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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES DEPARTAMENTO DE GEOGRAFIA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO E PESQUISA EM GEOGRAFIA TERRITORIALIDADE DOS FLANELINHAS/GUARDADORES DE CARROS: DISCUSSÕES SOBRE A APROPRIAÇÃO DO ESPAÇO PÚBLICO NOS BAIRROS CIDADE ALTA, PETRÓPOLIS E TIROL DE NATAL-RN CLÁUDIA EUGÊNIA LOPES DA SILVA NATAL-RN 2017

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE

CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES

DEPARTAMENTO DE GEOGRAFIA

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO E PESQUISA EM GEOGRAFIA

TERRITORIALIDADE DOS FLANELINHAS/GUARDADORES DE

CARROS: DISCUSSÕES SOBRE A APROPRIAÇÃO DO ESPAÇO

PÚBLICO NOS BAIRROS CIDADE ALTA, PETRÓPOLIS E TIROL DE

NATAL-RN

CLÁUDIA EUGÊNIA LOPES DA SILVA

NATAL-RN

2017

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CLÁUDIA EUGÊNIA LOPES DA SILVA

TERRITORIALIDADE DOS FLANELINHAS/GUARDADORES DE

CARROS: DISCUSSÕES SOBRE A APROPRIAÇÃO DO ESPAÇO

PÚBLICO NOS BAIRROS CIDADE ALTA, PETRÓPOLIS E TIROL DE

NATAL-RN

Dissertação de mestrado apresentada ao Programa de Pós-

Graduação e Pesquisa em Geografia da Universidade Federal

do Rio Grande do Norte, como requisito para a obtenção do

título de Mestre em Geografia.

Orientador: Prof. Dr. Anelino Francisco da Silva

NATAL-RN

2017

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Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN

Sistema de Bibliotecas - SISBI

Catalogação de Publicação na Fonte. UFRN - Biblioteca Setorial do Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes - CCHLA

Silva, Claudia Eugenia Lopes da.

Territorialidade dos flanelinhas/guardadores de carros:

discussões sobre a apropriação do espaço público nos bairros

Cidade Alta, Petrópolis e Tirol de Natal-RN / Claudia Eugenia Lopes da Silva. - 2017.

123f.: il.

Dissertação (mestrado) - Universidade Federal do Rio Grande do

Norte. Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes. Programa de

Pós-graduação e Pesquisa em Geografia. Orientador: Prof. Dr. Anelino Francisco da Silva.

1. Espaço público. 2. Territorialidade. 3.

Flanelinhas/guardadores de carros. 4. Apropriação. 5. Natal (Rio

Grande do Norte). I. Silva, Anelino Francisco da. II. Título.

RN/UF/BS-CCHLA CDU 341.221(813.2)

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COMPOSIÇÃO DA BANCA DE DEFESA DA DISSERTAÇÃO

PROF. DR. ANELINO FRANCISCO DA SILVA

Orientador

PROF. DR. JOSÉ ERIMAR DOS SANTOS

Membro

PROF. DR. JOSÉ LACERDA ALVES FELIPE

Membro

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À minha família, que sempre me deu força, coragem e um

apoio incondicional em todos os momentos. Amo vocês!

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AGRADECIMENTOS

Primeiramente a Deus, por mais uma realização e por derramar tantas

bênçãos e maravilhas em minha vida! Por ser minha fortaleza nos momentos de

dificuldade e minha luz nos momentos de incerteza. Agradeço pelo dom da vida e

pela graça da saúde e coragem para seguir firme na caminhada, mesmo diante dos

obstáculos e dificuldades, tornando, assim, o meu fardo mais leve.

Aos meus pais, que sempre foram os meus maiores incentivadores. Vocês

são os meus maiores exemplos! Obrigada por acreditarem em mim, e mais que isso,

por possibilitar a minha dedicação integral aos estudos e por me permitir alcançar

conquistas como esta. Obrigada pela torcida, pelas palavras de carinho, conforto e

encorajamento. Pela companhia nas noites em claro, por toda preocupação, pelo

apoio, carinho, amor... Pela fé depositada em mim! Não há palavras para descrever

minha gratidão e o meu amor por vocês.

A minha irmã, Heloisa, por toda ajuda, pelo apoio, por torcer e vibrar com as

minhas conquistas... Orgulho-me de ser sua irmã e agradeço pelo orgulho que sei

que também tens de mim.

Ao meu namorado, amigo e companheiro de todas as horas, Igor, por todos

os momentos compartilhados. Agradeço por ter tido você junto a mim em mais essa

etapa de nossas vidas. Mais uma conquista juntos! Obrigada pela imensa ajuda e

pela compreensão. Pelos momentos de carinho, amor e afeto, que tornaram a

caminhada mais leve. Agradeço pelo incentivo, pela cumplicidade e, principalmente,

por acreditar em mim. (Amo você!)

A Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), pela formação de

qualidade e por todas as oportunidades concedidas.

A Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES),

pela oportunidade e pelo auxílio durante o desenvolvimento da pesquisa.

Ao meu orientador, o Professor Dr. Anelino Francisco da Silva, pela acolhida,

por todos os diálogos, pela solicitude, pela paciência, por me proporcionar

experiências enriquecedoras e por conduzir essa orientação e nossa pesquisa com

tanta tranquilidade. Agradeço pelas ricas contribuições, pela atenção, pela amizade

e pela confiança depositada.

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A minha turma, por todos os momentos compartilhados durante esses dois

anos.

A todos os professores, desde a educação básica até aqui, que contribuíram

de forma positiva com a minha formação.

Por fim, não há como listar o nome de todas as pessoas que fazem parte

dessa conquista. Agradeço a todos que direta ou indiretamente contribuíram para

minha formação acadêmica, profissional e pessoal e a todos que torceram e

vibraram com mais essa vitória.

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A tarefa não é tanto ver aquilo que ninguém viu, mas pensar o

que ninguém ainda pensou sobre aquilo que todo mundo vê.

(Arthur Schopenhauer)

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RESUMO

Atualmente, é cada vez mais evidente a presença de flanelinhas/guardadores

de carros na paisagem urbana das cidades brasileiras. Esses sujeitos se apropriam

de parcelas do espaço público, definindo seu uso e organização, com o intuito de

exercer uma atividade que lhes garanta renda. Encontram nesta atividade, uma

maneira de subsistência (no trabalho por conta própria), que se realiza no âmbito do

setor informal da economia urbana. Como decorrência dessa apropriação do espaço

público, verificamos o desencadeamento de diversos conflitos de ordem social,

econômica, política e cultural. Nesse sentido, este trabalho objetiva analisar a

territorialidade expressa pelos flanelinhas/guardadores de carros através da

apropriação de parcelas do espaço público dos bairros Cidade Alta, Petrópolis e

Tirol de Natal-RN. Essa reflexão pauta-se na discussão acerca dos conceitos de

espaço, território e territorialidade, entre outros elementos teóricos que dão suporte

à compreensão da dinâmica espacial estabelecida por estes sujeitos no espaço

público. Leva em consideração a influência e controle que os

flanelinhas/guardadores de carros têm sobre o espaço apropriado, a organização

que os mesmos estabelecem no seu território, bem como os conflitos instituídos

entre os sujeitos que atuam nessa atividade e os demais indivíduos afetados por

esta. Para o desenvolvimento da pesquisa, realizaram-se alguns procedimentos

teórico-metodológicos, como: revisão bibliográfica (sobretudo a partir de Sack

(1986), Raffestin (1993), Haesbaert (1997, 1999, 2007), Saquet (2009, 2011, 2015),

Valverde (2007), Albagli (2004), Idalino (2012), Cacciamali (1982, 2000), Araújo

(2009), Freire (2005), Fernandes (2005, 2009), dentre outros); pesquisa de campo

(observação e realização de entrevistas estruturadas), pesquisa documental e

produção fotográfica. Tais procedimentos nos possibilitaram compreender que a

territorialidade dos flanelinhas/guardadores de carros dos bairros Cidade Alta,

Petrópolis e Tirol de Natal-RN se constitui de materialidades e imaterialidades que

podem ser percebidas a partir das formas de apropriação, organização, influência e

controle que estes sujeitos estabelecem no seu território.

Palavras-chave: territorialidade; flanelinhas/guardadores de carros; apropriação;

espaço público; Natal-RN.

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ABSTRACT

Nowadays, the presence of flanelinhas/car keepers in the urban landscape of

Brazilian cities is increasingly evident. These subjects appropriated portions of the

public space, defining their use and organization, in order to exercise an activity that

guarantees them income. They find in this activity a way of subsistence (in self-

employment), which takes place within the informal sector of the urban economy. As

a consequence of this appropriation of the public space, we have seen the

unleashing of various conflicts of a social, economic, political and cultural order. In

this sense, this work aims to analyze the territoriality expressed by flanelinhas/car

keepers through the appropriation of portions of the public space of the Cidade Alta,

Petrópolis and Tirol districts of Natal-RN. This reflection is based on the discussion

about the concepts of space, territory and territoriality, among other theoretical

elements that support the understanding of the spatial dynamics established by these

subjects in the public space. It takes into account the influence and control that the

flanelinhas/car keepers have on the appropriate space, the organization that they

establish in their territory, as well as the conflicts established between the subjects

that work in this activity and the other individuals affected by it. For the development

of the research, some theoretical and methodological procedures were carried out,

such as: bibliographical review (mainly from Sack (1986), Raffestin (1993),

Haesbaert (1997, 1999, 2007), Saquet (2009, 2011, 2015), Valverde (2007), Albagli

(2004), Idalino (2012), Cacciamali (1982, 2000), Araújo (2009), Freire (2005) and

Fernandes (2005, 2009). Field research (observation and application of structured

interviews), documentary research and photographic production. These procedures

enabled us to understand that the territoriality of the flanelinhas/car keepers of the

Cidade Alta, Petrópolis and Tirol districts of Natal-RN is constituted of materialities

and immaterialities that can be perceived from the forms of appropriation,

organization, influence and control that these subjects establish Territory.

Keywords: Territoriality. Flanelinhas/Car keepers. appropriation. Public space. Natal-

RN.

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LISTA DE FOTOGRAFIAS

Fotografia 1 Meio de transporte e objetos pessoais do

flanelinha/guardador de carros na Rua Campos Sales

(Tirol)

77

Fotografia 2

Instituto de radiologia localizado entre a Avenida Afonso

Pena e a Rua Jundiaí (Tirol): apontado como um dos

estabelecimentos que promove elevada rotatividade de

automóveis nas proximidades da sua localização.

77

Fotografia 3

Cardioclínica localizada na Rua Jundiaí (Tirol): apontado como um dos estabelecimentos que promove elevada rotatividade de automóveis nas proximidades da sua localização.

78

Fotografia 4 Espaço público da Rua Rodrigues Alves (Petrópolis) constituído por área de estacionamento e amenidades (árvores-sombra).

79

Fotografia 5 Instalação clandestina e improvisada de água em

espaço público da Rua Campos Sales (Tirol). 79

Fotografia 6 Espaço público amplo na Rua Afonso Pena (Petrópolis)

destinado a estacionamento. 80

Fotografia 7 Caçamba de lixo demarcando limite do território de

flanelinha/guardador de carros na Rua Jundiaí (Tirol). 83

Fotografia 8 Poste demarcando limite do território de flanelinha/guardador de carros da Rua Jundiaí (Tirol).

83

Fotografia 9 Flanelinha/guardador de carro em seu território na Rua Floriano Peixoto (Petrópolis)

84

Fotografia 10 Objetos que remontam a presença do flanelinha/guardador de carros neste espaço.

85

Fotografia 11 Amenidade presente em território de flanelinha/guardador de carros na Rua Afonso Pena (Tirol).

103

Fotografia 12

Flanelinha/guardador de carros recebendo “pagamento” pela utilização de seu serviço e de vaga de estacionamento no seu território na Rua Coronel Bezerra (Cidade Alta).

104

Fotografia 13 Território de flanelinha/guardador de carros delimitado a partir da apropriação de espaço público destinado a estacionamento na Rua Jundiaí (Tirol).

105

Fotografia 14 Flanelinha/guardador de carros vigiando os carros estacionados em seu território na Avenida Afonso Pena (Tirol).

106

Fotografia 15 Flanelinha/guardador de carros auxiliando na manobra de um carro para estacionar em seu território na Rua Floriano Peixoto (Petrópolis).

106

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Fotografia 16 Flanelinha/guardador de carros lavando carro em seu território na Rua Açu (Tirol).

107

Fotografia 17 Flanelinha/guardador de carros presente e vigilante em seu território na Rua Floriano Peixoto (Petrópolis).

108

Fotografia 18 Flanela e cadeira remetendo a presença de flanelinha/guardador de carros na Rua Açu (Tirol).

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LISTA DE GRÁFICOS

Gráfico 1 Percentual de trabalhadores empregados com carteira assinada (ou militares e estatuários), segundo os anos de estudo – 2000.

45

Gráfico 2 Faixa etária dos flanelinhas/guardadores de carros 72

Gráfico 3 Participação na renda familiar 73

Gráfico 4 Grau de instrução dos flanelinhas/guardadores de carros

73

Gráfico 5 Tempo na atividade de flanelinha/guardador de carros 74

Gráfico 6 Atribuição à escolha pela atividade de flanelinha/guardador de carros

75

Gráfico 7 Atribuição à escolha da área para desenvolvimento da atividade de flanelinha/guardador de carros

81

Gráfico 8 Posicionamento dos condutores a respeito da atividade dos flanelinhas/guardadores de carros

87

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13

LISTA DE MAPAS

Mapa 1

Localização dos bairros Cidade Alta, Petrópolis e Tirol

de Natal-RN, com destaque para as ruas que compõem

nosso lócus de pesquisa.

20

Mapa 2 Quantidade de estabelecimentos, por tipologia, nos bairros de Natal-RN

21

Mapa 3 Concentração e distribuição dos flanelinhas/guardadores de carros dos/nos bairros Cidade Alta, Petrópolis e Tirol de Natal-RN

101

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14

LISTA DE TABELAS

Tabela 1 Densidade demográfica dos munícipios que compõem a região metropolitana de Natal-RN - 1970/2000.

38

Tabela 2 Densidade dos tipos socioespaciais em relação às categorias sócio-ocupacionais em Natal-RN e região metropolitana – 2000.

41

Tabela 3 Indicadores do mercado de trabalho de Natal-RN (1991/2000).

43

Tabela 4 Pessoas com 10 anos ou mais de idade ocupadas na semana de referência da pesquisa (censo 2000) por posição na ocupação e grupos de anos de estudo.

44

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15

LISTA DE SIGLAS

ASG – Auxiliar de Serviços Gerais

DENATRAN – Departamento Nacional de Trânsito

DIEESE – Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos

DP – Delegacia de Polícia

DRT – Delegacia Regional do Trabalho

FGTS – Fundo de Garantia do Tempo de Serviço

IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia Estatística

SEADE – Sistema Estadual de Análise de Dados

SEMOB – Secretaria de Mobilidade Urbana

SEMTHAS – Secretaria Municipal de Trabalho, Habitação e Assistência Social

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16

SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO 18

2 FLANELINHAS/GUARDADORES DE CARROS NO ESPAÇO PÚBLICO:

PRESSUPOSTOS DO SURGIMENTO DA ATIVIDADE NO CONTEXTO

SOCIOECONÔMICO E POLÍTICO DAS CONDIÇÕES E RELAÇÕES DE

TRABALHO NO BRASIL 29

2.1 Precarização das condições e relações de trabalho no Brasil – (1970 a

1990) 30

2.2 Setor informal da economia urbana: um abrigo para os trabalhadores

por conta própria 34

2.3 O contexto do mercado de trabalho de Natal-RN 38

2.4 A regulamentação e criminalização da atividade dos

flanelinhas/guardadores de carros 47

3 DO ESPAÇO AO TERRITÓRIO: SOBRE O PROCESSO DE APROPRIAÇÃO

ESPACIAL 53

3.1 Espaços públicos: da origem à definição da noção 58

3.2 O espaço público na perspectiva das Ciências Sociais e da Geografia 63

3.3 Apropriação de parcelas do espaço público dos bairros Cidade Alta,

Petrópolis e Tirol de Natal-RN por flanelinhas/guardadores de carros 71

3.3.1 Perfil dos flanelinhas/guardadores de carros que se apropriam de parcelas

do espaço público dos bairros Cidade Alta, Petrópolis e Tirol de Natal-RN 73

3.3.2 Características da apropriação de parcelas do espaço público dos bairros

Cidade Alta, Petrópolis e Tirol de Natal-RN pelos flanelinhas/guardadores de

carros 76

4 TERRITÓRIO E TERRITORIALIDADE: SOBRE AS DINÂMICAS TERRITORIAS

E ESTRATÉGIAS DE INFLUÊNCIA E CONTROLE NO TERRITÓRIO 90

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4.1 Território e relações de poder 91

4.2 Influência e controle no território: sobre a definição e teoria da

territorialidade humana 95

4.3 A configuração e organização territorial dos flanelinhas/guardadores de

carros dos bairros Cidade Alta, Petrópolis e Tirol de Natal-RN 100

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS 112

REFERÊNCIAS 114

APÊNDICE A 119

APÊNDICE B 121

ANEXO A 122

ANEXO B 123

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18

1 INTRODUÇÃO

Diariamente milhares de pessoas circulam em seus automóveis pelo centro

das cidades brasileiras, por motivos diversos, como: ida ao trabalho, realização de

negócios, compras, lazer, entre outros. As áreas centrais e/ou aquelas que

apresentam uma grande quantidade de serviços e de estabelecimentos comerciais

são sempre áreas que atraem e concentram essa circulação. Dessa forma, quando

transitamos por esses locais, por diversas vezes encontramos dificuldades para

estacionar devido à grande quantidade de automóveis e à precária e/ou inadequada

estrutura e organização das vias públicas no que tange às vagas de

estacionamento.

Não bastasse isso, nos deparamos, ainda, com outra situação (que acaba por

agravar a problemática): a apropriação de áreas nas vias públicas por

flanelinhas/guardadores de carros1 - sujeitos que se apropriam de parcelas do

espaço público com intuito de exercer uma atividade que lhes garanta renda. Grande

parte desses sujeitos se concentra no centro das cidades, ou em outros espaços

que comportem um relevante número de serviços bem consolidados e de

estabelecimentos comerciais, devido à dinâmica suscitada por estes locais que

proporcionam a eles, tendo em vista a atividade que exercem2, auferir maior renda,

visto que essa atividade está diretamente ligada à circulação de pessoas em seus

automóveis.

Essa forma de utilização do espaço público, caracterizada pela ação dos

flanelinhas/guardadores de carros, que se apropriam de áreas nas vias públicas e

nelas definem suas próprias regras e normas, tem sido alvo de diversos conflitos

com as pessoas que fazem uso destes espaços, pois estas se dizem “obrigadas” a

pagar por um “serviço” não solicitado, por medo de sofrer algum tipo de retaliação

por parte do flanelinha/guardador de carros. Ou seja, ao utilizar o espaço público –

gerido pelo Estado e de uso livre pela sociedade – faz-se necessário o pagamento

de uma “contribuição”, gorjeta ou, em muitos casos, valor fixado pelos

flanelinhas/guardadores de carros.

1 O termo “flanelinha” advém do objeto simbólico de representação deste grupo: um “certo tec ido de

lã” denominado “flanela”, e remete-se a “pessoa que, em troca de gorjeta, vigia veículos estacionados nas ruas”. (FERREIRA, 2010, p. 353). 2 Os flanelinhas/guardadores de carros apontam vagas para os condutores, manobram e/ou auxiliam

na baliza dos automóveis, vigiam e lavam os carros, além de prestarem tantos outros serviços para as pessoas que transitam em seus automóveis nas imediações de sua ação.

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19

Nessa perspectiva, percebemos a relevância do estudo da territorialidade dos

flanelinhas/guardadores de carros, quando verificamos a presença, cada vez mais

crescente destes sujeitos no cenário das cidades brasileiras e, sobretudo, quando

observamos a dinâmica cotidiana estabelecida no espaço público entre estes

sujeitos e aqueles afetados por esta atividade, pois trata-se de uma dinâmica de

caráter dual – ora negativa, ora positiva – que varia de acordo com inúmeros fatores,

dentre eles a originalidade do grupo, que está intimamente relacionada à intensão

por trás da ação desses sujeitos.

Isto porque, por se tratar de um grupo que se encontra à margem da

sociedade, ou seja, um grupo social excluído, os flanelinhas/guardadores de carros

são muitas vezes discriminados pela sociedade da qual fazem parte, diante de um

estereótipo de criminalidade, visto que vez ou outra a imprensa noticia a prática de

delitos e furtos por “flanelinhas/guardadores de carros” (anexo A).

Aliado a isso, outro fator que contribui para esta condição é o fato de

criminosos e vândalos se aproveitarem do discurso dos “verdadeiros”

flanelinhas/guardadores de carros, na condição de “trabalhadores”, para se

denominarem muitas vezes como “flanelinhas/guardadores de carros”, porém com

outras motivações e interesses – cometer crimes como: extorsão, roubo,

vandalismo, agressão, entre outros. Isto porque, apesar da atividade ser embasada

pelo decreto nº 79.797, de 8 de junho de 1977, que regulamenta o exercício das

profissões de guardador e lavador autônomo de veículos automotores, a que se

refere a lei nº 6.242, de 23 de setembro de 1975 e dá outras providências (SOLEIS,

2015), não há uma fiscalização efetiva.

Por outro lado, acreditamos que, mesmo não possuindo respaldo nas leis

trabalhistas e se apropriando de espaços públicos, os “verdadeiros”

flanelinhas/guardadores de carros acabam, por vezes, contribuindo de forma positiva

para o bom funcionamento do espaço público, uma vez que organizam o território,

exercendo um papel que cabe ao Estado, mas que é, por vezes, negligenciado ou

inadequadamente executado. Assim, em certa medida, beneficiam as pessoas que

fazem uso deste espaço cotidianamente ou, pelo menos, minimizam as dificuldades

encontradas pelos condutores de automóveis diante da precariedade estrutural das

vias públicas.

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20

A escolha dos bairros Cidade Alta, Petrópolis e Tirol de Natal-RN como

dimensão empírica do nosso estudo (mapa 1), decorre do fato destes apresentarem

uma presença maciça de flanelinhas/guardadores de carros e por apresentarem

características semelhantes e de fundamental importância para a atividade destes

sujeitos, principalmente a grande quantidade de estabelecimentos comerciais e de

serviços, a presença de diversos órgãos e estabelecimentos públicos, de esfera

municipal, estadual e federal, dentre outros (mapa 2), os quais suscitam a

característica primordial para a atividade destes sujeitos: a intensa circulação de

pessoas em seus automóveis e parada momentânea nestes espaços. Além disso,

esses bairros estão interconectados por importantes vias e avenidas da cidade que

cortam seus territórios. Desse modo, se constituem como uma das principais áreas

de atração e interesse dos flanelinhas/guardadores de carros da/na cidade.

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Mapa 1: Localização dos bairros Cidade Alta, Petrópolis e Tirol de Natal-RN, com destaque para as ruas que compõem nosso lócus de pesquisa.

Fonte: Pesquisa de Campo, 2016. Elaboração cartográfica: Cláudia Silva e Luiz Perônico, 2017.

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Mapa 2: Quantidade de estabelecimentos, por tipologia, nos bairros de Natal-RN

Fonte: CNEFE, 2010. Elaboração cartográfica: Cláudia Silva e Luiz Perônico, 2017.

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Com base no mapa 2, percebemos que o bairro Cidade Alta se destaca,

principalmente pelo elevado número de bancos e serviços financeiros, além dos

estabelecimentos comerciais e de serviços diversos. Enquanto isso, Petrópolis e

Tirol se destacam pela elevada concentração dos serviços de saúde da cidade em

seu território. Dessa forma, esses bairros apresentam um considerável fluxo de

capital, pessoas e veículos, posto que tratam-se de lugares de trabalho, realização

de negócios, serviços, compras, entre outros. Contudo, a expansão e o crescimento

dos referidos bairros não têm acontecido em consonância com a aplicação de

investimentos, por parte do poder local, em infraestruturas que atendam à dinâmica

lhes suscitada. Com isso, estes bairros apresentam diversos problemas relacionados

à intensa circulação de pessoas e veículos em seu território, dentre os quais

destacamos os problemas referentes às vagas de estacionamento e ao transporte

público urbano.

De acordo com dados do Departamento Nacional de Trânsito (DENATRAN),

em 2001 a Cidade de Natal-RN possuía uma frota de 100.988 automóveis. Em 2004

eram 116.884. Já em 2010 esse número subiu para 171.467 e em 2016 já somavam

218.403 automóveis. Ou seja, em 15 anos, houve um aumento de,

aproximadamente, 53,76% na frota de automóveis de Natal-RN.

Até dezembro de 2016, os automóveis que circulavam na cidade de Natal

somavam quase a metade (42,80%) do total de automóveis de todo o Rio Grande do

Norte, que corresponde a 489.097. Em contrapartida, a quantidade de ônibus e

micro-ônibus circulando em Natal era de, respectivamente: 1.448 e 983 em 2001;

1.681 e 993 em 2004; 2.142 e 1106 em 2010; e 2.622 e 1.322 em 2016. Ou seja, em

15 anos houve um aumento de, aproximadamente, 44,77% na quantidade de ônibus

e 25,64% no número de micro-ônibus de Natal (DENATRAN, 2016).

Assim, podemos considerar que esse aumento considerável da frota de

automóveis de Natal-RN a cada ano, deve-se, em parte, à ineficiência e/ou

precariedade do sistema de transporte público local, tanto pela questão de números

de veículos quanto pela qualidade destes. Isto porque, apesar do relativo

crescimento da frota de ônibus e micro-ônibus a cada ano, este ainda não supre,

satisfatoriamente, a dinâmica cotidiana da cidade, o que, por sua vez, intensifica o

sentimento de necessidade do automóvel particular e, consequentemente, ocasiona

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esse grande fluxo de automóveis nos bairros mais movimentados da cidade, como é

o caso de Cidade Alta, Petrópolis e Tirol.

