teresa 6

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S. Teresa de JesusCAMINHO DE PERFEIÇÃO: C.31. porque entendei que isto não é coisa sobrenatural , senão que está no nosso querer e podemos fazê-lo, com o favor de Deus pois, sem ele, não se pode nada, nem mesmo podemos ter um bom pensamento. Porque isto não é silêncio das potências; é encerramento delas dentro da própria alma. 5. Vai-se ganhando isto de muitas maneiras, como está escrito em alguns livros: temos de nos desocupar de tudo para nos chegarmos interiormente a Deus e, ainda nas mesmas ocupações, retirarmo-nos em nós mesmos. Ainda que seja só por um momento, aquele recordar de que tenho companhia dentro de mim, é de grande proveito. Enfim, vamo-nos acostumando a gostar que não é mister falar-Lhe em voz alta, porque Sua Majestade dará a sentir como está ali. 6. Desta sorte, rezaremos vocalmente com muito sossego e livrar- nos-emos de trabalhos; porque, por pouco tempo que nos esforcemos a nós mesmos para estar junto deste Senhor, Ele nos entenderá por sinais, de maneira que, se havíamos de dizer muitas vezes o «Pai Nosso, bastará uma só para nos entender. É muito amigo de nos tirar trabalho; ainda mesmo que numa hora não o digamos mais que uma vez, logo que entendamos que estamos com Ele, e o que Lhe pedimos, e a vontade que Ele tem de nos dar, e com que boa vontade está connosco, não é amigo de que estejamos a partir a cabeça falando-Lhe muito. 7. O Senhor o ensine às que não o sabem, que eu por mim confesso que nunca soube o que era rezar com satisfação até que o Senhor me ensinou este modo. E sempre encontrei tanto proveito neste costume de me recolher dentro de mim, que isto me fez alongar tanto. Concluo dizendo que, quem o quiser adquirir- pois, como digo, está na nossa mão -, não se canse de se acostumar ao que fica dito, que é assenhorear-se pouco a pouco de si mesmo, não se perdendo de balde, mas sim ganhando-se a si para si, porque é tirar proveito dos seus sentidos para a vida interior. Se falar, procure lembrar-se que tem dentro de si mesmo com quem falar; se ouvir, lembre-se que deve ouvir a quem de mais perto lhe fala. Enfim, terem conta que pode, se quiser, não se apartar nunca de tal companhia, e pesar-lhe quando, por muito tempo, deixa a seu Pai sozinho, pois necessita d'Ele. Se puder, muitas vezes ao dia; se não puder, seja poucas. Logo que se acostume, sairá com lucro, ou mais cedo ou mais tarde. file:///D|/Documenta%20Chatolica%20Omnia/99%20-%20P...isori/mbs%20Library/001%20-Da%20Fare/CAMINHO-31.htm (2 of 3)2006-06-01 14:58:08

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Teresa 6

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  • S. Teresa de JesusCAMINHO DE PERFEIO: C.31.

    porque entendei que isto no coisa sobrenatural , seno que est no nosso querer e podemos faz-lo, com o favor de Deus pois, sem ele, no se pode nada, nem mesmo podemos ter um bom pensamento. Porque isto no silncio das potncias; encerramento delas dentro da prpria alma.

    5. Vai-se ganhando isto de muitas maneiras, como est escrito em alguns livros: temos de nos desocupar de tudo para nos chegarmos interiormente a Deus e, ainda nas mesmas ocupaes, retirarmo-nos em ns mesmos. Ainda que seja s por um momento, aquele recordar de que tenho companhia dentro de mim, de grande proveito. Enfim, vamo-nos acostumando a gostar que no mister falar-Lhe em voz alta, porque Sua Majestade dar a sentir como est ali.

    6. Desta sorte, rezaremos vocalmente com muito sossego e livrar-nos-emos de trabalhos; porque, por pouco tempo que nos esforcemos a ns mesmos para estar junto deste Senhor, Ele nos entender por sinais, de maneira que, se havamos de dizer muitas vezes o Pai Nosso, bastar uma s para nos entender. muito amigo de nos tirar trabalho; ainda mesmo que numa hora no o digamos mais que uma vez, logo que entendamos que estamos com Ele, e o que Lhe pedimos, e a vontade que Ele tem de nos dar, e com que boa vontade est connosco, no amigo de que estejamos a partir a cabea falando-Lhe muito.

    7. O Senhor o ensine s que no o sabem, que eu por mim confesso que nunca soube o que era rezar com satisfao at que o Senhor me ensinou este modo. E sempre encontrei tanto proveito neste costume de me recolher dentro de mim, que isto me fez alongar tanto.

