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1 Territorio de conflitos: uma analise das novas formas de regulação ambiental na zona costeira de Santa Catarina Claire Cerdan Mariana Aquilante Policarpo RESUMO O litoral de Santa Catarina (Brasil) é um espaço de diferentes atividades socioeconômicas e dinâmicas territoriais com perfis diferenciados, possuindo diversas modalidades de apropriação e uso dos recursos naturais e dos ativos territoriais. Hoje, as estratégias econômicas adotadas dependem criticamente de bens e de serviços ambientais, mas esta dependência varia em função da categoria dos atores (locais ou extra-territoriais) e da evolução das estratégias econômicas dos atores locais (produtores, pescadores, agricultores familiares e moradores da região). Como consequência, existem na região inumeros conflitos no que diz respeito à gestão dos recursos naturais, ao uso do espaço e à mudança nos sistemas de valores e ao modo de vida das comunidades. Com vistas a negociar e resolver tais conflitos, algumas estratégias são postas em pratica por diversos grupos de atores, como a formação de coalizões compostas por associações ou movimentos privados ou da sociedade civil, ou que baseiam-se em dispositivos jurídicos de maior abrangência. Diante deste cenario, o objetivo deste artigo é identificar sob quais condições estruturais (relações econômicas e de poder), cognitivas (visões de mundo, representações, lógicas) e políticas estas estratégias que estão surgindo, muitas vezes implementadas de cima para baixo, permitem a resolução de conflitos existentes na região e a promoção de um novo sistema de governança voltado para o desenvolvimento territorial sustentavel. A hipotese principal é de que estas novas estratégias podem tornar as dinâmicas territoriais mais sustentáveis com a condição de que elas se apóiem numa construção social dos problemas ambientais pelas diferentes categorias dos atores locais e extra-territoriais e em arranjos institucionais (coalizões) participativos, legítimos e conectados. Os resultados deste artigo inscreve-se num projeto mais amplo, denominado “Desarrollo territorial, sustentabilidad ambiental y coaliciones extra- territoriales” (Bebbington, Ospina, Ramirez). Duas estratégias foram analisadas em maior profundidade: a Area de Proteção Ambiental da Baleia Franca e o Parque Estadual da Serra do Tabuleiro, este em processo de recategorização. Como principais resultados, podemos considerar que estas estratégias são: um espaço de tomada de consciência dos impactos ambientais; aumentam a mobilização local em torno da resolução de problemas; promovem a aprendizagem entre os diferentes atores, ao dar consciência dos problemas que existem e os meios legais de se buscar resolvê-los; estimulam uma dinâmica coletiva de reflexão e definição das regras de uso dos recursos; e demonstram terem sido uma tentativa de negociação de conflitos que permeiam grande parte das relações dos atores locais e extra-territoriais na região. Constatamos também os papéis desempenhados pelos diferentes atores: (i) agentes governamentais exercendo um papel ambíguo (hegemonia de uma visão desenvolvimentista-predatória), (ii) um setor empresarial atrelado ao produtivismo externalizador de custos ecológicos e sociais, com um segmento minoritário que apela aos princípios de sustentabilidade de forma retórica “oportunista”, atrelada a uma visão cientificista-tecnicista do processo de gestão do capital natural e cultural, (iii) um setor de organizações civis desenvolvimentistas ainda embrionário e frágil nos processos decisórios com perfil estratégico, e (iv) um setor técnico-científico com visões fortemente controvertidas sobre como promover o uso do capital natural nos processos de crescimento econômico sensíveis à busca de equidade.

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Territorio de conflitos: uma analise das novas formas de regulação ambiental na

zona costeira de Santa Catarina

Claire Cerdan Mariana Aquilante Policarpo

RESUMO

O litoral de Santa Catarina (Brasil) é um espaço de diferentes atividades socioeconômicas e

dinâmicas territoriais com perfis diferenciados, possuindo diversas modalidades de apropriação e

uso dos recursos naturais e dos ativos territoriais. Hoje, as estratégias econômicas adotadas

dependem criticamente de bens e de serviços ambientais, mas esta dependência varia em função

da categoria dos atores (locais ou extra-territoriais) e da evolução das estratégias econômicas dos

atores locais (produtores, pescadores, agricultores familiares e moradores da região). Como

consequência, existem na região inumeros conflitos no que diz respeito à gestão dos recursos

naturais, ao uso do espaço e à mudança nos sistemas de valores e ao modo de vida das

comunidades. Com vistas a negociar e resolver tais conflitos, algumas estratégias são postas em

pratica por diversos grupos de atores, como a formação de coalizões compostas por associações

ou movimentos privados ou da sociedade civil, ou que baseiam-se em dispositivos jurídicos de

maior abrangência. Diante deste cenario, o objetivo deste artigo é identificar sob quais condições

estruturais (relações econômicas e de poder), cognitivas (visões de mundo, representações,

lógicas) e políticas estas estratégias que estão surgindo, muitas vezes implementadas de cima

para baixo, permitem a resolução de conflitos existentes na região e a promoção de um novo

sistema de governança voltado para o desenvolvimento territorial sustentavel. A hipotese principal

é de que estas novas estratégias podem tornar as dinâmicas territoriais mais sustentáveis com a

condição de que elas se apóiem numa construção social dos problemas ambientais pelas

diferentes categorias dos atores locais e extra-territoriais e em arranjos institucionais (coalizões)

participativos, legítimos e conectados. Os resultados deste artigo inscreve-se num projeto mais

amplo, denominado “Desarrollo territorial, sustentabilidad ambiental y coaliciones extra-

territoriales” (Bebbington, Ospina, Ramirez). Duas estratégias foram analisadas em maior

profundidade: a Area de Proteção Ambiental da Baleia Franca e o Parque Estadual da Serra do

Tabuleiro, este em processo de recategorização. Como principais resultados, podemos considerar

que estas estratégias são: um espaço de tomada de consciência dos impactos ambientais;

aumentam a mobilização local em torno da resolução de problemas; promovem a aprendizagem

entre os diferentes atores, ao dar consciência dos problemas que existem e os meios legais de se

buscar resolvê-los; estimulam uma dinâmica coletiva de reflexão e definição das regras de uso

dos recursos; e demonstram terem sido uma tentativa de negociação de conflitos que permeiam

grande parte das relações dos atores locais e extra-territoriais na região. Constatamos também os

papéis desempenhados pelos diferentes atores: (i) agentes governamentais exercendo um papel

ambíguo (hegemonia de uma visão desenvolvimentista-predatória), (ii) um setor empresarial

atrelado ao produtivismo externalizador de custos ecológicos e sociais, com um segmento

minoritário que apela aos princípios de sustentabilidade de forma retórica “oportunista”, atrelada a

uma visão cientificista-tecnicista do processo de gestão do capital natural e cultural, (iii) um setor

de organizações civis desenvolvimentistas ainda embrionário e frágil nos processos decisórios

com perfil estratégico, e (iv) um setor técnico-científico com visões fortemente controvertidas

sobre como promover o uso do capital natural nos processos de crescimento econômico sensíveis

à busca de equidade.

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INTRODUÇÃO

No Brasil, a zona costeira é considerada patrimônio nacional pela Constituição Federal, art.

225, parágrafo 4º (BRASIL, 2011). Com efeito, torna-se um patrimônio de todos, e todos tem

direitos e deveres perante ela no que diz respeito à preservação ambiental e ao uso dos recursos

naturais, a fim de garantir um ambiente equilibrado para as presentes e futuras gerações. Numa

extensão de 8.698 km, abrange dezessete estados e mais de 400 municípios e cinco das nove

regiões metropolitanas existentes no pais. Além de registrar importantes porções contínuas de

manguezais, de recifes de corais, de campos de dunas, estuários e de complexos lagunares, a

zona costeira concentra atividades industriais e complexos portuários, energéticos e turísticos que

contribuem com 70% do Produto Interno Bruto nacional (IBGE, 2006). Esse cenário conta com a

presença de diversos atores que investem em atividades de lazer e de moradia, além da

exploração de bens e serviços ambientais, reforçando as pressões antrópicas exercidas sobre os

ecossistemas costeiros, mas também criando rendas e oportunidades de empregos para a

população local.

O litoral catarinense não escapa dessas evoluções. Em Santa Catarina, a zona costeira é

um espaço que traz em si muitas contradições sociais, econômicas, políticas, ambientais e

culturais. Ao mesmo tempo em que foi palco de um processo de desenvolvimento peculiar – o

chamado “modelo de desenvolvimento catarinense” –, apresenta também semelhanças com

outras regiões costeiras em relação à degradação socioambiental e ao processo de urbanização e

litoralização da população. Atualmente, três dinâmicas territoriais estão consolidadas envolvendo

diferentes grupos de atores (locais e extra-territoriais) com atividades econômicas e estratégias

contrastantes convivendo de forma sinérgica e conflituosa com o uso diversificado e intenso dos

recursos naturais. Observa-se, nesta região, a presença de importantes inversões privadas

externas, oriundas principalmente dos atores do turismo de grande escala (turismo de massa) a

partir da década de 1990, bem como uma desestruturação progressiva das atividades tradicionais

de agriculturas familiares e da pesca artesanal (CERDAN et al., 2011). De modo geral, varios

estudos ali realizados evidenciaram a presença de sistemas de gestão dos recursos naturais em

situação de crise estrutural, em função (i) da persistência da condição de livre acesso aos

recursos naturais; (ii) do acirramento dos conflitos de uso desses mesmos, e (iii) da dinâmica de

especulação imobiliária e expansão do turismo de massa, drenando a força de trabalho das

famílias de pescadores para os setores da construção civil e do comércio. Consequentemente,

constata-se a presença de diversos conflitos entre os proprios atores locais e entre estes e os

atores extra-territoriais, no que diz respeito à gestão dos recursos naturais, ao uso do espaço e à

mudança nos sistemas de valores e modo de vida das comunidades.

Diante deste cenário, o objetivo geral deste artigo é identificar sob quais condições

estruturais (relações econômicas e de poder), cognitivas (visões de mundo, representações,

lógicas) e políticas estas estratégias que estão surgindo, muitas vezes implementadas de cima

para baixo, permitem a resolução de conflitos existentes na região e a promoção de um novo

sistema de governança voltado para o desenvolvimento territorial sustentavel. Consideramos

como hipotese que as novas estratégias que surgem visando resolver conflitos socioambientais

podem tornar as dinâmicas territoriais mais sustentáveis com a condição de que elas se apóiem

numa construção social dos problemas ambientais pelas diferentes categorias dos atores locais e

extra-territoriais) e em arranjos institucionais (coalizões) participativos, legítimos e conectados.

Para tanto, este estudo explora com mais detalhes duas novas formas de regulação ambiental do

litoral centro-sul catarinense (LCS) que estão sendo implementadas através da mobilização de

instrumentos jurídicos (Área de Proteção Ambiental da Baleia Franca – APA-BF, e o Parque

Estadual da Serra do Tabuleiro – PEST, este em processo atual de recategorização), envolvendo

diferentes categorias de atores locais e extra-territoriais, como os agentes governamentais, o setor

empresarial atrelado ao desenvolvimento do turismo de massa, o setor de organizações civis

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desenvolvimentistas e o setor técnico-científico. Neste sentido, propomos identificar as principais

estratégias adotadas por diferentes atores envolvidos nestas duas experiências, bem como as

politicas, as instituições e as coalizões formadas a fim de tornar as dinâmicas territoriais

dominantes na região mais sustentáveis e, assim, buscar minimizar, negociar ou até resolver os

conflitos existentes.

