teoria da organizaÇao e sociedades subdesenvolvidas · encontramos no fayolismo a preocupação...

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TEORIA DA ORGANIZAÇAO E SOCIEDADES SUBDESENVOLVIDAS CARLOS OSMAR BERTERO "Uma estrutura social, racionalmente organizada, envolve padrões de atividade claramente definidos, nos quais, segundo a maneira ideal, cada série ou conjunto de ações está funcionalmente relacionado com os propósitos da organização." - ROBERT K. MERTON o que nos levou a escrever êste artigo foram algumas re- flexões sôbre a "Teoria das Organizações" quando coloca- da em face da realidade brasileira, ou, de maneira mais ampla, quando tentamos utilizar um "modêlo" originado numa realidade cultural diversa daquela em que vivemos e somos obrigados a agir. Já têm sido feitas observações a respeito da inadequação da teoria econômica clássica, enquanto elemento explicativo da realidade não ociden- tal. Recentemente, chegou-se até a falar da inadequação do marxismo enquanto gerador de ideologias para países da Africa e a pequena aceitação que as idéias marxistas desfrutavam entre os próprios líderes africanos, pois que, sendo o marxismo um conjunto de idéias oriundo da Eu- ropa Ocidental e surgindo num momento de relativa so- fisticação dialética, em muito pouco poderia corresponder aos anseios, necessidades e desejos de autoafirmação de comunidades negras ainda primitivas e recém emancipa- das, e que buscam um estatuto ideológico a fim de funda- mentar sua ação política no conjunto das nações inde- pendentes. A "Teoria das Organizações" vem se consolidando, enquan- to disciplina autônoma, principalmente nos Estados Uni- CARLOS USMAR BERTERO - Professor Adjunto do Departamento de Adminis- tração Geral e Relações Industriais da Escola de Administração de Em- presas de São Paulo, da Fundação Getúlio Vargas e Redator-Chefe da Revista de Administração de Emprêsas.

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TEORIA DA ORGANIZAÇAO ESOCIEDADES SUBDESENVOLVIDAS

CARLOS OSMAR BERTERO

"Uma estrutura social, racionalmente organizada,envolve padrões de atividade claramente definidos,nos quais, segundo a maneira ideal, cada série ouconjunto de ações está funcionalmente relacionadocom os propósitos da organização." - ROBERT K.MERTON

o que nos levou a escrever êste artigo foram algumas re-flexões sôbre a "Teoria das Organizações" quando coloca-da em face da realidade brasileira, ou, de maneira maisampla, quando tentamos utilizar um "modêlo" originadonuma realidade cultural diversa daquela em que vivemose somos obrigados a agir. Já têm sido feitas observaçõesa respeito da inadequação da teoria econômica clássica,enquanto elemento explicativo da realidade não ociden-tal. Recentemente, chegou-se até a falar da inadequaçãodo marxismo enquanto gerador de ideologias para paísesda Africa e a pequena aceitação que as idéias marxistasdesfrutavam entre os próprios líderes africanos, pois que,sendo o marxismo um conjunto de idéias oriundo da Eu-ropa Ocidental e surgindo num momento de relativa so-fisticação dialética, em muito pouco poderia corresponderaos anseios, necessidades e desejos de autoafirmação decomunidades negras ainda primitivas e recém emancipa-das, e que buscam um estatuto ideológico a fim de funda-mentar sua ação política no conjunto das nações inde-pendentes.

A "Teoria das Organizações" vem se consolidando, enquan-to disciplina autônoma, principalmente nos Estados Uni-

CARLOS USMAR BERTERO - Professor Adjunto do Departamento de Adminis-tração Geral e Relações Industriais da Escola de Administração de Em-presas de São Paulo, da Fundação Getúlio Vargas e Redator-Chefe daRevista de Administração de Emprêsas.

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dos e tem resultado do esfôrço de estudiosos com a maisdiversificada formação cultural. É possível relacionar en-tre os "teóricos" da Organização sociólogos, psicólogos, ma-temáticos. economistas e biólogos. É inevitável que ten-tem aplicar às suas reflexões os modelos e conceitos fun-damentais das ciências em que foram formados, o que ex-plica o caráter eclético e pouco orgânico da "Teoria dasOrganizações" na sua fase inicial. Porém todos êstes ele-mentos apesar de sua diversidade contêm, a nosso ver,alguns elementos em comum que poderiam ser resumidossob a elevada racionalidade atingida pelas sociedades oci-dentais nos últimos quatro séculos. Foi esta racionalidadee particularmente o desenvolvimento das ciências sociais,e dentre elas, a economia, as responsáveis pelo oferecimen-to de um quadro conceitual altamente elaborado e dotadode suficiente operacionalidade que permitiu a todos osteorizadores a formulação de uma "Teoria das Organi-'zações".

