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Terceirização & Informalidade na Indústria Alimentícia e de Bebidas A Ameaça aos Trabalhadores e Sindicatos e Estratégias Sindicais de Combate União Internacional de Trabalhadores da Alimentação, Agrícolas, Hotéis, Restaurantes, Tabaco e Afins (UITA) UMA FERRAMENTA ORGANIZACIONAL PARA SINDICALISTAS

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Terceirização &

Informalidade na

Indústria

Alimentícia e de

Bebidas

A Ameaça aos Trabalhadores e Sindicatos e Estratégias Sindicaisde Combate

União Internacional

de Trabalhadores da

Alimentação,

Agrícolas, Hotéis,

Restaurantes, Tabaco

e Afins (UITA)

UMA FERRAMENTA ORGANIZACIONAL PARA SINDICALISTAS

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Terceirização &

Informalidade na

Indústria Alimentícia e

de Bebidas

A Ameaça aos Trabalhadores eSindicatos e Estratégias Sindicais deCombate

Uma Ferramenta Organizacional paraSindicalistas

União Internacional de Trabalhadores da Alimentação,Agrícolas, Hotéis, Restaurantes, Tabaco e Afins (UITA)

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UITA

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Diferentes modalidades de terceirização e precarização do trabalho no setor de alimentos ebebidas:Como trabalhadores e sindicatos são afetados e as possíveis estratégias sindicais para combatê-las.

© UITA 2006

Design e diagramação: Michele Karamanof de m&m studios, Johannesburg

Fotos: UITA

A UITA agradece o apoio financeiro proporcionado pela Friedrich Ebert Stiftung ao projeto UITAde organização sindical na Nestlé, atualmente em curso, e à produção deste manual educativo.

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MANUAL SINDICAL PARA TERCEIRIZAÇÃO & INFORMALIDADE

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Indice

Introdução ........................................................................................................................................ 4

PARTE I

O crescimento do emprego precário no setor de alimentos e bebidas .................. 6

O que é “emprego precário”? ................................................................................................ 6

Por que isso está acontecendo? ............................................................................................ 10

Por que está realmente acontecendo e o que isso significa para os sindicatos? ....................... 12

PARTE II

Insegurança da produção na Nestlé ........................................................................ 16

Novas aquisições e terceirização preventiva .......................................................................... 16

Aumento da informalidade e terceirização ............................................................................ 18

As quatro estações – todas num único dia!............................................................................ 18

Na reserva ............................................................................................................................ 19

A “transição” permanente .................................................................................................... 19

O desaparecimento do empregador ...................................................................................... 20

Comparação das condições de trabalho de trabalhadores regulares e precários ...................... 22

O ataque à sindicalização ..................................................................................................... 23

Quando a aposentadoria precoce abre caminho para o emprego precário ............................. 24

PARTE III

Resistência ................................................................................................................ 28

Fim do abismo da informalidade ........................................................................................... 28

De informal a permanente .................................................................................................... 29

Organização para conquistar status de trabalhador permanente para os informais ................. 29

Negociação do status de trabalhador permanente para os informais ...................................... 30

Negociação do status permanente de meio período para trabalhadores sazonais ................... 32

Negociação de limites para a contratação de trabalhadores precários .................................... 33

Negociação do direito de negociar contratações.................................................................... 36

Combate à discriminação e à exclusão .................................................................................. 38

O direito dos sindicatos de representar os trabalhadores precários ......................................... 38

O direito ao emprego regular ............................................................................................... 40

Interrupção da terceirização na fonte .................................................................................... 41

PARTE IV

Conclusão.................................................................................................................. 44

PARTE V

Combate à terceirização e ao trabalho precário: os primeiros passos .................. 48

Por que lutar? Persuação de filiados e colegas ....................................................................... 50

Análise do problema – obtenção e uso da informação de que precisa .................................... 53

Obtenção da informação de que precisa se ela lhe é negada ................................................. 56

A tarefa mais importante: convencer e mobilizar seus membrosOrganize todos os trabalhadores da fábrica! ......................................................................... 57

Escolha sua estratégia ........................................................................................................... 61

Analise seus pontos fortes e fracos ........................................................................................ 63

Conclusões ..................................................................................................................................... 65

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UITA

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Introdução

UMA FERRAMENTA ORGANIZACIONAL PARA SINDICALISTAS

Esse manual foi preparado para sindicalistas do setor de alimentos e de bebidas que enfrentam o

desafio da terceirização e da informalidade, a contratação de mão-de-obra temporária e outras formas

de emprego “precário”. O objetivo é oferecer aos líderes sindicais, representantes sindicais de base,

pessoal de treinamento, organizadores e ativistas, uma ferramenta de organização para aumentar a

conscientização em relação aos perigos da terceirização e da informalidade, e para a mobilização de

uma reação eficaz por parte dos sindicatos. Como mostra o manual, uma reação eficaz envolve

estratégias pró-ativas apoiadas na informação e mobilização dos trabalhadores, tanto sindicalizados

como não sindicalizados contratados por vias precárias.

A informação, análise, estudos de caso e estratégias apresentados nessa publicação estão apoiados

na ampla experiência dos membros da UITA em todo o mundo e aborda, principalmente, a

ocorrida na Nestlé, maior indústria alimentícia do mundo, porque – como líder de seu setor – ela

exerce uma grande influência na definição de novas práticas e padrões em nível global. O manual

em si é resultado de um amplo projeto de estruturação da UITA na Nestlé. Assim, todos os

exemplos do impacto das formas de emprego “precário”, apresentados na Parte II deste

documento, são fundamentados na experiência dos sindicatos ligados à Nestlé. Contudo, essas

experiências são familiares a sindicalistas ligados a outras indústrias do setor de alimentos e

bebidas, e a análise e conclusões dos estudos de caso aqui apresentados podem ser aplicados a

muitas indústrias além da Nestlé.

Na Parte III, onde veremos exemplos de estratégias bem-sucedidas de organização sindical para

o combate ao trabalho precário, o manual traz experiências sindicais na Cola-Cola e outras

empresas do setor de alimentos e bebidas. Mais uma vez essas “melhores práticas” e histórias

de sucesso contêm lições que são adequadas a todos os setores.

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MANUAL SINDICAL PARA TERCEIRIZAÇÃO & INFORMALIDADE

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“O trabalho vem com trinta dias de garantia.”

Como ferramenta de organização, esse manual incorpora a experiência dos sindicatos ligados

ao setor de alimentos e bebidas conforme relatada diretamente por eles. Os sindicalistas devem

acrescentar material, estudos de caso e estratégias a todas as partes do manual, particularmente

às Partes II, III e V, que apresentam estudos de caso e lições concretas.

Temos a intenção de publicar uma edição revisada desse manual durante o desenvolvimento do

projeto de estruturação da UITA na Nestlé, que continua em andamento. O manual revisado vai

incorporar a experiência obtida com sua utilização nos treinamentos sindicais e planejamento de

campanhas, resultando numa ferramenta de organização mais abrangente e eficaz. Esse manual

deve ser encarado como recurso “vivo”, ao qual os sindicalistas devem acrescentar conteúdo,

enriquecendo-o com suas próprias experiências e ampliando ainda mais os argumentos e análises

ora apresentados. O objetivo é fortalecer as abordagens estratégicas dos sindicatos no combate

a formas precárias de emprego e, conseqüentemente, também a organização sindical e o

movimento trabalhista em geral.

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UITA

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O crescimento doemprego precário nosetor de alimentos ebebidas

PARTE I

Nessa seção explicamos o termo “emprego precário” e analisamos quais fatores fazem da terceirização

e da informalidade formas de emprego tão “precárias” para os trabalhadores. Também vamos analisar

porque o emprego precário está crescendo no setor de alimentos e bebidas e como é justificado pela

direção das empresas. Por último, veremos as reais razões por trás do emprego precário e os desafios

enfrentados pelos sindicatos.

O que é “emprego precário”?

“Emprego precário” é um termo relativamente novo, usado para descrever uma ampla variedade

de condições de emprego fora dos padrões ou formas regulares de emprego. O que hoje

entendemos como relacionamento empregatício padrão ou regular é um relacionamento em

que os trabalhadores são empregados com contratos de emprego por prazo indeterminado.

Conforme a OIT:

O padrão tradicional de relacionamento empregatício, ou

relacionamento empregatício padrão, é, há muito tempo, aquele que

estabelece o trabalho por período integral, mediante contrato de trabalho

com prazo indeterminado, por um único empregador, e protegido contra

demissão não justificada. [OIT - Contratos de Emprego]

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MANUAL SINDICAL PARA TERCEIRIZAÇÃO & INFORMALIDADE

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Há várias formas de emprego precário, incluindo:

� terceirização ou subcontratação,

� informalidade, contratualização ou contratos por prazo determinado,

� uso de agências de emprego ou de mão-de-obra terceirizada,

� contratação de trabalhadores temporários ou em bases emergenciais,

� uso abusivo de trabalhadores em experiência, estagiários ou com contratos sazonais,

� “autônomos” e contratados independentes.

Essa é apenas uma lista parcial das relações de emprego que podem ser descritas como precárias.

Há, é claro, muitos outros termos diferentes, em várias línguas, e as traduções nem sempre

descrevem essas relações com precisão.

Embora essas práticas empregatícias sejam às vezes descritas como

“atípicas”, “irregulares” ou “não-padrão”, a realidade é que estão se

espalhando tão rapidamente no setor de alimentos e bebidas que estão

se tornando típicas e padrão com grande velocidade.

“Precário” é um termo útil para cobrir uma ampla variedade de relações de emprego, da

terceirização ao trabalho sazonal, temporário e informal, pois evidencia o risco e a insegurança

enfrentados por esses trabalhadores. Ao contrário de trabalhadores com emprego regular ou

padrão, trabalhadores contratados por meio de terceirização e agências de emprego, ou aqueles

contratados em bases informais, sazonais ou temporárias, enfrentam constante incerteza em

relação a salários, carga de trabalho, turnos e atribuições. Nunca têm certeza se continuarão

empregados ou por quanto tempo. Trabalhadores recontratados anualmente ou mensalmente

com contratos por prazo determinado podem chegar a trabalhar para uma mesma empresa por

dez anos, mas nunca têm certeza sobre o próximo contrato.

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UITA

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Trabalhadores precários

Nesse manual designamos todas essas diferentes formas de emprego

como “emprego precário” ou “trabalho precário”. Neste contexto,

também usamos o termo “trabalhador precário” para descrever os

trabalhadores empregados por essas diferentes formas. Não é o melhor

termo para descrever os trabalhadores empregados nessas condições,

pois em algumas línguas o termo dá a entender que é o trabalhador e

não a prática gerencial que oferece risco! Porém, a intenção é usar um

termo que descreva as condições enfrentadas por esses trabalhadores

– e que se refira a trabalhadores informais, contratados, temporários,

sazonais, terceirizados, contratados por meio de agências, etc. Nos

exemplos reais apresentados nas partes II e III, usaremos esses termos

conforme forem aplicáveis a cada situação.

Formas de emprego precário são normalmente caracterizadas por discriminação, com

trabalhadores precários que fazem o mesmo trabalho que os trabalhadores regulares, mas

ganhando menos e com menos benefícios, ou nenhum. Este é especialmente o caso da

discriminação por raça e sexo. Em muitos países os trabalhadores precários no setor de alimentos

e bebidas são mulheres e/ou imigrantes.

As características gerais do trabalho precário podem ser resumidas conforme abaixo:

� Vínculo empregatício pode ser encerrado pelo empregador com aviso prévio

muito curto ou sem aviso prévio.

� Horário irregular ou trabalho intermitente.

� Horário de trabalho imprevisível ou que pode ser modificado sem justificativa

pelo empregador.

� Salários menores que os salários de trabalhadores regulares.

� Ganhos instáveis ou incertos, o que coloca a renda em risco.

� Tarefas ou funções podem ser alteradas sem justificativa pelo empregador.

� Contratos de curta duração ou instáveis.

� Nenhum contrato explícito ou implícito para a relação de emprego existente.

� Pouco ou nenhum acesso a benefícios como licença médica remunerada, licença

maternidade e paternidade, licença por luto, ou benefícios abaixo do padrão,

caso existam.

� Nenhuma ou limitada oportunidade de aquisição e retenção de habilidades

decorrentes de educação e treinamento.

� Maiores riscos de acidente e ameaças à saúde devido à exposição a condições

de trabalho inseguras.

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MANUAL SINDICAL PARA TERCEIRIZAÇÃO & INFORMALIDADE

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Emprego “precário”

Emprego “precário” é o emprego de baixa qualidade, que engloba uma

série de fatores que colocam os trabalhadores em risco de acidentes,

doenças e/ou pobreza. Esses fatores incluem baixos salários, baixa

segurança de emprego, controle limitado das condições de trabalho,

pouca proteção contra riscos de acidentes e ameaças à saúde, e menos

oportunidades de treinamento e progresso profissional.

Gerry Rodgers & Janine Rodgers, Precarious Jobs in Labour Market

Regulation; the Growth of Atypical Employment in Western Europe,

Instituto Internacional de Estudos do Trabalho, Organização

Internacional do Trabalho, Genebra, 1989; John Burgess Iain Campbell,

The Nature and Dimensions of Precarious Employment in Australia,

Labour & Industry, Vol. 8, No. 3, Abril de 1998, páginas 5-21.

Na Parte II serão analisados exemplos concretos dessas características do emprego precário, que

possibilitarão um entendimento mais claro das condições que fazem dessas relações formas de

emprego tão “precárias” para os trabalhadores.

Essas características comuns também mostram que, do ponto de vista do empregador, os

trabalhadores precários não são apenas “mão-de-obra barata”, como também “mão-de-obra

flexível”. Na maioria dos casos, podem ser contratados e demitidos rapidamente. Podem ser

transferidos de uma função para outra e seus horários não são fixos, de forma que trabalham

somente por algumas horas de cada vez, ou fazem horas extras pagas a menor ou não pagas.

Essa flexibilidade é uma das razões pelas quais essa relação de emprego é precária – quanto mais

flexibilidade para o empregador, maior a incerteza, a insegurança e os riscos enfrentados pelos

trabalhadores.

Ao mesmo tempo que a flexibilidade do emprego precário dá ao empregador maior controle

sobre os trabalhadores, ela esconde a verdadeira natureza da relação de emprego e é usada

pelos empregadores para escapar de suas responsabilidades. Como veremos nos exemplos

analisados na Parte II, empregadores que contratam trabalhadores indiretamente, por meio de

agências de terceirização ou de emprego, exercem controle gerencial, incluindo o poder de

contratar e demitir. Porém, quando questões como pagamento, benefícios, seguro, acidentes de

trabalho, etc., vêm à tona, rapidamente negam qualquer responsabilidade como empregadores.

O resultado é mais controle, menos custos e menos responsabilidade – esta é a fórmula da

flexibilidade usada pelos empregadores.

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UITA

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PARTE I O crescimento do emprego precário no setor de alimentos e bebidas

Se aplicarmos essa definição e as características comuns do emprego precário à indústria de

alimentos e bebidas de nossos países, fica imediatamente claro que a prática existe e está se

expandindo. Poucos sindicalistas no setor de alimentos e bebidas podem olhar à sua volta e

honestamente dizer: “não há emprego precário aqui”. Eles poderiam até dizer: “havia, mas o

combatemos de modo que não existe mais”. Veremos esses exemplos positivos na Parte III.

Por que isso está acontecendo?

Para a maioria dos sindicalistas do setor de alimentos e bebidas, está claro que o emprego

precário existe e está crescendo. No momento, pode estar limitado a restaurantes, segurança,

limpeza e outros “serviços auxiliares” ou atividades “não principais”. Entretanto, como veremos

na Parte II, isso é só o começo – em breve, vai se espalhar para todas as funções que os sindicatos

consideram como trabalho regular de seus membros.

Se nos perguntarmos por que o emprego precário existe e por que está crescendo, os colegas

responderão com perguntas como:

� Não é prerrogativa da direção da empresa decidir essas coisas?

� Não é uma tendência global?

� Não é necessário para a empresa ser competitiva hoje em dia?

� Não é exatamente porque as leis trabalhistas estão mudando?

� “Eles” (mulheres, jovens, imigrantes, pessoas de raças ou etnias diferentes)

preferem horários de trabalho mais flexíveis, não preferem?

