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TEORIA DO “GIRO LINGUÍSTICO” NA HERMENÊUTICA JURÍDICA Manuel de Brito Franco Gonzalez R. A. 31102572

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TEORIAGIRO LINGUSTICO

DO

NA

HERMENUTICA

JURDICA

Manuel de Brito Franco Gonzalez

R. A. 31102572

O movimento filosfico pelo qual o estudo da linguagem comea a ser o centro de pesquisa de vrios filsofos torna o que iremos estudar e o que se trata de uma verdadeira revoluo copernicana, assim como o heliocentrismo alterou profundamente e de forma irremedivel todas as concepes do cosmos no remoto sculo XVI, a valorizao da linguagem colocou em xeque as bases da antiga metafsica, e esse movimento conhecido como Giro lingustico. A reviravolta lingustica do pensamento filosfico do sculo XX se centraliza, ento, na tese fundamental de que impossvel filosofar sobre algo sem filosofar sobre a linguagem, uma vez que esta momento necessrio constitutivo de todo e qualquer saber humano, de tal modo que a formulao de conhecimentos intersubjetivamente vlidos exige reflexo sobre sua infra-estrutura lingustica. A partir da, a linguagem passa a ser vista como aquilo que possibilita a compreenso do indivduo no mundo, de modo que essa mesma linguagem necessariamente fruto de um processo de comunicao envolvendo uma relao de intersubjetividade, isto , onde antes havia uma relao sujeito/objeto, instaura-se uma relao sujeito/sujeito. Alm disso, a prpria linguagem comea a ser compreendida como elemento de mediao das interaes existentes na sociedade. Assim, a linguagem no se resume a uma racionalidade epistemolgica, mas transborda essa esfera ao se apresentar como condio para uma racionalidade prtica, de modo a unir a racionalidade terica a uma racionalidade prtica. O movimento em direo do giro comea com os estudos de Frege, em 1892, porm muito antes j se havia discutido sobre a linguagem, como o caso do Crtilo de Plato, entretanto, sem conceder-lhe qualquer valor maior ou papel relevante. Apenas para exemplificar, existia a teoria convencionalista, para a qual a palavra designava determinada coisa devido a uma conveno e do hbito repetido, coerente com a dualidade de essncia e aparncia, em oposio corrente que defendia uma relao natural entre palavra e coisa. Com a Escolstica e sua tentativa de compreender o mistrio divino da Santssima Trindade, passou-se a defender uma unidade entre o pensar e o falar, sem um ato reflexivo antecedente. Somente com a virada lingustica o foco das investigaes filosficas deixou de ser o sentido presente nas prprias coisas ou na representao intelectual efetuada pela mente, o que corresponde, analogicamente, no raciocnio desenvolvido, to sedimentada teoria geocntrica, passando a se dar na e pela linguagem. A metfora torna-se possvel e inclusive bastante elucidativa diante da constatao de que, desde os primrdios da histria da filosofia, at ento, nunca se havia dado crdito linguagem, uma vez que restrita a um papel secundrio ou instrumental em detrimento da metafsica clssica e moderna, onde at mesmo na era do Iluminismo, com a humanidade tendo pela primeira vez o foco na razo, mas ainda assim a hermenutica e a linguagem no era tema de to importante estudo como veio a ser no incio do sculo XIX com a reformulao de Friedrich Schleiermacher (1768-1834). que fez dela um ramo da filosofia. A partir de tal momento histrico, colocou-se a linguagem no centro de todos os questionamentos filosficos. Se antes, segundo Mendes, a linguagem representava

instrumento de mera designao de objetos, tornou-se uma forma de existncia, a morada do prprio ser. Tudo aquilo que pode ser compreendido linguagem. Nesse sentido, explica Quinaud:

A linguagem passa a ser vista como aquilo que possibilita a compreenso do indivduo no mundo, de modo que essa mesma linguagem necessariamente fruto de um processo de comunicao envolvendo uma relao de intersubjetividade, isto , onde antes havia uma relao sujeito/objeto instaura-se uma relao sujeito/sujeito. Alm disso, a prpria linguagem comea a ser compreendida como elemento de mediao das interaes existentes na sociedade.

