teorias e vivencias no ensino de geografia

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teorias

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  • TEORIAS E VIVNCIAS DE ALGUNS ESPAOSEDUCATIVOS: MEMRIAS DAS AULAS DE GEOGRAFIA NO

    ENSINO FUNDAMENTAL

    Leonardo Moreira Ulha

    Mestre em Geografia pela Universidade Federal deUberlndia. Professor de Geografia na Universidade Estadual

    de Gois.

    RESUMO: Este artigo definiu-se a partir da preocupao emidentificar as razes do desinteresse/desestmulo dos alunos,em geral, pela Geografia. Trata-se de, com base em nossa vivnciade estudante secundarista dessa disciplina, discutir e analisaras metodologias de ensino utilizadas por alguns de nossosprofessores em suas prticas pedaggicas.

    PALAVRAS-CHAVE: Ensino de Geografia. Metodologias deensino e prticas pedaggicas.

    ABSTRACT: This article arose from the concern aboutidentifying the reasons for students disinterest / discourage, ingeneral, in Geography. It deals with, based in our experience asa high school student of this subject, discussing and analysingthe teaching methodologies used by some of our teachers intheir pedagogical practices.

    KEYWORDS: Geography Teaching. Teaching Methodologiesand Pedagogical Practices.

  • 116 Olhares & TrilhaS ~ Uberlndia, Ano VII, n. 7, p. 115-124, 2006

    Algumas primeiras palavras

    A profisso de professor , de fato, muito rica em experincias.Pensando nisso, elaboramos este artigo como um testemunho devida, na tentativa de apresentar os caminhos que trilhamos narea de ensino, com seus desafios, claro, mas, igualmente,acreditando que possvel modificar a realidade.

    Nossos valores subjetivos de pesquisador, sem dvida, fortese presentes neste trabalho, no lhe negam o carter cientfico.Procuramos explicit-los, claramente, a fim de que possam serdiscutidos, criticados e relacionados s metodologias de ensinoda Geografia. a expresso de um estudo que agregasubjetividade, sendo, ao mesmo instante, Cincia, como ressaltaByington (1996, p. 56, grifos do autor),

    [...] se vocs quiserem uma vivncia holstica, se vocs quiseremfazer cincia luz da modernidade, vocs tm que procurar essaligao da pesquisa com seus sonhos, suas emoes, com suasesperanas, com seus interesses pessoais, com suas motivaespolticas, sociais, mas absolutamente nica dentro de vocs.

    Foi vivenciando a Geografia nos momentos em que ramosestudante, em nvel fundamental, que mergulhamos na idia debuscar objetividade aos espaos de formao. Por isso,vislumbramos em nossas experincias mais um instante deaprendizado.

    Falar do ensino da Geografia, da falta de motivao dos alunospor esta disciplina, das metodologias utilizadas por essesprofessores, falar de mim.2 ressaltar o incio de minha formaoe atuao profissional, expor parte de minha vida, desnudar-meum pouco. Isto no fcil... (RUA, 1992).

    Primeiros contatos com a escola e o ensino da Geografia: ainfluncia familiar e a experincia de estudante

    No nossa inteno dizer que o homem um produto domeio; estamos distantes de qualquer determinismo. Mas, emalguns aspectos, o meio (cultural) influencia no que diz respeitoa certos comportamentos e escolhas.

    O fato de nascermos em uma famlia em que vrias pessoasexerciam atividades profissionais ligadas rea da Educaotambm contribuiu para que nos tornssemos professor. Nossaav paterna, Irene Arajo, dedicou grande parte de seu tempo aoensino da Lngua Portuguesa. Primeiro, como professora doensino primrio e, posteriormente, do antigo ensino ginasial.Formou-se no ano de 1929, na cidade de Viosa, e exerceu aatividade de professora at 1969. Lecionou, inclusive, para todosos 14 filhos, dentre os quais, seis seguiram a mesma profisso.