Na maioria dos casos, estas não são perguntas reais, mas simplesmente desculpas. Como

sindicalistas, normalmente, ouvimos tais desculpas para o não-conhecimento de problemas nos

locais de trabalho. Então, vamos ver primeiro as razões mais comuns alegadas pela direção das

empresas para o crescimento do emprego precário no setor de alimentos e bebidas. Estes são os

argumentos que muitos sindicalistas já ouviram quando a direção das empresas justifica a

contratação de trabalhadores em condições de emprego precário:

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MANUAL SINDICAL PARA TERCEIRIZAÇÃO & INFORMALIDADE

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� “É tudo uma questão de flutuação na demanda.”

o São flutuações sazonais.

o No nosso setor a demanda flutua muito, particularmente com a variação

das estações. Assim, a mão-de-obra adicional é necessária quando a

demanda aumenta, mas não podemos contratar em bases permanentes,

pois quando a demanda cai não há trabalho para todos e os custos da

empresa subirão muito.

� “Precisamos aumentar nossa eficiência e competitividade.”

o Nossos concorrentes estão mudando suas práticas de emprego, reduzindo

custos e aumentando a eficiência. Para sobreviver devemos fazer o mesmo.

o A matriz mede nosso desempenho com base na produtividade per capita

e no tamanho da folha de pagamento. Terceirizando podemos reduzir a

folha de pagamento e aumentar a produtividade per capita.

� “É a nova forma de fazer as coisas.”

o É uma tendência do setor.

o É uma nova prática padrão de negócios no setor que devemos seguir.

o É uma tendência global, parte da globalização.

o É a moderna economia de mercado.

o É caminho para diante, o futuro.

� “Não é nada de novo.”

o Sempre contratamos pessoal extra com contratos de curto prazo e

terceirizamos serviços auxiliares.

o Sempre fizemos isso de forma que não há nada de novo acontecendo.

� “É temporário.”

o Estamos passando por problemas e temporariamente precisamos de pessoal

extra.

o É só uma medida de emergência para atravessarmos essa fase difícil.

o É só enquanto estamos começando e ao encontrar a situação ideal; quando

nos acomodarmos no negócio, os empregos serão estabilizados.

o Estamos apenas testando um novo arranjo para ver se funciona.

o Não decidimos nada ainda, é só uma experiência.

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UITA

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PARTE I O crescimento do emprego precário no setor de alimentos e bebidas

� “Precisamos nos concentrar no negócio principal.”

o Estamos terceirizando atividades não centrais, serviços auxiliares, para nos

concentrarmos no fortalecimento da atividade principal.

o Outras empresas são especializadas e mais capazes de oferecer um serviço

melhor e com melhor relação custo-benefício.

� “Isso ajuda a criar pequenas empresas e empregos.”

o A terceirização favorece as pequenas empresas.

o Gera novos negócios para pequenas e médias empresas.

o Terceirizando e contratando pessoal extra estamos gerando empregos.

o Estamos criando oportunidades de emprego para trabalhadores pouco

qualificados e desempregados.

Estes são só alguns exemplos. O fato é que a direção das empresas está armada com vários

argumentos para justificar o aumento do emprego precário. O que esses argumentos têm em

comum é a noção de que essas novas relações de emprego são tanto necessárias quanto inevitáveis

– e, portanto, irreversíveis. A mensagem subliminar da direção é: “é melhor aceitar porque é

bom para todos nós, e mesmo que não aceite, você não pode impedir o processo.”

Por que está realmente acontecendo e o que isso significapara os sindicatos?

Para os sindicalistas, a realidade do emprego precário já provou ser diferente. Como veremos

nos exemplos concretos na Parte II, as verdadeiras razões por trás do emprego precário envolvem

uma estratégia gerencial agressiva, voltada não somente para a redução de custos como também

para a garantia de maior controle sobre uma força de trabalho mais barata e flexível, ao mesmo

tempo que tenta enfraquecer ou eliminar os sindicatos.

� Redução de custos: Trabalhadores precários recebem menos e usufruem de

benefícios abaixo do padrão ou não têm benefício algum. Isso significa que o

empregador evita o pagamento de pensões, impostos, seguros e outras

obrigações financeiras associadas ao emprego regular. Assim, ter uma parte da

força de trabalho sem receber os salários e benefícios negociados pelos sindicatos

é um fator visto como redução de custos significativa.

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MANUAL SINDICAL PARA TERCEIRIZAÇÃO & INFORMALIDADE

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� Exploração de brechas: Os empregadores freqüentemente exploram brechas

nas leis trabalhistas, esquemas governamentais para aumentar o emprego, ou

programas sociais de forma a garantir mão-de-obra “barata”. A prática inclui

abuso no uso de estagiários e aprendizes, quando estes trabalhadores,

contratados nessas bases, são forçados a executar trabalho regular sem mudança

na sua situação de emprego ou pagamento.

� Sinalização “correta”: Depois de 25 anos de ideologia e desregulamentação

do “livre mercado”, atualmente os mercados financeiros recompensam as

empresas que reduzem sua força de trabalho. No antigo bloco soviético, o

projeto “neoliberal” é mais novo e também mais intenso! Uma empresa do

setor de alimentos ou bebidas que anuncia demissões em massa verá o preço

de suas ações disparar, como se cortar empregos fosse o negócio principal! Nas

empresas, o desempenho dos departamentos é freqüentemente medido por

reduções na quantidade de pessoal. Esses cortes da força de trabalho regular

alavancam os dados de desempenho no papel: a produtividade per capita

aumenta com a simples redução do número de funcionários regulares.

� Só o começo: A introdução do emprego precário para serviços auxiliares

como restaurante, segurança, limpeza e transporte, é normalmente só o começo

de um plano para substituir trabalhadores regulares na atividade principal por

trabalhadores precários.

� Exploração das limitações legais de liberdade de associação: Em muitos

países, as leis trabalhistas proíbem os trabalhadores precários de serem membros

do sindicato e de participar de negociações coletivas. Reduzir a força do sindicato

e diminuir o poder de negociação é, na verdade, uma das mais importantes

razões pelas quais os empregadores adotam práticas de emprego precário:

quanto mais precários os trabalhadores, menos a taxa de sindicalização na

força de trabalho. Como resultado, se o trabalho precário aumenta a força do

sindicato pode ser diminuída. Isso abre caminho para reduções de custo e

flexibilização ainda maiores.

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UITA

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PARTE I O crescimento do emprego precário no setor de alimentos e bebidas

Aumentar o emprego precário como forma de enfraquecer/

eliminar sindicatos é uma estratégia política consciente da

direção das empresas. Ela tem a ver com poder no local de

trabalho.

� Maximização da flexibilidade: Os empregadores querem maximizar a

habilidade da empresa de reagir às flutuações de mercado com custos mínimos

de mão-de-obra. Sistemas de produção flexíveis ou “enxutos”, como o Just-

in-Time (JIT) ou “inventário zero”, englobam a manutenção de uma força de

trabalho principal pequena e uma grande reserva de trabalhadores precários,

que podem ser chamados sempre que necessário e podem ser abandonados

quando não o são mais. Uma parte essencial dessa flexibilidade envolve não

ter que negociar com o sindicato as condições de contratação e demissão, e

também poder realocar trabalhadores, enviá-los para casa mais cedo ou forçá-

los a fazer hora extra sem ter que negociar com o sindicato ou cumprir as leis

ou acordos coletivos de trabalho.

� Divisão e conquista: Como vimos nas características do emprego precário, a

discriminação e a desigualdade, estabelecidas na negação aos trabalhadores

precários de conquistas e direitos, são um

elemento fundamental da estratégia gerencial das

empresas. Como esses trabalhadores não podem

se sindicalizar, a discriminação e a desigualdade

se consolidam ainda mais. Isso efetivamente di-

vide os trabalhadores e enfraquece seu poder

coletivo de enfrentar a direção das empresas.

� Redução da densidade sindical,

diminuição do poder de negociação:

Como acabamos de observar, uma razão básica

para o aumento do emprego precário é

aumentar a proporção de trabalhadores não

sindicalizados. O resultado é que a densidade

sindical (porcentagem de trabalhadores

sindicalizados num local de trabalho) diminui,

podendo enfraquecer o poder de negociação

Deixa de reclamar contra

a terceirização. Você ainda

está trabalhando, não está?

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MANUAL SINDICAL PARA TERCEIRIZAÇÃO & INFORMALIDADE

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Aumento do déficit de “trabalho decente”

De acordo com a Organização Internacional do Trabalho (OIT), a

agenda do “trabalho decente” envolve: “(…) promoção de

oportunidades para que mulheres e homens obtenham trabalho

decente e produtivo em condições de liberdade, igualdade,

segurança e dignidade humana. O trabalho decente é a convergência

de quatro objetivos estratégicos: direitos trabalhistas, emprego,

proteção social e diálogo social.”

Se compararmos isso às características do trabalho precário e às

reais razões para adoção do emprego precário pelos empregadores,

fica claro que são políticas diametralmente opostas. Quaisquer

movimentos na direção da expansão do emprego precário no setor

de alimentos e bebidas, em qualquer país, levam ao aumento do

déficit de trabalho decente e nos distancia das metas identificadas

na agenda de trabalho decente da OIT.

do sindicato. Quando os trabalhadores regulares sindicalizados se tornam

minoria no local de trabalho, porque há muito emprego precário, o poder de

negociação coletiva do sindicato pode ser seriamente reduzido. Assim, os

trabalhadores sindicalizados percebem ser cada vez mais difícil defender a

segurança do seu emprego e suas condições de trabalho, e que podem acabar

com os mesmos baixos salários, benefícios abaixo do padrão e insegurança dos

trabalhadores precários.

� Diminuição de greves e eliminação de sindicatos: As práticas de emprego

precário são também usadas pelos empregadores para esvaziar greves e eliminar

sindicatos. Substituindo trabalhadores em greve por trabalhadores precários,

ou impedindo a ação do sindicato com a contratação de trabalhadores precários,

os empregadores usam o emprego precário como ferramenta para eliminação

sindical. Como já vimos, a força do sindicato pode ser seriamente abalada pelo

aumento do emprego precário. Esse não é um resultado acidental ou secundário

das práticas de emprego precário. Na verdade, é um dos objetivos principais

do emprego precário na estratégia gerencial. Aumentar o emprego precário

como forma de enfraquecer/eliminar sindicatos é uma estratégia política

consciente da direção das empresas. Ela tem a ver com poder no local de

trabalho. Por isso, é uma questão crucial para todos os sindicatos.

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UITA

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Insegurança da

produção na Nestlé

PARTE II

Nessa parte veremos exemplos concretos de emprego precário com base na experiência dos sindicatos

ligados à Nestlé. Esses exemplos ilustram como a informalidade começa, como ela se espalha, como

evolui e cresce, e o que acontece quando os sindicatos falham em resistir efetivamente ao processo.

Veremos também a terceirização como estratégia gerencial para diminuir a capacidade de mobilização

e negociação dos sindicatos. Nessas situações, a constante diluição da força sindical por meio da

terceirização serve como alternativa mais “suave” a formas mais agressivas de eliminação sindical,

mas gera o mesmo resultado: aumento do controle gerencial sobre os trabalhadores e seus sindicatos.

Novas aquisições e terceirização preventiva

Com a abertura dos mercados e a liberalização dos investimentos estrangeiros na Europa Central

e Oriental nos anos 90, a Nestlé instalou-se nesses mercados, comprou, terceirizou e se consolidou.

Uma de suas primeiras ações quando comprou fábricas na Hungria, em 1991, foi terceirizar o

fornecimento de uniformes e o restaurante. O pessoal desses departamentos continuou

trabalhando na fábrica, mas com um empregador diferente. Esse padrão foi seguido por outras

fábricas da Nestlé na região.

Antes de adquirir a fábrica de chocolates Svitoch, em Lviv, Ucrânia, em 1998, a Nestlé negociou,

como parte do acordo de investimento, a terceirização de vários departamentos e serviços que

até então eram administrados internamente. Transporte e manutenção foram imediatamente

terceirizados, enquanto serviços de produção, manutenção predial e burocráticos, eram assumidos

pela Nestlé.

Como parte da consolidação de seu investimento, a Nestlé está agora “otimizando” os níveis de

pessoal, reduzindo o número de trabalhadores na produção com contratos permanentes e

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17

transferindo os trabalhadores sazonais para uma agência de empregos chamada Noosfera, uma

empresa que promove seus serviços em seu website anunciando “que trabalhadores podem ser

substituídos ou demitidos mediante solicitação do cliente” (www.noosfera.com.ua). Todos

os dias, dos 1,2 mil funcionários que compõem a força de trabalho, cerca de 50 são contratados

da Noosfera. Ao longo de 2005, cerca de 800 trabalhadores contratados pela Noosfera passaram

pelos portões da fábrica.

A Nestlé alega que “contrata serviços, não pessoas”. A verdade é que trabalhadores contratados

pela Noosfera trabalham lado a lado com os funcionários da Nestlé, mas com salários mais

baixos, menos benefícios e nenhuma segurança em relação ao emprego. A única coisa que

sabem é que podem ter trabalho hoje e estar desempregados amanhã. A insegurança foi

institucionalizada como ferramenta de controle gerencial.

Quando a Nestlé comprou a fábrica da Timashevsk, na Rússia, em 1998, ofereceram aos

trabalhadores contratos por períodos fixos em troca de compensação financeira. Muitos

trabalhadores concordaram, e no verão de 2005 quase 70% da força de trabalho era empregada

com contratos de prazo determinado, apesar de estarem continuamente trabalhando para a

empresa durante anos. Até 2004, esses contratos tinham, tipicamente, validade de um ano.

Desde então, a empresa vem emitindo contratos que variam de meses a semanas, dependendo

da demanda. A Nestlé cuidadosamente se mantém dentro da lei, ao cumprir o requerido intervalo

de tempo entre contratos e enviar os trabalhadores à agência de emprego estatal durante esse

período. Em tempos de conflito entre a direção da empresa e o sindicato, trabalhadores

temporários foram ameaçados com a não-renovação de seus contratos caso apoiassem o sindicato.

Nesses casos, a aquisição de uma nova fábrica era acompanhada pela introdução da informalidade

em larga escala para enfraquecer de antemão a potencial resistência à imposição de um novo

regime gerencial. A segurança do emprego foi progressivamente eliminada, dando lugar à

dependência e enfraquecendo o apoio ao sindicato e o poder de negociação.

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UITA

18

PARTE II Insegurança da produção na Nestlé

Aumento da informalidade e terceirização

A contratação de trabalhadores em condições de emprego precário é freqüentemente um processo

gradual. Pode parecer repentino, especialmente quando se observa o local de trabalho e se

percebe que grande parte do pessoal não é de funcionários regulares e não é sindicalizada.

Talvez usem uniformes diferentes, ou uniformes de agências de mão-de-obra terceirizada, ou

talvez tenham horário de trabalho irregular. Muitos sindicalistas se dão conta da extensão do

emprego precário somente quando começam a perceber quem são essas “pessoas novas”. E

então vem o choque.

Porém, o aumento da contratação de trabalhadores precários é raramente uma mudança súbita

ou dramática. Normalmente, é um processo gradual, que cresce e toma velocidade à medida

que um certo nível de emprego precário é atingido. Uma das formas mais fáceis de introduzir a

informalidade e a terceirização é a contratação de trabalhadores “sazonais”, que aparecem

com cada vez mais freqüência, até que estão lá todos os meses.

As quatro estações – todas num único dia!

Na Malásia, uma fábrica da Nestlé que produz Milo, Kit Kat, Smarties e outros doces, começou

a contratar temporários e terceirizados “sazonalmente”. Em 2001, por exemplo, trabalhadores

temporários e com contratos por tempo determinado foram contratados nos quentes meses de

julho, agosto e setembro. No ano seguinte, foram contratados todos os meses de agosto a

dezembro. Mas, em 2003, trabalhadores temporários e com contratos por tempo determinado

foram contratados TODOS os meses do ano! Em 2004 e 2005, esses trabalhadores “sazonais”

eram contratados em qualquer época do ano, não importando a estação. Assim, todos os dias

havia tantos temporários e trabalhadores com contratos por tempo determinado indo e vindo,

que parecia que todas as estações aconteciam num único dia na Nestlé!

