direito dos contratos cristiano chaves e nelson rosenvald capitulo vi

42
CRISTIAM. CIIAVEs ti FARIAS Pronirrt,r Eqa,10 Niestr,:n d Foruha 141 .(91tonporiinca prig 'muersid, ;ir - Sit. Prof ess,,r de Owe jr. ; mtr,, Prrikinitr,11,, para ar11:11.i !laid/ca. 1 ,, P4c Anti, Lie C711 )irelt, Slcnhr h. 11;1 thrut,, , 1;„niziza.. NELSON R( ) SENN,'ALL) Pr,k-unt,lor ;1,1,;),; kri,, Plihitc;; OrratN ,N1c , :tr;_ an )1r,.lb .'la Prtitri,i Liqurruj,kic Pb ,'CAP Prfessr F piTva, Ctuti n Curo Prarwrnim BH, c.speridlizado in Preparaca, Jr ,011(..1M0, 0,1 area ilind/Ca rtthim- k.in.ditaca,, . Direlb, Cu Curs(' Praetor/um. .\, torityr,, (1,, MDR-AM — Ii Ntitith Bramlem, Jr Direw , Ic DIREITO DOS CONTRATOS L I t 'Mt N Iio Rio de Janeiro 2011

Upload: neokalango

Post on 21-Jan-2016

519 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Page 1: Direito Dos Contratos Cristiano Chaves e Nelson Rosenvald Capitulo VI

CRISTIAM. CIIAVEs ti FARIAS Pronirrt,r Eqa,10

Niestr,:n d Foruha 141 .(91tonporiinca prig

'muersid, ■ ;ir - Sit.

Prof ess,,r de Owe jr. ;

mtr,, Prrikinitr,11,, para ar11:11.i !laid/ca. 1 ,, P4c Anti,

Lie C711

)irelt, Slcnhr h. 11;1

thrut,, , 1;„niziza..

NELSON R( )SENN,'ALL) Pr,k-unt,lor ;1,1,;),; ■ kri,, Plihitc;; OrratN

,N1c ,:tr;_ an )1r,.lb .'la Prtitri,i

Liqurruj,kic Pb ,'CAP Prfessr F piTva, Ctuti n Curo Prarwrnim BH, c.speridlizado

in Preparaca, Jr ,011(..1M0, 0,1 area ilind/Ca

rtthim- k.in.ditaca,, . Direlb, Cu Curs(' Praetor/um.

.\, torityr,, (1,, MDR-AM — Ii Ntitith Bramlem, Jr Direw , Ic

DIREITO DOS

CONTRATOS

L

I t 'Mt N Iio

Rio de Janeiro

2011

Page 2: Direito Dos Contratos Cristiano Chaves e Nelson Rosenvald Capitulo VI

379

CAPITULO VI

CONTRATO DE PRESTAcAO DE SERVIcOS

SumIrio: 1. Breve Introdugao A Prestagao de Servigos Humans; 2. Nogoes Conceituais da Prestagao de Servigos e suas Caracteristicas: os Confins Divisorios corn o Contrato de Trabalho, de Empreitada e de Consumo; 3. Classificagao do Contrato de Prestagao de Servigos; 4. Objeto da Prestagao de Servigos; 5. Remuneragao do Prestador de Servigos; 6. Prazo de Duragao da Prestagao de Servigos; 7. Aliciamento do Prestador de Servigos; 8. Obrigagoes Reciprocas na Prestagao de Servigos; 9. Competencia da Justiga do Trabalho Para Dirimir Conflitos Decorren-tes da Prestagao de Servigos; 10. Extingao do Contrato de Prestagao de Servicos e o Direito a Certificagao.

"Um homem tambern chora, menina morena Tambem deseja cold, palavras amenas Precisa de carinho, Precisa de ternura

Precisa de um abrago, da propria candura Guerreiros seio pessoas, stio fortes, sdo frageis Guerreiros sdo meninos, no fundo do peito...

Urn homem se humilha, se castram seu sonho Seu sonho a sua vida e a villa é o trabalho

E sem o seu trabalho, urn homem nao tern honra E sem a sua honra, se morre, se mata

Nao da pra ser feliz" (Luiz GONZAGA JUNIOR — GONZAGUINHA, Guerreiro Menino)

"Nosso dia vai chegar, teremos nossa vez. Nilo é pedir demais: quero justica,

Quern trabalhar em Paz. Ndo e muito o que the pep,

Eu quero urn trabalho hones to, Em vez de escravidab

Deve haver algum lugar Onde o mais forte, nao consegue escravizar

Quern nao tem chance" (LEGIAO URBANA, Fcibrica,

de Renato Russo)

1. BREVE INTRODUcA0 A PRESTAcA0 DE SERVIcOS HUMANOS

E certo e incontroverso que o trabalho e uma atividade ontologica inescapavel e se insere nos direitos da personalidade, reconhecido como urn verdadeiro atributo essencial que se vincula a sua propria existencia, afinal de contas, a partir dele

Page 3: Direito Dos Contratos Cristiano Chaves e Nelson Rosenvald Capitulo VI

Cristiano Chaves de Farias • Nelson Rosenvald D REIT° DOS CONTRAroc-,000cKx.

alcancavel o minim° vital (ou patrimonio minimo), como um desdobramento da digni-dade da pessoa humana (CE art. 1 2, III).

Assim, por essa perspectiva, o trabalho, ern Ultima analise, integra a propria na-tureza humana: o homem sempre trabalhou, desde os primordios, quando precisou obter seus alimentos, ja que nao tinha outras necessidades em face do primitivismo de sua villa. 1

Efetivamente, nao se pode duvidar que o trabalho atribui a pessoa uma espe-cial dignidade, distinguindo-a dos objetos, que sao instrumentalizados a servico de outrem.

Alias, o contaido minim° da dignidade humana traz consigo, alem do direito ao minim° existencial, a garantia de liberdade de autodeterminacao, permitindo a cada pessoa atuar livremente, conforme o seu esforco fisico e intelectual. E, bem por isso, a dignidade nao a algo que se pode simplesmente possuir por natureza, como os olhos azuis. Ela marca, antes, uma intangibilidade que so pode ter significado concreto e real nas relacoes interpessoais de reconhecimento reciproco e no relacionamento igualikirio entre as pessoas, consoante a percepcao agucada de JURGEN HABERMAS. 2

Por mais exaustivo e enfadonho, atraves do labor a pessoa humana se renova cotidianamente, reiterando a busca de urn porvir prosper° e feliz. 0 filosofo e escritor argelino ALBERT CAMUS 3, recontando o mito grego de Sisifo, 4 em obra de rara beleza e aguda apreensao do horror das armadilhas do cotidiano laborativo humano, chegou mesmo a provocar qual seria o sentido da vida diante de incontaveis trabalhos realiza-dos inutilmente e sem esperanca pelos homens. Alias, a atualidade e o oportunismo de 0 Mito de Sisifo sao palpaveis. No mundo pos-modern, por mais que o trabalho humano seja, muita vez, mal reconhecido e pouco valorizado, e o mecanismo mais seguro para a realizacao humana e a afirmacao de sua dignidade. Metaforicamente,

pode-se deixar que a pedra continue a descer, cotidianamente, apos ser levada ao topo da montanha, desde que, nos intervalos desta labuta, se renovem a consciencia e a obstinaccio

SUSSEKIND, Arnaldo; MARANHAO, Deli°, VIANNA, Segadas; TEIXEIRA, Lima, Instituioes de Direito do Trabalho, cit., p. 27.

2 HABERMAS, Jurgen, cf. 0 futuro da natureza humana, cit., p. 47. 3 CAMUS, Albert, 0 mito de Sisifo: ensaio sobre o absurdo, Rio de Janeiro: Guanabara, 1989. 4 Segundo a mitologia, Sisifo foi condenado pelos deuses a empurrar, sem descanso, urn rocked, re

o cume de uma montanha, de onde ele caia novamente, em consequencia do seu peso e da nicu-ral regra da gravidade. Com esta tarefa repetitiva e sem perspectiva de exito, impuseram os deuses urn terrivel castigo, caracterizado por urn trabalho inutil e sem esperanca. Quanto ao motivo sancao imposta, CAMUS a particularmente sarcastico, porem preciso: "a acreditar em Homem, era o mais ajuizado e o mais prudente dos mortais. No entanto, segundo outra tradicao, tinha t para a profissao de bandido. Ndo vejo nisto a menor contradigcb. As opiniees diferem sobre os motives que the valeram ser o trabalhador Wail dos Infernos".

880

Page 4: Direito Dos Contratos Cristiano Chaves e Nelson Rosenvald Capitulo VI

CRIS11AN() CH.AVES DE FARIAS • NELSON ROSENVALD <x>oo *,>000c,xXx,0000.00,,>00,00,xx,,,,,,so<x>"0000,,,,,o0,/, Direito C os contratos • • • • • • • • • • • • • • • •

para alcancar um futuro melhor — mais digno, human e solidario. 0 que nao se pode, na contemporaneidade, e se deixar, tdo so, rolar tambem ladeira abaixo corn a pedra.

Na pos-modernidade a prestagao de servigos alcangou dimensoes tamanhas que, nos 'Daises centrais do sistema capitalista, chegam a representar cerca de ses-senta por cento do produto interno bruto — PIB ,S evidenciando a sua valorizacao social e economica.

Mas nem sempre o trabalho teve esta importancia. No Direito Romano, eram localizadas tres distintas modalidades de negocios

juridicos ligados ao trabalho humano: a locatio rei (atualmente tratada como contrato de locacao), a locatio operis faciendi (agora batizada como empreitada) e a locatio opera-

' rum (cuja aproximagao corn o contrato de prestacao de servigos é evidente). Nesta Ultima, urn sujeito — normalmente um escravo independentemente de sua especia-

. Luna°, colocava os seus servigos a disposicao de outrem, em determinado period°, em troca de alguma retribuigao.

Desde o alvorecer da Idade Media, contudo, os pensadores e filosofos cons-truiram urn novo arcabougo ideologico de sociedade, corn o reconhecimento de que o progresso da humanidade impunha um novo tratamento ao trabalho. Afirmam-se direitos minimos reconhecidos a condicao humana, impondo urn ajuste da ordem juridica. 0 apogeu dessa nova sistematica juridica foi corn a Revolucao Francesa, mas a influencia capitalista e burguesa terminou por fazer que o contrato de traba-lho fosse regulamentado como urn tipo de locacao, mantendo tradigoes romanas. Por outro lado, valorizou, sobremaneira, o interesse do patrao, como medida ditada pela protecao burguesa. Se alguma evolugao existiu, sem diivida, foi a proibigao de trabalho perpetuo, evitando o ressurgimento da escravidao, chegando a constar da Exposigao de Motivos do Code de France que a condicao de homem repele toda especie

" de escravidao.

0 passar dos tempos, contudo, terminou por desmascarar aquela feigao indi-vidualista e patrimonialista da locacao de servigos humanos, impondo urn divorcio (sem reconciliacao) entre os fatos sociais e a previsao legislativa. E o Direito nao poderia dar as costal aquela realidade fenomenica da vida, afinal, como advertia GEORGES RIPERT, quando o Direito ignora a realidade, ela se vinga, ignorando o Direito. Assim, o Estado foi obrigado a intervir nos contratos laborativos, a fim de organiza--los de maneira mais justa e equanime, coibindo abusos da parte mais forte e evitando

FABIO ULHOA COELHO indica que, nos Estados Unidos da America, a prestacao de servicos ja res-ponde por tres quartos do produto interno bruto, cf. Curso de Direito Civil, cit., p. 276.

881

Page 5: Direito Dos Contratos Cristiano Chaves e Nelson Rosenvald Capitulo VI

Cristiano Chaves de Farias • Nelson Rosenvald DIREDO DOS Conlin

J000000,0-00

uma asfixia do hipossuficiente. Restringiu-se a liberdade de contratar e o

mo, em fenomeno denominado dirigismo contratual ou intervengdo do Estado na re

privada. Organizou-se, corn isso, o Direito do Trabalho — que passou a regulamentar

contrato de trabalho, diferencando-os, significativamente, da antiga figura da locaca de servigos romana.'

Hodiernamente, ha evidente distincao, no Brasil e no mundo, entre o co•

trato de prestactio de servicos e o contrato de trabalho, cujas bases e efeitos sao dia ,

metralmente opostos. Bern por isso, inclusive, e possIvel desmentir a afirmacao E de que as regras do Codigo Civil de 1916, em ranao a locagdo de servicos, estariam

revogadas pelo advento da Consolidacao das Leis do Trabalho, regulamentando o

contrato de trabalho. 9 Ja se pode notar que as regras codificadas tendem a disci ,

plina de uma figura contratual distinta, ontologicamente, daqueloutra, regida pelo

Texto Consolidado.

Ademais, vale observar que, enquanto o Codigo Civil de 1916, por apego a tradicao, ainda adotava a expressa locageto de servigos, o Codigo Civil de 2002 preferiu

denominar esta figura contratual como contrato de prestacito de servigos. No ponto,

merece elogios, afinal a locacao "no mundo contemporaneo, é somente de coisas

e, dentro do respeito a dignidade do ser human, nao cabe mais, como na epoca do

6 No Brasil, o reconhecimento da protecao do trabalho ganhou folego a partir da Revoluck de 1930, passando a contar "corn intensificacao febril da legislacao ordinaria e extensa adocao, no Pais, da regulamentacao internacional do trabalho, elaborada durante varios anos de atividade pela Organizacao Internacional do Trabalho", GOMES, Orlando; GOTTSCHALK, Elson, cf. Curso de Direito do Trabalho, cit., p. 7.

7 0 fenOmeno nao ocorreu apenas em solo brasileiro, sendo detectado em quase todo o mundo. Ilustrativamente, o Internacional Labour Office do Canada reuniu uma colecao de textos de qua-trocentos e cinquenta paises e unidades governamentais, em 1944, demonstrando a importancia que as medidas de protecao e auxilio a classe trabalhadora haviam atingindo nas legislacOes,apud ESPINOLA, Eduardo, cf. Dos contratos nominados no Direito Civil Brasileiro, cit., p.404.

8 Ao tempo da votacao do texto do C6digo Civil de 2002 na Camara dos Deputados, alguns che-garam a questionar a manutencao da prestacao de servico, eis que a materia seria objeto de trata-mento pela legislagao trabalhista ou pelo contrato de empreitada. Chegaram mesmo a afirmar: "as hipoteses de 'prestacao de servicos' ou seriam regidas pelas leis trabalhistas ou pelas normas que regem a empreitada, nada, assim, the restando de proprio" (ALVES, Jones Figuiredo, "Da presta-cao de servicos", cit., p.531. Porem, entre as atividades exercitadas corn vinculo empregaticio e as realizadas mediante empreitada, ha ainda urn consideravel espaco de atividades autonomas que nao se confundem com aquelas, restando absolutamente justificada a manutencao deste contrato tipico e autonomo.

9 MEIRELES, Edflton, cf. 0 novo Codigo Civil e o Direito do Trabalho, cit., p. 95.

882

Page 6: Direito Dos Contratos Cristiano Chaves e Nelson Rosenvald Capitulo VI

CRISIIANO CHAVES DE FARIAS • NELSON R s -N ' Direito dos Contratos

period° antigo da humanidade, na qual a escravidao era urn fato e as pessoas eram

coisas, a denominacao locageio de servicos", como testifica TERESA ANCONA LOPEZ. 1° - I I

2. NOOES CONCEITUAIS DA PRESTAcA0 DE SERVIcOS E SUAS

CARACTERiSTICAS: OS CONFINS DIVISORIOS COM OS CONTRATOS

DE TRABALHO, DE EMPREITADA E DE CONSUMO

Buscando inspiracao no comando do art. 594 da Codificacao de 2002, 12 a pres-

tacito de servigos (ou Dientvertrag, como preferem os alemaes) pode ser percebida como o

negocio juridic° pelo qual uma das partes, mediante remuneraccio (normalmente em dinhei-

ro), se vale de toda especie de servigo ou trabalho licito e possivel, material ou imaterial, da

outra parte, sem afetar a dignidade human desta e sem subordinacao juridica.

Em linguagem simples e direta, é a assuncao de obrigacao de fazer por uma

parte (prestador de servico ou executor), consistente em realizar atividades que geram proveito para outra (tomador de servicos ou solicitante), mediante uma retribuicao."

