teoria geral do negócio jurídico - cristiano chaves de farias e nelson rosenvald

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Captulo VII - Teoria Geral dos Fatos Jurdicos Sumrio: 1. Consideraes Preliminares; 2. Distino entre Fato Jurdico e Fato Ma- terial (Ajurdico) e a Lgica do Mundo Jurdico; 3. Definio do Fato Jurdico; 4. Classificao dos Fatos Jurdicos; 5. Os Diferentes Planos do Mundo Jurdico; 6. Consequncias dos Fatos Jurdicos; 6.1. Generalidades; 6.2. Aquisio de direitos; 6.3. Modificao dos direitos; 6.4. Defesa dos direitos; 6.5. Extino dos direitos; 7. Fato Jurdico em Sentido Estrito; 8. Ato-Fato Jurdico; 9. Ato Jurdico; 10. Negcio Jurdico; 10.1. Noes gerais; 10.2. Definio; 10.3. Caractersticas e breve escoro evolutivo; 10.4. Classificao; 10.5. Regras de interpretao; 10.6. Diferentes planos (dimenses) do negcio jurdico; 10.7. Plano da existncia e seus pressupostos (ele- mentos de existncia); 10.8. Plano da validade e seus requisitos: a invalidade (nulid- ade a anulabilidade) do negcio jurdico; 10.8.1. Consideraes gerais sobre o plano da validade; 10.8.2. Os requisitos da validade; 10.8.3. A representao no negcio jurdico; 10.8.4. A invalidade do negcio jurdico; 10.8.5. Converso substancial do negcio jurdico; 10.8.6. A simulao; 10.9. Plano da eficcia e seus fatores; 10.9.1. Generalidades; 10.9.2. Condio; 10.9.3. Termo; 10.9.4. Modo ou encargo; 10.10. Defeitos do negcio jurdico; 10.10.1. Generalidades; 10.10.2. Erro ou ignorncia; 10.10.3. Dolo; 10.10.4. Coao; 10.10.5. Leso; 10.10.6. Estado de perigo; 10.10.7. Fraude contra credores ou Fraude Pauliana; 10.11. O negcio jurdico e a proteo do terceiro de boa-f; 11. O Fato Ilcito; 11.1. Advertncia prvia; 11.2. Noes con- ceituais; 11.3. Efeitos jurdicos decorrentes da ilicitude; 11.4. Tutela preventiva e tu- tela reparatria da ilicitude; 11.5. Excludentes de ilicitude; 12. O Abuso do Direito; 12.1. Noes introdutrias e referncias histricas; 12.2. O abuso de direito na ordem civil-constitucional e a sua ntima relao com a boa-f objetiva; 12.3. Recon- hecimento e efeitos do abuso de direito; 12.4. O abuso de direito e o Cdigo Civil (art. 187); 12.5. Modalidades especficas de atos abusivos; 12.5.1. Generalidades; 12.5.2. A proibio de comportamento contraditrio (venire contra factum propri- um); 12.5.3. A supressio (Verwirkung) e a surrectio (Erwirkung); 12.5.4. O tu quoque; 12.5.5. O duty to mitigate the loss (o dever do credor de mitigar as prprias perdas); 12.5.6. O substancial performance (a tese do inadimplemento mnimo ou adimplemento substancial); 12.5.7. A violao positiva de contrato (tese do adimple- mento fraco ou ruim); 12.6. O abuso de direito em concreto (aplicao prtica); 13. Referncias; 14. Jurisprudncia Sumulada. Amores vista, amores a prazo, Amor ciumento que s cria caso, Tem gente que jura que no volta mais Mas jura sabendo que no capaz Tem gente que escreve at poesia,

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  • Captulo VII -Teoria Geral dos Fatos Jurdicos

    Sumrio: 1. Consideraes Preliminares; 2. Distino entre Fato Jurdico e Fato Ma-terial (Ajurdico) e a Lgica do Mundo Jurdico; 3. Definio do Fato Jurdico; 4.Classificao dos Fatos Jurdicos; 5. Os Diferentes Planos do Mundo Jurdico; 6.Consequncias dos Fatos Jurdicos; 6.1. Generalidades; 6.2. Aquisio de direitos;6.3. Modificao dos direitos; 6.4. Defesa dos direitos; 6.5. Extino dos direitos; 7.Fato Jurdico em Sentido Estrito; 8. Ato-Fato Jurdico; 9. Ato Jurdico; 10. NegcioJurdico; 10.1. Noes gerais; 10.2. Definio; 10.3. Caractersticas e breve escoroevolutivo; 10.4. Classificao; 10.5. Regras de interpretao; 10.6. Diferentes planos(dimenses) do negcio jurdico; 10.7. Plano da existncia e seus pressupostos (ele-mentos de existncia); 10.8. Plano da validade e seus requisitos: a invalidade (nulid-ade a anulabilidade) do negcio jurdico; 10.8.1. Consideraes gerais sobre o planoda validade; 10.8.2. Os requisitos da validade; 10.8.3. A representao no negciojurdico; 10.8.4. A invalidade do negcio jurdico; 10.8.5. Converso substancial donegcio jurdico; 10.8.6. A simulao; 10.9. Plano da eficcia e seus fatores; 10.9.1.Generalidades; 10.9.2. Condio; 10.9.3. Termo; 10.9.4. Modo ou encargo; 10.10.Defeitos do negcio jurdico; 10.10.1. Generalidades; 10.10.2. Erro ou ignorncia;10.10.3. Dolo; 10.10.4. Coao; 10.10.5. Leso; 10.10.6. Estado de perigo; 10.10.7.Fraude contra credores ou Fraude Pauliana; 10.11. O negcio jurdico e a proteodo terceiro de boa-f; 11. O Fato Ilcito; 11.1. Advertncia prvia; 11.2. Noes con-ceituais; 11.3. Efeitos jurdicos decorrentes da ilicitude; 11.4. Tutela preventiva e tu-tela reparatria da ilicitude; 11.5. Excludentes de ilicitude; 12. O Abuso do Direito;12.1. Noes introdutrias e referncias histricas; 12.2. O abuso de direito naordem civil-constitucional e a sua ntima relao com a boa-f objetiva; 12.3. Recon-hecimento e efeitos do abuso de direito; 12.4. O abuso de direito e o Cdigo Civil(art. 187); 12.5. Modalidades especficas de atos abusivos; 12.5.1. Generalidades;12.5.2. A proibio de comportamento contraditrio (venire contra factum propri-um); 12.5.3. A supressio (Verwirkung) e a surrectio (Erwirkung); 12.5.4. O tuquoque; 12.5.5. O duty to mitigate the loss (o dever do credor de mitigar as prpriasperdas); 12.5.6. O substancial performance (a tese do inadimplemento mnimo ouadimplemento substancial); 12.5.7. A violao positiva de contrato (tese do adimple-mento fraco ou ruim); 12.6. O abuso de direito em concreto (aplicao prtica); 13.Referncias; 14. Jurisprudncia Sumulada.

    Amores vista, amores a prazo,Amor ciumento que s cria caso,

    Tem gente que jura que no volta maisMas jura sabendo que no capaz

    Tem gente que escreve at poesia,

  • E rima saudade com hipocrisiaTem assunto bea para a gente falarMas no interessa, o negcio amar.

    (Carlos Lyra, O negcio amar)

    1. Consideraes PreliminaresNo se pode olvidar que o Direito serve para a adaptao social, orde-

    nando a comunidade e viabilizando a convivncia. Traa, pois, regras de

    controle social, dotadas de coercibilidade. fenmeno, pois, tpico do homosocialis, uma vez que o homo naturalis, isolado de tudo e de todos, no ne-cessitaria de harmonizao social.

    V-se, ento, com clareza solar a importncia dos fatos para a vida so-cial. Com efeito, dos fatos que surgir o Direito organizado como cin-

    cia (ex facto ius oritur, j dizia a parmia latina).Com habitual sensibilidade, explica Caio Mrio da Silva Pereira ser o

    fato elemento gerador do direito subjetivo mesmo quando se apresenta tosingelo que mal se perceba, mesmo quando ocorra dentro do ciclo rotineirodas eventualidades quotidianas, de que todos participam sem daremateno. A lei comumente define uma possibilidade, um vir a ser, que setransformar em direito mediante a ocorrncia de um acontecimento queconverte a potencialidade de um interesse, em direito individual.[1076]

    Efetivamente, a vida uma sucesso de acontecimentos, fatos, origina-dos por vezes das foras da natureza e em outras oportunidades da condutahumana. O valor desses acontecimentos diuturnos, todavia, no igual. Aorevs. Surge a norma jurdica exatamente para sopesar o valor dos fatos. Emoutras palavras, a norma ir qualificar, adjetivar, os fatos cotidianos,juridicizando-os.

    Marcos Bernardes de Mello, preclaro civilista da bela e aprazvelMacei, sempre pertinente, observa: quando o fato interfere, direta ou in-diretamente, no relacionamento inter-humano, afetando, de algum modo, oequilbrio de posio do homem diante dos outros homens, a comunidadejurdica atua sobre ele, edita norma que passa a regul-lo, imputando-lhe

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  • efeitos que repercutem no plano da convivncia social. Parece claro, da,que a norma jurdica atua sobre os fatos que compem o mundo,atribuindo-lhes consequncias especficas (efeitos jurdicos) em relao aos

    homens, os quais constituem um plus quanto natureza do fato emsi.[1077]

    Ora, se a norma qualifica os fatos, exsurge a bvia concluso de que odireito, surgindo de fatos que sucedem habitualmente no mundo, aconte-cimento rotineiro na vida humana. Como bem visualizava o eminente juristapeninsular Roberto de Ruggiero, em obra clssica, o direito, sendo aconte-cimento dirio, no se desenrola seno atravs de uma srie infinita demanifestaes jurdicas.[1078]

    Desde atos mais banais (como no exemplo do turista que apanha aconcha na praia, realizando ocupao e adquirindo a propriedade mvel de

    uma res nullius ou do campons que, arando a propriedade, lana sementesno campo do seu vizinho, dando lugar a uma acesso), at outros atos maiscomplexos e formais (como o casamento ou a elaborao de um testa-mento) evidenciam a presena do direito.

    A norma jurdica representa, pois, a valorao de fatos. Ao traar suasregras de convivncia social, o homem est, a partir de critrios axiomticos,valorando os fatos que reputa importantes para as relaes intersubjetivas,elevando-os categoria de fatos jurdicos.[1079] Essa valorao essencialpara conferir coercibilidade a determinados acontecimentos, afinal somenteos fatos qualificados como jurdicos trazem fora coercitiva.

    Dessa multiplicidade de eventos (dependentes ou no da vontade hu-

    mana), que ganharam qualificao da norma, nascem os fatos jurdicos,caracterizando-se pela repercusso na rbita jurdica, produzindo efeitosjurdicos.

    Assim, ser fato jurdico aquele evento, seja qual for a sua natureza eorigem, que repercutir na esfera jurdica.

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  • 2. Distino entre Fato Jurdico e Fato Material(Ajurdico) e a Lgica do Mundo Jurdico

    O fato jurdico se caracteriza pela produtividade de efeitos jurdicos,distinguindo-se do fato material, que no os produz, no estando acober-tado pela coercibilidade. Aqui, repita-se saciedade, no importa a naturezainstrnseca do fato, podendo ter idntica origem. O que interessa produtividade de efeitos normatizados. Exemplo tpico e claro o raio(relmpago) que atinge uma casa. Esse acontecimento pode ser um fatojurdico (se a residncia estava acobertada com uma aplice de seguro) ouum simples fato material (se no estava assegurada a residncia contra oevento).

    Assim, o que distingue o fato jurdico do fato material no a origem,mas sim a produo dos efeitos na rbita do direito.

    Diante desse quadro, preciso ressaltar o caminho percorrido pelofato material at ser juridicizado, desde logo lembrando que o mundojurdico, seguramente, est contido no mundo ftico, correspondendoaquele s imputaes realizadas pelo homem, valorando acontecimentos quese multiplicam neste.