Da mesma forma, na fábrica de doces da Nestlé em Sófia, na Bulgária, uma grande porcentagem

dos trabalhadores é empregada com base em contratos temporários (anuais ou mais curtos). No

verão de 2005 (verão é a baixa estação para produtos de chocolate), mais de 34% dos membros

de um dos sindicatos ligados à fábrica eram temporários que executavam exatamente as mesmas

funções de seus colegas com contratos permanentes. Na Hungria, os trabalhadores “sazonais”

podem ser encontrados o ano todo na linha de embalagem de café.

Isso mostra que a contratação de trabalhadores por aumento “sazonal” da demanda é

freqüentemente o início do uso contínuo de trabalhadores precários para substituição de

trabalhadores regulares. O que é de início justificado como necessidade “sazonal” termina

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19

incorporado às práticas de emprego da empresa. Como no caso da Timashevsk, em que

contratados como temporários tomavam o lugar de permanentes por nenhuma razão aparente

ligada a necessidades de produção, este é mais um exemplo do uso abusivo de contratos com

prazo determinado, em que a direção da empresa garante uma força de trabalho segura mas

flexível, e trabalhadores têm uma forma de emprego sustentável, mas sem os salários, benefícios

e segurança que acompanham o emprego permanente. Outra prática abusiva é ter

trabalhadores…

Na reserva

Na fábrica da Nestlé em Cagayan de Oro, nas Filipinas, todos os dias, entram na fábrica 20

trabalhadores contratados como “reservas” – para o caso dos trabalhadores regulares faltarem

ou de necessidade de mão-de-obra extra. Esses trabalhadores têm acordos que estabelecem

que se não trabalhrarem, não recebem, de forma que só são pagos se houver trabalho. Do

contrário, ficam na “reserva” por no máximo uma hora e então vão para casa sem pagamento

se não houver trabalho a ser feito. A empresa não assume nenhuma responsabilidade e transfere

todos os custos e riscos aos trabalhadores – exatamente a natureza do que chamamos de

“precário”.

A “transição” permanente

Numa fábrica de cereais em Portugal, a Nestlé emprega habitualmente muitos trabalhadores

com uma variedade de contratos precários, que ganham a metade do salário dos trabalhadores

regulares. Na linha de produção, há trabalhadores contratados diretamente por prazo

determinado, trabalhadores contratados por meio de agências nas linhas de embalagem e serviços

alimentícios, e também os chamados autônomos. Em 2005, a contratação de temporários foi

justificada pela intenção da Nestlé Portugal de terceirizar suas atividades de serviços alimentícios

e pela “necessidade de assegurar a produção enquanto decorre o processo de seleção de um co-

packer (empresa que terceirizaria a produção) devidamente credenciado”. Esse processo incluía

“uma análise detalhada e exame criterioso das propostas apresentadas, designadamente em

matéria de higiene e segurança alimentar”. O prazo para essas análises foi estendido de seis

meses para um ano ao longo de 2005, bem como a duração dos contratos com prazo determinado,

que foram conseqüentemente renovados. Ao mesmo tempo, trabalhadores foram contratados

por prazo determinado em outros setores para “assegurar a necessária polivalência para

implementação do plano de reorganização…” ou para “permitir a formação dos operadores nas

diversas etapas do processo, por forma a asseguarar a sua polivalência funcional”. Assim, enquanto

planos de restruturar ou terceirizar a produção estão sendo implementados e os trabalhadores

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UITA

20

PARTE II Insegurança da produção na Nestlé

são preparados para ser multifunção, os trabalhadores contratados executam o serviço planejado

para preparar o caminho para a eliminação de postos de trabalho.

Como vimos na Parte I, os empregadores são espertos quando se trata de explorar as leis ou suas

falhas para obter vantagens. Na Alemanha, a Nestlé teve uma transição tranqüila, de uma mão-

de-obra sindicalizada para uma folha de pagamento de trabalhadores não sindicalizados, com

salários mais baixos e piores condições de trabalho, ao instituir uma nova empresa e com isso

evitar as regras trabalhistas definidas em acordos coletivos. Em 2005, os departamentos de

folha de pagamento em fábricas individuais foram eliminados e a tarefa foi centralizada. Os

funcionários de folha de pagamento da Nestlé em toda a Alemanha perderam seus empregos

enquanto a Nestlé estabelecia uma empresa com novos funcionários, salários mais baixos e

horários mais longos que os dos funcionários da Nestlé.

A Nestlé também sabe como aproveitar a fraqueza sindical, como deixa claro no Peru, onde,

num contexto de movimento sindical enfraquecido, usa a ameaça da terceirização para atingir

metas de redução de custos e eliminação sindical. Quando, em maio de 2005, a Nestlé anunciou

sua intenção de terceirizar o centro de distribuição, o sindicato tentou negociar a manutenção

dos empregos naquele departamento da Nestlé. O resultado das negociações foi um acordo em

que a Nestlé se comprometia a não terceirizar o centro de distribuição, com a condição de

diminuição do número de trabalhadores (incluindo membros e dirigentes sindicais) e uma redução

salarial para os trabalhadores que ficassem.

O desaparecimento do empregador

A fábrica da Nestlé em Kejayan, na Indonésia, emprega 521 trabalhadores permanentes, incluindo

quase 200 “supervisores” que não podem se filiar ao sindicato. Assim, são 354 trabalhadores

regulares sindicalizados. Trabalhando lado a lado com eles estão cerca de 500 trabalhadores

precários, a maioria contratada por meio de agências de mão-de-obra terceirizada. Uma agência

chamada Areco oferece trabalhadores para serviços de entrega, enquanto os contratados de

uma agência chamada Arina trabalham na linha de produção. O sistema se parece com:

� ARECO – trabalhadores em serviços de entrega

� ARINA – trabalhadores em linha de produção

� SECURIOR – seguranças

� PAN BAKTI – restaurante

� VELLA E DINOYO – motoristas de caminhão e empilhadeira

A manutenção de máquinas, predial e elétrica também é terceirizada.

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Essas agências não apenas fornecem mão-de-obra para a fábrica da Nestlé como também pagam

salários e fazem contratos com os trabalhadores, de forma que a Nestlé não é formalmente o

empregador. Isso significa que até 50% dos trabalhadores da fábrica da Nestlé não são

empregados pela Nestlé! É isso que a empresa alega. A direção da Nestlé, contudo, toma todas

as decisões sobre o trabalho dessas pessoas e pode até demiti-las – exatamente o tipo de

autoridade que um empregador exerce! Na verdade, a diferença é simples: os trabalhadores

contratados por meio das agências não têm direito à representação sindical e não estão protegidos

pelo Acordo Coletivo de Trabalho, recebem menos (depois que as agências deduzem seu lucro

e taxa), têm menos benefícios, e não têm certeza se terão emprego na semana seguinte. No

entanto, trabalham lado a lado com os funcionários da Nestlé, produzindo os produtos que

fazem da Nestlé a maior empresa do setor de alimentos do mundo!

A mesma coisa acontece na Hungria, onde, em nome da “maior flexibilidade para atender às

necessidades de mercado”, a Nestlé emprega cerca de 360 trabalhadores subcontratados ao

lado de seus 700 funcionários diretos na linha de produção. Esses trabalhadores não estão

protegidos por acordos coletivos, ou por quaisquer políticas internas da Nestlé (como a Política

de Recursos Humanos Nestlé). São contratados por períodos entre um e três meses (renováveis),

por meio de agências que pagam seus salários (menores que os de trabalhadores da Nestlé que

executam o mesmo trabalho) e que até têm escritórios na fábrica para administrar assuntos de

pessoal.

Ingredientes do pacote Nestlé

Trabalhadores informais, temporários e contratados

por prazos determinados por baixos valores, sem

direito a benefícios, mão-de-obra barata e insegura

fornecida por agências de emprego,

responsabilidade empregatícia diluída em camadas

de terceirização e subcontratação, segurança do

emprego esfacelada, sindicatos eliminados e

derrotados. Pode também haver traços de

trabalhadores informais sem contrato.

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UITA

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PARTE II Insegurança da produção na Nestlé

Comparação das condições de trabalho de trabalhadoresregulares e precários

Vamos usar como exemplo a Nestlé em Cagayan de Oro, nas Filipinas. Se compararmos os

salários e benefícios dos filiados ao sindicato, amparados em acordos coletivos, aos de

trabalhadores empregados sob contrato somente de mão-de-obra (uma forma de terceirização),

podemos ter uma idéia das razões que tornam o emprego precário tão injusto.

Em termos de hora extra, os trabalhadores regulares ganham 150%, enquanto os contratados

pela empresa Cofipac ganham o valor normal acrescido de 30% para cada hora trabalhada e os

trabalhadores contratados pela Sansmate não recebem adicional nenhum. Se os trabalhadores

regulares fazem mais de quatro horas extras, recebem um adicional para refeição, enquanto os

trabalhadores que a Nestlé contrata por meio da Cofipac e da Sansmate Manpower Services não

recebem nada. Da mesma forma, trabalhadores regulares têm férias pagas anuais de 18 dias,

enquanto os contratados da Cofipac têm cinco dias (mínimo estabelecido em lei) e os da Sansmate

não têm férias pagas.

Trabalhadores regulares têm direito a licença por luto, licença de emergência, licença maternidade

enquanto os contratados pela Cofipac e Sansmate não podem usufruir de nenhuma forma de

licença. O mesmo é aplicado a assistência médica e seguros.

Essas desigualdades ficam ainda mais evidentes quando comparamos os salários dos trabalhadores

que desempenham as mesmas funções. Vamos considerar os salários de 2000 – temos os dados

porque a Nestlé, a Cofipac e a Sansmate submeteram os registros salariais ao Tribunal quando o

sindicato formalizou uma reclamação. Dados mais recentes sobre salários são mantidos em sigilo

pela Nestlé e suas agências de mão-de-obra. Como funcionário da Nestlé protegido por acordo

coletivo, um trabalhador regular de nível 4 na linha de embalagem ganhava em média 800

pesos por dia (o mínimo era 500 pesos). Os trabalhadores da Nestlé pagos pela Cofipac recebiam

em média somente 180 pesos por dia e os pagos pela Sansmate recebiam apenas 166 pesos por

dia. Mesmo que os trabalhadores regulares estivessem recebendo o mínimo de 500 pesos por

dia, ainda receberiam 2,7 vezes mais que os contratados pela Cofipac e três vezes mais que os

da Sansmate, a despeito de estarem executando exatamente o mesmo trabalho –

encher e embalar sachês de café instantâneo Nescafè.

Juntamente com o café instantâneo, a Nestlé está produzindo, instantaneamente, insegurança e

incerteza permanentes. Os trabalhadores contratados pela Cofipac e pela Sansmate estão

constantemente preocupados pois não sabem se suficientes horas de trabalho serão atribuídas a

eles na semana seguinte, e sabem que não importa por quanto tempo trabalhem para a Cofipac

ou para a Sansmate, nunca terão seus empregos garantidos no mês seguinte.

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O ataque à sindicalização

Na Indonésia, há tantas práticas de emprego precário usadas pela Nestlé que o total de

empregados por meio desses artifícios é maior que o total de trabalhadores em situação regular.

Se observarmos a tabela abaixo, veremos um quadro da situação em junho de 2005, que mostra

o número de trabalhadores regulares, o número de sindicalizados e o número médio de

trabalhadores precários em três fábricas e um depósito na Indonésia.

Fábrica/ Regulares Sindicali- Trabalhadores Trabalhadores Terceirizados TOTALLocal zados diários contratados (agências)

Kejayan 521 354 0 0 500 1021

Gempol 117 84 0 0 312 429(depósito)

Cikupa 198 153 100 0 52 350

Panjang 170 117 70 90 170 500

TOTAL 1006 708 170 90 1034 2300

O número de trabalhadores permanentes é somente 44% do número total de empregados

diretamente e indiretamente na produção e armazenagem de produtos Nestlé na Indonésia.

Como há grande quantidade de trabalhadores permanentes que não podem se sindicalizar porque

têm o título de “supervisor” (embora muitas vezes desempenhem as mesmas funções que os

sindicalizados), o índice de sindicalização é de apenas 30% do total da força de trabalho da

Nestlé! E esses números não incluem os trabalhadores em vendas!

Em todos esses casos, a terceirização e a contratação de trabalhadores informais, ou com contratos

por prazos determinados, ou ainda por intermédio de agências de mão-de-obra, resultaram

numa dramática queda na sindicalização. Menor sindicalização resulta em menor poder de

negociação. Por essa razão é urgente que os sindicatos tratem do assunto, antes que o equilíbrio

de forças penda ainda mais para o lado das empresas.

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UITA

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PARTE II Insegurança da produção na Nestlé

...maioria dos casos, entretanto, a direção deseja

acelerar o processo de introdução do emprego

precário para reduzir custos, abolir benefícios e

enfraquecer o sindicato.

Em alguns casos, o ataque à sindicalização envolve o fechamento e a mudança para um país

vizinho, onde os empregos regulares de sindicalizados são substituídos por emprego precário.

Por exemplo, no início de 2005, a Nestlé Nordic anunciou o fechamento de sua fábrica de

sorvetes na Suécia e transferiu a produção para a Dinamarca. Na Suécia, 60% do pessoal de

vendas é diretamente empregado pela Nestlé e 40% “franqueado”. Já na Dinamarca o pessoal

de vendas é 100% “franqueado” (terceirizado). Durante as negociações sobre a mudança

planejada pela Nestlé, a direção admitiu que ia considerar a estrutura de custos das atividades

de vendas em futuras economias – muito provavelmente aumentando as “franquias” na Suécia,

onde o sindicato tinha acabado de renegociar o acordo coletivo para os motoristas de caminhão

de sorvete empregados diretamente. Questionada sobre se “franquia” na verdade significava

transformar os funcionários da Nestlé em contratados independentes – a resposta foi sim!

Quando a aposentadoria precoce abre caminho para oemprego precário

Outra razão importante para a crescente informalidade e terceirização envolve trabalhadores

precários no lugar de aposentados. À medida que trabalhadores regulares se aposentam e deixam

seus postos de trabalho e o sindicato, o pessoal que preenche esses cargos vagos freqüentemente

não tem os mesmos salários e benefícios, não é protegido pelos acordos coletivos e, claro, não

pode se sindicalizar. Algumas vezes, a direção das empresas justifica esse fato alegando que o

cargo vago “mudou” ou passou por “reorganização”. Ou a direção pode apenas abolir o cargo

e criar um novo – para o mesmo trabalho, ou MAIS trabalho, com pagamento menor e benefícios

limitados.

Ao substituir os trabalhadores regulares conforme se aposentam, a direção das empresas pode

gradualmente introduzir formas de emprego inteiramente novas baseadas em emprego precário.

Na maioria dos casos, entretanto, a direção deseja acelerar o processo de introdução do emprego

precário para reduzir custos, abolir benefícios e enfraquecer o sindicato. É aí que a aposentadoria

precoce voluntária tem papel crítico. Conforme os aposentados precoces deixam a empresa,

trabalhadores precários são contratados.

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“Vocês receberão os seus salários assim que eu me

lembrar para quem terceirizamos a Folha de Pagamento.”

Encorajar os trabalhadores regulares a sair é uma estratégia gerencial comum no setor de alimentos

e bebidas, que acelera a destruição de empregos regulares – e cria um tipo de emprego muito

diferente para o próximo trabalhador. Algumas vezes pacotes de incentivo à aposentadoria são

muito atraentes, e os sindicatos vêem muitos de seus membros aceitando esses pacotes de

aposentadoria – inclusive dirigentes. Para a empresa, o custo desses “generosos” pacotes é

contrabalançado pela grande economia a longo prazo, com a redução de salários e benefícios e

o enfraquecimento do sindicato. O dinheiro gasto para tornar a aposentadoria atraente para os

trabalhadores regulares é, na verdade, um investimento num futuro de baixo custo, flexível,

“sem sindicato” e “sem garantia de emprego”.

Em alguns casos, as empresas são ainda mais agressivas ao forçar os trabalhadores a se

aposentarem. A direção pode dizer aos trabalhadores que se não aceitarem o pacote oferecido,

ele será reduzido a cada nova oferta, e os últimos a concordar sairão com muito menos dinheiro.

