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1 TERRA, TRABALHO E ESCRAVO: FORTUNAS ESCRAVISTAS NOS CAMPOS GERAIS PARANAENSE (1826-1850). MARIANI BANDEIRA CRUZ OLIVEIRA Mestranda em História - UNICENTRO [email protected] INTRODUÇÃO Os Campos Gerais paranaense ficaram conhecidos na historiografia pelos seus envolvimentos com as atividades de criação e engordas de animais. O desenvolvimento desta região se deu no início do século XVIII, baseado nas atividades do tropeirismo, nas posses de grandes propriedades de terras, criação de animais, no trabalho livre e escravo. Com a abertura do Caminho de Viamão 1 entre os anos de 1728 e 1730 os Campos Gerais Paranaense encontrava-se em meio a rota que ligava o Sul com Sudeste da colônia. E a posição geográfica em que se situava em relação aos centros comerciais do império, fez com que se constituísse num importante entroncamento e ponto de parada, de viajantes e tropeiros que transitavam pela região. Desse modo, as localidades dos Campos Gerais “mais do que parada [...] eram pontos de criação e de comércio, onde muitas pessoas fixaram moradia levando em consideração a possibilidade de crescimento” (MARTINS, 2011, p.54). A Vila de Castro estava, portanto, dentro deste processo. Desenvolveu-se ligada as influências do tropeirismo que contribui com a formação de pequenos ranchos, os quais consolidaram na ocupação dos espaços e constituição dos vilarejos ao longo do caminho das Tropas. Conforme Ilton César Martins: 1 O Caminho de Viamão ligava a Província de São Pedro do Rio Grande, passando pelos Campos Gerais paranaense, à Sorocaba no interior de São Paulo. Faz parte das muitas rotas e trilhas que foram criadas para cruzarem do interior do Brasil aos centros comerciais da colônia e Império (MARTINS, 2011, p. 49).

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TERRA, TRABALHO E ESCRAVO: FORTUNAS ESCRAVISTAS NOS

CAMPOS GERAIS PARANAENSE (1826-1850).

MARIANI BANDEIRA CRUZ OLIVEIRA

Mestranda em História - UNICENTRO

[email protected]

INTRODUÇÃO

Os Campos Gerais paranaense ficaram conhecidos na historiografia pelos seus

envolvimentos com as atividades de criação e engordas de animais. O desenvolvimento

desta região se deu no início do século XVIII, baseado nas atividades do tropeirismo,

nas posses de grandes propriedades de terras, criação de animais, no trabalho livre e

escravo.

Com a abertura do Caminho de Viamão1 entre os anos de 1728 e 1730 os

Campos Gerais Paranaense encontrava-se em meio a rota que ligava o Sul com Sudeste

da colônia. E a posição geográfica em que se situava em relação aos centros comerciais

do império, fez com que se constituísse num importante entroncamento e ponto de

parada, de viajantes e tropeiros que transitavam pela região. Desse modo, as localidades

dos Campos Gerais “mais do que parada [...] eram pontos de criação e de comércio,

onde muitas pessoas fixaram moradia levando em consideração a possibilidade de

crescimento” (MARTINS, 2011, p.54).

A Vila de Castro estava, portanto, dentro deste processo. Desenvolveu-se ligada

as influências do tropeirismo que contribui com a formação de pequenos ranchos, os

quais consolidaram na ocupação dos espaços e constituição dos vilarejos ao longo do

caminho das Tropas. Conforme Ilton César Martins:

1 O Caminho de Viamão ligava a Província de São Pedro do Rio Grande, passando pelos Campos Gerais

paranaense, à Sorocaba no interior de São Paulo. Faz parte das muitas rotas e trilhas que foram criadas

para cruzarem do interior do Brasil aos centros comerciais da colônia e Império (MARTINS, 2011, p. 49).

2

A localidade é a primeira região a ser habitada nos Campos Gerais

basicamente por conta do rio Iapó e suas cheias, que obrigava tropeiros de

Curitiba, Viamão e de Sorocaba, a repousar em suas margens,

preferencialmente em sua margem esquerda, onde podiam se pôr ao abrigo

dos ataques de índios que habitavam a região” (MARTINS, 2011, p.54).

