teoria do subdesenvolvimento e uma anÁlise sobre o …

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TEORIA DO SUBDESENVOLVIMENTO 1 TEORIA DO SUBDESENVOLVIMENTO E UMA ANÁLISE SOBRE O ESTADO NOVO (1937-1945) Itamá Winicius do Nascimento Silva* Marco Aurelio Silva Neves ** THE UNDERDEVELOPMENT THEORY AND AN ESTADO NOVO’S (1937- 1945) ANALYSIS Resumo Este artigo busca refletir sobre as contribuições de Celso Furtado na explicação da dependência política em América Latina, focando no Governo de Getúlio Vargas. Em específico, o foco é na conjuntura política brasileira do pós-guerra. A Teoria do Subdesenvolvimento ajuda a pensar essa dependência política. Estudando a relação centro/periferia é que desnudamos o estado de subdesenvolvimento, central para avaliarmos no que consiste a desestabilização política na região latino-americana. Os países centrais dependem de uma cultura da dependência, justificada seja pelo Sistema Político ou por uma Indústria Cultural que age estrategicamente nos países de economia subdesenvolvida. Essa cultura da dependência abarca: as formas de produção; apropriação e utilização do excedente; estruturas de poder; as relações sociais e a sociabilidade num sentido amplo. Analisaremos a aplicação da Teoria do Subdesenvolvimento na realidade política e social do Brasil, especificamente, o período que corresponde ao Estado Novo. Subdesenvolvimento. Dependência. América Latina. Estado Novo. Brasil. Abstract This article aims to discuss Celso Furtado’s contributions on the explanation about politic dependency in Latin America, focusing on the Getúlio Vargas government. More specifically, the focus is on the post-war Brazilian politic juncture. The Underdevelopment Theory helps us to understand this politic dependency. Studying the center/periphery relation is how we undress the underdevelopment condition, central to evaluate in what consists the politic destabilization at the Latin-American region. The central countries depend on a “dependency culture”, justified by the political system or by a cultural industry that acts strategically at the economically underdeveloped countries. This dependency culture embraces: the forms of production; the appropriation and utilization of the surplus; structures of power; the social relations and sociability on a wide-ranged meaning. We will analyze the application of the Underdevelopment Theory on the social and political reality of Brazil, focusing on the Estado Novo’s period. Underdevelopment. Dependency. Latin America. New state. Brazil. *Estudante de Graduando em Ciências Sociais/Licenciatura (UFPE) - Área de Pesquisa: Sociologia do Futebol e Teoria Social Brasileira - Projetos Envolvidos: membro do Programa de Educação Tutorial (PET). Email: [email protected] ** Estudante de Graduando em Ciências Sociais/Licenciatura (UFPE) - Área de Pesquisa: Relações Raciais. Email: [email protected]

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TEORIA DO SUBDESENVOLVIMENTO

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TEORIA DO SUBDESENVOLVIMENTO E UMA ANÁLISE

SOBRE O ESTADO NOVO (1937-1945) Itamá Winicius do Nascimento Silva*

Marco Aurelio Silva Neves**

THE UNDERDEVELOPMENT THEORY AND AN ESTADO NOVO’S (1937- 1945) ANALYSIS

Resumo Este artigo busca refletir sobre as contribuições de Celso Furtado na explicação da dependência política em América Latina, focando no Governo de Getúlio Vargas. Em específico, o foco é na conjuntura política brasileira do pós-guerra. A Teoria do Subdesenvolvimento ajuda a pensar essa dependência política. Estudando a relação centro/periferia é que desnudamos o estado de subdesenvolvimento, central para avaliarmos no que consiste a desestabilização política na região latino-americana. Os países centrais dependem de uma cultura da dependência, justificada seja pelo Sistema Político ou por uma Indústria Cultural que age estrategicamente nos países de economia subdesenvolvida. Essa cultura da dependência abarca: as formas de produção; apropriação e utilização do excedente; estruturas de poder; as relações sociais e a sociabilidade num sentido amplo. Analisaremos a aplicação da Teoria do Subdesenvolvimento na realidade política e social do Brasil, especificamente, o período que corresponde ao Estado Novo. Subdesenvolvimento. Dependência. América Latina. Estado Novo. Brasil.

Abstract This article aims to discuss Celso Furtado’s contributions on the explanation about politic dependency in Latin America, focusing on the Getúlio Vargas government. More specifically, the focus is on the post-war Brazilian politic juncture. The Underdevelopment Theory helps us to understand this politic dependency. Studying the center/periphery relation is how we undress the underdevelopment condition, central to evaluate in what consists the politic destabilization at the Latin-American region. The central countries depend on a “dependency culture”, justified by the political system or by a cultural industry that acts strategically at the economically underdeveloped countries. This dependency culture embraces: the forms of production; the appropriation and utilization of the surplus; structures of power; the social relations and sociability on a wide-ranged meaning. We will analyze the application of the Underdevelopment Theory on the social and political reality of Brazil, focusing on the Estado Novo’s period. Underdevelopment. Dependency. Latin America. New state. Brazil.