    Aps a sua aposentadoria, continuou no exerccio dasatividades de ensino. Desta vez, reservado aos netos. Recordamoscom saudade a poca em que chegvamos em sua casa e ela nosrecebia em sua mesa cheia de livros e papis. No raramente,ficvamos toda a manh fazendo os deveres ao seu lado, sempreextremamente dedicada aos ofcios que envolviam o aprendizado.Certamente, isto interferiu em nossa escolha profissional.

    Por outro lado, fazemos parte da gerao em que o alunoinicia a vida escolar concomitantemente aos primeiros passos.Por isso, impossvel no ressaltar o que vivenciamos eaprendemos ao longo desta trajetria, como educando.

    Aos trs anos de idade, no ano de 1979, fomos matriculadosem uma instituio educacional chamada Coqueirinho, localizadano municpio de Timteo, regio leste do estado de Minas Gerais.Desta poca, guardamos certas lembranas, as quais acreditamos

    2 Embora seja uma tradio o uso da terceira pessoa em textos acadmicos, por vezes, adotamos a primeira pessoa para explicitar/narrar um fato/acontecimento que nos singular; uma experincia vivenciada unicamente pelo autor.

  • 117Uberlndia, Ano VII, n. 7, p. 115-124, 2006 ~ Olhares & TrilhaS

    que contriburam para nosso direcionamento na carreira domagistrio.

    Na verdade, ramos alunos inquietos em sala de aula. Raros osdias em que nossos pais no recebiam um telefonema da parte dosdiretores da escola, em razo de desrespeito s regras escolares.s vezes, eram as brigas com os colegas, outras, com a prpria tiaCludia. ps! Algum disse tia? Ah! professora Cludia.

    Ignoremos, momentaneamente, as discusses tericas acercade tia e professora. De qualquer forma, sempre nos recordamosda professora Cludia como tia. Utilizvamos este tratamento demaneira carinhosa, em face da afetividade e pacincia que tinhapara conosco. Parafraseando o cantor e compositor Toquinho(2001), diramos que foi ela quem nos seguiu dos primeiros rabiscosao b-a-b, esteve presente em todos os desenhos coloridos eajudou a resolver nossos problemas. Mexendo no ba da memria,nos lembramos de nosso encantamento diante de sua prticapedaggica: as brincadeiras, as msicas e os jogos. Talvez fosseeste o motivo de tanta agitao na classe.

    Com base nestas reminiscncias, no h dvida de que osprimeiros contatos do aluno com a escola fazem a diferena namotivao para os estudos subseqentes. O professor, por meiode sua prtica, articulada sua teoria, pode despertar maiorinteresse na busca do conhecimento. Do mesmo modo, poderdesmotivar e dificultar o acesso ao saber, dependendo de suasmetodologias de ensino.

    [...] Entendemos metodologia como a articulao de uma teoria decompreenso e interpretao da realidade com uma prtica especfica.Essa prtica especfica pode ser, no caso, o ensino de umadeterminada disciplina. Quer dizer, a prtica pedaggica as aulas,o relacionamento entre professores e alunos, a bibliografia usada, osistema de avaliao, as tcnicas de trabalho em grupo, o tipo dequestes que o professor levanta, o tratamento que d sua disciplina,a relao que estabeleceu na prtica entre a escola e a sociedade

    revela a sua compreenso e interpretao da relao homem-sociedade-natureza, historicamente determinada, constituindo-seessa articulao a sua metodologia de ensino (FISCHER, 1976, s. p.).

    Da primeira quarta srie do ensino fundamental (1982-1985),conhecemos as disciplinas pertencentes ao programa curricularda poca: Comunicao e Expresso, Matemtica, Iniciao sCincias e Integrao Social que, posteriormente, tornou-seEstudos Sociais. De todas, essa ltima suscitava o meu maiorinteresse. Na realidade, era uma mistura de Histria e Geografia,um contedo mal definido, que ora abordava datas comemorativase fatos importantes da nao brasileira, ora descrevia capitais epases. Mesmo assim, sentamos certo contentamento ao estud-la.

