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Bento Herculano Duarte Neto Paulo Henrique dos Santos Lucon Sergio Torres Teixeira 3.ª edição / 2009 Teoria Geral do Processo Esse material é parte integrante do Aulas Particulares do IESDE BRASIL S/A, mais informações www.aulasparticularesiesde.com.br

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Bento Herculano Duarte Neto

Paulo Henrique dos Santos Lucon

Sergio Torres Teixeira

3.ª edição / 2009

Teoria Geral do Processo

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© 2005-2009 – IESDE Brasil S.A. É proibida a reprodução, mesmo parcial, por qualquer processo, sem autorização por escrito dos autores e do detentor dos direitos autorais.

Capa: IESDE Brasil S.A.

Imagem da capa: IESDE Brasil S.A.

D812 Duarte Neto, Bento Herculano. / Teoria Geral do Processo. / Bento Herculano Duarte Neto. Paulo Henrique dos Santos Lucon. Sergio Torres Teixeira. 3. ed — Curitiba : IESDE Brasil S.A. , 2009. [Atualizado até abril de 2009]236 p.

ISBN: 978-85-387-0491-1

1. Direito Processual. 2. Teoria Geral do Processo. I. Título. II. Lucon, Paulo Henrique dos Santos. III. Teixeira, Sergio Torres.

CDD 341.4

IESDE Brasil S.A. Al. Dr. Carlos de Carvalho, 1.482. CEP: 80730-200 Batel – Curitiba – PR 0800 708 88 88 – www.iesde.com.br

Todos os direitos reservados.

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Doutor em Direito das Relações Sociais pela Pontifícia Universidade Cató-lica de São Paulo (PUC-SP). Professor da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e da Universidade Potiguar (UnP). Professor convidado de cursos de Pós-Graduação na Universi-dade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos), no Centro Universitário de João Pessoa (Unipê), na Universidade da Amazônia (Unama), no Centro Universitário Nilton Lins (UniNiltonLins-AM), no Centro Universitário do Distrito Federal (UDF) e na Universidade Federal de Feira de Santana (UEFS). Membro da Academia Nacio-nal de Direito do Trabalho (ANDT) e do Instituto Brasileiro de Direito Processual (IBDP). Juiz do Trabalho da 21.ª Região.

Bento Herculano Duarte Neto

Doutor e Mestre em Direito Processual pela Faculdade de Direito da Uni- versidade de São Paulo (USP). Especialista em Direito Processual Civil pela Universidade Estatal de Milão. Professor Doutor de Direito Processual Civil da USP. Diretor do Instituto Brasileiro de Direito Processual (IBDP). Membro do Instituto Ibero-Americano de Direito Processual (IIDP) e da International Asso-ciation of Procedural Law. Juiz do Tribunal Regional Eleitoral do Estado de São Paulo. Advogado.

Paulo Henrique dos Santos Lucon

Doutor em Direito Público pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Professor de Graduação e Pós-Graduação da UFPE. Professor da Escola da Magistratura de Pernambuco (Esmape) e coordenador da Escola Superior da Ma-gistratura Trabalhista de Pernambuco (Esmatra). Juiz do Trabalho da 6.ª Região.

Sergio Torres Teixeira

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Sumário

Evolução histórica do Direito Processual .................................................................9

Introdução ......................................................................................................................................9

Antecedentes do moderno modelo processual ............................................................ 11

Fases da doutrina processual ................................................................................................ 14

Evolução do modelo processual brasileiro ...................................................................... 18

Princípios de Direito Processual Civil ................................ 23

Considerações introdutórias ................................................................................................. 23

Os princípios jurídicos e a evolução do Processo Civil brasileiro .......................................................................... 24

Os princípios processuais – autonomia em face do direito material ............................................................................. 26

Conceito de princípio jurídico .............................................................................................. 27

Princípios processuais – considerações antecedentes ................................................ 36

Princípios constitucionais de Direito Processual Civil .................................................. 37

Princípios informativos gerais do Direito Processual Civil .......................................... 55

Princípios informativos específicos do Direito Processual Civil ................................ 63

Instrumentalidade do processo, efetividade processual e acesso à Justiça ........................ 85

Introdução ................................................................................................................................... 85

Escopos do processo jurisdicional ...................................................................................... 89

Instrumentalidade do processo ........................................................................................... 90

Efetividade processual ............................................................................................................. 93

Acesso à Justiça .......................................................................................................................... 98

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Jurisdição ..................................................................................103

Introdução .................................................................................................................................103

Jurisdição: generalidades .....................................................................................................106

Escopos da jurisdição .............................................................................................................108

Poderes compreendidos na jurisdição ............................................................................109

Características da jurisdição ................................................................................................110

Princípios inerentes à jurisdição ........................................................................................112

Divisibilidade e indivisibilidade da jurisdição ...............................................................117

Tutela jurisdicional objetivada ..........................................123

Ação e tutela jurisdicional objetivada .............................................................................123

Quatro gêneros ........................................................................................................................123