Ideia distinta nao se colhe da analise doutrinaria. Desde os classicos, como o

saudoso cearense CLOVIS BEVILAQUA, ate os contemporaneos, como os bons baianos

PABLO STOLZE GAGLIANO e RODOLFO PAMPLONA FILHO, os civilistas nao se afastam da

conceituacao aqui apresentada:

"E o contrato pelo qual uma pessoa se obriga a prestar certos servicos a uma

outra, mediante remuneracao".

(BEVILAQUA, Clovis, cf. Direito das Obrigaceies, cit., p. 449)

10 LOPEZ, Teresa Ancona, cf. Comentanos ao C6digo Civil, cit., p. 189. 11 No mesmo diapasAo, MIGUEL MARIA DE SERPA LOPES e contundente: "a expressao locageto de

servigos ji nao mais pode ter aceitacao no direito moderno. Era explicavel quando ainda pre-ponderava a ideia romanista de se considerar o trabalho humano como coisa e, deste modo, possibilitando torna-lo objeto de relacoes juridicas so adequadas aos bens", cf. Curso de Direito

Civil, cit., p.151-152. 12 Art. 594, COdigo Civil: "toda a especie de servico ou trabalho licito, material ou imaterial, pode

ser contratada mediante retribuicao." 13 0 Codigo Civil da Argentina é preciso em conceituar este negocio juridico: "a 10aq-to de servicos

é urn contrato em que o servigo deve ser entregue por uma das partes. Tern Lugar quando uma das panes

se obriga a prestar servicos e outra a pagar por este servigo em dinheiro. Os efeitos desse contrato sera() julgados pelas disposigoes deste C6digo sobre as obrigagoes de fazer".

883

Page 7: Direito Dos Contratos Cristiano Chaves e Nelson Rosenvald Capitulo VI

Cristiuno Chaves de Farias • Nelson Rosenvald DIREITO DOS CONTRATOS

"E o negocio juridic° por meio do qual uma das partes, chamada de prestador, se obriga a realizar uma atividade em beneficio de outra, denominada tomador, mediante remuneragao".

(GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo, cf. Novo Curso de Direito Civil, cit., p.273)

Da simples apreensao destas nogOes conceituais, depreende-se, sem qualquer dificuldade, que o ambito de incidencia do contrato de prestagao de servigos é uma atividade humana, manual ou intelectual.

Alguns exemplos falam por si: a prestagao de servigos medicos, odontologicos, arquitetonicos ou advocaticios, alem dos servigos comumente contratados de diaris-tas e pintores.

No entanto, nao se pode deixar escondida uma realidade inexoravel: como a atividade humana e o ponto de relevo de outras figuras contratuais, é fundamental atentar para a necessidade de delimitagao dos marcos divisorios, das latitudes e das longitudes entre a prestagao de servigos e outros contratos andlogos, como o contrato de trabalho, o de empreitada e o de consumo.

Alias, pontue-se, nessa levada, que o ambito de incidencia do contrato de pres-tack) de servigos é residual, como deflui da redagao do art. 593 do Texto Codificado. 14 Assim, havendo legislagao especial regulamentando eventuais atividades humanas, nao sera caso de incidencia do Codigo Civil. A titulo ilustrativo, é de se ver a existen-cia de regras especificas para o contrato de emprego e para o contrato de empreitada, afastadas, por conseguinte, as regras da prestagao de servigos. E o caso, tambem, dos servigos bancarios e de telecomunicagOes, igualmente disciplinados por legislacao especial.

Enfim, somente havers submissao de urn contrato as normas da prestagao de servigos quando outra figura negocial nao estiver configurada — solugao que é corn-partilhada por outros sistemas juriclicos.m

De qualquer sorte, em face dos inumeros pontos de intersegao existentes, re-leva, particularmente, tragar os confins divisorios entre o contrato de prestagao de servigos e os contratos muito assemelhados, como o de emprego e o de empreitada.

I4 Art. 593, Codigo Civil: "a prestagao de servico, que nao estiver sujeita as leis trabalhistas ou a lei especial, reger-se-a pelas disposigoes deste Capitulo."

15 Propaga CARLOS ALBERTO GHERSI, a partir do direito portenho, que "o contrato de prestacao de servicos mais importante excluido e a relacao laborativa ou trabalhista, que é de ordem publica", cf. Contratos civiles y comerciales, cit., p. 556.

884

Page 8: Direito Dos Contratos Cristiano Chaves e Nelson Rosenvald Capitulo VI

CRISTIANO CHAVES DE FARIAS • NELSON ROS VALE) ca00000ca--K>o<xx,:c0000w,coo<,,, ,,,,:>oocc Direito dos Contratos • .• • ***** • • • ...... • • • • ......

Primeiramente, distingue-se a prestacao de servicos do contrato de emprego, em face da inexistencia de subordinacao juridica (no sentido de hierarquizacao), uma vez que a prestacao de servicos é autonoma, visando a obtencao de um resultado deter-minado, sem que o prestador esteja hierarquicamente inferiorizado. A explicacao de ORLANDO GOMES e alvejante: "a parte que presta o servico estipulado nao o executa sob a direcao de quem se obriga a remunera-lo e utiliza os metodos e processos que julga convenientes, tracando, ela propria, a orientacao tecnica a seguir, e assim exer-cendo sua atividade profissional corn liberdade. Na realizacao do trabalho, nao esta subordinada a criterios estabelecidos pela outra parte. Enfim, é o juiz do modo por que o servico deve ser prestado". ' 6 Verticalizando, a explicagao de MARCELO URBANO SALERNO e de clareza solar: "entre as partes (da prestagao de servicos) nao existe uma relacao de subordinacao. E um vinculo autonomo, celebrado em pe de igualdade. De maneira que se distingue do contrato de trabalho, pois neste o trabalhador ou empre-gado se acha abaixo da dependencia economica ou direcao do pa trao".

Urn exemplo ilumina a hipotese: o medico que e contratado por um paciente para auxilia-lo na cura de uma patologia e quem decide a melhor maneira e a melhor tecnica de atuacao, corn vistas a obtencao do exito almejado. Aqui, vislumbra-se urn otimo exemplo de prestador de servicos, afinal ele e quem delibera o horario de atendimento, o valor da consulta e os metodos empregados para a cura do paciente. 's

Enfim, se ha subordinacao juridica (alem de pessoalidade, continuidade e re-muneracao), o contrato e de trabalho, regido pela legislagdo especial (cuidadosa-mente protecionista). Nao havendo subordinacao juridica, trata-se de prestacao de servicos, submetido ao Direito Civil. 0 que interessa, pois, é a essencia do negocio. E a sua percepcao ontologica. Nao se leva em conta a indicacao constante do ins-trumento contratual. Assim, e irrelevante se o instrumento intitula o negocio como contrato de prestaccio de servicos quando estao presentes os elementos caracterizadores do contrato de emprego e vice-versa. Leva-se em conta a situacao fatica existente. Ate mesmo porque ambas as figuras negociais sao informais, nao exigindo formalidade na sua celebracao.

16 COMES, Orlando, cf. Contratos, cit., p. 325. 17 SALERNO, Marcelo Urbano, cf. Contratos civiles y comerciales, cit., p. 393. 18 FABIO ULHOA COELHO apresenta outro curioso exemplo: "se o jardineiro e contratado para cuidar

do jardim do tomados as quinta-feiras altemadas, mas presta seus servicos com plena autonomia (decidindo que procedimentos adotar, usando suas proprias ferramentas etc), nao ha eventualida-de, mas verifica-se a ausencia de subordinacao. 0 contrato e, por isso, civil", cf. Curso de Direito Civil, cit., p. 333.

885

Page 9: Direito Dos Contratos Cristiano Chaves e Nelson Rosenvald Capitulo VI

Cristiana Chaves de Farias • Nelson Rosenvalti 0000000000<X>00<X,00000(.0' 00000000.500000000y" DotErro nos CONTRATOS

0.-^000;;0000v000.,00000,00000X,00,000000<XX. 0000000000

No Brasil, a Consolidagao das Leis Trabalhistas é desdobramento do Direito Civil que alcaneou autonomia pela necessidade de tutela ao trabalhador, visto como vulneravel. 0 Codigo Civil so incidira quando o servieo realizado nao detiver a ca-racteristica da subordinagao hierarquica, que atrai a incidencia da legislaeao especial protetiva (CLT, art. 3 0). 19 Toda relaccio de emprego é uma especie de relactio de trabalho qualificada por uma subordinagao juridica (funcional), corn sujeiedo do empregado as ordens legftimas emanadas do empregador. 0 prestador de servieos nao se emprega nem se faz empregado, pois nao se afirma o estado de dependencia econornica e a submissao a ordens. Inexiste direcao tecnica e controle sobre o modo de execuedo do servigo prestado, pois a sua natureza é eventual.

Enfim, na essencia, nao ha distinedo ontologica entre o contrato de trabalho e a prestacao de servieos civil, uma vez que ambas estao assentadas na atuacao hu-mana em prol de uma finalidade. Apenas, considerando a existencia de subordinacao juridica, a relagao trabalhista conta corn uma especializacao da materia, a partir de legislaeao adequada e protetiva, consubstanciada em normal de ordem ptiblica para a tutela jut-Mica e social do obreiro. Na dtivida entre a existencia de autonomia ou subordinacao, prefere-se a relagao de trabalho, tendo-se em consideracao a tutela do hipossuficiente.

Demais de tudo isso, vale sublinhar que o contrato de emprego exige pessoali-dade, alem da subordinacao jut-Mica. Por isso, distintamente da prestacao de servicos, nao pode ser travado por pessoa jut-Mica, mas somente por pessoa fisica, nao admitin-do, ainda, a transferencia da obrigagao para terceiros.

Alias, convem repisar urn comentario sobre o fenomeno da terceirizaeao de servicos — que resulta da contratacao de urn servieo especializado corn reduedo de custos, em razao da natureza autonoma do vinculo que se forma entre o tomador e o prestador de servieos, ja que aquele transfere os encargos sociais para a pessoa jut -Mica prestadora que contratara os empregados. Em suma, as atividades-meio das empresas sao terceirizadas — corn descentralizaeao operacional - a firn de que possa exercer corn maior afinco e competividade a sua atividade-fim. 0 enunciado da Stimula 331 do Tribunal Superior do Trabalhe regula e limita a contratacao de trabalhadores por

19 Art. 32, Consolidacdo das Leis do Trabalho: "considera-se empregado toda pessoa fisica que pres- tar servicos de natureza nao eventual a empregador, sob a dependencia deste e mediante salario. Paragrafo itnico. Nao havers distinceles relativas a especie de emprego e a condicao de trabalha-dor, nem entre o trabalho intelectual, tecnico e manual."

20 Stimula 331, TST "I - A contratacao de trabalhadores por empresa interposta é ilegal, formando- se o vinculo diretamente corn o tomador dos servicos, salvo no caso de trabalho temporario

886

Page 10: Direito Dos Contratos Cristiano Chaves e Nelson Rosenvald Capitulo VI

cw0000cx,00vo<xxxx-000-0,,,,,,, C gRISTIANO CHAVES

DE FAR AS "NELSON ROSENVALD coo.,,x,<:,,o,,,,,c Diretto dos Cornrow%

,,,,,,,,,,x...,..,-0,,,..<0,,,,,,<,;,...,,,- ,.....,,..

`pessoa interposta a servicos ligados a atividade-meio do tomador, salvaguar is sua adequada protecao. dando a

Diferencia-se, por igual, do negocio juridico de empreitada, em que ha urn resultado pratico e concreto, especificamente almejado. Nesta, to m-se por meta o resultado da atividade, e nao a atividade em si, que

6 objeto da restacao icos. Na empreitada, pois, assume-se

obrigacao de resultado, ao revesp

da prest de sery acao de ser- vicos, em que a obrigacao assumida e de meio. E

o exemplo do construtor e do mar-; ceneiro. Em comurn, existe uma atividade humana em favor de outrem. Contudo, na

empreitada, aquele que promete obra assume urn compromisso de obtencao do iresultado concluido, pois toda a sua atividade

é dirigida aquela finalidade. Quem F

fpromete servico deve a atividade em si, ou seja, uma obrigacao de meio ern que coda F f frag5o

da atividade representa o seu adimplemento. In fine,

e fundamental pontuar que a prestagao de servico pode estar submetida is regras especiais protetivas do COdigo de Defesa do Consumidor, caracterizando uma relacilo juridica contratual de consumo.

Isto ocorre quando o prestador se en qua- drar no conceito de fornecedor habitual de servico, em suas re

dor vulneravel (aqui, o tomador do servic p o). Ali lapies corn o consumi-

cam-se, entao, as regras decorrentes !

f dos arts. 2 9 e 3 921 do Codigo de Defesa do Consumidor, quando caracterizada uma relagao de consumo. 22 E. logic° que, subsidiariamente

f ____ , continuara sendo aplicavel o (Lei n2 6.019, de 03

.01.1974). II - A contratagao irregular de trabalhador, mediante empresa interposta, nao gera vinculo de emprego corn os orgaos da administragao publica direta, indireta ou fu

ntratagao ndaciona sery l (art. 3

igos 7, II vigilancia , da CF/1 (Lei n

2 988). III

rn - Nao forma vinculo de emprego co o tomador a

co de de 7.102, de 20-06-1983)

bem como a de servicos especializados ligados a atividade-meio do tomador, desde que inexistente a pessoalidade e a subordinagao direta. IV - , de conservagao e limpeza,

0 inadimplemento das obrigagOes trabalhistas, por pane do empregador, implica a responsabilidade subsidiaria do tomador dos servigos, quanto aquelas obrigagOes, inclusive quanto aos argaos da administragao direta, das autarquias, das fundacoes publicas, das empresas priblicas e das sociedades de economia mista, desde que hajam participado da relacao processual e constem tambem do titulo executivo judicial." '21 Art. 32

, Codigo de Defesa do Consumidor: "Fomecedor 6 toda pessoa fisica ou juridica, public, ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividade de produgao, montagem, criagao, construgao, transformagao, importagao, exportagao, distribuigao ou comercializagao de produtos ou prestag5o de servicos. § 1° Pr

oduto 6 qualquer e

bem, move! ou in-love!, material ou imaterial. § 2° Servigo é qua atividad fornecida no mercado de consumo, mediant remuneragao, inclusive as de natureza

lquer banana,e financeira, de credit° e securitaria, salvo as decorrentes das relagoes de carater trabalhista." 22

0 Superior Tribunal de Justiga abraca uma concepgao finalistica'de consumidor, como se nota de suas decisOes: "I - Nao enquadravel como relageio de consumo a

prestagclo de servicos entre em de

presas pone, nab se caracterizando hipossuficiencia

da contratante de conserto de caminheio de transporte de cargos, situacao em que nao se tern consumidor final, mas, apenas, intermediario, afasta-se a

•• ....... •

887

Page 11: Direito Dos Contratos Cristiano Chaves e Nelson Rosenvald Capitulo VI

Cristiano Chaves de DIREITO DOS CONTRATOS Farias • Nelson Rosenvald Cristiano ,)P)00(,<>(,ASXX,00,,J,X,,C.C.

Codigo Civil naquilo que nao conflite corn a legislacao especial ou quando apresentar norma juridica mais favoravel, no chamado dialogo das fontes. 23 Por isso, nao se pode afirmar que ha uma absoluta exclusao da legislacao civil quando estiver caracterizada a relacao consumerista. Exemplificando, a contratacao de um servico de marcenaria ou uma consulta medica sac) hipoteses de prestagao de servicos caracterizadas como contrato de consumo; por conseguinte, estao, simultaneamente, apanhadas pela re-gulamentacao protecionista do consumidor e, subsidiariamente, pelas leis civis, onde nao houver conflito ou quando se mostrar em mais beneficas.

