se supõe, enquanto tal, de um fun-

cionamento do significante” (LACAN, 1972-1973: 68). Se o significante participa e

34

edifica a estrutura, um sistema simbólico, resta sempre algo de inassimilável ao sig-

nificante, que está na esfera do real: o sujeito.

O simbólico dá uma forma na qual se insere o sujeito no nível do seu ser. É a partir do significante que o sujeito se reconhece como sendo isto ou aquilo. A cadeia dos signifi-cantes tem um valor explicativo fundamental, e a própria noção de causalidade não é ou-tra coisa [...]. Há com efeito, algo de radicalmente inassimilável ao significante. É simplesmente, a e-xistência singular do sujeito (LACAN, 1955-1956:205).

O significante, recalcado que é, assimilado à enunciação, circula num sentido

inverso ao discurso do enunciado. O significante é “o Erinnerungssymbol, símbolo

mnêmico, do qual sabemos como ele se enraíza na materialidade do corpo”

(ARRIVÉ, 1999: 91). Para SAUSSURE os significantes são feitos de nada, só defi-

níveis pela diferença e oposição entre eles, como comenta ARRIVÉ, que também

afirma que “pode parecer que os significantes lacanianos, de modo geral, corres-

pondem a palavras“(1999: 93), e serem trabalhadas de modo inconsciente.

Os significantes transportam o sujeito na cadeia que constituem, pois “O su-

jeito não é jamais senão pontual e evanescente, pois ele só é sujeito por um signifi-

cante, e para um outro significante” (LACAN, 1972-1973: 195). O sujeito é represen-

tado pelo significante para um outro significante, que quer dizer que o significante “é

signo de um sujeito”, o que não cabe de forma alguma na formulação saussuriana

de significante. É preciso buscar o referente de PIERCE para explicá-la. Tentar fazer

a exegese da formulação lacaniana sobre o significante somente dentro da teoria

saussuriana torna-se impossível portanto.

Assim se explica um fato aparentemente curioso: cada vez que tem que definir conceitu-almente o significante, Lacan age de boa vontade, repetindo, com algumas variantes de expressão, a definição que instaura a relação entre o significante e o sujeito (ARRIVÉ, 1999: 79).

LACAN “neutraliza” a oposição entre fonema e palavra, tomando-os ambos

como significantes. E acaba por relacionar a noção de significante com a de estrutu-

ra : “a noção de estrutura já é por si própria uma manifestação do significante. ... In-

teressar-se pela estrutura é não poder negligenciar o significante. ... a noção de es-

trutura e a do significante aparecem inseparáveis” (1955-56: 210). Os significantes

se articulam em cadeia, são encadeados num sintagma, e assim se encontram na

estrutura inconsciente.

35

I. 2. PÓS-ESTRUTURALISMO: a morte do sujeito

Se estas disposições viessem a desaparecer tal como apareceram, se [...] se desvanecessem, como aconteceu, na curva do século XVII, com o solo do pensamento clássico – então se pode apostar que o homem se desva-neceria, como na orla do mar, um rosto de areia.

FOUCAULT, 2000: 536

O pós-estruturalismo ou neo-estruturalismo, como preferem alguns, é um mo-

do de filosofar interdisciplinar, que surgiu baseado na crítica de filósofos “nietzsche-

anos” como DELEUZE, DERRIDA, FOUCAULT, HEIDEGGER, entre alguns aspec-

tos, pelo fato de o estruturalismo privilegiar a razão, colocando-a no centro de tudo,

resvalando com isto na crença cartesiana de que a consciência humana deve ser

tomada como parâmetro central de todas as coisas. Daí para DEUS é um passo,

como nos mostrava a tradição cartesiana. Com esta crítica, acaba por sepultar este

sujeito cartesiano, consciente e racional, que fora excluído da estrutura da lingua-

gem.

Assim o movimento estruturalista renovou-se, no decorrer das últimas déca-

das do século XX, ao sofrer muitas transformações que fizeram dele um neo-

estruturalismo, fundamentando e dando emprego ao primeiro. Possui a mesma

compreensão teórica geral da linguagem e da cultura como sistemas lingüísticos e

simbólicos em que se privilegiam as relações entre seus elementos, e baseia-se na

diferença entre eles. Os sistemas simbólicos também são analisados como códigos

semióticos: a moda, a escola, a sala de aula, a cidade, a culinária, etc. Os pós-

estruturalistas criaram formas de análise de textos e de artefatos históricos e cultu-

rais, também vistos como textos, altamente inovadoras e sofisticadas.

LÉVI-STRAUSS, LACAN, ALTHUSSER, GREIMAS, BARTHES, principais ex-

poentes estruturalistas, em diversos domínios das ciências humanas fizeram do es-

36

truturalismo “um poderoso e globalizante referencial teórico para a análise semiótica

e lingüística da sociedade, da economia e da cultura, vistas agora como sistemas de

significação” (PETERS, 2000:10). Porém emerge de dentro do próprio estruturalismo

uma resposta filosófica ao modelo estrutural, acusado de manter o criticado pensa-

mento metafísico, que pretendeu combater, de modo subjacente a este movimento

pretensamente científico, que prometera integrar as ciências ditas humanas com seu

mega-paradigma lingüístico, baseando-se principalmente na obra de NIETZSCHE

para tal. O pós-estruturalismo valorizou as leituras estruturalistas de FREUD e

MARX: Se FREUD enfatizava o desejo e MARX o poder, NIETZSCHE congregava

ambos com sua noção de “vontade de potência”.

Segundo nos diz COELHO (1967), para ALTHUSSER passamos com MARX

e FREUD de uma causalidade cartesiana causa-efeito, para uma causalidade estru-

tural. À estrutura freudo-marxista “corresponde a causalidade como eficácia de uma

estrutura ausente”, que por sua vez contrapõe-se à estrutura hegeliana cuja causali-

dade torna-se presente em seus elementos como efeito da estrutura. A estrutura

freudo-marxista “atua como ausência no próprio interior apenas pelos seus efeitos”,

pois sua forma de presença é a ausência.

Até mesmo a “virada lingüística” que a filosofia sofreu, foi influenciada pela

tradição estruturalista – originária do formalismo europeu. O conhecimento, que an-

tes era encarado como representação da natureza, como se fosse um espelho onde

a representação mental espelharia a essência dos objetos, na virada lingüística da

filosofia passou a ser apenas uma convenção lingüística.

O pós-estruturalismo é uma reação e fuga do pensamento hegeliano, uma ce-

lebração ao “jogo da diferença” contra o “trabalho da dialética” (PETERS, 2000)

este considerado por DELEUZE como uma reflexão sobre a diferença como uma

negação, uma imagem invertida. HEIDEGGER e outros pós-estruturalistas fizeram

suas críticas sobre a metafísica da “estruturalidade” da estrutura, e conservaram a

crítica ao sujeito humanista empreendida pelo estruturalismo – que, renovado em

seu fôlego novo e sendo considerado como a base mais verdadeira do próprio estru-

turalismo, vem influenciando várias áreas do conhecimento humano.

37

HEIDEGGER (1979) faz uma genealogia do termo sujeito, subjectum, para

demonstrar as torções e distorções que sofreu desde a antiguidade, para chegar à

concepção cartesiana que é a vigente na era moderna. Conforme nos diz em “A é-

poca da concepção de mundo” : “Esta palavra designa o que jaz diante, que, en-

quanto fundo, reúne tudo sobre si. [...] Até Descartes, e ainda em Descartes, sujeito

é a denominação banal para todo ente enquanto tal, subjectum (hypo-keímenon) o

que jaz aí-diante [...]". Por fim acaba por concluir que este sujeito deu existência ao

mundo enquanto concebido, enquanto concepção das coisas que não são mais o

que são, mas aquilo que delas é concebido. Denuncia assim toda uma construção

de um pensamento racionalista, de bases cartesianas, que tomou conta de nossos

pensamentos e ações a partir da era moderna.

DERRIDA (1995) vem fazer sua crítica ao estruturalismo, tomando os estudos

etnológicos de LÉVI-STRAUSS como um estudo de caso, em que mostra que a

pesquisa antropológica por ele realizada sobre organização de povos primitivos pela

linguagem oral é logocêntrica – centrada na razão.

Ora, a Etnologia – como toda ciência – surge no elemento do discurso. E é em primeiro lugar uma ciência européia, utilizando, embora defendendo-se contra eles, os conceitos da tradição ... este [etnólogo] acolhe no seu discurso as premissas do etnocentrismo no próprio momento em que o denuncia (DERRIDA, 1995: 237).

DERRIDA com sua desconstrução do pensamento logocêntrico criticou as hi-

erarquias inerentes ao pensamento binário, uma “economia do valor que opera pela

subordinação de um dos termos da oposição binária ao outro” (PETERS, 2000: 32).

Questionou e contestou o pensamento ocidental considerando-o logocêntrico porque

subordina a escritura à fala. Assim, escritura é considerada uma tecnologia em rela-

ção à fala, linguagem oral considerada mais emocional e mais próxima afetivamente.

A linguagem escrita, sob o ponto de vista logocêntrico, está deste modo relacionada

ao logos, à razão.

Do mesmo modo que há uma teologia negativa, há uma ateologia negativa. Cúmplice, diz ainda a ausência do centro quando seria já necessário afirmar o jogo. Mas o desejo do centro não será, como função do próprio jogo, indestrutível? E na repetição ou no re-gresso do jogo, como é que o fantasma do centro não nos apelaria? É que é infinita a hesitação entre a escritura como descentramento e a escritura como afirmação do jogo. Pertence ao jogo e liga-o à morte. Produz-se num ‘quem sabe?’ sem sujeito nem saber (DERRIDA, 1995: 77-78).

38

DERRIDA fez uma desconstrução do pensamento estruturalista fundamen-

tando-se no signo lingüístico (na diferença entre os termos lingüísticos) e na noção

freudiana de traços mnemônicos do inconsciente. Contrapõe-se ao logocentrismo

propondo que, anteriormente à linguagem falada teria surgido uma escrita, a que

deu o nome de escritura, que antes de ser da ordem do racional seria da ordem do

sensível, fundamentado-se nas teorias freudianas sobre o inconsciente, em que os

traços mnemônicos estariam marcados como pequenos cortes, associados entre

eles e registrados no inconsciente – traços diferenciados entre eles dos que os ante-

cedem e sucedem, como é a diferença entre os sucessivos significantes contíguos

num sintagma. Para DERRIDA a escritura é uma estrutura “anterior” ao surgimento

da linguagem oral e à escrita propriamente dita, feita pelo traço e pela diferença.

O texto inconsciente já está tecido de traços puros, de diferenças em que se unem o sentido e a força, texto em parte alguma presente, constituído por arquivos que são sempre já transcrições. Estampas originárias. Tudo começa pela reprodução (DERRIDA, 1995: 200).

DERRIDA inverte, portanto, a relação de ordem e de importância entre a fala

e a escrita, atribuindo ao pensamento logocêntrico ocidental, ideologicamente favo-

rável ao pensamento racional, a determinação histórica da origem da linguagem co-

mo sendo oral. Escritura que aliás – não poderia nos escapar – tem homofonia com

estrutura, podendo ser interpretada como uma escrita mental da ordem do sensível,

e não do intelegível, que precede no tempo e no espaço a possibilidade de desen-

volvimento da linguagem oral e escrita. Se para a visão estruturalista, a estruturali-

dade está nos modelos abstraídos da realidade como uma aproximação representa-

da do real, para o pós-estruturalista DERRIDA a estrutura manifesta uma estruturali-

dade descentrada.

LACAN (1972-1973) fundou uma articulação do discurso analítico com letras,

barras e traços, quais sejam, o a, a que chamou de objeto, o A, com o que designa o

Outro, o lugar do Outro, S, que é o sujeito e o S(/A), pondo em jogo um certo número

da signos lógicos para matematizá-lo, numa aproximação do discurso ao real. Com

isto designa a função de lugar no discurso. Para ele a “escrita é parte de um lembre-

te inicial, de que o discurso analítico é esse modo novo de relação, fundado apenas

pelo que funciona como fala, e isto, em algo que podemos definir como um campo”

39

(p. 40-41). E assim prossegue em busca de saber o que no discurso é produzido

como efeito da escrita.

Para LACAN (1972-1973) a lingüística não só distinguiu o significante do sig-

nificado, mas também que “o significado não tem nada a ver com os ouvidos, mas

somente com a leitura, com a leitura do que se ouve de significante” (p.47), já que o

significado é um efeito do significante – e este sim é aquilo que se ouve. Daí que o

efeito produzido é efeito do discurso, pois um escrito:

[...] é, ele próprio, efeito do discurso, de um discurso científico, seja, a escrita do S, feita para conotar o lugar do significante, e do s com que se conota o lugar do significado – esta função de lugar só é criada pelo próprio discurso. Cada um em seu lugar, isto só funciona dentro do discurso. Muito bem, entre os dois, S e s, há uma barra, S/s (LACAN, 1972-1973:47).

LACAN (1972-1973) afirma que o escrito não é para ser compreendido, pois

ele só é possível porque é produção resultante da barreira entre o significante e o

significado. Os significantes passam sobre o significado, acima da barra, de modo

que é o significante que injeta-se sobre o significado. “A letra, radicalmente, é efeito

de discurso” (p.50).

OLANDINA CRUZ PACHECO nos fala sobre a ascensão, crise e recuperação

do sujeito em Sujeito e Singularidade:

E assim podemos verificar que, depois de tomada como organizadora central do período moderno da filosofia (quando o homem se torna sujeito e o mundo objeto), a categoria de sujeito vem contemporaneamente sofrendo uma desconstrução. Esta destituição sub-jetiva é uma tendência da filosofia atual a não se submeter às clássicas distinções sujei-to/objeto, na afirmação de que só há processos, produção de verdades, com a repetição do eterno diferente (1996: 82).

As leituras de FOUCAULT sobre “a vontade de potência” de NITZSCHE esti-

mularam-no a construir uma genealogia que resiste à busca por origens e essências,

mas concentra-se nas proveniências e emergências do fato pesquisado. Este autor

foi um dos arautos da morte do sujeito ao fazer uma arqueologia do homem enquan-

to seu duplo. “O homem é uma invenção cuja recente data a arqueologia de nosso

pensamento mostra facilmente. E talvez o fim próximo” (FOUCAULT, 2000: 536).

Antes do fim do século XVIII, o homem não existia. Não mais que a potência da vida, a fecundidade do trabalho ou a espessura histórica da linguagem. É uma criatura muito re-cente que a demiurgia do saber fabricou com suas mãos há menos de 200 anos (FOUCAULT 2000: 425).

40

Neste sentido, FOUCAULT considera que a psicanálise e a etnologia ocupam

um lugar privilegiado dentro do estruturalismo por terem realizado o projeto de serem

científicas. FOUCAULT descreve que, através da reduplicação das coisas pela idéia

de representação do mundo, criou-se por conseqüência a idéia de representação do

próprio homem.

Com efeito, pelo poder que tem de se reduplicar (na imaginação e na lembrança, e na atenção múltipla que compara), a cadeia das representações pode reencontrar, por sob a desordem da terra, a superfície sem ruptura dos seres; [...]; o homem pode então fazer entrar o mundo na soberania de um discurso que tem o poder de representar sua repre-sentação (FOUCAULT, 2000: 425).

FOUCAULT, com sua genealogia nietzscheana em busca da emergência da

construção do sujeito, HEIDEGGER, denunciando o racionalismo inerente à concep-

ção de sujeito ao desmontar a categoria de sujeito desde a Antigüidade, DERRIDA,

com sua noção de escritura enquanto ausência de subjetividade, são filósofos que

pensaram o fim da metafísica através da desconstrução do sujeito da consciência.

[...] e quando tenta definir sua essência de sujeito falante, aquém de toda língua efetiva-mente constituída, jamais encontra senão a possibilidade da linguagem já desdobrada, e não o balbucio, a primeira palavra a partir da qual todas as línguas e a própria linguagem se tornaram possíveis. É sempre sobre um fundo já começado que o homem pode pen-sar o que para ele vale como origem (FOUCAULT, 2000: 456).

Ao ser retomada a oposição língua/fala, foi considerada como distinção entre

o construído e o dado, uma oposição “entre um sistema lingüístico abstrato, do qual

o sujeito foi suprimido, e a atividade da fala, entre um código objetivo e a utilização

desse código pelos sujeitos” (DOSSE, 1993: 73).

O sujeito racionalista, então banido do cenário científico, abandonado ao léu,

acaba sendo extinto dentro do pós-estruturalismo.

Mas para toda a corrente saussuriana dos anos 60, a confusão entre esses dois níveis [...] será maciçamente retomada e produzirá temas da morte do homem, do anti-humanismo teórico. Levará ao seu paroxismo a esperança científica, finalmente desem-baraçada do sujeito da enunciação (DOSSE, 1993: 73).

Os pós-estruturalistas, tal como os estruturalistas, concebem o sujeito então,

em outros termos: relacionais, “como um elemento governado por estruturas e sis-

temas” (PETERS, 2000: 31). Enfatizam assim a oposição à noção do sujeito huma-

nista como origem e fonte do pensamento e da ação. Os pós-estruturalistas, segui-

dores de NIETZSCHE, assim descrevem o sujeito:

41

[...] em toda sua complexidade histórica e cultural – um sujeito ‘descentrado’ e depen-dente do sistema lingüístico, um sujeito discursivamente constituído e posicionado na in-terseção entre as forças libidinais e as práticas socioculturais. O sujeito, outra vez sob a influência de NIETZSCHE, é visto, em termos concretos, como corporificado e generifi-cado, um ser temporal que chega, fisiologicamente falando, à vida e enfrenta a morte e extinção como corpo, mas que é, entretanto, infinitamente maleável e flexível, estando submetido às práticas e estratégias de normalização que caracterizam as instituições modernas (PETERS, 2000: 33).

Mas uma nova filosofia pretende dar novo sopro de vida a um outro sujeito,

concebendo-o de modo próximo ao que o concebe a psicanálise: um sujeito, que

não é, nem existe, e que desaparece entre dois termos.

Para chegar ao sujeito final da psicanálise, ambos, Freud e Lacan, em percursos simila-res de certo modo, passaram do sujeito da representação para um sujeito da pulsão dessubjetivado, que demanda uma reconstrução encampando o novo surgido (PACHECO, 1996: 83).

O estruturalismo e o pós-estruturalismo devem muito à FREUD, que abalou a

racionalidade dominante – o inconsciente está presente tanto num quanto noutro –

tanto quanto a visão das “forças sócio-históricas subjacentes que constrangem e

governam o nosso comportamento. ... Grande parte da ênfase pós-estruturalista no

desejo, no corpo e na sexualidade deve-se à influência de FREUD” (PETERS, 2000:

37).

42

I. 3. A LINGUAGEM NO DISCURSO: a inclusão do sujeito do in-

consciente.

O inconsciente é a parte do discurso concreto, como transindividual, que fal-ta à disposição do sujeito para restabelecer a continuidade de seu discurso consciente.

LACAN, 1953: 260

Como pudemos observar nos sub-capítulos precedentes, as teorias estrutura-

listas excluem o sujeito e não explicam fenômeno da singularidade humana, inerente

à linguagem em seu uso discursivo, e é neste sentido que interveio LACAN. O sujei-

to do inconsciente comparece na cadeia de significantes através do discurso do Ou-

tro, que o perpassa. E o sujeito lacaniano é dividido, inconsciente e comparece na

cadeia de significantes, como efeito dela, através do discurso do Outro. Algumas

décadas depois, já no século XXI, sabemos que as teorias da linguagem atualmente

se voltam para tentar a inclusão de um sujeito na linguagem, sob a influência de

LACAN e lacanianos.

Se observamos diferenças entre a prática da linguagem que serve a comunicação e, di-gamos, a do sonho ou de um processo inconsciente ou pré-consciente, a ciência de hoje tenta, não excluir estes fenômenos ‘particulares’ da linguagem, mas pelo contrário alar-gar a noção de linguagem permitindo que englobe aquilo que à primeira vista parece es-capar-lhe (KRISTEVA, 1969/1ª ed.: 18).

Em reação à “crueldade” (COELHO, 1967) do estruturalismo em extirpar o

homem do cenário “humano”, há uma nova onda de tentativas de incorporar o sujei-

to na reformulação dos estudos da linguagem através da participação fundamental

de LACAN. Ao discorrer sobre o sujeito dentro da perspectiva estruturalista,

COELHO (1967) ressalta que, para LACAN, o sujeito é excêntrico de si mesmo. “O

homem não está no centro de si mesmo, porque o eixo dos significantes e o eixo dos

significados não coincidem” (p. XLIX).

43

Se o estruturalismo expurgava o sujeito da estrutura da língua, LACAN traba-

lhou no sentido de integrá-lo, apontando sua presença nos equívocos e produção de

sentidos da linguagem. Para a psicanálise é impossível abstrair a linguagem de seu

uso, ou seja, a linguagem “não existe fora do discurso de um sujeito” (LACAN, 1957)

– ao contrário do que faz a lingüística estruturalista, que tenta isolá-la de seu uso

contaminador para estudá-la em seu estado, pretensamente, puro.

[...] a teoria lacaniana faz do estudo do inconsciente uma ciência, porque lhe prescreve as bases cientificamente abordáveis de um discurso, através da fórmula já célebre: ’o in-consciente do sujeito é o discurso do outro’ (grifo nosso) [...]

Na estrutura do acto discursivo assim esboçada, o sujeito falante serve-se da língua para nela construir a sintaxe ou a lógica do seu discurso: uma língua (subjectiva, pessoal) dentro da língua (estrutura social neutra) (KRISTEVA, 1969: 308).

A psicanálise dentro dos estudos da linguagem ocupa-se da produção do sen-

tido e do sujeito – que não existem, pois não se substancializam onticamente, mas

são produzidos no trabalho discursivo – e “atravessa a superfície do discurso enun-

ciado e engendra na enunciação [...] um certo sentido com um certo sujeito”

(KRISTEVA, 1969: 316). Para LACAN o sujeito acontece no discurso, só é produzido

no sentido, que surge no encadeamento significante. E o sentido não está no enun-

ciado, mas na enunciação do discurso do sujeito falante.

O termo discurso designa de um modo rigoroso, e sem ambigüidade, a manifestação da língua na comunicação viva. Precisado por Émile Benveniste, opõe-se ao termo língua, que recobre doravante a linguagem enquanto conjunto de signos formais, estratificado em escalões sucessivos, que formam sistemas e estruturas. O discurso implica primeiro a participação do sujeito na sua linguagem através da fala do indivíduo. Utilizando a es-trutura anônima da língua, o sujeito forma-se no discurso que comunica ao outro (KRISTEVA, 1969: 23).

A significação das palavras acaba por ser indeterminada, pois só é determi-

nada no contexto do uso da linguagem, entre significantes, onde se situa um sujeito

da enunciação. O discurso funciona em duas dimensões: a horizontal, que corres-

ponde à linearidade do discurso, e a vertical, em que caem no discurso outros senti-

dos, outros discursos – discurso de um Outro. O inconsciente é o que falta ao dis-

curso consciente para que seja contínuo, e o sujeito do inconsciente comparece na

descontinuidade deste discurso do plano consciente (LACAN). O inconsciente é o

lugar do que é estranho à consciência, de onde emana o discurso do Outro, universo

dos significantes ao qual o sujeito está alienado. A palavra é presença em ausência,

porque a coisa é perdida, interditada.

44

COUTINHO JORGE (2000) ao comentar a oposição da psicanálise em rela-

ção ao estruturalismo da língua, embora concorde com alguns pontos de contraposi-

ção, adota uma postura de questionamento do distanciamento daquela dos estudos

da linguagem, apontando que “a tendência dos psicanalistas depois de Lacan foi a

de estabelecer uma linha divisória demasiadamente nítida entre os campos da psi-

canálise e da lingüística” (p.112), já que, afinal, a linguagem é a matéria de sua prá-

xis, e já que o inconsciente está no discurso, é o discurso do Outro. Destaca, por

exemplo, a distinção entre estas disciplinas, que faz a lingüista e psicanalista JÚLIA

KRISTEVA, baseada em pontos inobservados pela lingüística, porém cardeais para

a psicanálise – o sujeito do inconsciente, a enunciação oculta no enunciado e a pri-

mazia do significante sobre o significado – hoje questionável.

Mas a diferença entre a abordagem psicanalítica da linguagem e a lingüística moderna é mais profunda do que uma mudança de volume de objecto. É a concepção geral da lin-guagem que difere radicalmente na psicanálise e na lingüística (KRISTEVA, 1969/1ª ed.: 315).

Para KRISTEVA, há uma radical diferença entre a concepção de linguagem

da lingüística, para a concepção da linguagem da psicanálise. KRISTEVA discute a

pertinência das formulações da psicanálise a partir das formulações da lingüística

sobre a linguagem, sendo este um ponto de discórdias e debates nos tempos atuais,

que vem sendo discutido a partir dos avanços das teorizações sobre as interfaces da

psicanálise sobre a linguagem. Para ela “Freud não é lingüista e o objecto ‘lingua-

gem’ que ele estuda não coincide com o sistema formal que a lingüística aborda e

de que conseguimos destacar a abstração lenta e laboriosa da história” (1969/1ª ed.:

315).

Porém reconhecemos que na atualidade há esforços em trazer a uma mesma

arena o que a KRISTEVA parecia ser intraduzível há algumas décadas: as lingua-

gens do psicanalista e do lingüista. KRISTEVA, entretanto, está entre os pioneiros

que criaram laços apertados entre as teorias lingüísticas e a psicanálise, e hoje

constatamos, três décadas depois, que as previsões desta grande articulista, pude-

ram se concretizar num prazo bem curto.

A lingüística conservará sem dúvida a recordação de uma sistematização e de uma es-truturação que o nosso século lhe impôs. Mas terá em conta o sujeito, a diversidade dos modos de significação, as transformações históricas desses modos, para se refundir nu-ma teoria geral da significação.

45

Pois não se pode atribuir um lugar à lingüística, e ainda menos fazer uma ciência da sig-nificação, sem uma teoria da história social como interação de várias práticas significan-tes (KRISTEVA, 1969/1ª ed.: 375).

LACAN (1972-1973) constatou ser inevitável enfrentar a lingüística, a partir da

descoberta freudiana do inconsciente, já que era flagrante tratar-se de uma lingua-

gem aí presente, ainda que hieroglífica– construída como cenas (anexo 1). “Um dia

percebi que era difícil não entrar na lingüística a partir do momento em que o incons-

ciente estava descoberto” (p. 25). Entretanto, aparentando pudores em adentrar em

searas alheias, faz vigir uma diferença entre suas articulações teóricas e aquelas, de

onde retira muitos dos conceitos, os quais acabou por adotar na psicanálise e na

teoria do inconsciente.

Mas se considerarmos tudo que, pela definição da linguagem, se segue quanto à funda-ção do sujeito, tão renovada, tão subvertida por Freud, que é lá que se garante tudo que de sua boca se afirmou como o inconsciente, então será preciso, para deixar a Jakobson seu domínio reservado, forjar alguma outra palavra. Chamarei a isto de lingüisteria (LACAN, 1972-1973: 25).

LACAN refere-se a uma espécie de “língua” inscrita como um significante en-

raizado no corpo do falante, numa alusão a ser a linguagem a um fenômeno conver-

sivo, tal como um sintoma histérico que “falam” por si só, a lingüisterie9, que tem su-

as peculiaridades em relação à língua enquanto sistema. A lingüisterie é uma espé-

cie de “lingüística” da sintomática histérica, é um estudo de uma linguagem conver-

siva10 – uma linguagem que é falada pelo sintoma enquanto inscrição corporal, de

um real que insiste, na interdição do desejo, em uma castração por simbolizar.

Ao fato da lingüística estar ocupada com o que é dito, sem nele distinguir os

dizeres esquecidos, contrapõe-se a psicanálise, que destes últimos justamente vem

a ocupar-se.

Meu dizer que o inconsciente é estruturado como uma linguagem não é do campo da lingüística. É uma porta aberta para o que vocês verão ser comentado num texto [...] – Que se diga fica esquecido detrás do que se diz no que se ouve (LACAN, 1972-1973: 26).

9 LACAN cria este neologismo para fazer diferença entre a linguagem que os lingüistas estudam, e a

linguagem que a psicanálise estuda. É a junção entre linguagem e histeria e aponta para a noção de que a linguagem do inconsciente é da ordem do sintoma histérico. 10

Que faz conversões histéricas, ou seja: o sintoma é convertido em afetação física no corpo, cau-sando paralisias, dores, espasmos, “convulsões”...

46

O lingüista MICHEL ARRIVÉ constatou – ao contrapor FREUD e

BENVENISTE – que todas as línguas são permeadas pela ambigüidade. A ambi-

güidade discursiva aponta para o segundo sentido presente no que se diz e o sujeito

pode ser escutado nas ambigüidades discursivas, deixando dizer o desejo inconsci-

ente num sentido contrário à intenção unificante do ego. Conforme ressalta

COUTINHO JORGE (2000) “se o problema do sentido latente e da significação in-

consciente pode ser considerado como externo ao campo da lingüística, como para

Kristeva, já o mesmo não poderia ser afirmado no que diz respeito ao problema geral

da ambigüidade” (p.114). Há sempre um fundo sob o que é dito – como um contex-

to ausente – que nos permite entender aquilo que o dito destaca.

Podemos pinçar daí que a língua não é idêntica a ela mesma, pois do contrá-

rio não estaria sujeita a equívocos, não daria brechas a um segundo sentido. Há,

portanto, uma língua particular ao sujeito, alíngua, conforme a denominou LACAN,

suportada pela materialidade da língua, mas apontando naquilo que ela tem de e-

quivocidade, com sua raiz inconsciente. Ela é a singularidade presente na língua

falada, um modo de articulá-la, cujo sentido é particular a um sujeito e que, só com

grande esforço de “ortopedia”, pode-se reduzí-la ao senso comum, na tentativa de

falar na mesma linguagem que a coletividade.

Devemos levar em conta que a linguagem em seu uso inclui os sentidos e

equívocos singulares a um sujeito, é permeada portanto por enunciações do incons-

ciente. Alíngua de que LACAN fala se distingue claramente daquela de que fala o

estruturalismo, por apontar nos equívocos, a denúncia da não correspondência do

plano significante com o plano do significado – uma alíngua. Falar de alíngua é afir-

mar a existência do inconsciente, pois ela é a linguagem do inconsciente em sua

lógica combinatória, feita de deslocamentos e condensações. Aí encontramos o lu-

gar de afirmação da existência do sujeito, pois é deste lugar que ouvimos pronunciar

alíngua.

