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TERRA, TRABALHO E ESCRAVO: FORTUNAS ESCRAVISTAS NOS
CAMPOS GERAIS PARANAENSE (1826-1850).
MARIANI BANDEIRA CRUZ OLIVEIRA
Mestranda em História - UNICENTRO
INTRODUÇÃO
Os Campos Gerais paranaense ficaram conhecidos na historiografia pelos seus
envolvimentos com as atividades de criação e engordas de animais. O desenvolvimento
desta região se deu no início do século XVIII, baseado nas atividades do tropeirismo,
nas posses de grandes propriedades de terras, criação de animais, no trabalho livre e
escravo.
Com a abertura do Caminho de Viamão1 entre os anos de 1728 e 1730 os
Campos Gerais Paranaense encontrava-se em meio a rota que ligava o Sul com Sudeste
da colônia. E a posição geográfica em que se situava em relação aos centros comerciais
do império, fez com que se constituísse num importante entroncamento e ponto de
parada, de viajantes e tropeiros que transitavam pela região. Desse modo, as localidades
dos Campos Gerais “mais do que parada [...] eram pontos de criação e de comércio,
onde muitas pessoas fixaram moradia levando em consideração a possibilidade de
crescimento” (MARTINS, 2011, p.54).
A Vila de Castro estava, portanto, dentro deste processo. Desenvolveu-se ligada
as influências do tropeirismo que contribui com a formação de pequenos ranchos, os
quais consolidaram na ocupação dos espaços e constituição dos vilarejos ao longo do
caminho das Tropas. Conforme Ilton César Martins:
1 O Caminho de Viamão ligava a Província de São Pedro do Rio Grande, passando pelos Campos Gerais
paranaense, à Sorocaba no interior de São Paulo. Faz parte das muitas rotas e trilhas que foram criadas
para cruzarem do interior do Brasil aos centros comerciais da colônia e Império (MARTINS, 2011, p. 49).
2
A localidade é a primeira região a ser habitada nos Campos Gerais
basicamente por conta do rio Iapó e suas cheias, que obrigava tropeiros de
Curitiba, Viamão e de Sorocaba, a repousar em suas margens,
preferencialmente em sua margem esquerda, onde podiam se pôr ao abrigo
dos ataques de índios que habitavam a região” (MARTINS, 2011, p.54).
Desde o século XVIII os Campos Gerais conviviam com o caminho de
passagens de viajantes e tropeiros que transitavam pela região. Vilas e povoados foram
se formando ao longo desse caminho, como é o caso de Castro.
Portanto, neste trabalho, procuramos pensar a sociedade castrense inserida no
contexto da primeira metade do século XIX, justamente quando as atividades da
pecuária e do tropeirismo já estavam consolidadas em todo o sul da América
portuguesa.
DOS CAMPOS GERAIS: VILA DE CASTRO, FAZENDAS E TRABALHO
ESCRAVO
A Vila de Castro faz parte da região que hoje conhecemos como Campos Gerais
Paranaense. A ocupação dessa área se deu pela distribuição da sesmaria2 no início do
século XVIII. As terras foram adquiridas especialmente por paulistas, habitantes de
Curitiba e Paranaguá (Pinto, 1992, p.75). As primeiras famílias que se instalaram na
região exploraram os campos naturais para a engorda e criação de animais. Com o
povoamento dessas terras favoreceu a formação de um grupo de fazendeiros que se
formou na localidade.
As atividades desenvolvidas nessas propriedades contavam com mão de obra
livre e principalmente escrava. Conforme Cacilda Machado “o escravo era mão-de-obra
fundamental nas fazendas, e os grandes proprietários dos Campos Gerais eram
geralmente senhores de escravarias maiores dos que os das terras curitibanas”
(MACHADO, 2008, p.30).
As investigações sobre o escravismo na área que irá abranger a Província do
Paraná demonstram que as regiões de predominância campeira, como é o caso dos
2 Há um Alvará datado de 19/03/1704 em que Pedro Taques de Almeida, representante das principais
famílias paulistas, requeriam por sesmarias as terras nas proximidades do Rio Iapó, atualmente região dos
Campos Gerais do Paraná. Esse pedido foi concedido parte da área localizada na paragem chamada Iapó,
nas proximidades do rio Iapó (PINTO, 1992, p.42).