O enfoque analitico utilizado refere-se à gestão dos recursos naturais de uso comum, mais

especificamente ao modelo de analise institucional e desenvolvimento (IAD) elaborado por Elinor

Ostrom em parceria com especialistas da economia ecológica (1986, 2005, 2010; 2011). Com o

uso deste modelo, é possivel caracterizar a situação de ação considerando (i) o conjunto de

atores, (ii) as suas posições específicas, (iii) o conjunto de ações permitidas, (iv) os resultados

potenciais, (v) o nível de controle, (vi) as informações disponíveis e (vii) os custos e benefícios –

que servem como incentivos e impedimentos – atribuído a ações e resultados (OSTROM, 2011).

Utilizando o conceito de “situação de ação1” compreende-se as representações que são

veiculadas pelos discursos dos diferentes atores e que explicam a sua intenção. Por sua vez, as

representações nos permitem compreender as estratégias de cada grupo e o seu padrão de

interação com os demais grupos atuando no território, incluindo as formas pelas quais os atores

percebem determinado problema e como eles se referem aos demais atores (especialmente as

relações envolvendo os atores locais e os atores extra-territoriais). Elas refletem também as

ideologias sobre as quais os atores baseiam seu comportamento na cena do desenvolvimento e

expressam os objetivos que visam atingir.

O estudo mobilizou documentos, entrevistas, questionários, observação participante em

espaços de negociação e de regulação ambiental, e revisão de estudos secundários compilados

em dois programas de pesquisa: o programa DTR-IC (CERDAN et al., 2011a, CERDAN et al.,

2011b) e o programa de pesquisa sobre Desenvolvimento Territorial Sustentável2 (Vieira, 2006).

Os resultados deste artigo inscreve-se num projeto mais amplo, denominado “Desarrollo territorial,

sustentabilidad ambiental y coaliciones extra-territoriales” (BEBBINGTON, OSPINA, RAMIREZ,

2011).

Nossa linha de argumentação parte de uma análise cruzada entre i) as “condições dentro

do território” relacionadas às estratégias econômicas dos atores locais e suas representações

sobre os limites ambientais e ii) as “condições fora do território” relacionadas às estratégias

econômicas dos atores extra territoriais e as condições de relações entre atores locais e extra

territoriais. A partir da compreensão destas estratégias, identifica-se as coalizões e organizações

existentes na zona-costeira centro-sul, bem como os principais dispositivos juridicos, instituições,

politicas e programas que incidem na area. Em seguida, é feita a analise de duas estratégias que

correspondem a um dispositivo juridico que permite a participação de diferentes atores, uma que

ja atuou num caso de um conflito historico na região (de definição dos critérios de abertura da

barra da Lagoa de Ibiraquera) e outra que esta em processo atual de recategorização, passando

de Parque Estadual para um mosaico de Unidades de Conservação, entre eles uma APA, que

permite diferentes usos dos recursos naturais.

1 Situações de ação são os espaços sociais onde os indivíduos interagem, trocam bens e serviços, resolvem problemas,

dominam uns aos outros, também sendo um espaço de luta, de conflito, de embates (OSTROM, 2011).

2 Cabe salientar que, desde 2001, uma equipe de docentes-pesquisadores, estudantes e estagiários, sediada no Núcleo

Interdisciplinar de Meio Ambiente & Desenvolvimento da Universidade Federal de Santa Catarina (NMD-UFSC), vem

concentrando ações de pesquisa, formação e consultoria nessa área. O eixo-norteador desse programa de extensão

universitária tem sido a realização de uma experiência piloto de avaliação socioambiental participativa, entendida como

etapa inicial de um processo de criação e implementação de uma Agenda 21 local.

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1. ESTRATÉGIAS E REPRESENTAÇÃO DOS ATORES

das dinâmicas de desenvolvimento territorial e

. Com isso, podemos determinar algumas estratégias adotadas por

diferentes grupos de atores e a representação que estes tem sobre os limites ambientais das

atividades que desenvolvem. Como consequência, diferentes relações de cooperação, de

concorrência e até de conflitos se estabelecem entre os diferentes grupos, sendo as principais

dificuldades relacionadas ao uso do espaço (terra e mar)3, dos recursos naturais e a construção

de vários projetos políticos para o território. E neste sentido, surgem formas de regulação que

buscam negociar e até resolver estes conflitos e tornar as dinâmicas mais sustentaveis. A seguir

serão destacadas algumas destas estratégias adotadas pelos diferentes grupos de atores

existentes no LCS a fim de compreendermos o surgimento destas novas formas de regulação

ambiental incidentes na região.

1.1. Condições dentro do território

De acordo com os estudos anteriores (CERDAN et al., 2009; 2010; 2011), na fase de

colonização do litoral centro-sul catarinense e de modernização dos setores agrícolas e

pesqueiros, os atores locais que influenciaram a evolução econômica do território pertenciam a

uma sociedade de pescadores-agricultores dominados por: i) donos das terras (ou herdeiros de

sesmarias), e ii) uma burguesia oriunda da pequena produção mercantil e descendente de

imigrantes europeus (donos de moinhos). Esses atores desenvolveram importantes redes de

comercialização, que permitiam o escoamento das mercadorias (madeira, óleo de baleia,

alimentos) para grandes cidades do Estado do Rio de Janeiro e de São Paulo, reforçando os seus

poderes locais e suas capacidades de articulação com os representantes do Estado ou da

Federação. Em paralelo, as comunidades rurais mantinham entre elas relações de sinergias, de

concorrência e de conflitos, principalmente no que diz respeito ao acesso aos recursos naturais.

No decorrer dos anos foram implementadas práticas e regras de gestão dos recursos naturais

principalmente baseadas em saberes tradicionais e nas observações dos ciclos da natureza e

dos ecossistemas, além do respeito às instituições locais.

Até os anos 1960, a agricultura (mandioca, arroz e açúcar) era a principal fonte de renda

das famílias do LCS e a pesca de peixes no mar e de camarões ou siri nas lagoas era praticada

para a subsistência (fonte de proteínas animais). Os programas nacionais de modernização da

pesca dos anos 1970 inverterem drasticamente esse cenário, incentivando indiretamente a pesca

artesanal, possibilitando a expansão dos mercados de pescados e camarões, e marcando uma

tendência de redução irreversíveis das áreas agrícolas na região. No final dos anos 1970,

observa-se um aumento das necessidades financeiras das famílias cada vez mais inseridas numa

economia de mercado, bem como um aumento da população na região. A dificuldade em firmar

acordos de pesca e limitações normativas acabam reforçando a competição desordenada pela

captura, favorecendo a sobre-exploração dos recursos e o surgimento de conflitos internos. Desse

modo, nos anos 1980, a diminuição do estoque pesqueiro, a dependência econômica crescente

dos atores locais à atividade pesqueira e os conflitos entre os grupos de usuários provocaram

3 Os conflitos nessas regiões são diversos e implicam várias categorias de atores. Uma parte deles foi solucionada

através de medidas municipais (decretos) ou de negociação entre as categorias: surfistas e pescadores – pescadores

industriais / pescadores artesanais – empreendimentos turísticos privados/moradores, etc.

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diversas mudanças no nível dos sistemas de manejo dos recursos ambientais, passando de um

sistema tradicional de regras e acordos tácitos para uma regulamentação federal (com presença

de agentes fiscalizadores).

O período mais recente se caracteriza pela ausência dos agentes fiscalizadores

(dificuldades orçamentárias) além da emergência de novos desafios relacionados a presença

cada vez mais importante de turistas, à pressão imobiliária e de atividades diversas convivendo no

mesmo espaço (esportes, lazer, econômica). As comunidades continuam se reproduzindo social,

política, econômica e culturalmente, mesmo que em menor escala e de formas diferenciadas – o

que demonstra a possibilidade de existência de sinergia mas também de concorrência entre as

dinâmicas territoriais e a capacidade de diversos atores sociais de se diversificarem a fim de se

adaptarem a novos contextos (CERDAN et al., 2010; 2011a; 2011b) (ver tabela 1).

Tabela 1 – Evoluções das principais estratégias econômicas e grau de dependência dos serviços

ambientais

Periodo Estratégias econômicas

Grau de dependência aos

serviços ambientais

Pressões sobre os recursos naturais (tipo

e nível) Tipo de regulação

Até os anos 1960

Agricultura e pesca de subsistência, exploração das

madeiras e caça à baleia

Forte

Pressões importantes sobre os recursos

florestais (extração e comercialização)

Poucas pressões nos recursos pesqueiros e

agricultura

Regras locais e práticas tradicionais

Presença de organizações representativas da pesca no

nível local (colônia de pescadores) e agência federal

da pesca com regras genéricas, dificilmente

aplicadas à escala artesanal

Final dos anos 1960 - 1970

Modernização da pesca artesanal (rede e pesca de camarões

com lâmpadas) Emergência de novos

mercados de camarões e peixes para a população

local

Muito forte

Sobre-pesca (aumento das quantidades de

pescados e camarões, pesca de peixes e

camarões de tamanho menor)

Conflitos entre

pescadores “tarrafeiros” e os “redeiros” (conflitos físicos entre pescadores)

Regras locais e praticas tradicionais ineficientes para

resolver essas evoluções Alguns atores começam a negligenciar as regras de

pesca tradicionais Intervenção da policia para

acabar com os conflitos entre pescadores

1980 – 1990

A pesca se torno principal fonte de renda para alguns

pescadores Início da

diversificação de diversos atores

Forte

Diminuição dos estoques, desrespeito às

regras de manejo sustentáveis

Novo modo de governança mobilizando a novo líder (presidente da colônia),

promovendo mudanças e novos regulamentos federais,

fiscais (que controlem a aplicação das regras)

Regulamentação setorial envolvendo apenas os pescadores e o Estado

1990 - 2010

Diversificação das atividades dos atores

locais (agricultura, pesca, serviços

turismos)

Média

Novos tipos de dependência

(beleza natural, paisagem)

Pressão no entorno da lagoa

Conflitos entre a pesca e atividades recreativas e

turísticas

Em busca de novas formas de governança associando os atores extra-territoriais e os atores locais (visão multi-

setorial e multi-atores)

Fonte: Cerdan e Policarpo, 2012.

Hoje, a pluriatividade e a diversificação existem na região, demonstrando a modificação do

meio rural, que passa a assumir funções não apenas produtivas, mas também conta com o

consumo de bens materiais e simbólicos e de serviços. Portanto, estamos diante de uma

agricultura inovadora, sendo praticada em alguns casos através de princípios agroecologicos – na

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rede de agroecologia do litoral centro-sul estão inseridas varias famílias de produtores que

cultivam e processam produtos orgânicos – ou criando novos serviços, a exemplo do caso dos

produtores que vendem seus produtos diretamente ao consumidor e a organização de pequenas

feiras e pontos de venda (CORDEIRO, 2010; MARTINEL, 2010). Estas últimas dependem da

proximidade com os mercados urbanos, e são iniciativas impulsionadas por alguns produtores

lideres, muitas vezes induzidos por instituições publicas ou não-governamentais (CERDAN,

POLICARPO, VIEIRA, 2012). No caso das famílias de pescadores, também é comum a

incorporação de atividades remuneradas como complemento da renda da pesca.