Apesar desse aumento da frota e do fluxo de automóveis nestes bairros, não

se verifica investimentos significativos, seja no sistema de transporte público, para

diminuir a quantidade de automóveis que circulam pela cidade, seja no ordenamento

territorial destes bairros, que apresentam diversas ruas e avenidas exclusivas para a

circulação de veículos, porém não apresentam um satisfatório número de espaços

reservados a estacionamentos, sejam públicos ou privados, o que faz com que na

hora de estacionar os automóveis, os condutores encontrem bastante dificuldade.

Nesse contexto, os flanelinhas/guardadores de carros se aproveitam dessa

dificuldade que os condutores de automóveis enfrentam cotidianamente, para

exercer uma atividade que lhes garanta o sustento. Nos bairros Cidade Alta,

Petrópolis e Tirol de Natal-RN, esses sujeitos se apropriam, demarcam e até loteiam

parcelas das vias públicas que se destinam ao estacionamento – as quais, cabe

ressaltar, já são insuficientes –, tomando para si, através da sua territorialidade, o

controle, domínio e até mesmo o “direito” sob o referido espaço. Assim, os

condutores que já encontram dificuldade para estacionar ficam, ainda,

condicionados aos serviços e ao “pedaço”3 dos flanelinhas/guardadores de carros

para conseguir uma vaga de estacionamento.

Apesar de se tratar de um tema facilmente perceptível em nosso cotidiano,

ainda são poucas as discussões relativas a essa temática. Em nossas pesquisas,

raros trabalhos científicos referentes a essa problemática – a esse grupo

especificamente – foram encontrados. Nesse sentido, o nosso estudo tem o intuito

de iniciar/enfatizar o debate acerca desse tema, sob o viés geográfico, abrindo

espaço para futuras discussões e abordagens sobre o referido assunto. Desse

modo, acreditamos estar contribuindo para a discussão e/ou desenvolvimento

científico de um tema ainda pouco explorado, porém empiricamente vivenciado por

toda a sociedade que compõe o espaço urbano brasileiro.

Sendo assim, pretendemos com o desenvolvimento da pesquisa, responder

alguns questionamentos e inquietações referentes à territorialidade dos

flanelinhas/guardadores de carros dos bairros Cidade Alta, Petrópolis e Tirol de

Natal-RN, tais como: Em que contexto socioeconômico e político surge a atividade

3 Os flanelinhas/guardadores de carros utilizam este termo para designar a sua área de atuação e

controle, ou seja, o seu território.

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dos flanelinhas/guardadores de carros? Como esse grupo se apropria do espaço

público e quais os conflitos gerados em decorrência disso? Como se organizam no

território? Que influência e controle têm sobre os espaços apropriados?

Nesse sentido, nosso objetivo é analisar a territorialidade expressa pelos

flanelinhas/guardadores de carros através da apropriação e controle de parcelas do

espaço público dos bairros Cidade Alta, Petrópolis e Tirol de Natal-RN, buscando

discutir o contexto socioeconômico e político em que surge essa atividade,

caracterizar o processo de apropriação de parcelas do espaço público por estes

sujeitos e os conflitos gerados em decorrência desse processo, caracterizar, ainda, a

configuração/organização que adotam no território apropriado, bem como

compreender a influência e o controle que estabelecem nesse processo de

apropriação e organização de parcelas do espaço público.

Para a realização desse trabalho, adotamos alguns procedimentos teórico-

metodológicos, tais como: revisão bibliográfica, pesquisa de campo e levantamento

(visando à coleta de dados), pesquisa documental e produção fotográfica.

Realizamos a revisão bibliográfica, que visa “[...] colocar o pesquisador em

contato com o que já se produziu a respeito do seu tema de pesquisa” (PÁDUA,

2005, p. 55), que nos possibilitou aprofundar os conhecimentos acerca da temática

escolhida para a presente pesquisa, bem como para construir o aporte teórico

necessário para a realização desse estudo. Desta forma, esse procedimento

significa para aquele que pesquisa:

[...] revisar todos os trabalhos disponíveis, objetivando selecionar tudo o que possa servir em sua pesquisa [...] afinar suas perspectivas teóricas, processar e objetivar seu aparelho conceitual. Aproveita para tornar ainda mais conscientes e articuladas suas intenções [...] (LAVILLE; DIONNE, 1999, p. 112).

Posteriormente, prosseguimos com a pesquisa de campo que, conforme

aponta Marconi e Lakatos (2004), é utilizada com o objetivo de conseguir

informações e/ou conhecimentos sobre um determinado problema (a territorialidade

dos flanelinhas/guardadores de carros dos bairros Cidade Alta, Petrópolis e Tirol de

Natal-RN). Consiste, ainda, na observação, de fatos e fenômenos tal como ocorrem

espontaneamente, na coleta de dados a eles referentes e no registro de variáveis

que se presume relevantes para analisá-los. Assim, através da pesquisa de campo,

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tornou-se possível, sobretudo, nos familiarizarmos com a nossa dimensão espacial e

as relações estabelecidas neste.

Realizamos o primeiro momento da pesquisa de campo, na qual procedemos

com a identificação, delimitação e mapeamento da

concentração/distribuição/organização dos flanelinhas/guardadores de carros no

nosso recorte empírico, bem como a realização de levantamento com esses sujeitos,

visando à obtenção de dados prévios e de um diagnóstico sobre a nossa

problemática. Para isso, percorremos os bairros Cidade Alta, Petrópolis e Tirol de

Natal-RN, em diferentes dias e horários, objetivando a realização dos procedimentos

anteriormente citados, como também a observação de aspectos que consideramos

importantes para esta pesquisa.

Cabe salientar que, durante todo o processo de desenvolvimento da

pesquisa, trabalhamos com a observação, visto que o nosso recorte empírico faz

parte do nosso cotidiano e nos possibilitou diariamente diversas constatações, pois

A observação é uma técnica de coleta de dados para conseguir informações e utiliza os sentidos na obtenção de determinados aspectos da realidade. Não consiste apenas em ver e ouvir, mas também em examinar fatos ou fenômenos que se desejam estudar (MARCONI; LAKATOS, 2004, p. 190).

Ressaltamos, ainda, que a técnica de pesquisa de campo a qual adotamos,

neste primeiro momento, foi a do tipo exploratória, visto que os estudos exploratórios

são:

(...) investigações de pesquisa empírica cujo objetivo é a formulação de questões ou de um problema, com tripla finalidade: desenvolver hipóteses, aumentar a familiaridade do pesquisador com um ambiente, fato ou fenômeno, para a realização de uma pesquisa futura mais precisa ou modificar e clarificar conceitos. [...] Obtém-se freqüentemente descrições tanto quantitativas quanto qualitativas do objeto de estudo, e o investigador deve conceituar as inter-relações entre as propriedades do fenômeno, fato ou ambiente observado (MARCONI; LAKATOS, 2004, p. 187).

Depois do primeiro momento da pesquisa de campo, demos continuidade ao

trabalho com a pesquisa documental em fontes estatísticas, como o Instituto

Brasileiro de Geografia Estatística (IBGE) e na legislação brasileira, em busca de

referencias à atividade dos flanelinhas/guardadores de carros; tendo em vista a

produção de uma base de dados desse amparo a nossa análise.

Por conseguinte, concretizamos o segundo momento da pesquisa de campo,

no qual realizamos as entrevistas estruturadas junto aos flanelinhas/guardadores de

carros e aos condutores de automóveis dos bairros Cidade Alta, Petrópolis e Tirol de

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Natal-RN. Esse recurso nos possibilitou respostas imediatas para as informações

desejadas no trabalho, admitindo tudo aquilo que não pode ser revelado por escrito

e propiciando um diálogo aberto entre o entrevistador e o entrevistado.

Ademais, a produção fotográfica também foi utilizada como procedimento de

pesquisa, visto que nos possibilitou registrar e analisar particularidades do

comportamento e das características desse grupo social no território. “[...] as

fotografias que podem ser utilizadas em investigação educacional qualitativa podem

ser separadas em duas categorias: as que foram feitas por outras pessoas e

aquelas que o investigador produziu” (BOGDAN; BIKLEN, 1994, p. 184). Nessa

perspectiva, trabalhamos, no presente estudo, com os dois tipos de fotografias,

visando à captura e expressão daquilo que é do nosso interesse.

Por fim, prosseguimos com a organização e análise dos dados coletados,

que, aliados às leituras realizadas, são a base para as discussões apresentadas a

seguir.

Visto isso, estruturamos o presente trabalho em 5 (cinco) seções, a saber:

Seção 1 – Introdução: Esta seção apresenta e contextualiza a temática

referente à territorialidade dos flanelinhas/guardadores de carros dos bairros Cidade

Alta, Petrópolis e Tirol de Natal-RN, indicando, assim, o nosso objeto de estudo; a

relevância do tema tratado; conta ainda com a justificativa, as questões e objetivos

de pesquisa, os pressupostos teóricos, o percurso metodológico de desenvolvimento

do trabalho e a apresentação de sua estrutura.

Seção 2 – Flanelinhas/guardadores de carros no espaço público:

pressupostos do surgimento da atividade no contexto socioeconômico e

político das condições e relações de trabalho no Brasil: Esta seção apresenta o

referencial teórico e metodológico que norteia a discussão apresentada sobre:

precarização das condições e relações de trabalho (IDALINO, 2012); (MATTOSO,

1999); (NORONHA, 2003); (SANTOS, 2005); (SANTOS, 2008); setor informal da

economia urbana e trabalhadores por conta própria (CACCIAMALI, 1982 e 2000);

(FERREIRA, 2007); (LIMA; SOARES, 2002); mercado de trabalho de Natal-RN

(ARAÚJO, 2009); (FREIRE, 2005); (PESSOA, 2015); e regulamentação e

criminalização da atividade dos flanelinhas/guardadores de carros (HORTA, 2010); e

(PAULA, 2013).

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Seção 3 – Do espaço ao território: sobre o processo de apropriação

espacial: Esta seção apresenta a discussão acerca da apropriação do espaço

público e baseia-se na literatura construída sobre a noção de espaço público,

principalmente as contribuições que tratam desde a sua origem até a maneira como

esse se traduz nos dias de hoje. Apresentamos, também, contribuições acerca da

dicotomia conceitual do público versus o privado, visando ampliar a nossa

compreensão referente às apropriações conferidas aos espaços públicos.

Caracterizamos, ainda, o modo como os flanelinhas/guardadores de carros se

apropriam dos bairros Cidade Alta, Petrópolis e Tirol de Natal-RN, bem como os

conflitos que são decorrentes de tal prática socioespacial. Nesse sentido,

recorremos, principalmente, a autores como: (VALVERDE, 2007); (CERQUEIRA,

2013); (ANDRADE; JAYME; ALMEIDA, 2009); (INDOVINA, 2002); (GOMES, 2012);

(SERPA, 2004); (LOPES, 2012); (CARLOS, 1996); (SOBARZO, 2006); (LOBODA,

2009); (SAQUET, 2011); (CASTRO, 2002).

Seção 4 – Território e territorialidade: sobre as dinâmicas territoriais e

estratégias de influência e controle no território: Esta seção apresenta a

discussão sobre o território e as dinâmicas que lhe são inerentes. Baseia-se nos

estudos de (FERNANDES, 2005 e 2009); (RAFFESTIN, 1993); (CUNHA; SILVA,

2007); (SILVA, 2009); (SACK, 1986); (ALBAGLI, 2004); (SAQUET, 2015);

(FOUCAULT, 1988); (HAESBAERT, 2007); (SOUZA, 2000). Apresentamos uma

caracterização do território dos flanelinhas/guardadores de carros e a organização

que estes adotam nos seus territórios nos bairros Cidade Alta, Petrópolis e Tirol de

Natal-RN. Ademais, discute-se, ainda, sobre a territorialidade e as formas de

influência e controle, que estes sujeitos estabelecem em seus territórios.

Seção 5 – Considerações finais: Esta seção apresenta nossas

conclusões e considerações a respeito do trabalho e da discussão aqui posta. Não

pretende encerrar o assunto, pelo contrário, busca dar margem para novas

discussões e possibilidades de estudo desta problemática.

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2 FLANELINHAS/GUARDADORES DE CARROS NO ESPAÇO PÚBLICO:

PRESSUPOSTOS DO SURGIMENTO DA ATIVIDADE NO CONTEXTO

SOCIOECONÔMICO E POLÍTICO DAS CONDIÇÕES E RELAÇÕES DE

TRABALHO NO BRASIL

Os flanelinhas/guardadores de carros são trabalhadores excluídos e

marginalizados, tanto pelo mercado – sob a égide capitalista – quanto pela

sociedade da qual fazem parte, e se constituem em um grupo social que expressa

no espaço público da cidade, transformado em território, a sua territorialidade e, a

partir desta, suas aspirações, enquanto classe trabalhista não reconhecida. Essa

atividade situa-se, frequentemente, na fronteira entre o informal e o ilegal, pois

refere-se a uma atividade, na maioria da vezes, não classificada legalmente

enquanto emprego ou trabalho – apesar da existência de uma lei e decreto federais4

que dispõem sobre a regulamentação dessa atividade – e, que se realiza num

contexto de condições extremamente precárias.

Esses sujeitos são vistos, pela grande maioria da população, como

trabalhadores informais de rua que oferecem um serviço desqualificado, isto é, “não

demandado pela sociedade” (IDALINO, 2012, p. 19-20). Consideramos que esses

trabalhadores informais encontram na atividade, uma maneira de subsistência (no

trabalho por conta própria), que se realiza no âmbito do setor informal da economia

urbana.

Entretanto, antes de analisarmos, mais especificamente, esse setor da

economia urbana que serve de “abrigo” para o trabalho dos flanelinhas/guardadores

de carros e a classificação que lhes é dada neste, faz-se necessária uma

contextualização acerca das condições e relações de trabalho no Brasil,

principalmente a partir da década de 1970 – período no qual o país passou por

profundas transformações que refletiram diretamente no seu mercado de trabalho –,

para compreender os possíveis fatores e/ou processos que conduziram esses

trabalhadores para fora do mercado de trabalho formal, ou seja, do setor formal da

economia urbana.

4 A saber, Lei nº 6.242/1975 e Decreto nº 79.797/1977.

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2.1 Precarização das condições e relações de trabalho no Brasil – (1970 a

1990)

Nas últimas décadas do século XX, o Brasil passou por intensas

transformações sociais, políticas e econômicas que contribuíram profundamente

para o atual cenário da estrutura econômica do país e do seu mercado de trabalho,

sobretudo no que concerne à geração e distribuição de empregos. Essas

transformações dizem respeito, principalmente, a processos e fenômenos, como a

modernização do campo, a urbanização acelerada, a desregulamentação

econômica, a acentuada concentração de renda, dentre outros.

Percebemos que ao longo do século XX, o processo de urbanização brasileira

demonstra uma crescente aproximação com o processo da pobreza, no qual o locus

passa a ser, cada vez mais, as cidades. Estas, por sua vez, tornam-se o lugar de

todos os capitais e trabalhos, isto é, o palco de numerosas atividades “marginais” do

ponto de vista tecnológico, organizacional, financeiro, previdenciário, fiscal e

comercial (SANTOS, 2005).

Na América Latina, a discussão sobre “marginalidade” decorre,

principalmente, das análises a respeito da modernização como sinônimo de

urbanização acelerada e metropolização nos países desta região, as quais se

mostravam dominantes nos anos 1960 e 1970. No Brasil, particularmente, inúmeros

centros urbanos apresentaram um acelerado crescimento, que acabou por agravar a

situação de marginalização social, que se manifestou, de forma mais clara, no tecido

urbano das grandes cidades através do crescimento das favelas, da violência

urbana e das atividades informais (LIMA; SOARES, 2002).

Segundo Mattoso (1999), ao longo do século XX, o Brasil teve uma história de

crescimento econômico, mobilidade social, geração de empregos e concentração de

renda. Viabilizou-se no pós-guerra – a partir de uma ampla inserção internacional

qualificada por meio do processo de substituição de importações – um dos mais

intensos processos de industrialização e urbanização, que culminou na sua

transformação, em poucas décadas, de um país de base agrário-exportadora, para

uma das maiores e mais dinâmicas economias do mundo.

Essa transformação na estrutura econômica do Brasil, de agrário-exportadora

para industrial-urbana, se caracterizou pela elevada geração de empregos formais,

com efetiva capacidade de incorporar ao mercado de trabalho urbano, parcelas

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significativas de uma população constituída por uma elevada taxa de crescimento

demográfico, e um significativo contingente de pessoas expulsas do campo

(MATTOSO, 1999).

Entretanto, vale ressaltar que, essa mudança ocorrida na base econômica do

Brasil – decorrente da expansão do sistema capitalista de produção – esteve

atrelada à crescente modernização e mecanização do campo, que acabou

resultando na expulsão da população rural para os grandes centros urbanos. Nesse

sentido, à medida que esse fenômeno tornava-se mais intenso, fez-se perceptível o

descompasso entre o crescimento demográfico e as oportunidades de empregos

geradas nos grandes centros urbanos, que, por sua vez, não comportavam uma

infraestrutura que atendesse a essa significativa massa populacional (HORTA,

2010).

Dessa forma, na década de 1980 verificou-se uma mudança na dinâmica do

mercado de trabalho brasileiro, que experimentou pela primeira vez com

intensidade, o surgimento do desemprego urbano, da deterioração das condições e

relações de trabalho, bem como a ampliação da informalidade. No entanto, o

desemprego e a precarização observadas nesse período foram relativamente baixas

devido à preservação das estruturas industriais e produtivas, além do fato de

estarem vinculadas ao processo inflacionário e às intensas oscilações do ciclo

econômico desta década (MATTOSO, 1999).

Conforme verificado por Pessoa e Dias (2015), nesse período os países de

capitalismo desenvolvido enfrentaram uma grave crise que se traduziu no que,

convencionalmente denomina-se “crise estrutural do capital”. Essa crise, inicialmente

verificada por volta da década de 1970 e aprofundada, sobretudo, na década de

1980, obrigou a realização de uma profunda reestruturação da economia e do

Estado, visando restabelecer a dinamicidade e estabilidade econômica e social

experimentada por esses países no segundo pós-guerra. No Brasil, essas mudanças

refletiram tanto na retração do trabalho formal, como também na acentuação das

inúmeras formas de “trabalhos atípicos”, onde ganharam destaque a terceirização, a

precarização e a informalidade.

Segundo Noronha (2003) até o final da década de 1980 a “informalidade” era

percebida pela maioria dos especialistas como um problema endêmico. Ou seja,

prevalecia a ideia de que essa “informalidade” era herança de uma economia semi-

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industrializada e, desta forma, o seu fim tratava-se de uma questão de tempo e

desenvolvimento. Todavia, este autor supõe que, em termos de mercado de

trabalho, o início da década de 1990 representou uma ruptura crescente no

movimento de formalização do trabalho, verificado nas décadas anteriores.

Nos anos 1990, o baixo crescimento econômico aliado à racionalização, à

modernização da produção e à liberalização comercial-financeira refletiu ainda mais

no nível de emprego. Neste período, verificou-se uma diminuição na criação de

novos postos de trabalho e um significativo aumento do desemprego e de outras

formas de trabalho, ligadas à economia não formal e ao setor de serviços (SANTOS,

2008).

Constatou-se que nos últimos anos da década de 1990, a performance

produtiva não foi somente “medíocre” e decorrente dos efeitos das oscilações do

ciclo econômico sobre o mercado de trabalho. A geração de emprego também

sofreu

[...] as conseqüências profundamente desestruturantes de um processo de retração das atividades produtivas acompanhado do desmonte das estruturas preexistentes, sem que se tenha colocado no lugar outras capazes de substituí-las (MATTOSO, 1999, p. 11-14).

Diante dessas mudanças na estrutura econômica do Brasil, Idalino (2012, p.

44) ressalta como consequência negativa para os trabalhadores a ocorrência,

considerável, do aumento do desemprego estrutural. Este tipo de desemprego não é

fruto de recessões ou depressões transitórias, decorre, sim, “da própria estrutura

socioeconômica criada e mantida pelo sistema de produção capitalista globalizado.

O desemprego estrutural, assim, tende a se estender por longos prazos” (IDALINO,

2012, p. 44).

Aponta Mattoso (1999), que o Brasil nunca havia convivido com um

desemprego tão elevado, quanto o verificado na década de 1990. Muito menos com

um grau crescente de precarização das condições e relações de trabalho, que

culminou no crescimento vertiginoso do trabalho temporário, precário, por tempo

determinado, terceirizado, sem renda fixa, em tempo parcial, enfim, de milhares de

bicos que se difundiram por todo o país.

Então, “a cidade, onde tantas necessidades emergentes não podem ter

resposta, está [...] fadada a ser tanto o teatro de conflitos crescentes como o lugar

geográfico e político da possibilidade de soluções” (SANTOS, 2005, p.11). Assim, a

cidade, em seu modelo econômico e a sua estrutura física, torna-se geradora e

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mantedora da pobreza, evidenciando os contrastes econômicos e sociais a ela

inerentes, como é o caso da problemática que se efetiva com as práticas dos

flanelinhas/guardadores de carros.

Mattoso (1999) aponta ainda, com base nas pesquisas do IBGE e do

Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (DIEESE) -

Sistema Estadual de Análise de Dados (SEADE), que no final da década de 1990 no

Brasil, mais de 50% das pessoas ocupadas das grandes cidades se encontravam

em algum tipo de informalidade, boa parte sem registro e garantias mínimas como:

aposentadoria; Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS); seguro

desemprego; dentre outros.

Dessa forma, o desemprego verificado nesse período é, ainda, acompanhado

por uma nítida redução dos salários e pela precarização das condições e relações

de trabalho5, que se dão, sobretudo, com o aumento de práticas trabalhistas

flexíveis, sem estabilidades e, muito menos, garantias sociais (SANTOS, 2008).

Como consequência desse processo de flexibilização das práticas trabalhistas, por

sua vez,

[...] tem-se a expansão e a intensificação do trabalho informal que, sob a lógica de um discurso transformador, propaga a alternância de função no processo produtivo, ou seja, o empregado de hoje pode tornar-se o empregador de amanhã. Este processo, no entanto, tende a obscurecer as relações de exploração e marginalização a que são submetidos os trabalhadores que, movidos por um discurso utópico de tornar-se patrão, investem todos os seus bens e sua força de trabalho e de sua família, em busca da ideia de trabalho autônomo, livre e por conta própria (IDALINO, 2012, p. 48-49).

Como consequência desse conjunto de mudanças ocorridas no mundo do

trabalho, o fenômeno da informalidade se intensifica e passa a transformar, cada vez

mais, trabalhadores formais em informais, ou seja, “realizadores de atividades em

que as funções são precarizadas e, consequentemente, os precariza na condição de

força produtiva do sistema” (IDALINO, 2012 p. 17).

Nessa perspectiva, Idalino (2012) enfatiza que as condições e relações de

trabalho além de sofrerem uma reformatação, também reproduzem e transformam

formas antigas. Desse modo, os trabalhos e as atividades – reproduzidas, criadas e

5 Neste trabalho, entendemos a precarização do trabalho, assim como Mattoso (1999, p. 8), enquanto

o aumento do cunho precário das condições de trabalho, com expansão do trabalho assalariado sem carteira e do trabalho por conta própria. Já a precarização das relações de trabalho dizem respeito ao “processo de deterioração das relações de trabalho, com a ampliação da desregulamentação, dos contratos temporários, de falsas cooperativas de trabalho, de contratos por empresa ou mesmo unilaterais” (MATTOSO, 1999, p. 8).

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recriadas – que estão fora dos modelos do período antecedente, se apresentam com

baixos rendimentos e com a ausência de vínculo trabalhista e de contribuições

sociais. Todavia, são de fundamental importância para a manutenção e reprodução

do capital.

Entendemos que independente da denominação empregada – flanelinha,

guardador, pastorador ou vigia de carros –, é indiscutível o fato de que o surgimento

da atividade exercida por esses sujeitos se insere nesse amplo contexto social,

econômico, político e porque não dizer cultural, que envolve as diversas

transformações ocorridas, sob a lógica capitalista, no espaço urbano e no mercado

de trabalho dos países subdesenvolvidos, principalmente aquelas advindas da

industrialização, da migração rural-urbana, de uma urbanização combinada e

desigual, do desemprego estrutural, da precarização do trabalho e das relações de

trabalho e do processo de informalização do trabalho.

2.2 Setor informal da economia urbana: um abrigo para os trabalhadores por

conta própria

O mercado de trabalho brasileiro, no contexto da urbanização e

industrialização, se formou sob uma perspectiva dual, onde de um lado temos um

segmento limitado a trabalhadores mais qualificados, com vínculos estáveis, melhor

remunerados – setor formal –, e do outro um segmento constituído pela maioria dos

trabalhadores, no qual predominam os vínculos precários, o subemprego e o

trabalho por conta própria – setor informal (IDALINO, 2012).

Contudo, esse dualismo inicial, foi sendo gradativamente substituído pela

ideia de “complementaridade desse informal em relação às atividades formais, como

produto da expansão do capitalismo em áreas periféricas” (LIMA; SOARES, 2002, p.

163-64). Assim, passou a ser visto não mais como algo marginal, mas sim

necessário ao processo de acumulação.

