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Teoria de Galois para An´ eis Comutativos Jo˜ ao Rafael de Melo Ruiz 2018 Resumo Neste artigo, exploramos a teoria de Galois para an´ eis comutativos como a generaliza¸ ao natural da teoria de Galois finita para corpos. Um dos elementos fundamentais dessa teoria ´ e o conceito de ´ algebras se- par´ aveis sobre an´ eis comutativos, introduzido por M. Auslander e O. Goldman em [1] em 1960. Desenvolvendo-se essa teoria, pode-se gene- ralizar diversos resultados da Teoria de Galois para extens˜ oes finitas de corpos, entre eles a correspondˆ encia de Galois, objetivo principal deste trabalho. Sum´ ario 1 Checagem de motores 2 2 Levantando vˆ oo 6 3 Rumo ao espa¸co! 21 Por que generalizar essa teoria? A resposta curta ´ e: porque ´ e legal! A resposta um pouco mais longa: a teoria de ´ algebras separ´ aveis sobre an´ eis comutativos, bastante necess´ aria para o desenvolvimento da teoria aqui explorada, ´ e excepcionalmente ´ util na defini¸ ao e c´ alculo do Grupo de Brauer de an´ eis comutativos (tanto ´ e que o artigo de Auslander e Goldman trata como tema principal a defini¸c˜ ao do Grupo de Brauer de um anel). O Grupo de Brauer ´ e uma constru¸ ao alg´ ebrica que at´ e ent˜ ao j´ a era conhecida para corpos e tinha a interpreta¸c˜ ao como um grupo que classifica as ´ algebras de divis˜ ao sobre tal corpo. Generalizando-se isso para um anel comutativo qualquer, ganhamos uma poderosa ferramenta de classifica¸c˜ ao de ´ algebras sobre an´ eis comutativos. Retornando ` a pergunta original, e juntando as duas respostas, pode-se argu- mentar que a Matem´ atica ´ e, muitas vezes, movida a generaliza¸ oes, que nada 1

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  • Teoria de Galois para Anéis Comutativos

    João Rafael de Melo Ruiz

    2018

    Resumo

    Neste artigo, exploramos a teoria de Galois para anéis comutativoscomo a generalização natural da teoria de Galois finita para corpos. Umdos elementos fundamentais dessa teoria é o conceito de álgebras se-paráveis sobre anéis comutativos, introduzido por M. Auslander e O.Goldman em [1] em 1960. Desenvolvendo-se essa teoria, pode-se gene-ralizar diversos resultados da Teoria de Galois para extensões finitas decorpos, entre eles a correspondência de Galois, objetivo principal destetrabalho.

    Sumário

    1 Checagem de motores 2

    2 Levantando vôo 6

    3 Rumo ao espaço! 21

    Por que generalizar essa teoria?

    A resposta curta é: porque é legal! A resposta um pouco mais longa: ateoria de álgebras separáveis sobre anéis comutativos, bastante necessária para odesenvolvimento da teoria aqui explorada, é excepcionalmente útil na definiçãoe cálculo do Grupo de Brauer de anéis comutativos (tanto é que o artigo deAuslander e Goldman trata como tema principal a definição do Grupo de Brauerde um anel). O Grupo de Brauer é uma construção algébrica que até então jáera conhecida para corpos e tinha a interpretação como um grupo que classificaas álgebras de divisão sobre tal corpo. Generalizando-se isso para um anelcomutativo qualquer, ganhamos uma poderosa ferramenta de classificação deálgebras sobre anéis comutativos.

    Retornando à pergunta original, e juntando as duas respostas, pode-se argu-mentar que a Matemática é, muitas vezes, movida a generalizações, que nada

    1

  • mais são o ato de perceber que situações ou construções aparentemente não-relacionadas na verdade são apenas instâncias ou consequências de uma estru-tura mais geral. Um exemplo é a Teoria de Categorias, que dá um motivo claroao “roteiro” que muitas vezes os cursos de Álgebra a ńıvel de graduação seguem(introduzir uma estrutura → morfismos entre essas estruturas → quocientes eteoremas de isomorfismo), e guia estudos mais aprofundados (dando ênfase amorfismos no lugar de objetos, pelo Lema de Yoneda). Outro exemplo é a ca-tegoria de espaços localmente anulares (LRS), que unifica praticamente todosos objetos geométricos da Matemátcia: de variedades algébricas a esquemas,passando por variedades diferenciáveis e superf́ıcies de Riemann, praticamentetodo objeto geométrico possui uma estrutura de espaço localmente anular.

    O desejo de generalizar cada vez mais é muitas vezes comparado a levantarvôo e “subir” cada vez mais, rumo a um grau “espacial” de abstração. Essacomparação motiva a nomenclatura das seções deste trabalho: na primeira,Checagem de motores, revisitaremos alguns tópicos importantes da teoriade anéis e de módulos, além de resultados importantes da Teoria de Galoisque serão utilizados aqui como ponto de partida para generalizações. Depois,em Levantando vôo, começamos com as definições da Teoria de Galois paraextensões finitas de corpos e, por meio das equivalências e definições certas,encontramos generalizações adequadas tanto para as definições quanto para osresultados da Teoria de Galois. Finalmente, sáımos da atmosfera terrestre emRumo ao espaço, com indicações de aplicações da teoria aqui explorada eonde buscar generalizações possivelmente para anéis não-comutativos.

    1 Checagem de motores

    Aqui lembraremos alguns tópicos importantes da teoria de anéis e módulos,além de um ou outro resultado das teorias de corpos e de Galois. Uma dasreferências canônicas para esses assuntos é [4]. Antes de qualquer coisa, con-vencionaremos que o termo “anel” significa “anel comutativo com unidade”,e o termo “álgebra” significa “álgebra comutativa com unidade”, a menos deexpĺıcita e inegável menção do contrário. Além disso, 0 ∈ N.

    Comecemos lembrando que se R é um anel, um R-módulo M é um grupoabeliano (M,+) munido de uma operação bilinear R ×M → M , (a,m) 7→ amde forma que para quaisquer a, b ∈ R e m ∈M , (ab)m = a(bm). Temos tambémo conceito de R-homomorfismo: fixado um anel R e R-módulos M e N , um R-homomorfismo (ou morfismo de R-módulos) f : M → N é um homomorfismode grupos para o qual vale, para todo a ∈ R, m ∈M , f(am) = af(m).