3
Campos Gerais com suas atividades de pecuárias foram as possuidoras de maiores
plantéis de escravos. (PEREIRA, 1996, p.60; MACHADO, 2008, p.30; GUTIÉRREZ,
1986, p.151).
Entre as fazendas que se formaram nos Campos Gerais algumas possuíam
características específicas, como das unidades absenteístas, onde os proprietários não
costumavam permanecer em suas fazendas, deixando-as aos cuidados de capatazes de
sua confiança, na maioria administradas pelos escravos, como é o caso, por exemplo, da
Fazenda Capão Alto3, situada nas proximidades da Vila de Castro.
As escravarias dos Campos Gerais paranaense, mesmo sendo mais modestas do
que as encontradas nas regiões agroexportadoras do sudeste brasileiro, possuíram sua
relevância para a economia paranaense, a dos Campos Gerais e também na constituição
da sociedade castrense do século XIX.
Desse modo, a sociedade castrense constituía-se por ricos fazendeiros,
detentores de poder econômico e político, e assalariados, daqueles cujas atividades
supriam apenas as necessidades de subsistência e dos sitiantes (PINTO, 1992, p.04).
Nas primeiras décadas do século XIX, a área que vai tornar-se a Província do
Paraná apresentava um crescimento em sua população. Entre os anos de 1804 a 1854,
seus habitantes passaram de 26.370 para 62.258 indivíduos (WESTPHALEN, 1997,
p.26). Esse total dividia-se entre as áreas Curitibanas, Campos Gerais e o Litoral.
No início desse século, Campos Gerais era o menos povoado, contava com
aproximadamente 26% do total da população paranaense. Já na década de 1850
alcançou o percentual de 35% do total de habitantes nesse território (WESTPHALEN,
1997, p.35).
Num espaço parcialmente ocupado, a transitoriedade delineava os contornos da
vida material. A Vila de Castro situada num caminho de passagem era um lugar com
fluxo relativamente constante de gente, chegando ou saindo, dependendo da disposição
e/ou necessidade de cada um. As pessoas buscavam o enriquecimento ou a melhoria nas
condições de sobrevivência.
3 A Fazenda Capão Alto de propriedade dos Padres Carmelitas foi administrada, na sua maior parte por
capatazes cativos. E aparece nas listas nominativas de 1835, como a maior escravaria de Castro, que
abrigava 99 escravos, no mínimo. (LIMA, C. A. M. ; MELO, K.V. de. A distante voz do dono: a família
escrava em fazendas absenteístas de Curitiba (1797) e Castro (1835) In: Afro-Ásia, 31 (2004), 127-162,
p.140).
4
Nos primeiros anos do século XIX, a Vila Nova de Castro era composta por
moradores que se dedicavam as lidas nos currais e no comércio de animais, além disso,
buscavam garantir a sobrevivência prestando auxílio aos tropeiros que passavam pela
vila (MELO, Kátia Andreia Vieira, 2004, p.15). Entretanto, a história desta localidade
nesse período é marcada por história de fazendeiros, tropeiros e viajantes, de sucessos e
insucessos, numa área de pastoreio que acolhia pessoas dos mais variados graus de
riqueza.
Quanto ao aspecto físico da povoação da vila castrense pode-se levar em conta o
olhar de Jean-Baptiste Debret que passou pela região na década de 1820 e registrou suas
impressões.
A cidade de Castro, de Jean Baptiste Debret (1829) FONTE: BANDEIRA, Julio e LAGO, Pedro
Correia do. Debret e o Brasil: Obra completa 1816-1831. Rio de janeiro: Capivara Editora, 2007.
p. 284.
Tomando como base a aquarela de Debret, temos a Vila de Castro no início do
Século XIX ainda pouco povoada, e isso, não é muito diferente das demais vilas
paranaense, ou até mesmo das espalhadas pelo interior brasileiro no período.
No entanto, a vila castrense é representada com a Igreja ao centro e algumas
casas em torno dessa. Debret destaca a presença dos homens montados nos animais, o
que nos remete a valorização da sociedade campeira na localidade.
O estilo de vida na vila era marcado pela cultura campeira. A população que
concentrava nessa região nas primeiras décadas do século XIX era bastante
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diversificada, apesar das atividades agrícolas e pecuárias serem as mais cotadas, os
habitantes castrenses procuravam, na medida do possível, inserir-se em diversas
atividades econômicas.