SERGE LECLAIRE em La funcion etica del psicoanalisis (1989) articula uma

metáfora interessante e esclarecedora acerca da linguagem em relação ao sujeito,

quando nos fala do significante como anticorpos invasores, contra os quais o siste-

ma imunológico criaria defesas, tecendo em torno dele um cordão de defesas enca-

deadas. O Sistema de "inadequação" de que LECLAIRE nos fala, baseia-se justa-

47

mente no fato de que a palavra é estranha, inadequada à si mesma e à coisa a qual

se refere.

O que ele explica é que o Real da palavra invade o Imaginário do sujeito, tal

como um corpo estranho invade o organismo, que reage tecendo um registro simbó-

lico, feito de "anticorpos" que são produzidos em torno deste real – como anticorpos

são produzidos pelo organismo em sua defesa –, criando uma linguagem que é sin-

gular ao sujeito. Isto quer dizer que a língua, a palavra, o significante, acossa o "ser

humano" fazendo um furo em sua imagem, abrindo-lhe um corte que faz produzir um

sintoma, uma fala, um ser falante, criando assim uma ligação desejante entre o su-

jeito e seu objeto – sua imagem plena perdida. A palavra é ao mesmo tempo um

corpo estranho, pois é do Campo do Outro, e íntima, familiar, na medida em que é

entretecida e tocada pela falta que a singulariza, que a faz “alíngua” – uma língua

que se fizesse ouvir em todas outras línguas, como diz LACAN. O Real está fora,

vem de fora, tal como o significante que invade a carne provocando esses anticorpos

simbólicos, que são as cadeias de significantes que se acercam do “corpo estranho”.

O lingüista contemporâneo JEAN-CLAUDE-MILNER (1987), que em interlo-

cução com LACAN, se aproximou da psicanálise com o intuito de fazer respirar as

teorias lingüísticas, afirma que, em seu modo de ver, elas são entediantes e pouco

interessantes. Tentou, por sua vez, extrair da teoria lacaniana originalidade e inven-

ção, que pudessem renovar seu interesse pelo estudo da língua.

O que eu adiantava, ao escrever alíngua numa só palavra, era mesmo aquilo pelo que eu me distingo do estruturalismo, na medida em que ele integraria a linguagem à semio-logia – e essa me parece uma das numerosas luzes que projetou Jean-Claude Milner (LACAN, 1972-73: 137-38).

MILNER fala do amor que os lingüistas têm à língua pura sem as afetações

da fala, do discurso, e nos esclarece que o modo como LACAN se refere a esta lín-

gua própria do inconsciente, que se articula através das leis que regem o inconscien-

te, é a “alíngua”, uma espécie de língua, a materna, que se organiza de modo subja-

cente à língua dos lingüistas, provocando os equívocos da fala.

Alíngua é, em toda língua, o registro que a consagra ao equívoco. Nós sabemos como chegar aí: desestratificando, confundindo sistematicamente som e sentido, menção e u-so, escrita e representado, impedindo, com isto, que um estrato possa servir de apoio para destrinchar um outro. (MILNER, 1987:15).

48

E foi intrigando-se com as muitas línguas faladas pelo falante, com os dialetos

falados entre pessoas de mesma língua materna, buscando reuni-las num mesmo

fundo que as fizesse semelhantes, já que a língua “de qualquer ponto que se a con-

sidere, ela deveria oferecer uma mesma fisionomia”, que aprofundou-se e descobriu

que, sobre a isotopia da língua, “os dados mais simples não confirmam: sempre na

série dos lugares homogêneos levantam-se algumas singularidades” (MILNER,

1987:14). Foi desconfiando que existe “algum real que insiste em cada uma e que a

lingüística ou a gramática entendem negar”, que descobriu que o elemento insisten-

te, encontrável na experiência é a alíngua, termo batizado por LACAN, como o lugar

do equívoco, cuja “figuração mais direta é a língua materna” (Ibidem: 14-15).

Então, se a estrutura da língua é o que importa para a lingüística, é da polis-

semia da fala – onde se produzem sujeitos e sentidos – do que se ocupa a psicaná-

lise. Hoje, trinta anos após este posicionamento lacaniano, sabemos que teorias lin-

güísticas como a análise do discurso e a lingüística textual estão atentas às múltiplas

produções de sujeito e sentido no que é dito, como de certa forma já o fizera há

tempos os estudos da linguagem poética. Todo um sistema teórico sobre a lingua-

gem foi articulado pela psicanálise lacaniana, proporcionando à lingüística novos

conceitos e contribuições sobre a relação da linguagem com o inconsciente, assim

como a psicanálise anteriormente daquela se serviu – uma verdadeira teoria lingüís-

tica que não vem sendo desprezada pela visão sócio-interacionista da linguagem.

Se toda produção de linguagem pode ser considerada “discurso”, temos na

disciplina Análise do discurso, fundada por JEAN DUBOIS e MICHEL PÊCHEUX, na

década de 1960 – um método de objetivar as evidências da presença do sujeito na

linguagem. O estruturalismo e o materialismo histórico assim como também a Psica-

nálise lacaniana, compõem o quadro epistemológico que contribuiu para o surgimen-

to da Análise do Discurso, que recorta da contribuição lacaniana a concepção do

sujeito clivado – uma teoria do discurso para onde convergem componentes lingüís-

ticos e sócio-ideológicos num único projeto.

Apoiado em alguns critérios do estruturalismo lingüístico, Lacan aborda esse inconscien-te, demonstrando que existe uma estrutura discursiva que é regida por leis. Decorrem dessa proposta implicações para a Psicanálise. A que mais diretamente interessa à AD diz respeito ao conceito de sujeito, definido em função do modo como ele se estrutura a partir da relação que mantém com o inconsciente, com a linguagem, portanto, já que, pa-ra Lacan, ’a linguagem é condição do inconsciente’ (MUSSALIM, 2001: 107).

49

PÊCHEUX recorta de dentro da Lingüística saussuriana o objeto discurso

(1988), ao questionar criticamente a Lingüística, com novas questões relativas à ide-

ologia e ao sujeito. Se para LACAN a estrutura da linguagem é uma máquina original

que põe em cena o sujeito, para PÊCHEUX a máquina discursiva é um dispositivo

capaz de determinar os vários possíveis discursos dos sujeitos inseridos em deter-

minadas formações sociais11. Para PÊCHEUX o sujeito está incluído na estrutura da

língua “opostamente às propostas estruturalistas em Lingüística” (LEITE, 1994: 18).

O valor do texto Discurso: estrutura ou acontecimento ultrapassa porém o fato de tes-temunhar deslocamentos que vinham já se operando no interior das análises e constru-ções teóricas, residindo no apontamento de uma direção que exige a reformulação do conceito mesmo de estrutura, bem como a necessidade de pensar, como conseqüência, as relações entre língua e discurso. Mais ainda, é de uma língua afetada por um real, impossível de se escrever, vale dizer, de ser simbolizado, que se trata. A questão que o texto insistentemente destaca, aquela do real próprio à uma disciplina de interpretação, só pode ser colocada a partir do reconhecimento de um real próprio da língua, uma vez que o estudo do simbólico só se realiza através dos instrumentos de que o próprio sim-bólico dispõe (LEITE, 1994: 174).

Para a Análise do Discurso, em sua vertente proveniente dos estudos de

PÊCHEUX, este sujeito clivado, estruturado a partir da linguagem – lacaniano – pro-

porciona as bases para a articulação de uma teoria do sujeito, que vem em auxílio

da explicação da produção de textos como um trabalho ideológico não-consciente, já

que a ideologia é considerada uma estrutura em grande parte inconsciente: “o sujei-

to não é livre para dizer o que quer, mas é levado, sem que tenha consciência disso

[...] a ocupar seu lugar em determinada formação social e enunciar o que lhe é pos-

sível a partir do lugar que ocupa“ (MUSSALIM, 2001: 110). A partir daí, foi por ele

concebido um sujeito constituído na e pela ideologia.

O estudo do discurso para a AD, como já dito anteriormente, inscreve-se num terreno em que intervêm questões teóricas relativas à ideologia e ao sujeito. Assim, o sujeito lacani-ano, clivado, dividido, mas estruturado a partir da linguagem, fornecia para a AD uma te-oria de sujeito condizente com um de seus interesses centrais, o de conceber os textos como produtos de um trabalho ideológico não-consciente (MUSSALIM, 2001: 110).

O sujeito do inconsciente tem seus comparecimentos singulares no encontro

com o Outro, o Simbólico aqui visto como feito de verdades convencionadas e na-

turalizadas, como produções sócio-culturais que alienam o sujeito. Deste modo, o

sujeito como constituído no campo simbólico por intermédio do Outro, é, dito de ou-

tro modo, um produto da ideologia que permeia este campo, com o qual se identifica

11

Conceito althusseriano que se refere a um estado de relações entre as partes sociais de uma co-munidade.

50

sua emergência no sentido do texto/discurso. COELHO (1967) afirma que o psicana-

lista JACQUES-ALAIN-MILLER, ao analisar a naturalização da verdade, observa a

inserção do sujeito na estrutura das formações sociais na medida em que o sujeito

reflete a ideologia em que está mergulhado. A partir disto, ”podemos então concluir

que a ideologia não é propriamente um nível da realidade social, mas algo que a

percorre e nela predomina, sempre que essa realidade se reduz à representação do

sujeito” (COELHO, 1967: XIX).

Segundo ORLANDI (1999), ocorre uma ilusão de que a linguagem é transpa-

rente: na verdade, o processo de significação é de ordem material, feito de uma i-

deologia geradora, constituída na história do sujeito e como sujeito. Uma vez inscrita

na memória coletiva, a significação se “naturaliza”. Os efeitos da significação ideolo-

gicamente constituídos atingem os sujeitos em detrimento de suas vontades, fazen-

do do dizer algo que não é particular, mas do domínio simbólico, ou dito de outro

modo, do domínio histórico-social.

As palavras não são só nossas. Elas significam pela história e pela língua. O que é dito em outro lugar também significa nas ‘nossas’ palavras. O sujeito diz, mas não tem aces-so ou controle sobre o modo pelo qual os sentidos se constituem nele (Orlandi, 1999: 32).

O conceito lacaniano do sujeito nada tem de substancial, “pois ele só se defi-

ne em relação ao Outro (critérios diferencial e relacional)”. O lugar do sujeito é um

lugar vazio, pois é definido pelo critério relacional, em função do Outro, seguindo a

lógica estruturalista em que as diferenças definem os elementos entre si. “A identi-

dade resulta sempre dos lugares de onde são tomados os elementos na relação bi-

nária. Trata-se do critério principal” (MUSSALIM, 2001: 108). O homem é produto e

efeito de determinações das conjunturas histórico-sociais. A história de um povo re-

pete-se na história do indivíduo, embora as significações e sentidos sejam apreendi-

dos pelo sujeito conforme os acidentes da história de cada indivíduo. Explica-se: há

uma alienação aos fatos histórico-sociais de modo a causar uma “identificação” aos

significantes do Outro.

A ideologia é constitutiva de um imaginário social, de um ideário comum.

PÊCHEUX fala de uma máquina discursiva que seria um dispositivo capaz de de-

terminar os vários possíveis discursos dos sujeitos inseridos em determinadas for-

mações sociais, ou seja, a ideologia fornece um referencial lingüístico que se mani-

51

festa nos discursos dos sujeitos que estão mergulhados em determinadas relações

sociais. Com os seus estudos sobre a superestrutura ideológica e discurso,

ALTHUSSER (1985) vislumbrou que a linguagem é o lugar privilegiado onde a ideo-

logia se materializa. Pode-se, através dela, depreender o funcionamento da ideolo-

gia, dizia ALTHUSSER, que pretendia apreender o funcionamento da ideologia a

partir de sua materialidade: “ou seja, por meio das práticas e dos discursos dos

AIE12, via com bons olhos uma Lingüística fundamentada sobre bases estruturalis-

tas” (MUSSALIM, 2001: 104-105).

Para ORLANDI (1999), o discurso é efeito de sentidos entre os locutores.

Como a fala, é uma ocorrência casual, individual – singular, portanto – mas também

um fato histórico, a-sistemático. Para ela, a Análise do Discurso visa compreender a

produção de sentidos pelos objetos simbólicos, sejam eles palavras ou gestos. Mas,

como ocorre esta produção de sentidos e como os objetos simbólicos estão investi-

dos de significância “para e por” sujeitos?

Para responder esta pergunta consideremos que as significações são consti-

tuídas dentro das condições sócio-históricas de produção do discurso, segundo a

semântica do discurso em oposição à semântica lingüística. Dentro das teorias de

Análise do Discurso, podemos destacar a preocupação em determinar como os su-

jeitos se constituem no sentido do discurso. O sujeito da Análise do Discurso ocupa

um lugar social a partir do qual anuncia seu discurso, atado que está ao processo

histórico que também o constitui. "O lugar a partir do qual fala o sujeito é constitutivo

do que ele diz” (ORLANDI, 1999: 39).

Deste modo o sujeito como constituído no campo dos significantes, represen-

tado pelo Outro, é, na verdade, um produto da ideologia deste campo social, com o

qual se identifica sua emergência do sentido do texto/discurso. “Os sentidos não es-

tão nas palavras elas mesmas. Estão aquém e além delas" (ORLANDI, 1999: 42).

Os sujeitos dos sentidos para a AD são constituídos pela ideologia, enquanto

estrutura já dada histórico-socialmente, e pelo inconsciente enquanto estrutura. O

sujeito do inconsciente encontra-se na polissemia do discurso e se manifesta nas

brechas deste. Por que achamos graça da piada? Porque o sem sentido foge ao que

12

Aparelhos Ideológicos do Estado como Formulou ALTHUSSER (Escola, Religião, Família, etc).

52

se esperaria pelos padrões sociais e/ou morais. A ambigüidade tem efeitos de senti-

do. “A ambigüidade se mantém tanto num como noutro contexto, mas os efeitos que

ela gera são diferentes, e são justamente esses efeitos de sentido que interessam à

análise do Discurso” (MUSSALIM, 2001: 112).

Também a relação de forças é estudada pela Análise do Discurso. Se o sujei-

to fala enquanto professor, a autoridade de suas palavras faz significar o que não

significaria se fosse aluno. O sujeito enquanto fala ocupa um lugar que é determina-

do socialmente e valorado a partir das práticas e ideologias vigentes. As determina-

ções histórico-sociais encontram sentido na história individual, no percurso que a

história de cada indivíduo toma dentro do contexto maior e a ele referido.

Podemos começar por dizer que a ideologia faz parte, ou melhor, é a condição para a constituição do sujeito dos sentidos. O indivíduo é interpelado em sujeito pela ideologia para que se produza o dizer. Partindo da afirmação de que a ideologia e o inconsciente são estruturas-funcionamentos, M. Pêcheux diz que sua característica comum é a de dissimular sua existência no interior de seu próprio funcionamento, produzindo um tecido de evidências 'subjetivas'. (Orlandi, 1999: 46).

O sujeito acontece no discurso, sendo produzido no encadeamento significan-

te, tal como o sentido, que não está no enunciado, mas na enunciação, que surge no

discurso do sujeito falante.

Donde se pode dizer que é na cadeia do significante que o sentido insiste, mas que ne-nhum dos elementos da cadeia consiste na significação de que ele é capaz nesse mes-mo momento (LACAN, 1957: 506).

Se a singularidade e a subjetividade se colocam claramente como distintas

uma da outra podemos perguntar: trata-se aqui de um sujeito do inconsciente, con-

cebido como efeito da estrutura da linguagem para o homem?

NINA VIRGÍNIA ARAÚJO LEITE (1994) perscrutou a questão do sujeito den-

tro do desenvolvimento da teoria de PÊCHEUX e de ALTHUSSER, evidenciando,

através de seu trabalho, os avatares que a questão tomou, até chegar à MARX e

FREUD. Neste aspecto, a teoria do sujeito articulada por ALTHUSSER, endossado

por PÊCHEUX, cultiva a idéia de que a ideologia constitui os indivíduos concretos

em sujeitos. Entretanto, LEITE aponta justamente em ser o “Lacan de Althusser que

vai comparecer no texto de Pêcheux” (p.148), o ponto de resistência à psicanálise

por parte da AD, o que não foi sem conseqüências para esta teoria. Questiona então

53

a forma que a psicanálise vai participar do quadro epistemológico que constitui esta

disciplina, voltada que é para a constituição de sujeitos ideológicos.

Se a psicanálise, enquanto teoria não-subjetiva da subjetividade, permite assentar as bases materialistas da luta contra o idealismo, na medida em que denuncia a ilusão sub-jetiva, numa demonstração do desconhecimento para uma subjetividade daquilo que a causa, poderíamos então afirmar que a teoria psicanalítica funda a teoria materialista dos processos discursivos? Se é este o caso, não poderíamos antecipar, então, que o ideo-lógico deve receber sua determinação da teoria do inconsciente? De que maneira se po-deria sustentar que ela faz parte do quadro epistemológico? (LEITE, 1994:151).

A partir do reconhecimento de ALTHUSSER da presença do sujeito no senti-

do, PÊCHEUX vai pinçar da psicanálise um sujeito que convinha à AD por ser deri-

vado da estrutura da linguagem, já que o sujeito do discurso e o sujeito do inconsci-

ente estão relacionados, embora não se confundam.

O que a contribuição de Althusser delineia como fundamental para uma teoria materialis-ta do discurso reside no reconhecimento necessário de que o estudo do sentido implica a presença do sujeito. [...] Neste ponto lembramos que Pêcheux enuncia que o sujeito do discurso não se confunde nem com o sujeito da ideologia nem com o sujeito do inconsci-ente, restando então trabalhar a relação necessária entre eles (LEITE, 1994: 153).

Elucida então LEITE que a contribuição lacaniana para a AD centra-se na e-

laboração da hipótese de que o inconsciente é estruturado como uma linguagem,

daí se constituindo o sujeito.

[...] o autor [Pêcheux] aponta para a necessidade de se operar com uma concepção de sujeito que, contrariamente à oposição com o sistema, seja dele derivado. É por esta ra-zão que o trabalho de Lacan, desenvolvendo a teoria freudiana na direção de uma explo-ração conseqüente da hipótese do inconsciente ter estrutura de linguagem, adquire im-portância para a teoria do discurso (Ibidem: 153).

Dentro disso, destaca que o sujeito do inconsciente é a inclusão do real na

estrutura da linguagem, já que desta forma uma outra concepção de estrutura permi-

tiria pensar os discursos e os sujeitos ideológicos.

O objeto teórico “sujeito ideológico” deverá, então, ser articulado de um lado com o sujei-to do discurso, na medida em que é pela via de funcionamentos discursivos específicos que se produz e reproduz a evidência subjetiva (efeito ideológico elementar), e por outro com o sujeito do desejo inconsciente, na medida em que este, sendo definido como o que um significante representa para outro significante, impõe a configuração de um moi, representação de um ego-ideal sobredeterminado por um ideal do ego (LEITE, 1994: 155).

A ideologia se manifesta e se materializa nos atos do sujeito, que embora

consciente de seus atos, não é consciente da ideologia que o constituiu, pois em

última instância, “ele é agido pelo sistema”.

54

A posição que Pêcheux parece adotar indica, por outro lado, a necessidade de se partir da impossibilidade de efetuar qualquer tradução de um discurso a outro, e isto se deve justamente à inclusão, na estrutura, do furo real, correlativa da referência a um sujeito do significante. É só porque há furo que pode se colocar a possibilidade de deslocamentos e equivocações, daí interpretações diversas. A estrutura não assume aqui o caráter de modelo do objeto. A proposta de Pêcheux é neste sentido amplamente compatível com a teorização lacaniana; mais ainda, segundo nosso entendimento, tal proposta só se sus-tenta caso se adote uma noção de estrutura tal como desenvolvida na teoria de Lacan, a partir de uma teoria do significante afetada pela hipótese do inconsciente (LEITE, 1994: 187).

Esta autora conclui frisando a necessidade de insistir na teoria do significante

afetada pela hipótese do inconsciente, que do contrário implicaria numa resistência à

psicanálise.

55

II. O INCONSCIENTE ESTRUTURADO COMO UMA LINGUAGEM

Nosso título deixa claro que, para-além dessa fala, é toda a estrutura da lin-guagem que a experiência psicanalítica descobre no inconsciente. Pondo desde logo o espírito prevenido em alerta, porquanto é possível que ele te-nha de reavaliar a idéia segundo a qual o inconsciente é apenas a sede dos instintos.

LACAN, 1957: 498

Para virmos a melhor compreender a constituição do sujeito do inconsciente

como efeito da Linguagem, objeto desta dissertação, precisaremos esclarecer qual a

relação existente entre a estruturação da linguagem e a estruturação do inconscien-

te. Como já dito, a partir das articulações lacanianas concebe-se que o inconsciente

funciona de modo semelhante ao funcionamento da linguagem, já que é como ela

estruturado. Como se pode explicar então o aforismo de LACAN, O Inconsciente é

estruturado como uma linguagem?

Pode-se deduzir desde já que o Inconsciente, proposto nestes termos, é algo

da ordem de um Sistema Simbólico, não se tratando então, segundo o ensino de

LACAN, de uma entidade mental do indivíduo – como nos moldes derivados do dua-

lismo cartesiano – nem de uma fisiologia corporal – como um estado de obnubilação

da consciência ou perda dos sentidos – nem se trata muito menos de neurônios em

conexões sinápticas no cerebelo, enquanto zonas mapeadas do cérebro como o sis-

tema límbico a não ser por vias indiretas.

O inconsciente de que tratamos aqui é o freudiano (e o nosso), que não se

confunde com a noção filosófica de inconsciente enquanto um grau de consciência

reduzido ao mínimo, ou mesmo um estado ôntico. “Pois a descoberta de Freud é a

do campo das incidências, na natureza do homem, de suas relações com a ordem

simbólica, e do remontar de seu sentido às instâncias mais radicais da simbolização

no ser” (LACAN, 1953: 276).

56

A questão do Inconsciente faz a diferença entre a psicanálise e toda filosofia

ou psicologia científica reinantes no início do século XX – o Inconsciente freudiano é

um lugar psíquico que funciona tal como funciona uma linguagem, que possui uma

lógica própria e cujo "processamento" se dá independentemente do funcionamento

da consciência e sob seu desconhecimento. Constitui-se de traços mnêmicos

(FREUD, 1900-1901), marcações psíquicas sem significações, que se associam en-

tre si à moda aristotélica, ou por simultaneidade no tempo (contigüidade), ou por si-

milaridade, formando assim uma cadeia associativa regida por uma dessas duas

lógicas.

LACAN articula uma lógica dos significantes ao tecer uma analogia entre o

sintagma de SAUSSURE (1970/1ª ed. bras.)– com significantes encadeados numa

cadeia sintagmática – e os traços mnêmicos associados entre eles por contigüidade

ou similaridade de FREUD – numa alusão direta à descrição do funcionamento do

inconsciente (da 1ª tópica) pelo encadeamento dos traços mnêmicos, que são expe-

riências marcadas na memória como pequenos cortes, que trazem modificações

permanentes ao sistema, sem significação a eles inerente. Através das articulações

teóricas e das contribuições lacanianas, pudemos compreender que as leis lógicas

que regulam a língua são também as leis lógicas que regulam o inconsciente.

Se há traços mnêmicos, marcações psíquicas no sistema inconsciente freudi-

ano, podemos ler com SAUSSURE, FREUD e LACAN que há significantes. Assim

podemos compreender como para LACAN o inconsciente é estruturado como uma

linguagem: estes traços mnêmicos do inconsciente são entendidos como marcações

significantes encadeadas, como num sintagma, porém sem significados a ele ineren-

tes. Estas marcações, traços mnêmicos encadeados só vêm a adquirir valor e senti-

do mediante a fantasia inconsciente tecida com o sujeito.

Partamos então do ponto pacífico de que o inconsciente que nos interessa

aqui é o freudiano e o nosso, tal como foi relido por LACAN e por ele ressignificado à

luz da lingüística estrutural.

57

Com a contribuição lacaniana torna-se possível uma releitura lingüística da 1ª

tópica13 do aparelho psíquico, sob a qual o inconsciente como formulado no texto

metapsicológico de FREUD14 é a organização de um verdadeiro sistema significante

em funcionamento.

FREUD ao estudar os sonhos, acaba por estabelecer sua 1a tópica do apare-

lho psíquico, e nela, o inconsciente como um lugar psíquico, como parte deste apa-

relho, ao lado do pré-consciente e da consciência. A consciência para FREUD é um

receptáculo meramente perceptivo, incapaz de reter memória, pois não poderia ocu-

par-se das duas funções ao mesmo tempo sem prejuízo para uma delas. Porém a

percepção pode se dar tanto sobre estímulos da realidade da vida de vigília, quanto

sobre conteúdos mnêmicos – que é o que ocorre na alucinação, quando a percep-

ção recebe estímulos mnêmicos, confundindo-os com a percepção da realidade. A

consciência recebe excitações provenientes de duas direções, por ser um órgão dos

sentidos para a apreensão de qualidades psíquicas. O pré-consciente é a extremi-

dade motora deste aparelho psíquico, que emite as respostas aos estímulos perce-

bidos pela consciência, além de disponibilizar à consciência resíduos de memória.

Para LACAN, o inconsciente freudiano é uma localização psíquica que fun-

ciona tal como um aparelho de linguagem, com seus dispositivos metafóricos e me-

tonímicos – referência ao lingüista ROMAN JAKOBSON (1995) que, considerando a

“estrutura bipolar da linguagem”, cria uma correspondência entre os dois principais

processos formadores do sonho revelados nas formulações metapsicológicas de

Freud sobre os sonhos – os mecanismos de condensação e de deslocamento – e os

pólos lingüísticos “metáfora e metonímia”.

A competição entre os dois procedimentos, metonímico e metafórico, se torna manifesta em todo processo simbólico, quer seja subjetivo, quer social. Eis por que numa investi-gação da estrutura dos sonhos, a questão decisiva é saber se os símbolos e as seqüên-cias temporais usadas se baseiam na contigüidade (“transferência” metonímica e con-densação sinedóquica de Freud) ou na similaridade (“identificação” e “simbolismo” freu-dianos) (JAKOBSON, 1995: 61).

13

O termo tópica remete à idéia de localização psíquica, que foi o que FREUD pretendeu. Ele formu-lou dois grandes esquemas explicativos do aparelho psíquico: a 1ª tópica – “esquema do pente” no cap. VII de A Interpretação de Sonhos – em que fala da consciência, pré-consciente e inconsciente e a 2ª tópica – “esquema da cebola” em O ego e o id, de 1923 – em que passa a incluir também o ego, o id e o superego. 14

A Interpretação dos sonhos, escrito nos anos de 1900-1901.

58

Os significantes – aqui colocados por JAKOBSON como símbolos – estabele-

cem entre eles uma associação por contigüidade ou por similaridade. Os dois eixos,

o sintagmático e o paradigmático, que regulam a linguagem selecionando e articu-

lando palavras da língua, combinando-as, expressam a palavra do sujeito falante

carregada de desejo. JAKOBSON estabeleceu em Dois aspectos da linguagem e

dois tipos de afasia, um paralelo entre os aspectos sintagmáticos e associativo da

linguagem e os distúrbios afásicos de combinação (contigüidade) e de seleção (simi-

laridade) da palavras no discurso. Em casos de lesões no cérebro, o primeiro tipo de

afasia afetaria na fala o eixo sintagmático, de contexto, e o segundo afetaria o eixo

associativo, em que sinônimos não seriam compreendidos. É no eixo sintagmático

que encontraremos a significação, produzida no discurso do sujeito falante, que no

distúrbio afásico de combinação (de contigüidade) fica perdida.

[...]ocorreu a um lingüista amigo meu, Roman Jakobson, é que a distribuição de certas perturbações chamadas afasias devem ser revistas à luz da oposição entre, por um lado, as relações de similaridade, ou de substituição, ou de escolha, e também as de seleção ou de concorrência, em suma, de tudo o que é da ordem do sinônimo, e, por outro lado, as relações de contigüidade, de alinhamento, de articulação significante, de coordenação sintática. Nesta perspectiva, a oposição clássica das afasias sensoriais e das afasias motoras, de há muito já criticada, se coordena de forma surpreendente (LACAN, 1955-56: 250).

GARCIA-ROSA (2001) em Sobre as afasias, comenta um texto de FREUD de

1891 – Para uma concepção das afasias, desprezado por comentadores por quase

um século – com o qual FREUD pretendeu tecer um estudo crítico em neurologia

sobre afasias ao combater teorias de localização de Wernicke, Lichtheim, Grashey e

de seu mestre Meynert, onde ele fala sobre um aparelho de linguagem. Neste texto,

FREUD expressa a idéia de uma escritura psíquica, esboçando um modelo de apa-

relho psíquico, muito mais do que de linguagem.

[...] é precisamente pelo fato de este aparelho dizer respeito à linguagem que ele vai po-der funcionar como modelo para se pensar o inconsciente, antecipando-se àqueles que Freud nos apresenta no Projeto de 1895 e em A interpretação de sonhos (GARCIA-ROSA, 2001: 27-28).

As afasias, esclarece este autor, são distúrbios de memória num sentido am-

plo, e perturbações de linguagem, num sentido estrito, constituindo-se de duas mo-

dalidades, a afasia sensorial e a afasia motora. FREUD constata que as afasias são

produzidas como lapsos, em pessoas que estão cansadas, embora normais, do

mesmo modo que aquelas afetadas por lesões neurológicas.

59

Na primeira, há uma perda da compreensão da linguagem, embora seja mantida a capa-cidade da pessoa de se servir da linguagem articulada; na segunda, a pessoa perde a capacidade de pronunciar as palavras, embora mantenha a compreensão do que as pessoas dizem (Ibidem: 19).

Para GARCIA-ROSA (2001) FREUD discorda das teorias de localização neu-

rológicas e constata a ocorrência de afasias em pessoas normais, sem lesões pato-

lógicas, que estão apenas cansadas ou em situações emocionais intensas. Neste

fato o autor aponta que há efeitos de sujeito neste tipo de afasia. O aparelho de lin-

guagem é construído e sua construção ocorre pelo que FREUD chamou de repre-

sentação-palavra. Esta representação é feita de elementos acústicos, visuais e ci-

nestésicos da palavra. Através do processo de associação é que as representações-

palavra vão se constituir como aparelho de linguagem. “A linguagem é algo que se

adquire, assim como o aparelho de linguagem é algo que se constrói, estas são as

teses presentes no texto de Freud “ (Ibidem: 40).