    Com essas definições, verifica-se facilmente que acabamos de definir uma ca-tegoria, a de R-módulos, denotada por RMod

    1. Para o leitor ou a leitora que

    1Para ser espećıfico, definimos aqui para cada anel R a categoria de R-módulos à esquerda.Isso porque a multiplicação por escalares (isto é, por elementos de R) é feita à esquerda. Todos

    2

  • já leu sobre Teoria de Categorias, a categoria RMod é uma categoria abeliana.A “moral” dessa última frase é que, entre outras coisas, valem:

    • Se M e N são R-módulos, Hom(M,N) é um grupo abeliano e a com-posição de morfismos é bilinear;

    • Se f : M → N é um morfismo de R-módulos, então M/ ker f ' Imf .

    Com a noção de núcleo e de imagem, é posśıvel definir exatidão para sequênciasde morfismos. Se M , N e P são R-módulos e f : m → N e g : N → P sãomorfismos de R-módulos, diz-se que a sequência

    Mf−→ N g−→ P

    é exata em N se Imf = ker g. Sequências com mais módulos e morfismos sãoditas ser exatas se são exatas em cada termo em que há uma composição demorfismos.

    Um tipo de sequência exata importante são as sequências exatas curtas, asda forma

    0→M f−→ N g−→ P → 0.Note que essa sequência é exata se, e somente se, Imf = ker g, f é injetora e gé sobrejetora.

    Dada uma famı́lia qualquer {Ai}i∈I de R-módulos, podemos construir suasoma direta:

    ⊕i∈I

    Ai é o subconjunto de∏i∈I

    Ai de todas as famı́lias quase-nulas,

    isto é: dado a = (ai)i∈I ∈∏i∈I

    Ai, a ∈⊕i∈I

    Ai se, e somente se, ai 6= 0 para uma

    quantidade finita de ı́ndices i. Nessa situação, cada Ai é chamado de somandodireto de

    ⊕i∈I

    Ai. Note então que para famı́lias finitas o produto cartesiano usual

    e a soma direta coincidem. A soma direta de dois módulos M e N é denotadapor M ⊕N .

    Com somas diretas, podemos definir a noção de módulo livre, que são aquelesque “possuem uma base”. Equivalentemente, um R-módulo é livre se M '

    ⊕i∈I

    R

    para algum conjunto I 6= ∅. Note que qualquer espaço vetorial é um módulolivre.

    Diz-se que uma sequência exata

    0→M → N → P → 0

    cinde se N ' M ⊕ P . Entre outras coisas, isso equivale a dizer que existe ummorfismo P → N tal que a composta P → N → P é a identidade em P .os conceitos aqui possuem formulações quase idênticas para módulos à direita porém, comoestamos nos limitando a anéis comutativos, o caso de módulos à esquerda é mais do que osuficiente.

    3

  • Módulos livres, apesar de frequentes, são bastante especiais, então muitasvezes não podemos exigir que os módulos com que trabalhamos sejam livres.Nos restringimos a trabalhar principalmente com módulos projetivos: diz-se queum R-módulo P é projetivo se, para quaisquer R-módulos M e N , morfismosde módulos P → N e M → N → 0, exista um (não necessariamente único)morfismo P →M tal que o diagrama abaixo comuta:

    P

    M N 0

    O principal teorema sobre módulos projetivos, que não será provado aqui, éo seguinte:

    Teorema 1.1. Seja P um R-módulo. Equivalem:

    • P é projetivo;

    • Toda sequência exata de R-módulos

    0→M → N → P → 0

    cinde.

    • P é (isomorfo a um) somando direto de um módulo livre.

    • Existem elementos pi ∈ P e R-homomorfismos fi : P → R (para i ∈ I), deforma que, para todo p ∈ P , finitos fi(p) são não-nulos, e p =

    ∑i∈I

    fi(p)pi.

    A coleção dos pi e fi é chamada de base dual.

    A partir de dois R-módulos podemos construir vários outros módulos. Umdesses é o produto tensorial, que veremos que tem uma importante interpretaçãocomo mudança de base. Sua construção não é relevante, porém o leitor ou aleitora que se interessar pode consultar [4]. Aqui, vamos apenas ver algumaspropriedades básicas e exemplos para fins de interpretação.

    O R-módulo M ⊗R N é gerado por elementos da forma a ⊗ b com a ∈ M eb ∈ N , chamados de tensores elementares. Os tensores elementares satisfazemas relações (a+ a′)⊗ b = a⊗ b+ a′ ⊗ b, a⊗ (b+ b′) = a⊗ b+ a⊗ b′ e se r ∈ R,(ra)⊗b = a⊗ (rb) = r(a⊗b). Além disso, o produto tensorial é criado com umaaplicação R-bilinear ⊗ : M×N →M⊗RN dada por (a, b) 7→ a⊗b satisfazendoa propriedade universal de que toda aplicação R-bilinear saindo de M × N sefatora de maneira única por ⊗. Visualmente, essa propriedade universal estáilustrada no diagrama abaixo:

    4

  • M ⊗R N

    M ×N

    P

    f

    Existe um único homomorfismo de R-módulos φ : M ⊗R N → P tal quef = φ ◦ ⊗.

    O caso interessante é quando tensorizamos por um módulo que é tambémum anel: nesses casos, o produto tensorial tem uma clara interpretação comomudança do “anel de escalares”: por exemplo, tanto R[x] quanto C são R-módulos. Nesse caso, temos R[x] ⊗R C ' C[x]. O isomorfismo é induzido pelapropriedade universal do produto tensorial: a aplicação de R[x]×C em C[x] dadapor (p, z) 7→ zp é R-bilinear, induzindo assim um morfismo φ : R[x]⊗RC→ C[x]que leva o tensor elementar p⊗z em zp. O inverso de φ é o morfismo ψ induzidopela aplicação znx

    n 7→ xn ⊗ zn. Verificando-se (facilmente) que ψ e φ são defato inversos, temos que R[x]⊗R C ' C[x].

    Essa é a “moral” do produto tensorial na Álgebra Comutativa: mudar a base.Da mesma forma que fizemos com esse exemplo, não é dif́ıcil provar que, seL ⊇ k é uma extensão de corpos, então k[x]⊗k L = L[x]. Para fazer contas como produto tensorial, basta usar a seguinte “cola”: se você quer saber quem é oproduto tensorial M ⊗R S, em que S é um anel, além de um R-módulo, bastanotar que R “aparece” em M de alguma forma; o produto tensorial meramentetroca R por S. Para muitas contas básicas, essa regra é suficiente.

    O último tópico da Álgebra Abstrata a ser abordado aqui são álgebras. Umaálgebra nada mais é do que um módulo sobre um anel, que porventura tambémé ele próprio um anel, com operações compat́ıveis. Ou seja: uma R-álgebra Aé um anel A munido de uma estrutura de R-módulo, de forma que para todoa, b ∈ A e r ∈ R, tem-se r(ab) = (ra)b = a(rb). A única observação importanteque devemos fazer é que se A e B são duas R-álgebras, podemos munir A⊗RBde uma estrutura de R-álgebra, via a multiplicação em tensores elementaresa⊗ b · a′ ⊗ b′ = (aa′)⊗ (bb′).