Esta perspectiva histórica confirma que, dos anos 1960 até hoje, as estratégias

econômicas dos atores locais (principalmente representado pelas comunidades rurais) dependem

criticamente de bens ambientais (água, alimentos, madeira, recursos genéticos, ervas medicinais,

energia) e serviços ambientais (purificação das águas e do ar, armazenagem de carbono,

regulação de inundações, processamento de dejetos, manutenção da diversidade biológica,

regulação de doenças, recreação etc.). Contudo, estas estratégias econômicas se traduzem por

uma série de pressões e problemas ambientais relacionados aos uso dos recursos naturais, como

terras, recursos pesqueiros, recursos hídricos, recursos florestais e recursos floristicos. Parte da

agricultura comercial desenvolve-se com produtos de grande impactos ambientais em decorrência

de uso de água para irrigação (arroz), uso de lenha (proveniente das florestas) para secagem

(fumo) e importantes uso de agrotóxicos (fumo e arroz). Além disso, com o desenvolvimento do

setor do turismo, os atores locais trabalham como prestadores de serviços da construção civil,

constroem pequenos hotéis ou pousadas, alugam suas casas para a temporada de verão, ou

fazem serviços domésticos em residências ou pousadas e trabalham no comércio. Estes

processos tiveram como conseqüência uma progressiva desestruturação dos sistemas

comunitários de produção e de gestão dos recursos naturais, ocasionando uma perda de poder de

influência pelas elites agrárias e o enfraquecimento das instituições locais (CERDAN;

POLICARPO; VIEIRA, 2012).

1.2. Condições fora do território

Como visto anteriormente, na década de 1990 ocorre a transformação da vocação do

espaço rural do litoral relacionado ao desenvolvimento das atividades industriais (agricultura,

pesca e outros setores) e o desenvolvimento das cidades e das atividades turísticas4.

Conseqüentemente, as posições e a natureza das relações entre os atores se modificaram no

decorrer das ultimas décadas. Nesse período, muitas pessoas oriundas do interior do Estado de

Santa Catarina (especialmente Oeste Catarinense e Planalto Serrano) ou de outros Estados,

como Rio Grande do Sul e São Paulo, vieram morar nos espaços rurais do litoral e acabaram

também iniciando atividades econômicas alternativas e projetos de desenvolvimento para os

territórios (empreendimentos turísticos, desenvolvimento de esportes e lazeres aquáticos), pois

grande parte desses migrantes são pessoas articuladas com os representantes públicos. Essa

onda de migração não interferiu direitamente no modelo de ação local. Entretanto, acabou

fragilizando as relações de poder da elite tradicional, oferecendo outras oportunidades de

atividades para a população local.

As novas atividades econômicas presentes na zona costeira centro-sul contribuíram para a

emergência de novos arranjos produtivos e coalizões econômicas e políticas que reúnem algumas

famílias tradicionais dominantes, atores públicos de diferentes setores (fomento, pesquisa,

extensão rural) e também novas representações de produtores – pescadores, moradores dos

4

Esses elementos dependem de importantes recursos financeiros e programas públicos.

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bairros e pessoas oriundas da região ou de fora. Na região de estudo aparecem novos

representantes da sociedade civil e emergem outros espaços de discussão e de negociações

públicos (fóruns, conselhos de desenvolvimento, comitês de micro-bacias, agenda 21, etc.)5. Entre

eles, destaca-se os movimentos ambientalistas, os representantes do setor produtivo e as

coalizões culturais (SHERER-WARREN, 2005).

Estas estratégias adotadas pelos atores extra-territoriais também dependem criticamente

dos serviços ambientais porque o turismo na região apóia–se no uso de inúmeras belezas

naturais (costão, área pouca urbanizado) e outros recursos naturais como baleia, ondas, vento,

condições climáticas. Ele pode ser classificado assim em duas categorias de atores. A primeira

esta relacionada aos jovens das grandes cidades que ficam na região para poucos dias

(essencialmente para festas noturnas). Uma outra categoria de turistas esta relacionada à pratica

intensa de esporte. As duas categorias de turismo apresentam oportunidades para o

desenvolvimento da economia local bem como impactos ambientais distintos. Deste modo,

podemos afirmar que existem pressões sobre os padrões ambientais das atividades turísticas,

especialmente relacionados às instituições de regulação ambiental, como APA-BF, Ibama, Forum

da Agenda 21 e também por parte de atores locais, principalmente aqueles que dependem do

meio ambiente e dos recursos naturais para geração de renda e até por outros turistas.

Uma outra atividade econômica liderada pelos atores extra-territoriais diz respeito à

mineração das dunas (extração de areia) no interior das lagoas (conchas calcarias) e no subsolo

(carvão). A mineração de conchas calcarias é alvo de constantes conflitos, já que os defensores

argumentam que a empresa mineradora ajuda os pescadores (dessassoram a lagoa, abrem o

acesso da lagoa ao mar), mas outros apontam os riscos da atividade (poluição da lagoa em

metais pesadas, dependência dos pescadores para com a empresa mineradora, possível

inviabilidade da atividade pesqueira).

1.3. Relações entre atores locais e extra-territoriais

Os elementos abordados anteriormente permitem confirmar que as estratégias econômicas

de um grande numero de atores do território e dos atores extra-territoriais dependem fortemente

da sua capacidade de mobilizar e preservar o capital natural e os serviços ambientais que derivam

dos mesmos. Além disso, a analise do jogo dos atores identifica duas visões de desenvolvimento:

- um grupo atribui o protagonismo transformador aos investimentos de empresários

externos, que devem ser atraídos com o apoio das prefeituras e do governo do estado de Santa

Catarina. Esses encontram na crise da pesca artesanal e nas transformações da agricultura

familiar condições favoráveis para tratá-las como atividades econômicas residuais e suscetíveis

ao desaparecimento, sendo substituíveis pela ocupação em atividades ligadas ao turismo de

massa.

- Um outro grupo de atores busca gestar inovações a partir dos atores locais, conferindo à

pesca artesanal e à agricultura familiar centralidade na diversificação do sistema produtivo. Neste

grupo, os problemas ambientais assumem importância central, pois afetam questões como a

qualidade de vida e a viabilidade de atividades tradicionais. Essa questão tornou-se ainda a

principal fonte de mobilização dos atores locais, expressa na organização de várias instituições

ambientalistas protagonizadas pela sociedade civil, que atuam em paralelo às instituições estatais.

Essas visões marcam nitidamente as interações sociais em torno do acesso e de uso dos

recursos naturais.

5

Durante muito tempo várias ONGs e movimentos sociais não interagiam com o governo local, por princípio ou como

manifestação de oposição. Mesmo se isso permitiu a consolidação de uma certa autonomia, esse fenômeno dificultou a

conversa com os outros atores do território para a construção de um projeto político mais amplo (CERDAN et al., 2010).

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Estas duas principais visões de desenvolvimento determinaram as estratégias adotadas

pelos diferentes atores. Estas estratégias evoluiram ao longo do tempo, causando pressão sobre

os recursos naturais e gerando diferentes formas de regulação ambiental, seja em forma de

politicas ou através de instituições e sistemas de gestão. Neste sentido, surgem atualmente

algumas coalizões poderosas e comprometidas com a preservação do patrimônio natural do

território igualmente preocupadas com o desenvolvimento das comunidades. Partiremos da

analise de dois exemplos concretos: a APA da Baleia Franca e o processo de recategorização do

Parque Estadual da Serra do Tabuleiro. Os parágrafos seguintes visam portanto caracterizar

como se estrutura e funciona esses arranjos institucionais; quais são os principais bloqueios e

sinergias; e avaliar a sua capacidade de tornar as dinâmicas territoriais mais sustentáveis e

gerenciar os conflitos existentes entre diferentes grupos de atores. Antes disso, parece importante

apresentar o perfil das principais coalizões encontradas na região.

2. COALIZÕES E ORGANIZAÇÕES LOCAIS: ALGUNS EXEMPLOS

2.1. Organizações e coalizões da sociedade civil no litoral centro-sul de Santa Catarina

As coalizões levantadas na região de estudo são formadas por associações ou

movimentos privados ou da sociedade civil, ou baseiam-se em dispositivos jurídicos de maior

abrangência. Essas ações coletivas podem ser consideradas como coalizões que permitem o

fortalecimento da sociedade civil ou a implementação do sistema de regulação e de controle social

para resolver problemas locais (Tabela 2). Esses tipos de iniciativas acabam modificando a

governança territorial e podem vir a fornecer formas de regulação ambiental que tornam as

dinâmicas dominantes mais sustentáveis (CERDAN et al., 2010).

Tabela 2 – Algumas organizações da sociedade civil no LCS

Nome Período de emergência

Tipo de atores envolvidos

Atividades

Movimento Ambiental do Rosa

(MAR) Década de 1990

Atores extra territoriais e atores locais (gaúchos e

militantes do partido dos

trabalhadores (PT)

Mobilização contra novas construções imobiliárias em área de preservação

permanente, danos ao meio ambiente e desmatamento

Associação Comunitária Ibiraquera

Gramense (ACIG)

1986 Atores locais

- Ação civil publica contra o Grupo Gerdau (empresa extraterritorial), que havia privatizado o acesso a uma da

praia, - Várias ações contra construções

irregulares - Participação ativa na formulação do

Plano Diretor de Imbituba; - Campanha publica a favor da

abertura dos caminhos da Praia e a proibição de veículos na faixa de praia

Associacao Comercial e

Comunitaria de Ibiraquera (ACCI)

-

Atores locais (pescadores e membros da

comunidade rural

Ações civis publicas contra construções em áreas de preservação permanente, em terrenos de marinha

(destruição de um rancho de pescadores)

Conselho Comunitario de Ibiraquera (CCI)

Criado em 1993 e reestruturado em

1998

Atores locais (pescadores e membros da

comunidade rural

- Ações de conscientização e limpeza das praias e das lagoas, retirada de

cerca de dentro da lagoa - Cursos de capacitação e de

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valorização da cultura local (culinária, medicina tradicional)

- Ações civis contra construções irregulares

- Participação no Plano Diretor de Imbituba

Associação de pescadores

6

Varias associações emergiram

(varias associações

se enquadram nestes movimentos, muitos

vezes existindo conflitos entre elas)

Atores locais (pescadores e membros das comunidades)

Na região de Ibiraquera o movimento dos pescadores vai além da

apropriação do instrumento que os representa perante a sociedade

democrática (as Colônias de Pesca), mas na apropriação dos espaços de

tomadas de decisão em âmbito localizado, e no estabelecimento de

arranjos institucionais com a participação ativa de representantes

de pescadores

Associação Surf de Imbituba

Atores locais (surfistas e alguns

deles sendo pescadores ou de

famílias de pescadores)

- Participação em arranjos institucionais

- Garantia da pratica do surf com respeito àas regras delimitadas

Movimento pela recategorização

das Areas Costeiras do PEST

A partir de 2005, pela junção de varias associações da sociedade civil

existentes na area

Atores locais, entre moradores e

empreendedores

- Reduzir a area do PEST -Criar uma nova Unidade de

Conservação (APA Costeira do Massiambu)

Fórum Parlamentar do Parque

Estadual da Serra do Tabuleiro

(FEEC) - GTForum

A partir de 2006 Atores locais e extra-territoriais

- Criado para elaborar uma proposta de definição de novos limites e

enquadramento do referido Parque na lei do SEUC

Fonte: Cerdan e Policarpo, 2012.