Ações de conhecimento .......................................................................................................125

Competência ............................................................................141

Introdução .................................................................................................................................141

Competência: generalidades ..............................................................................................142

Classificação da competência .............................................................................................143

Competência interna .............................................................................................................145

Ação: elementos e condições ............................................151

Introdução .................................................................................................................................151

Ação: generalidades ...............................................................................................................151

Natureza da ação .....................................................................................................................152

Elementos da ação ..................................................................................................................156

Ação e suas condições ..........................................................161

Conceito constitucional ........................................................................................................161

Acesso à Justiça, celeridade e segurança jurídica .........................................................................................161

Pressupostos de admissibilidade ao julgamento de mérito ......................................................................................................162

Teorias .........................................................................................................................................162

Matéria de ordem pública e extinção do processo .....................................................164

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Hipóteses em que não há extinção do procedimento principal ...............................................................................164

Momento da apreciação .......................................................................................................165

Condições da ação ..................................................................................................................165

Defesa e exceção ....................................................................171

Introdução .................................................................................................................................171

Resposta do réu .......................................................................................................................172

Atitudes do réu .........................................................................................................................177

Processo .....................................................................................181

Introdução .................................................................................................................................181

Processo: generalidades .......................................................................................................182

Natureza jurídica do processo ............................................................................................183

Características da relação processual ..............................................................................186

Processo e procedimento .....................................................................................................187

Pressupostos processuais .....................................................................................................189

Atos, termos e prazos processuais ...................................193

Introdução .................................................................................................................................193

Ato processual: generalidades ...........................................................................................194

Termo processual ....................................................................................................................196

Prazos processuais ..................................................................................................................197

Comunicação dos atos processuais ..................................................................................200

Vícios e nulidades do ato processual ..............................205

Introdução .................................................................................................................................205

Requisitos de validade do ato processual ......................................................................206

Espécies de vícios do ato processual................................................................................207

Nulidades no âmbito processual ......................................................................................213

Referências ................................................................................219

Anotações .................................................................................233

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Sergio Torres Teixeira

IntroduçãoEm qualquer comunidade humana, é inevitável o surgimento de conflitos

intersubjetivos envolvendo os respectivos integrantes. Por mais pacífico e civi-lizado que seja um grupo de pessoas, nem sempre haverá harmonia dentro da diversidade de vontades e opiniões que marcam a humanidade. O entrecho-que de interesses de sujeitos distintos, portanto, é algo inerente à vida social. E, assim, em qualquer coletividade haverá, mais cedo ou mais tarde, a colidên-cia entre o interesse de um sujeito e o interesse de outro indivíduo.

Trata-se, por conseguinte, de uma realidade inerente ao ambiente hu-mano. Uma característica inafastável da vida social.

A inevitável ocorrência de lides no âmbito da coletividade, por sua vez, impõe à comunidade a necessidade de proporcionar aos litigantes meios de pacificação de tais conflitos, em virtude da evidente tensão social gerada e do natural desgaste decorrente de tal tensão. É de fundamental relevância para a própria sobrevivência da comunidade, reconhecer e disciplinar essas vias de composição dos litígios.

São três os caminhos básicos da composição: a autodefesa, a autocompo-sição e a heterocomposição.

Na autodefesa (ou autotutela), uma das partes da relação conflituosa impõe a prevalência do seu interesse sobre o do seu adversário, usando ou ameaçando usar qualquer espécie de força para assegurar o triunfo de sua pretensão. Há, assim, composição do conflito de forma intra partes, sem a intervenção de um terceiro1, mediante a materialização ou a ameaça de con-

Evolução histórica do Direito Processual

1 Na realidade, é possível existir na autodefesa a intervenção de um terceiro estranho à relação litigiosa originária, mas não na qualidade de um terceiro imparcial. O “terceiro”, assim, seria alguém com interesse em favorecer um dos lados. Ocorre, por exemplo, quando alguém se intromete numa disputa entre dois adversários para ajudar um dos litigantes a impor a sua vitória, mediante o uso ou ameaça de uso da força. A figura de um terceiro imparcial, assim, é estranha à autodefesa.

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Teoria Geral do Processo

cretização de alguma forma de coerção, seja esta força de natureza física, moral, intelectual, política ou econômica.2

Na autocomposição, a solução também é intra partes3, ou seja, definida pelos próprios litigantes, mas (ao menos na sua forma pura4) não há uso ou ameaça de uso de qualquer espécie de força. Em tal forma de composição, a lide é encerrada de forma pacífica, sem a tensão decorrente da índole coativa inerente à autode-fesa. A autocomposição, por seu turno, pode ser decorrente de ato unilateral ou ato bilateral. Nesta última forma, ocorre a pacificação mediante uma negociação (ou seja, transação), na qual os litigantes, por meio de concessões recíprocas, chegam a um denominador comum. Na autocomposição unilateral, por outro lado, um dos litigantes simplesmente se despoja do seu interesse em conflito, havendo a renúncia (quando quem desiste é o titular da pretensão originalmente manifestada) ou a submissão (quando quem abre mão do interesse é aquele que estava oferecendo uma resistência à pretensão do seu adversário) de um em favor do outro.5