Desde o século XVIII os Campos Gerais conviviam com o caminho de

passagens de viajantes e tropeiros que transitavam pela região. Vilas e povoados foram

se formando ao longo desse caminho, como é o caso de Castro.

Portanto, neste trabalho, procuramos pensar a sociedade castrense inserida no

contexto da primeira metade do século XIX, justamente quando as atividades da

pecuária e do tropeirismo já estavam consolidadas em todo o sul da América

portuguesa.

DOS CAMPOS GERAIS: VILA DE CASTRO, FAZENDAS E TRABALHO

ESCRAVO

A Vila de Castro faz parte da região que hoje conhecemos como Campos Gerais

Paranaense. A ocupação dessa área se deu pela distribuição da sesmaria2 no início do

século XVIII. As terras foram adquiridas especialmente por paulistas, habitantes de

Curitiba e Paranaguá (Pinto, 1992, p.75). As primeiras famílias que se instalaram na

região exploraram os campos naturais para a engorda e criação de animais. Com o

povoamento dessas terras favoreceu a formação de um grupo de fazendeiros que se

formou na localidade.

As atividades desenvolvidas nessas propriedades contavam com mão de obra

livre e principalmente escrava. Conforme Cacilda Machado “o escravo era mão-de-obra

fundamental nas fazendas, e os grandes proprietários dos Campos Gerais eram

geralmente senhores de escravarias maiores dos que os das terras curitibanas”

(MACHADO, 2008, p.30).

As investigações sobre o escravismo na área que irá abranger a Província do

Paraná demonstram que as regiões de predominância campeira, como é o caso dos

2 Há um Alvará datado de 19/03/1704 em que Pedro Taques de Almeida, representante das principais

famílias paulistas, requeriam por sesmarias as terras nas proximidades do Rio Iapó, atualmente região dos

Campos Gerais do Paraná. Esse pedido foi concedido parte da área localizada na paragem chamada Iapó,

nas proximidades do rio Iapó (PINTO, 1992, p.42).

3

Campos Gerais com suas atividades de pecuárias foram as possuidoras de maiores

plantéis de escravos. (PEREIRA, 1996, p.60; MACHADO, 2008, p.30; GUTIÉRREZ,

1986, p.151).

Entre as fazendas que se formaram nos Campos Gerais algumas possuíam

características específicas, como das unidades absenteístas, onde os proprietários não

costumavam permanecer em suas fazendas, deixando-as aos cuidados de capatazes de

sua confiança, na maioria administradas pelos escravos, como é o caso, por exemplo, da

Fazenda Capão Alto3, situada nas proximidades da Vila de Castro.

As escravarias dos Campos Gerais paranaense, mesmo sendo mais modestas do

que as encontradas nas regiões agroexportadoras do sudeste brasileiro, possuíram sua

relevância para a economia paranaense, a dos Campos Gerais e também na constituição

da sociedade castrense do século XIX.

Desse modo, a sociedade castrense constituía-se por ricos fazendeiros,

detentores de poder econômico e político, e assalariados, daqueles cujas atividades

supriam apenas as necessidades de subsistência e dos sitiantes (PINTO, 1992, p.04).

Nas primeiras décadas do século XIX, a área que vai tornar-se a Província do

Paraná apresentava um crescimento em sua população. Entre os anos de 1804 a 1854,

seus habitantes passaram de 26.370 para 62.258 indivíduos (WESTPHALEN, 1997,

p.26). Esse total dividia-se entre as áreas Curitibanas, Campos Gerais e o Litoral.

No início desse século, Campos Gerais era o menos povoado, contava com

aproximadamente 26% do total da população paranaense. Já na década de 1850

alcançou o percentual de 35% do total de habitantes nesse território (WESTPHALEN,

1997, p.35).

Num espaço parcialmente ocupado, a transitoriedade delineava os contornos da

vida material. A Vila de Castro situada num caminho de passagem era um lugar com

fluxo relativamente constante de gente, chegando ou saindo, dependendo da disposição

e/ou necessidade de cada um. As pessoas buscavam o enriquecimento ou a melhoria nas

condições de sobrevivência.