    Agora, será útil relembrarmos alguns resultados e definições importantes dateoria de Galois: se k é um corpo e f ∈ k[x], então f é dito ser separável sef não possui ráızes múltiplas em k. Similarmente, se L ⊇ k é uma extensãode corpos, um elemento α ∈ L é dito ser separável sobre k se seu polinômiominimal é separável e uma a extensão L ⊇ k é dita ser separável se todos osseus elementos são separáveis.

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  • Uma extensão L ⊇ k de corpos é dita ser simples se L = k(α), para algumα ∈ L. Nesse caso, α é dito ser um elemento primitivo da extensão. Temos umimportante

    Teorema 1.2 (Elemento Primitivo). Se uma extensão finita L ⊇ k é separável,então L = k(α).

    A demonstração pode ser conferida em [2].

    2 Levantando vôo

    Comecemos exporando um pouco a definição de separabilidade de um po-linômio por um viés da álgebra comutativa. Sabemos que f ∈ k[x] ser separávelsignifica que em um fecho algébrico de k, f não possui ráızes repetidas. Issoequivale, claramente, a dizer que para qualquer extensão L ⊇ k, f não possuifatores repetidos em L. Ora, se L ⊇ k é extensão e, em L, f = pn11 ...pnrr comcada pi irredut́ıvel, para que f seja separável é necessário e suficiente que ni = 1para todo i = 1, ..., r e toda extensão L ⊇ k.

    Passando ao quocienteL[x]

    (f), sabemos pelo teorema chinês dos restos, que

    L[x]

    (f)' L[x]

    (p1)⊕ ...⊕ L[x]

    (pr).

    Como cada pi é irredut́ıvel, cada somando da expressão acima é um domı́nio.

    Assim, mesmo queL[x]

    (f)não seja um domı́nio, sabemos que esse anel não possui

    nilpotentes não nulos. Um anel com essa propriedade é chamado de reduzido.

    Lembrando-se da seção anterior que L[x] = k[x] ⊗k L, a discussão acima sereduz à seguinte

    Proposição 2.1. Sejam k um corpo, f ∈ k[x] um polinômio irredut́ıvel. Então

    f é separável se, e somente se,k[x]

    (f)⊗k L é reduzido para toda extensão L ⊇ k.

    Corolário 2.2. Seja L ⊇ k uma extensão finita. Então L é uma extensãoseparável de k se, e somente se, L⊗k F é reduzido para toda extensão F de k.

    Demonstração. Como consequência do Teorema do Elemento Primitivo, umaextensão finita L ⊇ k é separável se, e somente se, L = k(α) para algum α ∈ L

    algébrico sobre k com polinômio minimal f ∈ k[x] separável. Ora, k(α) = k[x](f)

    ,

    portanto L e separável se, e somente se, L⊗k F é reduzido para toda extensãoF de k. �

    6

  • Assim, temos uma formulação de separabilidade que independe de alguns con-ceitos da teoria de corpos: a dizer, podemos considerar “objetos separáveis”quenão são extensões de corpos. Isso motiva a seguinte

    Definição 2.3. Uma álgebra A de dimensão finita sobre um corpo k é dita serseparável se, para toda extensão L de k, A⊗k L é uma álgebra reduzida.

    Exemplo 2.4. Sejam F1, ..., Fr extensões finitas separáveis de um corpo k.Então a álgebra A = F1⊕ ...⊕Fr é separável. Afinal, se L ⊇ k é uma extensão,temos que

    A⊗k L =

    (n⊕i=1

    Fi

    )⊗k L

    =

    n⊕i=1

    (Fi ⊗k L),

    e como cada somando não possui nilpotentes não-nulos, A ⊗k L não os possuitampouco. Portanto A é uma álgebra separável.

    O que o corolário 2.2 diz é que de fato o conceito de álgebra separável sobreum corpo é uma generalização do conceito de extensão separável de um corpo.Na realidade, esse é o único exemplo de álgebra separável sobre um corpo. Issose deve ao seguinte teorema (que não será provado aqui por depender de algunsresultados técnicos sobre anéis semisimples, mas está dispońıvel em [6]):

    Teorema 2.5. Seja A uma k-álgebra separável. Então existem extensões finitase separávels F1, ..., Fr de k tais que A ' F1 ⊕ ...⊕ Fr.

    Corolário 2.6. Seja A uma álgebra de dimensão finita sobre um corpo k. EntãoA é separável se, e somente se, existe uma extensão E ⊇ k tal que A⊗kE = E⊕n.

    Agora nosso objetivo se volta a generalizar o conceito de separabilidade paraálgebras sobre anéis, e não sobre corpos. Começamos com a seguinte

    Definição 2.7. Sejam R um anel e A uma R-álgebra. A álgebra envolvente deA é definida como sendo Ae = A⊗R A.

    Na realidade a álgebra envolvente é um conceito mais geral para álgebrassobre anéis não necessariamente comutativos: mais geralmente, Se A é umaR-álgebra à esquerda, Ae = Aop ⊗R A, em que Aop é a álgebra oposta de A.

    Ainda, A admite uma estrutura de Ae-módulo dada por (a⊗ b) · x := axb.

    7

  • Podemos induzir um morfismo Ae → A de Ae-módulos: pela propriedadeuniversal do produto tensorial, o diagrama abaixo induz µ : Ae → A dado emtensores elementares por µ(a⊗ b) = ab.

    A⊗R A

    A×A

    A

    µ

    f

    No diagrama, f(a, b) = ab.

    O núcleo do morfismo é um ideal de Ae, e podemos caracterizá-lo: temoskerµ = (a ⊗ 1 − 1 ⊗ a|a ∈ A). A inclusão (⊇) é clara, e se

    ∑i

    ai ⊗ bi ∈ kerµ,

    com ai 6= aj e bi 6= bj para i 6= j, temos∑i

    aibi = 0 em A. Disso conclúımos que

    a soma possui uma quantidade par de parcelas que podem ser agrupadas empares aibi+ajbj = 0. Supomos então SPG que ai = −bj e bi = aj , de forma queai⊗ bi +aj ⊗ bj = bi · (1⊗ bj − bj ⊗ 1), de forma que kerµ ⊆ (a⊗ 1− 1⊗a| ∈ A)e temos a igualdade.

    Para continuar nossa exploração, o seguinte lema será útil. Ele não seráprovado pois é parte de uma equivalência muito maior, dispońıvel em [6].