Dessa forma, a direção das empresas tenta convencer as pessoas a aceitar a aposentadoria

antecipada na primeira oferta – acelerando o processo de expurgo – e contrata outros

trabalhadores em condições de emprego precário.

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UITA

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PARTE II Insegurança da produção na Nestlé

Gerentes e supervisores fazem mais pressão sobre os trabalhadores-alvo do programa, criando

um ambiente tenso que os força a aceitar o acordo. Esse tipo de pressão freqüentemente tem

motivação política. Líderes sindicais, representantes sindicais e ativistas ficam sob enorme pressão,

que inclui aplicação de ações disciplinares por pequenos erros, o que leva a um clima negativo e

à aceitação da proposta. Ao criar as condições que forçam sindicalizados e líderes a aceitar a

“aposentadoria antecipada voluntária”, a direção obtém uma dupla vitória – o sindicato é

enfraquecido e abre-se o caminho para a reestruturação e redução de custos. Os trabalhadores

recém-contratados para o lugar dos aposentados nunca terão os salários e benefícios iguais aos

daqueles que estão substituindo, e será sistematicamente negado seu direito à representação

pelo sindicato e aos benefícios e proteção de um acordo coletivo negociado pelo sindicato.

Seja quando os trabalhadores regulares voluntariamente aceitam pacotes de aposentadoria

atraentes ou quando são forçados a aceitá-los, o resultado é o mesmo. Como dissemos, são

freqüentemente substituídos por trabalhadores precários. Assim, à medida que mais e mais

trabalhadores se aposentam precocemente, a força de trabalho começa a mudar – abrindo espaço

para mais informalidade, terceirização e subcontratação, e os trabalhadores regulares que sobram

vão se tornando minoria.

Na Nestlé das Filipinas, programas de aposentadoria antecipada, transferência unilateral de

sindicalizados para categorias “isentas de ponto” ou promoção para funções chamadas de

“supervisão” (sem qualquer mudança real nas funções do cargo) vêm sendo utilizados para

reduzir dramaticamente a quantidade de trabalhadores permanentes em vendas e funções

burocráticas. Aposentados precoces, do mesmo modo que os regulares (e sindicalizados

unilateralmente transferidos pela direção para cargos com “valor de moeda de negociação”)

são substituídos por informais e trabalhadores com contratos por prazo determinado, bem como

por terceirizados. Como resultado, a Organização Trabalhista dos Funcionários da Magnolia

(Melo, na sigla em inglês) viu seu número de associados cair de 270, em 1996, para apenas 90,

em 2005. Agências de contratação de mão-de-obra são usadas para preenchimento de quase

todos os cargos, tanto na produção quanto em vendas. Trabalhadores contratados por agências

são designados para todo tipo de função, normalmente desempenhada por trabalhadores

regulares, e uma parcela substancial da força de trabalho agora trabalha sob contrato. Esses

contratados não podem trabalhar por mais de 50% cinco meses, caso contrário tornam-se

regulares de acordo com a legislação trabalhista. Isso faz com que não sejam chamados

novamente, mesmo que tenham tido desempenho excepcional, simplesmente porque

acumulariam o número de meses necessário para se tornarem funcionários permanentes (período

de seis meses). Esses trabalhadores são substituídos por outros que nunca trabalharam em

nenhuma fábrica da Nestlé. Práticas de contratação intermediadas por terceiros, como essa,

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fizeram com que o sindicato dos funcionários em vendas da sNestlé – Escritórios de Vendas de

Cebu, Davao e Cagayan de Oro Sales (Unpeso) – contasse com apenas 36 membros em junho

de 2005.

Nas Filipinas, a quantidade de membros do Conselho Filipino de Sindicatos da Nestlé (CFNU, na

sigla em inglês) caiu de 1,8 mil pessoas, em 2001, para 995 em agosto de 2005. A principal

razão para essa queda na participação foi o programa de aposentadoria voluntária, com os

aposentados sendo trocados por trabalhadores não permanentes que não podem se filiar ao

sindicato. Outra razão foi a mudança nos nomes dos cargos e as “promoções” de sindicalizados

para posições de supervisão não cobertas pelo acordo coletivo.

Como vimos na Parte I, uma das principais razões para o aumento do emprego precário é uma

movimentação consciente dos empregadores para explorar leis que proíbem os trabalhadores

precários de se filiarem aos sindicatos e participarem das negociações coletivas. Em muitos países,

a lei nega aos trabalhadores precários o direito à sindicalização e à negociação coletiva.

O uso deliberado dessas leis pelos empregadores fica demonstrado no fato de que sempre que

um sindicato organiza os trabalhadores precários e luta por seus direitos e interesses, a resposta

dos empregadores sempre é dizer que o sindicato não tem o direito legal de representá-los! Esse

é um argumento legal que os empregadores podem usar porque as leis vigentes restringem os

direitos dos trabalhadores precários. Porém, como veremos na Parte III, ao invés de aceitar esse

argumento legal os sindicatos vêm combatendo as investidas dos empregadores e lutando por

reformas legais que removam essas restrições, que são uma das principais motivações para a

criação de trabalho precário.

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UITA

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Resistência

PARTE III

Nessa seção veremos exemplos de estratégias de organização sindical bem-sucedidas no combate

ao trabalho precário. Os exemplos vêm das experiências sindicais no setor de alimentos e bebidas em

vários países, com importantes informações não somente sobre as táticas utilizadas na luta contra a

terceirização e a informalidade, como também sobre os fundamentos dessas estratégias vitoriosas.

Fim do abismo da informalidade

No combate à informalidade, terceirização e outras práticas de emprego precário, os sindicatos

com freqüência perceberam ser necessário começar com passos concretos e pequenos. Esses

passos podem envolver esforços para acabar com o abismo entre os trabalhadores precários e os

sindicalizados, particularmente o de salários e benefícios.

O sindicato da fábrica da Coca-Cola em Bangalore, no sul da Índia, por exemplo, conquistou

assistência médica, seguro contra acidentes, pagamento por hora extra e bônus anual para os

trabalhadores informais, mesmo sem que fossem sindicalizados. Agora, os trabalhadores informais

também estão incluídos nos exames de saúde de rotina feitos na fábrica e o sindicato está

trabalhando para garantir mais benefícios. Esses passos iniciais são parte de uma campanha

nacional mais ampla do Conselho Indiano de Trabalhadores na Indústria de Cola, que inclui a

“regularização de trabalhadores contratados e informais” em sua Demanda Nacional Unificada

de 10 Pontos.

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A conquista desses benefícios não é importante apenas do ponto de vista econômico e de justiça.

Ela aumenta a consciência sindical entre os trabalhadores informais e mobiliza os sindicalizados

em torno da questão da informalidade. Também força a empresa a reconhecer que trabalhadores

informais têm direito à representação sindical e que o sindicato tem legitimidade nessa

representação. Sindicalizar esses trabalhadores informais para que sejam incluídos no acordo

coletivo de trabalho, com todos os benefícios, é o objetivo a longo prazo.

De informal a permanente

Organização para conquistar status de trabalhadorpermanente para os informais

O Sindicato Geral dos Funcionários da Swire Beverages, em Hong Kong, afiliado à UITA e que

representa 350 trabalhadores da Swire Coca-Cola Hong Kong (SCCHK), recentemente conquistou

status de trabalhador permanente para 130 informais.

Após cinco anos de luta contra a informalidade e de exigência de regularização de informais, a

campanha do sindicato ganhou força em 2004. Num período de seis meses, o sindicato preparou

uma série de reuniões e uma petição, coletando assinaturas de 90% dos 400 trabalhadores

informais empregados na SCCHK. Aproximadamente metade dos 600 trabalhadores empregados

na produção não é permanente. Um fator determinante da estratégia do sindicato foi organizar

esses trabalhadores e representá-los como se fossem membros pagantes do sindicato em

negociações com a direção da empresa.

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UITA

30

PARTE III Resistência

“Resolvi reunir toda a família para

anunciar que, devido à inflação, vou ter

que prescindir de dois de vocês.”

Durante as negociações

salariais de 2005, o sindicato

convocou uma assembléia em

frente à fábrica para

demonstrar o compromisso

com a reversão da

informalidade, e então fez

uma reclamação formal ao

Departamento de Recursos

Humanos da SCCHK,

juntamente com uma petição.

A direção respondeu com o

compromisso de regularizar

todos os trabalhadores

informais na fábrica,

começando com 130

trabalhadores, aos quais foi imediatamente garantido o status de trabalhadores permanentes.

Um dos líderes dessa iniciativa, ele mesmo empregado informalmente e com seu direito à

regularização negado por mais de quatro anos, é hoje membro do comitê executivo do sindicato

e vai liderar a luta pela completa normalização da situação.

Negociação do status de trabalhador permanente para osinformais

Muitos sindicatos perceberam que o primeiro estágio na negociação de status de permanentes

para trabalhadores informais é a conquista de amplo apoio para a idéia de que trabalhadores

precários devem ter prioridade quando houver vagas para postos regulares.

Em 1º de novembro de 2004, o Sindicato Mercantil do Ceilão (CMU, na sigla em inglês), afiliado

à UITA, assinou um Acordo Coletivo com a Coca-Cola Beverages Sri Lanka, retroativo a 1º de

julho de 2004, com validade até 30 de junho de 2006. O CMU representa tanto os funcionários

burocráticos quanto os trabalhadores da produção, e tem 240 membros, incluindo 22

trabalhadores informais. Isso representa 80% de todos os funcionários da fábrica de Biyagama.

Segundo o acordo, metade dos trabalhadores informais terá status de permanentes até janeiro

de 2006, e a outra será efetivada até janeiro de 2007.

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MANUAL SINDICAL PARA TERCEIRIZAÇÃO & INFORMALIDADE

31

Quando a regularização da informalidade torna-se prioridade sindical nacional: condução daquestão no nível da fábrica/empresa.

Na Coréia, interromper o processo de informalidade tornou-se uma

prioridade estratégica sindical. Trabalhadores não permanentes hoje

são 60% da força de trabalho e o governo está tentando aprovar

mudanças na lei que facilitariam ainda mais o uso de mão-de-obra

não permanente. A Confederação Coreana de Sindicatos (KCTU,

na sigla em inglês), por conseguinte, vem conclamando seus afiliados

a incluir em seus acordos coletivos a “regularização” de todos os

trabalhadores que estejam em situação irregular como elemento

central na luta contra a globalização neoliberal.

O texto da cláusula referente a essa conquista é o seguinte:

O Empregador continuará a empregar vinte e duas (22) pessoas em

base informal, para atender às necessidades da fábrica e as pessoas

empregadas nessas condições também terão os aumentos de 10% e

5% sobre os salários atuais…, da mesma forma concedida aos

funcionários permanentes cobertos pelo acordo. […] Fica assim acordado

pelo Empregador absorver 11 dos trabalhadores informais aqui tratados

para o quadro permanente em janeiro de 2006. Os demais 11

trabalhadores informais serão absorvidos no quadro permanente em

janeiro de 2007, absorção esta condicionada à concretização do plano

de expansão da Empresa.

Embora pequeno em números, o sindicato vem ativamente lutando pelos direitos desses

trabalhadores informais, incluindo seu direito à filiação sindical. Ao garantir o direito ao status de

emprego permanente ao longo dos próximos dois anos, o sindicato efetivamente interrompeu o

processo de informalidade. Além disso, essa vitória abre um importante precedente no setor de

alimentos e bebidas no Sri Lanka.

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UITA

32

PARTE III Resistência

Em negociações coletivas com a Coca-Cola Korea Bottling Company (CCKBC) concluídas em

julho de 2004, o Sindicato de Trabalhadores da CCKBC conquistou status de emprego permanente

para 55 trabalhadores subcontratados pela empresa, com 12 trabalhadores regularizados

imediatamente após a conclusão do acordo, e outros 43 com o status de regular assegurado em

setembro.

Num aditamento ao acordo coletivo assinado em 20 de julho de 2004, a cláusula “trabalhadores

irregulares” diz o seguinte:

A Empresa deve envidar seus melhores esforços para contratar

diretamente e normalizar a situação de empregados irregulares passo a

passo. A Empresa deve efetivar a contratação de funcionários irregulares

apresentados pelo Sindicato durante as negociações coletivas de 2004...

e iniciar o processo de recrutamento...

Além dos 50 trabalhadores irregulares identificados na época do acordo, outros cinco foram

posteriormente acrescentados à lista e regularizados. Ao mesmo tempo, a concordância da

empresa em continuar discutindo a regularização de funcionários informais foi garantida.

Como parte da luta mais ampla da KCTU contra a informalidade, o sindicato não apenas teve

sucesso em garantir o emprego regular de 55 trabalhadores informais/subcontratados, como

também estabeleceu um paradigma para futuras demandas em negociações coletivas.

Negociação do status permanente de meio período paratrabalhadores sazonais

Numa fábrica de doces na Itália, adquirida pela Nestlé em 1993, trabalhadores sazonais

conquistaram a segurança de seus empregos em acordo negociado em 1999, que estabelece as

condições para a mudança de status de trabalhadores sazonais para trabalhadores permanentes

em meio período.

Ao negociar o acordo, os sindicatos desafiaram a lógica da direção de que a natureza da produção,

contínua ou sazonal, define o status do trabalhador. Tradicionalmente, 420 trabalhadores eram

contratados para a alta estação perto do Natal e perto da Páscoa. Todos os anos, eles eram

demitidos ao final da estação, recebiam as verbas rescisórias estabelecidas em lei e eram

recontratados (com prioridade para os que tinham trabalhado lá anteriormente, conforme

determinação legal) no início da próxima estação.

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MANUAL SINDICAL PARA TERCEIRIZAÇÃO & INFORMALIDADE

33

O acordo de 1999 introduziu uma forma de trabalho flexível em meio período. Como primeiro

passo, foram oferecidos a 70 trabalhadores sazonais contratos permanentes de meio período,

baseados em “… uma carga média semanal de 30 horas de trabalho, equivalentes a um mínimo

de 1560 horas por ano; a entrar em vigência durante o ano calendário, conforme as necessidades

organizacionais e de produção da fábrica”. As horas extras trabalhadas na alta estação eram

recuperadas durante o período de baixa na produção. Na prática, isso significa que os trabalhadores

com contratos flexíveis de meio período trabalham em período integral de julho a março, e não

trabalham de abril a junho, recebendo 75% do salário integral todos os 12 meses do ano.

Em relação à reestruturação da fábrica, em 2003, e a resultante eliminação de 160 postos de

trabalho, os sindicatos (FAI-CISL, FLAI-CGIL, UILA-UIL) negociaram o que segue:

� extensão do status de “flexível em meio período” aos trabalhadores sazonais

restantes;

� conversão dos contratos flexíveis de meio período existentes para contratos de

período integral;

� limites a qualquer tentativa de reintrodução do trabalho precário.

Essas regras geraram maior estabilidade dos empregos na fábrica. Todos os anteriormente

trabalhadores “sazonais” são hoje trabalhadores permanentes, uma mudança que lhes garante

não somente uma renda regular como também todos os benefícios legais e contratuais, permitindo

que finalmente tenham acesso a crédito bancário e financiamentos imobiliários.

Negociação de limites para a contratação de trabalhadoresprecários

Em maio de 2004, os trabalhadores em cervejarias, organizados pelo NNN, o sindicato dos

trabalhadores na indústria de alimentos e similares da Noruega, entraram em greve pelo direito

de negociar limites à contratação de trabalhadores temporários. Em três bem-sucedidos dias de

greve, conquistaram um contrato coletivo que deixava claras as condições para contratação de

temporários, definia limites para o número permitido de temporários e estabelecia que os

representantes sindicais fossem consultados antes da contratação de temporários. A cláusula do

contrato coletivo referente a esse tópico é a seguinte:

A pré-condição para a contratação de trabalhadores temporários é o

estabelecimento de um número adequado de funcionários em cada

empresa/departamento. Isso inclui o padrão normal de faltas a serem

cobertas por trabalhadores permanentes. A contratação de trabalhadores

terceirizados pode ocorrer durante picos sazonais, períodos de freqüentes

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UITA

34

PARTE III Resistência

faltas e em caso de eventos imprevistos. Assim que possível, e antes

que a Empresa entre em acordo com os trabalhadores contratados, a

necessidade de contratar temporários deve ser discutida com os

representantes sindicais de base…

A Empresa deve fornecer todas as informações necessárias para que os

representantes sindicais possam determinar se as condições de

contratação estão em conformidade com as leis em vigor e com os

acordos referentes às razões para contratação, bem como a adequação

do número proposto de temporários a serem contratados.