3 A Fazenda Capão Alto de propriedade dos Padres Carmelitas foi administrada, na sua maior parte por

capatazes cativos. E aparece nas listas nominativas de 1835, como a maior escravaria de Castro, que

abrigava 99 escravos, no mínimo. (LIMA, C. A. M. ; MELO, K.V. de. A distante voz do dono: a família

escrava em fazendas absenteístas de Curitiba (1797) e Castro (1835) In: Afro-Ásia, 31 (2004), 127-162,

p.140).

4

Nos primeiros anos do século XIX, a Vila Nova de Castro era composta por

moradores que se dedicavam as lidas nos currais e no comércio de animais, além disso,

buscavam garantir a sobrevivência prestando auxílio aos tropeiros que passavam pela

vila (MELO, Kátia Andreia Vieira, 2004, p.15). Entretanto, a história desta localidade

nesse período é marcada por história de fazendeiros, tropeiros e viajantes, de sucessos e

insucessos, numa área de pastoreio que acolhia pessoas dos mais variados graus de

riqueza.

Quanto ao aspecto físico da povoação da vila castrense pode-se levar em conta o

olhar de Jean-Baptiste Debret que passou pela região na década de 1820 e registrou suas

impressões.

A cidade de Castro, de Jean Baptiste Debret (1829) FONTE: BANDEIRA, Julio e LAGO, Pedro

Correia do. Debret e o Brasil: Obra completa 1816-1831. Rio de janeiro: Capivara Editora, 2007.

p. 284.

Tomando como base a aquarela de Debret, temos a Vila de Castro no início do

Século XIX ainda pouco povoada, e isso, não é muito diferente das demais vilas

paranaense, ou até mesmo das espalhadas pelo interior brasileiro no período.

No entanto, a vila castrense é representada com a Igreja ao centro e algumas

casas em torno dessa. Debret destaca a presença dos homens montados nos animais, o

que nos remete a valorização da sociedade campeira na localidade.

O estilo de vida na vila era marcado pela cultura campeira. A população que

concentrava nessa região nas primeiras décadas do século XIX era bastante

5

diversificada, apesar das atividades agrícolas e pecuárias serem as mais cotadas, os

habitantes castrenses procuravam, na medida do possível, inserir-se em diversas

atividades econômicas.

FORTUNA DOS DONOS DE ESCRAVOS DA VILA DE CASTRO

O estudo das fortunas coloniais, a partir dos inventários post-mortem, tem sido

tema de diversos trabalhos acadêmicos. Essas pesquisas, em sua maioria, constatam a

importância de alguns ativos significativos na formação das fortunas coloniais:

escravos, terras, imóveis e dívidas ativas. O que muda, em alguns casos, é a ordem que

cada ativo possui no conjunto das fortunas analisadas.

Para analisarmos a composição das fortunas4 dos inventariados pesquisados

recorremos, sobretudo, ao modelo proposto por Kátia Mattoso (1992) quando analisou a

riqueza na Bahia do século XIX. Entretanto, nosso modelo de análise segue com

devidas alterações. Segundo João Fragoso (1998), o “estudo das fortunas é um dos

meios para se identificar a lógica que perpassa o processo de reprodução da

sociedade” (FRAGOSO, 1998, p.334). A fortuna é, portanto, de fundamental

importância na compreensão do funcionamento destas sociedades.

A partir da análise das fontes classificamos o valor do patrimônio dos

inventariados em oito faixas de fortunas, que permitiu-nos traçar um perfil de suas

riquezas, conforme quadro abaixo.

4 Entendemos fortuna a posse de qualquer bem (MATTOSO, Kátia. Bahia, século XIX: uma Província no

Império. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1992, p.608).