    Para que determinado acontecimento esteja inserto no mundo jurdico,ento, preciso que cumpra diferentes momentos, interdependentes, essen-ciais sua qualificao.

    Assim, possvel sintetizar:[1080] i) definio pela norma jurdica dahiptese ftica merecedora de qualificao; ii) concreo da hiptese defin-ida na realidade fenomenolgica da vida (realizao concreta da hiptese);

    iii) incidncia automtica da norma sobre a hiptese valorada; iv) juridiciza-o do acontecimento, como conseqncia da incidncia. Tomando comoexemplo o nascimento de uma criana, possvel raciocinar ilustrativa-mente. Em primeiro lugar, a norma (CC, art. 2) prev a aquisio da per-sonalidade como consequncia jurdica do nascimento. Ora, no momentoem que algum nasce (presena de ar nos pulmes), tem-se a concreo doacontecimento previsto na norma, vindo, consequentemente, a ocorrer a

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  • incidncia da norma, juridicizando o evento. Da a assertiva de que umacontecimento meramente material, corriqueiro, transforma-se em fen-meno jurdico por conta da normatizao. a lgica do mundo jurdico.

    3. Definio do Fato JurdicoComo visto alhures, todo fato jurdico (situao concreta) decorre da

    valorao realizada pela vontade humana. Ou seja, do mundo ftico so ex-trados acontecimentos que, em razo de sua importncia, merecem recebera incidncia da norma jurdica, transformando-se em fatos jurdicos.

    Para os civilistas clssicos, so fatos jurdicos os que produzem umevento jurdico, que pode consistir, em particular, na constituio, modi-ficao ou extino de uma relao jurdica, ou tambm na substituio deuma relao jurdica nova a uma relao preexistente e ainda na qualificaode uma pessoa, duma coisa ou de um outro fato, na tradicional definiode Santoro-Passarelli.[1081] Seriam, na trilha desse raciocnio, aconteci-mentos que produzem consequncias jurdicas, tendo a virtude de desen-cadear a aplicao da regra objetiva, dando nascimento a um direito ou situ-ao subjetiva.

    No discrepa disso a maioria da doutrina brasileira. Veja-se. Para CaioMrio da Silva Pereira, fatos jurdicos so os acontecimentos em virtudedos quais comeam, se modificam ou se extinguem as relaesjurdicas.[1082] Washington de Barros Monteiro, por seu turno, lecionaque os acontecimentos de que decorrem o nascimento, a subsistncia e a

    perda dos direitos, contemplados em lei, denominam-se fatos jurdicos (latosensu).[1083]

    Com raciocnio idntico, encontram-se, ainda, Orlando Gomes,[1084]Francisco Amaral,[1085] Slvio Rodrigues[1086] e Maria Helena Din-iz.[1087]

    Fcil depreender, assim, que na tradicional viso da doutrina (major-itria) brasileira o conceito de fato jurdico sempre esteve centrado, funda-mentalmente, na induvidosa produtividade de seus efeitos, fazendo com que

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  • as relaes jurdicas viessem a nascer ou a ser extintas, modificadas ou sub-stitudas. A preocupao bsica sempre foi com os efeitos concretos.

    Permissa maxima venia, no lhes assiste razo. que nem sempre decorrero efeitos do fato jurdico, podendo ocor-

    rer que um determinado fato exista e deixe de existir sem que, jamais,produza um nico efeito. Tome-se como exemplo a elaborao de um testa-mento. Com efeito, se algum, maior e capaz, elaborar um testamento,teremos, efetivamente, um fato jurdico que somente produzir seus efeitosdepois da morte do testador. Se, contudo, vier a revogar, ainda em vida, otestamento antes elaborado, o referido fato jurdico deixar de existir semnunca produzir um nico efeito concreto, no criando, modificando, sub-stituindo ou extinguindo nenhuma relao jurdica.

    Por isso, urge revisitar o conceito de fato jurdico, buscando adequ-lo concreta possibilidade de no produzir qualquer efeito.

    Assim, com Pontes de Miranda, possvel definir o fato jurdico, de

    maneira mais realista, como o fato ou complexo de fatos sobre o qual in-cidiu a regra jurdica; portanto, o fato de que dimana, agora, ou mais tarde,talvez condicionalmente, ou talvez no dimane, eficcia jurdica.[1088]

    Parecendo comungar com esse pensamento, Pietro Perlingieri defineo fato jurdico como qualquer evento que seja idneo, segundo o ordena-

    mento, a ter relevncia,[1089] deixando antever a possibilidade, potencial-idade, de produzir efeitos.

    Veja-se, portanto, que o fato jurdico aquele acontecimento capaz deproduzir efeitos (isto , capaz de criar, modificar, substituir ou extinguir situ-aes jurdicas concretas), trazendo consigo uma potencialidade deproduo de efeitos, mas no necessariamente fazendo com que decorramtais consequncias.

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  • 4. Classificao dos Fatos JurdicosOs fatos jurdicos so aqueles eventos, oriundos da natureza ou da

    vontade humana, que podem repercutir na rbita jurdica, produzindo difer-entes consequncias.

    De logo, preciso divisar uma dicotomia fundamental, enxergada luzda conformidade ou contrariedade do fato ao direito. Ou seja, existem fatos

    que se concretizam em conformidade com a ordem jurdica (fatos lcitos),enquanto outros, ao se concretizarem, violam as normas jurdicas, negando

    o direito. So os fatos ilcitos.Prosseguindo a classificao, no se pode negar que os fatos jurdicos

    podem se originar da vontade humana, decorrendo da inteno do agente,ou da fora da natureza, independendo do elemento volitivo. Percebe-se,ento, dois diferentes sentidos para o fato jurdico: numa primeira per-

    spectiva (em sentido lato), qualquer acontecimento, dependente ou no, dohomem, que tem potencialidade de conferir efeitos concretos. Em outro

    prisma (em sentido estrito), significa o acontecimento involuntrio, inde-pendente da vontade humana, que produz efeitos jurdicos.

    Ato jurdico, em sentido amplo, expresso utilizada para designar osacontecimentos que tm no seu suporte ftico (tipificao) a presena do

    elemento volitivo. Essa vontade humana (caracterizadora dos atos jurdicos,em sentido amplo) poder se dar meramente para aderir a efeitos

    preestabelecidos pelo ordenamento jurdico (atos jurdicos em sentido es-trito) ou, ao revs, poder ser uma vontade criadora, estabelecendo novascategorias jurdicas que devem decorrer dos fatos (negcios jurdicos).

    Ao lado dessas, encontra-se, tambm, o ato-fato jurdico, caracteriz-ando espcie autnoma que surge da vontade humana, tendo, pois, o atohumano como essencial, porm desprezando-a em seguida, uma vez quepara a produo dos seus efeitos a vontade humana irrelevante, independ-endo do elemento anmico.

    Partindo dessas premissas fundamentais, de modo amplo, possvel

    classificar os fatos jurdicos em sentido amplo lcitos (em conformidade com

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  • o ordenamento jurdico) em: a) fatos jurdicos em sentido estrito, que decorr-em de fenmenos naturais, sem interveno humana; b) atos jurdicos emsentido amplo, que so os acontecimentos decorrentes da exteriorizao davontade humana; c) atos jurdicos em sentido estrito, resultante da subdivisodo ato jurdico lato sensu, caracterizados pela vontade humana de que de-corram efeitos previstos na norma jurdica; d) negcio jurdico, tambm frutoda subdiviso dos atos jurdicos em senso amplo, tipificando categoria na

    qual a vontade humana escolhe os efeitos que decorrero; e) ato-fatojurdico, no qual o elemento humano essencial para a sua existncia, mascuja produo de efeitos independe do nimo, pois o direito reputa irrelev-ante a vontade de pratic-lo.

    Existem outras classificaes adotadas pela doutrina brasileira, oraprestigiando os efeitos decorrentes dos fatos, ora a natureza deles.[1090]Apresenta-se, entretanto, dotada de maior tcnica a teoria construda nadoutrina germnica (Kipp, Von Thur, Klein, Biermann, dentre outros) eabraada no Brasil por Pontes de Miranda e Marcos Bernardes deMello,[1091] identificando como elementos nucleares diferenciais para a

    distino: a) a conformidade, ou no, com o direito; e b) a presena, ou no,de ato humano volitivo.

    Importa dizer, ainda, que tanto o estatuto civil de 1916 quanto o de2002 consideram o fato ilcito como jurdico, apenas realando que os efei-tos produzidos so desconformes ordem jurdica (arts. 186 e ss., CC).

    Assim, com o propsito de facilitar a compreenso da matria, pos-svel demonstrar graficamente a classificao adotada no seguinte esquema:

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  • 5. Os Diferentes Planos do Mundo Jurdico

    No raro a doutrina brasileira utiliza com equvoco as expresses ex-istncia, validade e eficcia, chegando mesmo a emprestar significadosinnimo.

    Por todos, confira-se a lio do eminente professor das Alterosas Caio

    Mrio da Silva Pereira, lecionando que se deve empregar os vocbulos in-eficaz e ineficcia com sentido genrico, reservando as palavras nulidade enulo, anulabilidade e anulvel, inexistncia e inexistente para a designaode tipos especficos de ineficcia. A ineficcia gnero, porque pode atingiros efeitos do ato vlido.[1092]

    Todavia, de se notar que um determinado acontecimento jurdicopode existir e no ter validade (reconhecimento pelo ordenamento jurdico)e, por conseguinte, no produzir qualquer conseqncia jurdica (ou seja,no ter eficcia).

    O que se pretende afirmar com isso que todo e qualquer fato jurdicopassar por diferentes planos (dimenses): primeiramente, o fato jurdico tem

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  • existncia (plano ontolgico, ganhando uma estruturao bsica e element-ar); em seguida, ganha validade (quando se conformar com a ordem jurdicavigente, atendendo aos elementos exigidos pelo sistema jurdico); e, final-

    mente, sendo existente e vlido, o fato jurdico, naturalmente, produzir efei-tos jurdicos (admitindo-se, porm, que esta eficcia, produzida, de ordinrio,automaticamente, possa ser controlada pelos interessados).

    Em sendo assim, averiguando, com acuidade, as mculas que podemviciar os fatos jurdicos, possvel encontrar diferentes situaes, especifica-

    mente: i) existir, ser vlido e eficaz (contrato de compra e venda celebradocom outorga do cnjuge, entre maiores e capazes); ii) existir, ser vlido, masineficaz (o testamento realizado por pessoa maior e capaz, antes de sua

    morte); iii) existir, ser invlido, porm eficaz (como no exemplo docasamento putativo); iv) existir, ser invlido e ineficaz (doao realizada porpessoa absolutamente incapaz, pessoalmente); v) existir e ser eficaz (nasci-mento com vida).

    Ora, a partir dessas premissas fundamentais, lcito inferir que os pla-nos de existncia, validade e eficcia so autnomos e distintos, no sendopossvel emprestar-lhes tratamento idntico.

    Outrossim, h de se estabelecer como premissa fundamental e insuper-vel o plano de existncia que a base para todos os demais.

    Essa tripartio foi desenvolvida amplamente na obra de Hans Kelsene introduzida, no Brasil, por Pontes de Miranda.[1093] O Cdigo Civil,entretanto, optou por manter uma anlise bipartida do fato jurdico, deixan-do de tratar de maneira expressa do plano da existncia, sob o argumento deque ao legislar j se est no plano da validade, e, portanto, restaria desne-cessria a anlise do plano da existncia em sede de direito positivo.

    O plano da existncia o plano do ser. Nele ingressam todos os fatosjurdicos, sejam lcitos, sejam ilcitos. Desenvolvida no seio da doutrina ejurisprudncia francesa e italiana (Zacchariae, Demolombe e Aubry etRau), a inexistncia diz respeito falta de elementos fundamentais. Por isso,o fato inexistente o no-fato, o nada jurdico.

