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GRADUAÇÃO 2014.1 TEORIA DO DIREITO CONSTITUCIONAL AUTORES: JOAQUIM FALCÃO, ÁLVARO PALMA DE JORGE E DIEGO WERNECK ARGUELHES. COLABORADORES: THAMY POGREBINSCHI, BRUNO MAGRANI, MARCELO LENNERTZ, PEDRO CANTISANO E VIVIAN BARROS MARTINS 7ª EDIÇÃO

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GRADUAÇÃO 2014.1

TEORIA DO DIREITO CONSTITUCIONAL

AUTORES: JOAQUIM FALCÃO, ÁLVARO PALMA DE JORGE E DIEGO WERNECK ARGUELHES.COLABORADORES: THAMY POGREBINSCHI, BRUNO MAGRANI, MARCELO LENNERTZ,

PEDRO CANTISANO E VIVIAN BARROS MARTINS

7ª EDIÇÃO

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É obrigatório o uso da Constituição da República Federativa do Brasil em TODAS as aulas. Favor trazê-la.

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SumárioTeoria do Direito Constitucional

1. ROTEIRO DE CURSO .....................................................................................................................................................................42. ROTEIRO DE AULAS .................................................................................................................................................................... 14 Aula 1: Lei de Cotas: Primo inter pares? ....................................................................................... 14 Aula 2: A (in)constitucionalidade da aula: Esta aula é constitucional? ........................................... 21 Aula Extra: Leitura Dirigida da Constituição (no laboratório de informática) .............................. 23 Aula 3: Conceito de Sistema ........................................................................................................ 25 Aula 4: Constituição como Norma I: Onde está a norma fundamental? ....................................... 28 Aula 5: A Constituição como Norma II: Antinomias Constitucionais .......................................... 32 Aula 6: A Constituição como Realidade Social I: O que vai para a Constituição? ......................... 35 Aula 7: A Constituição como Realidade Social II: A Ata do Pacto Social ...................................... 40 Aula 8: A Constituição como Realidade Social III: Encontros e Desencontros ............................. 46 Aula 9: Validade, Legalidade, Eficácia, Legitimidade: E o Comando Vermelho? ........................... 52

Bloco III – História Constitucional Brasileira ....................................................................... 61 Aula 10: Brasil Colônia e Iraque. Do Poder Divino dos Reis ao Estado de Direito ....................... 63 Aula 11: A Inserção Liberal I: D. Pedro I versus Frei Caneca ........................................................ 68 Aula 12: A Inserção Liberal II: Liberte, Egalité, Fraternité ............................................................ 71 ..77 Aula 14: A Matriz Social: Constituições de 1934, 1937 e 1946 e a Gangorra da Democracia ....... 84 Aula 15: Constituições Militares: A Convivência Contraditória ................................................... 89 Aula 16: Estado de Direito Democrático: A Democracia Concomitante ...................................... 92 Anexo ao Bloco de História das Constituições .............................................................................. 96

Bloco IV: Mudança constitucional ........................................................................................ 98 Aula 17: Mutação Constitucional: Mudar a ou Mudar de Constituição? ...................................... 98

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Bloco V: Interpretação da Constituição ...............................................................................Aula 18: Ato de conhecimento e ato de vontade: Querer ou Conhecer? ........................................Aula 19: Dogmática, Zetética e “Topos”: A Caixa Vazia .............................................................Aula 20: Instrumentos Interpretativos I: Unidade, Supremacia e Integração ...............................

............................Aula 21: Instrumentos Interpretativos II: Razoabilidade e Proporcionalidade (Razão e Proporção) .....Aula 22: Interpretação de Bloqueio e Interpretação Legitimadora: The Making Off

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1. ROTEIRO DE CURSO

1.1. APRESENTAÇÃO GERAL: UM CURSO CONFESSIONAL DE DIREITO CONSTITUCIONAL

1.1.1. A Confissão Prévia

Trata-se de um curso confessional a favor da constituição como prática da de-mocracia. Prática do aluno em sua dupla qualidade: como cidadão que opta pelos valores do respeito ao outro, da participação, da igualdade, da liberdade e da solida-riedade, e como profissional do direito, que pode e deve ajudar na construção das instituições democráticas. O compromisso com a democracia faz com que o curso assim se amolde em suas múltiplas frentes.

Na frente epistemológica, combate toda ambição de exclusividade de qualquer teoria, doutrina ou análise em querer definir o que seja constituição. Entende, ao contrário, que, quanto maior o número de enfoques analíticos diferentes à disposi-ção do aluno, melhor e mais completa será sua compreensão da constituição.

Na frente de capacitação profissional, procura treinar o aluno para trabalhar a constituição como uma obra aberta, como uma questão mais do que uma resposta, como um problema mais do que uma solução. A constituição aparece como um constructo e não como um datum. Como um futuro a ser construído – futuro pelo qual ele, aluno, enquanto advogado, juiz ou procurador, é co-responsável. A consti-tuição surge como um processo em permanente mudança, onde o futuro profissio-nal é agente privilegiado.

Na frente histórica, focaliza a constituição como uma tendência das instituições democráticas da sociedade brasileira, às vezes descontinuada, às vezes conflitante, em favor da inclusão política, social e econômica. Esta tendência é facilmente ob-servável na contínua expansão dos direitos fundamentais e na crescente inclusão eleitoral.

Finalmente, na frente didática, a constituição aparece como matéria-prima e fonte para o debate, a discussão, o confronto de idéias, a elaboração dos raciocínios, a descoberta da argumentação. As aulas serão sempre inconclusivas, sem respostas absolutas ou definitivamente certas. Um compromisso com o pluralismo analítico, por sua vez, permite que o aluno opte por sua própria perspectiva, escolha sua po-sição, adote seu conceito de constituição.

1.1.2. A sensibilização inicial (Bloco I)

O curso começa com um Bloco de Sensibilização, que o anuncia. Três aulas constituem este bloco. Tem dois objetivos principais. Primeiro, relacionar a prática cotidiana do aluno com a prática da constituição. Como cidadão ou como profis-sional do direito, nada na sua vida escapa à constituição. Tudo que não é proibido, é permitido pela constituição. Daí os dois problemas geradores destas aulas dize-rem respeito diretamente ao aluno hoje: a lei de quotas no vestibular e a qualida-de do ensino brasileiro. Segundo, enumerar de forma rápida, mas contundente,

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os principais temas/problemas que o aluno enfrentará em seu curso: constituição como sistema, como decisão, como topos, como arena de interesses sociais concor-rentes, como ata do pacto social.

A primeira aula é um debate sobre a constitucionalidade ou não da lei de co-tas para acesso ao vestibular, onde o aluno vai dialogar, discutir, seduzir, tentar convencer o professor e os seus colegas. Trata-se de estimular a interatividade pró-ativa e, desde logo, a interdisciplinaridade. O aluno deverá começar a perce-ber a distinção entre uma argumentação do senso comum, e uma argumentação jurídico-profissional com base na norma, no artigo da constituição. Além disso, começará a confrontar argumentações diferenciadas e concorrentes, na medida em que disputam um bem escasso: ser constitucional ou não. No final da aula, deve-se esclarecer sobre o júri simulado, que será a última aula do curso, e estabe-lecer o cronograma e as responsabilidades pertinentes a cada um dos grupos e/ou dos alunos.

A segunda aula cumpre outro papel complementar. Pede-se que olhem para a própria classe e respondam à pergunta: esta aula é constitucional ou não? De início, relaciona-se a relação social (aula) com a relação jurídica (a constituição). A tese é que qualquer relação social é uma relação constitucional. Mas o aluno vai perceber com surpresa que a constituição é, ao mesmo tempo, o tudo e o nada, o limite e a possibilidade, o consenso e o conflito. O texto constitucional é tão contraditório quanto sistemático; suas expressões são tão precisas quanto vazias. Em ambas as aulas, o aluno verá formuladas, por seus colegas, infindáveis soluções. A aula será sempre inconclusiva. Não se procura a resposta certa, mas a argumentação convin-cente. A constituição aparece como algo que eles poderão construir no futuro. Com isto, estimula-se desde logo um aluno pró-ativo, imaginativo, crítico e insatisfeito. Diante de uma obra aberta, vai perceber também que a profissão jurídica só faz sentido porque a constituição é imprecisa e contraditória.

A seguir, o curso passa por um anticlímax. Numa aula extra a ser agendada, realiza-se uma insossa leitura dirigida com um único objetivo: com a Constituição na mão, os alunos vão descrevê-la e aprender a manuseá-la. É a constituição como instrumento profissional, sem maiores explicações. É abrir, ler e aprender a usar. Inclusive aborda o uso da informática e dos bancos de dados disponíveis na Internet para melhor usar a constituição e, nesse sentido, estão previstos alguns exercícios do tipo “gincana”.

1.1.3. O Pluralismo Analítico (Bloco II)

Neste ponto, o curso se debruça sobre um de seus pilares principais: a possibili-dade de múltiplas perspectivas na análise da constituição. O objeto do conhecimen-to – a constituição enquanto norma positiva estatal – pode até ser provisoriamente único e unívoco, mas as maneiras, seus significados, o modo de entendê-la e de defini-la são necessariamente múltiplos. O curso não adota uma única definição do que seja constituição, mas estimula múltiplos conceitos dentro de uma epistemo-logia aberta. Nenhuma estratégia analítica exclui a outra aprioristicamente. Mesmo

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juntas, mostram ao aluno que podem ser complementares, às vezes suficientes, às vezes insuficientes, dependendo da finalidade da análise.

Este pluralismo analítico não implica em relativismo conceitual, mas em opção pragmática, onde os meios do conhecer e do praticar a constituição são definidos de acordo com os objetivos a alcançar, seja do juiz, do advogado ou do cidadão. Neste sentido, o curso não se situa no reino da dogmática, mas no reino da pragmática, en-tendida como a relação entre o signo “constituição” e seu uso socialmente concreto. O Bloco II se divide em dois grupos de aulas: constituição como norma e constitui-ção como realidade social. Dentre as múltiplas análises possíveis, foram escolhidas as seguintes: a constituição como sistema, a constituição como decisão, a constituição como topos, a constituição como fato social e como ata do pacto social.

As três primeiras aulas do Bloco enfocam a constituição como norma: como sistema normativo, como expressão da norma fundamental e como normas em conflito. A primeira faz uma brevíssima introdução ao vocabulário e aos conceitos básicos da teoria dos sistemas. A noção de sistema será dada a partir de exemplos banais, como o sistema de som e o sistema biológico, o corpo humano. O objetivo é estimular no aluno a compreensão sistêmica dos fenômenos físicos e mentais. A concepção sistêmica é um dos muitos óculos para se enxergar a realidade, como também é o materialismo histórico. Contudo, é preciso atenção: não se adota a perspectiva conservadora de que os sistemas tendem ao equilíbrio e não ao conflito. A noção de sistema tem que ser útil também para entender os conflitos capazes de destruir o sistema e substituí-lo por outro. Nesse sentido, a aula enfoca a constitui-ção como um sistema que interage com o meio ambiente e é por ele influenciado. No fundo, é um subsistema do sistema normativo (ou do ordenamento jurídico, tradicionalmente falando), que, por sua vez, é um subsistema do sistema social ao lado dos subsistemas econômico, político e outros.

A aula seguinte trata de tema inevitável: a posição da constituição na hierarquia e as normas infraconstitucionais, a partir da questão: onde está a norma fundamental? Note-se a evolução do curso: primeiro demos a noção de sistema em geral. Depois, suas qualificações – “normativo” e “hierárquico”. Esta aula tem objetivo estratégico principal. Ao mesmo tempo em que se constrói a noção da constituição como vérti-ce hierárquico do ordenamento jurídico, demonstra-se, através da pergunta-título, a insuficiência da concepção de constituição exclusivamente como norma. Trata-se de um subsistema que só se fecha com recursos a elementos extrajurídicos – religio-sos, por exemplo, na resposta jusnaturalista para a questão da norma fundamental, ou políticos e ideológicos, na resposta ao problema da solução de antinomias cons-titucionais. Ou seja, a constituição é um subsistema que se comunica com outros subsistemas não-jurídicos, retirando deles sua força e sua fraqueza. Esta insuficiên-cia lógico-formal se reflete também na insuficiência da validade e legalidade como únicos parâmetros de avaliação do sistema normativo. A legitimidade e eficácia são indispensáveis tanto para o exercício profissional, quanto para uma epistemologia mais abrangente.

Paralelamente a este objetivo epistemológico estratégico, deve ser passada uma série de noções mais técnicas, como os conceitos de hierarquia e rigidez, validade,

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legalidade, coerência e compatibilidade. Uma demonstração sobre a hierarquia das normas acompanha o material (caso da aplicação de multas pelo abandono de lixo na praia).

Em seguida, é a vez da aula sobre as antinomias constitucionais, que reforça o conceito da insuficiência da perspectiva lógico formal, apontando para um orde-namento como sistema aberto, no qual necessariamente se discutirão valores, pre-ferências e escolhas socialmente fundamentadas. A aula sobre antinomia também possibilita entrever a constituição como um sistema em mutação, como um cons-tructo. O caso Garrincha coloca em pauta o dilema entre honra, intimidade e liber-dade de expressão – normas e valores em conflito no mesmo texto constitucional

As próximas três aulas tratam da constituição como realidade social. Responde-se à pergunta: de onde nasce e como nasce a constituição? Os objetivos estratégi-cos principais são: 1) enfocar a constituição como uma decisão, uma escolha entre alternativas incompatíveis; 2) demonstrar a vinculação das alternativas incompa-tíveis a interesses sociais concorrentes. Trata-se de evidenciar a origem social das constituições, com vistas a criticar o enfoque puramente lógico-formal como algo neutro, acima das paixões humanas. A constituição enquanto decisão se divide em dois momentos: o momento da elaboração da constituição e o de interpretação da constituição.

Na primeira aula, a decisão aparece como uma resposta do sistema jurídico a um conflito inicial, que pode ser a competição por um novo texto constitucional ou por uma nova interpretação da constituição já existente. A aula começa com a pergunta: o que vai e o que não vai para a constituição? O que deve integrar o rol das normas infraconstitucionais? A partir daí, a constituição surge sucessivamente como decisão, como arena na qual os interesses sociais se conflitam e se acordam e, por fim, como uma precária ata do pacto social. Dentro deste contexto, alguns conceitos mais téc-nicos são transmitidos, tais como: normas constitucionais e normas infraconstitucio-nais, constituição formal e constituição material. Apesar de abrir a possibilidade de tudo ir para a constituição, inclusive o Colégio Pedro II no Brasil e a vaca na Índia, o curso explicita que uma certa tipologia tem consenso na comunidade de intérpretes: a organização do estado, os direitos fundamentais e as chamadas “normas programáti-cas”. Neste momento, aparece pela primeira vez a constituição como limite do poder estatal e instrumento de defesa de direitos. O caso da aula obriga o aluno a decidir que normas merecem ser superiores às demais.

A aula seguinte enfoca a constituição especificamente como ata do pacto social. O que nos permite entendê-la como documento escrito, que pressupõe conflitos e divergências, que resume o consenso, e que este consenso vem dos sujeitos, dos cidadãos presentes na reunião, viventes na nação – enfim, presentes na constituinte. Este conceito é retirado do constitucionalismo brasileiro. Vem de Frei Caneca em sua disputa (ou busca infrutífera) de um pacto com D. Pedro I. Conceitos clássicos como constituição promulgada e outorgada e assembléia nacional constituinte são então enunciados.

A terceira aula deste bloco começa com a radical posição de Lasalle e a pergun-ta: o que aconteceria se um dia o mundo amanhecesse sem qualquer vestígio de

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constituição? O que mudaria, se é que algo mudaria? Busca-se com isto levar o alu-no a identificar os fatores reais de poder como fatores constituintes. Em seguida, trata da tensão entre constituição real e constitucional formal, que em Löewenstein aparece como encontros e desencontros entre a realidade e as constituições nor-mativa, semântica e nominal. Um pequeno texto de Humberto Maturana oferece uma conotação extremamente contemporânea, ao sublinhar a importância do do-mínio emocional e do reconhecimento da legitimidade do outro no cumprimento e elaboração da constituição. O pluralismo analítico se amplia neste horizonte psico-social.

Fecha-se o bloco com uma aula sobre Validade, Legalidade, Legitimidade e Efi-cácia. Estes clássicos conceitos da doutrina jurídica ajudarão a analisar as constitui-ções brasileiras no próximo bloco, a história das constituições. Ao mesmo tempo, servem de tipologia sobre as diferentes maneiras pelas quais se apresenta a tensão entre constituição como norma e constituição como realidade social. A noção de validade decorre do conceito de sistema normativo fechado, que só pode ser aberto através do conceito de legitimidade, que, por sua vez, necessita do conceito de efi-cácia e, em nosso curso, do conceito de domínio emocional de Maturana. Há que se sublinhar, pois, a seqüência destes conceitos: validade, legalidade, legitimidade e eficácia. A constituição deverá ser analisada com recurso conjunto aos quatro. Esta aula se desenvolve a partir de dois casos: o fechamento do Comércio no Rio de Ja-neiro por ordem do Comando Vermelho, e o combate ao download de músicas pela Internet no Brasil.

1.1.4. O Constitucionalismo Brasileiro (Bloco III)

Entra-se, então, no Bloco III, centrado na história das constituições e no consti-tucionalismo Brasileiro. Aqui, temos três objetivos principais. O primeiro é montar em sala um “laboratório social” para os diversos enfoques analíticos dados no pri-meiro bloco. Ao contar a história das constituições, conta-se a história do conflito e do consenso entre interesses sociais plurais, conflitantes às vezes, concorrentes sem-pre. A mudança de constituição aparece como ruptura ou evolução do subsistema político e econômico com repercussões no sistema normativo. Sempre será no seu primeiro momento a expressão de um pacto com maior ou menor dose de consen-so, com maior ou menor diferença entre os vencedores e vencidos. O quadro final expressa a constituição num emaranhado de subsistemas que interagem.

O segundo objetivo é historiográfico, na medida em que familiariza os alunos com os fatos, personagens e acontecimentos da evolução constitucional brasileira, além das principais características de cada constituição. Ênfase deve ser dada na tessitura das relações entre todas, bem como na inter-relação delas com ideologias mundiais: liberalismo, fascismo, socialismo etc.

Finalmente, o terceiro objetivo é a interpretação propriamente dita da história constitucional do Brasil, que aponta para as constituições como um projeto de poder das elites, renovado a cada momento, e que procura incorporar os demais segmentos sociais, mas que, ao fazê-lo, invariavelmente acaba por se democratizar,

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ainda que lenta e gradualmente. Na medida em que o curso defende a posição de que inexiste “a constituição”, mas apenas interpretação da constituição, a cons-tituição de 1988 é em grande parte o que os futuros profissionais queiram dela praticar.

O Bloco começa com uma aula sobre o Brasil Colônia, com dois objetivos princi-pais. Por um lado, trata-se de historiar no Brasil a passagem do governo dos homens para o governo das leis (teria sido o Regimento de Thomé de Souza a primeira “consti-tuição” brasileira?). Surge o tema do estado de direito, que será recorrente. Esta passa-gem significa que a constituição surge comprometida com a tensão entre organização do poder e defesa dos direitos da cidadania. Essa dicotomia poder e autoridade, de um lado, e sociedade e cidadania, por outro, será também um eixo recorrente neste bloco. Por outro lado, a aula se trata também de um aggionarmento do tema, através da comparação com o exemplo da lei de administração do Iraque – uma colônia con-temporânea? A aula termina com uma definição provisória dos aspectos formais do Estado de Direito, dentro das perspectivas de J. J. Canotilho e Carl Schmitt.

As próximas três aulas têm um foco e uma mensagem comuns. Por um lado, trata-se de esclarecer como o liberalismo penetra no constitucionalismo brasileiro e se faz seu instrumento. O foco são as relações entre constituição e ideologia liberal. A mensagem é a evidência da inserção de nossa história constitucional na história das constituições do mundo ocidental, sobretudo como projeto liberal mundial. A união genética entre constitucionalismo e independência nacional se faz dentro de um projeto liberal global. Por outro lado, é também a crítica de como absorvermos essa tradição. Em vários momentos ocorreu e continua a ocorrer uma importação seletiva de leis e princípios. Por isto, as aulas se agrupam duas a duas. A constitui-ção de 1824 se alinha ao constitucionalismo francês e à revolução de 1789. Surge a questão dos direitos humanos e dos limites do poder estatal. A constituição de 1891, por sua vez, alinha-se ao constitucionalismo norte americano e os founding fathers. Surge a questão dos três poderes e da organização democrática do próprio estado federal. Esta absorção de estrangeirismos deve ser enfocada através dos aspec-tos positivos e negativos, como realidade e como mímica. O que une essas três aulas é a tentativa de se forjar no Brasil um estado de direito republicano. Sempre que possível, alguns conceitos técnicos devem ser sublinhados, tais como: constituição sintética e constituição analítica, poder constituinte originário e poder constituinte derivado, constituição outorgada e constituição promulgada. Não utilizamos “ca-sos” em sentido estrito neste bloco. Preferimos colocar o aluno em contato direto com os diversos textos constitucionais nacionais e estrangeiros, bem como os docu-mentos originais dos debates de então: os discursos de D. Pedro I e de Robespierre, além da proposta de Frei Caneca, entre outros.

A próxima aula enfoca a Era Vargas e inclui as constituições de 34, 37 e 46. O foco são as mutantes relações entre regime político e constituição. A partir daí é que se consolida a idéia, presente em 24 e 91 e ainda predominante na doutrina, de que mudar de constituição significa ruptura política. Esta noção será desfeita na constituição de 1988, que, ao invés de surgir de uma ruptura, veio de uma negociação. Ênfase também deverá ser dada ao surgimento de um concorrente ao

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projeto constitucional liberal capitalista: os direitos sociais e trabalhistas, revelando a ascensão do trabalhador como ator jurídico e político e a influência do socialis-mo nas constituições brasileiras. Ao mesmo tempo, ressurge a experiência de um governo dos homens, explicitado pelos decretos-lei, colocando em cheque a noção de estado de direito liberal. No período de 34 e 37, se consolida a matriz militar que, de alguma forma iniciada em 1891, será modernizada na revolução de 1964. O questionamento do estado de direito nesse período é feito por um caso de tom-bamento pelo Instituto do Patrimônio Histórico-Artístico Nacional (IPHAN), que pretende nos dias de hoje, na vigência da constituição de 1988, aplicar os mesmos critérios, normas e procedimentos de tombamento como se ainda estivéssemos em l937, data de sua fundação.

A próxima aula tem o nome de “A convivência contraditória”. Enfoca as cons-tituições militares de 67 e 69, a convivência entre os atos institucionais e as cons-tituições. Um sintoma da tentativa de convivência entre o governo dos homens (os militares e a segurança nacional) e o governo das leis (a tripartição dos poderes e de eleições controladas). Existe estado de direito sem democracia? A aula inicia com o preâmbulo do Ato Institucional nº 1, abordando a questão da legitimidade do poder revolucionário. Há que se ressaltar a dimensão legitimadora do desen-volvimentismo (eficácia constitucional), sem o qual não há aceitação do regime político. Começa-se com a ruptura jurídico-política e se termina com a crise de legitimidade consubstanciada nas “Diretas Já” e na negociação jurídico-política, na abertura lenta, gradual e segura, base na nova constituição de 1988. Os estudos de caso são basicamente dois: o preâmbulo do AI-5 e o julgamento do ex-presidente Jango Goulart.

A próxima aula aborda a questão do estado democrático de direito. Um conceito – ou melhor, uma ênfase brasileira – que surge como crítica às constituições militares e ao autoritarismo e, ao mesmo tempo, anuncia e legitima a constituição de 1988 e a democracia. Os alunos já devem ter discutido democracia no curso de Teoria do Estado Democrático; aqui, trabalharemos com os conceitos de democracia, au-toritarismo e ditadura. O curso distingue, como aliás fez nossa história, estado de direito de estado democrático de direito. Nem todo estado de direito é democrático. O exemplo nacional já terá sido dado na aula anterior. A noção de estado de direito é contrastada com a de estado democrático de direito, através do exemplo da As-sembléia Nacional Constituinte, entendida como o processo pelo qual se optou por uma constituição analítica, pluri-ideológica, e contraditória. A promulgação desta Constituição tornou necessária uma mudança radical do paradigma de interpretação constitucional. Anuncia-se, desde logo, a importância de uma interpretação sistêmi-ca, integradora e legitimadora.

A Constituição de 1988 é apresentada ao aluno através de duas ênfases. A pri-meira é o próprio conceito de democracia que adota, o conceito de democracia con-comitante. No fundo, este conceito assimila vertentes liberais e vertentes socialistas na formatação de nosso regime político, de nosso estado. A segunda é o anúncio do surgimento e crescimento de um terceiro ator entre o estado e o cidadão, rompen-do com as dicotomias radicais “público x privado”, “planejamento x mercado”, “lei

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x contrato”, “poder x liberdade”. Trata-se do Terceiro Setor, que não se enquadra totalmente na missão de organizar o estado, nem totalmente na missão de defender direitos individuais.

1.1.5. Mudança constitucional (Bloco IV)

O bloco sobre constitucionalismo demonstrou como nascem e morrem as cons-tituições no Brasil, ou seja, como o Brasil tem mudado de constituição. O próximo bloco mostra como o Brasil muda ou pode mudar a constituição a tual. Confirma-se a constituição como processo aberto, como construção, e não como um dado estático. Este bloco tem uma mensagem principal: ao contrário do que informa a doutrina clássica, a mudança na constituição não ocorre apenas pela revolução ou mesmo pela política em sentido estrito. A constituição vigente pode ser mudada por dois mecanismos básicos: explicitamente, pela emenda constitucional (e aí se muda o texto), ou implicitamente, pela interpretação judicial ou legislativa, e aí não se muda o texto.

A aula desse bloco objetiva, principalmente, demonstrar a tese de que mu-dança constitucional pode ser obtida também através da interpretação. Esta noção será abordada a partir do contraponto com o processo de mudança formal, através de emenda constitucional. Nesse sentido, serão abordados brevemente os limites do poder de reforma da Constituição, anunciando-se a pedra no caminho – as clausulas pétreas, tema que será aprofundado em Constitucional II. Aqui, o con-traste com o processo constitucional norte-americano é importante; este processo também estaria presente aqui no Brasil. As duas interpretações possíveis – judicial e congressual – serão focalizadas através de estudos de caso específicos. No fundo existe uma sub-reptícia disputa de poder sobre quem dará a palavra final sobre os conflitos entre os poderes – legislativo ou judiciário. O caso escolhido é o da apli-cação da licença maternidade a mães adotivas. Anuncia-se, assim também, o último bloco: a interpretação judicial da constituição.

1.1.6. A interpretação da Constituição (Bloco V)

O bloco final tem uma mensagem-síntese principal: inexiste constituição en-quanto só texto, objeto e significante. Constituição é texto e interpretação, su-jeito-intérprete e objeto, significante e significado. Mais uma vez, defende-se a tese da constituição como uma arena sem vencedores prévios, um sistema aber-to à construção através da argumentação. Defende-se uma epistemologia cons-titucional democrática. Este bloco é, no fundo, um grande laboratório onde o pluralismo analítico e a história do constitucionalismo brasileiro serão aplicados como instrumentos da vida profissional futura dos alunos, como cidadãos, juízes ou advogados. Uma segunda mensagem, tão importante quanto a primeira, é que este arsenal analítico não existe por si só. Ele é apenas meio para que os advogados juízes argumentem, raciocinem, expressem, defendam e legitimem seus interesses ou de seus clientes. Nesse sentido, os interesses sociais que no constitucionalismo

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assumiram uma dimensão macro – interesses de classe, de grupos, etc. – agora as-sumem dimensão micro, como interesses dos clientes, ou do autor e réu, ou ainda do próprio juiz.

O bloco joga com um conceito simplificado de interpretação, entendida através de seus três elementos básicos: sujeito, método e objeto. Método entendido não no sentido cartesiano, isto é, como o conjunto de regras graças às quais os que as obser-vam exatamente jamais tomarão como verdadeiro o que é falso, mas apenas como conjunto de instrumentos conceituais possivelmente úteis na aplicação de normas jurídicas, em especial das normas constitucionais. Iniciamos com uma aula que, ao invés de enfocar o objeto, o artigo constitucional, encaminha-se para o sujeito. A decisão sobre o que é ou não constitucional é um ato de conhecimento ou um ato de vontade? Como ato de conhecimento, o intérprete se anularia e somente conta o objetivo como um datum. Se prevalecer o ato de vontade, a interpretação aparece como um constructo e múltiplas possibilidades se abrem; muitos seriam os sujeitos e todos são muito imprevisíveis. Passa a existir uma incerteza que é o sustento de um pluralismo interpretativo defendido pelo curso.

A primeira aula centra-se no texto legal, objeto da interpretação. Que é esta norma? Trata-se de um “ponto fixo” a partir do qual diversos significados vão se conflitar, sendo a própria escolha do ponto fixo matéria de disputa. Qual o artigo a aplicar? Como interpretá-lo? Escolhido esse ponto fixo, pode ser questionado ou ser aceito pelos participantes da argumentação. Daí porque a aula caminha para a relação entre pensamento dogmático e pensamento zetético, conceitos com os quais os alunos entrarão em contato através do texto de Tércio Sampaio Ferraz Jr. sobre ensino jurídico. Em seguida, será demonstrado que o artigo constitucional – ponto fixo dogmático a partir do qual não se tem mais uma atitude zetética – é na ver-dade um “topos”, caixa vazia que pode acomodar várias interpretações, arena onde brigam as interpretações concorrentes que lutam pelo bem escasso: só uma será considerada constitucional. O caso estudado é o caso do HC 71373-4 RS, sobre a possibilidade de coleta forçada de material genético para exame de DNA em ação de investigação de paternidade.

A segunda e a terceira aulas do bloco dizem respeito aos instrumentos da in-terpretação constitucional. Não mais o sujeito nem mais o objeto. Focamos agora o método, os instrumentos à disposição dos intérpretes. O objetivo é treinar os alunos no emprego de conceitos técnicos hoje largamente utilizados na aplicação das normas constitucionais. Inicia com princípios de interpretação especificamente constitucional, a partir das premissas da supremacia e da unidade da Constituição, que pede uma interpretação sistemática e integradora, necessária para que se dê uma coerência à constituição. Esta sistematicidade é particularmente importante se levarmos em conta o processo genético constituinte que nos legou uma constitui-ção analítica, prolixa e até mesmo contraditória. O fundamental não é discutir em tese o catálogo de princípios expostos pela doutrina, mas enfatizar o caráter instru-mental pragmático destes princípios. O caso envolve debate sobre saúde pública e liberdade de informação em torno da questão de propaganda de cigarro, a partir de ADIn proposta pela Confederação Nacional da Indústria.

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TEORIA DO DIREITO CONSTITUCIONAL

FGV DIREITO RIO 13

Na quarta aula, a interpretação especificamente constitucional continua a ser desenvolvida, agora centrada nos conceitos de razoabilidade e proporcionalidade. A razoabilidade se distingue da racionalidade por apontar para uma construção de justiça e correção mais próxima do acordo de sujeitos, enquanto a racionalidade aponta para uma noção de justiça e correção que é externa e independente do acor-do dos sujeitos. A razoabilidade é construída cada vez mais por uma comunidade de intérpretes e por fatores extrajurídicos. Já a proporcionalidade é um instrumen-to capaz de “medir” a adequação entre fim e meios, a necessidade da medida, e o balancing entre direitos promovidos e direitos sacrificados. O estudo de caso é a decisão do STF sobre a constitucionalidade da pesagem obrigatória de botijões de gás na presença do consumidor (ADI 855-2).

Finalmente, o bloco acaba com uma quarta e última aula, na qual se fará a análise da interpretação de bloqueio e da interpretação legitimadora. A interpretação legiti-madora aponta para um ativismo, fruto de uma aliança sobretudo entre Ministério Público e juízes. A aula será uma aprofundada análise do parecer “Direitos da Mu-lher: Igualdade Formal e Igualdade Material”, de Joaquim Falcão. O professor fará um making of da elaboração de um raciocínio jurídico sobre um caso concreto.

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2. ROTEIRO DE AULAS

AULA 1: LEI DE COTAS: PRIMO INTER PARES?

2. NOTA AO ALUNO

A) INTRODUÇÃO

Esta é a primeira aula do curso de Direito Constitucional I. Hoje, você será apresentado a diversos temas que, ao longo dos próximos meses, vão se tornar seus inseparáveis companheiros de viagem. Não se preocupe se não conseguir entendê-los agora. Nós os analisaremos em maior profundidade no momento certo.

Todas as aulas serão participativas e, portanto, a leitura prévia do material didá-tico e dos textos relacionados é indispensável. Nesta preparação para aula, procure ter em mente:

Escolha o essencial. Nem tudo que está dito em um texto ou mesmo no material de um caso é necessariamente importante para a questão. Tudo depende do uso que pode ser feito deles. Um profissional do direito precisa aprender a distinguir quais fatos podem e quais não podem ser juridicamente relevantes, por pelo menos dois motivos. Primeiro, porque o tempo é escasso. Segundo, porque costuma existir uma hierarquia entre temas e problemas. Há os principais e os acessórios. Você deve estar treinado para identificar quais os principais – aqueles que estruturam a discussão, aqueles cuja resolução torna os demais irrelevantes.

Seja criativo. Esta aula, assim como todas as outras do curso, não será sobre a posição doutrinária deste ou daquele autor, mas sobre problemas. Os textos foram indicados para ajudar na compreensão dos conceitos básicos e para serem utiliza-dos na argumentação em sala de aula, mas você tem total liberdade para ousar na argumentação – desde que apresente uma fundamentação jurídico-constitucional adequada. Corra riscos, seja pró-ativo. Corra o risco de inovar.

Leia. Leia muito. Dificilmente você será criativo se não for culto também. Não precisa ser pedante ou hermético para ser culto. A cultura é a base para a criatividade. Ler é o alicerce da cultura. É estimulo para pensar alternativas, para conhecer alter-nativas, para enxergar a complexidade dos problemas. Não basta estar informado. No futuro, haverá apenas dois tipos de profissionais: os que leram e se informaram e, portanto, comandam, e os que apenas se informaram e, portanto, apenas seguem.

Fuja dos argumentos de autoridade. Eles podem até funcionar (e funcionam) na prática jurídica, mas, em sala, nem o professor, nem seus próprios colegas vão se satisfazer com uma tese cujo único fundamento de validade é a autoridade de quem a enunciou. Preste atenção no argumento em si, e não nas “autoridades”. A criação de uma boa tese não é privilegio da idade, nem do status profissional. Um argumento vale pelas razões que apresenta, pela forma com que se expõe e pelos valores que defende, e não pelo peso, força e poder da autoridade que o pronuncia.

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Pesquise. Embora o material de leitura obrigatória tenha sido selecionado para estabelecer um terreno comum para a discussão em sala, você pode e deve procurar por conta própria outras fontes que contribuam para o debate. As fontes podem es-tar na sua frente. Converse com amigos e professores, leia jornais, assista noticiários e filmes, faça buscas na biblioteca e na Internet. Aprenda a ver o mundo como uma grande fonte de informação. Tudo à sua volta é informação e você vai precisar dela na sua vida profissional. Lembre-se apenas do primeiro conselho acima: escolha o essencial. Aprenda a identificar o que é e o que não é relevante, especialmente quan-do for pesquisar na Internet.

Agora, leia o caso a seguir e prepare-se para debatê-lo em sala de aula!

B) O CASO

A Lei do Estado do Rio de Janeiro que determina que 50% das vagas da UERJ serão destinados a negros e pardos é constitucional?

Em 2001, o deputado estadual José Amorim (PPB) enviou à Assembléia Legisla-tiva do Rio de Janeiro o projeto de lei n° 2490, com o seguinte artigo:

Art 1o – Fica estabelecida a cota mínima de 40% (quarenta por cento) para as po-pulações negra e parda no preenchimento das vagas relativas aos cursos de graduação em todas as instituições públicas de educação superior – universidades – do Estado do Rio de Janeiro.

Na justificativa do projeto, o deputado afirmava:

Nos Estados Unidos da América do Norte, país no qual o racismo é evidente, o presidente John Fitzgerald Kennedy decretou, ainda na década de 60, que 12% (doze por cento) das vagas nas universidades ficassem reservadas para a população negra. Percentual que correspondia à exata proporção da população negra na socie-dade americana.

No Estado do Rio de Janeiro, estima-se que 40% (quarenta por cento) da popu-lação seja constituída por negros e pardos. Grande parte desse contingente é vítima de discriminação e, sobretudo por questões econômicas, não consegue acesso ao en-sino de qualidade, fator crucial para possibilitar a ascensão econômica e profissional desses cidadãos.

Entre os dias 31 de agosto e 7 de setembro, os países membros das Nações Unidas vão se reunir na África do Sul para apresentar o Esboço da Declaração contra o Racismo e reconhecer que a escravidão representou um desrespeito à cultura dos povos de origem negra, contribuindo para deixá-los em condições de extrema pobreza e miséria.

O Brasil, como segundo país com maior número de indivíduos descendentes da raça negra, precisa acatar a sugestão de implantar programas educacionais, que res-peitem diferenças, e contribuam para a promoção da igualdade social. Hoje, apenas uma pequena parcela de negros tem algum poder de decisão na sociedade.

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O inciso VIII do artigo 37 da Constituição Federal já prevê a reserva de cargos em empresas públicas para pessoas portadoras de deficiência física como forma de fa-cilitar o acesso ao mercado de trabalho e reduzir a discriminação. A reserva de vagas para negros em universidades públicas é mais uma forma de promover a integração social das parcelas ainda discriminadas da sociedade.

O projeto foi aprovado, dando origem à lei 3.708/2001.Com relação à desigualdade, a sociedade brasileira enfrenta um problema seme-

lhante ao de diversos outros países democráticos, ainda que em grau e característi-cas distintas. Por um lado, constata-se que a sociedade brasileira é profundamente desigual.

Desigualdade econômica, regional e racial, sobretudo em relação aos negros. Nos EUA, os negros representam atualmente cerca de 13% da população. No Bra-sil, segundo dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), de 1996, respondem por 45% da população, ou seja, 76,5 milhões de negros e pardos. A proporção de negros entre as pessoas com 12 anos ou mais de estudo (equivalente aos que concluíram o ensino médio e possuem curso superior) é de apenas 2,8%, quase quatro vezes menos do que os brancos na mesma faixa (10,9%). A taxa de analfabetismo é quase três vezes maior entre negros e mulatos do que entre a popu-lação branca.