    Concluo dizendo que, quem o quiser adquirir- pois, como digo, est na nossa mo -, no se canse de se acostumar ao que fica dito, que assenhorear-se pouco a pouco de si mesmo, no se perdendo de balde, mas sim ganhando-se a si para si, porque tirar proveito dos seus sentidos para a vida interior. Se falar, procure lembrar-se que tem dentro de si mesmo com quem falar; se ouvir, lembre-se que deve ouvir a quem de mais perto lhe fala. Enfim, terem conta que pode, se quiser, no se apartar nunca de tal companhia, e pesar-lhe quando, por muito tempo, deixa a seu Pai sozinho, pois necessita d'Ele. Se puder, muitas vezes ao dia; se no puder, seja poucas. Logo que se acostume, sair com lucro, ou mais cedo ou mais tarde.

    file:///D|/Documenta%20Chatolica%20Omnia/99%20-%20P...isori/mbs%20Library/001%20-Da%20Fare/CAMINHO-31.htm (2 of 3)2006-06-01 14:58:08

  • S. Teresa de JesusCAMINHO DE PERFEIO: C.31.

    Depois que o Senhor lho der, no o h-de querer trocar por nenhum tesouro.

    8. Pois nada se aprende sem um pouco de trabalho, por amor de Deus, irms, dai por bem empregado o cuidado que nisto dispensardes; e eu sei que, se o tiverdes, em um ano e talvez em meio, saireis com lucro, com o favor de Deus. Vede quo pouco tempo para to grande ganho, ou seja, o de pr um bom fundamento para que, se o Senhor vos quiser levantar a grandes coisas, encontre em vs disposio, achando-vos junto de Si. Praza a Sua Majestade no consinta que nos apartemos da Sua presena, amen.

    file:///D|/Documenta%20Chatolica%20Omnia/99%20-%20P...isori/mbs%20Library/001%20-Da%20Fare/CAMINHO-31.htm (3 of 3)2006-06-01 14:58:08

  • S. Teresa de JesusCAMINHO DE PERFEIO: C.32.

    CAPTULO 30. Diz quanto importa entender o que se pede na orao. Trata destas palavras do Pater Noster: Santificetur nomen tuum, adveniat regnum tuum. Aplica-as orao de quietude e comea a explic-la.

    1. Quem haver, por disparatado que seja, que, quando pede alguma coisa a uma pessoa de respeito, no leve j pensado como lhe h-de pedir para que a contente e no lhe seja molesto, e o que lhe vai pedir, e para que necessita o que lhe h-de dar, especialmente se pede coisa assinalada, como a que nos ensina a pedir o nosso bom Jesus? Uma coisa, me parece, para notar: No podereis, Senhor meu, concluir com uma palavra e dizer: Dai-nos, Pai, o que nos convm pois, para quem to bem entende tudo, no parece fora preciso dizer mais?

    2. Sabedoria eterna! Entre Vs e Vosso Pai isto bastava, e assim pedistes no Horto; mostrastes a Vossa vontade e temor, mas entregastes-Vos Sua. Mas conheceis-nos, Senhor meu, e sabeis que no estamos to rendidos como Vs o estveis vontade de Vosso Pai, e vistes que era mister pedir coisas determinadas, para que nos detivssemos a ver se bem a nosso gosto o que pedimos e, no sendo, no Lho peamos. Porque, segundo a nossa maneira de ser, se no nos do o que queremos, com este livre alvedrio que temos, no admitiremos o que o Senhor nos der, porque, ainda que seja melhor, enquanto no nos vemos com o dinheiro nas anos, nunca julgamos ver-nos ricos.

    3. Oh! valha-me Deus! o que faz ter to adormecida a f para uma e outra coisa, que nunca acabamos de entender quo certo teremos o castigo, nem como certo o prmio! Por isso bem, filhas, que entendais o que pedis no Pai Nosso, para que, se o Pai Eterno vo-lo der, no Lhe vireis a cara e pensai muito bem se vos convm e, se no, no Lho peais, mas pedi que Sua Majestade vos ilumine; porque estamos cegos e com fastio para comer os manjares que vos ho-de dar a vida, e no para os que ho-de levar morte, e que morte to perigosa e to para sempre!

    4. Pois diz o bom Jesus que digamos estas palavras em que pedimos que venha a ns um tal reino: Santificado seja o Vosso nome, venha a ns o Vosso reino.

    file:///D|/Documenta%20Chatolica%20Omnia/99%20-%20P...isori/mbs%20Library/001%20-Da%20Fare/CAMINHO-32.htm (1 of 3)2006-06-01 14:58:08

  • S. Teresa de JesusCAMINHO DE PERFEIO: C.32.

    Agora vede, filhas, que sabedoria to grande a do Nosso Mestre! Considero eu aqui, e bem que entendais o que pedimos com este reino. Como Sua Majestade viu que, conforme ao poucochinho que podemos por ns mesmos, no podamos santificar, nem louvar, nem engrandecer, nem glorificar, este santo nome do Pai Eterno, de maneira a que se fizesse como de razo, se Sua Majestade no providenciasse dando-nos aqui o Seu reino, o bom Jesus ps assim estas duas peties uma ao p da outra, para que entendamos, filhas, o que pedimos, e quanto importa para ns importunar por isso e fazer o que pudermos para contentar a Quem no-lo h-de dar. Quero dizer-vos aqui o que entendo. Se com isto no vos contentardes, fazei vs outras consideraes: licena nos dar o nosso Mestre, .logo que em tudo nos sujeitemos ao que ensina a Igreja; e assim o fao eu aqui.