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  • Por seu turno, o plano da validade concerne perfeio do ato sob atica dos requisitos exigidos pela lei. Assim, a ausncia de algum dos ele-mentos da validade torna o fato invlido, gnero do qual decorrem a nulid-ade e anulabilidade como espcies.

    Destaque-se, por oportuno no passarem pelo plano da validade os fa-

    tos jurdicos stricto sensu, os atos-fatos jurdicos e os fatos ilcitos. quesomente os atos jurdicos stricto sensu e os negcios jurdicos passaro pelocrivo da validade, uma vez que, derivando da vontade humana, poderoproduzir efeitos em conformidade ou desconformidade com o ordena-mento jurdico. As demais categorias, como no tm a vontade humana nocerne de seu suporte ftico, por conseguinte, no passaro pelo plano davalidade.

    Finalmente, no plano da eficcia o fato produzir efeitos jurdicos, cri-ando, extinguindo, modificando ou substituindo relaes jurdicas. bvioque o plano da eficcia pressupe a passagem pelo plano da existncia, atu-ando, apenas, na produtividade dos efeitos concretos. Aqui passam todos osfatos jurdicos, inclusive os anulveis e nulos, que, em determinadas situ-aes, podem produzir efeitos.

    No despiciendo sublinhar que essa trilogia (tridimensionalidade) dosfatos jurdicos no pode ser utilizada como um mecanismo positivista, con-ferindo realce s normas legais em detrimento das normas principiolgicas.No possvel abraar a concepo tridimensional do fato jurdico para as-fixiar a abertura de caminhos possveis no campo do constitucionalismocontemporneo, prejudicando a aplicao das normas constitucionais, emespecial dos direitos e garantias fundamentais. preciso, pois, situar a (rel-evantssima) contribuio ponteana no contexto histrico-social de sua po-ca e utilizar com prudncia a sua aplicao concreta, em especial no que dizrespeito s relaes existenciais. At porque a trilogia do fato jurdico foi

    construda, fundamentalmente, para a compreenso de relaes jurdicaspatrimoniais (v.g., as relaes contratuais). Por isso, quando se tratar de re-laes jurdicas existenciais (como, por exemplo, os direitos da

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  • personalidade) sobreleva partir da mxima efetivao dos direitos e garantiasfundamentais.[1094] Tal advertncia, por lgico, no diminui em nada a co-erncia e relevncia da teoria construda pelo imortal professor alagoano.Apenas, impe-se, nessa nova e exuberante arquitetura decorrente daefetivao da norma constitucional no campo do Direito Civil, a sua re-leitura crtica, com o objetivo construtivo de adapt-la ao garantismoconstitucional.

    6. Consequncias dos Fatos Jurdicos

    6.1. Generalidades

    Em razo de a potencialidade do fato jurdico lato sensu criar, modifi-car, substituir ou extinguir relaes jurdicas, preciso delimitar as principaiscaractersticas de cada um desses possveis efeitos.

    6.2. Aquisio de direitosTem-se a aquisio de direitos quando ocorre a sua conjuno com o

    titular, surgindo, ento, a propriedade quando o bem se subordina ao

    dominus.[1095]Alguns direitos so adquiridos pelo simples fato objetivo da aquisio

    da personalidade (personalssimos), bastando o nascimento com vida. Na

    seara patrimonial, por seu turno, adquirem-se direitos por: i) modo ori-ginrio, nascendo o direito no momento em que o titular se apropria dobem diretamente, sem interposio ou transferncia de outra pessoa. Ouseja, no havendo translatividade, como no exemplo da ocupao da concha

    do mar ou da caa e pesca; ii) modo derivado, ocorrendo a aquisio a partirde uma transmisso de direito de uma pessoa a outra, evidenciando a ex-istncia de relao jurdica anterior e outra atual, como na compra e vendade imvel.

    A aquisio de direitos pode se dar de forma: i) gratuita, no havendocontraprestao, como na doao; ii) onerosa, quando houver uma con-traprestao, enriquecendo ambas as partes, como na compra e venda.

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  • Ainda possvel que a aquisio se opere: i) a ttulo universal, quandoo novo titular substitui o anterior proprietrio na totalidade dos poderes

    sobre a coisa, como o herdeiro; ou ii) a ttulo singular, sucedendo o novotitular apenas em determinadas coisas, certas e determinadas, como nafigura do legatrio.

    O ato de aquisio, por sua vez, pode ser: i) simples, quando o fatogerador consiste em um s ato, como uma simples assinatura de cheque; ou

    ii) complexo, nas hipteses em que se apresentar necessria ocorrncia demais de um fato, como na aquisio por usucapio.

    O Cdigo Civil de 1916, no seu art. 74, diferentemente do vigente, in-

    dicava as regras sobre aquisio: i) direitos so adquiridos por ato do ad-quirente ou por meio de outrem (se capaz, pode adquirir pessoalmente oupor representao convencional, como no exemplo do mandato ou da

    gesto de negcios; se incapaz, pela representao legal); ii) existem direitosque podem ser adquiridos independente de ato do adquirente, como a avulso(CC, art. 1.248, III); iii) possvel adquirir para si ou para outrem (no seconfunde com representao, so casos de aquisio para terceiro, comoevidencia o art. 436 da Codificao, ao estipular o seguro de vida em favor

    de terceiro); iv) so atuais os direitos j adquiridos e futuros os que aaquisio ainda no completa ( o caso da compra e venda em prestaes).

    O direito futuro pode ser deferido (quando s depende do prprio titu-lar, como no exemplo do herdeiro que para adquirir a herana depender

    apenas de sua aceitao) ou no deferido (hiptese em que se subordina a fa-tos ou condies falveis, como na doao condicionada a casamento ou napromessa de recompensa, dependendo do cumprimento de condies).

    No se confundem os direitos no deferidos com a expectativa dedireito. Esta mera possibilidade ou esperana de adquirir um direito (e.g., oherdeiro testamentrio que aguarda a abertura da sucesso). J o direitoeventual consiste em um direito, ainda que incompleto, pela falta de ele-mento bsico protegido pela norma ( o caso da hipoteca sobre bens futur-

    os, herdeiro legtimo). Por fim, o direito condicional, que somente se perfaz

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  • pelo advento de acontecimento futuro e incerto (que pode ser ilustrado coma promessa de sociedade se algum colar grau universitrio).

    6.3. Modificao dos direitosCom Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho, ainda que

    no haja alterao da sua essncia, perfeitamente possvel a prtica de atosou a ocorrncia de fatos jurdicos que impliquem a modificao de direit-os.[1096]

    Assim, possvel que um determinado fato jurdico venha a sofrermodificao independente de alterao na substncia.

    A modificao pode ser: i) objetiva, quando atingir a qualidade ouquantidade do objeto da relao jurdica (como na amortizao de dbito ou

    recebimento de obrigao de fazer em dinheiro); ou ii) subjetiva, dizendorespeito aos sujeitos, subsistindo a relao jurdica ntegra ( o exemplo dadesapropriao). Tambm se opera com multiplicao ou diminuio desujeitos.

    Lembre-se, de qualquer sorte, que os direitos da personalidade nocomportam modificao subjetiva.

    6.4. Defesa dos direitosPara resguardar os direitos que j adquiriu, poder o titular praticar

    atos conservatrios (protesto, reteno concedida ao possuidor de boa-fque promoveu benfeitorias teis ou necessrias, arresto, sequestro, cauofidejussria ou real, interpelaes judiciais para constituir em mora o de-vedor etc.), livrando-os de ameaa atual ou iminente.

    Pondera, no sem razo, Slvio Rodrigues que o direito que se titular-iza seria ineficaz se no pudesse ser defendido quando violado ouameaado,[1097] por isso a lei concede ao titular a via judicial para defend-er seus interesses ( o direito de ao, alado altitude de garantia constitu-cional pelo art. 5, XXXV). Em casos excepcionais (como no desforo in-continnti, art. 1.210, 1, da Lei Civil), permite o legislador a defesa diretae pessoal do direito pelo seu titular. Trata-se, entrementes, de hiptese

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  • absolutamente excepcional, somente admissvel por fora de expressa pre-viso legal.

    Lembre-se, ademais, que nas excepcionais hipteses de autodefesa,como no desforo incontinnti exemplificado, admitido para a legtima de-fesa da posse, quando indispensvel para manter-se ou restituir-se nela,exige-se a presena dos requisitos da legtima defesa do Direito Penal.

    Desta forma, considerando os termos do art. 5, XXXV, da Constitu-io da Repblica, nada podendo ser subvertido apreciao do PoderJudicirio, detecta-se que, de regra, necessrio o uso da via judicial, paraque o titular possa garantir a conservao de seus direitos. Precisar, to-davia, demonstrar legtimo interesse econmico ou moral (CPC, art. 3, eSmula 409 do Supremo Tribunal Federal). Surge, nesse panorama, a ao

    judicial como o direito pblico subjetivo e abstrato de todos em movimentara mquina judiciria para cessar violao ou impedir que ameaa se realize,ds que se tenha interesse econmico ou moral. Mais ainda, avulta eviden-ciar a existncia de um direito ao recebimento do Estado-Juiz da tutela juris-dicional justa, adequada e clere.

    Merece realce a possibilidade de defender em juzo direitos atuais oufuturos deferidos. Os futuros no deferidos, por sua vez, s admitiro atosconservatrios (CC, art. 130).

    Vale chamar a ateno, ainda, para o fato de que tanto os direitos pat-rimoniais, quanto os direitos extrapatrimoniais, podem ser defendidos em

    juzo, como assegura a Lex Legum, art. 5, V e X, e o novo Codex, art. 186.

    6.5. Extino dos direitos

    Extinguem-se os direitos pelo: i) perecimento do objeto (quando o ob-jeto do direito perde suas qualidades essenciais ou valor econmico ouquando se confunde com outro, no sendo possvel distingui-lo, ou ainda,

    quando cair em local onde no possa ser retirado); ii) alienao; iii) renncia(despojamento do direito, sem transferncia, com exceo de alguns direitos

    de carter irrenuncivel, como os direitos da personalidade); iv) abandono(deixando a coisa em qualquer local, no mais tendo interesse); v)

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  • falecimento do titular (em se tratando de direito da personalidade); vi) pre-scrio (extino da pretenso); vii) decadncia (fulminando o prpriodireito); viii) abolio de instituio jurdica (como se deu na escravido);ix) confuso (reunio de direitos na mesma pessoa); x) implemento da con-dio resolutiva; xi) escoamento de prazo, se a termo; xii) perempo da in-stncia ou do processo (CPC, art. 301, IV, apesar de ficar ileso o direito);xiii) aparecimento de direito incompatvel com o atual e que o suplanta.

    Registre-se, finalmente, existirem casos em que, apesar da extino, otitular ter ao indenizatria, quando perece por culpa de terceiros, com opropsito de reparar eventuais prejuzos sofridos.

    7. Fato Jurdico em Sentido Estrito

    possvel delimitar o mbito conceitual do fato jurdico stricto sensucomo sendo o acontecimento oriundo da natureza (evento), que repercutena rbita jurdica.

    Ou seja, o acontecimento em cujo suporte ftico (tipicidade) estopresentes apenas fatos da natureza, independentes de atividade humanacomo dado essencial sua formalizao. o caso do decurso do tempo, donascimento, etc.

    Assim sendo, o fato jurdico stricto sensu supe a inexistncia de vont-ade, enquanto acontecimento fenomnico, uma vez que os seus efeitos de-correm da simples prtica de um comportamento humano, independente doestado de conscincia.