Desse modo, segundo Lima e Soares (2002), para os trabalhadores, não se

tratava mais de uma reserva ao emprego industrial – urbano/formal – mas um modo

de inserção num mercado que mantinha relações estruturais de funcionalidade com

a formalidade, uma vez que,

[...] o mercado formal de trabalho é responsável por alimentar suas próprias “franjas”, pois ao excluir indivíduos em idade de trabalho os projeta para as margens, restando-lhes como saída única reinventar formas de sobrevivência dentro do mesmo sistema que os “vomita”. As condições de

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“flanelinhas” e lavadores de carro é uma espécie de regurgitar que o sistema capitalista, em sua modalidade contemporânea, finda por promover. (IDALINO, 2012, p. 132)

Nessa perspectiva, entendemos que a origem do trabalho informal no Brasil

não se deu de forma tão diferente dos outros países da América Latina, onde a

migração do campo para os centros urbanos contribuiu para a consolidação do

excedente de mão-de-obra urbana que, acabou por desencadear o desemprego em

massa e, por consequência, a disseminação da informalidade (IDALINO, 2012).

A ideia de informalidade foi explicitada pela primeira vez em 1970, em um

estudo sobre a economia do Quênia. Desde então, o termo “informalidade” passou

por inúmeras qualificações, ao longo dos anos, constituindo-se enquanto um termo

polêmico, dotado de inúmeras interpretações, significações e usos que variam,

principalmente, de acordo com a compreensão e intenção de cada um que se dispõe

a estudá-lo (FILGUEIRAS; DRUCK; AMARAL, 2004).

Nesse sentido, desde a sua origem, o conceito de “informalidade” abrange um

enorme leque de situações profundamente distintas, que comungam da

desregulação estatal na sua organização e funcionamento, tais como economia

informal, mercado informal, setor informal, trabalho informal, dentre outros (LIMA;

SOARES, 2002). Entretanto, cada termo deste representa uma situação diferente,

marcada por características semelhantes – advindas da informalidade – porém com

enfoques e usos diferenciados.

A noção “economia informal”, por exemplo, corresponde ao conjunto de

trabalhos, atividades, relações econômicas e rendas que se realizam

desconsiderando a legislação vigente específica. Pode representar, ainda,

fenômenos muito diferentes, como: terceirização; microempresas; evasão e

sonegação fiscais; contratação ilegal de trabalhadores assalariados; comércio de rua

ou ambulante; trabalho em domicílio; trabalho temporário; entre outros

(CACCIAMALI, 2000). Ou seja, trata-se de um termo de enfoque amplo, que engloba

todos os aspectos econômicos que se realizam à margem da legislação.

O setor informal, por sua vez, se constitui enquanto um dos segmentos dessa

economia. Este abriga em si uma série de atividades, ocupações e trabalhos

informais. É aqui, mais especificamente, que os flanelinhas/guardadores de carros –

através da “criação” ou “recriação” de uma atividade tida pela maioria das pessoas

como desnecessária – encontram uma forma de sobreviver e participar de um

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mercado de trabalho que, regido pelo sistema capitalista, é cada vez mais

competitivo e excludente.

De acordo com Ferreira (2007), um dos fatores que distinguem o setor formal

do informal é a concepção de que este último é composto por atividades econômicas

que se desenvolvem a margem da lei, ou seja, a organização do trabalho se dá fora

das formas contratuais legais. Logo, o setor informal não organiza sua produção

com base no trabalho assalariado. Este diz respeito ao “[...] conjunto de produtores

que, de posse dos meios de trabalho, desenvolvem suas atividades baseadas na

própria força de trabalho” conforme interpretou Cacciamali (1982, p. 5).

Segundo Ferreira (2007), dois enfoques se destacam quando se trata da

informalidade, um de caráter econômico e outro de caráter social. O econômico –

concebe o setor informal como uma alternativa precária, no qual os trabalhadores

aqui inseridos perderam seus empregos no mercado de trabalho formal e, por não

ter uma qualificação adequada, se veem obrigados a buscar, através de uma

atividade informal, a sua sobrevivência/sustento. Sob esse enfoque, o setor informal

é visto como resultado do desenvolvimento capitalista, uma vez que este é o gerador

de um exército industrial de reserva que impossibilita, desta forma, a inserção de

todos os trabalhadores em atividades formais.

Já o enfoque social – considera que o ingresso do trabalhador no setor

informal não acontece, necessariamente, por falta de qualificação ou opção no

mercado de trabalho formal, mas sim pela escolha consciente da maioria daqueles

que compõem esse setor. Sob esse enfoque, o setor informal é concebido enquanto

um setor heterogêneo, constituído por sujeitos motivados pela estratégia de

sobrevivência, mas também por uma alternativa de vida (FERREIRA, 2007).

Nessa concepção, o setor informal é o conjunto daqueles que, ao perderem seus empregos no mercado formal, não tiveram alternativa senão migrar para a informalidade (tendo esta atividade como única estratégia de sobrevivência). Além disso, há aqueles que já trabalharam formalmente e optaram por ingressar no setor informal pelos mais diversos motivos (por exemplo: desejo de autonomia em relação a horário, patrões; impedimentos familiares - como relação a maridos e filhos -; possibilidade de obter maiores rendimentos em relação ao mercado formal) [...] (FERREIRA, 2007, p. 15).

Diante do exposto, entendemos que a informalidade e o termo “informal”,

refere-se não a um objeto de estudo, mas sim à análise de um processo de

mudanças estruturais em curso na economia e na sociedade. Este, o qual

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Cacciamali (2000) denomina “Processo de Informalidade”, incide, por sua vez, na

redefinição das formas de inserção dos trabalhadores na produção, das relações de

produção e dos processos de trabalho e de instituições. Em decorrência desse

processo de informalidade, temos, ainda, ao menos dois fenômenos principais:

O primeiro diz respeito à reorganização do trabalho assalariado, ao evolver das relações de trabalho criadas, ampliadas ou recriadas nesse âmbito. [...] Essas relações freqüentemente são apreendidas através de [...] formas de trabalho assalariado não registrado junto aos órgãos da seguridade social, mas também podem revelar contratações (legais ou consensuais) sob outros modos [...]. Apresentam, entretanto, uma característica comum: sua vulnerabilidade, ou seja, a insegurança da relação de trabalho e na percepção da renda; a ausência muitas vezes de qualquer regulamentação laboral e de proteção social [...]; o uso flexível do trabalho (horas e múltiplas funções); e freqüentemente menores salários, principalmente para os menos qualificados (CACCIAMALI, 2000, p. 163-164).

O segundo fenômeno, se refere ao trabalho por conta própria e a outras

estratégias de sobrevivência pelas quais as pessoas que apresentam dificuldades

para ingressar no mercado de trabalho, se reempregar ou mesmo por opção, obtém

renda. Cabe ressaltar que esses grupos estão, geralmente, inseridos em ocupações

de baixa produtividade (CACCIAMALI, 1982). Em outras palavras, esse “Processo

de Informalidade pode ser representado e acompanhado por duas categorias de

trabalhadores que são predominantes no processo: os assalariados sem registro e

os trabalhadores por conta própria” (CACCIAMALI, 2000, p. 166).

Nessa perspectiva, Cacciamali (2000) assinala que no caso da categoria dos

trabalhadores por conta própria – da qual consideramos pertencente à atividade

desempenhada pelos flanelinhas/guardadores de carros –, os trabalhadores estão

criando uma ocupação, relacionada, sobretudo, à prestação de serviços, com o

intuito de se auto-empregar. Esse grupo se caracteriza pelo baixo nível de

produtividade com o qual operam e compreende indivíduos, que dispõem de um

baixo nível de capital físico e humano.

Esses sujeitos são simultaneamente patrões e empregados e trabalham

diretamente na produção – ou como no caso dos flanelinhas/guardadores de carros

– na prestação de um serviço. Nesse processo, podem ainda se utilizar de familiares

ou ajudantes assalariados enquanto uma extensão do seu próprio trabalho. Aqui,

não há a pretensão de acumulação ou obtenção de uma rentabilidade equiparada a

de mercado, mas sim a obtenção de um montante que lhes possibilite a sua

subsistência e da sua família (CACCIAMALI, 2000). A inserção nessa categoria

decorre, principalmente,

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[...] da escassez de empregos aderentes às características da força de trabalho, em especial seu capital humano, e pode constituir-se, em determinadas situações, uma alternativa à miséria. É uma forma de trabalho que se estende através de indivíduos motivados por dificuldades de reemprego, ou de ingresso no mercado de trabalho, ou que se encontram inativos em famílias com renda familiar baixa, podem ser aposentados que auferem pensões insuficientes, ou até podem ser indivíduos que optaram por essa forma de inserção diante das dificuldades de se adaptarem em trabalhos assalariados (CACCIAMALI, 2000, p. 167).

Portanto, o processo de informalidade deve ser associado aos diferentes

modos de inserção no trabalho que decorrem dos processos de reformatação das

economias em escalas mundial, nacional e local. Assim, para que entendamos

melhor o contexto que permeia o surgimento da atividade dos

flanelinhas/guardadores de carros na cidade de Natal-RN, faz-se necessária uma

caracterização da reformatação da economia nesse âmbito local, assim como das

transformações ocorridas no espaço urbano e no mercado de trabalho da cidade.

2.3 O contexto do mercado de trabalho de Natal-RN

A instabilidade econômica verificada no Brasil no período compreendido a

partir dos anos 1970 e, aprofundada, principalmente, entre as décadas de 1980 e

1990, contribuiu, profundamente, para o agravamento de problemas relacionados à

estrutura econômica do país, que reflete, sobretudo, no mercado de trabalho – seja

nacional, regional ou local – através do elevado crescimento do desemprego e de

novas formas de trabalhos, que se realizam de forma desregulamentada e

precarizada. Nesse sentido,

[...] é importante reportar-se ao fato de que nos anos [19]90 ocorreu na economia brasileira, e na de Natal em particular, um processo de modernização tecnológica com conseqüências nefastas para o mercado de trabalho. Nesse sentido, os investimentos realizados pelas empresas foram, em grande parte, destinados à modernização tecnológica, com impactos expressivos na produtividade e no emprego. Assim, por exemplo, o processo de modernização do parque industrial da Região Metropolitana de Natal, notadamente do parque têxtil, bem como do setor bancário, de telecomunicações e de distribuição de energia elétrica, com geração de desempregados ou de empregos terceirizados, foram responsáveis, em parte, pelo desempenho do mercado de trabalho da cidade na década passada (FREIRE, 2005, p. 35).

Nessa perspectiva, Araújo (2009) pontua que, em decorrência das mudanças

ocorridas neste período, na esfera internacional e nacional, a cidade de Natal,

capital do Estado do Rio Grande do Norte, também passou por profundas

transformações. Estas dizem respeito, principalmente, à reprodução de algumas

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tendências análogas às ocorridas nas grandes cidades, como por exemplo: o

acelerado crescimento demográfico; o desemprego; a marginalização social; a

precarização do trabalho; e a expansão das atividade informais.

Até meados da década de 1950, Natal-RN exibia um processo de

urbanização incipiente e em desenvolvimento, o qual era impulsionado, sobretudo,

pela concentração populacional e de serviços. A instalação da base americana –

durante a Segunda Guerra Mundial – em Parnamirim, causou significativas

mudanças nas feições da cidade de Natal e na dinâmica populacional e econômica.

Desse período em diante, a cidade passou por outros surtos de urbanização,

principalmente entre as décadas de 1970 e 1980, seguindo a tendência nacional de

industrialização e crescimento urbano (PESSOA, 2015).

Conforme aponta Araújo (2009), no que concerne à densidade demográfica,

Natal/RN cresce de forma assustadora. Em 1970 havia atingido a soma de mais de

1.500 hab./km². Já em 1991, somavam-se mais de 3.500 e, em 2000, atingiu a

marca de mais de 4.200 hab./km² (Tabela 2).

Tabela 1: Densidade demográfica dos munícipios que compõem a região metropolitana de Natal-RN - 1970/2000.

Municípios

Período

1970 1980 1991 2000

Ceará Mirim 52,22 55,22 71,81 85,95

Extremoz 66,75 65,3 110,92 145,30

Macaíba 59,47 63,84 88,71 112,05

Monte Alegre 52,02 65,77 75,54 89,83

Natal 1.563,45 2.465,36 3.588,92 4.212,40

Nísia Floresta 30,15 31,97 44,63 60,99

Parnamirim 115,00 209,06 502,08 988,82

São G. do Amarante 72,27 118,22 174,51 266,55

São J. do Mipibu 59,07 69,74 96,05 119,11

RMN - - - 383,31

Fonte: ARAÚJO, 2009.

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Essas altas taxas de crescimento demográfico são responsáveis pelo

acelerado processo de concentração populacional em um limitado espaço territorial.

Diante disso, surgem – de forma, altamente concentrada, no espaço e no tempo –

vários problemas inerentes à demanda especificamente urbana, dentre esses a

absorção insuficiente no mercado de trabalho formal (ARAÚJO, 2009). A isso,

[..] deve-se acrescentar que a exemplo do restante do país e da região, também no Rio Grande do Norte as funções de “amortecedores sociais” de muitos dos subsetores do terciário [...] foram ampliadas no período de 1970 a 1989, devido não apenas ter sido um período de crise permanente na economia nacional, que desaqueceu os investimentos industriais, mas, também, por conta do intenso processo de urbanização pelo qual passou as grandes regiões do país; e pelos anos de seca, sobretudo na década de 1970, que contribuíram para a migração da população de muitos estados nordestinos em direção às cidades de porte médio, notadamente suas capitais (ARAÚJO, 2009, p. 256).

Nessa perspectiva, a migração da população rural, no âmbito potiguar, deve-

se ao fato de que mais de 90% do território do Rio Grande do Norte encontra-se no

semiárido, e, desta forma, verifica-se neste poucas faixas de terras férteis, uma

agricultura, preponderantemente, de subsistência, e uma pecuária que depende

significativamente de projetos sociais elaborados pelo Estado e por alguns

municípios. Diante da ineficácia das políticas de manutenção do homem no campo

aliada à falta de condições mínimas – por parte dos municípios – para atender as

suas populações, esses fatores acabam se constituindo como propulsores da

migração em direção à capital do estado – Natal – e aos munícipios vizinhos.

Isto porque nestes espaços, principalmente na capital, a população interna

encontra uma melhor infraestrutura e oferta de serviços, embora haja a tendência à

deteriorização de quantidade e qualidade (ARAÚJO, 2009). Além disso, deve-se

levar em consideração que

[..] a política macroeconômica praticada na década de 1990 atingiu a

economia nacional em sua totalidade. Por conta dessa política, algumas estruturas produtivas do estado do Rio Grande do Norte sofreram o impacto da reestruturação a que foram submetidas, o que, por sua vez, fez com que parte da mão-de-obra, anteriormente empregada migrasse [...] sobretudo a capital do estado, em busca de alguma forma de subsistência (ARAÚJO, 2009, p. 283).

Outro fator importante, no que concerne à migração para a capital do estado

no período compreendido entre as décadas de 1970 e 1990, era a demanda de

mão-de-obra para a construção de conjuntos habitacionais na cidade, que

acabavam contribuindo para a elevada concentração demográfica em Natal-RN.

Esses trabalhadores induzidos à capital, a partir da oferta de emprego, fixavam

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residência na cidade para trabalhar nessas construções. Contudo, após a conclusão

destas, esses trabalhadores, por não terem qualificação adequada para outros tipos

de empregos e devido à elevada concentração demográfica, acabavam não sendo

absorvidos pelo mercado de trabalho e ficavam desempregados.

Nesse sentido, tornou-se comum ver trabalhadores de rua criando e/ou

recriando novas atividades informais. Um exemplo disso é a atividade exercida pelos

flanelinhas/guardadores de carros nos espaços públicos dos centros urbanos das

grandes, médias e pequenas cidades (IDALINO, 2012). No caso dos

flanelinhas/guardadores de carros da cidade de Natal-RN, podemos inferir – com

base na (Tabela 3), que os inclui na categoria “biscateiros” – que boa parte dos

sujeitos que compõem essa atividade são aqueles oriundos da migração rural-

urbana verificada no estado, principalmente nas décadas de 1970 e 1980, conforme

já apontado.

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Tabela 2: Densidade dos tipos sócio-espaciais em relação às categorias sócio-ocupacionais em Natal-RN e região metropolitana – 2000.

CATEGORIAS SÓCIO-OCUPACIONAIS

TIPOS SÓCIO-ESPACIAIS

SUPERIOR

MÉDIO

POPULAR-OPERÁRIO

AGRÍCOLA

Grandes Empregadores 2,9 0,3 0,3 0,1

Dirigentes do Setor Público 2,5 0,4 0,5 0,2

Dirigentes do Setor Privado 3,3 0,2 - 0,2

Profissionais Autônomos de Nível Superior 2,3 0,6 0,4 0,1

Profissionais Estatuários de Nível Superior 2,6 0,5 0,2 0,2

Profissionais Empregados de Nível Superior 3,0 0,3 0,1 0,1

Professores de Nível Superior 2,5 0,5 0,3 -

Pequenos Empregadores 2,2 0,6 0,3 0,2

Artistas e Similares 1,4 0,9 0,6 0,3

Ocupações de Supervisão 1,5 0,9 0,4 0,1

Ocupações de Escritório 1,5 0,8 0,7 0,5

Ocupações Técnicas 1,7 0,8 0,3 0,1

Ocupações da Saúde e Educação 1,0 1,0 1,4 0,7

Ocupações da Justiça, Segurança Púbica e Correios 1,4 1,0 0,5 0,2

Trabalhadores do Comércio 0,9 1,1 0,7 0,4

Prestadores de Serviços Especializados 0,7 1,2 0,9 0,6

Trabalhadores da Indústria Moderna 0,5 1,3 0,9 0,4

Trabalhadores da Indústria Tradicional 0,5 1,2 1,1 0,9

Operários da Construção Civil 0,4 1,2 1,4 0,9

Trabalhadores dos Serviços Auxiliares 0,5 1,3 0,8 0,7

Prestadores de Serviços Não Especializados 0,4 1,3 0,9 0,8

Ambulantes e Biscateiros 0,8 1,0 1,2 1,6

Trabalhadores Domésticos 0,7 1,2 0,8 0,8

Agricultores 0,1 0,4 4,5 8,4

Fonte: PESSOA, 2015.

Analisa Freire (2005) que na década de 1990, a cidade de Natal-RN foi

marcada por um intenso processo de precarização do mercado de trabalho. Entre

1991 e 2000, o número de pessoas desempregadas em Natal mais que triplicou. O

número de pessoas procurando emprego, por sua vez, com base nos censos de

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1991 e 2000, saltou de aproximadamente 18,5 mil para mais de 57 mil indivíduos.

Em função disso – e do fato que o número de pessoas desocupadas cresceu num

ritmo maior que o de pessoas ocupadas – a taxa de desocupação da cidade subiu

de 7,78% no ano de 1991 para 18,08% em 2000.

Podemos concluir que, nesse período, de cada dois (2) trabalhadores que

entraram no mercado de trabalho de Natal, um (01) o fez na condição de ocupado e

o outro ingressou nesse mercado na condição de procurando emprego. “Isso

significa dizer que a expansão do emprego na cidade no decorrer dos anos 1990 foi

suficiente para criar ocupações para apenas metade das pessoas que estavam

entrando no mercado de trabalho” (FREIRE, 2005, p. 14).

Para Freire (2005), neste período, o mercado de trabalho da cidade de Natal-

RN, foi marcado pelo acentuado crescimento das ocupações por “conta própria”, que

acenderam num ritmo bem mais acentuado que o das ocupações de “empregados”.

Este trabalho por conta própria se qualifica, sobretudo, pelas longas jornadas de

trabalho, pela inexistência de garantias sociais e pelas baixas remunerações. Com

isso, podemos dizer que o tipo de postos de trabalhos gerados na década de 1990

em Natal-RN, se caracterizava, principalmente, pelo seu caráter de precariedade.

A crescente precarização do mercado de trabalho da cidade de Natal-RN

evidencia-se nos seguintes indicadores: “em 1991 cerca de 27,75% da PEA de Natal

estava desocupada ou em ocupações por conta própria; em 2000 esse número

saltou para 39,32%” (FREIRE, 2005, p. 15) (Tabela 4).

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Tabela 3: Indicadores do mercado de trabalho de Natal-RN (1991/2000)

1991 2000 VARIAÇÃO ABSOLUTA

VARIAÇÃO RELATIVA

VARIAÇÃO ANUAL

PEA 237.593 318.820 81.227 34,19 9.025

Ocupados 219.104 261.171 42.067 19,20 4.674

Desocupados 18.489 57.649 39.160 211,80 4.351

Taxa de Desocupação (%) 7,78 18,08

Empregados 167.035 192.798 25.763 15,42 2.863

Empregadores 7.389 9.584 2.195 29,71 244

Conta Própria 43.765 55.485 11.720 26,78 1.302

Outra Condição 915 3.304 2.389 261,09 265

Empregados (%) 76,24 73,82

Empregadores (%) 3,37 3,67

Conta Própria (%) 19,97 21,24

Outra Condição (%) 0,42 1,27

Fonte: FREIRE, 2005.

Freire (2005) aponta para outro aspecto que se destaca no mercado de

trabalho de Natal-RN, na virada do século XX para o século XXI. Este diz respeito à

quantidade de mão-de-obra ocupada com base na categoria de ocupação (Tabela

5). Constatou-se que nesse período a maioria absoluta dos trabalhadores ocupados

encontrava-se na situação de “empregados”. Depois, tínhamos a categoria de

trabalhadores por “conta própria”, que eram responsáveis por, aproximadamente,

1/5 dos postos de trabalho da cidade neste período. Já a categoria “empregadores”,

apresentava um percentual baixo, ficando apenas em terceiro lugar.

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Tabela 4: Pessoas com 10 anos ou mais de idade ocupadas na semana de referência da pesquisa (censo 2000) por posição na ocupação e grupos de anos de

estudo.

GRUPOS DE ANOS DE ESTUDO

Posição na ocupação Total Sem instrução e menos de 1

ano

1 a 3 anos

4 a 7 anos

8 a 10 anos

11 a 14 anos

15 anos ou mais

Não determinados

Total 261.171 13.352 26.735 63.660 44.478 80.343 30.630 1.973

Empregados 192.798 8.285 17.738 45.218 33.770 62.944 23.421 1.423

Empregadores 9.584 123 297 1.140 1.069 3.907 3.028 20

Conta Própria 55.485 4.848 8.344 16.133 8.092 12.657 4.092 508

Não remunerados em ajuda a membro do domicílio

3.043 77 294 1.079 688 794 89 21

Trabalhadores na produção para o próprio consumo

261 19 61 91 49 41 - -

Total 100,00 100,00 100,00 100,00 100,00 100,00 100,00 100,00

Empregados 73,82 62,05 66,35 71,03 75,93 78,34 76,46 72,12

Empregadores 3,67 0,92 1,11 1,79 2,40 4,86 9,89 1,01

Conta Própria 21,24 36,31 31,21 25,34 20,01 15,75 13,36 25,75

Não remunerados em ajuda a membro do domicílio

1,17 0,58 1,10 1,69 1,55 0,99 0,29 1,06

Trabalhadores na produção para o próprio consumo

0,10 0,14 0,23 0,14 0,11 0,05

Fonte: FREIRE, 2015.

Apesar desse padrão se manter o mesmo em todos os grupos de anos de

estudos, cabe ressaltar que, o peso de cada uma dessas categorias de ocupação

varia segundo o nível educacional daquela população ocupada. Dessa forma, para

os sujeitos que possuem um baixo nível de escolaridade, o peso principal ainda é de

ocupados na categoria “empregados”, no entanto, quase 1/3 deles estão ocupados

em atividades por “conta própria”. Já para os trabalhadores com um maior nível de

escolaridade, o peso das ocupações por “conta própria” declina sucessivamente,

enquanto que o peso das categorias “empregados” e “empregadores” aumentam

(FREIRE, 2005).

Com base nessas informações, podemos dizer que o nível de escolaridade

reflete, significativamente, no tipo de ocupação em que o individuo vai conseguir se

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inserir. Dessa forma, aqueles indivíduos que possuem um elevado nível escolar, se

inserem, com mais facilidade, no mercado de trabalho, seja na categoria de

“empregados” ou até mesmo como “empregadores”. Em contraste a isso, aqueles

indivíduos, como é caso dos flanelinhas/guardadores de carros da cidade de Natal-

RN, que possuem um menor nível escolar, encontram dificuldades para se inserir no

mercado de trabalho segundo a categoria “empregados”. Logo, são obrigados, na

maioria das vezes, a recorrer às atividades situadas na categoria por “conta própria”.

Freire (2005) correlaciona os anos de educação formal do trabalhador às

características de sua incorporação no mercado de trabalho (Gráfico 3). Com base

neste, fica evidente que o acesso a um trabalho formalizado, com carteira assinada

(ou militares e estatuários), e a garantia de maiores benefícios sociais – tais como

férias remuneradas, décimo terceiro, etc. – está intimamente relacionado a um maior

nível de escolaridade do trabalhador. Nessa perspectiva, somente metade dos

trabalhadores com um menor nível de escolaridade – 1 (um) ano de instrução –

estão empregados com carteira assinada (ou como militares e estatuários).

Enquanto isso, 90% daqueles que possuem um elevado nível de escolaridade –

mais de 15 (quinze) anos de estudos – estão nessas condições.

Gráfico 1: Percentual de trabalhadores empregados com carteira assinada (ou militares e estatuários), segundo os anos de estudo – 2000.

Fonte: FREIRE, 2005.

Isso demonstra, claramente, que a educação formal, ou seja, elevado nível

educacional, é condição extremamente importante para acesso a trabalhos formais,

que proporcionam um maior nível de estabilidade e proteção social. Nesse sentido,

0

10

20

30

40

50

60

70

80

90

100

Seminstrução emenos de 1

ano

1 a 3 anos 4 a 7 anos 8 a 10 anos 11 a 14 anos 15 anos oumais

50,27 51,74 58,57

70,66

80,94 89,54

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ficam restritas aos trabalhadores com menor nível de escolaridade – como é o caso

dos flanelinhas/guardadores de carros – as ocupações sem carteira assinada e o

trabalho por conta própria, que proporcionam uma menor estabilidade e proteção

social (FREIRE, 2005).