FORTUNA DOS DONOS DE ESCRAVOS DA VILA DE CASTRO
O estudo das fortunas coloniais, a partir dos inventários post-mortem, tem sido
tema de diversos trabalhos acadêmicos. Essas pesquisas, em sua maioria, constatam a
importância de alguns ativos significativos na formação das fortunas coloniais:
escravos, terras, imóveis e dívidas ativas. O que muda, em alguns casos, é a ordem que
cada ativo possui no conjunto das fortunas analisadas.
Para analisarmos a composição das fortunas4 dos inventariados pesquisados
recorremos, sobretudo, ao modelo proposto por Kátia Mattoso (1992) quando analisou a
riqueza na Bahia do século XIX. Entretanto, nosso modelo de análise segue com
devidas alterações. Segundo João Fragoso (1998), o “estudo das fortunas é um dos
meios para se identificar a lógica que perpassa o processo de reprodução da
sociedade” (FRAGOSO, 1998, p.334). A fortuna é, portanto, de fundamental
importância na compreensão do funcionamento destas sociedades.
A partir da análise das fontes classificamos o valor do patrimônio dos
inventariados em oito faixas de fortunas, que permitiu-nos traçar um perfil de suas
riquezas, conforme quadro abaixo.
4 Entendemos fortuna a posse de qualquer bem (MATTOSO, Kátia. Bahia, século XIX: uma Província no
Império. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1992, p.608).
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QUADRO 01 – CLASSIFICAÇÃO DAS FORTUNAS DOS DONOS DE ESCRAVOS DA VILA DE
CASTRO, 1826-1850. (EM CONTOS DE RÉIS)
Faixas de fortunas Valor monte-mor
bruto
Número de
inventariados
%
1- Muito pequenas Até 1:000$000 13 12,2
2- Pequenas 1:000$001 a
3:000$000
30 28,3
3- Médias baixas 3:000$001 a
5:000$000
16 15,1
4- Médias 5:000$001 a 10:000$000 24 22,7
5- Médias altas 10:000$001 a 20:000$000 11 10,4
6- Grandes baixas 20:000$001 a 50:000$000 07 6,6
7- Grandes médias 50:000$001 a 100:000$000 01 0,9
8- Grandes altas Acima de 100:000$000 04 3,8
FONTE: FÓRUM DA COMARCA DE CASTRO. Inventário de proprietários de escravos da
Vila de Castro. Caixas: 1826-1850. Castro.
De acordo com a classificação no quadro acima é possível observar que a
maioria dos inventariados pesquisados possuía um patrimônio que não ultrapassava dez
contos de réis. Assim, 83 dos inventariados pesquisados (78,3%) não atingiram a faixa
média alta (10:00$001 a 20:000$000). Dos 106 inventários analisados treze (12,2%)
tiveram suas fortunas avaliadas em até um conto de réis; trinta (28,3%) possuíam acima
de 1 a 3 contos de réis; na faixa média baixa encontra-se dezesseis (15,1%); vinte e
quatro na faixa média (22,7%); onze na médias altas (10,4%); sete na faixa grandes
baixas (6,6%); na grandes médias apenas um proprietário, correspondendo a menos de
1% (0,9%); e por fim, na faixa grandes altas 4 inventariados , correspondendo a 3,8%
dos inventários estudados.
Tiago Gil em seu estudo sobre os tropeiros e seus negócios no caminho de
Viamão, mencionou que na rota dos tropeiros (o qual a região dos Campos Gerais
Paranaenses se inseriu) a economia era comandada pelos oficiais do exército,
especialmente os capitães. E para vila de Castro apontou o Capitão Francisco Carneiro
Lobo e o Alferes Luis Castanho como os mais influentes senhores da vila. Essas
influências não baseavam somente no tamanho dos planteis de escravos, relacionava-se
também com o patrimônio envolvendo propriedades de terras e animais (GIL, 2007,
p.224-225).
7
Convém ressaltar que a economia castrense, na qual estamos nos referindo, é
uma economia relativamente pobre, se comparada, por exemplo, com os negócios
desenvolvidos no Rio de Janeiro na mesma época. Tiago Gil afirmou que no caso da
rota das tropas, os capitães eram os senhores daquela “pobre economia”, como os do
Rio de Janeiro eram de “grossa aventura” (GIL, 2007, p. 227).