    Para o seu reconhecimento bastante a ocorrncia de acontecimentonatural, sendo desnecessria a atuao humana ainda que, eventualmente,

    esteja presente. Assim, pode acontecer que algumas vezes o evento suporteftico do fato jurdico stricto sensu esteja ligado a um ato humano, comoocorre com o nascimento do ser humano que tem sua origem na con-cepo. Outras vezes, at, o fato pode resultar de ato humano intencional,como na morte por assassnio ou por suicdio... Isto, entretanto, no altera anatureza de fato jurdico, uma vez que a circunstncia de haver um ato

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  • humano em sua origem no muda o carter do evento que constitui seusuporte ftico. A morte no deixa de ser evento da natureza se provocadapor ato humano; do mesmo modo o nascimento no perde a sua caracter-stica de fato natural porque houve um ato que lhe deu origem, na per-cepo de Marcos Bernardes de Mello.[1098]

    Portanto, o critrio essencial para a classificao dos acontecimentosem fatos jurdicos em senso estrito se funda na presena, ou no, de ato hu-mano como elemento necessrio para a composio da categoria jurdica.

    Assim, ainda que se tenha eventual participao humana, como nocaso do homicdio, no se desnatura o acontecimento como um fatojurdico em sentido estrito, uma vez que a conduta humana desnecessriapara a composio de sua estrutura.

    Distinguem-se os fatos jurdicos em sentido estrito em: i) ordinrios;ii) extraordinrios.

    Ordinrios so os acontecimentos de ocorrncia costumeira, cotidiana,esperada, como a morte, o nascimento, o decurso do tempo.[1099] De

    outra banda, extraordinrios so eventos caracterizados pela excepcionalid-ade, pela imprevisibilidade, como no claro e evidente exemplo do caso for-tuito e da fora maior.[1100]

    8. Ato-Fato JurdicoA partir das ideias postas, possvel formular o raciocnio de que os

    acontecimentos merecedores de juridicidade so as condutas humanas

    (negcio jurdico e ato jurdico em senso estrito), os eventos da natureza (fatosjurdicos em sentido estrito) e, finalmente, o ato ilcito como uma quarta es-pcie, nas hipteses nas quais houver colidncia dos efeitos com a previsodo ordenamento jurdico.

    Existem, contudo, espcie na qual o fato para existir necessita, essen-cialmente, de um ato humano, mas a norma jurdica abstrai desse atoqualquer elemento volitivo como relevante. Isto , o ato humano da sub-stncia do fato jurdico, mas no importa para a norma se houve, ou no,

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  • vontade em pratic-lo, conforme a precisa lio de Bernardes deMello.[1101]

    Enfim, o ato-fato jurdico aquele em que a hiptese de incidnciapressupe um ato humano, porm os seus efeitos decorrem por conta danorma, pouco interessando se houve, ou no, vontade em sua prtica.

    Exemplos elucidativos podem ser mencionados com a caa e pesca,quando permitidas, o desforo incontinnti (CC, art. 1.210, 1) do pos-suidor para manter-se ou ser reintegrado na posse, a tomada de posse e aocupao.

    Trata-se de ato humano no qual a vontade inexiste (ao menos dirigidano sentido de produzir determinados efeitos) ou, se existe, no necessrioconsiderar o seu contedo, uma vez que os efeitos decorrero independ-entemente dela. Se o turista, andando na praia, apanha uma concha e, emseguida, lana de volta ao mar, pratica abandono (perda da propriedademvel por conduta voluntria do titular, nos termos do art. 1.275, III, do

    Codex). Ora, se o referido turista abandonou sua propriedade mvel, intu-itivo concluir que, ao assenhorear-se da concha, praticando ocupao (CC,art. 1.263), adquiriu a sua propriedade, independentemente de sua vontade.

    Noutro exemplo, vale a lembrana do direito recompensa decorrenteda descoberta (CC, art. 1.233). Na forma do citado dispositivo, descobertasignifica encontrar coisa mvel alheia perdida, impondo-se ao descobridor odever de restituir a coisa encontrada ao titular ou, sendo desconhecido, autoridade policial. Decorre da descoberta, ento, a obrigao de reparar asdespesas decorrentes da manuteno da coisa, alm do pagamento de uma

    recompensa (que tem o nome de achdego). Observe-se que ao encontrarcoisa mvel alheia perdida, o descobridor far jus recompensa, tenha tido,ou no, a vontade de adquirir tal direito. Cuida-se, portanto, de ato-fatojurdico.

    Logo, em sntese, o ato-fato jurdico surge de um comportamento hu-mano e produz efeitos independentemente da vontade humana e, alis,podendo produzir os seus efeitos, at mesmo, contra a vontade.

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  • Os atos-fatos jurdicos podero ser: i) atos-fatos reais, tambm ditosatos materiais, quando consistir em ato humano do qual resultam circun-stncias fticas, geralmente irremovveis (como no exemplo da ocupao);

    ii) atos-fatos indenizativos, que se configuram nas hipteses em que de umato humano no contrrio ao direito decorrer prejuzo a terceiro, com o de-ver de reparar o dano ( o caso do estado de necessidade, com sacrifcio de

    bem pertencente a um terceiro, como indica o art. 188 da Lei Civil); iii)atos-fatos caducificantes, correspondendo a situaes que constituem fatosjurdicos, cujo efeito consiste em extinguir direitos, como no caso dadecadncia ou prescrio.

    9. Ato JurdicoEm sentido lato, os atos jurdicos derivam, necessariamente, de uma

    atuao do ser humano ou de sua exteriorizao de vontade, produzindoefeitos reconhecidos pelo direito (fato jurdico humano voluntrio). Soaqueles que, derivando da exteriorizao da vontade do agente, se dirigem obteno de um resultado jurdico concreto (no vedado por lei).[1102]

    Da, ento, ser lcito extrair alguns elementos caracterizadores do atojurdico em sentido amplo:

    i) ato humano de vontade;ii) exteriorizao da vontade pretendida (at porque a vontade en-

    quanto interior no vincula, nem produz efeitos. Por isso, se al-gum comparece a um leilo e no levanta o brao, estar im-possibilitado de apresentar um lance para a aquisio do bemleiloado);

    iii) conscincia dessa exteriorizao de vontade (se, nesse mesmoleilo, levanto o brao para chamar o garom, sem ter conscinciade que estarei oferecendo um lance, no posso estar praticandoato jurdico);

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  • iv) que essa vontade exteriorizada dirija-se obteno de resultadopermitido (no proibido) pela ordem jurdica.

    Vale destacar que a exteriorizao de vontade poder se dar atravs de

    declarao ou manifestao de vontade, distinguindo-se a partir da noo deque esta (manifestao) a exteriorizao por simples comportamento daspessoas, enquanto aquela (declarao) a manifestao qualificada,distinguindo-se de acordo com o modo pelo qual a vontade explicitada.Exemplifica Marcos Bernardes de Mello: se algum lana ao lixo um parde sapatos, manifesta a sua vontade de abandon-lo; se, diferentemente, dizs pessoas da casa que vai lanar os sapatos ao lixo, declarou a sua vont-ade.[1103]

    Dividem-se os atos jurdicos em: ato jurdico stricto sensu e negciojurdico.

    Em sentido lato o ato jurdico o acontecimento jurdico cujo suporteftico tenha como cerne uma exteriorizao consciente de vontade, dirigida obteno de resultado juridicamente protegido, previsto na norma oueleito pela prpria parte.

    J o ato jurdico em sentido estrito o que gera consequnciasjurdicas previstas em lei (tipificadas previamente), desejadas, bem ver-dade, pelos interessados, mas sem qualquer regulamentao da autonomiaprivada. Surge como mero pressuposto de efeito jurdico preordenado porlei. Ilustrativamente possvel invocar o exemplo do reconhecimento de pa-ternidade, no qual h vontade exteriorizada no sentido de aderir a efeitospreviamente previstos na norma, no sendo possvel ao manifestante criarefeitos distintos daqueles contemplados na norma. No possvel, assim,reconhecer um filho, impedindo-lhe, porm, de cobrar alimentos ou de serherdeiro necessrio.

    Para Marcos Bernardes de Mello o ato jurdico em senso estrito oque tem por elemento nuclear do suporte ftico manifestao ou de-clarao unilateral de vontade cujos efeitos jurdicos so prefixados pelasnormas jurdicas e invariveis, no cabendo s pessoas qualquer poder de

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  • escolha da categoria jurdica ou de estruturao do contedo das relaesjurdicas respectivas.[1104]

    A distino entre ato e negcio jurdico centra-se, pois, no poder deescolha da categoria jurdica respectiva (que praticamente inexistente noato e pleno no negcio) e no na presena de ato de vontade.

    Exemplos esclarecedores de ato jurdico stricto sensu so a fixao dedomiclio, o reconhecimento de filhos, a quitao, a escolha nas obrigaesalternativas e o perdo.[1105] J o negcio jurdico pode ser exemplificadoclaramente atravs do contrato.

    Observe-se que, enquanto o Cdigo Civil de 1916 adotava a teoriaunitria do ato jurdico (sistema francs), no fazendo distino entre o ato

    e o negcio jurdico, o novo Codex abraou a teoria dualista (sistemaalemo), distinguindo, explicitamente, os atos jurdicos stricto sensu dosnegcios jurdicos, dada a autonomia conceitual de cada espcie.

    Assim, derivando da teoria alem, a tese dualista, que j tinha sidoacolhida pela doutrina, faz distino entre negcio jurdico e ato jurdico

    stricto sensu, ambos derivando de um tronco nico: o ato jurdico lato sensu.Enquanto o ato jurdico em sentido estrito (ou ato no-negocial) tem con-sectrios previstos em lei, afastando, em regra, a autonomia privada (neles ainteno est em segundo plano, ganhando realce a consequncia desejada),

    o negcio jurdico (ou ato negocial) ato de autonomia privada, com osquais o particular regula por si os prprios interesses. ato regulamentadordos interesses privados.[1106] Desfechando: quando a autonomia da vont-ade no exercer influncia nos efeitos decorrentes ter-se- ato jurdico sen-

    tido estrito, cujo efeito se produz ex lege, sem considerar a vontade doagente; j se o resultado depender da vontade (ex voluntate), caso de neg-cio jurdico.

    A finalidade do ato jurdico estrito senso est prevista em lei (embora aparte a deseje); j a do negcio jurdico pode se concretizar em momentosdiversos da vida do direito.

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  • Normalmente, os atos jurdicos em sentido estrito partem de manifest-aes de vontade, enquanto os negcios jurdicos so estribados em de-claraes de vontade. Trata-se de simples regra, que pode ser alterada nocaso concreto, sem que qualquer prejuzo ocorra configurao do ato.

    Por derradeiro, impende chamar a ateno para a regra nsita no art.185 do Cdigo Civil, nitidamente inspirada no art. 1.324 do Cdigo Civilitaliano, determinando a aplicao das regras dos negcios jurdicos (dada amaior complexidade e riqueza estrutural) aos atos jurdicos lcitos no nego-ciais (em sentido estrito).

    Reza, in litteris, o dispositivo legal:

    Art. 185, Cdigo Civil: Aos atos jurdicos lcitos, que no sejamnegcios jurdicos, aplicam-se, no que couber, as disposies do Ttuloanterior.Concretamente, o interesse no estudo do negcio jurdico , justifica-

    damente, maior do que a preocupao com os atos jurdicos em sentido es-trito, em razo da concepo voluntarista do ato negocial, decorrendo davontade do agente os seus efeitos, sendo necessrio o exame dos vcios quepodem se abater sobre esta vontade, as clusulas restritivas de sua eficcia,

    etc. J no ato jurdico stricto sensu, em que os efeitos decorrem diretamenteda lei, pouca ou nenhuma interferncia tm estes fatores, uma vez que o atopossuir requisitos prprios, disciplinados em lei.

    O Cdigo Civil, ento, determina a aplicao da disciplina dos neg-

    cios jurdicos aos atos jurdicos lcitos no que couber, deixando antever orespeito s diferenas ontolgicas entre as citadas figuras jurdicas. Atporque no seria possvel aplicar aos atos no-negociais regras relacionadas inteno do agente. Deste modo, a aplicabilidade das regras do negcio

    jurdico ao ato jurdico stricto sensu cinge-se s normas que no se refiram inteno do declarante, como, por exemplo, as que tratam da forma donegcio jurdico ou da capacidade (CC, art. 104, I e III, entre outros).