    5. Ora, pois, o grande bem que me parece a mim que h no reino do Cu, com outros muitos, o de j no ter cuidado com coisa alguma da terra, mas um sossego e glria em si mesmos, um alegrar-se que se alegrem todos, uma paz perptua, uma grande satisfao no ntimo de si mesmos, que lhes vem de ver que todos santificam e louvam ao Senhor, e bendizem o Seu nome e ningum O ofende. Todos O amam e a prpria alma no atende a outra coisa seno a am-lO, nem pode deixar de O amar, porque O conhece. E assim O amaramos aqui, ainda que sem ser com esta perfeio, nem totalmente; mas se O conhecssemos, ama-lO-amos muito por outro modo de que O amamos.

    6. Parece que vou dizer que devemos ser anjos para Lhe fazer esta petio e rezar bem vocalmente. Bem o quisera o nosso divino Mestre, pois to alta petio nos manda pedir; e bem certo que no nos disse para pedir coisas impossveis, que possvel seria, com o favor de Deus, chegar a isto uma alma ainda neste desterro, embora no na mesma perfeio em que esto as que saram deste crcere, porque andamos no mar e trilhamos este caminho; mas h momentos em que, de cansados de andar, o Senhor os pe num sossego de potncias e quietude da alma, em que, como por sinais, lhes d claramente a entender ao que sabe o que o Senhor d queles a quem leva ao Seu reino. E queles a quem lhes d aqui, como pedimos, d-lhes penhores para que eles tenham grande esperana de ir gozar perpetuamente do que aqui lhe d a tragos.

    Se no disssseis que trato de contemplao, vinha aqui bem a propsito falar nesta petio um pouco do princpio da pura

    file:///D|/Documenta%20Chatolica%20Omnia/99%20-%20P...isori/mbs%20Library/001%20-Da%20Fare/CAMINHO-32.htm (2 of 3)2006-06-01 14:58:08

  • S. Teresa de JesusCAMINHO DE PERFEIO: C.32.

    contemplao, que aqueles que a tm chamam orao de quietude; mas, como digo que trato de orao vocal, parece no dizer uma coisa com a outra a quem no 0 souber, e eu sei que diz. Perdoai-me, que o quero dizer, porque sei que muitas pessoas, rezando vocalmente - como j foi dito - as levanta Deus, sem elas entenderem como, a subida contemplao. Conheo uma pessoa que nunca pode ter seno orao vocal e junto com esta tinha tudo; e, se assim no rezava, ficava-lhe o entendimento to perdido, que no o podia sofrer. Mas, tal como esta, tivssemos todas a nossa orao mental! Em certos Pai nossos que ela rezava em honra das vezes com que o Senhor derramou sangue - e em mais um pouco que rezava -se ficava algumas horas. Veio uma vez ter comigo muito contristada, que no sabia ter orao mental, nem podia contemplar, mas s rezava vocalmente. Perguntei-lhe o que rezava e vi que, junto com o Pai Nosso, tinha pura contemplao, e o Senhor a levantava at junt-la consigo em unio; e bem se percebia em suas obras receber to grandes mercs, porque preenchia muito bem a vida. Assim, louvei ao Senhor e tive inveja da sua orao.

    Se isso verdade, - como o -, no penseis, os que sois inimigos de contemplativos, que estais livres de o ser, se rezais as oraes vocais como se devem rezar, tendo a conscincia limpa.

    file:///D|/Documenta%20Chatolica%20Omnia/99%20-%20P...isori/mbs%20Library/001%20-Da%20Fare/CAMINHO-32.htm (3 of 3)2006-06-01 14:58:08

  • S. Teresa de JesusCAMINHO DE PERFEIO: C.33.

    CAPTULO 31. Prossegue na mesma matria. Declara o que orao de quietude. D algum avisos para os que a tm. muito para notar.

    1. Quero todavia, filhas, declarar - tal como o tenho ouvido dizer, ou c Senhor tem querido dar-mo a entender e porventura para que vo-lo diga esta orao de quietude, onde, me parece a mim, o Senhor comea, como j disse, a dar a entender que ouve a nossa petio, e comea, j aqui neste mundo, a dar-nos o Seu reino, para que deveras O louvemos e santifiquemos o Seu Nome e procuremos que todos o faam.

    2. j coisa sobrenatural e que no podemos procurar por ns mesmos, por mais diligncias que faamos; porque um pr-se a alma em paz, ou p-la o Senhor, para melhor dizer, com a Sua presena, como fez ao justo Simeo, porque todas as potncias se sossegam. Entende a alma, de um modo muito diverso do entender com os sentidos exteriores, que j estcali junto, mesmo ao p de Deus, que, com mais um poucochinho, chegar a estar feita uma mesma coisa com Ele por unio. Isto, no porque O vejo com os olhos do corpo, nem com os da alma. O justo Simeo tambm no via do glorioso Menino pobrezinho, mais do que as faixas em que O levavam envolto e a pouca gente que ia com Ele na procisso, que mais puder, julg-lO filho de gente pobre, que filho do Pai celestial; mas o mesmc Menino deu-se-lhe a conhecer. E assim que entende aqui a alma, embora, no com essa clareza; porque at mesmo ela no entende como o entende seno que se v no reino, ou ao menos junto do Rei que lho h-de dar, e parece que a prpria alma est com tal respeito que nem mesmo ousa pedir como um amortecimento interior e exterior, pois no quereria o homem exterior (digo o corpo, para que melhor me entendais), no quereria, digo, mexer-se, mas, como quem j chegou quase ao fim do caminho, descansa para melhor poder voltar a caminhar; para isso ali se lhe redobram as foras.