Constata-se aí além da evidência de que o inconsciente não é um dado a pri-

ori, mas que é construído, como o é a linguagem, e, que desde o começo das articu-

lações da teoria freudiana, já comparecem as categorias associativas de similarida-

de e contigüidade, estabelecendo ligações entre representações-palavra e represen-

tações-objeto.

É através do esquema da representação-palavra e das associações de objeto que Freud vai abordar o problema da significação e apontar para uma possível concepção do signo como arbitrário. É também a partir desse esquema, particularmente a partir da introdução dos conceitos de agnosia e de assimbolia, que se abre o caminho para a concepção do inconsciente. (ibidem: 44).

A condensação semântica (metáfora), em seu eixo paradigmático (similitude),

e o deslocamento sintático (metonímia), em seu eixo sintagmático (contigüidade),

comandam a articulação da linguagem como encontramos de modo ainda mais

evidente na linguagem poética e as formações do inconsciente tal como num

sonho com seus mecanismos de condensação e deslocamento . A língua (langue)

que oferece o código formal donde são selecionadas as palavras e a fala (parole)

que combina informal e subjetivamente as palavras num contexto compõem a

linguagem, que carrega no discurso o sujeito do inconsciente.

Quando trata da Regressão, que é o processo que ocorre quando sonhamos,

FREUD fala do aparelho psíquico enquanto localização psíquica, organizado em

60

camadas, uma delas o inconsciente, por ele chamadas sistemas ou instâncias, de

modo que num processo psíquico, a excitação passe através dos sistemas numa

seqüência temporal especial.

Imaginamos entonces el aparato psíquico como un instrumento compuesto a cuyos ele-mentos llamaremos instancias, en beneficio de la claridad, sistemas. Después formula-mos la expectativa de que estos sistemas han de poseer quizás una orientación espacial constante, al modo en que los diversos sistemas de lentes de un telescopio se sieguen unos a otros. En rigor, no necesitamos suponer un ordenamiento realmente espacial de los sistemas psíquicos. Nos basta con que haya establecida una secuencia fija entre el-los, vale decir, que a raíz de ciertos procesos psíquicos los sistemas sean recorridos por la excitación dentro de una determinada serie temporal [...]

Lo primero que nos salta a la vista es que este aparato, compuesto por sistemas , tiene una dirección. Toda nuestra actividad psíquica parte de estímulos (internos o externos) y termina em inervaciones. Por esto asignamos al aparato um extremo sensorial y um ex-

tremo motor( FREUD, 1900-1901: 530).15

As percepções recebidas pelo aparelho deixam traços de memória na extre-

midade sensória – a consciência – como “alteraciones permanentes sobrevenidas

em los elementos de los sistemas[...]”16, que são retidas em outra instância – o in-

consciente – de modo a liberar a instância perceptiva para novas percepções. Estes

traços de memória são retidos e passam a interligarem-se entre si “sobre modo de

acuerdo com el encontro em la simultaneidad que em su momento tuvieran. Llama-

mos associación a este hecho” (Ibidem: 532). Na prática, a associação significa que

um elemento mnêmico encontra mais facilidade de ligar-se a um certo outro elemen-

to mnêmico em detrimento de outros, transmitindo a excitação assim num certo sen-

tido com mais facilidade que noutro, segundo FREUD. O mesmo material perceptivo

poderá também se dispor de modo diferente sob outra influência, pelas relações de

similaridade, de modo que os elementos mnêmicos se interligam, transmitindo a ex-

citação, de acordo com a semelhança entre eles.

15

Tradução do inglês pela ESB:” Por conseguinte, representaremos o aparelho mental, como um instrumento composto, aos componentes do qual daremos o nome de “instâncias’ ou (por amor a maior clareza) ‘sistemas’. Deve-se prever, a seguir, que êstes [sic] sistemas podem talvez ficar numa relação espacial regular uns com os outros, da mesma maneira pela qual os diversos sistemas de lentes de um telescópio são dispostos um atrás do outro.[...] A primeira coisa a nos chamar a atenção é que êsse aparelho, composto de sistemas-Ψ, tem um sentido ou direção. Tôda a nossa atividade psíquica inicia-se a partir de estímulos [internos ou exter-nos] e termina em enervações. Por conseguinte, atribuiremos uma extremidade sensória e uma ex-tremidade motora do aparelho” (FREUD, 1900-01: 573). 16

Tradução do inglês pela ESB : ”modificações permanentes dos elementos dos sistemas [...] primei-ro e acima de tudo de acordo com a simultaneidade da ocorrência. Falamos deste fato como sendo a ‘associação’ ” (FREUD, 1900-01: 575).

61

Simultaneamente intralingüístico e supralingüístico, ou translingüístico, o sistema signifi-cante estudado por Freud tem uma universalidade que “atravessa” as línguas nacionais constituídas, pois trata -se efetivamente de uma função da linguagem própria de todas as línguas (KRISTEVA, 1969: 313).

Nesta espécie de lógica combinatória – conforme identificou LACAN – não en-

tra em jogo qualquer significação dos traços de memória, mas apenas as relações

de simultaneidade e de similaridade que estes elementos mnêmicos estabelecem

entre si. Para LACAN há uma lógica do significante, sob a qual significações são

produzidas em função da posição que o significante ocupa perante outro numa dada

sintaxe.

É a lógica que aqui faz as vezes de umbigo do sujeito, e a lógica no que ela de modo al-gum é uma lógica ligada às contingências de uma gramática.

É preciso, literalmente, que a formalização da gramática contorne essa lógica para se es-tabelecer com sucesso, mas o movimento desse contorno está inscrito nesse estabele-cimento (LACAN, 1965: 875).

O inconsciente é regido por um sistema significante, como uma linguagem.

Há uma sintaxe que dá ordenação lógica ao discurso do inconsciente.

O registro do significante institui-se pelo fato de um significante representar um sujeito para outro significante. Essa é a estrutura, sonho, lapso e chiste, de todas as formações do inconsciente. E é também a que explica a divisão originária do sujeito. Produzindo-se o significante no lugar do Outro ainda não discernido, ele faz surgir ali o sujeito do ser que ainda não possui a fala, mas ao preço de cristalizá-lo (LACAN, 1964: 854).

Então quais seriam as regras ou leis lógicas e/ou estruturais que regulam os

sistemas significantes como os sonhos, o sintoma, o inconsciente e a própria lingua-

gem, em suas tiradas criativas e poéticas? O sonho, uma das formas sob a qual o

inconsciente se manifesta, reúne os fragmentos dos pensamentos oníricos ou por

simultaneidade no tempo ou por similaridade entre eles. No primeiro caso “por cuan-

to unifica este material em uma síntesis, como situación o processo. Refleja uma

conexión lógica como simultaneidad”17(FREUD, 1900-1901: 320), no sentido de um

deslocamento. No segundo caso, os pensamentos oníricos são reunidos através de

atributos comuns, e neste caso a elaboração do sonho se dá no sentido da conden-

sação, consistindo na relação de similaridade.

17

Tradução do inglês pela ESB: “combinando todo o material numa única situação ou fato único. Eles reproduzem a ligação lógica pela simultaneidade no tempo” (FREUD, 1975: 334).

62

Desde luego, seria vano empeñarse em indicar com palabras el significado* psíquico de um sistema semejante. Su característica residiria em la intimidad de sus vínculos com elementos Del material mnémico em bruto, o sea, si queremos apuntar a uma teoria que vaya más a lo hondo, em lãs gradaciones de la resistência de conducción hacia esos e-

lementos (FREUD, 1900-1901: 532-533).18

O inconsciente freudiano é formado através da participação do sistema per-

ceptivo consciente, que capta as percepções que irão deixar estes traços de memó-

ria, mas não pode retê-los sob pena de descaracterizar-se como sistema perceptivo.

Estes traços vão constituir o sistema inconsciente ao interligarem-se entre si por si-

multaneidade ou por similaridade.

A la inversa, nuestros recuerdos, sin excluir los que se han impreso más hondo en noso-tros, son en sí inconcientes. Es posible hacer-los concientes; pero no cabe duda de que

en el estado inconciente despliegan todos sus efectos (Ibidem: 533).19

O pré-consciente vem a ser a extremidade motora do aparelho psíquico que

efetua descargas ou respostas motoras ao estímulo percebido pelo sistema percep-

tivo-consciente. É aqui que está a chave da regressão, a partir do sistema pré-

consciente:

[...] los procesos de excitación habidos en él pueden alcanzar sin más demora la conci-encia, siempre que se satisfagan ciertas condiciones; por ejemplo, que se alcance cierta intensidad, cierta distribución de aquella función que recibe el nombre de “atención”[cf.

págs 582-583], etc. (Ibidem: 534). 20

Ou seja, quando há repouso das reações motoras, como ocorre quando dor-

mimos, é possível algum estímulo interno, proveniente de lembranças e experiências

vividas, guardadas na memória, alcançar o grau de intensidade necessário para ser

“percebido” como uma percepção real. Este é o processo regressivo que ocorre tan-

to nos sonhos quanto nas alucinações. Neste caso são os traços mnemônicos do

inconsciente que vêm à tona, pela via do pré-consciente.

18

Tradução do inglês pela ESB: “Naturalmente, seria perda de tempo tentar colocar a significação psíquica de um sistema desta espécie em palavras. O seu caráter residiria nos pormenores íntimos de suas relações com os diferentes elementos da matéria-prima da memória, isto é – se podemos insinuar uma teoria de um tipo mais radical – nos graus da resistência condutiva que é oferecida por êsses elementos à passagem de excitação” (FREUD, 1900-01: 575). * “Bedeutung”: “significado” o “valor”; la última frase equivale a “sería vano empeñarse en traducirlo a representaciones-palabra” 19

Tradução do inglês pela ESB: “Por outro lado, nossas lembranças – sem excetuar aquelas que se acham mais profundamente gravadas em nossas mentes – são, em si próprias, inconscientes. Elas podem ser tornadas conscientes, mas não pode haver dúvida de que podem produzir todos os seus efeitos enquanto se acham numa condição inconsciente” (FREUD, 1900-01: 576). 20

Tradução do inglês pela ESB : “[...] os processos excitatórios que nele ocorrem podem ingressar na consciência sem outros impedimentos, desde que certas condições sejam preenchidas: por exemplo,

63

A “regressão” é o processo que ocorre no aparelho psíquico quando sonha-

mos, que vem a ser o mesmo que ocorre com o bebê, que alucina seu objeto de de-

sejo, numa regressão à percepção alucinatória do objeto – “identidade perceptiva” –

e que põe à mostra o desejo inconsciente em funcionamento.

FREUD descreve ainda, nas partes finais da A Interpretação dos sonhos, o

processo psíquico que rege as atividades do inconsciente, o “processo primário”,

como aquele que, comandado pelo princípio do prazer, traz a revivescência percep-

tiva de uma satisfação primeira de um bebê: “El primer desear pudo haber consistido

em investir alucinatoriamente el recuerdo de la satisfaccion” (Ibidem: 588)21. A fome

é a fonte de desprazer que colocou o aparelho em movimento em busca de satisfa-

ção, ou seja, em busca da fonte de alimento. Quando a fome retorna, marcando a

presença de uma falta (LACAN), o bebê esperneia e chora.

A percepção alucinatória do objeto de desejo que ressurge, numa “identidade

perceptiva” com a primeira experiência de satisfação, fazendo cessar momentanea-

mente o desprazer da fome insatisfeita, acalmando o bebê por alguns instantes. Po-

rém, como o processo primário com sua “identidade perceptiva” (alucinação do obje-

to de desejo/seio materno) não dá conta de resolver impasses cruciais (a fome do

pequeno bebê) mostrando-se insuficiente, faz-se necessária uma intervenção de

outra ordem para que a solução seja alcançada (a fome satisfeita).

COUTINHO JORGE (2000) resume deste modo, como segue, as característi-

cas especiais do sistema inconsciente (Ics), de acordo com o que formulou FREUD:

> Não há no inconsciente negação, dúvida ou quaisquer graus de certeza. Esses são e-lementos introduzidos pelo trabalho da censura entre o sistema Ics e o sistema Pcs (Cs). A negação é um substituto, em grau mais elevado, do recalcamento. No Ics [sic] só exis-tem conteúdos investidos com maior ou menor força.

> Tais investimentos sofrem condensações e deslocamentos, modo de funcionamento do processo primário.

> Os processos do Ics são intemporais. A referência ao tempo vincula-se ao trabalho do sistema Cs.

que elas atinjam um certo grau de intensidade, que a função que só pode ser descrita como ‘atenção’ esteja distribuída de uma maneira particular” (FREUD, 1900-01: 577). 21

Tradução do inglês pela ESB: “o primeiro desejo parece ter sido uma catexia alucinatória da lem-brança de satisfação”

(FREUD, 1900-01: 636)

64

> Os processos Ics dispensam pouca atenção à realidade externa. Estão sujeitos ao princípio de prazer, de modo que a realidade externa é substituída pela realidade psíqui-ca (p. 73).

A palavra surge em lugar da coisa quando o princípio do desprazer22 leva en-

tão ao recurso da palavra. A coisa é assassinada pelo nome, na medida em que os

significantes se interpõem entre a coisa ansiada e o sujeito que anseia. Aqui o “pro-

cesso secundário” que rege a consciência, ao lado do princípio da realidade, entra

em cena, trazendo a possibilidade de adiamento da satisfação ansiada, e isto torna-

se possível pela substituição da coisa pela palavra que se dá no “processo secundá-

rio”.

É, portanto, pelo e no grito que o objeto, de outro modo afogado nas ondas do sofrimen-to, se apresenta à atenção como tal, como objeto. È pelo grito que há, ao mesmo tempo, atenção e presença à atenção daquilo que, de outra maneira, retornaria ao estado de percepção quase muda, ou antes, de um “em si” inseparável da obscuridade qualitativa da dor (SAFOUAN, 1990: 38).

A palavra (ou o choro do bebê) precisa ser dita em substituição à coisa e a “i-

dentidade de pensamento”, vinculação da palavra àquela experiência de satisfação

primeira, passa a sobrepujar a “identidade perceptiva” por meio de um “processo

secundário” (FREUD, 1900-1901: 591). A “identidade de pensamento” é o caminho

mais econômico de energias para a busca da satisfação e que gradativamente pas-

sa a prevalecer sobre a primeira, atendendo a um adiamento imposto pela realida-

de23. A palavra é o que vai passar a representar a coisa primeiramente necessitada,

depois ansiada, por fim desejada – onde se constitui um sujeito desejante. “O in-

consciente é um conceito forjado no rastro daquilo que opera para constituir o sujei-

to” (LACAN, 1964: 844).

El pensar como un todo no es más que un rodeo desde el recuerdo de satisfacción, que se toma como representación, que se toma como representación-meta, hasta la investi-dura idéntica de ese mismo recuerdo, que debe ser alcanzada de nuevo por la vía de las

experiencias motrices (FREUD, 1900-1901: 591).24

22 FREUD (1920) em Más allá del principio de placer / Mais além do princípio do prazer, passa a chamá-lo de princípio do prazer. 23 N.A. Nos neuróticos o princípio do prazer (do processo primário) persiste, em detrimento do princí-pio de realidade (do processo secundário), e eles esperneiam como um bebê mediante a falta do objeto. Ver FREUD. “Além do princípio do prazer”, texto de 1920. 24

Tradução do inglês pela ESB: “Todo o pensamento não é mais que um caminho indireto da lem-brança de uma satisfação (uma lembrança que foi adotada como uma idéia intencional) a uma catexia idêntica da mesma lembrança, que se espera atingir mais uma vez através de um estágio intermediá-rio de experiências motoras” (FREUD, 1900-01: 640).

65

Enfim, o inconsciente enquanto a verdade está inscrito no corpo, na lembran-

ça, no vocabulário, nos documentos, nos monumentos, nas tradições, na evolução

semântica, ou seja: se o inconsciente está ocupado por um capítulo de minha histó-

ria, por outro lado está inscrito como uma verdade no sistema simbólico, e o que é

esquecido é lembrado nos atos do sujeito (LACAN, 1953).

O inconsciente é o capítulo de minha história que é marcado por um branco ou ocupado por uma mentira: é o capítulo censurado. Mas a verdade pode ser resgatada; na maioria das vezes, já está inscrita em outro lugar (LACAN, 1953: 260).

O inconsciente é o lugar do que é estranho à consciência, de onde emana o

discurso do Outro, campo dos significantes ao qual o sujeito está irremediavelmente

alienado. “[...] o inconsciente só tem sentido no campo do Outro” (LACAN, 1964:

856).

O sujeito vai muito além do que o indivíduo experimenta “subjetivamente” [...]

Que o inconsciente do sujeito é o discurso do outro, eis o que aparece, ainda mais cla-ramente do que qualquer lugar, nos estudos que Freud consagrou ao que chama de te-lepatia, na medida em que ela se manifesta no contexto de uma experiência analítica (LACAN, 1953: 266).

O que LACAN deseja apontar é que esta transmissão de pensamentos nada

mais é do que um saber inconsciente sobre o desejo do Outro, que torna-se consci-

ente nesta fórmula alienada e, que, afinal, é o próprio desejo do sujeito. Dizer que o

inconsciente é estruturado como uma linguagem é dizer que ele é um sistema de

significantes, onde habita um sujeito inconsciente que desliza pela cadeia significan-

te, metonimicamente, construindo o sentido do discurso pela via do desejo. “O in-

consciente é muito exatamente a hipótese de que a gente não sonha somente

quando dorme” (LACAN, 1957).

[...] os psicanalistas fazem parte do conceito do inconsciente, posto que constituem seu destinatário. Por conseguinte, não podemos deixar de incluir nosso discurso sobre o in-consciente na própria tese que o enuncia, a de que a presença do inconsciente, por se situar no lugar do Outro, deve ser buscada, em todo discurso, em sua enunciação (LACAN, 1964: 848).

É de um pensamento lógico-matemático que LACAN fala, ao explicar que o

inconsciente se estrutura como uma linguagem, sendo este o tipo de linguagem que

dá sua estrutura ao inconsciente:

Vocês vêem que, ao conservar ainda esse como, me apego à ordem do que coloco quando digo que o inconsciente é estruturado como uma linguagem. Eu digo como para

66

não dizer, sempre retorno a isto, que o inconsciente é estruturado por uma linguagem. O inconsciente é estruturado como os ajuntamentos de que se tratam na teoria dos conjun-tos como sendo letras (LACAN, 1972-1973: 65-66).

A verdade é enunciada como algo que escapa ao controle consciente. Para

LACAN o inconsciente é um saber e a propósito da verdade do inconsciente nos diz

em seus Escritos:

É por isso mesmo que o inconsciente que a diz, o verdadeiro sobre o verdadeiro, é estru-turado como uma linguagem, e é por isso que eu, quando ensino isso, digo o verdadeiro sobre Freud, que soube deixar, sob o nome de inconsciente, que a verdade falasse (LACAN, 1965: 882).

O sujeito utiliza-se do significante, dissecado em traços e indícios, para fazer

nele comparecer sua verdade.

[...] aquele que chamaremos daqui para frente o escriba não utiliza senão imagens es-quemáticas, convencionais, isto é, imagens das quais elimina tudo que pode refletir tal ou qual objeto em particular, retendo apenas o mínimo de traços suficientes para evocar a palavra em geral (SAFOUAN, 1987: 43).

É a linguagem no discurso onde encontraremos o sujeito do inconsciente em

seus comparecimentos através da fala, sua singularidade tecida no encontro com o

Simbólico.

Como o papel fundamental da estrutura do significante pode ser omitido? Naturalmente, nós compreendemos porquê. O que se exprime no interior do aparelho e do jogo do sig-nificante, é algo que sai do fundo do sujeito, que pode chamar-se de seu desejo. Desde que o momento em que esse desejo é preso no significante, é um desejo significado. E então todos nós ficamos fascinados pela significação desse desejo. E nós, nós esque-cemos, apesar dos lembretes de Freud, o aparelho do significante.

Freud sublinha no entanto que a elaboração do sonho é o que faz do sonho o primeiro modelo da formação dos sintomas. Ora, essa elaboração se parece muito com uma aná-lise lógica e gramatical, que se tornou apenas um pouco mais erudita do que aquela que fazemos nos bancos escolares. ... É o mesmo registro que faz da lingüística a ciência mais avançada das ciências humanas, se é verdade que queremos reconhecer apenas que o que distingue a ciência positiva, a ciência moderna, não é a quantificação, mas a matematização e nomeadamente combinatória, isto é, lingüística, incluindo a série e a recorrência. (LACAN, 1953-54: 270-271).

Com isto LACAN faz uma analogia da elaboração os sonhos com uma gramá-

tica, onde uma lógica matemática faz da linguagem dos sonhos, e do inconsciente

portanto, um jogo combinatório regido por leis sintáticas, que a regulam.

67

II. 1. AS QUATRO FORMAÇÕES DO INCONSCIENTE

O sonho tem a estrutura de uma frase, ... todo ato falho é um discurso bem sucedido ou até formulado com graça, e que, no lapso, é a mordaça que gi-ra em torno da fala [...] [o sintoma é] a linguagem cuja fala deve ser liberada.

LACAN, 1953: 268-70

O inconsciente de tudo que foi dito até agora, está no discurso, na fala, nas

palavras e nos atos. Só é inconsciente para o próprio indivíduo, pois está nas evi-

dências discursivas, nos segundos sentidos e em suas formações – como o sonho, o

ato falho, o sintoma e o chiste – expressando-se na linguagem e como uma lingua-

gem. O inconsciente com seus dispositivos "metafóricos" e "metonímicos", em suas

formações expressa-se na linguagem e como uma linguagem, transmitindo nas en-

trelinhas da fala, uma mensagem censurada. Podemos assim, resumir com LACAN

e FREUD, que quatro são as principais formações do inconsciente.

Os livros que podemos dizer canônicos em matéria de inconsciente – a Traumdeutung, a Psicopatologia da vida cotidiana e O chiste (Witz) em suas relações com o inconsciente – não passam de um tecido de exemplos cujo desenvolvimento se inscreve nas fórmulas de conexão e substituição (só que decuplicadas por sua complexidade particular, e sen-do seu contexto às vezes dado por Freud fora do texto) que são as que fornecemos do significante em função de sua transferência (LACAN, 1957: 526).

O pensamento inconsciente que comparece como forma de surpresa, indica a

presença do sujeito do inconsciente, como FREUD o demonstrou em A interpretação

dos sonhos (1900), em Psicopatologia da vida cotidiana (1901), e Os chistes e sua

relação com o inconsciente (1905) – textos destacados por LACAN em sua releitura

da obra freudiana, mais especificamente em As formações do inconsciente, Seminá-

rio dado em 1957-1958.

68

II. 1. a) SONHOS

FREUD se ocupava em perscrutar o inconsciente de seus pacientes como se

escavasse um solo em busca de resquícios de um passado distante e soterrado. Ele

procurava ler tais achados “arqueológicos” como um passado presente e atuante no

sintoma do sujeito falante, ao qual buscava acesso muitas vezes através da interpre-

tação dos sonhos de seus pacientes. Acabou por encontrar uma lógica de funciona-

mento, regras para a elaboração dos sonhos, cujos processos podemos tomar como

regras sintáticas. Assim sendo, vejamos quais as leis combinatórias que regem a

elaboração dos sonhos – também podemos dizer, que regem a elaboração de uma

lógica do inconsciente.

FREUD nos diz: “O sonho é a realização de um desejo.” Porém muitas vezes

o sonho é sentido como um pesadelo, trazendo sentimentos, ao invés de satisfató-

rios, aflitivos. O que causa realização e satisfação para o sistema inconsciente é

sentido como uma ameaça angustiante para o sistema consciente, já que afeto re-

sultante da presença de pensamentos carregados de desejo inconscientes, tão in-

desejáveis à consciência, causam angústia. Eis, então, exposto o conflito entre duas

instâncias psíquicas na formação do sonho: o inconsciente X a consciência. O pri-

meiro quer realizar desejos primários e a segunda quer se defender do afeto aflitivo,

tornando os primeiros irreconhecíveis quando surgem no sonho. Nos sonhos de pu-

nição o que aparece é uma formação reativa contra os pensamentos oníricos laten-

tes, que representam o desejo primário inconsciente e que são rejeitados como ma-

terial onírico pela censura da consciência, percebidos que são como persecutórios

pelo ego.

O sonho revela o modo de funcionamento do inconsciente, que é diferente do

modo de funcionamento da consciência, de modo que “el escenario de los sueños

es outro que ele de la vida de representaciones de la vigília” (FREUD, 1900-1901:

529). 25

25

Tradução do inglês pela ESB: “a cena de ação dos sonhos é diferente da vida ideacional de vigília” (FREUD, 1900-01: 572).

69

Havemos de concordar pela experiência comum de que os sonhos são breves

e lacônicos em comparação com os pensamentos oníricos que nele estão embuti-

dos. Isto ocorre porque os pensamentos oníricos passaram por um processo que os

condensou, como uma metáfora (substituição) que é usada em lugar da exposição

de um pensamento. Quase sempre incompreensíveis e deformados, com idéias mis-

turadas e superpostas umas às outras, os sonhos são também resultado de um pro-

cesso de deslocamento, de modo a tornar praticamente indistinguível a idéia princi-

pal veiculada no sonho, como na figura de linguagem metonímia (deslocamento), em

que uma parte recebe importância do todo, pela qual ele é tomado. Estes disfarces e

deformações, que os pensamentos oníricos adquirem e sofrem, utilizam-se tanto de

palavras quanto de imagens “pictóricas”, que representam os pensamentos oníricos

como num quadro hieroglífico (anexo 1).

Então, que retomemos a obra de Freud na Traumdeutung, para ali nos relembrarmos que o sonho tem a estrutura de uma frase, ou melhor, atendo-nos à sua letra, de um ré-bus, isto é, de uma escrita da qual o sonho da criança representaria a ideografia primor-dial, e que reproduz no adulto o emprego fonético e simbólico, simultaneamente, dos e-lementos significantes que tanto encontramos nos hieróglifos do antigo Egito quanto nos caracteres cujo uso a China conserva (LACAN, 1953: 268).

Além do conteúdo manifesto, que são as sucessivas cenas, os sonhos pos-

suem um conteúdo latente: os pensamentos oníricos subjacentes, dos quais FREUD

depreende o significado do sonho. Duas são as linguagens presentes no sonho, por-

tanto: uma do conteúdo onírico manifesto e outra dos pensamentos oníricos, que

trariam desejos primários recalcados à tona, não fosse o trabalho de elaboração oní-

rica que transformam os pensamentos latentes em conteúdo manifesto: “Pensamien-

to del sueño y contenido del sueño se nos presentan como dos figuraciones del

mismo contenido em dos lenguages diferentes; mejor dicho, el contenido del sueño

se nos aparece como uma trasferencia de los pensamientos del sueño a outro modo

de expresión, cuyos signos y leyes de articulación debemos aprender a discernir por

vía de comparación entre el original y su traducción (FREUD, 1900-1901: 285).26

Freud foi o primeiro a designar o caráter dos signos extremamente condensados da sim-bólica do sonho (portanto do inconsciente). Considera o sistema do sonho como análogo ao de um enigma ou de um hieróglifo:...”podemos dizer que a figuração no sonho, que não é certamente feita para ser compreendida, não é mais difícil de compreender do que os hieróglifos para seus leitores” (O trabalho do sonho). E mais à frente: “[Os símbolos

26

Tradução do inglês pela ESB: “[...] Ou mais apropriadamente, o conteúdo onírico parece uma transcrição dos pensamentos oníricos em outro modo de expressão, cujos caracteres e leis sintáticas é nossa tarefa descobrir comparando o original e a tradução” (FREUD, 1900-01: 295).

70

do sonho] têm muitas vezes vários sentidos, algumas vezes muitos sentidos, de tal modo que, como na escrita chinesa, só o contexto é que dá uma compreensão exacta” (KRISTEVA, 1969: 309).

Quatro são os processos formadores do sonho que participam da elaboração

onírica: os processos de deslocamento e condensação comandam a formação deste

fenômeno psíquico, juntamente com a representação pictórica (figuração) e a revi-

são secundária.

Os dois principais processos – condensação e deslocamento – são conside-

rados como “los dos maestros artesanos”27 por FREUD, porque vão configurar, vão

dar forma ao sonho, ao deformarem o desejo que o motiva, transformando pensa-

mentos latentes em conteúdo manifesto. São pinçados por LACAN e JAKOBSON

como metáfora e metonímia por serem estes importantes processos lingüísticos utili-

zados muito comumente pelo falante no uso da língua, aproximando assim o modo

de funcionamento da linguagem dos sonhos ao do sistema lingüístico. São conden-

sadores (metafóricos) dos pensamentos latentes em poucas palavras ou imagens, e

deslocadores (metonímicos) da atenção principal dos pensamentos oníricos latentes

para elementos manifestos menos relevantes em relação ao desejo primário incons-

ciente que está presente no material latente.

O que o conteúdo onírico enfatiza portanto não é o núcleo central dos pensa-

mentos oníricos.

En el trabajo onírico se exterioriza un poder psíquico que por una parte despoja de su in-tensidad a los elementos de alto valor psíquico, y por la otra procura a los de valor ínfimo nuevas valencias por la vía de la sobredeterminación, haciendo que estos alcancen el

contenido onírico [...] (FREUD, 1900-1901: 313). 28

No deslocamento, elementos essenciais são tratados como se tivessem pe-

queno valor e, em seu lugar, outros elementos que são banais em relação aos pen-

samentos oníricos recebem grande destaque, tornando-se carregados de interesse,

de modo a camuflar a presença do desejo primário censurado perante a vigilante

consciência, mesmo reduzida pelo estado de sono.

27

Tradução do inglês pela ESB: “fatores dominantes” (FREUD, 1900-01: 328). 28

Tradução do inglês pela ESB: “Afigura-se assim, plausível supor que, na elaboração do sonho, uma força psíquica esteja atuante, a qual, por um lado, despoja os elementos que possuem elevado valor psíquico de sua intensidade, e, por outro, por meio de super-determinação, cria, a partir de elementos de baixo valor psíquico novos valôres, que depois se insinuam no conteúdo do sonho [...]” (1900-01: 328 ).

71

Após ter sido elaborado, há uma revisão crítica do sonho, secundária, que o

torna inteligível e aceitável pela consciência, tal como poderia ser aceito no estado

de vigília, com o fito de acalmar alguma angústia despertada pelo conteúdo onírico

reduzindo sua importância. “Afinal de contas, isto é apenas um sonho” é o que cos-

tumamos dizer a nós mesmos durante o sonho que já iria nos despertar.