0 ambito de incidencia do contrato de prestacao de servicos, portanto, é re-sidual. Havera contrato de prestacao de servicos regido pela legislacao civil quando nab restar caracterizada uma relacao trabalhista e urn contrato de empreitada. Alem disso, e preciso realcar a possibilidade de submissao deste negocio juriclico as regras do Codigo de Defesa do Consumidor.

incidencia do Codigo de Defesa do Consumidor. II - Ainda que se aplicasse o Codigo de Defesa do Consumidor, a regra da inversao do onus da prova (CDC, art.6°, VIII) nao seria suficiente para afastar a prova contraria a pretensdo inicial, tal como detidamente analisada, inclusive quanto pericia, pela sentenga e pelo Acordao. III - 0 Codigo de Defesa do Consumidor define consumidor como a pessoa fisica ou juridica que adquire ou utiliza produto ou servigo como destinatetrio final, nogao que, como a de fornecedor, 6 ideia-chave para a caracterizagao da relagao de consumo." (STJ, Ac.unanYT., REsp 1038645/RS, rel. Min. Sidnei Beneti, j. 19.10.10, Die 24.11.10).

23 Colhe -se de nossa obra Direito Civil: Teoria Geral explicacao sobre o significado do dialogo das fontes: "assim, o dialogo das fontes (dialogue de sources, na expressao originaria) permite 'a aplica-cab simultanea, coerente e coordenada das pliirimas fontes legislativas convergentes. Dialogo' porque ha influencias reciprocas, 'clialogo' porque ha aplicagao conjunta das normas ao mesmo tempo e ao mesmo caso, seja complementarmente, seja subsidiariamente, seja permitindo a opgao voluntaria das partes sobre a fonte prevalente... Uma solugao flexivel, aberta, de interpenetracan, ou mesmo a solucao mais favoravel ao mais fraco da relacao (tratamento diferente dos diferen- tes)', como assinala CLAUDIA LIMA MARQUES, ANTONIO HERMAN BENJAMIM e BRUNO MIRAGEM. A utilizagao do dialogo das fontes propicia uma conexao interdisciplinar entre o C6digo Civil, coma norma geral, e as demais normas especiais, como normas disciplinadoras de deterrninadas rela-goes entre particulares, autorizando uma aplicagao da norma juridica que maximizar vantagens para aquele que ocupa uma posigao que exige tratamento diferenciado e protetivo. Trilhando esse caminho, e de se compreender que no ambito das relagoes juridicas privadas especificas, a apli-cacao da norma juridica deve estar submetida a urn dialogo das diferentes fontes normativas, com o proposito de garantir a aplicagao da norma mais favoravel aos interesses tutelados. Enfim, trata-se de urn verdadeiro dialogo de complementaridade. FLAVIO TARTUCE, tambem defendendo a utiliza-(do dessa tecnica nas relag8es privadas, justifica esse dialogo de conexcio para que sirva "como um leme nessa tempestade de complexidade" decorrente das iniimeras normas juridicas existences em nosso ordenamento. Sem chivida, a tecnica de compreensao do sistema juridico atraves do dialogo de complementaridade esta a servigo da constitucionalizagdo das relacOes privadas, permitindo que os valores constitucionais estejam permeando uniformemente todo o sistema de direito privado", FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson, cf. Direito Civil: Teoria Geral, cit., p. 90.

mffillimm 888

Page 12: Direito Dos Contratos Cristiano Chaves e Nelson Rosenvald Capitulo VI

CRISTIANO CHAVES DE FARIAS NELSON ROSENVALD ,0000<xx I.)ireito dos ( ;orttratos

As partes do contrato de prestacao de servicos precisam ser capazes juridica-mente, sob pena de invalidade do negocio juridic° (nulidade ou anulabilidade, a de-pender do tipo de incapacidade), conforme a regra geral do sistema juridic°.

Nao se olvide, contudo, que a Constituicao da Republica, em seu art. 7 2 , XXXIII, considera menor o trabalhador entre dezesseis e dezoito anos de idade. E, segundo a legislacao trabalhista, é proibido o trabalho do menor de dezoito anos de idade em condigoes perigosas ou insalubres — sob pena de nulidade do negocio celebrado .24 ja os trabalhos tecnicos ou administrativos serao permitidos, desde que realizados fora

I das areas de risco a saUde e a seguranca.

A outro giro, ao menor de dezesseis anos de idade e proibido todo e qual-quer trabalho, exceto na condicao de aprendiz, a partir dos quatorze anos de idade. Alias, a partir desta idade e possivel o contrato de aprendizagem, a ser celebrado por escrito e por prazo determinado (CLT, art. 428). Corn menos de dezesseis anos

:de idade, somente a possivel o trabalho do menor quando devidamente autorizado pelo juiz — que, nesse particular, sera o da vara da infancia e juventude, e nao o juiz do trabalho," atraves de procedimento de jurisdicao voluntaria. E o caso de menores ue trabalham como artistas, por exemplo.

Ao menor trabalhador, havendo autorizacao, sera devido, naturalmente, o salad() minim° (salvo disposicao contratual estipulando contraprestacao superior, mais inferior!), inclusive ao menor aprendiz sera garantido o salario minim° cal-

ulado proporcionalmente por Nora, uma vez que a sua jornada de trabalho sera, o maxim°, de seis horas diarias, ficando vedada a prorrogacao e a compensa- o de jornada, podendo chegar ao limite de oito horas diarias, desde que tenha

"Alvara de autorizacao para trabalho de menor de idade. Atividade insalubre. Reconhecido pela Convened° Coletiva de Trabalho que a atividade a ser exercida pelos adolescentes é insalubre, nao ha como se deferir a autorizacao pleiteada, em respeito a previsao do artigo 7g, XXXIII, da Constituicao Federal." (TJ/RS, Ac.8 5Cam.Civ., ApCiv.70033593807 — comarca de Viamao, rel. Des. Alzir Felippe Schmitz, j. 28.1. 10, DJRS 10.2.10). "A autorizacao de atividade laborativa de menor nao a uma acao mandamental e sim, de procedi-mento especial de jurisdicao voluntaria, e desta forma, nao esta sujeita a imperatividade da remes-sa obrigat6ria, prevista no artigo 475, II do CPC. A competencia para o processamento e julgamento do pedido de alvarci consistente na autorizaclio para traballui de menor é da Justica Estadual da Infancia e da Juventude. Ao se tratar de menor, a competencia e da Justica Comum em face da legislagao vigente, pois o art. 61 do ECA remete a CLT que regula a protecao ao trabalho dos adolescentes e a esta define como competente o Juiz de Menores." (TJ/MG, Ac.unan. 8 5Cam.Civ., ApCiv. 1 .0000.00.281595-9/000(1) — comarca de Pouso Alegre, rel. Des. Pedro Henriques, j.16.10.03, DJMG 20.4.04).

889 ■

Page 13: Direito Dos Contratos Cristiano Chaves e Nelson Rosenvald Capitulo VI

Cristiano Chaves de Farias • Nelson Rosenvald 000.0.0...0000.00-0.0.00.00*.w.o00.00. DmErro DOS CONTRATOS

completado o ensino fundamental e nelas forem computadas as horas destinadas aprendizagem teorica.

Outra funcao que pode ser exercida por menores e o estagio, que este regrado pela Lei n9-11.788/08. Como bem esclarece o art. lg do citado Diploma Legal, "estagio e ato educativo escolar supervisionado, desenvolvido no ambiente de trabalho, que visa a preparagio para o trabalho produtivo de educandos que estejam frequentando o ensino regular em instituicoes de educaciio superior, de educaciio profissional, de ensino me

da educaciio especial e dos anos finais do ensino fundamental, na modalidade profissional da educaceio de jovens e adultos". Assim, alunos que estiverem frequentando cursos de nivel superior, profissionalizantes, de ensino medic., de educacao especial ou dos anos conclusivos do ensino fundamental podem ser contratados como estagiarios, sem qualquer vinculacao empregaticia pela legislagdo especial. 0 estagiario poderi receber uma bolsa ou outra forma de contraprestacao que venha a ser acordada,` 6

devendo, em qualquer hipotese, estar segurado contra acidentes pessoais.27 Nao se tratando de trabalho de aprendizagem ou estagio, na forma da legisla

cao, o trabalho do menor a vedado, por mandamento constitucional, uma vez que the e dedicada protectio integral."

0 atleta nao profissional em formacao, maior de quatorze anos de idade, po-dera receber auxilio financeiro da entidade de pratica desportiva formadora, sob a forma de bolsa de aprendizagem livremente pactuada mediante contrato formal, sem que seja gerado vinculo empregaticio entre as partes.

A proposito do terra, o art. 427 da Consolidacao das Leis do Trabalho estabe , lece que, ao disponibilizar trabalho para o menor, o tomador do servico deve conce-

der o tempo preciso para a frequencia as aulas. E, bem por isso, considerada a natu• reza fundamental da aprendizagem, a realizacao de horas extras pelo menor somente e autorizada em caso excepcional, por motivo de forca maior e desde que o trabalho do menor seja imprescindivel ao funcionamento do estabelecimento. Exatamente

26 Art. 12, Lei n2 11.788/08: "o estagiario podera receber bolsa ou outra forma de contraprestacio que venha a ser acordada, sendo compulsoria a sua concessao, bem como a do auxilio-transporte, na hipatese de estagio nao obrigatOrio."

27 Art. 14, Lei n2 11.788/08: "aplica-se ao estagiario a legislagao relacionada a sa6de e seguranga no trabalho, sendo sua implementacao de responsabilidade da parte concedente do estagio."

28 "Menor. Trabalho de aprendiz. Pedido de autorizacao. Se a atividade laboral a ser exercida pelo menor nao se presta a formacao tecnica profissional, nao tendo qualquer vinculo corn progra-ma oficial de formacao de aprendizes, o pedido de autorizacao deve ser indeferido." (TJ/RS, Ac. 82Cam.Cfv., ApCiv. 70002987089 — comarca de Estrela, rel. Des. Antonio Carlos Stangler Pereira, j. 11.10.01).

890

Page 14: Direito Dos Contratos Cristiano Chaves e Nelson Rosenvald Capitulo VI

CRIST 0 r VES yr 1 aRx NELSON ROSENVALD Direito dos Contratos

0000000C,C0O00000GC/X>G04GO.X.000.G.Cr..K0,,>40.,'

por isso, e proibido, ainda, de prestar servicos entre as 22h e as 5h, durante o que se considera periodo noturno.

3. CLASSIFICAcA0 DO CONTRATO DE PRESTAcA0 DE SERVIcOS

Palmilhando as pegadas da definigao apresentada alhures e tendo na tela da imaginacao as diretrizes distintivas entre o contrato de emprego e o de empreitada, podemos pingar a classificacao da prestagdo de servicos, certamente sem maiores dificuldades.

De saida, convem reconhecer que se trata de contrato tipico e nominado, disci-plinado pelo COdigo Civil. Alem disso:

i) a contrato bilateral; ii) é uma relacao negocial, necessariamente, onerosa;

iii) o contrato é comutativo; iv) e urn negocio juridico causal; v) a contrato nao solene, informal; vi) de ordinario, trata-se de contrato personalissimo;

Primeiramente, nao se pode negar a natureza bilateral e sinalagmatica da pres-tacao de servicos. Efetivamente, o prestador de servicos assume obrigagdo de meio (realizar uma atividade humana corn proveito para o tomador de servicos) corn uma retribuigao econOmica. Salta aos olhos, pois, a bilateralidade da avenca.

E, nesse passo, considerando a existencia de uma certa equivalencia entre as 1 prestacOes das partes, nota-se o traco da onerosidade. Ambos (prestador e tomador de [ servicos) obtem vantagens financeiras. I' Alias, vale pontuar que essas reciprocas vantagens economicas sao previamen- ti to conhecidas dos contratantes, o que explicita, de uma vez por todas, a sua feicao

comutativa. Nao ha, é certo, espago para a aleatoriedade na prestacao de servicos — o que seria incompativel corn a sua essencia.

i; .' Ha, outrossim, urn motivo determinante para a celebracao da prestagao de ser- ; vicos, confirmando a sua natureza causal. A existencia eventual de vicios sobre esses

motivos determinantes, inclusive, pode conduzir a invalidade do contrato, quando t estes forem falsos, imorais ou ilicitos.

A prestacao de servicos nao exige forma prescrita em lei, podendo ser celebrada, ate mesmo, verbalmente. Cuida-se, a toda evidencia, de negocio juridico nao solene.

891

Page 15: Direito Dos Contratos Cristiano Chaves e Nelson Rosenvald Capitulo VI

Cristiano Chaves de Farias • Nelson Rosenvald DOS CONTRATOS

k1 000000*oo0*00000x,o,000000,>w3o*000*000000,)cx,x>oc-0000.o<x>000*000c.000mgi

.• • • • — • .0(>00.)00000.0.00.00.

Logo, a declaragao volitiva para a celebragao da prestagao de servigos nao precisa ser expressa, pode ser tacita — e, alias, no mais das vezes, a tacita mesmo, pelo comporta-mento das partes, notadamente quando o prestador evidencia a prestagao de servigos pela sua conduta.

De qualquer forma, as partes podem celebra-lo por instrumento escrito, pro-curando uma maior seguranca e garantia. Nesse caso, quando celebrado por escrito (de acordo com a faculdade das partes), se uma delas nao souber ler nem escrever, o instrumento podera ser assinado a rogo e subscrito por duas testemunhas Procura-se, corn isso, facilitar a celebragao do contrato por instrumento escrito, afastando formalismos desnecessarios no cotidiano da sociedade.

A falta do ntimero de testemunhas nao acarreta a invalidade do negocio juridi-co, na medida em que sao admitidos outros meios de prova deste contrato.'

Nao se pode deixar esconso urn interessante comentario ainda a respeito da forma do contrato de prestagao de servigos. E que, na contemporaneidade, a possivel a celebragao de negocios de prestagao de servigos por meio eletronico, virtual, como a Internet, por exemplo. Em razao da evolugao tecnologica, a cada dia se vislumbra, corn mais enfase, a possibilidade de contratagao eletronica." Ilustrativamente, seria a hipotese de servigos eletronicamente prestados. Nesse caso, ja foram desenvolvidas, inclusive, tecnicas de assinatura criptografica ou digital, corn vistas a conferir segu-ranga ao ajuste. Por evidente, o contrato celebrado eletronicamente ha de respeit9. os mesmos requisitos exigidos para os negocios juddicos.

Demais de tudo isso, a da essencia desta figura negocial o carater personalissimo (intuitu personae). Registra, a proposito, CARLOS ROBERTO GOKALVES: "a obrigagao de fazer assumida pelo prestador de servigo nao pode ser transferida a terceiro, sem a anuencia da outra parte, assim como nao pode esta, em respeito ao trabalho huma-no, ceder a outrem os servigos que the seriam prestados, pois pode ocorrer de serem piores as exigencias do novo contratante"."

Reconhecendo o carater personalissimo da prestacao de servicos, o art. 605 da Codificagao de 2002 assevera: "nem aquele a quem os servicos stio prestados podera

29 Art. 595, Codigo Civil: "no contrato de prestacao de servico, quando qualquer das partes nao sou- ber ler, nem escrever, o instrumento podera ser assinado a rogo e subscrito por duas testemunhas."

30 "Na verdade, nao importa o mimero de testemunhas, e nem que venha a sua presenca. Muito menos se exige que venha escrito o contrato, ja que a maioria das prestacoes de servicos se realiza ou executa mediante urn simples acerto verbal", RIZZARDO, Arnaldo, cf. Contrato, cit., p.615.

31

Sobre o tema, para maior aprofundamento, veja-se MAURICIO SCHEINMAM, cf. Comenteirios ao Codigo Civil Brasileiro, cit., p. 338.

32 GONcALVES, Carlos Roberto, cf. Direito Civil Brasileiro, cit., p. 339-340.

892

Page 16: Direito Dos Contratos Cristiano Chaves e Nelson Rosenvald Capitulo VI

CRISTIANO CHAVES DE FARIAS • NELSON ROSENVALD Direito dos Con tratos

................ 0 006 000 00 00

; transferir a outrem o direito aos servicos ajustados, nem o prestador de servicos, sem apra-zimento da outra parte, dar substituto que os preste".

A leitura — ainda que perfunctoria — do citado texto legal reforga a natureza in-tuitu personae da prestacao de servigo. A obrigagao de fazer a personalissima e alcanga ambos os contratantes, sendo-lhes vedado unilateralmente transferir a outrem a exe-cucao dos servigos (no caso do prestador) ou o direito aos servigos ajustados (no caso do tomador do servigo). Qualquer cessao contratual exige o assentimento expresso do outro contratante, em uma verdadeira assuncao de divida ou cessao da posicao con-tratual. Esta intransmissibilidade se estende a sucessao causa mortis, inclusive. Logo, o falecimento de urn deles gera a extinedo contratual ordinariamente.