*Estudante de Graduando em Ciências Sociais/Licenciatura (UFPE) - Área de Pesquisa: Sociologia do Futebol e Teoria Social Brasileira - Projetos Envolvidos: membro do Programa de Educação Tutorial (PET). Email: [email protected] ** Estudante de Graduando em Ciências Sociais/Licenciatura (UFPE) - Área de Pesquisa: Relações Raciais. Email: [email protected]

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INTRODUÇÃO

O presente estudo busca refletir sobre as contribuições do economista Celso

Furtado, teórico com grande produção na Comissão Econômica para a América Latina e o

Caribe (CEPAL), e sua Teoria do Subdesenvolvimento, no entendimento da dependência

política latino-americana. Desde a colonização do território americano através das

Grandes Navegações até a Operação Condor vemos claramente uma dependência

política dos povos latino-americanos que, apesar dos variados contextos históricos,

sempre estão a obedecer aos interesses dos países centrais. Seja Espanha ou Portugal

no Século XVI, Inglaterra no Século XIX ou EUA no Século XX. A oposição

colonizador/colonizado, metrópole/colônia ou centro/periferia persegue a região e suas

variadas nações que foram constituindo-se durante os processos históricos.

Analisaremos as interferências estrangeiras na conjuntura política brasileira,

especificamente a desestabilização que resultou no fim do Estado Novo. A priori, será

feita uma análise sobre o que chamamos por “método furtadiano”. Num segundo

momento, será destacado os avanços praticados pelo primeiro Governo Vargas. Desse

resgate das ações políticas antes do Estado Novo, veremos como muitas já contrariavam

interesses externos. Por fim, o enfoque vai para as nas ações do Estado Novo e suas

interferências à ação do capital estrangeiro no país. A política econômica nacionalista do

Estado Novo, legitimada pela Constituição de 1937, terá grande destaque nessa parte do

texto.

Método Furtadiano

O método furtadiano, tendo a Teoria do Subdesenvolvimento como resultado,

ajuda a pensar essa dependência política a partir de uma análise macroeconômica.

Basicamente, a organização política na América Latina mantém uma divisão internacional

do trabalho onde as nações desenvolvidas exportam suas manufaturas enquanto as

subdesenvolvidas exportam matérias-primas. O enfoque analítico desse método está

centrado em três eixos teóricos:

1) estrutural, ou seja, parte da economia mundial; 2) dualista, focando na relação

desigual entre centro/periferia e suas consequências; 3) histórico, a partir do momento em

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que contextualiza as causas do subdesenvolvimento econômico e consequente

dependência política. Estudando a dependência entre centro/periferia, partindo do global

para o particular, é que Furtado vai trazer uma visão histórica que desnuda o estado de

subdesenvolvimento em que os países da América Latina estão mergulhados. Assim, o

subdesenvolvimento é conceituado como produto direto do desenvolvimento, então ditado

historicamente pelo capitalismo europeu, norte-americano e mais tarde japonês.

O subdesenvolvimento, para Celso Furtado, é uma etapa histórica do capitalismo.

Esse sistema econômico, político e social apresentou três fases: 1) desenvolvimento

industrial na Europa Ocidental; 2) desenvolvimento industrial em países semelhantes aos

europeus como os EUA, Austrália, Canadá e Japão; 3) formação de uma economia

dependente em dadas regiões do globo como a América Latina. Na primeira fase, o

“desenvolvimento econômico se caracterizou por um aumento substancial da participação

da indústria de bens de capital no total da produção industrial.” (BIELSCHOWSKY, 2000,

p. 248). Nesse primeiro estágio, o desenvolvimento capitalista concentrava-se no

continente europeu. Na segunda fase, a “economia industrial européia consistiu num

deslocamento para além de suas fronteiras.” (BIELSCHOWSKY, 2000, p.252). Ou seja,

há uma expansão do capital para outras regiões do globo como o Canadá, a Austrália e

os EUA. Nesses locais, graças ao deslocamento migratório que levou técnicas e hábitos

do Velho Continente, o capitalismo nada mais foi que “simples prolongamento da

economia industrial européia.” (BIELSCHOWSKY, 2000, p. 252). Por fim, a terceira etapa

que ocorreu em “regiões já ocupadas, algumas delas densamente povoadas, com seus

sistemas econômicos seculares, de variados tipos, mas todos de natureza pré-

capitalista.” (BIELSCHOWSKY, 2000, p. 253). Nessas economias subdesenvolvidas o

dilema é conviver dialeticamente entre o atraso e o moderno. O pequeno avanço industrial

nessas economias a partir da Primeira Guerra Mundial está combinado com

características ainda do período colonial como o latifúndio, por exemplo. Dessa

ambiguidade atrasado/moderno que surge também a inflação estrutural, então comum

nos países subdesenvolvidos. Pois,

“Em primeiro lugar, a contínua deterioração dos preços de intercâmbio entre as economias centrais e as economias latino-americanas obriga estas a aumentarem constantemente a produção em volume físico, para compensar a queda dos preços internacionais das mercadorias que exportam; em segundo

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lugar, a inelasticidade da oferta agrícola de alimentos produzidos pelo “atrasado” – uma conclusão fundada num aspecto peculiar à economia chilena, o qual ocorre conjunturalmente em alguns outros países latino- americanos -, eleva os preços e instaura uma corrida entre preços e salários no setor “moderno” (FURTADO, 1983, p. 9).