Na heterocomposição, por fim, a solução do litígio decorre da intervenção pro-vocada de um terceiro, estranho à relação material conflituosa, mas a quem se outorga o poder de decidir a contenda. Um ou ambos os litigantes, assim, invoca a atuação de um terceiro imparcial para definir qual o interesse a ser preservado e qual aquele a ser sacrificado. Tradicionalmente, são apontadas duas subespécies de heterocomposição, o processo judicial e o processo arbitral. Nesta, as partes optam por estabelecer por contrato que eventual conflito será dirimido por um árbitro (convenção arbitral) ou, após o surgimento do conflito, elegem um árbitro

2 A moderna legislação pátria ainda admite tal fórmula primitiva de compor conflitos, mas de modo restrito, considerando hipóteses legais tipificadas pelo legislador e sempre admitindo a revisão judicial dos atos praticados em autotutela de interesses, como a legítima defesa, a greve e o esforço imediato em questões possessórias. Tal disciplina, por sua vez, decorre da natural preocupação do Estado com as consequências da permissão para atos de “Justiça Privada”, bem como a ausência de compro-misso com a justiça, uma vez que na autodefesa o vencedor nem sempre é aquele que tinha razões legítimas para tanto.

3 A autocomposição é uma forma de solução intra partes, uma vez que a definição da composição é incumbência do(s) próprio(s) litigante(s). No entanto, nada obsta que haja a presença de um terceiro atuando como simples elo entre os litigantes, sem qualquer poder de decisão. Trata-se da chamada autocomposição assistida. É o que ocorre na mediação e na conciliação, quando o mediador ou conciliador atua com o intuito de levar os adversários a um acordo, mas não revela poder para impor uma solução.

4 Em alguns casos, aquilo que é apresentado como uma forma de autocomposição, na realidade representa apenas uma espécie de autodefesa “camuflada”. Ocorre quando uma transação ou desistência unilateral se materializa não pela livre e espontânea vontade do participante, mas sim por causa de uma ameaça velada da parte adversa.

5 Ao contrário da sua postura diante da autodefesa, o Estado moderno estimula a autocomposição de conflitos, especialmente mediante a via negocial, prevendo restrições apenas em relação a conflitos envolvendo interesses indisponíveis, quando não admite a transação ou desistência. Tal postura, favorável à autocomposição, decorre de dois fatores: trata-se de uma forma pouco dispendiosa de solucionar conflitos e, via de regra, as partes saem satisfeitas com o respectivo resultado, já que a definição partiu da sua própria atuação.

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Evolução histórica do Direito Processual

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(ou um colegiado de árbitros) para decidir o conflito, assumindo então o compro-misso de acatar a respectiva decisão (compromisso arbitral)6. Naquela, uma das partes em conflito provoca o Estado mediante o exercício do seu direito de ação, invocando a atuação dele diante de determinado caso concreto envolvendo um conflito de seu interesse, com o intuito de obter uma prestação jurisdicional.

No contexto do presente estudo sobre o Direito Processual, interessa especi-ficamente o exame dessa última modalidade de heterocomposição, conhecida como processo judicial ou processo jurisdicional7. Antes de proceder à análise dos seus principais elementos e suas instituições estruturais, entretanto, torna-se necessário realizar uma abordagem acerca dos seus conceitos históricos.

O estudo da história do Direito Processual, por sua vez, passa pela visualização de seus sistemas antecedentes, de seu desenvolvimento doutrinário e, na ótica do direito brasileiro, das evoluções legislativas dos modelos processuais aqui ado-tados. As próximas seções, assim, tratarão de tais elementos históricos.

Antecedentes do moderno modelo processualModelos “processuais”, nos quais ocorre a disciplina de uma fórmula de hete-

rocomposição reconhecida como oficial pela comunidade humana, remonta aos primórdios da civilização. Mesmo antigos diplomas normativos como os Códigos de Hamurábi e de Manu estipulavam, dentre as suas regras, diversas normas de caráter “processual”, envolvendo o modo de proceder na composição de conflitos perante um representante da comunidade respectiva, normalmente um ancião (pela sua experiência) ou um sacerdote (pela sua proximidade com os deuses).

Mesmo reconhecendo a riqueza da diversidade de sistemas processuais da Antiguidade, contudo, a doutrina tradicional, com especial destaque para as obras do processualista italiano Giuseppe Chiovenda8, apresenta apenas três modelos processuais como as principais fontes de inspiração para o moderno sis-tema processual ocidental, inclusive aquele adotado pelo direito brasileiro. São eles os modelos relativos ao processo romano, ao processo germânico e ao pro-cesso comum medieval.