Conforme dispoe o art. 247 do Codigo Civil, cuida-se de obrigagdo de fazer infungivel por convened°, sendo o seu inadimplemento penalizado pela tutela ressar-cit6ria, caso o contratante lesado nao opte pela adogao da tutela inibitoria (CPC, art. 461), constrangendo o parceiro a praticar aquele ato que voluntariamente recusa a efetuar. Note-se que a diretriz da operabilidade adotada pelo Codigo Civil é direcio-nada a maxima efetividade das normal de direito material. No plano das obrigagoes, isto importa em conferir ao contratante amplas possibilidades de alcangar o termino fisiologico da relagao contratual corn a satisfagao da prestaedo almejada, sendo o inadimplemento algo patologico e excepcional.

A toda evidencia, essa permissao para substituigao do prestador de servigos nao caracteriza terceirizacao (ou outsourcing), que se caracteriza como a contra tagao da prestagao de servigos por uma pessoa juridica interposta para disponibilizar mao de obra para outra empresa, em uma atividade de interposigdo para fins de apoio empresarial. E pratica comum para minimizar custos nas empresas e maximizar qualidade do servigo. Exemplo corriqueiro é a terceirizacao das atividades de limpeza e servicos gerais. Por evidente, exige limites, sob pena de fraude e consequente nulidade da avenga, somente sendo possfvel terceirizar atividades-meio, jamais atividades-fim dentro do espectro de atuagao da empresa.

33 Veja-se, ilustrativamente, a posigao da jurisprudencia trabalhista:"Havendo prova de que o em-pregado de empresa prestadora de servicos exerceu suas atividades laborais de forma pessoal e diretamente subordinada a prepostos da empresa tomadora dos servicos, alem de ter exercido fungies ligadas a atividade-fim desta, revela-se ilicita a terceirizacao perpetrada e, na esteira do entendimento cristalizado no item III da sumula ng 331 do Colendo TST, reconhece-se a exis-tencia de vinculo empregaticio entre o empregado e a tomadora." (TRT-5 4Regiao/BA, Ac.046090/2011, RO 0064200-78.2009.5.05.0020, rel. Desa. Debora Machado, DJ 4.2.11).

893

Page 17: Direito Dos Contratos Cristiano Chaves e Nelson Rosenvald Capitulo VI

DIRECTO DOS CONTRAIDS .04X4,0,0<x>00,,,

Cristiano Chaves de Farias • Nelson Rosenvald • • • • • • • • • • • • •

Pontue-se, demais disso, que o art. 609 da Lei Civil" excepciona a infungi-bilidade e a pessoalidade dos contratos de prestacao de servico, admitindo que, ao tempo da alienacao da propriedade rural onde se execute o servico, possa o prestador manifestar a vontade de prosseguir a relacao contratual corn o adquirente do been imOvel. Em outras palavras, duas opcoes se abrem para o prestador do servico: podera manter o contrato originario ou se vincular ao adquirente. Caso delibere pela primei-ra alternativa e nao mantenha o dono do servico interesse na prestacao do servico, sera o prestador despedido sem justa causa e se enquadrara nas consequencias do art. 603 do Codigo Civil. Mas, se preferir continuar onde esta, servindo ao novo proprie-tario, este tera de se submeter a cessao do contrato, incidindo o direito potestativo do prestador a manutencao da relacao contratual, agora corn a substituicao do alienante pelo adquirente do imOvel rural.

4. OBJETO DA PRESTAcA0 DE SERVIcOS

0 objeto do contrato de prestacao de servicos a amplissimo, como se nota a partir da formula utilizada pelo art. 594 da Codificagao Civil, 35 abarcando toda e qualquer atividade humana, fisica ou intelectual (material ou imaterial), 36 domestica (in-clusive aquelas realizadas pela Internet) ou externa.

Neste rol, inserem-se, em identicas condicoes, servicos intelectuais (de na-tureza artistica, cientifica, literaria etc.) e servicos bragais. 37 Todos sao igualmente merecedores de protecao juridica, por dignificar em a pessoa humana.

34 Art. 609, Codigo Civil: "a alienacao do predio agricola, onde a prestagao dos servicos se opera, nao importa a rescisdo do contrato, salvo ao prestador °Ka° entre continua-lo com o adquirente da propriedade ou corn o primitivo contratante."

35 Art. 594, COdigo Civil: "toda a especie de servico ou trabalho licito, material ou imaterial, pode ser contratada mediante remuneracao."

36 MAURICIO SCHEINMAM pontua interessante distingao entre o objeto da atividade material e o da imaterial, afirmando que, comparativamente aos bens materiais, os imateriais guardam algumas dessemelhancas: "enquanto os primeiros sao escassos (quando alienados o antigo possuidor deixa de poder tirar proveito do bem), os segundos nao o sao, ja que uma ideia ou obra podem ser co- piadas do autor sem que este deixe de poder utiliza-la; os bens tradicionais sao frutos do trabalho, ou seja, sao produzidos corn a finalidade de insergao no mundo do homem para serem depois trocados; ja os bens imateriais sao frutos da acao, pois as ideias sao intrinsicamente livre e nab controladas", cf. Comentarios ao Codigo Civil Brasileiro, cit., p. 328.

37 Diz, sobre o porito, WASHINGTON DE BARROS MONTEIRO que todo e qualquer tipo de servico e igual, fazendo nascer direitos: "nao ha trabalho vil e nao ha baixo officio", cf. Curso de Direito Civil, cit., p. 231.

894

Page 18: Direito Dos Contratos Cristiano Chaves e Nelson Rosenvald Capitulo VI

CRISTIANO CHAVES DE FARIAS • NELSON ROSENVALD 000000<>0000.00-0*,),,Y,00.40,,,,C-:>0400.9.0p,„,<XxX)

Direito dos Comma's

Assim, a prestagao de servigos compreende uma ampla gama de atividades licitas realizadas por aquele que pratica urn servigo especializado, alcancando, a urn so tempo, o exercicio remunerado de urn officio (como no caso do bombeiro e do carpin-teiro), a atuagao de um profissional liberal (exempli gratia, na hipotese do advogado e do medico) e a realizacao de atividades por empresas especializadas (e.g., as empresas de dedetizacao e de vigilancia), que terceirizam servigos.

Como visto alhures, a prestagao de servigos alcanga uma faixa residual de tra-balhos que nab a regulamentada pela legislagao trabalhista ou estatutaria, alcangan-do o trabalho autonomo, o eventual e o trabalho levado a efeito por pessoas juriclicas.

o campo em que prepondera a autonomia privada, pois alguem livremente conven-ciona a sua retribuigao sem se submeter as normas cogentes da legislagao especial.

Em sintese apertada, porem completa: a prestagao de servigos tern amplas la-titudes e longitudes, dizendo respeito as obrigagoes de fazer, alcangando condutas fisicas (materiais) ou intelectuais (imateriais).

Tratando-se de atividade ilicita — neste sentido, abrangendo aquela que fere os bons costumes —, o negocio juridico sera reputado nulo, a teor do art. 166, II e III, do proprio Codex. Por igual, se o servigo se posicionar em contrariedade a fungao social do contrato e a boa-fe objetiva, a possivel aventar de sua ilicitude (CC, art. 187).

E de se notar, inclusive, que a obrigagao assumida pelo prestador de servigos pode ser de resultado ou de meio, a depender da sua vinculagao, ou nao, a urn especifi-co exito a ser obtido. No caso do engenheiro e do dentista, a obrigagao e de resultado. Por isso, respondem civilmente pela frustracao do objeto contratado, presumindo-se a sua Jg o advogado e o medico assumem obrigagao de meio, comprometen-do-se a se esforgar para o resultado, mas nab se vinculando a ele.' A sua eventual responsabilidade dependera de prova de sua culpa, portanto.

38 'A obrigacao assumida pelo cirurgiao dentista, em regra, e de resultado, e sua responsabilidade é subjetiva, corn culpa presumida, sendo do profissional o Onus de comprovar que nao agiu corn culpa em qualquer das modalidades: negligencia, imprudencia ou impericia. Entendimento dou-trinario e jurisprudencial..." (TJ/RS, Ac.10°Cam.Cfv., ApCiv. 70036941821 — comarca de Porto Alegre, rel. Des. Paulo Roberto Lessa Franz, j. 16.12.10, DJRS 24.1.11). 59 "A prestacao de servico medico, salvo exceceles (v.g., cirurgia estetica, tratamentos odontologicos etc.), e obrigacao de meio e nao de resultado, uma vez que a asseguracao da cura ou da melhora do paciente esta limitada ao conhecimento cientifico human e aos recursos que para tanto po-dem ser disponibilizados. E, pois, necessciria a demonstracao da culpa do medico para responsabiliza--lo

(assim coma, em determinadas circunstancias, o estabelecimento hospitalar) pelo resultado terapeutico indesejado, ou ao menos o nexo de causalidade entre as sequelas verificadas no in-divicluo tratado e os procedimentos realizados." (TJ/SC, Ac.3-' Camara de Direito Civil, ApCiv. 2010.078429-3, comarca de Capinzal, rel. Des. Marcus Tao Sartorato, j.4.2.11).

895

Page 19: Direito Dos Contratos Cristiano Chaves e Nelson Rosenvald Capitulo VI

Dial CO DOS CONTRATOS Cristiano Chaves de Farias • Nelson Rosenvald

Demais de tudo isso, a prestacao de servigos pode ser generica ou especifica. Sera especifica quando o contrato indicar a quantidade e a qualidade do

servico a ser prestado. Em se tratando de uma obrigagao especifica, entende-se que o prestador somente se obrigou a realizar as atividades convencionadas, sem qualquer outro dever. Seria o caso do despachante, que se obriga a proceder ao re. conhecimento de firma do tomador em urn determinado contrato. Essa obrigagao e, sem cividas, especifica.

Quando o objeto do contrato for generic°, presume-se que o prestador se obri-gou a todo e qualquer servigo compativel com as suas condigoes e forcas, como indica o comando do art. 601 do Codigo Trata-se de uma presunccio relativa de que o prestador foi para todo e qualquer servigo compativel corn o objeto contratado, salvo disposigao contraria. No entanto, nao se pode imaginar que o prestador deveria exe. cutar servigos de maneira ilimitada. Por isso, havendo dilvidas a respeito da extensao das atividades, cabera ao prestador demonstrar quais eram os limites de sua ativida-de, de acordo corn a razoabilidade esperada do negocio jurldico.41

E bem verdade que, normalmente, o proprio contrato de prestacao de servico especifica a atividade a ser desempenhada pelo prestador. A obrigagao de fazer é objeto de convencao.

No entanto, mesmo no silencio do negocio juridic°, a pr6pria especializacb tecnica do prestador de servigos a suficiente para qualificar os servigos que deve. rd praticar. Vale dizer, ninguem pode admitir que urn medico contratado para fazer visitas semanais a urn doente cronico tambem se ocupara da faxina da residencia, sob o argumento de que o servigo a "compativel corn as suas forgas e condic6es". Diferentemente, ao se contratar urn advogado para a defesa em urn processo, suben. tende-se, salvo disposigao contraria, que o seu trabalho abrange a sustentacao oral perante o Tribunal respectivo.

A questao, portanto, avulta no tocante a contratagdo que envolve atividades fisicas, manuais. E possivel exigir de uma diarista que tambem corte a grama do jar. dim, simplesmente por possuir condigoes fisicas para tanto? Seguramente afirmamos que o citado art. 601 da Lei Civil exige interpretagao em harmonia corn a clausula geral da boa-fe objetiva (CC, arts. 113 e 422), que impae uma relagao cooperativa

40 Art. 601, C6digo Civil: "nao sendo o prestador de servigo contratado para certo e determinado trabalho, entender-se-6 que se obrigou a todo e qualquer servico compativel corn as suas forcas e condicoes."

41 Tambem assim, LOPEZ, Teresa Ancona, cf. Comentarios ao Codigo Civil, cit., p. 219.

896

Page 20: Direito Dos Contratos Cristiano Chaves e Nelson Rosenvald Capitulo VI

CRISTIANO CHAVES DE FARIAS • NELSON ROSENVALD ,>0■C,0000000C<X>dOPPOppoppoOGOCXX,0^,X,00')*CC<X>0400, - ...,X,,,,, Direito dos Contratos

entre as partes, a fim de que se obtenha o adimplemento da obrigacao da forma mais proveitosa ao credor e menos onerosa ao devedor. Nesse sentido, a imposicao de urn sacrificio desmesurado a uma das partes, em decorrencia da omissao do contrato, converte-se em abuso do direito — que e um ato ilicito objetivo (CC, art. 187) —, ja que o dono do servico exerce o direito subjetivo de forma manifestamente excessiva, lesando a confianca do parceiro contratual e desequilibrando a relacao juridica.

A proporcionalidade sera a medida da correcao e da afericao de quais sao os servicos "compativeis" corn a posicao do prestador, bem como corn as suas "forcas e condigoes". A titulo exemplificativo, deve se entender que ha limitacoes no que range a duracao e ao horario do servico, 42 afastadas as atividades exaustivas e atenta- terias a dignidade humana.

Evidentemente, se o prestador for obrigado a realizar servicos incompativeis corn as suas forgas e condicoes, podera demitir-se por justa causa, extinguindo a relacao negocial. Seria o caso de imaginar urn advogado contratado para defender o cliente em Porto Alegre, sendo obrigado a realizar, as suas expensas, uma viagem ate Brasilia, para fazer uma sustentacao oral perante os tribunais superiores. Visivelmente, o objeto da prestacao de servicos nao alcancaria a referida viagem, corn despesas fi-nanceiras e sacrificio de tempo, por estar alem das "forcas e condicoes" do prestador.

5. REMUNERAcAO DO PRESTADOR DE SERVIcOS

'5.1. Generalidades

Nao ha prestacao de servicos gratuita — que se aproximaria de uma servidao humana, lembrando tempos nao saudosos da escravidao. A onerosidade, pois, é da essencia deste contrato, nab se presumindo, em nenhuma hipotese, a gratuidade. Ate mesmo porque, em se tratando de negocio juridico bilateral, ha contrapresta-(do implicita.

Nessa linha de inteleccao, o prestador de servicos faz jus a uma contrapresta- can pela atividade realizada. Ela a chamada de remuneractio, tambern dita honorcirios, preco, soldadas ou salitrio civil. 43

42 SCHEINMAM, Mauricio, cf. Comentcirios ao Codigo Civil Brasileiro, cit., p. 355. 43 Alguns autores se insurgem contrariamente a utilizacao da expressao salcirio, sob o argumento de

que seu alcance estaria restrito a relacao empregaticia. Chegam a afirmar que "salario e toda retri-buicao diretamente devida pelo empregador, como contraprestacao da energia pessoal posta pelo

897

Page 21: Direito Dos Contratos Cristiano Chaves e Nelson Rosenvald Capitulo VI

DIREITO DOS CONTRATOS

Cristiano Chaves de Farias • Nelson Rosenvald

A remuneracao somente pode ser dispensada por disposicao contratual ex-pressa, submetida a uma interpretacao restritiva (CC, art. 114). Nessa hipotese (de dispensa expressa da remuneracao do prestador de servicos), caso o tomador, es-

pontaneamente, resolva efetuar uma contraprestacao, caracterizar-se-a uma doagio

remuneratoria, nao admitindo revogacao por ingratidao do beneficiario. No silencio da manifestacao de vontade expressa pelas partes, é de se presu-

mir que o pagamento da remuneracao sera diferido no tempo, apcis a prestacao dos servicos. Cuidando-se de presuncao relativa, nada impede que as partes estabelecam diferentemente, estipulando o pagamento antecipado ou parcelado (em prestacbes mensais, por exemplo). Por evidente, se o prestador receber a remuneracao anteci-padamente, por forca de estipulacao contratual expressa, e nao prestar integralmente o servico, tera de restituir ao tomador do servico o valor recebido antecipadamente,

evitando enriquecimento sem causa. 44

5.2. Arbitramento da remuneracao pelo juiz

Ordinariamente, a remuneracao decorre da vontade dos contratantes. Case

nao seta estipulada pelas partes (ou havendo conflito entre elas sobre o valor, a for-ma e a periodicidade), o juiz a fixara de acordo corn os costumes do lugar, o tempo

e a qualidade do servico. 45 A solucao e adequada, na medida em que o Direito e

linguagem e cultura, sendo necessario um constante dialogo entre o sistema juridic° e a sociedade. Isto implica uma ampliacao necessaria das fontes do direito, reconhe-cendo que ele emana de diversas fontes — e nao, simplesmente, da vontade soberana do legislador. Dai a preocupacao corn os costumes, como manifestagoes legitimas e

criativas do Direito, aptas a revigorar a letra da norma, concedendo-lhe eficacia e concretude. Trata-se de verdadeira utilizacao da equidade, 46 na sua acepcdo de jus-

empregado a sua disposicao, por forca do contrato individual de emprego", PINTO, Jose Augusto Rodrigues; PAMPLONA FILHO, Rodolfo, cf. Repertario de conceitos trabalhistas, cit., p.461.

