terra e Água escolher sementes, invocar a...

19
Ana Catarina Sousa ∙ António Carvalho ∙ Catarina Viegas (eds.) estudos & memórias 9 Terra e Água Escolher sementes, invocar a Deusa CENTRO DE ARQUEOLOGIA DA UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE LETRAS DA UNIVERSIDADE DE LISBOA estudos em homenagem a victor s. gonçalves

Upload: others

Post on 07-Jul-2020

1 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Page 1: Terra e Água Escolher sementes, invocar a Deusarepositorio.ul.pt/bitstream/10451/37093/1/AC_EM9.pdf · 2019-02-22 · Fernão Lopes (1378/83-1460), Quadros da Crónica de D. João

Ana Catarina Sousa ∙ António Carvalho ∙ Catarina Viegas (eds.)

estudos & memórias 9

Terra e Água Escolher sementes, invocar a Deusa

CENTRO DE ARQUEOLOGIA DA UNIVERSIDADE DE LISBOAfACULDADE DE LETRAS DA UNIVERSIDADE DE LISBOA

estudos em homenagem a victor s. gonçalves

Page 2: Terra e Água Escolher sementes, invocar a Deusarepositorio.ul.pt/bitstream/10451/37093/1/AC_EM9.pdf · 2019-02-22 · Fernão Lopes (1378/83-1460), Quadros da Crónica de D. João

Ana Catarina Sousa António Carvalho Catarina Viegas (eds.)

Terra e Água Escolher sementes, invocar a Deusaestudos em homenagem a victor s. gonçalves

Page 3: Terra e Água Escolher sementes, invocar a Deusarepositorio.ul.pt/bitstream/10451/37093/1/AC_EM9.pdf · 2019-02-22 · Fernão Lopes (1378/83-1460), Quadros da Crónica de D. João

estudos & memóriasSérie de publicações da UNIARQ (Centro de Arqueologia da Universidade de Lisboa)Workgroup on Ancient Peasant Societies (WAPS)Direcção e orientação gráfica: Victor S. Gonçalves

9.SOUSA, A. C.; CARVALHO, A.; VIEGAS, C., eds. (2016) – Terra e Água. Escolher sementes, invocar a Deusa. Estudos em Homenagem a Victor S. Gonçalves. estudos & memórias 9. Lisboa: UNIARQ/ FL-UL. 624 p.

Capa: desenho geral e fotos de Victor S. Gonçalves. Face: representação sobre cerâmica da Deusa com Olhos de Sol, reunindo, o que é muito raro, todos os atributos da face – sobrancelhas, Olhos de Sol, nariz com representação das narinas, «tatuagens» faciais, boca e queixo. Sala n.º 1, Pedrógão do Alentejo, meados do 3.º milénio. Altura real: 66,81 mm. Verso: Cegonhas, no Pinhal da Poupa, perto da entrada para o Barrocal das Freiras, Montemor-o-Novo (para além de várias metáforas, uma pequena homenagem a Tim Burton...).

Paginação e Artes finais: TVM designers Impressão: AGIR, Produções Gráficas 300 exemplares + 100 com capa dura, numerados.

Brochado: ISBN: 978-989-99146-2-9 / Depósito Legal: 409 414/16 Capa dura: ISBN: 978-989-99146-3-6 / Depósito Legal: 409 415/16

Copyright ©, 2016, os autores.Toda e qualquer reprodução de texto e imagem é interdita, sem a expressa autorização do(s) autor(es), nos termos da lei vigente, nomeadamente o DL 63/85, de 14 de Março, com as alterações subsequentes. Em powerpoints de carácter científico (e não comercial) a reprodução de imagens ou texto é permitida, com a condição de a origem e autoria do texto ou imagem ser expressamente indicada no diapositivo onde é feita a reprodução.

Lisboa, 2016.

Volumes anteriores de esta série:

LEISNER, G. e LEISNER, V. (1985) – Antas do Concelho de Reguengos de Monsaraz. Estudos e Memórias, 1. Lisboa: Uniarch/INIC. 321 p.

GONÇALVES, V. S. (1989) – Megalitismo e Metalurgia no Alto Algarve Oriental. Uma aproximação integrada. 2 Volumes. Estudos e Memórias, 2. Lisboa: CAH/Uniarch/INIC. 566+333 p.

VIEGAS, C. (2011) – A ocupação romana do Algarve. Estudo do povoamento e economia do Algarve central e oriental no período romano. Estudos e Memórias 3. Lisboa: UNIARQ. 670 p.

QUARESMA, J. C. (2012) – Economia antiga a partir de um centro de consumo lusitano. Terra sigillata e cerâmica africana de cozinha em Chãos Salgados (Mirobriga?). Estudos e Memórias 4. Lisboa: UNIARQ. 488 p.

ARRUDA, A. M., ed. (2013) – Fenícios e púnicos, por terra e mar, 1. Actas do VI Congresso Internacional de Estudos Fenícios e Púnicos, Estudos e memórias 5. Lisboa: UNIARQ. 506 p.

ARRUDA, A. M. ed., (2014) – Fenícios e púnicos, por terra e mar, 2. Actas do VI Congresso Internacional de Estudos Fenícios e Púnicos, Estudos e memórias 6. Lisboa: UNIARQ. 698 p.

SOUSA, E. (2014) – A ocupação pré-romana da foz do estuário do Tejo. Estudos e memórias 7. Lisboa: UNIARQ. 449 p.

GONÇALVES, V. S.; DINIZ, M.; SOUSA, A. C., eds. (2015) – 5.º Congresso do Neolítico Peninsular. Actas. Lisboa: UNIARQ/ FL-UL. 661 p.

O cumprimento do acordo ortográfico de 1990 foi opção de cada autor.