PEQUENAS FORTUNAS
A faixa das fortunas consideradas muito pequenas na vila de Castro, no período
estudado, somou um total de 13 proprietários, equivalente a 12,2% dos inventariados
pesquisados. Entre esses, encontramos Ana Gertrudes do Sacramento5, inventariada em
1831, com a menor fortuna, avaliada em 113$980 (cento e treze mil réis). Dos bens
arrolados encontrou-se a escrava Rita, crioula, com 50 anos, avaliada em 100$000 (cem
mil réis), correspondente a 88% da fortuna da inventariada. Ainda entre os seus bens
constaram uma vaca velha avaliada em 2$000 (dois mil réis); duas vacas com crias no
valor de 2$500 (dois mil e quinhentos réis) cada uma; e outros bens: um par de
canastras velhas, um catre tecido de couro, uma mesa, um caldeirão de cobre e um tacho
pequeno, totalizando 6$980 (seis mil e novecentos e oitenta réis).
Ana Gertrudes, “mulher pobre” (possivelmente já viúva) não possuía
propriedade de terras. Ao que tudo indica morava apenas com a escrava Rita, que lhe
prestava auxílio nas lidas diárias. Visto que os três herdeiros: Antonio, falecido; Maria
Thereza, com 50 anos, casada; Josefa de tal, também casada, provavelmente nenhum
desses dividiam o mesmo lar com Gertrudes.
Embora nas fontes analisadas não apareçam declaradas das ocupações dos
pequenos proprietários, donos de escravos da vila de Castro, é possível que alguns deles
tenham prestado serviços em fazendas vizinhas, que contavam com a mão de obra livre
para o auxílio das diversas atividades da fazenda. Dos 13 inventariados incluídos na
faixa muitos pequenas, 7 não possuíam propriedades de terras e/ou moradia. Onde
residiam essas famílias com seus escravos?
5 FÓRUM DA COMARCA DE CASTRO. Inventário de Ana Gertrudes do Sacramento. Caixa: 1831.
Castro, 1831.
8
Cacilda Machado em estudo sobre a população de São José dos Pinhais, para
início do século XIX, enfatizou a presença de pessoas residindo como agregados em
alguns domicílios dessa região. Em geral, os dados não trazem informações de vínculos
parentais, nem mesmo detalhes sobre as ocupações exercidas por esses agregados.
Dessa feita, “possivelmente a maior parte deles trabalhava na lavoura ou no serviço
doméstico, como, de resto, o conjunto da população do lugar” (MACHADO, 2008,
p.117). É provável que com a prestação de serviços nas fazendas tenha conseguido um
aumento na renda familiar e, quem sabe, até a permissão de um lote de terra para nele
criar um pequeno rebanho de gado, como pode ser o caso, por exemplo, da inventariada
Ana Gertrudes do Sacramento.
Pelos dados constatados nos inventários, observa-se que a riqueza desses
“muitos pequenos” afortunados da vila de Castro do período estudado, incluía a posse
de escravos, animais (vacuns e cavalares), bens de raízes e alguns poucos móveis. Dos
13 inventariados classificados na faixa de fortuna muito pequenas, 11 concentraram a
maior parte de sua fortuna na posse de escravos. Isso evidencia que esses menos
afortunados tiveram seus investimentos voltados especialmente à posse escrava.
Nessa faixa encontramos uma média de 1,7 escravos por inventariado. Em seis
dos 13 inventários analisados encontrou-se a presença de apenas um cativo; 5
inventariados contaram com a presença de dois escravos cada um; somente 2
inventariados possuíam mais de dois escravos6.
Esses números evidenciam que o trabalho desenvolvido na propriedade desses
inventariados dessa faixa de fortuna era também dependente da participação de
escravos. Além disso, observamos um percentual significativo da presença de animais
na fatia da fortuna desses proprietários. Do total de inventariados, nessa faixa, em
apenas dois documentos não foi constatada a presença de animais. Foi o caso de
Antonio Martins Lemos7, inventariado em 1837, que teve sua fortuna avaliada em
308$860 (trezentos e oito mil e oitocentos e sessenta réis). Desse total, mais de 70%
concentrou-se na posse de escravos (possuidor de 2 cativos); e ainda, um sítio e uma
morada de casa correspondendo a 16% da sua fortuna; e ainda 13% esteve relacionada a
6 Os inventariados: Elena Pires da Silva e João Martins de Oliveira, ambos inventariados em 1826,
aparecem nos inventários post-mortem como possuidores de 3 escravos, cada um. 7 FÓRUM DA COMARCA DE CASTRO. Inventário de Antonio Martins Lemos. Caixa: 1837. Castro,
1837.