44 Nesse sentido, ha precedente jurisprudencial, confirmando o entendimento da necessidade de restituicao: "Celebrado contrato de prestacao de servicos entre a universidade e os recorrentes,

e nao tendo sido ministrado o ntimero de creditos avencados, deve esta restituir o que recebeu a

maior, indevidamente, sob pena de enriquecimento ilicito." (STJ, Ac.unan.PT., REsp.895.4801 SC, rel. Min. Luis Felipe Salomao, j.16.11.10, Die 22.11.10).

45 Art. 596, COdigo Civil: "nao se tendo estipulado, nem chegado a acordo as partes, fixar-se-a pot arbitramento a retribuicao, segundo o costume do lugar, o tempo de servico e sua qualidade".

46 A jurisprudencia corrobora a tese: "Demonstrada a prestacao dos servicos contratados e nao havendo prova da quitacao dos honorarios, impoe-se o arbitramento de honorarios em favor do causidico, ficando o quantum debeatur para ser apurado na fase de liquidacao. (...) Sendo assim,

898

Page 22: Direito Dos Contratos Cristiano Chaves e Nelson Rosenvald Capitulo VI

CRISTIANO CH.AVES DE I'm S NELSON ROSENVALD Direito dos Contrutos

eqiiitativa, no ideal aristotelico de que a virtude esti no meio (in medio virtus),

nem tanto ao mar nem tanto a terra. Na hipotese, o magistrado se servird dos usos e costumes locals para alcancar

a remuneracao do prestador de servico, observando ainda o tempo despendido corn r a execucao do servico e a sua qualidade e complexidade. Sendo o magistrado urn ho-

mem de seu tempo e meio social, avaliara o trafego juridico no local em que se prestou o servico, interpretando o contrato corn base na boa-fe objetiva (CC, arts. 113 e 422),

a fim de alcancar a remuneracao que duas pessoas razoaveis alcancariam em uma re-lacao de cooperacao. Este sera o iter para alcancar o livre convencimento motivado.

Sendo a gratuidade inaceitavel nas atividades prestacionais de servicos huma-nos, seja no C6digo Civil ou na legislagdo espacial, e de se fazer referencia ao fato de que a Consolidacao das Leis do Trabalho apresenta urn criterio de arbitramento de remuneracao, levando em conta a percepgao do salario por trabalhador que realize servigo em funcao equivalente em outra empresa (CLT, art. 460). 47 Nada impede (ao

tudo aconselha) que o juiz do contrato de prestagao de servicos se valha de identica formulacdo para a formacao de seu juizo de valor acerca da remuneracao devida ao prestador.

Evidente que, a depender da complexidade e da especificidade do objeto con-tratado, o magistrado podera se servir do apoio tecnico de urn perito para arbitrar, corn precisao, a remuneracao devida.

5.3. Remuneracao acima do decuplo do salario minim() e a necessidade de prova escrita

Nao se olvide que, pela diccao do art. 227 do Codigo Civil 48 (CPC, art. 401), se o valor da remuneragao superar dez vezes o salario minim° fixado pelo Governo, a

em fase de liquidacdo, deve ser arbitrado, equitativamente, o valor devido por cada uma das con-tratantes." (TYPE, Ac.unan.1 1Cam.Civ., ApCiv. 0300103623 — comarca de Recife, Ac. 123445-9, rel. Des. Frederico Ricardo de Almeida Neves, j. 6.7.10).

47 Art. 460, Consolidacao das Leis do Trabalho: "na falta de estipulacdo do salario ou nao havendo prova sobre a importancia ajustada, o empregado terra direito a perceber salario igual ao daquela que, na mesma empresa, fizer servico equivalente ou do que for habitualmente pago para servico semelhante."

48 Art. 227, Codigo Civil: "salvo os casos expressos, a prova exclusivamente testemunhal so se admi-te nos negOcios juridicos cujo valor nao ultrapasse o decuplo do maior salario minimo vigente no Pais ao tempo em que foram celebrados. Paragrafo Unico. Qualquer que seja o valor do negocio juridic°, a prova testemunhal 6 admissfvel como subsidiaria ou complementar da prova por escri-to."

899

Page 23: Direito Dos Contratos Cristiano Chaves e Nelson Rosenvald Capitulo VI

DIREITO DOS CONTRATOS

prova testemunhal nao sera suficiente, exigindo-se alguma prova escrita. A res-tricao legal parece encerrar indevido resquIcio de discriminacao social em face da condicao economica da parte, retirando daquele que celebra negocios mais vulto-sos o direito (constitutional) de produzir prova testemunhal. Por isso, o Superior Tribunal de Justica, revelando indiscutivel preocupacao em adequar a legislacao infraconstitucional ao novo espfrito jurldico emanado do Texto Magno, manifestou--se pela colisdo frontal dessa restricao corn os direitos fundamentais, entendendo nao se harmonizar aquela corn a Carta Constitucional. Afirmou-se, nao sem razao, que "a Constituivto da Republica admite qualquer especie de prova. Ha uma restricao

logica: obtida por meio ilicito (art. 5°, LVI). Note-se: integra o rol dos direitos e garantias fundamentais." Logo, qualquer "restricao afeta a busca do direito justo". E desfechou: "a prova testemunhal (nao se confunde corn a forma testemunhal da prova) é constitu-cionalmente consentida. Em conseqiiencia, nenhuma lei pode estabelecer restricoes para alguem demonstrar, em juizo, a existencia, ou inexistencia, do fato da causa pe-tendi." (STJ, Ac.6a T., REsp.177.214, rel. Min. Luiz Vicente Cernicchiaro, j.22.9.98, in Revista Forense 346:268).

De qualquer maneira, o referido dispositivo codificado (CC, art. 227) exige uma interpretacao cum grano salis. Assim, em situacOes negociais concretas, inde-pendentemente do valor, nas quais as partes nao tenham como demonstrar os fatos que abonam o seu direito, sendo corn testemunhas ou em contratos que habitual-mente sao celebrados oralmente, a perfeitamente admitida a prova testemunhal, sem qualquer restricao. E o robusto exemplo do contrato de trabalho, de corretagem ou mediacao (RSTJ 74:412 e RT 714:134), de prestacao de servicos (RT 715:179), de empreitada, do contrato agrario (RT 625:148), do contrato de gado (RT 132:660), da parceria rural (STJ, Ac.unan. 3 a T, REsp.10.807/PI, rel. Min. Dias Trindade, j. 21.6.91, DJU 19.8.91, p.10.995), da prestacao de servicos de taxi (RT 712:160), da sociedade de fato (RSTJ 69:442), dentre outros, que sao celebrados sem preocupacdo corn instrumentos escritos, independentemente de seu valor. 49

0 prOprio Paragrafo Onico do art. 227 da Codificacao, no entanto, afirma que a restricao de admissibilidade da prova testemunhal nos negocios juriclicos cujo valor supere o decuplo do salario minim° pode ser temperada, quando houver comeco de

49 No que Lange a prestacao de servicos, a jurisprudencia patrocina este entendimento ha longas datas: "a prestacao de servicos pode ser comprovada por prova testemunhal (...), seja qua' for o seu valor, independentemente de comeco de prova por escrito". (TACiv.RJ, Ac.unan. 8aCAm., Ap.Civ.13.290/93, rel. Juiz Jayro Ferreira, j.23.2.94, in Arquivos TAW 19:199).

Cristiana Chaves de Farias • Nelson Rosenvuld

900

Page 24: Direito Dos Contratos Cristiano Chaves e Nelson Rosenvald Capitulo VI

LO

•• •

• •

CRISTLANO CHAVES DE FARIAS NELSON ROSE FOO*0.0000•000000.300.>0 •• • ..... • • • • Direito dos Contratos

prova por escrito, atraves de declaracoes que podem tomar verossimil o negocio que se pretende provar, como, v.g., bilhetes, cartas, anotacoes, graficos, orcamentos sem assinatura, minutas, fax, e-mail etc. 0 Tribunal de Justica do Amapa julgou interessante caso em que admitiu "como comeco de prova por escrito, notas fiscais resultantes de compra e venda de mercadorias" (TJ/AP, Ac.unan. Camaraunica, Ap.Civ.061/92, rel. Des. Mello Castro, j.3.2.92, in Revista de Doutrina e furisprudencia do TJ/AP 2:246).'

t 5.4. Periodicidade da remuneracdo

Obedecendo as diretrizes da autonomia privada, a periodicidade do pagamen-to da retribuicao fica submetida a vontade das partes, de acordo com o que restar avencado. Podem, entao, estipular que o pagamento sera por periodo determinado ou por servico realizado, de acordo corn os seus interesses.

Evidentemente, e possivel ajustar que o pagamento sera feito nao apenas em di-nheiro, envolvendo o fomecimento de outras utilidades, como moradia e alimentacao."

Podem, tambern, estabelecer que o pagamento sera antecipado ou diferido no tempo, posterior a prestacao dos servicos. Subsidiariamente, no silencio do contrato, o art. 597 da Codificacao de 2002 estabelece que "a retribuiceio pagar-se-a depois de

prestado o servico, se, por convenceio, ou costume, nib houver de ser adiantada, ou paga

em prestacoes". Ha de se perquirir, destarte, acerca dos costumes da regiao em que se

praticou o servico para compreender perfeitamente o momento do pagamento. Os usos do local sera() &els para definir se o pagamento sera adiantado, sera pago em prestacoes periodicas, por etapas ou, apenas, remunerado ao final do servico.

Finalmente, diante da ausencia de definicao convencional e na impossibilida-de de estabelecer atraves do trafego juridic° dos usos e costumes locais, aplica-se o enunciado da regra legal citada (CC, art. 597), de carater visivelmente supletivo, 52

retribuindo-se o servico apenas apps a sua efetiva prestacao, o que a natural em qual-- quer contrato sinalagmatico.

50 Alias, a jurisprudencia superior, igualmente, ja cimentou esta possibilidade: "havendo comeco de prova por escrito, e admissivel a prova testemunhal, qualquer que seja o valor do contrato (CPC, art. 402, I)". (STJ, Ac.unan. 4' T., Ap.Civ.18-0/DF, rel. Min. Salvio de Figueiredo Teixeira, j.13.3.95, DJU 17.4.95, in RT 717:252).

51 GOMES, Luiz Roldao de Freitas, cf. Contrato, cit., p. 249. 52 "0 tomador devera efetuar o pagamento na epoca e modo previstos contratualmente ou no cos-

tume do lugar, mas, na falta de previsao, o momento sera o que se seguir a entrega do servico", NADER, Paulo, cf. Curso de Direito Civil, cit., p. 363.

901

Page 25: Direito Dos Contratos Cristiano Chaves e Nelson Rosenvald Capitulo VI

•• • • •• ••• • •• • • • • •

DIREITO DOS CONTRATOS +o .00000cccoy.,arrxv Cristian Chaves de Farias • Nelson Rosenvald

•• • ••• •••• • ••

5.5. Compensacao ao prestador de servico nao habilitado profissionalmente

E possivel que o prestador de servicos nao possua qualificagao profissional ade-quada e necessaria para o exercicio da atividade a que se comprometeu. Pois bem, nem mesmo assim se respalda a gratuidade do contato.

Se, nessa hipotese, o tomador do servico conhecia a ausencia de qualificagao do prestador, nenhum efeito juridico decorrrera, uma vez que o negOcio juridic° foi en-tabulado a partir da autonomia privada dos contratantes. Por isso, o prestador fara jus a retribuicao que sera devida em conformidade com o ajuste contratual. Trata-se de regular pagamento pelo adimplemento de uma obrigacao contratual. Evidentemente, o tomador nao pode se recusar ao pagamento, na medida em que conhecia a falta de habilitacao e, mesmo assim, entabulou o negocio juridic°. Afinal, ninguem pode se valer de suet propria torpeza.

Contudo, nao havendo valor estipulado, o magistrado arbitrary o quantum conforme os costumes do lugar, o tempo do servico e a qualidade da atividade de-sempenhada, consoante assinalado alhures (CC, art. 597). Porem, faltando habili ,

tacao profissional ao prestador, incide a regra do art. 606 da Lei Civil, em redacao que exige atencao:

Art. 606, Codigo Civil: "Se o servico for prestado por quern nao possua titulo de habilitacao, ou nao

satisfaca requisitos outros estabelecidos em lei, nao podera quem os prestou cobrar a retribuicao normalmente correspondente ao trabalho executado. Mas se deste resultar beneficio para a outra parte, o juiz atribuird a quern o prestou uma compensacao razoavel, desde que tenha agido corn boa-fe. Paragrafo unico. Nao se aplica a segunda parte deste artigo, quando a proibi-cao da prestacao de servico resultar de lei de ordem publica."

Assim sendo, no caso de falta de habilitacao profissional ao prestador de servicos,

o juiz, ao inves de fixar o valor comum de mercado para aquele tipo de contrato, determinarci uma compensacito razocivel em favor do prestador que agiu de boa-fe, apesar de haver exercido irregularmente uma atividade. Aqui, o valor arbitrado pelo magis-trado sera atenuado, considerada a falta de habilitacao do contratado.

902

Page 26: Direito Dos Contratos Cristiano Chaves e Nelson Rosenvald Capitulo VI

CRISTIANO CHAVES DE FARIAS • NELSON ROSE. ica000000acaeax.oc000coocx>ocrx

'AL Direito dos Contrutos

Como explica JONES FIGUEIREDO ALVES, se quem prestou nao tinha habilitacao necessaria, "nao pode, dal, exigir o preco compativel ao servico realizado". 53

Exemplificando, se um personal trainer é contratado, apesar de nao ser gradua-do em Educagao Fisica, por possuir experiencia em treinamentos corporais, o magis-trado estipulard em seu favor uma retribuicao razoivel, por ter cumprido o servico. Seria, tambem, o caso de estabelecimentos de ensino que nao recebem autorizacao (ou que tern cassada a autorizacao de funcionamento) para oferecer determinados cursos educacionais. Provada a boa-fe da empresa e o beneficio propiciado ao aluno, o juiz fixara uma compensagdo razoavel.

Conecta-se, a mais nao poder, essa regra do art. 606 da Codificacao a proibicao de enriquecimento injustificado do dono do servico (CC, arts. 884 e 885).

Contudo, se o prestador omite a sua falta de qualificacao ou, pior, ilude o dono do servico, corn base em falsas premissas, nada podera receber dos servicos prestados, aplicando-se o instituto do tu quoque.-"Ou seja, quem viola uma norma juridica new

pode por ela ser beneficiado, incidindo em ato ilicito objetivo (abuso do direito), ao consti-tuir, deslealmente, uma relaccio juridica a pessoa que atrai a confianca alheia corn base ern

inverdades e, posteriormente, deseja se beneficiar da propria norma — no caso, receber uma compensacao. Alcanca-se, alias, urn resultado similar aquele almejado pelo art. 883 do Codigo Civil."