Por outro lado, constata-se também que o ideal de igualdade entre os cidadãos é um ideal indispensável à democracia, inclusive inserido na própria constituição. Em sua 14ª Emenda, a constituição norte-americana diz textualmente:

Section 1. All persons born or naturalized in the United States, and subject to the jurisdiction thereof, are citizens of the United States and of the state wherein they reside. No state shall make or enforce any law which shall abridge the privileges or immunities of citizens of the United States; nor shall any state deprive any person of life, liberty, or property, without due process of law; nor deny to any person within its jurisdiction the equal protection of the laws.

Taxa de analfabetismo(%) 15 anos ou + de idade, 2002

Fonte: Tabulações feitas pelo Instituto de Estudos do Trabalho e Sociedade (IETS), a partir das informações da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD)

7,5

17,2

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Brasil Rio de Janeiro

Branco

Negro

Taxa de analfabetismo(%) 15 anos ou + de idade, 2002

Fonte: Tabulações feitas pelo Instituto de Estudos do Trabalho e Sociedade (IETS), a partir das informações da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD)

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FGV DIREITO RIO 17

Qual o papel do direito diante deste problema? Como podem a constituição, os tribunais, as leis, os profissionais contribuírem para fazer com que o ideal seja real? O dever ser, de fato, seja?

Um conjunto de ações visando a diminuir e mesmo extinguir as desigualdades foi então pensado, formatado e praticado, entre elas as ações afirmativas. Ou seja, normas, leis e sentenças que afirmam juridicamente a igualdade. Um dos tipos de ações afirmativas são as leis de quotas, que não dizem respeito apenas aos negros, embora tenham se transformado num dos instrumentos mais poderosos do movimento negro norte-americano. São leis que asseguram, reservam um determinado numero de posições (uma quota), que serão preenchidas exclusiva-mente por determinados grupos que, do contrário, não teriam acesso à posição em disputa.

Na ultima década, o Brasil começou a criar algumas leis que estabelecem cotas, como, por exemplo, a Lei Federal 9.504 de 30 de setembro de 1996, que reserva, em seu artigo 10°, 30% de vagas nos partidos políticos para mulheres como candi-datas às eleições.

Luisa Peixoto fez o vestibular para desenho industrial da UERJ em 2003. Foi a 10a colocada no concurso, mas não se classificou porque a universidade reservava grande parte de suas vagas para alunos de escolas públicas, negros e pardos. Das 36 vagas oferecidas pelo curso, apenas quatro não foram preenchidas por cotistas. Luisa entrou com uma ação na justiça do Rio de Janeiro, e o Tribunal de Justiça considerou inconstitucional a prática da Uerj, que estava amparada pela lei estadual 3524/00, como inconstitucional. (O Globo)

Foi argüida também a inconstitucionalidade desta lei, agora junto ao Supre-mo Tribunal Federal pela Confederação Nacional dos Estabelecimentos de Ensino (ADIN 2858-8). Na petição inicial, alega-se que esta lei fere a constituição, pois, ao combater a discriminação racial, a lei provocaria a descriminação de outros grupos tão ou mais vulneráveis do que os negros – os índios brasileiros, por exemplo, que não seriam beneficiados na quota.

Como você deve ter percebido após a leitura dos trechos selecionados da petição inicial da ADIn proposta pela CONFENEN, a questão causou grande polêmica.

7,0

4,9

8,1

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Brasil Rio de Janeiro

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Fonte: Tabulações feitas pelo Instituto de Estudos do Trabalho e Sociedade (IETS), a partir das informações da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD)

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Fonte: Tabulações feitas pelo Instituto de Estudos do Trabalho e Sociedade (IETS), a partir das informações da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD)

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Alegava-se, por exemplo, que a lei seria extremamente difícil de ser aplicada, diante da tradição cultural de miscigenação brasileira. É muito difícil estabelecer em defi-nitivo quem é negro e quem não é. Diante da reação da sociedade e da ameaça de decisão contrária do Supremo, a lei foi modificada. O critério racial não é mais o único para a reserva de vagas. A nova lei diz:

Art. 5º – Atendidos os princípios e regras instituídos nos incisos I a IV do artigo 2º e seu parágrafo único, nos primeiros 5 (cinco) anos de vigência desta Lei deverão as universidades públicas estaduais estabelecer vagas reservadas aos estudantes caren-tes no percentual mínimo total de 45% (quarenta e cinco por cento), distribuído da seguinte forma:

I – 20% (vinte por cento) para estudantes oriundos da rede pública de ensino;II – 20% (vinte por cento) para negros; eIII – 5% (cinco por cento) para pessoas com deficiência, nos termos da legislação

em vigor e integrantes de minorias étnicas.

Pergunta-se: diante da constituição federal, o Brasil pode adotar leis que es-tabelecem o sistema de cotas com o objetivo de promover o ideal da igualdade? E outros tipos de ação afirmativa? Essas leis podem utilizar qualquer critério? O critério racial? O critério da desigualdade econômica? O critério do gênero, como por exemplo, o artigo 7°, XX da própria Constituição? O critério da nacionalidade? O critério da deficiência física, como por exemplo, no art. 37, VIII? O critério da idade, como na preferência de tramitação de processos de idosos na justiça?

C) MATERIAL DE APOIO

c1) Textos

I) OBRIGATÓRIOS

Pena, Sérgio D. Pena. “Retrato Molecular do Brasil”, in Falcão, Joaquim e Araújo, Rosa Maria Barbosa de. O Imperador das Idéias: Gilberto Freyre em questão. Rio de Janeiro: Topbooks, 2001 (tópicos “Raízes Filogenéticas do Brasil” e “Não existem raças”)

Merola, Ediane. “Notas baixas e critérios de cotas para negros provocam polê-mica na Uerj”. Reportagem publicada no jornal O Globo em 11/03/04.

Gois, Antônio e Petry, Sabrina. “Na era das cotas, negro é o 1º lugar em me-dicina”. Reportagem publicada na Folha Online em 08/02/04

O GLOBO. “Estudante ganha ação contra Uerj”. Reportagem publicada no jornal O Globo de 17/03/04.

Trechos da petição inicial da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADIn) so-bre a lei estadual do Rio de Janeiro n° 4151/03 (lei de cotas), proposta pela CONFENEN (Confederação Nacional dos Estabelecimentos de Ensino)

UNGER, Roberto Mangabeira. “Justiça racial já”, artigo publicado no jornal Folha de São Paulo em 13/01/04.

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TEORIA DO DIREITO CONSTITUCIONAL

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II) LEITURAS ACESSÓRIAS (OBRIGATÓRIAS PARA A AULA 30 – JÚRI SIMULADO)Kamel, Ali. “Cotas: Um erro já testado”. Artigo publicado em O Globo de

29/06/04.__________. “UNB: Pardos só se forem negros”. Artigo publicado em O Globo

de 20/03/04.Petição da ONG Conectas, na qualidade de Amicus Curiae (editada).Unger, Roberto Mangabeira. O Direito e o Futuro da Democracia. (trecho sobre

ações afirmativas nos EUA).Schwartzman, Simon. Entrevista ao jornal O Globo de 21/03/04.Falcão, Joaquim. “Sistema de Cotas à Brasileira”. Publicado no Jornal do Brasil.Barroso, Luís Roberto. “Cotas e o papel da universidade”. Publicado em O

Globo de 28/06/03.Gomes, Joaquim B. Barbosa. Ação afirmativa & princípio constitucional da

igualdade: O direito como instrumento de transformação social. Rio de Janeiro: Editora Renovar, 2001.

Vieira, Oscar Vilhena. Supremo Tribunal Federal – Jurisprudência Política. São Paulo: Malheiros, 2001 (trecho sobre a decisão da Suprema Corte no caso Bakke).

Dworkin, Ronald. Levando os Direitos a Sério. São Paulo: Martins Fontes, 2002 (capítulo IX - “A discriminação compensatória”).

c2) Legislação

Leis Estaduais: 4154/03, 3708/01 e 3524/00.Constituição Federal (dispositivos diversos).

c3) Questões de Concursos

36º Concurso – Magistratura Estadual/ 2002 – RJÉ compatível com a Constituição da República a gratuidade estabelecida no art.

13, V, da Constituição do Estado do Rio de Janeiro em favor dos que percebem até um salário mínimo, dos desempregados e dos reconhecidamente pobres para o sepultamento e os procedimentos a ele necessários, inclusive o fornecimento de esquife pelo concessionário do serviço funerário?

Ministério Público Estadual/ 2002 – PRTramita no Congresso Nacional um projeto de lei que objetiva reservar 20%

das vagas em estabelecimentos públicos de ensino superior para estudantes negros. Suponha que esta lei seja aprovada e sancionada e que uma entidade legitimada ingresse com uma ADIN perante o STF, alegando que a lei ofende ao princípio da igualdade. Analise o mérito da questão, dizendo da possibilidade de sucesso da ação, apresentando fundamentação jurídica.

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Provão/ 2002“A parte da natureza varia ao infinito. Não há, no universo, duas coisas iguais.

Muitas se parecem umas às outras. Mas todas entre si diversificam. Os ramos de uma só árvore, as folhas da mesma planta, os traços da polpa de um dedo humano, as gotas do mesmo fluido, os argueiros do mesmo pó, as raias do espectro de um só raio solar ou estelar. Tudo assim, desde os astros, no céu, até os micróbios do sangue, desde as nebulosas no espaço, até os aljôfares do rocio na relva dos prados. A regra da igualdade não consiste senão em quinhoar desigualmente aos desiguais, na medida em que se desigualam. Nesta desigualdade social proporcionada à desi-gualdade natural, é que se acha a verdadeira lei da igualdade. O mais são desvarios da inveja, do orgulho, ou da loucura. Tratar com desigualdade a iguais, ou a desi-guais com igualdade, seria desigualdade flagrante, e não igualdade real. Os apetites humanos conceberam inverter a norma universal da criação, pretendendo, não dar a cada um, na razão do que vale, mas atribuir o mesmo a todos, como se todos se equivalessem.” (Barbosa, Rui. Oração aos Moços. 18. ed. Rio de Janeiro: Ediouro, 2001, pp. 53-55)

A partir desse texto, analise a validade da adoção da discriminação positiva no Brasil, oferecendo exemplos; a relação entre o princípio da igualdade e o da propor-cionalidade, a possibilidade de o juiz decidir unicamente com base no princípio da eqüidade.

Provão/ 2003“(Estácio:) Eu creio que um homem forte, moço e inteligente não tem o direito

de cair na penúria.(Salvador:) Sua observação, disse o dono da casa sorrindo, traz o sabor do cho-

colate que o senhor bebeu naturalmente esta manhã, antes de sair para a caça. Presumo que é rico. Na abastança é impossível compreender as lutas da miséria, e a máxima de que todo homem pode, com esforço, chegar ao mesmo brilhante resul-tado, há de sempre parecer uma grande verdade à pessoa que estiver trinchando um peru... Pois não é assim; há exceções. Nas coisas deste mundo não é tão livre o ho-mem, como supõe, e uma coisa, a que uns chamam mau fado, outros concursos de circunstâncias, e que nós batizamos com o genuíno nome brasileiro de caiporismo, impede a alguns ver o fruto de seus mais hercúleos esforços. César e sua fortuna! toda a sabedoria humana está contida nestas quatro palavras.” (Assis, Machado de. Helena. Rio de Janeiro: W.M. Jackson Inc. Editores, 1962. cap. XXI: p. 221). Iden-tifique a convergência ou divergência do pensamento do personagem Salvador ao ideário que inspira o Estado liberal, no tocante à garantia de igualdade perante a lei e de liberdade de agir, como condicionantes do sucesso individual.

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NOTA AO ALUNO

A) INTRODUÇÃO

Um dos princípios jurídicos que fundamenta a ambição de exclusividade do siste-ma normativo, ou do ordenamento jurídico em regulamentar a conduta do cidadão, é o de que tudo que não está proibido está permitido. Ou seja: tudo o que a norma, a lei, ou a lei maior (a constituição) não proibiu seria juridicamente permitido. To-das as relações sociais são de alguma maneira passíveis de serem entendidas ou como proibidas ou como permitidas juridicamente. Caberia então à constituição dizer o que é permitido e o que é proibido – ela deteria a última palavra sobre se determina-da realidade ou relação social deve ser permitida ou proibida. Esta aula partiria então do pressuposto de que Relação social = Relação jurídica = Relação constitucional. O seu objetivo é treinar esta visão, esta maneira de analisar a sociedade.

B) O CASO

Esta aula é constitucional?A sala de aula de um curso de direito é a realidade que vocês devem analisar. Ela

é composta de múltiplas relações sociais. Algumas são evidentes, como a relação entre o professor e os alunos, ou as relações dos alunos entre si. Outras não são tão evidentes, mas, ainda assim, são de alguma maneira indispensáveis à realização da aula: a relação entre a FGV e a Light, sem a qual os elevadores não funcionariam. Quais os sujeitos destas relações? Quais os direitos e deveres presentes? Pense, por exemplo, na relação entre o professor e o coordenador do curso que lhe determinou o horário da aula. Pense nas obrigações do professor em relação à FGV. Pense nos direitos dos alunos em relação ao professor.

Procure identificar pelo menos cinco relações sociais que estão ocorrendo ou podem ser inferidas de uma sala de aula. Em seguida, tente detalhar suficientemen-te esta relação (por exemplo, identificando os atores/sujeitos destas relações) para poder responder à seguinte pergunta: esta relação social que está ocorrendo na sala é permitida ou proibida pela constituição? É constitucional ou inconstitucional? Por quê?

Depois de identificar e caracterizar a relação social, você deverá procurar e en-contrar o artigo da constituição pertinente, que a regularia direta ou indiretamente. Finalmente, deverá argumentar/explicar/justificar porque se aplica este determina-do artigo e não aquele outro, e porque ele proíbe ou permite a relação em questão.

Avalie, por exemplo, se seria constitucional a decisão do diretor de uma escola de direito católica de determinar que somente a doutrina católica de direito, a jus-naturalista, poderia ser ensinada na sala de aula. Para o jusnaturalismo, há certos direitos e deveres superiores aos direitos e deveres criados pela Constituição do Es-

AULA 2: A (IN)CONSTITUCIONALIDADE DA AULA: ESTA AULA É CONSTITUCIONAL?

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tado – deveres que decorrem da natureza humana ou da vontade divina. Mais: para que não existam dúvidas sobre esta doutrina, o diretor determinou também que o único método didático possível seria a aula conferência, expositiva, ficando vedada a realização de perguntas por partes dos alunos.

A classe será divida em dois grupos, à escolha do professor, cada um com a tarefa de defender uma posição oralmente e por escrito.

Na leitura dos textos, procure responder as perguntas seguir. Elas o ajudarão a realizar a atividade em sala:

C) MATERIAL DE APOIO

c1) Casos/Jurisprudência

ADIN 894/DF – União Nacional dos Estudantes questiona dispositivo de lei federal que, na prática, permite que os estabelecimentos particulares de ensino im-peçam os alunos inadimplentes de fazer prova. Não chegou a ser conhecida pelo STF, por ilegitimidade ativa ad causam da UNE.

ADIN 51/RJ – MP questiona Resolução da UFRJ que determinava procedimen-to para eleição de reitor. A resolução da UFRJ usurpava a competência da União para legislar sobre ensino, além de violar a autonomia universitária.

c2) Textos

Contratos da FGV com fornecedores (luz, água, telefone etc).Contratos da FGV DIREITO RIO com seus alunos.Contratos da DIREITO RIO com seus professores.Petição inicial da UNE na ADIN 894/DF, questionando lei federal que permite

que os estabelecimentos particulares impeçam alunos inadimplentes de fazer prova.

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AULA EXTRA: LEITURA DIRIGIDA DA CONSTITUIÇÃO (NO LABORATÓRIO DE INFORMÁTICA)

NOTA AO ALUNO:

A) INTRODUÇÃO

O objetivo desta aula é proporcionar a você um primeiro contato com as Cons-tituições. Não apenas a Constituição Federal de 1988, como também as outras Car-tas de nossa história e algumas Constituições Estrangeiras (Americana, Portuguesa, Européia etc.).

Ainda assim, a Constituição de 1988 será o objeto central de análise da aula. Os objetivos são (a) dar uma visão geral da carta política brasileira e (b) ensinar-lhe a manuseá-la.

Assim, a aula tem um objetivo instrumental – agora, você aprenderá a lidar com este documento jurídico chamado “Constituição”. No desenvolvimento desta habilidade, precisará aprender: a estrutura da Lei maior; buscar assuntos no índi-ce remissivo; saber como o ADCT se integra na Constituição; buscar atualizações (emendas) em sites; procurar jurisprudência constitucional e súmulas do STF; e, por fim, uma noção básica de redação e organização legislativa.

B) ATIVIDADES

1) Esta é uma competição para averiguar sua capacidade de encontrar com pre-cisão e velocidade assuntos na constituição federal. Serão várias rodadas, com cres-centes níveis de dificuldade. O professor pedirá a você que encontre determinados assuntos na constituição.

2) Agora que você aprendeu como manusear a Constituição, vamos aprender a utilizar Internet para buscar artigos, assuntos, jurisprudências e súmulas que serão úteis em seu dia-a-dia como advogado. Seu professor lhe dará uma lista de assuntos que devem ser encontrados nos sites abaixo.

SITES DE BUSCA GERAIS

www.google.comwww.yahoo.comwww.altavista.comwww.cade.com.br

BRASIL

www.stf.gov.br – Supremo Tribunal Federalwww.planalto.gov.br – Presidência da República do Brasilwww.senado.gov.br – Senado Federalwww.camara.gov.br – Câmara de Deputados

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www.tj.rj.gov.br – Tribunal de Justiça do Rio de Janeirowww.tj.rs.gov.br – Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sulwww.tj.sc.gov.br – Tribunal de Justiça de Santa Catarinawww.jfrj.gov.br – Justiça Federal do Rio de Janeirowww.trf2.gov.br – Tribunal Federal da Segunda Região

INTERNACIONAIS

www.findlaw.comwww.supremecourtus.govwww.wto.org (http://docsonline.wto.org)http://www.wipo.int/http://europa.eu.int/eur-lex/http://www.parlement.fr/http://www.conseil-constitutionnel.fr/

C) MATERIAL DE APOIO

a) Texto Complementar

Freire, Natália de Miranda. “Anotações sobre Técnica Legislativa”, in Técnica e Processo Legislativo: comentários à Lei Complementar n. 95/98, com as alterações introduzidas pela Lei Complementar n. 107/01. Editora Del Rey: Belo Horizonte, 2002.

b) Legislação

Constituição Federal de 1988.

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AULA 3: CONCEITO DE SISTEMA

NOTA AO ALUNO

A) INTRODUÇÃO

O objetivo desta aula é entender o conceito geral de sistema como um instru-mento de análise. Aqui, ainda não trataremos do sistema jurídico propriamente dito. Abordaremos a teoria geral do sistema, com algumas noções de sistema social e de sistema político, respectivamente, de Talcott Parsons e de David Easton.

Antes de entrar nos conceitos específicos, cabe ressaltar a importância do concei-to de sistema. Aprender o conceito de sistema não significa ter uma visão positivista do direito, muito pelo contrário. O que se pretende aqui é mostrar como a noção de sistema pode ser útil como um instrumento de análise. Eles são óculos para com-preender a realidade de forma a entendê-la, analisá-la e poder sugerir alternativas a ela. Em específico, a noção de sistema ajuda na compreensão de determinados conceitos importantes ao direito, tais como, por exemplo:

Os conceitos envolvidos na noção de sistema são: o input, o output, os elemen-tos ou subsistemas internos, o processamento (conversão ou estrutura de tomada de decisão) e o feedback. Input é a entrada do sistema, a provocação do ambiente externo, são as demandas do meio. O output é a outra interface, a saída do sistema. O sistema comunica-se como meio externo, ele é aberto. Desta abertura resulta seu caráter dinâmico, a constante interação interna e externa. A interna é o processa-mento do input que se dá através da inter-relação entre os elementos internos e/ou os subsistemas e a externa é a própria troca com o meio, já descrita. O feedback, por último, é uma ferramenta de manutenção do sistema no ambiente, uma vez que permite um output que não foi bem recebido pelo sistema possa ser reavaliado e eventualmente modificado. Estes conceitos estão representados nos esquemas na página anterior para melhor entendimento.

B) O CASO

Leonardo acordou eufórico na sexta-feira. Após 4 longos anos, sua banda final-mente iria tocar na grande final do Concurso Nacional de Bandas. Passou o dia inteiro ensaiando para não cometer nenhum engano na hora do show. De tão con-centrado que estava, Leonardo acabou perdendo a noção do tempo. Quando caiu em si, faltavam apenas 20 minutos para o início da competição. E o pior! Apesar do show estar marcado na Barra da Tijuca, ele ainda estava em sua casa, em Botafogo.

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Leo não pensou duas vezes. Mesmo com a habilitação vencida, colocou o equipa-mento no carro de seu pai e partiu levando seus colegas de banda.

Dirigia como um louco! Cortava carros pela direita, cantava pneus nas curvas, fechava os outros motoristas e quase atropelou uma senhora que vagarosamente se esforçava para atravessar a rua. E Leo continuaria seu ritmo louco até o show não fosse um outro motorista como ele. Ao avistar o sinal, Leo desacelerou um pouco, mas continuou, confiante que ninguém atravessaria seu caminho. Mas Leo estava errado. Ao passar pela esquina da rua, ele colide seu veículo com outro. Para sua sor-te, ambos os veículos estavam em baixa velocidade, o que evitou que alguém saísse machucado. Mas não evitou o grande prejuízo: dois faróis quebrados, um pára-cho-que amassado, radiador e pneus furados, capô empenado, e por aí vai. Leonardo, que sempre foi violento, sai de seu carro furioso. Sua expressão era clara. Ele iria agredir o motorista do outro veículo. Ao perceber que o motorista do outro veículo também era seu amigo, Dudu, um dos integrantes da banda, saiu do carro e disse:

Conflito, Divergências Sociais

DecisãoLei SentençaContrato Declaração Tratado Etc...

Esquema 1

Esquema 2

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– Calma Leo, isso não vai levar a nada. Há um policial ali perto. Nós podemos tentar resolver isso de outra maneira.

Tendo perdido suas chances de participar da competição, Leonardo estava deses-perado e não sabia o que fazer. Não estava nem certo de quem estava com a razão. Como ele iria resolver isso? Nesse momento, Carlos, um outro amigo, que estava no carro e o mais calmo de todos, sugeriu uma alternativa: uma negociação amigável. Ele se dispôs a conversar com o dono do outro carro e tentar obter um justo valor pelos danos causados. Dudu discordou. Disse que o sujeito dificilmente aceitaria pagar. Como conhecia ambos e tinha presenciado o acidente, Dudu propôs ser o árbitro para resolução do acidente. Dessa forma, uma terceira pessoa imparcial ao caso daria a decisão.

Mas isso foi antes de Marcelo sair do carro. Marcelo, como a maioria dos estu-dantes de direito, só pensava em processar o motorista. Seus olhos brilhavam com a possibilidade de obter uma gorda quantia, não só para reparar o carro do amigo, como também para compensar a perda da competição.

O que você faria no lugar de Leonardo?

a) Tentaria reaver o prejuízo sofrido à força?b) Negociaria com o motorista do outro carro?c) Chamaria um terceiro desinteressado para ser o árbitro da questão?d) Ou faria o boletim de ocorrência com o policial e ingressaria na justiça acres-

centando o dano moral na indenização?e) Arcaria com os prejuízos e iria para casa?

C) MATERIAL DE APOIO

c1) Textos

I) OBRIGATÓRIOS

Verbete “Sistemas” – Enciclopédia Mirador.PARSONS, Talcott. “Papel e sistema social”, in IANNI, Otávio e CARDOSO,

Fernando H. (orgs.). Homem e Sociedade.

II) ACESSÓRIOS

Ferraz, Tércio Sampaio. Introdução ao estudo do Direito. Pp.172-174 e 249-250.

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NOTA AO ALUNO

A) INTRODUÇÃO

Você está andando pela orla de Copacabana, em uma tarde ensolarada de do-mingo. Ao parar para descansar em um quiosque, vê uma família inteira – um casal e três filhos adolescentes – jogar na areia todos os cocos que tinham acabado de tomar. Ninguém em volta parece ter ficado muito incomodado com o gesto. Infe-lizmente, você pensa, esse tipo de desrespeito parece ter se tornado banal demais em nossa cidade. Logo, porém, repara não ter sido o único a prestar atenção na cena. Um Agente de Fiscalização de Limpeza Urbana, que estava passando pelo local, prontamente saca do bolso um bloco e preenche alguma coisa em uma folha, que então destaca e entrega à família.

– “Isso é um Auto de Infração”, diz o Agente. “Os senhores acabaram de violar o Art. 83 da Lei Municipal de Limpeza Urbana e, por isso, devem pagar uma multa, que estou fixando provisoriamente em R$ 300,00. Se os senhores quiserem contestar a multa, sugiro seguir os procedimentos do Decreto 21.305/01 da Prefeitura. O Decreto pode ser encontrado na página da COMLURB na Internet. Alguma dúvida?”1.

A família fica atônita. O pai se levanta, revoltado. Começa a discutir com o Agente. Curioso, você se aproxima disfarçadamente para ouvir a discussão. Logo percebe que o argumento principal do pai para não pagar a multa é a suposta falta de autoridade do Agente. Quem ou o que lhe conferiu esse poder de aplicar multas? A família parecia não ver razão alguma para obedecê-lo. “Até porque”, argumenta o pai, “ninguém nunca ouviu falar de agentes da COMLURB aplicando multas por alguém ter jogado lixo no chão”. Você repara que boa parte dos curiosos que acompanham a discussão parece concordar com a afirmativa. A aquiescência é ainda maior quando ele arremata: “Todo mundo faz isso e não é multado. Por que você acha que nós deveríamos te obedecer? Essa é uma lei que ‘não pegou’; se ninguém obedece, você não pode aplicá-la.”

O Agente de Limpeza está um pouco desorientado. Ele é novo nesta área e ninguém havia questionado sua autoridade antes. A impressão é de que ele mesmo começa a duvidar da validade do seu ato. O Decreto 21.305/01 da Prefeitura con-fere aos Agentes de Limpeza a responsabilidade de aplicar as multas e penalidades previstas na Lei Municipal de Limpeza Urbana – isso foi tudo que lhe disseram durante o seu treinamento, concluído há alguns meses. Mas por que o Decreto e a Lei Municipal devem ser obedecidos? De onde vem, em última instância, a sua autoridade, se não dessas duas leis? É uma questão que nunca tinha passado pela sua cabeça.

Vejamos: a Lei Municipal de Limpeza Urbana (Lei 3273/01) estabelece em seu artigo 83 a penalidade que foi aplicada à família no quiosque. Indiretamente, esta lei confere validade ao auto de infração celebrado pelo Agente de Limpeza, pois

AULA 4: CONSTITUIÇÃO COMO NORMA I: ONDE ESTÁ A NORMA FUNDAMENTAL?

1 http://www.rio.rj.gov.br/

comlurb/

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ele recebe sua competência para aplicar multas por meio do Decreto Municipal 21.305/01, que regulamenta a Lei de Limpeza Urbana.

Uma questão, porém, permanece em aberto: de onde a Lei de Limpeza Urbana retira sua autoridade? Certo, ela dá validade ao decreto, que dá validade à multa aplicada pelo Agente. Mas confere validade à Lei 3273/01?

Refletindo sobre a questão e pesquisando um pouco na Internet, você pensa ter encontrado uma solução para a questão. A Lei de Limpeza Urbana é válida por ser um ato legislativo conforme os parâmetros e a competência estabelecidos na Lei Orgânica do Município do Rio de Janeiro, cujo artigo 30 e seus incisos I e VI esta-belecem ser competência do Município “legislar sobre assuntos de interesse local” e “organizar e prestar (...)”, entre outros, os serviços de “limpeza pública, coleta domiciliar” e “remoção de resíduos sólidos”. Como estudante de Direito, você sabe que a Lei Orgânica do Município do Rio de Janeiro tem previsão constitucional. Diversos dispositivos da Constituição conferem aos Municípios a prerrogativa e o dever de se organizarem para cumprir suas tarefas junto à população, especialmente os artigos 23, VI, 29 e 30, I, que dispõem:

Art. 23. É competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios:

VI – proteger o meio ambiente e combater a poluição em qualquer de suas formas;Art. 29. O Município reger-se-á por lei orgânica, votada em dois turnos, com o

interstício mínimo de dez dias, e aprovada por dois terços dos membros da Câmara Municipal, que a promulgará, atendidos os princípios estabelecidos nesta Constitui-ção, na Constituição do respectivo Estado e os seguintes preceitos (...)

Art. 30. Compete aos Municípios:I – legislar sobre assuntos de interesse local;V – organizar e prestar, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão,

os serviços públicos de interesse local, incluído o de transporte coletivo, que tem caráter essencial;

Tentando representar graficamente suas conclusões, você chega ao seguinte re-sultado:

Observando essa “cadeia de validade”, você se detém no último quadro – a Consti-tuição Federal de 1988. Todos os outros quadros são concretizações de competências e

Art. 30, VI da Lei Orgânica do Município do Rio de Janeiro.

Art. 83 da Lei de Limpeza Urbana(Lei Municipal 3.273/01).

Art. 4º do Decreto Municipal 21.305/01.

Auto de Infração emitido por Agente de Fiscalização de Limpeza.

Art. 23, VI, art. 29 e art. 30, I da Consti-tuição Federal de 1988.

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deveres direta ou indiretamente estabelecidos nesta Lei Maior. Em última instância, é ela que confere validade a todo o resto do ordenamento. A obediência à Constituição exige que obedeçamos também à Lei Orgânica do Município, que exige que obedeça-mos à Lei de Limpeza Urbana, que exige que obedeçamos ao Decreto 21305/01, que nos obriga a reconhecer a validade e autoridade do ato praticado pelo funcionário da COMLURB, por mais inconveniente que seja.

Será que isso responde à questão do Agente de Limpeza?Vejamos. Tudo parece ser uma conseqüência lógica da aceitação da validade da

Constituição. Se reconhecemos a Lei Maior de nosso país, reconhecemos também a validade de toda norma jurídica (lei ordinária, lei complementar, lei orgânica, decreto, regulamento etc) que tenha sido formulada de acordo com os parâmetros ali previstos. Mas... por que aceitar a validade da Constituição?

Vários autores tentaram responder a essa pergunta. Dependendo da perspectiva, o fundamento da obediência à Constituição – de onde o resto do ordenamento jurídico retira sua validade – pode ser a vontade de Deus, a razão universal, a natu-reza humana, o simples fato de ela ter sido posta pelo Poder Constituinte2... A mais famosa resposta formulada para esse problema, porém, continua sendo a de Kelsen, encontrável na bibliografia desta aula também através do texto de Bobbio, um dos seus inúmeros intérpretes.

B) ATIVIDADES

Após a leitura dos textos, imagine que o ordenamento jurídico brasileiro possa ser representado graficamente pela pirâmide abaixo. Estabeleça suas divisões inter-nas (camadas), indicando a posição de diferentes normas das quais você já ouviu falar. Não esqueça de indicar o que se encontra no vértice da pirâmide: seria a Constituição ou a norma fundamental? Caso você ache que seja a Constituição, onde você situaria a norma fundamental neste esquema gráfico?

?

Art. 23, VI, art. 29 e art. 30, I da Consti-tuição Federal de 1988.

2 Segundo Raul Machado Horta,

“O poder constituinte é o respon-

sável pela elaboração da Cons-

tituição. A função constituinte é

a atividade desse poder criador

da Constituição. Em qualquer

de suas denominações – As-

sembléia Nacional Constituinte,

Congresso Constituinte, Conven-

ção Constituinte -, que servem

para identificar o órgão, o poder

constituinte originário é sempre

o autor da Constituição.” (Direito

Constitucional. 4a ed. Belo Hori-

zonte: Del Rey, 2003. P. 51)

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Após completar o gráfico – que será discutido pelo professor – procure pesquisar e trazer para a sala de aula as “cadeias de validade” referentes a:

1) Multa de trânsito;2) Nota “Zero” atribuída por um professor da DIREITO RIO a um aluno,

como sanção por comprovada utilização de “cola” durante a prova.Utilize como parâmetro para realizar estas tarefas a “cadeia de validade” que tra-

çamos para a multa do agente de Limpeza Urbana.

C) TEXTOS

i) Obrigatórios

Bobbio, Norberto. Teoria do Ordenamento Jurídico..10a ed. Brasília: UNB, 1999. Cap. II, “A Unidade do Ordenamento Jurídico”, pp. 37 a 53 e 58 a 65 (tópicos 1 a 4 e 6).

Kelsen, Hans. Teoria Geral do Direito e do Estado. São Paulo: Martins Fontes, 2000. Pp. 181 a 184 (Cap. IX, “A hierarquia das normas”).

ii) Acessórios

Kelsen, Hans. Teoria Pura do Direito. São Paulo: Editora Martins Fontes, 1994, pp. 215 a 232 e pp. 246 a 263.

Hart, Herbert L. A. O Conceito de Direito. Lisboa: Fundação Calouste Gul-benkian, 2a edição, 1994.

Heller, Hermann. Teoria do Estado. São Paulo: Ed. Mestre Jou, 1968 (trad. Lycurgo Gomes da Motta). Pp. 318 a 327 (“A constituição escrita”).

Warat, Luis Alberto. Quadrinhos Puros do Direito. Buenos Aires: ALMED.

iii) Questões de Concursos

31º Concurso – Magistratura Estadual/ 1999 – RJa) À luz do nosso modelo constitucional, apresenta-se correta a afirmação de que

existem normas constitucionais hierarquicamente superiores umas às outras?b) É possível falar-se em inconstitucionalidade da Constituição?c) Analise a assertiva de que todas as normas constitucionais originárias retiram

sua validade do Poder Constituinte originário.d) Explicite o significado da função de guardião da Carta Magna Federal, que é

expressamente conferida ao Supremo Tribunal Federal, e que ele a exerce por meio da declaração de inconstitucionalidade nos controles difuso e concentrado.

e) Podem as cláusulas pétreas ser invocadas para a sustentação da tese da incons-titucionalidade de normas constitucionais inferiores em face de normas constitu-cionais superiores?

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AULA 5: A CONSTITUIÇÃO COMO NORMA II: ANTINOMIAS CONSTITUCIONAIS

NOTA AO ALUNO

A) INTRODUÇÃO

O tema desta aula são as antinomias constitucionais. Mas o que são antino-mias constitucionais? Segundo o prof. Tércio Ferraz, “podemos definir, portanto, antinomia jurídica como a oposição que ocorre entre duas normas contraditórias (total ou parcialmente), emanadas de autoridades competentes num mesmo âm-bito normativo, que colocam o sujeito numa posição insustentável pela ausência ou inconsistência de critérios aptos a permitir-lhe uma saída nos quadros de um ordenamento dado”. É importante notar que existem critérios previstos pelo or-denamento jurídico para a resolução de simples conflitos entre normas. Esses critérios são os da temporalidade, da especialidade e da hierarquia.

A importância da antinomia para o Direito Constitucional é múltipla. Por um lado, explica a existência de normas contraditórias, hierarquicamente situadas no mesmo patamar, esta contribuição sendo filha direta do processo constituinte radi-calmente democrático e da sociedade plural e conflitante como é a brasileira. Por outro, ao impor ao intérprete a constituição como obra aberta, deixa-lhe espaço interpretativo para sintonizar sua decisão aos valores, princípios e objetivos de sua época. A pergunta desta aula é: como resolvemos os conflitos entre normas, quando os critérios tradicionais, que estão dentro do sistema, não os resolvem?

B) O CASO

Em 1999, o jornalista Ruy de Castro, que já havia publicado dois best sellers, “Chega de Saudade”, sobre a bossa nova, e “O anjo Pornográfico”, sobre Nelson Rodrigues, pela editora Companhia das Letras, lançou pela mesma editora uma biografia independente e não oficial da vida de Garrincha. Esse livro teve também imediato sucesso de vendas por ser Garrincha ídolo nacional, e sua história sempre despertar grande interesse do público. O livro narra sua infância em Pau Grande, as dificuldades que sofreu, e depois sua performance como jogador do Botafogo e da seleção responsável pelas Copas de 58 e 62, tido como igual a Pelé. A vida pessoal de Garrincha sempre foi conturbada. Ele sempre deu entrevistas ao lado de suas na-moradas, mesmo estando casado legalmente. Seu desempenho sexual era conhecido por todos os seus colegas e jornalistas mais próximos. Durante a copa do mundo de 1962, no Chile, ele conhecera a cantora Elza Soares, que estava no país como repre-sentante do Brasil. O romance ficou conhecido e Garrincha não fez muito esforço para escondê-lo, mesmo tendo uma esposa e oito filhas. Elza era sua amante publi-camente e inclusive tinha acesso aos vestiários, onde todos os jogadores trocavam de roupa. Garrincha teve sucesso absoluto, várias namoradas e era unanimemente reconhecido como um grande namorador.

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TEORIA DO DIREITO CONSTITUCIONAL

FGV DIREITO RIO 33

Dos 14 filhos que Garrincha oficialmente teve, apenas duas de suas filhas foram entrevistadas, tendo os outros tomado conhecimento do livro após a publicação. Apesar dessas entrevistas, o livro foi feito sem uma autorização formal da família. Os fatos narrados se sustentam em depoimentos de diversas pessoas próximas e jornalistas.

Na ocasião de sua morte, suas filhas estavam na maior pobreza. Garrincha en-tregou-se ao alcoolismo e teve um final de vida triste. Diante do sucesso do livro, instruída por advogados, três delas interpuseram uma ação contra a editora, pedin-do indenização por danos morais e materiais, tendo em vista o perfil traçado do pai, que alegaram ser irreal, e o fato de o livro ter sido escrito sem autorização formal da família. As informações alegadas como ofensivas à memória de Garrincha referiam-se às seguintes passagens do livro: o capítulo intitulado “A Máquina de Fazer Sexo” e as menções ao alcoolismo.

O juiz de primeira instância reconheceu preliminarmente esse direito e deu decisão favorável às filhas, concedendo indenização por danos materiais e morais. Na segun-da instância, porém, os advogados do escritor conseguiram modificar a decisão. O Desembargador João Wehbi Dib não reconheceu o pedido de indenização por danos morais feito pelas herdeiras, usando como argumento que o tamanho do pênis do jogador citado no livro deveria ser motivo de orgulho para a família, e não de ofensa.

“As asseverações de possuir um órgão sexual de 25 centímetros e ser uma máqui-na de fazer sexo, antes de serem ofensivas, são elogiosas, malgrado custa crer que um alcoolista tenha tanta potência sexual”, justifica o desembargador. “Há que assinalar que ter membro sexual grande, pelo menos neste País, é motivo de orgulho, posto que significa masculinidade”, continua.