6

QUADRO 01 – CLASSIFICAÇÃO DAS FORTUNAS DOS DONOS DE ESCRAVOS DA VILA DE

CASTRO, 1826-1850. (EM CONTOS DE RÉIS)

Faixas de fortunas Valor monte-mor

bruto

Número de

inventariados

%

1- Muito pequenas Até 1:000$000 13 12,2

2- Pequenas 1:000$001 a

3:000$000

30 28,3

3- Médias baixas 3:000$001 a

5:000$000

16 15,1

4- Médias 5:000$001 a 10:000$000 24 22,7

5- Médias altas 10:000$001 a 20:000$000 11 10,4

6- Grandes baixas 20:000$001 a 50:000$000 07 6,6

7- Grandes médias 50:000$001 a 100:000$000 01 0,9

8- Grandes altas Acima de 100:000$000 04 3,8

FONTE: FÓRUM DA COMARCA DE CASTRO. Inventário de proprietários de escravos da

Vila de Castro. Caixas: 1826-1850. Castro.

De acordo com a classificação no quadro acima é possível observar que a

maioria dos inventariados pesquisados possuía um patrimônio que não ultrapassava dez

contos de réis. Assim, 83 dos inventariados pesquisados (78,3%) não atingiram a faixa

média alta (10:00$001 a 20:000$000). Dos 106 inventários analisados treze (12,2%)

tiveram suas fortunas avaliadas em até um conto de réis; trinta (28,3%) possuíam acima

de 1 a 3 contos de réis; na faixa média baixa encontra-se dezesseis (15,1%); vinte e

quatro na faixa média (22,7%); onze na médias altas (10,4%); sete na faixa grandes

baixas (6,6%); na grandes médias apenas um proprietário, correspondendo a menos de

1% (0,9%); e por fim, na faixa grandes altas 4 inventariados , correspondendo a 3,8%

dos inventários estudados.

Tiago Gil em seu estudo sobre os tropeiros e seus negócios no caminho de

Viamão, mencionou que na rota dos tropeiros (o qual a região dos Campos Gerais

Paranaenses se inseriu) a economia era comandada pelos oficiais do exército,

especialmente os capitães. E para vila de Castro apontou o Capitão Francisco Carneiro

Lobo e o Alferes Luis Castanho como os mais influentes senhores da vila. Essas

influências não baseavam somente no tamanho dos planteis de escravos, relacionava-se

também com o patrimônio envolvendo propriedades de terras e animais (GIL, 2007,

p.224-225).

7

Convém ressaltar que a economia castrense, na qual estamos nos referindo, é

uma economia relativamente pobre, se comparada, por exemplo, com os negócios

desenvolvidos no Rio de Janeiro na mesma época. Tiago Gil afirmou que no caso da

rota das tropas, os capitães eram os senhores daquela “pobre economia”, como os do

Rio de Janeiro eram de “grossa aventura” (GIL, 2007, p. 227).

PEQUENAS FORTUNAS

A faixa das fortunas consideradas muito pequenas na vila de Castro, no período

estudado, somou um total de 13 proprietários, equivalente a 12,2% dos inventariados

pesquisados. Entre esses, encontramos Ana Gertrudes do Sacramento5, inventariada em

1831, com a menor fortuna, avaliada em 113$980 (cento e treze mil réis). Dos bens

arrolados encontrou-se a escrava Rita, crioula, com 50 anos, avaliada em 100$000 (cem

mil réis), correspondente a 88% da fortuna da inventariada. Ainda entre os seus bens

constaram uma vaca velha avaliada em 2$000 (dois mil réis); duas vacas com crias no

valor de 2$500 (dois mil e quinhentos réis) cada uma; e outros bens: um par de

canastras velhas, um catre tecido de couro, uma mesa, um caldeirão de cobre e um tacho

pequeno, totalizando 6$980 (seis mil e novecentos e oitenta réis).

Ana Gertrudes, “mulher pobre” (possivelmente já viúva) não possuía

propriedade de terras. Ao que tudo indica morava apenas com a escrava Rita, que lhe

prestava auxílio nas lidas diárias. Visto que os três herdeiros: Antonio, falecido; Maria

Thereza, com 50 anos, casada; Josefa de tal, também casada, provavelmente nenhum

desses dividiam o mesmo lar com Gertrudes.