Pontue-se, portanto, que o prestador de servicos somente terci direito a com-pensacao da remuneraccio no caso de the faltar habilitacao profissional quando presentes

53 ALVES, Jones Figueiredo, cf. "Da prestacao de servicos", cit., p. 543. 54 Sobre o tu quoque, para a perfeita compreensao da materia, transcrevemos trecho de nosso Direito

Civil: Teoria Geral, para onde remetemos o leitor para um estudo mais vertical do instituto: "0 Cu quoque é um tipo especffico de proibicao de comportamento contraditorio na medida em que, em face da incoerencia dos criterios valorativos, a confianca de uma das partes e violada. Isto e, a parte adota urn comportamento valorativamente distinto daqueloutro adotado em hipotese ob-jetivamente assemelhada. Ocorre o to quoque quando alguem viola uma determinada norma juridica e, posteriormente, tenta tirar proveito da situactio, corn o fito de se beneficiar. Nesta figura, portanto, encontra-se urn acentuado aspecto de deslealdade, malfcia, gerando a ruptura da confianca depo-sitada por uma das partes no comportamento da outra, por conta dos criterios valorativos antes utilizados. Para FRANZ WIEACKER, a excecao de aquisicao de direitos de ma-fe tern o seu fundamen-to na conhecida regra de ouro da tradicao etica: 'rid° faca aos outros aquilo que nab quer que the facam. Ou, entao, corn base no brocardo ingles, equity must come in clean hands. Por isso, quem nao cumpre os seus deveres tambem nao pode exigir os seus direitos corn base na norma violada, sob pena de abuso. Imprescindivel e que sempre exista urn nexo entre a obtencao indevida do di-reito e o seu posterior exercfcio abusivo", FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson, cf. Direito Civil: Teoria Geral, cit., p. 615.

55 Art. 883, Codigo Civil: "nao tern direito a repeticao aquele que deu alguma coisa para obter fim imoral, ou proibido por lei."

903

Page 27: Direito Dos Contratos Cristiano Chaves e Nelson Rosenvald Capitulo VI

alguns requisitos: 0 boa-fe (isto é, quando nao escondeu do tomador a falta de ha-bilitagao); ii) existencia de beneficio propiciado ao tomador pelo servico prestado. 56

Conclusivamente, vale o registro de que o Paragrafo Unico do art. 606 do Codex exclui a possibilidade de fixagao de compensagao razoavel em favor daquele que executa servigo sem qualificagao, quando alguma norma de ordem ptiblica reservar o exercicio da profissao apenas em favor de determinados profissionais. Conquanto seja de duvidosa razoabilidade o use da expressao "norma de ordem ptiblica" (ate por-que nao existem normas legais que nao sejam publicas), a preciso compreender a referencia legal a partir de situagOes concretas em que periclite o interesse public°. Desse modo, o exercicio de algumas profissoes tocam um interesse public°, exigindo--se o atendimento de requisitos especificos tragados em lei; assim, advogados, me-dicos, odontologos, farmaceuticos, dentre outros, sao profissionais que nao podem ser substituidos, pelo risco a integridade fisica e patrimonial de terceiros. Por isso, qualquer prestador de servico desprovido de qualificacao profissional para o exercicio de tais atividades, alem de poder ser responsabilizado criminalmente," nao recebera qualquer remuneragao pelas atividades realizadas.

A disposigao legal, cuidadosamente analisada, é merecedora de criticas. Isto porque, mesmo ferindo disposigoes de ordem publica, se o servico prestado gerou proveito para o tomador (contratante), parece estar em rota direta de co-lisao corn a vedacao de enriquecimento sem causa deixar o prestador sem uma compensacao razoavel."

6. PRAZO DE DURAcAO DA PRESTAcA0 DE SERVIcOS

0 contrato de prestacao de servicos submete-se a um tempo maximo de duraciio de quatro anos, conforme ressalta o art. 598 do Codigo de 2002:

56 Ou seja, "constatada a aus'encia de titulo de habilitacao ou insatisfacao de requisitos legais, mas constatada boa-fe e beneficio a outra parte, o juiz fixara compensacao razoivel", conforme a ex-plicacao de MARIA CRISTINA IRIGOYEN PEDUZZI, cf. "A prestacao de servicos", cit., p. 579.

57 A legislasao penal tipifica como crime, no art. 282 do Codigo Penal, o exercicio irregular de determinadas profissoes: "exercer, ainda que a titulo gratuito, a profissao de medico, dentista ou farmaceutico, sem autorizacao legal ou excedendo-lhe os limites: Pena — detencao, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos. Paragrafo ionic° — Se o crime e praticado corn o fim de lucro, aplica-se tambem multa."

58 No mesmo diapasao: "sera que o indivfduo que presta efetiva orientacao juriclica, tecnicamente adequada, mesmo sem ser bacharel, nao merece uma retribuicao?", GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo, cf. Novo Curso de Direito Civil, cit., p. 282.

Cristiano Chaves de Farias • Nelson Rosenvald DIREITO I)OS CONTRATOS 000000.09,^0.0.0,>o<O-00C,C*00000.0000-0.0,:000 ,,,, C<X,004',.).0,C5C,SC-00000000,

904

Page 28: Direito Dos Contratos Cristiano Chaves e Nelson Rosenvald Capitulo VI

CRISTIANO CHAVES DE FARIAS • NELSON ROSENVALD :>00.0000 Direito dos Contratos

Art. 598, Codigo Civil: "A prestagao de servico new se poderci convencionar por mais de quatro anos, embo-

ra o contrato tenha por causa o pagamento de divida de quern o presta, ou se destine a execuedo de certa e determinada obra. Neste caso, decorridos quatro anos, dar-se-d por findo o contrato, ainda que nao concluida a obra."

A aludida regra legal pode ser explicada em suas raizes historicas, em face da necessidade de acautelamento do prestador de servicos, evitando-se uma con-tratacao por prazo superior a quatro anos, a fim de que ele nao seja submetido a instrumentalizaeao por parte do tomador de servicos em uma relacao desprovida de limites temporais. Justifica-se, pois, na protecao avancada da pessoa humana contra negocios aviltantes.

Bern por isso, a partir da compreensao legal, fixado, eventualmente, urn con-trato por prazo superior a quatro anos, o excesso sera ineficaz, reduzido ate se enqua-

drar no limite estabelecido. Note-se: o contrato é existente e valid°, apenas sendo

ineficaz no que exceder o quadrienio legal. Nao obstante, nos tempos atuais, a norma vem se mostrando, de certo modo,

injustificavel por diferentes razoes. Primus, porque o fato de superar o period() de quatro anos nao significa que a relacao negocial caracterizou-se como urn contrato de

emprego. Secundus, porque, esgotado o quadrienio, nada impede que as partes ajus-tern urn novo periodo contratual, renovado nas mesmas bases ou nao, sem que isto implique a caracterizacao de uma relacao empregaticia. Basta imaginar a prestacao de servicos advocaticios por longos periodos de tempo.

Nao havendo estipulacao convencional de prazo entre as partes, reputa- se ce-lebrado o contrato pelo tempo necessario a prestacao da atividade contratada, con-forme a sua propria natureza ou os costumes do lugar. No caso de uma prestaedo de servicos agricolas, por exemplo, reputa-se celebrado ate o termino da colheita.

Caso a prestacao de servico tenha sido estipulada sem prazo e nao sendo pos-sivel determinar o seu instante derradeiro pela natureza do servico realizado ou pelo costume do local, qualquer das partes podera denuncia-lo de acordo corn o tempo em que se fixou a percepcao da retribuicao, como acena o art. 599 do Livro Civil:

Art. 599, Codigo Civil: "Nao havendo prazo estipulado, nem se podendo inferir da natureza do con-trato, ou do costume do lugar, qualquer das partes, a seu arbitrio, mediante previo aviso, pode resolver o contrato.

905

Page 29: Direito Dos Contratos Cristiano Chaves e Nelson Rosenvald Capitulo VI

D'1KEITO DOS CONTRATOS Cristiano Chaves de Farias • Nelson Rosenwald 000.00000.0.000.0.

Paragrafo itnico . Dar-se-a o aviso: I - corn antecedencia de oito dias, se o salario se houver fixado por tempo de urn mes, ou mais; II - corn antecipagao de quatro dias, se o salario se tiver ajustado por semana, ou quinzena; III - de vespera, quando se tenha contratado por menos de sete dias."

Em verdade, tem-se uma evidente hipotese de resiliglio unilateral (tambem denominada de dentincia) e nao de resolugao contratual como, equivocadamente, indica o caput do pre-falado dispositivo. Efetivamente, nao se trata de extinguir o contrato pelo inadimplemento (como sugere o art. 475 do Codigo Civil ao tratar da resolugao), mas de exercicio do direito potestativo a desconstituigao do negocio juridic°, corn submissao da outra parte ao termino do contrato.

Alias, basta observar o use dos termos "arbitrio" e "previo aviso" para se concluir que o dispositivo em referencia esta conexo ao art. 473 do Codigo Civil, no qual a primeira palavra a substituida por "resiliceio unilateral" e a segunda, por "demincia". 0 Paragrafo Unico do art. 499 do Codex aplica uma regra de proporcionalida-de, pois pretende adequar o aviso previo (dernincia) ao ajuste da periodicidade do pagamento da retribuigao. Portanto, quanto maior a contratagao, maior sera o prazo para o exercicio da demincia: i) oito dias, se o pagamento do salario for ajustado por mes; ii)

quatro dias, se o pagamento for semanal ou quinzenal; de vespera, quando a remuneragao for devida em prazo menor do que sete dias.

Sem duvidas, ao estabelecer diferentes lapsos temporais de aviso previo, o dis-positivo rende homenagens a boa-le objetiva, resguardando, de algum modo, as ex- pectativas dos contratantes.

Registre-se, de qualquer sorte, que se trata de regras minimas, podendo as par-tes estabelecer outros periodos de tempo, de acordo corn a autonomia privada, desde que nao afrontem a garantia minima estabelecida pelo legislador. 59

Se urn dos contratantes exercer o seu direito potestativo a resiligao unilateral sem o necessario aviso previo, devera indenizar a contraparte por perdas e danos.

60 Ademais, procurando afirmar normas de boa convivencia entre o prestador

e o dono do servigo no prazo convencionado para o servigo, previu o art. 600 da Lei Civil que, se o prestador deixou de comparecer ao servigo sem justificativa (ou seja, por negligencia ou comportamento inadequado),

nao recebera a retribuigao no aludido period°. Suspende-se o contrato, sem o pagamento. Exemplificando, caso a

59 NADER, Paulo, cf. Curso de Direito Civil, cit., p. 366. 60 OLIVEIRA, James Eduardo, cf.

Codigo Civil Anotado e Comentado, cit., p. 460.

906

Page 30: Direito Dos Contratos Cristiano Chaves e Nelson Rosenvald Capitulo VI

Direito dos Contratos CREMANO AV•S DE ROSEN VA )

falta decorra de embriaguez ou em virtude da realizagao de outros servigos, nao po-dera o prestador ser remunerado. A contrario sensu, decorrendo a falta ao servigo de um evento que nao seja imputavel ao comportamento culposo do prestador, sera ele remunerado da mesma forma, computado o period() regularmente. E o caso do rid() comparecimento em razdo de uma greve geral dos transportes ou por urn acidente provocado por terceiro. Da mesma forma, o prestador sera remunerado se a paralisa-gab decorreu de culpa do proprio dono do servigo.

Alias, em tais hipoteses, sera possivel ao dono do servigo pleitear a resolugao contratual, cumulada corn pedido de perdas e danos, se o inadimplemento resultante da falta ao servigo for significativo, a ponto de prejudicar seriamente os objetivos da contratagao.

Na legislagao trabalhista nao ha a suspensao do contrato, diferentemente do que ocorre no campo do Direito Civil. Isto porque, na estrutura da Consolidacao das Leis do Trabalho, nao sao transferidos "ao trabalhador os riscos da atividade econo-mica, solitariamente assumidos pelo empregador, detentor do lucro". 61

7. ALICIAMENTO DO PRESTADOR DE SERVIcOS -- ---------- _______ -------- _ _ _ _ _

Ao reconhecer a autonomia dos deveres de conduta em relacao as prestacoes voluntariamente assumidas, no ambito de uma relagao contratual complexa e dina-mica, vislumbra-se nao ser necessaria a coincidencia temporal entre o nascimento da obrigagao principal e os deveres laterais, eis que afloram mesmo antes da contrata-gao, mantendo-se, inclusive, depois do cumprimento da avenga.

E o que se chama pre e pas eficacia obrigacional.

Ou seja, os deveres anexos (frutos da boa-fe objetiva) antecedem a assuncao das obrigagoes e extravasam o adimplemento delas, caracterizando hipoteses de ver-dadeira responsabilidade civil pre e pos-contratual.

No entanto, nao a aperis nesse quadrante que se nota a possibilidade de desencontro. A consciencia da independencia dos deveres de conduta, em relagao ao nivel do cumprimento dos deveres contratuais, viabiliza, noutra esfera, uma amplia-gao quantitativa dos sujeitos ativos e passivos aos quaffs se impoem os deveres de conduta decorrentes da boa-fe objetiva, de modo a atingir igualmente aqueles que se relacionam com o contrato, ainda que indiretamente.

61 PEDUZZI, Maria Cristina Irigoyen, cf. "A prestacao de servicos", cit., p. 578.

907

Page 31: Direito Dos Contratos Cristiano Chaves e Nelson Rosenvald Capitulo VI

Cristiano Chaves de Farias • Nelson Rosenvald DIREITO DOS CONTRATOS

Todo dever de cuidado envolve, em major ou menor grau, uma forma de coo-peracao para corn o alter e para corn a propria sociedade. Nessa cooperacao é afirma-da uma ideia solidarista, veiculada a partir da formula do art. 3 2, I, da Constituicao da Reptiblica.

Bern por isso, em interessante projecao, LUIS RENATO FERREIRA DA SILVA con-sidera que o binomio cooperacao versus solidariedade pode ser considerado de duas maneiras: i) dentro da relacao contratual ele atua por meio do principio da boa-fe (CC, art. 422); ii) ja os reflexos externos das relagoes contratuais que podem afetar a esfera de terceiros

impOem urn comportamento solidario cooperativo, que a atuado pela nocao da funcao social do contrato (CC, art. 421).62

Afirma-se, pois, urn direito contratual mais solidario e humano, vocacionado para a preservacao da dignidade das pessoas envolvidas, apartando-se de ideais ego-isticos, de que o contrato deveria ser urn ambiente para o mais esperto. No lticido pensamento do argentino JORGE MOSSET ITURRASPE, a relacao contratual nao mais pode ser o reino do egoismo, do puro interesse individual, sem por em grave risco o bem comum e a paz social, exigindo- se, via de consequencia, uma concepcao mais socializada.63

Assim, a violactio do dever de protegio contratual pode se caracterizar tambem quando urn terceiro contribuir para o descumprimento de uma relacao contratual (obriga-cional) em curso, tentando cooptar, aliciar, alguem que ja se obrigou perante outrem. Corn isso, o terceiro estara frustrando as finalidades do primeiro contratante, pro-piciando o inadimplemento contratual e, consequentemente, afrontando a funcao social do contrato.

E a figura denominada terceiro ofensor ou terceira lesante.

Perlustrando o caminho pavimentado pela solida base da funcao social do con-trato64 e da prevalencia da eticidade e da socialidade (diretrizes almejadas pelo Codigo

62 SILVA, Luis Renato Ferreira da, cf. "A Funcao Social do Contrato no Novo Codigo Civil", cit., p. 133.

63 ITURRASPE, Jorge Mosset, cf. Justicia contractual, cit., p. 79. 64 Corn esteio na concepcdo social do contrato, TERESA NEGREIROS verbera: "o principio da funcao

social condiciona o exercicio da liberdade contratual e torna o contrato, como sauna° juridi-ca merecedora de tutela, oponivel erga omnes. Isto e, todos tern o dever de se abster da pratica de atos (inclusive a celebracao de contratos) que saibam prejudiciais ou comprometedores da satisfacao de creditos alheios. A oponibilidade dos contratos traduz-se, portanto, nesta obriga-cao de nao fazer, imposta aquele que conhece o conteildo de urn contrato, embora dele nao seja parte. Isto nao implica tornar as obrigacoes contratuais exigiveis em face de terceiros (e o que a relatividade impede), mas impOe a terceiros o respeito por tais situacoes juridicas, validarnente constituidas e dignas da tutela do ordenarnento (e o que a oponibilidade exige)", cf. Teoria dos Contratos, cit., p. 265.

908

Page 32: Direito Dos Contratos Cristiano Chaves e Nelson Rosenvald Capitulo VI

CRISTIANO CHAVES DE FARIAS • NELSON ROSENVALD Direito dos Contratos

00.000,0<>000.0,

Reale), enxerga-se, corn facilidade, a existencia de uma verdadeira tutela externa do

credit°, por meio da qual o terceiro ofensor pode vir a ser responsabilizado civilmente — nao porque tenha violado propriamente obrigacoes decorrentes do ajuste negocial, mas pela ofensa a uma relacao contratual alheia, indevidamente vulnerada.