Essa conquista no setor de cervejarias foi logo ampliada para outros setores alimentícios e similares,

conforme o NNN negociava cláusulas idênticas em outros contratos coletivos, incluindo o da

Nestlé na Noruega, que entrou em vigor em 1º de julho de 2004.

Outra vitória importante contra o emprego precário foi conquistada pelo Sindicato Australiano

dos Trabalhadores em Manufatura (Amwu, na sigla em inglês), quando reverteu a terceirização

e a informalidade em três fábricas operadas pela Nestlé na Austrália. Isso foi possível após uma

campanha de um ano, que englobou reuniões, informativos e troca de informações entre comitês

em nível empresarial e nacional. A campanha foi iniciada pelo Amwu porque os trabalhadores

da Nestlé tinham identificado o uso crescente de mão-de-obra não permanente contratada com

intermediação de agências. O Amwu incluiu nas negociações coletivas a necessidade de aumentar

o emprego permanente e direto na Nestlé.

O novo Acordo Coletivo, assinado em agosto de 2004, limita as horas que podem ser trabalhadas

por trabalhadores não permanentes em 15% do total de horas normais (não extras). O total de

horas normais trabalhadas deve ser revisado a cada três meses e qualquer hora que ultrapasse o

limite deve ser convertida em contratação de permanentes, com o uso de uma fórmula incorporada

ao acordo. Antes do acordo, havia casos em que trabalhadores precários cumpriam até 23% do

total de horas normais.

A cláusula que define esse limite, com o título de “Processo de Revisão de Mão-de-Obra”, diz o

seguinte:

A gerência e os representantes sindicais revisarão o uso de mão-de-

obra temporária e informal em Produção e Materiais a cada três meses.

Com base no total de horas normais trabalhadas (excluindo as licenças)

nos três meses anteriores, se as horas trabalhadas por trabalhadores

temporários, informais ou subcontratados exceder 15% das horas

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MANUAL SINDICAL PARA TERCEIRIZAÇÃO & INFORMALIDADE

35

trabalhadas pelos funcionários permanentes, as horas excedidas serão

a base para contratação de mais funcionários. A diferença porcentual

deve ser calculada segundo o exemplo abaixo:

Assim, como resultado da revisão dada como exemplo, cinco (5)

funcionários adicionais seriam contratados.

Quando o resultado for determinado, será usado para definir o número

de funcionários a serem empregados como permanentes, contanto que

essas posições permanentes possam ser mantidas no futuro. O

recrutamento terá início assim que possível.

Embora a fórmula pareça complicada, a lógica é muito simples: se trabalhadores temporários ou

informais são contratados para trabalhar tantas horas, e se essas horas totalizam uma porcentagem

significativa das horas trabalhadas pelos trabalhadores sindicalizados, os temporários e informais

deveriam ser trabalhadores regulares! Obviamente, qualquer fórmula para calcular limites para

o trabalho precário e a porcentagem de horas trabalhadas que devem ser convertidas em trabalho

regular dependerá das circunstâncias e do país. O ponto importante é que o sindicato negociou

uma fórmula clara que pode ser usada pelos representantes sindicais para monitorar com

freqüência o emprego precário no local de trabalho. Dessa maneira, fica extremamente difícil

para a empresa esconder aumentos no trabalho precário ou alegar que os limites “não são

claros”. Além disso, uma revisão mensal da contratação de temporários e trabalhadores informais

permite que o sindicato monitore a situação, evitando o “crescimento da informalidade” como

vimos na Parte II.

De fato, o sindicato conquistou a inclusão dessa cláusula no contrato coletivo ao enfatizar a

importância do assunto e a disposição e prontidão dos sindicalizados para apoiar as demandas

com ações coletivas em três fábricas. Exercendo seu poder de negociação, o sindicato agiu pró-

ativamente, negociando mudanças e revertendo o processo de terceirização e informalidade.

1. Total de horas normais trabalhadas por trabalhadores informais/temporários = 9.660 horas.

2. Total de horas normais trabalhadas por funcionários permanentes = 50.000 horas

3. Uso porcentual = 9.660 dividido por 50.000 x 100 = 19,3%

4. Nível teórico de 15% = 0,15 x 50.000 = 7.500 horas

5. Horas excedendo o nível de 15% = 9.660 - 7.500 = 2.160 horas

6. Resultado = 2160 dividido por 12 semanas dividido por 36 horas = 5

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UITA

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Além de limitar e reverter o emprego precário, os sindicatos

também devem monitorar com atenção todas as novas

contratações, para garantir que o acordo seja respeitado. No caso

do acordo coletivo entre o Amwu e a Nestlé Confectionery

Austrália, uma cláusula específica foi negociada de forma que o

sindicato pode monitorar e revisar todas as formas de emprego

existentes e novas. A cláusula diz:

O emprego de mão-de-obra temporária, em meio

período informal e terceirizada é necessário para manter

a operação flexível e eficiente e para atender flutuações

na demanda por nossos produtos. A necessidade de

utilização dessas formas de mão-de-obra será

monitorada e revisada pelos delegados sindicais em cada

fábrica trimestralmente. O empregador deve fornecer

e discutir as informações, incluindo, mas não limitadas

a (i), detalhes sobre a natureza e extensão do trabalho

a ser desempenhado e (ii) razões que tornam necessário

o trabalho informal em lugar de trabalho em meio

período, temporário ou em tempo integral.

PARTE III Resistência

Negociação do direito de monitorar o que estáacontecendo

Negociação do direito de negociar contratações

Em julho de 2003, o Sindicato dos Trabalhadores da Nestlé na Coréia (NKLU) organizou uma

greve de 145 dias contra uma iniciativa da direção de reestruturação e terceirização. A direção

reagiu à ocupação da fábrica impedindo a entrada de trabalhadores e ameaçando transferir a

fábrica para a China em anúncios na televisão. Apesar das ameaças e pressão, os trabalhadores

mantiveram a greve até vencer. Elementos importantes da vitória foram a força da luta local,

solidariedade de outros sindicatos coreanos e a solidariedade internacional mobilizada pela UITA.

O acordo que solidificou a vitória estabeleceu o direito do sindicato de negociar as práticas de

contratação da empresa:

Quando a Empresa pretende transferir parte da produção ou terceirizar

ou subcontratar serviços, as ações devem ser discutidas previamente

com o Sindicato.

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MANUAL SINDICAL PARA TERCEIRIZAÇÃO & INFORMALIDADE

37

Se a Empresa firmar contratos com empresas de terceirização ou

contratados, o nome do representante dessas empresas, bem como

endereço e telefone, devem ser informados ao Sindicato.

Quando o trabalho a ser desenvolvido na Empresa for insuficiente, a

Empresa providenciará funções substitutivas.

Logo após a assinatura do acordo coletivo, essa cláusula foi traduzida para várias línguas e usada

por outros sindicatos na região em suas negociações coletivas. Entre esses sindicatos, estão os

afiliados da Federação de Empregados da Nestlé na Indonésia (FSBNI, na sigla em inglês), que

desenvolveram propostas de acordo coletivo com a incorporação dessa cláusula como “melhor

prática”. Assim, a vitória do NKLU foi amplificada, tornando-se uma vitória para outros sindicatos

ligados à Nestlé na região.

O CAW Local 126, do Canadá, negociou um Acordo Coletivo com a fábrica da Coca-Cola

Bottling Company, em Weston, com cláusulas rigorosas sobre quando trabalhadores precários

podem ser contratados e limites para a terceirização ou subcontratação. As cláusulas abaixo

restringem não só a terceirização como também estabelecem a intervenção do sindicato antes

que qualquer mudança aconteça:

(a) A Empresa concorda que, se a subcontratação de qualquer trabalho

normalmente desempenhado por funcionários regulares na fábricaresultar na demissão do funcionário regular, a Empresa se reunirácom o Sindicato para discutir formas e meios de reduzir o impacto

de tais mudanças sobre o(s) funcionário(s) afetado(s).

(b) A Empresa também concorda que, durante a vigência deste Acordo,

não ampliará suas práticas atuais de subcontratação e terceirizaçãode trabalho, uma vez que a Empresa tem capacidade (instalações,equipamentos e força de trabalho treinada) de executar tal trabalho

na fábrica sem grave redução da eficiência normal das operações.

(c) Se a Empresa tiver planos de subcontratar trabalho além dopermitido em (a) ou (b) acima, o Sindicato deverá ser informadopor escrito sobre tal intenção. As partes devem, então, se reunir

imediatamente para que a Empresa informe detalhes da contrataçãoproposta. As partes buscarão acordo sobre formas de minimizar oimpacto da contratação sobre os funcionários da fábrica e/ou chegar

a ajustes aceitáveis para ambas as partes, que gerem resultadosequivalentes para a Empresa. Qualquer acordo aprovado por ambasas partes nessa reunião ou posteriormente a ela não constituirá

violação deste Artigo.

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UITA

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PARTE III Resistência

Ao final da cláusula é reiterado que: “a Empresa não deve ampliar suas práticas atuais de

contratação, exceto nos termos dos itens (a) ou (b) acima, a menos que haja acordo com o

Sindicato”.

O importante nessas cláusulas é que a empresa concorda que não terceirizará e que, se houver

necessidade de terceirização, o sindicato será informado com antecedência para que seja

negociado um acordo sobre quando a subcontratação ou terceirização será permitida e seu

impacto sobre os trabalhadores sindicalizados, além de outros aspectos da contratação. Isso dá

ao sindicato a oportunidade de intervir antes que qualquer terceirização ocorra e de contestar a

justificativa da empresa para introduzir trabalho precário na fábrica.

Isso faz lembrar que notificação com antecedência não é o suficiente. A empresa pode facilmente

notificar o sindicato sobre planos de terceirização ou contratação de informais e então implementar

seus planos. A questão é que o contrato coletivo deve garantir, em linguagem clara, aos sindicatos

o direito de notificação e o direito de intervir após a notificação, para que haja acordo sobre

quaisquer mudanças – ou seja, para que qualquer mudança seja negociada.

Combate à discriminação e à exclusão

O direito dos sindicatos de representar os trabalhadoresprecários

Os empregadores exploram brechas e falhas nas leis para maximizar o uso de trabalho informal.

Porém, algumas vezes essas leis contêm artigos ou brechas que os sindicatos podem usar. A

legislação que rege o trabalho temporário é uma área que os sindicatos podem explorar com o

aconselhamento de profissionais especializados e, em certas situações, aplicar o conhecimento

adquirido como vantagem tática.

Em 2004, o sindicato de uma fábrica da Coca-Cola no Paquistão exigiu que trabalhadores informais

tivessem direito à previdência social e fundo de garantia. A empresa concordou com essa exigência

porque não custaria nada para ela – nenhum dinheiro foi jamais depositado porque eram

trabalhadores em situação irregular.

O sindicato então entrou com uma ação na Justiça do Trabalho, em nome dos trabalhadores

informais, exigindo o direito deles ao emprego regular. De acordo com a lei, qualquer funcionário

empregado de forma contínua por mais de 90 dias deve ser contratado como permanente. Para

explorar essa brecha da lei, a empresa empregava esses trabalhadores informais, continuamente,

por períodos menores que 90 dias durante anos.

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MANUAL SINDICAL PARA TERCEIRIZAÇÃO & INFORMALIDADE

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No Tribunal, as datas nos cartões de seguro social e de pensão dos trabalhadores informais

foram consideradas válidas para o início do vínculo empregatício, já que provavam que haviam

sido empregados regularmente por MAIS de 90 dias. A sentença determinou que eles tinham

direito ao status de trabalhadores permanentes e o sindicato pode agora representá-los em

negociações coletivas.

O sindicato dos trabalhadores em vendas em Meycauayan, nas Filipinas, alegou, num processo

contra a Coca-Cola Bottlers Philippines, que contratação de trabalhadores “em experiência” por

períodos mais longos que o limite de seis meses violava as leis nacionais:

O sindicato reclamante tem o direito de representar os trabalhadores

afetados pelos esquemas da ré, incluindo os trabalhadores em

experiência por períodos estendidos. Ao passo que pode ser válida a

alegação de que o sindicato representa somente funcionários regulares,

ele pode também representar os trabalhadores em experiência

prolongada. De acordo com a lei, esses trabalhadores já se tornaram

funcionários regulares. Assim, podem ser considerados membros do

sindicato.

Em 2001, o UNCWF, nas Filipinas solicitou que o Ministério do Trabalho investigasse a contratação

“somente de mão-de-obra” pela Cofipac, embaladora da Nestlé. O sindicato alegou que a

Cofipac não era contratada pela Nestlé como empresa embaladora de café para os produtos

Nescafè, mas servia como agência de contratação de mão-de-obra. A inspeção do Ministério do

Trabalho verificou que a alegação era verdadeira, e que três empresas, Cofipac, Fedcon e SCF

General Manpower Services, forneciam somente mão-de-obra à Nestlé. A Nestlé alegou que

eram empresas independentes contratadas, o que significava que deveriam ter suas próprias

instalações e equipamentos, não apenas mão-de-obra. A investigação também determinou que

esses trabalhadores produziam os mesmos produtos que funcionários regulares empregados

diretamente pela Nestlé. Com base nessa averiguação, o sindicato fez uma reclamação formal à

Comissão Nacional de Relações Trabalhistas, mas só em janeiro de 2005 a Nestlé respondeu às

acusações. Em julho de 2005, o juiz do trabalho deu ganho de causa à empresa. O sindicato

recorreu e espera levar o caso à Suprema Corte.

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UITA

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PARTE III Resistência

O direito ao emprego regular

Como vimos na Parte II, os empregadores freqüentemente alegam que o sindicato não tem o

direito de representar os trabalhadores precários ou de fazer exigências relativas ao uso de

emprego precário no local de trabalho.

Para rejeitar essa alegação, os sindicatos têm usado alguns ou todos os seguintes argumentos:

a) o emprego precário tem um impacto direto e negativo sobre a segurança dos

empregos e benefícios conquistados pelos trabalhadores sindicalizados, portanto

é uma questão legítima a ser tratada nas negociações coletivas;

b) trabalhadores precários deveriam ser regulares devido ao tempo ou freqüência

com que são empregados e reempregados, estando de fato, portanto, habilitados

para representação pelo sindicato e para as condições e benefícios negociados

nos acordos coletivos;

c) a lei é injusta e discriminatória e deve ser alterada.

Embora esses argumentos pareçam contraditórios, é freqüentemente a tática dos sindicatos usar

contra-argumentos legais para fazer evoluir o entendimento de que os trabalhadores precários

TÊM direitos legais porque DEVERIAM na verdade ser funcionários regulares, e ao mesmo tempo

adotar uma estratégia de longo prazo para lutar por reformas legais que possibilitem a eliminação

definitiva do trabalho precário. Alguns sindicatos argumentam que o emprego precário não

deve ser legitimizado pela introdução de uma lei que reconheça os direitos dos trabalhadores

nessa situação. Isso porque tais direitos seriam sempre ameaçados pela falta de segurança dos

empregos.

Uma abordagem mais eficaz seria atacar as razões que motivam os empregadores a usar esquemas

de emprego precário – ou seja, redução de despesas gerais, com a criação de uma força de

trabalho estratificada de acordo com o status de vínculo empregatício, e negação do direito de

sindicalização, o que reforça a estratificação e aumenta o controle da empresa –, e cortar o mal

pela raiz. Assim, a verdadeira batalha legal é a revogação ou reforma das leis que permitem o

emprego precário; a (re)introdução de leis sobre segurança do emprego – que protejam o emprego

“padrão” ou “regular” – e, o mais importante, o direito de todos os trabalhadores, incluindo os

precários, de se filiar aos sindicatos e participar das negociações coletivas.