Ora, considerando-se que os países não desenvolvidos, oque equivale dizer, não-ocidentais de um ponto de vistacultural, (a União Soviética é, em nosso entender, um paíspermeado de cultura ocidental, o que se tornou definitivoapós a revolução de 1917) não têm o mesmo passado queos países ocidentais, e suas culturas se afastam, por vêzes,diametralmente dos padrões de racionalidade, tal qual estaé entendida na cultura ocidental, cabe questionar da va-lidade da "Teoria das Organizações" quando aplicadas aum contexto diverso do ocidental.

Portanto, propomo-nos desenvolver êste artigo em quatroetapas:

• As teorias de organização como expressão da racionali-dade.

• O significado dessa racionalidade.

• Exigências organizacionais e

• Conclusão.

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AS TEORIAS DE ORGAN~ZAÇÃO COMO EXPRESSÃO DARACIONALIDADE

As primeiras tentativas no sentido de elaborar uma teo-ria organizacional tiveram lugar nos Estados Unidos, naInglaterra e na França e, considerando-se a disputa quese tem desenvolvido entre os especialistas, decidimos nãonos deter na determinação de quem teria sido realmenteo primeiro a formular um conjunto de idéias a respeitodas organizações. Conseqüentemente nos ateremos às dou-trinas de FREDERICKW. TAYLORe HENRIFAYOLcomoos teorizadores que exerceram influência decisiva na for-mação de uma teoria que já nos habituamos a chamar declássica.

o que importa considerar do nosso ponto de vista, não sãoas várias medidas de racionalização do trabalho empre-endidas por TAYLORou a enumeração de "funções" admi-nistrativas realizadas por FAYOL,mas antes nos deter-mos sôbre os procedimentos metodológicos e os pressupos-tos de uma filosofia da ciência, que permeavam as etapasda elaboração das teorias dos referidos pensadores. Acre-ditamos que a "escola clássica" foi a manifestação de umaracionalidade de tipo baconiano e cartesiano ao nível dateoria da organização. O próprio TAYLORlamentava dian-te da Comissão de Inquérito instaurada para investigar osefeitos e conseqüências do taylorismo sôbre o regime detrabalho operário em algumas organizações americanaspor volta de 1912, o desperdício em que se incorria porcausa da ineficiência industrial que acarretava enormesprejuízos à nação, retardando o seu ritmo de desenvolvi-mento. Esta ineficiência, no entender de TAYLOR,era mo-tivada pela falta de uma ciência da administração quepermitisse a objetivação dos procedimentos e a constitui-ção de um corpo de conhecimentos que dessem à adminis-tração as mesmas características de universalidade encon-tradiças em outros setores do conhecimento e da ativida-de humana. A ausência de uma "verdade" administrativaimplicava em que se dependesse para a condução das em-

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prêsas dos "homens de gênio", cuja incidência e apareci-mento eram aleatórios.

A criação de uma categoria especial, os administradoresprofissionais, só seria possível quando se consolidasse um"conjunto de princípios" à maneira do que acontecia comoutras atividades, tal como na medicina, no direito, na ma-temática, para citar apenas alguns exemplos. A consolida-ção de um conjunto de conhecimentos, que se faria demaneira ordenada e segundo uma metodologia adequadaao objeto em estudo, permitiria não apenas a acumulaçãode conhecimentos, bem como a sua transmissão atravésde um processo formal de educação. E esta transmissão deconhecimentos de maneira sistemática, rotinizaria, de cer-ta forma, o processo de criação de habilidades administra-tivas, eliminando a contingência em que então acreditavaTAYLOR, todos se encontravam com relação ao "homem degênio", o que implicava na crença de que o adminirtradornão podia ser formado, pois as suas habilidades seriam oresultado misterioso de capacidades inatas que se desen-volveriam mediante a prática. Quando se tratou de bus-car uma forma de criar uma "ciência da administração",TAYLOR voltou-se, mais por intuição do que por reflexão,à utilização da já tradicional metodologia da ciência quehá três séculos vinha se mostrando frutífera no campo dasciências da natureza. A "revolução" do espírito científicona Idade Moderna tivera lugar graças à contribuição de-cisiva de FRANCIS BACON, GALILEO GALILEI e RENÉDESCARTES. O que aquêles pensadores realizaram foi atransformação radical da própria concepção de ciência,bem como de sua finalidade, sendo abandonada a noçãode ciência, enquanto atividade especulativa, o que valedizer contemplativa, que dominara o pensamento ociden-tal desde a antiguidade clássica até os fins da Idade Média,para substituí-la por uma concepção de ciência enquantoinstrumento ativo para possibilitar a extensão do domíniodo homem sôbre os fenômenos da natureza.