Page 4: Terra e Água Escolher sementes, invocar a Deusarepositorio.ul.pt/bitstream/10451/37093/1/AC_EM9.pdf · 2019-02-22 · Fernão Lopes (1378/83-1460), Quadros da Crónica de D. João

APRESENTAÇÃO 11anacatarinasousaantóniocarvalhocatarinaviegas

VICTOR S. GONÇALVES E A FACULDADE DE LETRAS DE LISBOA 15paulofarmhousealberto

TEXTOS EM HOMENAGEM

Da Serra da Neve a Ponta Negra em busca do Munhino I 21anapaulatavares

Reconstruir a paisagem 27antónioalfarroba

O «ciclo de Cascais». Victor S. Gonçalves e a arqueologia cascalense 33antóniocarvalho

Os altares dos «primeiros povoadores da Lusitânia»: 45 visões do Megalitismo ocidentalcarlosfabião

í n d i c e

Page 5: Terra e Água Escolher sementes, invocar a Deusarepositorio.ul.pt/bitstream/10451/37093/1/AC_EM9.pdf · 2019-02-22 · Fernão Lopes (1378/83-1460), Quadros da Crónica de D. João

Báculos e placas de xisto: os primórdios da sua investigação 69joãoluíscardoso

Optimismo, pessimismo e «mínimo vital» em arqueologia 81pré-histórica, seguido de foco em terras de (Mon)Xarazluísraposo

O Neolítico Antigo de Vale da Mata (Cambelas, Torres Vedras) 97joãozilhão

No caminho das pedras: o povoado «megalítico» das Murteiras (Évora) 113manuelcalado

As placas votivas da «Anta Grande» da Ordem (Maranhão, Avis): 125 um marco na historiografia do estudo das placas de xisto gravadas do Sudoeste peninsularmarcoantónioandrade

O Menir do Patalou – Nisa. Entre contextos e cronologias 149jorgedeoliveira

Percorrendo antigos [e recentes] trilhos do Megalitismo Alentejano 167leonorrocha

Os produtos ideológicos «oculados» do Terceiro milénio a.n.e 179 de Alcalar (Algarve, Portugal)elenamorán

Gestos do simbólico II – Recipientes fragmentados em conexão 189 nos povoados do 4.º/ 3.º milénios a.n.e. de São Pedro (Redondo)ruimataloto∙catarinacosteira

Megalitismo e Metalurgia. Os Tholoi do Centro e Sul de Portugal 209anacatarinasousa

A comunicação sobre o 3.º Milénio a.n.e. nos museus do Algarve 243ruiparreira

Informação intelectual – Informação genética – Sobre questões 257 da tipologia e o método tipológicomichaelkunst

Perscrutando espólios antigos: o espólio antropológico 293 do tholos de Agualvaruiboaventura∙anamariasilva∙mariateresaferreira

El Campaniforme Tardío en el Valle del Guadalquivir: 309 una interpretación sin cerrarj.c.martíndelacruz∙j.m.garridoanguita

Page 6: Terra e Água Escolher sementes, invocar a Deusarepositorio.ul.pt/bitstream/10451/37093/1/AC_EM9.pdf · 2019-02-22 · Fernão Lopes (1378/83-1460), Quadros da Crónica de D. João

Innovación y tradición en la Prehistoria Reciente del Sudeste 317 de la Península Ibérica y la Alta Andalucía (c. 5500-2000 Cal a.C.)fernandomolinagonzález∙juanantoniocámaraseranojoséandrésafonsomarrero∙lilianaspanedda

A Evolução da Metalurgia durante a Pré-História no Sudoeste Português 341antóniom.mongesoares∙pedrovalério

Bronze Médio do Sudoeste. Indicadores de Complexidade Social 359joaquinasoares∙carlostavaresdasilva

Algumas considerações sobre a ocupação do final da Idade do Bronze 387 na Península de Lisboaelisadesousa

À vol d’oiseau. Pássaros, passarinhos e passarocos na Idade do Ferro 403 do Sul de Portugalanamargaridaarruda

Entre Lusitanos e Vetões. Algumas questões histórico-epigráficas 425 em torno de um território de fronteiraamilcarguerra

O sítio romano da Comenda: novos dados da campanha de 1977 439catarinaviegas

A Torre de Hércules e as emissões monetárias de D. Fernando I 467 de Portugal na Corunharuim.s.centeno

Paletas Egípcias Pré-Dinásticas em Portugal 481luísmanueldearaújo

À MANEIRA DE UM CURRICULUM VITAE , 489 SEGUIDO POR UM ENSAIO DE FOTOBIOGRAFIA

Victor S. Gonçalves (1946- ). À maneira de um curriculum vitæ 491Legendas e curtos textos a propósito das imagens do Album 549Fotobiografia 558

LIVRO DE CUMPRIMENTOS 619

ÚLTIMA PÁGINA 623

Page 7: Terra e Água Escolher sementes, invocar a Deusarepositorio.ul.pt/bitstream/10451/37093/1/AC_EM9.pdf · 2019-02-22 · Fernão Lopes (1378/83-1460), Quadros da Crónica de D. João
Page 8: Terra e Água Escolher sementes, invocar a Deusarepositorio.ul.pt/bitstream/10451/37093/1/AC_EM9.pdf · 2019-02-22 · Fernão Lopes (1378/83-1460), Quadros da Crónica de D. João

terra e água. escolher sementes, invocar a deusa ∙ estudos em homenagem a victor s. gonçalves 33

O «CICLO DE CASCAIS».VICTOR S. GONÇALVES E A ARQUEOLOGIA CASCALENSE

antónio carvalho1

«Dar uma descrição exacta do que não acontece em nenhum tempo, não é apenas a verdadeira missão do historiador, mas ainda o privilégio inapreciável de todo o homem bem dotado e de espírito culto.»Oscar Wilde (1854-1900)

«Nós certamente levando outro modo, posta a de parte toda afei-çom que por aazo das ditas razões aver podiamos, nosso desejo foi em esta obra escrever verdade, sem outra mestura, leixando nos boõs aqueecimentos todo fingido louvor, e nuamente mostrar ao pôboo quaesquer contrarias cousas, da guisa que aveerom.»«Se otros per ventuira em esta cronica buscam fermosura e novi-dade de palavras, e nom a certidom das estorias, desprazar-lhe-á de nosso razoado, muito ligeiro a eles d’ouvir e nom sem gram tra-balho a nós ordenar. Mas nós, nom curando de seu juizo, leixados os compostos e afeitados razoamentos, que muito deleitom aque-les que ouvem, ante poemos a símprez verdade, que a afremosen-tada falsidade. Nem entendaes que certificamos cousa, salvo de muitos aprovada e per escrituras vestidas de fé; doutra guisa, ante nos calariamos que escrever cousas falsas.»