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  • Detecta-se, hodiernamente, uma tendncia induvidosa no sentido de senegar vontade individual a relevncia que lhe era atribuda pela cinciajurdica nos Cdigos oitocentistas (sculo XIX). Especialmente no DireitoCivil vislumbra-se a superao do voluntarismo e do individualismo porparadigmas sociais e ticos (como a funo social do contrato e a boa-f ob-jetiva, arts. 421 e 422 da Codificao Reale), valorizando a conduta daspartes interessadas.[1107]

    Decorre dessa regra, pois, que o reconhecimento de filhos (exemplode ato jurdico em senso estrito), embora irrevogvel e irretratvel (CC, art.1.609), admite anulabilidade.

    No demais registrar, concluindo a abordagem do ato jurdico emsenso estrito, que alguns doutrinadores de escol, como os eminentesmestres baianos Orlando Gomes[1108] e Jos Abreu,[1109] optam por

    uma subdiviso dos mesmos, encontrando as figuras dos atos materiais edas participaes. Para eles, os atos materiais (ou reais) resultariam da atu-ao da manifestao volitiva corporificada em ato material (exemplo datomada de posse), englobando um elemento psquico (vontade) e outroconcreto (a prtica do ato correspondente). No teriam destinatrio, con-sistindo na simples atuao da vontade corporificada, que j lhes d existn-

    cia imediata. So, na realidade, os atos-fatos jurdicos que estudamos alhures.Por seu turno, as participaes se caracterizam pela exteriorizao de vont-ade para a cincia de fatos ou intenes, como na interpelao. Buscariamproduzir efeito psquico.

    10. Negcio Jurdico

    10.1. Noes geraisInicialmente, calha repetir, exausto, que os atos jurdicos, com-

    preendidos em sentido amplo, dizem respeito aos atos decorrentes da vont-ade humana. E que essa vontade humana pode ser exteriorizada no sentidode aderir a efeitos jurdicos concretos previstos na norma jurdica (ato

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  • jurdico stricto sensu) ou pode ser dirigida criao de concretos efeitosjurdicos (negcio jurdico).

    Assim, negcio jurdico (Rechtsgeschaft) o acordo de vontades, quesurge da participao humana e projeta efeitos desejados e criados por ela,tendo por fim a aquisio, modificao, transferncia ou extino de direit-os. H, nesse passo, uma composio de interesses ( o exemplo tpico doscontratos), tendo a declarao de vontades um fim negocial.

    Na viso particular de Santoro-Passarelli, negcio jurdico o ato deautonomia privada, com o qual o particular regula por si os prprios in-teresses. Por outras palavras, o ato regulamentador dos interesses priva-dos.[1110]

    , pois, mais rico e complexo, em sua estrutura interna, do que o atojurdico (no qual a vontade apenas para aderir aos efeitos previstos na or-dem jurdica), seja pelo seu contedo, seja pela produo de efeitos. Nonegcio h uma composio de interesses, um regramento de condutas es-tabelecido bilateralmente, entre as partes envolvidas no acontecimento. Essaexteriorizao de vontade presente no negcio jurdico tem o escopo nego-

    cial, visando criar, adquirir, transferir, modificar ou extinguir direitos.

    10.2. DefinioDe sada, convm encarecer vnia ao leitor para fugir das intensas con-

    trovrsias relativas s correntes dogmticas que estudam e justificam o con-ceito de negcio jurdico, evitando uma fuga s explcitas finalidades re-stritas deste trabalho.[1111]

    Colocadas de lado as discusses doutrinrias relacionadas s teorias ex-plicativas do negcio jurdico, de Antonio Junqueira de Azevedo a felizconceituao do negcio jurdico como todo fato jurdico consistente nadeclarao de vontade, a que o ordenamento jurdico atribui os efeitos des-ignados como queridos, respeitados os pressupostos de existncia, validadee eficcia impostos pela norma jurdica que sobre ele incide.[1112]

    Orlando Gomes, por sua vez, dispara ser o negcio jurdico toda de-clarao de vontade destinada produo de efeitos jurdicos

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  • correspondentes ao intento prtico do declarante se reconhecido e garan-tido pela lei.[1113]

    Como observado, o Cdigo Civil de 1916 no admitia, explicitamente,a figura do negcio jurdico, deixando de promover a sua distino em re-

    lao ao ato jurdico stricto sensu. A Codificao de 2002, em seu art. 104,expressamente acolhe a diferenciao, admitindo a existncia do ato nego-cial com autonomia e independncia conceitual, influenciado pela Escolaalem.

    10.3. Caractersticas e breve escoro evolutivoO negcio jurdico, por ser situao jurdica derivada do elemento

    volitivo (vontade humana), pertencente classe dos fatos jurdicos cujo res-ultado final pretendido, desejado, pelas partes, tem ntido cunho de satis-fao de interesses privados.

    Logo, a exteriorizao da vontade a nota caracterstica que maisavulta no negcio jurdico. a sua fora propulsora.

    preciso aqui registrar, reiterando posio antes evidenciada ex-

    austo, que o elemento volitivo, fruto da autonomia da vontade e da auto-nomia privada,[1114]-[1115] marca registrada do negcio jurdico, nomais assume carter absoluto, sofrendo, sempre, as limitaes decorrentesda ingerncia de normas de ordem pblica, notadamente constitucionais,por fora da proteo destinada pessoa humana, realando sua necessriadignidade (CF/88, art. 1, III).

    J se teve oportunidade, inclusive, de reconhecer o raciocnio aqui es-posado em sede jurisprudencial, como se pode notar:

    A concepo moderna do princpio da autonomia da vontade,que se harmoniza com o princpio da obrigatoriedade dos contratos,afastou-se do seu carter absoluto anterior e, diante de determinadascircunstncias, admite a imposio de limites ao poder de contratar...

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  • (TJ/RJ, Ac. 5 Cm. Cv., Ap.Cv. 10.128/2000, rel. Des. MltonFernandes de Souza, DOERJ 6.11.00)

    que a personalidade humana deve estar, sempre, sublinhada comovalor jurdico insusceptvel de reduo a situaes-tipo, sendo mister suaproteo eficaz e efetiva, nas mltiplas e renovadas circunstncias em que seencontre.

    Assim, embora a vontade sempre tenha sido considerada (e continu-ar, sem dvida, a ser) como elemento propulsor do ato negocial, dvida in-existe de que a sua compreenso dever se dar luz dos elevados princpiosconstitucionais protetivos da pessoa humana, considerada em suas variadase diversas necessidades, interesses, exigncias, qualidades, condies econ-micas e sociais, respeitados seus valores essenciais (dignidade, segurana,igualdade, liberdade) e fundamentais instncias de sua promoo e desen-volvimento (sade, trabalho, educao).[1116]

    No se pense, todavia, que se tenha negado o princpio da liberdade de

    contratao. Consagrada a livre iniciativa no art. 170 da Lex Legum, apenasfoi instrumentalizada a servio da cidadania, condicionada a um estgiomenos malfico, mais humanizado, de maneira a possibilitar a real igualdadeentre as partes, proclamando os ideais de justia social (art. 3, CF).[1117]

    Assim, o negcio jurdico, assim como si ocorrer com os demais in-stitutos fundamentais do Direito Civil (a propriedade, o contrato, a re-sponsabilidade civil, a sucesso, a famlia...), deve ser compreendido de

    maneira funcionalizada, preocupando-se em, concretamente, emprestareficcia organizao social, abandonando o histrico carter neutro paraassumir feio integrada s necessidades reais do seu tempo.

    Forte em Francisco Amaral, emprestar ao negcio jurdico (assimcomo aos demais institutos fundamentais do direito civil) uma funo so-cial significa considerar que os interesses da sociedade se sobrepem aos doindivduo, sem que isso implique, necessariamente, a anulao da pessoahumana, justificando-se a ao do Estado pela necessidade de acabar com asinjustias sociais. E conclui o mestre fluminense: precisamente com esse

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  • entendimento (funo social) que a autonomia privada pode e devedirecionar-se, dizendo respeito aos deveres das pessoas em relao sociedade, superando-se o individualismo jurdico em favor dos interessadoscomunitrios e corrigindo-se os excessos da autonomia da vontade dosprimrdios do liberalismo e capitalismo.[1118]

    Exemplos eloquentes de uma concepo tica e social dos negcios

    jurdicos podem ser encontrados nos arts. 113, 421 e 422 do Codex, es-tabelecendo a boa-f objetiva e a funo social dos contratos, como vetoresapontando para um novo tempo de compreenso das relaes negociaisentre ns, transformando efetivamente a realidade viva das relaes jurdicasprivadas, em consonncia com os ditames da solidariedade e justia social.

    O negcio jurdico transcende o individualismo da vontade paracumprir funo de instrumento de concretizao da nova tbua axiolgicaconstitucional (CF/88, arts. 1, III, 3 e 5).[1119]

    Sem dvida, esta h de ser a diretriz do negcio jurdico na perspectivacivil-constitucional: mbito de atuao individual com eficcia jurdica,servindo aos ideais de desenvolvimento e realizao da pessoa humana.

    Nesse panorama de evoluo da compreenso do negcio jurdico, es-pecialmente considerando os novos valores afirmados pela Carta Magna, mister superar a ideia de negcio jurdico fundado em autonomia privada,entronizada historicamente como a garantia da liberdade dos cidados.

    No plano concreto do ato negocial, significa que as partes no estoobrigadas a cumprir, apenas, as obrigaes impostas pelo prprio contrato,mas, por igual, devem respeitar deveres anexos, implcitos, que decorrem datica comum esperada de todas as pessoas nas relaes intersubjetivas. oexemplo da empresa que aceita um pagamento atravs de cheque ps-datado e, em seguida, o deposita antes da data, sob a alegao de que ocheque ordem de pagamento vista, quebrando a confiana que despertou

    em seu cliente. Da ter concludo a jurisprudncia que caracteriza danomoral a apresentao antecipada de cheque pr-datado (Smula 370 do Su-perior Tribunal de Justia). Identicamente, as partes de um contrato devem

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  • ter a preocupao de no causar prejuzos a terceiros, cuidando, assim, dosimpactos sociais do negcio.

    Ora, considerando o deslocamento do eixo das relaes privadas para

    busca da tutela da pessoa humana, afirmando-se premente preocupaocom o princpio da confiana (boa-f objetiva e funo social do contrato),urge revisitar o instituto, dando-lhe novo colorido. Com isso, afirma-se umanecessria limitao da liberdade de determinao do contedo negocial (nomais das vezes estabelecidas unilateralmente pelas grandes empresas egrupos econmicos), com maior interveno estatal,[1120] atravs de nor-mas de ordem pblica, para assegurar a primazia da cidadania.

    J h, inclusive, quem afirme que, diante da crise que envolve a pr-pria noo de autonomia privada, cabe questionar a subsistncia do negciojurdico como objeto de estudo no mbito do Direito Civil. Mais relevanteque o exame da figura do negcio jurdico, cujas razes histrico-ideolgicasse prendem vida da sociedade alem dos Sculos XVIII e XIX, partir,hoje, para o estudo do contrato, em qualquer dos variados aspectos quepossa suscitar, como dispara, corajosamente, Leonardo Mattietto, paraconcluir, lembrando Francesco Galgano: a verdade que os nossos civilis-tas falam enfim de negcio jurdico mais por hbito lingstico que por con-vico conceitual.[1121]

    10.4. ClassificaoA classificao dos negcios jurdicos deve ser feita atravs da veri-

    ficao dos elementos comuns e diferenciais que os estremam, a partir decritrios distintos,[1122] resultando em diversas espcies que servem paraauxiliar o aplicador da norma.