A ciência deveria possibilitar o entendimento dos fenô-menos naturais para que êstes pudessem ser explicados,

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verificados e previstos, objetivando-se ao final o seu con-trôle. A utilização dos resultados da matemática, comoinstrumento para expressar quantitativamente os referi-dos fenômenos foi um passo decisivo, pois, ao expressar-sequantitativamente um fenômeno, nós automàticamentelhe imputamos um caráter mecânico e repetitivo, o quepermite. em conseqüência, prevê-lo e, em última instân-cia, controlá-lo.

As etapas dêsse método são bastante conhecidas, porémnão cremos impróprio assinalá-las. Num primeiro momen-to temos a observação, que, todavia, não é mais realizadade maneira puramente contemplativa, mas pressupõe umaatitude crítica da inteligência ao caracterizar o que deveser observado. Um segundo momento é o de elaboraçãode hipóteses. O terceiro momento é aquêle em que as hi-póteses são verificadas e, dependendo do resultado dessaverificação, elas passam a ser consideradas verdadeiras oufalsas e na primeira alternativa são incorporadas a umconjunto de conhecimentos que possibilitem a construçãode teorias mais amplas,

Na verdade o taylorismo na sua busca da one best waypartia do pressuposto de que existia uma verdade implí-cita na maneira de se fazerem as coisas e constituía a ta-refa da razão a sua descoberta. Apesar de TAYLOR ter-setornado particularmente célebre como o criador dos estu-dos de "tempos e movimentos", cumpre notar que os tem-pos e movimentos não constituíam, como êle mesmo as-sinalou várias vêzes, o ponto central de suas idéias. Cons-tituíam antes um meio de racionalizar o trabalho humanoe um instrumento de verificação, análogo aos métodos demedição utilizados na etapa de observação para as ciênciasda natureza. A Escola Clássica de administração caracte-rizou-se por aplicar à realidade industrial, dos fins do sé-vulo passado e princípios de nosso século, os mesmos pro-cedimentos e o mesmo quadro conceitual que se haviaprovado de grande valia e, inclusive, permitido um gran-de desenvolvimento das ciências da natureza.

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A necessidade de "transformação de mentalidade" queTAYLOR chega a propor como definição final e a mais ade-quada para o movimento da "administração científica"(scientific menegement y, não seria mais do que a aceita-ção de que a administração deveria tornar-se um campode conhecimento tão científico, como a realidade da na-tureza já se tornara para as ciências de tipo físico-mate-mático, e que seria forçosamente passível sua transforma-ção numa ciência quantificável, onde se encontraria umaverdade definitiva, à maneira matemática, e que tal seriafatalmente alcançado, sendo apenas uma questão detempo.O quadro de uma ciência da administração, como vistopelo francês H. F AYOL, não divergia em suas idéias ge-rais do que havia sido tentado por TAYLOR. É mister re-conhecer, contudo, que FAYOL é, indiscutivelmente, o ní-vel mais elevado quando se cogita dêste assunto. Semprese notara que as formulações de TAYLOR permanecerama nível de fábrica, sendo tal afirmação particularmenteverdadeira para o seu livro Shop Management, publica-do em 1906. O Principies oi Scientific Menegement, ape-sar do caráter pomposo de seu título, não introduz gran-des inovações quando comparado com a obra anterior, ea mesma sensação de que se permanece ao nível de fá-brica, persiste. Já não é possível fazer as mesmas afirma-ções a respeito de H. FAYOL. Sua obra Administração Ge-ral e Industrial, cuja primeira edição data de 1916, con-tém elementos que nos colocam claramente noutro níveladministrativo, ou seja, a administração de cúpula. Nãoencontramos no fayolismo a preocupação com a "raciona-lização" de tarefas e os estudos de "tempos e movimen-tos" que constituem o traço distintivo e ocupam a maiorparte das obras de TAYLOR. Nada de propriamente opera-cional, ou a nível de execução de tarefas, é abordado peloindustrial francês, e suas preocupações voltam-se no sen-tido de abstrair a partir de um grande número de tarefas,forçosamente heterogêneas, àquelas que seriam propria-mente administrativas e que conseqüentemente seriamatribuição específica do administrador. Daí poder quali-