    Lema 2.8. Seja A uma álgebra de dimensão finita sobre um corpo k. Equiva-lem:

    1) A é reduzida;

    2) Toda sequência exata curta de A-módulos cinde;

    3) Todo submódulo N de um A-módulo M é um somando direto de M .

    Teorema 2.9. Uma álgebra A de dimensão finita sobre um corpo k é separávelse, e somente se, a sequência exata curta de Ae-módulos

    0→ kerµ→ Ae µ−→ A→ 0

    cinde.

    Demonstração. ( =⇒ ) Pela hipótese, conclúımos que existe uma extensão E dek tal que A⊗k E = E⊕n. Dessa forma, conclúımos que

    Ae ⊗k E = (A⊗k A)⊗k E)= A⊗k (A⊗k E)= A⊗ (E⊕n)= (A⊗k E)⊕n

    = E⊕n2

    .

    8

  • Portanto, Ae é uma k-álgebra separável. Em particular, Ae = Ae⊗kk é reduzida,de forma que toda sequência exata curta de Ae-módulos cinde, em particular asequência

    0→ kerµ→ Ae µ−→ A→ 0.

    (⇐= ) Seja F uma extensão de k e denote por B a F -álgebra A⊗kF . garantindoque B é reduzida, o teorema está provando. Para isso, provaremos que todosubmódulo de um B-módulo é um somando direto. Comecemos notando que

    Be = B ⊗F B = (A⊗k F )⊗F (A⊗k F ) = (A⊗k A)⊗k F.

    Portanto temos um isomorfismo θ : Be∼−→ Ae ⊗k F . Por outro lado, como a

    sequência 0→ kerµ→ Ae µ−→ A→ 0 cinde, existe ν : A→ Ae tal que µ◦ν = 1A.Sejam

    µ′ = (µ⊗ 1) ◦ θ : Be → Ae ⊗k F → A⊗k Fν′ = θ−1 ◦ (ν ⊗ 1) : A⊗k F → Ae ⊗k F → Be.

    Obviamente µ′ ◦ ν′ = 1B .

    Consideremos agora um B-móduloM eN um B-submódulo deM . Como ambossão B-módulos, são k-espaços vetoriais. Portanto, como N é um k-subespaçovetorial de M , existe uma projeção k-linear Π : M → N que quando restrita aN é a identidade. Se tivéssemos a noção de ortogonalidade, tomando o comple-mento ortogonal N⊥ de N teŕıamos M = N ⊕ N⊥. Infelizmente não é esse ocaso, então teremos que tomar um caminho um pouco mais longo para provarque N é um somando direto de M :

    Seja ν′(1) =r∑i=1

    xi ⊗ yi. Aplicando-se µ′ temos

    1 = µ′(ν′(1)) =

    r∑i=1

    µ′(xi ⊗ yi) =r∑i=1

    xiyi.

    Para qualquer aplicação k-linear f : M → M e qualquer a⊗ b ∈ Be, definimos(a ⊗ b) · f : M → M por (a ⊗ b) · f(m) = af(bm), aplicação que claramenteretém a k-linearidade de f . Seja Π′ = ν′(1)Π : M → M . Provaremos que Π′ éum projetor B-linear2, com imagem N , de forma que N é um somando diretode M . Primeiro, para n ∈ N , temos

    Π′(n) = ν′(1)Π(n) =

    r∑i=1

    xi ⊗ yiΠ(n)

    =

    r∑i=1

    xiΠ(yin) =

    r∑i=1

    xiyin = n.

    2Para mais sobre projetores, incluindo a propriedade que estamos usando aqui, consulte[4]

    9

  • Portanto, Π′(M) = N e (Π′)2 = Π′. Provando que Π′ é B-linear, teremos Ncomo somando direto de M . Sejam b ∈ B e m ∈M . Temos:

    Π′(bm) = (1⊗ b) ·Π′(m)= (1⊗ b)ν′(1)Π(m) = (ν′(1⊗ b · 1)Π(m)= ν′(b⊗ 1 · 1)Π(m) = (b⊗ 1)ν′(1)Π(m)= (b⊗ 1) ·Π′(m) = bΠ′(m).

    Assim, M = N ⊕ ImΠ′. Dessa forma, N é um somando direto e B = A ⊗k Fé reduzida. Como isso é válido para qualquer extensão F de k, segue que A éseparável sobre k. �

    Está na hoar de passarmos de álgebras sobre corpos para álgebras sobre anéis:

    Teorema 2.10. Sejam R um anel e A uma R-álgebra. Equivalem:

    1) A é um Ae-módulo à esquerda projetivo;

    2) A sequência exata curta de Ae-módulos

    0→ kerµ→ Ae µ−→ A→ 0

    cinde;

    3) Existe x ∈ Ae tal que µ(x) = 1 e kerµx = 0.

    Demonstração. (1 =⇒ 2) É uma propriedade imediata de módulos projetivos.(2 =⇒ 1) Como Ae é um Ae-módulo livre e a sequência dada cinde, A é(isomorfo a) um somando direto de Ae, dessa forma A é projetivo.(2 =⇒ 3) Sejam ν : A → Ae morfismo de Ae-módulos tal que µ ◦ ν = 1A ex = ν(1). Então temos imediatamente µ(x) = 1 e, para a ∈ A,

    (a⊗ 1) · x = (a⊗ 1) · ν(1) = ν((a⊗ 1) · 1)= ν(a) = ν((1⊗ a) · 1) = (1⊗ a) · ν(1) = (1⊗ a) · x.

    Ou seja, para qualquer gerador a ⊗ 1 − 1 ⊗ a de kerµ, (a ⊗ 1 − 1 ⊗ a)x = 0,portanto kerµx = 0.(3 =⇒ 2) Por hipótese, existe x ∈ Ae tal que µ(x) = 1 e kerµx = 0. Definamosν : A→ Ae por ν(a) = (a⊗1)·x. Provando que ν é um morfismo de Ae-módulostal que µ ◦ ν = 1A, a sequência acima garantidamente cindirá. Claramente sea, b ∈ A, ν(a+ b) = ν(a) + ν(b) e µ ◦ ν = 1A. Finalmente, se a, b, c ∈ A, temos

    ν((a⊗ b) · c) = ν(acb) = ((acb)⊗ 1) · x= ((ac)⊗ 1)(b⊗ 1) · x = ((ac)⊗ 1)(1⊗ b) · x= (a⊗ b)(c⊗ 1) · x = (a⊗ b) · ν(c).

    Portanto a sequência acima cinde. �

    10

  • Definição 2.11. Uma álgebra A sobre um anel R é dita ser separável se são sa-tisfeitas as condições equivalentes do teorema 2.10. Nessa situação, um elementox como no item 3 é chamado de idempotente3 de separabilidade.