Em suma, o setor exportador visto como “moderno” não dialoga com a economia

de subsistência tida como setor “atrasado”. Pelo contrário, o “atrasado” é apenas um

empecilho ao crescimento do “moderno”. Esse último não cria mercado interno e seu

objetivo é puramente se mostrar “especializado na produção de algumas poucas

mercadorias primárias que podem ser o café, a carne ou o trigo” (FURTADO, 1983, p. 8).

Tudo isso de acordo com os preços internacionais das mercadorias que exportam. Caso o

“atrasado”, que se mostra “representado pela larga produção agrícola de subsistência”

(FURTADO, 1983, p. 8) aumente, o preço de seus produtos contribui consequentemente

para a elevação do salário do “moderno”. Esse processo acarreta em redução das taxas

de lucro desse último. Tendo em vista que a base econômica dos países

subdesenvolvidos é de cunho agroexportador, vemos claramente o conflito entre grandes

e pequenos proprietários. No caso brasileiro, por exemplo, o latifúndio como estrutura

fundiária dominante está em conflito com a agricultura familiar. Enquanto a primeira tem

foco na exportação, a segunda mantém sob fortes dificuldades o mercado interno

brasileiro. Tendo em vista todo esse cenário econômico, Furtado traz caminhos de

superação desse subdesenvolvimento. Entre suas propostas, estão: 1) industrialização

planejada; 2) fortalecimento do mercado interno; 3) reformas estruturais profundas como a

fiscal, a administrativa e principalmente a agrária. São propostas que procuram superar

problemas comuns em países subdesenvolvidos, como o desemprego, as desigualdades

regionais, a concentração de renda e a já citada inflação estrutural. Porém, para pôr em

prática tais propostas, é preciso uma mudança política nesses países que transforme sua

máquina pública, então paladina dessa dicotomia centro/periferia. Sem esse projeto de

desenvolvimento nacional, em combate ao capital financeiro internacional, o máximo que

as economias agroexportadoras como o Brasil obterão é um crescimento econômico

dissociado do desenvolvimento social. Alguns governos durante a história do continente

buscaram combater essas contradições e sofreram represálias que vão do enforcamento

da economia local pelas potências capitalistas centrais até o recurso de golpes militares,

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como foi o caso do Brasil em 1964 durante o Governo de João Goulart. A problemática

fica com o impasse interno nesses países subdesenvolvidos, onde sua organização

política colabora na manutenção da desigual ambiguidade centro/periferia desenvolvida

acima.

Para manter sua dominação, as grandes potências impõem um modelo de vida

que facilite sua dominação e cria uma cultura da dependência. Essa cultura da

dependência abarca: as formas de produção, apropriação e utilização do excedente;

estruturas de poder; as relações sociais e a sociabilidade num sentido amplo. Essas teias

de relações funcionaram no Brasil para desestabilizar nossa situação política em vários

contextos históricos. Aqui, cabe a análise da desestabilização que resultaria no fim do

Estado Novo em outubro de 1945. Como veremos, a luta pelo fim do primeiro Governo

Vargas não foi com o intuito de democratizar as instituições, mas de abrir brechas para a

atuação do capital estrangeiro no país.

A Importância da Revolução de 30 e o pré-Estado Novo

Analisando as revoltas tenentistas dos anos 20, o marxista alagoano Octávio

Brandão afirmou que “se os revoltosos pequeno-burgueses souberem explorar a

rivalidade entre esses dois imperialismos – poderão vencer” (BRANDÃO, 2006, p. 105).

Seguindo o Materialismo Histórico e Dialético, Brandão enxergava naquele contexto uma

disputa entre o imperialismo inglês e o norte-americano pelo mercado brasileiro. A disputa

seria quem teria o predomínio na exploração do país. A Inglaterra, mais envolvida com a

Primeira Guerra Mundial que os EUA, recuperava sua economia e lançava suas atenções

para o Brasil onde tinham apoio da classe política. Já os EUA que só entrou no fim da

Primeira Guerra Mundial e por isso não tiveram tantos custos como os ingleses,

enxergavam na América Latina e no Brasil uma boa oportunidade para estender seu

império que naquela época já estava se formando com rapidez. Os ingleses apoiavam as

estruturas da República Velha e estavam intimamente ligados com os fazendeiros do

café. Já os norte-americanos, estavam ao lado da burguesia industrial que queria sair da

timidez. Consequentemente, também estavam ao lado da pequena-burguesia que

angariava reformas democráticas onde só o fim da República Velha poderia trazer. Nessa

luta imperialista, vence o industrialismo sobre o agrarismo. Brandão quando escreveu sua

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obra (hoje um tanto relegada, mesmo tendo grande valor histórico) já conseguia prever a

vitória dos primeiros.