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ficar-se FAYOLcomo um luncionalista pois sua preocupa-ção fundamental foi conseguir agrupar as tarefas essen-cialmente administrativas desempenhadas pelas pessoasno interior das organizações e dar-lhes o nome de lunções.O que estas possuem de mais característico é o seu afas-tamento com relação ao rotineiro das organizações. O ad-ministrador para FAYOLé justamente aquêle que não sededica à realização de tarefas rotineiras, e em resumo,aquêle que não se deixa absorver pela operação da em-prêsa.

A atitude de fazer da teoria de organização uma discipli-na voltada para o estudo e à reflexão sôbre estas funçõesé exatamente o que permite imputar ao fayolismo umcaráter universalista e localizá-lo numa posição destacadaentre os administradores "clássicos". A identificação entrea ciência da administração e a teoria das funções adminis-trativas é que dá ao fayolismo o seu caráter de tentativacientífica, na medida em que tenta reduzir a multiplici-dade à unidade, ou pelo menos tenta introduzir um orde-namento racional ao real singular e até certo ponto caótico.

Não cremos que as demais "escolas" de administração te-nham se afastado dêste sentido da racionalidade até o mo-mento apontado. As experiências e teorias de G. ELTONMAYOe de seus seguidores, do chamado grupo das "Rela-ções Humanas" não negaram a necessidade da racionali-dade na esfera da administração, mas antes se satisfizeramem apontar algumas limitações dos teóricos anteriores, semtodavia contestar-lhes os fundamentos. O próprio MAYOem seu último livro The Social Problems oi an IndustrialCivilization, ao avançar uma explicação sôbre as causas denão se terem desenvolvido em nossa civilização industrialas "habilidades sociais" (social skills) com a mesma in-tensidade com que se desenvolveram as "habilidades téc-nicas" (technical skills), acaba por deplorar o estágio emque se encontravam as ciências sociais, devido, em últimainstância, ao fato de não terem logrado realizar ainda a"revolução científica" que as ciências da natureza haviamrealizado no início da Idade Moderna. As "habilidades téc-

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nicas" se transformaram no traço predominante da civili-zação ocidental, através de sua industrialização e do do-mínio da natureza pela tecnologia, porque as ciências danatureza haviam se limitado a atacar pontos específicosdo real e em conseqüência tornaram possível a "operacio-nalidade" neste setor do conhecimento e da atividade hu-manos. O mesmo ainda não havia sucedido com as ciên-cias sociais que permaneciam presas a um passado aindade pura especulação, sendo mais uma "filosofia social" doque uma ciência social.

Acreditamos desnecessário estender-nos sôbre a alta ra-cionalidade que preside às especulações de tendênciasmais recentes no campo da Teoria da Organização. A ten-tativa de aplicação de modelos matemáticos e de técnicasbastante sofisticadas tomadas às ciências sociais, são provasuficiente de uma racionalidade crescente e cada vez maisexigente para a formulação teórica.

Porém, não poderíamos deixar de mencionar a teoria we-beriana da Burocracia quando nos referimos à racionali-dade que tem presidido à elaboração das várias teorias deorganização. A elaboração do sociólogo alemão é sobre-maneira interessante pelo fato de WEBERnão ter sido umintelectual especialmente preocupado com os problemasda prática administrativa. Diríamos que a abordagem we-beriana ao problema das grandes organizações, inclusiveas de natureza econômica, não tinha por objetivo o au-mento da eficácia, como sempre ocorreu com a grandemaioria dos estudiosos. Em autores como TAYLOR,FAYOLe E. MAYO,êste constitui o objetivo fundamental. O au-mento da produtividade industrial com a eliminação daineficiência e dos atritos - particularmente de naturezahumana que dificultam o andamento dos procedimentosadministrativos - sempre foi a causa fundamental desuas pesquisas, reflexões e recomendações. O mesmo nãoocorreu com MAXWEBER,teórico preocupado fundamen-talmente em explicar uma situação histórica que foi atin-gida pela cultura ocidental num dado momento. WEBERchega à teoria da organização, pelo que ousaríamos cha-