    Assim, diversas so as classificaes formuladas do negcio jurdico,variando conforme o critrio enfocado. Veja-se, ento, sistematicamente:

    i) quanto declarao de vontade das partes, o negcio jurdico podeser unilateral (quando se aperfeioar apenas com uma nicamanifestao de vontade, como no testamento), bilateral (sendo

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  • aquele que se completa com duas manifestaes de vontade, co-incidentes com o mesmo objeto, atravs de consentimentomtuo, porm com interesses antagnicos, como se pode notar

    no casamento ou na compra e venda) ou, ainda, plurilateral(dizendo respeito quele negcio que envolve a composio demais de duas vontades paralelamente manifestadas por diferentes

    partes, com um interesse convergente, como, e.g., no contrato desociedade);

    ii) quanto aos titulares, o negcio pode ser inter vivos (quando celeb-rado para produzir efeitos desde logo, quando ainda vivos oscontratantes, ainda que, eventualmente, um deles venha a morrer,

    de que exemplo o contrato de compra e venda) ou causa mortis(cujos efeitos somente decorrem aps o bito de um ou de maisde um dos declarantes, podendo ser lembrado o testamento);

    iii) quanto aos benefcios patrimoniais reconhecidos s partes, o neg-cio jurdico pode ser oneroso (quando h vantagem patrimonialpara ambas as partes. o exemplo do contrato de compra e

    venda. Vale lembrar que o negcio oneroso pode ser comutativoou aleatrio, distinguindo-se porque naquele h prvio conheci-mento das vantagens econmicas auferidas pelas partes, como naaquisio de um bem imvel, enquanto neste as vantagens a ser-em obtidas so incertas e no sabidas, como no contrato de se-

    guro e na cesso de direitos hereditrios), gratuito (referindo-sequele em que s uma das partes aufere benefcios, de que hiptese a doao sem encargo, chamada de pura e simples),

    neutro (constituindo espcie desprovida de expresso econmica,como na gestao em tero alheio, que ser, necessariamente,destituda de qualquer envolvimento patrimonial, consoante a ad-

    vertncia da Lei n 9.434/97), ou bifronte (quando o negciopuder ser gratuito ou oneroso, a depender da vontade almejadapelas partes, como se nota do contrato de depsito, que permite

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  • conveno de remunerao do depositrio, convertendo-se emoneroso, nos termos do art. 644 do Cdigo Civil);[1123]

    iv) quanto forma, pode ser o ato negocial formal (tambm dito solene,quando tiver de obedecer a alguma solenidade exigida por lei,como da essncia do ato, como o casamento ou a compra e

    venda de imvel) ou informal (com forma livre, consistindo naregra geral, de que exemplo um emprstimo);

    v) quanto importncia, o negcio poder ser principal ou acessrio, setiver, ou no, existncia prpria. Se tiver existncia autnoma, in-dependente de outro, principal; se, entrementes, a sua existnciae destino so subordinados juridicamente a outro negcio, trata-se de negcio acessrio. possvel invocar o exemplo do con-trato de emprstimo e de fiana como eloquente exemplo denegcio principal (o emprstimo) e acessrio (a fiana). Nomesmo passo, vale lembrar o casamento e o pacto antenupcial;

    vi) quanto durao, poder o negcio ser instantneo (cujos efeitosso exauridos em momento nico, podendo ser lembrada como

    exemplo a compra e venda vista) ou de durao, tambm ditode trato sucessivo (hiptese em que os efeitos so protrados notempo, como na compra e venda em prestaes). Releva a dis-tino porque somente o negcio de trato sucessivo admite a res-oluo ou reviso judicial por onerosidade excessiva, nos termosdos arts. 478 a 480 do Cdigo Civil;

    vii) quanto causa, existe o negcio jurdico causal (quando fundadoem motivo determinante) ou abstrato (sem causapredeterminada);

    viii) quanto eficcia, pode ser que o negcio assuma formaconsensual (bastando-lhe, para o seu aperfeioamento, a exterior-izao da vontade das partes), solene (quando for exigido, por lei,o atendimento a alguma formalidade ou solenidade, sob pena de

    nulidade, nos termos do art. 166 da Lei Civil) ou real (hiptese

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  • em que a perfectibilizao do negcio jurdico depende datradio, isto , da efetiva entrega do objeto negocial);

    Alm dos critrios apontados, sobreleva registrar que j se fala na clas-sificao dos negcios jurdicos a partir da extenso dos interesses das

    partes. Por esse critrio, pode o negcio assumir feio intersubjetiva (cont-ando com apenas uma pessoa em cada um dos polos da relao, no tpico

    exemplo do contrato de mandato), plrima (quando um ou ambos os polosda relao negocial conta com mais de um sujeito, como na prestao de

    servios por duas ou mais pessoas) ou individual homognea (quando contarcom a presena de uma entidade, regularmente autorizada, representando osinteresses de uma das partes, consubstanciando interesses de um grupo de-terminado de pessoas, previamente determinadas e determinveis).[1124]

    Pelo mesmo fio condutor, pode o negcio jurdico produzir efeitos di-fusos ou coletivos. H negcio com eficcia coletiva no caso de os interessesdefendidos serem de abrangncia coletiva, como na conveno coletiva de

    trabalho firmada por sindicato. A outro giro, ser difusa a produtividade dosefeitos quando estiver presente entidade representativa de interesses difusos,como na hiptese de o Ministrio Pblico celebrar termo de ajustamento deconduta tendo como objeto a proteo ao meio ambiente. Importa lembrarque os negcios jurdicos difusos apresentam cunho eminentemente ex-trapatrimonial, em razo da matria sobre a qual versam, no se admitindoclusulas em que se disponha sobre o contedo material dos direitos emapreo, pois pertencem coletividade (direitos de massa).[1125] Ou seja, avalidade dos negcios difusos depende da inexistncia de concesses mtu-as, pois o direito no pertence aos legitimados para celebr-los, servindocomo instrumento de proteo dos valores mais significativos da sociedade,como o meio ambiente, a defesa do consumidor, a moralidade adminis-trativa, etc. o exemplo dos termos de ajustamento de condutas celebradospelo Ministrio Pblico ou por entidades do poder pblico (art. 5, 6, daLei n 7.347/85 Lei da Ao Civil Pblica).

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  • H interessante precedente jurisprudencial que pode ser trazido bailapara ilustrar a matria tratada:

    Sendo o mago da questo a proteo aos interesses de todos einexistente qualquer nocividade do produto, protegida est asociedade, reputando-se perfeitamente vivel a transao e julgando-seextinto o procedimento recursal (STJ, Ac. 2 T., REsp. 8741, rel. Min.Hlio Mossimann, j. 13.11.91, DJU 10.2.92).

    Francisco Jos Marques Sampaio ilustra a possibilidade de negcios

    jurdicos difusos fazendo referncia operao interligada, que instru-mento de interveno urbanstica utilizado pela administrao municipal doRio de Janeiro para obter a cooperao de pessoas naturais e jurdicas emdeterminados empreendimentos imobilirios. Pelo referido negcio, oPoder Pblico autoriza a realizao de um projeto imobilirio especfico,que no atende integralmente legislao urbanstica pertinente, obtendo,em troca, como contrapartida, um benefcio (como a construo ou reformade prdios pblicos municipais, dentre outras possibilidades). Outro neg-

    cio jurdico difuso mencionado a urbanizao consorciada, consistente narealizao de empreendimentos conjuntos entre a iniciativa privada e a mu-nicipalidade, com o fito de dividir projetos comuns, como a urbanizao defavelas ou loteamentos irregulares ou clandestinos.[1126] Em tais hipteses,alm do Poder Pblico, o tambm o Ministrio Pblico tem legitimidadepara firmar termos de ajustamento (negcios jurdicos).

    mister, outrossim, fazer meno ao chamado negcio de acertamento.Trata-se de negcio celebrado com base na teoria do reconhecimento comocausa da obrigao. Nele se demonstra uma declarao de verdade pronun-ciada pelas mesmas partes de um contrato, com o fito de esclarecer osdireitos e deveres recprocos, gerando obrigaes para elas. , pois, o neg-cio celebrado pelas prprias partes de um outro ajuste, destinado elimin-ao de um estado de incerteza, acerca do pacto anteriormente acertado.Esta, alis, a sua causa: afastar as dvidas de um outro contrato.[1127]

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  • Finalmente, registre-se que ao negcio de acertamento aplicam-se, subsidi-ariamente, as regras codificadas da transao (CC, arts. 849 e ss.).

    10.5. Regras de interpretaoA partir da necessria perspectiva civil-constitucional, at porque no

    h outro modo de entender o Direito Civil da ps-modernidade (como vis-lumbra Erik Jaime, de Heidelberg), impende estabelecer uma regra funda-mental de interpretao de toda e qualquer atividade negocial: a boa-fobjetiva.

    que, como ensina Gustavo Tepedino, a leitura da clusula geral daboa-f objetiva a partir dos princpios constitucionais informadores da ativid-ade econmica privada permite desvendar o verdadeiro sentido transformadordo preceito na teoria da interpretao dos negcios jurdicos, deixandoantever a importncia da clusula como fonte precpua de interpretao ne-gocial.[1128]

    De fato, o dever de interpretar todo e qualquer negcio conforme aboa-f objetiva encontra-se, sem dvida, informado pelos princpios con-stitucionais fundamentais para a atividade privada a dignidade da pessoahumana (art. 1, III), o valor social da livre iniciativa privada (art. 1, IV), asolidariedade social (art. 3, I) e a igualdade substancial (arts. 3, III, e 5).

    Nesse sentido, acolhendo tais ponderaes, o art. 113 do Cdigo Civilprev, expressamente, que os negcios jurdicos devem ser interpretadosconforme a boa-f.

    A boa-f na nova ordem jurdica positivada, ao revs do Cdigo Civilde 1916, em que era encarada to somente em seu aspecto subjetivo, con-

    siderada de forma subjetiva e objetiva. A boa-f objetiva a busca doequilbrio. Constitui-se, a um s tempo, na estipulao de deveres anexos,implcitos, nos negcios, impondo probidade, honestidade, tica, honradez einformao, mesmo no estando previstos expressamente na declarao ne-gocial, alm de limitar o exerccio dos direitos subjetivos, evitando o abuso dedireito e, finalmente, servindo como fonte de interpretao dos negcios jurdi-cos.[1129] O ilcito contratual, portanto, no se caracteriza apenas pelo

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  • descumprimento de regras expressamente convencionadas, mas tambmpela violao de determinados princpios, que se consideram implicitamenteinseridos, encartados, no negcio.

    feliz Rose Melo Vencelau ao comentar o supracitado dispositivolegal, valendo, aqui, transcrever seus ensinamentos: com isso, percebe-seuma relativizao do subjetivismo da interpretao do negcio jurdico, umavez que, se, por um lado, a investigao sobre a inteno importante, poroutro, elementos objetivos devem tambm ser observados. Desse modo, onovo Cdigo mais parece ter pendido para uma teoria intermediria, como ateoria da confiana, entre a vontade real do agente e a declarao por elelevada a efeito.[1130]

    A jurisprudncia j teve oportunidade de reconhecer a aplicao doprincpio da boa-f objetiva como cnone interpretativo dos negciosjurdicos. Veja-se ilustrativamente:

    Boa-f. Contrato. O princpio da boa-f impe deveres anexos,de acordo com a natureza do negcio e a finalidade pretendida pelaspartes. Entre eles encontra-se a obrigao da vendedora de pequena lojade vesturio no cancelar pedidos j feitos, com o que inviabilizaria onegcio e frustraria a justa expectativa do comprador (TJ/RS, Ac.589073956, 5 Cm. Cv., rel. Des. Ruy Rosado de Aguiar Jr., j.

    19.12.89, in Ajuris 50:207)

    O compromisso pblico assumido pelo Ministro da Fazenda, at-ravs de Memorando de Entendimento, para suspenso de execuo ju-dicial de dvida bancria de devedor que se apresentasse para acerto decontas, gera no muturio a justa expectativa de que essa suspensoocorrer, preenchida a condio. Direito de obter a suspenso fundadono princpio da boa-f objetiva, que privilegia o respeito lealdade(STJ, Ac.unn. 4 T., RMS6183, rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar Jr., j.14.11.95).