O desembargador cita ainda a foto da capa do livro para justificar seu voto e comentar a polêmica sobre o tamanho do pênis do jogador: “Não consta que tenha sido medido. Demais disso, na foto da capa está com as pernas abertas e não ostenta nenhum volume”, descreveu.

Procuradas, as filhas mostraram-se inconformadas com a decisão. Era uma ver-gonha para sua família e a memória de seu pai, ver aspectos íntimos da vida dele, sua privacidade sendo tratados dessa forma.

Como você decidiria tal questão?

C) MATERIAL DE APOIO

c1) Jurisprudência

No caso a seguir, incide outra antinomia de normas constitucionais: entre a defe-sa de uma manifestação cultural e a preservação da fauna. Para ter acesso ao inteiro teor do acórdão, visite o site www.stf.gov.br.

RE 153531 / SC – SANTA CATARINARECURSO EXTRAORDINÁRIO

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TEORIA DO DIREITO CONSTITUCIONAL

FGV DIREITO RIO 34

Relator(a): Min. FRANCISCO REZEKRel. Acórdão: Min. MARCO AURELIOJulgamento: 03/06/1997 Órgão Julgador: Segunda TurmaPublicação: DJ DATA-13-03-98 PP-00013 EMENT VOL-01902-02 PP-00388 EmentaCOSTUME – MANIFESTAÇÃO CULTURAL – ESTÍMULO – RAZOABI-

LIDADE – PRESERVAÇÃO DA FAUNA E DA FLORA – ANIMAIS – CRUEL-DADE. A obrigação de o Estado garantir a todos o pleno exercício de direitos cul-turais, incentivando a valorização e a difusão das manifestações, não prescinde da observância da norma do inciso VII do artigo 225 da Constituição Federal, no que veda prática que acabe por submeter os animais à crueldade. Procedimento discre-pante da norma constitucional denominado “farra do boi”.

c2) Textos

I) OBRIGATÓRIOS

Sarmento, Daniel. “A Unidade da Constituição e a Insuficiência dos Critérios Clássicos para Resolução dos seus Conflitos Normativos”, extraído de A Pon-deração de Interesses na Constituição de 1988 (pgs. 26-40).

Ferraz Jr, Tércio Sampaio. “Para que serve a Constituição Brasileira?”

II) ACESSÓRIOS

Ávila, Humberto. Teoria dos Princípios: da definição à aplicação os princípios jurídicos. Editora Malheiros: São Paulo, 2003.

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AULA 6: A CONSTITUIÇÃO COMO REALIDADE SOCIAL I: O QUE VAI PARA A CONSTITUIÇÃO?

NOTA AO ALUNO

A) INTRODUÇÃO

O objetivo desta aula é duplo:

a) entender a Constituição como uma decisão;b) saber que tipos de normas devem constar na Constituição.

O que quer dizer entender a Constituição como decisão? O que é uma decisão? Em geral, entende-se por decisão a resolução de um ato voluntário que, após avalia-ção, forma a execução de uma solução encontrada entre várias alternativas possíveis. Decisão é, pois, uma escolha entre alternativas incompatíveis. Ou seja, em face de diversas soluções possíveis, deve-se escolher uma entre outras que, ipso facto, se auto-excluem. Nas palavras de Tércio Sampaio Ferraz Jr.:

“Decisão é termo correlato de conflito, que é entendido como conjunto de al-ternativas que surgem da diversidade dos interesses, da diversidade no enfoque dos interesses, da diversidade das condições de avaliação etc, que não prevêem, em prin-cípio, parâmetros qualificados de solução, exigindo, por isso mesmo, decisão. (...) Sua finalidade imediata é a absorção de insegurança nos sentido de que, a partir de alternativas incompatíveis (que, pela sua própria complexidade, constituem, cada uma por si, novas alternativas: pagar ou sujeitar-se a um processo, sendo pagar en-tendido como pagar a vista, a prazo, com ou sem garantias etc), obtemos outras premissas para uma decisão subseqüente, sem ter de retornar às incompatibilidades primárias. Decidir, assim, é um ato de uma série que visa transformar incompatibi-lidades indecidíveis em alternativas decidíveis, que, num momento seguinte, podem gerar situações até mais complexas que as anteriores.”3

Analisando em detalhes a decisão como um tipo de procedimento, o autor expli-cita quatro elementos constitutivos:

“Impulso, motivação, reação e recompensa. Impulso pode ser entendido como uma questão conflitiva, isto é, um conjunto de proposições incompatíveis numa situação que exigem uma resposta. A motivação corresponde ao conjunto de expec-tativas que nos força a encarar as incompatibilidades como um conflito, isto é, como exigindo uma resposta. A reação é propriamente a resposta exigida. A recompensa é o objetivo, a situação final na qual se alcança uma relação definitiva em função do ponto de partida. Neste quadro, a decisão é um procedimento cujo momento cul-minante é um ato de resposta.”4

3 FERRAZ JR., Tércio Sampaio. A

Ciência do Direito, p. 89.

4 Idem, p. 88.

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A partir dessa matriz teórica, podemos enfocar a Constituição como decisão em pelo menos dois momentos. Primeiramente, quando de sua criação. Nas consti-tuições democráticas (e este é o foco deste curso), o processo constituinte envolve a disputa entre interesses de diversos setores da sociedade, que pretendem vê-los positivados, isto é, “postos” sob a forma de direito. Cada grupo social pretende a inclusão, modificação ou exclusão de um determinado artigo na Constituição. A promulgação formaliza a decisão entre as normas e os interesses em conflito. O segundo momento se refere ao uso que se pode fazer do “objeto Constituição”: sua interpretação. Interpretar, segundo Kelsen, envolve um ato de cognição e um ato de vontade. Quando o juiz interpreta a carta magna, produz uma nova decisão, escolhe quem tem direito: o autor ou o réu. Escolhe se a norma é constitucional ou não. Neste sentido, podemos dizer que a Constituição é uma arena onde a guerra dos interesses é travada não só quando de sua criação, mas também no seu uso diário.

A decisão em si não tem significado sem o conceito de conflito. O conflito é uma interrupção na comunicação entre dois atores sociais. Assim, para resolver o conflito, é necessário que a comunicação seja restabelecida através de um processo ordenado, onde a manifestação de cada parte é prevista, tendo, por fim, uma deci-são. Importante salientar que a decisão termina o conflito. Não significa que elimi-na a incompatibilidade primitiva, mas coloca-a em uma situação onde não pode ir adiante nem voltar (graças aos efeitos da chamada “coisa julgada”).

O segundo objetivo da aula é correlato do conceito de Constituição como deci-são. Suponha que você é um constituinte. Entre milhares de sugestões de artigos e projetos, deve escolher quais as que merecem um tratamento constitucional, quais as que são matéria infraconstitucional. O que vai e o que não vai para o “trono” constitucional? O que merece ou não merece a proteção constitucional em nosso país? Como fundamentar essa escolha? Existe algum critério para determinar qual o “conteúdo” que cabe ou não cabe em uma Constituição? Qual tipo de normas é digno de figurar na Constituição?

No texto indicado na bibliografia desta aula, Luís Roberto Barroso procura dividir as normas constitucionais em definidoras de direitos, programáticas e de organização. Trata-se de uma classificação das normas que constam na maioria das Constituições contemporâneas, e sobre as quais há relativo consenso. Após a leitura do texto, procure preencher o quadro abaixo, indicando dispositivos da Constituição de 1988 que se enquadrem nas três categorias apresentadas por Luís Roberto Barroso:

Tipo de norma: Exemplos na Constituição?

Organização

Definidora de Direitos

Programática

Após terminar de ler os textos e preencher o quadro acima, reflita: será que todas as normas que têm status constitucional em nosso país se enquadram na

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divisão do Prof. Barroso? Será que, além das normas consideradas indispensáveis às Constituições (materialmente constitucionais), existem outras que estão na Constituição tão somente por força do processo formal de elaboração da mesma (normas formalmente constitucionais)? Você consegue pensar em artigos da nossa Constituição que exemplifiquem esse problema?

A partir da leitura dos textos, reflita sobre os trechos abaixo, retirados de tra-dicionais manuais de direito constitucional. Eles estão em acordo ou desacordo entre si? O que eles dizem é compatível com o texto de Luís Roberto Barroso? Você concorda ou discorda das teses expressas nestes trechos?

“Se há regras que, por sua matéria, são constitucionais ainda que não estejam contidas numa Constituição escrita, nestas costumam existir normas que, rigoro-samente falando, não têm conteúdo constitucional. Ou seja, regras que não dizem respeito à matéria constitucional (forma de Estado, forma de governo etc)”

(FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 2002)

“Em suma, a Constituição, em seu aspecto material, diz respeito ao conteúdo, mas tão-somente ao conteúdo das determinações mais importantes, únicas mere-cedoras, segundo o entendimento dominante, de serem designadas rigorosamente como matéria constitucional” - Paulo Bonavides.

(BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Malheiros, 2006)

“Define-se a Constituição em sentido substancial pelo conteúdo de suas normas. (...) Em suma, ela é definida a partir do objeto de suas normas, vale dizer, o assunto tratado por suas disposições normativas. Pode-se, segundo esta acepção, saber se uma dada norma jurídica é constitucional ou não, examinando-se tão-somente o seu objeto”

(BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 1997)

B) CASO I

De acordo com o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), em janeiro de 2004 a taxa de desemprego no Brasil era de 11,7%. Estimava-se em 2,4 milhões o número de pessoas sem emprego no país naquele momento. Entre essas, 54,4% eram mulheres, 45,6% eram homens e 18,6% estavam procurando o pri-meiro trabalho. Os jovens, ou seja, a população com menos de 24 anos de idade, representavam 46,5% deste total.

Sabemos que existe no Brasil o chamado seguro-desemprego, isto é, um benefí-cio temporário concedido pelo Estado ao trabalhador desempregado que tenha sido dispensado sem justa causa. Mas esse benefício só se aplica àqueles que já possuíam um emprego, e que foram dele dispensados sem justa causa. Como fica então esse

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enorme contingente de jovens formados, que ainda não conseguiram seu primeiro emprego? Como podem se manter enquanto não encontrarem a primeira oportuni-dade de trabalho de suas vidas? O que o Estado poderia fazer por eles?

Pensando bem, podemos trocar todos os “eles” e “os jovens” do parágrafo acima por “vocês”. Já parou para pensar no que vai acontecer quando você se formar? Apesar de sua dedicação e da excelência do ensino da FGV DIREITO RIO, as con-dições de contratação no mercado de trabalho na área do Direito estão piorando a cada ano. Será que haverá emprego para você quando se formar?

Foi pensando neste problema que o Deputado João Young, cujo filho aqui es-tuda, idealizou um projeto de lei que determina que todo aluno recém-formado poderia se beneficiar de um “Programa de Segurança Financeira para o Jovem Pro-fissional”. Isto é, essa lei buscaria garantir que todos os recém-formados que, após um ano de suas respectivas formaturas, não tivessem ainda conseguido um emprego fariam jus a um seguro, ou seja, um valor mensal a ser pago pelo Estado ao recém-formado até que ele obtenha seu primeiro emprego.

Júnior, filho do Deputado João Young, estuda na mesma sala que você. Reuni-dos em um happy hour após o horário de aula, vocês dois e outros colegas discutem a viabilidade da medida. Júnior comenta que, apesar de decidido a implementar o “Programa de Segurança Financeira para o Jovem Profissional” (“JOVEM-SEF”), seu pai não sabe ao certo que caminho tomar. Seus assessores estão divididos. Alguns pensam que o melhor seria acionar os contatos na prefeitura ou no governo estadual, e deixar que o Executivo produza a norma. Outros sugerem realizar uma reunião com membros das assembléias legislativas de todos os Estados brasileiros, para que adotem a medida dentro do seu âmbito de atuação. O Deputado está desorientado. Não sabe qual a medida jurídica mais apropriada para realizar sua ambição de garan-tir a todos os jovens recém-formados uma renda mínima, por tempo determinado, até que consigam seu primeiro emprego. Sem definir a medida mais adequada, não pode acionar os contatos necessários à aprovação do JOVEM-SEF.

Você, Júnior e seus colegas resolvem pensar em uma solução. Será que podemos fazer essa lei? O que nos permite ou autoriza a fazê-la? Ou o que nos impede? Onde ela provavelmente se encaixaria no ordenamento jurídico?

C) CASO II

Você certamente já percebeu que um dos mais recorrentes tópicos de discordân-cia entre os alunos e alunas da sua turma diz respeito à temperatura da sala de aula. O termostato do aparelho de ar-condicionado deve ficar em quantos graus? Qual a temperatura ideal para o estudo? Devemos manter a mesma temperatura o ano todo, ou é melhor que ela seja variável?

Algumas pessoas entendem que a melhor opção é manter o ar-condicionado sempre com força total ou quase total; no geral, justificam sua posição com base no fato de que o Rio de Janeiro é uma cidade quente e, mesmo quando a temperatura lá fora está mais fria, a sala de aula rapidamente esquenta e torna as aulas muito

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desconfortáveis. Outros alunos e alunos consideram melhor estudar sentindo calor do que frio; outros, ainda, preferem uma solução flexível – a temperatura da sala de aula será definida a cada dia, de acordo com a temperatura do lado de fora, e/ou combinada com votações ou outras formas de manifestação dos alunos que estejam em sala de aula.

Nada disso deve ser novidade para você. O talvez seja novidade é encarar essa situação como um tipo de problema que pode e geralmente é enfrentado por meio de normas e regras, proibições e permissões. Mas será que poderia ou deveria ser criada uma norma jurídica para tratar desse tópico? Mais ainda: uma norma cons-titucional?

Como preparação para esta aula, procure refletir: Seria possível criar uma nor-ma constitucional que expressasse uma regra qualquer para resolver o problema da temperatura em sala de aula do 1º período da Graduação em Direito da FGV DIREITO RIO? Seria recomendável? Quais seriam as vantagens e desvantagens de se criar uma regra no nível constitucional – qualquer que seja o seu conteúdo espe-cífico – sobre essa questão?

D) MATERIAL DE APOIO

d1) Textos

I) OBRIGATÓRIOS

Barroso, Luis Roberto. “Uma tipologia das normas constitucionais”, extraído de Direito Constitucional e a Efetividade de suas Normas. Rio de Janeiro: Re-novar, 2004. Pp. 91-102 e 118 a 122.

FALCÃO, Joaquim. “O ingresso do Terceiro Setor na Pauta Legislativa”, pgs. 19-20 e 21.

II) COMPLEMENTARES

Canotilho, Joaquim J. G. Teoria da Constituição. Pp. 65 a 84. (“Aproximação à Problemática do Poder Constituinte”).

Teixeira, J. H. Meirelles. Curso de Direito Constitucional. Org. e Atual. por Ma-ria Garcia. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1991. Pp. 316-331.

Torres Júnior, Ivan Vernon (coord.). Constituição Federal, Anteprojeto da Co-missão Afonso Arinos, Índice Analítico Comparativo. Ed. Forense.

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AULA 7: A CONSTITUIÇÃO COMO REALIDADE SOCIAL II: A ATA DO PACTO SOCIAL

NOTA AO ALUNO

A) INTRODUÇÃO:

Você já participou de alguma reunião de condomínio? Já reparou como o síndico não decide nada, apenas organiza a discussão e, um momento posterior, imple-menta as decisões tomadas? Quem toma as decisões são os condôminos, através da deliberação (discussão sobre os pontos da pauta) e do voto. Como acontece com qualquer outro condômino, o voto do síndico tem valor igual ao dos outros. Quan-to maior o prédio, maior o número de prováveis participantes da reunião. Cada um defendendo posições que, a princípio, são igualmente legítimas, mas com direito a apenas um voto. Todos consideram suas propostas prioritárias, mas... cada um tem apenas um voto. A proposta mais votada será adotada.

É claro que, antes da votação, os participantes discutem. Apresentam suas idéias. Escutam (ou deveriam escutar) as propostas dos outros. E não é raro que encontrem interesses similares aos seus, ou mesmo que mudem de opinião graças à argumen-tação deste ou daquele participante. Então, apesar da disparidade de interesses no início da discussão, muitas vezes é possível formar um relativo consenso, ou uma quase unanimidade sobre certos temas.

Se você participava do grêmio estudantil do seu colégio, ou já se envolveu na deliberação de partidos políticos ou outras associações, nada disso é novidade para você. Mas imagine, agora, uma reunião de condomínio com mais de 150 milhões de condôminos. Cada um ou cada grupo com problemas, necessidades e priorida-des próprios. Os apartamentos ficam tão distantes uns dos outros e os moradores enfrentam realidades tão distintas que mesmo a mais genérica das decisões dificil-mente atenderá da mesma forma aos interesses de todos.

Algo parecido aconteceu com a nossa Assembléia Constituinte. O número de interesses com pretensão de legitimidade era muito maior do que no grêmio do seu colégio. Índios, católicos, juristas, pequenos agricultores, grandes industriais, veteranos de guerra, donos de cartório, senadores biônicos, sociólogos, militantes de Direitos Humanos, feministas, representantes do Movimento Negro... Havia espaço para negociação, mas, com propostas e reivindicações tão díspares e até in-conciliáveis, seria impossível haver consenso em cada um dos pontos que a Cons-tituição deveria tratar. Aliás, não havia consenso nem mesmo sobre quais seriam esses pontos – entre os neoliberais mais radicais e os mais ardorosos defensores da presença ativa do Estado na economia, por exemplo, encontrava-se a diferença en-tre uma Constituição de um punhado de artigos e uma com dezenas deles. Entre o puro e simples laissez-faire e a regulação minuciosa, de cima para baixo, de todas as relações econômicas. Como em vários outros temas fundamentais, a nossa Carta ficou a meio caminho entre essas posições. Vejamos o artigo 170 e seus incisos:

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Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos uma existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:

II – propriedade privada;III – função social da propriedade;IV – livre concorrência;VII – redução das desigualdades regionais e sociais;VIII – busca do pleno emprego;IX – tratamento favorecido para empresas de pequeno porte constituídas sob as

leis brasileiras e que tenham sua sede e administração no país.

Propriedade privada e função social da propriedade? Propriedade privada e re-dução das desigualdades regionais e sociais? Livre concorrência e busca do ple-no emprego? Livre concorrência e tratamento favorecido para pequenas empresas brasileiras? Não seriam idéias contraditórias, surgidas de doutrinas econômicas e políticas conflitantes?

De fato. Mas, na nossa Constituição, elas convivem. No “mercado de idéias” da Assembléia Constituinte, não poderia haver uma única e completa posição vencedora em algo tão importante quanto a Ordem Econômica brasileira, dada a amplitude do espectro de posições possíveis nessa matéria. Provavelmente, o neoliberal e o defensor do intervencionismo estatal extremo ficaram um pouco desapontados com o resul-tado da deliberação e votação (o artigo 170 e seus incisos). O que é compreensível. Como vocês já puderam observar, a Constituição é, em última instância, uma esco-lha entre alternativas concorrentes. Às vezes, porém, a opção escolhida é um precário arranjo entre interesses distintos, que, através da negociação, chegam a um resultado que, embora não atenda ao máximo às expectativas de todos, é o único desfecho pos-sível em um cenário onde o consenso é o mais escasso dos bens. Você não acha que, nesse caso, a mudança possível seria melhor do que a continuidade integral?

A mudança possível, então, é representada por uma “ata”: a Constituição. Este conceito aponta para vários elementos que devem ser levados em conta na análise jurídico-constitucional: (a) seu aspecto de documento formal (ata) dotado de algu-ma precisão e permanência (escrito), (b) contém o resumo os pontos importantes da reunião, (c) obriga os participantes, pois serve de testemunho da reunião e, ao mesmo tempo, de diretriz normativa para o comportamento futuro dos dali em diante, e (d) pressupõe a existência de conflitos, diversidade, diferenciação que se suspendem momentaneamente e se conciliam em torno de um pacto, (e) pacto este formado por vontades, aspirações e desejos que abrem mão de alguns interesses es-pecíficos em nome de um interesse maior – a independência, a nação, a integração territorial, a segurança jurídica etc; (f ) finalmente, a evidência de que esses interes-ses não caíram dos céus, não foram ditados pelo direito divino dos reis, mas pelo povo, ainda que o povo naquele momento estivesse restrito aos representantes de determinadas classes sociais.

No geral, o responsável pela redação desta “ata” é chamado tradicionalmente de Poder Constituinte. Também se costuma fazer uma distinção entre Poder Constituinte

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Originário – que elabora a ata-Constituição e, com isso, funda uma ordem jurídica nova – e Poder Constituinte Derivado – que altera a redação da ata-Constituição em um momento posterior à sua criação, dentro dos limites estabelecidos pelo Poder Constituinte Originário. O Poder Constituinte Derivado é também chamado “Poder Constituído”, já que, na verdade, é simplesmente uma competência constituída e delineada pelo Poder Constituinte Originário. Em nossa Constituição, esses limites estão previstos basicamente no artigo 60, §4º.

Não se preocupe se estes conceitos agora parecem abstratos. Nos textos selecio-nados para esta aula, você terá apenas o primeiro de muitos outros contatos com os conceitos de “Poder Constituinte Originário”, “Poder Constituinte Derivado”, “Assembléia Constituinte” etc. Todos serão discutidos de forma mais detalhada ao longo do curso.5 Para a discussão do caso desta aula, procure imaginar apenas que a turma está reunida para exercer o “Poder Constituinte Derivado”: vocês não podem fazer uma Constituição nova, apenas alterar a redação da Constituição existente dentro dos limites que ela mesma prevê. Você já tentou imaginar o tipo de debates – e o tipo de problemas – que estão envolvidos em um processo de decisão sobre o conteúdo de uma Constituição?

B) O CASO.6

Alexandre é o filho do meio de uma tradicional família que há anos migrou de Pernambuco para o Rio de Janeiro. Seu pai é um empresário bem sucedido, sua mãe sempre cuidou da criação dos filhos e dos afazeres domésticos. Sua irmã mais velha, para desgosto dos pais, depois de uma rápida experiência no glamour das passarelas, enveredou pelo caminho das artes cênicas e atualmente é parte de uma companhia teatral. Seu irmão mais novo demonstra interesse pelos negócios da família.

Ocorre que, desde a infância, Alexandre apresenta inclinações para as maneiras femininas. Com seis anos, gostava de usar as roupas da mãe, e já com onze anos gostava de se maquiar e dizia procurar um namorado. Com treze anos, insistia em se vestir como uma moça e participar da roda de amigas da irmã mais velha. Nesse período de adolescência, sua vida atribulada lhe rendeu muitas formas de discri-minação, chegando mesmo a sofrer agressões físicas. Talvez por isso, seu pai tenha lhe forçado a um casamento com uma jovem vinda de sua terra natal, logo que completou dezoito anos. Um ano depois, nasceu uma linda criança que, de alguma forma, manteve Alexandre preso ao casamento, apesar de sua intensa angústia e in-satisfação. Como única forma de escape, Alexandre manteve vida dupla, chegando até a se travestir durante algumas noites.

Finalmente, Alexandre termina o casamento e, como conseqüência, seus pais e seu irmão mais novo rompem relações com ele. Cansado de todo o sofrimento que seu corpo de homem sempre lhe causou, e contando com o firme apoio da irmã, procura o Hospital Universitário para se habilitar a uma cirurgia de transgenitali-zação do tipo neocolpovulvoplastia. Tendo a equipe multidisciplinar do Hospital diagnosticado Transtorno da Identidade de Gênero (TIG), constatando haver uma cisão entre o sexo somático e o sexo psicológico de Alexandre, apresenta parecer

5 Especialmente na aula 24 (Mu-

tação Constitucional I: Mudar a

ou de Constituição?).

6 Este caso foi elaborado pelo

Professor José Ricardo Cunha,

em outubro de 2004, para uti-

lização no programa de Aulas-

Convite da FGV DIREITO RIO,

mais especificamente na aula

de “Direitos Humanos”.

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admitindo a intervenção cirúrgica. Apesar de experimental e em caráter de pesqui-sa, o procedimento cirúrgico é realizado por uma equipe médica específica, com base na Resolução 1.652/2002 do Conselho Federal de Medicina.

Com o sucesso da cirurgia, Alexandre teve alterada sua plástica sexual, passando a possuir uma genitália feminina compatível com a aparência totalmente feminina já esboçada no seu corpo. Apesar de sua nova aparência e de seu comportamento feminino, deparou-se com grave problema: sua identificação masculina. Mesmo autodenominando-se de Alexandra, era fato que seu assento de nascimento regis-trava o sexo masculino e seu nome como Alexandre, como de resto em toda sua documentação. Socialmente e sexualmente, Alexandra. Juridicamente, Alexandre. Para solucionar esta última esquizofrenia, constitui advogado e entra em juízo re-querendo alteração do nome e registro de sexo feminino no lugar de masculino em seu assento de nascimento, com reflexo em toda sua documentação civil.

Inspirada na vida de Alexandra, sua irmã leva toda a situação para os palcos, na forma de peça teatral, e isso acaba chamando a atenção da imprensa e da sociedade. Rapidamente, formam-se grupos pró e contra Alexandra. O assunto figura nos prin-cipais noticiários e programas de televisão, e também é tema de acalorados debates entre grupos formadores de opinião, dentre os quais destacam-se:

LGBTS (LÉSBICAS, GAYS, BISSEXUAIS, TRANSEXUAIS E SIMPATIZANTES)Defendem o direito à felicidade e à realização pessoal como sendo inalienáveis.

Para tanto, argumentam a favor da tolerância e do respeito à diferença como fun-damentos básicos de uma sociedade livre, fraterna e plural. Insistem que a vivência da sexualidade é uma questão da vida privada e, por isso, não pode ser objeto de reprovação pública. Defendem o direito ao casamento de pessoas do mesmo sexo e da adoção de filhos pelo casal homossexual. Para eles, Alexandra tem o direito ao registro do novo nome e sexo.

TFP (TRADIÇÃO, FAMÍLIA E PROPRIEDADE)Defendem a família tradicional como um dos principais fundamentos morais da

sociedade. Argumentam que o sexo e a sexualidade são dons de Deus dados aos ho-mens, e que configuram aberrações todos os comportamentos contrários à natural relação homem-mulher. Para eles, a ordem social e a virtude pessoal repousam na integridade do caráter, mensurável por uma vida reta e em harmonia com os bons costumes, com as Leis de Deus e as Leis dos homens. Por isso, são contra o pleito de Alexandra e a ação dos médicos que realizaram a cirurgia. Acham que estes devem ser responsabilizados criminalmente.

COMISSÃO DE DIREITOS HUMANOS DA OABDefendem o Princípio da Dignidade Humana como marco fundante para a

compreensão do caso. Argumentam que a dignidade é a qualidade intrínseca e ao mesmo tempo distintiva de cada ser humano, fazendo-o merecedor de respeito e consideração, seja por parte do Estado, seja por parte da comunidade. Para eles, cada um tem o direito de ser responsável pelo próprio destino, devendo o Poder

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Judiciário proteger esta autonomia dos cidadãos como forma de preservação da de-mocracia. São a favor da mudança de nome e sexo de Alexandra no Registro Civil, mas defendem a promulgação de Lei específica que autorize tanto o procedimento médico como o procedimento de registro civil.

LIGA DOS JURISTAS INDEPENDENTES

Defendem que a democracia constitucional exige que os interesses de uns não se sobreponham aos interesses de muitos. Argumentam que a realização do pleito de Alexandra violaria direito de terceiros, que poderiam se iludir com sua aparência e manter com ele/ela relacionamento amoroso que jamais manteriam se conhecessem sua condição de transsexual. Para eles, a satisfação egocêntrica não deve violar a boa fé da sociedade juridicamente organizada. Apontam possíveis situações insólitas, como a prática de modalidades desportivas categorizadas em masculinas e femininas: o que prevaleceria, a aparência sexual ou a constituição orgânica? Não se posiciona-ram em relação aos médicos.

CONSELHO FEDERAL DE PSICOLOGIA

Defendem que a finalidade última de toda norma jurídica é evitar ou minimizar ao máximo o sofrimento humano. Argumentam que a questão do transsexual não se reduz ao desejo sexual por pessoas do mesmo sexo, mas, antes, se define pela recusa em aceitar o fenótipo do próprio sexo, o que gera estado insuportável de sofrimento, podendo mesmo conduzir ao suicídio. Por isso, o ordenamento jurídico deve ampa-rar e proteger especialmente esse indivíduo e o seu direito à vida. Não apenas apóiam o pedido judicial de Alexandra, como são entusiastas da cirurgia de transgenitaliza-ção nos casos em que o tratamento terapêutico convencional se revela insuficiente.

MINISTÉRIO PÚBLICO

Os representantes do Ministério Público que atuaram no caso defenderam que é impossível alterar por meio de norma jurídica a identidade biológica de cada um, pois esta é definida cromossomicamente e de forma imutável. Argumentam que a aceitação do pleito de Alexandra seria uma ficção jurídica tola e absurda, pois a de-finição do sexo não é ato de vontade, mas determinação biológica. Lembram que há limites naturais, sociais e jurídicos para o que se pretenda fazer e caso prevalecesse a posição de Alexandra, qualquer um poderia fazer o que bem entendesse. Para evitar tal desvario, a ação do Estado deve regrar – não cercear – o exercício dos direitos de forma a evitar excessos e conflitos de interesses. Ainda alegam que o respeito à natu-reza das coisas é o fundamento primeiro do Direito Natural. Irão propor represen-tação criminal contra os médicos da cirurgia, alegando crime de Lesão Corporal.

FNI (FÓRUM NACIONAL PELA IGUALDADE)Defendem que o ponto principal do caso é a superação de todas as formas de

discriminação, o que é preconizado pela lei. Assim, argumentam que a única forma de superação definitiva do estado de preconceito contra Alexandra é a alteração do nome na sua documentação civil, o que dizem ser admissível conforme a legislação.

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Com relação à mudança do sexo no assento de nascimento, afirmam ser conseqü-ência lógica, mas defendem que seja averbada a expressão – transexual – no registro civil e documentos para evitar a violação da boa fé de terceiros.

Para a atividade desta aula, a turma será dividida em grupos. Cada grupo repre-sentará os interesses de uma das facções acima. O professor conduzirá as negocia-ções entre todos os grupos, que, ao final da aula, devem chegar a uma decisão sobre uma proposta de redação de um artigo de lei ou de uma emenda constitucional que regulamente a questão da transexualidade no Brasil.

Para chegar a essa decisão, os diversos grupos têm que decidir como será tomada: por voto? Por maioria simples? Por maioria qualificada? Além disso, será preciso explicitar tanto os critérios que fundamentam cada decisão, quanto a existência ou não, em cada ponto controvertido, de um critério capaz de unir as diferentes demandas, fazer convergir os divergentes.

Cada grupo poderá trazer por escrito sua proposta inicial, como se fosse um projeto de lei com a devida exposição de motivos.

C) MATERIAL DE APOIO

c1) Textos

I) OBRIGATÓRIOS

Caneca, Frei. Eis Porque. (editado)Moraes, Alexandre de. Direito Constitucional. 18a. ed. São Paulo: Atlas, 2005.

Cap. 2 (“Poder Constituinte”).Sunstein, Cass. “Acordos Constitucionais sem Teorias Constitucionais”, in Re-

vista de Direito Administrativo, n.246, 2007 (no prelo) (editado).

II) ACESSÓRIOS Bonavides, Paulo e Andrade, Paes. História Constitucional do Brasil. Rio de

Janeiro: Paz e Terra, 1991.Rodrigues, José Honório. A Assembléia Constituinte de 1823. Petrópolis: Vozes,

1974.Morel, Marco. Frei Caneca – Entre Marília e a pátria. Rio de Janeiro: FGV,

2000.Canotilho, Joaquim J. G. Teoria da Constituição. Pp. 65 a 84. (“Aproximação

à Problemática do Poder Constituinte”).

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AULA 8: A CONSTITUIÇÃO COMO REALIDADE SOCIAL III: ENCONTROS E DESENCONTROS

NOTA AO ALUNO

A) INTRODUÇÃO

Imagine se um dia, por um desastre ou milagre qualquer, fictício ou real, impos-sível ou plausível, o Brasil amanhecesse sem Constituição. Isto é, ao raiar do sol, quando os brasileiros despertassem de seu sono, nenhum exemplar da Constituição brasileira pudesse ser encontrado... Absolutamente todos, sem sobrar nenhum, te-riam desaparecido das estantes das bibliotecas, dos arquivos, das gráficas, dos com-putadores... Imagine que não tivesse sobrado nenhum registro sequer – impresso ou digital – para contar a história. Nem mesmo os anais da constituinte, as atas da elaboração da Lei Maior teriam restado intactos. Seria como se um incêndio tivesse queimado todos os papéis onde a Constituição estivesse escrita, como se um vírus tivesse apagado todos os seus registros eletrônicos e digitais.... Como se uma grande amnésia tivesse até mesmo deixado em branco a memória fresca dos professores de direito constitucional.

O que aconteceria nessa situação? Ora, o país não poderia ficar sem constituição, como sabemos. Seria preciso redigi-la novamente? Como isso seria feito? Você acha que seria possível reconstituir a mesma Constituição que tínhamos antes? Ou será que ela seria diferente? E por quê? O que você acha que aconteceria neste dia hi-potético em nosso país? As instituições continuariam funcionando? As demais leis, infraconstitucionais, continuariam vigorando? Como os funcionários públicos e os cidadãos comuns reagiriam? Eles deixariam de obedecer às instituições e às demais leis do país, por exemplo?

Esse caso hipotético nos leva a identificar fatores mais ou menos organizados que, paralela e independentemente da Constituição, regem nosso comportamento diário, bem como o próprio funcionamento das instituições do país. O conjunto desses fatores é chamado por Lassalle de “Constituição Material”, em oposição à “Constituição Formal”, que nada seria além de uma “folha de papel”. Você já parou para verificar o extenso rol de liberdades que a Constituição de 1967 previa para os cidadãos brasileiros? Direitos que jamais chegaram a sair do papel. Não eram obstá-culo para o poder puro e simples.

Em última instância, o ponto de Lassalle é que as decisões tomadas pelos cons-tituintes em nada influenciam a realidade do país. Será verdade? O povo e as ins-tituições continuariam mesmo sendo regidos por fatores não-escritos, mas muito visíveis – os “fatores de poder” na sociedade? Segundo o autor, a “folha de papel”, na pior das hipóteses, apenas esconderia esses fatores e, na melhor, os refletiria, tornan-do-os explícitos. Não haveria margem de manobra entre constituinte e a realidade. Nesta concepção, a única alternativa parece ser a de conformar ao funcionamento dos pactos de poder já existentes.

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Contudo, não é necessário que seja assim. O reconhecimento de discrepâncias entre os dispositivos e programas constitucionais e as relações de poder de fato pre-sentes em uma sociedade não conduz inexoravelmente à impotência do Direito. É possível que os próprios processos de poder se adaptem à Constituição, desde que, como observa Karl Loewenstein, a Constituição e a comunidade passem por uma “simbiose”.

Para que uma constituição seja viva, deve ser, portanto, efetivamente “vivida” por destinatários e detentores do poder, necessitando um ambiente nacional favorável para sua realização.7

Você acha que a Constituição de 1988 reúne as condições necessárias para que essa “simbiose” ocorra?

B) O CASO

A Constituição de 1988 dispõe, em seu artigo 7o, IV:

Art. 7º – São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social:

(...) IV – salário mínimo, fixado em lei, nacionalmente unificado, capaz de aten-der a suas necessidades vitais básicas e às de sua família com moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social, com rea-justes periódicos que lhe preservem o poder aquisitivo, sendo vedada sua vinculação para qualquer fim.

No ano de 2003, o salário mínimo se encontrava no valor de R$ 240,00. Ou seja, de acordo com o artigo acima, esta quantia deveria ser suficiente para permitir que o trabalhador atenda às necessidades básicas suas e de sua família com moradia (1), alimentação (2), educação (3), saúde (4), lazer (5), vestuário (6), higiene (7), transporte (8), previdência social (9)... Ufa! Será que dá?!

Claro que não. O que a Constituição exige parece ser demais nesse caso, tendo em vista a realidade do país. E não se trata apenas de uma questão de boa vontade. Há certos limites fáticos ao aumento do salário-mínimo até o nível necessário ao cumprimento pleno da Constituição.

Por exemplo: em 2004, preocupado com a eterna questão da adequação do va-lor do salário mínimo, o Governo Federal estudou a possibilidade aumentá-lo. A expectativa era de um aumento substancial, tendo em vista o Presidente Lula ter prometido na campanha eleitoral de 2001 que dobraria o poder de compra do trabalhador até 2006. Para tanto, o aumento concedido em 2004 deveria ficar em torno de R$ 310. Apenas para recompor o poder aquisitivo perdido nos últimos anos, o salário deveria ser fixado em, no mínimo, em cerca de R$ 265.

No final das contas, porém, foi aprovado o valor de R$ 260,00 – um reajuste de apenas R$ 20,00 –, indignando vários setores da sociedade brasileira. A principal justificativa para a decisão era de ordem fiscal. Se o salário mínimo fosse para R$

7 LOEWENSTEIN, Karl. “A Classificação

Ontológica das Constituições”.

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270, por exemplo, os gastos com previdência aumentariam em R$ 1,5 bilhão, ar-gumentava o governo.

Em entrevista realizada durante as comemorações do 1º de maio (Dia do Traba-lho), o Ministro José Dirceu justificou da seguinte forma o aumento concedido:

Repórter – Ministro, quanto ao salário mínimo, não dava mesmo para dar um aumento maior?

Ministro José Dirceu – Nós demos um salário mínimo com convicção de que era o possível. Sabemos que é um salário mínimo abaixo do que era esperado pelo país, mas é importante que o país crie emprego, cresça e garanta investimento. Há um aumento real no salário mínimo, há um aumento significativo no salário família para aquele que tem filhos menores, e é o que é possível fazer nesse momento, mas nós vamos trabalhar para melhorar o valor do mínimo em 2005. Nós temos que garantir a retomada do crescimento e a criação de emprego. É isso que o país quer. E o salário mínimo foi estabelecido com base nesse farol, nesse horizonte, o hori-zonte de fazer o país crescer, reduzir os juros, manter um superávit, manter a meta de inflação para garantir que os investimentos voltem, mas, também, trabalhar para reduzir os juros.