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mar de via política. Ao estudar as transformações econô-micas, políticas e sociais da sociedade ocidental a partirda Idade Média, WEBER não pode deixar de fascinar-sepela importância que gradativamente veio assumindo oEstado até atingir sua atual fisionomia. O Estado comocentralizador de poder e responsável pela manutenção dasoberania, o que implicava no contrôle de uma determi-nada área geográfica e no estabelecimento de uma estru-tura jurídica, viu-se forçado a criar uma super-estruturaadministrativa para administrar a coleta dos recursos comque sustentar fôrças armadas de caráter permanente emanter os quadros administrativos não militares para im-plementação dos ordenamentos jurídicos. Isto levou àcriação de uma "máquina administrativa" ou "burocracia"que se caracteriza, antes de mais nada, pela sua "profissio-nalização". O que deve caracterizar um "corpo de funcio-nários" é a sua dedicação a tarefas específicas, de nature-za razoàvelmeúte complexa, que pressupõe um treinamen-to adquirido através de um processo formal de educaçãoe que transforma o administrar numa "profissão" quese desempenha mediante o pagamento de salários e mo-dalidades várias de benefícios e que confere aos adminis-tradores "estabilidade", como dimensão temporal, a fimde assegurar a própria continuidade da "burocracia".

A "burocracia" é indiscutivelmente uma formulação ideal,e o próprio WEBER já a reconhecia como tal, mas isto nãosignifica o seu desvinculamento da realidade, uma vez queo responsável pela sua elaboração partiu de um dado his-tórico concreto, a saber, as grandes estruturas da "admi-nistração pública", que acompanharam o desenvolvimen-to do moderno Estado Ocidental. O que torna a teoriaweberiana digna de interêsse para o moderno teórico dasorganizações, bem como para o administrador prático é asua irrefutável atualidade, que se deu graças ao grandedesenvolvimento atingido pela moderna emprêsa indus-trial no sistema do capitalismo e que é particularmenteperceptível na moderna sociedade anônima com a dilui-ção da propriedade por um grande número de acionistas,implicando numa modificação real do tradicional conceito

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de propriedade privada e pela complexidade de suas ope-rações e pelo seu porte que freqüentemente atinge dimen-sões internacionais.

Se retomarmos as afirmações de WEBER, a respeito daimportância de um Direito abstrato e genérico, que tornoupossível o Estado Ocidental Moderno, e que a "Burocra-cia" é a estrutura criada para dar aplicação à racionalida-de abstrata contida nas normas jurídicas, desnecessárioserá estendermo-nos sôbre o caráter altamente racional daadministração burocrática.

"A administração burocrática significa, fundamentalmen-te, o exercício da dominação baseada no saber. Êsse é otraço que a torna especificamente racional. Consiste, deum lado, em conhecimento técnico que, por si só, é sufi-ciente para garantir uma posição de extraordinário poderpara a burocracia. Por outro lado, deve-se considerar queas organizações burocráticas, ou os detentores do poderque dela se servem, tendem a tornar-se mais poderososainda pelo conhecimento proveniente da prática que ad-quirem no serviço."! E no que diz respeito à racionalidadeda emprêsa capitalista e à inevitabilidade da adoção daadministração de tipo burocrático para a condução dosafazeres empresariais cumpre observar que" ... a buro-cracia é superior em saber o que normalmente éprivilégio da emprêsa capitalista.?"

O texto weberiano ainda fazia distinção entre emprêsa ca-pitalista e forma burocrática de administração. Não sedeve deixar de considerar que o capitalismo dos fins doséculo e das primeiras décadas de nosso século ainda secaracterizava fundamentalmente pelo livre empresarialis-mo, e o planejamento, bem como os demais ingredientesde uma administração burocrática estavam fundamental-mente vinculados à administração pública, ou seja, ao Es-tado. Mas com o fim do "empresário schumpeteriano" -que acreditamos ser um personagem já histórico, e cujo

1) Textos Básicos de Ciências Sociais, Sociologia da Burocracia, Rio deJaneiro, GB, Zahar Editores, 1966, pág , 26.