Esse autor salienta que, na virada do século XX para o século XXI, existiam

em Natal – de um total de 260 mil postos de trabalho – quase 115 mil postos de

trabalho precários, distribuídos entre trabalhadores sem carteira assinada (56 mil),

trabalhadores não remunerados (3 mil) e trabalhadores por conta própria (55 mil)

(FREIRE, 2005).

Assim, atividade dos flanelinhas/guardadores de carros surge em Natal-RN,

como uma forma de trabalhadores desempregados suprirem as suas necessidades

de subsistência. Nesse sentido, essa atividade se origina enquanto uma estratégia

de sobrevivência em meio a um contexto de elevado desemprego e precariedade

das condições e relações de trabalho. É importante salientar que, nos dias de hoje a

opção por essa atividade assume também um outro caráter, que diz respeito não

somente a uma estratégia de subsistência, mas também a opção voluntária pelo

trabalho por conta própria – devido à vantagens como: ser seu próprio chefe e não

pagar contribuições trabalhistas (o que, por sua vez, pode gerar um problema, ou

séria dificuldade a sua futura aposentadoria).

2.4 A regulamentação e criminalização da atividade dos

flanelinhas/guardadores de carros

Apesar da, cada vez mais crescente, presença dos flanelinhas/guardadores

de carros nos centros urbanos das cidade brasileiras, a grande maioria da

população desconhece que essa atividade é regulamentada como profissão desde a

década de 1970. Segundo Paula (2013) o motivo da regulamentação dessa

atividade deriva da situação socioeconômica brasileira vivenciada durante a década

de 1960 e início da década de 1970, quando se verificava nas grandes cidades, um

elevado número de desempregados que encontravam nas ruas, uma forma de

garantir sua renda e subsistência.

Nesse período tinham-se, principalmente, os engraxates e os lavadores de

veículos. Estes últimos ofereciam seu serviço – lavar os luxuosos automóveis nas

vias públicas - em troca de gorjetas, e para isso utilizavam baldes, panos surrados –

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a flanela que hoje dá nome a atividade – e água obtida nas residências vizinhas.

Dessa forma, esses sujeitos encontravam na via pública e nos proprietários de

veículos - formados pela elite da época – uma forma de garantir o sustento (PAULA,

2013).

Nesse contexto, a Lei Federal que dispõe sobre o exercício da profissão de

guardador e lavador autônomo de automóveis, datada de 23 de Setembro de 1975,

[...] foi promulgada no governo do então presidente, Ernesto Geisel, num período em que, conforme vimos anteriormente, o Brasil vivia um intenso processo de industrialização. A impossibilidade de absorção da mão-de-obra pelas grandes indústrias ensejou a realocação da força de trabalho excedente, em atividades do setor Terciário, para o fim de atender a necessidades que exigiam qualificação e remuneração muito baixas (HORTA, 2010, p. 33).

Nessa perspectiva, diante das dificuldades que o Estado encontrava para

gerar trabalhos formais para o chamado exército industrial de reserva, a

promulgação da Lei nº 6.242/1975, se mostrava enquanto uma “tentativa de

institucionalização do trabalho informal, sob o pretexto da sua transitoriedade para a

formalidade, por meio do avanço da modernização brasileira” (HORTA, 2012, p. 33-

34).

Decerto que a Lei nº 6.242/1975 em seu art. 1º, dispõe que o exercício da

profissão de guardador e lavador autônomo de veículos automotores depende de

um registro realizado na Delegacia Regional do Trabalho (DRT) competente. No art.

3º, exige como condição para a concessão desse registro, a apresentação, pelo

interessado, de alguns documentos, tais como: prova de identidade; atestado de

bons antecedentes; certidão negativa dos cartórios criminais de seu domicílio; prova

de estar em dia com as obrigações eleitorais; e prova de quitação com o serviço

militar (HORTA, 2010).

A exigência dessa documentação pela Lei nº 6.242/[19]75 visa a “afastar do exercício da atividade os indivíduos que portem antecedentes comprometedores, deixando o campo aberto àqueles que, dela realmente necessitados, preencham condições mínimas”, nos termos da justificativa do Projeto de Lei nº. 88/73, anteriormente mencionado. Evidencia-se, nesse ponto, a prevalecente intenção do legislador em distinguir, dentre os guardadores e lavadores de veículos, aqueles que exercem a atividade de forma responsável, daqueles que recorrem a ela sob a forma da criminalidade (HORTA, 2010, p. 34).

Cabe ressaltar que o art. 4° desse projeto de lei versa sobre o local onde a

atividade do flanelinha/guardador de carros se realizará e torna claro que a

designação da localização para realização da atividade deve ser feita pela

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autoridade municipal responsável. Desse modo, ao contrário do que ocorre em

muitas cidades brasileiras, cabe somente à instância municipal responsável, o poder

de delimitar espaços para a realização da atividade.

Com a publicação da Lei nº 6.242/1975, sobreveio o Decreto nº 79.797/1977,

que regulamenta a profissão de lavador e guardador autônomo de veículos e define

as suas atribuições, dentre elas, de acordo com o art. 3°, o guardador de veículos

deverá atuar em áreas externas públicas, destinadas a estacionamentos, cabendo a

eles orientar ou efetuar o encostamento e desencostamento de veículos nas vagas

existentes, predeterminadas ou marcadas.

Esse decreto define em seu art. 5º, que quando autorizada pela Delegacia

Regional do Trabalho, a atividade do lavador e guardador autônomo de veículos

exercida em locais públicos explorados pelo poder público, terá afiançado um

percentual sobre o valor total cobrado aos usuários. Este, por sua vez, destina-se:

ao pagamento dos serviços prestados pelos guardadores e lavadores autônomos de

veículos automotores; à remuneração dos serviços administrativos do sindicato,

cooperativa, ou associação, não excedente de dez por cento do valor total cobrado

dos usuários; à remuneração do órgão público, municipalidade ou empresa estatal,

pela manutenção, sinalização e marcação das áreas de estacionamento e não

excedente de vinte por cento do valor total cobrado do usuário. Ademais, o art. 6º

deste decreto, exige que os guardadores e lavadores de veículos utilizem um cartão

de identificação, fornecido pelo sindicato, cooperativa ou associação, onde houver,

para fins de identificação ao usuário e à fiscalização dos órgãos públicos e

sindicatos (HORTA, 2010).

Ora, essa tentativa de regulamentação – a Lei nº 6.242/1975 – agonizou em

sua ineficácia. Somente diante da elevada desestruturação do mercado de trabalho

e, por conseguinte, do volume de transtornos ocasionados por essa atividade foi que

as autoridades municipais se voltaram à legislação, a fim de definir normas para a

atuação dos guardadores e lavadores de veículos.

Apesar da existência dessa proposta de regulamentação, ainda se faz notório

o processo de criminalização dos flanelinhas/guardadores de carros, diante do

desconhecimento e, principalmente, não cumprimento – tanto por parte dos

flanelinhas/guardadores de carros, quanto das próprias autoridades municipais –

das condições, sobre as quais versam a Lei nº 6.242/1975 e o decreto Decreto nº

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79.797/1977, para o exercício legal da profissão de lavador e guardador autônomo

de veículos.

Além disso, o flanelinhas/guardadores de carros passam por um processo de

estigmatização e intolerância, tanto por não reproduzirem sua força de trabalho,

como por estarem vulneráveis à criminalidade – o que acaba por causar medo e

insegurança na população, que os vê, constantemente, enquanto uma ameaça à

vida e à propriedade privada (HORTA, 2010). Temos, ainda, o fato de que vez ou

outra, a imprensa noticia a prática de pequenos delitos e furtos por

“flanelinhas”/guardadores de carros, o que acaba contribuindo para a estigmatização

e criminalização desses sujeitos e da sua atividade.

Ademais, ainda de acordo com Horta (2010), é notório que a intolerância à

atividade dos flanelinhas/guardadores de carros é ainda maior quando comparada à

de outras ocupações que compõem o setor informal. Isso porque inicialmente, tinha-

se a espontaneidade na contribuição dos motoristas aos flanelinhas pelos serviços

prestados. Contudo, essa espontaneidade foi passando, cada vez mais, a ter um

caráter de obrigatoriedade, devido à intimidação, expressa ou encoberta, exercida

por tais trabalhadores, da qual decorria, em certas ocasiões, o efetivo dano ao

veículo ou ao próprio motorista. Nessa perspectiva, esse grau de intolerância deve-

se ao fato de que, na atividade do flanelinha/guardador de carros, o motorista é

frequentemente constrangido a pagar por um serviço não solicitado.

Nessas circunstâncias, a figura ameaçadora do guardador de veículos, amplamente difundida entre a população, aliada aos sentimentos de medo, apreensão e ansiedade que inspiram, são preocupações que passam a reclamar medidas de segurança a serem tomadas pelas autoridades públicas [...] (HORTA, 2010, p. 73).

O clamor público pela segurança contra a ação dos flanelinhas/guardadores

de carros passou a exigir a atuação do Estado, que apresentou como resposta a

criminalização da conduta dos flanelinhas/guardadores de carros6. O Projeto –

Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940, que passa a vigorar acrescido do

artigo 160-A – dispõe sobre a pena de detenção, de 1 a 3 anos e multa, para aquele

que solicitar ou exigir, para si ou para terceiro, a qualquer título, dinheiro ou

6 Tramita no Congresso Nacional, o Projeto de Lei nº. 4501/2008, cuja proposta é a inserção, no

Código Penal, de um “subtipo” que enquadra a atividade dos flanelinhas/guardadores de carros como crime de extorsão indireta.

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qualquer vantagem, sem autorização legal ou regulamentar, a pretexto de explorar a

permissão de estacionamento de veículo alheio em via pública.

Nessa perspectiva, essa proposta de criminalização da conduta dos

flanelinhas/guardadores de carros se constitui enquanto a outra face da moeda.

Trata-se de uma resposta, instrumentalizada pelo direito penal, dada pelo Estado no

intuito de proteger os interesses da burguesia dominante. Entretanto, essa estratégia

utiliza-se do capital político e imprime a falsa ideia de punição dos “criminosos”,

quando, na verdade, as raízes do problema residem nas contradições estruturais

próprias das relações de produção capitalista e exigem soluções muito mais

complexas (HORTA, 2010).

No âmbito local, em Natal-RN a Lei 29/2010, aprovada na Câmara Municipal,

que regulamenta a profissão dos flanelinhas/guardadores de carros, nunca foi

sancionada. Pelo texto original desta lei, seria de responsabilidade da Secretaria de

Mobilidade Urbana (SEMOB) e da Secretaria Municipal de Trabalho, Habitação e

Assistência Social (SEMTHAS) o cadastramento destes trabalhadores, a designação

das áreas em que poderiam atuar, a fiscalização da atividade, e a organização e

distribuição materiais de identificação, como crachás e camisetas (PORTAL NO AR,

2015) (anexo B).

Vigorando-a, criaria-se, ainda, uma cooperativa dos flanelinhas/guardadores

de carros, que seria responsável por recolher contribuições dos mesmos para

benefícios com previdência e plano de saúde. Essa lei não só limitava o exercício da

profissão, já que era preciso ter registro na DRT e atestado de bons antecedentes

criminais, como estabelecia punições para casos de descumprimento das normas.

Contudo, vale ressaltar que, em Natal-RN, nada disso se concretizou.

Em entrevista a jornal, a secretária adjunta de operacionalização da

SEMTHAS, Ilzamar Pereira, afirma que a regulamentação da lei dos

flanelinhas/guardadores de carros não é a resposta para o problema: “regularizar

uma atividade informal não é a solução. Nós temos um papel frente a essas pessoas

enquanto assistência social, mas não é o de reafirmá-lo nessa condição, e sim de

retirá-lo, mas dando a elas um novo horizonte” (TRIBUNA DO NORTE, 2014).

Ainda segundo reportagem da Tribuna do Norte (2014), o 1° Distrito Policial

(DP) é a única unidade de polícia que possui um cadastramento de

flanelinhas/guardadores de carros. Este abrange a circunscrição dos bairros Ribeira,

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Cidade Alta e parte de Petrópolis e Tirol. Segundo Jaime Severo, chefe de

investigações da 1ª DP, o cadastramento foi feito no final de 2013 e cerca de 80

flanelinhas possuem registro com foto na delegacia (número que não se aproxima

nem de perto da realidade observada atualmente).

Não existe, por parte do Estado, nenhum plano que envolva os

flanelinhas/guardadores de carros até o presente momento. Houve algumas tentativas

passadas de incorporá-los a projetos de estacionamentos rotativos que já foram

pensados e idealizados várias vezes, porém que nunca saíram do papel. Ademais,

nenhum órgão do Estado, mesmo aqueles que teriam sido designados a esta tarefa,

dispõem de um número exato e atual da quantidade de flanelinhas/guardadores de

carros de Natal-RN.

Dessa forma, o que percebemos nos bairros Cidade Alta, Petrópolis e Tirol de

Natal-RN é um verdadeiro descaso para com a problemática dos

flanelinhas/guardadores de carros. Isto porque, apesar da notória presença desses

sujeitos nesses espaços, o poder público não se mobiliza, seja para regularizá-los

(cumprindo aquilo que está previsto em lei, como já mencionado anteriormente),

redirecioná-los a outros tipos de trabalhos ou mesmo para desterritorializá-los dos

espaços os quais se apropriaram.

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3 DO ESPAÇO AO TERRITÓRIO: SOBRE O PROCESSO DE APROPRIAÇÃO

ESPACIAL

Para compreendermos a territorialidade expressa pelos

flanelinhas/guardadores de carros em áreas nas vias públicas dos bairros Cidade

Alta, Petrópolis e Tirol de Natal-RN, optamos por uma reflexão conduzida pelo

diálogo sobre a tríade: espaço, território e territorialidade. Isto porque, o espaço

concebido como base material onde se manifestam as ações dos sujeitos sociais, é

transformado em território a partir de uma apropriação concreta e/ou simbólica, que

resulta em uma territorialidade, conceito chave que move o presente estudo e torna-

se fundamental para este, uma vez que se constitui no vivido de um grupo particular

ou coletivo, quando esse exerce o poder em dado espaço geográfico estabelecendo

a relação espaço-tempo (RAFFESTIN, 1993).

Argumenta Raffestin (1993), ser fundamental compreender que o espaço

antecede o território. Este último se forma a partir do espaço e é o resultado de uma

ação conduzida por relações de dependência em qualquer nível. A transformação do

espaço em território, pois, decorre do processo de apropriação de um espaço,

concreta ou abstratamente, onde, dessa forma, o ator "territorializa" o espaço

(RAFFESTIN, 1993). .

O espaço pode ser concebido, ainda, enquanto um conjunto de formas e

funções que representam relações sociais. Essas, por sua vez, se apresentam como

testemunho de uma história, pois se referem tanto a representações de relações

sociais do passado, quanto do presente, além, e principalmente, daquelas que estão

acontecendo perante os nossos olhos e que se manifestam através de processos e

funções (SANTOS, 2004).

Podemos apreender que “o espaço de uma grande cidade capitalista

constitui-se, em um primeiro momento de sua apreensão, no conjunto de diferentes

usos da terra justapostos entre si” (CORRÊA, 1989, p. 7). Para o autor, a cidade é

também o lugar onde as diferentes classes sociais vivem e se reproduzem. Desta

forma, o espaço urbano assume uma dimensão simbólica que é, todavia, variável

segundo os diferentes grupos sociais, etários, étnicos, etc. A cidade, desse modo,

está fadada a ser tanto o palco de conflitos crescentes como o lugar geográfico e

político da possibilidade de soluções (SANTOS, 2005).

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O território é um espaço onde se projetou uma ação, seja ela constituída de

energia ou informação, e que revela relações marcadas pelo poder. Esse se

sustenta no espaço, mas não é o espaço. Trata-se de uma produção, devido a todas

as relações que envolvem e se inscrevem num campo de poder, a partir do espaço.

Assim, qualquer projeto no espaço que é expresso por uma representação revela a

imagem desejada de um território (RAFFESTIN, 1993).

Território é derivado das palavras latinas terra e torium – as quais juntas

significam “terra que pertence a alguém” – e compreende um lugar de escalas

variadas no qual os atores, com suas territorialidades, escalas de atuação e redes,

põem em curso processos complexos de interação entre sistemas de objetos e

sistemas de ações (BOZZANO, 2009). Nessa perspectiva,

[...] desde a origem, o território nasce com uma dupla conotação, material e simbólica, pois etimologicamente aparece tão próximo de terra-territorium quanto de terreo-territor (terror, aterrorizar), ou seja, tem a ver com dominação (jurídico-política) da terra e com a inspiração do terror, do medo - especialmente para aqueles que, com esta dominação, ficam alijados da terra, ou no "territorium" são impedidos de entrar. Ao mesmo tempo, por outro lado, podemos dizer que, para aqueles que têm o privilégio de plenamente usufrui-lo, o território pode inspirar a identificação (positiva) e a efetiva "apropriação" (HAESBAERT, 2007, p. 20).

A apropriação, de acordo com Saquet (2011), possui três significados

principais: a) como posse, propriedade, controle, domínio – individual e/ou coletivo –

por sujeitos presentes ou ausentes do espaço apropriado por meio de mecanismos e

mediadores materiais e imateriais; b) denota delimitação, parcelamento, divisão e,

ainda c) uso, influência, interferência e utilização de objetos, instrumentos,

máquinas, ruas, edificações, homens, enfim, do espaço e da natureza. As

apropriações, mais estáveis ou temporárias, dependem das intencionalidades, dos

anseios, das aspirações, dos objetivos, enfim, das relações sociais e das práticas

espaciais, temporais e territoriais, todas concretizadas nas relações entre sociedade

e natureza, materializando-se e/ou imaterializando-se nas paisagens e nos lugares.

Território, desta maneira, na concepção de Haesbaert (1997), deve ser

compreendido não apenas sob uma perspectiva tradicional de poder político – de

dominação e/ou controle político, sob uma perspectiva de apropriação simbólica e

identitária. Nesse sentido, entendemos que o território envolve sempre, e ao mesmo

tempo, porém em diferentes graus de intensidade e correspondência, uma dimensão

simbólica/cultural – através de uma identidade territorial conferida pelos grupos

sociais, como forma de "controle simbólico" sobre o espaço onde vivem, sendo

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também, portanto, uma forma de apropriação – e uma dimensão mais concreta, de

caráter político/disciplinar – a apropriação e ordenação do espaço como forma de

domínio e disciplinarização dos indivíduos (HAESBAERT, 2004, P. 94).

Percebe-se que o território apresenta, além do caráter político, um nítido

caráter cultural, especialmente quando os agentes sociais são grupos étnicos,

religiosos ou outras identidades. Território é, de fato, um importante instrumento da

existência e reprodução do agente social que o criou e o controla. E nos tempos

atuais, território – impregna-se de significados, símbolos e imagens –, que se

constitui em um dado segmento do espaço, via de regra delimitado, que resulta da

apropriação e controle por parte de um determinado agente social, um grupo

humano, uma empresa ou uma instituição (ROSENDAHL, 2005, p. 12933).

Dessa forma, território deve ser visto não apenas sob uma perspectiva de

dominação e/ou controle político, mas também sob uma perspectiva de apropriação

simbólica e identitária, que por sua vez,

[...] é uma identidade social definida fundamentalmente através do território, ou seja, dentro de uma relação de apropriação que se dá tanto no campo das idéias quanto no da realidade concreta, o espaço geográfico constituindo assim parte fundamental dos processos de identificação social. […] De forma muito genérica podemos afirmar que não há território sem algum tipo de identificação e valoração simbólica (positiva ou negativa) do espaço pelos seus habitantes (HAESBAERT, 1999, p. 172).

Portanto, ainda segundo Haesbaert (1999) trata-se de uma identidade onde

um dos aspectos fundamentais para sua estruturação encontra-se na alusão ou

referência a um território, tanto no sentido simbólico quanto no concreto. Deste

modo, a identidade social é também territorial quando o referente símbolo central

para a construção desta identidade parte do ou transpassa o território.

A territorialidade, por sua vez, está intimamente relacionada ao modo como

as pessoas usam a terra, como organizam-se no espaço e como dão sentido ao

lugar, pois, ela é melhor pensada não como algo biologicamente motivada, mas sim

como algo enraizada socialmente e geograficamente. Além disso, o seu uso

depende de quem está influenciando e controlando o quê e quem, nos contextos

geográficos de espaço, lugar e tempo (SACK, 1986).

Portanto, reforça-se que:

[...] a territorialidade para os humanos é uma estratégia geográfica poderosa para controlar pessoas e coisas através de um controle de área. Os territórios políticos e a propriedade privada da terra podem ser as suas

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formas mais familiares, mas a territorialidade ocorre em vários graus e em inúmeros contextos sociais. Ela é usada nas relações do dia-a-dia e nas organizações complexas. [...] é uma expressão geográfica primária do poder social (SACK, 1986, p. 6).

As territorialidades possuem caráter intencional, envolvendo objetivos e

metas, além de estratégias de poder que necessitam, fundamentalmente, ser

apreendidas e explicadas como instantes e processualidades sócio-espaciais-

territoriais. Tais práticas são processos históricos e geográficos de poder,

subordinação, aculturação, identificação, interação, exploração, entre outros

(SAQUET, 2011).

Deste modo, a territorialidade não é apenas "algo abstrato", num sentido que

muitas vezes se reduz ao caráter epistemológico. Ela é também uma dimensão

imaterial, no sentido ontológico de que, enquanto "imagem" ou símbolo de um

território, existe e pode inserir-se efetivamente como uma estratégia político-cultural,

mesmo que o território ao qual se refira não esteja concretamente manifestado

(HAESBAERT, 2007, p. 25).

Apesar de se caracterizar como uma imaterialidade, a territorialidade pode ser

percebida de forma concreta no espaço geográfico a partir das relações contidas

nela e dos comportamentos expressos no território, posto que trata-se de “uma

forma de comportamento espacial” (SACK, 1986, p. 3).

Assim, entendemos a territorialidade, de acordo com a análise realizada por

Saquet (2011), em quatro níveis que se correlacionam: 1) como relações sociais,

identidades, diferenças, nós, disparidades e conflitualidades; 2) como apropriações,

concretas ou simbólicas, do espaço geográfico, implicando dominações e

delimitações; 3) como condutas, intencionalidades, anseios e necessidades e, por

fim, 4) como práticas espaço-temporais, multidimensionais, concretizadas nas

relações entre sociedade e natureza, ou seja, relações sociais dos homens entre si

(de poder) e com a natureza exterior através de mediadores materiais (técnicas,

tecnologias, instrumentos, máquinas, entre outros) e imaterialidades

(conhecimentos, saberes e ideologias). Assim, constatamos que a territorialidade é,

ao mesmo tempo, processual e relacional.

Abordamos em nossa leitura investigativa as relações sociais e

conflitualidades que permeiam a territorialidade dos flanelinhas/guardadores de

carros nos bairros Cidade Alta, Petrópolis e Tirol de Natal-RN, assim como as

formas de apropriação, delimitação e dominação exercidas por esses sujeitos no

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nosso espaço empírico e as condutas e intencionalidades que permeiam essa

territorialidade.

Como vimos no capítulo anterior, diante do descaso por parte do poder

público quanto à regularização ou criminalização efetiva da atividade dos

flanelinhas/guardadores de carros, bem como da omissão quanto à defesa da

legitimidade do espaço público e do direito coletivo sobre esse espaço, os

flanelinhas/guardadores de carros demarcam, loteiam e se apropriam indevidamente

de parcelas do espaço público dos bairros Cidade Alta, Petrópolis e Tirol de Natal-

RN.

Ao se apropriar desses espaços para exercer uma atividade informal que visa

garantir-lhes renda, esses sujeitos impõe aos outros usuários destes espaços as

suas próprias regras e normas, que por sua vez, vão de encontro àquilo que o

espaço público sugere. E o que o espaço público sugere? É na perspectiva de

esclarecer isto que optamos por iniciar este capitulo apresentando uma breve

discussão acerca da noção de espaço público, afim de que, posteriormente, sejamos

capazes de caracterizar o modo como os flanelinhas/guardadores de carros se

apropriam desses espaços nos bairros Cidade Alta, Petrópolis e Tirol de Natal-RN,

bem como os conflitos que são decorrentes de tal prática socioespacial.

Pretendemos discutir estas questões, baseando-se na literatura construída

sobre a noção de espaço público, principalmente as contribuições que tratam desde

a sua origem até a maneira como esse conhecimento se traduz nos dias de hoje.

Em seguida, buscamos apresentar contribuições acerca da dicotomia conceitual do

público versus o privado, visando ampliar a nossa compreensão referente às

apropriações conferidas aos espaços públicos.

Essa discussão se dá na perspectiva de entender como esse espaço está

estruturado e as transformações por quais sua definição passou no decorrer da

evolução da sociedade contemporânea. Essa reflexão nos obriga a pensar o espaço

enquanto um produto, um recurso e uma prática (política, social e simbólica).

Ademais, interessa-nos também, refletir sobre a apropriação, tanto material como

imaterial, que ocorre, frequentemente, nesses espaços, uma vez que no nosso

recorte espacial, bem como em outros espaços públicos, a materialidade e a

imaterialidade estão justapostas e possuem influências recíprocas.

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Aliado a isso, abordamos exemplos concretos de espaços públicos – os

bairros Cidade Alta, Petrópolis e Tirol de Natal-RN, no sentido de uma aplicação

empírica dos conceitos discutidos, buscando elucidar, principalmente, os elementos

característicos da apropriação e controle dos flanelinhas/guardadores de carros,

bem como os conflitos políticos e sociais decorrentes dessa apropriação nesses

espaços.