Ate porque e inadmissivel que terceiros (e a sociedade como urn todo) com-portem-se como se o contrato nao existisse ou, se existisse, fosse algo estranho a eles, a ponto de ser ignorado em sua compreensao etica.

Dirvida nao ha de que essa possibilidade de responsabilizacao civil do terceiro ofensor por lesao do contrato alheio a uma solucao equilibrada aos valores da justica social e equitativa, da boa-fe objetiva e da funcao social do contrato (valores per-seguidos por urn Direito Civil Constitucionalizado), harmonizando os principios da reparacao do dano e da liberdade contratual.

Corn isso, aumenta-se a confianca nas relacoes contratuais e ern sua estabilida-de, evitando eventuais interferencias materiais de terceiros no credit() alheio.

Nao se ignora que, em principio, os terceiros nao possuem o dever de conhecer a existencia de urn credit° alheio. Porem, conhecendo (ou devendo conhecer) urn contrato entre outras partes e sua configuracao minima, exsurge urn dever geral de respeito, limitando a sua liberdade de agir.

Dal o use da expressao terceiro cUmplice, afinal o terceiro lesante viola direta-

mente interesses de uma das partes do negocio juridico. OTAVIO LUIZ RODRIGUES JUNIOR lembra o interessante exemplo de urn artista

de televisao que, contratado para urn periodo de cinquenta meses, rompe o contrato sem justo motivo e passa a se exibir na empresa televisiva concorrente. E arremata: "ao garantir-lhe urn suporte negocial, juridico e economic° (o terceiro cumplice, que, no caso, e a sua nova emissora), agiu como urn tiers complice, coadjuvando-o e favo-

recendo-se corn sua conduta, o que daria ensanchas a admitir que os efeitos da res-ponsabilidade contratual estender-se-iam a urn terceiro" 6 5 ja TERESA NEGREIROS faz alusao a outro excelente exemplo da quebra de dever de conduta: no filme 0 infor-

mante, discute-se o risco de uma emissora de televisdo ser processada por uma corn-panhia de cigarros, pelo fato de urn ex-executivo revelar publicamente informacoes

65 RODRIGUES JUNIOR, Otavio Luiz, cf. "A doutrina do terceiro ctimplice: autonomia da von- tade, o principio res inter alias, funcao social do contrato e a interferencia alheia na execucao dos negocios juridicos", cit., p. 93.

909

Page 33: Direito Dos Contratos Cristiano Chaves e Nelson Rosenvald Capitulo VI

Cristiano Chaves de Farias • Nelson Rosenvald DIRETTO DOS CONTRATOS .... • •••• • • • • • •• •

sigilosas, objeto de contratacao de confidencialidade em raz50 de seu antigo trabalho na empresa. 66

Louvando-se, a toda evidencia, na funcao social do contrato, notadamente con- siderando a figura do terceiro ofensor, o art. 608 do Codigo de 2002 desestimula o aliciamento de mao de obra alheia, afirmando, verbum ad verbo, que "aquele que aliciar pessoas obrigadas em contrato escrito a prestar servico a outrem pagarci a este a importancia que ao prestador de servico, pelo ajuste desfeito, houvesse de caber durante 2 (dois) anos".

0 dispositivo é de clareza solar. 0 ordenamento repugna a ofensa por tercei- ro a uma relacao contratual ja ajustada e em andamento, sancionando o terceiro lesante, sem prejuizo de outras sancoes aplicaveis ao contratante descumpridor de suas obrigacoes.

Ora, fundado nos valores eticos e juridicos supracitados (especialmente na funcao social do contrato e na ruptura do principio da relatividade dos efeitos dos negocios juridicos entre as partes), é possivel efetuar uma distincao entre a efi-cacia das obrigacoes contratuais e a sua oponibilidade. A eficacia das obrigagOes mantem-se restrita as partes, respeitando- se o principio da relatividade contratual, pois as prestacoes de dar, fazer e nao fazer so poderao ser exigidas reciprocamente dos contratantes. Porem, o principio da funcao social condiciona o exercicio da liberdade contratual de terceiros, pois torna o contrato oponivel erga omnes. Toda a coletividade tem o dever de abster-se de entabular negocios juridicos que corn- prometam ou perturbem a realizacao de obrigacoes anteriormente assumidas entre sujeitos distintos.

0 sistema juridic° nao admite, destarte, que alguem viole uma prestagao de servico em andamento, impedindo que alcance o seu termo normal, pelo adimple-mento. Ofende o ordenamento a conduta daquele que, conhecendo a existencia de uma prestagao de servico em curso, seduz o prestador com uma nova proposta, a pon-to de acarretar a dissolucao da relacao contratual primitiva. Traduzindo: se uma pes-soa celebrou contrato com outra, pelo qual prestara servico tecnico especializado, e um concorrente, ciente da relacao contratual, oferece um novo contrato corn condi-Vies mais vantajosas, gerando o inadimplemento, o prejudicado deve ser indenizado.

Cuida-se, como se nota, da tutela da funcao social externa do contrato, corn-batendo uma concorrencia desleal.

Exemplo vivo dessa proibigio do aliciamento do prestador de servicos (CC, art. 608) e o propagado caso do cantor Zeca Pagodinho, que, ha alguns anos, foi

66 NEGREIROS, Teresa, cf. Teoria dos Contratos, cit., p. 265.

910

Page 34: Direito Dos Contratos Cristiano Chaves e Nelson Rosenvald Capitulo VI

CRISTIANO CHAVES DE FARIAS ° NELSON ROSEi

1 ,›0000,, 0,,,000.00 Direito dos Contratos

convidado por uma cervejaria para romper o contrato que mantinha corn outra. Nao e dificil notar que o terceiro (a cervejaria AMBEV, detentora da marca Brahma) veio a prejudicar, intensamente, o contrato mantido entre o famoso sambista e a cerveja-ria Nova Schin, para quern vinha realizando campanha publicitaria. Foi exatamente por isso que o aresto do Tribunal de Justica de Sao Paulo asseverou que "ainda que a AMBEV nao tenha sido signataria do contrato entre Zeca Pagodinho e a Schincariol, sua conduta, ao deixar de observar o pacto de exclusividade nele contido, e potencialmente apta a gerar dano indenizeivel".67

Ora, a oponibilidade dos contratos gera urn dever juridico coletivo de absten-cao — semelhante ao tradicionalmente reconhecido aos direitos reais atribuivel a qualquer urn que conheca o conteildo de urn contrato, embora dele nao seja parte.

Estas ideias produzem imensa aplicacao pratica nas relacoes contratuais modemas, que, muitas vezes, sao interrompidas bruscamente em razao da indevi-da intervencao de terceiros, que conhecem o contrato, mas atuam como se o des-conhecessem, ofertando vantagens a urn dos contratantes, de modo a provocar a desconstituicao daquela relacao negocial. Artistas, esportistas e outros profissionais vinculados, corn exclusividade, a uma empresa, sao constantemente assediados por ofertas de concorrentes, gerando a resilicao unilateral do contrato corn o pagamento de uma multa pela demincia do contrato. Todavia, os concorrentes sao solidaria-mente responsaveis pelo inadimplemento contratual, pois lesam urn contrato alheio, impedindo que ele alcance os seus efeitos economicos e sociais. Portanto, alem da responsabilidade contratual imposta ao contratante culpado, cabers a imposicao de indenizacao por responsabilidade extracontratual aquele que violar o dever de abs-tencao e, atraves de uma concorrencia desleal, provocar danos a seu concorrente.

0 principio da relatividade dos contratos nao pode mais ser elevado a con-dicao de dogma. Dogmas sao verdades incontestaveis, e sabemos que o direito instrumento transformador, que atua corn apoio na experiencia — fator cambiante nao tolerando posicoes imutaveis. A necessidade de preservar a ordem economica e a fidelidade as convencties demanda que terceiros se abstenham de violar contratos em andamento. 0 abuso no exercicio da liberdade contratual gera responsabilidade de quem induz outrem a violacao de contrato. A colaboracao em grau minimo da sociedade ja a suficiente para preservar a confianca na circulacao econornica dos

67 TJ/SP, Ac. unan. 7 1 Camara de Direito Privado, Aglnstr. 346.344.4/8 - comarca de Sao Paulo, rel. Des. Roberto Mortari, j. 31.3.04.

911

Page 35: Direito Dos Contratos Cristiano Chaves e Nelson Rosenvald Capitulo VI

DIRETTO DOS CONTRATOS

000-0000,X:00000000,0000,X>00

creditos. Assim, ha uma necessidade de relativizagao do proprio principio da relati-vidade contratual.

Demais de tudo isso, acresga-se que o terceiro ofensor nao sera punido isolada-mente, pois o prestador de servigo que romper a relagao contratual tambem podera ser responsabilizado, seja em virtude de clausula penal compensatoria (CC, art. 411), ou, em sua ausencia, mediante fixacao de perdas e danos pelo magistrado em decor-rencia do inadimplemento contratual.

Pontue-se, em arremate, uma justa critica ao dispositivo legal mencionado (CC, art. 608) por exigir, indevidamente, a existencia de contrato escrito para a ca-racterizagao do aliciamento do prestador de servigos. Ora, em se tratando de um negocio juridic° nao solene, informal, mostra - se incoerente a alusao a existencia de instrumento contratual escrito. Para nos, considerada a natureza informal do con-trato de prestagao de servigos, mesmo na ausencia de instrumento escrito é possivel reconhecer a responsabilizagao civil do terceiro ofensor.

8. OBRIGAcOES RECiPROCAS NA PRESTAQA 0 DE SERVIcOS 1

Em se tratando de contrato bilateral e oneroso, a prestagao de servigos estabe-lece obrigagoes reciprocas, marcadas pela presenga de um sinalagma obrigacional, ja que os contratantes serao, a urn so tempo, credores e devedores reciprocos.

Entao, alguns deveres juriclicos sao impostos as partes, afora a possibilidade de estabelecimento de outros, por forga da relagao contratual.

Ao executor do servico impoe -se, fundamentalmente:

realizar o servigo corn eficiencia e cautela necessarias; guardar segredo e sigilo sobre as condigoes do servigo, em respeito a boa-fe objetiva, notadamente no que tange ao dever anexo de lealdade e respeito (obrigagao de nao fazer implicita).

A outro giro, ao tomador do servico sao impostas obrigagoes relativas a:

i) realizar o pagamento da remuneracao, no periodo de tempo ajustado; ii) fornecer condigoes minimas de protegao e de desenvolvimento da ativida-

de ao prestador.

Cristiano Chaves de FarlaS • Nelson Rosenvald 0.x.xx,000 .>o0.0.00.0.0*

912

Page 36: Direito Dos Contratos Cristiano Chaves e Nelson Rosenvald Capitulo VI

CRISTIANO CHAVES DE FARIAS • NELSON ROSENVALD

Direito dos Contratos

9. COMPETENCIA DA JUSTIcA DO TRABALHO PARA DIRIMIR

CONFLITOS DECORRENTES DA PRESTAcA0 DE SERVICOS

Divida nao ha acerca da existencia de uma atividade humana no contrato de

prestagdo de servigos. Sobre o tema, entao, a preciso estabelecer urn paralelo entre esta figura con-

tratual e o balizamento apresentado pela Emenda Constitucional 45/04, que alterou, significativamente, os limites de competencia da Justiga do Trabalho para processar e julgar demandas, apresentando uma nova formula para o art. 114 da Lex Mater.

E certo que a competencia material da Justiga do Trabalho e estabelecida em

conformidade corn a natureza da lide, isto e, da relagao juridica controvertida apre-

sentada em juizo. Corn o advento da Emenda Constitucional 45/04, restou definido que a competencia da Justiga Especializada a firmada para toda e qualquer relacao

juridica em que o trabalho seja prestado por pessoa humana, independentemente da es-

pecifica caracterizagao de um contrato de emprego. Vale dizer: mesmo que a relagao juridica conflituosa nao se caracterize como

urn contrato de emprego, a Justica do Trabalho a competente quando se tratar de ati-vidade humana laborativa, alcangando, via de consequencia, outras figuras juridicas, como o contrato de prestagao de servigos e o contrato de empreitada, dentre outros, quando a atividade for prestada por pessoa fisica.

Didaticamente, MANOEL ANTONIO TEIXEIRA FILHO professa que o Poder Judiciario

Trabalhista passou a ter competencia para apreciar e julgar "nao apenas lides envolvendo trabalhadores e empregadores, senao que lides nas quaffs, de urn lado, figure como parte

trabalhador, lato sensu, independentemente da natureza juridica do contrato a que esteja vincu-

lado e, de outro, o tornador dos seus servicos, mesmo que new seja empregador" .68

Sob essa nova dimensao de competencia judicial, os litigios envolvendo prestado-res de servigos (como medicos, engenheiros, arquitetos, jardineiros, eletricistas, pintores, pedreiros, personal trainer's...) estao submetidos a competencia da Justiga do Trabalho, apesar da nao caracterizacao de uma relagao de emprego.' Isto porque dizem respeito a

68 TEIXEIRA FILHO, Manoel Antonio, cf. "A Justica do Trabalho e a Emenda Constitucional 45/2004", cit., p. 14.

69 Na mesma esteira, ORLANDO GOMES e ELSON GOTTSCHALK sao precisos ao comentar que as de-mandas dos profissionais liberais "recaem na jurisdiccio da Justica do Trabalho, a partir da Emenda

n.45/04", cf. Curso de Direito do Trabalho, cit., p. 86-87.

913

Page 37: Direito Dos Contratos Cristiano Chaves e Nelson Rosenvald Capitulo VI

Cristiano Chaves de Farias • Nelson Rosenvald R 1 l'O DOS Corvnuros

woes oriundas da relacao de trabalho humano.' Exemplificando, seria o caso de acOes para cobranga de remuneragao nao paga pelo tomador do servigo ou para cobrar indenizacao por danos morais e materiais decorrentes de inadimplemento contratual.

A Justiga Trabalhista somente nao tera competencia para dirimir conflitos de-correntes de contrato de prestagao de servigos quando o prestador contratado for pessoa juridica, por faltar o elemento humano. Nesse caso, a competencia sera, a toda evidencia, da Justiga Comum.

Impoe-se, contudo, fazer uma ressalva. Apesar da clareza solar da redagao em-prestada a norma constitucional pela citada Emenda Constitucional, a jurisprudencia do Superior Tribunal de Justiga cimentou na Sumula 363 o entendimento de que:

SOmula 363, Superior Tribunal de Justiga:

"Compete a Justiga estadual processar e julgar a agao de cobranga ajuizada por profissional liberal contra cliente."

Dessa maneira, segundo o entendimento da jurisprudencia superior, em se tra-tando de demanda promovida por profissional liberal (como o advogado, o arquiteto, o medico etc.) contra o seu cliente para a cobranga de sua remuneragao, a competen-cia nao sera da Justiga do Trabalho, mas sim das varas civeis.

Ao nosso viso, venia maxima permissa, o entendimento desafia a nova perspec-tiva de competencia da Justiga do Trabalho almejada pela Emenda Constitucional 45/04 e fragiliza a protecao dos prestadores de servigos quando se encaixarem no con-ceito de profissional liberal. Para nos, a competencia para processar e julgar conflitos decorrentes de contratos de prestagao de servigos humans, inclusive envolvendo profissionais liberais, tern de ser da Justiga Trabalhista. 71

70 Anuindo a essa linha argumentativa, extrai-se da licao de PABLO STOLZE GAGUANO e RODOLFO

PAMPLONA FILHO que nao ha sentido em limitar "a `Justica do Trabalho' a uma "Justica do Emprego' (ou, na pratica, dos desempregados). Agora, todas as noes oriundas da relacao de trabalho, no que nao temos como desprezar os contratos civis ou outros contratos de atividade (quando se referirem a discussao sobre a valorizacao do trabalho humano), deverao ser ajuiza4as, a partir da reforma do Judicicirio, na Justiga do Trabalho", cf. Novo Curso de Direito Civil, cit., p.294.