No caso da região da Lagoa de Ibiraquera, boa parte dessas organizações foram criadas

na década 1981 – 1994, quando o contexto social e institucional era marcado pela forte presença

de organizações sócio-produtivas (definição de regras de pesca, fiscalização), amenizando assim

alguns dos conflitos existentes (SEIXAS; BERKES, 2005). Em torno no PEST e de sua

recategorização, os movimentos se iniciaram a partir de 2005, pelas restriçoes normativas

impostas a seus moradores e também pela intensificação e expansão do turismo de massa em

toda a região. Isso levou as comunidades, ao lado de alguns atores extra-territoriais e em ambos

os casos, a se mobilizarem em torno de ações de justiça ou de sensibilização publica.

Outras interações entre atores territoriais e extra-territoriais se dão através de dispositivos

que mobilizam instrumentos jurídicos. Este sistema de planejamento e de gestão vem criando,

também, um quadro mais favorável à promoção de iniciativas locais, à inserção de novos atores

6. Atualmente, os pescadores artesanais da região estão organizados por meio de associações locais, em cada

localidade, e por meio de uma associação maior que engloba todas as lideranças e representantes das associações

locais. Por exemplo, a Associação de Pescadores da Comunidade de Ibiraquera (ASPECI) foi fundada em dezembro de

2003 e engloba 10 comunidades. Através da ASPECI, os pescadores participam do Fórum da Agenda 21 Local de

Ibiraquera. A associação surgiu a partir do grupo de trabalho da Pesca deste Fórum (FILARDI, 2007, ADRIANO, 2011).

Além da ASPECI, há também a Associação de Pescadores de Garopaba (APG), que incluem pescadores que pescam

na lagoa; Estas duas, hoja, são associações muito importantes para a comunidade, mas vivenciam conflitos entre elas.

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públicos e à formação de novas coalizões nos espaços públicos, mesmo que em alguns casos

sejam pouco efetivas na realidade.

2.1. Dispositivos jurídicos, politicas e programas de gestão do recursos naturais incidentes no litoral centro-sul catarinense

O Plano Nacional de Gerenciamento Costeiro (PNGC) foi instituído pela Lei nº 7.661 de

16/05/1988, sendo parte integrante da Política Nacional para Recursos do Mar e da Política

Nacional do Meio Ambiente, fixada pela Lei nº 6.938 de 02/09/1981. Sua principal função é a

proteção socioambiental da zona costeira, contribuindo para aumentar a qualidade de vida de sua

população e proteger o patrimônio natural, histórico, étnico e cultural, por meio do zoneamento de

usos e atividades na zona costeira, bem como pela fixação de normas e diretrizes a serem

seguidas pelos Estados e Municípios (BRASIL, 2011). Em 2006, em Santa Catarina, foi

regulamentado e instituido o Plano Estadual de Gerenciamento Costeiro (PEGC), estabelecendo

metas, estratégias e instrumentos para sua implantação no Estado, tendo como responsavel a

Secretaria de Planejamento do Estado de Santa Catarina (SPG). Entretanto, algumas críticas que

este Plano recebe, tanto a nivel federal quanto estadual, referem-se ao conteúdo de suas normas

serem bastante genéricos, deixando muitas questões ainda em aberto, não apresentando

soluções concretas para os atuais problemas desta região. Da mesma forma, este plano pouco

opera em regime de coordenação interinstitucional, associando vários programas. E, por mais que

exista a tentativa de integração entre as políticas e o incentivo à participação de diversos atores,

ainda existem obstáculos para que na pratica isso ocorra, seja por fatores socioculturais,

sociopolíticos ou socioeconômicos, como a baixa articulação das instituições governamentais com

a sociedade civil, a existência de lobbies de empresários e políticos, o baixo nível de

conhecimento e comprometimento da sociedade, além da carência de recursos humanos e

financeiros (FILARDI, 2007).

Outro dispositivo legal é o caso das Unidades de Conservação, instituídas pela Lei nº

9.985/2000 que dispõe sobre o Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC7). Alguns

destes arranjos surgem como respostas ao atual processo de revisão da concepção tradicional de

gestão centralizada e tecnocrática brasileira. Se até pouco tempo atrás as palavras de ordem

eram "preservação", "isolamento de áreas naturais", "gestão por experts", Macedo (2008) constata

um discurso crescente que visa conciliar a conservação dos recursos naturais com a promoção de

estratégias alternativas de desenvolvimento socioambiental. Assim, oferecem oportunidades para

que as comunidades e os atores extra-territoriais também participem do processo de gestão e da

construção de estratégias alternativas de desenvolvimento, como é o caso das Reservas

Extrativistas (Resex), das Reservas de Desenvolvimento Sustentável (RDS) e dos Fóruns e

Acordos de Pesca – mesmo que não haja na pratica participação efetiva, engajamento e

organização por parte das comunidades, seja por falta de diálogo e interação entre os vários

níveis governamentais e entre eles e as próprias comunidades.

Para o caso especifico deste trabalho, uma importância especial é dada a uma nova

categoria de Unidade de Conservação de Uso Sustentável, denominada de Área de Proteção

Ambiental (APA). Esta categoria foi criada no inicio da década de 1980, com base nos modelos

europeus de áreas protegidas (Parques Naturais do Portugal e na França). É um tipo de área

protegida que contêm propriedades privadas em seu território. No caso brasileiro, a intenção foi de

7 O SNUC regulamenta o processo de criação e gestão de áreas protegidas, sendo divididas em dois grupos de

categorias: áreas de proteção integral e áreas de uso sustentável. Nas primeiras é permitido apenas o uso indireto dos

recursos naturais contidos em seu interior, enquanto que nas segundas são experimentados modelos de uso que

conciliam a conservação ambiental com o uso racional dos recursos.

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criar um instrumento mais adequado para a p

de Conservação, que pode

), os planos de manejo e os conselhos gestores. Neste contexto é que

foi criada a APA da Baleia Franca, localizada no litoral centro-sul e sul de Santa Catarina.

Contudo, observa-se conflitos de interesse entre desenvolvimento municipal e a implantação de

uma Unidade de Conservação na região.

No LCS observa-se também uma crescente organização dos pescadores e a busca, por

uma parcela destes, da manutenção de seu modo de vida tradicional. Existem no interior da APA

da Baleia Franca, coordenados pelos próprios pescadores artesanais, dois processos de criação

de Reservas Extrativistas, categoria de Unidade de Conservação de uso sustentável voltada à

conservação da natureza e da cultura tradicional. Nessa direção, em 2007, encaminharam ao

Ibama a proposta de criação da “Reserva Extrativista da Pesca Artesanal nos municípios de

Imbituba e Garopaba/SC”. Por um lado, a proposta é apoiada pelo Fórum da Agenda 21 local da

Lagoa de Ibiraquera, Organizações Não-Governamentais (ONG) ambientalistas, a APA-BF,

vinculada ao Instituto Chico Mendes – Ministério do Meio Ambiente (MMA), do Núcleo de Meio

Ambiente e Desenvolvimento (NMD) da UFSC e parte dos pescadores, principalmente os

vinculados às Associações de Pescadores de Garopaba (APG) e de Ibiraquera (Aspeci). Por outro

lado, a Colônia de Pescadores e a Prefeitura de Imbituba assumiram uma posição contrária.

Considerando a diversificação das atividades nesta região, essa proposta ira ganhar legitimidade

na medida em que ela for discutida com os outros atores do território, ou seja, com os atores

extra-territoriais e for sintonizada com as outras propostas já existentes, como por exemplo os

projetos centrados na valorização ou na certificação de varios produtos alimentares no âmbito do

movimento Slow Food e por meio de selos oficiais de qualidade (Agricultura Orgânica, Indicação

Geográfica, Marca Coletiva, Marca Territorial) – esses modelos tendem a reconectar os

consumidores da região com os agricultores familiares (ou atores extra-territoriais com os atores

locais).

A Fundação do Meio Ambiente (FATMA) também é uma instituição estadual importante

para a região, pois ela tem a função de garantir a preservação dos recursos naturais, atuando em

ações de gestão de UCs Estaduais, fiscalização, Licenciamento Ambiental, Programa de

Prevenção e Atendimento a Acidentes com Cargas Perigosas, geoprocessamento, estudos e

pesquisas ambientais, pesquisa da balneabilidade. No caso da recategorização do PEST, ela

emitiu varios pareceres técnicos que diziam respeito à recategorização – e alguns foram

simplesmente ignorados. Quanto a esta questão, varios atores locais, empreendedores e

associações também se uniram e formaram o “Movimento de recategorização”, como veremos

adiante.

3. INTERAÇÕES ATORES EXTRA TERRITORIAIS E ATORES LOCAIS: O EXEMPLO DE DUAS FORMAS DE REGULAÇÃO AMBIENTAL

O LCS é um espaço local recortado por conflitos, que são elementos constitutivos da vida

social e traduzem, de certo modo, o confronto entre a autonomia e a dependência que procuram

impor os poderes locais. O conflito é culturalmente estruturado e reflete os interesses ligados à

escala da hierarquia social que os indivíduos ou grupos sociais ocupam (CAZELLA 2006, p. 242).

Os conflitos estão enraizados na confrontação entre sistemas de representação da natureza e

entre diferentes universos de legitimidade que coexistem na sociedade moderna ocidental; assim,

vão além de simples “conflitos de interesse” (GODARD, 2002). No caso de recursos naturais de

uso comum, é frequente encontrar situações conflituosas. No entanto, o que varia são as

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dimensões, o nível e a intensidade dos conflitos, que assumem diferentes conotações em

diferentes contextos.

Na região do LCS, constatamos que o turismo de massa ocasionou e ainda ocasiona

muitos conflitos, e agrava alguns dos ja existentes, impactando em varios problemas

socioambientais decorrentes disso. Esta atividade tornou-se mais expressiva a partir da década

de 1970, com a construção da BR-101, e se radicalizou a partir da década de 1990, quando

começa a haver um grande fluxo de turistas para a região, acompanhado do referido processo de

ocupação desordenada do solo e pela especulação imobiliária, acarretando em um tensionamento

das relações de uso dos recursos com os pequenos agricultores e pescadores artesanais, e

favorecendo a desfiguração do estilo de vida da população nativa (IBAMA, ICMBio, MMA, 2007).

Com o advento e consolidação do turismo de massa constatou-se também uma fragiliação da

identidade cultural das comunidades tradicionais e a incorporação de novos estilos de vida

constrastando visões de mundo distintas. Atualmente, de acordo com Flexa (2007), a

incorporação do discurso ambiental pela industria do turismo de massa tem gerado polêmicas e

conflitos, pois ao mesmo tempo em que se defende a necessidade de lugares preservados ou

com atrativos naturais para sua realização, existe uma série de impasses relacionados à gestão

de problemas recorrentes, como por exemplo a poluição, a ocupação desordenada do territorio e

a desestruturação de comunidades tradionais.