    A implantao da Lei 5692, no ano de 1971, excluiu as disciplinasde Geografia e Histria do ensino bsico, por consider-lassubversivas, e as substituiu pelos Estudos Sociais. O maiorinteresse da disciplina Estudos Sociais era fazer propaganda doregime militar, buscando a formao de uma cidadania que estivesseatrelada a esta ditadura. Conta-nos Freire (2003a, p. A2) que,

    [...] nos anos 70, as escolas de So Paulo ensinavam a Revoluo de1932, a guerra da elite paulista contra a incipiente ditadura de GetlioVargas. Nove de julho, dia da ecloso da revoluo, feriado noEstado. [...] Ensinavam o que era o movimento MMDC (Martins,Miragaia, Drauzio e Camargo, rapazes mortos em protesto pr-Constituinte) e sentimentalices. O enfoque era paulista-nacionalista,provinciano, fruto ainda da influncia da comunho da velha elitepaulista. Na ditadura, nos perfilavam em atitude militar para ouviro Hino Nacional. Havia aulas fascistinhas de moral e cvica. Cadapoca tem sua mania ideolgica e o seu horror didtico [...].

    Ademais, a prtica pedaggica estava centrada no livrodidtico, repleto de questionrios com perguntas e respostas

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    programadas. O modelo tradicional3 de ensino transformava oprofessor em detentor de todo o conhecimento. Os alunos apenasassimilavam o contedo, sem intervir nas explicaes. Isso nosfaz questionar: como pode o professor no perceber que suaprtica pedaggica no pode ser neutra? Freire (2003b, p.102)nos d pistas desta questo, ao sugerir que preciso uma tomadade posio. Deciso. Ruptura. [...] no posso ser professor afavor de quem quer que seja e a favor de no importa o qu.

    Aprendizado e memorizao possuam a mesma conotao.Por conseqncia, o sistema de avaliao da Geografia refletia ouso dessas metodologias. Inmeras vezes decorvamos enormeslistas de exerccios para a realizao de testes avaliativos, osquais iriam verificar o nvel de aprendizado. Aqueles que noalcanavam a mdia estabelecida pela escola, certamenteescutariam dos pais: Estudos Sociais matria de estudo voc no conseguiu nota? Esta frase to conhecida, pronunciadaainda hoje no meio acadmico, remete idia de que em Geografiae Histria no h nada para se aprender, basta ter boa memria. Eisso lamentvel, na medida em que essa idia gera grande rejeioem relao a essas disciplinas por parte de inmeros estudantes.

    Todo mundo acredita que a Geografia no passa de uma disciplinaescolar e universitria, cuja funo seria a de fornecer elementos deuma descrio do mundo, numa certa concepo desinteressadada cultura dita geral [...]. Pois, qual pode ser de fato a utilidadedessas sobras heterclitas das lies que foi necessrio aprender nocolgio? As regies da bacia parisiense, os macios dos Pr-Alpesdo Norte, a altitude do monte Branco, a densidade da populao daBlgica e dos Pases Baixos, os deltas da sia das Mones, o climabreto, longitude-latitude e fusos horrios, os nomes das principais

    bacias carbonferas da URSS e os dos grandes lagos americanos, atxtil do Norte (Lille-Roubaix-Tourcoing), etc. E os avs a lembrarque outrora era preciso saber seus departamentos, com suascircunscries eleitorais e subcircunscries [...] Tudo isso servepara qu? (LACOSTE, 2001, p.21).

    Segundo Fonseca (1995, p. 11), algo similar ocorreu na Histria.

    [...] pais, alunos e muitos professores encaravam Histria comounicamente o estudo do passado, dos grandes homens e heriscristalizados no social. Ou seja, o contedo da disciplina de Histriaaparecia como algo totalmente externo vida deles, que no lhesdizia respeito, logo, para muitos, Histria no servia para nada eno devia existir no currculo.