    Exemplo 2.12. Se R é um anel, R é uma R-álgebra separável. Afinal, µ é umisomorfismo (note que Re = R ⊗R R = R e µ é o isomorfismo canônico entreesses dois anéis), seu núcleo é zero e por exemplo 1 ∈ Re é um idempotente deseparabilidade.

    Exemplo 2.13. A noção de separabilidade de uma álgebra sobre um anel é, defato, uma generalização da noção de extensão separável finita4: lembre que umaextensão finita L ⊇ k de corpos é separável se, e somente se, L é uma k-álgebraseparável (no sentido que para toda extensão F ⊇ k, L ⊗k F é reduzida), eportanto a sequência

    0→ kerµ→ Le µ−→ L→ 0cinde, portanto L é uma k-álgebra separável em nosso sentido mais geral se, esomente se, é uma extensão separável de corpos.

    Exemplo 2.14. Vejamos um exemplo de álgebra sobre um anel que não éseparável: A = Z[

    √2] sobre R = Z. Suponha que A é uma R-álgebra separável,

    e seja x ∈ A um idempotente de separabilidade. Primeiro, notemos que A é umR-módulo livre de base {1,

    √2}, de forma que Ae = A ⊗Z A também é livre,

    possuindo base {1⊗1, 1⊗√

    2,√

    2⊗1,√

    2⊗√

    2}. Existem portanto a, b, c, d ∈ Rtais que

    x = a(1⊗ 1) + b(1⊗√

    2) + c(√

    2⊗ 1) + d(√

    2⊗√

    2).

    Como 1 = µ(x) = (a+ 2d) + (b+ c)√

    2, temos um sistema linear{a+ 2d = 1

    b+ c = 0

    Ainda, de kerµx = 0, em particular como 1⊗√

    2−√

    2⊗ 1 ∈ kerµ, devemos terx(1 ⊗

    √2) = x(

    √2 ⊗ 1). Abrindo os termos, acabamos com o seguinte par de

    equações em R = Z: {a = 2d

    b = c

    Disso conclúımos que b = c = 0, a = 2d e 2a = 1. Porém lembre que a ∈ R = Z,donde 12 ∈ Z, um absurdo. Portanto A não possui idempotente de separabilidadee assim não é uma R-álgebra separável.

    A próxima definição dá um feeling de Teoria de Galois para nosso estudo que,até agora, está deveras abstrato:

    Definição 2.15. Um anel S é dito ser uma extensão de um anel R se S é umaR-álgebra fiel, i.e., 0 6= r ∈ R =⇒ r · 1 6= 0.

    3De fato x é idempotente, afinal x2 − x = (x− 1⊗ 1)x ∈ kerµx = 04A finitude advém do fato de estarmos generalizando a teoria de Galois finita.

    11

  • Nessa situação, o morfismo canônico R → S dado por r 7→ r · 1 é injetor epodemos identificar R com sua imagem R · 1. Dessa forma, o grupo AutR(S)de R-automorfismos de S (isto é, automorfismos de S enquanto R-álgebra) éo análogo ideal dos automorfismos de uma extensão de corpos (coincidindo nocaso em que ambas as definições se aplicam).

    Definição 2.16. Seja G um subgrupo finito de AutR(S). Definimos duasálgebras: seja F =

    ⊕σ∈G

    Sσ o módulo livre de base {σ|σ ∈ G}. Em F defi-

    nimos duas multiplicações:

    1) Para σ, τ ∈ G, a, b ∈ S, (aσ) · (bτ) := (aσ(b))(στ). Essa R-álgebra édenotada por ∆(S : G).

    2) Para σ, τ ∈ G, a, b ∈ S, (aσ) · (bτ) := (ab)δσ,τvσ, em que δij é o delta dekronecker. Essa S-álgebra é denotada por ∇(S : G).

    Observação. Note que podemos facilmente definir um morfismo deR-álgebrasφ : ∆(S : G) →HomR(S, S) por (φ(aσ))(x) = aσ(x). Além disso, ∇(S : G)é naturalmente isomorfo a S⊕|G|. Ainda, podemos definir um morfismo de S-álgebras ψ : S ⊗S S → ∇(S : G) por ψ(a⊗ b) =

    ∑σ∈G

    aσ(b) · σ.

    Lembre que uma extensão de corpos L ⊇ k é dita ser Galoisiana com grupode Galois G = Autk(L) se é separável e normal. Equivalentemente, L

    G = k. Opróximo lema nos permitirá encontrar um exemplo que será uma justificativade por quê não podemos definir uma extensão galoisiana de anéis como apenasuma em que SG = R:

    Lema 2.17. Sejam L ⊇ k uma extensão de corpos e G ⊆ Aut(L) um subgrupofinito. Então equivalem:

    1) LG = k;

    2) dimk L < ∞ e φ : ∆(L : G) →Homk(L,L) é um isomorfismo de k-álgebras.

    Demonstração. (1 =⇒ 2) Como LG = k, a extensão é galoisiana e comoG é finito, dimk L = [L : k] = |G| < ∞. Ainda, φ é injetor: afinal, se

    φ

    ( ∑σ∈G

    aσ · σ)≡ 0, então

    ∑σ∈G

    aσσ ≡ 0 e, pelo Lema de Dedekind, aσ = 0

    para todo σ ∈ G. Ainda, temos dimk ∆(L : G) = dimk L · |G| = (dimk L)2 =dimkHomk(L,L). Portanto φ também é sobreketor e portanto uma bijeção.Como G ⊆ Autk(L), φ também é um morfismo de k-álgebras. Portanto, φ é umisomorfismo de k-álgebras.(2 =⇒ 1) Como φ é um isomorfismo de k-álgebras, em particular ∆(L : G) éuma k-álgebra e portantoG ⊆ Autk(L). Ainda, dimk δ(L : G) = dimkHomk(L,L)e, como dimk L

  • Vejamos se essa condição é suficiente pra generalizar a noção de extensãogaloisiana de corpos. Lembre que, se L ⊇ k é uma extensão de corpos e G ⊆Autk(L) é um subgrupo finito, então L ⊇ k é uma extensão galoisiana com grupode Galois G se, e somente se LG = k. Note que isso implica automaticamenteque a extensão é separável. Se encontrarmos uma extensão de anéis S ⊇ R eum subgrupo finito G de AutR(S), com S

    G = R e não separável, chegaremosà conclusão de que essa não é a generalização certa. Um exemplo de extensãonão separáveis de anéis é R = Z ⊆ Z[

    √2] = S. Ora, os automorfismos de S

    (enquanto anel) são exatamente G = AutR(S) = 〈σ〉 (automorfismos enquantoR-álgebra), em que σ : S → S é σ(a + b

    √2) = a − b

    √2. Ora, é fácil ver que

    SG = R. Porém S ⊇ R não é separável, portanto devemos incluir isso nashipóteses ao tentar uma generalização do conceito de extensão galoisiana decorpos.