Repórter – Ficou para quem essa decisão?Ministro José Dirceu – A decisão é do presidente da República e todos nós

apoiamos. Eu, particularmente, apóio, defendo e sustento.Repórter – Mas como fica a promessa de dobrar o valor do salário mínimo? Do jei-

to que está indo, o senhor acha que ainda vai dar para dobrar o mínimo? É possível?Ministro José Dirceu – Vamos trabalhar. Esse é o objetivo do governo e o ob-

jetivo do país. Nós temos que trabalhar para aumentar o valor do salário mínimo. A CUT apresentou uma proposta para o governo e um plano para que haja uma política definitiva para o salário mínimo, e não que todo ano se discuta qual o valor. Nós temos o problema que todo o país sabe: o salário mínimo está vinculado à Pre-vidência. Se você dá um aumento de R$ 300,00 no mínimo, você tem R$ 12 bilhões que o país não tem de onde tirar na Previdência.8 (...)

Repórter – Ministro, no Congresso fala-se em alterar a Medida Provisória do salário mínimo. O senador Paulo Paim é um dos que afirmou que deve haver mu-dança. O senhor acha que na prática isso é possível? Eles podem modificar o texto, mas o problema continuará sendo fontes de recursos?

Ministro José Dirceu – Se o governo não deu o aumento o maior que R$ 260,00, além do reajuste do salário família para R$ 20,00, é porque o Orçamento de 2004 e as condições do país e as condições internacionais não permitem um aumento maior. É evidente que o governo teria dado, agora, o Congresso Nacional é soberano para debater e decidir.

Repórter – Ministro, enquanto não houver decisão sobre essa desvinculação do mínimo dos cálculos dos benefícios da Previdência, o senhor acha que não será pos-sível dar um aumento real maior para o salário mínimo?

Ministro José Dirceu – Sempre é possível dar aumento real para o salário mí-nimo, sempre é possível desde que a economia cresça e que o país reduza os juros,

8 Trecho obtido no site da Casa Ci-

vil da Presidência da República:

(https://www.presidencia.gov.

br/casacivil/site/exec/arquivos.

cfm?cod=428&tip=ent), aces-

so em 13/08/04.

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que você tenha o serviço da dívida menor, e que nós possamos diminuir o déficit da Previdência, porque na Previdência o déficit é de R$ 30 bilhões. É evidente que você não pode impunemente acrescentar 5%, 10% a mais nesse déficit, porque isso reflete imediatamente nos juros, reflete diretamente na credibilidade do país, na dívida pública interna. Então, o governo, quando tomou essa decisão, tomou anali-sando todas essas variáveis. O esforço do governo nesse momento é para garantir os investimentos em infra-estrutura, garantir os investimentos sociais e o crescimento do país. Nós estamos buscando o crescimento. É evidente que aumentar a demanda pode ajudar no crescimento econômico, mas você precisa pesar os prós e os contras, o custo/benefício. Com a situação que estamos vivendo nesses últimos 30 dias de instabilidade internacional, de possibilidade de aumento de juro nos Estados Uni-dos, de pressões – todos aqui sabem que há pressões sobre o Orçamento da União, o governo tem que cumprir com determinadas obrigações, principalmente garantir os investimentos na infra-estrutura – não foi possível dar um salário mínimo maior que R$ 260,00. Agora, o governo sempre procurará dar um aumento máximo, o maior possível, real, para o salário mínimo. Se esse ano foi 5% foi porque não foi possível dar maior. Tenho certeza que no ano que vem teremos uma situação melhor. Mas a grande questão é realmente a vinculação com a Previdência.9

Concordando-se ou não com os argumentos do Governo, o fato é que o salário mínimo continuou muito abaixo do necessário para cumprir a norma do art. 7º da Constituição. Pensando neste problema, o Deputado Federal João Máximo pre-tende propor ao Congresso Nacional um projeto de lei fixando o valor do salário mínimo em mil dólares americanos.

Isso mesmo: US$ 1.000,00. Trata-se da quantia que o Deputado concluiu ser o ideal para fazer jus a todos os itens que a Constituição estabelece como necessidades dos trabalhadores – necessidades que o salário mínimo precisa atender. E, uma vez que a economia brasileira se encontra (des)alinhada com as flutuações do câmbio e do mercado internacional, nada melhor do que fixar o valor do nosso salário mí-nimo em dólares de uma vez por todas. Ao invés de desvincular o salário-mínimo da Previdência – questão delicada e extremamente controvertida mesmo entre os especialistas –, vincular logo ao dólar.

Você integra a equipe de assessores do Deputado João Máximo. Após uma ex-tensa reunião sobre o assunto, ele pede a você que avalie a viabilidade da medida em âmbito nacional. A idéia não é responder se US$ 1.000,00 são suficientes para atender a todos aqueles itens descritos no art. 7o, IV da nossa Constituição – o Deputado possui economistas entre seus assessores e já recebeu “ok” da parte deles –, mas sim se esse projeto de lei é possível ou não, se vai passar no Congresso e se transformar em lei, se vai atingir os efeitos esperados etc. Em resumo: a idéia do Deputado é juridicamente boa?

Para começar a elaborar seu parecer, você se lembra de um comentário feito du-rante a reunião por um integrante mais velho da equipe. Ele observa que, em 1996, a Confederação Nacional dos Trabalhadores na Saúde (CNTS) de fato ajuizou uma ação direta de inconstitucionalidade por omissão perante o STF em face da MP 1.415

9 Trecho obtido no site da Casa

Civil da Presidência da República

(https://www.presidencia.gov.

br/casacivil/site/exec/arquivos.

cfm?cod=413&tip=ent), aces-

sado em 13/08/04.

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de 29/04/96, que dispunha sobre o salário mínimo fixado para o ano. Além disso, em maio de 1996, o Supremo julgou a medida cautelar da ação impetrada pela CNTS.

Após uma pesquisa preliminar no site do STF e em outros sites especializados, você encontra o relatório e o voto do Ministro Celso de Mello no julgamento da ADI 1458 MC / DF, também referente à constitucionalidade do salário mínimo, cuja ementa se encontra transcrita a seguir:

EMENTA: DESRESPEITO À CONSTITUIÇÃO – MODALIDADES DE COMPORTAMENTOS INCONSTITUCIONAIS DO PODER PÚBLICO. – O desrespeito à Constituição tanto pode ocorrer mediante ação estatal quanto me-diante inércia governamental. A situação de inconstitucionalidade pode derivar de um comportamento ativo do Poder Público, que age ou edita normas em desacordo com o que dispõe a Constituição, ofendendo-lhe, assim, os preceitos e os princípios que nela se acham consignados. (...) Se o Estado deixar de adotar as medidas ne-cessárias à realização concreta dos preceitos da Constituição, em ordem a torná-los efetivos, operantes e exeqüíveis, abstendo-se, em conseqüência, de cumprir o dever de prestação que a Constituição lhe impôs, incidirá em violação negativa do texto constitucional. (...) A omissão do Estado – que deixa de cumprir, em maior ou em menor extensão, a imposição ditada pelo texto constitucional – qualifica-se como comportamento revestido da maior gravidade político-jurídica, eis que, mediante inércia, o Poder Público também desrespeita a Constituição, também ofende direitos que nela se fundam e também impede, por ausência de medidas concretizadoras, a própria aplicabilidade dos postulados e princípios da Lei Fundamental. – As situ-ações configuradoras de omissão inconstitucional – ainda que se cuide de omissão parcial (...) – refletem comportamento estatal que deve ser repelido, pois a inércia do Estado qualifica-se, perigosamente, como um dos processos informais de mudança da Constituição, expondo-se, por isso mesmo, à censura do Poder Judiciário.(...).

O Deputado João Máximo dá à equipe de assessores duas horas para se prepa-rarem para a próxima reunião, quando decidirá se leva ou não o projeto adiante. Às 19:00h, você está de volta à sala dele, já com seus argumentos engatilhados. O Deputado está lendo o voto do Min. Celso de Mello na referida ADI 1458 MC / DF. Então, ao terminar a leitura, vira para você e pergunta: “Se fosse ministro do STF na época deste julgamento, como você votaria?”.

Ao tentar responder à questão colocada pelo Deputado, procure refletir, a partir das categorias expostas por Karl Loewenstein:

contribui para a nossa Constituição ser de que tipo?

pelo deputado João Máximo?

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C) MATERIAL DE APOIO

c1) Casos / Jurisprudência

ADI 1458 MC / DF.HC 70514 (RS).

c2) Textos

I) OBRIGATÓRIOS

Lasalle, Ferdinand. A Essência da Constituição. Rio de Janeiro: Editora Liber Iuris, 1995. (ler apenas páginas 05 a 18 e 25 a 39)

Loewenstein, Karl. “A Classificação Ontológica das Constituições”, in Teoria de La Constitución.

II) ACESSÓRIOS

Hesse, Konrad. A Força Normativa da Constituição. Porto Alegre: Editora Sér-gio Fabris, 1991.

c3) Questões de Concursos

Ministério Público Estadual/ 2002 – PR“A estabilidade das constituições não deve ser absoluta, não pode significar imu-

tabilidade”. Disserte sobre esta lição doutrinária.

Provão/ 1999A literatura sempre foi rica de comentários, alusões e observações penetrantes em

relação ao direito e às leis. Dentre as incontáveis passagens da literatura brasileira do século XIX a respeito das leis, tome-se como exemplo o seguinte trecho de A CARNE, de Júlio Ribeiro:

“A fazenda paulista em nada desmerecia do solar com jurisdição da idade média. O fazendeiro tinha nela cárcere privado, gozava de alçada efetiva, era realmente senhor de baraço e cutelo. Para reger os súditos, guiava-se por um código único – a sua vontade soberana. De fato estava fora do alcance da justiça: a lei escrita não o atingia. Contava em tudo e por tudo com a aquiescência nunca desmentida da autoridade, e, quando, exemplo raro, comparecia à barra de um tribunal por abuso enorme e escandalosíssimo de poder, esperava-o infalivelmente a absolvição. O seu predomínio era tal que às vezes mandava assassinar pessoas livres na cidade, desres-peitava os depositários de poderes constitucionais, esbofeteava-os em pleno exercício de funções, e ainda... era absolvido. Para manter o fazendeiro na posse de privilégios consuetudinários, estabeleciam-se praxes forenses, imorais e antijurídicas”.

Abstraindo-se as questões estilísticas, temporais, históricas e o direito então vi-gente – isto é, imaginando-se que a situação seja atual e verdadeira – analise, com base nos postulados teóricos e filosóficos do direito da sociedade democrática, a situação descrita por Júlio Ribeiro.

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AULA 9: VALIDADE, LEGALIDADE, EFICÁCIA, LEGITIMIDADE: E O COMANDO VERMELHO?

NOTA AO ALUNO

A) INTRODUÇÃO

Em seu art. 5º, a Constituição assegura que “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei” – uma das vertentes do princí-pio da legalidade que estrutura o Estado de Direito. À primeira vista, o dispositivo parece não suscitar maiores problemas. Mas a realidade de nosso país nos coloca certas perplexidades na aplicação de normas constitucionais como essa.

Nas duas primeiras aulas do curso, você entrou em contato com noções básicas de aplicação do direito e de análise jurídica de relações sociais. Muito embora as no-ções de “fato” e “norma” sejam extremamente problemáticas, para fins deste curso entenderemos os “fatos” como acontecimentos encontrados na realidade, e “norma” como todo dispositivo jurídico, constitucional ou não, que seja aplicável à situação verificada na prática.

Nesta representação simplificada da aplicação de normas jurídicas, o operador pode se deparar com resultados contrários à pretensão da norma. É possível, por exemplo, que uma determinada norma tenha efeitos sociais muitos distintos do esperado, ou até mesmo que não tenha efeito algum. Assim, nesta aula, analisa-remos alguns instrumentos para lidar com a comparação do “ser” da realidade social com o “dever ser” pretendido pela norma, especialmente pelas normas constitucionais.

Quando encontramos entre o ser (realidade social) e o dever ser (previsão da norma) um espaço intransponível, e as autoridades que criam e aplicam o Direito estão conscientes desse fato, estamos diante do fenômeno chamado por Luís Rober-to Barroso de “insinceridade normativa”.10 Como observa Eugenio Raúl Zaffaroni, referindo-se ao Direito Penal, se as leis já são postas com a consciência de que não serão cumpridas (ou, pior ainda, por causa dessa consciência), não se pode falar em legitimidade.11 Um Direito sem qualquer possibilidade de concretizar suas normas não pode ser legítimo. Mais: será que um Estado incapaz de promover o cumpri-mento das normas jurídicas vigentes por meio da força (isto é, através da coerção) pode ainda ser considerado como tal?

Leia o seguinte trecho do jurista Miguel Reale sobre a questão:

(...) Que é o Estado? É a organização da Nação em uma unidade de poder, a fim de que a aplicação das sanções se verifique segundo uma proporção objetiva e transpessoal. Para tal fim o Estado detém o monopólio da coação no que se refere à distribuição da justiça. É por isto que alguns constitucionalistas definem o Estado como a instituição detentora da coação incondicionada. Como, porém, a coação é exercida pelos órgãos do Estado, em virtude da competência que lhes é atribuída,

10 O Direito Constitucional e a Efe-

tividade de suas Normas.

11 Em Busca das Penas Perdidas.

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mais certo será dizer que o Estado, no seu todo, consoante ensinamento de Laband, tem “a competência da competência”.

O Estado, como ordenação do poder, disciplina as formas e os processos de exe-cução coercitiva do Direito. Esta pode consistir na penhora, como quando o juiz determina que certo bem seja retirado do patrimônio do indivíduo, para garantia de um seu débito, se as circunstâncias legais o autorizarem. Coação pode ser a própria prisão, ou seja, a perda de liberdade infligida ao infrator de uma lei penal. Coação pode ser a perda da própria vida, como acontece nos países que consagram a pena de morte. Pode chegar-se ao extremo de tirar o bem supremo, o que não nos parece harmonizável com a natureza do Direito.

Podemos afirmar que,em nossos dias, o Estado continua sendo a entidade de-tentora por excelência da sanção organizada e garantida, muito embora não faltem outros entes, na órbita internacional, que aplicam sanções com maior ou menor êxito, como é o caso, por exemplo, da Organização das Nações Unidas (ONU). Cresce, porém, dia a dia, a importância de entidades supranacionais, que dispõem de recursos eficazes para lograr a obediência de seus preceitos. Instituições, como o Mercado Comum Europeu e o Mercosul, cada vez mais se convertem em unida-des jurídico-econômicas integradas, marcando, sem dúvida, uma segunda fase no processo objetivo de atualização das sanções. Seria, todavia, exagero concluir, à luz desses exemplos, pela evanescência do Estado ou seu progressivo desaparecimento, quando, na realidade, o poder estatal cresce, concomitantemente, com aqueles orga-nismos internacionais.12

A partir da bibliografia recomendada, reflita: qual a importância da coerção esta-tal para o cumprimento de normas jurídicas? Como este mecanismo tem funciona-do (ou não tem funcionado) no Brasil de hoje? O Estado tem conseguido obter das pessoas o cumprimento de normas constitucionais? Por que certas normas constitu-cionais “pegam” e outras não? Como pode ser importante para o operador do direi-to saber quais as chances de uma norma produzir ou não seus efeitos na prática?

B) O CASO I

No dia 24/02/03, o comércio da capital carioca recebeu ordens para fechar suas portas. Embora não tivessem por hábito folhear a constituição todo dia de manhã e antes de dormir, os comerciantes não tiveram problemas em perceber que, juridica-mente, o comando apresentava alguns problemas.

Na forma, ao contrário do que exige a Constituição, a exigência do fechamento do comércio não veio da polícia, dos bombeiros, do exército, da saúde pública ou de outro órgão do Estado do qual estamos acostumados a receber exigências do gênero. A notícia simplesmente começou a correr, sem que ninguém pudesse identificar e pedir satisfações à autoridade por trás da ordem.

No conteúdo, o comando também surpreendia – nenhuma calamidade pública ou excepcional interesse público foi invocado para justificar os prejuízos que os co-merciantes viriam a sofrer por aquele dia de trabalho perdido. Aliás, nenhum moti-

12 Lições Preliminares de Direito.

São Paulo: Saraiva, pp. 76-77.

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vo foi apresentado para a população, que, desorientada, se dividiu entre obedecer e sair às ruas, em meio à sensação geral de insegurança. A ordem de fechamento não foi motivada, mas os comerciantes tinham bons motivos para obedecê-la.

Era uma ameaça, supostamente feita pelo Comando Vermelho, organização liga-da ao tráfico no Rio de Janeiro.

Nos dias subseqüentes, começaram a surgir pela cidade diversas cópias de um panfleto, cuja autoria foi atribuída ao líder do Comando Vermelho, Rogério Len-gruber. No documento, são apresentadas algumas explicações sobre o significado do ato:

Nós deixaremos bem claro que nesta segunda-feira, dia 24/02/2003 aqueles que abrirem as portas de seus comércios estarão desobedecendo uma ordem dada, e será radicalmente punido se desobedecê-la. Pois o que queremos é que esse abuso de po-der que esse governo e essa política hipócrita vem implantando caia por terra, porque não tem mais como aturar esses governantes com essa política opressora e covarde que vem praticando o terror nas comunidades carentes, mandando os seus vermes subordinados policiais invadir as favelas e plantar o terror, causando assim a morte de muitos inocentes e entre esses inocentes estão senhoras, idosos, crianças e jovens adolescentes, e todo esse abuso acaba impune como se nada tivesse acontecido, então tá na hora de darmos um basta nessa hipócrita situação porque o povo já está vendo que os verdadeiros marginais não estão nas favelas e nem atrás das grades, e sim no alto escalão da política, assim se colocando pra roubar, matar e destruir o povo mais carente, que nada pode fazer a não ser pedir a Deus que protejam e conceda uma vida digna e de paz. Então já está na hora de reagir com firmeza e determinação e mostrar a essa política nojenta e opressora que merecemos ser tratados com respeito, dignidade e igualdade, porque se isso não vier a acontecer não mais deixaremos de causar o caos nesta cidade, pois é um absurdo tudo isso continuar acontecendo e sempre ficar impune. Também o judiciário vem fazendo o que bem entende de seu poder, principalmente a vara de execuções penais porque com total abuso de poder está violando todas as leis constituídas e legais, e até mesmo os advogados são alvo da hipocrisia e do abuso e nada podem fazer, então se alguém tem que dar um basta nesta violência este alguém terá que sermos nós, porque o povo não tem como lutar pelos seus direitos, mas sabe claramente quem está lhe roubando e massacrando e isso é o que importa, pois já foi o tempo que bandido eram das favelas e estavam atrais das grades de uma prisão, pois, hoje em dia, quem se encontra morando numa favela ou está atrais das grades de uma prisão são nada mais nada menos que pessoas humildes e pobres, e nosso presidente Luis Inácio Lula da Silva e o país só conta com o senhor para sair dessa lama, pois será que existe violência maior que rouba-rem os cofres públicos e matar povo a mingau, sem o salário mínimo decente, sem hospitais, sem trabalho e sem comida, será que essa violência dará certo para acabar com a violência, pois violência gera violência, será que entre os presos deste país existe um que tenha cometido um crime mais hediondo do que matar uma nação de fome e de miséria? Então BASTA, só queremos os nossos direitos e não vamos abrir mão, pois o comércio tem que permanecer com as portas fechadas até a meia-noite

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de terça-feira (25/02/2003), e aquele que ousar abrir as portas será punido de uma forma ou de outra, não adianta, não estamos de brincadeira, quem está brincando é a política com esse total abuso de poder e com essa roubalheira que o judiciário passe a escravizar as prisões e agir dentro da lei antes que seja tarde. Se as leis foram feitas para serem cumpridas, porque esse abuso? C.V.R.L.13

A partir da carta acima transcrita, reflita:

Os comandos enunciados pelo suposto líder do Comando Vermelho são le-gais? Quais dispositivos da Constituição eles contrariam? Aponte diferenças e semelhanças entre prescrições legais constitucionais e a ordem de fecha-mento do comércio.Quais os dispositivos constitucionais que a ordem de fechamento fere? Se uma organização armada começa a enunciar ordens, garantidas por ameaças, contra a vida e a propriedade dos cidadãos brasileiros, o que acontece com a Constituição?Podemos falar de uma “constituição” própria em cada das comunidades onde o tráfico está presente no dia-a-dia das pessoas? Por quê, ou por que não?Na carta, “Rogério” faz referência a leis que não são cumpridas, especialmen-te as de execução penal. A situação atual dos milhares de presos em território brasileiro é legal? É legítima?Você consegue pensar em outros exemplos de “ilegalidade tolerada” no Bra-sil? Procure-os na Constituição.Por que certos tipos de comportamento são tolerados, e outros não? Por que certas proibições são obedecidas, e outras não?

Como preparação para a aula de hoje, você se deve não apenas refletir sobre as perguntas, o caso-gerador e os textos, mas também pesquisar (a) bibliografia (não apenas jurídica) e (b) notícias de jornais que abordem o tema da legalidade/legiti-midade/eficácia de outros ângulos. O professor pedirá a você que imagine situações de ilegalidade e ilegitimidade bastante diferentes daquelas descritas na carta de Ro-gério Lengruber, então procure aumentar o seu “repertório” de exemplos jurídicos. Olhe à sua volta e reflita: onde estão os efeitos das normas constitucionais? Onde está a própria constituição no seu cotidiano (ou no seu imaginário) e no cotidiano de outras pessoas?

C) O CASO II

Em 1999, foi lançado na Internet o Napster, um software que permitia a troca direta de arquivos em formato “.mp3” entre os seus usuários. O programa rapida-mente se tornou popular em todo o mundo, mas, ironicamente, o motivo de seu sucesso foi também a sua ruína.

Por um lado, o Napster permitia a artistas de vários gêneros musicais divulga-rem suas obras diretamente para o seu público ou para eventuais colaboradores,

13 Carta escrita supostamente

por Rogério Lengruber, fun-

dador do Comando Vermelho,

publicada na Folha de São Paulo

de 08 de março de 2003.

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sem precisar de intermediários; por outro, justamente por permitir a troca rápida e descentralizada de arquivos protegidos por direitos autorais, o programa tornava muito difícil uma fiscalização precisa da destinação e utilização dos arquivos. Na prática, era impossível saber se os direitos autorais e direitos conexos aos dos autores (editoras, gravadoras, intérpretes etc) estavam sendo respeitados, pois todo e qual-quer conteúdo, uma vez disponibilizado por um usuário do Napster, poderia ser – e na maioria das vezes era – imediatamente copiado e redistribuído por milhões de outros usuários.

Em 2000, a Recording Industry Association of America – RIAA ajuizou uma ação na justiça americana em face dos responsáveis pelo Napster. Os motivos da medida foram os seguintes:14

RIAA, on behalf of its members, sued Napster because it launched a service that enables and facilitates piracy of music on an unprecedented scale. (…) Napster has built a system that allows users who log onto Napster’s servers to obtain infringing MP3 music files that are stored on the computers of other users who are connected to the Napster system at the same time. Napster provides advanced search capabili-ties, as well as direct hyperlinks to the MP3 files housed on its users’ computers. (…) At any single point in time, millions of users may be logged onto Napster trading millions of pirated sound recordings.

The overwhelming majority of the MP3 files offered on Napster are infringing – and the district court found that Napster knows this and even encourages it. Napster is thus enabling and encouraging the illegal copying and distribution of co-pyrighted music. Just because Napster itself may not house the infringing recordings does not mean Napster is not guilty of copyright infringement. Copyright law has long recognized that someone who materially contributes to infringing activity, with knowledge of that activity, is liable for copyright infringement as if that person did the copying him or herself.

No Brasil, o problema da pirataria assume grandes proporções, ainda que com características próprias. A reprodução e distribuição ilegal de músicas por Internet, por exemplo, não é nem de longe tão problemática para as gravadoras quanto nos EUA. A grande preocupação é com a prensagem e distribuição ilegal de CDs, espe-cialmente os de artistas de maior apelo popular.

Uma primeira análise revela que esta situação é totalmente ilegal. Em nosso orde-namento jurídico, a proteção aos autores foi consolidada no nível constitucional atra-vés do artigo 5º da Constituição Federal de 1988, conforme os dispositivos abaixo:

Art. 5º. (...)XXVII – aos autores pertence o direito exclusivo de utilização, publicação ou

reprodução de suas obras, transmissível aos herdeiros pelo tempo que a lei fixar;XXVIII – são assegurados, nos termos da lei:a) a proteção às participações individuais em obras coletivas e à reprodução da

imagem e voz humanas, inclusive nas atividades desportivas;14 Informações obtidas no site

RIAA – www.riaa.com.

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b) o direito de fiscalização do aproveitamento econômico das obras que criarem ou de que participarem aos criadores, aos intérpretes e às respectivas representações sindicais e associativas;

Para investigar se e como os dispositivos acima – bem como os da legislação ordinária sobre direito autoral e propriedade industrial – estão sendo cumpridos, é formada em maio de 2003 a CPI da Pirataria. Mais especificamente, o objetivo da CPI é “investigar fatos relacionados à pirataria de produtos industrializados e à sonegação fiscal”.15 Neste sentido, a atuação da Comissão se deu em áreas a princí-pio distantes da distribuição e reprodução não-autorizada de obras fonográficas por meios digitais – Bebidas, Cigarros, Copiadoras e Pirataria de Livros, Falsificação de CDs, CD-ROMs e DVDs, Softwares, Produtos Farmacêuticos, Óculos, Peças Auto-motivas, TV por assinatura e Notebooks. De fato, no tocante à indústria fonográfica, a grande preocupação de artistas e gravadoras se atém à prensagem e à venda em larga escala de CDs “piratas”; o prejuízo causado é tão grande que o download de músicas entre usuários de Internet parece um problema ainda distante.

Imagine agora que, entre as recomendações e propostas feitas em 2004 por oca-sião da conclusão da CPI, estivesse um projeto de lei no sentido de alterar a redação do artigo 184 do Código Penal para deixá-lo da seguinte forma:16

Art. 184.Violar direitos de autor e os que lhe são conexos:§1o Se a violação consistir na reprodução, total ou parcial, por qualquer meio

ou processo, fixada em qualquer suporte, tangível ou intangível, de obra intelectual, programa de computador, fonograma, videograma, interpretação ou execução, sem a autorização expressa do autor, intérprete, executante, produtor ou de quem os represente:

Pena – detenção, de 2 (dois) anos e 2 (dois) meses a 4 (quatro) anos, e multa.

Compare qual a atual redação do artigo 184 do Código Penal, dada pela Lei 10.695/2003.

Art. 184. Violar direitos de autor e os que lhe são conexos:Pena – detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano, ou multa.§ 1o Se a violação consistir em reprodução total ou parcial, com intuito de lucro

direto ou indireto, por qualquer meio ou processo, de obra intelectual, interpreta-ção, execução ou fonograma, sem autorização expressa do autor, do artista intérprete ou executante, do produtor, conforme o caso, ou de quem os represente:

Pena – reclusão, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e multa.

Você consegue perceber quais as diferenças juridicamente relevantes entre as duas redações? O que elas podem significar? Como essas alterações podem contribuir ou não para o respeito ao direito autoral em nosso país?

Repare que a atual redação do artigo 184 (acima transcrita) já em si é fruto de alteração legislativa – aliás, de diversas alterações legi. O artigo promulgado junto

15 BRASIL. Congresso. Câmara

dos Deputados. Comissão Par-

lamentar de Inquérito da Pira-

taria. CPI da Pirataria. Relatório.

Brasília: Câmara dos Deputados,

2004, p. 20.

16 Versão editada de um dos pro-

jetos de lei propostos pela CPI

da Pirataria.

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com o Código Penal tinha uma redação diferente, que refletia um tempo em que a pirataria não era um problema tão evidente para as empresas. Em 2003, diversos artistas foram até o Palácio do Planalto pedir ao Presidente Luís Inácio Lula da Silva que aprovasse medidas mais severas no combate à pirataria. O lobby resultou na promulgação da Lei 10.695/03, que deu ao artigo 184 sua atual redação, no lugar de:

Art. 184 – Violar direito autoral: (Redação dada pela Lei nº 6.895, de 17.12.1980)

Pena – detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano, ou multa. (Redação dada pela Lei nº 6.895, de 17.12.1980)

§ 1º – Se a violação consistir em reprodução, por qualquer meio, com intuito de lucro, de obra intelectual, no todo ou em parte, sem a autorização expressa do autor ou de quem o represente, ou consistir na reprodução de fonograma ou vide-ofonograma, sem autorização do produtor ou de quem o represente: (Parágrafo acrescentado pela Lei nº 6.895, de 17.12.1980 e alterado pela Lei nº 8.635, de 16.3.1993)

Pena – reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa, de Cr$ 10.000,00 (dez mil cruzeiros) a Cr$ 50.000,00 (cinqüenta mil cruzeiros).

§ 2º – Na mesma pena do parágrafo anterior incorre quem vende, expõe à ven-da, aluga, introduz no País, adquire, oculta, empresta, troca ou tem em depósito, com intuito de lucro, original ou cópia de obra intelectual, fonograma ou videofo-nograma, produzidos ou reproduzidos com violação de direito autoral. (Parágrafo acrescentado pela Lei nº 6.895, de 17.12.1980 e alterado pela Lei nº 8.635, de 16.3.1993)

Como não é difícil de perceber, a lei de 2003 tentou intensificar a repressão à pirataria, aí incluída a distribuição e download de músicas pela Internet. Agora, a CPI da Pirataria apresenta um Projeto de Lei no sentido de aumentar ainda mais a punição a quem praticar este tipo de violação aos direitos autorais.

Nesse cenário, você é o assessor do Ministério da Cultura e é chamado a dar um parecer sobre a viabilidade jurídica da medida sugerida pela CPI, antes de a mesma ser colocada em votação. Utilize os conceitos de validade, legalidade, legitimidade e eficácia para construir sua argumentação, tendo como pano de fundo o contexto jurídico (constituição e leis vigentes) e sociológico brasileiro.

D) MATERIAL DE APOIO

d1) Jurisprudência

HC 80379/SP – Hipótese de ilegalidade da ação estatal, mesmo quando supos-tamente amparada pela população: “O clamor público não constitui fator de legiti-mação da privação cautelar da liberdade” (...). “O excesso de prazo, quando exclu-sivamente imputável ao aparelho judiciário – não derivando, portanto, de qualquer

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fato procrastinatório causalmente atribuível ao réu – traduz situação anômala que compromete a efetividade do processo, pois, além de tornar evidente o desprezo estatal pela liberdade do cidadão, frustra um direito básico que assiste a qualquer pessoa: o direito à resolução do litígio, sem dilações indevidas e com todas as garan-tias reconhecidas pelo ordenamento constitucional.”

RE 271286 AgR / RS – Distribuição gratuita de medicamentos a portadores do HIV. “A interpretação da norma programática não pode transformá-la em promessa constitucional inconseqüente”.

ADI 1458 MC / DF – Modalidades de comportamentos inconstitucionais do Poder Público. Insuficiência do salário mínimo atual para as finalidades previstas no artigo 7°, IV da Constituição Federal. “A situação de inconstitucionalidade pode derivar de um comportamento ativo do Poder Público, que age ou edita normas em desacordo com o que dispõe a Constituição, ofendendo-lhe, assim, os preceitos e os princípios que nela se acham consignados.” (...) “a inércia do Estado qualifica-se, perigosamente, como um dos processos informais de mudança da Constituição, expondo-se, por isso mesmo, à censura do Poder Judiciário”.

d2) Textos

I) OBRIGATÓRIOS

Barroso, Luís Roberto. “O Conceito de Efetividade”, extraído de O Direito Constitucional e a Efetividade de suas normas. Rio de Janeiro: Renovar, 2003. (pgs.84-89)

Levi, Lucio. “Legitimidade”. In Dicionário de Política. Bobbio, Norberto et al (org). Brasília: Editora da UNB, 2002. (ler apenas os tópicos I, III, IV e V)

Falcão, Joaquim. “O Brasil Ilegal”. Publicado na Folha de São Paulo em 12/02/04.

Maturana, Humberto. “Constituição Política e Convivência”, extraído de Emoções e Linguagem na Educação e na Política. Belo Horizonte: Editora da UFMG, 1999. Pgs. 74-79.

II) ACESSÓRIOS

Santos, Boaventura de Souza. “Uma cartografia simbólica das representações sociais: prolegômenos a uma concepção pós-moderna do Direito” (artigo disponível no site www.dhnet.org.br)

_____________. “Notas sobre a história jurídico-social de Pasárgada”. (artigo disponível no site www.dhnet.org.br)

d3) Questões de Concursos

39º Concurso – Ministério Público Estadual/ 2000 – MGTema: Eficácia das Normas Constitucionais e Tutela das Situações Jurídicas Subjetivas

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Ministério Público Estadual/ 2002 – PR“A estabilidade das constituições não deve ser absoluta, não pode significar imu-

tabilidade”. Disserte sobre esta lição doutrinária.

Magistratura Estadual/ 1999 – DFFale sobre o princípio da presunção da constitucionalidade das leis e a possibili-

dade de o Poder Executivo descumprir uma norma por considerá-la inconstitucio-nal, emitindo opinião a respeito.

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BLOCO III – HISTÓRIA CONSTITUCIONAL BRASILEIRA

Nas próximas aulas, o objeto de nossas discussões será a experiência constitu-cional brasileira. Como base nos instrumentos analíticos discutidos no bloco an-terior (os diversos conceitos de Constituição, bem como os parâmetros intra e ex-tranormativos com base nos quais avaliá-las), abordaremos as Constituições uma a uma, viajando no tempo e no espaço para encontrar suas influências ideológicas na experiência constitucional de outros países, especialmente a França e os Estados Unidos.

Neste percurso, contudo, as Constituições são as unidades de análise, mas não serão o único elemento a ser levado em conta. Assim, procure ter em mente as se-guintes “chaves explicativas” para estudar a história constitucional brasileira:

As Constituições são influenciadas (e, numa certa medida, também influenciam) uma série de idéias, realidades e bandeiras políticas e sociais, nacionais e interna-cionais. Ou seja, não são um sistema fechado, mas um sistema aberto aos demais subsistemas do sistema social;

Uma Constituição não pode ser entendida em um “vácuo jurídico”, sem referên-cia às Constituições que a antecederam. O que dá sentido aos dispositivos de uma carta constitucional – e, portanto, o que nos permite falar em “inovação”, “avanço” ou “retrocesso” – é o pano de fundo da história constitucional do país. A análise comparativa das Constituições brasileiras servirá para ressaltar a tessitura de idéias, projetos disputas e interesses que as une. A Constituição é um constructo complexo, que se desenvolve e eventualmente se aperfeiçoa no correr da História.

A história constitucional brasileira deve ser passada como uma evolução em di-reção à democracia e à inclusão social e política. Evolução por vezes incerta, com avanços e recuos, mas que, em longo prazo, apresenta uma visível tendência à de-mocratização e à inclusão. A progressiva ampliação dos direitos constitucionalmente reconhecidos (Direitos Civis e Políticos, Direitos Sociais e Direitos Difusos) e sua especificação (Direitos de minorias ou grupos vulneráveis) é um importante indica-dor dessa tendência. Outro indicador é a evolução do sistema eleitoral de inclusão progressiva, ou mesmo a própria idéia de democracia concomitante.

Além dos atores tradicionais (Executivo, Judiciário e Legislativo), um outro ga-nha cada vez maior relevo no espaço constitucional brasileiro, principalmente devi-do à ampliação e especificação dos direitos constitucionais: a sociedade civil organi-zada. Com o repertório de direitos e princípios previstos na Constituição de 1988, e que podem servir de fundamento as diversas reivindicações sociais, maior o espaço que têm para atuar independentemente da atuação direta dentro do Legislativo. A responsabilidade e a influência de ONG’s, da imprensa e de outras associações civis no desenho do futuro do país é enorme.

O futuro jurídico-institucional do Brasil está em aberto. Não há nenhum cons-trangimento definitivo quanto à forma que nossas Constituições devem prever para nossas instituições. Mesmo a tradicional noção de democracia, por exemplo, ganhou,

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FGV DIREITO RIO 62

nas mãos do constituinte de 1988, contornos peculiares, combinando elementos de representação, de participação e de democracia direta.

A história do constitucionalismo no mundo pode ser entendida como uma série de tentativas de resposta para o problema do equilíbrio entre poder (do Estado) e liberdade (do cidadão). As Constituições surgem inicialmente para limitar e, assim, garantir direitos. Contudo, um poder estatal excessivamente limitado ou mesmo inexistente acaba por colocar novamente os direitos individuais em risco, pois será incapaz de proteger a vida e a liberdade de seus cidadãos de ameaças internas e ex-ternas. O excesso do remédio pode causar a morte do paciente. Como resolver esta tensão? Este será um tema recorrente ao longo não apenas deste bloco, mas de todo o curso de Teoria do Direito Constitucional. Procure entender cada uma das Cons-tituições (brasileiras e estrangeiras) como a positivação de uma posição histórica e geograficamente localizada diante dessa tensão. Em muitas Constituições, essa posi-ção é mais “pró-liberdade”, isto é, investe mais na proteção aos direitos dos cidadãos, limitando assim o poder estatal. Por outro lado, em outros lugares e épocas essa resposta pode ser mais “pró-poder”, diminuindo assim a autonomia dos indivíduos e aumentando o poder do Estado.

No final deste bloco, você encontrará um anexo contendo os preâmbulos de todas as Constituições brasileiras. Procure analisá-los antes de cada aula, relacionan-do-os entre si e com o contexto da época.

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AULA 10: BRASIL COLÔNIA E IRAQUE. DO PODER DIVINO DOS REIS AO ESTADO DE DIREITO

NOTA AO ALUNO

A) INTRODUÇÃO

O direito cumpre, entre outras funções, a de organizar uma dada sociedade. Aliás, você já parou para pensar no que significa “Constituição”? O documento que leva esse nome é, por assim dizer, o que “constitui” e dá estrutura jurídica a determinada comunidade.

Em linhas gerais, a história do “constitucionalismo” não tem sido outra senão a limitação e organização do exercício do poder estatal a partir de uma técnica especí-fica – a de consagração de direitos e regras de competência através de uma “Consti-tuição” (aqui tomada em sentido amplo). Além de organizar o poder, ela também o limita, através do estabelecimento de direitos dos cidadãos e de procedimentos que os governantes devem seguir na gestão das coisas públicas. É claro que nem sempre essa “Constituição” é fruto da organização popular, ou nem mesmo da maioria em uma sociedade. O chamado “Estado de Direito” – governo de leis, e não de homens, vincu-lando tanto os cidadãos quanto os agentes do Estado – pode se basear em normas com fontes muito diferentes, às vezes mais democráticas, às vezes mais autoritárias; às vezes escolhidas pelo povo ou parte do povo, às vezes simplesmente impostas.

B) O CASO

Para explorar melhor essas idéias, vamos pensar e comparar dois exemplos concre-tos. O primeiro é o Regimento de Thomé de Souza (1542), entregue pelo rei D. João III ao primeiro governador geral do Brasil para orientar sua gestão. Uma versão editada do Regimento encontra-se no anexo ao material didático.