Fernão Lopes (1378/83-1460), Quadros da Crónica de D. João I, 1.ª parte, Prólogo. Selecção, prefácio e notas de Rodrigues Lapa, 1962

nota prévia2

Este texto justifica-se, essencialmente, pelo facto de ser para mim claro que a investigação arqueo-lógica no concelho de Cascais, no domínio da Pré-História, encontrou nos trabalhos desenvolvidos por Victor S. Gonçalves, no final dos anos 90 do século xx e primeira década do século xxi, o mais importante contributo – único, mesmo, sobre certos aspectos –, relançando a Arqueologia casca-lense, daquele período da ocupação humana do território, no panorama nacional e internacional.

1 Director do Museu Nacional de Arqueologia. Investigador da UNIARQ – Centro de Arqueologia da Universidade de Lisboa. Faculdade de Letras. Universidade de Lisboa. Alameda da Universidade, 1600-214 Lisboa, Portugal.

[email protected] Director do Departamento de Cultura da Câmara Municipal de Cascais, entre 2002-2012, e funcionário da Autarquia, ao serviço

na área da Cultura, desde 1986.2 Para não ocupar espaço desnecessário, as referências bibliográficas completas de edições do autor, publicadas pela Câmara

Municipal de Cascais citadas neste artigo, podem ser encontradas na «Textos publicados (...)», bibliografia geral do autor, orga-nizada por data de publicação, e incluída no final neste volume.

Page 9: Terra e Água Escolher sementes, invocar a Deusarepositorio.ul.pt/bitstream/10451/37093/1/AC_EM9.pdf · 2019-02-22 · Fernão Lopes (1378/83-1460), Quadros da Crónica de D. João

terra e água. escolher sementes, invocar a deusa ∙ estudos em homenagem a victor s. gonçalves

o «ciclo de cascais». victor s. gonçalves e a arqueologia cascalense • antónio carvalho

34

Como no final do século xix já tinha sucedido, e como alguns investigadores nossos contem-porâneos anteviram e desejaram.

Os que, no futuro, se dedicarem à História da Arqueologia em Portugal, – e importa aqui subli-nhar que Victor S. Gonçalves é um pioneiro na atenção dada ao tema na segunda metade do século xx3 – encarregar-se-ão certamente de dar algum uso ao que agora escrevo. Daí que se deva concluir que este testemunho pessoal – redigido com o maior gosto, mas o mais possível objectivo e imparcial, como manda o ofício de historiador – é, também, para um outro tempo.

Como acompanhei activamente a produção científica de Victor S. Gonçalves em Cascais, durante mais de vinte anos, pareceu-me natural realizar esta abordagem no local próprio: um volume de homenagem ao autor num momento especial da sua vida pessoal, académica e cientí-fica. Assim, escolhi compilar alguns dados – para memória futura – que podem ser relevantes para uma melhor contextualização e compreensão do processo de construção de um conhecimento cien-tífico, à laia também de contributo para um balanço da Arqueologia em Cascais nos últimos 30 anos.

Paralelamente, a minha constante atenção para com a História da Arqueologia em Portugal impele-me a colaborar, desta feita, com um texto que é também ele uma espécie de «fonte», assu-mindo então, eu próprio, a tarefa de «cronista». É, portanto, um texto de difícil escrita, de equilíbrio difícil, destinado a caracterizar um determinado movimento de construção científica. Espero, no entanto, que a leitura seja bem mais fácil.

Compreender-se-á melhor assim, certamente, que estando na actualidade a desempenhar as funções de director do Museu Nacional de Arqueologia me dedique a este tema específico, que não deixa, no entanto, de ter uma evidente relação, como adiante se verá, com o próprio Museu Nacional. E Cascais é, também, arqueologicamente falando, um «local nacional». Este livro é pois, parece-me, o local certo para este exercício. Acredito estar em boa posição para o fazer, não só pelas razões acima mencionadas, mas até porque não haverá um outro texto neste volume sobre este «ciclo», muito embora a investigação desenvolvida em Cascais aflore certamente em artigos de outros autores.

Tantas centenas de páginas redigidas por Victor S. Gonçalves sobre a Arqueologia Pré-histó-rica de Cascais, fruto de tão intenso trabalho, não surgem por acaso. Foram muito fomentadas e bem apoiadas e inscreveram-se numa estratégia de dinamização cultural municipal em que a Arqueo-logia ocupou, sempre em conjunto com outras valências, o primeiro plano de acção política. O pro-duto da investigação do autor é um, dos muitos e bons, testemunhos do encontro e reencontro da autarquia de Cascais com a Arqueologia.

Em 1987, no primeiro artigo de síntese escrito sobre a história das investigações arqueológicas em Cascais, numa altura em que este tipo de estudos não eram ainda habituais na nossa produção científica, Carlos Fabião4, chamar já a atenção para o facto da Arqueologia do concelho de Cascais ter estado desde finais do século xix no primeiro plano da cena nacional. O autor desejava uma «nova era» para a Arqueologia, que já pressentia, no quadro de uma dinâmica cultural autárquica que se desenvolveu em Cascais, nos últimos 40 anos, com a afirmação do Poder Local Democrático, mas que se incrementou acelerada e diversificadamente, e com resultados efectivos, a partir de mea-dos dos anos 80 do século xx.

3 Ainda na década de 70 do século xx, e a partir daí, Victor S. Gonçalves, publica alguns estudos no domínio da História da Arqueo- logia em Portugal. Dessa produção destaco, pelo pioneirismo: Gonçalves, V. S. (1978) – «A emergência da Pré-História como disciplina independente (1800-1847)». Revista da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Lisboa: Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, 4.ª Série, 2, pp. 335-364.

4 Fabião, C. (1987) – «100 Anos de Investigação Arqueológica no Concelho de Cascais». Arquivo de Cascais: Boletim Cultural do Município. Cascais: Câmara Municipal de Cascais, 6, p. 52-53. Este texto essencial foi inicialmente apresentado como uma con-ferência no âmbito das «Jornadas de História de Cascais», realizadas no Palácio da Cidadela, aberto propositadamente para o efeito, em 11 de Abril de 1987. Tratou-se de realizar uma reunião científica, absolutamente inédita, que contribuiu decisiva-mente para o início da revisão da historiografia de Cascais e a construção e afirmação, a partir de então, de uma «Nova História em Cascais», que integrava, sem excepção, todos os períodos e áreas de temáticas.