Embora nas fontes analisadas não apareçam declaradas das ocupações dos

pequenos proprietários, donos de escravos da vila de Castro, é possível que alguns deles

tenham prestado serviços em fazendas vizinhas, que contavam com a mão de obra livre

para o auxílio das diversas atividades da fazenda. Dos 13 inventariados incluídos na

faixa muitos pequenas, 7 não possuíam propriedades de terras e/ou moradia. Onde

residiam essas famílias com seus escravos?

5 FÓRUM DA COMARCA DE CASTRO. Inventário de Ana Gertrudes do Sacramento. Caixa: 1831.

Castro, 1831.

8

Cacilda Machado em estudo sobre a população de São José dos Pinhais, para

início do século XIX, enfatizou a presença de pessoas residindo como agregados em

alguns domicílios dessa região. Em geral, os dados não trazem informações de vínculos

parentais, nem mesmo detalhes sobre as ocupações exercidas por esses agregados.

Dessa feita, “possivelmente a maior parte deles trabalhava na lavoura ou no serviço

doméstico, como, de resto, o conjunto da população do lugar” (MACHADO, 2008,

p.117). É provável que com a prestação de serviços nas fazendas tenha conseguido um

aumento na renda familiar e, quem sabe, até a permissão de um lote de terra para nele

criar um pequeno rebanho de gado, como pode ser o caso, por exemplo, da inventariada

Ana Gertrudes do Sacramento.

Pelos dados constatados nos inventários, observa-se que a riqueza desses

“muitos pequenos” afortunados da vila de Castro do período estudado, incluía a posse

de escravos, animais (vacuns e cavalares), bens de raízes e alguns poucos móveis. Dos

13 inventariados classificados na faixa de fortuna muito pequenas, 11 concentraram a

maior parte de sua fortuna na posse de escravos. Isso evidencia que esses menos

afortunados tiveram seus investimentos voltados especialmente à posse escrava.

Nessa faixa encontramos uma média de 1,7 escravos por inventariado. Em seis

dos 13 inventários analisados encontrou-se a presença de apenas um cativo; 5

inventariados contaram com a presença de dois escravos cada um; somente 2

inventariados possuíam mais de dois escravos6.

Esses números evidenciam que o trabalho desenvolvido na propriedade desses

inventariados dessa faixa de fortuna era também dependente da participação de

escravos. Além disso, observamos um percentual significativo da presença de animais

na fatia da fortuna desses proprietários. Do total de inventariados, nessa faixa, em

apenas dois documentos não foi constatada a presença de animais. Foi o caso de

Antonio Martins Lemos7, inventariado em 1837, que teve sua fortuna avaliada em

308$860 (trezentos e oito mil e oitocentos e sessenta réis). Desse total, mais de 70%

concentrou-se na posse de escravos (possuidor de 2 cativos); e ainda, um sítio e uma

morada de casa correspondendo a 16% da sua fortuna; e ainda 13% esteve relacionada a

6 Os inventariados: Elena Pires da Silva e João Martins de Oliveira, ambos inventariados em 1826,

aparecem nos inventários post-mortem como possuidores de 3 escravos, cada um. 7 FÓRUM DA COMARCA DE CASTRO. Inventário de Antonio Martins Lemos. Caixa: 1837. Castro,

1837.

9

outros bens como, enxadas, machado e catre. É provável que Antonio Martins Lemos e

seus escravos tenham se dedicados a agricultura.

Ainda nessa faixa das muito pequenas observa-se que mais da metade (54%)

desses proprietários de mão de obra escrava não eram possuidores de propriedade de

terras, nem moradia. Mais de 60% de suas fortunas concentraram na posse de escravos.

Interessante destacar que a posse de animais, entre esses proprietários é também

significativa. Esses dados nos levam a seguinte indagação: onde moravam esses

inventariados? Eram agregados? Infelizmente os inventários post-mortem analisados

não apontam pistas que nos levam a essas respostas.