3.1 Espaços públicos: da origem à definição da noção

Atualmente, muitos estudos tratam da questão do espaço público urbano e

das práticas socioespaciais que se realizam nestes. No entanto, acreditamos que

para se entender a noção de espaço público é necessário antes se entender a que

se refere o termo “público”.

A palavra “público” deriva do latim publicus e enquanto adjetivo possui

inúmeras definições, dentre elas: “Do, ou relativo, ou pertencente ou destinado ao

povo, à coletividade”; “Relativo ou pertencente ao governo de um país”; “Que é do

uso de todos; comum”; “Aberto a quaisquer pessoas”; “Conhecido de todos;

manifesto, notório” ou ainda, “Que se realiza em presença de testemunhas, em

público; não secreto” (FERREIRA, 2004).

O termo “espaço público”, por sua vez, abrange um leque de análises

possíveis, que tratam da sua função, estrutura, caráter semântico, político, social,

simbólico, dentre outros. Ainda assim, pra se entender efetivamente o espaço

público é necessário deixar de lado as análises isoladas e partir para uma

abordagem ampla, que permita contemplar as diversas faces e abordagens

referentes a este termo.

No que diz respeito à concepção da noção espaço público, esta sempre

esteve permeada por distintas definições. Isto se deve, sobretudo, ao fato de, na

área acadêmica, as discussões referentes a estes espaços, serem extremamente

diversas. Diferentes áreas e variadas pesquisas dão conta da questão do espaço

público urbano - principalmente a filosofia, o urbanismo, as ciências sociais e a

geografia -, todavia, isso não esgota a necessidade de novas análises e

abordagens.

De acordo com Valverde (2007) a enunciação mais precisa da noção de

espaço público foi realizada por filósofos, na primeira metade do século XX.

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Contudo, os marcos da origem da ideia que serviram como base para essa

enunciação se encontravam no século XVIII, mais precisamente, nos Estado-Nações

europeus, que demonstravam maturidade e evolução de suas leis, funções e de

seus cidadãos. Nesse sentido, quando se fala na origem de uma esfera pública, faz-

se alusão à transformação do Estado e de suas responsabilidades nesse período.

Nesse sentido, Valverde aponta a necessidade de que:

[...] é preciso compreender que a origem da noção de espaço público se encontra na composição de uma dupla matriz. De um lado, se encontra a inspiração nos seus pensadores e formadores de opinião, que se apoiavam na imagem da cultura clássica grega para conferir um novo sentido aos ideais democráticos que foram criados no passado. Por outro lado, a secularização progressiva da sociedade e as inovações técnicas a partir do século XVIII permitiram o acúmulo de conhecimentos, de riquezas, a realização de obras por parte do poder público e a racionalização e humanização do poder (VALVERDE, 2007, p. 87).

As dificuldades que surgem em detrimento da origem da noção de espaço

público repousam, sobretudo, nos problemas oriundos da separação precisa do que

é público e o que é privado. Além disso, outra dificuldade reside na emergência de

uma dimensão social que se estabelece entre o público e o privado. Desta forma,

este autor ressalta, ainda, que a contribuição da filosofia referente à noção de

espaço público foi marcada, também, por uma tentativa de separação entre as

esferas pública, privada e social (VALVERDE, 2007).

De uma forma genérica, o entendimento sobre essa oposição público/privado,

tão amplamente discutida, costuma repousar na distinção daquilo que é visível por

todos e do que é da ordem da esfera privada, que remete a família/lar. O espaço

privado nesse sentido, diz respeito, basicamente, ao espaço de acesso restrito e

regulado, que não sofre interferência exterior e onde atividades não possuem

visibilidade social. O espaço público, por sua vez, seria o inverso dos elementos

relacionados à noção de espaço privado, ou seja, um espaço de acesso livre/de

todos, que proporciona uma visibilidade social e que confere aos indivíduos total

liberdade de interação e circulação.

De fato, as implicações referentes à fragilidade entre o público e o privado

ainda perduram. Ressaltamos que o espaço público e a esfera pública são termos

relacionáveis, todavia sua definição não deve repousar, simplesmente, na oposição

ao outro. Desse modo, apesar das suas especificidades que lhes são próprias, não

há como entender as dinâmicas que ocorrem no espaço público sem entender a

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constituição da esfera pública e os limites fragilizados entre esta e a esfera privada

desde a queda do Império Romano. (CERQUEIRA, 2013).

Conforme aponta Cerqueira (2013), desde o declínio do Império Romano até

os dias de hoje, a esfera pública e a esfera privada tiveram seus limites fragilizados

e sobrepostos, constantemente. As discussões e atividades eram ambientalizadas

em apenas uma destas. Já na era moderna verifica-se, então, a emergência de uma

outra esfera - a social -, que surge da fluidez dos limites das esferas pública e

privada. Na sociedade moderna, o público e o privado não desfrutam mais do poder

organizador que tinham na antiguidade. A sociedade foi transformando-se ao longo

do tempo até que essa dicotomia (público/privado) cedesse lugar a uma comunidade

onde o destaque das dinâmicas humanas reside na sua dimensão social.

Na interpretação de Valverde (2007) a esfera pública seria caracterizada a

partir de elementos como a política, a igualdade entre os seus participantes e os

valores universais. Nesta esfera, não seriam assentadas as questões locais, mas

sim aquilo que fosse universal. Entretanto, vale salientar que política, igualdade e

universalidade possuíam significados extremamente singulares na Grécia Antiga.

Desta forma, a afirmação indicada pelos gregos de que a esfera pública se

caracterizava pela discussão política admite um significado diferente daquele

verificado nos dias atuais.

Corroborando essa ideia, Cerqueira (2013) assinala que na antiguidade, os

limites da esfera pública e da esfera privada eram consonantes com os limites da

vida política e da vida no lar, respectivamente. Ou seja,

[...] De um lado, a esfera da pólis com as atividades (discurso e ação) relativas a um mundo comum; do outro lado, a esfera do lar, da família e de tudo que fosse relativo a manutenção da vida, a suprir as necessidades. A esfera pública era lócus das atividades nobres, que no contexto, resumia-se à vida política, o ser político era aquele que se devotava inteiramente ao interesse da cidade, desempenhando apenas as atividades mais nobres – o discurso e a ação. Os limites eram impostos de uma esfera para outra, de maneira geral, a esfera pública impunha os limites da esfera privada. Mas apesar de as atividades desenvolvidas nas diferentes esferas sofrerem hierarquização (sobrepondo o discurso e a ação a todas as outras atividades) elas coexistiam numa relação de contrários, mas também de retroalimentação: a existência da esfera privada, do lar, da família, subsidiava e vida na esfera pública (CERQUEIRA, 2013, p. 40).

Nesse contexto têm-se, ainda, a esfera social, caracterizada, principalmente,

pelos anseios e necessidades sociais que deveriam ser satisfeitas através do

trabalho e atividades manuais que visassem garantir a sobrevivência. Assim, por um

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lado o Estado passou a intervir mais diretamente em assuntos relacionadas a esta

esfera, abrindo caminhos para que estas necessidades fossem transformadas em

políticas públicas, obras e reformas. E por outro lado, a família passou a ter uma

menor representatividade nos assuntos privados de um indivíduo, possibilitando uma

abertura maior para que este último participasse da construção de uma esfera social

(VALVERDE, 2007). Ainda nessa perspectiva,

[...] a esfera social exerce hoje uma grande influência sobre a esfera pública, pressionando a sua estrutura jurídica, modificando os seus espaços, estabelecendo dinâmicas informais e lutando por interesses que não estão vinculados a pretensa universalidade da esfera pública. Essa esfera também pressiona a esfera privada, quebrando o isolamento da família e participando diretamente da maneira como a personalidade se forma. Ao exercer essas forças na esfera social, a sociedade cria laços com a esfera pública e a esfera privada, mantendo atualizado o ordenamento político, mas comprometendo o alcance de suas atividades, pois vincula os seus resultados com as necessidades de diferentes grupos sociais

(VALVERDE, 2007, p. 96-97).

Percebemos assim, que a filosofia preocupou-se, substancialmente, com os

estudos referentes à noção de espaço público relacionando-os a estudos abstratos

de uma ordem política, não conseguindo desenvolver, significativamente, o estudo

do espaço público enquanto espaço físico/concreto. Deste modo, deixando um

pouco de lado essa discussão filosófica e partindo para análise do espaço público

por seus elementos, características e dinâmicas próprias, podemos apontar que

algumas ciências tiveram a preocupação de priorizar o estudo da noção do espaço

público a partir da dimensão concreta deste, como é caso do urbanismo, por

exemplo.

No que se refere à concepção urbanística acerca da noção de espaço

público, Valverde (2007) aponta que a simples representação do conjunto de formas

de um determinado espaço deixa der ser, obrigatoriamente, o ponto de partida de

um projeto arquitetônico. Apesar desta representação ainda merecer destaque, uma

das características marcantes do urbanismo se refere à relativização da importância

da estética e da forma. Isto porque, nessa perspectiva de estudo, a forma do espaço

público passou a ser concebida através da função que este irá desempenhar e dos

usuários a qual este espaço irá servir.

A característica reflexionada nos remete ao fato de que a abordagem do

urbanismo acerca da noção de espaço público busca suprir a visão anterior, e

simplista, de que o arquiteto seria responsável por uma análise voltada,

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basicamente, à ornamentação do espaço. Agora, esta análise vai além, está muito

mais vinculada ao planejamento e delineamento da cidade buscando qualificar e

sinalizar os espaços públicos a partir da sua importância e a usabilidade do ponto de

vista, principalmente, da população.

A perspectiva do urbanismo acerca do espaço público se organizou por meio

do ordenamento do espaço físico/concreto e de sua indicação de uso e importância.

Além disto, procurou contribuir com uma lógica de ação que se constituía de

técnicas e valores estéticos, definidos a partir do ponto de vista do indivíduo ou

grupos, e não mais com base nos projetos do Estado e da burguesia. Assim, o

espaço público, sob o viés urbanístico, buscava atribuir “maior controle sobre a vida

social que se desenrolava nas cidades, tentando estabelecer as condições para que

a situação de atraso, congestionamento e falta de higiene do urbano no século XIX

pudesse ser superados [...]” (VALVERDE, 2007, p. 110).

Portanto, essa lógica de ação, proposta pelo urbanismo, delineava e

ordenava o espaço público com base nas motivações e necessidades sociais e

coletivas, deixando de lado os anseios e decisões particulares. Concebe, Valverde

(2007), que a noção de espaço público sugerida pelos urbanistas teria suma

importância pelo fato de instituir que o conjunto de formas de um determinado

espaço tem influência sobre a dinâmica social que ali se desenrola. Assim,

[...] chamamos atenção para o fato de que os espaços públicos não são desenvolvidos como uma extensão de outro projeto, de outro debate, mas sim a partir de uma construção intencional. Não é a construção de um novo lugar no qual a política institucional vai se desenrolar que caracteriza a perspectiva urbanística da noção de espaço público: são as praças, largos, áreas comuns que ganham tratamentos em suas formas no intuito de receber determinados usos e destacar certos significados, usando para tanto objetos que já se encontrariam presentes na localidade e acrescentando outros mais apropriados a nova ordem desejada (VALVERDE, 2007, p. 104-105)

Ressaltamos que a abordagem urbanística trata a noção de espaço público

enquanto um espaço físico/concreto, diferentemente da filosofia, onde a discussão

pautava-se, sobretudo, num teor abstrato de ordem política e nas dinâmicas

comunicativas, nos atores e na lógica geral do espaço público.

Estes dois campos do conhecimento são, de certo modo, os precursores da

concepção de espaço público. Porém, outros campos do conhecimento também

trabalharam esta noção e se tornam imprescindíveis para a continuidade desta

discussão, uma vez que nos apresentam características que se assemelham e

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diferem das já apresentadas, porém com ideias mais atuais e voltadas para aquilo

que, efetivamente, tomamos como espaço público neste trabalho. Assim é o caso

das ciências sociais e da geografia.

Adotamos a noção de espaço público enquanto categoria de análise

geográfica, na tentativa de compreender os espaços públicos dos bairros Cidade

Alta, Petrópolis e Tirol de Natal-RN (recorte empírico deste trabalho), e suas práticas

socioespaciais - especificamente a apropriação dos flanelinhas/guardadores de

carros sobre o espaço público destes bairros - a fim de sermos capazes de

caracterizar esta apropriação, bem como os conflitos que são decorrentes - e

próprios - de tal prática socioespacial, neste determinado espaço.

3.2 O espaço público na perspectiva das Ciências Sociais e da Geografia

Sob a ótica das ciências sociais, os espaços públicos são concebidos como

lugares que possibilitam tipos de interações específicas e diferentes daquelas

observadas nos espaços privados. Logo, nos espaços públicos, esta interação

repousa na tendência a se submeter a certas situações sociais. Dentre estas

situações, podemos tomar como exemplo a exposição a diferentes pessoas - posto

que se trata de um espaço aberto a todos - e a algumas convenções - como

respeitar o direito do outro ao uso desse mesmo espaço. Neste espaço, as

hierarquias e as diferenças sociais são efêmeras e relativamente suspensas, uma

vez que neste predomina a igualdade de direitos no que concerne a utilização e à

apropriação do espaço (ANDRADE; JAYME; ALMEIDA, 2009).

De acordo com Castro (2002) essa noção de público não é inerente a um

espaço, mas sim a uma construção política e social que deriva da combinação de

diversos fatores, sobretudo dos usos atribuídos; da acessibilidade; do sentido que é

conferido por certo grupo social; do reconhecimento/reencontro; da tensão entre o

estrangeiro/anônimo; e da dialética entre proximidade e distância física e social.

Indovina (2002) chama atenção para a alusão ao espaço público não no

sentido mais restrito do termo, mas sim na perspectiva de uso público. Ou seja, a

atenção passa a voltar-se mais na função e menos na propriedade/gestão a qual,

nesta lógica, pode ser tanto pública quanto privada.

Quando se faz referência ao espaço de uso público, pode-se levar em

consideração as seguintes características: a propriedade (se pública ou privada); o

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custo de acesso (se gratuito ou pago); os limites de uso (se ilimitado ou limitado; à

duração; se específico a certos grupos de cidadãos; entre outros); as restrições do

seu uso (se permitido falar ou não; fotografar ou não; entre outros) (INDOVINA,

2002).

Ao agregarmos os parâmetros expostos à universalidade do uso, os espaços

de propriedade pública, de acesso gratuito e ilimitado, que não se restringem a

determinados grupos de cidadãos serão os espaços que melhor representam a

noção de espaço público. Em oposição, um espaço de propriedade privada, com

acesso pago e limitado, que apresentam fortes restrições de uso, se constitui - em

relação ao primeiro - como um espaço privado (INDOVINA, 2002).

Cabe ressaltar que o critério da acessibilidade se baseia no subentendimento,

de uma forma genérica, de que é o livre acesso e circulação no espaço que confere

a este a qualidade de público. Enquanto que, em contraposição, a restrição e o

condicionamento desse acesso e circulação no espaço, é o que confere a este a

qualidade de privado.

Andrade, Jayme e Almeida (2009) chamam atenção para o fato de que o

espaço só se torna público a partir das ações que dão sentido a determinados

espaços e que, por sua vez, também são influenciadas por estes. Dessa maneira,

essa reflexão

[...] não se volta para a dimensão da esfera pública como “espaço” – não necessariamente físico – de expressão da vida pública, próprio de uma sociedade democrática, como as câmaras e assembléias, os conselhos, as associações e os movimentos populares. Embora essa distinção [...] seja importante, cabe registrar que tais dimensões não são excludentes, até porque o espaço público mantém suas qualidades de esfera pública. Mas trata-se aqui de priorizar a investigação dos tipos de sociabilidade e de controle existentes nos espaços públicos da cidade, onde se desenrola a vida cotidiana de seus cidadãos. (ANDRADE; JAYME; ALMEIDA, 2009, p. 133).

Em suma, os espaços públicos, na compreensão dos cientistas sociais, são

lugares que representam a vida e a história das cidades; lugares de convivência que

proclamam estilos de vida, relações de poder e formas de apropriação por diferentes

grupos sociais e que se constituem, assim, como lugares segmentados, identitários

e simbólicos (ANDRADE; JAYME; ALMEIDA, 2009).

Diante do exposto até o momento, percebemos que a proposta de um modelo

concebido e as discussões acerca da noção de espaço público marcou

consideravelmente diversos campos do conhecimento, principalmente a partir do

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embasamento fornecido pela filosofia e pelo urbanismo nos séculos XIX e XX. É a

partir deste marco que diversos estudos surgiram, no sentido de questionar, criticar

e, principalmente, contribuir com novos elementos, como é o caso das Ciências

Sociais, já apresentado, e da Geografia, que veremos a seguir, a qual também se

preocupou em refletir e dispor sua contribuição referente à noção de espaço público.

Conforme aponta Valverde (2007) a perspectiva expressa pela geografia

busca se colocar entre as abordagens filosófica e urbanística - apresentadas

anteriormente -, estabelecendo, desta maneira, uma nova contribuição. Nesta, a

articulação entre política e planejamento se manifesta a partir da perspectiva

espacial. Faz-se saber que a abordagem geográfica se fragmentou em duas linhas

importantes.

Segundo Valverde (2007, p. 136-138) aquela é caracterizada pelo

republicanismo, pela nostalgia e pela funcionalidade do espaço público. Referimo-

nos ao republicanismo, aludindo a uma ampla tradição intelectual que agrupa

filósofos, urbanistas, cientistas políticos e cientistas sociais. As discussões

apresentadas sob essa perspectiva repousam na defesa do papel do espaço para a

organização da vida política, para a sua significação e para a sua renovação. Esse

ponto de vista se caracteriza, ainda, pela defesa e conservação de certos valores e

comportamentos, evitando a perda do seu sentido original e a deterioração do seu

poder de intermediação entre Estado e sociedade. Sob essa lógica, o espaço

público é concebido como matéria não apropriável, ainda que possa ser usado como

espaço de representação, contanto que os princípios democráticos não sejam

feridos.

Já a segunda linha, assinalada por Valverde (2007), é caracterizada pelo

discurso marxista, no qual o espaço público é percebido enquanto um campo de

forças no qual a luta de classes ganha lugar, ansiando alcançar uma revolução

política e social. Nessa conformação, o espaço público é proclamado enquanto uma

“arena privilegiada através da qual os grupos excluídos e marginalizados ganhariam

visibilidade, se articulariam e agiriam em prol do reconhecimento dos seus direitos e

da sua força” (VALVERDE, 2007, p. 148).

Apesar das diferenças na designação da noção de espaço público e dos

fenômenos que nele se manifestam, os geógrafos republicanos e marxistas

concordam em alguns pontos:

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[...] Em primeiro lugar, ambas as tendências consideram o espaço público fundamentalmente através de seu caráter político, seja este marcado por uma valorização de suas instituições e ritos formais, seja este colocado em destaque pelos movimentos sociais de contestação. Em segundo lugar, republicanos e marxistas vêem uma crise latente nesse tipo de espaço, fato que é derivado de um desvio da publicidade de seus objetivos e atribuições originais. Em terceiro lugar, apesar de sua crise, tanto republicanos quanto marxistas julgam que é através do espaço público que será possível realizar uma renovação do pacto entre sociedade e Estado (VALVERDE, 2007, p. 160).

Especificamente ao contexto brasileiro, as bases ”geográficas” para análise

do espaço público repousam, principalmente, no estudo precursor de Gomes (2002)

que busca compreender o espaço público na cidade contemporânea e apresentar

uma contribuição geográfica para este entendimento. Em sua análise, associa as

noções de espaço público e cidadania e ressalta, ainda, o papel do Estado na

configuração do espaço público urbano. Ademais, defende a ideia de que na

geografia, as pesquisas voltadas à noção de espaço público devem orientar-se pelo

aspecto concreto/físico destes espaços, não deixando de lado, ao mesmo tempo, as

práticas e dinâmicas sociais que nestes se desenrolam.

Segundo Gomes (2012), o termo “espaço público” vem sendo utilizado, nas

mais variadas áreas de estudo e contextos. Sob essa perspectiva, alguns críticos se

utilizam dessa diversidade para disseminar dúvidas sobre a pertinência da utilização

deste termo tão complexo. Aponta ainda, que na base deste problema está a

questão do uso, pois a partir deste têm-se dois tipos de compreensão do espaço

público:

[...] no primeiro, há uma referência concreta a uma área física (praças, ruas, jardins, equipamentos etc.) e uma preocupação de planejamento urbano; já no segundo tipo, a referência é a um espaço abstrato, teórico, fundamento da vida política e democrática, objeto de análise da ciência política. Assim, por um lado, planejadores e urbanistas tendem a evitar a discussão propriamente política ou tratá-la de forma simplista; por outro, os cientistas políticos estão propensos a trabalhar a ideia do espaço público como uma esfera abstrata e imaterial. Dificilmente, essas duas dialogam ou se interligam em um mesmo discurso (GOMES, 2012, p. 19-20).

Serpa (2004) assinala que essa questão é pertinente, contudo ressalta a

notória dificuldade que muitos pesquisadores têm em relacionar os elementos

políticos e sociais de uma esfera pública urbana às características estruturais e

formais dos espaços públicos concretos. Assim, na análise geográfica do espaço

público urbano, forma e conteúdo são indissociáveis, uma vez que são - ao mesmo

tempo - produtos e processos, e uma discussão sobre este tema ocorre,

fundamentalmente, pela complexa articulação entre os aspectos que conferem

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“concretude” à esfera pública urbana e aqueles de caráter mais abstrato, que

demonstram necessidade de uma abordagem subjetiva do problema.

De acordo com Serpa (2004) uma abordagem desse tipo necessita basear-se

na discussão da noção de ação política e cidadania e, falando mais propriamente

em uma noção geográfica, passa também pela análise da acessibilidade. Esta não é

unicamente física, mas igualmente simbólica, e a apropriação dos espaços públicos

urbanos apresentam efeitos que transpõem o delineamento físico de ruas, parques,

praças, entre outros.

A acessibilidade se encontra intimamente vinculada “a demarcação dos

territórios urbanos, à alteridade, contrapondo uma dimensão simbólica (e abstrata) à

concretude física dos espaços públicos urbanos” (SERPA, 2004, p. 22). Nesse

sentido, se o adjetivo “público” se refere a uma acessibilidade incondicional e

generalizada, espera-se que um espaço acessível a todos signifique algo além do

simples acesso físico a espaços “abertos” e de uso coletivo.

Temos clareza que, apresentar uma definição exata acerca da noção de

espaço público é profundamente difícil. Isto porque, trata-se de um termo complexo,

abordado por diversos campos do conhecimento sob os mais diferentes contextos.

No entanto, entendemos que o espaço público assume diferentes formas e funções

e deve ser concebido, como o espaço da diferença, dos conflitos, mas também, das

possiblidades, das identificações e da transformação socioespacial. É um espaço,

seja material ou imaterial, construído por diversos agentes e através de diferentes

dinâmicas.

Nesse sentido, Loboda (2009) define os espaços públicos na cidade

contemporânea enquanto expressão de um espaço em constante redefinição. Desta

forma, estes espaços ora se mostram enquanto locais relegados ao esquecimento

através da perda de algumas de suas principais funções (encontro; convivência;

interação) ou por assumirem funções diferentes; e ora se evidenciam através de

políticas de promoção destes espaços, enquanto locais de espetáculo na cidade

moderna a partir de imagens simbólicas que lhes são particulares na relação

espaço-tempo. Este autor, ressalta, também, o contrário, ou seja, o espaço público

como expressão do processo de produção da cidade, das suas contradições e

conflitos. Sob esta perspectiva, este espaço torna-se o lugar das possibilidades, do

ato político, da intervenção, da reivindicação e do improviso.

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Consideramos o espaço público, assim como o expresso por Gomes (2012),

enquanto lugar onde os problemas são evidenciados e significados, um terreno onde

se exprimem e experimentam tensões. Nesse, o conflito se transforma em debate, e

a problematização da vida social é posta em cena. Esse espaço se constitui, por

isso, em uma arena de debates, e também em um terreno de reconhecimento e de

inscrição dos conflitos sociais. Por isso, os espaços públicos são marcadores

fundamentais da transformação social.

Essas implicações são de fundamental importância nas atuais circunstâncias,

pois permitem que compreendamos os espaços públicos não apenas a partir de

elementos concretos da estrutura da cidade, mas também a partir dos seus usos,

formas e apropriações, já que, nos espaços públicos, experimentam-se diversas

manifestações.

Em suma, o olhar geográfico sobre o espaço público deve levar em

consideração tanto a sua configuração física, como o tipo de práticas e dinâmicas

sociais que nele se desenvolvem. É sob essa lógica que entendemos que a

“concretude” das formas nada mais é do que o resultado/produto das práticas

socioespaciais num determinado espaço-tempo. Desta forma, este espaço passa a

ser visto como um conjunto indissociável entre as formas e as práticas sociais

(GOMES, 2002, p. 172).

Aponta Serpa (2009), dois pontos importantes na definição de espaço público.

O primeiro, diz respeito a sua representação subjetiva e cultural, que se articula à

análise entre os espaços públicos, a sociabilidade e o resultado desta articulação na

apropriação desses espaços na contemporaneidade; Sob essa perspectiva, este

autor acrescenta que o espaço público é, também, “espaço simbólico, da reprodução

de diferentes ideias de cultura, da intersubjetividade que relaciona sujeitos e

percepções na produção e reprodução dos espaços banais e cotidianos” (SERPA,

2007, p. 9). Já o segundo ponto, por sua vez, se refere ao espaço público enquanto

mercadoria, sentido que se conforma com o atual cenário urbano.