6 No Brasil, a arbitragem é disciplinada pela Lei 9.307/96.

7 As denominações processo judicial e processo jurisdicional, aqui consideradas como expressões sinônimas, são utilizadas para diferenciar a fórmula de heterocomposição estatal com outras modalidades de “processos” não necessariamente destinados a compor conflitos, como o processo legislativo, o processo administrativo etc.

8 Vide a obra de Chiovenda (1998, p. 135).

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Teoria Geral do Processo

O processo romano, desenvolvido como método de composição de litígios durante as várias fases do Império Romano9, era de excepcional técnica, atin-gindo considerável nível de aprimoramento. Sendo aperfeiçoado a cada geração de jurisconsultos, com elaborações profundas à luz da lógica, mas com inegável senso prático, o processo romano abrangia procedimentos bem delineados e aptos a satisfazer as exigências da comunidade romana, alcançando o objetivo de realizar a justiça, e, assim, “dar a cada um o que é seu”. O escopo do processo romano, assim, “[...] consistia na atuação da vontade da lei em relação a determi-nado bem da vida (res in iudicio deducta)” (ALVIM, 2004, p. 28).

Os elementos processuais, na disciplina do processo romano, eram bem defi-nidos. O magistrado (ou pretor) exerce uma função pública (o iurisdictio), decor-rente da soberania, cuja principal atribuição era obter ciência dos fatos (notio) e, em seguida, fazer atuar o direito material (iudicio), estando entre o povo e a lei. A prova, por sua vez, revela como meta levar ao magistrado o conhecimento acerca dos fatos litigiosos para permitir a definição da sua convicção, cabendo ao juiz pro-latar o seu julgamento livremente segundo a sua visão do quadro fático extraído do conjunto probatório. A forma do processo, por seu turno, era oral, com o intuito de impor a imediação do julgador com as partes e as provas, de modo a assegurar identidade entre o magistrado e os elementos subjetivos e objetivos da demanda e, de igual forma, a celeridade do procedimento e a publicidade dos atos.

O processo germânico, por outro lado, demonstra mais diferenças do que semelhanças com o modelo romano. O sistema germânico de composição de lides ganhou grande repercussão com a queda do Império Romano Ocidental e as invasões dos bárbaros do norte. Estes, culturalmente primitivos em comparação com os romanos, adotavam uma fórmula de solução de conflitos mais simplista, “[...] um processo rudimentar de fundo místico-religioso” (ALVIM, 2004, p. 27). Com as invasões, os conquistadores impuseram esse modelo diferente10, tecnicamente inferior ao processo romano.

O processo germânico apresentava um escopo distinto do processo romano. Enquanto este almejava fazer atuar a lei, o modelo germânico, influenciado pela

9 Na realidade, as transformações pelas quais passou o modelo processual durante as diversas fases do Império Romano levam alguns doutrinadores a considerar a existência de “processos romanos”, abrangendo uma pluralidade de modelos sucessivos.

10 Mesmo em face da posição dos bárbaros, naturalmente interessados em impor o seu método de composição, alguns focos de resistência existiram, com o intuito de resguardar a fórmula romana de compor lides. A Igreja desenvolveu esforços nesse sen-tido, em virtude da preocupação relativa à manutenção de institutos de direito romano-canônico. Houve, portanto, um período de coexistência dos dois modelos.

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Evolução histórica do Direito Processual

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fragilidade das ideias acerca do Estado e da lei para os bárbaros, objetivava pro-mover a paz social pela pacificação dos sujeitos da lide. O fim maior seria propor-cionar a conciliação dos litigantes. O processo germânico, destarte, tinha como meta dirimir a lide e não especificamente julgar o litígio. A solução, assim, estava menos vinculada à decisão de um juiz e mais a certas experiências consideradas como “juízos de Deus”.

A função do juiz, por conseguinte, era primordialmente atuar como “coordena-dor” da atuação dos sujeitos em lide durante assembleias, nas quais eram desen-volvidas as atividades judiciais. Não havia, assim, o poder típico do pretor romano, de conhecer para decidir, mas uma atuação de coordenação entre os litigantes. O juiz do processo germânico apenas definia qual o objeto e os meios da prova, em seguida, supervisionava a produção probatória e, ao final, atuava de forma mecânica na certificação do seu produto. A prova, como consequência, tinha como objetivo principal convencer o adversário, sendo os elementos probatórios destinados mais à parte adversa do que propriamente ao magistrado.

Como no processo romano, entretanto, a forma do processo era oral. Agora, a oralidade não tinha por fundamento a busca de causas nobres como a imedia-ção, a celeridade e a publicidade. Representava, isso sim, a consequência natural de um quadro de limitações: os invasores bárbaros eram, em sua grande maioria, analfabetos.

O terceiro modelo apontado como “sistema antecedente” do moderno sistema processual ocidental foi o processo comum medieval. Trata-se de uma fórmula de composição decorrente de uma verdadeira construção doutrinária11, que surgiu em face da evolução de estudos iniciada com o aparecimento das primeiras uni-versidades no final do século XI d.C. Os chamados glosadores e em seguida os pós-glosadores revelaram grande dedicação ao estudo dos institutos do direito romano, resultando na concepção de um novo modelo processual, “[...] de fundo canônico, mas impregnado de elementos germânicos e de novos institutos espontaneamente formados pelo uso” (ALVIM, 2004, p. 27).