Na faixa de fortuna pequena (com mais de 1$000 até 3$000) concentra-se o

maior número de inventariados, num total de 30, equivalente a 28,3% do percentual na

documentação pesquisada. Nessa faixa encontramos proprietários com mais posses de

terras e/ou casas, do que entre os da faixa muito pequenas. Entretanto, a posse de

escravos e animais também são ativos relevantes na soma de suas fortunas. A média de

cativos por proprietários concentrou-se em torno de 4,6 com predomínio de plantéis

com 3 a 7 escravos.

Os dados nos mostram que entre os pequenos afortunados, assim, como os da

faixa muito pequenos, a posse escrava somou a maior fatia nas suas fortunas. Do total

incluído na faixa de fortuna pequena, todos tiveram o maior percentual de sua fortuna

concentrada em torno da propriedade cativa.

O valor percentual de animais nessas faixas de fortunas se mantém significativa.

Isso sugere a possibilidade desses inventariados terem lidas com a criação de animais,

além do trabalho na agricultura, mesmo que seja para sua subsistência.

FAIXA DAS FORTUNAS MÉDIAS

Os inventariados cujas fortunas foram classificadas nas faixas: médias baixas

(mais de 3:000$000 até 5:000$000), médias (mais de 5:000$000 até 10:000$000) e

médias altas (mais de 10:000$000 até 20:000$000) corresponderam a um total de 51

inventários, equivalendo a 48,2% do total pesquisado.

O número médio de escravos por proprietários na faixa de fortunas médias

baixas ficou em torno de 7,1 cativos por inventariados; já para os classificados na faixa

10

médias cativos por proprietários foi de 9 escravos por inventariado; e para os da faixa

médias altas encontramos uma escala ainda mais elevada, com uma média de 11,7

cativos por proprietários.

A partir desses dados notamos um crescimento na propriedade escrava entre os

inventariados das faixas médias. Na medida em que as fortunas são maiores, a posse

escrava também aumenta. Mas é interessante ressaltar que esse crescimento na

propriedade escrava não reflete no valor percentual da propriedade cativa.

Observamos que 50% dos inventariados na faixa médias baixas tiveram sua

fortuna concentrada na propriedade escrava; em três inventários não foram constatado

bens de raiz; dois não possuíam animais; e um contava somente com a posse de

escravos e bens de raiz.

Na faixa média temos oito inventariados (50%) com maior parte de sua fortuna

concentrada na propriedade escrava; um não possuía animais; e em mais um não

constou bens de raízes. Já na faixa média alta não constatamos nenhum inventariado

com maior concentração de riqueza na propriedade escrava.

Na verdade, nas faixas: média e médias altas foram encontrados dois

proprietários de mão de obra cativa que tiveram a maior parte de suas fortunas

concentradas nos bens de raiz. Entre esses se encontra Ana Gertrudes Maria do Espírito

Santo8, inventariada no ano de 1846. Constaram entre os bens arrolados a posse de 6

escravos, equivalendo 13,5% de sua fortuna; 14 cabeças de animais (incluindo vacas,

bois, cavalos, éguas, porcos e ovelhas) correspondendo a 6,5% de sua riqueza; 02 casas

no espaço urbano da vila de Castro e 10 propriedades no espaço rural (incluindo sítios,

rincão, moinho e terras lavradias) equivalente a 73% de sua fortuna; e ainda, outros

bens: enxadas, arreios, machados, foices, facão, tachos, catres e talheres.

Ana Gertrudes Maria do Espírito Santo e seus escravos possivelmente tenham se

dedicados às atividades agrícolas. Consta em seu inventário a descrição de um plantio

de milho em duas de suas propriedades. Além disso, constatamos entre seus bens a

presença de moinho e tachos. Dessa forma, não é descartada a possibilidade da

fabricação de farinha em suas propriedades. Também não é descartado a possibilidade

dela ter comercializado tais produtos na região.

8 FÓRUM DA COMARCA DE CASTRO. Inventário de Ana Gertrudes Maria do Espírito Santo. Caixa:

1846. Castro, 1846.

11

A partir das faixas médias, observamos que os inventariados dispunham de

maiores quantidades de bens, especialmente no se refere aos trastes de uso domésticos,

como por exemplo, louças, porcelanas, entre outros. No entanto, a propriedade de

escravos, os bens de raiz e os animais continuam com uma participação maior nas suas

fortunas.