9
outros bens como, enxadas, machado e catre. É provável que Antonio Martins Lemos e
seus escravos tenham se dedicados a agricultura.
Ainda nessa faixa das muito pequenas observa-se que mais da metade (54%)
desses proprietários de mão de obra escrava não eram possuidores de propriedade de
terras, nem moradia. Mais de 60% de suas fortunas concentraram na posse de escravos.
Interessante destacar que a posse de animais, entre esses proprietários é também
significativa. Esses dados nos levam a seguinte indagação: onde moravam esses
inventariados? Eram agregados? Infelizmente os inventários post-mortem analisados
não apontam pistas que nos levam a essas respostas.
Na faixa de fortuna pequena (com mais de 1$000 até 3$000) concentra-se o
maior número de inventariados, num total de 30, equivalente a 28,3% do percentual na
documentação pesquisada. Nessa faixa encontramos proprietários com mais posses de
terras e/ou casas, do que entre os da faixa muito pequenas. Entretanto, a posse de
escravos e animais também são ativos relevantes na soma de suas fortunas. A média de
cativos por proprietários concentrou-se em torno de 4,6 com predomínio de plantéis
com 3 a 7 escravos.
Os dados nos mostram que entre os pequenos afortunados, assim, como os da
faixa muito pequenos, a posse escrava somou a maior fatia nas suas fortunas. Do total
incluído na faixa de fortuna pequena, todos tiveram o maior percentual de sua fortuna
concentrada em torno da propriedade cativa.
O valor percentual de animais nessas faixas de fortunas se mantém significativa.
Isso sugere a possibilidade desses inventariados terem lidas com a criação de animais,
além do trabalho na agricultura, mesmo que seja para sua subsistência.
FAIXA DAS FORTUNAS MÉDIAS
Os inventariados cujas fortunas foram classificadas nas faixas: médias baixas
(mais de 3:000$000 até 5:000$000), médias (mais de 5:000$000 até 10:000$000) e
médias altas (mais de 10:000$000 até 20:000$000) corresponderam a um total de 51
inventários, equivalendo a 48,2% do total pesquisado.
O número médio de escravos por proprietários na faixa de fortunas médias
baixas ficou em torno de 7,1 cativos por inventariados; já para os classificados na faixa
10
médias cativos por proprietários foi de 9 escravos por inventariado; e para os da faixa
médias altas encontramos uma escala ainda mais elevada, com uma média de 11,7
cativos por proprietários.
A partir desses dados notamos um crescimento na propriedade escrava entre os
inventariados das faixas médias. Na medida em que as fortunas são maiores, a posse
escrava também aumenta. Mas é interessante ressaltar que esse crescimento na
propriedade escrava não reflete no valor percentual da propriedade cativa.
Observamos que 50% dos inventariados na faixa médias baixas tiveram sua
fortuna concentrada na propriedade escrava; em três inventários não foram constatado
bens de raiz; dois não possuíam animais; e um contava somente com a posse de
escravos e bens de raiz.
Na faixa média temos oito inventariados (50%) com maior parte de sua fortuna
concentrada na propriedade escrava; um não possuía animais; e em mais um não
constou bens de raízes. Já na faixa média alta não constatamos nenhum inventariado
com maior concentração de riqueza na propriedade escrava.
Na verdade, nas faixas: média e médias altas foram encontrados dois
proprietários de mão de obra cativa que tiveram a maior parte de suas fortunas
concentradas nos bens de raiz. Entre esses se encontra Ana Gertrudes Maria do Espírito
Santo8, inventariada no ano de 1846. Constaram entre os bens arrolados a posse de 6
escravos, equivalendo 13,5% de sua fortuna; 14 cabeças de animais (incluindo vacas,
bois, cavalos, éguas, porcos e ovelhas) correspondendo a 6,5% de sua riqueza; 02 casas
no espaço urbano da vila de Castro e 10 propriedades no espaço rural (incluindo sítios,
rincão, moinho e terras lavradias) equivalente a 73% de sua fortuna; e ainda, outros
bens: enxadas, arreios, machados, foices, facão, tachos, catres e talheres.