Essa vitória do industrialismo foi confirmada em outubro de 1930 com a derrubada

de Washington Luís e ascensão do gaúcho Getúlio Vargas ao poder. Caía não só um

presidente, mas a velha estrutura agrária e as caducas relações de produção baseadas

na agroexportação com um pífio desenvolvimento industrial. A Revolução de 30 pariu um

Brasil moderno, urbano e industrial. Antigas estruturas ainda permaneceram, como o

poderio do latifúndio no campo - comprovando a tese de Furtado sobre o diálogo bastante

comum entre atraso e moderno em países de capitalismo subdesenvolvido – mas agora

tinha que se relacionar com avanços modernos como a instauração da Justiça Eleitoral, a

legitimação do voto feminino, a instauração de direitos sociais mínimos etc.

Vargas encarnava a vitória do projeto tenentista que lutava contra a República

Velha desde o início dos anos 20. Representava o pequeno-burguês que “não quer

admitir a divisão da sociedade em classes” (BRANDÃO, 2006, p.96). A priori, em seu

Governo Provisório (1930-1934), Vargas não teve atrito direto com os EUA que,

governado por Franklin Roosevelt desde 1933, ainda não interferia nos avanços sociais

angariados após a Revolução de 30. Os EUA sob Governo Roosevelt, estava mais

preocupado em resolver as consequências da Crise de 29 e até tentou importar avanços

sociais semelhantes aos que vinham ocorrendo no Brasil como os direitos trabalhistas.

Entretanto, a tentativa foi impugnada como inconstitucional pela Corte Suprema norte-

americana. Enquanto isso, e inspirado na Restauração Meiji japonesa (RIBEIRO, 2001a),

Vargas criou o Ministério da Educação que multiplicou o número de escolas e de

matriculados no país. Para começar, instaurou:

Um decreto conhecido como Código dos Interventores e destinado a regular os poderes e atribuições dos Interventores nomeados para responder pelos governos estaduais, determinou que os Estados empregassem 10%, no mínimo, das respectivas rendas na instrução primária, e deu a eles o poder de exigir até 15% das receitas municipais para aplicação nos serviços de segurança, saúde e instrução pública, quando por eles exclusivamente atendidos” (RIBEIRO, 2001, p. 85a)

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Além disso, “nos orçamentos de 1931 e 1932, o governo federal destinaria 5,14%

de suas verbas para o Ministério da Educação, quase o dobro das verbas para o

Ministério da Agricultura (2,84%)” (ARAÚJO, p. 71). Vemos claramente com esses dados

que a preocupação do novo governo que surgia era modernizar a sociedade brasileira.

São avanços no plano educacional nunca visto na história do país anteriormente. Os

investimentos deram frutos, pois:

“Em 1920, o Brasil tinha 30 milhões de habitantes e um milhão de matrículas no ensino primário; ou seja, a relação entre matrículas e população era de 3,4%. Em 1940, a população subira para 41 milhões e as matrículas para 3 milhões: a população aumentara um terço, as matrículas, três vezes, e agora correspondiam a 7,4%” (RIBEIRO, 2001, p. 86a).

No campo do trabalho, o Governo Provisório decreta a Lei dos Dois Terço,

estabelecendo que dois terços dos empregos fossem reservados a brasileiros. Parece

uma lei inspirada na xenofobia, porém, cerca de 80% dos empregos formais no país eram

ocupados por estrangeiros ou brasileiros naturalizados. E era uma ação seguida por

países do capitalismo central como Inglaterra, França e Alemanha. Essa lei apenas

seguia o documento intitulado “Regulamentação das Migrações”, do Bureau Internacional

do Trabalho, então precursor da atual Organização Internacional do Trabalho (OIT)

(RIBEIRO, 2001a). A Lei dos Sindicatos que dava legalidade a essas instituições foi outro

importante dispositivo jurídico desse Governo Provisório. Por fim, temos a Lei das Caixas

de 1932 que marcou o desenvolvimento da previdência social. Limitação de jornada de

trabalho (passava para 8h) e regulamentação do trabalho feminino (agora era proibido

trabalho noturno e também nas quatro semanas antes ou depois do parto) também foram

aprovadas nesse período e servem para exemplificar o quanto de avanços sociais tivemos

com o advento da Revolução de 30.

O Governo Provisório, chefiado por Getúlio Vargas, não avançou somente em

questões políticas e sociais já analisadas. Também foi de extrema importância no campo

econômico. Analisando o desenvolvimento da hegemonia norte-americana no comércio

internacional, Furtado afirma que diferente da Inglaterra que cresceu com base na Divisão

Internacional do Trabalho, os EUA se expandiu tendo grandes empresas como

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combustível. Em outras palavras, cria-se “um sistema de decisões de âmbito

multinacional, cuja coerência deriva de critérios valorativos estabelecidos a partir da

realidade interna da economia norte-americana” (FURTADO, 1973, p. 60a). Essas

grandes empresas, protegidas pelo Estado, se expandem pelo mercado internacional e

representam os interesses específicos da conjuntura interna do país. Pois,

“Quanto mais diversificada a experiência das empresas, com respeito a

setores funcionais e às áreas geográficas, mais amplos são os horizontes que

se lhe abrem. Estar presente em distintas áreas é maximizar as oportunidades

de investimento” (FURTADO, 1973, p. 62-63a).