O segundo exemplo é a Lei para Administração do Estado do Iraque para o Pe-ríodo de Transição (de 08 de março de 2004), em vigor desde junho de 2004. A Lei foi promulgada para organizar a reconstrução do país após a intervenção estrangeira (liderada pelos EUA, sob a alegação de o Iraque possuía e pretendia usar armas de destruição em massa), que culminou na deposição de Saddam Hussein. Vencida a guerra, o governo provisório, formado por Estados integrantes da Coalização que apoiou a iniciativa dos EUA, transferiu oficialmente seu poder sobre a região ao Go-verno Interino do Iraque. Começava assim o chamado “período de transição”, regido pela Lei de Administração e programado para acabar em agosto de 2005, quando uma Constituição Iraquiana será elaborada e apresentada ao povo para ser referendada até outubro de 2005.

Agora, leia com atenção os artigos abaixo, extraídos da Lei para Administração do Estado do Iraque:1

1 O texto completo pode

ser encontrado no site

do Governo Provisório da

Coalização – http://www.

cpa-iraq.org/government/

TAL.html.

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LAW OF ADMINISTRATION FOR THE STATE OF IRAQFOR THE TRANSITIONAL PERIOD8 March 2004PREAMBLEThe people of Iraq, striving to reclaim their freedom, which was usurped by the pre-

vious tyrannical regime, rejecting violence and coercion in all their forms, and particu-larly when used as instruments of governance, have determined that they shall hereafter remain a free people governed under the rule of law.

These people, affirming today their respect for international law, especially having been amongst the founders of the United Nations, working to reclaim their legitimate place among nations, have endeavored at the same time to preserve the unity of their homeland in a spirit of fraternity and solidarity in order to draw the features of the future new Iraq, and to establish the mechanisms aiming, amongst other aims, to erase the effects of racist and sectarian policies and practices.

This Law is now established to govern the affairs of Iraq during the transitional period until a duly elected government, operating under a permanent and legitimate constitution achieving full democracy, shall come into being.

Article 2.(A) The term “transitional period” shall refer to the period beginning on 30 June

2004 and lasting until the formation of an elected Iraqi government pursuant to a per-manent constitution as set forth in this Law, which in any case shall be no later than 31 December 2005, unless the provisions of Article 61 are applied.

Article 3.(A) This Law is the Supreme Law of the land and shall be binding in all parts of Iraq wi-

thout exception. No amendment to this Law may be made except by a three-fourths majori-ty of the members of the National Assembly and the unanimous approval of the Presidency Council. Likewise, no amendment may be made that could abridge in any way the rights of the Iraqi people cited in Chapter Two; extend the transitional period beyond the timeframe cited in this Law; delay the holding of elections to a new assembly; reduce the powers of the regions or governorates; or affect Islam, or any other religions or sects and their rites.

(B) Any legal provision that conflicts with this Law is null and void.(C) This Law shall cease to have effect upon the formation of an elected government

pursuant to a permanent constitution.Article 4.The system of government in Iraq shall be republican, federal, democratic, and plu-

ralistic, and powers shall be shared between the federal government and the regional go-vernments, governorates, municipalities, and local administrations. The federal system shall be based upon geographic and historical realities and the separation of powers, and not upon origin, race, ethnicity, nationality, or confession.

Article 12.All Iraqis are equal in their rights without regard to gender, sect, opinion, belief,

nationality, religion, or origin, and they are equal before the law. Discrimination against an Iraqi citizen on the basis of his gender, nationality, religion, or origin is prohibited. Everyone has the right to life, liberty, and the security of his person. No one may be

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TEORIA DO DIREITO CONSTITUCIONAL

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deprived of his life or liberty, except in accordance with legal procedures. All are equal before the courts.

Article 15.(A) No civil law shall have retroactive effect unless the law so stipulates. There shall

be neither a crime, nor punishment, except by law in effect at the time the crime is committed.

(B) Police, investigators, or other governmental authorities may not violate the sanc-tity of private residences, whether these authorities belong to the federal or regional governments, governorates, municipalities, or local administrations, unless a judge or investigating magistrate has issued a search warrant in accordance with applicable law on the basis of information provided by a sworn individual who knew that bearing false witness would render him liable to punishment. Extreme exigent circumstances, as determined by a court of competent jurisdiction, may justify a warrantless search, but such exigencies shall be narrowly construed. In the event that a warrantless search is carried out in the absence of an extreme exigent circumstance, the evidence so seized, and any other evidence found derivatively from such search, shall be inadmissible in connection with a criminal charge, unless the court determines that the person who carried out the warrantless search believed reasonably and in good faith that the search was in accordance with the law.

(G) Every person deprived of his liberty by arrest or detention shall have the right of recourse to a court to determine the legality of his arrest or detention without delay and to order his release if this occurred in an illegal manner.

(I) Civilians may not be tried before a military tribunal. Special or exceptional courts may not be established.

Article 16.(B) The right to private property shall be protected, and no one may be prevented

from disposing of his property except within the limits of law. No one shall be deprived of his property except by eminent domain, in circumstances and in the manner set forth in law, and on condition that he is paid just and timely compensation.

(C) Each Iraqi citizen shall have the full and unfettered right to own real property in all parts of Iraq without restriction.

Após a leitura, reflita sobre as questões a seguir:

Mas a distância da metrópole poderia gerar alguns problemas na manutenção e no exercício desse poder, se não houvesse alguma maneira de torná-lo mais está-vel, claro e passível de ser obedecido na ausência de fiscalização direta da coroa. Por que o poder precisa se organizar dessa forma? Como o Regimento de Thomé de Souza cumpre (ou não cumpre) essa função? Você diria o mesmo da Lei de Administração do Iraque?

2, Con-doleeza Rice3 afirmou que a invasão do Iraque será feita também no interesse do

2 Acessado a partir do

site http://usinfo.state.

gov/journals/itps/1202/

ijpp/pj7-4rice.htm, em

20/04/04.

3 Assessora do Presidente

Bush para assuntos de Se-

gurança Nacional.

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FGV DIREITO RIO 66

próprio povo iraquiano: “Não buscamos impor a democracia aos outros países, buscamos apenas ajudar a criar condições para que as pessoas possam reivindicar um futuro mais livre para si mesmas.” Dessa forma, procura-se justificar a inter-venção e, conseqüentemente, a própria Lei de Administração do Iraque. Examine o preâmbulo da Lei e compare-o com o Regimento de Thomé de Souza. Quais são as semelhanças e diferenças entre os dois, no que se refere às justificativas apresen-tadas? Na sua opinião, qual dos dois tem mais “cara” de Constituição?

toda Constituição moderna, segundo Carl Schmitt, podem ser encontrados no Regimento? E na Lei para Administração do Iraque? E na Constituição de 1988? Explicite-os, apontando eventuais problemas para a realização desses princípios em cada um dos três contextos.

E na Lei de Administração do Iraque? E no Brasil de hoje – você acha que no Brasil vivemos sob o império do direito? Explique.

das respectivas normas. Pode se falar em Estado de Direito nesses casos? Reflita novamente sobre a questão: você diria que estamos diante de Constituições? Por quê? Por que não?

C) MATERIAL DE APOIO

c1) Textos

I OBRIGATÓRIOSSCHMITT, Carl. “Os Princípios do Estado de Direito Liberal”, extraído de Teoria

de La Constitutión.CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Estado de Direito. Lisboa: Gradiva Publica-

ções, 1999 (capítulos 1, 2, 4, 6, 7).REGIMENTO de Thomé de Souza (editado).

II ACESSÓRIOSFULLER, Lon. The Morality of Law. New Haven: Yale Univ. Press, 1964. (trecho

sobre “As Reformas do Rei Rex”)BOBBIO, Norberto. Estado, Governo e Sociedade. Rio de Janeiro: Editora Paz e

Terra, 1992, pp. 93-104.NEUMANN, Franz. “A mudança da função do direito na sociedade moderna”. In

Estado Democrático e Estado Autoritário. Rio de Janeiro: Zahar, 1969.UNGER, Roberto Mangabeira. Direito na sociedade moderna. Rio de Janeiro: Ci-

vilização Brasileira, 1979. pp. 187 a 191.

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FGV DIREITO RIO 67

c2) Questões de Concursos

7º Concurso – Magistratura Federal/ 2000 – 2ª RegiãoO principio da motivação das decisões judiciais tem sede constitucional? Indique o dispositivo constitucional que justifica a sua resposta.

171º Concurso – Magistratura Estadual/ 1998 – SPConceitue o princípio do juiz natural. A criação de varas especializadas para julgar determinadas matérias fere tal princípio?

35º Concurso – Magistratura Estadual/ 2002 – RJEm que medida se aplica o princípio da eficiência ao Poder Judiciário, em suas diversas funções?

18º Concurso – Ministério Público Estadual/ 2001 – MSAponte os princípios gerais e especiais densificadores do princípio Democrático.

18º Concurso – Ministério Público Estadual/ 2001 – MSNo texto constitucional, identifique e conceitue os subprincípios que densificam o princípio do Estado de Direito.

37º Concurso – Ministério Público Estadual/ 1999 – MGSegundo José Afonso da Silva, a doutrina não raro confunde ou não distingue suficien-temente o princípio da legalidade e o da reserva legal. (Curso de Direito Constitucional Positivo, 15ª ed., Malheiros Ed., p. 423). Estabeleça diferenças entre os dois princípios e teça breve comentário a respeito da questão. (máximo: 20 linhas)

25º Concurso – Ministério Público Estadual/ 2002 – DFDissertação: “Estado Democrático de Direito e Ministério Público”. Deverá ser ob-servada a seguinte estrutura do texto, independentemente da ordem enunciada dos tópicos:

a) dimensão conceitual da palavra democracia e sua conexão com o Estado de Di-reito;

b) o princípio democrático na Constituição de 1988 e os direitos fundamentais;c) o papel do Ministério Público como agente concretizador da democracia: âmbi-

to e limites de intervenção nos domínios público e privado; atuação em defesa da ordem política, econômica, tributária e social.

d) Ministério Público como garantia institucional em face da ação do constituinte derivado: a instituição integra as cláusulas pétreas?

e) outras considerações sobre o tema: abordagem livre.

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AULA 11: A INSERÇÃO LIBERAL I: D. PEDRO I VERSUS FREI CANECA

NOTA AO ALUNO

A) INTRODUÇÃO

Com a falha da Constituinte de 1823 em estruturar a ordem política do país de modo a conciliar harmonicamente os interesses do Imperador e os interesses do país4, D. Pedro I dissolveu a Assembléia e outorgou a sua própria solução ao impasse: a Cons-tituição de 1824. Esta solução foi concretizada em grande parte através da criação do Poder Moderador, exercido pelo próprio Imperador, que incluía as seguintes prerroga-tivas, entre outras:

5

Como você já teve a oportunidade de observar, a história do Constitucionalismo tem sido a história da limitação do poder e da garantia de direitos através de documen-tos jurídicos chamados “Constituições”. Contudo, sendo o Poder Moderador tão forte na Constituição de 1824, seria possível falar ainda de Constituição?

Cerca de três décadas antes da nossa primeira constituinte, a França revolucionária assistia à promulgação da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de em 26 de agosto de 1789. Em seu artigo 16, está escrito:

Toda sociedade na qual a garantia dos direitos não esteja assegurada nem a separação dos poderes determinada, é uma sociedade sem constituição.

Todo o capítulo 1 do Título 5º da Constituição de 1824, compreendendo seus ar-tigos 98 ao 101, é dedicado ao Poder Moderador. O Brasil foi de fato o único país no mundo que aplicou esta idéia do pensador francês Benjamim Constant, qual seja, a de criar um quarto poder, ao lado dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário. Como se lê no artigo 98 daquela Constituição:

Art. 98 – O Poder Moderador é a chave de toda a organização política, e é delegado privativamente ao Imperador, como Chefe Supremo da Nação, e seu Primeiro Repre-sentante, para que incessantemente vele sobre a manutenção da Independência, equilí-brio, e harmonia dos mais Poderes Políticos.

Conforme a história brasileira nos conta, D. Pedro I era o próprio Poder Modera-dor, isto é, este Poder era não apenas representado pela sua pessoa, mas era a sua pró-pria pessoa. E veja o que diz o dispositivo constitucional seguinte, o artigo 99:

Art. 99 – A Pessoa do Imperador é inviolável, e Sagrada: Ele não está sujeito à res-ponsabilidade alguma.

4 FAORO, Raymundo, cita-

do em BONAVIDES, Paulo

e ANDRADE, Paes de.

História Constitucional do

Brasil. P. 90.

5 BONAVIDES, Paulo e AN-

DRADE, Paes de, ob. cit.

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“Ele não está sujeito a responsabilidade alguma”. Como podemos falar de limitação dos poder e garantia de direitos nesse cenário?

B) O CASO

Leia abaixo os seguintes trechos do discurso que D. Pedro I proferiu na Constituin-te de 1823:

“Depois de ter arranjado esta província, e dado imensas providências para as ou-tras, entendi que devia convocar, e convoquei, por Decreto de 16 de fevereiro do ano próximo passado, um Conselho de Estado composto de Procuradores Gerais, eleitos pelos povos, desejando que eles tivessem quem os representasse junto a mim, e ao mes-mo tempo quem me aconselhasse e me requeresse o que fosse a bem de cada uma das respectivas províncias. Não foi somente este o fim, e o motivo, por que fiz semelhante convocação, o principal foi para que os brasileiros melhor conhecessem a minha cons-titucionalidade, o quanto eu me lisonjearia governando a contento dos povos, e quanto desejava em meu paternal coração (escondidamente, porque o tempo não permitia que tais idéias se patenteassem de outro modo) que esta leal, grata, briosa e heróica Nação fosse representada numa Assembléia Geral, Constituinte e Legislativa, o que, graças a Deus, se efetuou em conseqüência do Decreto de 3 de junho do ano pretérito, a requerimento dos povos, por meio de suas Câmaras, seus Procuradores Gerais e meus Conselheiros de Estado. (...)

A todo o custo, até arriscando a vida, se preciso for, desempenharei o título com que os povos deste vasto e rico continente; em 3 de maio do ano pretérito, me honraram de Defensor Perpétuo do Brasil. Esse título penhorou muito mais meu coração do que quan-ta glória alcancei com a espontânea e unânime Aclamação de Imperador deste invejado Império. (...)

Como Imperador Constitucional, e mui especialmente como Defensor Perpétuo deste Império, disse ao povo no dia 1º de dezembro do ano próximo passado, em que fui coroado e sagrado, que com a minha espada defenderia a Pátria, a Nação e a Cons-tituição, se fosse digna do Brasil e de mim. Ratifico hoje mui solenemente perante vós esta promessa, e espero que me ajudeis a desempenhá-la, fazendo uma Constituição sábia, justa, adequada e executável, ditada pela razão, e não pelo capricho, que tenha em vista somente a felicidade geral, que nunca pode ser grande sem que esta Consti-tuição tenha bases sólidas, bases que a sabedoria dos séculos tenha mostrado, que são as verdadeiras para darem uma justa liberdade aos povos, e toda a força necessária ao Poder Executivo. (...)

Uma Constituição, em que os três poderes sejam bem divididos de forma que não possam arrogar direitos que lhe não compitam, mas que sejam de tal modo organizados e harmonizados, que se lhes torne impossível, ainda pelo decurso do tempo, fazerem-se ini-migos, e cada vez mais concorram de mãos dadas para a felicidade geral do Estado. (...)

Todas as Constituições que, à maneira das de 1791 e 92, têm estabelecido suas bases, e se têm querido organizar, a experiência nos tem mostrado, que são totalmente

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teoréticas, e metafísicas, e por isso inexeqüíveis, assim, o prova a França e Espanha; e ultimamente Portugal. (...)

(...) Espero que a Constituição que façais, mereça a minha imperial aceitação.(...).”6

Após a leitura, e com a ajuda do material de leitura selecionado para esta aula, reflita:

os eventos posteriores ocorridos ao longo do processo constituinte até a promul-gação da Constituição em 1824;

1824? Exemplifique com artigos da Constituição e com casos da prática política e constitucional do Império.

-cional de 1824? Exemplifique.

os interesses e agentes envolvidos nesta ata? (Recorde-se que a Constituição como ata do pacto social foi tema da Aula 07 e que esse conceito foi elaborado por Frei Caneca no texto Eis Porque – versão editada disponível no anexo ao material didático)

não garante a independência do Brasil? Você acha que a história veio a compro-var esta afirmação ou não?

C) MATERIAL DE APOIO

c1) Textos

I) OBRIGATÓRIOS

BONAVIDES, Paulo e ANDRADE, Paes. História constitucional do Brasil. Brasí-lia: Senado Federal, 1990. Pp. 89-103.

NOGUEIRA, Octaciano. A Constituição de 1824. Pp. 1-4 (“A Eficácia Histórica da Constituição de 24”), 12-14 (“O Estado Unitário na Carta de 24”) e 45 (“Idéias-Chave”).

II) ACESSÓRIOS

BONAVIDES, Paulo e AMARAL, Roberto, (orgs). Textos Políticos da História do Brasil. 3a edição, Brasília: 2002, Volume II.

BUENO, José Antonio Pimenta. Direito Público Brasileiro e análise da Constituição do Império. Brasília: Senado federal, 1978. (“Título V: Do Poder Moderador” – pp. 203 a 224 -; e “Título VIII: Dos Direitos dos Brasileiros” – pp. 381 a 434).

6 Extraído de BONAVIDES,

Paulo e ANDRADE, Paes de.

História Constitucional do

Brasil, pp. 35 e ss.

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AULA 12: A INSERÇÃO LIBERAL II: LIBERTE, EGALITÉ, FRATERNITÉ

NOTA AO ALUNO

A) INTRODUÇÃO

Durante a Assembléia Nacional Constituinte de 1987-1988, da qual resultou nossa atual Constituição, o Brasil assistiu, guardadas as devidas proporções, a um fenômeno revolucionário no que diz respeito à participação popular no processo de elaboração do texto constitucional.

Como jamais havia acontecido na história brasileira, o processo de elaboração da Constituição abriu-se para a participação do verdadeiro detentor do poder constituinte originário, o povo. O mecanismo que tornou isso possível foram as chamadas “emendas populares”, previstas no regimento da Assembléia, e que permitiam que toda e qualquer entidade da sociedade civil pudesse, reunido um número mínimo de assinaturas, apre-sentar uma proposta de norma constitucional a ser considerada pelos constituintes.

Assim como os revolucionários franceses queriam derrubar o Antigo Regime, os constituintes brasileiros queriam apagar para sempre do nosso ordenamento os resquí-cios da ditadura militar. Assim como na França 1789 pôs um fim definitivo ao Antigo Regime, no Brasil 1988 marca o início definitivo da nossa redemocratização e da cha-mada Nova República. Será que há uma pauta, um vocabulário e certas aspirações que, com dois séculos de distância, possam ser consideradas comuns a ambos os momentos – a Revolução Francesa e a Assembléia Constituinte de 1987, no Brasil? Para refletir sobre essa questão, observe como o constitucionalista J.J. Gomes Canotilho resume os principais pontos do ideário que a Revolução Francesa legou para o constitucionalismo ocidental e, mais especificamente, para a elaboração de constituições:

“A Revolução Francesa transporta dimensões completamente novas quanto ao tema [da elaboração de Constituições]. Referimo-nos às idéias de poder constituinte e de as-sembléia constituinte. Surge agora com centralidade política a nação, titular do poder constituinte. (...) Ela passa a deter um poder constituinte que se permite querer e criar uma nova ordem política e social, prescritivamente dirigida ao futuro mas, simultane-amente, de ruptura com o “ancien regime”. No pensamento e prática da França revo-lucionária a imagem e representação do poder vigorosamente expressa pelo abade E. Sieyés é esta: o poder constituinte tem um titular – la Nation – e caracteriza-se por ser um poder originário, autônomo e onipotente. Um constitucionalista francês do século passado resumia bem a concepção criacionista da Revolução: ‘a Constituição é um ato imperativo da nação, tirado do nada e organizando e hierarquia dos poderes.’

Este ‘ato tirado do nada’ só poderia ser criado por um poder para o qual se transfe-rem atributos divinos: potestas constituens, norma normans, creatio ex nihilo. O sentido da transmutação de conceitos teológicos em conceitos políticos foi, basicamente, o de conferir ao povo (nação) a qualidade de sujeito-titular constituinte dotado de poder de disposição da ordem político-social.”7

7 J.J. Gomes Canotilho,

Direito Constitucional e Teoria da Constituição,

pp.71-72.

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Não apenas nosso processo constituinte pode nos fazer evocar memórias da França. A herança que os revolucionários franceses legaram para o Brasil e o mundo no que diz respeito à garantia dos direitos fundamentais do homem também marcou presença forte em 1987-1988. A subcomissão constituinte responsável por elaborar a parte da Constituição referente aos direitos e garantias individuais foi a segunda recordista em números de propostas. Foram 832 contribuições recebidas, contando todas que tive-ram origem popular. Se somarmos as propostas recebidas pela “comissão dos direitos políticos, direitos coletivos e garantias”, são mais 419 as contribuições a serem conside-radas. E aí está hoje o nosso artigo 5o, considerado internacionalmente uma das mais completas e belas cartas de direito do mundo.

Será que aprendemos bem a lição que nos oferece o constitucionalismo francês? Compare a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789, abaixo trans-crita na íntegra, com a Constituição brasileira de 1988.

DECLARAÇÃO DOS DIREITOS DO HOMEM E DO CIDADÃO:8

Votada definitivamente em 2 de Outubro de 1789Os representantes do Povo Francês, constituídos em Assembléia Nacional, conside-

rando que a ignorância, o esquecimento e o menosprezo aos Direitos do homem são as únicas causas dos males públicos e da corrupção dos governos, resolvem expor em uma declaração solene os direitos naturais, inalienáveis, imprescritíveis e sagrados do homem, a fim de que esta declaração, sempre presente a todos os membros do corpo so-cial, permaneça constantemente atenta a seus direitos e deveres, a fim de que os atos do Poder Legislativo e do Poder Executivo possam ser a cada momento comparados com o objetivo de toda instituição política e no intuito de serem por ela respeitados; para que as reclamações dos cidadãos, fundadas daqui por diante em princípios simples e incon-testáveis, destinem-se sempre à manutenção da Constituição e ao bem-estar de todos.

Por conseguinte, a Assembléia Nacional reconhece e declara, em presença e sob os auspícios do Ser Supremo, os seguintes direitos do Homem e do Cidadão:

I – Os homens nascem e ficam iguais em direitos. As distinções sociais só podem ser fundamentadas na utilidade comum.

II – O fim de toda associação política é a conservação dos direitos naturais e impres-critíveis do homem.

III – O princípio de toda a Soberania reside essencialmente na Nação; nenhuma corporação, nenhum indivíduo pode exercer autoridade que não emane diretamente dela.

IV – A liberdade consiste em poder fazer tudo quanto não prejudique o próximo; assim, o exercício dos direitos naturais de cada homem não tem limites senão os que as-segurem o gozo desses direitos. Tais limites não podem ser determinados senão pela lei.

V – A lei só tem direito de proibir as ações prejudiciais à sociedade. Tudo quanto não é proibido pela lei não pode ser impedido e ninguém pode ser obrigado a fazer o que ela não ordena.

VI – A lei é a expressão da vontade geral. Todos os cidadãos têm o direito de concor-rer, pessoalmente ou por seus representantes, para a sua formação. Ela deve ser a mesma para todos, quer ela proteja, quer ela castigue. Todos os cidadãos, sendo iguais aos seus

8 http://www.dhnet.

org.br/direitos/anthist/

dec1789.htm

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olhos, sendo igualmente admissíveis a todas as dignidades, colocações e empregos públi-cos, e sem outra distinção do que a de suas virtudes e seus talentos.

VII – Nenhum homem poder ser acusado, sentenciado, nem preso se não for nos casos determinados pela lei e segundo as formas que ela prescreveu. Os que solicitam, expedem, executam ou fazem executar ordens arbitrárias, devem ser castigados; mas todo cidadão chamado ou preso em virtude da lei deve obedecer no mesmo instante; ele se torna culpado pela resistência.

VIII – A lei só deve estabelecer penas estrita e evidentemente necessárias, e ninguém pode ser punido senão em virtude de uma lei estabelecida e promulgada anteriormente ao delito e legalmente aplicada.

IX – Todo sendo considerado inocente até que tenha sido declarado culpado, se se julga indispensável detê-lo, todo rigor que não for necessário para garantir sua detenção deve ser severamente proibido pôr lei.

X – Ninguém pode ser molestado por suas opiniões, mesmo religiosas, contanto que não perturbem a ordem pública estabelecida pela lei.

XI – A livre comunicação de pensamentos e de opinião é um dos direitos mais preciosos do homem; todo cidadão pode, pois, falar, escrever e imprimir livremente, respondendo pelo abuso dessa liberdade nos casos previstos pela lei.

XII – A garantia dos direitos do homem e do cidadão necessita da força pública; esta força é instituída para o benefício de todos e não para a utilidade particular daqueles aos quais foi confiada.

XIII – Para o sustento da força pública e para as despesas da administração, uma contribuição comum é indispensável. Ela deve ser igualmente repartida entre todos os cidadãos em razão das suas faculdades.

XIV – Cada cidadão tem o direito de verificar, por ele mesmo ou por seus represen-tantes, a necessidade de contribuição pública, de consenti-la livremente, de acompanhar o seu emprego, de determinar a cota, a estabilidade, a cobrança e a duração.

XV – A sociedade tem o direito de exigir contas a qualquer agente público de sua administração.

XVI – Qualquer sociedade na qual a garantia dos direitos não for assegurada, nem a repartição de poderes determinada, não tem constituição.

XVII – Sendo a propriedade um direito inviolável e sagrado, ninguém pode dela ser privado, a não ser quando a necessidade pública, legalmente reconhecida, o exigir evidentemente e sob a condição de uma justa e anterior indenização.

Após a leitura da Declaração de 1789, reflita: em que medida o texto final da Cons-tituição de 1988 reflete a herança do constitucionalismo francês?

B) O CASO

Agora, leia com atenção o texto obrigatório (ver abaixo c.2i). Trata-se de um dis-curso de Maximilien de Robespierre, proferido na época da revolução francesa. Após a leitura, procure responder às seguintes questões:

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fraternidade, como fizeram os franceses? Como isso parece possível? Imagine um dispositivo constitucional que reflita o ideal de fraternidade. Procure na Constituição de 1988 um dispositivo de conteúdo semelhante ao que você ima-ginou. Se não encontrar, redija como deveria ser este artigo e onde deveria ser encaixado na nossa atual Constituição.

-re (p. 95), reflita sobre as seguintes questões: a) O que significaria, no Brasil de hoje, “fazer precisamente o contrário do que existiu antes de vós”?; b) Como é possível “tornar os homens felizes e livres através das leis”?

-pierre? Como você acha que este problema pode ser resolvido? Você acredita que a Constituição de 1988 o resolve? Quais dispositivos parecem tangenciar esta questão?

-vo de toda Constituição deve ser o de defender a liberdade pública e individual contra o próprio governo”? Caso não esteja de acordo, qual, na sua opinião, deve ser o primeiro objetivo de toda constituição?

Como você acha que suas idéias sobre a responsabilidade dos governantes são aproveitadas (ou podem vir a ser aproveitadas) pelo direito constitucional brasileiro?

é a Constituição de todos os povos; as outras leis são mutáveis por sua natureza, e são subordinadas a ela”? Como você acha que a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789 se reflete na Constituição brasileira de 1988?

Robespierre? Você acha que este conflito se apresenta na história constitucional brasileira? Como?

A partir das suas reflexões sobre as perguntas acima, e com base no material da aula anterior, você deverá preparar para a próxima aula um diálogo imaginário entre Robespierre, Frei Caneca e D. Pedro I. Como ele seria? Tente redigir este (im)provável diálogo, destacando na fala dos personagens as eventuais diferenças ou semelhanças de posicionamento em relação às seguintes questões, entre outras:

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C) MATERIAL DE APOIO

c1) Casos / Jurisprudência

RE 226855 / RS – Trata-se de recurso extraordinário no qual o STF recorre à De-claração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789 (em especial, ao seu art. 2o) e à Constituição Francesa de 1793.

EMENTA: Fundo de Garantia por Tempo de Serviço – FGTS. Natureza jurídica e direito adquirido. Correções monetárias decorrentes dos planos econômicos conhe-cidos pela denominação Bresser, Verão, Collor I (no concernente aos meses de abril e de maio de 1990) e Collor II. – O Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS), ao contrário do que sucede com as cadernetas de poupança, não tem natureza contra-tual, mas, sim, estatutária, por decorrer da Lei e por ela ser disciplinado. – Assim, é de aplicar-se a ele a firme jurisprudência desta Corte no sentido de que não há direito ad-quirido a regime jurídico. – Quanto à atualização dos saldos do FGTS relativos aos Pla-nos Verão e Collor I (este no que diz respeito ao mês de abril de 1990), não há questão de direito adquirido a ser examinada, situando-se a matéria exclusivamente no terreno legal infraconstitucional. – No tocante, porém, aos Planos Bresser, Collor I (quanto ao mês de maio de 1990) e Collor II, em que a decisão recorrida se fundou na existência de direito adquirido aos índices de correção que mandou observar, é de aplicar-se o princípio de que não há direito adquirido a regime jurídico. Recurso extraordinário conhecido em parte, e nela provido, para afastar da condenação as atualizações dos saldos do FGTS no tocante aos Planos Bresser, Collor I (apenas quanto à atualização no mês de maio de 1990) e Collor II.

Votação: Por maioria, na preliminar de prejudicialidade, vencidos os Mins. Marco Aurélio, Celso de Mello, Néri da Silveira e Carlos Velloso. Por maioria, nas prelimina-res de vista dos autos e de sobrestamento do julgamento, vencido o Min. Marco Auré-lio. Por maioria, no mérito vencidos, em parte, o Mins. Ilmar Galvão e, na outra parte, os Mins. Marco Aurélio, Sepúlveda Pertence e Néri da Silveira. Resultado: Conhecido em parte, e nesta provido. Veja: Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão e à Revolução Francesa de 1789.

ADI 1497 MC / DF – Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade na qual o STF recorre à Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789 (em especial, ao seu art. 2o) e à Constituição Francesa de 1793.

Ementa: TRIBUTO – CONTRIBUIÇÃO – CPMF – EMENDA CONSTITU-CIONAL Nº 12/96 – INCONSTITUCIONALIDADE – EC 12/96. Na dicção da ilustrada maioria, não concorre, na espécie, a relevância jurídico-constitucional do pedi-do de suspensão liminar da Emenda Constitucional nº 12/96, no que prevista a possi-bilidade de a União vir a instituir a contribuição sobre a movimentação ou transmissão de valores e de créditos e direitos de natureza financeira, sem a observância do disposto nos artigos 153, § 5º, e 154, inciso I da Carta Federal. Relator vencido, sem o desloca-mento da redação do acórdão. Votação: por maioria, vencidos os Mins. Marco Aurélio e Ilmar Galvão. Resultado: indeferida. Acórdãos citados: ADI-829 (RTJ-156/451), ADI-830, ADI-939 (RTJ-151/755), RE-138284 (RTJ-143/313), RE-165939, RE-177137.

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Obs.: – Declaração de Virgínia de 12.01.1776. Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão – Revolução Francesa de 1789. Declaração de Independência dos Estados Unidos de 04.07.1776.

c2) Textos

I) OBRIGATÓRIOS

ROBESPIERRE, Maximilien de. Discursos e Relatórios na Convenção. Rio de Janei-ro: EditoraUerj/Contraponto, 1999. Capítulos 5 e 6, pp. 87-112.

II) ACESSÓRIOS

BOBBIO, Norberto. A Era dos Direitos. Rio de Janeiro: Editora Campus, 1992. Artigos: “A Revolução Francesa e os Direitos do Homem”, pp. 85-112, e “A Herança da Grande Revolução”, pp. 113-130.

SIEYÈS, Emmanuel Joseph. O que é o Terceiro Estado? Rio de Janeiro: Editora Liber Juris, 1988.

FURET, François. Ensaios sobre a Revolução Francesa. Lisboa: A Regra do Jogo Edições, 1978.

______________. Penser la Révolution française. Paris : Gallimard, 1978.GRANDMAISON, Olivier Le Cour (org.). Les Constitutions françaises. Paris : Édi-

tions La Découverte, 1996.

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AULA 13: A INSERÇÃO LIBERAL III: THE FOUNDING FATHERS E SUAS INFLUÊNCIAS NA REPÚBLICA BRASILEIRA

NOTA AO ALUNO

A) INTRODUÇÃO

Um dos mais famosos casos, não apenas do constitucionalismo americano, mas do constitucionalismo em geral, é o caso Marbury vs. Madison, julgado pela Suprema Cor-te dos Estados Unidos em 1803. Foi com este julgamento que se instituiu o controle de constitucionalidade, afirmando-se a soberania da Constituição e a nulidade dos atos e leis que a contrariam. Foi ainda este caso que instituiu a idéia de que é do Judiciário a palavra final sobre a interpretação da Constituição. Mais especificamente, a interpre-tação do Judiciário federal se sobrepondo às normas e interpretações feitas nos Estados.

Na aula de hoje, Marbury vs. Madison servirá para explicitar algumas das mais importantes contribuições do constitucionalismo norte-americano. Após a leitura do material de apoio e do famoso voto do juiz Marshall neste caso – voto que explicitou pela primeira vez o raciocínio por trás do controle de constitucionalidade –, reflita sobre as seguintes questões:

Poderes Legislativo e Executivo?

por contrariar a Constituição?

realize o controle de constitucionalidade) em uma federação?

Caso você queira se aprofundar no tema e se preparar ainda mais para esta aula, assista à aula magna proferida pelo Ministro Joaquim Barbosa, do Supremo Tribunal Federal, sobre o caso Marbury v. Madison. A referência completa encontra-se no seu material de apoio.

Além de analisarmos o voto do juiz Marshall, procuraremos debater a experiência constitucional americana a partir da leitura dos Artigos Federalistas, indicados como leitura para esta aula, bem como dos trechos abaixo transcritos da Constituição dos Estados Unidos da América.

Constituição dos Estados Unidos da América9

“Nós, o povo dos Estados Unidos, a fim de formar uma União mais perfeita, esta-belecer a justiça, assegurar a tranqüilidade interna, prover a defesa comum, promover o bem-estar geral, e garantir para nós e para os nossos descendentes os benefícios da Liberdade, promulgamos e estabelecemos esta Constituição para os Estados Unidos da América.

9 Texto editado para os fins

da aula.

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TEORIA DO DIREITO CONSTITUCIONAL

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I – (...)Seção 1 – Todos os poderes legislativos conferidos por esta Constituição serão con-

fiados a um Congresso dos Estados Unidos, composto de um Senado e de uma Câmara de Representantes.

Seção 3 – Só o Senado poderá julgar os crimes de responsabilidade (impeachment). Reunidos para esse fim, os Senadores prestarão juramento ou compromisso. O julga-mento do Presidente dos Estados Unidos será presidido pelo Presidente da Suprema Corte. E nenhuma pessoa será condenada a não ser pelo voto de dois terços dos mem-bros presentes.

Seção 8 – Será da competência do Congresso:Lançar e arrecadar taxas, direitos, impostos e tributos, pagar dividas e prover a defesa

comum e o bem-estar geral dos Estados Unidos; mas todos os direitos, impostos e tri-butos serão uniformes em todos os Estados Unidos; (...)

Seção 9 – Não poderá ser suspenso o remédio do habeas corpus, exceto quando, em caso de rebelião ou de invasão, a segurança pública o exigir.

Não serão lançados impostos ou direitos sobre artigos importados por qualquer Es-tado.

Não se concederá preferência através de regulamento comercial ou fiscal, aos portos de um Estado sobre os de outro; nem poderá um navio, procedente ou destinado a um Estado, ser obrigado a aportar ou pagar direitos de trânsito ou alfândega em outro.

II – (...)Seção 1 – O Poder Executivo será investido em um Presidente dos Estados Unidos

da América. Seu mandato será de quatro anos, e, juntamente com o Vice- Presidente, escolhido para igual período, será eleito pela forma seguinte:

Cada Estado nomeará, de acordo com as regras estabelecidas por sua Legislatura, um número de eleitores igual ao número total de Senadores e Deputados a que tem direito no Congresso; todavia, nenhum Senador, Deputado, ou pessoa que ocupe um cargo federal remunerado ou honorifico poderá ser nomeado eleitor.

III – (...)Seção 1. O Poder Judiciário dos Estados Unidos será investido em uma Suprema

Corte e nos tribunais inferiores que forem oportunamente estabelecidos por determi-nações do Congresso. Os juízes, tanto da Suprema Corte como dos tribunais inferiores, conservarão seus cargos enquanto bem servirem, e perceberão por seus serviços uma remuneração que não poderá ser diminuída durante a permanência no cargo.

Seção 2. A competência do Poder Judiciário se estenderá a todos os casos de apli-cação da Lei e da Eqüidade ocorridos sob a presente Constituição, as leis dos Estados Unidos, e os tratados concluídos ou que se concluírem sob sua autoridade; a todos os casos que afetem os embaixadores, outros ministros e cônsules; a todas as questões do almirantado e de jurisdição marítima; às controvérsias em que os Estados Unidos sejam parte; às controvérsias entre dois ou mais Estados, entre um Estado e cidadãos de outro Estado, entre cidadãos de diferentes Estados, entre cidadãos do mesmo Estado reivin-dicando terras em virtude de concessões feitas por outros Estados, enfim, entre um Estado, ou os seus cidadãos, e potências, cidadãos, ou súditos estrangeiros.

IV – (...)

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Seção 4 – Os Estados Unidos garantirão a cada Estado desta União a forma re-publicana de governo e defende-lo-ão contra invasões; e, a pedido da Legislatura, ou do Executivo, estando aquela impossibilitada de se reunir, o defenderão em casos de comoção interna.

V – Sempre que dois terços dos membros de ambas as Câmaras julgarem necessário, o Congresso proporá emendas a esta Constituição, ou, se as legislaturas de dois terços dos Estados o pedirem, convocará uma convenção para propor emendas, que, em um e outro caso, serão válidas para todos os efeitos como parte desta Constituição, se forem ratificadas pelas legislaturas de três quartos dos Estados ou por convenções reunidas para este fim em três quartos deles, propondo o Congresso uma ou outra dessas maneiras de ratificação.

VI – Esta Constituição e as leis complementares e todos os tratados já celebrados ou por celebrar sob a autoridade dos Estados Unidos constituirão a lei suprema do país; os juízes de todos os Estados serão sujeitos a ela, ficando sem efeito qualquer disposição em contrário na Constituição ou nas leis de qualquer dos Estados.