    Da quarta para a quinta srie (1986), iniciou-se uma novaetapa em nossa formao. Estudar no turno matutino e estar entreos adolescentes significava maturidade e desenvolvimento.Porm, havia um descompasso no processo ensino-aprendizagemdessas sries: oito disciplinas compunham a grade curricular.Conseqentemente, mais professores, cada um com seu estilo edidtica. Tnhamos a impresso de no conseguir acompanharestas mudanas.

    Entretanto, foi na quinta srie que, efetivamente, constatamosnossa predileo pela Geografia. Embora a prtica da professorafosse ao encontro da Geografia tradicional,4 conseguia,paulatinamente, atrair a ateno de um pequeno nmero de alunosao longo de suas aulas. Com freqncia, acrescentava textoscomplementares aos assuntos estudados. tima idia seria nofosse o dispendioso tempo empregado para copi-los. um erro

    3 Neste modelo de ensino, as aulas so centradas no professor e exige-se a memorizao de informaes factuais, por parte do aluno.4 A Geografia vista como o ramo da cincia que encarregava-se da descrio da superfcie terrestre, privilegiando seus aspectos fsicos, embora no

    desconsiderasse o homem, a sociedade, geralmente as abordava de maneira abstrata.

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    grave o excessivo tempo que o professor utiliza escrevendo noquadro, os alunos copiando e respondendo a perguntasdesinteressantes 25% a 47% do tempo de aula (CASTRO, 2002).

    No nos recordamos de atividades que envolvessem o usode mapas e globo terrestre. A professora desconsiderava oudesconhecia a importncia de aprendermos relaes espaciais.Trabalhos de orientao e localizao eram prticas ausentes.Exerccios simples, porm importantes, como a elaborao de mapamental, no estavam ligados educao geogrfica.

    Algumas vezes fazamos cpias de mapas. Colocvamos afolha do caderno sobre um livro ou altas, perfazendo os contornosde um pas ou continente. Colorir estes mapas era um momentode diverso e recreao. Querendo inovar, inventvamos legendase smbolos. A grosso modo, isso contribua para que tivssemosuma idia da representao do mundo. De fato, no entendamossua utilidade e o seu significado.

    importante lembrar:

    [...] para que um mapa possa cumprir sua tarefa, os alunos devemaprender a sua leitura. Para tal necessrio, alm do domnio dastcnicas de representao, da linguagem especfica cartogrfica, umasensibilidade geogrfica. Os smbolos e os signos empregados nosmapas freqentemente apresentam uma natureza pictrica,representando situaes, fatos e dados nem sempre claramenteexpressos e muitas vezes de difcil mensurao. Para que esta situaoseja amenizada, os mapas devem fazer parte do cotidiano escolar eno apenas serem includos nos dias especficos de geografia. Avivncia com os mapas deve ser vista como uma possibilidadeadmirvel de comunicao (CASTROGIOVANNI, 2000, p. 31).

    As aulas expositivas eram monoplio da professora, nohavia interao com os alunos. No eram dinamizadas via dilogo,de modo a incitar o raciocnio e a reflexo. Tornava-se ntida apreferncia pelos temas que se relacionavam s caractersticas

    fsicas da superfcie terrestre. A concepo tradicional do ensinode Geografia abordava basicamente a descrio da paisagem. Osassuntos eram tratados de modo isolado, omitindo as relaesdos seres humanos com a natureza. A narrao desta anedota pertinente:

    E, ento, o bandido, de revlver em punho, aborda o casal, quenamorava no carro:

    - Mos ao alto! E, dirigindo-se ao homem:- Quais so os afluentes da margem direita do Rio Amazonas?- O homem, titubeando: Javari, Juru, Perus... (disse todos)O bandido, atnito, retira-se e desiste do assalto.A mulher, radiante, beija o marido.Este, satisfeito exclama:- No te disse que isto ainda serviria para alguma coisa? (RUA,1992, p.11).