No processo comum medieval, o escopo maior seria a resolução da questão litigiosa e das questões vinculadas à esta. Incidentes processuais, assim, eram considerados de menor relevância. A função do magistrado, por sua vez, era semelhante àquela prevista no processo romano: conhecer as questões litigiosas.

11 Importante destacar que o processo, à época, era considerado como um instituto de atividade privada, e, como consequência, era estudado sob a óptica do Direito Privado.

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Teoria Geral do Processo

A atribuição do juiz, contudo, não envolvia a avaliação e valoração dos elemen-tos probatórios, mas simplesmente a verificação mecânica do resultado, consi-derando juízos prévios acerca do peso de cada prova produzida, regulados por um conjunto normativo formal que disciplinava de forma minuciosa a admissibili-dade e o valor dos elementos numa espécie de “verdade legal” e “sistema da prova legal” (ou da “hierarquia legal das provas”). Em harmonia com o formalismo do sistema probatório, a forma do processo comum medieval era integralmente por escrito. Não havia preocupação com a imediação, a celeridade e a publicidade. O desenvolvimento do processo era lento, com várias fases nas quais podiam atuar diversos magistrados com pouco ou nenhum contato direto com os litigantes.

Apesar das diferenças entre os modelos, todos os três sistemas antecedentes influenciaram o modelo processual atual, sendo possível constatar os seus refle-xos em diversos elementos da presente sistemática processual, desde a técnica apurada do processo romano à valoração da pacificação social pelo processo germânico, desde a conscientização da importância (mesmo que excessiva) da forma do processo comum medieval aos fundamentos da oralidade do sistema romano.

Fases da doutrina processualO estudo dos sistemas antecedentes é de grande relevância para a compre-

ensão dos fundamentos do moderno sistema processual. Tão relevante quanto, entretanto, é o exame da evolução da doutrina processual, ou seja, da literatura especializada desenvolvida pelos doutos durante as várias etapas da história do Direito Processual.

Apesar da existência de divergências quanto aos números, uma análise crítica da doutrina processual revela a existência de seis fases relativamente bem defi-nidas: a fase Primitiva, a fase da Escola Judicialista, a fase do Praxismo (tendência dos práticos), a fase do Procedimentalismo, a fase do Processualismo Científico (fase Autonomista) e a fase Contemporânea, conhecida como fase Instrumentalista ou da Escola Crítica.

Na evolução da doutrina processual, a fase considerada como Primitiva cor-responde ao período anterior ao final do século XI da Era Moderna. Na reali-dade, não se trata, rigorosamente, de uma fase doutrinária do Direito Proces-sual, pois não houve o desenvolvimento de uma linha específica de estudos

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Evolução histórica do Direito Processual

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sobre o fenômeno processual. Apenas ocorreu a produção de obras descone-xas, com natureza e origens distintas, tratando de questões de relevância para o estudo do processo, como os trabalhos dos pensadores gregos sobre a ideia de justiça.

A fase da Escola Judicialista teve início junto com o surgimento da primeira universidade em Bolonha (Itália)12, no ano 1088. A etapa foi batizada com tal denominação em virtude das obras da época. Essas obras destacaram, acima de tudo, o estudo da figura do “juízo” (iudicum), com seus elementos subjetivos e objetivos. Teve início, com tal fase doutrinária, uma série de tratados de consi-derável qualidade, dedicados ao processo e seus institutos e, especialmente, ao desenvolvimento do conceito de “juízo”. Os representantes da Escola Judicialista criaram obras usualmente fundadas sobre o direito comum (do qual se originou o sistema continental europeu), de raiz romano-canônico, mas também desen-volveram escritos com fundo medieval italiano e roupagem canônica. Dentre os principais trabalhos do período, destacam-se a Ordo Iudicarius, de Tancredo, e o Speculum Iudiciale, de Duranti.

A fase do Praxismo ou “tendência dos práticos” surgiu na Espanha no início do século XVI e teve acolhida até o começo do século XIX. Nesse período, surgiu uma doutrina baseada na experiência empírica dos juristas, de forma a prevale-cer a praxis sobre a theoria nas principais obras sobre o Direito Processual. Este, na realidade, era então considerado como um complexo de recomendações prá-ticas sobre como agir em juízo, isto é, um conjunto de instruções oriundas da prática descrevendo a forma de proceder diante de um tribunal. Os estudos da teoria assumiram uma importância secundária: importante era a fórmula prática de desenvolver um processo judicial. As obras revelavam uma preocupação com as atividades forenses, ou seja, questões eminentemente práticas, visando permi-tir a condução natural do processo. À época, obras como Regimentos de Juízes e Espelho das Ações se destacaram.