Analisa Cerqueira (2013, p. 86), “não há como falar em espaço público na

contemporaneidade sem mencionar a influência do consumo nessa dinâmica”. Isto

porque, as relações capitalistas foram incorporadas, de tal forma, aos valores e

costumes, que acabou gerando consequências na forma de compreensão e

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apropriação do espaço público. O consumo, por seu turno, passou a determinar

formas e projetos no espaço.

Com base nesta acentuação do consumo, Lopes (2012) afirma que essa nova

forma de mercantilização do espaço urbano desmonta, em certa medida, a

percepção de espaço público enquanto responsabilidade exclusiva do Estado e

limita-o às funções de conservador dos direitos individuais e da ordem social. Já o

setor privado, enquanto assegurador das ações do consumo, passa a conciliar e

satisfazer certas necessidades individuais e particulares.

Nesse sentido, a legitimidade do Estado enquanto órgão conservador da

justiça comum e da ordem social se fragiliza, uma vez que a não representação do

interesse coletivo em detrimento do interesse particular deslegitima as ações

estatais diante da sociedade que, nessa conformação, não se identifica,

representativamente, com a política estatal (LOPES, 2012).

Parece inapropriado e até difícil de acreditar quando se fala em

mercantilização de espaços públicos. No entanto, nos bairros Cidade Alta, Petrópolis

e Tirol de Natal-RN este contexto se materializa a partir das práticas socioespaciais

e da apropriação dos flanelinhas/guardadores de carros. Isto porque, apesar de não

existir nenhum documento que assegure a posse de determinado espaço público ao

flanelinha/guardador de carros, e muito menos que o possibilite a negociação de tal

espaço - uma vez que se trata de um espaço púbico, que como já vimos é um

espaço de todos, de uso coletivo, de encargo do Estado quanto à gestão e

manutenção - a compra/aluguel de espaços apropriados por estes sujeitos, nestes

bairros, são mais comuns do que imaginamos.

Alguns flanelinhas/guardadores de carros relataram, durante as nossas

entrevistas, que adquiriram o seu “pedaço” a partir da compra do que antes era o

“pedaço” de outro flanelinha/guardador de carros (em uma das entrevistas

realizadas o flanelinha/guardador de carros informou que na época, há uns 20 anos

atrás, pagou 800 reais pela compra do espaço no qual trabalha hoje). Outros

relataram, ainda, que às vezes alugam o seu “pedaço”, sob a forma de diária,

quando não podem ir trabalhar (por qualquer motivo); e, até mesmo, que diversas

vezes já receberam propostas de compra daquele determinado espaço (entre as

proposta mencionadas, o valores variaram de 1.000 a 3.500 reais). Nesta lógica,

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torna-se, mais que evidente, a mercantilização do espaço público, conforme reflexão

realizada.

Desta forma, a lógica formal e de distribuição dos espaços públicos, bem

como sua apropriação, passam a acompanhar a lógica mercantilista. Assim sendo, o

espaço público passa a ser “mercadoria para o consumo de poucos, dentro da lógica

de produção e reprodução do sistema capitalista na escala mundial” (SERPA, 2007,

p.9).

Segundo os apontamentos de Lopes (2012) as individualidades intrínsecas

aos sujeitos podem ser percebidas ao longo do seu processo de socialização e, de

maneira mais visível, quando se pensa as diversas formas de uso dos espaços

estabelecidas por estes sujeitos. Estes usos demarcam territórios, padronizam

comportamentos e códigos de conduta, criam identidades, dentre outros. Nesse

sentido, estes traços que podem ser percebidos, sobretudo, a partir de uma análise

do cotidiano.

Nessa perspectiva, o cotidiano não diz respeito apenas às atividades

rotineiras e/ou a atos isolados, pois no cotidiano se efetivam as coações e se geram

as possibilidades. Desse modo, por um lado, o cotidiano institui a tendência global

da propagação do consumo de massa e a incursão de um estilo de vida associado a

valores do consumo e das necessidades criadas e, por outro lado, abrange a

possibilidade de superação, de insurgências e da criação do novo (CARLOS, 1996).

Assim, os espaços públicos e a relação público/privado são considerados,

neste trabalho, principalmente, como produtores e produtos da apropriação. Nesse

sentido, os bairros Cidade Alta, Petrópolis e Tirol de Natal-RN – e mais

especificamente as suas ruas –, enquanto espaços públicos, permitem analisarmos

a interação público-privado na apropriação pelo uso definido nas práticas cotidianas.

Entendemos que a rua se constitui enquanto um dos principais exemplos de

espaço público estruturante da cidade. A palavra “rua” significa “[...] do latim ruga,

posteriormente sulco, caminho. Via pública para circulação urbana, total ou

parcialmente ladeada de casas” (FERRREIRA, 2004). Apesar de apresentar,

etimologicamente, uma definição tão simples, ela é um dos mais importantes

elementos da morfologia urbana e para a realização da vida social.

A rua é um espaço multifuncional. Isto porque, suas funcionalidades existem,

porém não são exclusivas e/ou únicas. Possivelmente é o único lugar onde o ócio, a

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ação inespecífica, ou, até esmo, a simples observação se confunde com um

comportamento funcional sem que haja a necessidade de se declarar sua intensão.

Ao mesmo tempo, a presença nela pode ser justificada a partir de inúmeras

possibilidades. A simples presença nela já confere uma imediata legitimidade. Deste

modo, entendemos que “a rua pode ser vista como a unidade fundamental e mínima

desse homem público” (GOMES, 2012, p. 27).

Loboda (2009, p. 36) apregoa que as práticas socioespaciais ganham

sentidos a partir dos usos executados, vivenciados e percebidos pelos diferentes

indivíduos sociais, seja através das situações mais comuns como o simples passar,

ou por meio das práticas nas quais a relação do sujeito com o espaço público se

mostra de forma mais incisiva através do seu uso e apropriação para necessidades

diárias. De tal modo, as práticas socioespaciais são intermediárias da apropriação

da cidade ou parte dela, incluindo os espaços públicos.

3.3 Apropriação de parcelas do espaço público dos bairros Cidade Alta,

Petrópolis e Tirol de Natal-RN por flanelinhas/guardadores de carros

Nessa conjuntura, as análises referentes à apropriação procuram examinar a

sua relação com o cotidiano e as possibilidades de transformação a partir da

apropriação dos espaços públicos. É nessa perspectiva que, neste trabalho,

abordaremos a noção de apropriação no sentido de apropriação dos espaços

públicos, através do uso, para a realização da vida das pessoas no seu cotidiano.

Desta forma, as relações entre a produção e apropriação desses espaços pelo uso

podem ser lidas na horizontalidade, como uma metáfora aos percursos das pessoas

no espaço, as quais em seu dia-a-dia, constroem - e são construídas -, modificam - e

são modificadas - e dão – encontram - sentidos ao (no) espaço público (SOBARZO,

2006).

Na interpretação deste autor,

[...] os usuários e as suas maneiras de se apropriar do espaço constituem uma superação da racionalidade planejada e dominante que tenta se impor na cidade. O espaço da apropriação é o espaço do usuário; o espaço do vivido. A vida cotidiana remete à relação entre espaços de representação (vividos, concretos, subjetivos, apropriados) e as representações do espaço (abstratas, objetivas, dominadoras) (SOBARZO, 2006, p. 104).

A apropriação, de acordo com Saquet (2011), possui três significados

principais: a) como posse, propriedade, controle, domínio – individual e/ou coletivo –

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por sujeitos presentes ou ausentes do espaço apropriado por meio de mecanismos e

mediadores materiais e imateriais; b) denota delimitação, parcelamento, divisão e,

ainda c) uso, influência, interferência e utilização de objetos, instrumentos,

máquinas, ruas, edificações, homens, enfim, do espaço e da natureza. As

apropriações, mais estáveis ou temporárias, dependem das intencionalidades, dos

anseios, das aspirações, dos objetivos, enfim, das relações sociais e das práticas

espaciais, temporais e territoriais, todas concretizadas nas relações entre sociedade

e natureza, materializando-se e/ou imaterializando-se nas paisagens e nos lugares.

A apropriação confere significado ao espaço público, relacionando as esferas

do público e do privado. Nesse sentido, a apropriação se constitui enquanto um

prolongamento do privado no público - que se efetua a partir do uso -, e de uma

“privatização corporal”, uma vez que é efetuada pelo corpo do individuo que se

estende da casa (espaço privado) e vai “conquistando” para seu uso, realização da

vida e reprodução, uma parcela do espaço público (“pedaços” da cidade, a

exemplo), determinados por suas trajetórias (SOBARZO, 2006). Ainda segundo este

autor, isto demonstra o descaso com a esfera do público, uma vez que essas

atitudes são alimentadas pela concepção - do senso comum - do público enquanto

uma terra de ninguém e/ou como aquilo que é do Estado e do qual é permitido tirar

vantagem.

Nessa perspectiva, compreendemos que os espaços públicos dos bairros

Cidade Alta, Petrópolis e Tirol de Natal-RN estão inseridos num contexto do

cotidiano da cidade, que expressam contradições, lutas, conflitos e possibilidades.

Trata-se de um espaço que se manifesta, extremamente, complexo e que vai muito

além do que a concepção contrastante público/privado pode conceber.

É de suma importância, refletir sobre a apropriação do bairro enquanto uma

experiência coletiva que gera a sensação pertencimento – nosso bairro, nossa

praça, nossa rua, nosso lugar, nosso “pedaço”. Essa apropriação admite sair do

corpo e da casa para a comunidade. Além disso, “permite o reconhecimento, que

não se esgota no fato de se reconhecer diferente, mas a partir disso ser capaz de

perceber a injustiça dessa diferença, produto dos conflitos expressos no espaço

urbano” (SOBARZO, 2006, p. 107-108).

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3.3.1 Perfil dos flanelinhas/guardadores de carros que se apropriam de parcelas do

espaço público dos bairros Cidade Alta, Petrópolis e Tirol de Natal-RN

É importante apresentar uma breve caracterização desses

flanelinhas/guardadores de carros, para que possamos, dentre outras coisas,

entender as motivações e os objetivos que estão por trás da realização desta

atividade e, da consequente/possibilitadora, apropriação.

Os flanelinhas/guardadores de carros dos bairros Cidade Alta, Petrópolis e

Tirol de Natal-RN observados em nossa pesquisa7, são exclusivamente homens,

com idade (em sua maioria) superior aos 40 anos (gráfico 4). Aproximadamente 77%

destes sujeitos estão fora da faixa etária, usualmente, aceita no mercado de

trabalho, o que dificulta, significativamente, a busca por um emprego formal. Fato

este, que eles mesmos salientaram nas entrevistas como sendo um dos motivos

pelos quais não conseguem e/ou não buscam, na atualidade, um trabalho “formal”.

Gráfico 2: Faixa etária dos flanelinhas/guardadores de carros

Fonte: Pesquisa de Campo (2016)

Esses flanelinhas/guardadores de carros são, ainda, chefes de família e,

desta forma, os principais – senão únicos – responsáveis pela renda familiar (gráfico

5).

7 As entrevistas foram realizadas com 30 flanelinhas/guardadores de carros dos bairros Cidade Alta,

Petrópolis e Tirol de Natal-RN

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Gráfico 3: Participação na renda familiar

Fonte: Pesquisa de Campo (2016)

Não possuem qualificação escolar - 80% dos entrevistados não possuem nem

o Ensino Fundamental I completo (gráfico 6) - ou mesmo profissional, requerida para

outros tipos de atividades e, principalmente, para os empregos ditos “formais”.

Gráfico 4: Grau de instrução dos flanelinhas/guardadores de carros

Fonte: Pesquisa de Campo (2016)

Entretanto, mesmo diante das dificuldades enfrentadas, seja pela idade, pela

falta de qualificação ou por tantos outros motivos, estes sujeitos encontram na

atividade de flanelinha/guardador de carros, que não requer qualquer qualificação

profissional, a possibilidade de realização/satisfação de suas necessidades.

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Apenas 7% dos flanelinhas/guardadores de carros afirmaram possuir

cadastro, na 1ª DP, para exercer a atividade, apesar da maioria dos

flanelinhas/guardadores de carros estarem nessa atividade e atuando no mesmo

local há bastante tempo, entre 10 e 40 anos (gráfico 7). Isto nos remete ao fato de

que a atividade, bem como sua presença nos bairros Cidade Alta, Petrópolis e Tirol

de Natal-RN, é bastante antiga. Tão antiga que a imagem de muitos destes sujeitos

já está cristalizada nos espaços por eles apropriados. Ao mesmo tempo, torna-se

mais nítida, a omissão e o descaso do Estado diante dessa apropriação indébita e

da situação socioeconômica destes indivíduos que perdura por tanto tempo sem

qualquer ação de coibição e/ou redirecionamento destes sujeitos para outros postos

de trabalho ou, mesmo, para programas de assistência social.

Gráfico 5: Tempo na atividade de flanelinha/guardador de carros

Fonte: Pesquisa de Campo (2016)

Por outro lado, ressaltamos que, muitos destes flanelinhas/guardadores de

carros já exerceram outras atividades antes desta, como, por exemplo: Auxiliar de

Serviços Gerais (ASG); agricultor; jardineiro; pescador; servente de pedreiro;

embalador; maqueiro; conferente de carros; entre outros. Constatamos que, 70%

destes sujeitos exerciam atividades profissionais com carteira assinada, mas diante

da baixa renda obtida com o trabalho, do desemprego, dentre outros fatores

apresentados por eles nas entrevistas, acabaram tendo que procurar outros meios

para se manter.

Diante disto, 27% dos flanelinhas/guardadores de carros entrevistados

explicaram que optaram por esta atividade por falta de emprego no mercado de

37%

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trabalho “formal”. Enquanto isso, 53% dos entrevistados expôs que escolheu esta

atividade por opção própria, pelo simples fato de ser uma atividade mais rentável,

flexível e de serem seus próprios chefes (gráfico 8).

Gráfico 6: Atribuição à escolha pela atividade de flanelinha/guardador de carros

Fonte: Pesquisa de Campo (2016)

Ademais, 53% destes flanelinhas/guardadores de carros, exercem outras

atividades para complementar a sua renda mensal. Ou seja, quando não estão

trabalhando como flanelinha/guardador de carros (sobretudo, nos finais de semana),

trabalham, principalmente, fazendo “bicos” e como vendedor ambulante nas praias

da cidade, uma vez que durante o final de semana não há relevante movimento nos

bairros Cidade Alta, Petrópolis e Tirol de Natal-RN.

3.3.2 Características da apropriação de parcelas do espaço público dos bairros

Cidade Alta, Petrópolis e Tirol de Natal-RN pelos flanelinhas/guardadores de carros

Neste tópico, identificamos e caracterizamos - a partir da pesquisa de campo

e da discussão posta até o presente momento - alguns aspectos da configuração

urbana dos espaços públicos dos bairros Cidade Alta, Petrópolis e Tirol de Natal-RN

que influenciam, facilitam e possibilitam a apropriação dos flanelinhas/guardadores

de carros, percebida em determinados espaços destes bairros. Estes aspectos

dizem respeito, sobretudo, a elementos como: localização; infraestrutura; usos e

27%

53%

Falta de emprego formal nomercado de trabalho

Falta de oportunidade

Escolha própria

20%

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funcionalidades; fluxo/circulação; dentre outros; que merecem destaque neste

trabalho.

Em primeiro lugar, compreendemos assim como Albagli (2004), que dar nome

ao território se constitui como uma das primeiras características de apropriação. A

partir desta nomeação se identifica o território e se transmite sua existência aos

outros, fazendo referência a uma porção específica da superfície terrestre. Assim é

com os flanelinhas/guardadores de carros, entendemos que ao tomarem o termo

“meu pedaço” para designar determinado espaço, já se verifica um teor de posse

nessa nomeação, que, por sua vez, proporciona sensação de intimidade e

familiarização entre este sujeito e o território, bem como um incômodo e/ou

estranhamento entre os demais membros da sociedade e este espaço específico (o

“pedaço” de alguém).

Constatamos, também, que a localização de determinado espaço público no

bairro é um dos elementos que merece destaque no processo de apropriação para a

atividade dos flanelinhas/guardadores de carros. Isto porque, a proximidade do

espaço apropriado ao bairro de residência do sujeito - que se locomove, em boa

parte, a pé ou de bicicleta (fotografia 1) entre a casa e o “local de trabalho” -, bem

como a proximidade deste espaço a estabelecimentos comerciais e de serviços

(fotografia 2 e 3) - que determinam a rotatividade naquele espaço -, são exemplos

de fatores que vão contribuir ou não para a atratividade de determinado espaço e,

consequentemente, sua apropriação.

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Fotografia 1: Meio de transporte e objetos pessoais do flanelinha/guardador de carros na Rua Campos Sales (Tirol)

Fonte: Pesquisa de Campo (2016)

Foto: Acervo da autora (2016)

Fotografia 2: Instituto de radiologia localizado entre a Avenida Afonso Pena e a Rua Jundiaí (Tirol): apontado como um dos estabelecimentos que promove elevada

rotatividade de automóveis nas proximidades da sua localização.

Fonte: Pesquisa de Campo (2016)

Foto: Acervo da autora (2016)

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Fotografia 3: Cardioclínica localizada na Rua Jundiaí (Tirol): apontado como um dos estabelecimentos que promove elevada rotatividade de automóveis nas

proximidades da sua localização.

Fonte: Pesquisa de Campo (2016)

Foto: Acervo da autora (2016)

Outro fator que pode ser elencado é a infraestrutura do espaço a ser

apropriado - se comporta ou não vagas para estacionamento, se possui amenidades

(como árvores que forneçam sombra) (fotografia 4), se possui acesso a água e/ou

possibilidade de instalação (fotografia 5), dentre outros -, uma vez que estes

possibilitarão ou não o desenvolvimento da atividade de flanelinha/guardador de

carros.

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Fotografia 4: Espaço público da Rua Rodrigues Alves (Petrópolis) constituído por área de estacionamento e amenidades (árvores-sombra).

Fonte: Google Maps (2016)

Fotografia 5: Instalação clandestina e improvisada de água em espaço público da Rua Campos Sales (Tirol).

Fonte: Pesquisa de Campo (2016)

Foto: Acervo da autora (2016)

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Podemos citar, também, os usos e funcionalidades percebidos no espaço a

ser apropriado para a atividade dos flanelinhas/guardadores de carros, uma vez que

se o espaço já foi pensado no sentido de parada/estacionamento de carros

(fotografia 6), bem como se são propícios à lavagem de carros, por exemplo,

acabam facilitando, significativamente, a atividade dos flanelinhas/guardadores de

carros e, por conseguinte, o desejo de apropriação daquele espaço.

Figura 6: Espaço público amplo na Rua Afonso Pena (Petrópolis) destinado a estacionamento.

Fonte: Google Maps (2016)

Além destes, temos, ainda, enquanto elemento importante nesse processo de

apropriação de espaços públicos por flanelinhas/guardadores de carros, o

fluxo/circulação percebido nas proximidades deste espaço, pois é a partir deste

elemento que a presença e a atividade destes sujeitos se farão útil ou não naquele

espaço. Assim como também será um fator determinante na quantia arrecada com

esta atividade neste espaço, uma vez que quanto maior o fluxo/circulação, maior

será a procura por vagas de estacionamento e, consequentemente, as gorjetas

pagas em função do serviço prestado. Vale ressaltar que, um elevado

fluxo/circulação especificamente/pontualmente no espaço a ser apropriado,

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configura-se ao contrário, como um fator negativo a apropriação, já que eliminam, de

forma significativa, as possibilidades de parada momentânea de automóveis nestes

espaços.

Acreditamos, nesse sentido, que os elementos apresentados acima, se

configuram enquanto os principais fatores levados em conta pelos

flanelinhas/guardadores de carros dos bairros Cidade Alta, Petrópolis e Tirol de

Natal-RN, quando estes avaliam a possibilidade, facilidade e, mesmo, a qualidade

do “pedaço” para o exercício da atividade e, consequente apropriação.

Apesar disto, através das entrevistas, constatamos que a maioria destes

flanelinhas/guardadores de carros não escolheu, necessariamente, o espaço a ser

apropriado para a realização da atividade (gráfico 9), pois dificilmente encontra-se,

nos referido bairros, espaços “não-apropriados” que sejam propícios a esta

atividade.

Gráfico 7: Atribuição à escolha da área para desenvolvimento da atividade de flanelinha/guardador de carros

Fonte: Pesquisa de Campo (2016)

Dessa forma, a opção por seu espaço de atuação deriva, principalmente, de

fatores como: trabalho anterior se localizar próximo ao local que se apropriou; a

morte do flanelinha/guardador de carros que ocupava o lugar anteriormente;

quantidade de vagas para estacionamento e/ou intensa circulação de pessoas e

veículos; convite/indicação feito por algum conhecido que já trabalhava nesta

27%

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atividade; ou até mesmo, por ser um lugar já da família, que passa de geração para

geração.

Um indivíduo ou grupo social, ao apropriar-se de um território, estabelece um

conjunto de intervenções relacionadas às suas concepções éticas/morais, ao seu

nível tecnológico e às suas escolhas políticas. Estas intervenções projetam-se

espacialmente na forma de estruturação, subdivisão, organização e gestão de

território, abrangendo um conjunto de ações – nas dimensões material e imaterial –

cuja consequência é a produção de um território (ALBAGLI, 2004).

Na constante apropriação e produção do território, existem indivíduos e

grupos sociais com suas normas, regras, princípios, intenções, objetivos,

representações e características políticas, econômicas, e culturais, próprias. Há uma

diversidade de arranjos sociais e territoriais, que vão desde o indivíduo, passando

pela família e pelas organizações de localidades rurais e de bairros, até grandes

organizações políticas e/ou empresariais e/ou culturais. Existem diferenças políticas,

culturais e, também, desigualdades econômicas, bem como traços comuns entre

pessoas, famílias, empresas, associações, dentre outros (SAQUET, 2009).

Ao se demarcar uma área - sua área - aquele que se apropria passa a

identificar este espaço como sua propriedade e vai se constituir como um território

no qual nem todas as relações instituídas serão iguais. Por outro lado, “criar-se-á

uma subjetividade, uma identidade com aquele espaço construindo assim através da

sua apropriação, uma territorialidade” (MEDEIROS, 2009, p. 219).

Desse processo de apropriação de uma parcela da extensão terrestre resulta

a delimitação de uma área, na qual um individuo ou grupo social exerce domínio.

Este processo pode ser marcado por conflitos e disputas com outros indivíduos ou

grupos que ocasionalmente reclamem a mesma parcela da superfície terrestre

(ALBAGLI, 2004).

A apropriação de um determinado espaço pelos flanelinhas/guardadores de

carros decorre também, e fundamentalmente, da delimitação física deste espaço.

Esta geralmente é feita a partir de elementos físicos (fotografias 7 e 8) que

demarcam o espaço de cada um, como por exemplo: postes, caçambas de lixo,

sinais de trânsito, quadras, cavaletes, cones de sinalização, árvores e até

marcações no chão feitas à tinta, improvisadas por eles próprios.

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Fotografia 7: Caçamba de lixo demarcando limite do território de flanelinha/guardador de carros na Rua Jundiaí (Tirol).

Fonte: Google Maps (2016)

Fotografia 8: Poste demarcando limite do território de flanelinha/guardador de carros da Rua Jundiaí (Tirol).

Fonte: Pesquisa de Campo (2016)

Foto: Acervo da autora (2016)

O seja, nestes bairros, os flanelinhas/guardadores de carros se apropriam de

alguns “pedaços” do espaço público, para o seu uso e realização da vida, através –

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simplesmente – da delimitação/demarcação de determinada área e da sua presença

constante (fotografia 9) e/ou de algo que remonte a sua presença naquele

determinado espaço, como por exemplo: baldes; cadeiras; flanelas; bolsas;

bicicletas entre outros (fotografia 10).

Fotografia 9: Flanelinha/guardador de carro em seu território na Rua Floriano Peixoto (Petrópolis)

Fonte: Google Maps (2016)

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Fotografia 10: Objetos que remontam a presença do flanelinha/guardador de carros neste espaço.

Fonte: Pesquisa de Campo (2016)

Foto: Acervo da autora (2016)

Durante as entrevistas, os flanelinhas/guardadores de carros relataram que o

que garante, efetivamente, o espaço a eles, é justamente essa presença. Por isso

mesmo que, apesar de ser uma atividade flexível - visto que eles que determinam

seus horários - eles trabalham, quase que unanimemente (97% dos entrevistados),

de forma bem regular: de segunda a sexta-feira, no período de 07h00min da manhã

às 18h00min da noite8.

Eles relatam, ainda, que é de suma importância se fazer presente

rotineiramente no seu “pedaço” e que, por isto, caso aconteça algum imprevisto que

o impossibilite de ir algum dia, é necessário “mandar” alguém no lugar dele

(geralmente algum membro da família) ou, até mesmo, alugar9 o espaço durante tal

dia, para não correr o risco de surgir outro querendo ocupar o seu espaço. O que 8 A única exceção que encontramos referente a isso foram dois irmãos que residem em outra cidade

(São José de Mipibu) e que, desta forma, saem às 14h00min da tarde devido ao horário do ônibus da volta para casa. 9 Esta prática é bem comum entre os flanelinhas/guardadores de carros, contudo alguns apontam que

não a fazem com o receio de, se algo acontecer com o carro de alguém, a culpa recair sobre ele - resultando na descredibilidade do seu trabalho -, uma vez que aquele é o “pedaço” dele (de sua responsabilidade) e que tal pessoa estaria o representando.

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não se pode, em hipótese nenhuma, é deixar o espaço livre de qualquer referência à

sua presença.

Diante do exposto, se torna possível compreender como se dá o processo de

apropriação de parcelas do espaço público dos bairros Cidade Alta, Petrópolis e

Tirol de Natal-RN pelos flanelinhas/guardadores de carros, já que - através das

discussões apresentadas (anteriormente), da nossa pesquisa de campo, entrevistas

e, principalmente, observações -, podemos constatar, entre outras coisas, que esta

apropriação se dá, quase tanto concretamente, através da demarcação física do

território, quanto simbolicamente, por meio da apropriação do espaço por e a partir

do corpo do sujeito (presença) e/ou da representação deste/a.