Somado a isso, a atividade da pesca também foi e é conflituosa. De acordo com Seixas

(2005), os conflitos em torno da pesca surgem na região já na década de 1960, relacionados à

arte de pesca (entre os pescadores de rede e os pescadores de tarrafa) e ao melhor período de

abertura da barra da Lagoa de Ibiraquera. De acordo com a autora, este conflito se amplia e

modifica de foco nas décadas de 1970 e 1980, com a chegada de novos pescadores, de turistas e

de novas tecnologias de pesca, além do aumento da demanda do pescado para o mercado

nacional somados à falta de políticas de gestão pesqueira e de fiscalização. A partir de então e

até hoje estabelece-se uma relação de conflito e dependência entre os pescadores e o turismo de

massa e suas conseqüências. Um exemplo dessa relação com o turismo é a definição do período

de abertura da barra da Lagoa de Ibiraquera: anteriormente era determinado por uma lógica

fundamentada no saber tradicional referente ao melhor período para entrada de larvas;

atualmente, por sua vez, é dominado pelo setor turístico e imobiliário, preocupado com o

escoamento do esgoto, o qual é jogado in natura na Lagoa.

Além disso, no entorno da Lagoa de Ibiraquera, existem redes e relações existentes que

interferem diretamente na relação das pessoas em seus grupos sociais8 (ROSAR, 2007).

Conforme as conclusões de Rosar (2007), esse fato reflete a permanência de clientelismo,

lembrando que a colônia é a responsável pelo registro dos pescadores, e é através disso o acesso

ao seguro defeso9. Motivados pelo interesse de exercer sua profissão, e ainda, receber o seguro

defeso, os pescadores se registram nas Colônias e, conseqüentemente, se submetem às suas

regulamentações. Geralmente essa dominação passa a ser personalizada na figura do presidente

da Colônia e seus representantes, os quais utilizam esse poder para determinar autoritariamente o

que podem ou não fazer seus associados (ROSAR, 2007). Ou seja, esse tipo de dominação

velada determina onde podem ou não participar, mas é uma lógica de organização hierárquica

eminentemente vertical que se choca com a proposta de instituições participativas, havendo uma

resistência à lógica da política da participação.

8 Em que pesem as limitações organizativas das Colônias de pescadores, o contexto de crise da pesca artesanal tem

suscitado a participação dos pescadores na disputa de poder local.

9 O seguro defeso proíbe a pesca de camarões durante 4 meses. Nesse periodo, o pescador artesanal recebe um

salário mínimo pelo Governo Federal. De acordo com nossas entrevistas, o seguro defesa representava em 2010 mais

de 10% da renda anual das famílias de pescadores.

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A partir destas considerações, podemos sucintamente delinear alguns conflitos que

existem no LCS: conflitos históricos envolvendo pescadores locais, muitas vezes ligados a grupos

de famílias que tradicionalmente habitavam a região; conflitos relacionados ao uso de diferentes

petrechos de pesca (como entre tarrafeiros e aqueles que utilizam redes), ou entre pescadores

profissionais e pescadores amadores; perda de espaços usados na pesca; fiscalização da pesca

deficiente; fiscalização inadequada das áreas de preservação/conservação dos Patrimônios

Natural e Histórico/Cultural; presença de pescadores “de fora” na Lagoa de Ibiraquera; mudanças

de valores e transformações culturais; apropriação de áreas públicas; construções irregulares;

poluição hídrica; contaminação da água da Lagoa pelos agrotóxicos utilizados em plantações de

seu entorno; e desrespeito aos nativos da área pelos novos habitantes, com alterações inclusive

no modo de vida das comunidades. Em Imbituba também existe um porto, na area limite com a

APA-BF, que gera conflitos quando são necessarias obras e melhorias na estrutura portuaria. A

presença do turismo também impacta a região do PEST, pois na alta temporada, sem infra-

estrutura urbana adequada, o aumento populacional gera problemas no abastecimento de água e

luz, bem como um aumento na quantidade de esgoto, destinado aos rios e praias da região,

alterando os ecossistemas locais10. Podemos portanto afirmar que existem conflitos entre todos os

grupos de atores, sendo uns mais acentuados, especialmente no que tange ao turismo e

pescadores/moradores, ou esportistas e pescadores, e outros são mais velados, como entre os

pescadores da lagoa, ou entre os esportistas nativos e os “de fora”.

Entretanto, para além dos conflitos, existem também estratégias de cooperação entre os

atores, que estabelecem relações permeadas por assimetrias de poderes. A cooperação envolve

uma relação de troca, caracterizada por uma certa duração e pela desigualdade entre as partes.

São trocados recursos e trunfos, diferentes e desiguais, que cada um dos diversos atores

possuem e que outros precisam para realizar seus projetos coletivos ou individuais. A troca é

regida por regras, sempre vantajosas para aqueles com melhores trunfos, tornando conflitual

qualquer esforço de cooperação. No caso das regras formais, elas são produtos de uma relação

de forças que influenciam as instituições reguladoras e a sociedade de forma mais ampla. Dai a

importância da construção da confiança, a resolução de conflitos e a aprendizagem social. Por

exemplo, no caso do turismo de massa, para além dos impactos negativos, ele também trouxe

estas novas formas cooperativas, pois promoveu o intercâmbio entre os “nativos” e os “de fora”,

possibilitando o aprendizado e o surgimento de novas percepções entre eles. Existe também uma

relação importante entre as comunidades, os recursos naturais e as instituições que buscam

promover o turismo: para que este exista e se reproduza, é preciso que exista uma comunidade

tradicional “viva”, os elementos que atraem os turistas estão diretamente relacionados com o

dinamismo destas comunidades e com a conservação dos recursos naturais. Estas dependências

implicam uma necessária relação de solidariedade e de convergência na construção de projetos

de território, por parte dos diferentes atores do litoral, mesmo que pareça contribuir com dinâmicas

contraditórias (CERDAN, POLICARPO, 2012).

Nos paragrafos abaixo veremos mais detalhadamente como se estabelecem as interações

entre os diferentes grupos de atores, a partir de dois exemplos concretos.

10

A região de Massiambu inclui 5% do município de Garopaba, 54% do município de Palhoça, 59% do Município de

Paulo Lopes e 1% do município de Florianópolis, apresenta uma população fixa de aproximadamente 20.000 pessoas,

podendo chegar a 40.000 nos meses de verão.

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3.1. As negociações para a abertura da barra da Lagoa de Ibiraquera liderada pela APA-BF

A Area de Proteção Ambiental da Baleia Franca é uma Unidade de Conservação federal,

instituida em 14 de julho de 2000, dispondo de uma área total de 156.100 hectares, sendo a

grande maioria marinha, mas compreendendo também um complexo lagunar e areas terrestres

que possuem grande importância ecológica e são compostas, majoritariamente, por áreas de

dunas. Com uma extensão de 130 quilômetros, abrange nove municípios do litoral centro-sul

catarinense: Florianópolis, Palhoça, Paulo Lopes, Garopaba, Imbituba, Laguna, Tubarão,

Jaguaruna, e Içara. A criação desta Unidade de Conservação foi fruto da pressão do movimento

ambientalista, notadamente do Projeto Baleia Franca. O objetivo foi a criação de uma área voltada

especificamente à proteção da baleia franca austral (Eubalaena australis) e para o ordenamento

territorial da área, que tem sofrido transformações substanciais devido, principalmente, ao turismo

sazonal de massa, da especulação imobiliária, da pesca industrial e da mineração. Nos primeiros

anos posteriores à sua criação, não houve expressivo envolvimento comunitário na gestão desta

Unidade, e o foco de sua gestão recaiu sobre a preservação da baleia franca, realizada quase que

exclusivamente pelo IBAMA/ICMBio. Tendo em vista a grande extensão do território da APA e a

crescente pressão sobre seus recursos naturais11, durante as últimas décadas, a gestão desta

Unidade de Conservação tem exigido ações mais abrangentes e integradas. Uma das resoluções

foi a criação de um conselho gestor – o CONAPA –, prevendo a participação dos representantes

dos atores do território, inclusive as comunidades locais. O CONAPA foi criado no ano de 2005,

por meio de um trabalho conjunto entre servidores da APA, do Núcleo de Educação Ambiental do

Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renovaveis (IBAMA), da Fundação

Gaia, do Fórum da Agenda 21 Local de Ibiraquera e do Núcleo de Meio Ambiente e

Desenvolvimento da Universidade Federal de Santa Catarina. Foi considerado pelo Ministério do

Meio Ambiente (MMA) e pela Coordenação Geral de Educação Ambiental (IBAMA) como um

“projeto de referência” de criação de conselho gestor, pelo fato de privilegiar os esforços de

capacitação durante todo o processo de criação e consolidação institucional. O conselho funciona

atualmente com quarenta e dois membros, divididos paritariamente entre “entidades

governamentais”, “entidades ambientalistas” e “usuários dos recursos” (MACEDO, 2008). Isso

acabou criando um espaço efetivo de governança territorial na região (CERDAN et al., 2010).

Segundo os próprios integrantes do CONAPA (MACEDO, 2008), ha o reconhecimento de que a

APA é um espaço legitimo, no qual seus participantes representam efetivamente os interesses de

diferentes categorias de atores, sendo também um espaço de argumentação e de decisões muito

importantes. Ainda de acordo com os entrevistados e representantes da APA, a criação do

CONAPA estimulou uma dinâmica coletiva de reflexão e definição das regras de uso dos

recursos, baseada em estudos de viabilidade e/ou temáticas elaboradas pelos grupos de trabalho

ou pelas câmaras técnicas12 .

11

As principais pressões se expressam principalmente no turismo de massa, especulação imobiliária e pesca

predatória, além da atividade de rizicultura e de mineração de carvão no entorno da APA que afetam os recursos

hídricos.

12 Os Grupos de trabalho são criados para resolver problemas emergenciais e pontuais identificados durante as

reuniões plenárias. Esses grupos são compostos por integrantes do conselho e por outros convidados. O conselho da

APA chegou a ter 18 grupos de trabalho criados, alguns com maior efetividade e outros que nem chegaram a se reunir.

Em 2008, Macedo identificou nove grupos: comunicação, plano de manejo, mineração nas dunas, mineração no sul,

barra do Camacho, Parque Estadual da Serra do Tabuleiro, tombamento do Farol de Santa Marta, turismo de

observação de baleias e Porto de Imbituba. As câmaras técnicas, diferentes dos grupos de trabalhos, são permanentes

e devem tratar de temas estruturantes para a gestão da Unidade de Conservação. A primeira câmara criada foi a da

pesca, no final de 2007 e, na reunião de abril de 2008, foi criada a de ordenamento territorial.

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Tabela 3 – Atores locais e extra-territoriais existentes em torno da APA-BF

Organizações da sociedade civil

Organizações do Poder Publico

Organizações do setor privado

Universidades e Instituições de ensino

Arranjos institucionais

Atores locais

Centro comunitario do arroio, CCI, ASPECI, APG, Associação dos Moradores da Barra, colônias de pesca

Prefeitura de Imbituba, prefeitura de Garopaba, secretaria municipal do meio ambiente, secretaria municipal da pesca, Epagri local

Forum da agenda 21 da Lagoa de Ibiraquera

Atores extra-territoriais

Instituto de Politicas Publicas e Sociais, Instituto Boto Flipper, Pastoral da Pesca, Cooperlagunar, associações de pesca na localidade, ONG Rasgamar, Associação das lideranças comunitarias, associações de pescadores da praia da Guarda do Embau, associação de pescadores do Pântano do Sul (AMOPRAN), associação de moradores do Pântano do Sul

Epagri, Ibama, MPA Associação comercial de Imbituba

NMD/UFSC

Forum Ambiental Permanente do Complexo Lagunar

Fonte: elaboração propria, 2011.