Os processos formadores do sonho são, na verdade, deformadores do conte-

údo inconsciente que está latente no sonho, e isto para que ao conteúdo inconscien-

te seja permitida alguma passagem pela consciência, que de outra forma seria to-

talmente censurado. Devem-se à censura que age sobre os sonhos por tentarem

trazer à tona idéias inconscientes, que não são aceitas conscientemente. O proces-

so interpretativo é que vai restaurar o significado dos pensamentos oníricos, que são

racionais, embora não conscientes, que encontram-se deformados na elaboração do

sonho.

Os sonhos são elaborados a partir dos pensamentos oníricos que escapam à

censura e são “super-determinados”, ou seja, têm múltiplas determinações causais

como fatores que vêm influir para decidir o que será incluído no sonho. O conceito

de “super-determinação” ou “sobredeterminação” é, como diz KRISTEVA, “indispen-

sável a qualquer análise lógica do sonho e do inconsciente, e de qualquer sistema

significante que esteja relacionado com aquela” (1969: 311). Isto é, há motivações

múltiplas que determinam o material a ser selecionado para participar daquele so-

nho. Os conteúdos oníricos oriundos de desejos primários fazem uma espécie de

lobby para que sejam representados no sonho. Um curto sonho tem extensa gama

de pensamentos oníricos subjacentes, sendo os elementos do sonho determinados

pela força dos pensamentos oníricos advinda dos desejos inconscientes. Unidos,

forçam sua presença e se representam no sonho.

Antíteses são desprezadas nos sonhos, o “não” não existe na linguagem oní-

rica e contrários são combinados em uma única coisa, tal como na linguagem antiga,

como a Egípcia. “O sonho que Freud estuda é igualmente considerado antes de tudo

o mais como um sistema lingüístico a decifrar, ou melhor, como uma escrita, com

regras semelhantes às dos hieróglifos“ (KRISTEVA, 1969: 306).

72

LACAN encontra na “alma dos nervos” dos psicóticos uma língua fundamen-

tal, onde não existem contradições, tecendo uma analogia com o sentido antitético

das palavras primitivas, encontrando no inconsciente a descoberto dos psicóticos,

aquilo que uma psicanálise revela.

É muito curioso reconhecer aí um parentesco impressionante com o famoso artigo de Freud sobre o sentido duplo das palavras primitivas. Vocês se lembram que Freud acre-dita ter encontrado uma analogia entre a linguagem do inconsciente, que não admite contradições, e essas palavras primitivas que se caracterizariam por designar os dois pó-los de uma propriedade ou de uma qualidade, bom e mau, jovem e velho, longo e curto etc (LACAN, 1955-56: 36-37).

Através da interpretação dos sonhos podemos decifrar a mensagem onírica

do inconsciente e observar o funcionamento do inconsciente como uma linguagem:

a condensação, o deslocamento, com suas transformações absurdas do ponto de

vista do pensamento consciente, a representação pictórica (figuração), com suas

imagens e a elaboração secundária, em sua revisão, transformam o desejo onírico e

o material dos restos diurnos em “uma frase”, como diria LACAN. E como nos diz

KRISTEVA “Vemos que, para Freud, o sonho não se reduz a um simbolismo, mas é

uma verdadeira linguagem, isto é, um sistema de signos, ou até mesmo uma estrutu-

ra com uma sintaxe e uma lógica próprias” (1969: 312). A Interpretação dos sonhos

realizada por FREUD mostra-nos a organização do sistema significante presente e

atuante na elaboração dos sonhos, no que se revelou o inconsciente.

73

II. 1. b) LAPSOS

FREUD em Psicopatologia da vida cotidiana nos narra o seu próprio esque-

cimento do nome Signorelli ao perguntar-se sobre o nome do artista que pintou, na

catedral de Orvieto, os afrescos magníficos das “Quatro últimas coisas”, coisas estas

que são: Morte, Juízo, Inferno e Céu. No lugar da palavra esquecida, nomes falsos

surgem na memória em substituição ao nome correto, como no caso, o de outros

pintores como Botticelli e Boltraffio, e o da cidade de Trafoi, onde se passara um tris-

te caso de morte por suicídio de um paciente de FREUD, por sua doença sexual in-

curável. FREUD, ao se esquecer do triste caso, esqueceu também o nome da cida-

de onde isto se passara (Trafoi), que era semelhante por sua vez ao nome de um

dos pintores (Boltraffio) que também lembrava a Bósnia, de onde vinha para Herze-

govina. O nome esquecido, Signorelli, é substituído como se nesse processo os no-

mes estivessem sendo manipulados como um jogo de enigma visual, um logogrifo.

Com isto elucida também o caso das lembranças errôneas, as paramnésias, de-

monstrando que ocorre um deslocamento do processo de reprodução do nome es-

quecido. Era a notícia da morte em Trafoi que FREUD queria esquecer, como eluci-

da LACAN:

Como Freud construiu a teoria desse esquecimento? É no curso de pequena viagem à Bósnia – Herzegovina que, falando com alguém, ele tem essa espécie de fuga do nome. Há também o início de uma frase pronunciada por um camponês. – Herr, o que pode se ter a dizer agora? Trata-se da morte de um doente, diante da qual um médico não pode nada. Temos portanto aqui Herr, e a morte, que está escondida, pois Freud, não mais que qualquer um de nós, não tem razão particular para demorar-se em seu pensamento. Qual é o outro lugar em que Freud já teve a oportunidade de repelir a idéia da morte? Num lugar que não é longe da Bósnia, onde ele teve péssimas notícias de um dos seus doentes.

Eis o mecanismo. Seu esquema, análogo àquele de um sintoma, basta para demonstrar a importância essencial do significante. É na medida em que Signorelli, e a seqüência de nomes, são palavras equivalentes, traduções umas das outras, metáfrases se quiserem, que a palavra está ligada à morte recalcada, recusada por Freud. Ele tranca todas, até no interior da palavra Signorelli, que só se liga a ela da forma mais distante – Signor, Herr. (LACAN, 1955-56: 272)

Freud reconhece leis na condução ao deslocamento e esquecimento. Em Psi-

copatologia da vida cotidiana, FREUD analisa o lapso como sendo uma mensagem

inconsciente que intercepta o enunciado, trazendo à tona um não-sentido (non sen-

se), um sentido outro subjacente ao enunciado.

74

Quanto à psicopatologia da vida cotidiana, outro campo consagrado por uma outra obra de Freud, está claro que todo ato falho é um discurso bem-sucedido, ou até formulado com graça, e que, no lapso, é a mordaça que gira em torno da fala, e justamente pelo quadrante necessário para que um bom entendedor encontre ali sua meia palavra (LACAN, 1953: 269).

Ao irromper na fala, o lapso traz à baila pensamentos recalcados, grotescos,

bizarros, os quais se queria esconder. É na equivocação, na surpresa, que emerge a

verdade elidida.

75

II. 1. c) CHISTES

FREUD fala dos chistes e sua relação com o inconsciente em que o efeito do

inconsciente é transparente na espirituosidade cômica do equívoco. A ambigüidade

da linguagem, num contra-senso, revela-se no humor, onde se desnuda a verdade

elidida. Sublinha LACAN a frase de FREUD: “Aquele que assim deixa escapar a ver-

dade, na realidade fica feliz por tirar a máscara” (FREUD apud LACAN, 1953: 271).

Algo permanece estranho para que surta o efeito de comicidade, havendo um “ter-

ceiro ouvinte sempre suposto”. “Em suma, apontando no lugar do Outro o ambocep-

tor que esclarece o artifício da palavra, eclodindo em sua suprema alacridade”

(LACAN, 1953: 272). Como no exemplo do “familionário” de FREUD, em que o que

se tentou dizer que o tratamento dado por um barão a um pobre coitado tinha sido

“familiar”, mas escapou um “familionário” denunciando as questões inconscientes

envolvidas, como se sentir bem em ser tratado como um igual por alguém que ele

considerava, na verdade, como um milionário.

O inconsciente, justamente, só se esclarece e só se entrega quando o olhamos meio de lado. Aí está uma coisa que vocês reencontrarão o tempo todo no Witz, pois tal é sua própria natureza – vocês olham para ele, e é isso que lhes permite ver o que não está ali (LACAN, 1957-58: 25).

Do alemão Witz LACAN dá preferência a traduzir por trait d’esprit, tirada espi-

rituosa, e não mot d’esprit, que se traduziria por chiste (LACAN, 1957-58:12) (con-

forme explicação em nota de rodapé do editor, p.12). LACAN considera a tirada espi-

rituosa a melhor a mais brilhante “entrada” no assunto das formações do inconscien-

te, “com que o próprio Freud nos aponta as relações do inconsciente com o signifi-

cante e suas técnicas” (LACAN, 1957-58:12). A tirada espirituosa nos mostra a im-

portância do significante nos mecanismos do inconsciente.

Conferir essa prioridade ao significante em relação ao sujeito é, para nós, levar em conta a experiência que Freud nos descortinou, a de que o sujeito joga e ganha, por assim di-zer, antes que o sujeito constate isso, a ponto de, no jogo do Witz, do chiste, por exem-plo, ele surpreender o sujeito. Com seu flash, o que ele ilumina é a divisão entre o sujeito e ele mesmo (LACAN, 1964: 854).

LACAN constrói um esquema para exemplificar sua teoria do código e da

mensagem no Witz (anexo 2), a partir do esquema que representa o duplo fluxo pa-

ralelo do significante e do significado de SAUSSURE (1970/1ª ed. bras.) – de onde

76

LACAN confirma ter forjado a imagem do ponto de basta. Assim, examina “as rela-

ções da cadeia significante com a cadeia significada” (1957-1958: 16) considerando

que há um deslizamento recíproco entre estas cadeias, mas que também há pontos

de ligação, “como o entrecruzamento das duas linhas em sentido inverso” (Ibidem:

17). A partir daí LACAN (1957-1958) trata inteiramente do plano do significante, dei-

xando o significado de lado, pois os “efeitos sobre o significado estão em outro lu-

gar“ (p.18).

A primeira linha representa a cadeia significante na medida em que permanece inteira-mente permeável aos efeitos propriamente significantes da metáfora e da metonímia, o que implica a atualização possível dos efeitos significantes em todos os níveis, inclusive no nível fonemático, em particular. O elemento fonológico é, com efeito, aquilo que funda o trocadilho, o jogo de palavras etc (Ibidem: 18).

A segunda linha, que atravessa a primeira, é a do discurso racional onde es-

tão integrados alguns empregos do significante no uso do discurso. “Ela é, portanto,

a linha do discurso corrente, comum, tal como este é admitido no código do discurso

que chamarei de discurso da realidade que nos é comum” (Ibidem: 19). Aí o sentido

está praticamente dado e acaba por consistir num discurso que LACAN chamou de

discurso vazio (1953).

Como vocês podem ver, portanto, esta linha é o discurso concreto do sujeito individual, daquele que fala e se faz ouvir, é o discurso que se pode gravar num disco, ao passo que a primeira é tudo o que isso inclui como possibilidades de decomposição, de reinter-pretação, de ressonância e de efeitos metafórico e metonímico. Uma vai no sentido in-verso da outra, pela simples razão de que elas deslizam uma sobre a outra (LACAN, 1957-1958: 19).

LACAN chama de código o ponto onde este discurso corrente encontra-se

com a cadeia significante – um ponto –, onde o significante encontra um feixe de

empregos. É no Outro que o código se encontra. O código é a cadeia significante

que está no Outro. A mensagem é “o resultado desta conjunção do discurso com o

significante, como suporte criador do sentido” (Ibidem: 20). A mensagem é este se-

gundo encontro – o ponto – que constitui o sentido, onde ele vem à luz, onde a

verdade é anunciada. Entretanto nem sempre o discurso faz este percurso de en-

contro com a cadeia significante, e permanece num “curto-circuito entre e ’ ” nu-

ma mera repetição, sem dizer “absolutamente nada, a não ser assinalar-lhes que

sou um animal falante “(Ibidem: 20). Entre e ’ se dá a relação entre o [Eu] (Je),

que é aquele que fala, e o objeto. Daí conclui-se que nem sempre o discurso faz

sentido e só o faz no encontro com o Outro.

77

II. 1. d) SINTOMA

Se a fala do paciente é o objeto do psicanalista em sua práxis, o meio que es-

te tem de esclarecer a ação e interpretação psicanalítica, é através da compreensão

da estrutura da linguagem e suas leis de funcionamento. O sintoma, também estrutu-

rado como uma linguagem, onde pode-se escutar o sujeito do inconsciente, precisa

ser falado e interpretado.

[...] Todo fenômeno analítico, todo fenômeno que participa do campo analítico, da des-coberta analítica, daquilo com que lidamos no sintoma e na neurose, é estruturado como uma linguagem (LACAN, 1955-56:192).

Para aqueles que estudam seu objeto através da fala, como o é na experiên-

cia do psicanalista, é preciso saber distinguir as estruturas superficiais e profundas

do discurso do sujeito falante, naquilo que é falado, para escutar o sintoma na fala

de seu paciente. “Ao mesmo tempo, a psicanálise considera qualquer sintoma como

linguagem: portanto faz dele uma espécie de sistema significante cujas leis temos de

descobrir, leis essas que são semelhantes às de uma linguagem” (KRISTEVA, 1969:

306).

A fala, com efeito, é um dom de linguagem, e a linguagem não é imaterial. É um corpo sutil, mas é corpo. As palavras são tiradas de todas imagens corporais que cativam o su-jeito; podem engravidar a histérica, identificar-se com o objeto do Penis-neid, representar a torrente de urina da ambição uretral, ou o excremento retido do gozo avarento (

LACAN, 1953: 302). 29

Os sintomas histéricos, por exemplo, são uma espécie de linguagem que se

expressa inclusive através do corpo, nas conversões histéricas. Para dissolver o sin-

toma inconsciente desejo e gozo , aí incrustado no corpo, é preciso interpretar a

sua linguagem, a sua mensagem, o seu sentido. A histérica pode apresentar todos

os sintomas de gravidez sem estar grávida, expressando assim um conflitado desejo

inconsciente de engravidar.

Para a psicopatologia psicanalítica, o próprio corpo fala. Recorde-se que Freud fundou a psicanálise a partir dos sintomas histéricos que ele soube ver como “corpos falantes”. O sintoma corporal é sobre determinado por uma rede simbólica complexa, por uma lin-

29

Penis-neid: inveja do pênis. FREUD ao estabelecer suas teorias sobre a sexualidade, nos fala da inveja do pênis que a menina sente quando vê o órgão masculino, ao constatar que não o possui. Outros objetos são investidos “metaforonimicamente” da inveja do pênis a partir daí.

78

guagem cujas leis sintácticas é preciso descobrir para se resolver o sintoma (KRISTEVA, 1969: 312).

Os excrementos do corpo são identificados, conforme sabemos pela teorias

da sexualidade da doutrina freudiana, com o dinheiro. Isto explicaria a relação de-

masiado íntima que os neuróticos obssessivos mantêm com o dinheiro, ora retendo-

o, ora expulsando-o violentamente, com isto obtendo dolorosos prazeres. Estes sin-

tomas neuróticos são endereçados ao Outro, tal como um bebê oferece “seu presen-

te” – suas fezes – à mamãe, ou do contrário, o bebê expressa sua contrariedade

com o ambiente ao retê-lo. Desta forma o funcionamento corporal expressa uma es-

pécie de linguagem, uma espécie de diálogo com o Outro através do sintoma.

O que constitui o campo analítico é idêntico ao que constitui o fenômeno analítico, ou se-ja, o sintoma. E também um número enorme de outros fenômenos ditos normais ou sub-normais, que não haviam sido até à análise elucidados quanto a seu sentido, estenden-do-se para muito além do discurso e da fala, já que se trata das coisas que acontecem na sua vida quotidiana. Depois os lapsos, distúrbios de memória, sonhos, mais o fenô-meno do chiste, que tem um valor essencial na descoberta freudiana porque ele permite ver claramente a coerência perfeita que tinha na obra de Freud a relação do fenômeno analítico com a linguagem (LACAN, 1955-56:189).

Podemos observar que linguagem e inconsciente se confundem. LACAN refe-

re-se ao inconsciente como isso que irrompe no discurso como um extra-dito ou co-

mo um inter-dito para expressarmo-nos num sentido edipiano que trai a intenção

consciente de sermos “verdadeiros e óbvios”. É nestes tropeços que o sujeito do

desejo comparece com sua fantasia. A prova, que se tem do inconsciente é o fun-

cionamento do discurso, no qual se observa a paradoxal presença de sentido na au-

sência de significado insistência que remete ao inconsciente.

Freud sublinha no entanto que a elaboração do sonho é o que faz do sonho o primeiro modelo da formação dos sintomas. Ora, essa elaboração se parece muito como uma a-nálise lógica e gramatical, que se tornou apenas um pouco mais erudita do que aquela que fazemos nos bancos escolares (LACAN, 1955-56: 270-271).

No Congresso de Roma, realizado em 1953, LACAN discorre sobre a Função

e campo da fala e da linguagem em psicanálise, dando seu reconhecimento de que

o campo em que o psicanalista atua é o da fala, e que o psicanalista deveria se tor-

nar mestre nas funções desta. A fala do paciente é o meio do qual a psicanálise dis-

põe como agente de cura dos pacientes, num durcharbeiten30 traduzível por working

through. O objeto da Psicanálise é o Inconsciente, o não dito, o interdito das entreli-

30

Trabalho através de.

79

nhas da linguagem, que emergem como se fossem faladas, porém veladas. O in-

consciente quase sempre é percebido como algo externo, como algo estranho pela

consciência, como um Outro.

O Outro, a quem se endereça o discurso do inconsciente, faz parte do próprio

conceito do inconsciente. O inconsciente não é nenhuma zona (escondida) abissal

da alma, pois está nas reentrâncias do próprio discurso, (que não é chapado, direto

ou reto), mas repleto de nuances. É um caleidoscópio de sentidos, de efeitos, de

significações.

Eis aí algo [com o tempo a psicanálise funcionava cada vez menos na base de revela-ções analíticas] que permite pensar que há alguma realidade no que lhes estou expli-cando, isto é, na existência da subjetividade como tal e nas suas modificações no decur-so dos tempos, segundo uma causalidade, uma dialética própria, que vai de subjetivida-de a subjetividade, e que talvez escape a qualquer espécie de condicionamento indivi-dual. Nestas unidades convencionais, que denominamos subjetividades devido a particu-laridades individuais, o que ocorre, o que torna a fechar-se, o que resiste? (LACAN, 1956-57: 19).

LACAN afirma que é de uma linguagem que se trata no simbolismo exposto

na análise, com um caráter universal, “uma língua que se fizesse ouvir em todas as

outras línguas, mas absolutamente peculiar ao sujeito” (LACAN, 1953: 295). É então

daí que se depreende o sentido do sintoma, o discurso do sujeito do inconsciente,

que quer dizer através das palavras, o seu sentido, como um sonho a ser interpreta-

do. O sintoma traz o ancoramento, o ponto de basta entre significante e significado,

entre o Simbólico e o Imaginário.

O sintoma, aqui, é o significante de um significado recalcado da consciência do sujeito. Símbolo escrito na areia da carne e no véu de Maia, ele participa da linguagem pela am-bigüidade semântica que já sublinhamos em sua constituição.

Mas é uma fala em plena atividade, pois inclui o discurso do outro no segredo de seu código (LACAN, 1953: 282).

Algumas destas indagações surgiram em nosso cotidiano na prática psicanalí-

tica, a partir da escuta clínica de pacientes cujo material de trabalho é linguagem.

Pudemos observar que, no trato com o sintoma, através da fala do paciente, o que

se desvenda são as significações para o paciente daquilo que lhe marca. Quando

traduzida a cena em palavras tal como um sonho sendo interpretado fazem-se

presentes efeitos de dissolução de sintomas neste trabalho, que é de elaboração

simbólica do problema sintomatizado.

80

Sem dúvida, todo o processo que levou a essa tendência atual da psicanálise remonta, antes de mais nada, à consciência pesada do psicanalista pelo milagre operado por sua fala. Ele interpreta o símbolo e eis que o sintoma, que o inscreve como letras de sofri-mento na carne do sujeito, se apaga. (LACAN, 1953: 307).

Ou seja, dito isto, podemos compreender o sintoma psíquico como algo inscri-

to na carne, da ordem do pulsional e que carece de linguagem, ou melhor, é uma

forma de linguagem cuja fala precisa ser libertada. A psicanálise em sua práxis ocu-

pa-se em fazer uma leitura dos dizeres do paciente, para fazê-lo falar, especialmente

sobre aquilo que está subdito, mal dito, não explícito ou interdito, como nos sonhos,

nos atos falhos, nos chistes ou no sintoma. “[...] já está perfeitamente claro que o

sintoma se resolve por inteiro numa análise linguajeira, por ser ele mesmo estrutura-

do como uma linguagem, por ser a linguagem cuja fala deve ser libertada” (LACAN,

1953: 270).

A análise dos pacientes é uma escuta do que está escondido por trás do que

é ouvido. Afinal, diz-se mais do que se pensa dizer e as palavras vêm a ter mais sig-

nificados do que se pretende enunciar. Há sempre algo mais sendo dito além do

significado, que vem a ser a produção dos sentidos particulares ao sujeito.

Compreendemos agora que o alcance da psicanálise ultrapassa largamente a zona do discurso perturbado de um sujeito. Podemos dizer que a intervenção psicanalítica no campo da linguagem tem como conseqüência maior impedir o esmagamento do signifi-cado pelo significante, que faz da linguagem uma superfície compacta logicamente seg-mentável; a psicanálise permite pelo contrário dividir a linguagem em camadas, separar o significante do significado, obrigar-nos a pensar cada significado em função do signifi-cante que o produz, e vice-versa (KRISTEVA, 1969: 314).

LACAN ao correlacionar as leis lógicas que regem a linguagem com as que

regem também as manifestações do inconsciente, deduziu que a sintomática do su-

jeito falante comparece na linguagem enquanto um sintoma que fala, que produz

sentidos entre significantes. A linguagem dos sonhos e sintomas que a psicanálise

estuda não é a língua, objeto da lingüística, “mas ela se faz nessa língua”

(KRISTEVA, 1969/1ª ed.: 313).

81

II. 2. A ESTRUTURA DO INCONSCIENTE: Real, Simbólico e Imagi-

nário.

Mas, ainda, o que fazer desse nó borromeano? Eu lhes respondo que ele pode nos servir para representar para nós essa metáfora tão divulgada para exprimir o que distingue o uso da linguagem – a cadeia, precisamente.

LACAN, 1972-1973: 173

Para LACAN a estrutura se faz presente para o falante através das amarras

tecidas pela sintomática que lhe é peculiar, a fala, entrelaçando três elos, três regis-

tros possíveis mo psiquismo: Real, Simbólico e Imaginário. É através do entrelaça-

mento destes três elos pelo Sinthoma (Sinthome) que temos a estrutura do falante.

Estes registros são alcançados pelo falante no atravessamento do Édipo, enquanto

o estruturante que participa da estrutura, já que a castração, que impõe o seu atra-

vessamento, é o que resulta desta operação constituinte de um sujeito do inconsci-

ente, como veremos no próximo capítulo com detalhes. Na sua constituição, o sujei-

to é fruto do desejo: ele deixa de ter o Real (este inacessível) das coisas, para ter

signos, para ter palavras, e assim introduz-se no mundo Simbólico. Para LACAN “o

símbolo se manifesta como assassinato da coisa, e essa morte constitui no sujeito a

eternização de seu desejo” (LACAN, 1953: 320).

LACAN fala de três proposições, três registros – o Real, o Simbólico e o Ima-

ginário – que se entrelaçam, formando um nó borromeano. O borromeanismo é uma

generalização de um axioma fundamental, ele nos diz, reconhecível por nós como

uma corrente em O Sofista. São três registros, são três círculos que formam um nó

tal, que quando desfeito um dos círculos, todos os demais se soltam. A singularidade

da amarração deste nó é a reunião de dois círculos por um terceiro. Pode-se abstrair

sobre o que LACAN fala destes três registros psíquicos, estruturais para o psiquismo

do sujeito falante, que:

82

1. O Imaginário (I) é tudo aquilo que faz laço, que estabelece ligações

entre o eu e o outro: é relação, identificação, representação como similitude

daquilo que é representado. O semelhante liga-se ao dessemelhante, mesmo

sendo pela abstração de suas qualidades, e a representação pressupõe a se-

melhança e a relação.

2. O Simbólico (S) é tudo aquilo que se escreve: é alíngua, com a qual é

possível dizer os nomes, as palavras. Pelo S podemos dizer que há o discerní-

vel, que há o um. É o Simbólico que faz haver distinção, recorte de um signifi-

cante no Outro.

3. O Real (R) é o corte, é a ex-istência: ele é a hiância intransponível que

fará escrever o S, a alíngua. O R é o irrepresentável e o impossível de ser sim-

bolizado.

O I instaura o espaço e o tempo na relação enquanto que o R é o aconteci-

mento que faz o fora-do-tempo e o fora-do-espaço.

Lá donc où I instaure l’espace et le temps comme des modes spécifiables du rapport, dont le croisement détermine la forme de tout événement possible, R y tranchera comme le hors-espace dont certaines topologies font métaphore, comme le hors-temps dont l’instant fait date, comme le hors-événement que la purê rencontre réalise. (LACAN, 1974-75: 9).

.31

LACAN correlaciona o R ao Thanatos – a pulsão de morte, que tem ação des-

trutiva – e o I ao Eros “de la liaison” 32 – a pulsão erótica, de vida, que busca fazer

ligações, unificações, em unidades cada vez maiores. A morte é uma dispersão e

sua emergência, como Real, suscita o horror ao desconhecido, ao que não está es-

crito nem representado.

O R e o S não são representáveis; isto cabe ao I. O R e o I não são passíveis

de se escreverem, a não ser o S. Nem o I nem o S são existentes, pois só o R exis-

te. Ou seja, as três suposições lacanianas não são acessíveis umas às outras.

31

Lá onde o I instaura o espaço e o tempo como os modos especificáveis da relação, cujo cruzamen-to determina a forma de todo o acontecimento possível, R cortará como fora-do-espaço cuja certa topologia faz metáfora, como fora-do-tempo de que o instante faz data como fora-do-acontecimento que o puro reencontro realiza. 32

da ligação.

83

Os três registros formam um entrelaçamento de três indestrutíveis círculos,

entrelaçamento que tem a forma de um nó borromeano (anexo 3). Também se pode

dizer, desta indestrutibilidade, que as coisas não cessam de existir, nem de se es-

crever, nem de se representar. “Autrement dit, quelque chose ne cesse de s’existir;

quelque chose jamais ne cesse de s’escrire – si du moins, comme on le supose, ça

parle –; quelque chose enfin ne cesse de se représenter”33 (LACAN, 1974-1975: 10).

O ser falante é o semelhante e o dessemelhante, pois que é semelhante ao

gênero humano e dessemelhante ao parceiro próximo. É no estádio do espelho que

este ser se reconhece como participante do gênero humano. É na ligação de I que

se fazem uniões, o reconhecimento, as leis. LACAN afirma que é o supereu quem

preside as relações entre os seres humanos e seu próximo. O I se esgota na repre-

sentação e nada de I nem de R – a essência do nó para LACAN – mas o imaginário

faz imaginar o R, onde se espelha um Eu.

Quando há o corte do desejo ocorre um desatamento do nó, desfazendo re-

presentações imaginárias, suspendendo o sentido. No instante em que corta o sen-

tido, se conjugam a morte e o non sense.

A interpretação na análise é o desatamento do nó borromeano, que se desfaz

momentaneamente, para refazer-se em seguida incluindo novas elaborações simbó-

licas da coisa. O momento em que a ligação se desfaz é o momento da verdade

“coupure réelle subvertissant les surfaces où elle opère”34.”

Então a irrupção de R está amarrada à S, já que o instante da surpresa, do

susto, suspende o sentido do imaginário, fazendo num momento seguinte produzir-

se simbólico. E entre um antes e um depois acontece o real ao sujeito, como desejo,

em forma de desejo. Ao nó borromeano se enlaça um quarto elo, que dá amarração

aos outros três, e que aponta para a possibilidade de estruturação do falante como

tal: o Sintoma, que, humano por excelência, vem dar voz ao sujeito (anexo 4). O S é

o que se escreve, é a letra, o significante, é o que inscreve a ordem simbólica para o

33

Dito de outro modo, alguma coisa não cessa jamais de existir, alguma coisa não cessa jamais de se escrever – pelo menos, como supomos, isso fala – alguma coisa não cessa enfim de se represen-tar. 34

corte real subvertendo à superfície onde ele opera.

84

falante, em suas tentativas de esgotar o R. O Imaginário é a representação, é a se-

mântica, o sentido, a significação, que faz ligação, que faz liame social.

Se para os lingüistas o simbólico é inconsciente e deriva da linguagem, vemos que na Psicanálise é o simbólico que se constitui como condição da linguagem e portanto do in-consciente. Revela-se assim o postulado da sobredeterminação simbólica dos fenôme-nos psíquicos proposto por Freud.

O conceito de estrutura para Lacan remete ao Nó Borromeano como a forma de articula-ção do Real, Simbólico e Imaginário, pelo Sintoma – estruturantes –de maneira a intro-misturar o sujeito em relação a cada um destes Registros. A estrutura enquanto tal é pré-construída e pré-constitui qualquer sujeito (LEITE, 1994: 49-50).

Algumas questões ainda restam a serem respondidas. O Real pode ser en-

tendido como o referente, a coisa originalmente excluída da estrutura da linguagem?

Poderíamos supor que, na estrutura do falante pela visão lacaniana, o R possa ser a

“coisa” que SAUSSURE se negou a incluir como referente em sua concepção da

estrutura da língua, já que é a “coisa” que faz escrever o Simbólico, faz produzir lin-

guagem? Sem dúvida que o referente é aquilo a que nos referimos quando o nome-

amos, ou na verdade supomos nos referir, pois o que se escreve não tem corres-

pondência com o “aquilo” que faz escrever. Então o Real, ao qual a língua se refere,

seria a matéria, o concreto que surge na suspensão do Simbólico, no intervalo do

sentido? Então podemos estabelecer aqui uma outra diferença da estrutura da lin-

guagem para LACAN – que inclui o Real, a “coisa” – para a versão estruturalista da

língua, onde não é encontrado o referente do signo?

O discurso concreto é a linguagem real, e a linguagem, isso fala...

