teresa 3

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S. Teresa de JesusCAMINHO DE PERFEIÇÃO: C.20. algumas pessoas há que, por direito de justiça, parece quererem pedir a Deus regalos. Engraçada maneira de humildade! Por isso, bem faz o Conhecedor de todos, que poucas vezes, creio, os dá a estes; vê muito bem que não servem para beber o cálice. 7. O entenderdes, filhas, se estais aproveitadas, estará em ver cada uma se se considera a pior de todas, e isto de modo a dar a perceber pelas suas obras que assim o reconhece, para aproveitamento e bem das outras; e não por ter mais gostos na oração e arroubamentos ou visões ou mercês deste teor que o Senhor concede por vezes, pois temos de aguardar pelo outro mundo para ver o seu valor. Estoutro é moeda corrente, renda que não falha, juros perpétuos e não censos remíveis, que estes tiram-se e põem- se; é uma grande virtude de humildade e mortificação, de grande obediência em não ir num só ponto contra o que manda o prelado, que sabeis verdadeiramente que vo-lo manda Deus, pois está em Seu lugar. Nisto de obediência é no que mais havia de pôr empenho, pois me parece que, se não a há, é não ser freira. Não digo, no entanto, nada a esse respeito, porque falo com freiras a meu parecer boas, pelo menos que o desejam ser. Em coisa tão sabida e importante, apenas uma palavra para que se não esqueça. 8. Digo que, quem estiver por voto debaixo de obediência e faltar, não trazendo todo o cuidado em como cumprirá com maior perfeição este voto, não sei para que está no convento. Pelo menos eu lhe asseguro que, enquanto nisto faltar, nunca chegará a ser contemplativa, nem mesmo boa activa; e isto tenho por muito, muito certo. E ainda que não seja pessoa que tenha isto como obrigação, se quer ou pretende chegar à contemplação, precisa, para ir com muito acerto, de sujeitar a sua vontade com toda a determinação a um bom confessor. Porque isto é já coisa muito sabida: que aproveitam mais desta sorte em um ano do que, sem isto, em muitos, e como para vós não é mister, não há pois que falar disto. 9. Concluo dizendo que estas virtudes são as que eu desejo que tenhais, minhas filhas, que procureis e santamente invejeis. Essas outras devoções não cureis de ter pena de não as terdes; é coisa incerta. Poderá acontecer que noutras pessoas sejam de Deus e em vós permitirá Sua Majestade seja ilusão do demónio e que ele vos engane, como tem feito a outras pessoas. file:///D|/Documenta%20Chatolica%20Omnia/99%20-%20P...isori/mbs%20Library/001%20-Da%20Fare/CAMINHO-20.htm (3 of 4)2006-06-01 14:58:04

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caminho da perfeição parte 3

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  • S. Teresa de JesusCAMINHO DE PERFEIO: C.20.

    algumas pessoas h que, por direito de justia, parece quererem pedir a Deus regalos. Engraada maneira de humildade! Por isso, bem faz o Conhecedor de todos, que poucas vezes, creio, os d a estes; v muito bem que no servem para beber o clice.

    7. O entenderdes, filhas, se estais aproveitadas, estar em ver cada uma se se considera a pior de todas, e isto de modo a dar a perceber pelas suas obras que assim o reconhece, para aproveitamento e bem das outras; e no por ter mais gostos na orao e arroubamentos ou vises ou mercs deste teor que o Senhor concede por vezes, pois temos de aguardar pelo outro mundo para ver o seu valor. Estoutro moeda corrente, renda que no falha, juros perptuos e no censos remveis, que estes tiram-se e pem-se; uma grande virtude de humildade e mortificao, de grande obedincia em no ir num s ponto contra o que manda o prelado, que sabeis verdadeiramente que vo-lo manda Deus, pois est em Seu lugar.

    Nisto de obedincia no que mais havia de pr empenho, pois me parece que, se no a h, no ser freira. No digo, no entanto, nada a esse respeito, porque falo com freiras a meu parecer boas, pelo menos que o desejam ser. Em coisa to sabida e importante, apenas uma palavra para que se no esquea.