Vargas começa gerando desconforto no capital estrangeiro ao intervir na situação

crítica que se encontrava o café brasileiro, no momento, nas mãos de especuladores. Em

1º de fevereiro de 1931, o então presidente compra o café excedente (prática comum na

República Velha, serviçal dos cafeicultores), mas impõe limites como: proibição de novas

lavouras, taxa sobre cada pé e retenção de 20% do café produzido para o mercado

interno. As duas primeiras ações combatiam a superprodução onde só produtores de café

e especuladores saíam lucrando. E a segunda era a valorização dos interesses

econômicos nacionais. As grandes empresas norte-americanas começaram a sofrer

represálias. Um dos setores em que foram atingidos foi a siderurgia que Vargas pensava

em desenvolver no país. Para desenvolver uma indústria de base é preciso construir

máquinas e, para construir tais equipamentos, é necessário ter poder sobre o aço. O

minério de ferro se abundava no estado de Minas Gerais e era explorado pela Itabira Iron,

ligada ao poderoso grupo Farquhar. Esse grupo, visando receber concessões de

exploração, sempre prometia construir uma usina siderúrgica no local. Tendo em vista que

essa usina nunca era construída o Governo do Estado de Minas Gerais (representado

pelo interventor Olegário Maciel) e o Governo Federal entram com recurso jurídico que

determinava como inválido o contrato com a Itabira Iron. Após todo um imbróglio Vargas

consegue vencer esse grande grupo econômico em 1939, aproveitando-se da conjuntura

da Segunda Guerra Mundial que não permitia aos EUA (país de origem do grupo

Farquhar que controlava a Itabira Iron) se opor.

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Entretanto, o desconforto desses grandes oligopólios norte-americanos não parou

por aí. Ainda no seu Governo Provisório e concomitante às ações no campo da siderurgia,

Vargas instituía uma política de caráter nacionalista também na questão do petróleo que

naquele momento ainda não tinha sido descoberto no país. O que faziam esses grandes

grupos petrolíferos, representados por empresas como Standard Oil e Shell? Não

sabendo se tinha petróleo no Brasil e muito menos sua quantidade, elas recebiam

concessões dos governos estaduais para investigar e explorar possíveis reservas de

petróleo. Porém, naquele instante, não faziam nada com o terreno concedido. Essas

empresas usavam as terras brasileiras que tinham conquistado como reserva, pois

quando necessário, as utilizariam. Volta-se ao que já foi dito anteriormente: as ações

dessas grandes empresas estavam à serviço da realidade interna de seus países de

origem. Podemos resumir essa lógica da seguinte forma:

“Em outras palavras, outros países dispunham de reservas de petróleo no Brasil, para quando precisassem; e o Brasil deixava de ter reservas para suas necessidades porque dera em concessão, a empresas de outros países, as áreas em que se poderia encontrar e produzir petróleo em seu território” (RIBEIRO, 2001, p. 125a).

A primeira ação do Governo Vargas foi centralizar o direito às concessões. A partir

de junho de 1931 ficava a cargo do Governo Federal analisar e, consequentemente,

aprovar ou reprovar pedidos de concessões de terra para exploração de petróleo. Era

uma medida paliativa, mas que já demonstrava sua aversão à farra que as empresas

estrangeiras faziam no Brasil. Em 1934, ele cria o Código de Minas que “estabelecera

claramente a distinção entre a propriedade do solo e a propriedade dos recursos minerais

do subsolo” (RIBEIRO, 2001, p. 125a). Em resumo, nacionalizava o subsolo brasileiro. Em

caso de petróleo descoberto, o Estado que tomava conta de sua exploração, pois se

tornara seu proprietário. Era o caminho da Petrobrás já em seus primeiros anos de

governo. Observamos com isso a contradição dos interesses estrangeiros com os

interesses nacionais que estavam sendo representados pelo projeto político então

vencedor em 1930. Um breve resumo histórico como esse, antes de entrarmos nas ações

do Estado Novo e nas condições que resultaram em sua queda, é de extrema importância

para compreendermos de forma cronológica esse projeto político.

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Uma nova visão sobre o Estado Novo: formação, auge e queda

É fato que o período conhecido como Estado Novo (1937-1945) foi uma ditadura,

um período de recrudescimento político que teve recuos nos direitos políticos como falta

de liberdade de imprensa. Entretanto, analisá-lo como simples período ditatorial é um

reducionismo de uma realidade complexa. Os motivos da instauração do Estado Novo

remontam de uma instabilidade política causada no país. Essa instabilidade não foi

orquestrada diretamente pelas grandes empresas, apesar dessas já terem sido

contrariadas ainda no Governo Provisório (após 1934, Getúlio fora eleito indiretamente

pelo Congresso Nacional para um mandato que perdurou até 1938). Mas sim pela União

Soviética e em seguida pela Alemanha. Resumindo a conjuntura que daria como

resultado o Estado Novo, vamos remontar a 1935 quando estourou no país uma revolta

conhecida na história como Intentona ou Insurreição Comunista. Sob liderança da Aliança

Nacional Libertadora (ANL) e o Partido Comunista do Brasil (PCB), organizações que

tinham como referência política o comunista gaúcho Luís Carlos Prestes, tentam tomar o

poder através de levantes em quartéis.