    Teorema 2.18. Sejam S uma extensão de R e G um subgrupo finito de Aut(S)(automorfismos enquanto anel). Equivalem:

    1. (i) S é um R-módulo projetivo finitamente gerado;

    (ii) φ : ∆(S : G)→ HomR(S, S) é um isomorfismo de S-álgebras.

    2. (i) SG = R;

    (ii) ψ : S ⊗R S → ∇(S : G) é um isomorfismo de S-álgebras.

    3. (i) SG = R;

    (ii) Existem x1, y1, ..., xn, yn ∈ S tais que, para todo σ ∈ G,n∑j=1

    xjσ(yj) = δ1,σ.

    4. (i) SG = R;

    (ii) para cada idempotente não-nulo e ∈ S e para cada σ, τ ∈ G, σ 6= τ ,existe x ∈ S tal que σ(x)e 6= τ(x)e;

    (iii) S é separável sobre R.

    Claramente esse é um dos teoremas mais importantes deste trabalho, cujademonstração será extremamente trabalhosa. Para prová-la, vamos quebrar ademonstração desse teorema em duas partes:

    Parte 1. No teorema 2.18, (1 =⇒ 2 =⇒ 3 =⇒ 1).

    Demonstração. (1 =⇒ 2) Comecemos provando que SG = R. Bom, comoφ é um isomorfismo de R-álgebras, em particular ∆(S : G) é uma R-álgebra,portanto R ⊆ SG. Seja agora x ∈ SG. Identificando x com x · Id ∈ ∆(S :G), é imediato que x pertence ao centro de ∆(S : G). Porém como φ é umisomorfismo, φ(x) está no núcleo de HomR(S, S). Como S é um R-módulofinitamente gerado, projetivo e fiel, então HomR(S, S) é isomorfo a R e portanto

    13

  • x ∈ R. Dessa forma, SG = R.Para provar que ψ é um isomorfismo de S-álgebras, primeiro notemos que φ(t ·S) =HomR(S,R) para todo t ∈ ∆(S : G) da forma

    t =∑σ∈G

    1 · σ.

    Agora, considere a seguinte sequência de isomorfismos de R-módulos:

    S⊗RSφ1−→ S⊗Rt·S

    φ2−→ S⊗RHomR(S,R)φ3−→ HomR(S, S)

    φ4−→ ∆(S : G) φ5−→ ∇(S : G),

    em que os isomorfismos são:

    • φ1 : S ⊗R S → S ⊗R t · S, induzido pela aplicação (a, b) 7→ a ⊗ ty; seuinverso é induzido pela aplicação (a, tb) 7→ a⊗ b, portanto φ1 é de fato umisomorfismo de R-módulos;

    • φ2 = 1 ⊗ φ. Como φ é um isomorfismo de R-álgebras (em particular deR-módulos), φ2 o é;

    • φ3 : S⊗RHomR(S,R) →HomR(S, S) é dado por φ3(a ⊗ f)(x) = f(x)a.Como S é um R-módulo projetivo finitamente gerado, φ3 é um isomor-fismo;

    • φ4 é o inverso de φ, portanto é um isomorfismo;

    • φ5 é a identidade enquanto R-módulos.

    Finalmente, uma conta na “força bruta” evidencia que ψ = φ5 ◦φ4 ◦φ3 ◦φ2 ◦φ1,portanto ψ é um isomorfismo de R-módulos. Como ψ já era um homomorfismode S-álgebras, ψ é um isomorfismo de S-álgebras.

    (2 =⇒ 3) Considere o elemento ψ−1(1 · Id) ∈ S ⊗R S. Seja

    ψ−1(1 · Id) =n∑i=1

    xi ⊗ yi.

    Então temos imediatamente que ψ

    (n∑i=1

    xi ⊗ yi)

    = 1 · Id. Lembrando da de-

    finição de ψ, temos que

    1 · Id = ψ

    (n∑i=1

    xi ⊗ yi

    )=

    n∑i=1

    ∑σ∈G

    xiσ(yi) · σ.

    Dessa forma, temos que

    1 · Id =∑σ∈G

    (n∑i=1

    xiσ(yi)

    )· σ

    14

  • Portanton∑i=1

    xiσ(yi) = δ1,σ.

    (3 =⇒ 1) Comecemos provando que S é um R-módulo projetivo finitamentegerado. A aprte de ser um R-módulo decorre imediatamente de que SG = R.Sejam x1, y1, ..., xn, yn ∈ S tais que

    n∑i=1

    xiσ(yi) = δ1,σ.

    Para x ∈ S, defina fi(x) =∑σ∈G

    σ(xyi). Claramente fi é um R-homomorfismo

    de S em R e, para x ∈ S,n∑i=1

    fi(x)xi =

    n∑j=1

    ∑σ∈G

    σ(xyj)xi

    =∑σ∈G

    σ(x)

    n∑i=1

    xiσ(yi)

    =∑σ∈G

    σ(x)δ1,σ

    = x.

    Assim, enquanto R-módulo S admite uma base dual finita e, portanto, é proje-tivo finitamente gerado.

    Provemos agora que φ é um isomorfismo de R-álgebras. Claramente φ éum R-homomorfismo, então basta provar que φ é uma função bijetora. Seja

    h ∈HomR(S, S). Defina w =∑σ∈G

    n∑i=1

    h(xi)σ(yi) · σ ∈ ∆(S : G). Provemos que

    φ(w) = h. Para tanto, seja x ∈ S. Então

    φ(w)(x) = φ

    (∑σ∈G

    n∑i=1

    h(xi)σ(yi)

    )(x)

    =∑σ∈G

    (n∑i=1

    h(xi)σ(yi)

    )σ(x)

    =∑σ∈G

    n∑i=1

    h(xi)σ(xyi)

    = h

    (∑σ∈G

    n∑i=1

    xiσ(yi)σ(x)

    )

    = h

    (∑σ∈G

    δ1,σσ(x)

    )= h(x).

    15

  • Finalmente, φ é injetor, afinal se w =∑σ∈G

    aσ · σ ∈ ∆(S : G) pertende ao núcleo

    de φ, então φ(w)(x) = 0 para todo x ∈ S, isto é,∑σ∈G

    aσσ(x) = 0 para todo

    x ∈ S, em particular para todo xi. Dessa forma, temos

    0 =∑τ∈G

    n∑i=1

    φ(w)(xi)τ(yi) · τ

    =∑τ∈G

    n∑i=1

    ∑σ∈G

    aσσ(xi)τ(yi) · τ

    =∑τ∈G

    ∑σ∈G

    aσσ(xiσ−1τ(yi)

    )· τ

    =∑τ∈G

    ∑σ∈G

    aσδ1,σ−1τ · τ

    = aσ · σ = w.