    Isso posto, Rua no pretende desqualificar o ensino daGeografia; pelo contrrio, quer exemplificar como a opo poruma linha terico-metodolgica neste caso, a GeografiaTradicional pode apresentar aquilo que de bom possui. O autor,inclusive, no a desconsidera, pois, segundo seu relato, aGeografia Tradicional

    [...] deixou marcas profundas das quais no pretendo abrir mo oamor ao trabalho de campo, pesquisa emprica e o grande acervode informaes que procuro atualizar. [...] Muito atacada tem sido,considerada pouco cientfica (num certo sentido mesmo),reacionria, pretensamente neutra, mesmo assim no renego o quedela me ficou (RUA, 1992, p. 1).

    Em todo caso, pouco acrescentou nossa formao memorizarenormes listas de rios que fazem parte das bacias hidrogrficas

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    brasileiras, sendo que um dos mais importantes aspectos nestecontedo foi negligenciado: aprender como esses rios influenciama vida da populao sua volta. Do mesmo modo, seria essencialaprendermos a interpretar os mapas destas bacias hidrogrficas.Do contrrio, os rios continuam fluindo, e seus nomes esquecidos.Freire (2003b, p. 56-57) confirma essa nossa idia quando afirmaque: O educador que, ensinando geografia, castra a curiosidadedo educando em nome da eficcia da memorizao mecnica doensino dos contedos, tolhe a liberdade do educando, a suacapacidade de aventurar-se. No forma, domestica.

    Os conceitos geogrficos raramente nos remetiam nossarealidade; estavam distantes da vivncia cotidiana.

    Existe ainda pouca aproximao da escola com a vida, com o cotidianodos alunos. A escola no se manifesta atraente frente ao mundocontemporneo, pois no d conta de explicar e textualizar as novasleituras de vida. A vida fora da escola cheia de mistrios, emoes,desejos e fantasias, como tendem a ser as cincias. A escola pareceser homognea, transparente e sem brilho no que se refere a taiscaractersticas. urgente teorizar a vida, para que o aluno possacompreend-la e represent-la melhor e, portanto, viver em buscade seus interesses (CASTROGIOVANNI, 2000, p. 13).

    Nesse sentido, no podemos negar, fomos geograficamentealfabetizados no perodo em que a Geografia Tradicionalpreponderou no sistema escolar.

    Podemos, ento, afirmar que, em decorrncia dasmetodologias empregadas, de modo geral, havia certodescontentamento e desinteresse por parte da maioria dos alunos.Ora, um ensino de carter mneumnico, com pilares solidificados

    na decoreba e ausente de reflexes, mesmo intolervel. Dessaforma, precisamos concordar com Schimidt, que explica:

    [...] a sala de aula no apenas um espao onde se transmiteinformaes, mas onde uma relao de interlocutores constroemsentidos. Trata-se de um espetculo impregnado de tenses em quese torna inseparvel o significado da relao teoria e prtica, ensinoe pesquisa. Na sala de aula se evidencia, de forma mais explcita, osdilaceramentos da profisso de professor e os embates da relaopedaggica (SCHIMIDT, 2001, p. 57).

    Paralelamente, o ensino de Geografia no proporcionava umenfoque poltico da sociedade. As transformaes que ocorriamno espao geogrfico estavam merc dos agentes naturais,desconsiderando-se o papel da ao humana. Isso lastimvel,o espao no se desvincula de uma abordagem poltica.

    Em sntese, essa caracterstica advm da prpria histria dopensamento geogrfico, particularmente quando os gegrafosdesvincularam-se dos cartgrafos e dos fenmenos polticos, apartir do final do sculo XVIII. Nessa perspectiva, acreditaramque a Geografia seria reconhecida como cincia.