2) Idem, Ibidem, pãg , 26.

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reaparecimento se torna cada vez menos possível -- aemprêsa capitalista foi gradativamente assumindo as mes-mas características decisivas da administração burocrá-tica.

O SENTIDO DA RACIONALIDADE

Nas páginas anteriores já tivemos oportunidade de esbo-çar o que se deveria entender por racionalidade. Acredi-tamos que se trata de conceito exclusivo da cultura oci-dental e de origem relativamente recente. A racionalida-de, no sentido em que hoje a tomamos, não tem mais doque cinco séculos e seu nascimento está ligado à Revolu-ção Filosófico-Científica que teve lugar na Europa ao lon-go dos séculos XVI e XVII. Já mencionamos que sua ori-gem poderia ser localizada no nôvo conceito de ciência,expresso pela primeira vez, por FRANCISBACONno seuNovum Orgenon. A tradição grega, que a Idade Médiacristã incorporou, via na razão o instrumento para a aqui-sição de um saber destinado exclusivamente à satisfaçãodo sujeito cognoscente e que deveria conduzir à contem-plação. O ideal foi apresentado de maneira relativamen-te clara no pensamento platônico, e grande parte dos"ideais de vida" da cristandade medieval não são mais doque a sua versão revestida de um caráter evangélico. Arazão deveria aplicar-se ao conhecimento das coisas, massempre como mediação para o conhecimento das coisasdivinas. Daí a inexistência de uma concepção de "vocação",no sentido weberiano, enquanto "chamamento" para a rea-lização com todo o empenho e energia de uma tarefa nes-te mundo, como por exemplo o desempenho de uma pro-fissão laica. Êste aspecto já foi suficientemente desenvol-vido pelo próprio WEBERno seu livro sôbre a ética pro-testante e as suas relações com o aparecimento de umamentalidade capitalista e não julgamos necessário entrarem pormenores.

Um dos atributos da racionalidade é a logicidede, definidano sentido formal e material, ou seja, a coerência da inte-ligência consigo mesma ao longo do processo de conheci-

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menta e a sua adaptação ou adequação a uma realidadeexterior a esta própria inteligência. Todo ato de investi-gação que pretenda atingir algum conhecimento assumeimplicitamente um paralelelismo entre o sujeito que co-nhece e o objeto de conhecimento. É exatamente nesteparalelelismo que está a possibilidade de conhecimento.Tal atitude da racionalidade não constituiu um atributoespecífico dos tempos modernos, uma vez que tôda a filo-sofia e tôda a ciência grega e medieval dela já faziam ex-tenso uso, inclusive chegaram a teorizar sôbre o problemade maneira exaustiva.

o que é típico da racionalidade moderna é a sua preocupa-ção com utilizar a logicidade para dominar a realidadeexterior ao homem, particularmente as fôrças da nature-za. O desenvolvimento da moderna Economia Política sem-pre considerou a economia como a ciência que cuidavadas atividades desempenhadas pelo homem no sentido detransformar os recursos brutos ou naturais em bens eco-nômicos que pudessem ser utilizados para a manutençãoda vida humana e para aumentar o confôrto. É a preocupa-ção em refinar e fazer progredir sempre as formas e ins-trumentos de domínio do homem sôbre a natureza quepreside ao aparecimento e ao posterior desenvolvimentode tôda a tecnologia. Dentre as "Teorias de Organização"a de CHESTER BARNARD é a que carrega traços mais for-tes dêste tipo de concepção, e a sua teoria da cooperaçãocomo pressuposto para o aparecimento das "organizaçõesformais" está sempre fundamentada na necessidade dereunir esforços e criar "sistemas cooperativos" a fim desuperar as limitações "físicas" e "biológicas" à consecuçãode objetivos grupais.

Todavia, a logicidade e a aplicação da inteligência à mo-dificação da realidade exterior não constituem os únicosatributos da racionalidade. Na verdade, é impossível des-vinculá-la da eficácia, enquanto parte inseparável de umdeterminado sistema de produção, o que constitui a marcadistintiva da racionalidade num mundo em que predomi-na o modo industrial de produção.