    8. Digo que, quem estiver por voto debaixo de obedincia e faltar, no trazendo todo o cuidado em como cumprir com maior perfeio este voto, no sei para que est no convento. Pelo menos eu lhe asseguro que, enquanto nisto faltar, nunca chegar a ser contemplativa, nem mesmo boa activa; e isto tenho por muito, muito certo. E ainda que no seja pessoa que tenha isto como obrigao, se quer ou pretende chegar contemplao, precisa, para ir com muito acerto, de sujeitar a sua vontade com toda a determinao a um bom confessor. Porque isto j coisa muito sabida: que aproveitam mais desta sorte em um ano do que, sem isto, em muitos, e como para vs no mister, no h pois que falar disto.

    9. Concluo dizendo que estas virtudes so as que eu desejo que tenhais, minhas filhas, que procureis e santamente invejeis. Essas outras devoes no cureis de ter pena de no as terdes; coisa incerta. Poder acontecer que noutras pessoas sejam de Deus e em vs permitir Sua Majestade seja iluso do demnio e que ele vos engane, como tem feito a outras pessoas.

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  • S. Teresa de JesusCAMINHO DE PERFEIO: C.20.

    Em coisa duvidosa, para que quereis servir o Senhor, tendo tanto em que o podeis fazer com segurana? Quem vos mete em tais perigos?

    10. Alarguei-me tanto nisto, porque sei que convm, pois esta nossa natureza fraca e, a quem Deus quiser dar contemplao, Sua Majestade a far forte; aos que no, folgo de dar estes visos, com os quais tambm se humilharo os contemplativos.

    O Senhor, por quem , nos d luz para seguir em tudo a Sua vontade e nada teremos a temer.

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  • S. Teresa de JesusCAMINHO DE PERFEIO: C.21.

    CAPTULO 19. Comea a tratar da orao. Fala com almas que no podem discorrer com o entendimento.

    1. H tantos dias que escrevi o que fica para trs, sem ter tido lugar para voltar a isto, que, se no o torno a ler, no sei o que dizia. Para no ocupar tempo, ter de ir como sair, sem concerto. Para entendimentos bem ordenados e almas exercitadas e que podem recolher-se em si mesmas, h tantos livros escritos e to bons e por pessoas tais, que seria erro fizsseis caso do que digo em coisas de orao; pois, como digo, tendes esses livros onde, pelos dias da semana, so repartidos os mistrios da vida do Senhor e da Sua Paixo, e meditaes sobre o juzo e o inferno, o nosso nada e o muito que devemos a Deus, com excelente doutrina e ordem para o princpio efim deorao. Quem puder e tiver j costume de seguir este modo de orao, nada h a dizer, pois por to bom caminho o Senhor o levar a porto de luz, e com to bons princpios, o fim tambm o ser. Todos os que puderem ir por ele, levaro descanso e segurana, porque, atado o entendimento, vai-se com descanso.

    Mas, do que eu quereria tratar e dar algum remdio, se o Senhor quisesse que acertasse (se no, ao menos que entendais que h muitas almas que passam este trabalho para que, se o tiverdes, no vos aflijais), isto:

    2. H almas e entendimentos to desenfreados como cavalos sem freio, que no h quem os faa parar. Vo para aqui, vo para ali, sempre com desassossego: e a sua mesma natureza ou Deus que o permite. Tenho-lhes muita lstima, porque me parecem tal como umas pessoas que tm muita sede e vem a gua de muito longe e, quando querem ir at l, encontram quem lhes embargue o passo no princpio, no meio e no fim. Acontece que, quando com o seu trabalho - e com quanto trabalho! - j tm vencido os primeiros inimigos, deixam-se vencer pelos segundos e antes querem morrer de sede que beber gua que tanto lhes h-de custar. Acaba-se-lhes o esforo, falta-lhes o nimo. E, j que alguns o tm para tambm vencer os segundos inimigos, para os terceiros acaba-se-lhes a fora no estando porventura a mais de dois passos da fonte viva da qual o Senhor disse Samaritana que, quem dela bebesse, no teria mais sede de gua. E com quanta razo e verdade, como dito pela boca da mesma Verdade, pois no a ter de coisas desta vida, embora cresa muito mais do que podemos aqui imaginar, por esta