    Cette exclusion du politique (je dis bien le Politique et non laPolitique), a eu aussi pour effet dloigner les gographesuniversitaires de toute ide daction et des les couper de cettegographie fondamentale qui est pour lessentiel une gographieactive avant la lettre et qui a continue de se dvelopper, y comprisla cartographie, en dehors des estructures universitaires, dans desorganismes dpendant directement de lapareil dEtat (LACOSTE,1981, p.52).5

    5 Essa excluso do poltico (eu disse claramente o poltico e no a poltica) teve como efeito distanciar os gegrafos universitrios de toda a idia de aoe priv-los dessa geografia fundamental que , no que possui de essencial, uma geografia ao p da letra e que continuou a se desenvolver, a

    compreendendo a cartografia, fora das estruturas universitrias, nos organismos que dependem diretamente do aparelho do Estado (Traduo da autora).

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    Aps a experincia vivenciada como aluno de ensinofundamental, e o aprimoramento intelectual adquirido no decorrerdos estudos universitrios, verificamos como a desarticulaoentre a Geografia fsica e a Geografia humana favorecem um ensinosem motivao. De fato, a Geografia necessria no pode servista como o estudo de um espao esttico, de formas imutveis,isento da ao humana (NUNES, 1997, p.19). A compreenso doespao ocorre necessariamente por meio da anlise do natural e dosocial. Se cada parte age sobre a outra, como separ-las? Na prtica

    [...] il faudrait sefforcer darticuler le plus possible la gographiephysique et la gographie humaine en fonction des problmesconomiques, sociaux et politiques, tels lingal dveloppement etla dgradation des milieux de vie, tude des problmes urbains, deceux de lnergie et, mieux encore, tude des diffrents systmesconomiques, sociaux et politiques; tude de lorganisation dumonde, le rle des grandes puissances et des grandes firmes(LACOSTE, 1976, p.18). 6

    Tal posio tambm est expressa nas palavras de Kaercher(1999, p. 11), ao afirmar que

    A relao sociedade-natureza indissocivel / eterna (logo no hporque falar em geografia fsica se contrapondo geografia humana).A prioridade ser dada em entender como e por que os seres humanosmodificam os espaos em que habitam conforme as relaes sociaisque estabelecem entre si. Entender a dinmica social fundamental,pois a partir dela que se constroem as paisagens. E no existe relaoque se d fora do espao, que prescinda da natureza (1999, p. 11).

    Esse , pois, um grande desafio a ser superado pelosprofessores.

    A partir da sexta srie (1987), outro professor assumiu oscontedos desta disciplina. Com isso, novas experinciasmetodolgicas ocorreram. Incorporava, em sua prtica, problemase debates. Quando ocorriam, modificava-se o ambiente de estudo.Muitos alunos queriam exprimir seu testemunho e opinio. Eranotrio que os estudantes se mostravam mais interessados eparticipativos. Em contrapartida, isso exigia maior rigor doprofessor. Em determinados momentos, havia divergncia deidias, conseqentemente, um tumulto generalizado. Da umaquesto conduta do professor: deixar falar ou fazer calar?

    Via de regra, as aulas ministradas por nossos professoresnos adestravam ao saber fazer, menosprezando o ato de pensar,questionar e duvidar. Para entender a complexidade do mundo,copiar textos no fundamental. As aulas de Geografia no devemse tornar um monlogo em que o professor fala para ele mesmo,pois no confronto com os outros que construmos nossoconhecimento.

    A metodologia socrtica de aprendizagem deixa claro que odilogo e a discusso podem romper com a ignorncia e atingir oconhecimento pelo uso da razo. Por isso mesmo, Scrates foiacusado de corromper a juventude, medida em que incitavareflexes e, por isso, foi condenado morte. O professor devepropor alternativas e no apenas dar contedos, forar o alunoa pensar o novo e no apenas dizer o que j foi dito; enfim,extrapolar a aula-base (KAERCHER, 2000).

    Indubitavelmente, a maneira de trabalhar certos contedospoder desencadear reaes de euforia. Estar alm de um ensino

    6 Seria preciso esforar-se para articular o mais possvel a geografia fsica e a geografia humana em funo de problemas econmicos, sociais e polticos,tais como o desigual desenvolvimento e degradao dos meios de vida, estudo dos problemas urbanos, como os de energia e, melhor ainda, o estudo dos

    diferentes sistemas econmicos, sociais e polticos; o estudo da organizao do mundo, o papel das grandes potncias e das grandes empresas(Traduo da autora).