Page 10: Terra e Água Escolher sementes, invocar a Deusarepositorio.ul.pt/bitstream/10451/37093/1/AC_EM9.pdf · 2019-02-22 · Fernão Lopes (1378/83-1460), Quadros da Crónica de D. João

terra e água. escolher sementes, invocar a deusa ∙ estudos em homenagem a victor s. gonçalves

o «ciclo de cascais». victor s. gonçalves e a arqueologia cascalense • antónio carvalho

35

Em linha com aquele texto, gostaria apenas de precisar que a intensa investigação centrada na Pré-História, iniciada no final do século xix em Cascais, tinha abrandado de forma significativa (e até compreensivelmente) após as «Comemorações do VI Centenário da Elevação de Cascais a Vila», em 1964. A publicação, no mesmo ano, de alguns títulos sobre o tema5 tinha conduzido a um natural esgotamento, reduzindo-se a produção contínua enunciada por Carlos Fabião, em que a investigação relativa à temática era dominante na Arqueologia cascalense.

Contudo, o trabalho desenvolvido em Cascais, a partir da década seguinte, por Victor S. Gonçalves, contribuiu assim para a materialização do desejo formulado por Carlos Fabião.

Naturalmente, e felizmente, nunca deixou de existir investigação arqueológica em Cascais, mas de meados dos anos 60 até 1990 não se regista um trabalho de dimensão semelhante ao anterior, muito embora se assinalem as pesquisas de João Luís Cardoso para o Paleolítico, e uma nova geração de arqueólogos cascalenses, onde se destacam naturalmente José d’Encarnação e Guilherme Cardoso6 centrados não no estudo da Pré-História, mas na Epigrafia e na investigação da ocupação romana do território. A Arqueologia, para períodos mais recentes, merecerá também a atenção do saudoso João Pedro Cabral.

Quanto ao título escolhido para este texto, gostaria de referir que o autor homenageado é conhecido por se referir, quer oralmente quer em prosa, em muitas ocasiões, ao seu próprio itinerá-rio de investigação, como devendo ser entendido em «ciclos»: «O Ciclo do Algarve Oriental», «O Ciclo do Alentejo Médio», o «Ciclo da Península de Lisboa», etc. Em alguns casos, os seus «ciclos» abrem-se e encerram-se definitivamente, por vezes fecham-se mas são retomados mais tarde e, não raro, iniciam-se e ainda se mantêm activos.

Creio então que, de facto, existe na sua vida científica, também, um «Ciclo de Cascais» (ou de acordo com a periodização enunciada pelo autor, um «sub-ciclo», se Victor S. Gonçalves assim qui-ser, integrado no seu mais vasto «Ciclo da Península de Lisboa»). Esta etapa de investigação – em minha opinião sem paralelo nos concelhos que integram a Península de Lisboa – iniciou-se em 1990, com o estudo de dois ídolos publicados no Arquivo de Cascais (n.º 9) e teve como último registo a publicação, em 2010, das Actas do 3.º Colóquio Internacional Transformação e Mudança no Centro e Sul de Portugal: o 4.º e o 3.º milénios a.n.e.

O tema de estudo em Cascais foi, e é, o mundo dos vivos e o dos mortos nas sociedades campo-nesas do IV e do III milénio a.n.e., no âmbito da sua investigação mais geral sobre a Península de Lisboa o qual decorre no campo, mas consideravelmente em «gabinete». Revela dados novos e dedica de novo atenção a reinterpretar realidades conhecidas que se materializam nos resultados que irei enunciar de seguida, e que dão azo a um assinalável recrudescimento do estudo sobre este tema.

Independentemente do que vier a suceder no futuro, o «Ciclo» cascalense do autor regista já duas exposições (uma delas no Museu Nacional de Arqueologia), mais de uma dezena de edições (essencialmente monografias), conferências, organização de reuniões científicas internacionais e escavações arqueológicas no complexo de grutas artificiais de Alapraia (quatro campanhas)7 e na gruta natural de Porto Covo (uma campanha). É um excelente resultado, se pensarmos que este «Ciclo», no qual se podem também individualizar duas fases específicas (de 1990 a 1995 e de 2003

5 Na lista de treze títulos editados no âmbito do Plano Editorial do Centenário, publicadas em 1964 pela Câmara Municipal de Cascais, constam três dedicados à Arqueologia: Paço, Afonso – Parede há quatro mil anos e, também do mesmo autor, Povoado Pré-histórico da Parede e de Ferreira, O. da Veiga – A cultura do vaso Campaniforme.

6 José d’Encarnação e Guilherme Cardoso são responsáveis por desenvolver, dos anos 70 até à actualidade, um projecto de estudo da ocupação romana do concelho de Cascais, igualmente incomparável e singular. E ambos comissariaram também, entre 28-1-2005 e 22-1-2006, uma exposição temática no Museu Nacional de Arqueologia intitulada, «A Presença Romana em Cascais. Um Territó-rio da Lusitânia Ocidental», o que permitiu que a autarquia de Cascais tenha sido até ao presente o único município que realizou naquele Museu duas exposições temporárias em simultâneo.

7 Uma das campanhas revelou-nos o extenso corredor da Gruta III. Descoberta, surpreendente, de leitura complexa, e que merece detalhada publicação.

Page 11: Terra e Água Escolher sementes, invocar a Deusarepositorio.ul.pt/bitstream/10451/37093/1/AC_EM9.pdf · 2019-02-22 · Fernão Lopes (1378/83-1460), Quadros da Crónica de D. João

terra e água. escolher sementes, invocar a deusa ∙ estudos em homenagem a victor s. gonçalves

o «ciclo de cascais». victor s. gonçalves e a arqueologia cascalense • antónio carvalho

36

a 2010), materializa-se em muitos milhares de páginas produzidas, de ciência feita de muitas novas leituras em sítios e contextos conhecidos, devidamente reinterpretados e integrados, cronológica e culturalmente, e também na gestão de grandes quantidades de novas informações. Sublinhe-se ainda que o primeiro momento termina como começa o segundo: com a publicação e depois reedi-ção do livro Sítios, «Horizontes» e Artefactos.