    3. Sente-se grandssimo deleite no corpo e grande satisfao na alma. Est to contente, s de se ver junto fonte que, ainda mesmo sem beber, j est satisfeita. No lhe parece que haja mais a desejar. As potncias sossegadas, no se quereriam bulir, tudo lhes parece as estorva de amar, ainda que no estejam to perdidas que no possam pensar ao p de quem esto, porque as duas esto livres.

    file:///D|/Documenta%20Chatolica%20Omnia/99%20-%20P...isori/mbs%20Library/001%20-Da%20Fare/CAMINHO-33.htm (1 of 6)2006-06-01 14:58:09

  • S. Teresa de JesusCAMINHO DE PERFEIO: C.33.

    Aqui s a vontade a cativa e, se alguma pena pode ter, estando assim, por ver que h-de voltar a ter liberdade. O entendimento no quereria entender mais de uma coisa, nem a memria ocupar-se em mais. Aqui vem que s esta necessria, todas as mais perturbam. No quereriam que o corpo se movesse, porque lhes parece que ho-de perder aquela paz e assim no ousam mexer-se; d-lhes pena o falar; em dizer Pai Nosso uma vez, vai-se-lhes uma hora. Esto to perto que vem que se entendem por sinais. Esto no palcio, junto do seu Rei, e vem que Ele j lhes comea a dar aqui o Seu reino. No lhes parece estar no inundo nem o quereriam ver nem ouvir, seno a seu Deus. Nada lhes d pena, nem parece que possa dar. Enfim, enquanto isto dura, com a satisfao e deleite que em si tm, esto to embebidas e absortas, que no se lembram que haja mais a desejar, mas de boa vontade diriam com So Pedro: Senhor, faamos aqui trs moradas.

    4. Algumas vezes, nesta orao de quietude, faz Deus outra merc bem difcil de entender, se no h grande experincia; mas, se houver alguma, logo o entender aquela que a tiver e dar-vos- grande consolao saber o que , e creio que muitas vezes faz Deus esta merc juntamente com estoutra. Quando grande, e por muito tempo, esta quietude, parece-me a mim que, se a vontade no estivesse presa a alguma coisa, no poderia permanecer tanto tempo naquela paz; porque acontece que nos vemos andar um dia ou dois com esta satisfao e no nos entendemos - digo os que a tm -, e vem, na verdade, que no esto cnscios no que fazem falta-lhes o melhor, que a vontade, que, a meu parecer, est unida con Deus, e deixa as outras potncias livres para que atendam s coisas do Sei servio. Para isto, tm ento muita maior habilidade; mas para tratar coisa do mundo esto entorpecidas e, por vezes, como que aparvalhadas.

    5. grande merc esta a quem o Senhor a faz, porque esto juntas vide activa e contemplativa. De todo em todo se serve ento ao Senhor, porque a vontade se fica em seu ofcio sem saber como age e em sua contemplao e as outras duas potncias servem no que ofcio de Marta; assim ela e Maria andam juntas.

    Eu sei de uma pessoa a quem o Senhor punha assim muitas vezes e no sabia entender-se a si mesma, e perguntou-o a um grande contem plativo, que lhe disse ser muito possvel, que lhe acontecia a ele o mesme Assim penso: pois a alma est to satisfeita nesta orao de quietude, que a potncia da vontade deve estar quase de

    file:///D|/Documenta%20Chatolica%20Omnia/99%20-%20P...isori/mbs%20Library/001%20-Da%20Fare/CAMINHO-33.htm (2 of 6)2006-06-01 14:58:09

  • S. Teresa de JesusCAMINHO DE PERFEIO: C.33.

    contnuo unida quele que somente a pode satisfazer.

    6. Parece-me que ser bom dar aqui alguns avisos para aquelas de entre vs, irms, que o Senhor trouxe at aqui, s por Sua vontade; e sei que so algumas.

    O primeiro que, como se vem naquele contento e no sabem como lhes veio, vem pelo menos, que por si mesmas no o podem alcanar d-lhes esta tentao de lhes parecer que podero ret-lo e assim at nen mesmo respirar quereriam. E tolice, pois assim como no podemos faze com que amanhea, to-pouco podemos que deixe de anoitecer. J no obra nossa, sobrenatural e coisa muito sem ns a podermos adquirir. Con o que mais poderemos deter esta merc entender claramente que nela nada podemos tirar nem pr, mas receb-la, como indignssimos de a merecer, com aces de graas; e estas no com muitas palavras, mas com um erguer de olhos, como o publicano.