VII – A ratificação, por parte das convenções de nove Estados será suficiente para a adoção desta Constituição nos Estados que a tiverem ratificado.

Dado em Convenção, com a aprovação unânime dos Estados presentes, a 17 de setembro do ano de Nosso Senhor de 1787, e décimo segundo da Independência dos Estados Unidos. Em testemunho do que, assinamos abaixo os nossos nomes.

Emendas acrescentadas à Constituição dos Estados Unidos, ou que a emendam, propostas Pelo Congresso e ratificadas pelas Legislaturas dos vários Estados, de acordo com o Artigo 5 da Constituição Original:

EMENDA I – O Congresso não legislará no sentido de estabelecer uma religião, ou proibindo o livre exercício dos cultos; ou cerceando a liberdade de palavra, ou de im-prensa, ou o direito do povo de se reunir pacificamente, e de dirigir ao Governo petições para a reparação de seus agravos.

EMENDA III – Nenhum soldado poderá, em tempo de paz, instalar-se em um imóvel sem autorização do proprietário, nem em tempo de guerra, senão na forma a ser prescrita em lei.

EMENDA IV – O direito do povo à inviolabilidade de suas pessoas, casas, papéis e haveres contra busca e apreensão arbitrárias não poderá ser infringido; e nenhum man-dado será expedido a não ser mediante indícios de culpabilidade confirmados por jura-mento ou declaração, e particularmente com a descrição do local da busca e a indicação das pessoas ou coisas a serem apreendidas.

EMENDA V – Ninguém será detido para responder por crime capital, ou outro crime infamante, salvo por denúncia ou acusação perante um Grande Júri, exceto em se tratando de casos que, em tempo de guerra ou de perigo público, ocorram nas forças de terra ou mar, ou na milícia, durante serviço ativo; ninguém poderá pelo mesmo crime ser duas vezes ameaçado em sua vida ou saúde; nem ser obrigado em qualquer processo criminal a servir de testemunha contra si mesmo; nem ser privado da vida, liberdade, ou bens, sem processo legal; nem a propriedade privada poderá ser expropriada para uso público, sem justa indenização.

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EMENDA VI – Em todos os processos criminais, o acusado terá direito a um jul-gamento rápido e público, por um júri imparcial do Estado e distrito onde o crime houver sido cometido, distrito esse que será previamente estabelecido por lei, e de ser informado sobre a natureza e a causa da acusação; de ser acareado com as testemunhas de acusação; de fazer comparecer por meios legais testemunhas da defesa, e de ser defen-dido por um advogado.

EMENDA VIII – Não poderão ser exigidas fianças exageradas, nem impostas multas excessivas ou penas cruéis ou incomuns.

EMENDA IX – A enumeração de certos direitos na Constituição não poderá ser interpretada como negando ou coibindo outros direitos inerentes ao povo.

EMENDA X – Os poderes não delegados aos Estados Unidos pela Constituição, nem por ela negados aos Estados, são reservados aos Estados ou ao povo.

EMENDA XIII – (...)Seção 1 – Não haverá, nos Estados Unidos ou em qualquer lugar sujeito a sua juris-

dição, nem escravidão, nem trabalhos forçados, salvo como punição de um crime pelo qual o réu tenha sido devidamente condenado.

EMENDA XIV – (...)Seção 1 – Todas as pessoas nascidas ou naturalizadas nos Estados Unidos e sujeitas

a sua jurisdição são cidadãos dos Estados Unidos e do Estado onde tiver residência, Nenhum Estado poderá fazer ou executar leis restringindo os privilégios ou as imunida-des dos cidadãos dos Estados Unidos; nem poderá privar qualquer pessoa de sua vida, liberdade, ou bens sem processo legal, ou negar a qualquer pessoa sob sua jurisdição a igual proteção das leis.

EMENDA XV – (...)Seção 10 – O direito de voto dos cidadãos dos Estados Unidos não poderá ser ne-

gado ou cerceado pelos Estados Unidos, nem por qualquer Estado, por motivo de raça, cor ou de prévio estado de servidão.

EMENDA XVI – O Congresso terá competência para lançar e arrecadar impostos sobre a renda, seja qual for a proveniência desta, sem distribuí-los entre os diversos Es-tados ou levar em conta qualquer recenseamento ou enumeração.

Após analisar o material de leitura e a Constituição Norte-Americana, procure res-ponder às seguintes questões:

-ton e Jay foram vitoriosos ou derrotados em sua campanha? Por quê?

cabo pelos autores federalistas funcionaria no Brasil?

Estado e dos Poderes, qual parece a mais interessante?

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Boa parte das idéias desenvolvidas por Alexander Hamilton, James Madison e dos outros founding fathers do constitucionalismo norte americano – sobretudo no tocan-te ao federalismo, à separação de poderes e o controle judicial de constitucionalidade – vieram a ser incorporados, de forma mais ou menos explícita, no texto constitucional de 1891, promulgado pouco após a proclamação da República. A Constituição de 1891 é considerada, portanto, um marco da recepção do pensamento constitucional norte-americano no direito brasileiro.

Um dos principais expositores e defensores das idéias constitucionais norte-ameri-canas foi o célebre jurista e advogado Rui Barbosa. Mas a recepção dos novos institutos e teorias no direito brasileiro não foi imediata, nem simples – um típico cenário de aplicação de novas idéias e conceitos por instituições antigas, desenhadas e consolida-das em um contexto diferente, para agir e reagir de forma diferente. O pioneirismo de Rui, então, está justamente no fato de levado às últimas conseqüências práticas os ele-mentos “norte-americanos” da Constituição de 1891, no que se refere ao federalismo e à separação de poderes, em uma comunidade jurídica habituada a pensar e agir nas matrizes teóricas da Inglaterra e da França.

A partir das reflexões feitas sobre o constitucionalismo americano e da análise do texto de Rui Barbosa, também indicado como leitura para esta aula, procure responder às seguintes questões:

Separação de Poderes e Federalismo.

desenhado na Constituição de 1824 e aquele adotado em 1891?

acha que foram mais aproveitadas no Brasil?

1988? Qual? Identifique os artigos em questão.

Estados Unidos para essa discussão, sobretudo na aplicação de idéias abstratas como “separação de poderes” e “direitos individuais”?

B) O CASO

Disse James Madison no Artigo Federalista LI:

A grande garantia contra uma concentração gradual dos vários poderes no mesmo braço, porém, consiste em dar aos que administram cada poder os meios constitucionais necessários e os motivos pessoais para resistir aos abusos dos outros. As medidas de defesa devem, neste caso como em todos os outros, ser proporcionais ao perigo de ataque. A ambição deve poder contra-atacar a ambição. O interesse do homem deve estar vinculado aos direitos constitucionais do cargo. Talvez não seja lisonjeiro para a natureza humana considerar que tais estratagemas poderiam ser necessários para o controle dos abusos do

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governo. Mas o que é o próprio governo, senão a maior das críticas à natureza humana? Se os homens fossem anjos, não seria necessário governo algum. Se os homens fossem governados por anjos, o governo não precisaria de controles externos nem internos.

Agora, imagine que os constitucionalistas responsáveis por desenhar a organização dos Poderes a partir de nossa primeira constituição republicana até a atual, estudaram Montesquieu mas deixaram de lado a leitura dos Artigos Federalistas. Assim, teríamos um sistema de divisão tripartite dos poderes, com ambições de harmonia e indepen-dência, mas não teríamos uma engenharia constitucional que os enquadrasse em um sistema de freios e contrapesos, estabelecendo arranjos que facultassem a ingerência positiva de um Poder no outro e, ao mesmo tempo, impedisse ingerências abusivas. Partindo dessa noção, reflita:

check and balances não fossem previstos?

-res da República e dos agentes que os exercem?

o sistema de freios e contrapesos?

C) MATERIAL DE APOIO

c1) Casos / Jurisprudência

Marbury x Madison ( 5 US 137)ADI 276 MC / ALEmenta: ação direta de inconstitucionalidade – constituição estadual – processo

legislativo – a questão de sua observância compulsória pelos estados-membros – tema ainda não definido pelo supremo tribunal federal – precedente (adin-216-pb) – exten-são do poder constituinte decorrente – relevância jurídica da matéria – periculum in mora – suspensão cautelar deferida. O supremo tribunal federal ainda não definiu, sob o regime da vigente ordem constitucional, se os princípios que informam o processo legislativo impõem-se aos estados-membros como padrões jurídicos de compulsória observância. O tema da autonomia das unidades federadas, suscitado na perspectiva da nova concepção de federalismo consagrada pela vigente carta política, foi, no entanto, considerado de extremo relevo jurídico pelo STF (adin-216-pb). A autonomia dos estados-membros constitui um dos elementos essenciais à própria conceptualização do estado federal, cujo tipo histórico, variável na evolução do constitucionalismo brasi-leiro – federalismo dual ou dualista (cf. 1891), federalismo de cooperação (cf. 1934), federalismo de integração (carta de 67) – enseja abordagens várias, quer a partir das múltiplas tendências já positivadas na experiência constitucional comparada (federalis-

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mo de equilíbrio e federalismo hegemônico), quer de proclamações doutrinárias, tais como as que preconizam o federalismo das regiões. Impõe-se a suspensão cautelar de regras inscritas em constituições estaduais, cujo conteúdo normativo esteja em aparen-te desarmonia com o modelo federal atinente ao processo legislativo, até que a suprema corte defina a extensão e o alcance do poder constituinte dos estados-membros.

c2) Textos

I) OBRIGATÓRIOS

BARBOSA, Rui. O Liberalismo e a Constituição de 1988. Textos selecionados e or-ganizados por Vicente Barretto. Rio de Janeiro: Editora Nova Fronteira e Fun-dação Casa de Rui Barbosa, 1991, pp. 49-57 (formas de governo), pp. 187-189 (federação).

MADISON, James et alli. O Federalista. Artigo I, pp. 93-96 (introdução); Artigo IX, pp. 128-132 (federação); Artigo XLVII, pp. 331-337 (separação de poderes).

MARSHAL, Justice John. Voto no caso Marbury X Madison (1803)

II) ACESSÓRIOS

Declaração de Independência dos Estados Unidos da América de 04 de julho de 1776.

Artigos Anti-Federalistas (1787-1789).

c3) Material Interativo Extra-Classe

Aula Magna proferida pelo Ministro Joaquim Barbosa, do Supremo Tribunal Fede-ral, sobre o caso Marbury v. Madison. In: DVD Aula Magna – TV Justiça – STF.

c4) Questões de Concursos

Ministério Público Estadual/ 2002 – PR“A estabilidade das constituições não deve ser absoluta, não pode significar imutabili-dade”. Disserte sobre esta lição doutrinária.

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AULA 14: A MATRIZ SOCIAL: CONSTITUIÇÕES DE 1934, 1937 E 1946 E A GANGORRA DA DEMOCRACIA

NOTA AO ALUNO

A) INTRODUÇÃO

O período constitucional compreendido pelas Constituições de 1934, 1937 e 1946 pode ser analisado inicialmente como uma reação, em diversas etapas e com matizes diferentes, contra a Constituição de 1891. Nesta aula, estes três momentos constitucio-nais – 34, 37 e 46 – serão enfocados como expressões de um processo mais ou menos contínuo de “ajuste” das instituições jurídicas à realidade nacional.

Desde os anos 20 já se criticava o “idealismo” da Constituição de 1891 – garantias, direitos e palavras de ordem completamente desvinculados dos problemas e da estru-tura do país.10 O maior exemplo dessa inadequação se encontrava no exercício dos direitos políticos; o sistema eleitoral era completamente viciado, de modo a privilegiar apenas as oligarquias de certas regiões do país.

Contra a política do “café-com-leite” e o atraso que ela parecia representar para o país, a Constituição de 1934 procurou criar novas instituições políticas, judiciais, econômicas, culturais e educacionais, além de modernizar as já existen-tes. Nesse processo de modernização, foram criados, por exemplo: 1) a Justiça Eleitoral, para assegurar um processo político menos viciado e “reequilibrar o federalismo”;11 2) o Mandado de Segurança, apto a defender judicialmente di-reitos não protegidos pelo habeas corpus. Contudo, a principal inovação institu-cional trazida pela Constituição de 1934 (e mantida na Constituição de 1937, deixando ainda ecos nas Cartas subseqüentes) foi a burocratização do aparelho estatal, com a criação de inúmeros Conselhos, entidades e órgãos técnicos para auxiliar a Administração Pública.

Além de modernizar nossas instituições, as cartas constitucionais de 1934 e 1937 representaram uma relativa adequação do Brasil à experiência jurídica mundial da épo-ca, inspirada pelo “sentido social de direito” colocado em pauta pelas Constituições de Weimar (1919) e do México (1917). Como exemplos desta nova pauta jurídica, podemos citar a inclusão no texto constitucional de:

Constituição de 37);

A Era Vargas é marcada pela oscilação entre democracia e ditadura. As Constituições do período refletem essa oscilação. No fundo, o próprio Getulio também as reflete. O fundamental, então, é ter em mente que a Constituição de 1988 e o atual ordenamento jurídico, mesmo sendo democráticos, incorporam diversas instituições criadas pelas constituições ditatoriais de 1937, como por exemplo, o IPHAN, a Justiça do Trabalho,

10 A expressão é de Oliveira

Vianna, em seu O Idealismo

da Constituição.

11 Conforme observa Mi-

guel Seabra Fagundes na

série de palestras compi-

ladas em Reforma Cons-

titucional (org. de Mario

Brockmann Machado e

Ivan Vernon Gomes Torres

Jr., Rio de Janeiro, 1997).

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a Carteira de Trabalho etc. O desafio que se coloca hoje é como dar um novo sentido, um significado democrático a instituições que não o foram em sua origem.

B) O CASO

Em 30 de novembro de 1937, pouco tempo depois da promulgação da Constitui-ção de 1937 e da instauração do Estado Novo, Getulio Vargas editou o Decreto-Lei de n.25, com a seguinte redação:

Decreto Lei nº 25 de 30 de novembro de 193712

O Presidente da República dos Estados Unidos do Brasil, usando da atribuição que lhe confere o art. 180 da Constituição, decreta:

Art. 1º – Constitui o patrimônio histórico e artístico nacional o conjunto dos bens móveis e imóveis existentes no País e cuja conservação seja de interesse público, quer por sua vinculação a fatos memoráveis da história do Brasil, quer por seu excepcional valor arqueológico ou etnográfico, bibliográfico ou artístico.

§ 1º – Os bens a que se refere o presente artigo só serão considerados parte integrante do patrimônio histórico e artístico nacional depois de inscritos separada ou agrupada-mente num dos quatro Livros do Tombo, de que trata o

Art. 4º desta lei.§ 2º – Equiparam-se aos bens a que se refere o presente artigo e são também sujeitos

a tombamento os monumentos naturais, bem como os sítios e paisagens que importe conservar e proteger pela feição notável com que tenham sido dotados pela Natureza ou agenciados pela indústria humana.

Art. 6º – O tombamento de coisa pertencente à pessoa natural ou à pessoa jurídica de direito privado se fará voluntária ou compulsoriamente.

Art. 7º – Proceder-se-á ao tombamento voluntário sempre que o proprietário o pedir e a coisa se revestir dos requisitos necessários para constituir parte integrante do patrimônio histórico e artístico nacional a juízo do Conselho Consultivo do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, ou sempre que o mesmo proprietário anuir, por escrito, à notificação, que se lhe fizer, para inscrição da coisa em qualquer dos Livros do Tombo.

Art. 8º – Proceder-se-á ao tombamento compulsório quando o proprietário se recu-sar a anuir à inscrição da coisa.

Art. 9º – O tombamento compulsório se fará de acordo com o seguinte processo:1º) O Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, por seu órgão compe-

tente, notificará o proprietário para anuir ao tombamento, dentro do prazo de quinze dias, a contar do recebimento da notificação, ou para, se o quiser impugnar, oferecer dentro do mesmo prazo as razões de sua impugnação;

2º) no caso de não haver impugnação dentro do prazo assinado, que é fatal, o diretor do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional mandará por simples despacho que proceda à inscrição da coisa no competente Livro do Tombo;

3º) se a impugnação for oferecida dentro do prazo assinado, far-se-á vista da mesma, dentro de outros quinze dias fatais, ao órgão de que houver emanado a iniciativa do

12 Editado para os fins da

aula.

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tombamento, a fim de sustentá-la. Em seguida, independentemente de custas, será o processo remetido ao Conselho Consultivo do Serviço do Patrimônio Histórico Nacio-nal, que proferirá decisão a respeito, dentro do prazo de sessenta dias, a contar do seu recebimento. Dessa decisão não caberá recurso. (...)

Art. 17 – As coisas tombadas não poderão, em caso nenhum, ser destruídas, demo-lidas ou mutiladas, nem, sem prévia autorização especial do Serviço do Patrimônio His-tórico e Artístico Nacional, ser reparadas, pintadas ou restauradas, sob pena de multa de cinqüenta por cento do dano causado.

Art. 18 – Sem prévia autorização do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, não se poderá, na vizinhança da coisa tombada, fazer construção que lhe impeça ou reduza a visibilidade, nem nela colocar anúncios ou cartazes, sob pena de ser mandada destruir a obra ou retirar o objeto, impondo-se neste caso multa de cinqüenta por cento do valor do mesmo objeto.

Desde 1937, essa lei tem sido aplicada regularmente para “tombar” bens móveis e imóveis vinculados “a fatos memoráveis da história do Brasil” ou possuidores de “ex-cepcional valor arqueológico ou etnográfico, bibliográfico ou artístico”.

Entre os processos de tombamento iniciados com base no Decreto-Lei 25/1937, podemos citar o Corredor da Vitória (Salvador, Bahia).13 O Corredor é o trecho da Av. Sete de Setembro localizado logo após o Campo Grande, onde aquela avenida se estreita até atingir o Largo da igreja de N.S. da Vitória. Pediu-se o tombamento do bem com base no argumento de que o Corredor fornece a quem o percorre “uma idéia da espacialidade e ambiência primitivas ali reinantes” nas primeiras décadas do século XX. Contudo, a deteriorização e a especulação imobiliária no local, uma das áreas mais nobres de Salvador, estariam ameaçando a integridade deste conjunto arquitetô-nico que, segundo a regional do Sindicato Nacional dos Arquitetos da Bahia, possui um “incontestável interesse do ponto de vista histórico, cultural e social”.14 O motivo da deterioração: diversas pessoas e entidades privadas e estatais estariam construindo modernos nos fundos dos terrenos das antigas mansões do Corredor da Vitória, preju-dicando assim a “ambiência” do local.

Um outro imóvel tombado foi o famoso hotel Copacabana Palace. Contudo, dada a permanente utilização comercial do imóvel, é freqüente haver tensões entre a neces-sidade de reformas e a proteção à integridade estética do prédio. Leia, por exemplo, o problema descrito na notícia abaixo:

Agência Estado (www.estadao.com.br), 07 de abril de 2000Copacabana Palace cria polêmicaRio de Janeiro – A construção de um anexo com dez andares e 162 apartamentos

de luxo no Copacabana Palace está mobilizando os moradores do bairro mais famoso do Rio. O plano da rede inglesa Orient Express, dona do hotel, é usar a área dos fundos, que dá para a Avenida Nossa Senhora de Copacabana, onde ficam o teatro, o antigo cassino e algumas lojas, hoje desativados. Os vizinhos alegam que, além de a área ser tombada, a infra-estrutura de trânsito, água e esgoto do bairro não suportaria o acrésci-mo de tantas unidades.

13 Processo n° 1.451-T-99

do IPHAN.

14 Ofício do SINARQ-BA

n°56/98.

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A direção do hotel alega que o projeto não significa desrespeito ao tombamento, que data de 1983, e serviria para revitalizar a área. A Orient Express já obteve a aprovação do Departamento Geral de Patrimônio Cultural do Município (DGPC) e do Instituto Estadual de Patrimônio Artístico e Cultural (Inepac). A rede entrou com pedido de au-torização da reforma no Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) há duas semanas.

“É um plano a longo prazo, pois depende da aprovação do órgão federal e de finan-ciamentos”, avisa o diretor-superintendente do Copa, Phillip Carruters. “É evidente que, num projeto desse tipo, não se consulta a população em volta.”

A Sociedade de Amigos de Copacabana (SAC), dissidência da Associação de Mora-dores e Amigos do bairro (Amacopa), discorda. Esta semana, a entidade fez circular um abaixo-assinado nos 150 prédios das redondezas do hotel denunciando a aprovação do projeto, que, segundo o documento, “foi rejeitado por unanimidade duas vezes” pelo Inepac. “Apesar disso, o secretário estadual de Cultura, Adriano de Aquino, mudou os rumos do processo, aprovando a obra, alegando não ser interesse do Estado se opor”, critica o texto.

A Amacopa, que já foi a favor, está revendo sua posição. “Queremos revitalizar a área, mas vamos discutir o projeto em assembléia”, diz a presidente da associação, Myrian Barbosa. “Estamos preocupados com o desrespeito a uma lei anterior à compra do hotel e com a questão ambiental”, diz a subsíndica de um dos prédios situados atrás do estabelecimento, Taís de Mello. Ela pretende pedir ao superintendente do Iphan no Rio, José Pessoa, parecer sobre a obra. “Essa rede de hotéis usa imóveis históricos em todo o mundo, mas é a primeira vez que eles tentam mudar as características de um deles.”

Além dos níveis Federal e Estadual, o tombamento também pode ocorrer no âmbito do Município. Foi o caso do Quiosque Oxumaré, situado na orla do bairro da Barra da Tijua, no Rio de Janeiro, nos termos da Lei 3263, de 23 de agosto de 2001:

Lei 3263, de 23 de agosto de 2001Tomba, por interesse artístico-cultural e esportivo, o quiosque denominado Oxumaré,

situado na Barra da Tijuca.Art. 1º . Fica tombado por interesse artístico-cultural e esportivo, o local denomi-

nado Quiosque Oxumaré situado na orla marítima da Barra da Tijuca, na Avenida do Pepê 10-B.

(....)

Com base nesses casos de tombamento, reflita:

1891? O texto dessas Cartas Constitucionais nos dá alguma pista de como solu-cioná-lo? Dê exemplos.

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-cional?

C) MATERIAL DE APOIO

c1) Textos

I) OBRIGATÓRIOS

CHACON, Vamireh. “Constituição de 1937”. Verbete do Dicionário Histórico-Biográfico Brasileiro: Pós 1930.

FILHO, Alberto Venâncio. “Constituição de 1934”. Verbete do Dicionário Histó-rico-Biográfico Brasileiro: Pós 1930. (editado)

BONAVIDES, Paulo; ANDRADE, Paes de. “A Constituição de 1946”, in Histó-ria Constitucional do Brasil. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1991. Apenas páginas 409-417!

II) ACESSÓRIOS

BONAVIDES, Paulo e ANDRADE, Paes. História Constitucional do Brasil.MORAIS, Fernando. Olga.BARROSO, Luís Roberto. O Direito Constitucional e a Efetividade de suas nor-

mas.MACHADO, Mario Brockmann (org.). Reforma Constitucional.COHEN, Adam. What’s New in the Legal World? A Growing Campaign to Undo the

New deal. Publicado no The New York Times em 14/12/04.Verbete do Dicionário Histórico-Biográfico Brasileiro: Pós 1930 sobre “Constituição

de 1934”.

c2) Questões de Concursos

171º Concurso – Magistratura Estadual/ 1998 – SPConceitue o princípio do juiz natural. A criação de varas especializadas para julgar determinadas matérias fere tal princípio?

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AULA 15: CONSTITUIÇÕES MILITARES: A CONVIVÊNCIA CONTRADITÓRIA

NOTA AO ALUNO

A) INTRODUÇÃO

A idéia central desta aula é discutir a convivência contraditória entre a Constituição de 1946, a de 1967 – e sua Emenda n° 1 (a chamada Constituição de 1969), e os Atos Institucionais adotados pelo movimento militar que chegou ao poder em 1964, apro-veitando a oportunidade para rever três conceitos já apresentados, quais sejam, (i) o de poder constituinte; (ii) o de supremacia formal da constituição e (iii) o da constituição como norma de organização do Estado.

O movimento militar de 1964 conviveu, no campo jurídico-constitucional, com uma tensão permanente entre seu interesse de institucionalização e as limitações im-postas pelos textos constitucionais. Tensão entre as condições de exercício do poder, na Constituição, e a própria existência desse poder, na institucionalização. Se de um lado havia a preocupação com a exteriorização de um Estado de Direito formal, especialmen-te pelo General Castelo Branco, de outro havia a percepção de que os limites impostos pelo arcabouço constitucional impediam o movimento de atingir seus objetivos.

A doutrina de segurança nacional aparece como a pedra de toque ideológica do re-gime, sendo utilizada como um calibrador do conteúdo jurídico dos atos institucionais e dos textos constitucionais, servindo, ainda, para justificar a relação de supremacia prática dos atos institucionais em relação à constituição.

A convivência contraditória entre Constituição e Ato Institucional tem grandes conseqüências no campo do direito, pois, no fundo, “cria” um Estado de Direito ape-nas formal, afastando a necessidade de legitimidade do regime instalado.

É a supremacia dos conceitos de validade e legalidade; a imposição da perspectiva lógico-formal como a única aceita para a interpretação jurídica, usada como meca-nismo de exclusão de alternativas de interpretação que não fossem aquelas previstas por quem criava as leis. A matriz constitucional militar possibilita a existência de um Estado de Direito, sem a necessidade de democracia. A doutrina do regime autoritário encontra-se exposta no preâmbulo do Ato Institucional nº 1.

Nessa medida, deve ser questionada se a adoção dos Atos Institucionais fundados na idéia de Poder Constituinte foi a melhor solução jurídica encontrada para compatibili-zar a tensão entre a necessidade de institucionalização do movimento militar e a Carta Constitucional vigente. Seria a “revolução” detentora, de fato e de direito, do Poder Constituinte Originário?

B) CASO JOÃO GOULART

Em 1968, o ex-Presidente João Goulart foi denunciado pelo Ministério Público por supostos crimes comuns praticados durante o exercício de seu mandado presidencial.

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De acordo com a Constituição de 1967, os ex-presidentes deveriam ser processados e julgados, por crimes comuns, pelo Supremo Tribunal Federal.

Art. 114 – Compete ao Supremo Tribunal Federal: I – processar e julgar originariamente: a) nos crimes comuns, o Presidente da República, os seus próprios Ministros e o

Procurador-Geral da República;15

Ocorre que, o art. 16, I do Ato Institucional nº 02 dispunha o seguinte:

Art. 16. A suspensão de direitos políticos com base neste Ato e no art. 10 e seu pa-rágrafo único do Ato Institucional de 9.4.64, além do disposto no art. 337 do Código Eleitoral e no art. 6º da Lei Orgânica dos Partidos Políticos, acarreta simultaneamente:

I – a cessação de privilégio de foro por prerrogativa de função.

Ora, tendo em vista terem sido os direitos políticos do presidente João Goulart suspensos, o que faria cessar a competência por prerrogativa de função (de Presidente da República), a questão era saber de quem seria a competência para o julgamento: da Justiça Comum ou do Supremo Tribunal Federal? Se obedecêssemos o AI-2, a com-petência seria da Justiça Comum; por outro lado, se entendêssemos pela prevalência do disposto na Constituição de 1967, posterior ao AI-2, então a competência seria do Supremo.

O Supremo Tribunal Federal proferiu decisão, no sentido de que a competência seria da Justiça Federal Comum do antigo Estado da Guanabara. Em recente seminário promovido pela Ordem dos Advogados do Brasil, onde se discutia o papel do Supremo Tribunal Federal durante o regime militar, um professor de direito sugeriu a realização de um julgamento simulado da causa. Segundo o professor, o STF somente teria deci-dido daquela forma por conta do momento histórico pelo qual o país passava. Achava que um novo julgamento poderia confirmar se a decisão do STF no Caso João Goulart era “acertada”.

E você? Concorda com a decisão do Supremo?

C) MATERIAL DE APOIO

c1) Jurisprudência

Revista Trimestral de Jurisprudência — RTJ v. 46, pp. 490-515.

c2) Textos

I) OBRIGATÓRIOS

BONAVIDES, Paulo. História Constitucional do Brasil. 3ª ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1991, pp. 427 e seguintes.

15 Vale lembrar que, se-

gundo a jurisprudência do

Supremo então vigente, o

foro especial por prerroga-

tiva de função (nesse caso,

a prerrogativa dos Presi-

dentes da República de

serem julgados pelo STF)

continuaria sendo aplicá-

vel a Jango mesmo após

o término de seu mandato,

desde que o suposto crime

tivesse sido cometido no

período que ocupou a Pre-

sidência.

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Preâmbulo do Ato Institucional nº 01/64.

II) ACESSÓRIOS

SILVA, José Afonso. Direito Constitucional Positivo. São Paulo: Malheiros, 2005. Pp. 86 a 87.

GASPARI, Elio. A Ditadura Escancarada. São Paulo: Companhia das Letras, 2002.

LINS E SILVA, Evandro. O Salão dos Passos Perdidos. Rio de Janeiro: Ed. FGV, 1997, pp. 377 e seguintes.

DA COSTA, Emília Viotti. O Supremo Tribunal Federal e a Construção da Cidada-nia. São Paulo: UNESP, 2006. Pp. 160 a 178.

c3) Legislação

Atos Institucionais n° 01, 02, 04 e 05.Emenda Constitucional n° 16/65.Emenda Constitucional n° 01/69.

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TEORIA DO DIREITO CONSTITUCIONAL

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AULA 16: ESTADO DE DIREITO DEMOCRÁTICO: A DEMOCRACIA CONCOMITANTE

A) INTRODUÇÃO

O artigo 1º de nossa Constituição de 1988 fala de Estado Democrático de Direito. Já vimos o que é estado de direito. Precisamos saber agora o conceito e a prática de democracia que foram adotados em nossa Constituição. Uma maneira de realizar essa investigação é analisar, pesquisar e tentar identificar como a própria Constituição de 1988 revela algum conceito de democracia. Na Constituição de 1967, por exemplo, o Presidente da República era escolhido por voto indireto, nos termos do artigo 76 e seus incisos:

Art 76 – O Presidente será eleito pelo sufrágio de um Colégio Eleitoral, em sessão, pública e mediante votação nominal.

§ 1º – O Colégio Eleitoral será composto dos membros do Congresso Nacional e de Delegados indicados pelas Assembléias Legislativas dos Estados.

§ 2º – Cada Assembléia indicará três Delegados e mais um por quinhentos mil elei-tores inscritos, no Estado, não podendo nenhuma representação ter menos de quatro Delegados.

§ 3º – A composição e o funcionamento do Colégio Eleitoral serão regulados em lei complementar.

A eleição para os membros do Legislativo era direta, mas o povo não podia escolher o ocupante do cargo individualmente mais importante do país – o de Presidente da Re-pública. Nos anos dez anos anteriores à promulgação da Constituição de 1988, cresceu e se intensificou a oposição ao regime autoritário. Começou a ficar claro para todos – inclusive para o próprio governo – que a sociedade reconhecia a importância de eleger diretamente seu Presidente.

No dia 27 de novembro de 1983, na praça do Pacaembu (São Paulo), a campanha “Diretas Já” teve início, através de manifestação pública convocada pelo Partido dos Tra-balhadores (PT). Durante todo ano de 1984, explodiram em vários pontos do país ma-nifestações de apoio à campanha, exigindo eleições diretas para o cargo de Presidente da República. Apesar de a Emenda Constitucional que estabeleceria a eleição direta – pro-posta pelo Senador Dante de Oliveira em 1983 – ter sido rejeitada em 1984, dali em diante o país seguiu caminho em direção à redemocratização, passando inclusive pelas eleições diretas. Um percurso nítido, ainda que por vezes incerto.

A Assembléia Constituinte foi o coroamento desse processo, ainda que seja apenas o passo inicial no caminho muito mais árduo da construção e consolidação de nossas insti-tuições democráticas. A Constituição de 1988 já abriga uma outra concepção de demo-cracia, reflexo da insatisfação e mobilização da sociedade brasileira na década anterior.

Tal concepção identifica-se no conceito de democracia como combinação de previ-sibilidade das regras da decisão e incerteza quanto aos resultados. Ela exige que o pro-cesso eleitoral constitua-se em um processo cujos resultados, para serem democráticos,

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precisam ser incertos – não se pode saber de antemão que um determinado candidato vai ganhar ou que um determinado grupo vai conseguir fazer seu candidato.

A democracia representativa necessita de mais do que de eleições. Necessita de alter-nância do poder e, mais, que o resultado desta alternância seja sempre incerto. Inexiste democracia quando já se tem certeza de quem vai ganhar sempre é o candidato A ou B, mesmo com eleições periódicas.

Esta incerteza estaria refletida na situação através de um complexo sistema de parti-cipação do povo nos vários e múltiplos processos decisórios do poder estatal, ou melhor, nas decisões por meio das quais o estado distribui recursos que são escassos: o dinheiro, as oportunidades, a coerção e a proteção das leis. As decisões estatais são de diversas natu-rezas e, por isso, necessitam de processos diversos de tomada de decisão. A Constituição de 1988 reflete esta complexidade, na medida em que adota o conceito de democracia concomitante que a interação entre democracia representativa, direta e participativa, tor-nando certas áreas mais ou menos sensíveis à participação imediata ou mediata do povo. Depois da leitura dos textos de Joaquim Falcão, procure preencher o quadro abaixo:

Principais Instrumentos? Artigos?

Democracia Direta

Democracia Representativa

Democracia Participativa

B) O CASO – I

Na tipologia aqui proposta, o critério básico que distingue os três tipos de demo-cracia é a representação. Na democracia direta, ela inexiste; na representativa, ela é mo-nopólio dos partidos políticos. Na participativa ela é ampla, com ascensão das ONG’s, entidades de classes, sindicatos, do Terceiro Setor em geral.

Por essa razão existe uma concorrência entre partidos políticos e Terceiro Setor. Essa concorrência está latente no Projeto de Lei nº 07/2003, proposto ao final da Comissão Parlamentar de Inquérito criada para investigar denúncias de corrupção e desvio de dinheiro público envolvendo ONG’s. O Projeto “dispõe sobre o registro, a fiscalização e o controle das organizações não-governamentais”, nos seguintes termos:

PROJETO DE LEI DO SENADO Nº 7 de 200316

Dispõe sobre o registro, fiscalização e controle das organizações não-governamentais e dá outras providências.

O CONGRESSO NACIONAL decreta:Artigo 1º – São livres a criação, a organização, a estruturação interna e o funcionamen-

to de entidades de direito privado, sem fins lucrativos, cujos objetivos e normas estatutá-

16 Trata-se do substitutivo

proposto pelo Senador

César Borges e já aprovado

pelo Senado, e não do Pro-

jeto original.

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rias visem a fins de interesse público, sendo vedado ao poder público negar-lhes reconhe-cimento ou registro dos atos constitutivos e necessários ao seu funcionamento. (...)

Artigo 2º – As Organizações não governamentais (ONG’s) prestarão contas anual-mente dos recursos recebidos por intermédio de convênios ou subvenções de origem pública ou privada, inclusive doações, ao Ministério Público, independentemente da prestação de contas aos respectivos doadores.

Artigo 3º – Fica criado o Cadastro Nacional de Organizações Não-Governamentais (CNO), administrado pelo Ministério da Justiça, no qual serão inscritas todas as Orga-nizações Não-Governamentais (ONG’s) atuantes, a qualquer título, no País.

§ 1º Por ocasião da inscrição de que trata o caput deste artigo, a Organização Não-Governamental (ONG) prestará esclarecimentos sobre suas fontes de recursos, linhas de ação, tipos de atividades, de qualquer natureza, que pretenda realizar no Brasil, o modo de utilização de seus recursos, a política de contratação de pessoal, os nomes e quali-ficação de seus dirigentes e representantes e quaisquer outras informações que sejam consideradas relevantes para a avaliação de seus objetivos.

§ 2º Todos os órgãos governamentais que detenham informações não confidenciais sobre Organizações Não-Governamentais (ONG’s), inclusive de natureza fiscal, regis-traria e financeira, deverão torná-las disponíveis para o Cadastro Nacional de Organiza-ções Não-Governamentais, conforme dispuser o regulamento. (...)

Artigo 5º – Fica condicionada a prévia autorização do Ministério da Justiça, confor-me dispuser regulamento, o desenvolvimento de atividades no País por parte de Orga-nizações Não-Governamentais (ONG’s) estrangeiras.

Parágrafo único. As ONG’s constituídas antes da vigência desta Lei terão prazo a ser definido em regulamento, para atender ao disposto neste artigo. (...)

Artigo 7º – Esta Lei entra ‘em vigor na data da sua publicação.

Uma primeira análise sistemática do Projeto no âmbito do Legislativo foi feita no Parecer nº 633 de 200417, de autoria do Senador César Borges, que será distribuído pelo professor. O Parecer reflete um clima favorável aos dispositivos do Projeto, cuja versão original foi proposta pela Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) das ONG’s, da qual participaram diversos parlamentares com ONG’s ambientalistas em seus Es-tados de origem, especialmente nas regiões Norte e Nordeste do país. Sua aprovação no Senado teria se dado por acordo de lideranças, o que é praxe regular, sem o voto explícito e individual de cada senador. Uma votação “simbólica”.

Após a leitura do caso e do Parecer nº633/04, reflita: este Projeto de Lei é constitu-cional? Responda se colocando no papel de:

a) Advogado da ABONG (Associação Brasileira das ONGs);b) Assessor do Sen. César Borges.

17 Publicado no Diário

Oficial de 30 de junho de

2004, pg. 1993.

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C) MATERIAL DE APOIO

c1) Textos

I) OBRIGATÓRIOS

FALCÃO, Joaquim Falcão: “Transformações dos Partidos e da Lei” e “A Demo-cracia Concomitante”. In Democracia, Direito e Terceiro Setor. Rio de Janeiro: FGV, 2004.

Parecer nº. 633/04, do Senador César Borges.COMPARATO, Fábio Konder. Organizar o contra-poder popular. Publicado na Fo-

lha de São Paulo em 22/02/2004.

II) ACESSÓRIOS

BOBBIO, Norberto. O Futuro da Democracia. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1986 (capítulo “Democracia Direta e Democracia Representativa”)

BENEVIDES, Maria Victoria et al. (orgs.). Reforma Política e Cidadania. São Pau-lo: Editora Fundação Perseu Abramo, 2003 (artigos diversos, especialmente os de Maria Victoria Benevides, Wanderley Guilherme dos Santos, Francisco Whi-taker e Gustavo Venturini)

FALCÃO, Joaquim “A Estatização da Sociedade Civil”. In Folha de São Paulo em 30/07/2004.