O material significante, tal como sempre lhes disse que ele é, por exemplo sobre esta mesa, nestes livros, isso é o simbólico. (LACAN, 1953-54: 65).

LACAN fala do Simbólico como o fictício que estrutura o inconsciente como

uma linguagem e que faz o homem buscar "o retorno de um signo". “É o mundo das

palavras que cria o mundo das coisas, inicialmente confundidas no hic et nunc do

todo em devir, dando um ser concreto à essência delas [...]. O homem fala, pois,

mas porque o símbolo o fez homem “ (LACAN, 1953: 277-278).

O Simbólico vem instaurar uma ordem mediadora, entre o Real e o Imaginá-

rio, como um instrumento lógico de transposição de uma ordem mítica, de um pen-

samento mítico, edípico por excelência. Este processo é sincrônico da entrada em

cena de um Outro, enquanto interditor: a linguagem como morte da coisa, a partir de

85

então perdida, e jamais reencontrada. A linguagem então interpõe-se como um an-

teparo entre o Real, “a coisa” – das ding – para sempre perdida, e o sujeito.

É a ordem da linguagem que dá estrutura ao inconsciente, cindindo o sujeito

pelo significante, o que acaba por constituí-lo em um sujeito clivado, cindido, barrado

($). Dito de outro modo, o significante primeiro, retirado do campo dos significantes,

traz a ordem simbólica – uma interdição do dualismo imaginário, que decreta a morte

da coisa. O significante em sua face Real, não é estruturado, é impossível de ser

estruturado, escapando às tentativas de simbolização. Ele é o estruturante que par-

ticipa da estrutura.

Se a articulação dos significantes na sua estruturação própria é como tal insuficiente pa-ra dar conta da experiência de que trata a Psicanálise é porque a estrutura neste campo inclui além do Simbólico (jogo significante) e do Imaginário (representações) também o registro do Real (LEITE, 1994: 66).

É o Imaginário o que vem se esburacar pela presença do Real, que compare-

ce enquanto falta - falta esta que é simbolizada para o falante como castração sim-

bólica, produzida pelo objeto que não há.

Neste sentido a realidade é a fantasia e os pensamentos enganam, pois o

que é percebido pelo neurótico, o é sempre através do véu colorido pela sua reali-

dade psíquica. O objeto da falta se presentifica pela palavra, ou seja, a linguagem se

estabelece para o sujeito no lugar de uma falta. Por isto sempre remeterá a ela. O

objeto de desejo é signo da sua falta constitutiva, que emerge junto com a emergên-

cia do sujeito desejante.

A linguagem é constituída no jogo de presença/ausência da coisa, ou seja, a

linguagem é forjada para um sujeito justo na ausência da “coisa”. Ela tece sobre a

falta Real do objeto uma nomeação Simbólica que visa encobrir a falta, mas tam-

bém, por sua dialética, acaba por desnudá-la, por apontar esta falta.

Pela palavra, que já é uma presença feita de ausência, a ausência mesma vem a se no-mear em um momento original cuja perpétua recriação o talento de Freud captou na brincadeira da criança. [...]

Pois ainda não é o bastante dizer que o conceito é a própria coisa, o que uma criança pode demonstrar contrariando a escola (LACAN, 1953: 277-278).

LACAN ocupa-se cada vez mais, em sua obra, das questões do Real, este

que não é estruturado, este que é impossível de simbolizar, mas que provoca o de-

86

sejo, a busca, o deslocamento do significante, a perseguição do Simbólico sobre o

Real que lhe escapa – como o desejo do próprio LACAN, que é movido pela falta

advinda do real.

Se o aforisma “o inconsciente estruturado como uma linguagem” é o ponto de partida de uma leitura do texto freudiano centrada na primazia do Simbólico, isto no entanto não deixa de produzir um resto que vem apontar para o Real em jogo na experiência psica-nalítica (LEITE, 1994: 55).

Este Real que insiste e persiste, como a pulsão sexual, é o registro que inva-

de o Imaginário provocando uma surpresa, um esburacamento do sentido. E o Sim-

bólico vem aplacar a angústia desse acossamento pelo Real, com sua intermedia-

ção.

A estrutura do inconsciente, que vem dar lugar a um sujeito no campo discur-

sivo da psicanálise, “consiste, pois, no entrelaçamento dos três registros, pelo Sin-

toma”, realizando “a inclusão do Real na estrutura do sujeito” uma vez que “a estru-

tura é real” (LEITE, 1994: 53).

87

II. 3. A ORDEM SIMBÓLICA E O ADVENTO DA LINGUAGEM

É no nome do pai que se deve reconhecer o suporte da função simbólica que, desde o limiar dos tempos históricos, identifica sua pessoa com a ima-gem da lei.

LACAN, 1953: 279

FREUD em Totem e tabu (1913-1914) mostra-se um adepto do Darwinismo e

fala da passagem do primata ao ser humano como um fato que se deu em função de

leis impostas no reino animal, sob o medo da morte. Sob ameaça de pena de morte

pelo pai primata, os filhos aprenderam a temer a proibição de ter a mãe como fêmea

e passaram a desejar ser como o pai, criando seu próprio grupo de mulheres. Esta é

uma construção mítica freudiana da suposição darwiniana da evolução do homem,

em direção à uma construção de um mundo Simbólico, onde está fadado à ser dese-

jante. Isto explica a sintomática edípica de que padece a humanidade: “O homem é

efetivamente possuído pelo discurso da lei, e é com esse discurso que ele se casti-

ga, em nome dessa dívida simbólica que ele não cessa de pagar sempre mais em

sua neurose” (LACAN, 1955-1956: 276).

Para alcançar o status Simbólico, o homem precisa atravessar o Complexo de

Édipo, deixando-se atravessar pela Lei do pai. “Como esse controle pode ser esta-

belecido, como o homem entra nessa lei, que lhe é estranha, com a qual ele nada

tem a ver como animal? É para explicá-la que Freud constrói o mito do assassinato

do pai“ (Ibidem).

Ao desenvolver seus estudos sobre o tabu, sobre o pensamento animista do

homem selvagem e a origem dos desejos inconscientes, FREUD percorre as pes-

quisas disponíveis no seu tempo, inclusive as de CHARLES DARWIN, sobre o esta-

do social dos tempos primitivos. FREUD relata que "de los hábitos de vida de los

monos superiores, Darwin infirió que también el hombre vivió originariamente en

88

hordas más pequeñas, dentro de las cuales los celos del macho viejo y más fuerte

impedían la promiscuidad sexual” (1913-1914: 128).35

Assim o macho adulto vivia sozinho com suas várias companheiras, expul-

sando os filhos machos quando em idade de procriar sendo estes " los machos más

jóvenes, expulsados de esse modo y obligados a merodear, si em definitiva consi-

guen uma compañera, habrán sido impedidos de entrar em um apareamiento con-

sanguíneo demasiaso estrecho dentro de los miembros de uma misma família”

(DARWIN, 1871, 2, págs 362-3 apud FREUD, 1913-1914: 128).36

Então, baseando-se nas idéias de DARWIN, conclui FREUD, em nota de ro-

dapé do texto citado, que a primeira regra social teria surgido a partir dos ciúmes do

pai primevo “’nigún macho tocará a lãs hembras em mi campamento’,...com el correr

del tiempo, esa regla, convertida em habitual, sería ‘No habrá matrimônios dentro

Del grupo local’ ” (Ibidem: 129)37, tendo evoluído por fim para proibição do incesto

dentro dos grupos de mesmo Totem, ou seja, de mesma família totêmica.

FREUD defende a idéia de que nossos mais primitivos desejos pulsam no in-

consciente sob a forma de proibição ao incesto – que originou a exogamia – assim

como a proibição de matar o Totem sagrado que é tomado como ancestral dos

povos primitivos representado pelo pai, chefe de família nos tempos modernos.

[...] Figura obscena e feroz do pai primevo, a se redimir, inesgotável, na eterna cegueira de Édipo, como conceber, a não ser por ele ter tido que curvar a cabeça sob a força de um testemunho que ultrapassava seus preconceitos, que um sábio do século XIX tenha-se apegado, mais que a tudo em sua obra, a esse Totem e tabu diante do qual os etnó-logos de hoje se inclinam como ante o crescimento de um autêntico mito? (LACAN, 1957: 523).

O pensamento do selvagem, inclusive em relação aos animais com os quais

este se identificava – como é o caso animal Totêmico –, é encontrado no pensamen-

to de uma criança comum de nossos tempos, que também se identifica com seus

bichinhos de estimação e outros, assim como revive todo o drama edípico dos povos

35

Tradução do inglês pela ESB: “[...] como os símios superiores também o homem vivia originalmente em grupos ou hordas relativamente pequenos, dentro dos quais o ciúme do macho mais velho e mais forte impedia a promiscuidade sexual." (1913-1914: 152). 36

Tradução do inglês pela ESB: “[...] forçados a vaguear por outros lugares, quando por fim conse-guiam encontrar uma companheira, preveniram também uma endogamia muito estreita dentro dos limites da mesma família" (DARWIN, 1871, 2: 362 e seg., apud FREUD). 37

"'Nenhum macho toca nas mulheres de meu acampamento' ... Com o correr do tempo, essa re-gra, que passou a ser habitual, seria: 'Nenhum casamento dentro do grupo local' " (1913-1914:153),

89

primitivos em seus primeiros anos de vida. Daí resulta o recalque originário, que vem

dar lugar aos recalques secundários, sobre ele arquitetados.

Deste confronto resulta também o recalque das pulsões eróticas e destrutivas,

retratado culturalmente através da Lei que proíbe o incesto com a mãe e o assassi-

nato de pai. O sujeito psíquico emerge em um mundo sexuado e simbólico.

O psicanalista Marco Antonio Coutinho Jorge ressalta em Fundamentos da

Psicanálise (2000), que o recalque tem origem orgânica, evocando FREUD no que

diz que "algo orgânico desempenha um papel no recalque", afirmando em seguida

que as observações de FREUD sugerem “que é precisamente graças à sexualidade

recalcada nos processos de recalque normal que surge 'uma multiplicidade de pro-

cessos intelectuais do desenvolvimento – tais como a moral, a vergonha e coisas

similares ' “(p.36).

O inconsciente freudiano é fundado no recalcamento das pulsões38 do Isso

(Id) sexuais e agressivas de uma faceta animal e irracional, que herdamos pela

filogênese, o qual precisamos sempre recalcar para sobrepujá-lo, nos tornando as-

sim, cada vez mais seres mais simbólicos, mais metafóricos e inventivos a cada ge-

ração.

O recalque orgânico seria o momento zero do recalcamento e, portanto, o próprio ele-mento fundador da espécie humana enquanto tal; nesse sentido, podemos conjecturar que ele teria sido o fator responsável pela passagem do funcionamento instintivo do a-nimal, estritamente ligado ao olfato, para o funcionamento pulsional, cujo modelo é a vi-

são. ... e a sexualidade passou a ser regida pela pulsão cuja força sublinha Freud, é uma força constante (JORGE, 2000: 58).

O inconsciente é fruto do conflituoso e necessário recalcamento do animal

primitivo, recalcamento constitutivo de um Sistema Simbólico, que jaz sob o homem

histórico-social, que veio a ser construído através da linguagem. Todo o conflito exis-

tente entre o ego, id e superego, é oriundo das proibições, leis, que propiciaram a

convivência e criação de uma cultura, e vige no inconsciente de cada um e através

de sintomas neuróticos, como interdição, como castração.

LÉVI-STRAUSS acaba por inovar no campo da antropologia ao aplicar, sob a

influência do pensamento freudiano sobre o complexo de Édipo, o método de análi-

38

Tradução brasileira adotada para Trieb. Equivalente (aproximado) do instinto (instinkt) nos animais.

90

se estrutural aos estudos dos povos e civilização. Com isto, estabeleceu a universa-

lidade da proibição do incesto, que, constatou, existe em todos os agrupamentos

humanos que tenham uma mínima organização social, constituindo-se numa ordem

Simbólica a qual todo povo está submetido. Buscando descobrir “as leis gerais da

natureza e da sociedade” ele constata que laços de alianças entre grupos familiares

são estabelecidos com casamentos fora do núcleo familiar, e descobre que a “proi-

bição do incesto fundamenta assim, a sociedade humana, e, num certo sentido, ela

é a sociedade” (1989: 26). Um pequeno número de regras reuniria fenômenos tidos

como diferentes até então, e nisto reside o caráter estrutural da análise.

A aliança rege uma ordem preferencial cuja lei, implicando os nomes de parentesco, é para o grupo, como a linguagem, imperativa em suas formas, mas inconsciente em sua estrutura. [...]

É justamente neste sentido que o complexo de Édipo, na medida em que continuamos a reconhecê-lo como abarcando por sua significação o campo inteiro da experiência, será declarado em nossa postulação como marcando os limites que nossa disciplina atribui à subjetividade: ou seja, aquilo que o sujeito pode conhecer de sua participação inconsci-ente no movimento das estruturas complexas da aliança, verificando os efeitos simbóli-cos, em sua existência particular, do movimento tangencial para o incesto que se mani-festa desde o advento de uma comunidade universal (LACAN, 1957-1958: 278).

A partir de regras universais existentes em sociedades minimamente organi-

zadas pode-se constatar a presença do Simbólico, como uma lei: a proibição do in-

cesto como universal – que cria assim a ordem do desejo como falta. O desejo é o

resto deste processo de instauração da organização simbólica, justo porque o objeto

é interditado, falta. A universalidade da proibição do incesto na interdição de casa-

mento entre parentes consangüíneos, conforme cada sociedade, vem instaurar a

uma ordem simbólica, uma lei, que instala uma ordem do desejo, já que só é proibi-

do porque é desejado, e sendo proibido, torna-se ainda mais desejado.

LÉVI-STRAUSS conclui sobre a universalidade da natureza humana, que une

as sociedades numa mesma simbólica atingindo as mesmas “certas formas de pen-

samento e moralidade”, já que “Tanto em lingüística quanto em antropologia, o mé-

todo estrutural consiste em descobrir formas invariantes no interior de conteúdos

diferentes” (LÉVI-STRAUSS, 1989: 280).

Ao buscar apoio para suas teorias, LACAN encontrou contribuições decisivas

para a psicanálise nos estudos sobre o pensamento dos povos primitivos. LÉVI-

STRAUSS (1977), ao compará-lo ao pensamento mítico, concluiu que o pensamento

91

encontrado entre os povos primitivos era mítico e, ao mesmo tempo, resquício de um

tempo antigo e um instrumento lógico para a transposição dele mesmo. O mito foi o

pensamento supersticioso e imaginário inicial, necessário para inscrever simbolica-

mente algo que, do Real, se repetia constantemente para o falante nas sociedades

primitivas, temas que formavam a cultura primitiva como: forças da natureza, a vida

e a morte, por exemplo.

LACAN, na empresa de entender e explicar o que se passava na estruturação

do pensamento Simbólico para a humanidade e para o sujeito falante, encontrou na

Antropologia Estrutural os fundamentos do Simbólico, dos quais necessitava para

explicar o "pensamento" inconsciente, como um pensamento mítico, "arcaico", que

tal como uma inscrição hieroglífica, portaria seus contrários em uma única represen-

tação. A função do Simbólico estaria justamente na intermediação, nas mediações

entre sentidos originalmente opostos e inconciliáveis, e, embora aparentemente as

narrativas míticas se constituam em uma história contínua, cada mitema39, cada e-

lemento, cada termo, cada palavra, portaria em si seu sentido contrário.

LACAN então destacou na estruturação dos mitos o princípio da não-

contradição, uma das características presentes no inconsciente freudiano. A função

Simbólica, que está na intermediação entre o Real e o Imaginário, na mediação en-

tre significações originalmente opostos ou inconciliáveis, coincide com o funciona-

mento do inconsciente freudiano, onde pensamentos e sentimentos opostos convi-

vem lado a lado, não havendo contradição entre eles.

LÉVI-STRAUSS, a título de explorar o valor significante do mito, fala da sua

universalidade, pois que recontado em todo lugar do mundo com algumas variações,

é porém invariável em termos dos elementos estruturais presentes. Ele “destrincha”

o mito enquanto "parte integrante da língua", como aquele que participa da estrutu-

ração da própria língua. LÉVI-STRAUSS propõe-se que o mito seja visto como orga-

nizado não só em sua dimensão diacrônica, que reúne as propriedades da língua e

a da palavra.

39 Elementos tomados como "grandes unidades constitutivas" presentes numa história mitológica em

suas variadas versões, e que "tem a natureza de uma relação". Constituem "feixes de relações" que, quando combinados, "as unidades constitutivas adquirem uma função significante."

92

[...] O mito se lê num sentido, mas seu sentido, ou sua compreensão, surge à superposi-ção dos elementos analógicos que voltam sob formas diversas, a cada vez transforma-das, sem dúvida para realizar um certo percurso que vai, como diria o sr de la Palice, do ponto de partida ao ponto de chegada, e que faz com que algo que no começo parecia irredutível se integre no sistema (LACAN, 1956-1957: 283).

Os mitos com suas variantes e seus mitemas, teceram a rede estrutural do

pensamento simbólico, ao se superporem uns sobre os outros. Assim, o “conteúdo”

dos mitos não teria valor em si; seu valor é uma atribuição do lugar e das relações

que ficam estabelecidos com outros “conteúdos”. LÉVI-STRAUSS acaba por conclu-

ir que os conjuntos submetidos "a operações lógicas por meio de simplificações su-

cessivas" permitem chegar "à lei estrutural do mito considerado" (1977: 252).

LACAN vai se inspirar nos mitemas de LÉVI-STRAUSS e empregar o termo mate-

ma, proveniente do grego máthema, para referir-se às mínimas unidades estruturais

da psicanálise, na tentativa de reproduzir a insistência do Real, nas letras a, $, S(A),

S1, S2,40 com o intuito da transmissão teórica da psicanálise o mais aproximada pos-

sível do Real.

A formalização matemática é nosso fim, nosso ideal. Por que? Por que só ela é matema, quer dizer, capaz de transmitir integralmente. A formalização matemática, é a escrita, mas que só subsiste se eu emprego, para apresentá-la, a língua que uso. Aí é que está a objeção – nenhuma formalização da língua é transmissível sem uso da própria língua. É por meu dizer que essa formalização, ideal metalinguagem, eu a faço ex-sistir. É assim que o simbólico não se confunde, longe disso, com o ser, mas ele subsiste como ex-sistência do dizer. [...] (LACAN, 1972-1973: 161).

O pensamento mítico foi uma etapa primária e necessária na história do pen-

samento da humanidade para que passasse a se estruturar como um pensamento

simbólico. O instrumento lógico proporcionado pela organização do pensamento an-

tigo pelo mito possibilita haver uma estrutura que é simbólica. O mito é estruturante

do pensamento simbólico na medida em que fundou a linguagem com tal repetição

constante de elementos e conseqüente estabelecimento de convenções sociais so-

bre tais temas. Dentro da teoria de LÉVI-STRAUSS, Simbólico pode ser entendido

como o pensamento organizado mediante convenções sociais que estabelecem re-

gras formais e desenvolve leis lógicas do pensamento e linguagem.

O sistema/pensamento Simbólico pode ser entendido como um pensamento

organizado mediante convenções sociais, uma herança cultural que estabelece re-

gras formais e desenvolve leis lógicas que regulam a linguagem. As leis e regras

40

O objeto a, o sujeito barrado, o significante da falta no Outro, o significante mestre e o significante do Outro.

93

lógicas que regulam a linguagem e os sistemas significantes, assim como o sistema

significante do inconsciente, como se evidencia aqui, são leis que também regulam o

inconsciente, "organizam" o inconsciente, regras que são produto e produtoras da

estrutura da linguagem. A lógica do significante proporciona a ordem das interrela-

ções humanas do mesmo modo que estrutura o inconsciente do homem.

As falas fundadoras que envolvem o sujeito são tudo aquilo que o constituiu, os pais, os vizinhos, a estrutura inteira da comunidade, e que não só o constituiu como símbolo, mas

o constituiu em seu ser. São leis de nomenclatura que determinam pelo menos até um

certo ponto e canalizam as alianças a partir das quais os seres humanos copulam en-tre si e acabam criando, não apenas outros símbolos, mas também seres reais, que ao virem ao mundo, têm imediatamente esta etiqueta que é o sobrenome, símbolo essencial no que diz respeito a seu quinhão ( LACAN, 1953: 31?).

Então, a ordem simbólica sendo inaugurada para o sujeito pelo Outro pelo

terceiro interditor, pelo Pai, pela Lei enfim compreende-se que o inconsciente seja

o discurso do Outro, como o afirma LACAN.

O estudo científico da linguagem proporcionou-nos o conhecimento das leis

de seu funcionamento, assim como também das leis do funcionamento da socieda-

de, com a projeção daquelas leis sobre o conjunto da prática social. A linguagem é

um sistema semiótico – já que perpassa todos os códigos – que integra e interliga

toda a sociedade e a cultura humana. O sujeito é obrigado a dizer, sob as imposi-

ções das leis da língua, aquilo que é possível dentro do sistema lingüístico que o

constitui, e este sistema que o constitui é coletivo, social. A língua é coercitiva, pois

obriga dizer dentro do código oferecido ao sujeito. Para ser compreendido é preciso

utilizar-se das representações coletivas da linguagem como instituição social, como

sistema supra-individual.

O sujeito é filho do significante, e só por ele é representado perante outro sig-

nificante. O significante que nomeia o sujeito é o Nome do Pai, aquele que vem do

campo do Outro. “Para a psicanálise, o significante implica, como efeito, o sujeito do

desejo inconsciente” (LEITE, 1994: 32).

LEITE (1994) afirma que o Simbólico é não só um sistema de diferenças, co-

mo concebido pelos estruturalistas, mas também “se institui como ordem, lugar do

Outro, do tesouro dos significantes, da verdade que funda uma subjetividade, a partir

do significante Nome do Pai; lugar, portanto, de onde deve emergir o sujeito”

(LEITE, 1994: 38).

94

III. A CONSTITUIÇÃO DO SUJEITO COMO EFEITO DA

ESTRUTURAÇÃO DO INCONSCIENTE COMO UMA LINGUAGEM

A psicanálise devia ser a ciência da linguagem habitada pelo sujeito. Na perspectiva freudiana, o homem é o sujeito preso e torturado pela lingua-gem .

LACAN, 1955-56: 276

Com o estudo sobre como se constitui o sujeito psíquico pretendemos obter a

afirmação da teoria deste sujeito também no campo dos estudos da linguagem, além

dele já ocupar para a psicanálise o lugar de questão central, que perpassa toda a

teoria lacaniana – voltada para a questão da constituição desse sujeito pela lingua-

gem. Talvez aqui nos detenhamos em nuances mais inobservadas pelos lingüistas,

em seu afã cientificista, que aliás apresenta alguns sinais de reformulação. Insisti-

mos neste ponto por encontrarmos entre lingüistas e psicanalistas uma distância

desproporcional à proximidade de seus objetos teóricos. Linguagem e inconsciente –

este em sua emergência de sujeito – são mais contíguos do que a maioria destes

estudiosos quer crer.

O sujeito na gramática indica o lugar do agente numa ação. Do grego subjec-

tum é aquele que está assujeitado e para LACAN é aquele que sofre ação do Outro,

da estrutura da linguagem. A constituição é aquilo que caracteriza algo como tal, que

o constitui, enquanto que estrutura é o esqueleto, composto de elementos mínimos

necessários para que se configure algo. Na lingüística, esta estrutura são elementos

mínimos encontráveis repetidamente em qualquer língua.

Sujeito é um termo que remete à questão da subjetividade, tão cara aos filó-

sofos e psicólogos que estudam a mente. A filosofia e a psicologia, que estudam a

mente, têm na consciência o conceito chave para abrir as portas da subjetividade,

95

estabelecendo uma correlação íntima entre uma e outra. Esta correlação encontra

suas raízes no século XVII, com DESCARTES (1954), através da sedimentação do

pensamento cartesiano enquanto base filosófica do pensamento moderno. “A identi-

ficação da subjetividade com a consciência parece ser um ponto inabalável da filoso-

fia moderna“ (GARCIA-ROSA, 1984: 19), que, nesta identificação, encontra os fun-

damentos para edificar toda uma epistemologia centrada no sujeito cognoscente.

[...] Desde Descartes, o sujeito ocupava um lugar privilegiado: lugar do conhecimento e da verdade. A subjetividade, identificada com a consciência, devia se fazer clara e distin-ta para que o Modelo fizesse seu aparecimento. Nessa transparência, o desejo era visto como perturbação da Ordem, era ele que modificava o pensamento tornando-o inade-quado à realidade que pretendia representar. Se a alma fosse puramente passiva, isto é, cognitiva, não haveria erro (GARCIA-ROSA, 1984: 23).

A palavra de onde se originou a palavra sujeito, subjectum, é a tradução do

grego hypo-keímenon, e subjectum na Antigüidade era como um ente entre outros, o

que jaz diante, que inclusive era o modo como se pensava o homem, pois não há

referência especial alguma nem ao homem, nem ao eu do homem no período. So-

mente com DESCARTES (1954/1ª ed.) e o desenvolvimento do novo paradigma an-

tropocêntrico derivado de seu “Cogito ergo sum”, o homem passou a ocupar o lugar

central do universo, diante do qual todas as coisas referem-se – ocupando o lugar

que Deus ocupou anteriormente no teocentrismo – homem este enquanto consciên-

cia de si, enquanto ego, como nos ensina HEIDEGGER (1979).

Através da aquisição da inabalável verdade como certeza pela metafísica car-

tesiana, o homem passa a conceber a si como um "subjectum" em relação ao qual

as coisas estão, "tornando-se senhor de todas as coisas". A partir de DESCARTES

(1954) com seu “ego cogito (ergo) sum”, traduzível por "penso, logo existo (sou)", o

pensamento passa a ser a representação do ente: "O ente não é mais simplesmente

o que é o presente, mas o que, na representação, é posto diante, é oposto, posto

como objeto. A representação é objetivação investigadora e dominadora"

(HEIDEGGER, 1979). O Mundo Moderno é o que tem o Homem como centro de to-

das as coisas, como aquele que é referência dessas coisas, ao representá-las en-

quanto conceitos racionais. As coisas passam a ser o que dela concebemos, crian-

do-se assim um mundo racional – o que se deve a DESCARTES. E o homem passa

a ser considerado um sujeito pensante, ou seja, aquele que faz representar os en-

tes, que se tornou base racional do pensamento científico.

96

[...] Descartes elaborou o que podemos chamar de sujeito da ciência. Sabemos que a emergência do sujeito cartesiano, do sujeito que diz “penso-sou”, constitui um corte na história do pensamento. Esse corte foi identificado como tal, de todas as maneiras, na história da filosofia. É um erro pensar que Descartes funda, no cogito, a identidade eu, eu, eu. O cogito cartesiano é uma coisa diferente do eu como função de síntese que os psicólogos testam (MILLER, 1988: 50).

Para MILLER (1988) o eu que pensa do cogito não corresponde ao eu global

da psicologia, responsável pelas representações da esfera psíquica, pois

DESCARTES promove o “esvaziamento da esfera psíquica, o esvaziamento do uni-

verso das representações, o esvaziamento de tudo o que é imaginário ” (p.50). O

cogito surgiria então deste esvaziamento, como o acompanhou LACAN, onde se

evidencia um sujeito esvaziado que não existe de modo algum enquanto represen-

tação, “mas sim como um simples ponto desvanescente, já que, como diz Descartes,

‘eu sou, eu penso’, mas ... por quanto tempo? Só no instante em que penso” (p.50).

Este sujeito não tem substância, portanto dessubstanciado, que, conclui MILLER

(1988), é o “agente do discurso da ciência” (p.51) e que é este sujeito que porá em

ação um significante em relação a outros significantes. Reporta ainda MILLER

(1988) que DESCARTES correlaciona este sujeito “ao Outro, ao grande Outro divi-

no” (p.51).

Ressalta MILLER (1988) que por mais paradoxal que possa parecer, “o sujei-

to do inconsciente freudiano, esse sujeito que aparentemente é muito diferente do

cogito, é o sujeito da ciência, é o sujeito pontual e desvanescente de Descartes” (p.

51). Este sujeito cartesiano foi “rechaçado do discurso da ciência “ (p.51) no momen-

to de sua emergência, estando foracluído do discurso da ciência, “o que faz com que

a ciência se apresente efetivamente como um discurso sem sujeito, como um dis-

curso impessoal [...]” (p.51). Frisa que para LACAN o sujeito do inconsciente é o su-

jeito do significante, que quer dizer o sujeito da ciência no campo da fala.

Se por parte dos fenomenólogos encontramos a ênfase na subjetividade, na

consciência através da qual estes supõem que temos acesso, como percepção, à

experiência das coisas objetivas, há na psicologia aquelas vertentes que têm na

subjetividade seu objeto, seja tomando-a como estruturas que se interpõem entre o

organismo e o meio – como processo e produto do substrato biológico –, seja to-

mando-a como construção do sujeito em sua interação sócio-histórica – que enfati-

za a compreensão da produção de signos e símbolos para a abordagem da produ-

97

ção de subjetividade. A distinção entre as concepções de sujeito apresentadas dis-

tinguem as épocas moderna e pós-moderna, além de demarcar as fronteiras entre

ciência, filosofia e psicanálise.

A compreensão desse processo na psicologia [a produção de signos e símbolos na pós-modernidade] requer que se retome a abordagem da subjetividade e sua relação com a questão da relação subjetividade-objetividade na história da Psicologia. Para tal, deve-se manter na análise do atual momento da Psicologia, de certa forma um período “pós-moderno”, o mesmo referencial utilizado para discutir a subjetividade na modernidade. Ou seja, parte-se do entendimento de que qualquer nova concepção de sujeito e subjeti-vidade é produto histórico (BOCK, Gonçalves e FURTADO, 2001:68).

A psicologia na pós-modernidade reivindica os estudos do sujeito e da subje-

tividade como campo psicológico por excelência, nele incluindo as mais recentes

influências do materialismo histórico, tomando por base, teorias marxistas da lingua-

gem, que vêem como superestrutura social, como o campo da ideologia onde os

sujeitos são produzidos.

Na modernidade, ao sujeito individual, racional e natural do liberalismo e da visão cienti-ficista, contrapõe-se o sujeito social, ativo e histórico do marxismo; é o sujeito que se in-dividualiza no processo histórico e social. Mas se contrapõe também o sujeito individual e intersubjetivo da fenomenologia e o sujeito para além da racionalidade da psicanálise. [...] Assim, se o positivismo, enquanto teoria que exacerba e cristaliza as características metodológicas da modernidade, perdeu o sujeito e a subjetividade, Husserl, Freud e Marx, cada um de uma forma, recuperam esse sujeito: o sujeito individual e intersubjetivo (Husserl); o sujeito para além da racionalidade (Freud); e o sujeito coletivo e histórico (Marx) (BOCK, GONÇALVES e FURTADO, 2001:69).