    7. bom procurar mais soledade para dar lugar ao Senhor e deixar a Sua Majestade agir como em coisa sua; e, quando muito, dizer uma palavra de tempos a tempos, suave, como quem d um sopro na vela, quando v que se vai a apagar, para a tornar a atear; mas se est a arder, no serve seno para mais a apagar, a meu parecer. Digo que seja suave o sopro, para que, em concertar muitas palavras com o entendimento, no se ocupe a vontade.

    8. E notai bem, amigas, este aviso que agora vos quero dar, porque vos vereis muitas vezes s voltas com estas duas potncias sem vos poderdes valer. Pois acontece estar a alma com grandssima quietude, e andar com o entendimento ou pensamento to no ar, que nem parece ser em sua casa o que ali se passa; e assim o parece ento: no est seno como que hspede em casa alheia e buscando outras pousadas onde estar; aquela no o contenta, por mal saber que coisa estarem um mesmo ser. Porventura sou s eu, que no devem os outros ser assim; de mim falo, que algumas vezes desejo morrer, porque no posso remediar esta diversidade do entendimento. Outras vezes parece ter assento em sua casa e acompanha a vontade; e quando todas as trs potncias se concertam entre si, uma glria. Como dois casados que, quando se amam, um quer o que o outro quer; mas, se so mal casados, j se v o desassossego que o marido d mulher. Nestas condies, quando a vontade se vir nesta quietude, no faa mais caso do entendimento que de um louco, porque se o quer trazer a si,

    file:///D|/Documenta%20Chatolica%20Omnia/99%20-%20P...isori/mbs%20Library/001%20-Da%20Fare/CAMINHO-33.htm (3 of 6)2006-06-01 14:58:09

  • S. Teresa de JesusCAMINHO DE PERFEIO: C.33.

    forosamente se h-de ocupar e inquietar algum tanto. E neste ponto de orao tudo ser trabalhar e no ganhar mais, mas sim perder o que lhe d o Senhor sem qualquer trabalho seu.

    9. E adverti muito a esta comparao, que me parece quadra muito bem. Est a alma como uma criana que ainda mama, quando est aos peitos de sua me, e esta, sem que a criana mova os lbios, lhe deita o leite na boca para a regalar. Assim nisto: sem trabalho do entendimento est a vontade amando e quer o Senhor que, sem o pensar, entenda que est com Ele, e que s engula o leite que Sua Majestade lhe pe na boca e goze daquele suavidade; conhea que lhe est o Senhor fazendo aquela merc e goze de a gozar; mas no queira entender corno a goza, e o que que goza: descuide-se por ento de si mesma, pois Aquele que est junto dela no se descuidar de ver o que lhe convm. Porque, se vai pelejar com o entendimento para que, trazendo-o consigo, ele tome parte no seu gozo, no O pode de forma alguma. Forosamente deixar cair o leite da boca, e perde aquele mantimento divino.

    10. Nisto difere esta orao de quando toda a alma est unida com Deus; porque, ento, nem mesmo tem o trabalho de engolir o mantimento; dentro de si, sem entender como, lho pe o Senhor. Aqui, parece querer que a alma trabalhe um poucochinho, ainda que com tanto descanso, que quase no se sente. Quem a atormenta o entendimento; o que este no faz quando unio de todas as trs potncias, porque ento as suspende Aquele que as criou, e com o gozo que lhes d, ocupa todas sem elas saberem como, nem o poderem entender.

    Assim, como digo, em sentindo em si esta orao, que um contentamento grande e quieto da vontade, ainda que sem poder determinar designadamente de qu, a alma bem distingue que muito diferente dos contentamentos c da terra, e no bastaria assenhorear o mundo com todos os seus contentos para sentir dentro de si aquela satisfao, que no interior da vontade, - que os outros contentos da vida parece-me a mim que os goza o exterior da vontade, como que a sua casca, digamos assim -. Quando, pois, a alma se vir neste to subido grau de orao (que , como j disse, muito conhecidamente sobrenatural), se o entendimento - ou pensamento, para melhor me explicar - chegar aos maiores desatinos do mundo, ria-se dele e deixe-o como a nscio, e fique-se na sua quietude, que ele vai e vem; aqui senhora e poderosa a vontade; ela o trar a si, sem que vos ocupeis disso. E se quiser

    file:///D|/Documenta%20Chatolica%20Omnia/99%20-%20P...isori/mbs%20Library/001%20-Da%20Fare/CAMINHO-33.htm (4 of 6)2006-06-01 14:58:09

  • S. Teresa de JesusCAMINHO DE PERFEIO: C.33.

    traz-lo fora de braos, perde a fortaleza que tem para o combater, que lhe vem de comer e receber aquele divino sustento, e nem um nem outro ganharo nada, antes perdero ambos. Dizem que quem muito quer abarcar, tudo perde, e assim me parece ser tambm aqui.