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  • Estabelea-se, pois, que interpretar o negcio jurdico de acordo com aboa-f significa, em ltima anlise, garantir sua funcionalidade.

    Visualizado o cnone interpretativo fundamental, apresentemos as de-mais regras de interpretao do negcio jurdico, conforme referncia doCdigo Civil, em outros dispositivos relacionados matria, espalhados nosarts. 110 a 114.

    No art. 110, o Cdigo Civil cuida da reserva mental, caracterizadacomo a emisso de uma declarao no querida, no desejada, em seu con-tedo e muito menos em seu resultado, tendo por fito nico enganar, iludir,o declaratrio (parte contrria).[1131] No negcio celebrado com reservamental o declarante afirma determinada inteno que sabe, previamente,no pretender cumprir. Logo, declara apenas para enganar a parte contrria.

    Pressupe, logicamente, os seguintes elementos: i) declarao no desejadaem seu contedo e resultado; ii) nimo de iludir a parte contrria ou ter-ceiro. possvel citar como casos de reserva mental a declarao do autorde obra literria anunciando tratar-se de livro destinado campanha fil-antrpica, apenas com o propsito de assegurar a circulao e impulsionaras vendas ou o casamento do estrangeiro com mulher da terra apenas com ofito de no ser expulso do pas.

    Bifurca-se a reserva mental em duas modalidades: i) sem o conheci-mento do destinatrio e ii) com o conhecimento do destinatrio. Naprimeira hiptese, o negcio subsiste, sendo irrelevante a reserva mentaldesconhecida da parte contrria. Na outra hiptese, sendo conhecida a re-serva mental pela parte adversa, isto , sabendo que o declarante nocumprir o contedo negocial, o negcio ser inexistente (dada a ausnciade qualquer ato negocial) ou, se houver inteno de prejudicar terceiros ou

    violar a lei, estar eivado de nulidade (de acordo com o art. 167 do Codex),caracterizando verdadeira simulao.[1132]

    Na sequncia, o art. 111 da Codificao Reale trata do silncio, de-terminando que seja interpretado como caracterizador de concordncia com

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  • o negcio, desde que as circunstncias ou os usos locais autorizem e noseja necessria declarao de vontade expressa.

    No se deve, entretanto, considerar o silncio como uma espcie dedeclarao de vontade. Trilhando neste caminho, Rose Melo Vencelau es-clarece que no o silncio uma declarao de vontade expressa ou tcita...No se confunde com a declarao tcita, uma vez que esta se apresentacom atitudes do declarante que tornam clara sua vontade, por exemplo, nahiptese prevista no art. 1.805 do Cdigo Civil. O silncio a inrcia doagente que, de acordo com a anlise das circunstncias do caso, pode provo-car efeitos de uma declarao volitiva.[1133] o juiz quem deve averiguar,consideradas as circunstncias objetivas e subjetivas do caso, se o silnciotraduziu, ou no, declarao de vontade no caso concreto. A ttulo exempli-ficativo, possvel observar que nas doaes pura e simples (sem encargo) osilncio do donatrio poder caracterizar aceitao.

    J no art. 112 o Codex preconiza que nas declaraes de vontade seatender mais inteno nelas consubstanciada do que ao sentido literal dalinguagem. Em sntese, o que importa a vontade real e no a vontade de-clarada, importando interpretar o negcio, de acordo com a boa-f, paraelucidar a inteno das partes, sem vinculao ao teor da redao do neg-

    cio (lingstica). a chamada teoria da confiana, que mantm ntima re-lao com o princpio da boa-f objetiva. Por conta da teoria confiana, adeclarao de vontade deve prevalecer sobre a efetiva vontade na medidaem que tenha suscitado legtima expectativa no destinatrio, conforme ascircunstncias objetivas. Assim, verificada a boa-f do destinatrio, a de-clarao vlida conforme a confiana que nele tenha despertado, comopondera Francisco Amaral.[1134]

    Frente aos argumentos suso escandidos, possvel sintetizar algumasregras de interpretao decorrentes da anlise dos citados dispositivos legais:

    i) as palavras e expresses ambguas devem ser interpretadas peloscostumes locais;

    ii) as expresses no compreensveis so tidas como no escritas;

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  • iii) o contedo negocial s compreende as coisas sobre as quais po-dem as partes pactuar;

    iv) os negcios jurdicos que estabeleam benefcios, privilgios, arenncia e as clusulas sancionatrias devem ser interpretadosrestritivamente;

    v) as clusulas de uso so subentendidas no negcio;vi) na dvida, interpreta-se favoravelmente ao devedor;vii) em se tratando de negcio consumerista, interpreta-se em favor do

    consumidor (hipossuficiente);

    viii) o testamento interpretado pelo sentido que pretendeu o testador(CC, art. 1.899).

    10.6. Diferentes planos (dimenses) do negcio jurdicoConforme analisado em passagem anterior, no possvel com-

    preender o fenmeno jurdico, seno a partir de seus trs diferentes planos:

    existncia, validade e eficcia. E sendo o negcio jurdico uma espcie dognero fato jurdico, tambm o seu exame pode (rectius: deve!) ser feitonesses trs planos.

    O precursor desta diviso foi Pontes de Miranda, em seu monument-

    al Tratado de Direito Privado, seguindo-lhe, hodiernamente, a grande partede nossa doutrina.[1135]

    Como esclarece Antonio Junqueira de Azevedo, plano da existncia,plano da validade e plano da eficcia so os trs planos nos quais a mentehumana deve sucessivamente examinar o negcio jurdico, a fim de verificarse ele obtm plena realizao.[1136]

    A partir dessa ideia, poderemos organizar a estrutura do negciojurdico da seguinte forma:

    i) plano da existncia, relativo ao ser, isto , sua estruturao, deacordo com a presena de elementos bsicos, fundamentais, paraque possa ser admitido, considerado;

    ii) plano da validade, dizendo respeito aptido do negcio frente aoordenamento jurdico para produzir efeitos concretos;

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  • iii) plano da eficcia, tendo pertinncia com a sua capacidade deproduzir, desde logo, efeitos jurdicos ou ficar submetido a de-terminados elementos acidentais, que podem conter ou liberar taleficcia.

    Conforme a precisa lio de Antonio Junqueira de Azevedo, no plano

    da existncia preciso preencher pressupostos ou elementos de existncia; en-quanto no plano da validade necessrio que estejam presentes os requisitosde validade; e, finalmente, no plano da eficcia, encontram-se os fatores deeficcia.[1137]

    De forma mais especfica. Inicialmente, averigua-se a presena dos ele-mentos estruturantes para que seja considerado na esfera jurdica. So ele-mentos essenciais, sem os quais no ter o negcio sequer possibilidade deproduzir efeitos. Em seguida, no nvel da validade, se analisam os requisitosde conformidade com a ordem jurdica, para afirmar a aptido do negciopara produzir efeitos. Finalmente, na ltima etapa, ser conferida aprodutividade imediata dos efeitos, ou no. Trata-se de anlise progressiva,tendo como plano prejudicial e imprescindvel a existncia.

    Tomando como exemplo o testamento, possvel afirmar que existirquando o sujeito emitir vontade, no sentido de dispor de seu patrimnio

    para depois de sua morte. Em seguida, ser vlido se contiver os requisitosexigidos por lei, possuindo declarao de vontade ntegra, sem vcios,

    emitida por agente capaz. No entanto, existindo e sendo vlido o negcio,no significa que o testamento ir produzir efeitos necessariamente. Como sesabe, somente depois da morte do declarante que os efeitos do testamentodecorrero, vislumbrando-se, assim, a autonomia dos trs diferentes planos.

    10.7. Plano da existncia e seus pressupostos (elementos deexistncia)

    No plano de existncia no se discute a validade ou invalidade do

    negcio e tampouco a sua eficcia. Neste plano analisa-se o ser, isto , opreenchimento das condies mnimas para que possa produzir efeitos.

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  • O negcio jurdico inexistente o que no possui os elementos fticosque a sua natureza supe e exige como condio existencial, conduzindo asua falta impossibilidade de sua formao. Assim, frustrados os elementosde existncia, no existe na rbita jurdica, no podendo produzir, por con-

    seguinte, qualquer efeito jurdico. o no-ato.Como afirma Marcos Bernardes de Mello no plano da existncia no

    se cogita de invalidade ou eficcia do fato jurdico, importa, apenas, a realid-ade da existncia. Tudo, aqui, fica circunscrito a se saber se o suporte fcticosuficiente se comps, dando ensejo incidncia.[1138]

    Conquanto o Cdigo Civil no mencione expressamente os elementosda existncia do negcio jurdico, induvidoso que, antes de produzir efei-

    tos com eficcia no plano concreto, o negcio precisa existir juridicamente.No existindo juridicamente, o negcio sequer precisar ser destitudo

    judicialmente (como exigem os franceses), porque a inexistncia o noser. Logo, no tendo vocao para produzir qualquer efeito, no h ne-cessidade de declarar o negcio inexistente como tal. Excepcionalmente,apenas, possvel a declarao judicial da inexistncia do negcio, em razode efeitos indiretos gerados por ele. o exemplo do casamento celebradopor um Delegado de Polcia ou por um Juiz do Trabalho. O ato em si in-existente e, como tal, no se mostra necessria a propositura de uma aopara declar-lo como tal. Todavia, pode ser admissvel o ajuizamento deao para anular o registro pblico de casamento, se eventualmente foi as-sentado pelo Oficial.

    Muito embora a doutrina no seja pacfica quanto aos elementos exist-enciais, possvel identific-los. Assim, so pressupostos de existncia donegcio jurdico:

    i) agente;ii) objeto;iii) forma;iv) vontade exteriorizada consciente.

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  • Antonio Junqueira de Azevedo, inclusive, chama a ateno para o

    fato de que a declarao de vontade e no a vontade propriamente ditaque se constitui elemento existencial do negcio jurdico, uma vez que cro-nologicamente, ele (o negcio) surge, nasce, por ocasio da declarao; suaexistncia comea nesse momento; todo o processo volitivo anterior nofaz parte dele; o negcio todo consiste na declarao.[1139] A tudo issoacresa-se que a vontade no exteriorizada nenhum efeito poder produzirno plano concreto.

    certo, e isso no se pode colocar em dvida, que sem a exterioriza-o da vontade no h negcio jurdico, tomando-se como exemplo o con-trato em que as partes no declaram sua inteno.

    De outro lado, presentes os elementos mnimos, tem-se existente onegcio jurdico. o exemplo do contrato de compra e venda de imvel

    celebrado por escritura particular. Encontrando-se no negcio sujeito (com-prador e vendedor), objeto (a alienao do bem), forma (escrito particular) evontade declarada (uma no sentido de vender, compondo-se com outra nosentido de adquirir), o negcio preencheu os elementos do plano da existn-cia, devendo ser analisado, dali em diante, no plano da validade.

    10.8. Plano da validade e seus requisitos: a invalidade (nulidade aanulabilidade) do negcio jurdico

    10.8.1. Consideraes gerais sobre o plano da validade

    Somente aps a verificao da existncia do negcio jurdico (afirmadaa partir da presena de seus pressupostos, elementos, mnimos) que serpossvel apreciar o plano da validade, averiguando a presena dos requisitosde validade exigidos por lei. H uma verdadeira relao implicacional: se seanalisam os requisitos de validade, porque esto presentes os elementosdo plano da existncia, necessariamente.