Como foi possivel verificar na tabela 3 acima, varios atores locais e extra-territoriais

participam do Conselho Gestor da APA-BF, e nos ultimos anos ele vem atuando também em

importantes conflitos da região de Imbituba e Garopaba, visando conciliar os diversos interesses

em torno do acesso e uso de recursos naturais e articulando varias outras instituições, como a

prefeitura de Imbituba. O caso da gestão da abertura da barra da Lagoa de Ibiraquera13 é um

exemplo ilustrativo e interessante para ser analisado, pois é considerado o conflito de maior

relevância histórica para a região, trazendo a tona muitos outros conflitos velados entre os

diversos atores.

Inicialmente, a abertura da Lagoa ocorria de forma natural, visando principalmente

controlar os estoques de tainha e camarão. Com a compra e o aterro de uma parte de suas terras

houve um desvio do curso natural da lagoa, tornando-se necessário efetuar a abertura de forma

antrópica. Desse modo, a evolução das atividades e a natureza complexa dos processos em jogo

tornou necessario ter um sistema de gestão flexível, diverso e com uma forte capacidade de

aprendizagem e adaptação. Esta responsabilidade ficou nas mãos de diversos atores ao longo do

tempo: até a década de 1960 a decisão era dos pescadores; de 1970 a 1988 a decisão era

tomada pela Colônia de Pescadores, apos consulta aos pescadores locais; a partir de 1988 a

responsabilidade ficou com a prefeitura, que nao possuia conhecimento algum sobre a ecologia

da lagoa (as decisões eram tomadas com base no controle do problema do esgoto e não na

otimização do esforço de pesca na Lagoa); e em 1993 a prefeitura transferiu informalmente a

13

A Lagoa está localizada na zona costeira centro-sul catarinense, mais especificamente na divisa dos municípios de

Imbituba e de Garopaba, e é composta por quatro bacias: Lagoa de Cima, Lagoa do Meio, Lagoa de Baixo e Lagoa do

Saco. Seu entorno abrange atualmente dez comunidades. Segundo uma estimativa considerando o número de

residências no entorno da Lagoa, e a média de ocupantes por casa, havia no ano de 2000 cerca de 5.000 habitantes na

região, chegando a 15.000 durante a temporada de verão (SEIXAS; BERKES, 2005). Dos moradores na região, estima-

se que 62% são nativos da área, 33% são migrantes e 5% mantém residências secundárias (ROSAR, 2007). A lagoa de

Ibiraquera era ocupada tradicionalmente por comunidades que viviam da pesca e da agricultura. Entretanto, o

crescimento demográfico e o fortalecimento do turismo, associada à especulação imobiliária, especialmente a partir da

década de 1970 com a implantação da rodovia BR-101, engendrou mudanças drásticas nos padrões de ocupação, uso

e apropriação de seu entorno, impactando as comunidades tradicionais de seu entorno.

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decisão para a Colônia de Pesca (SEIXAS, 2005; ADRIANO, 2011). Os trabalhos de Seixas

(2002) identificaram 4 períodos de sistema de gestão dos recursos naturais (pesqueiros)

mobilizando recursos distintos. Elas estão resumidas na tabela 4.

Com o passar dos anos, com a chegada de novos habitantes na região, com o aumento do

número de turistas, de esportistas e de outros atores usuários deste recurso, além da existência

de uma Unidade de Conservação na área, novos critérios emergiram para determinar quando ou

não deveria ser aberta a Lagoa, a fim de conciliar os diversos interesses em torno do acesso e

uso a este recurso natural. Diante disso, conflitos surgem ou se acentuam, que são os reflexos de

uma evolução recente do território que se tornou um espaço onde convive o turismo de massa, a

especulação imobiliária, as atividades de pesca e agricultura mais tradicional14.

Mais recentemente, a APA-BF, principal dispositivo da gestão da área ambiental na região,

tornou-se responsável pela abertura da Lagoa de Ibiraquera. Mas ao longo do tempo, por

inúmeras dificuldades (entre elas de pessoal disponível), não foi possível cumprir esta atribuição

adequadamente. Segundo os gestores da APA, esse responsabilidade esta cada vez mais

complexa, já que interesses econômicos e sociais divergentes se consolidaram nestes últimos

anos. Soma-se a isso inúmeros conflitos entre os atores, como por exemplo conflitos relacionados

à criação de uma Reserva Extrativista na área, ao acesso a uma praia até então de uso privado

de um grupo empresarial, e à implantação de uma fazenda de carcinicultura na região.

14

Para os pescadores, por exemplo, a abertura é de grande importância por permitir a renovação do estoque pesqueiro

e de outros organismos vivos. Já para os agentes do turismo, esta abertura também é fundamental, todavia não no

mesmo período do ano, mas sim quando, por causa das construções mal feitas de fossas sépticas que aumentam o

nível de água da Lagoa, existe muito mau cheiro e dificuldade na descarga de dejetos.

Page 17: Territorio de conflitos: uma analise das novas formas de ... · aumentam a mobilização local em torno da resolução de problemas; promovem a aprendizagem entre os diferentes atores,

17

Tabela 4 – Evolução dos sistemas de manejo dos recursos naturais na Lagoa de Ibiraquera

Período Fatores de mudanças de sistema

de gestão Sistema de

gestão Princípio

Exemplos de normas implementadas

Recursos mobilizados

Até 1960 - Sistema de

gestão tradicional

Conhecimento ecológico dos pescadores

Gestão da abertura da barra Uso de barreira de bamboo

(tapume )

Ou proibição de fazer barulho ou entrar na água perto da barra

quando aberta (migração dos peixes)

Respeito das práticas dos saberes dos pescadores mais antigos e mais

experimentados

Forte coesão social e coordenação entre as comunidades

1970 – 1980

Evolução das técnicas de pesca Desrespeitos das normas tácitas

por parte de pescadores

Conflitos entre pescadores, aumento da pressão sobre o

recurso pesqueiro

Acordos de pesca local e

nacional

Definição de regras de pesca pela colônia de pescadores

Conhecimento ecológico dos

pescadores

Mobilização do conhecimento cientifico

Acordo de pesca em 1980 monitorado por um voluntario da

comunidade

A colônia de pescadores substitui os antigos na decisão da abertura da

barra

(uso do conhecimento local)

1981 – 1994

Limite dos sistemas, fraqueza do sistema de controle

Reconhecimento da diminuição do

estoque pesqueiro

Sistema de gestão a partir de regulação

federal

Mobilização das agências federais, estaduais e

municipais para definição das normas

Presença de fiscais do

governo

Seguro defeso

O acordo de pesca se tornou lei

Líder com forte legitimidade (pescadores)

Bem articulado com os governos local

e estadual

1994 – 2000

Retirado dos fiscais

Novos conflitos relacionados ao desenvolvimento do turismo

Sistema de gestão fraco

aliando mobilização

local e regulamentaçã

o estadual

Regulamentação Federal

- Prefeitura decide a abertura da barra

2000-2011

Reconhecimento de uma nova crise, acirramento dos conflitos

entre pescadores e atores extra-territoriais

Gestão a partir de uma

Unidade de Conservação

(APA)

Co-gestão adaptativa A APA-BF é responsavel pela definição de critérios, mas consulta varios grupos

de atores com interesse na lagoa

Fonte: adaptado de Seixas (2002) e nossos entrevistas, 2011.

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18

Na intenção de reduzir as tensões entre atores locais e extra territoriais em torno da

abertura da barra da Lagoa de Ibiraquera, a Prefeitura Municipal de Imbituba e os representantes

da área de preservação ambiental (APA –BF) propôs aos atores locais e extra-territoriais de

construirem uma metodologia participativa e transparente para decidir quando abrir a barra da

Lagoa de Ibiraquera. Além das instituições, os pescadores, os moradores (atores locais), os

representantes do setor turístico (atores locais e extra-territoriais) e os representantes do

esportistas (atores extra-territoriais) configuravam os grupos de atores (setores econômicos) que

deveriam compor esta comissão. Foram propostas seis reuniões: uma com instituições

interessadas em se inteirar do processo; quatro com os principais setores econômicos, nas quais

cada setor buscaria consensos dentro entre si e elegeria quatro representantes para compor a

reunião final; e uma reunião final, onde propôs-se a negociação social dos critérios de abertura da

barra e definição do comitê gestor (ADRIANO, 2011). As reuniões visando o diálogo entre os

setores foram realizadas durante o mês de fevereiro de 2010. Estes diferentes sessões foram

espaços de dialogo e de confrontação no qual as representações dos atores sobre os desafios

ambientais e sociais e relações entre eles foram identificadas claramente pela equipe da

pesquisa. Chegamos a considerar estes momentos como espaços-laboratorios para entender as

tensões e as representações dos atores locais. Essa experiência foi um processo de

aprendizagem para os atores institucionais como os atores extra-territoriais e locais. Observou-se

como conseqüência direta (ou não) disso a evolução de algumas organizações, como é o caso do

Fórum da Agenda 21 de Ibiraquera15.

Compreendendo as implicações dos diferentes tipos de representações dos atores,

surgem objetivos estratégicos compartilhados por eles. Trata-se de uma concepção da decisão

pensada como resultado do processo de interação entre os atores individuais e/ou coletivos,

atores esses que dispõem de representações e de “pesos” diferenciados no contexto da

negociação (WEBER, 2002). Instituídos assim os sistemas de representações e de valores

compartilhados pelos membros de uma dada sociedade, é possível que determinadas espécies ou

objetos naturais sejam percebidos e explorados pelos homens como recursos (VIEIRA; WEBER,

2002). E foi possível perceber isso nas reuniões sobre a barra da Lagoa. A partir do momento em

que os atores (locais ou extra-territoriais) adquiriram a consciência dos impactos ambientais de

suas atividades pelos diferentes atores, e de que para todos, independentemente do uso que

faziam da Lagoa, esta era de extrema importância para a geração de renda e/ou de qualidade de

vida, foi possível iniciar um dialogo visando a co-gestão deste recurso, aumentando assim a

mobilização local em torno da resolução de problemas e estabelecendo limites ambientais para

seu uso e acesso.

15

O Fórum da Agenda 21 local da Lagoa de Ibiraquera é uma parceria firmada entre 11 comunidades rurais sediadas

no entorno da Lagoa, suas instituições e organizações e a Universidade Federal de Santa Catarina, não sendo uma

organização atrelada ao poder publico. A trajetória de desenvolvimento do Fórum revela seu papel na promoção da

conservação do meio ambiente, buscando a manutenção da atividade pesqueira e demais recursos naturais, além de

resgatar práticas de tecelagem, projetar outras formas de turismo e fortalecimento da agricultura familiar, tudo isso

visando não perder a identidade cultural local frente à empreitada do turismo de massa e da especulação imobiliária.

Funcionando como um espaço inédito na área de mobilização popular, promoção de debates sobre problemas

específicos sentidos na região, planejamento e gestão de conflitos socioambientais, este Fórum visa melhorar o sistema

de gestão da base de recursos naturais situados no entorno da Lagoa, sendo considerado um instrumento de

planejamento compartilhado de políticas publicas de desenvolvimento integrado no nível local. A busca para solucionar

conflitos socioambientais possibilitaram o fortalecimento da participação e aproximação de grupos sociais até então

pouco articulados entre si. Hoje, o Fórum é constituído por organizações da sociedade civil e do poder público. Segundo

os atores locais entrevistados, a criação deste espaço propiciou o amadurecimento das lideranças da pesca e de

pescadores artesanais, sob a perspectiva da importância do processo de institucionalização de novas formas de

governança territorial.