Portanto, como o distinguem estes autores acima citados, não se trata na psi-

canálise do sujeito “construído” no processo histórico e social, como convém à psico-

logia sócio-histórica, mas, diferentemente, do sujeito constituído na estruturação do

inconsciente como uma linguagem. As teorias filosófico-psicológicas da subjetivida-

de encontram no pensamento de DESCARTES (1954) suas bases fundamentais e

um campo fértil onde proliferam e se desenvolvem. Justamente na contra-mão desta

psicologia do ego ou da pós-moderna subjetividade, ou mesmo do pensamento hu-

manista, que colocou o homem como um ser especial em relação aos demais do

universo, pretendemos distinguir e diferenciar destes conceitos filosófico-

psicológicos o objeto de nossa pesquisa: um sujeito do inconsciente constituído na

linguagem, enquanto estrutura descentrada, seguindo a tradição estruturalista e

seus desdobramentos no lacanismo.

É fora deste campo que existe algo que tem todos os direitos de se expressar por [eu] e que demonstra este direito pelo fato de vir à luz expressando-se a título de [eu]. Justa-

98

mente aquilo que é o mais não-reconhecido no campo do eu que na análise, se chega a formular como sendo [eu] propriamente dito (LACAN, 1954-55: 15).

A psicanálise, em sua práxis, opera sobre um sujeito, que, diante do exposto

até agora, é o sujeito da linguagem, é o sujeito de um significante, mas não é o su-

jeito da filosofia. “A psicanálise estabeleceu que ela é discurso do sujeito. Mas ela

não precisa da filosofia para fazer com que entendam o que é um sujeito” (MILNER,

1996: 118). Este momento de independência da psicanálise é citado por MILNER

(1996) como uma antifilosofia. Ressalta que o sujeito do significante não é o sujeito

do pensamento e que o significante trabalha no inconsciente, disjunto do pensamen-

to – numa clara referência a DESCARTES e o pensamento cartesiano que instituiu o

ego autônomo como referencial do universo das certezas.

Mas para LACAN “O sujeito, o sujeito cartesiano, é o pressuposto do incons-

ciente, como demonstramos no devido lugar” (1964: 853).

A partir de DESCARTES instalou-se um antropocentrismo em que o homem,

tomado como o sujeito, é o agente em relação ao qual os objetos circundam. Sob o

impulso do estabelecimento de bases mais firmes para a ciência então emergente,

ao invés de antigos preconceitos e falsas opiniões sobre o conhecimento da realida-

de, DESCARTES (1954) dedicou-se a duvidar de todos os princípios sobre os quais

suas opiniões estavam apoiadas, abalando a confiabilidade dos sentidos e da expe-

riência das coisas como fonte de conhecimento. De seu questionamento cético res-

ta, porém, uma certeza: eu sou, eu existo. Eu enquanto este que pensa e duvida de

tudo.

DESCARTES (1954) dividia as coisas do mundo em duas categorias com as

noções de res cogitans e res extensa – substâncias pensantes e substâncias exten-

sas, estas das primeiras dedutíveis – o que se traduz pelo conhecido dualismo car-

tesiano corpo-mente (alma). De tudo duvidava ao duvidar se seus sentidos o enga-

navam, como um Deus maligno a lhe fazer trapaças. Porém, ressalvava que, se ha-

via um Deus que o enganava, por outro lado, sempre a própria existência persistirá,

pois mesmo ao duvidar de tudo, sempre ele próprio estará existindo:

Não há dúvida alguma de que sou, se ele me engana; e que me engane o quanto quiser, jamais poderá fazer com que eu não seja nada, enquanto eu pensar ser alguma coisa. ... é preciso enfim concluir e ter por constante que esta proposição, Eu sou, eu existo, é ne-

99

cessariamente verdadeira todas as vezes que a pronuncio ou que a concebo em meu espírito (DESCARTES, 1954: 43).

Considerava que a existência do Eu é o conhecimento mais certo e mais evi-

dente do que todos os demais que já teve até então, embora possa em alguns mo-

mentos não ter bem a clareza do que vem a ser este Eu. Mesmo assim,

DESCARTES afirma que resta a certeza de que ele existe, apesar de todas as de-

mais dúvidas. Se por um lado não se poderia ter os atributos da alma sem o corpo,

pois sentir, alimentar, caminhar, pensar sem a existência do corpo não seria possí-

vel, mas o atributo do pensamento, este pertence apenas ao Eu: “Só ele não pode

ser desprendido de mim. Eu sou, eu existo: isto é certo: mas por quanto tempo? A

saber, por todo o tempo em que eu penso” (1954: 46).

Então o Eu de DESCARTES é o sujeito de que LACAN fala enquanto eva-

nescente, já que ele existe, mas somente no instante em que se pensa. LACAN con-

sidera o cogito a maior façanha na certeza do saber, pois “Para a ciência, o cogito

marca, ao contrário, o rompimento com toda certeza condicionada na intuição”

(1964:845).

A derivação que a psicologia faz do Eu cartesiano é alvo de críticas de

LACAN, pois considera um “erro central” tomar por “unitário o próprio fenômeno da

consciência, tida como poder de síntese, na orla iluminada de um campo sensorial,

na atenção que o transforma, na dialética do juízo e no devaneio comum” (1964:

845).

A modernidade tem passagem com DESCARTES e com ela surge a ênfase

no sujeito em contraposição ao objeto. Com isto o homem tornou-se parâmetro prin-

cipal, o ego passou a ser tomado como árbitro e a razão humana como a inspetora

fiel da realidade.

Com a filosofia moderna, posso duvidar da existência do mundo e até mesmo da exis-tência de Deus mas nada pode ameaçar a certeza inabalável do cogito. A consciência é o absoluto. Quase três séculos depois de Descartes, ainda é em torno dessa certeza que gira o pensamento filosófico (GARCIA-ROSA, 1984: 19).

No seu 2° Seminário, LACAN (1954-1955) faz a distinção da psicanálise em

relação à filosofia e à psicologia, ao tratar do sujeito como seu objeto de análise, e

que, em seu comparecimento, traz à luz o inconsciente, demonstrando que este “es-

capa totalmente a este círculo de certezas no qual o homem se reconhece como um

100

eu. [...]. Justamente aquilo que é o mais não-reconhecido no campo do eu que na

análise, se chega a formular como sendo [eu] propriamente dito” (p.15).41 O incons-

ciente escapa ao eu, vindo a emergir no comparecimento pontual do sujeito.

41

N.A.: O eu corresponde ao moi e o [eu] ao Je, ao qual LACAN refere-se como o sujeito.

101

III. 1. SUJEITO CARTESIANO X SUJEITO DO INCONSCIENTE: Wo es

war, soll ich werden X Cogito ergo sum

Com Freud faz irrupção uma nova perspectiva que revoluciona o estudo da subjetividade e que mostra justamente que o sujeito não se confunde com o indivíduo.

LACAN, 1954-55: 16

A psicanálise freudiana provoca uma revolução do paradigma científico, com-

parável à revolução coperniciana – comparação feita pelo próprio FREUD –, ao aba-

lar o apoio da certeza cartesiana no Eu, apontando para o inconsciente – para o

Isso – e não para esta consciência ou Eu do homem, como questão nevrálgica rela-

tiva ao ser humano, demonstrando, com a hipótese do inconsciente, que o homem

não é senhor em sua própria casa.

LACAN reafirma a revolução freudiana ao apontar o deslocamento do centro

do homem no Eu, fundamentando-se nas teorias estruturais da linguagem, defen-

dendo que o inconsciente é produzido como um efeito da linguagem sobre o "ser

humano". No sentido estruturalista, o ser que se encontra no centro do homem e do

mundo humano não é o Eu, é a linguagem em sua estrutura, como aproximação do

Real. É aí que vamos encontrar o sujeito, cujas elaborações, para LACAN, não se

confundem com a inteligência, a excelência, a perfeição do indivíduo:

Freud nos diz o sujeito não é a sua inteligência, não está no mesmo eixo, é excêntrico. O sujeito como tal, funcionando como sujeito, é algo diferente de um organismo que se adapta. É outra coisa, e para quem sabe ouvi-lo, a sua conduta toda fala a partir de um outro lugar que não o deste eixo que podemos apreender quando o consideramos como função num indivíduo, ou seja, com um certo número de interesses concebidos na areté individual (LACAN, 1954-55: 16).

LACAN deixa claro, com uma metáfora tópica, que “o sujeito está descentrado

com relação ao indivíduo. É o que [Eu] é um outro quer dizer” (LACAN, 1954-55: 16).

102

O sujeito não tem seu centro no Eu, pois “do lado de fora” isso o comanda, como um

duplo. É onde LACAN introduz a questão do sujeito do inconsciente.

O Isso de que FREUD se utiliza para referir-se àquela parte estranha ao Eu,

donde provém o recalcado, é o sujeito de que LACAN se utiliza para inserir seu de-

bate no contexto filosófico-científico, que convinha à época de sua elaboração teóri-

ca. Porém é de um sujeito que se contrapõe ao sujeito da tradição filosófica, pois

que é o efeito do significante. “Este efeito é o que Freud nos ensina, e que é o ponto

de partida do discurso analítico, isto é, o sujeito”, que se explica na cadeia de signifi-

cantes:

O sujeito não é outra coisa – quer ele tenha ou não consciência de que significante ele é efeito – senão o que desliza numa cadeia de significantes. Este efeito, o sujeito, é o efei-to intermediário entre o que caracteriza um significante e outro significante, isto é, ser cada um, ser cada qual, um elemento (LACAN, 1972-73: 68).

Então, há uma referência ao ego autônomo e à certeza do cogito cartesiano,

apontando o engano imaginário que é produzido a partir de um lugar vazio. Para

LACAN um reflexo especular é percebido pela consciência como o Eu – esta que

permanece desconhecedora do que é da ordem do inconsciente. “A única função

homogênea da consciência está na captura imaginária do eu por seu reflexo especu-

lar e na função de desconhecimento que lhe permanece ligada “ (LACAN, 1964:

846).

LACAN se detém na questão do sujeito como a que “está no ponto crucial”

(1957: 519) do problema da significação. Para isto rebate ao cogito com a descober-

ta de FREUD, respondendo que “penso onde não sou, logo sou onde não penso”. E

pergunta: “O lugar que ocupo como sujeito do significante, em relação ao que ocupo

como sujeito do significado, será ele concêntrico ou excêntrico?” (1957: 520), para

responder que quando penso não sou mais aquele de quem falo, não me reconheço.

Contra a unidade do sujeito defendida pelo racionalismo, a psicanálise vai nos apontar o sujeito fendido: aquele que faz uso da palavra e diz “eu penso”, “eu sou”, e que é identif i-cado por Lacan como sujeito do enunciado (ou sujeito do significado), e aquele outro, su-jeito da enunciação (ou sujeito do significante) que se coloca excêntrico em relação ao sujeito do enunciado. Paralelamente à clivagem da subjetividade em Consciente e In-consciente, dá-se uma ruptura entre o enunciado e a enunciação, o que implica admitir-se uma duplicidade de sujeitos na mesma pessoa (GARCIA-ROSA, 1984: 23).

103

Para designar topograficamente uma região psíquica inconsciente, que não

se confunde com o eu e que se coloca em contraposição a este, FREUD foi buscar

um termo empregado por NIETZSCHE: Es (Id em sua forma latina), ou seja, o Isso.

PACHECO (1996), tendo pesquisado os caminhos e descaminhos que tomou

o sujeito, na filosofia e na psicanálise, desde quando despontou na filosofia, percor-

reu os “caminhos similares da construção de um sujeito representacional até a des-

construção deste na contemporaneidade” constatando que “ressurge hoje o sujeito

como sujeito fora da representação, não oposto a um objeto, como não-sujeito”, mas

dentro mesmo da filosofia.

A psicanálise pretende destacar não um ego, derivado do cartesianismo – um

Eu enquanto referência do universo – mas a forma como acontece o discurso do

Outro para cada sujeito falante e que vem a constituir sua singularidade. A práxis da

Psicanálise opera sobre um outro sujeito, portanto, que não seria outro senão aquele

excluído do campo da ciência, quando se constituiu: o sujeito do inconsciente.

A frase-aforismo Wo Es war, soll Ich werden, formulada por FREUD em

1932, embora já haja referências deste pensamento desde 1923, indicava sua ocu-

pação com o tema do deslocamento do Isso42, que mais tarde foi identificado por

LACAN como o tema do sujeito. Com este aforismo, traduzível por Onde isso esta-

va, então o eu advirá, FREUD demonstra que o Eu advém só depois, nos pontos

onde o Isso emergiu. Com o advento do sujeito do inconsciente, aqui representado

como o Isso, FREUD (1923) destituiu o homem do alto de seu pedestal, este lugar

central de acordo com a certeza cartesiana – demonstrando por que ele não é

senhor em sua própria casa.

FREUD (1923) propôs uma nova divisão do aparelho psíquico – a 2ª tópica –

que inclui “entidades” ou instâncias – qualidade do que é instante, que está para

acontecer, por vir – em meio aos sistemas Consciente (Cs), Pré-consciente (Pcs) e

Inconsciente (Ics): “llamando «yo» a la esencia que parte del sistema P y que es

42

Ver notas de rodapé da ESB conferência XXXI (p.92), onde o tradutor explica que o ‘Es’, corres-pondente ao ‘It’ em inglês, é um pronome neutro, traduzível por ele ou ela, e que ‘Id” é sua forma latina.

104

primero prcc, e «ello», em cambio, según el uso de Groddeck, a lo outro psíquico

em que aquel se continúa y que se comporta como icc (FREUD, 1994: 25).43

FREUD faz assim referência a um escritor, de cujas idéias sofreu influências

e cuja sensibilidade mostrou-lhe que havia algo mais no descontrole das coisas.

[...]Me refiero a Georg Groddeck, quien insiste, uma y outra vez, em que lo que llamamos nuestro “yo” se comporta en la vida de manera esencialmente pasiva, y – según su ex-presión – somos “vividos” por poderes ignotos (unbekannt), ingobernables [...] (FREUD, 1923: 25).

44

O que chamou de ‘eu’ (ego), seria o encarregado de fazer o teste de realida-

de do que é percebido, e aquele que chamou-lhe de ‘isso’ (id) sofre as influências

das pulsões.

Es fácil inteligir que el yo es la parte del ello alterada por la influencia directa del mundo exterior, con mediación de P-Cc: por así decir, es una continuación de la deiferenciación de superficies.además, se empeña en hacer valer sobre el ello el influjo del mundo exte-rior, así como sus propósitos proprios; se afana por remplazar el principio de placer, que rige irrestrictamente en el ello, por el principio de realidad. Para el yo, la percepción cum-ple el papel que en el ello corresponde a la pulsión. El yo es el representante {repräsen-tieren} de lo que puede llamarse razón y prudencia, por oposición al ello, que contiena las pasiones. [...] (FREUD, 1994:27).

45

Confessa FREUD que forjara este termo ‘Isso’ a partir das influências deste

escritor – que por sua vez sofreu a influência de NIETZSCHE, que utilizava habitu-

almente este termo gramatical para tudo que era sujeito à lei natural. ‘Isso’ é então

esta “entidade”, sujeita à uma espécie de lei natural – submetida ao Real, podemos

dizer. A escolha de FREUD sobre o termo ‘isso’, deve-se a ser ele um pronome im-

pessoal, que expressa bem a característica de ser alheia ao eu. O supereu (super-

ego) é uma parte do isso, como o próprio eu o foi, que dele se destacou carregando

os conflitos entre o eu e o isso, e que procura proteger e salvar, bem como punir

em caso de desobediência, em substituição à função que dos pais desempenharam

43

Tradução do inglês pela ESB: “[...] chamando a entidade que tem inicio no sistema Pcpt. e começa por ser Pcs. De ‘ego’, e seguindo Groddeck no chamar a outra parte da mente, pela qual essa enti-dade se estende e que se comporta como se fosse Ics., de ‘id’ ” (FREUD, 1976: 37). 44

Tradução do inglês pela ESB: “[...] Estou falando de Georg Groddeck, o qual nunca se cansa de insistir que aquilo que chamamos de nosso ego comporta-se essencialmente de modo passivo na vida e que, como ele o expressa, nós somos ‘vividos’ por forças desconhecidas e incontroláveis [...]” (FREUD, 1923: 37). 45

Tradução do inglês pela ESB: “É fácil ver que o ego é aquela parte do id que foi modificada pela influência direta do mundo externo, por intermédio do Pcpt.-Cs; em certo sentido, é uma extensão da diferenciação de superfície. Além disso, o ego procura aplicar a influência do mundo externo ao id e às tendências deste, e esforça-se por substituir o princípio de realidade. Para o ego representa o que pode ser chamado de razão e senso comum, em contraste com o id, que contém as paixões” (FREUD, 1976: 39).

105

outrora, herdeiro que é do complexo de Édipo, produzindo o conhecido sentimento

de culpa ao qual o eu está acorrentado.

Ao definir estes termos para tais “entidades”, FREUD tinha em mente um

modelo de superposição de cores que se misturavam umas às outras, sem defini-

ção exata ou nítida dos contornos entre elas, “mediante campos coloreados que se

pierden unos em otros, según hacen los pintores modernos”46 (FREUD, 1932: 74),

como afirmara na Conferência XXXI.

Na perspectiva freudiana da relação do homem com a linguagem, esse ego não é abso-lutamente unitário, sintético, ele é decomposto, complexificado, em diferentes instâncias, o eu, o superego, o isso. Conviria certamente não fazermos de cada um desses um pe-queno sujeito à nossa maneira, mito grosseiro que não avança em nada, nem esclarece nada (LACAN, 1955-56: 276-77).

O isso tem uma força incontrolável, à qual o Eu tem que, por vezes, se sub-

meter, como um cavaleiro – que é carregado por seu cavalo e obrigado a ceder à

sua vontade quando ele deseja ir por um caminho de sua própria escolha –, que

não quer perder as rédeas de seu cavalo indomado, como FREUD metaforizou: “el

yo suele trasponer em acción la voluntad Del ello como si fuera la suya propia”

(1923: 27).47

Portanto, temos um ‘indivíduo’ dividido em partes conflitantes entre si, que

quando não devidamente apaziguadas, causam transtornos sintomáticos, fazendo-

o adoecer “[...] el ser humano enferma a raiz del conflicto entre las exigências de la

vida pulsional y la resistencia que dentro de él se eleva contra ellas” (FREUD, 1932:

53). 48

O Eu reage ao sinal de angústia – que não é de outra coisa senão do de-

samparo à que o relega o Supereu, causado pelo conflito – por meio do automatis-

mo prazer-desprazer, afastando-se da fonte de angústia através do recalque, e,

formando um sintoma a partir da combinação da anticatexia do Eu, com a energia

do impulso recalcado. Ou mesmo, a anticatexia faz uma formação reativa que mo-

46

Tradução do inglês pela ESB: “[...] por meio de áreas coloridas fundindo-se umas com as outras, segundo apresentam artistas modernos” (FREUD, 1932: 101 ). 47

Tradução do inglês pela ESB: “[...] o ego tem o hábito de transformar em ação a vontade do id, como se fosse sua própria” (FREUD, 1976: 39). 48

Tradução do inglês pela ESB: “[...] os seres humanos adoecem de um conflito entre as exigências da vida instintual* e a resistência que se ergue dentro deles contra esta” (FREUD, 1932: 75).

106

difica o próprio Eu, permanentemente, como nos casos de transformação do senti-

mento amoroso pelo ódio.

Distintamente de FREUD que subdividiu o “aparelho mental” em Ich (eu), Es

(isso), Über-Ich (supereu), Bewusste (consciente) e Unbewusste (inconsciente),

LACAN fala do sujeito, “fragmentado na referência à pulsão e às identificações, que

‘pensa, sem pensador’, logo distanciado da representação filosófica clássica e, no

entanto, bem próximo de como o sujeito vem sendo tratado pela filosofia contempo-

rânea” (PACHECO, 1996: 25). Este sujeito, ressalta PACHECO, é pulsional por ex-

celência, já que é advindo da suspensão da linguagem, é advindo do real. Se

LACAN tentara criar um sujeito da representação num primeiro momento, mais adi-

ante ele o pensa como emergência do “real pulsional”.

Faz-se importante observar que os pronomes que FREUD escolheu para se

referir aos componentes do aparelho psíquico em sua 2a tópica, Ich, über-ich e Es,

ou seja, Eu, Super-eu e Isso, são o que podemos entender como produto da divi-

são subjetiva a que é submetido o indivíduo na ordem da linguagem.

Começamos com o cogito cartesiano e chegamos ao cogito freudiano. O primeiro, na sua formulação original, afirmava: ”penso, logo sou”. O segundo, numa das formulações que lhe empresta Lacan, afirma: “Penso onde não sou, portanto sou onde não me pen-so” (GARCIA-ROSA, 1984: 196).

Portanto, a concepção de sujeito em FREUD é diferente da que derivamos

de DESCARTES, pois não se trata de uma outra consciência recôndita, escondida,

mas trata-se de apontar para um outro sujeito, alheio ao Eu, inconsciente. São as

forças incontroláveis pelas quais “somos vividos” que despontam na falta de senti-

do, nas lacunas da fala, que apontam para a presença de um Outro, um estranho,

em meio ao Eu.

Para LACAN não foi possível prescindir, entretanto, da ciência, para que a

psicanálise pudesse se estabelecer: ”A psicanálise desempenhou um papel na di-

reção da subjetividade moderna, e não pode sustentá-lo sem ordená-lo pelo movi-

mento que na ciência o elucida” (1953: 285). Até porque o sujeito não está na or-

dem simbólica a não ser como presença-ausente, como referência a um Real.

*Pulsional, como convém à tradução de Trieb, o termo escolhido por FREUD para designar esta força impulsora, que encontra-se na fronteira entre o somático e o psíquico.

107

Mesmo que, sob o fascínio pela linguagem nos anos 50, possa parecer que Lacan reduz o sujeito à sua submissão à linguagem, ficando seu comparecimento restrito às afeta-ções linguageiras, creio que, desde sempre – já havendo indicações nessa época da produção de Lacan, que serão oportunamente mostradas no corpo deste livro – a voca-ção do pensamento lacaniano era chegar a um sujeito advindo do real, logo submetido à pulsão, comparecente como produção num só-depois sem nome, no ultrapassamento da linguagem (PACHECO, 1996: 20-21).

Este sujeito enquanto constituído na estruturação do inconsciente como lin-

guagem, pela intrusão da linguagem num furo Real, é o “sujeito abolido da ciência”

(LACAN, 1960: 813) que a ciência excluiu para objetificar seus estudos e experi-

mentos. Para a psicanálise lacaniana, sujeito é aquele que se submete ao Outro

este tesouro dos significantes (LACAN), que o afirma enquanto o sujeito que é o da

ciência.

Quando discorre das relações, “no sujeito”, entre a fala e a linguagem,

LACAN (1953: 281-2) estabelece três paradoxos:

1- O da loucura, onde se encontra uma fala irreconhecível ou o delírio.

O discurso é estereotipado, onde o sujeito “é mais falado do que fa-

la”, e onde pode-se reconhecer “os símbolos do inconsciente sob

formas petrificadas”, que se apresentam tal como as formas embal-

samadas dos mitos.

2- O do campo das neuroses, na descoberta psicanalítica, onde se dis-

tinguem os sintomas, a inibição e a angústia. Neste a fala “é expulsa

do discurso concreto que ordena a consciência”, que vai então apoi-

ar-se ou “nas funções naturais do sujeito” – como um “espinho orgâ-

nico”, que expressa minimamente a existência do sujeito, através da

doença – ou “nas imagens que organizam, no limite do Umwelt e do

Innenwelt, sua estrutura relacional”. Ou seja, neste último caso, a fa-

la vai apoiar-se em estágios regressivos dos primeiros momentos de

constituição do sujeito. O sintoma, na neurose, “é o significante de

um significado recalcado da consciência do sujeito”, ou seja, sintoma

e significante tornam-se símbolo mnêmico que se inscreve na “areia

da carne”, participando da linguagem “pela ambigüidade semântica”.

O sujeito dialoga com o Outro, como sintoma, como se estabeleces-

108

se uma fala sob outra fala. “Mas é uma fala em plena atividade, pois

inclui o discurso do outro no segredo de seu código.”

3- O do sujeito, “que perde seu sentido nas objetivações do discurso”,

quando assimilado ao enunciado. Aí se encontra a alienação mais

profunda do “sujeito da civilização científica”, com a qual nos depa-

ramos de imediato numa análise, ao escutarmos sua enunciação,

que circula num sentido inverso ao discurso do enunciado.

Donde se pode abstrair que o inconsciente insiste e ex-iste na linguagem do

sujeito, estruturado que é como linguagem, que perpassa a fisiologia corporal, trans-

formando o corpo num artifício no mundo simbólico-cultural. É num corpo pulsional,

produzido no acossamento do Real, onde habita o sujeito. O sujeito é advindo do

Real, comparecendo na suspensão da linguagem, como pulsão.

109

III. 2. A CONSTITUIÇÃO DO SUJEITO: Estádio do espelho, Édipo e

castração

A assunção jubilatória de sua imagem especular por esse ser ainda mergu-lhado na impotência motora e na dependência da amamentação que é o fi-lhote do homem nesse estágio de infans parecer-nos-á pois manifestar, nu-

ma situação exemplar, a matriz simbólica em que o eu se precipita numa forma primordial, antes de se objetivar na dialética da identificação com o outro e antes que a linguagem lhe restitua, no universal, sua função de su-jeito.

LACAN, 1949: 97

Segundo DOSSE (1993), LACAN retoma o debate da perspectiva cartesiana

– o eu, a dúvida e o pensamento – em contraposição ao ‘eu’ que não se pensa –

onde não o reconhecemos – em “O estádio do espelho como formador da função do

Eu (je) tal como nos é apresentado pela experiência psicanalítica”– escrito em 1936

para o Congresso de Marienbad e reescrito em 1949 para publicação. Discute então

a questão do Eu e do sujeito, investindo na desmitificação do ego, sendo este “um

dos aspectos mais importantes e mais discutidos da filosofia estruturalista” (p.64). O

que é produzido no estádio do espelho é uma identificação – uma “transformação

produzida no sujeito quando ele assume uma imagem” (LACAN, 1949: 97).

A função do estádio do espelho revela-se para nós, por conseguinte, como um caso par-ticular da função da imago, que é estabelecer uma relação do organismo com sua reali-dade – ou, como se costuma dizer, do Innenwelt com o Umwelt (Lacan, 1949: 100).

49

Nos seus Escritos, LACAN afirma em O estádio do espelho, que o Eu (Moi) se

constrói na dialética da identificação com o outro. É a partir desta identificação, que

se dá entre os seis meses e os dezoito meses de idade, aproximadamente, quando

o infans50, o bebê humano, virá a formar um esboço do seu Eu. O infans em sua uni-

ficação imaginária num Eu, através de uma imagem alienada, dada pelo outro em

49

Innenwelt = interior, Umwelt = exterior.

110

espelho, constrói a ilusão de um Eu autônomo, em busca de realizações que pos-

sam locupletá-lo.

Este esboçar humano, que já é algum reconhecimento da presença do Sim-

bólico no Outro – aqui presente enquanto uma espécie de espelho –, ainda não é o

momento da constituição do sujeito – o Je. Mas este reflexo imaginário unificante do

espelho é uma alienação originária a que se submete este infans, sem a qual o su-

jeito não se viria a se produzir no campo Simbólico O bebê humano quando nasce é

pura carne, onde se marcará a letra da Ordem Simbólica. A projeção de um Eu se

dá, no estádio do espelho, como um efeito da presença do Outro, da Linguagem

(LACAN, 1949: 96), quando ocorre a alienação estrutural do indivíduo nesse seu

duplo: o Eu (moi).

Esse desenvolvimento é vivido como uma dialética temporal que projeta decisivamente na história a formação do indivíduo: o estádio do espelho é um drama cujo impulso inter-no precipita-se da insuficiência para a antecipação – e que fabrica para o sujeito, apa-nhado no engodo da identificação espacial, as fantasias que se sucedem desde uma i-magem despedaçada do corpo até uma forma de sua totalidade que chamaremos de or-topédica – e para a armadura enfim assumida de uma identidade alienante, que marcará com sua estrutura rígida todo seu desenvolvimento mental (LACAN, 1949: 100).

Ainda não há singularidade neste primeiro momento, já que a relação estabe-

lecida entre o infans e o outro, é dual, não incluindo um terceiro termo. O Nome-do-

pai – a Lei, a Ordem Simbólica, a linguagem enfim – é o que vem oferecer sua estru-

tura – podemos dizer, triádica – ao sujeito. Para LACAN, o sujeito é aquele que está

submetido ao Outro, ao tesouro dos significantes. O ser humano ao nascer é mergu-

lhado no mundo da linguagem, universo dos significantes, vindo a tornar-se, depois

deste batismo, um herdeiro do "tesouro depositado pela prática da fala em todos os

indivíduos" (SAUSSURE, 1970/1ª ed. bras.: 21).

LACAN afirma que a condição humana é fruto da prematuração humana no

nascimento. Ao nascer prematuro, o bebê humano torna-se excessivamente depen-

dente dos cuidados daquele que o provê, tanto em suas necessidades fisiológicas,

quanto nas afetivas, decorrentes de sua dependência. O bebê humano, diferente-

mente dos filhotes de outros animais, é insuficiente para suprir-se de suas necessi-

50

Infans é uma expressão latina, que significa aquele que ainda está por se constituir. É aquele que ainda não fala.

111

dades e assim permanece por longos anos até alcançar um estágio em que possa

andar sozinho, buscar seus alimentos, defender-se dos perigos e etc.

A partir dos experimentos de KÖHLER com chimpanzés, LACAN pôde esta-

belecer uma teoria sobre as primeiras identificações do bebê humano, que, se a

princípio tem uma inteligência inferior à dos chimpanzés, logo o supera após assumir

uma imagem própria refletida no Outro. LACAN cita BALDWIN para dizer que "a par-

tir da idade de seis meses" o bebê humano busca encontrar, com júbilo, sua imagem

refletida no espelho.