Em alguns casos, os sindicatos ignoram as restrições legais relativas aos trabalhadores precários

e os tratam como sindicalizados, conforme vimos nos exemplos envolvendo a Coca-Cola em

Hong Kong e no Sri Lanka. Esses sindicatos até já negociaram com sucesso em nome dos

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trabalhadores precários, mesmo sem bases legais para fazê-lo. O ponto importante é que o

sindicato deve ser capaz de mobilizar apoio suficiente entre seus membros para reivindicar o

direito dos trabalhadores precários ao emprego regular – e exercer seu poder de negociação

coletiva para garantir essa reivindicação, não importando as definições legais e limitações que

estas possam estabelecer. Ao mesmo tempo, o sindicato deve aderir à luta sindical mais ampla

por reformas da lei trabalhista, de modo que essa luta seja estendida e restaure o emprego

regular na sociedade como um todo.

A KCTU

Em novembro de 2005, na Coréia do Sul, a KCTU deu início a uma

grande luta contra a introdução de novas leis trabalhistas que

incrementariam o uso de trabalhadores “irregulares” e permitiriam

que os empregadores usassem mais temporários e subcontratados.

Depois de uma manifestação na Assembléia Nacional, em 22 de

novembro, a KCTU convocou uma greve geral para 1º de dezembro.

Isso faz lembrar que a luta contra o trabalho precário deve ser

parte de uma ampla luta política contra a legalização do trabalho

precário e por reformas legais que protejam a segurança do

emprego.

Interrupção da terceirização na fonte

Algumas das primeiras atividades a serem terceirizadas num local de trabalho são os chamados

serviços auxiliares como, por exemplo, limpeza, restaurante e segurança. Em muitos países, a

terceirização dessas atividades aconteceu há tanto tempo que já esquecemos que os trabalhadores

que as desempenham já foram, um dia, nossos colegas e membros de nosso sindicato. Empresas

que oferecem a outras especialização em “serviços de construção”, e o pessoal para prestá-los,

floresceram e seu material de propaganda, sugerindo uma distinção entre atividade “periférica”

e “central”, é persuasivo e convincente. Mesmo assim, ainda podem ser encontrados locais de

trabalho em que serviços auxiliares são prestados por funcionários diretos e os sindicatos estão

lutando para manter as coisas assim.

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UITA

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PARTE III Resistência

Há muitos anos, os trabalhadores da fábrica da Nestlé em Lvov, Ucrânia, vêm enfrentando

problemas com o restaurante – a fábrica é tão grande, e a pausa para almoço tão curta, que

quando chegam ao restaurante já é hora de voltar ao trabalho. Contudo, ao invés de tentar

resolver o problema, melhorando a organização do trabalho e o restaurante, a Nestlè propôs

fechar o restaurante e instalar refrigeradores e fornos de microondas para auto-serviço – para

mais de 1,5 mil funcionários! A próxima grande idéia da empresa foi contratar um serviço de

entrega de refeições, o que causou muita consternação entre os trabalhadores, preocupados

com a qualidade e segurança de sua alimentação e os empregos de seus colegas que preparavam

e serviam suas refeições.

O sindicato abraçou a causa da “boa comida” para os trabalhadores e a luta para salvar os

empregos dos trabalhadores do restaurante da Nestlé, e forçou a empresa a negociar. Os

trabalhadores apoiavam maciçamente o princípio de manter o restaurante na fábrica, mas a

Nestlé disse que em nenhum lugar do mundo ela administra seu próprio restaurante. O sindicato,

armado com informações de outras fábricas da Nestlé que desmentiam a alegação – e tendo

descoberto que o fornecedor de refeições que a Nestlé queria contratar nem mesmo existia –

manteve a resistência à terceirização desse serviço essencial e conquistou seu objetivo: o

restaurante será mantido e a questão da falta de tempo será resolvida com a mudança na maneira

como as refeições são oferecidas. Outras medidas são esperadas para depois da conclusão de

uma avaliação conjunta do sindicato e da direção da empresa.

A luta contra a terceirização do restaurante levanta importantes questões para os sindicatos.

Alguns podem argumentar que a questão envolve “apenas” oito trabalhadores. Porém, fica

claro que o sindicato entendeu seu dever de defender os empregos e direitos desses trabalhadores

como se fossem sindicalizados, bem como de proteger os interesses dos membros do sindicato

como um todo. Como vimos nas Partes I e II, a terceirização do restaurante é, freqüentemente,

só o começo da introdução de novas formas de emprego precário no local de trabalho. Se não

for contestada, logo veremos o trabalho dos filiados ao sindicato terceirizado ou informal.

Esse crescimento da informalidade começa não só no restaurante, como também em serviços de

segurança e limpeza. Nas Filipinas, a Organização Trabalhista dos Funcionários da Magnolia,

entrou com uma ação legal contra a empresa por uso de segurança terceirizada para a execução

de tarefas normalmente desempenhadas por trabalhadores sindicalizados. O sindicato contestou

o uso “flexível” que a empresa fazia de dois guardas de segurança para serviços adicionais como

mensageiros internos e externos – tarefas que trabalhadores sindicalizados desempenhavam até

serem transferidos. Para o sindicato estava claro que o uso flexível da segurança terceirizada era

apenas o começo de um plano de longo prazo para substituir os trabalhadores sindicalizados por

precários. Hoje, são 33 trabalhadores precários em funções burocráticas em vários departamentos

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MANUAL SINDICAL PARA TERCEIRIZAÇÃO & INFORMALIDADE

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da fábrica de sorvetes Aurora, incluindo a Gerência de Cadeia de Suprimentos, Departamento

Financeiro, Vendas & Marketing, o Escritório do Depósito Refrigerado e Recursos Humanos.

Quando o sindicato ligado a uma fábrica da Cargill, em Efremov, na Rússia, descobriu planos

para terceirização da segurança e demissão dos 47 guardas, fez uma contestação legal e lançou

uma campanha pública. O propósito de terceirizar a segurança, com o novo pessoal vindo de

Moscou, foi interpretado pelo sindicato como o princípio de um projeto muito maior de

terceirização. Ele reagiu com uma estratégia de duas frentes:

1) o sindicato levou o caso à justiça, argumentando que as demissões não decorriam

da perda de postos de trabalho, e sim da transferência do local de trabalho

para uma outra entidade legal (a empresa de terceirização)

2) o sindicato lançou uma campanha pública contra a Cargill

Embora o processo legal não tenha avançado devido à recusa do tribunal em aceitar o argumento

do sindicato de que a substituição do pessoal de segurança era ilegal, a campanha pública

demonstrou ser muito eficaz. Em 1º de março de 2003, o sindicato convocou uma manifestação

de protesto contra a decisão de terceirizar os serviços de segurança, da qual participaram mais

de 300 pessoas. Considerando-se o pequeno tamanho da cidade de Efremov, a participação foi

significativa.

No fim, o sindicato não conseguiu reverter a terceirização da segurança. Mas a campanha pública

teve efeitos de longo prazo. Depois da manifestação, a empresa não propôs mais nenhuma

terceirização. Com a ação pública o sindicato foi capaz de intervir para interromper o “crescimento

da informalidade”, que teria início com os serviços de segurança e acabaria por destruir a

segurança do emprego dos trabalhadores sindicalizados. Além disso, essa luta foi uma das primeiras

manifestações públicas na Rússia contra a terceirização. O resultado foi uma maior conscientização

do público sobre uma nova estratégia gerencial (e mal compreendida), constituindo uma

contribuição de longo prazo para a luta contra o emprego precário.

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UITA

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PARTE IV

Conclusão

Os sindicatos têm contestado com sucesso a tendência de maior uso do trabalho precário e

venceram importantes batalhas, tanto em países pobres quanto em nações mais desenvolvidas.

Sindicalistas em todo o mundo podem extrair, dessa crescente experiência, idéias, inspiração e

modelos práticos, incluindo linguagem específica para acordos coletivos. Os trabalhadores e

seus sindicatos – locais, nacionais e internacionais – podem tirar proveito desses esforços. Essas

vitórias são importantes por outra razão prática: as empresas dizem que as coisas são assim no

mundo todo e que é inútil protestar. Essas lutas mostram que as coisas NÃO são assim em todos

os lugares: o trabalho precário pode ser combatido e revertido, trazendo mais segurança e

melhores condições de trabalho.

Os sindicatos reagiram com sucesso à ameaça do trabalho precário, intervindo cedo para impedir

sua introdução, por meio de negociações e mobilização de seus membros. Também vimos

exemplos de sindicatos que reverteram efetivamente o emprego precário existente, assumindo

a representação dos trabalhadores nessas condições e organizando a luta dessas pessoas. Em

ambos os casos fica claro que essas mudanças – como quaisquer mudanças introduzidas no local

de trabalho – devem ser negociadas, e para tanto o sindicato deve exercer ao máximo seu poder

de negociação.

A capacidade dos sindicatos de negociar mudanças depende também do acesso a informações

sobre planos que envolvam emprego ou trabalho precário. Ter acesso a essas informações é uma

questão de direitos que os sindicatos devem constantemente reiterar.

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MANUAL SINDICAL PARA TERCEIRIZAÇÃO & INFORMALIDADE

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O direito de saber

A “Declaração de Manila” sobre os direitos dos trabalhadores da Nestlé

em todo o planeta, adotada pelas afiliadas da UITA ligadas à Nestlé, em

dezembro de 1999, faz referência explícita ao direito dos sindicatos de

acesso à informação necessária para negociar mudanças no local de

trabalho:

3. Todos os funcionários da Nestlé têm o direito de serem informados

sobre mudanças com razoável antecedência e de serem consultados,

por intermédio de seu sindicato, sobre o impacto causado pela

introdução de novas tecnologias no local de trabalho.

5. Todos os funcionários da Nestlé têm o direito a emprego seguro e

digno. Planos de reestruturação devem

ser submetidos a negociações prévias com

representantes sindicais.

7. Todos os funcionários da Nestlé têm o

direito, por meio do sindicato, de acesso

a informações completas sobre os

negócios da empresa e ao diálogo com

diretores da empresa com poder de

decisão.

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UITA

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A UITA e o reconhecimento do sindicalismoglobal

A direção de corporações transnacionais, como a Nestlé, alega o

direito de fazer escolhas estratégicas globais que afetam

trabalhadores no mundo todo e, ao mesmo tempo, se recusa a

assumir responsabilidade global pelas conseqüências dessas

decisões. A responsabilidade pelas relações industriais é sempre

delegada para o nível regional, nacional ou até de fábrica. Isso

dá à empresa máxima flexibilidade com mínima responsabilidade.

Na análise final, reverter e eliminar o trabalho precário exige

negociar o comprometimento da empresa como um todo com o

emprego fixo e permanente. Isto, por sua vez, depende da

capacidade dos sindicatos de negociar a questão

internacionalmente. O veículo para essas negociações é a

federação global de sindicatos do setor de alimentos e bebidas,

a UITA.

A UITA tem a força de seus membros. Fazer com que corporações

transnacionais reconheçam a UITA, e sentem para negociar,

significa que os sindicatos-membros devem ser membros ativos,

que trabalhem em conjunto com a UITA, em nível regional e

internacional. A comunicação freqüente com os secretariados

regionais e internacionais é fundamental para a construção de

uma campanha sindical internacional eficaz contra o trabalho

precário.

PARTE IV Conclusão

As estratégias descritas na Parte III também demonstram a importância da solidariedade como

princípio de estruturação. Esse fator não se limita a unidade e comprometimento entre

sindicalizados na luta contra a terceirização e a informalidade. Ele exige que a solidariedade seja

estendida aos trabalhadores precários. Ao invés de tratar trabalhadores precários meramente

como ameaça a seus empregos e condições de trabalho, os sindicalistas fizeram um esforço

organizado para mobilizar os trabalhadores precários e fazer reivindicações comuns. Essa

solidariedade esteve presente nas iniciativas sindicais em praticamente todos os casos em que

houve sucesso na reversão da terceirização e informalidade.

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MANUAL SINDICAL PARA TERCEIRIZAÇÃO & INFORMALIDADE

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É importante também reconhecer o âmbito global desses esforços – e a necessidade de organização

sindical global. As estratégias gerenciais de imposição de emprego precário e a resistência sindical

são parte de um processo global. A coordenação global dessas lutas pela UITA torna possível a

troca sistemática de informações e “melhores práticas” de acordo coletivo, além do crescimento

de estratégias e táticas de planejamento. Aproveitando a força de seu alcance mundial, a UITA

tem sido capaz de oferecer aos sindicatos solidariedade e apoio concretos, que têm sido cruciais

para os bons resultados. Essa rede global de solidariedade torna possível a ampliação de cada

vitória, permite que outros sindicatos aproveitem esse sucesso fazendo reivindicações semelhantes,

usando estratégias e táticas similares ou a experiência acumulada para criar novas estratégias e

novas formas de luta. Como o aumento do trabalho precário acontece globalmente em todo o

setor de alimentos e bebidas, e como corporações transnacionais são as empresas mais agressivas

na imposição dessas novas estratégias de emprego, é necessário garantir que as respostas dos

sindicatos sejam coordenadas globalmente, reforçando-se entre si e gerando um impulso global

que seja capaz de interromper e reverter a terceirização e a informalidade em todo o mundo.

A próxima seção, Parte V, traz algumas recomendações referentes aos “primeiros passos” dos

sindicatos na luta contra a terceirização e o trabalho precário. Concebida como um guia prático,

apresenta perguntas importantes, check-lists e estratégias para ajudar na preparação de

campanhas contra o emprego precário.

Trabalhadores da Nestlé Perm (Federação Russa) marcham no dia 1° de maio de 2006 contra aterceirização e o emprego por contrato.

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UITA

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PARTE V

Combate à terceirização

e ao trabalho precário:

os primeiros passos

Nas partes anteriores deste manual analisamos as várias formas de trabalho precário e como elas enfraquecem

a organização sindical no local de trabalho. Demos também exemplos de estruturação sindical, campanhas e

negociações bem-sucedidas para interromper, limitar e reverter a terceirização e outras formas de trabalho

precário.

Todos esses exemplos mostram que não podemos depender de uma abordagem do tipo “esperar para ver”.

A experiência mostra que quando fica óbvia a existência de um problema real, muitos danos já foram causados.

Muitos sindicatos já descobriram que é melhor interromper o processo de imediato do que combater as

conseqüências mais tarde. Como já vimos, um dos principais objetivos do emprego precário é reduzir a

sindicalização e diminuir o poder de negociação coletiva dos sindicatos. Assim, se permitirmos que o emprego

precário cresça enquanto os sindicatos “esperam para ver”, quando partirmos para a ação, podemos descobrir

que nosso poder de negociação diminuiu significativamente com a redução do número de filiados. Os sindicatos

devem agir ao primeiro sinal de introdução de emprego precário no local de trabalho.

O momento de agir é agora!

Nessa parte, damos algumas sugestões práticas de como proceder quando seu sindicato quiser

abraçar a luta contra a terceirização. Fundamentados na experiência de outros sindicatos,

destacamos algumas perguntas que lhe serão feitas e os argumentos que você pode usar para

convencer as pessoas da necessidade de atacar o problema, os tipos de informação de que vai

precisar para preparar sua estratégia, idéias para envolver os membros, escolhas de estratégia e

atividades, e um check-list para analisar a capacidade de seu sindicato de efetivamente gerar

mobilização em torno do problema.

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MANUAL SINDICAL PARA TERCEIRIZAÇÃO & INFORMALIDADE

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A terceirização tornou-se uma das principais estratégias gerenciais

para enfraquecer a força dos sindicatos. Ela assume diferentes

formas em diferentes países e até dentro das fábricas. Para atacar

o problema com eficácia, é preciso planejar cuidadosamente a

estratégia conforme a sua situação local. Esse planejamento inclui

o reconhecimento de seus próprios pontos fortes e fracos e a

prontidão dos filiados de seu sindicato para agir, bem como sua

atitude, estratégia e planos de gerenciamento.

Essa parte apenas oferece idéias para os primeiros passos dos sindicatos

que estão começando a combater o problema. Estratégias mais avançadas

têm de ser desenvolvidas à medida que as atividades acontecem.

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UITA

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PARTE V Combate à terceirização e ao trabalho precário: os primeiros passos

Por que lutar? Persuasão de filiados ecolegas

A terceirização é um processo complexo. Suas conseqüências negativas não são sempre óbvias

de imediato. Quando se tornam visíveis, o processo normalmente já está bem avançado. Líderes

sindicais devem explicar a seus filiados e ativistas porque a questão é urgente e exige ação

coletiva. As empresas em todo o mundo têm um estoque de argumentos para justificar a

terceirização e o trabalho informal. Convencer as pessoas da necessidade de ação significa

desmontar os argumentos que a direção das empresas usa para sustentar essas práticas. Esses

argumentos estão já tão disseminados que você poderá ouvir seus colegas de trabalho repetindo

muitos deles quando tocar no assunto!