Além deste manancial de informação ficará também, do trabalho de Victor S. Gonçalves, a inserção da Arqueologia Pré-histórica em Cascais nas mais modernas correntes de investigação, per-mitindo que, sobre contextos e artefactos icónicos recaia um olhar novo, contemporâneo e a biblio-grafia cascalense apresente uma nova terminologia. Do seu tempo. Deste tempo.

É, podemos dizer, um processo arqueológico completo. Com perguntas e respostas que se tra-duzem em investigação de campo e de gabinete, em produção científica (para diferentes tipos públi-cos) e em difusão através de exposições, colóquios, conferências, etc.

Proponho, então, analisarmos com detalhe o «Ciclo de Cascais», não necessariamente por ordem cronológica, mas por linhas de trabalho que com facilidade se identificam.

1. a «função iniciática» dos ídolos cilíndricos, espécie de «bosão de higgs» para a trilogia de artigos, intitulados sítios «horizontes» e artefactos, posteriormente aglutinados no livro homónimo que recebeu o complemento de título: leituras críticas de realidades perdidas

Um «ciclo» com a dimensão e com o impacto daquele que vou agora descrever inicia-se, curiosa-mente, de uma forma simples e insuspeita.

Victor S. Gonçalves recebe de António Borges Coelho dois ídolos cilíndricos (um em calcário e outro em calcite), recolhidos, em 1980, em passeio costumeiro realizado pelo Historiador ao antigo Povoado da Parede, actual Bairro Octaviano, na área hoje ocupada por uma escola primária, e onde são visíveis alguns cortes no terreno.

Na ocasião, em conjunto com o editor, e de forma muito natural, foi decidido que esses dois ídolos cilíndricos «de forma betilóide» se publicariam no Arquivo de Cascais. Boletim Cultural do Município (n.º 9), que tinha merecido uma revitalização e uma reorientação editorial em 1987, pre-cisamente também no quadro da nova dinâmica cultural autárquica já referida.

E foi desta forma que se iniciou o «Ciclo de Cascais» de Victor S. Gonçalves.A publicação destes dois artefactos, hoje depositados na colecção arqueológica municipal, foi,

de facto, o pretexto que permitiu ao autor iniciar (ou partilhar, ou divulgar) a sua reflexão revisio-nista sobre o povoado da Parede, onde esteve prestes a realizar uma escavação, e encetar uma série de reflexões que conduziriam a profundas revisões sobre os dados da Pré-História de Cascais.

Este estudo permitiu-lhe inaugurar uma trilogia de artigos editados na já referida publicação periódica Arquivo de Cascais (Fig. 1), todos intitulados Sítios, «Horizontes» e Artefactos, a que se seguia um complemento de título que explicitava o objecto de estudo específico de cada ensaio.

O segundo episódio da saga, dedicado a realizar algumas considerações breves sobre as deno-minadas taças carenadas e à reflexão sobre a primeira metade do 3.º milénio em Portugal, é publi-cado em 1991, no número 10 daquele periódico.

E, logo no número seguinte do Arquivo de Cascais, datado de 1992-94, apresentou o terceiro artigo com um título que constitui um excelente resumo: «A questão das grutas artificiais e os complexos funerários de Alapraia e S. Pedro do Estoril no processo de calcolitização do Centro/Sul de Portugal».

A consequência da publicação destes três artigos foi assinalável. Temas tão relevantes para a investigação como «os povoados», «as taças carenadas» e «as Grutas Artificiais», foram assim tra-

Page 12: Terra e Água Escolher sementes, invocar a Deusarepositorio.ul.pt/bitstream/10451/37093/1/AC_EM9.pdf · 2019-02-22 · Fernão Lopes (1378/83-1460), Quadros da Crónica de D. João

terra e água. escolher sementes, invocar a deusa ∙ estudos em homenagem a victor s. gonçalves

o «ciclo de cascais». victor s. gonçalves e a arqueologia cascalense • antónio carvalho

37

tados num ambiente cultural próprio, oferecendo-nos o autor uma leitura mais actualizada das matérias e uma integração regional, nacional e peninsular dessas realidades. A bibliografia muni-cipal ficou pois muito mais rica com estes estudos, o que também se inscrevia numa linha da cre-dibilização do título, e esta publicação periódica passou a ser ainda mais conhecida e citada por mui-tos dos estudiosos no domínio da Arqueologia Pré-Histórica.

2. sítios «horizontes» e artefactos. leituras críticas de realidades perdidas

Trata-se de um livro que consideramos ser, não só especial, como fundamental na Bibliografia Arqueológica. E não apenas para Cascais. Ficou também conhecido no âmbito da UNIARQ, e não só, simplesmente como «SHA». Em condições muito complexas, (onde até o apoio decisivo para publi-cação foi garantido, por improvável mão amiga), editou-se em 1995. O autor recolheu e publicou,

FIG. 1. O Arquivo de Cascais. Boletim Cultural do Município, n.os 9 (1990); 10 (1991) e 11 (1992-1994).

FIG. 2. As capas das duas edições – 1995 e 2003 – do livro Sítios «Horizontes» e Artefactos.

Page 13: Terra e Água Escolher sementes, invocar a Deusarepositorio.ul.pt/bitstream/10451/37093/1/AC_EM9.pdf · 2019-02-22 · Fernão Lopes (1378/83-1460), Quadros da Crónica de D. João

terra e água. escolher sementes, invocar a deusa ∙ estudos em homenagem a victor s. gonçalves

o «ciclo de cascais». victor s. gonçalves e a arqueologia cascalense • antónio carvalho

38

num só volume, com extensa revisão, os artigos que compuseram a série do mesmo nome publi-cada no Arquivo de Cascais a que juntou mais cinco textos. (Fig. 2).