A fase do Procedimentalismo teve início na França do século XVIII (convivendo em parte, assim, com a fase do Praxismo), alcançando a segunda metade do século XIX. Como consequência da influência da Revolução Francesa e das codificações napoleônicas, surgiram obras doutrinárias nas quais se destacam uma análise exegética dos textos legais e um método descritivo dos fenômenos processuais,

12 Para Chiovenda, Bolonha representou para o Direito Processual o que Roma representou para o Direito Civil.

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segundo a legislação pertinente, com especial concentração em elementos como a organização judiciária, a competência e o procedimento diante dos órgãos judi-ciários. Com o Procedimentalismo, o processo deixou de ter a sua regulamenta-ção na prática forense e passou a ser compreendido como um instituto de fundo legal, valorizando a regulamentação normativa do fenômeno. Dentre outras, a obra Tratado das Provas Judiciais, de Jeremy Bentham, provocou forte repercus-são no estudo da ciência processual.13

A fase Conceitual (também conhecida como fase do Processualismo Científico) tem como marco inicial a publicação, no ano de 1868 em Giesen (Alemanha), da obra Tratado das Exceções Processuais e os Pressupostos Processuais, de Oskar von Bülow. Houve uma completa revisão científica do Direito Processual que, pela pri-meira vez, foi tratado como um “sistema de princípios”, com autonomia em relação aos diversos ramos do Direito Material. O citado processualista alemão, ao invés de tentar descrever o processo segundo a prática forense (como no Praxismo) ou de acordo com a legislação regulamentadora (como no Procedimentalismo), defendeu o estudo do fenômeno processual a partir do próprio fenômeno e suas peculiaridades, destacando que o Direito Processual ainda tinha muito que evo-luir em comparação com outros ramos, uma vez que boa parte dos seus institutos permanecia intocada sob a óptica do estudo científico. Dentre outras ideias, Von Bülow descreveu o processo como uma relação jurídica da qual surgem direitos, deveres, obrigações e poderes entre os seus sujeitos, diferenciando o processo (liame jurídico) do procedimento (forma de agir compreendendo complexo de atos).

Seguindo a linha de Von Bülow, diversos outros doutrinadores passam a defen-der a autonomia do Direito Processual frente aos demais ramos do Direito. Na Alemanha surge mais um nome, o de Adolph Wach, cuja obra Manual de Direito Processual Civil Alemão (1885) revelou grande influência do seu conterrâneo, tendo como principal contribuição à ciência processual o estudo da autonomia do direito de ação em face do direito subjetivo material. Posteriormente, na Itália surgem nomes como Giuseppe Chiovenda, Francesco Carnelutti e Piero Cala-mandrei, cada um com diversas obras de imensurável envergadura no âmbito do Direito Processual, oferecendo ao novo ramo um impulso considerável em dire-ção ao avanço científico.

13 Foi durante a fase do Procedimentalismo, merece ser destacado, que se desenvolveu a famosa “polêmica da actio” entre os juristas Windsheid e Muther (1856 e 1857).

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Os reflexos de tal movimento doutrinário, por sua vez, são sentidos na Amé-rica do Sul. Do Uruguai, o processualista Eduardo Couture assume a ponta como doutrinador de maior nome, gerando repercussões no Brasil. Aqui, em meados do século XX, os trabalhos de Enrico Tullio Liebman (italiano radicado no país a partir da Segunda Guerra Mundial) passaram a influenciar toda uma geração de grandes processualistas brasileiros. As obras sobre Direito Processual, passam a demonstrar inquestionável valor científico, gerando um avanço cuja celeridade era até então desconhecida por qualquer outro ramo do Direito.

Constata-se, durante toda a fase do Processualismo Científico, uma grande preocupação em demonstrar para todos que, além de ser um ramo autônomo, o Direito Processual é ainda mais avançado de que os demais. Apesar dos bene-fícios inegáveis de tal postura dos processualistas, a concentração excessiva na visão científica resultou em um efeito colateral negativo: o esquecimento da rea-lidade processual.

O processo judicial estudado na academia passou a ser completamente dis-tinto daquele vivenciado na prática forense. Na sala de aula e nas obras doutriná-rias, o processo é estudado como um fenômeno praticamente sem imperfeições. No dia a dia dos tribunais, entretanto, a realidade era de um sistema esgotado, lento, cheio de mazelas. E, como consequência, a frustração da sociedade em face da insatisfação natural decorrente de um instrumento incapaz de produzir os resultados esperados pela população.

Começou a tomar corpo durante a década de 60, do século passado, assim, uma nova fase da doutrina processual, a chamada fase Instrumentalista (ou fase da Escola Crítica). Com a publicação de obras com preocupações autênti-cas acerca de tal realidade de insatisfação, especialmente em relação ao desti-natário dos serviços processuais do Judiciário (ou seja, o cidadão que procura justiça na Justiça), surge uma nova linha de pensamento, fundada em críticas construtivas, destinada a encontrar as deficiências do sistema processual e de seus institutos e propor mudanças em busca de um modelo processual concre-tamente eficiente, apto a alcançar os seus escopos e gerar satisfação àqueles que procuram o Judiciário.