O movimento foi rapidamente sufocado, apesar de um Governo Revolucionário ter

sido instaurado em Natal durante dois dias. Existia nesse movimento a interferência da

União Soviética, então chefiada pelo georgiano Joseph Stálin. Através da Internacional

Comunista (IC) - órgão que tinha como tarefa expandir a revolução socialista para além

das fronteiras soviéticas - foram enviados ao Brasil militantes como Olga Benário e Harry

Berger para auxiliar na revolta. O medo de que novas revoltas estourassem no Brasil,

tendo apoio externo, causou um pânico no país e uma consequente instabilidade política

com risco de ditadura militar. Esse medo de novas revoltas seria confirmado em 1938,

quando não os comunistas, mas os integralistas influenciados pela Alemanha Nazista

atentaram contra a vida do então presidente Vargas no Palácio do Catete a fim de tomar o

poder. Um golpe de estado seria dado contra ou a favor de Getúlio. Segundo Celso

Furtado, em sua obra Análise do ‘Modelo’ Brasileiro, tínhamos:

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“A opção que se configurava em 1937 era uma ditadura militar, e Vargas

surge como homem que a evita, conseguindo preservar para a classe política

um papel que de outra forma lhe teria sido negado” (FURTADO, 1973, p. 22b).

Celso Furtado enxergava importância no Estado Novo, então extremamente

importante na maturação do Estado Nacional Brasileiro. Ele foge ou, simplesmente, não

dá importância a discursos que visam apenas criticar esse período histórico, sem

contextualizá-lo ou ofuscando qualquer menção a seus avanços. É muito comum,

inclusive na academia, equiparar o Estado Novo Varguista à Ditadura Militar

desencadeada no país após o golpe de 1964. Obtiveram semelhanças no que tange a

repressão política a adversários, mas estão completamente em lados opostos no que

tange a política econômica. Já que a primeira experiência ajudou na autonomia do Estado

Brasileiro, enquanto a segunda subordinou seus interesses aos de multinacionais. A título

de legado deixado pelo Estado Novo, pouco debatido quando se fala sobre o período,

afirma Furtado:

“Caem as barreiras aduaneiras entre estados e tomam-se muitas outras

medidas visando a unificar o mercado nacional e institucionalizar distintos

grupos econômicos, que assim poderiam ser utilizados como pontos de apoio

do poder central. A influência dos grupos internacionais, particularmente na

administração financeira do país, foi consideravelmente reduzida” (FURTADO,

1973, p. 22b).

A Constituição de 1937, outorgada após o êxito do golpe de estado, nacionalizou

reservas de petróleo. A Constituição de 1934 já tinha avançado nesse quesito, mas dava

brechas para empresas grandes como a Shell quando abriam para exploração do petróleo

a empresas organizadas no Brasil. Com a Constituição de 1937 não bastaria ser uma

empresa organizada no Brasil, mas precisaria obter acionistas nativos. Foi também criado

o Conselho Nacional do Petróleo (CNP), um órgão antecedente a Petrobrás que só surgiu

nos anos 50 no segundo governo Vargas. A indústria do refino, ainda sem nenhum

desenvolvimento no Brasil, mas já com sua importância reconhecida, também seria

nacionalizada. Essas ações provam que “o Estado Novo seria um retrocesso em relação

às propostas políticas de 1930, mas assumia o resgate de sua proposta econômica”

(RIBEIRO, 2001, p. 167a).

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Getúlio dava mostras de que desejava findar o Estado Novo desde, pelo menos,

1943 (RIBEIRO, 2001a). Porém, era preciso esperar o fim da guerra que ainda se

desenrolava na Europa e da qual o país tinha entrado junto com os EUA. Mais já em

fevereiro de 1945, ele decreta anistia a presos e exilados políticos. Em maio do mesmo

ano, decreta o novo Código Eleitoral (que extinguia a chance de formação de partidos

regionais bastante comuns na República Velha, obrigando a nacionalização dos partidos

políticos e confirmando as ideias de Furtado no que tange a valorização do Estado

Nacional) e marca novas eleições presidenciais para o dia 02 de dezembro de 1945.

Porém, Vargas seria deposto em outubro de 1945. O argumento da oposição para

derrubar o presidente girava em torno de duas ideias: a primeira era mais geral e dizia

respeito ao florescimento da democracia com o fim da Alemanha Nazista e da Itália

Fascista na Europa. O Brasil precisava seguir essa onda democrática e pôr fim a um

governo fundado num golpe de estado. Já a segunda ideia era mais específica e dizia

respeito ao adiantamento das eleições para governador que Vargas decretou em 10 de

outubro de 1945. Segundo esses setores,

“os então interventores nos Estados poderiam

desincompatibilizar-se e disputar o cargo de governador, que

certamente conquistariam com a ajuda de Getúlio e dos novos

interventores por ele nomeados” (RIBEIRO, 2001, p. 279a).