Contemporneo da conturbada reviravolta na filosofia do sculo passado e atento a suas profundas alteraes, Hans Georg Gadamer trouxe para a hermenutica a resignificao do fenmeno lingustico na terceira parte de sua obra-prima Verdade e Mtodo, com o ttulo de A virada ontolgica da hermenutica no fio condutor da linguagem. Wilhelm Von Humboldt, renomado filsofo alemo da linguagem, representou uma das maiores influncias do autor estudado nesta breve exposio. Juntamente com Herder e Hamann, foi propulsor da perspectiva da linguagem como constituidora de mundo. Ao deixar de significar uma simples forma de representar a realidade j pr-existente, a centralidade na linguagem tambm move as engrenagens da velha hermenutica, o que foi prontamente notado por Gadamer. Diante da afirmao de que os homens constituem o mundo de forma lingustica, em oposio ao mundo circundante marcado pela ausncia de liberdade, o ser que pode ser compreendido a linguagem, conforme explica Martini:

A linguagem no meio para expor a verdade conhecida; antes disso, ela descobre o que era desconhecido. nele que Gadamer tem o ponto de partida para suas reflexes. Humboldt desvenda o problema da origem da linguagem, dizendo que o mundo s o , a partir dela, visto que se mostra estranho pens-lo como um espao onde, somente em poca posterior, tenha surgido a palavra. Gadamer tambm concorda com o Humboldt, quando este faz da linguagem no apenas um meio de insero do homem no mundo , mas a decorrncia de sua constituio lingustica O mundo s mundo enquanto vem linguagem.

Partindo-se da premissa de que a relao do homem com o mundo se concretiza por meio da linguagem, no h como dissoci-la da compreenso. Logo, a hermenutica se transformou em uma ontologia fundamental, deixando de ser uma mera atribuio de sentido a algo externo. Para Fontana, a linguagem razo de ser da interpretao e no um mero mecanismo, como quer a clssica hermenutica, que a relega a terceiro elemento entre sujeito e objeto. Tambm com olhar atento aos chamados jogos de linguagem desenvolvidos por Wittgenstein, nos quais a palavra possui um significado dentro de determinado quadro ou situao, segundo Bernardo Gonalves Fernandes, estabelece-se uma relao entre realidade e linguagem, no sentido de que um objeto ou afirmao somente pode acontecer dentro de um determinado contexto. No mais deve haver, nos termos de Srgio Ricardo Silva Gacki, um muro entre sujeito e objeto, sentenciando uma total desintegrao ente o investigador e o objeto investigado, mas uma compreenso, intersubjetivamente construda por meio da linguagem, do homem imerso em conexes com fatos, pessoas e coisas. O ser humano quer compreender a si mesmo na sua forma de existncia, portanto, precisa colocar em jogo o prprio ser e suas pr-compreenses. De forma bastante sucinta, pode-se dizer que o autor traz a historicidade como parte integrante de toda compreenso por meio de uma reabilitao dos preconceitos (no sentido de juzos prvios, sem qualquer carga pejorativa) e da tradio. Como ser finito e histrico, naturalmente, h preconceitos legtimos ou justificveis, o que leva a um questionamento antes inexistente. O pertencimento do homem a uma realidade histrica faz com que sua viso de mundo e sua possibilidade de conhecimento partam dos preconceitos que o cercam. , portanto, importantssimo analisar os fatos com outros olhos, repensar as concepes iluministas que extirparam todos os preconceitos em detrimento da aparente certeza de um saber absoluto. No obstante muito se questione acerca das limitaes advindas dos juzos prvios do intrprete, estes constituem o pressuposto de qualquer compreenso. Como a tarefa hermenutica jamais se restringe a uma simples atribuio de sentido ao texto fundado na pr-compreenso, deve-se pr prova os preconceitos. A hermenutica consiste em abertura e a pergunta possibilita exatamente que se questione determinado preconceito. Por diversas vezes, incorre-se em erros e se permite substituir a perspectiva inicial. Deve-se discutir todas as concepes anteriores, de forma a realizar uma fuso entre o horizonte passado e o presente. Compreender um texto significa sempre um projetar, no qual se altera o sentido estabelecido inicialmente, conforme se dialoga com a alteridade do objeto. Inicia-se a leitura com uma determinada expectativa, uma opinio prvia em relao ao objeto de estudo, que a chamada pr-compreenso, a partir da qual se estabelece um projeto de compreenso para o todo. Esta pr-compreenso no subjetiva, visto que as pessoas comungam uma tradio em contnua formao, varivel, construda segundo se participa da tradio e a compreende.