É apontada como grande marco dessa nova fase a obra Acesso à Justiça, de Mauro Cappelletti e Bryant Garth, relatando os resultados das pesquisas do pro-jeto com o mesmo título, envolvendo os obstáculos à concretização do direito de acesso a um ordenamento jurídico justo. Durante a década de 80, do século pas-sado, os primeiros reflexos doutrinários são sentidos no Brasil, com a publicação

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de trabalhos de processualistas como José Carlos Barbosa Moreira, Ada Pellegrini Grinover, Kazuo Watanabe e, especialmente, Cândido Rangel Dinamarco. A obra Instrumentalidade do Processo, de autoria deste último, pode ser apontada como a principal contribuição brasileira a essa nova (e atual fase) da doutrina processual.

A fase da Instrumentalidade Processual traduz um momento de grande poten-cial reformista no âmbito da legislação processual e na seara institucional do Judi-ciário, potencial este amplificado consideravelmente nos últimos anos, com diver-sas inovações instrumentais como as ações coletivas (ação civil pública, mandado de segurança coletivo etc.), a ação monitória e a figura da antecipação de tutela. Sendo a atual fase da doutrina processual, entretanto, tal etapa contemporânea ainda não exauriu as suas metas, e, assim, terá ainda grandes contribuições para o desenvolvimento do Direito Processual.

Evolução do modelo processual brasileiroO estudo da história do Direito Processual não poderia ser concluído sem uma

abordagem das etapas da evolução do modelo processual brasileiro, ou seja, uma análise dos diversos diplomas normativos que disciplinaram o processo jurisdi-cional no país desde a sua independência política.

A independência conquistada pelo Brasil, em 1823, não teve como consequên-cia a revogação imediata de toda a legislação portuguesa. Na realidade, o Decreto de 20 de outubro de 1823 assegurou a continuidade da vigência do sistema nor-mativo lusitano em tudo aquilo que não contestasse a soberania ou contrariasse o regime brasileiro. No âmbito processual, assim, o novo país herdou de Portu-gal o modelo processual disciplinado nas Ordenações Filipinas (promulgada por Felipe I, em 1603) e algumas leis complementares.

Enquanto o Livro V das Ordenações Filipinas regulava o Processo Criminal, o seu Livro III disciplinava o Processo Civil, sendo este último modelo marcado pelo princípio dispositivo (exigindo a movimentação pelo impulso das partes litigan-tes) e por um procedimento no qual prevalecia a forma escrita e a divisão em diferentes fases bem delineadas. O primeiro modelo de processo civil brasileiro (à época, abrangendo toda a sistemática do processo judicial, exceto aquilo sub-metido ao processo criminal), portanto, foi na realidade um produto do modelo português.

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Em 1832, foi editado o Código de Processo Criminal do Império, alterando completamente a anterior sistemática do processo criminal. O novo código foi resultado de influências dos modelos inglês e francês, sendo considerado um sistema eclético que obteve grande aceitação em virtude de sua objetividade e espírito liberal.

O modelo processual civil, por outro lado, foi afetado por inovações ocorridas durante o ano de 1850, quando, depois de sancionado o Código Comercial bra-sileiro, foi editado o famoso Regulamento 737 (de 25 de novembro de 1850). Tal diploma, destinado a disciplinar “a ordem do juízo no processo criminal” (artigo 27 do Código do Comércio), corresponde ao primeiro código nacional de Pro-cesso Civil, criando um novo modelo de inegável técnica processual, merecendo especial destaque as suas inovações envolvendo a economia processual e a sim-plicidade procedimental.

De início, o Regulamento 737 somente se aplicava às causas comerciais, per-manecendo as causas cíveis sob a disciplina das Ordenações Filipinas (e algumas leis modificadoras destas). A Lei 2.033, de 20 de setembro de 1871 (regulada pelo Decreto 4.824, de 22 de novembro de 1871), com o intuito de restabelecer o espí-rito liberal que havia consagrado o Código de Processo Criminal do Império, levou o Governo a designar o conselheiro Antônio Joaquim Ribas a realizar um trabalho de reunião das normas processuais civis, resultando na Consolidação das Leis do Processo Civil14, diploma que passou a ter eficácia de lei mediante a Resolução Imperial de 28 de dezembro de 1876.

Com o surgimento da República, novas mudanças foram operadas. O novo governo republicano, mediante o Decreto 763, de 16 de setembro de 1890, esten-deu (com algumas limitações) a disciplina do Regulamento 737 às demandas cíveis. Em seguida, mediante o Decreto 848, de 11 de outubro de 1890, foi criada a Justiça Federal, cujos processos também passaram a ser disciplinados pelas normas do Regulamento 737.