COMPARATO, Fábio Konder. Ainda sobre o contrapoder popular. Publicado na Revista Ponto de Vista em 15/10/2004.

_________________________. Viva o povo brasileiro! Publicado na Folha de São Paulo em 15/11/2004.

PREZWORSKI, Adam. “Amas a Incerteza e Serás Democrático” in Novos estudos CEBRAP, n. 09, jul/1984 (artigo)

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ANEXO AO BLOCO DE HISTÓRIA DAS CONSTITUIÇÕES

PREÂMBULOS DAS CONSTITUIÇÕES BRASILEIRAS

Constituição de 1988

Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembléia Nacional Consti-tuinte para instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos di-reitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e interna-cional, com a solução pacífica das controvérsias, promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL.

Constituição de 1967

O Congresso Nacional, invocando a proteção de Deus, decreta e promulga a se-guinte CONSTITUIÇÃO DO BRASIL.

Constituição de 1946

Nós, os representantes do povo brasileiro, reunidos, sob a proteção de Deus, em Assembléia Constituinte para organizar um regime democrático, decretamos e pro-mulgamos a seguinte

Constituição de 1937

O PRESIDENTE DA REPÚBLICA DOS ESTADOS UNIDOS DO BRASIL, ATENDENDO às legitimas aspirações do povo brasileiro à paz política e social, pro-fundamente perturbada por conhecidos fatores de desordem, resultantes da crescente a gravação dos dissídios partidários, que, uma, notória propaganda demagógica procura desnaturar em luta de classes, e da extremação, de conflitos ideológicos, tendentes, pelo seu desenvolvimento natural, resolver-se em termos de violência, colocando a Nação sob a funesta iminência da guerra civil;

ATENDENDO ao estado de apreensão criado no País pela infiltração comunista, que se torna dia a dia mais extensa e mais profunda, exigindo remédios, de caráter radical e permanente;

ATENDENDO a que, sob as instituições anteriores, não dispunha, o Estado de meios normais de preservação e de defesa da paz, da segurança e do bem-estar do povo;

Sem o apoio das forças armadas e cedendo às inspirações da opinião nacional, umas e outras justificadamente apreensivas diante dos perigos que ameaçam a nossa unidade e da rapidez com que se vem processando a decomposição das nossas instituições civis e políticas;

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Resolve assegurar à Nação a sua unidade, o respeito à sua honra e à sua independên-cia, e ao povo brasileiro, sob um regime de paz política e social, as condições necessárias à sua segurança, ao seu bem-estar e à sua prosperidade, decretando a seguinte Consti-tuição, que se cumprirá desde hoje em todo o Pais:

Constituição de 1934

Nós, os representantes do povo brasileiro, pondo a nossa confiança em Deus, reu-nidos em Assembléia Nacional Constituinte para organizar um regime democrático, que assegure à Nação a unidade, a liberdade, a justiça e o bem-estar social e econômi-co, decretamos e promulgamos a seguinte CONSTITUIÇÃO DA REPúBLICA DOS ESTADOS UNIDOS DO BRASIL

Constituição de 1891

Nós, os representantes do povo brasileiro, reunidos em Congresso Constituinte, para organizar um regime livre e democrático, estabelecemos, decretamos e promul-gamos a seguinte CONSTITUIÇÃO DA REPúBLICA DOS ESTADOS UNIDOS DO BRASIL

Constituição de 1824

EM NOME DA SANTISSIMA TRINDADE.

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BLOCO IV: MUDANÇA CONSTITUCIONAL

AULA 17: MUTAÇÃO CONSTITUCIONAL: MUDAR A OU MUDAR DE CONSTITUIÇÃO?

NOTA AO ALUNO

A) INTRODUÇÃO

Ao contrário do que em geral se acredita, não somente através da emenda constitu-cional que se muda a Constituição. Existem outras situações e outros mecanismos não explícitos, mas que provocam uma real e explícita mudança através da interpretação seja jurídica, seja social.

Se a mudança jurídico-formal é explícita e institucionalizada, através de uma nova lei ou mesmo de um novo acórdão do Supremo, a mudança pela interpretação social é difusa e não formalizada, e em geral precede e cria o ambiente político-jurídico fora sua formaliza-ção jurídica. Exemplos desta pré-mudança constitucional social difusa ocorrem na extensão dos conteúdos dos direito humanos e sociais. Como o direito à igualdade dos negros nos Estados Unidos. Ou o progressivo reconhecimento do casamento entre pessoas do mesmo sexo no Brasil, através do conceito de união estável. Abaixo estão elencadas as hipóteses em que se muda “de Constituição” e hipóteses em que se muda “a Constituição”.

Mudança de Constituição

Constituições mudadas através de revolução: 1891, 1937, 1946.Constituição mudada por negociação: 1988.

Mudar a Constituição

Mudança de textoEmenda constitucional – art. 60 da Constituição Federal de 1988.

Mudança de interpretaçãoAtravés de novas normas:Pelo Congresso Nacional – art. 84 da Constituição Federal de 1988.Pelo Poder Executivo – art. 48 da Constituição Federal de 1988.Por decisão judicialPelo Supremo Tribunal Federal – art. 102 da Constituição Federal de 1988.Por senso comum/costumePela sociedade – senso comum.

Até agora você viu as hipóteses de mudança “de Constituição”, da substituição de uma por outra. Nesta aula você estudará as maneiras de se mudar “a Constituição”. Para isso, leia o caso abaixo.

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B.1) O CASO I

Fátima e Roberto são casados há cinco anos. Ambos se conheceram no trabalho, uma renomada instituição financeira no Rio Grande do Sul. E, se não trabalhassem juntos, provavelmente não estariam mais casados, tamanho o tempo que dedicam ao seu emprego. Eles trabalham em média 12 horas por dia, em um ritmo alucinado.

Como a maioria dos recém-casados, Fátima e Roberto querem ter um filho. Ape-sar de não utilizarem métodos anticoncepcionais há algum tempo, Fátima não con-segue engravidar. Após a realização de alguns exames, descobriu-se que Fátima não pode ter filhos. Mas isso não os intimidou e decidiram adotar uma criança. Encon-traram pela frente uma enorme burocracia e um problema: devido à dedicação de ambos ao trabalho, eles não eram “bons” candidatos à adoção. Sua busca foi árdua, tendo sido recusados por diversas instituições de adoção de menores. Após diversas tentativas, encontraram uma mãe que queria dar seu filho à adoção. Fátima e Ro-berto ficaram muito felizes e já tinham até o nome para quando a criança nascesse: Maura Tatiane.

Fátima imediatamente tratou de solicitar ao seu empregador licença-maternidade para cuidar de seu filho adotado recém-nascido. Qual não foi sua surpresa quando seu pedido foi negado, sob o fundamento de que a licença maternidade não se aplicaria aos casos de adoção.

Inconformada com a denegação, Fátima decide processar seu empregador, para fa-zer valer seu direito. Você pode escolher defender Fátima ou o empregador, grande instituição financeira do Rio Grande do Sul. Após a escolha, discuta com seus colegas que escolheram o lado oposto, tentando convencê-los de seus argumentos.

B.2) O CASO II

Diz a Constituição dos Estados Unidos da América (1787) em sua Emenda VII: “Excessive bail shall not be required, nor excessive fines imposed, nor cruel and unusual pu-nishments inflicted.” [Não poderão ser exigidas fianças exageradas, nem impostas multas excessivas ou penas cruéis ou incomuns].

Diante desse dispositivo, você consideraria inconstitucional a aplicação da pena capital a menores de idade nos Estados Unidos?

Ao preparar sua argumentação, procure pesquisar sobre como a justiça norte-ame-ricana vem aplicando esse dispositivo.

C) MATERIAL DE APOIO

c1) Jurisprudência

Recurso Extraordinário nº 197807-4 Rio Grande do Sul. Rel. Min. Octavio Gallot-Min. Octavio Gallot-ti, publicado em 18/08/2000.

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Ementa: Não se estende à mãe adotiva o direito à licença instituído em favor da em-pregada gestante pelo inciso XVIII do art. 7º, da Constituição Federal, ficando sujeito ao legislador ordinário o tratamento da matéria.

c2) Textos

I) OBRIGATÓRIOS

FERRAZ, Anna Cândida da Cunha. Processos informais de mudança da Constitui-ção, pp. 125–134.

BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e Aplicação da Constituição (trecho sobre “Mutação Constitucional”, pp. 145-149)

II) ACESSÓRIOS

BULOS, Uadi Lammego. Mutação Constitucional.SILVA, Virgílio Afonso da. “Ulisses, as Sereias e o Poder Constituinte Derivado:

sobre a inconstitucionalidade da dupla revisão e da alteração no quorum de 3/5 para aprovação de emendas constitucionais”, in Revista de Direito Administrati-vo, n.226, 2001, p.11-32.

c3) Questões de Concursos

17º Concurso – Ministério Público Estadual/ 2000 – MSDiscorra sobre as vedações materiais e circunstanciais de reforma constitucional, men-cionando dois exemplos de cada caso.

38º Concurso – Ministério Público Estadual/ 1999 – MGConceitue os fenômenos da recepção, repristinação e desconstitucionalização. Exem-plifique. Quando são aceitos no direito brasileiro?Com relação à revisão constitucional, qual a diferença entre a competência reforma-dora, via Emenda à Constituição, e a reforma, via revisão? Aponte quais os limites da revisão constitucional.

Ministério Público Estadual/ 2002 – PR“A estabilidade das constituições não deve ser absoluta, não pode significar imutabili-dade”. Disserte sobre esta lição doutrinária.

18º Concurso – Ministério Público Federal/ 2001O que vêm a ser Plebiscito e Referendo? Em que hipóteses podem ser realizados?

19º Concurso – Ministério Público Federal/ 2002As emendas constitucionais estão sujeitas ao controle jurisdicional de constitucionali-dade?

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23º Concurso – Ministério Público Estadual/ 1999 – RJEmenda Constitucional autoriza a instituição de tributo, dispensando a observância do princípio da anterioridade. É legítima tal Emenda? Pode uma emenda constitucional ser declarada inconstitucional? Resposta objetivamente justificada.

5º Concurso – Magistratura Federal/ 1998 – 2ª RegiãoApós o advento da Emenda Constitucional nº 18, aplica-se aos militares o dis-posto no art. 37, inciso XV, da Constituição Federal? Fundamente, de modo resumido.Os efeitos futuros de um contrato sujeitam-se ao princípio da intangibilidade do ato jurídico perfeito? As denominadas leis de ordem pública supervenientes sempre afas-tam a norma contemporânea ao momento da celebração do negócio jurídico? Justifi-que a resposta, formulando exemplo.É cabível mandado de segurança para trancar a tramitação legislativa de emenda cons-titucional? E se a alegação de ilegalidade consistir na violação de norma regimental do Poder Legislativo? Justifique a resposta.É cabível a invocação de direito adquirido em face de emenda constitucional? Existe hipótese prevista na Constituição Federal excludente de tal invocação? Justifique a res-posta.

31º Concurso – Magistratura Estadual/ 1999 – RJa) À luz do nosso modelo constitucional, apresenta-se correta a afirmação de que exis-tem normas constitucionais hierarquicamente superiores umas às outras?b) É possível falar-se em inconstitucionalidade da Constituição?c) Analise a assertiva de que todas as normas constitucionais originárias retiram sua validade do Poder Constituinte originário.d) Explicite o significado da função de guardião da Carta Magna Federal, que é ex-pressamente conferida ao Supremo Tribunal Federal, e que ele a exerce por meio da declaração de inconstitucionalidade nos controles difuso e concentrado.e) Podem as cláusulas pétreas ser invocadas para a sustentação da tese da inconstitu-cionalidade de normas constitucionais inferiores em face de normas constitucionais superiores?

33º Concurso – Magistratura Estadual/ 2000 – RJTiberius postula a concessão de Assistência judiciária Gratuita fulcrando seu pedido no fato de que deve presumir-se pobre aquele que afirma sê-lo. A outra parte, alegando contrariedade ao art. 5°, inciso LXXIV, da Lei Maior, impugna tal pretensão, asse-verando que o aludido dispositivo constitucional teria revogado o art. 4°, parágrafo primeiro, da Lei nº 1.060/50, porquanto, segundo sustenta, a partir do novo orde-namento constitucional necessário se faz a comprovação da insuficiência de recursos, não bastando a simples alegação. Julgue a controvérsia, proferindo decisão e adotando a fundamentação pertinente, com a indicação do princípio que deve reger a quaestio juris.

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Magistratura Estadual/ 2003 – MGA iniciativa popular aplica-se às propostas de emenda à Constituição?

25º Concurso – Ministério Público Estadual/ 2002 – RJA Lei nº 427, de 10 de junho de 1981, do Estado do Rio de Janeiro, dispõe sobre o Conselho de Justificação para oficiais da Polícia Militar e do Corpo de Bombeiros, competindo-lhe deliberar sobre a perda de patente desses oficiais. Indaga-se: a) essa lei pode considerar-se recepcionada pela Constituição da República de 1988, à vista do art. 125, § 4º, desta? b) qual a natureza jurídica das decisões desse Conselho – admi-nistrativa ou judiciária? c) a perda de graduação das praças está também condicionada a decisão desse Conselho?

40º Concurso – Ministério Público Estadual/ 2000 – MGEsclareça resumidamente como se classifica a vigente Constituição brasileira?

Provão/ 2000“Em Portugal e no Brasil, o papel da jurisprudência é significativo. Muitas soluções tidas por assentes, nos últimos tempos de vigência do Código Civil português de 1867, eram de facto muito mais de filiar na jurisprudência que no Código, a que formal-mente se referiam. E o mesmo diremos de muitas das soluções hoje obtidas no Brasil. Em todo o caso, devemos dizer que a relevância prática da jurisprudência nunca terá sido tão grande como noutros países. Para isso terá contribuído em Portugal um certo alheamento da doutrina em relação à vida judiciária, bem como um excessivo indivi-dualismo dos nossos julgadores, que têm dificultado a criação de correntes jurispru-denciais estáveis. A publicação do novo Código Civil diminuiu logicamente o relevo da jurisprudência civil. Quanto ao Brasil, há uma excessiva desenvoltura da jurispru-dência perante a lei, que por vezes leva a soluções claramente contra legem. Mas essa tendência não tem levado à proclamação teórica da independência do juiz perante a lei. E até podemos dizer que essa mesma liberdade jurisprudencial se torna um óbice à formação de correntes jurisprudenciais estáveis, pois cada juiz facilmente põe de novo tudo em questão, impressionado sobretudo pelas particularidades do caso concreto.” (ASCENSÃO, José de Oliveira. O Direito: introdução e teoria geral; uma perspectiva luso-brasileira. 10.ed. revista. Coimbra: Almedina, 1999. p. 314) A partir do texto, analise a lei e a jurisprudência como fontes do Direito; a independência e a criatividade do juiz; a admissão, no direito brasileiro, de soluções jurisprudenciais contra legem; o significado de eventual súmula vinculante no que se refere às mencionadas liberdade jurisprudencial e formação de correntes jurisprudenciais estáveis.

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BLOCO V: INTERPRETAÇÃO DA CONSTITUIÇÃO

AULA 18: ATO DE CONHECIMENTO E ATO DE VONTADE: QUERER OU CONHECER?

NOTA AO ALUNO

A) INTRODUÇÃO

O ato de interpretar é ato que cria direitos. Tanto faz se o que se interpreta é a Constituição (para fazer uma lei nova), uma lei (para produzir uma sentença) ou um contrato (para defi nir o alcance de uma obrigação). Deste processo, participam pelo menos três elementos: o sujeito que interpreta, o objeto que é interpretado e o método com que o sujeito apreende o objeto.

Dessa constatação, dois problemas surgem. Um de ordem prática: como interpretar a Cons-tituição para podermos obedecer-lhe? Como interpretar um contrato para poder cumprir com as obrigações? O outro é especifi camente prático-profi ssional: como interpretar dentro de re-gras e métodos aceitos pela comunidade profi ssional? Afi nal, pressupõe-se que o advogado deva interpretar se não melhor, ao menos diferentemente do que o seu cliente. Esta habilidade de interpretar, de argumentar e de defender seu cliente é o que legitima a existência e o exercício de sua profi ssão.

Este é o pano de fundo a partir do qual estabelecemos três objetivos principais para esta aula. O texto básico de onde se extraem estes três objetivos e que os sintetiza é “A Interpreta-ção”, de Kelsen. Os objetivos são:

1) Em primeiro lugar, trata-se de estabelecer que, do ponto de vista da ciência do di-reito, inexiste a possibilidade de uma única interpretação ser a correta e as demais incorretas, embora possam existir afi rmativas logicamente dedutíveis sobre as pro-priedades do sistema jurídico (por exemplo, “a lei especial prevelece em face da lei geral”). Contudo, do ponto de vista da interpretação jurídica (sobretudo da inter-pretação), nenhuma certeza lógica é possível.

2) Em segundo lugar, trata-se de estabelecer que existe sempre um pluralismo interpre-tativo. Ou seja, várias interpretações são aceitáveis e tudo vai depender da escolha do sujeito que interpreta. Esta é a posição de Kelsen, mas, em última instância, não poderia ser de outra maneira. A interpretação é uma decisão, uma escolha do sujeito. Inexiste interpretação unívoca. Este ponto é importante. Signifi ca que sempre exis-tem na escolha infl uências que não podem ser controladas por regras jurídicas ou mesmo morais. Interpretar é necessariamente um ato com componentes arbitrários (ao menos para os parâmetros estritamente jurídicos). Sem um espaço livre delimi-tado para o intérprete exercer sua vontade e escolher, não há que se falar em inter-pretação. Existiria apenas aplicação. Justamente por existir essa inafastável margem de arbitrariedade é que existem recursos processuais e outras ações contra a decisão

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judicial. Se a resposta para caso fosse necessariamente unívoca, estes recursos não teriam razão de ser.

3) A partir daí, e aqui reside o terceiro objetivo, dada a ênfase no sujeito enquanto criador de direitos, a pergunta que se coloca é: qual o fator decisivo e determinante para que o sujeito escolha esta e não aquela interpretação diante de um caso concre-to? Para explorar melhor esta questão, você leu os textos “A consciência do Ministro do Supremo”, que enfatiza os fatores internos ao sujeito, e “Quem Controla o Su-premo”, que investiga alguns possíveis limites à arbitrariedade, ambos de Joaquim Falcão.

O conjunto destes três objetivos – o pluralismo interpretativo, a arbitrariedade do intérprete e a indefi nição de fatores decisivos na escolha – é tremendamente importante para o seu desem-penho profi ssional no futuro, seja como juiz, seja como advogado, seja como jurista. É possível ser criativo e ousado na interpretação jurídica; permanece sempre em aberto para o intérprete a possibilidade de buscar novas interpretações, de renovar a jurisprudência – com o ônus de fundamentar devidamente as suas teses.

Por outro lado, como profi ssional do direito, você deve sempre contextualizar sua argumen-tação segundo o auditório – a instância decisória, o contexto político e as preferências pessoais do juiz ou do seu debatedor. Todos esse fatores infl uem no resultado fi nal. Nesse processo, você terá também a responsabilidade de apresentar a justifi cação possível das escolhas que faz ao re-alizar uma interpretação de normas jurídicas – afi nal, não há possibilidade de esconder suas in-confessáveis opções políticas e morais apelando à “segura” autoridade da “ciência do direito”.

Em sala, a aula se desenvolverá em torno dos temas tratados por Kelsen. Você tem liberda-de para pesquisar casos de nossa jurisprudência e utilizá-los para problematizar as diferentes hipóteses que Kelsen levanta, como por exemplo: (a) Assim como da Constituição, através da interpretação não podemos extrair as únicas leis corretas, tampouco podemos a partir da lei por interpretação obter as únicas sentenças corretas; (b) A interpretação jurídico-científi ca não pode fazer outra coisa senão estabelecer as possíveis signifi cações de uma norma jurídica. Não pode se posicionar ou decidir entre uma das possibilidades reveladas; (c) Um advogado que propõe ao tribunal uma única interpretação não cumpre função jurídico-científi ca, mas apenas uma função jurídico-política em favor de seu cliente.

Assim, a atualização constante dessa aula depende muito de você, e da sua iniciativa em trazer decisões contemporâneas e polêmicas, especialmente do Supremo Tribunal Federal, para alimentar a discussão. Na análise destas decisões, procure sempre buscar qual teria sido o fator decisivo que fez com que aquele ministro fi zesse aquela escolha, e não a outra. Muitas vezes, esta busca levará a um fator não jurídico – uma preferência religiosa ou moral, ou um limite político como fi delidade ao governo ou à corporação jurídica.

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TEORIA DO DIREITO CONSTITUCIONAL

FGV DIREITO RIO 105

18 Obtidas no site do Su-

premo Tribunal Federal

(www.stf.gov.br).

B) O CASO

b1) Leia com atenção as notícias abaixo:18

15/10/2003 – 20:21 – STF suspende julgamento de denúncia contra deputado

Remi Trinta por fraude contra o SUS

Um pedido de vista do ministro Joaquim Barbosa suspendeu o julgamento da de-núncia oferecida em Inquérito (Inq 1968) pelo Ministério Público Federal (MPF) em face de suposta fraude contra o Sistema Único de Saúde (SUS) praticada pelo deputa-do federal Remi Trinta (PL/MA), um dos donos da Clínica Santa Luzia, em São Luiz (MA).

Segundo o MPF, as fraudes contra o SUS seriam enumeradas nas seguintes ações: adulteração de datas; grafi as de controle semelhantes; prescrições e evoluções médicas e de enfermagem similares, utilizando-se o mesmo tipo gráfi co; números de leitos de enfer-magem iguais aos números de leitos da Unidade de Terapia Intensiva (UTI); cobrança de exames não realizados, entre outras. O MPF pediu a instauração de Ação Penal para que Trinta e seus sócios sejam processados e condenados por, supostamente, terem cometido crime de estelionato.

Conforme a denúncia da Procuradoria, as fraudes teriam alcançado cerca de R$ 700 mil apenas no ano de 1995. “Evidencia-se que Remy Abreu Trinta, Maria José Abreu Trinta e Nilson Santos Garcia, proprietários e administradores da Clínica Santa Luzia, benefi ciaram-se diretamente desse esquema de fraudes que, por sua condição de admi-nistradores, não poderiam desconhecer, aproveitando-se das Autorizações de Internação Hospitalares (AIHs) falsas para buscar, junto ao Sistema Único de Saúde, pelo menos ao longo de 1995, o pagamento de serviços hospitalares indevidos”, argumentou o Mi-nistério Público.

A defesa do deputado federal alegou atipicidade do fato criminal imputado, pois a participação de Remi Trinta estaria limitada à cobrança de faturas atrasadas, conforme reconhecido em decisão judicial. Sustentou, ainda, que a denúncia não conteria a con-fi guração do crime de estelionato, ou seja, o efetivo prejuízo material, muito menos a confi guração do crime de uso de documento falso. Por fi m, alegou a incapacidade inves-tigatória do Ministério Público Federal.

O procurador-geral da República, Cláudio Fonteles, em parecer, se pronunciou no sentido de que o crime de estelionato estaria devidamente qualifi cado na denúncia, pois a mesma apontaria as respectivas irregularidades e responsabilidade dos administradores da clínica. Quanto à capacidade investigatória do Ministério Público (MP), Fonteles expôs que “na visão do texto constitucional adotou, sem sombra de dúvida, o sistema acusatório, e acho que é o sistema que mais se coaduna com o Estado Democrático de Direito, em que as funções fi cam bem destacadas e defi nidas”.

Apontou que a Constituição Federal confere, no texto do artigo 129, inciso I, a titularidade da investigação criminal, necessariamente precedente ao ato acusatório em juízo, exclusivamente ao MP. Ao fi nal, opinou pelo recebimento da denúncia, por fato criminoso atribuído ao deputado federal e outros.

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TEORIA DO DIREITO CONSTITUCIONAL

FGV DIREITO RIO 106

O ministro relator, Marco Aurélio, iniciou seu voto observando que “a premissa ina-fastável é de que este inquérito só apenas surgiu diante de investigação promovida pelo Ministério Público”. Firmou que o respaldo da denúncia sobre os indícios de autoria seria o que realmente foi apurado na investigação criminal realizada pelo Ministério Público, e não se teria nos autos outros elementos que pudessem embasar a denúncia.

Marco Aurélio manteve seu convencimento segundo o qual o inquérito criminal não deveria ser realizado pelo Ministério Público, mas sim pela Polícia Federal, instituição competente – segundo o artigo 144, parágrafo 1º, inciso I, da CF – para apurar infrações penais contra a ordem política e social ou em detrimento de bens, serviços e interesses da União ou de suas entidades autárquicas e empresas públicas.

O ministro ressaltou o comando constitucional que distingue a titularidade da Ação Penal e a feitura de investigações para fundamentá-la. “Descabe concluir de forma di-versa, sob pena de inversão da disciplina constitucional, potencializando-se o objetivo a ser alcançado em detrimento do meio. O inciso I do artigo 129 da Constituição Federal versa sobre a ação penal pública e com esta não se confunde, fase que poderá ou não antecedê-la, ou seja, a do inquérito”, manifestou Marco Aurélio. Por fi m, considerou in-subsistente a denúncia apresentada, pois se basearia, exclusivamente, nos dados colhidos pelo inquérito implementado pelo Ministério Público, e a rejeitou.

O ministro Nelson Jobim adiantou seu voto, e considerou que o local para a mani-festação do PGR seria no Congresso Nacional, onde, no momento da Constituinte, o Ministério Público intentou a possibilidade de produzir a investigação concorrentemen-te à autoridade policial, por ser titular da Ação Penal Pública. Porém, tal tentativa foi vedada pela Constituição Federal.

Ainda, Jobim observou que a denúncia pode ser ofertada pelo MP independente da instauração de inquérito criminal, desde que existam elementos sufi cientes a fundamen-tá-la. Ao contrário, poderá solicitar à Polícia a instauração de inquérito para apuração dos fatos. Ao fi nal de seu voto, rejeitou a denúncia. Após os votos dos ministros Marco Aurélio e Nelson Jobim rejeitando a denúncia, pediu vista dos autos o ministro Joaquim Barbosa.

01/09/2004 – 14:12 – Direto do Plenário: Supremo retoma julgamento de denún-

cia contra o deputado Remi Trinta

O STF acaba de retomar o julgamento do Inquérito 1968, em que o Ministério Público Federal denuncia o deputado federal Remi Abreu Trinta (PL/MA) de suposto desvio de recursos do Sistema Único de Saúde (SUS) pela Clínica Santa Luzia, em São Luís (MA), da qual ele é sócio.

Em 15 de outubro do ano passado, antes do pedido de vista do ministro Joaquim Barbosa, os ministros Marco Aurélio, que é o relator, e Nelson Jobim, que antecipou seu voto, rejeitaram a denúncia. Eles a consideraram insubsistente por se basear, exclu-sivamente, em dados colhidos pelo inquérito conduzido pelo Ministério Público, e não pela Polícia Federal.

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FGV DIREITO RIO 107

14/09/2004 – 20:07 – PSL questiona constitucionalidade de poder de investigação

do Ministério Público

O Partido Social Liberal (PSL) ajuizou Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI 3301) contra dispositivos da Lei Orgânica Nacional do Ministério Público (Lei federal 8265/93). Os itens questionados – artigo 41, II e parágrafo único –, estabelecem a prer-rogativa de integrantes do Ministério Público (MP) em relação a inquéritos policiais.

A Lei Orgânica do MP veda aos integrantes da instituição serem indiciados em in-quérito policial e, quando houver indício de prática de infração penal, determina ao procurador-geral de Justiça dar prosseguimento à apuração do fato.

De acordo com o PSL, os dispositivos contrariam os princípios da igualdade e do devido processo legal, entre outros preceitos constitucionais. O partido afi rma que, con-forme a Constituição Federal, entre as funções institucionais do MP está o exercício do controle externo da atividade policial, por meio de lei complementar, e que a polícia judiciária e a apuração de infrações penais são exercidas pela polícia civil.

“A Constituição não conferiu legitimidade para o Ministério Público instaurar in-quéritos penais e/ou conduzir diretamente investigações criminais”, afi rma o PSL. O partido sustenta confi gurar ofensa à CF o ato que atribua ao MP as funções de polícia judiciária e a apuração de infrações penais. Assim, pede a concessão de liminar para sus-pender os dispositivos contestados. O relator é o ministro Sepúlveda Pertence.

Através das notícias acima, você deve ter percebido quantos interesses distintos e exclu-dentes podem ser afetados pela decisão do Supremo. No mínimo, tantos interesses quantos são as interpretações possíveis da Constituição Federal e dos acontecimentos da Constituinte relacionados a esta discussão. Imagine a responsabilidade dos juízes do Supremo Tribunal Fe-deral ao decidirem uma questão como essa. Não está em jogo apenas a possibilidade ou não de o deputado Remi Trinta poder ou não ser formalmente denunciado neste caso. Entender que a Constituição autoriza o Ministério Público a conduzir investigações por conta própria signifi ca tomar partido entre diversos grupos que podem ser nitidamente diferenciados a partir de sua posição neste caso – os parlamentares, os policiais, o cidadão comum, os magistrados, os membros do Ministério Público, entre outros.

Será que, neste caso, os Ministros do Supremo estão apenas aplicando mecanicamente a Constituição? É o que cabe a você analisar. Sua tarefa, agora, será analisar os trechos dos votos dos Ministros do Supremo, distribuídos pelo professor, e procurar identifi car quais os interesses que podem ser relacionados a cada decisão e, mais do que isso, quais os fatores pessoais (pro-fi ssionais, ideológicos, corporativos etc) que podem ter infl uenciado a decisão de cada um dos Ministros. O importante não é analisar o mérito da proposta vencedora, mas determinar qual teria sido o fator decisivo de cada voto, vinculando-o ao indivíduo concreto que pronuncia a decisão.

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TEORIA DO DIREITO CONSTITUCIONAL

FGV DIREITO RIO 108

19 Lei 11.105 de 24 de março de 2005, art. 5º É permitida, para fi ns de

pesquisa e terapia, a uti-

lização de células-tronco

embrionárias obtidas de

embriões humanos pro-

duzidos por fertilização in

vitro e não utilizados no

respectivo procedimento,

atendidas as seguintes

condições:

I – sejam embriões

inviáveis; ou

II – sejam embriões

congelados há 3 (três)

anos ou mais, na data da

publicação desta Lei, ou

que, já congelados na data

da publicação desta Lei,

depois de completarem

3 (três) anos, contados a

partir da data de conge-

lamento.

§ 1o Em qualquer caso,

é necessário o consenti-

mento dos genitores.

§ 2o Instituições

de pesquisa e serviços

de saúde que realizem

pesquisa ou terapia com

células-tronco embrio-

nárias humanas deverão

submeter seus projetos

à apreciação e aprovação

dos respectivos comitês de

ética em pesquisa. (...)

b2) Leia com atenção a notícia abaixo:

Folha de S. Paulo Online, 31/05/2005 – 09h42

Procurador-geral da República contesta pesquisa com embrião

O procurador-geral da República, Claudio Fonteles, entrou com ação de inconsti-tucionalidade no STF (Supremo Tribunal Federal) contra o artigo da Lei de Biossegu-rança que autoriza a utilização de células-tronco de embriões humanos para pesquisa ou tratamento de doenças19. Católico fervoroso, Fonteles argumenta que a vida começa na fecundação e que, por isso, a destruição de embriões para a obtenção de células-tronco viola dois princípios da Constituição: o direito à vida e a dignidade da pessoa humana.

Esse entendimento sobre o começo da vida coincide com o defendido pela Igreja Católica.(...)

A existência de vida a partir da fecundação também foi o argumento de Fonteles para atacar a liminar do ministro do STF, Marco Aurélio de Mello, que liberou a interrupção da gravidez nos casos de feto com anencefalia (sem cérebro), no ano passado. Ela vigorou 112 dias, até ser derrubada pelo tribunal por falta de urgência.

Na petição inicial da ADI 3510 (30/05/2005), referente ao caso acima narrado, o Procura-dor-Geral da República Cláudio Fonteles apresenta os seguintes argumentos:

“Fica, pois, assente (...) que a vida humana acontece na, e a partir da, fecundação: o

zigoto, gerado pelo encontro dos 23 cromossomos masculinos com os 23 cromossomos; (...) porque a vida humana é contínuo desenvolver-se (...) porque o zigoto, constitu-ído por uma única célula, imediatamente produz proteínas e enzimas humanas, (...) capacita-se ele próprio, ser humano embrionário, a formar todos os tecidos, que se diferenciam e se auto-renovam, constituindo-se em ser humano único e irrepetível;

A partir da fecundação, a mãe acolhe o zigoto, desde então propiciando o ambien-

te a seu desenvolvimento, ambientação que tem sua etapa fi nal na chegada ao útero. Todavia, não é o útero que engravida, mas a mulher, por inteiro, no momento da fe-cundação;

Estabelecidas tais premissas, o artigo 5º e parágrafos, da Lei 11.105/05, por certo inobserva a inviolabilidade do direito à vida, porque o embrião humano é vida humana, e faz ruir fundamento maior do Estado democrático de direito, que radica na preserva-ção da dignidade da pessoa humana”.

A partir do texto de Kelsen, você percebeu que podemos caracterizar todo ato de interpreta-ção como envolvendo um componente volitivo (querer, preferir) e um cognitivo (conhecer). Ou seja, além do ato racional de identifi cação de possíveis signifi cados de uma norma ou conjunto de normas do ordenamento jurídico, valores morais e políticos, convicções e experiências pes-soais estão presentes no pensamento de magistrados, procuradores e ministros na hora de uma decisão, inclinando-os a escolher esta ou aquela interpretação.

No caso em tela, será que o Procurador Geral da República, Cláudio Fonteles, levou em conta apenas dados jurídicos e científi cos para formar sua posição sobre a Lei de Biossegurança? Que

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FGV DIREITO RIO 109

outros fatores podem ter infl uenciado sua decisão? Procure pesquisar a formação, as convicções pessoais e as opções políticas de Cláudio Fonteles, a fi m de tentar descobrir que fatores podem ter sido decisivos para que ele propusesse a ADIN questionando a lei em questão. Será que a infl uên-cia desses fatores extrajurídicos na decisão judicial pode ser compatibilizada com as exigências do Estado Democrático de Direito? Como?

C) MATERIAL DE APOIO

c1) Textos

i) Obrigatórios

KELSEN, Hans. “A Interpretação”. Capítulo VIII de Teoria Pura do Direito.FALCÃO, Joaquim. “A Consciência do Ministro do Supremo” (artigo)________. “Quem julga o Supremo?” (artigo)

ii) Acessórios

FERRAZ Jr., Tércio Sampaio Ferraz. Introdução ao Estudo do Direito. Técnica, Decisão e Domi-nação. (“A Ciência do Direito como Teoria da Interpretação”).

HART, H. L. A. O Conceito de Direito. Lisboa: Calouste Gulbenkian, 1996.CAMARGO, Margarida Maria Lacombe. Hermenêutica e Argumentação. Rio de Janeiro: Re-

novar, 2003.LARENZ, Karl. Metodologia da Ciência do Direito. Lisboa: Calouste Gulbenkian, 1997.ATIENZA, Manuel. As razões do direito. Teorias da argumentação jurídica. São Paulo: Landy,

2000.

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AULA 19: DOGMÁTICA, ZETÉTICA E “TOPOS”: A CAIXA VAZIA

NOTA AO ALUNO

A INTRODUÇÃO

Leia com atenção a ementa abaixo:

INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE. EXAME DE DNA. CONDUÇÃO DO RÉU “DEBAIXO DE VARA”. Discrepa, a não mais poder, de garantias constitucionais implícitas e explícitas – preservação da dignidade humana, da intimidade, da intangibi-lidade do corpo humano, do império da lei (...) – provimento judicial que (...) implique determinação no sentido de o Réu ser conduzido “debaixo de vara”, para a coleta do material indispensável à feitura do exame de DNA20.

De um modo geral, quando lemos a ementa de um acórdão pela primeira vez, não temos o hábito de imaginar que haja votos em sentido contrário àquele exposto no texto – os chamados “votos vencidos”, ou “dissidentes” na tradição norte-americana. Mas há. Sempre que, ao final do acórdão, não encontramos referência a “unanimidade de votos”, estamos diante da vitória de uma interpretação específica da norma sobre outra(s) interpretação(ões) concorrente(s). Na ementa acima, sob a veemente e indig-nada redação do Ministro Marco Aurélio, há uma série de interpretações diferentes e igualmente possíveis dos mesmos dispositivos constitucionais.

Do processo de interpretação participam pelo menos três elementos: o sujeito que interpreta, o objeto que é interpretado e o método com que o sujeito apreende o objeto. Nesta aula, enfocaremos e exploraremos o que seria o “objeto” da inter-pretação jurídica, que, na verdade, tem pelo menos duas dimensões – a norma e o fato.

Extrair o significado das normas jurídicas em um caso concreto (determinar não apenas se são aplicáveis, como também as conseqüências de sua aplicação) não é um processo exato, preciso ou “científico”. Além de partir de uma série de fatores apenas implícitos na decisão – preferências políticas ou culturais do juiz, necessidade de se atingir ou evitar determinadas conseqüências sociais ou econômicas etc. –, a inter-pretação das normas jurídicas lida com elementos muito fluidos. Sendo construído com palavras, o objeto da interpretação – a Constituição ou outras normas jurídicas – apresenta todo tipo de ambigüidades e vaguidades quando tentamos fixar de uma vez por todas o seu significado. “Separação de Poderes”, “Igualdade”, “Dignidade da Pessoa Humana” e “Democracia” são expressões polissêmicas. Dentro delas, podemos “encaixar” diversos significados. Mais: mesmo que concordemos com um determinado significado, com um determinado “conceito” de Democracia ou de Igualdade, por

20 Acórdão no HC 71373-4,

Rel. p/ Acórdão Min. Marco

Aurélio.

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FGV DIREITO RIO 111

exemplo, isso não implica que concordaremos sempre acerca das conseqüências da aplicação de um desses princípios em um caso concreto. O meu conceito de igualdade pode ser “tratar desigualmente os desiguais”, e você pode estar de acordo com isso. Mas será que, diante de um caso concreto – o das cotas para estudantes negros, por exemplo – estaremos de acordo acerca do que deve ser levado em conta para determinar quais tratamentos desiguais são permitidos ou proibidos em cada caso? O mérito? A cor da pele? A beleza? O dinheiro? A virtude? A posição política? A necessidade?