Veja abaixo alguns dos argumentos típicos que os sindicatos normalmente encontram e como

responder a eles.

“Não é da sua conta.”

A direção alega que é prerrogativa da empresa contratar e usar as pessoas da maneira que achar

melhor, e que não temos nada a ver com isso. Pode dizer, e diz, o mesmo sobre salários,

organização do trabalho, política sexual e quase tudo que afeta os trabalhadores.

É da nossa conta, porque afeta a segurança do emprego, as condições

de trabalho e a organização sindical no nosso local de trabalho!

“Não faz parte da nossa atividade principal.”

Quando o trabalho é terceirizado normalmente dizem: “é só o restaurante, não é parte de nossa

atividade principal”. Depois, ouvimos o mesmo em relação à limpeza, segurança, manutenção.

Amanhã pode ser o almoxarifado, ou os motoristas, ou os carregadores, ou vendas, ou o pessoal

de escritório, ou de embalagem. A verdade é que, na prática, não há limites. Todo trabalho pode

se tornar, e se tornará, mais precário se os sindicatos não interromperem o processo com a

negociação. Em muitos locais de trabalho, o processo já chegou à “produção central” –

trabalhadores na mesma linha de produção, mas em condições diferentes. Muitas empresas no

setor de alimentos e bebidas estão implementando reestruturações contínuas como parte de

uma iniciativa por mais flexibilidade. Com a reestruturação contínua, o “centro” muda

constantemente. A verdadeira pergunta a se fazer é se a empresa poderia funcionar sem todos

esses serviços e tarefas descritos como “auxiliares” ou “atividades não principais”. Imagine seu

local de trabalho sem restaurante, sem faxineiros, trabalhadores de manutenção, seguranças,

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motoristas, carregadores... O fato é que todos esses trabalhadores contribuem para o produto

que a empresa vende, e sem eles a empresa não poderia funcionar. Isso significa que a diferenciação

“principal versus não principal” é uma distinção falsa. Para os sindicatos é importante considerar

todas essas tarefas como inerentes ao local de trabalho, e, portanto, todos os trabalhadores

envolvidos devem ser sindicalizados. Se a direção da empresa discordar, o sindicato deve se

esforçar para fazê-la concordar. Se a lei diz que esses trabalhadores não são “regulares” e não

podem ser sindicalizados, é a lei que deve ser mudada, não a posição do sindicato.

Todo trabalho que de alguma forma faz parte do produto que a

empresa vende é “principal”!

“Não queremos empregar trabalhadores não qualificados,como faxineiros…”

O fato é que a empresa OS EMPREGA! A única diferença é que trabalhadores terceirizados são

empregados com salários mais baixos e piores condições, com pouca ou nenhuma garantia de

emprego.

TODOS os empregados dão uma contribuição vital para o produto

da empresa. A direção é indiferente à qualidade das matérias-primas

que entram na cadeia de produção? Ou ao que acontece ao produto

depois que sai da fábrica? Produzir e levar um produto até o

consumidor é o resultado de um sistema complexo de arranjo de

trabalho. O empregador deve assumir a responsabilidade pelos

termos e condições de emprego de todos aqueles cuja atividade

nesse sistema contribui para o resultado final.

“É sazonal. É a natureza do negócio.”

É claro que há altos e baixos na demanda e no fornecimento de matérias-primas, especialmente

com a variação de estações. No entanto, há algo mais acontecendo, e as empresas abusam da

situação. Vamos analisar melhor.

Uma estação é uma época claramente definida do ano, não uma semana em que entrou um

grande pedido. O que há de “sazonal” em contratar temporariamente um trabalhador por uma

semana no verão numa fábrica de chocolate, ou por três semanas no inverno numa fábrica de

processamento de café? Muitos trabalhadores estão permanentemente na reserva, e nunca sabem

quando e por quanto tempo estarão empregados.

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UITA

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PARTE V Combate à terceirização e ao trabalho precário: os primeiros passos

Em casos assim, a verdade é que os trabalhadores são contratados e demitidos “flexivelmente”,

de forma direta ou por esquemas de terceirização, para compensar o mau planejamento ou para

atender necessidades imediatas de produção.

Em outros casos, “trabalhadores temporários” trabalham o ano todo, mediante contratos

temporários renovados a cada ano ou a cada dois ou três meses. A direção mantém os

trabalhadores numa posição de dependência e cria uma espécie de amortecedor para o caso de

desaceleração do mercado.

Em ambos os casos, os trabalhadores temporários e “sazonais” arcam com os custos da flutuação

do mercado, que são parte inevitável de todo negócio.

A “sazonalidade”, em muitos casos, é pura ficção para disfarçar o fato de que a empresa está

aumentando seus lucros, ao transferir os riscos do mercado para os trabalhadores. Vimos o

exemplo da fábrica da Nestlé na Malásia, na Parte III, que contrata trabalhadores “sazonais” o

ano todo. Na Nestlé, todas as estações são alta estação!

“É só um período de experiência.”

Na maioria dos países, a duração do período de experiência é definida em lei. Geralmente, não

pode passar de três, ou no máximo seis meses. Um período de experiência mais longo é uma

clara desculpa para redução de custos e divisão da força de trabalho. A menos, claro, que devamos

todos ficar em experiência permanente!

Garanta que nenhum período de experiência exceda o limite máximo

legal!

“Serão transferidos para funções permanentes logo, depoisque…”

Já ouvimos isso antes: Espere um pouco, até que…

� se complete a reestruturação

� o investimento se concretize

� seja fechado o balanço anual

� seja nomeado o novo diretor

� esteja garantido o novo contrato de venda

� etc.

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Mais uma vez, tudo isso é parte normal dos negócios. Se a direção é séria, por que não assinar

um acordo, deixando claro quando, quantos e quem exatamente será transferido para posições

permanentes? Se há recusa em assinar, ou mesmo negociar, eles não acreditam neles mesmos!

A hora de resolver o problema é agora!

Análise do problema – obtenção e usoda informação de que precisa

A primeira coisa que você precisa fazer quando quer combater relações de emprego precário, e/

ou planos de terceirização, além de convencer os filiados e colegas de que a luta é tão importante

quanto viável, é reunir informações precisas e confiáveis. Não acredite em rumores ou no que

“a direção disse”. Verifique tudo e obtenha provas documentais quando possível. Mantenha

bons registros de tudo o que acontece em relação ao assunto: práticas de contratação, dados de

emprego com data, comunicados oficiais da direção, correspondência, atas de reuniões entre

sindicato e direção, e provas de violação de direitos ou intimidação de trabalhadores.

Que tipo de informação?

Coleta de informação sobre projetos de terceirização

Assim que planos de terceirização em seu local de trabalho forem divulgados, tente saber tudo

o que puder! Isso inclui:

a. qualquer e toda a informação sobre a empresa de terceirização: quem são os

responsáveis, qual sua situação legal, qual seu histórico de práticas trabalhistas,

localização dos escritórios, onde já presta serviço;

b. detalhes operacionais da reestruturação planejada e o sistema resultante:

i. quais departamentos estão envolvidos,

ii. quais cargos serão afetados,

iii. qual tipo de vínculo empregatício é planejado para os trabalhadores

terceirizados,

iv. quem vai supervisionar essas tarefas recém-terceirizadas;

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UITA

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PARTE V Combate à terceirização e ao trabalho precário: os primeiros passos

c. se os trabalhadores diretos serão transferidos para a empresa de terceirização,

quais são os termos dessa transferência;

i. quem será transferido,

ii. quantos serão transferidos,

iii. o que acontecerá aos outros,

iv. o que acontecerá com os benefícios a que esses trabalhadores tinham

direito antes;

d. termos e condições de emprego planejados (salários, benefícios, contratos

permanentes ou temporários) para todas as tarefas terceirizadas;

e. posição da empresa de terceirização em relação ao acordo entre a direção da

empresa contratante, o sindicato e o(s) funcionário(s) a serem terceirizados;

f. comparação de custo entre as tarefas desempenhadas por funcionários diretos

e custo com a terceirização (freqüentemente não é mais barato!);

g. rascunho do contrato, ou o contrato assinado, entre a empresa e a empresa de

terceirização.

Coleta de informações sobre o trabalho precário existente

a. quais formas de trabalho precário existem atualmente em seu local de trabalho?

i. quantos trabalhadores têm contratos temporários em diferentes épocas

do ano? eles trabalham constantemente sob contratos temporários?

ii. quantos trabalhadores são empregados por intermédio de outras empresas

em seu local de trabalho?

iii. qual é sua relação de emprego?

iv. quais departamentos estão envolvidos?

b. isso aumentou nos últimos anos (compare os números de emprego permanente

e precário ao longo dos anos)?. Se o emprego permanente diminuiu, o que o

substituiu?

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Necessidades de informação variam com ascircunstâncias!

Quando o sindicato ligado à Nestlé, em Timashevsk, descobriu planos deterceirização, foi feita uma lista do que era necessário saber, e comopoderiam ser obtidas as informações.

c. qual é a situação desses trabalhadores:

o quais são seus principais problemas (salários, benefícios, seguro, segurança

e saúde, vínculo empregatício, horas extras, etc.)?

o quais são suas condições de trabalho (regime de turnos, horário de trabalho,

salários, segurança e saúde, benefícios sociais)? quais as diferenças em

relação aos trabalhadores regulares?

o eles estão preparados para serem sindicalizados?

o qual é a situação legal – esses relacionamentos de emprego podem ser

contestados judicialmente?

O que é necessário saber como conseguir

1. custos atuais do trabalho em questão direção do sindicato

2. custos da terceirização para a empresa ABC direção do sindicato

3. acordo coletivo (se houver), condições detrabalho, horários de trabalho na empresa ABC’ empresa ABC

4. contrato individual de trabalho da empresa ABC empresa ABC

5. lista dos cargos afetados direção do sindicato

6. status legal da empresa ABC empresa ABC

7. rascunho do contrato com a empresa ABC direção do sindicato

8. histórico/reputação da empresa ABC outros sindicatos/trabalhadores de outrasempresas onde a ABCpresta serviços/internet/empresa ABC

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UITA

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PARTE V Combate à terceirização e ao trabalho precário: os primeiros passos

Obtenção da informação de que precisase ela lhe é negada

Informação negada é informação que preocupa!

Se você não consegue as informações, a direção da empresa pode estar escondendo alguma

coisa. Não desista de pedir. Você tem direito à informação, e não deixe de lembrar à direção que

você sabe que tem esse direito.

� Faça valer seus direitos à informação! Faça pressão constante e sempre solicite

a informação por escrito. Solicitações verbais são normalmente ignoradas. A

direção pensará duas vezes antes de ignorar uma solicitação por escrito.

� Enquanto pressiona a direção por informação, busque também outras fontes:

sindicalizados, trabalhadores da empresa de terceirização, sindicatos locais,

regionais ou nacionais, a imprensa, a internet (cuidado – nem toda informação

encontrada na internet é precisa, atualizada ou confiável – verifique as

informações). Use exemplos de outras fábricas de propriedade da empresa, no

seus país e em outros também.

� Enfatize que é uma preocupação legítima. Se há cláusulas em seu contrato

coletivo que restringem seu acesso a tais informações, prepare-se para mudá-

las nas próximas negociações!

� Conteste o uso abusivo de “segredo comercial” ou “negócio confidencial”

para negar aos sindicatos o direito legítimo de acesso à informação. Faça a

empresa cumprir sua palavra: muitas empresas publicamente anunciam seu

comprometimento com a “abertura” e a “transparência” como parte da

“responsabilidade social”. Esses compromissos devem ser colocados em prática!

� Documente a recusa de acesso à informação e mantenha arquivado para ações

futuras.

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A tarefa mais importante: convencer emobilizar seus membros Organize todosos trabalhadores da fábrica!

Para ter sucesso na interrupção e reversão da terceirização, você vai precisar do apoio dos membros

de seu sindicato e de todos os trabalhadores do seu local de trabalho. Para ajudá-los a entender

a necessidade de combate ao trabalho precário, eles precisam ser incluídos no processo de

resistência.

Isso inclui tanto os trabalhadores diretos e permanentes QUANTO os trabalhadores precários e

temporários! Mesmo que lhes seja negado o direito de sindicalização, eles devem sempre ser

vistos como membros POTENCIAIS, e os seus direitos devem ter alta prioridade na agenda.

Somente se perceberem que seu sindicato está preocupado com a situação, eles entenderão o

benefício de apoiar o sindicato!

Conquista do apoio de sindicalizados e trabalhadoresprecários

1. Educação e conscientização

Os sindicalizados devem entender que o emprego precário é uma ameaça a

seus empregos e condições de trabalho, bem como uma ameaça ao sindicato.

Contudo, é importante que percebam que a ameaça é o emprego precário sob

o aspecto de estratégia gerencial, e não os trabalhadores precários. Os

trabalhadores precários estão nessa situação porque têm seus direitos negados.

Por isso, é importante que os sindicalizados lutem contra o emprego precário e

pelo direito dos trabalhadores nessas condições a emprego seguro e

sindicalização. É preciso mostrar às pessoas PORQUE essa questão é importante.

Você pode usar os exemplos deste manual, preparar treinamentos, produzir

folhetos. Pense em outras formas de espalhar a informação e estimule a reflexão

sobre o assunto.

2. Ouça o que eles têm a dizer

Descubra o que preocupa mais as pessoas. Muitas vezes o que parece um

aborrecimento menor na verdade ilustra a natureza nefasta do trabalho precário.

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UITA

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PARTE V Combate à terceirização e ao trabalho precário: os primeiros passos

3. Mantenha-os informados

Transmita todas as informações aos membros de seu sindicato – nunca presuma

que eles estão informados a menos que você os tenha informado.

4. Envolva todos os membros

Pense em atividades às quais as pessoas podem aderir, como assinar uma carta,

usar buttons, contribuir na coleta de informações, conversar com outros

trabalhadores na fábrica. Tenha em mente o que as pessoas podem e estão

prontas para fazer.

5. Organize todos os trabalhadores, independentemente

de status!

A direção tentará dividir os trabalhadores em: centrais e periféricos, permanentes

e temporários, homens e mulheres, velhos e jovens, antigos e recém-chegados,

diretos e indiretos. Faça com que as pessoas entendam que podem vencer essa

batalha somente se estiverem unidas! O objetivo deve ser mobilizar todos os

trabalhadores como membros do sindicato.

6. Atividades sindicais

Alguns sindicatos nomearam representantes para fazer contato com os

trabalhadores precários e envolvê-los nas atividades sindicais, enquanto outros

sindicatos formaram “comitês solidários” para trabalhar junto aos trabalhadores

precários e ajudá-los em sua organização. Os trabalhadores precários são

convidados a participar de treinamentos e contribuir com artigos e entrevistas

para os boletins informativos dos sindicatos. Reuniões e outras atividades

sindicais que colocam os sindicalizados junto com trabalhadores precários são

vitais para aumentar a solidariedade.

7. Conquiste a confiança

Os trabalhadores precários podem ter o receio de perder seus empregos se o

sindicato agir contra o emprego precário. Precisamos entender os riscos

enfrentados pelos trabalhadores precários e acolher suas preocupações

seriamente. Os trabalhadores precários já se sentem inseguros e vulneráveis, e

é preciso garantir que os sindicalizados lutem para protegê-los contra demissão

ou qualquer forma de assédio ou intimidação. É fundamental que a organização

seja baseada em confiança e respeito mútuos, de modo que os trabalhadores

precários estejam dispostos a assumir o risco de apoiar o sindicato, enquanto

os sindicalizados devem estar dispostos a agir em apoio aos trabalhadores

precários na luta pelo seu direito a emprego regular e garantia de emprego.