A Constituição Republicana, de 24 de fevereiro de 1891, ao consagrar o sis-tema da dualidade de Justiças (Federal e Estadual), repartiu a competência legis-lativa para legislar sobre processo civil. O resultado foi a diversidade de mode-

14 Na realidade, a Consolidação das Leis do Processo Civil não se limitou a ser uma simples reunião de leis preexistentes, como as regras oriundas das Ordenações Filipinas e sua legislação complementar. O Conselheiro Ribas acabou contribuindo com a criação de novas regras, de acordo com sua interpretação pessoal, constantemente fundamentando suas posições em textos de direito romano e em obras de grandes doutrinadores.

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los processuais adotados no âmbito do país. Um, o modelo federal, decorrente da consolidação da legislação federal sobre o Processo Civil, realizado por José Higino Duarte Pereira e aprovado pelo Decreto 3.084, de 5 de novembro de 1898. Outra categoria, composta por modelos estaduais, disciplinados pelas leis de cada estado da federação. Na sua maior parte, os modelos estaduais seguiam as diretrizes do modelo federal, mas havia algumas exceções, destacando-se os modelos de São Paulo e da Bahia, inspirados nas doutrinas processuais da Itália e da Alemanha.

A Constituição Federal (CF), de 16 de julho de 1934, eliminou a dualidade de competência legislativa, concentrando tal poder na esfera da União Federal. Como consequência, surgiu o Código de Processo Civil (CPC), de 18 de setem-bro de 1939, cujo anteprojeto originalmente foi concebido pelo advogado Pedro Batista Martins e posteriormente alterado por Francisco Campos, Guilherme Estellita e Abegar Renault. O respectivo diploma foi desenvolvido com inspiração nos modelos processuais da Áustria, Alemanha e Portugal, prevalecendo dentro do modelo a regra da oralidade e da pluralidade de procedimentos especiais.

Décadas depois, quando já bastante visíveis as limitações práticas do modelo previsto no CPC/1939, o governo federal designou o professor da Universidade de São Paulo (USP), Alfredo Buzaid, para elaborar um anteprojeto de um novo código. O resultado, após ser revisto por uma comissão formada pelos destacados juristas Luís Antônio de Andrade, Luís Machado Guimarães e José Frederico Marques, foi levado ao Congresso Nacional sob a designação Projeto 810/72. Após ser subme-tido, durante seu curso, a diversas emendas modificadoras do seu conteúdo, o “Anteprojeto Buzaid” foi aprovado e transformado na Lei 5.869, promulgada em 11 de janeiro de 1973, como o novo CPC.

O CPC/73 é dividido em cinco livros (I - do processo de conhecimento, II - do processo de execução, III - do processo cautelar, IV - dos procedimentos especiais e V - das disposições finais e transitórias). É apresentada uma sistemática forte-mente influenciada pela doutrina processual italiana que antecedeu à sua criação. Além da evidente posição favorável à existência de três espécies básicas de tutela jurisdicional (cognitiva, executiva e cautelar), merece especial destaque, dentro do respectivo modelo, a excepcional disciplina sistemática e científica oferecida ao processo cautelar e à acentuada pluralidade procedimental consagrada no seu texto.

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Em que pese o reconhecido valor técnico do diploma de 1973, os reflexos da fase Instrumentalista da doutrina processual levaram a sociedade, liderada pelos principais nomes do Processo Civil brasileiro, a clamar por mudanças em busca da evolução do modelo processual pátrio. Algumas leis extravagantes já evidenciam tais mudanças, como a Lei 7.347/85, introduzindo a figura da ação civil pública como novo instrumento de defesa de interesses transindividuais em juízo. O próprio CPC, assim, não tardou a sentir tais repercussões.

Como consequência, desde 1992, o CPC tem passado por profundas mudan-ças em uma verdadeira “reforma por etapas”, mediante diversas alterações em seu conteúdo. A evolução provocada por tais transformações é visível na cons-tatação da existência de novos institutos (como a antecipação de tutela e ação monitória), de modificações em instituições antes existentes (como as sanções por litigância de má-fé e os provimentos mandamentais) e de mudanças radi-cais na própria sistemática processual (como no sistema recursal e, mais recente-mente, no sistema de execução fundada em títulos executivos judiciais).

O modelo processual brasileiro, por conseguinte, não se encontra pronto e aca-bado. Trata-se de um sistema em plena evolução, sofrendo uma série sucessiva de modificações com o intuito de eliminar deficiências e progredir para alcançar um grau de efetividade capaz de satisfazer a todos. Tal modelo de utopia processual, entretanto, ainda está longe de ser alcançado.

A história do Direito Processual brasileiro, destarte, ainda guarda muitos capí-tulos a serem escritos.

Ampliando seus conhecimentosA “dica” do professor é realizar um exame comparativo entre os sistemas ante-

cedentes ao moderno modelo processual, bem como entre as diversas fases da doutrina processual, destacando, no primeiro caso, as influências dos antigos métodos sobre o atual sistema, e, na segunda hipótese, as inovações produzidas pela atual fase Instrumentalista.

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