É difícil determinar de antemão este tipo de coisa. Só podemos realmente ter idéia de qual interpretação consideramos a mais correta diante de cada caso concreto, e, vale dizer, uma mesma interpretação de um mesmo dispositivo pode ser válida em um caso, mas não em outro. É nesse sentido que dizemos que a interpretação jurídica precisa estabelecer em algum momento um “ponto fixo” para se fundar – um ponto a partir do qual a argumentação pode se abrir em diversas direções distintas.

Um ponto-chave na exploração deste caso é mostrar como, apesar de o raciocínio judicial ser dogmático, e não zetético ou especulativo, a argumentação que surge a partir dos “pontos fixos” é livre para se desenvolver em muitas outras direções. Como observa Tércio Sampaio Ferraz Jr.:

Como deve haver um princípio básico dogmático que impeça o recuo ao infinito (pois uma interpretação cujos princípios fossem sempre em aberto impediria a obtenção de uma decisão), ao mesmo tempo em que a sua identificação é materialmente aberta (...), notamos, então, que o ato interpretativo tem um sentido problemático localizado nas múltiplas vias que podem ser escolhidas, o que manifesta a liberdade do intérprete como outro pressuposto básico da hermenêutica jurídica. A correlação entre esses dois pressupostos, um atendendo a aspectos objetivos e o outro a aspectos subjetivos da in-terpretação, portanto, a correlação entre dogma e liberdade é, na verdade, uma tensão entre a instauração de um critério objetivo e o arbítrio do intérprete.21

Na argumentação constitucional, os dispositivos constitucionais funcionam como os nossos “pontos fixos”, nossos pontos de partida. São “topoi”, lugares-comuns plausí-veis de onde a argumentação pode partir, desde que aceitos como válidos pelo auditó-rio. Limitam o espaço de discussão, definindo quais tipos de argumentos serão válidos, e quais não serão, mas não determina a decisão. São um pressuposto para a decisão, pois não podem ser negados; caso contrário, a discussão não teria fim. Mas não nos dizem qual a conseqüência de sua aplicação em cada caso. A questão, portanto, é como realizar essa extração de significado e de conseqüências da norma jurídica de forma compatível com a Constituição e com os interesses em jogo em cada caso.

B O CASO22

Tatiana Medeiros Rosa e Laura Medeiros Rosa, filhas de Helena Medeiros Rosa, irmãs gêmeas nascidas em 19 de novembro de 1999, não conhecem seu pai verdadeiro. No início de 1990, quando as gêmeas foram concebidas, Helena estava se separando

21 FERRAZ JR., Tércio Sam-

paio. “Reforma do Ensino

Jurídico: Reformar o Ensino

ou Reformar o Modelo?”.

22 Os fatos narrados a se-

guir são adaptações livres

daqueles que deram ori-

gem ao HC 71.373-4 RS.

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FGV DIREITO RIO 112

de João Alberto Pereira Machado, com quem não chegou a ser casada oficialmente. Ela tem certeza de que ele é o pai das crianças, mas por muitos anos preferiu não procurá-lo. Embora as gêmeas tenham sido criadas junto ao atual marido da mãe, como se fossem filhas do casal, a situação da família não é inteiramente confortável para a He-lena. Ela não se sente bem com o fato de sua péssima relação com João – os dois só se falaram uma vez desde a separação, justamente para discutir a paternidade das gêmeas, que João recusara a reconhecer – ser um empecilho para que Tatiana e Laura conheçam ser verdadeiro pai.

A versão de João, contudo, é bastante diferente. Helena mantinha relações com outros homens além dele e, além disso, na data da provável concepção, os contatos íntimos entre o casal já tinham diminuído muito, tendo em vista o desentendimento que levou à separação algumas semanas depois. Embora não tenha nada contra as me-ninas, considera um oportunismo da parte de Helena exigir o exame de DNA, pois é uma pessoa pública que terá a imagem prejudicada pelo escândalo da imputação de paternidade, ainda que falsa.

Nesse contexto, fracassaram todas as tentativas de resolução amigável da questão.Em 2003, representando Tatiana e Laura, Helena ajuizou ação de Investigação de

Paternidade contra João Alberto Pereira Machado, na 2ª Vara de Família e Sucessões do Foro Central da Comarca de Porto Alegre.

Ao final da audiência de conciliação e julgamento, diante da recusa de João em se submeter à coleta do material para realização do teste de DNA, a Juíza de Direito decidiu forçá-lo a colaborar com a produção da prova da paternidade, nos seguintes termos:

No presente caso, estão em jogo interesses de duas menores. Outrossim, pelo que está nos autos, uma das partes está faltando com a verdade e o exame dirime dúvida estabelecendo, praticamente em definitivo, com quem está a verdade, desmascarando-se ou a oportunista ou o que tenta eximir-se da responsabilidade da paternidade.

Não há motivo para que o réu se negue ao exame, a menos que esteja com receio do resultado. Hoje, com o avanço das pesquisas genéticas, é inconcebível que não seja feito tal exame neste tipo de ação.

Assim, determino a realização do exame, a ser realizado pelo perito já designado e compromissado. Oficie-se para a marcação de data. Deverá o réu comparecer, assim que intimado, sob pena de condução sob vara, eis que, no caso, seu corpo é “objeto de direitos”, não sendo cabível invocar “direito personalíssimo de disponibilidade do próprio corpo”.

Para se defender da possível violência estatal (a “condução sob vara”), João impetra habeas corpus preventivo, a fim de preservar sua liberdade de locomoção. Recurso após recurso, instância após instância, a questão chega ao Supremo Tribunal Federal.

Confira os principais trechos do Relatório e dos votos dos Ministros:

A ordem [de habeas corpus] antecipadamente programada constitui ameaça de coa-ção, porque a condução representará violência contra a liberdade de locomoção do im-

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FGV DIREITO RIO 113

petrante, cuja recusa foi manifestamente expressa nos autos. (...) Importa alertar para o inusitado da indeterminação, porque no ordenamento processual brasileiro a condução da parte só se concebe com o sentido de prisão.23

(...) Na matéria suscitada, sem pronunciamento conhecido do Supremo Tribunal Federal, vigoram preceitos que permitem a recusa de, na ação de que se trata, o inves-tigado fornecer seu corpo ao exame. Na Constituição Federal existem as matizes mais eficientes: o inciso II reafirma a tradição de que ninguém é obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei (...); o inciso X consagrou que são invioláveis a intimidade e a vida privada.24

O que temos agora em mesa é a questão de saber qual o direito que deve preponderar nas demandas de verificação de paternidade: o da criança à sua real (e não apenas presu-mida) identidade, ou do indigitado pai à sua intangibilidade física.25

(...) Vale destacar que o direito ao próprio corpo não é absoluto ou ilimitado. Por ve-zes, a incolumidade corporal deve ceder espaço a um interesse preponderante, como no caso da vacinação, em nome da saúde pública. (...) Estou em que o princípio da intangi-bilidade do corpo humano, que protege um interesse privado, deve dar lugar ao direito à identidade, que salvaguarda, em última análise, um interesse também público.26

É certo que compete aos cidadãos em geral colaborar com o Judiciário (...) e que o sacrifício – na espécie, uma simples espetadela – não é tão grande assim. Todavia, prin-cípios constitucionais obstaculizam a solução dada à recusa. Refiro-me, em primeiro lugar, ao da legalidade, no que ninguém é obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei. (...) A Carta Política da República (...) consigna que são invioláveis a intimidade, a honra e a imagem das pessoas – inciso X do rol das garantias constitucionais (artigo 5º). Onde ficam a intangibilidade do corpo humano, a dignida-de da pessoa, uma vez agasalhada a esdrúxula forma de proporcionar a uma das partes, em demanda civil a feitura de uma certa prova? (...) É irrecusável o direito do paciente de não permitir que se lhe retire, das próprias veias, porção de sangue, por menor que seja, para a realização do exame.27

[A confissão ficta] não é bastante e suficiente quando estamos diante de interesses morais, como o direito à dignidade que a Constituição assegura à criança e ao adoles-cente (...). Ora, Sr. Presidente, não há no mundo interesse maior do que este: o do filho conhecer ou saber quem é o seu pai biológico.28

Convenceu-me o Sr. Ministro Relator, Francisco Rezek, e os que o acompanharam de que não se pode opor o mínimo (...) sacrifício imposto à inviolabilidade corporal à eminên-cia dos interesses constitucionalmente tutelados à investigação da própria paternidade.29

O paciente considera constrangimento ilegal ser obrigado ao exame aludido. Em favor desse posicionamento, invoca-se o disposto no inciso X do art. 5º da Constituição

23 HC 71.373-4 RS, Rela-

tório do Min. Francisco

24

25 HC 71.373-4 RS, Voto

do Min. Francisco Rezek,

26

27 HC 71.373-4 RS, Voto

do Min. Marco A

419/420.

28 HC 71.373-4 RS, Voto

do Min. C

422.

29 HC 71.373-4 RS, Voto do

Min. Sepúlveda Pertence,

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que assegura a inviolabilidade da intimidade, e aqui cabe ver compreendida, também a inviolabilidade do corpo.30

Após a leitura dos votos selecionados (que se encontram no anexo ao material di-dático), reflita:

Quais os “pontos fixos” da argumentação de cada uma das partes envolvidas – auto-ras, réu, juíza e Ministros do Supremo? Quais os artigos ou expressões da Constitui-ção que, em conjunto ou separadamente, explicitam esses mesmos “pontos fixos”?Quais os “pontos fixos” comuns à argumentação de todos os Ministros? Existe acordo sobre algum “topos”?À primeira leitura desses artigos, parece ser compatível com a ordem jurídica nacional alguém ser conduzido à força para um exame de DNA? Parece ser compatível com a ordem jurídica nacional uma pessoa não poder saber qual a sua verdadeira origem biológica?Quais as diferentes concepções que cada Ministro extrai dos “topoi” que você identificou em cada voto?

O texto dos “pontos fixos” comporta todas as interpretações possíveis para estas palavras e expressões? Todos os significados atribuídos aos “topoi” são igualmente plausíveis, se levarmos em conta o texto constitucional? Você consegue pensar em alguma interpretação que estes dispositivos não compor-tariam?Como Tribunal realizou a “escolha” dentre essas interpretações de um mesmo “topos”? Você concorda com a escolha realizada pelo STF? Tente pensar em um critério estritamente jurídico que permita dizer quem está com razão.Qual você consideraria a solução mais “justa” para o caso? Você consegue funda-mentá-la a partir da Constituição?

C MATERIAL DE APOIO

c1) Textos

I) OBRIGATÓRIOS

HC 71.373-4/RS (exame forçado de DNA para investigação de paternidade), in-teiro teor, constante no anexo do curso.

II) ACESSÓRIOS

FERRAZ JR., Tércio Sampaio. Introdução ao Estudo do Direito. Técnica, Decisão, Dominação. São Paulo: Atlas, 2001. (Trechos selecionados pelo Professor).

VIEHWEG Tópica e Jurisprudência. Brasília: Departamento de Impren-sa Nacional, 1979. Tradução de Tércio Sampaio Ferraz Jr.

MENDONÇA, Paulo Roberto Soares. A Tópica e o Supremo Tribunal Federal. Rio de Janeiro: Renovar, 2002.

30 HC 71.373-4 RS, Voto

do Min. Néri da Silveira,

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FERRAZ JR., Tércio Sampaio. “Reforma do Ensino Jurídico: Reformar o currículo ou o modelo?” in Cadernos FGV DIREITO RIO. Textos para discussão nº 02. Rio de Janeiro, Set/2006.

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AULA 20: INSTRUMENTOS INTERPRETATIVOS I: UNIDADE, SUPREMACIA E INTEGRAÇÃO

NOTA AO ALUNO

A INTRODUÇÃO

Esta é a primeira de duas aulas sobre os recursos argumentativos que a dogmática contemporânea coloca à disposição do intérprete a aplicador da Constituição. Existe uma interpretação constitucional que seja diferente da interpretação jurídica “geral”? O que haveria de tão misterioso e peculiar na interpretação e aplicação da Constituição? Será que as normas constitucionais têm características únicas, próprias de sua posição dentro da Constituição, que exijam um método ou uma aproximação diferente por parte do intérprete?

A doutrina e a jurisprudência contemporâneas têm reconhecido de forma mais ou menos consensual que, como objeto de interpretação, a Constituição possui diferen-ças significativas em relação a normas do Código Civil ou de legislação extravagante, por exemplo. Nesse sentido, procuram estabelecer um rol mais ou menos consensual de “princípios de interpretação”, tais como “unidade da constituição”, “concordância prática”, “efeito integrador”, “efetividade” etc.31.

Nesta aula, porém, nosso foco não será a enumeração exaustiva do já tradicional rol de “princípios de interpretação constitucional”. Primeiro, porque uma análise mais aprofundada de tais princípios nos levaria à constatação de que é no mínimo questio-nável se todos os princípios usualmente enumerados são realmente distintos uns dos outros, como no caso da “máxima efetividade” e da “força normativa da constituição” (Canotilho).32 Segundo, e mais importante, a enumeração daqueles princípios, ainda que pertinentes, em nada contribui para o desenvolvimento da capacidade de argumen-tação e raciocínio constitucional dos alunos. Como observa o próprio Canotilho, os princípios de interpretação constitucional possuem um caráter tópico, isto é, tornam-se pertinentes ou não diante do problema concreto diante do intérprete. São recursos à disposição do aplicador da Constituição, com os quais pode construir e justificar uma determinada linha de interpretação, e é nesse sentido instrumental e pragmático que devem ser encarados nesta aula.

Com isso, não queremos dizer que a produção doutrinária sobre o tema não seja importante ou meritória. O ponto é outro: é muito mais produtivo investigar na prática decisória dos tribunais quais as especificidades da interpretação consti-tucional que podem ter ou têm peso na argumentação jurídica. Através da biblio-grafia recomendada, você já fez um contato inicial com a posição da doutrina bra-sileira e estrangeira sobre o tema. Como já dito, não discutiremos a aplicabilidade ou pertinência desses princípios em tese. A ênfase será nas duas características da Constituição, com influência na interpretação, que têm maior consenso na doutri-na e na jurisprudência: supremacia sobre as outras normas jurídicas e unidade da Constituição.

31 Cf., por todos, CANOTI

LHO, J. J. Gomes. Direito

Constitucional e Teoria da

Constituição; HESSE, Kon-

rad. Escritos de Derecho

Constitucional; BARROSO,

Luís Roberto. Interpretação

e Aplicação da Constituição.

32 Para uma avaliação

crítica da pertinência do

catálogo de princípios de

interpretação constitucio-

nal, cf. SILVA, Luís Virgílio

Afonso da. Interpretação

Constitucional e Sincretis-

mo Metodológico.

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Supremacia é, na verdade, o pressuposto de existência de uma interpretação especifi-camente constitucional. Na medida em que só pode ser alterada por um procedimento diferenciado, a Constituição não pode ser contrariada pela legislação ordinária. Os alu-nos devem se familiarizar com a idéia de que a Constituição é uma instância argumen-tativa sempre acessível, pois nenhum outro ato de nenhum dos três Poderes lhe pode ser contrário; sempre é possível analisar questões jurídicas sob a ótica constitucional. Nesse sentido, a aula também tangenciará a temática do controle de constitucionalidade.

Unidade é a característica de não-prevalência em tese de uma norma constitucional sobre outra. Nenhuma norma constitucional pertinente à solução de um caso concreto pode simplesmente ser ignorada pelo intérprete, ainda que se reconheça que certas ma-térias seriam mais adequadamente regulamentadas pela legislação infraconstitucional (por exemplo, a permanência do colégio Pedro II na esfera federal).

A conseqüência da unidade da constituição para a atividade interpretativa é o dever de aplicá-la de forma a evitar antagonismos entre as suas normas na prática. Segundo Canotilho, “o princípio da unidade obriga o intérprete a considerar a constituição na sua globalidade e a procurar harmonizar os espaços de tensão existentes entre as normas constitucionais a concretizar”.33

Embora o ponto seja facilmente perceptível em tese, a natureza analítica e com-promissória de nossa Constituição torna difícil na prática a aplicação do princípio da unidade. Na verdade, a obrigação de aplicar globalmente a Constituição é o que torna a sua interpretação verdadeiramente problemática. Como conciliar, por exemplo, a liberdade econômica, a liberdade de propaganda e o direito à informação com a prote-ção à saúde pública, ao consumidor e às crianças e adolescentes, por exemplo?

B O CASO

Leia com atenção a notícia abaixo:

27/09/2004 – 20:11 – CNI contesta no Supremo restrições à propaganda de tabacoO ministro Joaquim Barbosa é o relator da Ação Direta de Inconstitucionalidade

(ADI 3311) proposta pela Confederação Nacional da Indústria (CNI) contra os limites estabelecidos para a propaganda comercial de tabaco, que não pode ser veiculada em rádio e TV. A ação tem pedido de liminar.

O caput do artigo 3º da Lei 9.294/96, que trata das restrições ao uso e à propaganda de cigarro, bebidas alcoólicas, medicamentos, terapias e defensivos agrícolas, determina, por exemplo, que a propaganda de cigarro só poderá ser feita por meio de pôsteres, pai-néis e cartazes afixados na parte interna dos locais de venda do produto.

Entre as várias alegações da CNI, está a de que “a exposição de cartazes ostentando a marca de cigarro no interior dos bares não é propaganda no sentido atual do termo. No máximo, esses cartazes são um acessório da propaganda na televisão e no rádio”.

Outras restrições à propaganda desse tipo de produto são feitas ao longo do artigo 3º. O parágrafo 2º determina a inclusão de advertência sobre os malefícios do fumo nos comerciais. Os dois parágrafos seguintes determinam que o mesmo deve ser feito nas 33 Ob. cit., pg 1209.

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embalagens dos maços de cigarro com a utilização de figuras que ilustrem o sentido da mensagem, que devem variar a cada cinco meses.

O artigo 3º da Lei 9.294/96 foi alterado em 2000 pela Lei 10.167, e, em 2001, pela Medida Provisória 12.190-34. Segundo a CNI, a nova redação do dispositivo é “de clara inconstitucionalidade”, porque veda a propaganda de tabaco, ferindo o parágrafo 4º do artigo 220 da Constituição que determina a restrição desse tipo de comercial. Para a Confederação, o dispositivo fere a liberdade de expressão, de informação, de iniciativa econômica e de concorrência.

“Não há legitimidade para se impedir a venda de produto lícito ou a sua publicidade, sem limitar direitos fundamentais dos eventuais clientes, nomeadamente, a liberdade de conhecer e adquirir os produtos comercializados, além de direitos das próprias em-presas, que devem ter a liberdade de vender e tornar públicos, com limitações, os seus produtos”, observa a CNI na ação.

Ainda segundo a Confederação, a nova redação do artigo 3º dá à administração pú-blica enorme liberdade para determinar o conteúdo das obrigações e restrições a serem observadas pelas indústrias de fumo, obrigando, inclusive, as empresas a fazerem con-trapropaganda de seus próprios produtos.

“As restrições legais não podem impedir ou proibir a divulgação dos produtos e ser-viços, como o faz o caput do artigo 3º da lei impugnada, sob pena de abolir o próprio direito à propaganda constitucionalmente assegurado”, alega a CNI.34

A lei impugnada pela Confederação Nacional da Indústria – Lei 9294/96 dispõe, em seus próprios termos, “sobre as restrições ao uso e à propaganda de produtos fumígeros, bebidas alcoólicas, medicamentos, terapias e defensivos agrícolas, nos termos do § 4° do art. 220 da Constituição Federal”.

Após e leitura de trechos selecionados da ADIn proposta pela CNI (ADIn 3311), distribuídos pelo professor, imagine que você é o Ministro do Supremo Tribunal Fe-deral designado para ser o Relator do caso. Prepare: 1) breve relatório sobre o caso; 2) seu voto sobre a questão, tentando abranger e enfrentar o maior número possível de argumentos constitucionais favoráveis e contrários ao acolhimento da ADI.

C MATERIAL DE APOIO

c1) Textos

I) OBRIGATÓRIOS

BARROSO, Luís Roberto. “Princípios de Interpretação Especificamente Consti-tucional.”, trecho de Interpretação e Aplicação da Constituição. Rio de Janeiro: Renovar, 2003. (pgs. 103-112; 196-218)

II) ACESSÓRIOS

BARROSO, Luís Roberto (org.). A Nova Interpretação Constitucional. Ponderação, Direitos Fundamentais e Relações Privadas. Rio de Janeiro: Renovar, 2003.

34 Fonte: www.stf.gov.br.

Acessado em 06 de outu-

bro de 2004.

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TEORIA DO DIREITO CONSTITUCIONAL

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CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição.COELHO, Inocêncio Mártires. Interpretação Constitucional. Porto Alegre: Sergio

Antonio Fabris Editor, 1997.HESSE, Konrad. “La interpretación constitucional”. In Escritos de Derecho Consti-

tucional, 1983, pp. 33-57.SILVA, Virgílio Afonso da. “Interpretação Constitucional e Sincretismo Metodo-

lógico”, in SILVA, Virgílio Afonso da (org.). Interpretação Constitucional. São Paulo: Malheiros, 2004.

VIEIRA, Oscar Vilhena. A Constituição como Reserva de Justiça. São Paulo: Malhei-ros, 1999.

TRIBE, Laurence e DORF, Michael. Hermenêutica Constitucional. Belo Hori-Belo Hori-zonte: Del Rey, 2007.

c2) Questões de Concursos

6º Concurso – Magistratura Federal/ 1999 – 2ª RegiãoEm que consistem os mecanismos exegéticos de “interpretação da lei conforme a constitui-ção” e de “interpretação da constituição conforme a lei”. Forneça exemplo de cada hipótese.

8º Concurso – Magistratura Federal/ 2001 – 2ª RegiãoComente, de forma sumária: princípio da unidade da Constituição, colisão de princí-pios constitucionais e ponderação de interesses.Relativamente à concretização das normas constitucionais, comente brevemente os conceitos de: a) auto-aplicabilidade; b) reserva do possível; e c) vedação do retrocesso.

Magistratura Estadual/ 2003 – MGEnuncie e explique os princípios de interpretação especificamente constitucional.

Magistratura Estadual/ 1999 – DFInterpretação conforme a Constituição. Fundamento. Quando será possível. Interpretação conforme com redução de texto. Interpretação conforme sem redução de texto. Explique.Fale sobre o princípio da presunção da constitucionalidade das leis e a possibilidade de o Poder Executivo descumprir uma norma por considerá-la inconstitucional, emitindo opinião a respeito.

37º Concurso – Ministério Público Estadual/ 1999 – MGDissertação:”Aplicabilidade das Normas Constitucionais.”

19º Concurso – Ministério Público Estadual/ 2002 – MSÉ possível haver antinomia entre normas da própria Constituição Federal? Justifique a resposta e, em caso afirmativo, cite exemplo conflitual no texto da Lei Maior, apontan-do o critério de solução das antinomias constitucionais.

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TEORIA DO DIREITO CONSTITUCIONAL

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40º Concurso – Ministério Público Estadual/ 2000 – MG“Interpretação das Normas Constitucionais”.

24º Concurso – Ministério Público Estadual/ 2002 – DFEm que consiste e que eficácia possui a “interpretação conforme a Constituição” no sistema brasileiro de controle concentrado de constitucionalidade das leis?

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AULA 21: INSTRUMENTOS INTERPRETATIVOS II: RAZOABILIDADE E PROP RAZÃO E PROP

NOTA AO ALUNO

A INTRODUÇÃO

A primeira aula do bloco de Interpretação Constitucional deixa no ar uma questão: onde devemos situar a prática jurídica, entre, de um lado, o “nobre sonho” de que o intérprete do direito não tem atividade criativa e apenas aplica mecanicamente uma norma já existente, e, de outro, o “pesadelo” da arbitrariedade completa e da indeter-minação radical do resultado das decisões judiciais?35 Qual é a racionalidade possível na argumentação jurídica, em especial naquela baseada na Constituição? Quais seriam os parâmetros que juristas, advogados e juízes vêm construindo para criticar ou justificar aplicações da Constituição?

Este bloco trata de diferentes análises sobre três elementos da interpretação jurí-dica: sujeito (intérprete), objeto (norma jurídica) e método pelo qual se interpreta. Certas propriedades do sujeito (convicções políticas, preconceitos, interesses pessoais ou corporativos etc) podem influenciar de maneira imprevisível a decisão judicial. Na aula 18, por outro lado, mostrou-se como o objeto também contribui para que a apli-cação do direito não possa ser uma atividade puramente cognoscitiva ou mecânica – a pluralidade de significados plausíveis para o texto de uma norma constitucional, por exemplo, deixa claro que, em algum momento, o intérprete precisará escolher entre alternativas com a mesma viabilidade jurídica.

Na aula anterior, começou a ser esboçada a análise do terceiro elemento da inter-pretação: o método pelo qual o sujeito procura apreender o objeto. Falar em “méto-do” após a desmistificação da interpretação jurídica operada na aula 18 pode parecer contraditório. Não há porém, contradição alguma, desde que o conceito de “método” utilizado não seja o tradicional, cartesiano. Não estamos nos referindo ao conjunto de “regras certas e fáceis, graças às quais todos os que as observam exatamente jamais tomarão como verdadeiro aquilo que é falso e chegarão, sem se cansar com esforços inúteis, ao conhecimento verdadeiro do que pretendem alcançar”.36

O “método” de que falamos deve ser encarado como o conjunto de instrumentos que podem ser utilizados na interpretação de normas constitucionais por ocasião da sua aplicação a um caso concreto. “Unidade” e “supremacia” da Constituição, por exemplo. Trata-se de recursos para a argumentação jurídica. Sua finalidade não é, como na concepção cartesiana, levar quem os aplica a um resultado verdadeiro, mas sim for-necer razões que justifiquem a decisão em um sentido ou em outro.

Neste ponto, é útil a distinção que a filosofia da ciência faz entre razões explicativas e razões justificativas. Podemos “explicar” a decisão de um juiz através de seus precon-ceitos, ideologias e aspirações políticas, por exemplo. Mas não é possível justificá-la assim perante os destinatários da decisão ou da própria sociedade. O juiz pode até ter decidido desfavoravelmente ao réu apenas por discordar de sua convicção religiosa,

35 As expressões são de

Herbert Hart, referindo-se

respectivamente ao for-

malismo e ao realismo ju-

rídicos norte-americanos.

36 MARCONDES, Danilo e

JAPIASSÚ, Hilton. Dicioná-

.

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por exemplo; contudo, a única dimensão de sua decisão que pode ser controlada é a argumentação jurídica que a fundamenta.37 “Razoabilidade” e “proporcionalidade” são critérios para aferir a pertinência e correção da fundamentação das decisões, e não para explicá-las. O aspecto subjetivo das decisões judiciais não é passível de eliminação, apenas de atenuação.

Repare como é significativo o uso dos termos “razoabilidade” e “proporcionalidade” no lugar de “racionalidade”. “Racional” e “razoável” são a mesma coisa? O “razoável” apela ao senso comum, aos critérios aceitos como plausíveis pela comunidade de juristas e até mesmo de todos os cidadãos. O que torna um argumento “racional” é sobretudo a sua estrutura, independente de quem o analisa; a “razoabilidade” de um argumento, por outro lado, depende em muito do olhar que a comunidade tem sobre aquela questão.

Assim, você não deve se assustar com as discussões doutrinárias sobre as “sub-regras” da proporcionalidade, ou das dimensões da análise da razoabilidade de que trataremos nesta aula. São, na verdade, construções jurisprudenciais por meio das quais se tenta estabelecer, entre a subjetividade do juiz (insatisfatória) e a demonstração matemática ou científica (inaplicável), a racionalidade possível na argumentação jurídica.

B O CASO

Em 1993, atendendo à previsão constitucional da promoção da defesa do consumi-dor38, a Assembléia Legislativa do Paraná promulgou a 10.248/93, exigindo que todo botijão de gás vendido no Estado fosse pesado na presença dos compradores. O objeti-vo dos legisladores era permitir o ressarcimento imediato ao consumidor de eventuais variações no peso do botijão adquirido ou sobras de gás no devolvido.

Os efeitos sobre as empresas que comercializavam os botijões no Paraná eram pre-visíveis. Precisariam incluir no seu orçamento despesas para compra e instalação das balanças de precisão exigidas pela lei, além dos custos de treinamento dos funcionários no seu uso e manutenção. Estimativas preliminares davam a entender que o volume desses acréscimos seria considerável.

Em reunião na seção regional da Confederação Nacional do Comércio (entidade patronal no âmbito da atividade comercial), os dirigentes de empresas estavam inquie-tos. Realmente, a Constituição previa a promoção da defesa do consumidor no âmbito estadual, e talvez a pesagem obrigatória pudesse contribuir em alguma medida para esta finalidade. Mas os efeitos seriam drásticos! Os custos do empreendimento subi-riam de tal forma que – pensavam os empresários – a própria viabilidade do negócio ficaria comprometida. Defender o consumidor é importante, mas esta medida não era razoável.

“Razoável”, “Irrazoável”. Estas palavras foram repetidas muitas vezes naquela reu-nião e nos encontros subseqüentes que a Confederação Nacional do Comércio teve com os parlamentares do Paraná (ainda que, vale dizer, por vezes tenham sido acompa-nhadas de murros na mesa). Ninguém dizia que a liberdade de iniciativa era mais im-portante do que a defesa do consumidor, nem o contrário; o problema dos empresários do setor era com a maneira pela qual a defesa do consumidor estava sendo promovida

37 ATIENZA, Manuel. Teo-

rias da Argumentação

Jurídica.

38 Nos termos do art. 24,

VIII da Constituição, a

prevenção dos danos ao

consumidor é competência

concorrente da União e dos

Estados.

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neste caso. Acreditavam que seus direitos estavam sendo prejudicados mais do que o necessário para proteger o consumidor, e isso é “pouco razoável”. Os nocivos efeitos econômicos sobre as empresas seriam desproporcionais em relação ao benefício que os consumidores teriam.

Conversando com seus advogados da CNC, descobriram que, sem querer, esbo-çaram um importante argumento jurídico. “Razoabilidade” e “proporcionalidade” – disseram os advogados – vinham há algum tempo aparecendo como fundamento de decisões judiciais, inclusive do Supremo Tribunal Federal.

Os advogados da CNC fizeram uma extensa pesquisa jurisprudencial e doutrinária sobre o tema e concluíram: a pesagem obrigatória dos botijões de gás na presença do consumidor violava os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade. Assim, em nome da Confederação Nacional do Comércio, contestaram a medida no Supremo através da Ação Direta de Inconstitucionalidade 855-2.

Após a leitura dos trechos selecionados da petição inicial e da decisão do Supremo Tribunal Federal, reflita:

Quais os “topoi” constitucionais que estão em conflito?Quais os argumentos da Confederação Nacional do Comércio para defender a inconstitucionalidade da medida?Qual a interpretação que a CNC dá a cada um dos “topoi” que fundamentam seu pedido?Qual(is) o(s) sentido(s) de “razoabilidade” e de “proporcionalidade” em cada uma das peças?Qual(is) a(s) função(ões) que este conceitos cumprem na argumentação da CNC e do STF?Esse(s) sentido(s) coincide(m) com aqueles expostos na bibliografia recomendada?Como os laudos técnicos contribuíram para a aplicação daqueles dois conceitos neste caso?Como os “topoi” de razoabilidade e proporcionalidade contribuíram para a so-lução do caso, na decisão do STF?Poderiam ter contribuído de outra forma?Você concorda com a decisão do Supremo? Por quê?

C) MATERIAL DE APOIO

c1) Textos

I) OBRIGATÓRIOS

SILVA, Virgílio Afonso. “O Proporcional e o Razoável”. In TORRENS, Haradja e ALCOFORADO, Mario. A Expansão do Direito: Estudos de Direito Constitu-cional e Filosofia do Direito em homenagem a Willis Santiago Guerra Filho. Rio de Janeiro: Lúmen Juris, 2004.

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TEORIA DO DIREITO CONSTITUCIONAL

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II) ACESSÓRIOS

ÁVILA, Humberto. Teoria dos Princípios. São Paulo: Malheiros, 2003.BARROS, Suzana de Toledo. A Proporcionalidade e o Controle das Leis Restritivas de

Direitos no Brasil. Brasília: Brasília Jurídica, 1996 (págs. 157-184)BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e Aplicação da Constituição. (trecho sobre

Razoabilidade e Proporcionalidade)SARMENTO, Daniel. “O Princípio da Proporcionalidade”, in A Ponderação de

Interesses na Constituição de 1988 (págs. 77-96)BARROS, Suzana de Toledo. A Proporcionalidade e o Controle das Leis Restritivas de

Direitos no Brasil. Brasília: Brasília Jurídica, 1996 (págs. 157-184)ALEXY, Robert. Derecho y Razón Prática. México: Fontamara, 1993STEINMETZ, Wilson Antônio. Colisão de Direitos Fundamentais e Princípio da

Proporcionalidade. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2001.SILVA, Virgílio Afonso. “O Proporcional e o Razoável”. In TORRENS, Haradja

e ALCOFORADO, Mario. A Expansão do Direito: Estudos de Direito Constitu-cional e Filosofia do Direito em homenagem a Willis Santiago Guerra Filho. Rio de Janeiro: Lúmen Juris, 2004.

c2) Questões de Concurso

8º Concurso – Magistratura Federal/ 2001 – 2ª RegiãoQual o conteúdo jurídico do princípio da razoabilidade?Comente, de forma sumária: princípio da unidade da Constituição, colisão de princí-pios constitucionais e ponderação de interesses.Relativamente à concretização das normas constitucionais, comente brevemente os conceitos de: a) auto-aplicabilidade; b) reserva do possível; e c) vedação do retrocesso.

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AULA 22: INTERPRETAÇÃO DE BLOQUEIO E INTERPRETAÇÃO LEGITIMADORA: THE MAKING OFF

NOTA AO ALUNO

A INTRODUÇÃO

Esta aula tem dois objetivos básicos. Por um lado, trata-se de conhecer dois tipos de estratégia interpretativa – interpretação de bloqueio e interpretação legitimado-ra, que, a partir da constituição de 1988, têm sido muito utilizados na profissão jurídica. Na verdade, estes tipos de interpretação correspondem a mecanismos con-ceituais capazes de solucionar um grave problema do direito: a existência de uma constituição meramente formal, enunciadora de direitos que nunca se concretizam. Na medida em que se entende a constituição como sendo também uma constitui-ção “dirigente”, prospectiva, que aponta para o futuro, estas duas estratégias de interpretação servem para torná-la mais eficaz e, assim, aliar legalidade, eficácia e legitimidade.

Por outro, trata-se de analisar, identificar, debater e criticar o raciocínio que o pare-cer “Direito da Mulher: Igualdade Formal e Igualdade Material” adota e a argumenta-ção com que se reveste. Argumentação, no caso, entendida como a forma pela qual o raciocínio se expressa.

Essa análise pode assumir diversas maneiras, não excludentes entre si, como por exemplo:

a) O parecer se distingue de outros modelos de parecer? Como? E de outras peças usuais da profissão jurídica, como memorandos e peças doutrinárias? Como?

b) Qual foi a estrutura interna e encadeamento do raciocínio adotado neste pare-cer? Quais as diversas etapas deste parecer enquanto decisão?

c) Este parecer ajuda ou não a construir a democracia no Brasil? Liste argumentos contrários e argumentos favoráveis.

Basicamente, a aula se desenvolverá numa crítica ao parecer. Muito mais ao parecer enquanto argumentação do que ao mérito das teses que defende. De todas as maneiras, Você deve estar preparado para formular um parecer contrário, em favor do governador do Rio Grande do Sul, bem como redigir a minuta de uma sentença sobre o assunto.

Na próxima aula, voltará o debate sobre lei de quotas. Será que os conceitos de igualdade formal e igualdade material aqui discutidos podem colaborar com a sua par-ticipação na próxima aula?

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B) MATERIAL DE APOIO

b1) Textos

I) OBRIGATÓRIOS

FALCÃO, Joaquim. “Direito da mulher: igualdade formal e igualdade material”. In AMARAL JÚNIOR, Alberto do, e PERRONEMOISÉS, Cláudia (orgs.). O Cinqüentenário da Declaração Universal dos Direitos do Homem. São Paulo: Edusp, 1998.

FERRAZ JR., Tércio Sampaio. “Interpretação e Aplicabilidade das Normas Cons-titucionais”, extraído de Interpretação e Estudos da Constituição de 1988. São Paulo: Atlas, 1990.

II) ACESSÓRIOS

CAPPELLETI, Mauro. Juízes Legisladores?. Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris Editor, 1993.

PIOVESAN, Flávia. “Constituição e Modelo de Estado”, extraído de Proteção Ju-dicial contra Omissões Legislativas. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1995.

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JOAQUIM FALCÃODoutor em Educação pela Université de Génève. Master of Laws (LL.M) pela Har-

vard University. Bacharel em Direito pela PUC-Rio. Foi conselheiro do Conselho

Nacional de Justiça de junho de 2005 a junho de 2009. Diretor da FGV DIREITO RIO.

GUSTAVO DA ROCHA SCHMIDTBacharel em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro

(2000), Master of Laws pela New York University School of Law (2008) e Professor

de Direito Constitucional da FGV Direito Rio. É, ainda, Procurador do Município do

Rio de Janeiro e Professor da Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro.

Foi sócio do escritório Schmidt, Lourenço & Kingston — Advogados Associados.

Tem experiência nas mais diversas áreas do direito, com ênfase em direito cons-

titucional e administrativo. Ocupa, atualmente, o cargo de Secretário-Chefe do

Gabinete do Prefeito da Cidade do Rio de Janeiro.

TEORIA DO DIREITO CONSTITUCIONAL

Page 128: TEORIA DO DIREITO CONSTITUCIONAL - FGV DIREITO RIO · Federativa do Brasil em TODAS as aulas. Favor trazê-la. ... Segundo, enumerar de forma rápida, mas contundente, TEORIA DO DIREITO

FGV DIREITO RIO 128

TEORIA DO DIREITO CONSTITUCIONAL

FICHA TÉCNICA

Fundação Getulio Vargas

Carlos Ivan Simonsen LealPRESIDENTE

FGV DIREITO RIO

Joaquim FalcãoDIRETOR

Sérgio GuerraVICE-DIRETOR DE ENSINO, PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO

Rodrigo ViannaVICE-DIRETOR ADMINISTRATIVO

Thiago Bottino do AmaralCOORDENADOR DA GRADUAÇÃO

André Pacheco Teixeira MendesCOORDENADOR DO NÚCLEO DE PRÁTICA JURÍDICA

Cristina Nacif AlvesCOORDENADORA DE ENSINO

Marília AraújoCOORDENADORA EXECUTIVA DA GRADUAÇÃO

Paula SpielerCOORDENADORA DE ATIVIDADES COMPLEMENTARES E DE RELAÇÕES INSTITUCIONAIS