Chegamos a outro aspecto importante, a apropriação dos espaços públicos

não tem necessariamente que ser negativa. Contudo, o espaço público transforma-

se, para certos grupos da população, e em determinados momentos, num espaço de

poder quando certos grupos colocam em prática estratégias de ocupação e

condutas que visam à exclusividade (CASTRO, 2002, p. 59). Desta forma,

Embora o espaço público possa ser um modo de aprendizagem de outras formas de sociabilidade e da própria diferença, não implica que o confronto com o outro produza necessariamente um sentimento de conivência e reconhecimento. Tornando as diferenças palpáveis, o confronto pode conduzir a uma exacerbação dos preconceitos e a tensões conflituais. Esta exigência parece resultar de um certo desconhecimento do modo de funcionamento dos grupos e de uma grande dificuldade em se distinguir no comportamento do outro o que é efectivamente da ordem da agressão ou da intimidação. É perante esta “incapacidade” de se interpretarem as intenções dos outros que se gera o sentimento de insegurança e algumas das dificuldades de coexistência de grupos sociais muito heterogéneos (CASTRO, 2002, p. 59).

Nesse sentido, as relações observadas entre os flanelinhas/guardadores de

carros e os demais sujeitos que participam das dinâmicas dos bairros Cidade Alta,

Petrópolis e Tirol de Natal-RN são extremamente diversas. Há quem ache a

atividade e a apropriação dos flanelinhas/guardadores de carros completamente

inaceitáveis (40% dos condutores de automóveis entrevistados), já que se trata de

um espaço público, e há, também, quem seja até mesmo a favor (45% dos

condutores de automóveis entrevistados)10 (gráfico 10), uma vez que acreditam que

estes sujeitos estão apenas tentando garantir uma renda da forma que conseguem.

10

Considerando 20 condutores de automóveis enquanto universo de entrevistados.

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Gráfico 8: Posicionamento dos condutores a respeito da atividade dos flanelinhas/guardadores de carros

Fonte: Pesquisa de Campo (2016)

O relacionamento com os condutores de automóveis que circulam nas

imediações da ação destes flanelinhas/guardadores de carros são bem divididos.

Muitos ignoram e condenam a presença deles em determinado espaço. Enquanto

outros utilizam, com frequências, os serviços disponibilizados pelos

flanelinhas/guardadores de carros – “pastorada”, lavagem e manobra – e, até

mesmo, outros que vão além do que estes sujeitos estão propondo (com a

realização das entrevistas junto aos condutores, verificamos que alguns vão além da

utilização dos serviços comuns dos flanelinhas/guardadores de carros, solicitando

outros, como: pagar contas, limpar calçadas, dentre outros desta natureza).

Já a relação dos flanelinhas/guardadores de carros com os proprietários dos

estabelecimentos próximos ao seu espaço de ação, conforme verificado na nossa

pesquisa de campo, é tranquila, na medida do possível. Aqueles que são

indiferentes à atividade e a estes sujeitos optam por manter distância e pouco

contato, enquanto que outros se aproveitam da presença desses sujeitos. Durante

as entrevistas, um ou outro flanelinha/guardador de carros, afirmou que alguns

proprietários acham ruim quando eles não estão presentes naquele espaço, pois

eles ajudam e proporcionam mais comodidade aos clientes deles. Além disso,

muitos desses “clientes” ajudam com cestas básicas e presentes de fim de ano.

No que concerne à relação entre os próprios flanelinhas/guardadores de

carros dos bairros Cidade Alta, Petrópolis e Tirol de Natal-RN, tornou-se possível

15%

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observar a existência de uma consciência territorial e coletiva por parte destes

sujeitos, visto que existem acordos e consensos entre eles, e que a relação primária

estabelecida entre eles é o respeito. Não descartamos a possível existência de

conflitos entre eles, porém durante a pesquisa de campo e as entrevistas com estes

flanelinhas/guardadores de carros, isto não foi constatado.

.

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4 TERRITÓRIO E TERRITORIALIDADE: SOBRE AS DINÂMICAS TERRITORIAS

E ESTRATÉGIAS DE INFLUÊNCIA E CONTROLE NO TERRITÓRIO

Quando um indivíduo se apropria de determinado espaço, de forma concreta

ou abstrata - como é o caso dos flanelinhas/guardadores de carros - este sujeito

transforma-o em um território. Todavia, é necessário compreender que os termos

“espaço” e “território” não são equivalentes.

Segundo Fernandes (2005, p. 26) o espaço é parte da realidade, logo, é

multidimensional. As pessoas produzem espaços ao se relacionarem e são, ao

mesmo tempo, frutos dessa multidimensionalidade. Nessa perspectiva, uma análise

conceitual efetiva requer a definição do espaço como “composicionalidade” e como

“completitude”. Como “composicionalidade” porque, compreende e só pode ser

compreendido a partir de todas as dimensões que o constitui. E como

“completitude”, pois possui a qualidade de ser um todo, mesmo sendo uma parte.

No que concerne à produção do espaço, esta acontece através das relações

sociais. Estas são produtoras, principalmente, de espaços fragmentados e

conflitivos. Esta produção de fragmentos de espaços deriva das intencionalidades

envoltas nas relações sociais, uma vez que elas determinam as interpretações e

ações propositivas que projetam a totalidade como parte. Ou seja, o espaço em sua

qualidade “completiva” é apresentado simplesmente como um fragmento

(FERNANDES, 2005).

O espaço é concebido, de certo modo, como uma matéria-prima preexistente

a qualquer prática da qual será o objeto quando um ator manifestar a intenção de

dele se apoderar. É o local de possibilidades. O território, por sua vez, se sustenta

no espaço, mas não é o espaço. Trata-se de uma produção a partir do espaço.

Sendo assim, qualquer projeto no espaço, expresso, sobretudo, por relações de

poder e controle, revela a imagem desejada de um território (RAFFESTIN, 1993).

Assim, entendemos que a intencionalidade determina a representação do

espaço e se constitui numa forma de poder e num:

[...] modo de compreensão que um grupo, uma nação, uma classe social ou até mesmo uma pessoa utiliza para poder se realizar, ou seja, se materializar no espaço [...]. A intencionalidade é uma visão de mundo, ampla, todavia una, é sempre uma forma, um modo de ser, de existir. Constitui-se em uma identidade. Por esta condição, precisa delimitar para poder se diferenciar e ser identificada. E assim, constrói uma leitura parcial de espaço que é apresentada como totalidade (FERNANDES, 2005, p. 27).

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As práticas sociais caracterizam e distinguem os territórios e, da mesma

forma, também se diferenciam no território. Dessa maneira, “Poder” e “Território” se

fundamentam nesta análise, mas não são as únicas formas de se entender a

utilização do território. São, sim, elementos que podem colaborar para a abordagem,

em determinados momentos, da produção desse território (CUNHA; SILVA, 2007).

As distinções e as práticas sociais dependem do conjunto de forças que

operam no espaço territorial e dos interesses que se encontram em jogo em

determinados momentos históricos. A classificação dos territórios, então, se realiza

através de suas territorialidades e por meio da multiplicidade de processos e

fenômenos que se realizam no seu território e qualificam as práticas que os atores

sociais desenvolvem a partir do uso do território (SILVA, 2009).

A Territorialidade, deste modo, conforma um panorama para as concepções

do espaço e relações espaciais humanas. Aponta, ainda, para o fato de que as

relações espaciais humanas não são neutras, ou seja, a interação humana - o

movimento e o contato – pressupõe, também, questões de transmissão de

informação e energia, a fim de afetar, influenciar e controlar as pessoas e os

acessos às fontes. Sendo assim, as relações espaciais humanas são decorrências

da influência e poder (SACK, 1986).

Em suma, neste capítulo buscamos discutir o território e as dinâmicas que lhe

são inerentes, a fim de caracterizar o território dos flanelinhas/guardadores de carros

e a organização que estes adotam nos espaços apropriados nos bairros Cidade Alta,

Petrópolis e Tirol de Natal-RN, bem como compreender as influência e controle,

enquanto territorialidade, que estabelecem nesses territórios.

4.1. Território e relações de poder

O conceito de território é construído historicamente e remete a diferentes

contextos e escalas, como, por exemplo, a nação, a região, a cidade, o bairro, a

casa. Sendo assim, o território é objeto de análise sob diferentes perspectivas:

jurídico-política, sociológica, antropológico-cultural, bioecológica, geográfica - que

aqui se pretende -, dentre outras. Cada uma concebe o território de uma maneira e,

segundo, abordagens específicas (ALBAGLI, 2004).

Todavia, em qualquer sentido, o território tem a ver com a definição e

delimitação de um espaço por e a partir de relações de poder. Este, de acordo com

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Haesbaert (2007), não diz respeito somente ao tradicional "poder político". Trata-se

do poder tanto no sentido mais explícito do termo, ou seja, de dominação, como,

também, no sentido mais implícito ou simbólico, de apropriação. Nesse sentido, o

território torna-se palco de processos e relações, onde diferentes atores sociais

definem práticas espaciais de poder e territorialidades (CUNHA; SILVA, 2007).

Toda ação que a sociedade desenvolve realiza-se e materializa-se no

território através de relações sociais entre os mais diversos níveis nas escalas -local,

nacional e global -, intervindo na vida política, social, econômica e cultural das

sociedades. Destarte, a territorialização das ações presentes no território,

“conduzida” por atores sociais, é caracterizada a partir da distinção de interesses

que compeliram posicionamentos diferentes ocasionando conflitos no território.

Portanto, os atores sociais possuem, por meio de seus interesses, posicionamentos

que delimitam seus poderes no território, definindo e redefinindo suas

territorialidades (SILVA, 2009)

O território sob o viés geográfico é aquele das relações e das múltiplas

materialidades sociais/territorialidades. É o território político-econômico-social-

cultural, no qual as práticas, dos diferentes atores sociais, se materializam, sejam

elas internas ou externas ao território. É, por excelência, a institucionalização do

poder e é nele que se torna possível evidenciar os conflitos de interesses, sobretudo

entre a institucionalização do poder (poder formal) e os poderes que lhes são

paralelos (poder informal), os quais procuram satisfazer-se convergindo ou

divergindo dele (SILVA, 2009).

O poder, nessa perspectiva, se caracteriza enquanto relações de forças que

excedem a atuação do Estado e que envolvem, e estão envolvidas, em outros

processos da vida cotidiana, tais como: o lugar de trabalho, as universidades, a

igreja, entre outros. Significa, ainda, relações sociais conflituosas e heterogêneas

que são variáveis, segundo a sua intencionalidade. Sendo assim, o território, diante

da multidimensionalidade do mundo, admite múltiplos significados, a partir de

territorialidades complexas, plurais e em unidade. Deste modo, os significados do

território variam conforme se modifica a compreensão das relações de poder

(SAQUET, 2015) e, por isso, faz-se necessário nos determos um pouco no conceito

de poder antes de voltarmos, propriamente, ao território.

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A princípio cabe destacarmos, assim como Raffestin (1993) a ambiguidade

presente no termo “poder”, ainda que seja apenas devido à escrita maiúscula ou

minúscula. O “Poder”, é mais familiar, mais marcante e mais habitual quando se

mostra na qualidade de nome próprio. Isto porque, há uma confusão entre Estado e

Poder, na qual ao considerar que o Poder é o Estado acaba-se mascarando o poder,

no contexto de nome comum.

O poder, com a minúscula, se oculta atrás do Poder, com a maiúscula.

Quanto maior for sua presença em todos os lugares, melhor ele se oculta. Está

presente no delineamento de cada ação e em cada relação. É traiçoeiro, se

beneficia de todas as fissuras sociais para assim introduzir-se até o íntimo do

homem. Enquanto "Poder", nome próprio, é mais simples de circundar, pois se

manifesta através dos aparelhos complexos que controlam os indivíduos, dominam

os recursos e encerram o território. Consequentemente, é o mais perigoso e

preocupante, incita a desconfiança pela própria ameaça que representa. Contudo,

ainda mais perigoso é aquele que não se vê, ou que não mais se vê já que se

acreditou tê-lo vencido, sentenciando-o à prisão domiciliar (RAFFESTIN, 1993).

De uma forma geral, o poder não se dá, não se troca e nem se retoma. Ele se

exerce, ou seja, só existe em ação. Ele não é, fundamentalmente, manutenção e

reprodução de relações econômicas, mas sim, e acima de tudo, uma relação de

força (FOUCAULT, 1988). Ele está presente nas ações do Estado, das empresas,

das instituições, dos próprios indivíduos, ou seja, nas relações sociais que se

realizam na vida cotidiana, objetivando a dominação e o controle sobre os homens e

as coisas. “O poder é inerente às relações sociais, que substantivam o campo de

poder” (SAQUET, 2015, p. 33).

Nessa acepção, o poder transfigura-se nas relações imbrincadas no uso do

território, materializado ou imaterializado por meio das formas de ação dos atores

sociais. Desta maneira, o poder é uma relação instituída entre interesses

divergentes com finalidades específicas de utilização do território. Por conseguinte,

os conflitos gerados a partir desta divergência nos interesses e fins do uso do

território também se constituem como formas de poder. O poder se conforma então,

como uma intencionalidade política do território, utilizado a fim de se atingir

determinado objetivo, e um de seus artifícios é o convencimento do outro (SILVA,

2009).

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Raffestin (1993) pronuncia que, no que concerne aos meios mobilizados, o

poder é definido por uma combinação variável de informação e energia. A partir da

presença destes dois elementos, é possível dizer que existem poderes com forte

componente informacional ou, inversamente, com forte componente energético.

Ainda nesse sentido, o poder utiliza seus meios para visar os “trunfos”, que podem

ser a população, o território ou os recursos, ou seja:

O poder visa o controle e a dominação sobre os homens e sobre as coisas. [...] colocamos a população em primeiro lugar: simplesmente porque ela está na origem de todo o poder. Nela residem as capacidades virtuais de transformação; ela constitui o elemento dinâmico de onde procede a ação. [...]. O território não é menos indispensável, uma vez que é a cena do poder e o lugar de todas as relações, mas sem a população, ele se resume a apenas uma potencialidade, um dado estático a organizar e a integrar numa estratégia. Os recursos, enfim, determinam os horizontes possíveis da ação. Os recursos condicionam o alcance da ação (RAFFESTIN, 1993, p. 53).

O território é, por excelência, o espaço político, o campo de ação destes

trunfos. Por isto mesmo, se constitui enquanto um trunfo particular, recurso e

obstáculo, continente e conteúdo, simultaneamente. Quanto à informação e à

energia, elas desempenham um papel fundamental, que não pode e nem deve ser

subestimado, posto que tornam complementares as duas faces da medida de todas

as coisas. (RAFFESTIN, 1993).

Todo território é, ao mesmo tempo e obrigatoriamente, “funcional” e

“simbólico”, uma vez que as relações de poder têm no espaço um elemento

indissociável tanto na realização de funções como na produção de significados.

Logo, seria possível discorrer sobre:

[...] dois grandes "tipos ideais" ou referências "extremas" frente às quais podemos investigar o território: um, mais funcional, priorizado na maior parte das abordagens, e outro, mais simbólico, que vem se impondo em importância nos últimos tempos. Enquanto "tipos ideais" eles nunca se manifestam em estado puro, ou seja, todo território "funcional" tem sempre alguma carga simbólica, por menos expressiva que seja, e todo território "simbólico" tem sempre algum caráter funcional, por mais reduzido que pareça (HAESBAERT, 2007, p. 23).

A constituição, a dinâmica e a diferenciação dos territórios podem ser vistas

ainda, a partir de uma variedade de dimensões interrelacionadas, tais como: física -

características geoecológicas e recursos naturais e aquelas resultantes dos usos e

das práticas dos atores sociais; sociopolítica - meio para dinâmicas sociais e

relações de poder e dominação; econômica - formas de organização espacial dos

processos sociais de produção, consumo e comercialização; e simbólico/cultural - a

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apropriação simbólica de uma parcela do espaço por determinado grupo, ou, ainda,

um conjunto especifico de relações culturais afetivas e identitárias entre um grupo e

lugares particulares (ALBAGLI, 2004).

O território também é marcado por limites e fronteiras que são produtos e

ferramentas da construção de territorialidades. Entretanto, os territórios não são

simplesmente áreas contíguas e estáveis, separadas por limites e fronteiras. No

território verificam-se, também, superposições e instabilidades dentro de seus

próprios limites, através de territorialidades diversas.

4.2 Influência e controle no território: sobre a definição e teoria da

territorialidade humana

A territorialidade foi (e é ainda, em muitos casos) usualmente entendida como

um princípio jurídico ligado à base territorial dos Estados. Nesse sentido, diz respeito

à territorialidade das leis, normas e regras, que se justapõem às coisas e aos

habitantes de um país, e cuja sua contrapartida é a extraterritorialidade. Entretanto,

a territorialidade contempla mais do que uma definição jurídica e não se refere

somente à territorialidade do Estado (ALBAGLI, 2004, p. 27).

A noção de territorialidade também foi muito discutida nos estudos de

biólogos e críticos sociais, que a concebem enquanto um atributo do comportamento

animal. Segundo estes estudiosos, e esta linha de pensamento, a territorialidade nos

humanos seria então parte de um instinto agressivo que é, também, próprio de

outros animais territoriais (SACK, 1986).

A etologia (ramo da ciência que se debruça sobre o estudo do comportamento

animal) introduziu, na década de 1920, novas abordagens acerca da noção de

territorialidade a partir da troca do estudo de indivíduos de laboratórios - isolados e

em condições artificiais - para o estudo de sociedades animais em seu meio natural.

Sob esta lógica, o território animal se constitui enquanto abrigo ou “nicho" e é

comumente definido como a área de vivência, reprodução e segurança. Este é

delimitado, fundamentalmente, a partir de condições do ambiente físico, tais como:

clima, vegetação, tipo de solo e da presença e interação com outros animais

(ALBAGLI, 2004).

Em outras palavras, sob o viés da etologia, o conceito de territorialidade foi

definido como o comportamento de um organismo vivo, a fim de tomar posse de seu

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território e defendê-lo contra outros membros de sua própria espécie. A

territorialidade, de mera qualidade jurídica, passou, assim, a ser vista como sistema

de comportamento. Todavia, propõe-se, hoje, desassociar a noção de territorialidade

daquele sentido de defesa elementar do espaço vital de sobrevivência, optando por

tratá-la como predicado humano e evitando transposições diretas entre os sentidos

de animalidade e humanidade. (ALBAGLI, 2004).

A noção de territorialidade foi introduzida, também, aos estudos das Ciências

Sociais e Humanas como, por exemplo: a Sociologia, a Antropologia e Geografia. É

sob esta perspectiva que adotamos a compreensão de Sack (1986) no sentido de

uma estratégia espacial de individuo ou grupo para afetar, influenciar e controlar

pessoas, fontes, fenômenos e relações, principalmente a partir da delimitação e da

afirmação do controle sobre determinada área, esta sendo denominada: território.

Sob o viés geográfico a territorialidade se constitui como uma forma de

comportamento espacial.

Haesbaert (2007) realiza uma revisão teórica sobre as diversas concepções

de territorialidade propostas, e enumera através dos seguintes aspectos: 1) a

territorialidade num enfoque mais epistemológico, enquanto abstração; condição

genérica - teórica - para a existência do território; 2) a territorialidade num sentido

bem mais ontológico: a. como materialidade (controle físico do acesso por meio do

espaço material); b. como imaterialidade (controle simbólico, por meio de uma

identidade territorial); c. como espaço vivido, conjugando materialidade e

imaterialidade.

Aliando estas concepções poderíamos ter uma leitura que separa e distingue

claramente territorialidade e território. Neste sentido, teríamos assim:

a) Territorialidade como concepção mais ampla que território [...] tanto como uma propriedade de territórios efetivamente construídos quanto como "condição" (teórica) para a sua existência [...]. b) Territorialidade praticamente como sinônimo de território: a territorialidade como qualidade inerente à existência, efetiva, do território, condição de sua existência. c) Territorialidade como concepção claramente distinta de território, em dois sentidos: 1. territorialidade como domínio da imaterialidade [...] definida [...] enquanto "abstração" analítica e enquanto dimensão imaterial ou identidade territorial. 2. territorialidade como domínio do "vivido" [...] ou do não institucionalizado, frente ao território como espaço formal institucionalizado [...] d) Territorialidade como uma das dimensões do território, a dimensão

simbólica (ou a "identidade territorial") [...] (HAESBAERT, 2007, p. 26).

Em um nível individual, a territorialidade diz respeito ao espaço pessoal

imediato - em muitos contextos, sobretudo o cultural, considerado um espaço

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inviolável -, e em nível coletivo, a territorialidade torna-se, além disto, uma forma de

regular os processos sociais e de reforçar a identidade da comunidade ou grupo ou

comunidade (ALBAGLI, 2004). Corroborando esta ideia, Souza (2000) afirma que na

forma singular, a territorialidade remeteria a algo profundamente abstrato. Já as

territorialidades, no plural, denotam as formas gerais nas quais podem ser

classificados os territórios segundo sua dinâmica, atributos, entre outros.

Ao passo que a territorialização é consequência da expansão do território -

ininterrupto e contínuo - a territorialidade, por sua vez, é a manifestação do

desenvolvimento das relações sociais conservadoras dos territórios, as quais

produzem e reproduzem ações próprias ou apropriadas. Como atributo humano, a

territorialidade é condicionada por normas sociais e valores culturais que variam, de

sociedade para sociedade, e de um período para outro. É resultante de processos

de socialização e da interação, mediada pelo espaço, entre seres humanos

(ALBAGLI, 2004).

Podemos pensar, então, em quatro grandes finalidades ou objetivos da

territorialização, que podem, ou não, ser acumulados e/ou distintamente valorizados

com o passar do tempo: Primeiro, como abrigo físico, meio de produções e/ou fonte

de recursos; Segundo, enquanto identificação de grupos através de indicativos

espaciais (primordialmente pela própria construção de limites e fronteiras); Terceiro,

como controle e/ou disciplinarização por meio do espaço; E quarto, enquanto

construção e controle de redes e conexões (principalmente fluxos de pessoas,

informações e mercadorias) (HAESBAERT, 2007).

A territorialidade reflete a multidimensionalidade do vivido territorial pela

sociedade em geral e/ou pelos membros de um grupo/coletividade. Os homens

vivem o processo territorial e o produto territorial, ao mesmo tempo, por intermédio

de um sistema de relações existenciais e/ou produtivistas (RAFFESTIN, 1993).

Então, como bem aponta Saquet (2009), a territorialidade se efetiva em todas as

relações cotidianas, ou melhor, ela corresponde às relações sociais cotidianas no

trabalho, na rua, na família, na igreja, na praça, enfim, na cidade/urbano, no

rural/agrário e nas relações urbano/rurais de forma múltipla e híbrida.

A territorialidade poder ser expressa como a soma das relações entre o

sujeito e o seu meio. Contudo, não se refere a uma equação matemática, mas sim a

uma totalidade de relações biossociais em interação. Desta maneira, a

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territorialidade pode ser definida, ainda, “como um conjunto de relações que se

originam num sistema tridimensional sociedade-espaço-tempo em vias de atingir a

maior autonomia possível, compatível com os recursos do sistema” (RAFFESTIN,

1993, p. 160).

Segundo Sack (1986), três relações interdependentes, contidas na definição,

explicam a lógica e os significados dos efeitos da territorialidade:

Primeiro, [...] a Territorialidade deve envolver uma forma de classificação por área. Quando alguém diz que alguma coisa ou [...] coisas, em um quarto são dele ou estão fora do limite para você [...], ele está usando uma área para classificar ou determinar coisas em uma categoria como dele, não sua [...]. Segundo, [...] deve conter uma forma de comunicação. Isto pode envolver uma marca ou sinal, tal como é comumente encontrada em uma fronteira. Ou uma pessoa pode criar uma fronteira, através de um gesto [...]. uma fronteira territorial, pode ser somente a forma simbólica que combina uma afirmação sobre a direção no espaço e uma afirmação sobre a posse ou exclusão. Terceiro, cada exemplo de Territorialidade deve envolver uma tentativa no esforço de controlar o acesso sobre a área e as coisas dentro dela ou restringir a entrada das coisas de fora. De maneira mais geral, cada exemplo deve envolver uma tentativa de influenciar as interações (SACK,1986, p. 23-24).

A territorialidade reflete desta forma, o vivido territorial em todo seu alcance e

em suas múltiplas dimensões – social, política, econômica e cultural. Institui-se,

portanto, uma dialética socioespacial. As práticas sociais são conformadas na

relação com seu meio, adquirindo contornos singulares em áreas específicas e

articulando-se nas diversas escalas. Do mesmo modo, estas práticas moldam os

territórios, imprimem nestes as marcas de suas intervenções e decisões sobre os

mesmos (ALBAGLI, 2004).

A teoria da territorialidade Humana desenvolvida por Sack (1986) é, segundo

ele, tanto empírica quanto lógica e, nos permite desta forma, entender a

territorialidade tanto no âmbito de sua definição (estrutura lógica), quanto no âmbito

de um processo espacial que se manifesta em um dado contexto sócio-histórico.

Como já vimos, a definição de territorialidade contém três facetas inter-

relacionadas: deve propor uma forma de classificação por área; uma forma de

comunicação por fronteira; e uma forma de reforço ou controle. Contudo, diversos

outros efeitos potenciais podem estar ligados a estas três facetas. Assim, a soma

destes efeitos potenciais mais os três originais nos levam a quatorze combinações

de características (SACK, 1986).