A assunção jubilatória de sua imagem especular por esse ser ainda mergulhado na im-potência motora e na dependência da amamentação que é o filhote do homem nesse es-tágio de infans parecer-nos-á pois manifestar, numa situação exemplar, a matriz simbó-

lica em que o eu se precipita numa forma primordial, antes de se objetivar na dialética da identificação com o outro e antes que a linguagem lhe restitua, no universal, sua fun-ção de sujeito (LACAN, 1949: 97).

LACAN discorre sobre a Gestalt51 desta imago em seus efeitos formadores

sobre o organismo em experimentos biológicos e vai reconhecer “na captação espa-

cial manifestada pelo estádio do espelho, o efeito, no homem, anterior até mesmo a

essa dialética, de uma insuficiência orgânica de sua realidade natural” (1949: 99-

100). Na medida em que o bebê nasce incompleto, neurofisiologicamente prematu-

ro, ele depende de um outro que lhe dê cuidados corporais e, desta dependência,

surge sua alienação: é preciso que o outro lhe empreste uma imagem para que o

infans possa concebê-la como a sua própria, antecipando, através desta imagem

unificante, o controle psicomotor de seu corpo, ainda ausente nos primeiros meses

de vida. Assim se organiza o Eu, alienando-se nesta imagem emprestada por este

outro. É o corpo imaginário antecipando-se à maturação do corpo biológico. O Eu é

uma imagem corporal, antecipação da unidade que a experiência de seu corpo ain-

da não proporcionou.

O que caracteriza esse modo dual de relação é, acima de tudo, a indistinção entre o si e o outro, e, se alguma individualidade surge nesse momento, ela é muito mais uma de-marcação do próprio corpo do que uma individualidade em termos de sujeito. Esse cor-po, é bom que nos lembremos, também não é um corpo biológico, natural, suporte do desejo, mas, ao contrário, um corpo imaginário, formado pelas inscrições maternas (GARCIA-ROSA, 1984: 213-214).

51

Termo em alemão que significa configuração, forma. Este termo vem a dar nome a um dos vários sistemas teóricos em psicologia.

112

O recém-nascido em sua descoordenação motora conhece o que lhe cerca

por partes, por pedaços, a princípio. LACAN usa a expressão francesa corps morce-

lé para designar este corpo despedaçado, fragmentado, deste recém-nascido: a bo-

ca que suga o alimento, os olhos que vêem, a barriga que ronca, até o seio que o

alimenta, que a princípio é percebido como partes de um todo, de um mundo só,

sem dentro e nem fora. É no estádio do espelho que o recém-nascido humano cria

uma unidade corporal, partindo de um corps morcelé, e vem a formar uma represen-

tação da imagem dada pelo outro, com a qual se identifica como a um reflexo no

espelho, sobre o qual se projeta sua imagem especular. Feito de um corpo, percebi-

do em pedaços, a princípio é puro auto-erotismo – fragmentos sobre os quais se

forma uma colagem especular, sobre a qual se costura um Eu.

Uma imagem especular é o que vai dar unidade ao corps morcelé do infans,

unificando e colando as partes deste corpo através de uma imagem única, dada pelo

outro, em espelho, para o bebê. O Outro se apresenta como um espelho, que traz

uma imagem “outrificada” que é projetada sobre o bebê como aquilo que o outro de-

le deseja. Propõe LACAN que o Eu, o Moi, se objetiva na dialética da identificação

com o outro, ou seja, ser o falo para a mãe, ser aquilo que lhe falta, é o que vai dar

unidade ao corps morcelé do bebê. É através do desejo do outro, que o bebê cons-

trói sua identidade imaginária, a imagem do que o outro deseja que o bebê deseje. É

pela via deste desejo do outro que o bebê vem a ser aquilo que falta para a mãe,

vem a ser o seu falo. O reflexo imaginário unificante do espelho é alienação, assujei-

tamento, ao qual se submete o sujeito no momento inaugural de seu percurso de

constituição como um sujeito do inconsciente.

O imaginário não é pois autônomo em relação ao simbólico, mas um momento subordi-nado à Ordem simbólica [...] O simbólico, por sua vez, é a ordem, a Lei, o que distingue o homem do animal e funda o inconsciente. A Ordem Simbólica é a ordem humana, é tran-sindividual na medida em que precede o sujeito e é a condição de sua constituição como sujeito humano. É no interior do Simbólico, e por intermédio dele, que o imaginário pode constituir-se (GARCIA-ROSA, 1984: 213-214).

O Outro, enquanto uma espécie de espelho, desde sempre introduzido como

suporte para a relação do infans com um outro, devolve ao infans em sua relação de

semelhante a semelhante, a demarcação unificante de um corpo até então esfacela-

do. Assim, em um primeiro nível, é o Imaginário o primeiro registro psíquico a dar

suporte ao sujeito em constituição, porém pela desde já presença do Simbólico.

113

[...] O termo [dual] expressa a natureza especular da relação que consiste numa oposi-ção imediata entre a consciência e o outro. O que sobretudo é marcado aqui é a distin-ção entre o interior e o exterior (entre o Innenwelt e o Umwelt). Contudo, essa relação, por ser imediata, isto é, por não se fazer pela mediação da linguagem, se esgota nesse jogo especular ao qual a primeira consciência se perde ou se aliena. Ao procurar a reali-dade de si, ela encontra apenas a imagem do outro com a qual se identifica e na qual se aliena. O outro, no caso, é a Mãe (GARCIA-ROSA, 1984: 213-214).

Se o despedaçamento do corpo era a experiência possível ao infans, este es-

pelhamento imaginário vai produzir uma identificação que unifica a imagem especu-

lar, que vai dar o norte a este infans, a princípio imerso em sua desordem pulsional

auto-erótica.

É esse momento que decisivamente faz todo o saber humano bascular para a mediatiza-ção pelo desejo do outro, constituir seus objetos numa equivalência abstrata pela con-

corrência de outrem, e que faz do eu esse aparelho para o qual qualquer impulso dos instintos será um perigo (LACAN, 1949: 101).

O assujeitamento à Ordem Simbólica, à qual se submete o sujeito, só vai se

dar a partir do primeiro momento do Édipo – coincidente com o terceiro e último

momento do estádio do espelho – em que a criança é o falo para a mãe, só vindo a

constituir-se um sujeito do inconsciente na medida em que este sujeito em constitui-

ção é atingido pela castração, pelo significante, pela Lei do Pai, pelo Nome-do-Pai.

Isto implicará num distanciamento Simbólico do Imaginário, ou seja, numa interme-

diação simbólica entre o sujeito e o outro, essa coisa imaginária. “É uma rivalidade

fundamental, numa luta com a morte primeira e essencial, que se produz a constitui-

ção do mundo humano como tal” (LACAN, 1953-1954: 51).

Embora o estádio do espelho não seja ainda o momento de constituição do

sujeito, há desde aí um sujeito em processo de constituição, que se irá concluir

quando o sujeito for submetido à ordem da linguagem, quando o Édipo for atraves-

sado, instaurando assim a Ordem Simbólica. Antes disso o que temos é o domínio

do Imaginário, produtor de um Eu especular, produtor da unificação imaginária por

uma imagem dada pelo outro, de um corpo imaginário. A significação primeira (o

falo) vem a ser o ponto de inserção do sujeito no campo do Outro, sendo também

um primeiro momento do Édipo, como alienação estrutural da sintomática humana –

que para dar singularidade a este sujeito em constituição, é preciso que se instale e

faça este sujeito ter voz. “[...] Encontramos esse corte comandando as duas opera-

ções fundamentais em que convém formular a causação do sujeito. Operações que

se ordenam por uma relação circular, mas, no entanto, não-recíproca” (LACAN,

114

1964: 854). A alienação e a separação operam alternadamente para constituir o su-

jeito.

Claro está que a linguagem é pré-existente ao sujeito: ela pré-existe à entrada

do sujeito na Ordem Simbólica. De antemão já está dado o campo do Outro no qual

o sujeito vai se inserir, ou seja, um campo simbólico donde ele retira os significantes

que se lhe tornarão próprios e que o constituirão enquanto sujeito (LACAN, 1953:

251), ao se estruturar o inconsciente como uma linguagem. Em sua constituição, o

sujeito é produto de uma operação dialética do significante, que cria sua divisão.

Portanto, o Eu “é essencialmente imagem corporal, ao passo que o sujeito é efeito

do simbólico, do Outro, da linguagem” (COUTINHO JORGE, 2002: 23).

A linguagem humana se estabelece para o sujeito em suplência de uma falta,

da falta do objeto – que, assim, torna-se objeto do desejo –, falta que é por ela

mesma provocada e marcada em nível do Real do corpo – tornado assim pulsional.

A linguagem vem em suplência do objeto que falta, constituindo o sujeito da lingua-

gem e a ordem do desejo, alienando estruturalmente o sujeito. A linguagem é forjada

para um sujeito justo na ausência da coisa, do objeto. Ela tece sobre a falta real do

objeto uma nomeação simbólica que visa encobrir a falta, mas também, por sua dia-

lética, acaba por desnudá-la, por apontá-la.”[...] Esse suborno secundário não ape-

nas conclui i efeito da primeira, projetando a topologia do sujeito no instante da fan-

tasia, mas o sela, recusando ao sujeito do desejo que ele se saiba efeito de fala, que

saiba o que ele é por não ser outra coisa senão o desejo do Outro” (LACAN, 1964:

850).

LACAN nos ensina: “É o significante que por um instante esteve presente,

que faz surgir sujeito onde nada havia”, e prossegue, à guisa de explicar a alienação

constitutiva, sem a qual não se faz o sujeito: “Portanto, não é o fato de essa opera-

ção se iniciar no Outro que a faz qualificar de alienação. Que o Outro seja para o

sujeito o lugar de sua causa significante só faz explicar, aqui, a razão por que ne-

nhum sujeito pode ser causa de si mesmo” (1964: 855). É nas suas relações de alie-

nação e a separação do Outro que o sujeito constitui-se. Estas operações vão, em

alternância, causar o sujeito.

115

O sujeito se divide ao alienar-se ao Outro, e dele se separando num momento

seguinte, embarcando na estrutura de um vel, como se dá nome na lógica, de uma

reunião. Nesta via o sujeito se escraviza ao desejo do Outro. Esta operação é uma

reunião em interseção de dois círculos, em que um se posiciona parcialmente sobre

o outro: de um lado está o sujeito, do outro o Outro e na área de interseção o não-

senso, onde se abre um abismo Real na linguagem.

Essa reunião é tal que o vel que dizemos de alienação só impõe uma escolha entre seus termos ao eliminar um deles, sempre o mesmo, seja qual for essa escolha. O que está em jogo limita-se, pois, aparentemente, à conservação ou não do outro termo, quando a reunião é binária.

[...] Do mesmo modo, nosso sujeito é colocado no vel de um sentido a ser recebido ou da petrificação. Mas, se ele preserva o sentido, é esse campo (do sentido) que será mordido pelo não-sentido que se produz por sua mudança em significante. E é justamente do campo do Outro que provém esse não-sentido, apesar de produzido como eclipse do su-jeito (LACAN, 1964: 855-6).

Na segunda operação, a separação, é “onde se fecha a causação do sujeito”,

e a separação tem função de limite. É onde há a clivagem do sujeito, por meio da

falta do objeto: ”Nela reconheceremos o que Freud denomina de Ichspaltung ou fen-

da do sujeito, e compreenderemos por quê, no texto em que Freud a introduz, ele a

fundamenta numa fenda não do sujeito, mas do objeto (fálico, nomeadamente)”

(LACAN, 1964: 856-7).

A forma lógica que essa segunda operação vem modificar dialeticamente chama-se, na lógica simbólica, interseção, ou o produto que se formula por um pertencimento a- e à-. Essa função modifica-se aqui, por uma parte retirada da falta pela falta, através da qual o sujeito reencontra no desejo do Outro sua equivalência ao que ele é como sujeito do in-consciente.

Por essa via, o sujeito se realiza na perda em que surgiu como inconsciente, mediante a falta que produz no Outro, de acordo com o traçado que Freud descobriu como sendo a pulsão mais radical, e que ele denominou de pulsão de morte (LACAN, 1964: 856-7).

O sujeito preenche com o objeto a, não o que falta ao Outro, mas a perda

constitutiva que o partiu em dois. “Nisso reside a torção através da qual a separação

representa o retorno da alienação. É por ele operar com sua própria perda, a qual o

reconduz a seu começo” (LACAN, 1964: 858).

O efeito da Linguagem sobre o sujeito em constituição, é alienação, divisão.

”O sujeito diz e, dizendo, torna-se sujeito e desaparece. Antes do ato, ele não era;

depois do ato, ele não é mais. O sujeito existe no exterior dessa cadeia, mas com

referência a ela”. (NASIO, 1988: 40) O Significante faz a divisão do Sujeito ($), a-

116

brindo o fosso do indizível, produzindo uma língua particular ao sujeito, produzindo

uma linguagem matricial – a “alíngua”.

O sujeito se afanisa no Outro, tornando-se figura de um fundo do qual não se

destacaria, a não ser por uma operação de separação, que se alterna com a afânise.

“[...] É que o sujeito está, mas como que apagado, o sujeito se “afanisa”, se desva-

nece no Outro.” (NASIO, 1988: 42).

A constituição do sujeito pelo significante se faz através de uma relação circular, porém dissimétrica, e se descreve por duas operações fundamentais: a alienação e a separa-ção, às quais Lacan faz corresponder, respectivamente, as operações lógicas de reunião e intersecção (LEITE, 1994: 39).

O Sujeito se insere no Campo do Outro, que é um Campo do Saber, quando

marcado pela falta do objeto, que é feita de linguagem, pela linguagem. Constitui-se

no jogo de presença/ausência da coisa, tal como o explicou FREUD (1920) com a

brincadeira do fort-da52: uma criança jogava um carretel por trás do sofá e dizia, em

alemão, fort (foi embora), e depois puxava o carretel e dizia da (voltou), na tentativa

de elaborar as ausências da mãe. “Foram esses jogos de ocultação que Freud, nu-

ma intuição genial, produziu, a nosso ver, para que neles reconhecêssemos que o

momento em que o desejo se humaniza é também aquele em que a criança nasce

para a linguagem” (LACAN, 1953: 320). O objeto falta e se presentifica pela palavra

como objeto da falta, do desejo: é o chamado objeto a.

Podemos agora discernir que o sujeito não domina aí apenas sua privação, assumindo-a, mas que eleva seu desejo a uma potência secundária. Pois sua ação destrói o objeto que ela faz aparecer e desaparecer na provocação antecipatória de sua ausência e sua presença. Ela negativiza assim o campo de forças do desejo, para se tornar, em si mes-ma, seu próprio objeto. E esse objeto, ganhando corpo imediatamente no par simbólico de dois dardejamentos elementares, anuncia no sujeito a integração diacrônica da dico-tomia dos fonemas, da qual a linguagem existente oferece a estrutura sincrônica a sua assimilação; do mesmo modo, a criança começa a se comprometer com o sistema do discurso concreto do ambiente, reproduzindo mais ou menos aproximativamente, em seu Fort! E em seu Da!, os vocábulos que dele recebe (LACAN, 1953: 320).

A relação do Eu ao outro só pode dar-se na presença do Outro, mediada que

é pela ordem inconsciente. O Eu está numa posição de primeira pessoa em relação

ao outro, referência feita na experiência da linguagem, ao tu, conforme diz LACAN

(1953-54: 193).

52

FREUD (1920), Más Allá Del principio de placer (AE) / Além do princípio do prazer (ESB) .

117

Não há outra definição científica da subjetividade senão a partir da possibilidade de ma-nejar o significante com fins puramente significantes, e não significativos, isto é, não ex-primindo nenhuma relação direta que seja da ordem do apetite.

As coisas são simples. Mas é preciso ainda que a ordem do significante, o sujeito a ad-quira, a conquiste, seja colocado em seu lugar numa relação de implicação que afeta seu ser, o que resulta na formação do que chamamos em nossa linguagem o superego (LACAN, 1955-56: 216).

O Eu é originalmente uma parte do Isso que foi modificada por influências ex-

ternas. A consciência é apenas a focalização momentânea e fugaz sobre um objeto,

pelo pensamento-linguagem: neste sentido é um mero recurso da linguagem.

Foi assim que Freud fez o eu entrar em sua doutrina, definindo-o pelas resistências que lhe são próprias.... Ainda que Freud, ao situar nesse eu a síntese das funções percepti-vas em que se integram as seleções sensório-motoras, pareça ser pródigo [...] (LACAN, 1957: 524).

Portanto, o ego é a ilusão de ser, é mero reflexo, é puro desconhecimento:

não se confunde com o sujeito. O sujeito é constituído no confronto da natureza com

a cultura, na divisão, na clivagem de um corpo que sofre da invasão dos significan-

tes, quando é possuído pela linguagem e nunca mais liberto. O sujeito não é uma

espécie de reprodução do Outro, mas é um sujeito que, afetado pelo significante,

deseja, e, que se move em direção ao seu objeto de desejo. “Pelo discurso analítico

o sujeito se manifesta em sua hiância, ou seja, naquilo que causa o seu desejo”

(LACAN, 1972-73: 20).

O sujeito que deseja é sacudido pela fala, naquilo que lhe falta. E esta falta,

ao mesmo tempo em que abre uma escansão, possibilita a introdução de uma metá-

fora do objeto de desejo. O sujeito, então, veste-se de significante para comparecer,

na cadeia de significantes, no intervalo entre um significante e outro, onde o desejo

se veicula, metaforonimicamente. O sujeito se faz representar na cadeia de signifi-

cantes pelos significantes, na medida que o produzem.

De que se trata na metáfora paterna? Há, propriamente, no que foi constituído por uma simbolização primordial entre a criança e a mãe, a colocação substitutiva do pai como símbolo, ou significante, no lugar da mãe (LACAN, 1956-1957: 186).

É no lugar da mãe que a metáfora paterna, enquanto seqüela da passagem

do sujeito pelo Édipo, vem se colocar. O desejo do Outro é o que o sujeito encontra

neste intervalo, quando então o toma por seu objeto. O sujeito “coloca aí” neste in-

tervalo a “sua própria falta sob a forma da falta que produziria no Outro por seu pró-

prio desaparecimento. Desaparecimento que, se assim podemos dizer, ele tem nas

118

mãos, da parte de si mesmo que lhe cabe por sua alienação primária” (LACAN,

1964: 858).

Para a produção no campo de uma teoria do sujeito inconsciente também co-

labora JUAN DAVID NASIO (1988), que considera que o conceito de sujeito, dentro

daquilo que o concebeu LACAN, é o inesperado, o impensável, pois o sujeito está

na surpresa que o significante provoca quando desloca o sentido comum, do signifi-

cado esperado. “Espantar-se é suportar o alcance do significante, não tomá-lo ime-

diatamente como um signo, não capturá-lo, não compreendê-lo. Pois, tendo com-

preendido, vocês perdem seu espanto” (NASIO, 1988: 35). A compreensão é reduzir

o significante ao já conhecido significado, numa semântica da identificação. “[...] O

significante, precisamente, é aquilo que não é para se compreender, uma represen-

tação não compreensível” (Ibid: 35). Enfatiza NASIO (1988) que o que se diz ende-

reça-se ao Outro e este dizer não é consciente, eu não sei o que digo. “[...] Eu falo,

emito sons, construo sentidos, mas o dito, este me escapa. Escapa-me porque não

está no poder do sujeito saber com que outro dito este dito vai se ligar” (p. 36).

Conclui NASIO (1988) que a criança magnífica da psicanálise somos nós “os

seres falantes, somos apenas seres de vento, mensageiros que se desvanecem en-

tre o gozo que aspira as palavras e o nome do pai que as ordena” (p.47)

A entrada em cena de um Outro, que até então peregrinava pelos bastidores,

vem a inserir o sujeito em constituição no drama edípico no qual ele deve sofrer a

perda originária de um objeto ilusório, que ele imaginou possuir, mas que revela nes-

te drama, sua natureza de ficção. É a perda Real de um objeto imaginário que o fa-

rá, definitivamente presa de seu destino simbólico. Resta deste drama a interdição

de uma relação que na verdade fora mera ilusão – a relação de especularidade, em

reflexo, imaginária, de completude entre o Eu e o outro. Resta, diante da quebra do

encanto da completude do outro, da qual o Eu se dava em participação, uma castra-

ção simbólica deste outro, da qual o sujeito constituído nesta tragédia, guardará com

horror, um trauma. Perante a angústia de seu drama edípico o sujeito terá as opções

de recalcá-la, renegá-la ou foracluí-la, passando a ser sujeito de uma estrutura neu-

rótica, psicótica ou perversa.

O inconsciente é um conceito forjado no rastro daquilo que opera para constituir o sujei-to.

119

O Outro é a dimensão exigida pelo fato de a fala se afirmar como verdade.

O inconsciente é, entre eles, seu corte em ato (LACAN, 1964: 844).

O Outro é onde o sujeito pode se constituir, a partir do corte produzido pelo

inconsciente, enquanto um ato, uma ação da estrutura.

Dito de outro modo, a interdição da relação dual e imaginária entre o bebê e

sua mãe, pelo terceiro, pelo pai, trará as conseqüências de inserção deste sujeito

em constituição em uma ordem simbólica, em uma ordem paterna onde vigora a Lei,

o Nome-do-pai e o significante que dele é doado.

Portanto o Édipo não é o mito, mas a estrutura que, por intermédio da rivalidade, liga o sujeito a uma ordem simbólica, subordinando assim a uma única e mesma Lei o advento da verdade e do desejo. É sustentar uma antífrase pretender que a Lei seja a origem do recalque e identificar a barreira da interdição do incesto com a que separa o consciente do inconsciente. Em verdade, é na medida em que o Nome do Pai, que é o representan-te dela, pôde conservar ainda algum sentido para o sujeito, que o reprimido volta. Até esse advento, o sujeito como tal, vale dizer, o desejante, continua por assim dizer na ex-pectativa (SAFOUAN, 1990: 86).

É na morte do pai, mediante a luta rival entre pai e filho, que a Lei se funda,

deixando de herança simbólica o nome- do- pai, dívida pela qual o sujeito jamais

pagará em seu calvário de culpas. É na morte da coisa, é na invasão da linguagem –

a causa a divisão do “indivíduo”, considerada como seu produto – onde a Lei se in-

troduz. Assim estará instalada a divisão subjetiva que faz do” indivíduo” uma tríade

singular: o Eu, o Isso e o Supereu. Este sujeito, dividido pelo corte do Real, não co-

incide com o sujeito cognoscente – sujeito do conhecimento –, já que está submeti-

do à Lei do significante, à Lei da diferença, à Lei do pai, à castração enfim, que vem

instaurar a ordem do desejo.

É que o eu humano é um outro... Ele é originalmente coleção incoerente de desejos – aí está o verdadeiro sentido da expressão corpo espedaçado – e a primeira síntese do ego é essencialmente alter ego, ela é alienada. (LACAN, 1953-54:50)

A ordem simbólica é o resultado da inscrição do nome-do-pai para o sujeito –

estabelecida no confronto edípico entre um sujeito em constituição e o pai, represen-

tante da lei. O sujeito só vem a se constituir no atravessamento do Édipo, com a

morte da coisa pela linguagem.

É na ausência de significado dos significantes, que um “trauma sexual” vai se

colocar, na história do sujeito, como preenchimento da falta (non sense), construin-

120

do-se, assim, uma fantasia sexual que vem trazer sentido à fala, ao discurso do su-

jeito falante. É um objeto de desejo, um objeto a, o que vem se colocar no lugar da

falta real – falta que é introduzida no imaginário do falante pela castração Simbólica,

produzida pelo objeto que nunca houve. A possibilidade de funcionamento do dis-

curso está em haver falta da coisa, no que a substitui o símbolo. “A letra, enquanto

traço de inscrição material do significante, podendo faltar em seu lugar, funda o re-

calcamento instaurador da ordem discursiva” (LEITE, 1994: 38).

O estádio do espelho desemboca na formação do eu ideal e o complexo de

Édipo resulta na formação de ideal de eu. Em três tempos o Édipo estrutura o in-

consciente e constitui o sujeito. Num primeiro momento – o terceiro do espelho – o

bebê é o falo. Num segundo, o terceiro interditor comparece interpondo-se entre

mãe e filho, como a linguagem se interpõe entre o indivíduo e a coisa, tornando-a

interditada. O terceiro e momento final do Édipo é a castração simbólica, que impõe-

se levando este sujeito ainda em constituição, a assumir como próprio o desejo do

Outro. Ou seja, a castração faz o sujeito mergulhar no oceano da linguagem onde a

coisa naufragou para além do simbólico, numa eterna busca que o fará angustiada-

mente desejante. Ao concluir este processo o sujeito tem seu lugar no seio do mun-

do simbólico. Para LACAN os “estágios se organizam em torno da angústia da cas-

tração”, que é “como um fio que perfura todas as etapas do desenvolvimento” (1964:

65).

A relação entre o sujeito e seu objeto se passa dentro de uma fantasia, cons-

truída pelo sujeito constituído na estruturação do inconsciente como uma linguagem,

e pela representação significante do objeto perdido – a coisa –, que o sujeito busca

reencontrar, objeto primeiro e primordial das relações do sujeito. É nela que encon-

tramos o sujeito desejante em seu movimento metonímico, atrás das metáforas da

coisa.

O Isso é o que podemos ter de Real, esse poço sem fundo que é a própria

morte, que nos escapa. O Isso é um recalcado que faz parte do recalcado, já que há

uma barreira entre o Eu e o Isso, erguida no recalcamento da idéia aflitiva, que neste

processo se separa de seu afeto, sendo dele destituído no processo de recalque. O

Isso, constituído no recalcamento originário, pelas pulsões, não só obedece ao prin-

121

cípio do prazer, mas também ao mais além do princípio do prazer – que é a supera-

ção dele pela própria morte como retorno a um estado inorgânico.

O efeito de linguagem é a causa introduzida no sujeito. Por esse efeito, ele não é causa dele mesmo, mas traz em si o germe da causa que o cinde. Pois sua causa é o signifi-cante sem o qual não haveria nenhum sujeito no real.

Com o sujeito, portanto, não se fala. Isso fala dele, e é aí que ele se apreende, e tão mais forçosamente quanto, antes de – pelo simples fato de isso se dirigir a ele – desapa-recer como sujeito sob o significante em que se transforma, ele não é absolutamente na-da. Mas esse nada se sustenta por seu advento, produzido agora pelo apelo, feito no Outro, ao segundo significante.

Efeito de linguagem, por nascer dessa fenda original, o sujeito traduz uma sincronia sig-nificante nessa pulsação temporal primordial que é o fading constitutivo de sua identifica-ção. Esse é o primeiro movimento.

Mas, no segundo, havendo o desejo feito seu leito no corte significante em que se efe-tua a metonímia, a diacronia (chamada “história”) que se inscreveu no fading retorna à espécie de fixidez que Freud atribui ao voto inconsciente (última frase da Traumdeutung) (LACAN, 1964: 849).

O Eu foi fruto originalmente de um investimento dos pais na reprodução de

um filho, que lhes traz na semelhança, na identidade entre pares, a continuidade das

gerações como uma forma de vencer a morte. O recalque provém do Eu, que forma-

do a partir do narcisismo primário, constrói um ideal de Eu, originado das exigências

éticas e culturais da sociedade sobre este ser dividido.

[...] podemos dizer que o narcisismo primário designa um estado precoce em que a cri-ança investe toda a sua libido em si mesma, enquanto o narcisismo secundário designa um retorno ao ego da libido retirada dos seus investimentos objetais (GARCIA-ROSA, 1984: 198).

O narcisismo vem a ser para FREUD um investimento libidinal em si próprio:

primário quando há um eu em construção, na primeira relação dual em estabeleci-

mento, secundário, quando a libido retorna ao eu, depois de suas investidas frustra-

das e fagocitárias sobre o objeto de desejo. “É, porém, no artigo de 1914, Sobre o

narcisismo, que a questão do ego toma corpo na teoria psicanalítica” (GARCIA-

ROSA, 1984: 198).

No narcisismo, é o ego que vai se colocar como objeto da libido narcísica. As pulsões auto-eróticas que coexistiam de modo anárquico e sem um objeto específico reúnem-se numa unidade e dirigem-se para um objeto: o ego. Tal como um objeto externo o ego passa a ser investido (GARCIA-ROSA, 1984: 201).

122

A diferença da forma com que cada indivíduo reage perante estas exigências

é determinada pelo “ideal com que mede seu ego”. O fator condicionante do recal-

que é a formação de um ideal no indivíduo.

O narcisismo se desloca então do ego real para esse novo ego ideal (idealich) que é do-tado de todas as perfeições. Incapaz de renunciar à perfeição narcísica de sua infância, o homem procura recupera-la sob a forma de um ideal do ego (ichideal) (GARCIA-ROSA, 1984:203).

O ideal de Eu é a instância de identificação ao outro, identificação narcísica

secundária, com a passagem do imaginário ao simbólico. Na idealização o objeto é

aumentado e exaltado, o que é possível de ocorrer tanto na esfera da libido do ego

quanto na esfera da libido objetal. Este ideal é o supereu que avança sobre o Eu em

punição quando este foge-lhe às regras: é o que ficou introjetado das censuras so-

fridas pelos pais mediante a castração simbólica, na interdição da relação dual.

É portanto a partir da idealização que vão se constituir as instâncias ideais da pessoa: o ego ideal e o ideal de ego. Ao tornas as exigências do ego mais intensas, ele se trans-forma no fator facilitador condicionante do recalque.

Enquanto o ego ideal tem seu modelo no narcisismo primário, o ideal do ego aponta para uma instância diferenciada resultante da convergência do narcisismo e da identificação com a fonte parental (GARCIA-ROSA, 1984:204).

Se FREUD classificou o amor em anaclítico – em relação a quem o alimentou

e protegeu, se complementa –, e narcísico – em relação ao que o Eu foi, é, ou gos-

taria de ser –, LACAN contesta, argumentando que ao fim das contas trata-se ape-

nas de um único tipo de amor em jogo: o amor narcísico. É na construção da imago,

que se constrói também a relação de objeto entre o Eu e seu semelhante – o outro.

O que faz agüentar-se a imagem, é um resto. A análise demonstra que o amor, em sua essência, é narcísico, e denuncia que a substância do pretenso objetal – papo furado – é de fato o que, no desejo, é resto, isto é, sua causa, e esteio de sua insatisfação, se não de sua impossibilidade (LACAN, 1972-73: 14).

O Eu é o lugar da representação que não se sustenta, do engodo. É a sede

das defesas construídas contra o esburacamento do Eu na invasão repetitiva do Re-

al – este que faz produzir simbólico para aplacar a angústia do vazio.