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19

3.2. O processo de recategorização do PEST

A faixa terrestre dos municípios da parte norte da APA-BF é protegida por uma Unidade de

Conservação de proteção integral- o Parque Estadual da Serra do Tabuleiro- que foi criada em

1975, que possui 87.475 hectares e se estende desde o sul de Florianópolis até o norte do

município de Garopaba. Seus atuais limites foram avaliados e redefinidos pela Lei Estadual

14.661/2009, que instituiu o Mosaico de Unidades de Conservação da Serra do Tabuleiro e Terras

de Massiambu, dentre elas a APA do Entorno Costeiro com area total aproximada de 5.260

hectares16, composta de areas litorâneas excluidas do Parque. E é exatamente este processo que

nos interessa para este artigo, pois parte do que era Unidade de Conservação de Proteção

Integral tornou-se Unidades de Conservação de Uso Sustentavel, menos restritiva, o que permite

variados usos até então proibidos, inclusive a expansão de construções e aumento do numero de

moradores, demonstrando a falta de Plano de Manejo da UC e a urbanização de areas, mesmo

protegidas por legislação. Mas, importa destacar que a maioria das areas desanexadas da area

original do Parque ja estavam ocupadas com 2500 construções de proprietarios originais das

áreas sob as quais foi decretado o Parque e, também, por uma maioria de ocupantes ilegais e

invasores (FATMA, 2006). Além disso, desde sua criação, apenas 10% dos donos de terras foram

indenizados. Na tabela 5 abaixo podemos verificar os grupos de atores envolvidos em torno do

PEST e de sua recategorização.

Tabela 5 – Atores locais e extra-territoriais existentes em torno do PEST

Organizações da sociedade

civil Organizações do

Poder Publico Organizações do

setor privado

Universidades e Instituições

de ensino

Arranjos institucionais

Atores locais

AMOPRAN- Naufragados, Associação dos Barqueiros da Guarda do Embaú, Associação de Surf e Preservação da Guarda, Associação Comunitária da Guarda do Embaú, Gigante Espírito do Tabuleiro, Associação Rádio Comunitária Pinheira, Associação dos Moradores do Mar Aberto, Associação Praia da Guarda (Barraqueiros), Associação da Praia do Sonho, Associação dos Protetores da Ponta do Papagaio, Guardiões da Pinheira, Conselho de Saúde da Pinheira, Associação Pró –Crep, Associação das Idosas da

Prefeitura de Palhoça, prefeitura de Paulo Lopes, prefeitura de Garopaba, Câmara Municipal de Garopaba, Câmara Municipal de Paulo Lopes, Conselho Municipal de Turismo de Palhoça, Secretaria de Indústria e Comércio de Palhoça

Forum da agenda 21 da Lagoa de Ibiraquera

16

É importante destacar a diferença entre estas três formas: Mosaico é ob conjunto de unidades de conservação de

categorias diferentes ou não, próximas, justapostas ou sobrepostas, e outras áreas protegidas públicas ou privadas,

cuja gestão será feita de forma integrada e participativa, considerados os seus distintos objetivos de conservação, de

forma a compatibilizar a presença da biodiversidade, a valorização da sociodiversidade e o desenvolvimento sustentável

no contexto regional. Parque estadual é uma unidade de proteção integral, com área de posse e domínio públicos,

inalienável, indisponível, no todo ou em parte, que tem como objetivo básico a preservação de ecossistemas naturais de

grande relevância ecológica e beleza cênica, possibilitando a realização de pesquisas científicas e o desenvolvimento

de atividades de educação e interpretação ambiental, na recreação em contato com a natureza e ecoturismo. Por sua

vez, área de proteção ambiental é uma unidade de conservação da natureza do tipo unidade de uso sustentável,

constituída por terras públicas ou privadas, com certo grau de ocupação humana, podendo compreender ampla gama

de paisagens naturais, seminaturais ou alteradas, dotada de atributos abióticos, bióticos, estéticos ou culturais

especialmente importantes para a qualidade de vida e o bem-estar das populações humanas, e tem como objetivos

básicos proteger a diversidade biológica, disciplinar o processo de ocupação e assegurar a sustentabilidade do uso dos

recursos naturais.

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Pinheira, Associação de Areias do Macacu, Sindicato Rural de Paulo Lopes, Conselho Comunitário da Gamboa, Cooperativa Rural de Paulo Lopes

Atores extra-territoriais

Conselho Nacional da Reserva da Biosfera, FEEC - Federação das Entidades Ecologistas Catarinenses

FATMA, MMA, Colégio de Procuradores de Justiça do Ministério Público de Santa Catarina, Promotoria Temática da Serra do Tabuleiro, Forum Parlamentar do Parque do Tabuleiro

Empreendedores do setor turistico

NMD/UFSC FELC APA-BF

Fonte: elaboração propria, 2012.

Por um lado, os atores locais e alguns empreendedores são a favor da criação da APA,

defendendo que o procedimento de recategorização das áreas costeiras do Parque é necessário

para que a zona ja urbanizada não mais se caracterize como área de entorno do Parque e esteja

passível de ser institucionalmente administrada com a participação direta e de forma deliberativa

pela população. Os atores locais, especialmente a comunidade tradicional, são os que mais

sofrem as consequências do processo de recategorização, pois não existia fiscalização efetiva e

faltava demarcação dos limites do Parque, permitindo que muitos individuos ocupassem areas

inadequadas. Além disso, as normas ambientais incidentes eram muito restritivas. Por isso, desde

2005, proprietarios e possuidores de terra do Parque exigiam uma solução, através da

denominação “Movimentos pela recategorização”, e acreditavam que a recategorização seria a

saida mais viavel, pois o planejamento de usos e fatores que interferem nos processos produtivos,

as remobilizações de populações afetadas e respectivas indenizações, a determinação de um

zoneamento e a elaboração do plano de manejo são instrumentos que devem existir nos

momentos seguintes à decretação dos limites das Unidades de Conservação. Neste sentido,

através do FEEC, com financiamento do Banco Alemão KFW e de estudos técnicos realizados

pela FATMA, foi possivel negociar esses novos limites, juntamente com o Ministério Publico. No

entanto, em 2008 foi elaborado um Projeto de Lei em que participaram apenas a Secretaria de

Estado do Meio Ambiente e o Governo estadual, que instituiu o Mosaico de Unidades de

Conservação da Serra do Tabuleiro e Terras de Massiambu, ignorando os pareceres da FATMA e

do GT/Forum, que possibilitou a recategorização para menor restrição ambiental as areas

preservadas do Parque e pertencentes ao Estado (ver Figura 1).

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Figura 1 – Área Costeira do Parque Estadual da Serra do Tabuleiro, acrescida

dos limites propostos pelo Movimento pela Recategorização para a criação da APA Costeira do

Massiambú

Fonte: FATMA, 2006.

Por outro lado, alguns outros grupos de atores defendem que esta proposta de Mosaico de

Unidades de Conservação é inconstitucional, que grande parte da area é de preservação

permanente, e que visa privilegiar atores privados donos de grandes areas dentro do Parque e

empreendedores, pois liberaria diversas areas de preservação permanente e se permitiria a

construção de prédios de até 24 andares. Desse modo, para este grupo de atores, através da

proposta de recategorização iria se intensificar a urbanização e a especulação imobiliaria,

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compromentendo a dinâmica ecologica de todo o Parque. Além disso, afirmam que não existe

mais populações tradicionais vivendo dentro do Parque, mas sim fora dele17.

Vale a pena também destacar um outro conflito importante, referindo-se a quem pertencia

as terras do Parque antes de sua instituição (se era da União, do Estado ou do municipio de

Palhoça), se foi de forma legal vendidas estas terras para loteamentos ou como sera feita a

indenização dos moradores irregulares18. Esta questão ainda esta sendo discutida (ver tabela 6

sobre a mudança dos sistemas de gestão da região).

Tabela 6 – Evolução dos sistemas de gestão na região do PEST

Período Fatores de mudanças de

sistema de gestão

Sistema de

gestão

Normas

implementadas Caracteristicas

1698

Terra concedida para

demarcação, exploração e

confirmação

Sesmaria Terra cedida por um

capitão-mor

Se não cumprissem as funções,

as terras seriam devolvidas

para a Coroa

1728

Terras doadas aos moradores da

Ilha de Santa Catarina, pois eram

consideradas terras abandonadas

Regime de

uso comum

– uso

publico e

pastagem de

gado

Provisão n.33 de 1720

e confirmação em 1728

Mesmo tendo sido doadas, as

terras continuavam

pertencentes à Coroa, ja que o

sesmeiro não cumpriu suas

funções (não havia Estado,

apenas provincias)

1852

As terras passam para a

administração de São José, pois

elas ja pertenciam ao municipio

Federal

Lei n. 347 da

Assembléia Legislativa

Municipal

Apenas a administração era de

São José, mas as terras

pertenciam ao Império

1894 e

1889

Desmembramento de São José e

Palhoça, e as terras passam para

este ultimo

Estadual

Decreto estadual n.184

e Artigo 54 da

Constituição Federal de

1889

Os Estados passaram a ter a

posse das terras devolutas

1904

Transferência da administração do

Estado para Palhoça, para lotes

não superiores a oito hectares

Municipal

Lei n. 652

Cedido apenas o titulo

provisorio da area

Apenas a administração foi

transferida, mas Palhoça se

sentiu proprietaria e começou a

vender lotes e promover o

arrendamento das terras

1975 É criado o PEST, e a area é

declarada de utilidade publica Estadual

Decreto Estadual

1.260/1975

Unidade de Conservação de

Proteção Integral

1979 Parte da area é desmembrada, e

existe um loteamento privado Privada Decreto 8.857

Loteamento realizado por uma

empresa privada

1981

Define a Area de Proteção

Especial (APE) de 500 metros no

entorno do PEST

Estadual Decreto estadual

14.250/1981

É uma particularidade de Santa

Catarina que gera problemas de

gestão, conflitos com os

ocupantes da area, dificuldades

de integração com

comunidades vizinhas e

alteração do foco de proteção

do PEST

2000

Criação de uma Unidade de

Conservação de Uso Sustentavel,

que engloba uma parte do PEST

Federal Decreto Federal de

14/07/2000 – APA-BF -

17

De acordo com o parecer da FATMA, em 1975 existiam na região do Parque somente cerca de 377 casas com população estimada de 2.397 moradores, concentrados nas localidades de Pinheira e de Guarda do Embaú. Estas localidades e populações foram excluídas do Parque com o advento da desanexação ocorrida em 1979, determinada pelo Decreto Nº 8.857 (decreto este gerado exatamente para minimizar os conflitos com as populações). 18

As praias da Pinheira, Guarda do Embaú e Sonho, com uma população de 30 mil pessoas, foram liberadas de todas as restrições que sofreram durante anos quando o governador assinou a revogação da lei que instituía uma Área de Proteção Especial (APE) no entorno do Parque do Tabuleiro. Com o projeto do movimento de recategorização, estas 30 mil pessoas voltarão a ser incluídas em uma unidade de conservação (APA) e sofrerão novamente sérias restrições, das quais já estariam livres.