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  • S. Teresa de JesusCAMINHO DE PERFEIO: C.21.

    sede natural, a das coisas da outra vida. E com que sede se deseja ter esta sede! Porque a alma entende o seu grande valor, e ainda que seja sede penosssima que aflige, traz consigo a mesma satisfao com que se mata aquela sede de maneira que uma sede que no abafa seno a das coisas terrenas, antes d fartura; e assim, quando Deus a satisfez, a maior merc que Ele pode fazer alma de a deixar com a mesma necessidade, e maior lhe fica sempre a de voltar a beber desta gua.

    3. A gua tem trs propriedades, que agora me lembro e me fazem ao caso,e muitas mais ter.

    Uma que refresca: por maior calor que tenhamos, em chegando a gua, desaparece; e, se h grande fogo, com ela se extingue, salvo se for de alcatro, que se ateia mais. Oh! valha-me Deus, que maravilhas h neste incendiar-se mais o fogo com a gua, quando fogo forte, poderoso, no sujeito aos elementos; pois este, com ser seu contrrio, no o impede, antes o faz crescer! Muito me auxiliaria falar aqui com quem soubesse filosofia, porque, conhecendo as propriedades das coisas, saber-me-ia explicar, mas vou-me deleitando nisto e no o sei dizer, nem porventura o sei entender.

    4. Desde que Deus vos traga, irms, a beber desta gua, e as que agora dela bebeis, experimentareis isto e entendereis como o verdadeiro amor de Deus - se ele est em toda a sua fora, j de todo livre de coisas da terra e paira sobre elas -, senhor de todos os elementos e do mundo. E, como a gua procede d terra, no tenhais medo que mate esse fogo de amor de Deus; no de sua jurisdio. Embora sejam contrrios, j senhor absoluto, no lhe est sujeito.

    E assim no vos espanteis, irms, do muito que tenho dito neste livro, a fim de que busqueis esta liberdade. No ser coisa agradvel uma pobre freira de S. Jos poder chegar a assenhorear-se de toda a terra e dos elementos? E ser muito que os santos fizessem deles o que queriam, com o favor de Deus? A S. Martinho, o fogo e as guas obedeciam-lhe; a S. Francisco, at as aves e os peixes; e assim a muitos outros santos, nos quais se via claramente que eram to senhores de todas as coisas do mundo, porque muito tinham trabalhado para o terem em pouco, sujeitando-se deveras, com todas as suas foras, quele que o Senhor dele. Assim pois, como digo, a gua que nasce da terra no tem poder contra este fogo; suas chamas so muito altas e sua nascente no comea em coisa

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  • S. Teresa de JesusCAMINHO DE PERFEIO: C.21.

    to baixa.

    Outros fogos h de pequeno amor de Deus, que qualquer sucesso os pode matar, mas este no! Ainda que sobrevenha todo um mar de tentaes, no faro com que ele deixe de arder de modo a no se assenhorear delas.

    5. Mas, se da gua que chove do cu, muito menos o apagar; no so contrrios, mas sim da mesma origem. No tenhais medo que um elemento faa mal ao outro, antes um ajuda ao efeito do outro. Porque a gua das lgrimas verdadeiras (que so as que procedem da verdadeira orao, dadas pelo Rei do cu), ajuda este fogo a incendiar-se mais e f-lo durar, e o fogo ajuda a gua a esfriar. Oh! valha-me Deus! que coisa to bela e de tanta maravilha, que o fogo faa arrefecer! Sim, e at chega a gelar todas as afeies do mundo quando se junta com gua viva do cu, que a fonte donde procedem as lgrimas de que falei acima, que so dadas e no adquiridas, por nossa indstria. Assim, bem certo que no deixa calor em coisa alguma do mundo, de modo a deter-se nelas, a no ser que possa pegar este fogo, porque de sua natureza no se contentar com pouco, antes, se pudesse, abrasaria todo o mundo.