Por sua vez, a tradio, como linguagem, vem fala - um tu. Logo, deve-se diferenciar a experincia do tu, da experincia verdadeiramente hermenutica. A primeira pode se dar sob a forma de conhecimento de pessoas, tornando o tu um objeto de anlise, ou reconhecendo-o como pessoa, porm com referncia ao prprio intrprete. J a segunda forma traduz a abertura para que o outro se mostre. A compreenso busca o entendimento sobre a coisa, o que se d de maneira lingustica. Como a linguagem constitui modo de ser do prprio sujeito que vem fala, preciso deixar que a alteridade se manifeste. Naturalmente, h uma enorme diferena entre o exposto acima e um mero respeito individualidade do outro. Por exemplo, nos dilogos mdicos, o profissional apenas conhece o paciente e suas queixas, sem chegar a qualquer tipo de entendimento. inerente compreenso que esta ocorra de forma produtiva, tornando-se uma estrita necessidade (e at mesmo um pressuposto) o ato de dialogar, de dar abertura para que o outro se mostre. Nesse sentido, a teoria hermenutica de Gadamer tem como foco a linguagem em sua indissocivel correlao com a existncia do homem em suas infinitas possibilidades de manifestao e desvelamento. Assim, a linguagem o meio que permite o acordo. Isso fica visvel nas tradues, nas quais a tarefa hermenutica se torna mais difcil, devido necessidade de adaptar a obra ao contexto do leitor, para que no se perca exatamente o sentido do texto. preciso viabilizar o acordo com uma nova forma de expresso do texto, adequada aos pertencentes a um universo lingustico distinto. Alis, a traduo, segundo Gadamer, guarda grande semelhana com o processo de compreenso. Aquele que traduz realiza uma reiluminao do texto outra realidade, baseada na compreenso que se tem dele. Ressalta-se, mais uma vez, que no se trata de reproduzir o ato reconstrutivo do autor; pelo contrrio, constitui uma interpretao. Tanto assim que a obra traduzida costuma ser mais clara que a verso original e as nuances variam, como no caso do tradutor ressaltar determinados aspectos em detrimento de outros. Outro ponto de contato entre a traduo e a hermenutica reside na distncia temporal. Embora aparea de forma mais exacerbada na primeira, colocar-se de acordo no texto escrito agrega a indispensvel relao de reciprocidade entre autor e texto escrito. Este somente pode vir fala por meio do intrprete, j que representa uma manifestao escrita de uma poca passada, logo, depende do sujeito para ser reavivada e fazer valer sua opinio. Dessa forma, o intrprete deve pesar e sopesar argumentos, inclusive aceitando a possibilidade de que algo v contra si e sua prpria opinio. O entendimento ocorre com a colocao em jogo dos preconceitos do intrprete em relao ao que diz o texto. No se pode falar de uma compreenso correta ou definida, j que o meio do acordo linguagem e a tradio se perpetua por reinterpretaes e releituras ao longo do tempo. A conversao realiza-se por meio de uma fuso de horizontes, ou seja, no h um deslocamento ao horizonte daquilo que se quer compreender, mas uma interligao do passado do texto com o presente do intrprete.

Como se pde constatar, a compreenso est intimamente ligada com a linguisticidade. ingenuidade o intrprete criar conceitos sem investigar sua origem histrica e at mesmo semntica, o que leva a uma subsuno dos fatos aos padres daquele que interpreta. Da mesma forma, a soluo proposta pela conscincia histrica continua inadequada no pretendido deslocamento ao horizonte do objeto, supostamente livrando-o de quaisquer influncias do tempo presente. Reafirmando o que j foi dito, a compreenso pressupe colocar em jogo os preconceitos e ouvir a alteridade do objeto numa mediao que leva ao entendimento. A tradio tambm carece de algumas consideraes, j que sua essncia lingustica. Nas obras escritas, percebe-se uma forma livre e autntica de acesso ao passado. H uma vontade de manuteno e continuidade que permite um conhecimento profundo daquilo que foi transmitido, diferentemente da tradio oral. O texto escrito se perpetua e mantm viva a sua relao com o passado e at mesmo com a humanidade. O fenmeno hermenutico deve ser compreendido em seu aspecto lingustico, tornando-se universal, e relativizando nesse aspecto, a linguagem uma diferenciao que, ao mesmo tempo, constitui uma indiferenciao. No momento em que o sujeito se apresenta ao outro de seu prprio modo e no mesmo instante em que h apenas tal maneira de aclaramento, j que o sujeito s ser compreendido atravs dos mais diversos Giros lingusticos, no existindo outro modo de ser.

BibliografiaLivros:

GADAMER, Hans-Georg. Verdade e Mtodo: traos fundamentais de uma hermenutica filosfica. Traduo Flvio Paulo Meurer. 2. ed. Petrpolis: Editora Vozes, 1998;

LOPES, Ana Maria Dvila. A hermenutica jurdica de Gadamer. Revista de Informao Legislativa, Braslia, n. 145, p. 101-112, jan./mar. 2000.

Internet:

http://periodicos.pucminas.br/index.php/DireitoSerro/article/view/2002/2173; http://www.cbce.org.br/upload/file/gttepistemologia/REAES%20AO %20GIRO%20LINGUSTICO%20Silvio%20Snchez%20Gamboa.pdf; https://www2.mp.pa.gov.br/sistemas/gcsubsites/.../Hermeneutica.pdf; http://revistacult.uol.com.br/home/2010/03/um-pensador-da-razao-publica.