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23

2009

Processo de recategorização do

PEST, transformando-o num

Mosaico de Unidades de

Conservação da Serra do

Tabuleiro e Terras de Massiambu

Estadual

Lei Estadual

14.661/2009 – Area de

Proteção Ambiental do

Entorno Costeiro

(desmembramento) do

PEST

A Unidade de Conservação de

Proteção Integral foi

desmembrada em Unidades de

Conservação de Uso

Sustentavel (APAs)

Fonte: elaboração propria, 2012, baseada no PPMA/SC, 2008 e FATMA, 2006 .

A questão referente ao conflito de uso legal ou não das terras fica claro com esta

retrospectiva historica, pois através dela constata-se que Palhoça, não possuindo o titulo de que

legitimamente possuia a area, vendia de forma irregular as terras para loteamento, muitas vezes

superior a oito hectares, e que muitos desses compradores vendiam suas terras para terceiros, o

que também é proibido Desse modo, os moradores ali residentes, especialmente da Baixada de

Massiambu, não são proprietarios legais, e devem ser retirados da area, cancelados os registros

das terras, além de serem indenizados quando for o caso, seja pela via administrativa ou pela via

judicial.

Algumas soluções foram apresentadas pelos estudos técnicos para resolver estes conflitos

entre Estado, municipio e moradores. São elas: i) a convalidação de titulos vendidos pela

Prefeitura de Palhoça ou de empreendimentos imobiliarios regulares aprovados pela Prefeitura

(mas o Estado perdera seu patrimonio); ii) decretação da nulidade dos registros originados da

venda pela Prefeitura de Palhoça e retorno à propriedade do Estado (os moradores podem entrar

com ações judiciais contra quem lhes vendeu as terras); iii) doação da area desanexada em 1979

para a Prefeitura de Palhoça e futura regularização desta dos titulos emitidos indevidamente (até

as areas não ocupadas passam a ser de Palhoça, e assim não se resolve o problema, apenas o

transfere); iv) permissão de permanência dentro da UC ou relocação dos proprietarios que

estavam na area antes da criação do PEST, através de um Termo de Compromisso Ambiental

(mas é dificil estabelecer o que é população tradicional e de ter certeza de que o Termo de

Compromisso sera cumprido); v) para aqueles que ingessaram no PEST depois de sua criação

resta apenas pedir o ressarcimento a quem lhe vendeu indevidamente as terras.

Até o momento ainda não se chegou a um consenso e nem se resolveu nenhum conflito.

Varios estudos técnicos ja foram realizados, mas foram desconsiderados pelo Poder Publico ao se

estabelecerem novos dispositivos juridicos. O parecer da FATMA, dizendo ser inviavel a

recategorização do PEST ja que a area necessita ser mantida sob a proteção integral através de

uma Unidade de Conservação, que afirma ser preciso considerar os preceitos da lei existentes no

SNUC, não foram levados em conta. Nao foram consideradas as opiniões e saberes das

comunidades tradicionais, e nem que toda a area é composta por ecossistemas frageis. O que

ocorreu foi o aumento da area disponivel para especulação imobiliaria e para a implantação de

novos empreendimentos, reforçando ainda mais a dinâmica de urbanização da zona costeira

centro-sul catarinense. E as discussões e debates ainda permanecem.

4. Considerações finais

Este estudo buscou contribuir na compreensão das condições de emergência de coalizões

poderosas e comprometidas com o meio ambiento quando existem no território uma importante

contribuição (financeira e social) de atores extra-territoriais. A região centro-sul do litoral de Santa

Catarina foi escolhida considerando que foram experimentadas diversas mudanças no sistema de

gestão dos recursos e o sistema socioeconômico local relacionadas às novas estratégias

econômicas promovidas pelos atores extra-territoriais. A metodologia privilegiou uma analise

histórica das evoluções das diferentes mudanças na gestão dos recursos naturais e dos sistemas

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econômicos que permitiram esclarecer as interações entre os atores extra-territoriais e os atores

locais nos dois exemplos analisados.

No caso da APA-BF, recorrer a este tipo de dispositivo para um conjunto de atores de um

território representa uma oportunidade de abrir novos espaços nos quais os atores extra-

territoriais e locais podem dialogar sobre problemas em comum. Mas, esse dialogo em grande

parte se restringem às classes produtivas sem conexões com outros setores (como por exemplo

as colônias de pescadores negociando com os representantes do Estado de um lado, e os

representantes dos empreendimentos turísticos se articulando com outros representantes do

Estado). Ja o caso do PEST demonstrou que ha a possibilidade de diferentes grupos de atores se

unirem e dialogarem sobre problemas comuns, inclusive demandando ao Poder Publico respostas

a seus problemas visando resolver alguns conflitos. Entretanto, foi constatado que ainda

predominam nas tomadas de decisão e nos sistemas de gestão os interesses econômicos em

detrimento da conservação do meio ambiente, que pode ser explicado pela cultura política da

população envolvida, marcada pelo baixo índice de organização e representação, pelo

clientelismo, pelo comodismo; e pela cultura política dos próprios órgãos responsáveis pela

gestão, que tem um histórico marcado pelo viés preservacionista e por ações de cunho

tecnoburocrático e autoritário.

Estas experiências também demonstraram terem sido um espaço de tomada de

consciência dos impactos ambientais de suas atividades pelos diferentes atores; aumentaram a

mobilização local em torno da resolução de problemas; promoveram a aprendizagem entre os

diferentes atores, ao dar consciência dos problemas que existem e os meios legais de se buscar

resolvê-los; estimularam uma dinâmica coletiva de reflexão e definição das regras de uso dos

recursos; e demonstraram terem sido uma tentativa de negociação de conflitos que permeiam

grande parte das relações dos atores locais e extra-territoriais na região. O conflito pode se tornar,

caso seja bem negociado ou mediado, um fator de socialização, integração e coesão social, já

que não há soluções definitivas de conflitos. Além disso, os conflitos entre grupos sociais fazem

ressaltar as multi-racionalidades, a pluralidade de pontos de vista e de valores, bem como a

heterogeneidade de interesses em jogo (GODARD, 2002). Por isso, para Cazella (2006 apud

HIRSCHMAN, 1996), além de uma “boa dose de espírito comunitário”, é preciso disposição

política, imaginação, paciência, capacidade de argumentação e negociação para enfrentar

problemas inusitados, assumir as incertezas constitutivas das dinâmicas dos sistemas

socioecológicos, provocar mudanças institucionais e inovar a concepção de projetos de

desenvolvimento. Desse modo, conflitos – e também modos de cooperação diagnosticados –

estruturam as relações de poder entre os atores, permite a emergência de certas coalizões sociais

mais poderosas e formam seus discursos e projetos (BEBBINGTON, OSPINA, RAMIREZ, 2011).

Exagerando um pouco, constatamos também os papéis desempenhados pelos diferentes

atores: (i) agentes governamentais exercendo um papel ambíguo (hegemonia de uma visão

desenvolvimentista-predatória em termos estratégicos, apesar de uma legislação avançada), (ii)

um setor empresarial atrelado ao produtivismo externalizador de custos ecológicos e sociais, com

um segmento minoritário que apela aos princípios de sustentabilidade de forma retórica

“oportunista”, atrelada a uma visão cientificista-tecnicista do processo de gestão do capital natural

e cultural, (iii) um setor de organizações civis desenvolvimentistas ainda embrionário e frágil nos

processos decisórios com perfil estratégico, e (iv) um setor técnico-científico com visões

fortemente controvertidas sobre como promover o uso do capital natural nos processos de

crescimento econômico sensíveis à busca de equidade (o enfoque anti-utilitarista que usamos

permanece ainda muito pouco conhecido no cenário brasileiro e latinoamericano e o que parece

predominar nas recomendações de política pública é a economia neo-clássica dos recursos

naturais e do meio ambiente, tributária da ética utilitarista clássica). Constatamos ainda a

fragilidade do poder de fogo dos atores que representam o enfoque de Desenvolvimento Territorial

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Sustentavel; os dilemas criados pelas dificuldades de manter a capacidade de ”enforcement” dos

arranjos institucionais estabelecidos; a posição hegemônica do modelo de desenvolvimento

“realmente” endossado pelo governo, em que pese a retórica “ambientalista”; e o peso de uma

cultura política conservadora e clientelística.

Com a analise das duas formas de regulação ambiental evidenciou-se também uma

evolução progressiva dos atores locais para implementar normas de gestão ambientais, passando

de um sistema tradicional à uma mobilização dos governos locais, estaduais e federais. A historia

mostra entretanto que a presença de normas federais não é suficiente para garantir dinâmicas

territoriais sustentáveis. Os períodos mais sucedidos no que diz respeito a gestão dos recursos

naturais correspondem aos períodos em que as organizações locais ou seu líder tinha ganhado

forte legitimidade. A questão do controle (externo à comunidade) é sempre um elemento chave na

transformação das regras de gestão, cuja a importância é sempre apontada pelos atores locais.

Com efeito, os padrões conflituosos de interação envolvendo a rede de atores sociais presente no

litoral centro-sul de Santa Catarina estão diretamente relacionados às deficiências do sistema de

fiscalização do cumprimento dos arranjos institucionais embutidos no sistema de gestão e na

inadequação de muitos desses arranjos para a atual conjuntura econômica, política, social e

ambiental da região. E o bom funcionamento deles e da relação entre arranjos institucionais,

atores e coalizões sociais vem mediar a relação entre capital natural e as dinâmicas territoriais e

seus efeitos. Ou seja, num cenário marcado por resistências e até incapacidade das diversas

instituições no sentido da integração de esforços, com regras formais definidas do tipo top-down,

produzindo ações de “cima para baixo”, fragmentadas e setorializadas, sem consultas confiáveis

às comunidades locais e desconsiderando sistematicamente as especificidades regionais e locais,

provavelmente trarão conseqüências negativas para a gestão de um recurso, dificultando o

dialogo e a realização de coalizões entre os diferentes atores. Através de regras formuladas em

conjunto, em que é possível a discussão entre as partes e a busca de negociação de conflitos, um

jogo de atores em que se favoreça a participação de diferentes atores nas tomadas de decisão, a

disponibilidade de informações, a tomada de consciência dos impactos ambientais de suas

atividades, a probabilidade de resultados melhores para o âmbito dos atores aumenta

consideravelmente, e assim seria possível pensar em coalizões com atores locais e extra-

territoriais que combinassem estratégias de sustentabilidade ambiental, crescimento econômico,

equidade e redução da pobreza.

Portanto, para desenvolver regras, instituições e incentivos são necessários arranjos

sociais que estimulem a flexibilidade e a inovação, considerando as dinâmicas de poder inerentes

em novos arranjos institucionais e as relações estabelecidas, mesmo que assimétricas, entre os

diferentes atores. O mais importante não seria a expectativa de que as dinâmicas territoriais

“exitosas” dependeriam da presença de atores extra-territoriais, e sim do reforço do potencial de

“autonomia local” em “regiões-laboratório de DTS” – incluindo-se aqui uma política de fomento da

aprendizagem coletiva permanente em sinergia com coletivos transdisciplinares de pesquisa-

ação-formação. A partir deste estudo, podemos afirmar que estas estratégias inovadoras que

promovam a colaboração e a aprendizagem estão emergindo, ainda que timidamente, e

contribuem para a construção da confiança e a formação de redes sociais de pesquisadores,

comunidades e formuladores de politicas.

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