Esta edição esgotou-se num ápice, pois o livro não só teve uma grande aceitação na comuni-dade científica como contribuiu para fidelizar e incrementar, a partir da Biblioteca do Museu Con-des de Castro Guimarães, um extenso programa municipal de permutas nacionais, ibéricas e mesmo europeias e mundiais. A autarquia decidiu reeditá-lo oito anos depois, em 2003, com um novo com-plemento de título, naturalmente, da responsabilidade do autor: Sítios «horizontes» e Artefactos. Ensaios sobre o 3.º milénio no Centro e Sul de Portugal. Como acontece invariavelmente com o autor, o volume foi revisto e aumentado, tendo sido acrescentados dois novos estudos, e uma bibliografia crítica.

3. exposições, «catálogos» e roteiros (Fig. 3)

Esta revitalização da investigação no domínio da Pré-História foi apresentada com grande desta-que no Museu Nacional de Arqueologia na exposição temporária «Cascais há 5000 anos. Espaços de Morte das Antigas Sociedades Camponesas», entre 6 de Maio de 2004 e 13 de Fevereiro de 2005. Exposição projectada e comissariada cientificamente por Victor S. Gonçalves. Ocupou a galeria (poente) de exposições temporárias do Museu, tendo registado um elevado número de visitantes8.

Esta exposição inscreveu-se no programa de parcerias expositivas que o Museu Nacional de Arqueologia realiza, com inegável sucesso desde 1998, com autarquias, para apresentar sítios arque-ológicos ou realidades sob investigação. Uma linha de trabalho sempre activa e, como em muitos outros casos, permitiu levar ao Museu Nacional e dali projectar, com tudo o que tal significa, a Pré--História do concelho finis terrarum que é Cascais, concretamente os testemunhos da vida e da morte das sociedades camponesas do 4.º e 3.º milénio.

Para o visitante do Museu Nacional de Arqueologia foi publicado um caderno de apoio, espé-cie de folha de sala muito desenvolvida, com textos e fotografias que viriam a ser posteriormente recuperados no volume homónimo editado, em 2005, pela Câmara Municipal de Cascais.

Com a compreensão de todos, especialmente do então Director do Museu, Luís Raposo, optou--se, e ao invés do que até é habitual, por não publicar um catálogo, tendo sido assumido entre todos os intervenientes no projecto o compromisso de se preparar um livro que, de certa forma, perpe- tuasse a exposição, e que ainda recolheu os contributos de outros autores convidados pelo comis-sário da exposição: Suzanne Daveau, Miguel Magalhães Ramalho, Ana Maria Silva, Nathalie Antu-nes-Ferreira, António Faustino Carvalho, Ana Catarina Sousa e de mim próprio.

Além de coordenar a edição, Victor S. Gonçalves redigiu para o volume o que consideramos ser um texto fundamental intitulado Cascais há 5000 anos: Tempos, Símbolos e Espaços da Morte das Antigas Sociedades Camponesas. Contributo imprescindível para compreender a arquitectura dos espaços da morte – os contextos e os artefactos –, bem como as sequências de ocupação de São Pedro do Estoril.

Esta importante exposição no Museu Nacional de Arqueologia assumia-se ainda como um prelúdio para um cíclico e repetidamente anunciado Museu de Arqueologia de Cascais, mas que, há falta de Museu, veio a transformar-se num programa para a reinstalação da Sala de Arqueologia do Museu-Biblioteca Condes de Castro Guimarães. Dando continuidade ao trabalho de parceria, Victor S. Gonçalves foi convidado para realizar essa instalação. A exposição abriu ao público no dia 4 de

8 A partir dos registos estatísticos do Museu Nacional de Arqueologia podemos apresentar o número de cerca de 50 000 visitan-tes para esta exposição.

Page 14: Terra e Água Escolher sementes, invocar a Deusarepositorio.ul.pt/bitstream/10451/37093/1/AC_EM9.pdf · 2019-02-22 · Fernão Lopes (1378/83-1460), Quadros da Crónica de D. João

terra e água. escolher sementes, invocar a deusa ∙ estudos em homenagem a victor s. gonçalves

o «ciclo de cascais». victor s. gonçalves e a arqueologia cascalense • antónio carvalho

39

Abril de 2009 (véspera da data em que se assinalava a inauguração, precisamente neste Museu, em 1942, da primeira sala de Arqueologia), e ficou patente ao público até Maio de 2013. Para acompa-nhar essa exposição, preparou igualmente o comissário o roteiro, em duas versões (português e inglês), intitulado: Cascais, terceiro milénio antes da nossa era.

Já no ano anterior, 2008, no âmbito do processo de reprogramação do Museu-Biblioteca Con-des de Castro Guimarães tinha sido editado um Roteiro homónimo, publicado também, e necessa-

FIG. 3. Folha de sala da exposição «Cascais há 5000 anos. Espaços da Morte das Antigas Sociedades Camponesas» (2004-5), no Museu Nacional de Arqueologia; capa do livro Cascais há 5000 Anos (2005); capa do roteiro da exposição Cascais, terceiro milénio antes da nossa era (2009), no Museu-Biblioteca Condes de Castro Guimarães e capa do Roteiro do Museu-Biblioteca Condes de Castro Guimarães (2008).

Page 15: Terra e Água Escolher sementes, invocar a Deusarepositorio.ul.pt/bitstream/10451/37093/1/AC_EM9.pdf · 2019-02-22 · Fernão Lopes (1378/83-1460), Quadros da Crónica de D. João

terra e água. escolher sementes, invocar a deusa ∙ estudos em homenagem a victor s. gonçalves

o «ciclo de cascais». victor s. gonçalves e a arqueologia cascalense • antónio carvalho

40

riamente, em versão portuguesa e inglesa, onde a cargo de Victor S. Gonçalves ficou a apresenta-ção, ao visitante do Museu e leitor do guia, da colecção de arfefactos arqueológicos da Pré-História existentes no Museu.