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MANUAL SINDICAL PARA TERCEIRIZAÇÃO & INFORMALIDADE

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Organização e mobilização de sindicalizados etrabalhadores precários

Em 26 de agosto de 2004, o Sindicato dos Trabalhadores em

Manufatura da Austrália (Amwu, na sigla em inglês), afiliado à UITA,

assinou um novo acordo coletivo nacional, com vigência de três anos,

com a Nestlé Confectionary Australia, o qual aumentou

significativamente os direitos sindicais e reverteu o uso de

trabalhadores precários contratados por meio de agências de

terceirização de mão-de-obra. Trechos de uma entrevista com Jennifer

Dowell, secretária assistente nacional da Divisão do Setor de

Alimentos do Amwu e vice-presidente da UITA, são reproduzidos

abaixo.

O que fizemos foi lançar um processo para negociar o acordo,

reunindo todos os delegados das três fábricas e definindo uma

lista de reivindicações. Conversamos sobre a questão da

informalidade e terceirização e esses eram problemas

observados pela maioria dos filiados. Colocamos esses itens na

lista de reivindicações e apresentamos a lista às fábricas e aos

delegados, enquanto os organizadores explicavam aos filiados

o que o sindicato estava tentando fazer para atacar esse

problema em particular. O sindicato conquistou o apoio unânime

em todas as três fábricas e nas três a opção preferida foi eliminar

a contratação de mão-de-obra terceirizada e ter todos os

trabalhadores contratados diretamente pela Nestlé,

independente da forma de seu contrato de emprego. Se essa

opção não pudesse ser conquistada, a decisão foi por dar um

passo de cada vez e tentar impor uma restrição sobre a

quantidade de trabalhadores precários.

A preocupação das pessoas era o uso crescente de formas não

permanentes de mão-de-obra nas fábricas e tinham a opinião

de que, particularmente na maior das fábricas, os trabalhadores

permanentes estavam deixando seus empregos e estes não

estavam sendo preenchidos com trabalhadores permanentes, e

sim por trabalhadores informais por curtos períodos. Havia uma

preocupação real com o uso crescente de mão-de-obra

temporária.

Conversamos consistentemente com os filiados, fizemos

conferências telefônicas, enviamos informativos, documentamos

a situação e esses documentos eram atualizados após cada

reunião de negociação, de forma a refletir exatamente onde

estávamos em cada tópico originalmente incluído na lista de

reivindicações. As pessoas sabiam para quê a empresa estava

dizendo sim e para quê ela estava dizendo não, e ao longo desse

processo, que durou quase doze meses, as pessoas foram

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UITA

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Organização e mobilização de sindicalizados etrabalhadores precários

PARTE V Combate à terceirização e ao trabalho precário: os primeiros passos

determinando por quais itens lutariam sem ceder e quais valia a

pena deixar para outra oportunidade. Com alguns itens,

conseguimos fazer a empresa concordar, a outros a empresa se

opôs, e outras coisas a empresa estava preparada para negociar.

Optamos pelo que afetava todas as três fábricas e as questões

de contratação de mão-de-obra terceirizada estavam no topo da

lista.

A empresa sabia das reuniões, dávamos a ela constante retorno

sobre as posições dos trabalhadores, e os gerentes estavam muito

conscientes do fato de que os trabalhadores estavam

comprometidos com o ajuste nas práticas de contratação. Sabiam

também que, ao final das negociações, se não resolvessem o

problema, teriam problemas nas três fábricas ao mesmo tempo.

Na verdade, todos os funcionários tinham concordado que ações

seriam iniciadas nas três fábricas se fosse necessário. A empresa

decidiu que precisava discutir o assunto de forma adequada.

Quando apresentamos nossa proposta, restringindo a

contratação de mão-de-obra temporária, houve concordância.

Todos os trabalhadores concordaram que na próxima negociação

vamos tentar reduzir a prática a um estágio em que a empresa

tenha de fazer algo definitivo sobre a contratação de temporários.

Foi difícil porque, mesmo tendo organizado os temporários, e

isso foi feito de forma consistente, eles nunca são

completamente mobilizados, já que a rotatividade é muito grande.

Pode haver 20 temporários numa fábrica numa semana e o

sindicato pode mobilizar todos eles; mas na semana seguinte,

dos 20, somente 15 já estavam lá na semana anterior. Por isso,

há esse medo constante de se unir ao sindicato e um medo

muito maior de não conseguir trabalho se o empregador souber

que se sindicalizaram. Dependendo da agência de mão-de-obra,

os trabalhadores são demitidos por se unirem ao sindicato,

embora isso nunca seja admitido. Podíamos recrutar os

temporários, e a Nestlè não estava muito preocupada com isso.

Na verdade, muitos gerentes pensavam que isso seria bom para

a empresa porque o sindicato então teria que se preocupar com

os temporários e pararia de fazer pressão para eliminar essa

forma de contratação. Mas nós conscientizamos tanto os

temporários quanto os trabalhadores permanentes de que a

resistência era o melhor para ambos, pois não estaríamos

tentando nos livrar das pessoas contratadas pelas agências e

sim conseguir para elas empregos diretos na Nestlè.

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Escolha sua estratégia

Em cada caso será necessário determinar a estratégia correta para seu sindicato e sua situação.

Os sindicatos buscam uma variedade de estratégias, algumas vezes combinando-as de diferentes

formas. Estratégias que os sindicatos já usaram com sucesso são listadas abaixo:

1. Negociações coletivas

É um princípio básico do sindicalismo que TODAS as alterações que afetam a

organização do trabalho e os termos e condições de emprego devem ser tratados

em processos de negociação coletiva. Nunca esqueça que esse princípio é

definido por leis internacionais! Negociações serão necessárias em quase todas

as situações. Tudo está sujeito a negociação. Isso inclui, por exemplo, as

condições de manutenção de departamentos dentro da empresa, condições de

regularização de trabalhadores precários, e as condições em que seu sindicato

pode aceitar uma reestruturação negociada. Prepare-se adequadamente – estas

questões são tão importantes quanto quaisquer outras negociações de acordo

coletivo!

2. Monitoramento contínuo das cláusulas existentes e da

negociação em andamento

Depois que tiver negociado um acordo é preciso monitorar e garantir sua

implementação. Todo acordo deve ter um processo de monitoramento! Se o

acordo estabelece seu direito de negociar mudanças, o acompanhamento deve

ser garantido. (veja o exemplo do acordo do Amwu, na Parte III).

3. Ação judicial

Há situações em que ações judiciais podem ser usadas com sucesso para

contestar a terceirização:

a) quando a legislação no seu país regular a terceirização de uma forma que

estabeleça limites ao processo e/ou dê ao sindicato direitos especiais na

negociação do processo de introdução da terceirização. Se a empresa violar

esses direitos, uma ação legal deve ser iniciada.

b) quando a empresa de terceirização ou a empresa violar direitos dos

trabalhadores terceirizados, você pode pressionar ambas as empresas com

ações legais e combiná-las a uma campanha para regularizar esses

trabalhadores.

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UITA

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PARTE V Combate à terceirização e ao trabalho precário: os primeiros passos

c) algumas vezes é possível encontrar brechas na legislação para provar que

esses trabalhadores deveriam ser funcionários regulares e que sua situação

atual é na verdade ilegal (veja o exemplo do sindicato ligado à Coca-Cola,

no Paquistão, na Parte III)

4. Ação no local de trabalho

Qualquer campanha pelos direitos de trabalhadores terceirizados e/ou precários

ou de resistência à terceirização depende da disposição dos filiados do sindicato

de lutar. Formas diferentes de atividade no local de trabalho podem ser usadas

de modo criativo para aumentar a solidariedade e para pressionar a direção da

empresa em reivindicações específicas. Essas formas podem incluir petições,

buttons/distintivos/broches, protestos, interrupções do trabalho e greves. Essas

ferramentas podem ser usadas em combinação com outras ações, como buscar

a cobertura pela mídia ou ações solidárias de outros sindicatos e/ou comunidade.

Essas ações precisam ser planejadas com cuidado. Tenha sempre em mente as

possíveis reações da direção da empresa, do público, dos trabalhadores

sindicalizados e não sindicalizados!

Planeje sua estratégia com cuidado em reuniões, antes de dar início a qualquer

atividade. Tenha certeza de que os membros estão informados sobre os próximos

passos e sobre a estratégia existente por trás deles!

5. Campanhas públicas

Campanhas públicas podem e devem acompanhar as atividades pela garantia

de emprego. A maioria das pessoas entenderia de imediato a necessidade de

haver segurança em relação ao emprego. O que muitos não entendem, contudo,

é a extensão do dano causado pelas corporações transnacionais ao emprego

estável. É aí que uma campanha de mídia é necessária!

Sua estratégia de mídia deve ser incorporada a sua estratégia de campanha.

Inclua isso em seu planejamento!

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6. Encontre e trabalhe com aliados:

Na luta contra o trabalho precário e a terceirização, você precisará do apoio de

aliados confiáveis, que compartilhem seus objetivos e métodos e compreendam

que esta é uma causa comum. Esses aliados incluem:

� a divisão territorial ou a seção local de seu sindicato,

� seus colegas de sindicato em outras fábricas da empresa,

� outros sindicatos que lidam com a mesma empresa de terceirização,

� o público – jornalistas interessados no assunto, ongs e organizações

comunitárias envolvidas em questões trabalhistas, desemprego, pobreza

urbana, mobilização de jovens, etc.

Analise seus pontos fortes e fracos

Antes de começar uma campanha, tenha uma idéia clara de seus pontos fortes e fracos. Não

desanime ao descobrir alguns pontos fracos – use a oportunidade para procurar se tornar mais

forte. Identificar os pontos fracos não deve impedir a sua ação. O que é importante é que haja

um processo de avaliação como parte do desenvolvimento da estratégia sindical. Nenhum

sindicato do mundo responderia “sim” a todas as perguntas abaixo.

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UITA

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1. Coleta de informações

Obtemos regularmente as informações de que precisamos junto à direção da empresa?

Temos outras fontes confiáveis de informação para verificar as informações que recebemos dadireção da empresa e para fornecer as informações que não conseguirmos de outra forma?

Os filiados de nosso sindicato nos repassam as notícias e rumores?

2. Análise

Compreendemos totalmente as informações que recebemos?

Há pessoas confiáveis e solidárias a quem podemos pedir apoio?

3. Distribuição da informação

Há quadros de aviso em número suficiente no local de trabalho?

Temos experiência na distribuição de informações escritas?

Podemos obter ajuda na produção de materiais escritos?

Temos dinheiro e outros recursos para produzir materiais impressos?

É possível fazer reuniões em todos os departamentos do local de trabalho?

Podemos nos comunicar livremente com os filiados do sindicato?

Os filiados do sindicato têm tempo para participar das reuniões? Eles são liberados do trabalhopara as reuniões?

Os filiados do sindicato podem participar de reuniões fora do trabalho?

4. Mobilização

Os filiados do sindicato consideram a questão importante?

Os filiados do sindicato estão preocupados o suficiente para agir a respeito?

Podemos protegê-los de retaliação quando agirem?

Temos experiência em organizar protestos?

Há pessoas que podem contribuir com as ações (música, teatro, posters, etc.)?

Temos contatos confiáveis com organizações que podem nos apoiar – outros sindicatos, ongs,jornalistas?

Somos capazes de apresentar a questão ao público como justificável e importante?

Temos um fundo de greve ou um fundo solidário?

Temos os recursos necessários para lançar e manter a campanha?

Procure avaliar honestamente seus pontos fortes e fracos. Faça anotações

sobre porque você selecionou cada opção. Discuta seus pontos fracos: o

que você poderia fazer para fortalecer sua posição?

PARTE V Combate à terceirização e ao trabalho precário: os primeiros passos

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5. Negociação

Há espaço para negociar a questão?

Temos experiência em negociação?

Podemos obter apoio externo para as negociações (organizações sindicais superiores, especialistas,advogados)?

Podemos obter as condições adequadas para negociar – tempo e preparação suficientes e umnegociador confiável que manterá seus compromissos?

Estamos devidamente preparados – temos a informação, argumentos, limites mínimos e máximosque queremos atingir?

Nossos membros terão paciência para apoiar um longo processo de negociação?

Se um mediador for envolvido, podemos ter certeza de que é confiável?

6. Questões legais

Há possibilidade de contestar legalmente as decisões/práticas da direção da empresa?

A justiça está apta para uma decisão justa?

Temos meios para manter uma ação legal por um longo tempo (advogados, outros custos)?

Temos força para usar questões legais para preparar campanhas?

Temos força para implementar as decisões judiciais?

As chances de uma decisão judicial favorável são maiores que as chances de uma decisão comconseqüências negativas?

Conclusões

Os passos de 1 a 3 são pré-requisitos para o sucesso.

Não há ativismo que possa compensar a ausência de informações precisas e confiáveis. Se não

puder analisar os documentos complexos que a direção das empresas às vezes fornece, você

poderá ser enganado. Procure ajuda!

Manter uma comunicação constante com os sindicalizados é essencial para garantir o sucesso.

E, em caso de vitória, é importante que os filiados ao sindicato e os trabalhadores precários

saibam que o sindicato foi o responsável pelos ganhos.

Os passos de 4 a 6 podem ajudá-lo a descobrir a estratégia mais adequada para a sua situação.

Saber que você é mais forte em algumas áreas que em outras pode ajudá-lo a determinar qual

estratégia adotar.

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UITA

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A UITA

A UITA é uma federação sindical mundial composta, em média, por 360 sindicatos, espalhados por todoo mundo, que representam trabalhadores dos setores da alimentação, agricultura, hotéis, restaurantes,fornecimento de comida pronta, bebidas e tabaco.

Desde setembro de 2004, a UITA participa de ações internacionais coordenadas de organização edesenvolvimento sindical no interior da Nestlé e da Coca-Cola, através da Iniciativa da OrganizaçãoMundial Nestlé/Coca-Cola, com o apoio da Federação Norueguesa de Sindicatos (LO) e a Friedrich-Ebert-Stiftung (FES) da Alemanha. A partir de maio de 2006, com o apoio da Federação Holandesa deSindicatos (FNV), a iniciativa se expandiu para incluir a Unilever e a Heineken. Estas atividades estãobaseadas no trabalho já existente em cada região e são reforçadas, através do fornecimento de umacontinuidade e de uma possibilidade de sustentação, pela presença de coordenadores regionais dedicados.

Os dados para o contato com os coordenadores regionais são os seguintes:

Secretaria Geral UITA

Rampe du Pont-Rouge 8CH-1213 Petit-Lancy (Genebra)

SuíçaRon Oswald, Secretário Geral

Jacqueline Baroncini, Coordenadora NestléTel: + 41 22 793 22 33

[email protected]

ÁFRICA

Cuana AngulaSecretaria Regional Africana - UITATraduna Centre, 5th Floor118 Jorrisen StreetBraamfontein 2017JohannesburgoÁfrica do SulTel: +27 11 339 43 [email protected]

Siméon DossouCSA-BENIN06 BP 1748CotonouBeninTel: +229 [email protected]

ÁSIA/PACÍFICO

Hidayat GreenfieldSecretaria Regional da UITA377-383 Sussex Street, rm 5, 8th flLabour Council BuildingSydney NSW 2000AustraliaTel: +61 2 9264 [email protected]

AMÉRICA LATINA

Beatriz Sosa-Martínez e Ariel CelibertiSecretaria Regional Latino-americana (Rel-UITA)Wilson Ferreira Aldunate 1229/20111100 MontevidéuUruguaiTel: +598 2 900 74 [email protected]@rel-uita.org

SUDOESTE DA EUROPA

Ildikó KrénJokai utca 2H – 1062 BudapestHungriaTel: +36 1 301 90 [email protected]

RÚSSIA E CEI

Gisela NeunhöfferEscritório da UITA em MoscouPalace of Trade Unions, Room 34-27Leninskii Prospekt 42119119 MoscouFederação RussaTel: + 7 495 938 86 [email protected]

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Esse manual foi preparado para sindicalistas do setor de alimentos e de bebidas que

enfrentam o desafio da terceirização e da informalidade, a contratação de mão-de-obra

temporária e outras formas de emprego “precário”. O objetivo é oferecer aos líderes sindicais,

representantes sindicais de base, pessoal de treinamento, organizadores e ativistas, uma

ferramenta de organização para aumentar a conscientização em relação aos perigos da

terceirização e da informalidade, e para a mobilização de uma reação eficaz por parte dos

sindicatos.

União Internacional de Trabalhadores da Alimentação, Agrícolas,

Hotéis, Restaurantes, Tabaco e Afins (UITA)