Ana Gertrudes Maria do Espírito Santo e seus escravos possivelmente tenham se
dedicados às atividades agrícolas. Consta em seu inventário a descrição de um plantio
de milho em duas de suas propriedades. Além disso, constatamos entre seus bens a
presença de moinho e tachos. Dessa forma, não é descartada a possibilidade da
fabricação de farinha em suas propriedades. Também não é descartado a possibilidade
dela ter comercializado tais produtos na região.
8 FÓRUM DA COMARCA DE CASTRO. Inventário de Ana Gertrudes Maria do Espírito Santo. Caixa:
1846. Castro, 1846.
11
A partir das faixas médias, observamos que os inventariados dispunham de
maiores quantidades de bens, especialmente no se refere aos trastes de uso domésticos,
como por exemplo, louças, porcelanas, entre outros. No entanto, a propriedade de
escravos, os bens de raiz e os animais continuam com uma participação maior nas suas
fortunas.
FAIXA DAS FORTUNAS GRANDES
Os inventariados cujas fortunas foram classificadas nas faixas grandes: grandes
baixas, grandes médias e grandes altas corresponderam a um total de 13 (11,3%) dos
inventários pesquisados. É nessa que se encontram os maiores plantéis de escravos. Os
incluídos na faixa grandes baixas aparecem com uma média de 25,5 cativos por
proprietários; 14 cativos na faixa grandes médias, e por fim, na grandes altas temos
uma média de 42 escravos por inventariados.
Ao classificarmos o patrimônio desses inventariados observamos de certa forma,
uma distribuição percentual equilibrada entre as propriedades: escravos, raiz, animais e
outros bens.
Na faixa grandes baixas temos 7 inventários, desses, 3 tiveram a maior parte de
sua fortuna concentrada na posse escrava (43%); seguida dos bens de raiz e animais. Na
faixa grandes médias temos apenas um inventariado. Os bens de raiz aparecem como o
ativo em que somou a maior parte de sua fortuna. Já entre os mais “afortunados”, os
bens de raiz, posse escrava e animais continuaram sendo ativos relevantes, porém os
outros bens foram os que concentraram a maior parte de suas fortunas.
Os possuidores das maiores fortunas em Castro, no período estudado, foram
também os detentores dos maiores plantéis escravos. Percebemos na pesquisa que a
concentração da riqueza não se relacionava diretamente ao número de escravos.
Certamente, a atuação dos cativos nas atividades desenvolvidas nas propriedades desses
senhores tornaram-se fundamentais, conforme constatado pela análise das fontes.
Encontramos indícios de envolvimento desses inventariados com os negócios e vendas
de animais, especialmente com os negociantes do sudeste do império.
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João Carneiro Lobo9 com uma fortuna avaliada em 156:395$460 foi o mais
abastado dos inventariados da nossa pesquisa. Constaram entre os bens arrolados a
posse de 53 escravos, 3.713 animais (incluindo vacas, cavalos, éguas e mulas) e mais de
16 propriedades de terras (incluindo fazendas, invernadas, terras lavradias, senzalas e
capões de matos), além de alguns outros bens (como trastes de uso em animal, enxadas,
machados, roupas, objetos de uso domésticos, algumas fazendas em tecidos, e entre
outros). João Carneiro Lobo foi influente na região e a partir de seu inventário ainda foi
possível constatar que manteve negócios também em outras regiões do império
português, principalmente em São Paulo. Encontramos uma declaração feita pela
inventariante, Dona Ana Estevão Carneira, possivelmente sua viúva, que havia uma
tropa de bestas (éguas) que havia sido enviada a Feira de Sorocaba, junto com seu sócio
Manoel José da Trindade, a fim de ser vendida aos negociantes dessa região.
Os quatro inventariados de maiores fortunas encontrados na documentação
analisada, possivelmente foram pessoas que exerceram também influências políticas na
região, quem sabe, até ocupando cargos públicos. Tiago Gil apontou o predomínio dos
oficiais do exército nas atividades econômicas desenvolvidas ao longo desse caminho.
Afirma que “em Castro, particularmente, se percebe notoriamente, tal como em Lages
a divisão geográfica destes pequenos potentados, ainda que todos participassem da
governança local” (GIL, 2007, p.226).
Joaquim de Andrade e Silva10
, falecido no ano de 1848 é um dos inventariados
pertencente a faixa grandes altas, com uma fortuna avaliada em torno de 103:872$474.