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    tradicional implica em uma reestruturao do ambiente escolar.Caber ao professor planejar-se e mediar os conflitos que,certamente, permeiam nosso cotidiano. Talvez, por isso mesmo,alguns profissionais preferem a inrcia de uma aula em quesomente eles usam a palavra.

    Uma nica vez, j na stima srie, estudamos um assuntovinculado mdia. Era o ano de 1988: ocorria a guerra entre o Ire o Iraque. Os meios de comunicao projetavam imagens dospases em intensos bombardeios. verdade que, freqentemente,estes acontecimentos so utilizados pelos canais televisivos comomero espetculo, a fim de aumentar a audincia.

    De qualquer maneira, ns, alunos, estvamos expostos a estesnoticirios. Isso instigava nossa curiosidade: mapas digitais,poderes armamentcios, milhares de mortos e culturas sendomassacradas. Enfim, eram os interesses polticos desencadeandotransformaes no espao geogrfico. No entanto, a temticano foi suficientemente explorada em sala de aula. O professorno utilizava as imagens da guerra para fazer debates, nemdiscusses. De modo simplrio, redigimos uma redao. Emseguida, cada aluno pde apresent-la. Perdemos,verdadeiramente, um momento ideal de abordar politicamente oespao geogrfico.

    Assim, conclumos o ensino fundamental. Mesmo que osprofessores no tivessem conseguindo estimular a ateno dosalunos para a Geografia, fizemos parte daqueles poucos que aescolheram como disciplina significativa compreenso domundo. Hoje, utilizamos nossa prpria histria de vida comoponto de partida, e importante elemento para a transformao daatual realidade do ensino desta cincia. E, apesar dos problemasditos, voltamos a afirmar que a Geografia nos encantava, mesmoquando no possuamos um amadurecimento que nos conduzisses presentes reflexes.

    Algumas ltimas palavras

    Precisamos assegurar o progresso do ensino de Geografia;porm, para isso, necessrio que os professores compreendama verdadeira razo de ser desta disciplina. Nos dias atuais, aGeografia parece ignorada por parte da populao, inclusive entreos prprios educadores. Se, no passado, ela foi um saberindispensvel aos chefes de guerra, aos prncipes e aoscomerciantes, hoje, ao contrrio, no corresponde mais a um saberestratgico, mas a um discurso desprovido de sentido e, porvezes, vago. Saber pensar o espao implica no somente ementender o mundo e seus conflitos, mas, tambm, em compreendera situao local, na qual ns nos encontramos; seguramente,essa uma ferramenta para cada cidado.

    Atualmente, novos caminhos apontam para a necessidadede superao da Geografia Tradicional, isto , aquela Geografiapautada em listas de nomes geogrficos que servem para seremmemorizados. Vencendo este obstculo, almejamos areconstruo do saber geogrfico por meio de um trabalhopedaggico que privilegie a formao de cidados crticos. Paraa eficcia de um outro ensino, precisamos inovar nas metodologiasainda aplicadas nas escolas fundamentais, pblicas e privadas.

    Acreditamos que, por vezes, a averso dos alunos peladisciplina de Geografia decorre dos caminhos que utilizamos paraensin-la. A (re)construo de suas metodologias, a nosso ver,representar um avano no sentido de sua razo de ser, assimcomo uma motivao para vivenci-la.

  • 123Uberlndia, Ano VII, n. 7, p. 115-124, 2006 ~ Olhares & TrilhaS

    BYINGTON, Carlos A. B. A perspectiva cientfica acadmica naperspectiva da pedagogia simblica. In: FAZENDA, Ivani (Org.).A pesquisa e a educao e as transformaes do conhecimento.Campinas: Papirus, 1996, p. 43-73.

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    REFERNCIAS

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