FAIXA DAS FORTUNAS GRANDES

Os inventariados cujas fortunas foram classificadas nas faixas grandes: grandes

baixas, grandes médias e grandes altas corresponderam a um total de 13 (11,3%) dos

inventários pesquisados. É nessa que se encontram os maiores plantéis de escravos. Os

incluídos na faixa grandes baixas aparecem com uma média de 25,5 cativos por

proprietários; 14 cativos na faixa grandes médias, e por fim, na grandes altas temos

uma média de 42 escravos por inventariados.

Ao classificarmos o patrimônio desses inventariados observamos de certa forma,

uma distribuição percentual equilibrada entre as propriedades: escravos, raiz, animais e

outros bens.

Na faixa grandes baixas temos 7 inventários, desses, 3 tiveram a maior parte de

sua fortuna concentrada na posse escrava (43%); seguida dos bens de raiz e animais. Na

faixa grandes médias temos apenas um inventariado. Os bens de raiz aparecem como o

ativo em que somou a maior parte de sua fortuna. Já entre os mais “afortunados”, os

bens de raiz, posse escrava e animais continuaram sendo ativos relevantes, porém os

outros bens foram os que concentraram a maior parte de suas fortunas.

Os possuidores das maiores fortunas em Castro, no período estudado, foram

também os detentores dos maiores plantéis escravos. Percebemos na pesquisa que a

concentração da riqueza não se relacionava diretamente ao número de escravos.

Certamente, a atuação dos cativos nas atividades desenvolvidas nas propriedades desses

senhores tornaram-se fundamentais, conforme constatado pela análise das fontes.

Encontramos indícios de envolvimento desses inventariados com os negócios e vendas

de animais, especialmente com os negociantes do sudeste do império.

12

João Carneiro Lobo9 com uma fortuna avaliada em 156:395$460 foi o mais

abastado dos inventariados da nossa pesquisa. Constaram entre os bens arrolados a

posse de 53 escravos, 3.713 animais (incluindo vacas, cavalos, éguas e mulas) e mais de

16 propriedades de terras (incluindo fazendas, invernadas, terras lavradias, senzalas e

capões de matos), além de alguns outros bens (como trastes de uso em animal, enxadas,

machados, roupas, objetos de uso domésticos, algumas fazendas em tecidos, e entre

outros). João Carneiro Lobo foi influente na região e a partir de seu inventário ainda foi

possível constatar que manteve negócios também em outras regiões do império

português, principalmente em São Paulo. Encontramos uma declaração feita pela

inventariante, Dona Ana Estevão Carneira, possivelmente sua viúva, que havia uma

tropa de bestas (éguas) que havia sido enviada a Feira de Sorocaba, junto com seu sócio

Manoel José da Trindade, a fim de ser vendida aos negociantes dessa região.

Os quatro inventariados de maiores fortunas encontrados na documentação

analisada, possivelmente foram pessoas que exerceram também influências políticas na

região, quem sabe, até ocupando cargos públicos. Tiago Gil apontou o predomínio dos

oficiais do exército nas atividades econômicas desenvolvidas ao longo desse caminho.

Afirma que “em Castro, particularmente, se percebe notoriamente, tal como em Lages

a divisão geográfica destes pequenos potentados, ainda que todos participassem da

governança local” (GIL, 2007, p.226).

Joaquim de Andrade e Silva10

, falecido no ano de 1848 é um dos inventariados

pertencente a faixa grandes altas, com uma fortuna avaliada em torno de 103:872$474.

Constaram entre os “bens” arrolados a posse de 32 escravos, (16% do total de sua

fortuna); 265 cabeças de animais (vacas, bois, terneiros, éguas, burros e porcos),

(correspondendo a 3% de sua riqueza); 22 propriedades de terras (casas, fazendas,

chácaras, terras lavradias, potreiros, terrenos e sítios), 30% de sua fortuna; e ainda

outros bens (livros de leis do império, tachos, canoas, alambiques, caldeiras,

apuradeiras, balanças, estribos, arreios, pratas, ouros, roupas, ferraduras, armas de

fogos, trastes domésticos, mesas, chapéus, entre outros) equivalente a 51% de sua

fortuna.