    No passou ao largo da perspicaz observao do saudoso San TiagoDantas a necessidade de respeito a condies de validade para que o neg-cio se torne idneo a produzir efeitos. Esclarece o saudoso mestre da

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  • Faculdade Nacional de Direito (hoje UFRJ) a indispensabilidade, com vistasa que produzam efeitos, de que os negcios jurdicos renam certo nmerode requisitos que costumamos apresentar como os da sua validade. Se o atopossui tais requisitos, vlido e dele decorre a aquisio, modificao ou ex-tino de direitos prevista pelo agente. Se, porm, falta-lhe um desses re-quisitos, o ato invlido, no produz o efeito jurdico em questo.[1140]

    no plano da validade que o negcio jurdico encontrar plena justi-ficao terica, apreciando o papel maior ou menor da vontade exterioriz-ada, bem como os limites da autonomia privada, a forma, o objeto e ocontedo.

    Preciosa a lio de Antonio Junqueira de Azevedo, dizendo entender-se perfeitamente que o ordenamento jurdico, uma vez que autoriza aparte, ou as partes, a emitir declarao de vontade, qual sero atribudosefeitos jurdicos de acordo com o que foi manifestado como querido, pro-cure cercar a formao desse especialssimo fato jurdico de certas garantias,tanto no interesse das prprias partes, quanto no de terceiros e no de toda aordem jurdica.[1141]

    Assim, fcil perceber a funo do plano da validade, servindo comorede de proteo da vontade que est sendo exteriorizada pela(s) parte(s).

    10.8.2. Os requisitos da validade

    Ora, se a validade e no poderia ser diferente a qualidade da qualdeve se revestir o negcio ao ingressar no mundo jurdico, consistente emestar em conformidade com as regras (opes) do ordenamentojurdico,[1142] decorre quase que intuitivamente que os requisitos exi-gidos neste plano tratam da qualificao dos prprios pressupostosexistenciais.

    Apresentam-se os requisitos da validade, pois, como os caracteres exi-gidos por lei para o preenchimento do plano da validade.

    Nesta linha de inteleco, fcil concluir que h certo paralelismoentre os elementos do plano da existncia e os elementos do plano da valid-ade, constituindo estes, de forma simples e direta, a qualificao,

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  • adjetivao, daqueles.[1143] Correspondem os requisitos do plano da valid-ade s qualidades que os elementos estruturais (existenciais) devem ter.

    No primeiro plano (existncia), os elementos aparecem, estruturam onegcio. J no plano seguinte (validade), aqueles mesmos elementos se qual-ificam, para que se tornem aptos a produzir efeitos.

    Assim, qualificando os elementos existenciais, tem-se como requisitosda validade do negcio jurdico, a partir da leitura do art. 104 do CdigoCivil:

    i) agente capaz;ii) objeto lcito, possvel, determinado ou determinvel;iii) forma adequada (prescrita ou no defesa em lei);iv) vontade exteriorizada conscientemente, de forma livre e

    desembaraada.

    Em primeiro lugar, veja-se que o agente deve ser capaz, respeitadas ashipteses de absoluta e relativa incapacidade traadas pelos arts. 3 e 4 daCodificao. No se olvide que, como visto alhures, por vezes poder a lei

    exigir, alm da capacidade geral, determinado requisito concreto, denom-inado doutrinariamente capacidade especfica ou legitimao, da qual exem-plo elucidativo a outorga do cnjuge para a alienao de bens imveis porpessoas casadas, exceto se o regime de bens do casamento for a separaode bens (CC, art. 1.647).

    O objeto h de ser lcito, possvel, determinado ou determinvel, nose contrapondo lei, moral ou aos bons costumes.

    Tambm merece qualificao a forma. Embora, de regra, seja livre,no se pode ignorar que a lei, no raro, exigir forma especial, como se de-preende da simples e ainda que perfunctria leitura do art. 107 do TextoCodificado: a validade da declarao de vontade no depender de formaespecial, seno quando a lei expressamente exigir. Exemplo claro so os

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  • contratos de compra e venda de imveis, que exigem escritura pblica, re-gistrada em Cartrio de Imveis.

    Relembre-se, exausto, que a regra a forma livre, pelo que qualquerexigncia de forma especial depende de previso normativa.

    A vontade, por sua vez, deve ser explicitada de forma livre, sem em-baraos, no podendo estar impregnada de malcia ou vcio. preciso que aexteriorizao da vontade ocorra com respeito boa-f (objetiva e subjetiva)e autonomia privada. Sofrendo alguma mcula (seja a m-f, seja a quebrada autonomia privada), haver defeito na manifestao de vontade, caracter-

    izando os chamados defeitos do negcio jurdico, que podem ser vcios devontade (quando houver discordncia entre a vontade e a declarao devontade) ou vcios sociais (quando a vontade estiver perturbada, sendo expli-citada para causar prejuzo a algum ou fraudar a lei).[1144]

    10.8.3. A representao no negcio jurdico

    a) Nota introdutria

    Tema dos mais relevantes na teoria dos fatos jurdicos, sem dvida,pertine representao. At mesmo porque o referido instituto tambmprojeta seus tentculos em outras sedes, como na teoria da capacidadejurdica.

    De sada, convm diferenar a representao legal[1145] (tambm ditarepresentao necessria) e a voluntria (ou privada, como preferem alguns).Aquela (a representao legal) corresponde ao poder, conferido por lei, deagir em nome de outrem, de um incapaz. o caso dos pais, tutores ecuradores.[1146] Esta (a representao voluntria), quando o poder de atu-ao em nome de outra pessoa concedido por ato do prprio interessado,da prpria pessoa cujos interesses estaro em pauta.

    Releva, nesse ponto, promover o estudo da representao voluntria,por dizer respeito exteriorizao vlida da vontade que elemento devalidade do negcio jurdico.

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  • Sem dvida, de regra, os negcios e atos jurdicos (em senso estrito)so realizados pessoal e diretamente pelos interessados, sobre os quais de-vero incidir os efeitos. No se nega, no entanto, a possibilidade (bastantecomum) de prtica do negcio por uma pessoa para projetar efeitos na es-fera de interesses de outra. que existem situaes concretas, cotidianas,nas quais, por variados e incontveis motivos (especialmente na sociedadehodierna, multifacetria, complexa e dinmica), surge para algum a ne-cessidade de que outra atue em seu lugar, permitindo quela adquirir direitosou obrigaes como se estivesse agindo pessoalmente. o exemplo de umacompra e venda cujo adquirente encontra-se no exterior e confere poderespara que algum exercite a sua vontade, em seu favor, representando-o nacelebrao do negcio.

    b) A representao voluntria no Direito Civil

    Originada da expresso latina representatio, representationis, signific-ando a ao ou efeito de pr diante dos olhos de algum, a representaoconsiste em verdadeira substituio da exteriorizao da vontade. ExplicaMairan Gonalves Maia Jnior que na representao a vontade manifest-ada por outra pessoa, por interveniente ou cooperador, o qual faz asvezes de, apresenta-se no lugar de, agindo e fazendo com que os efeitosjurdicos e econmicos do negcio celebrado por seu intermdio recaiam

    diretamente na esfera jurdica do substitudo, ou seja, do dominus ne-gotii.[1147]

    A representao voluntria surge da ideia fundamental de que algumpode celebrar um negcio ou um ato jurdico em nome de outra pessoa,sobre cuja esfera jurdica sero produzidas as consequncias jurdicas.

    Por isso, consubstancia, no mbito da cincia jurdica, o fenmeno da

    cooperao. , pois, cooperao (colaborao) jurdica. Torna possvel a cel-ebrao de contratos entre um interessado direto ou principal (o repres-entado) e uma outra pessoa interessada (o terceiro), por intermdio de umagente interposto (o representante privado), de maneira tal que os efeitos at-injam apenas o representado e o terceiro, passando longe da esfera jurdica

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  • de interesses do representante. Equivale a dizer: uma pessoa participa pess-oalmente de um negcio que produzir efeitos sobre outra[1148] (a ver-dadeira parte do ato negocial).

    Caracteriza-se, pois, a representao pela evidente ciso (distino)entre a pessoa por meio de quem se revela, se exterioriza, a vontade e o des-tinatrio dos efeitos do negcio celebrado. Da a feliz percepo de RenDemogue, citado por Maia Jnior, afirmando que o representante umaprojeo da personalidade jurdica do representado, muito embora no seconfundam.[1149]

    Qualquer negcio jurdico, como regra, admite a representaoprivada. De qualquer modo, as relaes contratuais apresentam-se como odomiclio mais comum da representao voluntria. A figura jurdica podetambm ser encontrada em outras sedes, como no casamento e na confis-so, muito embora, em tais hipteses (assim como em outras hiptesesassemelhadas), exija-se a concesso de poderes especficos.

    Na linha de tais ideias, Leonardo Mattietto bem percebe que na rep-resentao voluntria encontra-se um pressuposto (a relao jurdicabsica), um requisito (agir em nome de outrem) e um efeito tpico (a im-putao na esfera jurdica do representado).[1150] por isso que no se

    enquadra nas latitudes do instituto em apreo a chamada representao in-direta, figura materializada quando o agente realiza o negcio em seuprprio nome para, somente depois, transferir os seus efeitos para orepresentado.

    c) O representante aparente e a boa-f

    A disciplina jurdica da representao voluntria no pode se afastar doprincpio da notoriedade (aparncia). Com isso, se uma pessoa atua, apar-entemente (aos olhos de todos), como se tivesse poderes para representaroutra, esta responder, prestigiado o comportamento tico das partes (boa-f objetiva).

    Equivale a dizer: pode haver outorga de poderes (representao) noapenas de forma expressa, mas tambm de modo comportamental.

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  • Quando a aparncia de celebrao de negcio idnea a suscitar aconfiana ou representao mental, o criador desta situao concreta

    (aparncia) est vinculado ao resultado.[1151] a chamada teoria daaparncia, que aqui ganha terminologia prpria: representao ou procuraoaparente.

    certo, destarte, que a exteriorizao da vontade reconhecida tam-bm atravs de atos e comportamentos concludentes que permitem aos ter-ceiros confiar, acreditar, na relao jurdica que se vislumbra. Em outra ex-presso: no raro, apesar da inexistncia de mandato, a situao apresenta-sede forma aparente, ensejando a caracterizao da representao. Com Mair-an Gonalves Maia Jnior, em obra dedicada ao tema, na representaoaparente, apesar de no existir a manifestao de vontade do representadoem outorgar poderes, a conduta dele, objetivamente considerada, contribuipara formar no terceiro a convico de ter sido outorgada procur-ao.[1152]

    Nesse sentido, admitindo a representao aparente, h importante pre-cedente em nossos Pretrios:

    Locao. Contrato. Novo aluguel. Efetivao por pessoa queno era scio da locatria, mas por ela respondia. Configurao demandato tcito. Validade. Se a contratao do novo aluguel veio a serefetivada entre a locadora e quem, embora no sendo scio da loc-atria, por ela respondia, tal como de fato veio a ocorrer em situaopretrita, sem qualquer oposio daquela, vlido se mostra o acordo,porque tem-se configurado verdadeiro mandato tcito (2 TACv.SP,Ac. 4 Cm., ApCv. 518.102, rel. Juiz Mariano Siqueira, j. 26.5.98).

    O fundamento da possibilidade de mandato aparente decorre, semqualquer dvida, do princpio da boa-f objetiva.

    d) Representao, mandato e procurao

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  • Apesar de um intuitivo raciocnio contrrio,[1153] a representao nopode ser confundida com o contrato de mandato. Muito pelo contrrio. Omandato um contrato (e assim est contemplado na Lei Civil brasileira)por intermdio do qual algum se incumbe de praticar negcios no interessede outrem. O mandatrio, no entanto, pode atuar em nome do mandante ecom os necessrios poderes representantivos ( o chamado mandato repres-entativo) ou pode atuar em seu prprio nome (quando nominado man-dato sem representao).[1154] Assim, a representao est liberta da con-dio servil e obediente ao mandato (que caracteriza verdadeira figura con-tratual, contemplada em lei).

    plenamente possvel ocorrer representao sem mandato e mandatosem representao. Exemplificando, pode haver mandato sem repres-entao quando o mandatrio no recebeu poderes para agir em nome domandante: ainda que v agir por conta do mandante, o far em nomeprprio. De outra banda, t