    Portanto φ é um isomorfismo de R-álgebras e está provada a equivalência dostrês primeiros itens do teorema. �

    Parte 2. No teorema 2.18, (3 ⇐⇒ 4).

    Demonstração. ( =⇒ ) Sejam x1, y1, ..., xn, yn ∈ S como na hipótese. Provemosque

    e =

    n∑j=1

    xj ⊗ yj

    é um idempotente de separabilidade de S sobre R. Primeiro, sendo µ : S⊗RS →S o morfismo de módulos dado por µ(a ⊗ b) = ab, temos que µ(e) = δ1,1 = 1.Provemos agora que a multiplicação por e anula o núcleo de µ. Primeiro, sejatr : S → R o morfismo de R-módulos dado por

    tr(x) =∑σ∈G

    σ(x).

    Primeiramente, provemos que de fato para x ∈ S, tr(x) ∈ R. Basta notarque, se τ ∈ G, τ(tr(x)) =

    ∑σ∈G

    τ(σ(x)) =∑τσ∈G

    (τσ)(x) = tr(x). Assim, tr(x) é

    invariante pela ação de G e como SG = R, de fato temos tr(x) ∈ R.

    16

  • Temos, para x ∈ S,

    (x⊗ 1) · e =∑i

    (xxi ⊗ yi)

    =∑i

    (∑σ∈G

    σ(xxi)δ1,σ

    )⊗ yi

    =∑i

    ∑σ∈G

    σ(xxi)∑j

    xjσ(yj)

    ⊗ yi=∑i

    ∑j

    (∑σ∈G

    σ(xxiyj)

    )· xj ⊗ yi

    =∑j

    ∑i

    (tr(xxiyj)) · xj ⊗ yi.

    Simetricamente, concúımos que (1⊗x) · e =∑j

    ∑i

    (tr(xxiyj)) · xj ⊗ yi. Portanto

    e é um idempotente de separabilidade de S sobre R, de forma que S é umaR-álgebra separável. Agora, sejam σ, τ ∈ G e e ∈ S um idempotente qualquernão-nulo de S. Suponhamos que para todo x ∈ S, σ(x)e = τ(x)e. Como σ e τsão automorfismos, existem seus inversos, e temos xσ−1(e) = σ−1(τ(x)e) paratodo x ∈ S. Temos então

    σ−1(e) = 1 · σ−1(e)

    =∑j

    xjyjσ−1(e)

    =∑j

    xjσ−1(τ(yj))σ

    −1(e)

    = σ−1(e)δσ−1◦τ,1.

    Como e é não-nulo, temos σ−1(e) 6= 0. Assim, δσ−1◦τ,1 = 1 e portanto σ = τ .( ⇐= ) Só precisamos provar 3.(ii). Como S é separável sobre R, existe umidempotente de separabilidade e ∈ S ⊗R S, tal que para todo x ∈ S, (1 ⊗ x −x⊗ 1)e = 0 e, sendo

    e =

    n∑j=1

    xj ⊗ yj ,

    tem-se∑j

    xjyj = 1. Esses elementos que constituem e serão os elementos do

    item 3.(ii). Mãos à obra: como SG = R, todo elemento de σ ∈ G é umautomorfismo de S enquanto R-álgebra. Sendo µ : S ⊗R S → S o morfismodado por µ(a ⊗ b) = ab, note que µ é um morfismo de anéis por conta dacomutatividade de S. Ainda, como σ ∈ G é um automorfismo de S, 1⊗ σ é umhomomorfismo de anéis. Assim, denotando por eσ o elemento µ((1⊗σ)(e)) ∈ S,

    17

  • temos

    eσ = µ((1⊗ σ)(e))

    = µ

    (1⊗ σ) n∑j=1

    xj ⊗ yj

    = µ

    n∑j=1

    xj ⊗ σ(yj)

    = µ

    n∑j=1

    xj ⊗ σ(yj)

    .=∑j=1

    xjσ(yj)

    Ou seja, se conseguirmos provar que eσ = δ1,σ, está provada a implicação. Ora,comecemos notando que eσ é idempotente:

    e2σ = µ((1⊗ σ)(e))2

    = µ(((1⊗ σ)(e))2)= µ((1⊗ σ)(e2))= µ((1⊗ σ)(e))= eσ.

    Portanto eσ é um idempotente de S, para qualquer σ ∈ G. Porém, para todox ∈ S, tem-se

    xeσ = xµ((1⊗ σ)(e))= µ(x⊗ 1)µ((1⊗ σ)(e))= µ((x⊗ 1) · ((1⊗ σ)(e)))= µ((1⊗ σ)(x⊗ 1) · (1⊗ σ)(e))= µ((1⊗ σ)((x⊗ 1) · e))= µ((1⊗ σ)((1⊗ x) · e))= µ((1⊗ σ)(1⊗ x) · (1⊗ σ)(e))= µ((1⊗ σ(x))(1⊗ σ)(e))= σ(x)µ((1⊗ σ)(e))= σ(x)eσ.

    Dessa forma, para qualquer x ∈ S, temos que xeσ = σ(x)eσ. Portanto, oueσ = 0 ou σ = 1. Assim, eσ = δ1,σ, implicando que eσ = 1 e está provada aequivalência. �

    Definição 2.19. Uma extensão S de um anel R é dita ser galoisiana se satisfazuma (e portanto todas) as condições equivalentes do teorema 2.18, e diz-se queG é o grupo de Galois de S sobre R.

    18

  • Exemplo 2.20. Seja L ⊇ k uma extensão galoisiana de corpos (no sentidoda Teoria de Galois usual). Como a extensão é separável, L é uma k-álgebraseparável. Ainda, sendo G ⊆ Autk(L) o grupo de Galois da extensão, temosque LG = k. Finalmente, como 1 é o único idempotente não-nulo de L, paraquaisquer σ, τ ∈ G distintos, é óbvio que existe x ∈ L tal que σ(x) 6= τ(x).Portanto L ⊇ k é uma extensão galoisiana de anéis, cujo grupo de Galois coincidecom o que já conhećıamos como “grupo de Galois da extensão”. Agora, noteque se L ⊇ k é uma extensão de corpos que satisfaz a condição 4 do teorema2.18, então LG = k implica que L ⊇ k é uma extensão galoisiana de corpos comgrupo de Galois G. Ou seja: de fato encontramos uma generalização para oconceito de extensões galoisianas de corpos!