    6. A outra propriedade limpar o que no est limpo. Se no houvesse gua para lavar, que seria do mundo? Sabeis que tanto limpa esta gua viva, esta gua celestial, esta gua clara, quando no est turva, quando no tem lodo, mas cai do cu? Por uma s vez que se beba, tenho por certo deixa a alma clara e limpa de todas as culpas. Porque - como j tenho escrito Deus no d lugar a que se beba desta gua (porquanto isto no est em nosso querer, pois esta divina unio coisa muito sobrenatural), a no ser para purificar a alma e deix-la limpa e livre do lodo e misria em que, por suas culpas, estava metida. Os outros gostos, que vm por meio do entendimento, por muito que se faa, trazem a gua correndo pela terra; no bebida junto fonte; nunca faltam neste caminho coisas lodosas em que se detenha e no chegue to pura e to lmpida. A esta orao - que como digo, vai discorrendo com o entendimento - no chamo eu gua viva, conforme ao meu entender, porque, por mais que faamos, sempre no caminho se pega nossa alma alguma coisa do que no quereramos, ajudando a isso este nosso corpo e baixo natural.

    7. Quero explicar melhor: estamos pensando no que o mundo e como tudo se acaba, para o menosprezar. Quase sem o

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  • S. Teresa de JesusCAMINHO DE PERFEIO: C.21.

    entendermos, achamo-nos metidos nas coisas que dele amamos. Desejando fugir-lhes, estorva-nos pelo menos sempre um pouco o pensar como foi e como ser e o que fiz e o que farei. E, a pensar o que faz ao caso para nos livrarmos, metemo-nos, s vezes, de novo no perigo. No que isso se deva deixar de fazer, mas temer. preciso no irmos descuidados.

    O mesmo Senhor toma aqui este cuidado; no quer que confiemos em ns mesmos. Tem em tal conta a nossa alma, que no a deixa meter-se em coisas que lhe possam causar dano, no tempo em que a quer favorecer; mas, pe-na logo junto de Si e mostra-lhe, num momento, mais verdades e d-lhe mais claro conhecimento do que tudo, do que quanto c na terra poderamos terem muitos anos. Pois, por no termos livre a vista, cega-nos o p conforme vamos caminhando. Aqui, porm, leva-nos o Senhor ao termo da viagem sem entendermos como.

    8. A outra propriedade da gua que sacia e tira a sede. Porque sede parece-me a mim significar desejo de uma coisa que nos faz grande falta, que, se de todo nos falta, nos mata. Estranha coisa que, se nos falta, nos mata; e, se nos sobra, nos acaba com a vida, pois vem-se morrer muitos afogados. Senhor meu! E quem se visse to engolfada nesta gua viva que se lhe acabasse a vida! Mas, no poder isto ser? Sim; que tanto pode crescer o amor e o desejo de Deus, que no o possa sofrer o desejo natural, e assim h pessoas que tm morrido. Eu sei duma que, se Deus no a socorresse de pronto, esta gua viva era em to grande abundncia, que quase a tirava de si com arroubamentos. Digo quase a tirava de si, porque aqui descansa a alma. Parece que, afogada por no poder sofrer o mundo, ressuscita em Deus e Sua Majestade a torna apta a poder gozar o que, estando em si, no pudera sem que se lhe acabasse a vida.

    9. Entenda-se de aqui, como em nosso Sumo Bem no poder haver coisa que no seja perfeita, tudo o que Ele d para nosso bem e, por maior abundncia que d desta gua, no pode haver demasia em coisa Sua; porque, se d muito, torna a alma apta - como j disse -, para que seja capaz de beber muito; tal como o oleiro que faz a vasilha do tamanho que v ser mister para nela caber o que lhe quer deitar.

    No desejarmos isto, como coisa nossa, nunca deixa de haver falha.