Todavia, este autor ressalta que, o número preciso de efeitos potenciais não é

o ponto crítico da teoria, pois estes podem ser reduzidos a menos de dez ou

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quatorze. Segundo ele, o ponto crítico reside na definição de territorialidade, pois

esta “deve ser rica o suficiente para delimitar o alcance das vantagens potenciais

oferecidas por uma estratégia territorial e um nível de generalidade que seja preciso

e útil” (SACK, 1986, p. 32). Dessa forma, a teoria da Territorialidade Humana se

constitui a partir da especificação desses efeitos, da forma como eles estão

conectados um ao outro e das condições sobre as quais eles serão empregados.

Conforme aponta o referido autor:

As primeiras três tendências são derivadas da definição de Territorialidade. As outras que não são inteiramente deriváveis da definição, nada mais estão do que, logicamente, interrelacionadas e ligadas a ela. Chamando, a seguinte análise de teoria, não significa que nós estamos impondo um método mecânico para as pessoas e os seus usos do território, pelo contrário, a teoria apresentará os efeitos do território como possibilidades que vão do físico ao simbólico. [...] pela teoria queremos dizer que nós podemos desvendar um sete de proporções, que são ao mesmo tempo, empiricamente e logicamente interrelacionados e que podem dar sentido às ações complexas. Em outras palavras, a teoria pode nos ajudar a entender e a explicar [...]. (SACK, 1986, p. 33)

A teoria é apresentada em duas partes: o campo dos efeitos e tendências; e

os seus usos nos casos e contextos históricos. Na primeira parte, conceitua a

territorialidade de forma abstraída dos múltiplos contextos sócio-históricos, o que

possibilita a descrição da lógica interna da Territorialidade (SACK, 1986). Neste

primeiro momento, apresenta, especifica e exemplifica as tendências e os efeitos

potenciais da territorialidade, além disso, apresenta ainda diversas combinações

entre essas tendências e efeitos potenciais. Já na segunda parte da teoria, nos

apresenta a tipos particulares de contextos sociais e históricos, aos quais podemos

empregá-las.

Para tornar mais claro e visível a estrutura complexa da teoria, Sack (1986) se

utiliza de uma analogia da ciência física (uma analogia à estrutura atômica - suas

valências e a tabela periódica). Assim, a primeira parte da teoria diz respeito ao

exame da estrutura atômica da territorialidade: as três facetas, anteriormente citadas

(a classificação, a comunicação e o reforço), que seriam o seu “núcleo”; E as dez ou

quatorze combinações primárias dos efeitos potenciais e das tendências seriam as

suas “valências”. Estas, por sua vez, formam as ligações potenciais que são

esboçadas, quando e se a Territorialidade for usada. Já a segunda parte diz respeito

à projeção da Territorialidade em uma tabela periódica de tipos de organizações

sócio-históricas, as quais sugerem que existem ligações que podem ser esperadas

quando certos contextos usam a territorialidade.

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Deste modo, Sack (1986) aponta que a teoria da Territorialidade nos ajuda a

especificar os efeitos mais prováveis de ocorrer dentro das organizações sociais

complexas. A tarefa da teoria da Territorialidade, portanto, é desvendar os possíveis

efeitos da Territorialidade em níveis gerais - para englobar suas múltiplas formas - e

também específicos - para iluminar seus exemplos particulares.

4.3 A configuração e organização territorial dos flanelinhas/guardadores de

carros dos bairros Cidade Alta, Petrópolis e Tirol de Natal-RN

Segundo Sack (1986), quando criamos um território, existe a possibilidade de

estarmos criando um tipo específico de local. Por este motivo é importante

distinguir/diferenciar os territórios entre si e de outros locais comuns. Diferentemente

destes últimos, os territórios demandam esforço constante para estabelecer e

mantê-lo. Eles são resultados de estratégias para afetar, controlar e influenciar

pessoas, coisas, fenômenos e relações. Ao circunscrever coisas no espaço ou em

um mapa - como, por exemplo, quando se delimita uma área para ilustrar onde uma

indústria está concentrada, ou seja, identificar locais, áreas ou regiões no censo

comum - não estamos, necessariamente, criando um território, propriamente dito.

Esta delimitação só se torna um território, quando os seus limites e fronteiras são

utilizados para afetar e influenciar o comportamento ou para controlar o acesso.

Desta forma, devemos distinguir os territórios, num primeiro momento,

conforme aqueles que os constroem, sejam eles indivíduos, o Estado, empresas,

grupos sociais/culturais, entre outros. Os objetivos do controle social no território,

através de uma territorialidade, variam de acordo com o grupo, o próprio indivíduo

(conforme a diferença de gênero, a exemplo), ou a sociedade/cultura. Assim sendo,

controla-se determinada área geográfica, ou seja, delimita-se um território, a fim de

afetar, influenciar e/ou controlar pessoas, fenômenos e relacionamentos (SACK,

1986).

Nessa perspectiva, o território é marcado por relações sociais, que são

produto e, ao mesmo tempo, produtores de novas configurações territoriais. A partir

da definição de diferentes práticas sociais e territorialidades é que se revelam

diferentes interesses, oriundos de distintos atores sociais que no território

manifestam, em diferentes contextos históricos, seus objetivos, anseios e práticas

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sociais, econômicas, políticas e culturais. Por conseguinte, inúmeros conflitos, de

diferentes âmbitos, são gerados envolvendo o território e o poder (SILVA, 2009).

As relações sociais são definidas através de práticas distintas e

espacializadas no território. Traduzem um arranjo que pode ser apresentado sob a

forma de governo, no sentido de organização política, e que abrange a organização

sociopolítica de diferentes atores sociais que consolidam suas ações no território.

Toda ação que a sociedade desenvolve materializa-se no território por meio de

relações sociais entre os mais variados níveis nas escalas políticas, sociais,

econômicas e culturais (CUNHA; SILVA, 2007).

A dinâmica territorial deriva das interações entre as dimensões do território,

desta forma, quando compreendemos o território em sua totalidade,

compreendemos a sua multidimensionalidade. Ou seja, ao analisar o território

através de uma ou mais dimensões, trata-se apenas de uma opção, o que não

implica desconsiderar as outras dimensões. Estas são constituídas pelas condições

construídas pelos atores sociais em suas práticas com a natureza e entre si. Assim,

as múltiplas dimensões do território são produzidas a partir de relações sociais,

ambientais, econômicas, políticas, e culturais (FERNANDES, 2009).

As diferenças territoriais, deste modo, residem tanto nas suas próprias

características físicas e sociais, como no modo como em que se inserem em

estruturas mais vastas. “Cada território é, portanto, moldado a partir da combinação

de condições e forças internas e externas, devendo ser compreendido como parte

de uma totalidade espacial” (ALBAGLI, 2004, p. 27).

Diante disso, buscamos caracterizar a configuração e organização do

território dos flanelinhas/guardadores de carros dos bairros Cidade Alta, Petrópolis e

Tirol de Natal-RN (mapa 3), a partir da conexão das noções e conceitos

apresentados (anteriormente) aliados às observações e entrevistas obtidas em

campo.

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Mapa 3: Concentração e distribuição dos flanelinhas/guardadores de carros dos/nos bairros Cidade Alta, Petrópolis e Tirol de Natal-RN

Fonte: Pesquisa de Campo, 2016. Elaboração cartográfica: Cláudia Silva e Luiz Perônico, 2017.

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103

Com base nas observações realizadas durante a pesquisa de campo e,

também, nas entrevistas realizadas junto aos flanelinhas/guardadores de carros,

constatamos que a disposição destes sujeitos no espaço público dos bairros Cidade

Alta, Petrópolis e Tirol de Natal-RN, se dá, em boa parte, a partir da divisão das

quadras dos bairros. Verifica-se a “repartição” de uma quadra em dois ou mais

“pedaços” que se destinam a dois ou mais flanelinhas/guardadores de carros. Em

alguns casos, a quadra é dividida por dois destes sujeitos, cada qual tomando conta

do seu “pedaço”. Em outros, constatamos ainda mais subdivisões e/ou o

compartilhamento de um mesmo “pedaço” (geralmente quando são membros de

uma mesma família).

A caracterização se apresenta dividida, para fins didáticos, a partir das

dimensões que constituem o território (física, sociopolítica, econômica e

cultural/simbólica). Nessa perspectiva, a dimensão física do território dos

flanelinhas/guardadores de carros apresenta elementos “naturais” e, também,

resultantes de usos e práticas sociais, que se caracterizam enquanto

potencialidades para as práticas territoriais destes sujeitos, como, por exemplo, a

infraestrutura, bem como amenidades naturais (a exemplo, árvores que fornecem

sombra e abrigo) (fotografia 11). Algumas destas, se constituem não só como

potencialidades, como também, aspectos fundamentais para o território destes

sujeitos.

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Fotografia 11: Amenidade presente em território de flanelinha/guardador de carros na Rua Afonso Pena (Tirol).

Fonte: Google Maps (2016)

Entendemos, assim como Fernandes (2009), que pelo fato do território ser

multidimensional e se constituir como uma totalidade, as disputas territoriais se

desdobram em todas as suas dimensões. Contudo, no território dos

flanelinhas/guardadores de carros, estas disputas estão mais comumente

relacionadas a essa dimensão física, posto que os elementos que a compõem –

como os já apresentados – acabam, por vezes, determinando o grau de qualidade

deste território quanto aquilo se objetiva/intenciona neste. Portanto, as disputas

territoriais ocorrem nos âmbitos sociopolítico, econômico e simbólico, mas no caso

do território dos flanelinhas/guardadores de carros dos bairros Cidade Alta,

Petrópolis e Tirol de Natal-RN, cabe destacar as disputas na dimensão física.

Já a dimensão sociopolítica deste território nos permite observar as relações

estabelecidas entre os flanelinhas/guardadores de carros, os condutores de

automóveis e próprio território dos primeiros, posto que são relações de poder -

onde os primeiros controlam e influenciam, a partir da “oferta de um serviço” (que

remete, implícita ou explicitamente, a necessidade de um pagamento), o acesso e

permanência dos segundos neste território (fotografia 12) .

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Fotografia 12: Flanelinha/guardador de carros recebendo “pagamento” pela utilização de seu serviço e de vaga de estacionamento no seu território na Rua

Coronel Bezerra (Cidade Alta).

Fonte: Google Maps (2016)

Desta dimensão e, também, das relações incumbidas nesta, resultam alguns

conflitos (já evidenciados no capítulo anterior), uma vez que os

flanelinhas/guardadores de carros enfrentam, muitas vezes, a resistência dos

condutores de automóveis ao controle/influência que exercem sobre estes. Esta

resistência reside, sobretudo, muito mais ao fato do território do flanelinha/guardador

de carros se formar a partir da apropriação, delimitação e demarcação de um

espaço público (fotografia 13), do que pela própria atividade que desempenham.

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Fotografia 13: Território de flanelinha/guardador de carros delimitado a partir da apropriação de espaço público destinado a estacionamento na Rua Jundiaí (Tirol).

Fonte: Google Maps (2016)

Nesse sentido, o exercício do poder para o controle do espaço (poder no

espaço) inclui a capacidade de modificação/definição das normativas legais de uso e

ocupação do solo, as definições sobre política tributária, a implementação de

infraestrutura, serviços e investimentos (SOBARZO, 2006). E é isto que ocorre no

território dos flanelinhas/guardadores de carros. Eles modificam uma normativa legal

já existente que servia aos propósitos dos condutores (e público em geral), para

definir sua próprias normativas a fim de exercer o seu poder e controle e, assim,

atingir seus objetivos naquele território.

A dimensão econômica, do território dos flanelinhas/guardadores de carros

dos bairros Cidade Alta, Petrópolis e Tirol de Natal-RN, se caracteriza, por sua vez,

a partir da utilização e organização deste território para fins lucrativos. Este é

pensado e conformado para o exercício de uma atividade que lhes garanta renda –

vigiar (fotografia 14), auxiliar na manobra (fotografia 15) e lavar (fotografia 16) os

carros das pessoas que estacionam em seu território.

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Fotografia 14: Flanelinha/guardador de carros vigiando os carros estacionados em seu território na Avenida Afonso Pena (Tirol).

Fonte: Pesquisa de Campo (2016)

Foto: Acervo da Autora (2016)

Fotografia 15: Flanelinha/guardador de carros auxiliando na manobra de um carro para estacionar em seu território na Rua Floriano Peixoto (Petrópolis).

Fonte: Pesquisa de Campo (2016)

Foto: Acervo da Autora (2016)

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Fotografia 16: Flanelinha/guardador de carros lavando carro em seu território na Rua Açu (Tirol).

Fonte: Google Maps (2016)

Além disto, constata-se, ainda, a comercialização do território, já que muitos

fanelinhas/guardadores de carros “adquirem” determinado “pedaço”, como chamam,

a partir da compra (conforme constatado nas entrevistas). A caracterização desta

dimensão do território do flanelinha/guardador de carros revela, ainda, a principal

intenção destes sujeitos na apropriação do espaço e delimitação do território: a

obtenção de renda.

Ademais, no que concerne à dimensão simbólico/cultural, este território

evidencia uma apropriação e poder que são, sobretudo, simbólicos, uma vez que

ambos se dão através da vigilância e presença dos fanelinhas/guardadores de

carros (fotografia 17), bem como de objetos que remetam a sua presença (fotografia

18) neste espaço delimitado.

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Fotografia 17: Flanelinha/guardador de carros presente e vigilante em seu território na Rua Floriano Peixoto (Petrópolis).

Fonte: Google Maps (2016)

Fotografia 18: Flanela e cadeira remetendo a presença de flanelinha/guardador de carros na Rua Açu (Tirol).

Fonte: Google Maps (2016)

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Além disso, muitas das estratégias que os flanelinhas/guardadores de carros

utilizam para influenciar e controlar a área são simbólicas, como, por exemplo, a

posse do território e a exigência de um pagamento para utilizar esta área. O território

destes sujeitos é aberto, não possuem cancelas, portões, muros ou fachadas, ao

mesmo tempo, estes flanelinhas/guardadores de carros não abordam as pessoas

especificando que ao estacionar terão que pagar e/ou quanto irão ter que pagar.

Estas informações estão compreendidas justamente no poder (simbólico) que se

exerce continuamente através da presença e vigilância. Supõe, ainda, um sistema

minucioso de coerções escancaradas e, também, “veladas” (FOUCAULT, 1988)

As formas com que configuram e organizam os seus territórios, revela

características próprias deste grupo, em específico. O sentido do território está

diretamente ligado às distintas territorialidades que os atores sociais materializam

através da força de suas relações de poder. Procurar desenvolver estratégias de

desenvolvimento sócio-econômico-político-cultural passa a ser o objetivo dos atores,

que necessitam garantir suas territorialidades (SILVA, 2009).

Este sistema territorial é tanto um meio quanto um fim. Como meio, significa

um território, uma organização territorial, mas como fim conota uma ideologia da

organização. É deste modo, alternadamente ou de uma só vez, meio e finalidade

das estratégias. Toda combinação territorial cristaliza informação e energia,

constituídas por códigos. Como objetivo, este sistema territorial pode ser

interpretado a partir das combinações estratégicas feitas pelos atores e, como meio,

pode ser decifrado através dos custos e dos ganhos que acarreta para os atores. O

sistema territorial é, assim, produto e meio de produção (RAFFESTIN, 1993).

Diante do exposto, as imagens territoriais revelam as relações de produção e,

por conseguinte, relações de poder, e é decifrando-as que se aproxima à estrutura

profunda. Do Estado ao indivíduo, transitando por todas as organizações, sejam elas

pequenas ou grandes, encontram-se atores sintagmáticos que "produzem" o

território. Em diferentes graus, em momentos distintos e em lugares diversos, somos

todos atores sintagmáticos que “produzem” territórios. Todos nós combinamos

informação e energia, que organizamos com códigos em função de certos objetivos.

Todos nós traçamos estratégias de produção, que colidem com outras estratégias

em variadas relações de poder (RAFFESTIN, 1993).

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Em suma, quaisquer que sejam os objetivos de uma sociedade e qualquer

que seja a escala geográfica (local, nacional ou global), uma sociedade, enquanto

uma organização complexa, precisará da territorialidade para empregar os esforços,

apontar as responsabilidades e impedir que as pessoas fiquem umas nos caminhos

das outras. A territorialidade possui as suas próprias potencialidades para afetar e

controlar, e algumas destas podem ser avessas aos objetivos da sociedade. Como

um componente do poder, a territorialidade não é simplesmente um modo de criar e

manter a ordem, mas sim um mecanismo para criar e manter boa parte do contexto

geográfico por meio do qual nós experimentamos e damos sentido ao mundo

(SACK, 1986).

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5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Com o desenvolvimento do presente estudo, observamos que o espaço

público se constitui enquanto espaço de diversas representações sociais e culturais,

formas de uso e apropriação, e que evidencia, de forma mais acentuada nos países

subdesenvolvidos, como é o caso do Brasil, relações sociais, econômicas, políticas

e culturais conflituosas que desencadeiam diversos problemas. Dentre esses, uma

problemática comum à diversas cidades brasileiras, que diz respeito à territorialidade

dos flanelinhas/guardadores de carros.

Na cidade de Natal-RN, a situação não é diferente. Os bairros Cidade Alta,

Petrópolis e Tirol, alguns dos mais movimentados da cidade, apresentam em seu

cenário urbano a forte presença destes sujeitos, que se apropriam de parcelas das

vias públicas para exercer uma atividade que lhes garanta renda/sustento, visto que

estes bairros se constituem, predominantemente, como um local de realização de

negócios, compras, serviços, lazer, entre outros, e que, desta forma, apresenta uma

intensa circulação de pessoas em seus automóveis e a parada momentânea nestes

espaços - condição básica para essa atividade.

Assim, ao longo do desenvolvimento do presente trabalho, procuramos

responder a alguns questionamentos, levantados por nós, referentes à

territorialidade dos flanelinhas/guardadores de carros. Esses questionamentos se

desdobravam, fundamentalmente, na apropriação e configuração da territorialidade

expressa por estes sujeitos no espaço público dos bairros Cidade Alta, Petrópolis e

Tirol de Natal-RN, bem como no controle e influência que estes sujeitos possuem

sobre os seus territórios (frutos da apropriação).

Tornou-se possível, do mesmo modo, conhecer um pouco do contexto de

surgimento desta atividade, da organização destes sujeitos em seus espaços

apropriados, assim como, as formas de controle e influência estabelecidas nos seus

territórios e, também, das relações instituídas entre os que atuam nesta atividade e

aqueles indivíduos que são afetados de alguma forma por esta.

Apesar dos resultados não se constituírem em uma realidade generalizada,

posto que trata-se de um estudo com recorte empírico específico (os bairros Cidade

Alta, Petrópolis e Tirol de Natal-RN), acreditamos que a realização do presente

trabalho contribui para a abertura da discussão e/ou desenvolvimento científico de

um tema ainda pouco explorado em Natal-RN, bem como em outras cidades

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brasileiras, porém empiricamente experimentado por toda a sociedade que compõe

o espaço urbano. Ademais, contribui como caminho para possíveis abordagens

dessa problemática, sob as mais diversas esferas – seja social, econômica, política

ou cultural.

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APÊNDICE A – Guia para entrevista com os flanelinhas/guardadores de carros dos bairros

Cidade Alta, Petrópolis e Tirol de Natal-RN

GUIA PARA ENTREVISTAS (FLANELINHAS)

LOCAL DA ENTREVISTA:_________________________________________________ DATA: ______/_______/_______.

CARACTERIZAÇÃO DO ENTREVISTADO

1. Idade ______ 2. Naturalidade:__________________

2.1 Porque se mudou para Natal-RN e há quanto tempo reside aqui? (caso seja de outra cidade)

3. Bairro que reside ________________________________

4. Como se desloca para seu local de trabalho/casa?

5. Escolaridade

j Ensino Fundamental I j Ensino Fundamental II j Ensino Médio j Ensino Superior j Analfabeto

6. Estado civil?

j Solteiro j Casado j Viúvo j União estável j Divorciado

7. Tem filhos/dependentes? Quantos?

Sim:_____________________

Não

8. É o responsável pela renda familiar (Chefe de família)? j Sim/Único responsável j Sim/Um dos responsáveis j Não

9. Tempo na atividade: ______________________________

10. Possuía outra atividade antes da de flanelinha? Qual?

Sim: ___________________________________

Não

11. Possui carteira de trabalho? j Sim j Não

12. Já trabalhou com a carteira assinada? j Sim j Não

13. Contribui para a previdência social?

Sim. Enquadramento:_____________________

Não

14. Exerce algum outro trabalho (extra)? Qual?

Sim: ___________________________________

Não

15. Renda j Até 1 salário mínimo j Entre 1 e 2 salários mínimos j Mais de 2 salários mínimos

16. O que o levou a trabalhar como flanelinha? (porque

optou por essa atividade)?

17. Você possui algum tipo de cadastramento para exercer

essa atividade?

Sim. Onde? _____________________________

Não 18. Se possível, trocaria esse trabalho por um no mercado

formal? Por quê?

Sim: ___________________________________

Não:___________________________________

CARACTERIZAÇÃO DO TRABALHO

19. Há quanto tempo trabalha nesse local? ______________

20. O senhor precisou da permissão de alguém para começar

a trabalhar aqui? De quem? Como começou a trabalhar aqui?

Sim:____________________________________

Não:____________________________________

21. O que o levou a trabalhar nesse local (porque aqui e não outro)?

22. Já trabalhou em outro local? Qual? Porque saiu de lá?

Sim: ___________________________________

Não

23. Você possui dias e horários fixos de trabalho? Quais?

Sim: _____________________________

Não

24. Como o senhor delimita o seu espaço de trabalho? Esse espaço tem quantas vagas?

25. Esse é um bom local para se trabalhar? Por quê?

Sim: ___________________________________

Não: __________________________________

26. Como é a rotatividade nesse local? Quantos carros o senhor vigia por dia?

27. Já tentaram “ocupar/tomar” esse espaço do senhor?

Sim: ___________________________________

Não: __________________________________

28. Como controla seu espaço de trabalho para que outros

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não venham para cá?

29. Trabalha sozinho ou mais alguém trabalha com/pro

senhor? O rendimento é dividido ou individual?

30. Quando não pode vir, como procede? Tem alguém pra

substituí-lo?

31. Quais os serviços que o senhor oferece aqui? Valores.

32. Onde consegue água para lavar os carros?

33. E água pra beber e/ou se precisar ir ao banheiro?

34. Num dia bom quanto o senhor tira? E num dia ruim?

35. Como flanelinha, quais os problemas que você enfrenta

diariamente?

CARACTERIZAÇÃO DAS RELAÇÕES DE TRABALHO

36. Você e os outros que trabalham como flanelinha possuem algum tipo de organização/representação (associação, por exemplo)? j Sim j Não

37. Os seus colegas/os que trabalham aqui também como

flanelinha, vieram para a rua por motivos parecidos ou diferentes dos seus?

38. Como é a relação entre vocês flanelinhas? Cada um

respeita o espaço do outro? Tem disputas pelo lugar? Tem uma hierarquia?

39. Como é a relação com o comércio/estabelecimentos

daqui da área?

40. E a relação com as pessoas que trabalham aqui no

bairro? Elas deixam os carros sob o seu cuidado?

Sim: ___________________________________

Não: __________________________________

41. A maioria das pessoas que deixam os carros aos seus cuidados trabalha aqui ou são pessoas que vem por outros motivos (negócios, compras, lazer...)?

42. As pessoas que utilizam seus serviços diariamente, como

ela pagam? Existe algum acordo entre vocês?

43. Como é o relacionamento com os motoristas (em geral), a maioria respeita ou discrimina o trabalho de vocês?

44. Quais dificuldades você encontrou quando começou a

trabalhar na rua? E hoje, as dificuldades são as mesmas?

OBRIGADA PELAS INFORMAÇÕES!

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APÊNDICE B – Guia para entrevista com os condutores de automóveis dos bairros Cidade Alta,

Petrópolis e Tirol de Natal-RN

GUIA PARA ENTREVISTAS (CONDUTORES)

LOCAL DA ENTREVISTA:_________________________________________________ DATA: ______/_______/_______.

CARACTERIZAÇÃO DO ENTREVISTADO

1. Idade _________

2. Bairro que reside ________________________________

3. Escolaridade

j Ensino Fundamental I j Ensino Fundamental II j Ensino Médio j Ensino Superior j Analfabeto

4. Profissão:_______________________________________

5. Motivo da ida a este local?

6. Vem a este local com frequência?

Sim

Não

7. Qual sua opinião sobre a infraestrutura (relacionada a estacionamentos) desse local?

8. Onde costuma estacionar?

9. Percebe a presença de flanelinhas nesse local?

Sim:___________________________________

Não:___________________________________ 10. O que acha da presença do flanelinha nesse espaço?

11. É a favor ou contra a atividade dos flanelinhas? Por quê?

A favor:________________________________

Contra:_________________________________

Indiferente:_____________________________

12. Utiliza algum serviço do flanelinha? Quais?

Sim:___________________________________

Não

13. Quando utiliza algum serviço do flanelinha, quanto costuma pagar?

14. Já se sentiu ameaçado por um flanelinha?

Sim

Não

15. Já presenciou um flanelinha ameaçando alguém ou provocando dano a algum veículo?

Sim:___________________________________

Não

16. O que o poder público poderia fazer para resolver essa

situação?

OBRIGADA PELAS INFORMAÇÕES!

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ANEXO A – Manchetes de notícias locais relativas a delitos cometidos por

flanelinhas/guardadores de carros

Fonte: COSTA, 2011.

Fonte: GIOVANNI, 2011

Fonte: NOMINUTO.COM, 2008

Fonte: TRIBUNA DO NORTE, 2012

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ANEXO B – Reportagem referente à lei dos flanelinhas/guardadores de carros em

Natal-RN

Fonte: TRIBUNA DO NORTE, 2012