    Exemplo 2.21. Sejam R um anel, G um grupo finito e S =⊕σ∈G·σ, com as

    operações definidas coordenada a coordenada. Então S é uma extensão de R.Ainda, fazendo G agir em S via σ(1 · τ) = 1 · (στ), então os elementos de Sfixos por G são exatamente os elementos de R · 1 (em que 1 =

    ∑σ∈G

    1 · σ é

    a unidade de S), que identificamos, é claro, com R, de forma que S ⊇ R éuma extensão galoisiana de R: afinal, S é um R-módulo livre, em particularprojetivo, e claramente é finitamente gerado. Finalmente, φ é bijetora, comoverifica-se facilmente, donde é um isomorfismo de R-álgebras. Portanto S é umaextensão galoisiana de R com grupo de Galois (isomorfo a) G.

    Lema 2.22. Seja S uma extensão galoisiana de R. Então R é um somandodireto de S enquanto R-módulo.

    Demonstração. Seja G o grupo de Galois da extensão S ⊇ R. Provemos queexiste c ∈ S tal que tr(c) =

    ∑σ∈G

    σ(c) = 1. Já vimos que tr ∈HomR(S,R) '

    ∆(S : G) via o isomorfismo φ. Seja então t = φ−1(tr) =∑σ∈G

    1 · σ. Vimos, na

    demonstração de 1 =⇒ 2 do teorema 2.18, que φ(t · S) =HomR(S,R). Dessa

    forma, dado f ∈HomR(S,R) existe s ∈ S tal que f = φ(ts) = φ( ∑σ∈G

    σ(s) · σ)

    .

    Portanto, para x ∈ S, tem-se

    f(x) = φ

    (∑σ∈G

    σ(s) · σ

    )(x) =

    ∑σ∈G

    σ(s)σ(x) =∑σ∈G

    σ(sx) = tr(sx).

    Ou seja, todos os elementos de HomR(S,R) são da forma tr(s−) para al-gum s ∈ S. Note que, sendo S uma extensão galoisiana de R, S é um R-módulo projetivo finitamente gerado e fiel, portanto existem x1, ..., xn ∈ S ef1, ..., fn ∈HomR(S,R) tais que

    n∑i=1

    fi(xi) = 1.

    19

  • Assim, existem s1, ..., sn ∈ S tais que

    1 =

    n∑i=1

    tr(sixi) == tr

    (n∑i=1

    sixi

    ),

    e tomando c =n∑i=1

    sixi, temos que tr(c) = 1 como afirmado.

    Note que isso implica que a sequência Str−→ R→ 0 é exata, assim como S é um

    R-módulo projetivo, R é (isomorfo a) um somando direto de S. �

    Teorema 2.23. Seja S uma extensão galoisiana de R com grupo de Galois Ge suponha que os únicos idempotentes de S são 0 e 1. Então os subgrupos de Gcorrespondem de maneira bijetora a R-subálgebras T de S que são R-álgebrasseparáveis, via a associação

    H 7−→ SH

    GT ←− [ T

    Acima, GT = {σ ∈ G|σ(x) = x, ∀x ∈ T}. Ainda, se um subgrupo H de G énormal, então a álgebra correspondente T é uma extensão galoisiana de R.

    Demonstração. Comecemos provando que se H é um subgrupo de G, entãoT = SH é uma R-álgebra separável. Claramente T é uma R-álgebra, entãosó precisamos provar que é separável sobre R e, para isso, provaremos que Té um T ⊗R T -módulo projetivo. Comecemos notando que S é uma extensãogaloisiana de T : afinal, existem x1, y1, ..., xn, yn ∈ S tais que, para todo σ ∈ G,n∑i=1

    xiσ(yi) = δ1,σ, em particular para todo σ ∈ H, portanto S é uma extensão

    galoisiana de T com grupo de Galois H. Nesse caso S é um T -módulo projetivo,de forma que S⊗RS é um T ⊗R T -módulo projetivo. Porém S é uma R-álgebraseparável, donde S é um S⊗R S-módulo projetivo, logo S é um T ⊗R T -móduloprojetivo. Como S é uma extensão galoisiana de T , T é um somando direto de Senquanto T -módulo, portanto também como T ⊗R T -módulo. Por ser somandodireto de um módulo projetivo, T é um T ⊗R T -módulo projetivo e assim T éuma R-álgebra separável.

    Assim, as duas aplicações estão bem-definidas. Provemos que elas são inversasuma da outra. Trivialmente, temos que T 7→ GT = H 7→ SH = T , então sótemos que provar que H 7→ SH = T 7→ GT = H. A inclusão (⊇) é óbvia. Agora,assim como no parágrafo acima, é fácil ver que S é uma extensão galoisiana deT , com grupos de Galois H e GT . Dessa forma, esses dois grupos são isomorfos.Em particular, por serem finitos eles possuem o mesmo número de elementos e,como um está contido no outro, temos H = GSH .

    Seja H um subgrupo normal de G. Fazendo G/H agir em SH via σ(x) = σ(x),temos que (SH)G/H = R, donde conclúımos que SH é uma extensão galoisianade R (último item do teorema 2.18). �

    20

  • 3 Rumo ao espaço!

    A partir daqui, há alguns posśıveis caminhos a serem seguidos: é posśıvelutilizar a teoria aqui explorada para estudar o grupo de Brauer de um anelcomutativo, seguindo como referências o artigo [1] e o livre [3]. Também éposśıvel generalizar ainda mais o que fizemos aqui, e criar uma teoria de Galoispara anéis não-comutativos, a exemplo de [5].

    Finalmente, é posśıvel seguir o caminho que é feito em vários cursos de ÁlgebraComutativa e abordar extensões de anéis de uma maneira intŕınseca: note queaqui estávamos explorando os anéis de maneira extŕınseca, usando como fer-ramentas, principalmente, morfismos saindo e chegando nos nossos objetos deestudo. O estudo de extensões finitas e integrais de anéis explora o conceito deextensão de anel tendo como base os elementos do anel.

    Referências

    [1] AUSLANDER, M.; GOLDMAN, O. The Brauer group of a commutativering. Transactions of the American Mathematical Society, 97(3), 367-409,1960.

    [2] BORGES, Herivelto; TENGAN, Eduardo. Algebra comutativa em quatromovimentos. Rio de Janeiro: IMPA, 2015.

    [3] DE MEYER, F; INGRAHAM, E. Separable algebras over commutativerings. Springer, 2006.

    [4] HUNGERFORD, Thomas W. Algebra, volume 73 of graduate texts inmathematics. 1980.

    [5] KREIMER, H. F. A Galois theory for noncommutative rings. Transactionsof the American Mathematical Society, 127(1), 29-41, 1967.

    [6] PAQUES, A. Teoŕıa de galois sobre anillos conmutativos. Universidad LosAndes, 1999.

    21