4. os colóquios internacionais «transformação e mudança»

Estas reuniões científicas, realizadas em três ocasiões (Fig. 4), foram promovidas pela UNIARQ e pela Câmara Municipal de Cascais. Tinham como objectivo principal, segundo o seu mentor, a análise dos processos de mudança ocorridos na transição da segunda metade do 4.º milénio para o 3.º milé-nio a.n.e.. O território de estudo centra-se no Centro/Sul de Portugal, mas não se confina exclusiva-mente a esta área. Cascais é o concelho onde se situam alguns dos emblemáticos sítios arqueológi-cos cujo conhecimento é essencial para compreender esse período da vida do Homem. Refiro-me, claro está, aos espaços dos vivos – povoados da Parede ou do Estoril – e aos espaços da morte – grutas naturais de Porto Covo e Poço Velho e grutas artificiais de Alapraia e S. Pedro do Estoril. Sem a informação científica ali recolhida e os artefactos exumados que os nossos Museus conser-vam e expõem o nosso conhecimento era muito mais pobre.

Em Cascais, com o apoio da autarquia, promoveu então Victor S. Gonçalves a realização, entre 22 e 24 de Abril de 1993, do 1.º Simpósio Internacional «Transformação e Mudança» no Centro e Sul de Portugal onde se discutiu a transição do 4.º para o 3.º milénio.

Um segundo Colóquio, dedicado ao tema «Megalitismo: Tempo, Construção do Espaço e da Paisagem», decorreu entre 12 e 14 de Outubro de 1995.

O 3.º Colóquio Internacional desta série realizou-se no Centro Cultural de Cascais, de 6 a 9 de Outubro de 2005, recuperando sem-pre o espaço próprio – «o centro e sul de Por-tugal» – , a cronologia habitual – «o 4.º e o 3.º milénio» e os protagonistas do costume: os agricultores e os pastores das «sociedades camponesas».

Foi neste 3.º colóquio apresentado o livro, já referido, Cascais há 5000 anos, espé-cie de catálogo preparado no contexto da exposição homónima no Museu Nacional de Arqueologia.

A importância destes colóquios não ficou confinada apenas à família dos Pré-his-toriadores, e para estudo dos fenómenos de transformação e mudança nas sociedades camponesas no Centro Sul de Portugal nos 4.º e 3.º milénio ou o megalitismo. Estes coló-quios, pela prática que criaram na organiza-ção e acolhimento de reuniões científicas, foram responsáveis por também contaminar

FIG. 4. Folhetos dos 1.º e 3.º Colóquios Internacionais Transformação e Mudança no Centro Sul de Portugal e autocolante publicitário da 1.ª edição.

Page 16: Terra e Água Escolher sementes, invocar a Deusarepositorio.ul.pt/bitstream/10451/37093/1/AC_EM9.pdf · 2019-02-22 · Fernão Lopes (1378/83-1460), Quadros da Crónica de D. João

terra e água. escolher sementes, invocar a deusa ∙ estudos em homenagem a victor s. gonçalves

o «ciclo de cascais». victor s. gonçalves e a arqueologia cascalense • antónio carvalho

41

positivamente a autarquia mobilizando-a, bem como à sua equipa de trabalho da área da Cultura, para a organização de outras reuniões científicas nacionais e internacionais em outros temas da Arqueo-logia, mas não apenas. Por outro lado, este 3.º volume, foi um produto de eleição para o sistema de intercâmbio de publicações «dentro e fora de portas», estando hoje presente nas Bibliotecas de refe-rência da disciplina com inegáveis e significativas vantagens para a realidade arqueológica de Cas-cais, a investigação arqueológica nacional e o conhecimento científico ao dispor da sociedade.

Victor S. Gonçalves tem pois absoluta razão sempre que enfatiza a ideia de que a realização destes três colóquios, inseridos em todo o programa descrito, fizeram de algum modo «renascer a Arqueologia internacional de alto nível em Cascais.»9

5. cta – colecção «cascais, tempos antigos»

Esta colecção, com a chancela da Câmara Municipal de Cascais, é dirigida por Victor S. Gonçalves. É única no género em Portugal e apresenta-se de forma muito distinta. Até ao presente foram edi-tados três volumes10.

O objectivo para a criação desta colecção foi bem definido no primeiro volume. Em linha com uma estratégia de internacionalização da Arqueologia cascalense que a autarquia desenvolvia e apoiava. Recupero aqui o essencial do conceito. Trata-se de uma colecção vocacionada para a apre-sentação de estudos monográficos sobre o passado mais remoto do seu território, ou seja, sobre a ocupação pré-histórica do concelho de Cascais, que propõe novas perspectivas sobre os monumen-tos e os espólios exumados nas Grutas Artificiais de Alaparia e São Pedro do Estoril e nas grutas naturais de Porto Covo (Alcabideche) e Poço Velho (Cascais), e no Povoado da Parede, bem como reve-lar dados inéditos sobre outros temas essenciais para o conhecimento das antigas sociedades cam-ponesas que habitaram na Pré-História no território que é actualmente Cascais. É importante fri-sar, para os menos conhecedores desta temática, que estes sítios arqueológicos e os artefactos que ali se exumaram, são conhecidos e reconhecidos pela comunidade científica internacional, impres-cindíveis a qualquer investigação sobre o tema.

Os estudos publicados nesta colecção acompanhavam assim, de certa maneira, o programa de trabalhos previsto e em parte realizado no terreno.

O primeiro volume, publicado em 2008, foi dedicado à Gruta do Porto Covo e intitula-se A uti-lização pré-histórica da gruta de Porto Covo (Cascais). Uma revisão e algumas novidades. Inicial-mente escavada no âmbito da estratégia do oitocentista Carlos Ribeiro para a apresentação de novos dados no Congrés Internacional d’Anthropologie e d’Archéologie Préhistoriques, IXème Session – conhecido entre arqueólogos e historiadores, como o «Congresso de 1880», realizado em Lisboa precisamente em 1880 (outro tema de eleição do homenageado)11 – foi em 1993 objecto de traba-

9 Veja-se, a propósito, a Sessão C43: Symbolic figurations in the 4th and 3rd millennia in the South of Iberian Peninsula: the engraved schist plaques and their figurative and schematic counterparts, organizada por Victor S. Gonçalves, no âmbito do XV Congresso da União Internacional das Ciências Pré e Proto-Históricas (UISPP), realizado entre 4 e 9 de Setembro de 2006 na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, com visita temática à gruta natural de Poço Velho e às grutas artificiais de São Pedro do Estoril e Alapraia. Consulte-se, também, a título de exemplo, algumas das recensões críticas sobre o volume do 3.º Colóquio, publicadas «fora de portas», mas nele referida: López-Romero González, E. (2004-2005) – «III Colóquio Internacional Transfor-mação e Mudança: Transformação e Mudança no Centro e Sul de Portugal (3500 a 2000 a.n.e)». RAMPAS – Revista Atlántica--Mediterránea de Préhistoria y Arqueología Social, 7, Cádiz: Universidade de Cádiz, pp. 259-264.