9 FÓRUM DA COMARCA DE CASTRO. Inventário de Joaquim de Andrade e Silva. Caixa: 1848.

Castro, 1848. 10

FÓRUM DA COMARCA DE CASTRO. Inventário de Joaquim de Andrade e Silva. Caixa: 1848.

Castro, 1848.

13

No inventário de José Joaquim de Andrade e Silva observamos uma diversidade

nos seus “bens”. É o possuidor de mais “bens de raiz” (com mais de 20). Essas

propriedades encontravam-se espalhadas em diversas vilas, como Castro, Itú, Campinas,

Sorocaba, Itapeva e Piracicaba. A maior parte do percentual de sua fortuna esteve

dividida entre os “outros bens”, especialmente nos elementos referente aos trastes de

lidas no campo: arreios, cabeçadas, freios, esporas; as ferramentas de trabalhos como:

enxadas, machados, enxor; caldeiras, tachos, ouros, pratas, dinheiro líquido e os livros.

A atuação dos escravos, as propriedades de terras, o comércio, inclusive de

animais contribuíram para a consolidação das fortunas da elite escravista que se

estabeleceram em Castro ao longo do século XIX. Os movimentos e as alianças

estabelecidas entre a sociedade campeira castrense com os negociantes das demais áreas

do império português promoveu uma integração maior entre as regiões do império.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Em conformidade com estudos recentes sobre o papel da escravidão no mercado

interno e na dinâmica da economia de abastecimento de outras regiões do Brasil,

verificou-se que a Região dos Campos Gerais Paranaense nas primeiras décadas do

oitocentos relacionava-se com as demais localidades e províncias com o mesmo tipo de

atividades pecuarista, como Sorocaba, sul de Minas Gerais e Rio Grande do Sul, não

apenas pelos caminhos das tropas. A comercialização de animais e a mão de obra

escrava tiveram sobremaneira grande importância, especialmente por tratar-se de uma

atividade socioeconômica.

A partir da exploração dos inventários post mortem, constatamos que a presença

escrava nas propriedades dos inventariados foi um fator relevante no perfil de suas

fortunas, quando comparamos tais aspectos a outras regiões do Brasil, em que a

economia era mais dinâmica. Mesmo sem constituírem extensos plantéis, os cativos

participaram ativamente da sociedade castrense, sendo explorados pelos seus senhores.

A média de escravos por proprietário na vila de Castro, no período de 1826 a

1850 concentrou-se em torno de 8 cativos por proprietário. Esses dados em comparação

a outras regiões paranaense são bem mais elevados. A mão de obra escrava na vila

castrense, na primeira metade do século XIX, foi, de fato, componente estrutural dessa

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sociedade, seja em ocupações nas fazendas de subsistências, criação de gado, no cultivo

de lavouras e/ou nas atividades tropeiras.

Os escravos corresponderam os maiores percentuais de bens entre os

componentes das fortunas muito pequenas e pequenas. Nas faixas médias os ativos

escravos e bens de raiz equivaleram à maior parte das fortunas dos inventariados. Nas

faixas altas constatamos certo equilíbrio entre os ativos de suas fortunas, porém com

concentração, especialmente no dinheiro líquido, trastes de uso campeiro, pratas,

ferramentas de trabalhos no campo e entre outros. No entanto, quanto maior a posse de

escravos, maior a fortuna do inventariado. Dessa forma, pode-se enfatizar a importância

desses três elementos: escravos, terra e animais, para essa sociedade, nesse período,

principalmente a participação dos cativos nas lidas campeiras.

A soma dos bens dos inventariados revelou que a riqueza na vila de Castro

concentrou-se principalmente nas mãos dos grandes fazendeiros, negociantes de

animais, possuidores de extensas propriedades de terras e consequentemente da posse de

escravos.

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