Constaram entre os “bens” arrolados a posse de 32 escravos, (16% do total de sua
fortuna); 265 cabeças de animais (vacas, bois, terneiros, éguas, burros e porcos),
(correspondendo a 3% de sua riqueza); 22 propriedades de terras (casas, fazendas,
chácaras, terras lavradias, potreiros, terrenos e sítios), 30% de sua fortuna; e ainda
outros bens (livros de leis do império, tachos, canoas, alambiques, caldeiras,
apuradeiras, balanças, estribos, arreios, pratas, ouros, roupas, ferraduras, armas de
fogos, trastes domésticos, mesas, chapéus, entre outros) equivalente a 51% de sua
fortuna.
9 FÓRUM DA COMARCA DE CASTRO. Inventário de Joaquim de Andrade e Silva. Caixa: 1848.
Castro, 1848. 10
FÓRUM DA COMARCA DE CASTRO. Inventário de Joaquim de Andrade e Silva. Caixa: 1848.
Castro, 1848.
13
No inventário de José Joaquim de Andrade e Silva observamos uma diversidade
nos seus “bens”. É o possuidor de mais “bens de raiz” (com mais de 20). Essas
propriedades encontravam-se espalhadas em diversas vilas, como Castro, Itú, Campinas,
Sorocaba, Itapeva e Piracicaba. A maior parte do percentual de sua fortuna esteve
dividida entre os “outros bens”, especialmente nos elementos referente aos trastes de
lidas no campo: arreios, cabeçadas, freios, esporas; as ferramentas de trabalhos como:
enxadas, machados, enxor; caldeiras, tachos, ouros, pratas, dinheiro líquido e os livros.
A atuação dos escravos, as propriedades de terras, o comércio, inclusive de
animais contribuíram para a consolidação das fortunas da elite escravista que se
estabeleceram em Castro ao longo do século XIX. Os movimentos e as alianças
estabelecidas entre a sociedade campeira castrense com os negociantes das demais áreas
do império português promoveu uma integração maior entre as regiões do império.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Em conformidade com estudos recentes sobre o papel da escravidão no mercado
interno e na dinâmica da economia de abastecimento de outras regiões do Brasil,
verificou-se que a Região dos Campos Gerais Paranaense nas primeiras décadas do
oitocentos relacionava-se com as demais localidades e províncias com o mesmo tipo de
atividades pecuarista, como Sorocaba, sul de Minas Gerais e Rio Grande do Sul, não
apenas pelos caminhos das tropas. A comercialização de animais e a mão de obra
escrava tiveram sobremaneira grande importância, especialmente por tratar-se de uma
atividade socioeconômica.
A partir da exploração dos inventários post mortem, constatamos que a presença
escrava nas propriedades dos inventariados foi um fator relevante no perfil de suas
fortunas, quando comparamos tais aspectos a outras regiões do Brasil, em que a
economia era mais dinâmica. Mesmo sem constituírem extensos plantéis, os cativos
participaram ativamente da sociedade castrense, sendo explorados pelos seus senhores.
A média de escravos por proprietário na vila de Castro, no período de 1826 a
1850 concentrou-se em torno de 8 cativos por proprietário. Esses dados em comparação
a outras regiões paranaense são bem mais elevados. A mão de obra escrava na vila
castrense, na primeira metade do século XIX, foi, de fato, componente estrutural dessa
14
sociedade, seja em ocupações nas fazendas de subsistências, criação de gado, no cultivo
de lavouras e/ou nas atividades tropeiras.
Os escravos corresponderam os maiores percentuais de bens entre os
componentes das fortunas muito pequenas e pequenas. Nas faixas médias os ativos
escravos e bens de raiz equivaleram à maior parte das fortunas dos inventariados. Nas
faixas altas constatamos certo equilíbrio entre os ativos de suas fortunas, porém com
concentração, especialmente no dinheiro líquido, trastes de uso campeiro, pratas,
ferramentas de trabalhos no campo e entre outros. No entanto, quanto maior a posse de
escravos, maior a fortuna do inventariado. Dessa forma, pode-se enfatizar a importância
desses três elementos: escravos, terra e animais, para essa sociedade, nesse período,
principalmente a participação dos cativos nas lidas campeiras.
A soma dos bens dos inventariados revelou que a riqueza na vila de Castro
concentrou-se principalmente nas mãos dos grandes fazendeiros, negociantes de
animais, possuidores de extensas propriedades de terras e consequentemente da posse de
escravos.
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