10 Como se disse, foram até ao presente momento editados na colecção «CTA – Colecção Tempos Antigos» três volumes. E outros três estão anunciados.

11 Gonçalves, V. S. (1980) – O IX Congresso Internacional de Antropologia e Arqueologia Pré-Históricas (Lisboa, 1880): uma leitura seguida de «crónica» de Bordalo Pinheiro. Lisboa: Centro de História da Universidade de Lisboa. (Mais um título essencial, que se insere na linha de trabalho do autor dedicada à História da Arqueologia em Portugal, da qual foi um pioneiro, e que está sempre presente ao longo de todos os «Ciclos».)

Page 17: Terra e Água Escolher sementes, invocar a Deusarepositorio.ul.pt/bitstream/10451/37093/1/AC_EM9.pdf · 2019-02-22 · Fernão Lopes (1378/83-1460), Quadros da Crónica de D. João

terra e água. escolher sementes, invocar a deusa ∙ estudos em homenagem a victor s. gonçalves

o «ciclo de cascais». victor s. gonçalves e a arqueologia cascalense • antónio carvalho

42

FIG. 6. Capa do volume de Actas do 3.º Colóquio Internacional Transformação e Mudança no Centro Sul de Portugal: o 4.º e 3.º milénio a.n.e., publicado em 2010, na CTA – Colecção «Cascais, Tempos Antigos», n.º 2.

FIG. 5. Capa dos volumes – CTA – Colecção «Cascais, Tempos Antigos» – n.os 1 (2008) e 3 (2008).

Page 18: Terra e Água Escolher sementes, invocar a Deusarepositorio.ul.pt/bitstream/10451/37093/1/AC_EM9.pdf · 2019-02-22 · Fernão Lopes (1378/83-1460), Quadros da Crónica de D. João

terra e água. escolher sementes, invocar a deusa ∙ estudos em homenagem a victor s. gonçalves

o «ciclo de cascais». victor s. gonçalves e a arqueologia cascalense • antónio carvalho

43

lhos de desobstrução e observação detalhada da cávida cársica, dirigidos por Victor S. Gonçalves. Para tal reviu os artefactos e os restos osteológicos depositados em Museu e publicou fontes docu-mentais. (Fig. 6).

O segundo volume no alinhamento, mas terceiro na data de edição, coordenado pelo próprio director da colecção, em associação com Ana Catarina Sousa, publica em 2010 as Actas do 3.º Coló-quio Internacional Transformação e Mudança no Centro e Sul de Portugal: o 4.º e 3.º milénio a.n.e., realizado em 2005. (Fig. 5).

O volume conta com um número expressivo de autores e temas, mas um artigo, merece refe-rência específica, do ponto de vista também local. Trata-se do texto assinado pelos coordenadores do volume sobre os artefactos, com destaque para os furadores de sílex, do perdido Povoado Calco-lítico do Estoril, cujos espólio tinha sido recolhido por Félix Alves Pereira em 1915 e, sumariamente, publicado por Afonso do Paço em 1943. Mais um sítio, desta feita, um povoado e os seus artefactos, que merecem aqui uma adequada revisão.

Como se viu, este não foi o primeiro Colóquio desta série realizado em Cascais. Já antes havia sido realizado um em 1993, e outro ainda em 1995. Mas este foi o primeiro cujas actas se editaram. À terceira foi mesmo de vez!

O terceiro volume desta colecção é muito especial. Dedicado às grutas do Poço Velho, começou a ser pensado quando a autarquia teve a intenção, no início dos anos 90 do século xx, de museali-zar o denominado Largo das Grutas e as respectivas entradas das cavidades cársicas, criando-se um pequeno Centro Interpretativo. O pólo museológico não foi possível concretizar, mas ficou esta obra que enquadrou a escavação no programa de Carlos Ribeiro para o já citado «Congresso de 1880» e reviu contextos e problemas reunindo e tratando em conjunto os materiais arqueológicos que se conservam no Museu-Biblioteca Condes de Castro Guimarães e no Museu do então designado Ins-tituto Geológico e Mineiro. Desse esforço ficou também o hábito municipal de abertura, periódica, da gruta para visita, o que é correspondido, sempre, por uma imensa procura por parte do público. (Fig. 6).

a terminar

A propósito da relação entre Victor S. Gonçalves e a Arqueologia de Cascais, uma última referência merece ser feita. Pela pena do autor alguns dos sítios arqueológicos e artefactos foram selecionados e tratados numa História de Portugal, dirigida por João Medina, editada em 1993, coeva portanto deste «Ciclo de Cascais», e onde o investigador não só coordenou os primeiros três volumes, mas, para o que aqui interessa, publicou vários estudos sobre as realidades arqueológicas e artefactos pré-históricos provenientes de Cascais.

Como penso ter demonstrado, de forma breve, a Arqueologia de Cascais está bem presente na obra de Victor S. Gonçalves, e este autor ficar-lhe-á indelevelmente ligado.

Esta breve resenha é um testemunho (pessoal e institucionalmente grato), mas sem deixar de ser objectivo, de quem acompanhou de perto este processo de criação e produção científica. Espero ter podido contribuir para a compreensão e reconhecimento de como o trabalho do investigador foi fundamental para a Arqueologia Pré-Histórica de Cascais, assumindo-se como um grande momento, que se prolonga no tempo, de afirmação desta ciência em Portugal e no estrangeiro.

Estou certo que Cascais, os seus sítios arqueológicos e artefactos – mas também os «horizon-tes» – foram igualmente importantes para Victor S. Gonçalves.

Page 19: Terra e Água Escolher sementes, invocar a Deusarepositorio.ul.pt/bitstream/10451/37093/1/AC_EM9.pdf · 2019-02-22 · Fernão Lopes (1378/83-1460), Quadros da Crónica de D. João