    A experincia dar isto a entender, pois, a quem no a tem, no me espanto que isto lhe parea muito obscuro e coisa no necessria; mas j disse que, por pouca experincia que tenha, o entender e poder aproveitar-se disto, e louvar ao Senhor, porque foi servido em que eu acertasse em diz-lo aqui.

    11. Concluamos, pois, agora: posta a alma nesta orao, j parece ter-lhe concedido o Pai Eterno a Sua petio de lhe dar aqui o Seu reino. Oh! Ditosa petio, em que tanto bem pedimos sem o entendermos! Ditosa maneira de pedir! Por isso quero eu, irms, que olhemos como rezamos esta orao do Pai Nosso e todas as outras oraes vocais. Porque, feita por Deus esta merc, descuidar-nos-emos das coisas do mundo que, em chegando o Senhor dele, tudo lana fora. No digo que todos os que a tiverem estejam forosamente neste desapego total do mundo; mas quereria, ao menos, que entendessem quanto lhes falta, se humilhem e procurem ir-se desapegando de tudo, porque, se no o fazem, ficar-se-o por aqui. E alma a quem Deus d tais prendas, sinal que a quer para muito: se no for por sua culpa, ir muito adiante. Mas se Ele v que, metendo-lhe como em casa o reino do Cu, ela se torna para a terra, no s no lhe mostrar os segredos que h no Seu reino, mas sero poucas as vezes em que lhe far este favor e por breve tempo.

    12. Bem pode ser que eu me engane nisto, mas vejo-o e sei que assim, e tenho para mim que por isso que no h muitos mais espirituais. Porque, como no correspondem nos servios, conforme a to grande merc, pois no tornam a preparar-se para receb-la, mas tiram das mos do Senhor a vontade que j Lhe tinham dado por Sua e a pem em coisas baixas, vai-se Ele a buscar aonde O queiram para dar mais, ainda que no tire de todo o que deu, quando vivem com a conscincia limpa.

    Mas h pessoas, e eu fui uma delas, que as est o Senhor enternecendo e dando-lhes inspiraes santas, e luz do que tudo , e enfim, dando-lhes este reino e pondo-as nesta orao de quietude, e elas fazendo-se surdas. Porque so to amigas de falar e de dizer muitas oraes vocais muito depressa, como quem quer acabar uma

    file:///D|/Documenta%20Chatolica%20Omnia/99%20-%20P...isori/mbs%20Library/001%20-Da%20Fare/CAMINHO-33.htm (5 of 6)2006-06-01 14:58:09

  • S. Teresa de JesusCAMINHO DE PERFEIO: C.33.

    tarefa, pois j tomaram sua conta o diz-las todos os dias, que embora, - como digo -, o Senhor lhes ponha o Seu reino nas mos, no o recebem; pensam que, com o seu rezar, fazem melhor, e distraem-se.

    13. Isto, no o faais, irms, mas ficai de sobreaviso, para quando o Senhor vos fizer esta merc. Olhai que perdeis um grande tesouro, e que fazeis muito mais com uma palavra do Pai Nosso, dita de quando em quando, do que em diz-lo muitas vezes pressa. Aquele a quem pedis, est muito perto de vs, no deixar de vos ouvir. Crede que este o verdadeiro louvar e santificar o Seu nome, porque j, como de Sua casa, glorificais ao Senhor e O louvais com mais afecto e desejo, e parece que no podeis deixar de O servir.

    file:///D|/Documenta%20Chatolica%20Omnia/99%20-%20P...isori/mbs%20Library/001%20-Da%20Fare/CAMINHO-33.htm (6 of 6)2006-06-01 14:58:09

  • S. Teresa de JesusCAMINHO DE PERFEIO: C.34.

    CAPTULO 32. Trata destas palavras do Pai Nosso: Fiat voluntas tua sicut in coelo et in terra, e o muito que faz quem diz estas palavras com toda a determinao, e como o Senhor lho paga bem.

    1. Agora que o nosso bom Mestre pediu por ns e nos ensinou a pedir coisa de tanto valor, que encerra em si todas as coisas que c podemos desejar, e nos fez to grande merc como a de nos fazer irmos Seus, vejamos o que Ele quer que demos a Seu Pai e o que Lhe oferece em nosso nome e o que nos pede, pois de razo que O sirvamos em alguma coisa por to grandes mercs. bom Jesus, que recebeis to pouco da nossa parte, como pedis tanto para ns! Sim, que isso que damos, em si nada para tanto que se deve, e para to grande Senhor! Mas certo , Senhor meu, que no nos deixais sem nada, e que damos tudo quanto podemos, se o damos como dizemos.

    2. Seja feita a Vossa vontade; e como feita no Cu, assim se faa na terra.

    Bem fizestes, nosso bom Mestre, em fazer esta ltima petio, para que possamos cumprir aquilo que dais em nosso nome; porque de certo, Senhor, se assim no fora, seria impossvel, me parece. Mas fazendo o Vosso Pai aquilo que Lhe pedis, de nos dar aqui o Seu reino, eu sei que Vos deixaremos ficar por verdadeiro em dardes o que dais por ns; porque, feita a terra cu, ser possvel fazer-se em mim a Vossa vontade. Mas sem isto, e em terra to ruim como a minha, e to sem fruto, eu no sei, Senhor, como seria possvel. coisa bem grande o que ofereceis!