Os argumentos parecem convincentes e ganharam poder na opinião pública

graças a um ferrenho adversário de Getúlio que já despontava em fins de 1945 como

liderança política, o jornalista Carlos Lacerda, então ligado à recém-fundada União

Democrática Nacional (UDN). Getúlio foi deposto com a ajuda de setores civis e militares,

inclusive, por dois pré-candidatos a presidente da República: o brigadeiro Eduardo Gomes

(UDN) e o general Eurico Gaspar Dutra do então Partido Social Democrático (PSD).

Entretanto, os fatos mostraram que as limitações da democracia no Brasil permaneceram

presentes, apesar da queda do Estado Novo. Afinal, enquanto presidente, Vargas

começou o desmanche do Estado Novo desde o começo de 1945 e já tinha marcado

eleições presidenciais. O derrubaram porque sua figura representava um projeto político

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de cunho nacionalista, não alinhado com interesses de multinacionais que, com o pós-

guerra, planejavam avançar no Brasil com a ajuda dos EUA. A tese fica comprovada se

analisarmos a primeira ação do presidente provisório:

“O primeiro ato do novo governo, chefiado pelo presidente José Linhares, foi

abrir a interesses estrangeiros a indústria de refinação de petróleo, publicando

no Diário Oficial uma resolução nesse sentido do Conselho Nacional de

Petróleo, para a qual o presidente desse órgão, coronel João Carlos Barreto,

vinha pedindo sem resultado a autorização do presidente Vargas” (RIBEIRO,

2001, p. 282a).

Com a vitória de Eurico Gaspar Dutra nas eleições de dezembro de 1945 (pleito

onde Getúlio demonstrou sua popularidade ao ser eleito Senador e Deputado Federal por

vários estados), temos mais exemplos de que a oposição não pretendia fazer reformas

democráticas no país. Seus interesses eram pôr novamente o país na posição de

subordinado no mercado internacional. A primeira prova disso foi manter em vigor a

Constituição de 1937, autoritária no plano político, até que uma nova fosse formulada.

Qual o sentido de derrubar um presidente meses antes de eleições já marcadas para

simplesmente manter intacto um dispositivo institucional que se criticara por limitar os

princípios democráticos? Porém, Dutra não se limitou a só manter em vigor a Constituição

de 1937 como decidiu utilizá-la em seus pontos mais negativos. Começando pela

aprovação da Lei Anti-Greve, voltando o Governo Federal a interferir nos sindicatos,

prática que foi abolida por Vargas desde o início de 1945. Essa lei foi bastante útil, pois:

“Os reajustamentos salariais foram pouco expressivos, já que as greves eram reprimidas. Não houve qualquer iniciativa governamental para o reajustamento salarial durante todo o período do Governo Dutra” (ALMINO, 1980, p. 281).

Os salários só teriam aumento em 1952, já no segundo governo Vargas. Ainda

utilizando-se da Constituição de 1937, Dutra chegou a suspender o jornal do PCB

chamado Tribuna Popular por ordem do seu Ministro da Justiça. Todo o projeto político

pró-multinacionais teve como desfecho final a construção da Constituição de 1946 que

segundo o cientista político Moniz Bandeira:

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“A Assembleia Constituinte elaborou a nova Carta Magna sob pressão dos trustes americanos, notadamente a Standard Oil de New Jersey e a ITT. O artigo 5º, sobre a concessão dos serviços de telégrafos e telecomunicações, interessava a ITT. Os artigos 151, 152 e 153, sobre a propriedade do subsolo e aproveitamento industrial das minas e jazidas, inquietavam a Standard Oil” (BANDEIRA, 1973, p. 310).

No Brasil, veio o norte-americano Paul Howard Schoppel, que acompanhou os

trabalhos a serviço da Standard Oil, empresa multinacional petrolífera (BANDEIRA, 1973).

O que foi aprovado, realmente favorecia a essa empresa, pois, o petróleo teria exploração

baseada em sociedades registradas no Brasil, abrindo campo aberto para esses setores

econômicos agirem em território nacional. A prevenção de Getúlio em não convocar uma

Constituinte, mas, apenas eleições para presidente e Poder Legislativo, buscando

preservar essa política econômica nacionalista sobre os recursos naturais, foi atropelada

pela oposição. Tínhamos então o desfecho da ação oposicionista. A Constituição de 1946

traria tantas dificuldades ao desenvolvimento econômico autônomo que seria fator chave

na dificuldade encontrada por Vargas em seu segundo governo. Só a título de exemplo

“pela Constituição de 1946, a desapropriação de terras para a realização de projetos de

reforma agrária dependeria de indenização prévia e em dinheiro” (RIBEIRO, 2001 p. 95b).

A Reforma Agrária pela qual Getúlio tanto lutou no seu segundo governo e que já era

prevista na plataforma da Aliança Liberal em 1930 não foi possível por conta desse

dispositivo jurídico a serviço dos interesses estrangeiros.