71 Este entendimento foi sufragado, inclusive, pelo Enunciado 23 da P Jornada de Direito Material e Processual na Justica do Trabalho: "COMPETENCIA DA JUSTIcA DO TRABALHO. AcA0 DE COBRANQA DE HONORARIOS ADVOCATICIOS. AUSENCIA DE RELAcA0 DE CONSUMO. A Justica do Trabalho 6 competence para julgar goes de cobrania de honoranos advoca-ticios, desde que ajuizada por advogado na condicao de pessoa natural, eis que o labor do advogado nao

prestado em relacao de consumo, em virtude de lei e de particularidades proprias, e airtda que o fosse,

914

Page 38: Direito Dos Contratos Cristiano Chaves e Nelson Rosenvald Capitulo VI

CRISTIANO CH S DE FARM ° NELSO OSENVALD Direito dos Contratos

Efetivamente, a expressao re do de trabalho, extraida da nova redacao do art. 114

do Texto Magno, é generica e nao excludente, abarcando toda e qualquer relacao juri-dica fundada em atividade laborativa humana. Abrange, induvidosamente, as relacoes de emprego, os trabalhos eventuais, autonomos, avulsos etc., inclusive prestados por profissional liberal, nao se justificando excluir parcela de trabalhadores do seu alcance.

Ademais, os Juizes do Trabalho possuem conhecimento tecnico (e, mais do que isso, filosofico e cotidiano) mais apurado para processar e julgar os conflitos rela-tivos ao trabalho humano (corn todas as suas nuances e peculiaridades) do que o ma-gistrado civet, que assume uma gama mais complexa de conflitos humanos genericos.

Dal a merecida critica que se dispara ao referido posicionamento jurisprudencial. 72

10. EXTIKAO DO CONTRATO DE PRESTAcAO DE SERVIcOS E 0 DIREITO

A CERTIFICAcAO

No que diz respeito aos modos de extingao do contrato de prestacao de servico, vale a pena sistematizar as diferentes causas terminativas para fins didaticos (CC, art. 607):"

porque a relaedo consumeirista ruin afasta, por si so, o conceito de trabalho abarcado pelo artigo 114 da Constituted° Federal."

72 "Em primeiro lugar, fragil e a base de precedentes utilizada para a edicao da Stimula 363, uma vez que paste dos conflitos de competencia, tomados como pilares para o enunciado sumular, sao anteriores as modificacoes encampadas pela mencionada emenda constitucional, revelan-do a nao utilizacao dos elementos sistematico, historic° e teleologic°, quando da interpretacao da Constituicao e, ainda, demonstrando os ministros do Superior Tribunal de Justica uma visao conservadora, mantenedora de uma ordem juridica superada pela Reforma do Judiciario, o que nos leva, de consequencia, a rechaca-la. Em segundo lugar, a argumentacao da Corte Superior de que as demandas que possuem como causa de pedir relagaes juridicas fundadas em materia de natureza unicamente civil nao sao da competencia da Justica Laboral 6 cristalinamente equivo-cada, dando a entender que o magistrado trabalhista deve exercer sua jurisdicao de forma restrita e vinculada a urn link° ramo do direito material, qual seja, o Direito do Trabalho, o que nao verdade, porquanto, apesar de julgar urn feito especialmente regido pelas normas processuais tra-balhistas, pode e, ate deve, caso necessario, aplicar normas de direito material distintas do Direito do Trabalho. A se pensar de outra forma, estariamos afirmando ser o Direito uma ciencia proibi-tiva quanto a comunicacao entre seus diversos ramos, o que inviabilizaria a prestacao efetiva da tutela jurisdicional pelo magistrado, bem como a obtencao da Justica, enquanto fim a ser alcanca-do pelo jurisdicionado, quando da procura pelo Judiciario. Em linhas finals, ha ainda o relevante aspecto social em causa, abarcado pelas mudancas causadas pela EC 45/2004, o qual nao pode ser desprezado, no sentido de se disponibilizar a intimeros trabalhadores, que nao sejam empregados, o acesso a uma Justica especializada no trabalho humano e, ainda, procedimentalmente, mais celere, como reflexo imperativo de politica judiciaria.", FELIPE, Yara Peixoto, cf. "Competencia da Justica do Trabalho e a Sumula do STJ", cit., passim.

73 Art. 607, C6digo Civil: "0 contrato de prestacao de servico acaba corn a morte de qualquer das pastes. Termina, ainda, pelo escoamento do prazo, pela conclusao da obra, pela rescisao do

915

Page 39: Direito Dos Contratos Cristiano Chaves e Nelson Rosenvald Capitulo VI

Cristiano Chaves de Farias • Nelson Rosenvald DIREITO DOS CONTRATOS 00000000000000*°°°°14'

i) a morte de qualquer das partes; ii) escoamento do prazo iii) conclus ao da obra iv) demincia do contrato por aviso previo v) resoluccio por inadimplemento vi) resolugao por forca maior

A morte de qualquer das partes gera a extingao do contrato, confirmando o ca-rater intuitu personae da prestagao de servigo, pois, alem da intransmissibilidade inter vivos (CC, art. 605), nao ha direito sucessorio sobre a posigao de credor ou devedor do referido contrato. Certamente, os herdeiros do dono do servigo deverao arcar corn eventuais debitos vencidos e nao pagos pelo de cujus, tratando-se de dividas comuns perante o prestador de servigo.

A extingdo do contrato pelo escoamento do prazo estabelecido para a presta-gdo do servigo evidencia a sua temporariedade, posto limitada a duragao maxima de quatro anos (CC, art. 598). Como visto, havendo o interesse na prestagao de outros servigos, faz-se necessaria a celebragao de uma nova relagdo contratual.

A conclusab da obra tambem extingue a relagao negocial. E que, mesmo nao se tratando de contrato de empreitada (no qual prevalece o resultado alcancado), possivel que a prestagao de servigo se relacione a execucao de uma obra, momento em que sobejara concluida a obrigagao pelo seu regular adimplemento.

Tambem ha extingao contratual pela dentincia do contrato por aviso previo. Permite-se, assim, o exercicio do direito potestativo de resiligao unilateral da presta-gao de servigo, quando ajustada sem prazo. De qualquer modo, melhor seria utilizar a expressao demincia imotivada.

J a a resolugab por inadimplemento diz respeito a recusa do dono do servigo em oferecer o pagamento ao prestador de servigo, acarretando a resolugao contratual. Porem, havendo o inadimplemento por parte do prestador, que se recusa a executar o servigo, podera o dono do servigo insistir na tutela especifica da obrigagao de fazer (CPC, art. 461) ou pleitear perdas e danos, de acordo corn a sua conveniencia.

Quanto a resoluglio por forca maior, se o contrato nao for executado em fungdo de evento externo a conduta das partes, de carater inevitavel, tambem ocorrera a sua extincao. Porem, nesse caso, sem a possibilidade de obtengao de perdas e danos

contrato mediante aviso previo, por inadimplemento de qualquer das partes ou pela impossibili-dade da continuagdo do contrato, motivada por forca major."

916 a■ximmgmaxiiiiimminimmimmminitii

Page 40: Direito Dos Contratos Cristiano Chaves e Nelson Rosenvald Capitulo VI

CRTSIIANO CHAVES DE FARIAS • NELSON ROSENVALD ,ocx.xx.xx, ;.00.0,0 Direito dos Contrutos

pela parte prejudicada, pois a extincao do contrato nao se relaciona corn a conduta culposa do devedor.

Em todo e qualquer caso, e reconhecido ao prestador do servico o direito sub-jetivo de exigir a declaragao de que o contrato esti concluldo (certificacao do ter-mini contratual)." Trata-se de reflexo natural do que consta do art. 319 do pa -Trio Codigo Civil." Afinal, o pagamento nao é apenas urn direito subjetivo do credor, o devedor tambem tern total interesse no adimplemento, pois recuperara a sua liberda-de. E, quem cumpre a obrigacao tern direito subjetivo a quitacao. E. a demonstracao de sua liberacao, corn a possibilidade que se abre de contratar corn outrem.

Haver* inclusive, a possibilidade de retencao da prestacao de fazer caso o cre-dor nao the queira outorgar imediatamente o documento. Todavia, se toda a obriga-cao ja tiver sido executada, podera o prestador ajuizar uma acao de outorga especifica da obrigacao de fazer (CPC, art. 461), no sentido da emissao do recibo, sob pena de imposicao de multa cominatoria diaria (astreintes) em face do dono do servico.

Impoe-se mencionar, especificamente, uma hipotese de extingao contratual, aludida nos arts. 602 e 603 da Lei Civil:

Art. 602, Codigo Civil: "0 prestador de servico contratado por tempo certo, ou por obra determina-da, nao se pode ausentar, ou despedir, sem justa causa, antes de preenchido o tempo, ou concluida a obra. Paragrafo unico. Se se despedir sem justa causa, tera direito a retribuicao ven-cida, mas responders por perdas e danos. 0 mesmo dar-se-d, se despedido por justa causa." Art. 603, Codigo Civil: "Se o prestador de servico for despedido sem justa causa, a outra parte sera obrigada a pagar-lhe por inteiro a retribuicao vencida, e por metade a que the tocaria de entao ao termo legal do contrato."

Realmente, toda e qualquer relacao obrigacional nasce e se desenvolve corn vistas ao regular adimplemento. A obrigacao é urn processo, cujo spice e o

74 Art. 604, C6digo Civil: "findo o contrato, o prestador de servico tern direito a exigir da outra parte a declaracao de que o contrato esti findo. Igual direito the cabe, se for despedido sem justa causa, ou se tiver havido motivo justo para deixar o servico."

75 Art. 319, C6digo Civil: "o devedor que paga tern direito a quitacao regular, e pode reter o paga- mento, enquanto nao the seja dada."

917

Page 41: Direito Dos Contratos Cristiano Chaves e Nelson Rosenvald Capitulo VI

4.4, • 414. 4.• ••• • 0000LK>0.000C,X,000,,OJOC,XXXXXXKKKX,000<x>0.000<xXXX>000,X,000.00000000000.000.0

MOTTO DOS CONTRATOS oo,,,:,..c<xxx>,...4xxx,00000000cooaocli

Cristiano Chaves de Farias • Nelson Rosenvald

cumprimento, resgatando-se aquela parcela de liberdade que fora cedida ao tempo da vinculagao.

Na prestagao de servigo nao a diferente. 0 dono do servigo demanda a satisfa-gao da obrigagao de fazer por um tempo certo, sendo inviavel, em linha de principio, a resiligao unilateral por parte do prestador de servigo, pois este direito potestativo apenas e reconhecido nos contratos sem prazo (CC, art. 599). Isto é natural na me-dida em que o desfazimento prematuro gera prejuizos ao dono do servigo e inviabiliza o alcance das fungoes economica e social do contrato.

Portanto, o recesso unilateral do prestador the acarreta a responsabilizagao pelos danos causados ao dono do servigo, mas sem que isto implique perda da retri- buigao ja vencida e ainda nao paga. Em suma, tem a liberdade de se retirar imotiva- damente, mas sera responsabilizado por sua escolha, quando prejudicial a outra parte.

Todavia, se houver motivacao para a demincia contratual, sera possivel a des- constituigao do contrato. A expressao "justa causa", utilizada pelo texto codificado, nao se mostra adequada, pois remete as relacoes trabalhistas, em que esta referida nos arts. 482 e 483 da Consolidagao das Leis do Trabalho. 76 De qualquer forma, a mo-

76 Art. 482, Consolidagao das Leis do Trabalho: "constituem justa causa para rescisao do contrato de trabalho pelo empregador: a) ato de improbidade; b) incontinencia de conduta ou mau pro-cedimento; c) negociacao habitual por conta propria ou alheia sem permissao do empregador, e quando constituir ato de concorrencia a empresa para a qual trabalha o empregado, ou for pre-judicial ao servigo; d) condenagao criminal do empregado, passada em julgado, caso nao tenha havido suspensao da execugao da pena; e) desidia no desempenho das respectivas fungOes; 0 embriaguez habitual ou em servigo; g) violagao de segredo da empresa; h) ato de indisciplina ou de insubordinagao; i) abandon de emprego; j) ato lesivo da honra ou da boa Tama praticado no servigo contra qualquer pessoa, ou ofensas fisicas, nas mesmas condicoes, salvo em caso de legiti-ma defesa, propria ou de outrem; k) ato lesivo da honra ou da boa Tama ou ofensas fisicas pratica-das contra o empregador e superiores hierarquicos, salvo em caso de legitima defesa, propria ou de outrem; 1) pratica constante de jogos de azar. Paragrafo Calico - Constitui igualmente justa causa para dispensa de empregado a pratica, devidamente comprovada em inquerito administrativo, de atos atentatarios a seguranga nacional." Art. 483, Consolidagao das Leis do Trabalho: "o empregado podera considerar rescindido o con-trato e pleitear a devida indenizagao quando: a) forem exigidos servigos superiores as suas forgas, defesos por lei, contrarios aos bons costumes, ou alheios ao contrato; b) for tratado pelo empre-gador ou por seus superiores hierarquicos com rigor excessivo; c) correr perigo manifesto de mal considerAvel; d) nao cumprir o empregador as obrigagOes do contrato; e) praticar o empregador ou seus prepostos, contra ele ou pessoas de sua familia, ato lesivo da honra e boa fama; 0 o empre-gador ou seus prepostos ofenderem-no fisicamente, salvo em caso de legitima defesa, propria ou de outrem; g) o empregador reduzir o seu trabalho, sendo este por pega ou tarefa, de forma a afetar sensivelmente a importancia dos salarios. § 1° - 0 empregado podera suspender a prestagao dos servigos ou rescindir o contrato, quando tiver de desempenhar obrigagOes legais, incompativeis com a continuagao do servigo. § 2° - No caso de morte do empregador constituido em empresa individual, é facultado ao empregado rescindir o contrato de trabalho.§ 3° - Nas hipoteses das

918

Page 42: Direito Dos Contratos Cristiano Chaves e Nelson Rosenvald Capitulo VI

CRISTIANO CHAVES DE FARIAS • NELSON ROSENVALD >o,,,oaoax,,,,,,>o<xxxx,oacw,c000000c,oc0000000coa00000.,oc000c0000,

Direito dos Contrutos

tivacao para a resiligao pode ser apanhada pelas mesmas causas constantes do Texto Consolidado, como o tratamento corn rigor excessivo pelo dono do servico, a exigencia de servigos superiores as forcas do prestador, a existencia de ofensas ftsicas ou morais etc. Enfim, atos que degradem a condigao do prestador e inviabilizem a preservacao da relagao juridica, posto ausente o elemento da confianga, piso de convivencia entre seres humans.

Impoe-se, ademais, perdas e danos em face do prestador de servigos que seja despedido sem justa causa. A sua retribuigao a ressalvada, mas os seus atos desidiosos ou o abandono da atividade serao indenizaveis na medida dos prejuizos apurados judicialmente, se nao houver clausula penal convencionada.

Para alem dessa possibilidade de resilicao corn justa causa pelo prestador do servigo, tambem se mostra possivel a dentincia imotivada do contrato pelo dono do servigo. Cuida-se de hip6tese de resilicao unilateral no contrato corn termo.

De forma simetrica ao que se aplica em favor do dono do servigo quando o prestador imotivadamente se demite (CC, art. 602), a extingao prematura do nego-cio juridic° pelo direito potestativo de denuncia do solicitante nao podera ofender a legftima expectativa do prestador de servico que agiu corretamente para a conse-cugao da finalidade contratual e aguardava a sua conclusao para retirar a almejada vantagem patrimonial.

Como compensagao pela quebra da confianga, o prestador recebera metade do que the tocaria caso o servigo alcangasse o termo originario alem, a claro, das retribuicoes vencidas e nao pagas. Cuida-se de emanacao da importante inovacao do Paragrafo unico do art. 473 do Codigo Civi1, 77 impeditivo do exercicio abusivo do di-reito potestativo de dentincia. Exemplificando, se A deveria auferir R$ 10.000,00 em 6 meses de contrato. e a dentincia foi exercitada com 3 meses de prestacao de servico, A fara jus aos R$ 5.000,00 ja trabalhados, alem de outros R$ 2.500,00. equivalentes a metade da importancia relativa ao tempo restante.

letras "d" e "g", podera o empregado pleitear a rescisao de seu contrato de trabalho e o pagamento das respectivas indenizacaes, permanecendo ou nao no servico ate final decisao do processo."

77 Art. 473, Codigo Civil: "a resilicao unilateral, nos casos em que a lei expressa ou implicitamente o permita, opera mediante denancia notificada a outra parte."

919