    3. Quando penso nisto, acho graa s pessoas que no ousam pedir trabalhos ao Senhor, pois pensam que logo lhos vo dar.; No falo dos que deixam de o fazer por humildade, parecendo-lhes que no sero capazes de os sofrer; ainda que tenha para mim que, Aquele que lhes d amor para pedir meio to rduo para Lho mostrar, dar-lho- tambm para os trabalhos. Quereria eu perguntar aos que, por temor de que logo lhos dem, no os pedem: que dizem quando pedem ao Senhor que neles cumpra Sua vontade? ou ser que o dizem s por dizer o que dizem todos, mas no para o fazer? Isto, irms, no estaria bem. Olhai que o bom Jesus aparece aqui como nosso embaixador que quis intervir entre ns e Seu Pai, e no foi

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    pouco Sua custa; no justo, pois, que, o que Ele oferece por ns, o deixemos de fazer, ou ento no o digamos.

    4. Agora quero apresentar-vos outro caminho. Vede, filhas: isto h-de cumprir-se, quer queiramos quer no, e h-de fazer-se a Sua vontade no Cu e na terra; acreditai-me e aceitai o meu parecer e fazei da necessidade virtude. Oh Senhor meu! que grande ddiva para mim, que no deixsseis um querer to ruim como o meu no cumprir-se a Vossa vontade! Bendito sejais por sempre e louvem-Vos todas as coisas! Seja glorificado o Vosso nome para sempre! Que bonito seria, Senhor, se estivesse nas minhas mos o cumprir-se ou no a Vossa vontade! Dou-Vos agora a minha livremente, ainda que em tempo de no ver-se livre de interesse; j tenho provas e grande experincia do lucro que h em deixar livremente a minha vontade na Vossa. Oh amigas! quo grande lucro h nisto, ou que grande perda se no cumprimos o que dizemos ao Senhor quando Lhe dizemos isto no Pai Nosso!

    5. Antes de vos dizer o que se ganha, quero declarar-vos o muito que ofereceis, no vades cair depois no engano, dizendo que no o entendestes. No seja como a algumas religiosas que no fazemos seno prometer e, como no o cumprimos, h esta desculpa de dizer que no se entendeu o que se prometia. Bem pode ser porque, dizer que abandonamos a nossa vontade na do outro, parece muito fcil at que, na realidade, se compreende ser a coisa mais difcil que se pode fazer, cumprindo como se deve cumprir. Nem todas as vezes, os prelados nos levam com rigor por nos verem fracos; e, s vezes a fracos e fortes, seguem o mesmo caminho. Aqui no assim, pois sabe o Senhor o que cada um pode suportar e, a quem v com coragem, no se detm em cumprir nele a Sua vontade.

    6. Quero-Vos agora avisar e recordar qual a Sua vontade. No tenhais medo que seja dar-vos riquezas, nem prazeres, nem honras, nem todas estas coisas de c da terra. No vos quer to pouco, e tem em muito o que Lhe dais, e vo-lo quer pagar bem, pois ainda em vossa vida vos d o Seu reino. Quereis ver como Ele procede com os que Lhe dizem isto deveras? Perguntai-o a Seu glorioso Filho, que Lho disse quando da orao do Horto. Como foi dito com determinao e com toda a vontade, vede como o Pai a cumpriu bem n'Ele, no que Lhe deu de trabalhos e dores e injrias e perseguies; enfim, at que se Lhe acabou a vida, com a morte da cruz.

    7. Pois vedes aqui, filhas, o que deu quele a quem mais amava, por file:///D|/Documenta%20Chatolica%20Omnia/99%20-%20P...isori/mbs%20Library/001%20-Da%20Fare/CAMINHO-34.htm (2 of 5)2006-06-01 14:58:09

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    onde se entende qual a Sua vontade. Assim, so estes os Seus dons neste mundo. D conforme ao amor que nos tem: aos que mais ama, d mais destes dons; queles que menos ama, d menos, e conforme ao nimo que v em cada um e o amor que tm a Sua Majestade. A quem O amar muito, ver que pode padecer muito por Ele; ao que O amar pouco, pouco. Tenho para mim que a medida de se poder levar cruz grande ou pequena, a do amor. Assim, irms, se o tendes, procurai que no sejam palavras de mero cumprimento as que dizeis a to grande Senhor, mas esforai-vos a aceitar o que Sua Majestade quiser. Porque, se de outra maneira Lhe dais a vossa vontade, mostrar-Lhe a jia, ir-Lha a dar e rogar-Lhe que a tome e, quando estende a mo para nela pegar, torn-la a guardar muito bem guardada.