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  • S. Teresa de JesusCAMINHO DE PERFEIO: C.21.

    Se tem alguma coisa boa, aquilo em que o Senhor ajuda. Mas somos to indiscretos que, como pena suave e gostosa, nunca pensamos fartar-nos desta pena; comemos sem medida, ajudamos este desejo conforme podemos, e assim algumas vezes ele chega a matar. Ditosa morte! Mas porventura, com a vida ajudaria outros a morrer com desejos desta morte. E isto creio que faz o demnio, porque entende o dano que estes tais lhe ho-de fazer vivendo, e assim tenta-os aqui com indiscretas penitncias a fim de lhes tirar a sade, e no ganha pouco nisto.

    10. Digo que, quem chegar a ter esta sede to impetuosa, que se acautele muito, pois creia que ter esta tentao; e, embora no morra de sede, acabar com a sade e dar sinais exteriores, mesmo que no queira, os quais se ho-de evitar por todos os modos. Algumas vezes aproveitar pouco a nossa diligncia, pois no poderemos encobrir tudo como quisramos. Mas tenhamos cuidado quando vm estes mpetos to grandes de crescimento deste desejo para no o aumentarmos, mas antes, com suavidade, cortemos o fio com outra considerao, pois poder ser que a nossa natureza tenha, s vezes, tanta parte nisso como o amor, pois h pessoas que desejam qualquer coisa, ainda que seja m, com grande veemncia. No creio que sero estas muito mortificadas, que para tudo aproveita a mortificao.

    Parece desatino que se atalhe coisa to boa; mas no , que eu no digo que se afaste o desejo, seno que se atalhe e, porventura, ser com outro com o qual se merea o mesmo.

    11. Quero dizer algo para melhor me dar a entender. Vem um grande desejo de se ver j com Deus e liberto deste crcere, como o tinha S. Paulo; pena que, por tal causa, deve ser em si muito saborosa; no ser preciso pouca mortificao para atalh-la, e de todo no poder. Mas quando vir que aperta tanto, que quase lhe faz perder o juzo (como eu vi uma pessoa no h muito tempo e de natureza impetuosa, ainda que habituada a quebrar a sua vontade - e me parece t-la j perdido, como se v por outras coisas -, que a vi por instantes como que desatinada pela grande pena e esforo que fez para a dissimular), digo que, em caso to excessivo, embora seja esprito de Deus, tenho por humildade temer, porque no devemos pensar que temos tanta caridade que nos ponha em to grande risco.

    12. Digo que no terei por mau - se puder, pois talvez nem todas as

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  • S. Teresa de JesusCAMINHO DE PERFEIO: C.21.

    vezes poder ser -, que troque o desejo, pensando que, se vive, servir mais a Deus, e poder ser que d luz a alguma alma que se viria a perder e, servindo mais, por a merea poder gozar mais de Deus. Tema-se do pouco que O tem servido. E so boas consolaes para to grande trabalho, e aplacar-se- a sua pena e ganhar muito, pois, para servir o mesmo Senhor, quer sofrer e viver com a sua pena. como consolar algum que tivesse um grande trabalho ou grave dor, dizendo-lhe que tenha pacincia, se entregue nas mos de Deus e que se cumpra nisso a Sua vontade, pois o entregarmo-nos a ela o mais acertado de tudo.

    13. E, se o demnio ajudou de algum modo a to grande desejo, o que seria possvel, como conta, creio, Cassiano, de um eremita de asprrima vida a quem deu a entender que se deitasse a um poo para ver mais depressa a Deus; eu creio bem que este no devia ter servido a Deus com humildade, nem bem, porque fiel o Senhor e Sua Majestade no consentiria que se cegasse em coisa to manifesta. Mas est claro: se o desejo fora de Deus, no lhe fizera mal; traz consigo a luz, a discrio e a medida. Isto claro; mas este nosso adversrio, nosso inimigo, por onde quer que possa, procura causar-nos dano; e, pois ele no anda descuidado, no o andemos ns. Este ponto importante para muitas coisas, tal como, para encurtar o tempo de orao, por saborosa que seja, quando vemos que se nos acabam as foras corporais ou se cansa a cabea. Em tudo muito necessria a discrio.