Foi assim que Freud fez o eu entrar em sua doutrina, definindo-o pelas resistências que lhe são próprias. Que elas são de natureza imaginária no sentido dos engodos coaptati-vos, que a etologia nos demonstra nas condutas animais da exibição e da luta, é o que me tenho empenhado em fazer apreender, no tocante àquilo a que esses engodos se reduzem no homem, ou seja, à relação narcísica introduzida por Freud e tal como a ela-borei no estádio do espelho (LACAN, 1957: 524).

123

Se o Eu pode ser considerado um núcleo de defesas contra a frustração que

a falta do objeto de desejo causa, por outro lado o Eu é a frustração por excelência,

esclarece LACAN:

Indaguemos, antes: de onde vem essa frustração? ... Não se tratará, antes, de uma frus-tração que seria inerente ao próprio discurso do sujeito? O sujeito não se empenha neste numa despossessão cada vez maior do ser de si mesmo, o qual – em virtude de pinturas sinceras, que nem por isso tornam menos incoerente a idéia, de retificações que não conseguem destacar sua essência, de apoios e defesas que não impedem sua estátua de vacilar, de abraços narcísicos que constituem um sopro de animação – ele acaba re-conhecendo que nunca foi senão um ser de sua obra no imaginário, e que essa obra de-sengana nele qualquer certeza. Pois, nesse trabalho que faz de reconstruí-la para um outro, ele reencontra a alienação fundamental que o fez construí-la como um outro, e que sempre a destinou a lhe ser furtada por um outro (LACAN, 1953: 251).

BLEICHMAR (1993) propõe, a partir da retomada do conceito freudiano de

recalcamento originário, que a clínica psicanalítica de crianças ofereça a possibilida-

de de término da constituição do aparelho psíquico em estruturação, propondo tam-

bém uma revisão do que é chamado de neurose infantil, pois, uma vez que não ha-

vendo ainda um sujeito constituído, não se poderia falar senão de incidência neuróti-

ca infantil. Para a autora o recalcamento originário está na constituição do aparelho

psíquico, quando funda barreiras entre os sistemas inconsciente e pré-

consciente/consciente, no que temos então um sujeito em estruturação na infância,

não se podendo falar de neurose infantil.

Sabemos que aquilo de que se ocupa numa psicanálise é do passado esque-

cido, infantil e recalcado dos pacientes, o que faz das descobertas da autora um a-

plicativo universal, não se limitando de forma alguma ao entendimento de “neuroses

infantis”. A autora em sua clínica observa que muitos transtornos de aprendizagem,

do desenvolvimento, psicomotores, de linguagem, dos processos lógicos e das de-

terminações espaço-temporais53 são déficits estruturais na constituição do sujeito,

embora concebidos muitas das vezes como problemas cognitivos separados do as-

pecto afetivo. A autora questiona certas visões psicanalíticas que pressupõem que o

inconsciente é o dado, existente desde as origens da vida, pois no seu modo de ver

a inteligência é uma lógica desenvolvida nos movimentos fundantes do psiquismo.

Sob nenhuma perspectiva, então, se propõe que os mecanismos da inteligência, quer di-zer da lógica, com suas categorias temporais, espaciais e de operacionalização do prin-cípio de não contradição, podem ter algo que ver com os movimentos fundantes do psi-

53

Prossegue a autora: “com suas conseqüências fenomenológicas: hipercinesias, torpezas motoras ou, inclusive, dislexias e dispraxias” (p.11).

124

quismo e com os tempos nos quais o aparelho psíquico se constitui (BLEICHMAR,1993: 12-13).

Considera de modo crítico o exercício clínico dos seguidores da psicanálise

francesa lacaniana, por privilegiarem as condições da estruturação em detrimento

das vicissitudes históricas vividas pelo sujeito em constituição “que a precipitam em

diversas direções”, reconhecendo, porém os méritos revolucionários do pensamento

externalista de LACAN.

A maior virtude que este posicionamento revolucionário inaugurado na metade de nosso século teve foi marcar o caráter exógeno e de cultura da fundação do inconsciente. Re-alçar, mediante uma inversão da perspectiva freudiana, o movimento que, desde a estru-tura do Édipo, faz o sujeito inicialmente submergir-se em um mundo sexuado e simbó-lico que constitui a premissa de base da constituição do inconsciente (BLEICHMAR,1993: 13).

Para que o sujeito inconsciente constitua-se, ele submerge em um mundo se-

xuado e simbólico, ou seja: a forma edípica, enquanto estruturante universal, se aba-

te sobre ele de modo a provocar seus efeitos de alienação ao Outro. Não é um Eu

autônomo, ser ontológico e metafísico, quem adquire a linguagem. É a linguagem

quem invade o indivíduo, subjetivando-o.

Mas, para BLEICHMAR, também uma outra perspectiva da linguagem deve

ter seu lugar: como aquisição, que se define a partir de um “posicionamento metap-

sicológico não estabelecido inicialmente no sujeito em constituição” como um caráter

secundário da linguagem “em relação à barreira do recalcamento originário”. Critica

ainda a perspectiva lacaniana de que a criança é concebida como falo da mãe, ou

seja, como objeto e não como sujeito, por negar a possibilidade da concepção do

sintoma próprio, na infância, “como efeito do conflito intrapsíquico”, interessada que

está na clínica dos transtornos graves e das psicoses infantis.

A autora exemplifica com o caso clínico de uma criança de cinco anos que lhe

é levada com o quadro sintomatológico de dificuldades de aprendizagem, de delimi-

tação de seu próprio corpo, de dosagem de sua força, transtornos de linguagem,

com balbucios, desorganização do tempo e do espaço, sem noção do passado, pre-

sente e futuro, terrores noturnos, dificuldades de digerir e mastigar os alimentos, in-

continência anal e enurese ocasional, problemas de dicção, etc. Conclui que trata-se

de um transtorno geral do funcionamento psíquico, não um problema em nível psi-

125

copedagógico meramente, como na escola identificaram, nem de conflitos neuróti-

cos, que denunciariam os momentos fundantes da estruturação do Édipo:

[...] ao mesmo tempo em que parece não terminar de sepultar em seu inconsciente os representantes pulsionais de base, que se recusa a um abandono dos modos primários de resolução auto-erótica, este menino manifesta uma inibição para a incorporação tritu-radora, metabolizante, dos alimentos (BLEICHMAR,1993: 16-17).

Constata que a sintomatologia desta criança deve-se à afetação de um mo-

mento estancado na sua entrada no mundo simbólico, amarrando-a a uma relação

imaginária, dual, simbiótica, e em reciprocidade com a mãe, a ponto de a própria

mãe não se incomodar com o passeio da mão de seu filho deslizando “pela entre-

perna”, pelas suas zonas erógenas, sem se alterar em nada com isto.

O processo simbólico terá que ser afetado, a partir disto, de dois modos: por um lado, sob o efeito de uma inibição que dá conta da presença de fantasmas sádico-incorporativos-canibalísticos, para apelar para uma terminologia clássica –; por outro la-do, das irrupções de processo primário que um recalcamento que não termina de se ins-talar deixa aberto nas próprias fronteiras do ego afetando os modos de operacionaliza-ção dos processos secundários (BLEICHMAR, 1993: 17).

A partir daí, conclui que direção deve dar ao tratamento, para que se produ-

zam os efeitos de constituição de sujeito, de que carece a criança do caso em ques-

tão. Considera que o processo psicanalítico deve intervir de modo a impulsionar a

conclusão de um processo que não evolui, pela ausência da função paterna, já que

o nascimento desta criança já pegou o pai “cansado”, conforme narra do caso. “A

intervenção precisa, por outro lado, não pode ser efeito senão de uma leitura metap-

sicológica do momento de constituição do aparelho psíquico da criança e das condi-

ções estruturais que o fundam” (BLEICHMAR,1993: 17).

O que propiciaria o aprendizado e aquisição da linguagem para a raça huma-

na, para os seres humanos? Através da aquisição da língua materna, numa primeira

identificação às palavras, aos significantes do Outro, o ser, ainda por fazer-se, criaria

seus primeiros laços com o mundo simbólico por meio deste engodo fundamental da

representação de uma imagem primeira dada pelo outro. Há um assujeitamento da

carne à linguagem, cujo desfecho final é o desencadeamento da constituição do su-

jeito do inconsciente. BLEICHMAR marca o lugar materno na estruturação da sexua-

lidade infantil: para ela a singularidade é construída na relação com o Outro, mas por

intermédio da aquisição da linguagem materna.

126

A alíngua como a matriz de uma língua que se faz ouvir em todas as outras

línguas é esta raiz plantada na relação matricial, aonde vem se revelar a dialética do

Eu e do sujeito.

A linguagem, sem dúvida, é feita de alíngua. [...]

Alíngua nos afeta primeiro por tudo que ela comporta como efeitos que são afetos. Se se pode dizer que o inconsciente é estruturado como uma linguagem, é no que os efeitos da alíngua, que já estão lá como saber, vão bem além de tudo que o ser que fala é sus-cetível de enunciar (LACAN, 1972-73: 190).

A aquisição da língua materna e das significações matriciais é que vão dar o-

rigem às demais possibilidades de significações, que significam inicialmente o pró-

prio corpo do sujeito para si mesmo, como essa imagem refletida no espelho: o Eu.

Embora BLEICHMAR a critique, esta se apresenta como a única via possível

do sujeito vir a ser: assumir primeiramente sua condição de objeto – fálico – a princí-

pio assujeitado por ser regido por algo que lhe escapa –, tornando-se sujeito ao to-

mar para si o desejo, causado pelo objeto que lhe falta na castração simbólica, onde

a linguagem vem fazê-lo produtor de sentidos diante deste algo que se repete e lhe

escapa que é o Real. É a linguagem que constitui um sujeito, ao nomear, em código

simbólico, o seu desejo – desejo do Outro.

É a ordem do significante que faz produzir o “ser humano”, imprimindo-lhe a

estrutura da linguagem, que não é outra que a Lei do incesto, no sentido de que a

linguagem é interditora, mediadora, que faz face ao Real da coisa.

Se a psicanálise nos ensina alguma coisa, se a psicanálise constitui uma novidade, é justamente que o desenvolvimento do ser humano não é de maneira alguma diretamente dedutível da construção, das interferências, da composição das significações, isto é, dos instintos. O mundo humano, o mundo que conhecemos, no qual vivemos, no meio do qual nos orientamos, e sem o qual não podemos absolutamente nos orientar, não implica somente a existência das significações, mas a ordem do significante.

Se o complexo de Édipo não é a introdução do significante, peço que dele me seja dada uma concepção qualquer. Seu grau de elaboração não é tão essencial à normalização sexual senão porque introduz o funcionamento do significante como tal na conquista do dito homem ou mulher (LACAN, 1955-56:216).

Na lógica do significante as significações surgem entre significantes (LACAN,

1957), onde num novo sentido pode-se constatar a presença do sujeito do inconsci-

ente.

O sujeito não é outra coisa – quer ele tenha ou não consciência de que significante ele é efeito – senão o que desliza numa cadeia de significantes. Este efeito, o sujeito, é o efei-

127

to intermediário entre o que caracteriza um significante e outro significante, isto é, ser cada um, ser cada qual, um elemento (LACAN, 1972-1973: 68).

MILLER (1988) ressalta, na teoria de LACAN, a passagem de sua ênfase na

significação à ênfase do non-sense, em duas vertentes do simbólico, vindo a elabo-

rar uma dimensão comum a ambas.

Distinguirei aqui três pontos. Em primeiro lugar, retificou o paralelismo que Saussure postulava entre o significante e o significado,[...] A tese de Lacan é que o significante a-tua sobre o significado, e inclusive, em um sentido radical, o significante cria o significa-do, e é a partir do sem-sentido do significante que se engendra a significação.

Em segundo lugar, introduziu o conceito de cadeia significante para dar conta da sobre-determinação na qual vê, da mesma forma que Freud, a condição de toda formação do inconsciente. [...]

Em terceiro lugar, faz funcionar o simbólico, a estrutura íntegra, como um termo. Mostra como a relação entre a estrutura simbólica e o sujeito se distingue da relação imaginária eu e o outro (MILLER, 1988 : 21).

Com isto, se temos a relação imaginária eu e outro, por outro lado destaca-

mos a relação sujeito e Outro – que porta a cadeia significante, a estrutura simbólica.

Para LEITE (1994) a introdução da dimensão do tempo na estrutura corres-

ponde à inserção do sujeito enquanto falante, do que resulta num tempo do tipo ge-

nealógico para a estrutura, e, um tempo sintomático para o falante: “o futuro anterior,

tempo da retroação que caracteriza o movimento desejante do sujeito (tempo da tra-

gédia grega)”.

A estrutura, enquanto lógica, é rigorosamente aquilo que não existe (ausente), cabendo-lhe a atribuição de pertencer à dimensão de uma virtualidade. Dizemos então que à es-trutura como causa real não se aplicaria estritamente a categoria tempo; entretanto, en-quanto diferenciadora em seus efeitos, impõe a lógica de uma temporalidade, o que quer dizer um tempo lógico, que evidentemente não é outro senão aquele engendrado pela lógica do significante.

[...] A introdução da dimensão diacrônica na estrutura sincrônica promove portanto a lo-gicidade de um tempo retroversivo, cuja marca é constituída pelo efeito de regressão que a estrutura então impõe a um sujeito que dela é efeito. (LEITE, 1994: 58).

A sincronia e a diacronia, portanto o tempo e a estrutura, se mostram indisso-

ciáveis na visão de LACAN da psicanálise, para que não se a reduza nem a uma

sucessão de fases de organização do desenvolvimento libidinal nem a um estrutura-

lismo.

A subjetivação, como efeito da ação da estrutura, impõe ao sujeito o desconhecimento daquilo que o causa, isto é, da verdade de sua divisão. O efeito-sujeito se toma como

128

causa lá onde é efeito do significante ($), o qual enquanto causa material o divide. É por isto que há disjunção entre saber e verdade para o sujeito.

Se o estruturalismo é indispensável para a própria constituição do campo onde Isso fala e goza, a distância da experiência para com a estrutura se desvanece, posto que esta opera como a máquina original que constitui uma experiência para o sujeito que ela põe em cena. Uma subjetividade aí se insere como resultado da ação da estrutura (LEITE, 1994: 59).

A ação da estrutura constitui a singularidade humana, na medida em que

“humaniza” o desejo do sujeito, ao inseri-lo na ordem Simbólica, ou seja, na ordem

da linguagem.

Se a causa da divisão é o fato de haver estrutura, vale dizer linguagem, então trata-se de podermos articular devidamente os elementos da estrutura de forma a incluir entre eles um elemento que é efeito desta, o que impõe pensar a causalidade fora de um modelo mecanicista de causa precedendo efeito.

Dado que a psicanálise introduz um sujeito na estrutura como seu efeito, necessariamen-te o tempo tem que ser aí incluído. Entretanto, é imperativo especificar que temporalida-de é esta que aí se inscreve – o tempo do sujeito – em suas relações com o caráter de intemporalidade com o qual Freud definiu o inconsciente (LEITE, 1994: 60).

É no só-depois que o sentido enquanto presença do sujeito advém. É o tempo

do só-depois que vai trazer efeito de significação, como uma leitura de trás para

frente, em que se faz necessário um segundo termo para que o primeiro adquira

sentido.

129

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O que temos então exposto nesta dissertação é uma teoria lacaniana da lin-

guagem, resultado de conexões entre os alguns dos principais saberes na área das

ciências humanas. Através da exposição de teorias, pudemos vislumbrar o lugar que

o sujeito ocupa na estrutura da linguagem, tal como ela é concebida: uma linguagem

em movimento na qual o sujeito está presente, sempre em deslocamento. O sujeito

do desejo está, em ausência, não no centro da fala, como se supõe estar o ego ou a

consciência, mas no movimento.

A metodologia empregada consistiu em percorrer a obra de LACAN, de pre-

cursores e de seguidores que colaboram para a elaboração de uma teoria do sujeito,

em busca de esclarecer qual o lugar do sujeito demarcado na estruturação do in-

consciente como uma linguagem. E no perfilar das idéias destes autores, segmen-

tamos os passos por meio dos quais a linguagem, concebida como sistema sócio-

culturalmente construído, planta suas raízes no inconsciente, estruturando-o com

sua sintaxe e constituindo neste ato o sujeito.

Podemos agora declarar que a linguagem, como constituinte do sujeito e da

singularidade humana, assim como é estruturante do inconsciente como uma lin-

guagem, faz do “indivíduo” um ser dividido entre o Real para sempre perdido e o

Simbólico, em produção infinita de sentidos. Ou seja, é um sujeito dividido entre o

corpo, enquanto carne, e a representação pulsional representação esta que se

estabelece não no campo do inteligível, mas no campo do sensível, trazendo como

efeito de haver linguagem, o sujeito do inconsciente.

O efeito da linguagem, do significante que se abate sobre o corpo, é a aliena-

ção fundamental ao campo do Outro, constituindo um sujeito falante cindido pelo

significante e projetando um Eu – uma miragem unificada por um espelhamento do

corpo próprio no campo do Outro conforme proposto por LACAN. O espelhamento

do um no Outro produz a ilusão de haver um Eu, o ego.

130

Mas o Simbólico, este instrumento lógico, aplaca esta angústia do vazio que é

a presentificação da própria morte: a morte da coisa. O sujeito do inconsciente vem

a ser o sujeito da linguagem, da enunciação: é constituído na “invasão” da lingua-

gem/língua materna. A estrutura da linguagem provoca o sintoma humano a quem é

a ela submetido: ser um sujeito faltante. Para LACAN a linguagem vem em suple-

mentariedade de uma falta originária para esse "humano", e o objeto da falta se pre-

sentifica pela palavra. Ou seja, a linguagem é engendrada na falta da coisa ao

mesmo tempo em que é a própria linguagem que provoca esta falta.

Mas há ainda um questionamento: somos o homem biológico, fruto de sinap-

ses neuronais, cujo processo é a própria consciência, ou somos o homem behavio-

rista, resposta reflexa condicionada pelo meio ambiente? Seríamos o homem mar-

xista produzido pela história de nossa sociedade e cultura, ou somos sujeitos de

uma incompletude instintual que faz faltar e nos faz falar, produzindo, a partir desta

falta estrutural, nossa história? Certamente que o homem não é meramente um ser

behaviorista, feito de reflexos e condicionamentos do ambiente, nem o homem ani-

mado pela alma divina, mas sim um sujeito constituído no confronto da ‘natureza’

essa desconhecida com a cultura, na divisão do real de um corpo que sofre com a

invasão dos significantes. A psicanálise ocupa-se da relação sujeito-objeto reformu-

lada, em linhas gerais, pelo enfoque do desejo, questão que emergiu posteriormente

à modernidade após o fracasso em suas metas, do império da razão.

Outro questionamento nos faz pensar se, para que haja instituição da fala pa-

ra os sujeitos em sua constituição, a linguagem se estruturaria no inconsciente? O

inverso também poderia ser o verdadeiro: o inconsciente seria estruturante da lin-

guagem e do sujeito, pois para que se faça o sentido é preciso que a linguagem te-

nha um fundo, um contraponto, um Outro. Poderíamos então concluir que um não

existe sem o outro?

A linguagem, como a encontramos nos psicóticos, é reproduzida de modo lite-

ral, sem nuances do sentido, sem metáforas, sem nome-do-pai. É uma linguagem

sem lei, sem endereçamento, é perdida no tempo e no espaço. É que o sujeito ali

não se constituiu, porque não se concluiu o Édipo, ficando-se a meio caminho de

introduzir-se na ordem simbólica.

131

O ego é puro desconhecimento, não se confunde com o sujeito do inconscien-

te. Para LACAN o sujeito não é um ente, o sujeito é evanescente e desliza pela ca-

deia de significantes, que o carreia. Se a matéria da linguagem é o significante, a

singularidade é o que se produz como efeito desta matéria, dessubstantivada.

Dizer que o inconsciente é estruturado como uma linguagem é dizer que ele é

um sistema de significantes, onde habita um sujeito inconsciente que desliza pela

cadeia significante, metonimicamente, construindo o sentido do discurso pela via do

desejo. A presentificação do sujeito do desejo traz o sentido, de que carece qualquer

discurso, no encadeamento de significantes das articulações discursivas da lingua-

gem. O sujeito do desejo presentifica-se no sentido dado ao encadeamento de signi-

ficantes, nas manifestações discursivas da linguagem. A ambigüidade discursiva

aponta para o lugar do sujeito, configurada no segundo sentido presente do que se

diz.

Sob uma lógica dos significantes, a significação surge da emergência de um

sujeito, no intervalo entre significantes despontando neste intervalo um sentido novo

onde se pode constatar a presença de um sujeito, que é desejante. O sujeito não é

um ser e não se confunde com o Eu, esta ficção. O sujeito sendo evanescente e-

merge no deslocamento dos significantes na cadeia sintagmática.

O que representa no psiquismo as coisas do mundo para o sujeito é um regis-

tro psíquico feito de significantes, registro Simbólico; é a herança dos significantes

advinda de um Outro, Campo dos significantes (LACAN), instituído sócio-

culturalmente, do qual o sujeito retira os significantes que irão constituí-lo enquanto

sujeito de uma fala. O significado das palavras é indeterminado, mas a significação é

determinada no contexto do uso da linguagem, onde se situa um sujeito da enuncia-

ção. Temos na psicanálise, abordada com as teorias da linguagem, que o sujeito é

um termo de estrutura, e, portanto incompleto, como ela o é para a psicanálise.

O sistema Simbólico é o nosso olhar, que se coloca perante a coisa Real,

construindo um objeto, fazendo-nos criá-lo como objeto para “compreendê-lo”. O

Simbólico, herdado por nós sócio-culturalmente, se coloca entre o Real e os nossos

olhos, olhos a princípio cegos cognitivamente, de visão Imaginária e mítica a seguir,

aos poucos tornada Simbólica pela insistência do Real – este desconhecido não a-

132

cessível ao conhecimento, mas por isso mesmo produtor de significações e sentidos

singulares aos sujeitos. Ao pensarmos, estamos intervindo na realidade, estamos

nos apropriando do mundo, transformando-o ao trazê-lo ao pensamento simbólico.

Aprendemos a ler o mundo através das palavras que nos são passadas sócio-

culturalmente, herança que nos é transmitida através da língua materna. As práticas

sociais já construíram convenções, antes do nascimento de um novo ser humano,

que são perpetuadas pela cultura e transmitidas através do uso da Linguagem, em-

bora os sentidos se renovem – eis evidente a ação do sujeito. O que vemos a nossa

volta é produto de uma construção intelectual, já que traduzimos o que vemos em

uma linguagem construída para vermos e lermos o mundo.

O mundo que nos cerca é resultado desta construção intelectual e, se passa-

mos a lê-lo, é porque nossos olhos foram alfabetizados e ensinados a lê-lo assim. As

coisas são transformadas pelos conhecimentos produzidos socialmente. A própria

história da humanidade mostra-nos que há diferentes formas de olhar as coisas que

nos cercam, seja como pensamento mítico, seja cosmológico, teocêntrico ou científi-

co. E agora pós-moderno. O Que traz também uma ideologia vigente subjacente.

O que fez surgir o "ser humano", ou a “humanidade” do ser, talvez tenha sido

um lampejo de incerteza, de dúvida, de angústia penetrando a ‘alma’ de desejo, por

não sabermos o que são os mistérios da vida e morte. O que faz-nos produzir co-

nhecimento, podemos concluir, a partir da ação da estrutura da linguagem, é o obje-

to, desconhecido em seu estado originário – na morte da coisa e no nascimento do

objeto – e, a partir daí, as indagações do sentido da vida, do para que nascemos,

vivemos e morremos. Como diz LACAN, é o Real nos acossando para produzirmos

Simbólico, para com isto nos livramos da angústia do não saber sobre o sexo e so-

bre a morte – como nos mitos dos começos.

O Simbólico, este instrumento lógico, aplaca esta angústia do vazio - presenti-

ficação da própria morte. O vazio do qual se queixam os pacientes em análise com

sua angústia, são os momentos de apagamento do sujeito, de sua identificação ao

significante (de afânise), que aponta para a condição humana de alienação ao dese-

jo do Outro e de descentramento em relação a um (suposto) si mesmo. A condição

humana é a alienação fundamental à linguagem, este campo do Outro, alienação

sem a qual não há sujeito nem a ilusão de seu outro, o Eu. Mas para haver desejo e

133

sujeito é preciso que, num segundo momento, o sujeito se separe do Outro e venha

assumir sua condição desejante – desejando, porém o desejo do Outro.

A teoria lacaniana é a teoria do Real, o indizível, de como falamos e cada vez

mais falamos, do que não sabemos e que ansiamos saber. Mas que ao final conti-

nuaremos sem saber, pois do contrário nos calaríamos. Sendo possível o acesso à

coisa unicamente pela fala, a ela nos referirmos falando delas, articulamos discur-

sos. Uma vez afetados pelos efeitos da língua, das palavras, efeitos que apontam o

estranho/familiar que é a linguagem enquanto intrusa de um corpo, a princípio ani-

mal, não mais tocamos nada que não seja intermediado pela fantasia inconsciente,

não mais falamos nada que não seja “alíngua” veiculada pela linguagem verbal hu-

mana.

O sujeito se insere no Campo do Outro Outro Simbólico, Campo do Saber ,

quando marcado pela falta do objeto, que é feita pela linguagem e feita de lingua-

gem. Isto também quer dizer que o corpo pulsional do sujeito é marcação Simbólica,

Simbólico este que é tessitura sócio-cultural, que molda o seu corpo e a sua história

à ideologia vigente de sua época. O efeito de haver linguagem para o ser humano é

constituir-se um sujeito inconsciente. É o sujeito da ciência na linguagem. O psi-

quismo não é feito uma substância pensante, de um núcleo, sub-núcleo e super-

núcleo do ego. Nem nas sinapses o encontraremos. A materialidade do chamado

psiquismo é histórica, ideológica e sócio-culturalmente constituída. Materializa-se na

linguagem em funcionamento – veículo/meio –, onde podemos encontrar o sujeito

psíquico, o sujeito do inconsciente.

Se para LACAN o inconsciente é estruturado como uma linguagem, para

BARTHES todos os códigos perpassam-se de linguagem – incluindo-se aí qualquer

código semiótico como a moda, a história, a cultura, a culinária –, o que nos reforça

a indicação de que a linguagem verbal humana é um estruturante universal, como

por assim dizer. Estrutura a “humanidade” do homem, no sentido de que a lingua-

gem faz, não o homem do humanismo, mas tudo que lhe diz respeito enquanto ‘ser’

histórico e cultural. As verdades produzidas e introduzidas em nossa visão de mundo

se tornam verdades com pernas próprias, verdades que são tratadas como se tives-

sem nascido conosco, em nós, em nosso organismo, como raízes se entranham em

terra fértil.

134

O que a linguagem tem de genérico é a língua. Porém esta, ao ser falada,

deixa de ser "pura", é afetada pela falta, pela sintomática singular do falante, fazen-

do com que surja no discurso, o inconsciente do sujeito. A alíngua, que nada tem de

genérica, é a contaminação da língua pelo que é singular ao sujeito em sua fala. A

linguagem poética é uma alíngua escancarada, que não se escamoteia para não ser

reconhecida. É o Real de uma linguagem dita nua e crua no dizer do sujeito falante

que se presentifica no discurso. A linguagem poética é uma fala produtora de senti-

dos novos e originais, pois emprega os significantes fora de seus textos e contextos

habituais, emergindo daí novos sentidos ou significações, produzidas no intervalo

dos significantes, no entrecruzamento dos significantes – onde identificamos a ação

do sujeito.

A linguagem carrega o sujeito: o sujeito surge no discurso, pois é nas entreli-

nhas do que é enunciado que ele pode ser escutado. O sujeito para LACAN surge

entre um significante e outro: é o próprio sentido produzido no discurso.

A psicanálise e os estudos da linguagem parecem ter muito a dialogar para

enriquecerem-se mutuamente com as descobertas e avanços de cada campo. De

um lado, estudos do funcionamento psíquico, e do outro, o funcionamento daquilo

que é peculiar e diferencial do animal humano: a linguagem.

Os estudos de linguagem são o lugar propício de investigação de categorias

fundamentais de paradigma de época. Como KRISTEVA (1969) anteviu, a lingüística

formal seria forçada a rever suas posições cientificistas, modificando a concepção

cartesiana da linguagem perante as concepções analíticas da linguagem. As ques-

tões referentes ao sujeito de uma fala (de um discurso), que é um sujeito que fala

‘do’ inconsciente, e as questões da lingüística, referentes à produção da significação

e sentidos são mutuamente interessantes e tangenciais, inclusive no novo sentido

que está presente no non sense da poesia, subversiva do sentido convencional.

É através da linguagem enunciada enquanto texto, tecido, contexto, entre-

meio, que se projeta o sujeito desejante da enunciação. O sujeito do inconsciente

pode ser escutado nas ambigüidades do discurso, no duplo sentido das criações

poéticas, na polissemia da enunciação, etc. O inconsciente não está em outro lugar

senão nas palavras, nas entrelinhas dos enunciados, nas ambigüidades discursivas,

135

nas latências dos atos manifestos, pois o inconsciente se mostra à superfície do dis-

curso, podendo ser escutado nas ambigüidades dos duplos sentidos, embora isto se

negue, como evidência, à consciência.

Esta dissertação revelou para nós, toda a complexidade e importância do te-

ma em tela, o que fez com que nossa abordagem primasse por esclarecer alguns

dos pontos principais, sem neles nos aprofundarmos exaustivamente, como o tema

requereria, tendo em mira os objetivos de um trabalho de conclusão de curso de

mestrado. Esclarecemos as relações da linguagem com a psicanálise já que visa-

mos construir um conhecimento mais aprofundado sobre o funcionamento da lingua-

gem em benefício da escuta clínica. Esperamos ter contribuído com tal tema, para

um programa em construção e também para demarcar o lugar e função da psicanáli-

se no espaço virtual de tangência entre a Cognição e a Linguagem. Através dela

também reafirmamos a pertinência das categorias de sujeito, ego, aparelho psíquico,

processos mentais, como da máxima relevância dentro das pesquisas de ponta na

área.

136

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144

ANEXOS

Cap. II

1 - A pedra de roseta

2 - O gráfico do witz

3 - O nó borromeano na topologia

4 - O nó borromeano na psicanálise

1

Anexo 1

2

Anexo 2

3

Anexo 3

4

Anexo 4