    8. No so zombarias estas que se faam a Quem tantas fizeram por nossa causa; e, ainda que no houvesse outro motivo, no razo que estejamos a zombar j tantas vezes, que no so poucas as que Lhe dizemos no Pai Nosso. Dmos-Lhe a jia de uma vez para sempre, pois tantas tentmos em Lha dar; verdade que no nos d primeiro, seno para que Lha dmos. Os do mundo j fazem muito se tm de verdade a determinao de cumprir. Mas vs, filhas, dizendo e fazendo, palavras e obras, como de verdade parece que fazemos ns os religiosos; seno que, por vezes, no s procuramos dar a jia, mas pomos-Lha nas mos, e tornamos-Lha a tirar. Somos repentinamente generosos, e depois to tacanhos, que, em parte, mais valera que nos tivssemos detido em dar.

    9. Porque todos os avisos que vos tenho dado neste livro vo dirigidos a este ponto de nos darmos de todo ao Criador, e pr a nossa vontade na Sua, desapegar-nos das criaturas, e j tereis entendido o muito que isto nos importa, nada mais digo; somente direi o motivo porque o nosso bom Mestre pe aqui estas sobreditas palavras, como quem sabe quanto ganharemos em prestar este servio a Seu Eterno Pai, a fim de nos dispormos para, com muita brevidade, nos vermos com o caminho acabado de andar, e bebendo da gua viva da fonte que fica dita. Porque, sem darmos totalmente a nossa vontade ao Senhor para que, em tudo o que nos toca, Ele faa conforme Sua vontade, nunca nos deixar beber dela.

    Isto a contemplao, de que me dissestes que escrevesse. E nisto - como j tenho escrito - nenhuma coisa fazemos da nossa parte: nem trabalhamos, nem negociamos, nem nada mais preciso; porque tudo o mais estorva e impede de dizer: Fiat voluntas tua:

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    cumpra-se em mim, Senhor, a Vossa vontade de todos os modos e maneiras que vs, Senhor meu, quiserdes. Se quereis com trabalhos, dai-me esforo e venham; se com perseguies e enfermidades e desonras e necessidade, aqui estou, no voltarei o rosto, Pai meu, nem razo para voltar as costas. Pois Vosso Filho deu em nome de todos esta minha vontade, no razo que falhe por minha parte; mas sim me faais Vs merc de me dar o Vosso Reino para que eu possa faz-lo, pois Ele mo pediu e disponde em mim corno em coisa Vossa, conforme a Vossa vontade.

    11. irms minhas, que fora tem este dom! Se vai com a determinao com que deve ir, no pode menos do que trazer o Todo-Poderoso a ser um com a nossa baixeza e transformar-nos em Si, e fazer uma unio do Criador com a criatura. Vede se ficareis bem pagas e se tendes bom Mestre, pois, como sabe por onde h-de ganhar a amizade de Seu Pai, nos ensina como, e com que O havemos de servir.

    12. E enquanto mais se vai entendendo pelas obras que no so meras palavras de cumprimento, mais e mais nos chega o Senhor a Si, e levanta a alma acima de todas as coisas de c da terra e de si mesma, para a habilitar a receber grandes mercs, pois no se farta de nos pagar nesta vida este servio. Tem-no em tanta conta, que j no sabemos que Lhe pedir, e Sua Majestade nunca se cansa de dar. Porque, no contente de ter feito esta alma uma s coisa consigo por a ter j unido a Si mesmo, comea a ter as Suas delcias com ela, a descobrir-lhe segredos, a gostar que ela entenda quanto tem ganho e conhea alguma coisa daquilo que Ele tem para lhe dar. Faz-lhe ir perdendo estes sentidos exteriores, para que nada a ocupe. Isto arroubamento; e comea a tratar de tanta amizade, que no s a torna a deixar a sua vontade, mas com ela lhe d a Sua; porque apraz ao Senhor, j que trata de tanta amizade, que manda cada um por sua vez, - como dizem - e cumprir Ele o que ela Lhe pede, assim como ela faz o que Ele lhe manda, e muito melhor, porque poderoso e pode quanto quer, e no deixa de querer.

    13. A pobre alma, ainda que queira, no pode fazer como quisera, nem pode nada sem que lho dem. E esta a sua maior riqueza: ficar tanto mais endividada quanto mais serve a Deus e muitas vezes aflige-se por se ver sujeita a tantos inconvenientes e embaraos e atilhos, como traz consigo o estar no crcere deste corpo, pois quereria pagar um pouco do que deve. Mas muito tola em se afligir, porque, ainda que faa tudo quanto est em sua mo, que

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    poderemos ns pagar os que, como digo, nada temos para dar se no o recebermos, mas conhecermo-nos e isto sim podemos, que dar a nossa vontade, faz-lo perfeitamente? Tudo o mais, para uma alma que o Senhor trouxe at aqui, embaraa, causa dano e no proveito, porque s a humildade que pode alguma coisa, e esta no adquirida pelo entendimento, mas com uma clara verdade que compreende num momento o que em muito tempo, trabalhando a imaginao, no pudera alcanar acerca do muito nada que somos e do mui muito que Deus.

    14. Dou-vos este aviso: no penseis chegar aqui por fora e diligncias vossas que por demais; pois, se antes senteis devoo, ficareis frias; mas com simplicidade e humildade que a que tudo vence, dizer: fiat voluntas tua.

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