Ademais, as reflexões feitas do Estado Novo trazem uma visão nova sobre esse

período da nossa história. Busca-se romper com a chamada cultura da dependência que,

entre suas expressões, busca combater ideologicamente governos na América Latina que

buscaram romper ou combater com a lógica centro/periferia. Na sociologia, reproduz-se o

conceito de Populismo para rebaixar esse período histórico tão importante na formação do

Estado Nacional no Brasil, segundo apontado por Furtado. Como exemplo dessa

Sociologia, temos o paulista Francisco Weffort. Buscou-se aqui apenas trazer uma nova

visão que busque valorizar processos políticos que, mesmo obtendo contradições,

estavam a defender os interesses nacionais contra a espoliação econômica imposta por

um punhado de países.Visões novas sobre os variados temas são importantes, uma vez

que representam um papel contra-hegemônico no qual apenas o conhecimento científico

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tende a ganhar. Pois, devemos sempre ter em mente que “as ideias da classe dominante

são, em todas as épocas, as ideias dominantes” (MARX; ENGELS, 2009, p. 67). Usamos

a teoria de Celso Furtado como base para explicar no que concerne a dependência

política da América Latina.

CONCLUSÃO

Todas essas reflexões de Celso Furtado ainda têm muito a nos dizer sobre a

situação política em América Latina. São conceitos que trazem luz à contemporaneidade

e aos processos políticos que o continente vem vivenciando ou já vivenciou. A

instabilidade política é uma regra, principalmente quando os governos em questão

buscam questionar esse dualismo estrutural entre centro/periferia. Foi assim com Juan

Domingo Perón, na Argentina. Hugo Chávez, na Venezuela. Salvador Allende, no Chile.

Isto é, governos que buscaram combater essa dicotomia centro/periferia e devem ser

analisados para além das simples ferramentas da ideologia dominante. Foi o que fizemos

com o Governo Vargas e, em específico, em seu período mais conhecido como Estado

Novo. A divisão internacional do trabalho existe como um processo histórico ligado ao

desenvolvimento do capitalismo, sendo uma tarefa o desnudamento dessa lógica serviçal

que mantém uma parcela do mundo pobre e outra rica.

Dessas análises, conseguimos superar o vira-latismo que coloca o insucesso do

país em nosso povo como se o nosso atraso fosse consequência de uma essência a-

histórica. Nosso atraso tem raízes históricas e, como vimos, a Teoria do

Subdesenvolvimento tem muito a nos explicar sobre nossa situação de dependência e

fracasso de quem buscou alternativas políticas que fugissem disso. Se buscou combater a

visão superficial que enxerga Vargas como aliado dos interesses norte-americanos.

Também foi confrontada a divulgada ideia de que a queda do Estado Novo tinha como

objetivo fazer o Brasil entrar numa onda democrática que assolava o mundo após a queda

do Nazifascismo.

O Estado Novo cai por representar um projeto econômico nacionalista e

enfrentador de uma metrópole interessada em nossa exportação de matérias-primas. Os

motivos de sua queda servem para responder conjunturas políticas posteriores como a

instabilidade política sofrida pelo segundo Governo Vargas e também a sofrida pelo

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Governo João Goulart. Essa última, já sabemos, veio a resultar na famigerada Ditadura

Militar (1964-1985). Fica o esclarecimento sócio-histórico de um importante período do

Brasil, incitando futuras análises sobre contextos que tenham semelhanças com o

analisado aqui.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ALMINO, João. Os Democratas autoritários. São Paulo, Brasiliense, 1980.

ARAÚJO, Rosa Maria Barboza de. O Batismo do Trabalho, a experiência de Lindolfo Collor. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1981.

BANDEIRA, Moniz. Presença dos Estados Unidos no Brasil. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1973.

BRANDÃO, Octávio. Agrarismo e Industrialismo. São Paulo, Anita Garibaldi, 2006.

BIELSCHOWSKY, Ricardo. Cinquenta Anos de Pensamento na CEPAL. Rio de Janeiro, Record, 2000.

FURTADO, Celso. Formação Econômica do Brasil. São Paulo, Companhia das Letras, 2007.

________________. O Mito do Desenvolvimento Econômico. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1974.

________________. A Hegemonia dos Estados Unidos e o Subdesenvolvimento da América Latina. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1973.

________________. Análise do ‘Modelo’ Brasileiro. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1973.

________________. Desenvolvimento e Subdesenvolvimento. Rio de Janeiro, Contraponto, 2009.

OLIVEIRA, Francisco de. Celso Furtado: economia. São Paulo, Ática, 1983.

PERICÁS, Luiz Bernardo; SECCO, Lincoln. Intérpretes do Brasil: clássicos, rebeldes e renegados. São Paulo, Boitempo, 2014.

RIBEIRO, José Augusto. A Era Vargas. Volume 1: 1882-1950: o primeiro governo Vargas. Rio de Janeiro, Casa Jorge, 2001.

________________. A Era Vargas. Volume 2: 1950-1954: o segundo governo Vargas. Rio de Janeiro, Casa Jorge, 2001.

Recebido em 16/01/2018

Aprovado em 04/04/2018