    14. Para que pensais, filhas, que pretendi declarar o fim e mostrar o prmio antes da batalha, dizendo o bem que traz consigo o chegar a beber desta fonte celestial, desta gua viva? Para que no vos entristeais com o trabalho e contradio que se encontram pelo caminho e andeis com nimo e no vos canseis. Porque - como j disse - poder ser que, depois de terdes chegado, quando no vos falte seno abaixar-vos a beber na fonte, deixeis tudo e percais este bem, pensando que no tereis fora para chegar a ele e que no sois para tanto.

    15. Olhai que o Senhor convida a todos. Pois que Ele a mesma Verdade, no h que duvidar. Se no fora geral este convite, o Senhor no nos chamara a todos e, ainda que nos chamasse, no diria: Eu vos darei de beber. Poderia dizer: Vinde todos que, enfim, no perdereis nada, e ao que Me parecer, Eu vos darei de beber. Mas como disse a todos, sem esta condio, tenho por certo que a todos os que se no ficarem no caminho, no lhes faltar

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  • S. Teresa de JesusCAMINHO DE PERFEIO: C.21.

    esta gua viva.

    O Senhor, que a promete, nos d a Sua graa, por quem Sua Majestade , para a buscarmos como se deve buscar.

    file:///D|/Documenta%20Chatolica%20Omnia/99%20-%20P...isori/mbs%20Library/001%20-Da%20Fare/CAMINHO-21.htm (7 of 7)2006-06-01 14:58:04

  • S. Teresa de JesusCAMINHO DE PERFEIO: C.22.

    CAPTULO 20. Trata de como, por diferentes vias, nunca falta consolao no caminho da orao, e aconselha as irms a que disto sejam sempre as suas prticas e conversaes.

    1. Parece que me contradigo, neste ltimo captulo, daquilo que tinha dito; porque, quando consolava as que no chegavam aqui, disse que o Senhor tinha diferentes caminhos por onde levava as almas at Ele, assim como havia muitas moradas. Assim torno-o agora a dizer; porque Sua Majestade entendeu a nossa fraqueza, providenciou como quem . Mas no disse: por este caminho venham uns, e por este, outros; antes foi to grande a Sua misericrdia, que no impediu ningum de procurar vir beber a esta fonte de vida. Bendito seja para sempre, e com quanta razo mo impediria a mim!

    2. Pois no me mandou que deixasse este caminho quando o comecei, nem fez que me lanassem nas profundezas, certamente que no o tolhe a ningum, mas antes nos chama publicamente em alta voz. Mas, como to bom, no nos fora, antes d de beber de muitas maneiras aos que O querem seguir para que nenhum se v desconsolado nem morra de sede. Porque desta fonte caudalosa saem arroios, uns grandes, outros pequenos e, algumas vezes, charcozitos para crianas, que isso lhes basta, e mais seria amedront-los ver muita gua; estes so os que esto ainda nos princpios.

    Assim, pois, irms, no tenhais medo de morrer de sede neste caminho. Nunca a falta de gua da consolao tanta que no se possa sofrer. E posto que isto assim, tomai o meu conselho e no vos fiqueis no caminho, mas pelejai como fortes at morrer na demanda, pois no estais aqui para outra coisa seno para pelejar. E indo sempre com esta determinao de antes morrer que deixar de chegar ao fim do caminho, se o Senhor vos levar com alguma sede nesta vida, na que para sempre, Ele vos dar de beber com toda a abundncia e sem temor de que vos venha a faltar. Praza ao Senhor no lhe faltemos ns, amen.

    3. Agora, para se comear este caminho que fica dito de modo a no errar nele desde o princpio, tratemos um pouco de como se h-de principiar esta jornada, porque o que mais importa; digo que importa, de todo em todo. No digo que quem no tiver a

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