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A aplicação da razão à produção de bens econômicos cons-titui o traço predominante da Revolução Industrial. O an-tigo sistema artesanal já havia indiscutivelmente intro-duzido algumas modificações no sentido de aumentar asua produtividade. Exemplo bastante conhecido é o queteve lugar na produção de livros. Durante a Idade Médiaos copistas dedicavam-se à paciente e minuciosa tarefa depreservar e transmitir às gerações posteriores o conheci-mento acumulado. Cada copista ocupava-se da elabora-ção de um único exemplar que era feito a partir de umoriginal. Já no século XIV e XV vários copistas escreviamvários exemplares a partir de uma outra pessoa que liaem voz alta. Isto, porém, ainda se achava bastante dis-tante do sistema de produção em massa que só se tornoupossível com a criação dos tipos móveis. Além disso, aracionalidade, enquanto busca da eficácia de um sistemade produção em massa, relaciona-se diretamente com a ra-cionalidade própria do capital, que tem suas próprias leis.

A explicação do crescimento econômico oferecida peloseconomistas clássicos, ou de expansão do capital, no en-tender de alguns marxistas, particularmente ROSADE Lu-XEMBURGO, reveste-se de uma racionalidade que nuncafoi atingida pela atividade econômica em outras épocas dahistória. E por isso que o têrmo capitalismo, quando apli-cado a outros períodos históricos, especificamente ao co-mércio fenício ou grego, só pode ter um sentido analógico,pois o que distingue o capital é a necessidade de realiza-ção da mais-valia, que só pode ser entendida como formade um domínio progressivo sôbre a natureza. A atividadeeconômica anterior ao capitalismo desconheceu, de manei-ra geral, a emprêsa, enquanto entidade de duração inde-finida, preferivelmente permanente, cuja missão funda-mental era realizar a mais-valia e desta forma prosseguirindefinidamente a dominação da natureza pelo homematravés do reinvestimento e do aperfeiçoamento tecnoló-gico ilimitado.

.l\.s atividades econômicas pré-capitalistas, ou anterioresao sistema capitalista, satisfaziam-se com a realização de

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um adicional que deveria ser propriedade dos que haviamcontribuído com o principal, e que poderiam utilizar comobem lhes aprouvesse. A idéia de emprêsa como going con-cern, cuja missão é reinvestir, crescer, desenvolver-se te c-nológicamente e expandir-se, avançando contra o pré-ca-pitalismo que a cerca, constitui marca indiscutível de suaracionalidade.

O fato de que a expansão é intrínseca ao capital e queesta só poderá ser feita na medida em que o capital fôrcapaz de multiplicar-se, implica na necessidade de buscara eficácia e os conseqüentes aumentos de produtividadedo sistema, seja do equipamento (bens de capital) ou damão-de-obra. É apenas pela realização de u'a margem delucro cada vez maior que será possível assegurar um rein-vestimento crescente para consecução da expansão.

AS SOCIEDADES SUBDESENVOLVIDAS

o têrmo é imperdoàvelmente genérico e certamente exigeuma explicação. Todavia, não é por acaso que as socieda-des que se desenvolveram econômicamente foram as decultura ocidental ou aquelas que adotaram a cultura doocidente, Por enquanto, o único exemplo de sociedade nãoocidental que teria logrado o desenvolvimento seria oJapão, e mesmo assim não creio possamos ter como certoque o Japão não acabe por render-se aos padrões ociden-tais, à medida que o seu enriquecimento aumente. Somostentados a afirmar que as áreas não desenvolvidas do oci-dente são exatamente as que apesar de estarem inseridasgeogràficamente no mundo ocidental, se afastam em órbi-tas diversas a partir dos valores centrais desta cultura.

Portanto, não seria exagêro afirmar que até o momentoo desenvolvimento econômico tem sido atributo das so-ciedades ocidentais, ou das que adotaram, de uma formaou de outra, o quadro de referências vigente no ocidente.A constatação recente de ROBERTHEILBRONNERde queapós a Revolução Industrial os únicos países que logra-ram desenvolver-se foram os que adotaram o regime co-

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munista," é uma prova irrefutável da ocidentalização des-tas culturas. Evidentemente o futuro poderá introduzirmodificações não previsíveis, como o de um marxismoaltamente sinificado, como parece estar ocorrendo com opensamento de MAO-TSE-TUNG,- o que seria um afas-tamento dos padrões ocidentais que constituem os funda-mentos do marxismo.

De maneira geral, as sociedades não desenvolvidas, e portal entenderíamos as que ainda não lograram uma rendareal per capita razoável são em geral não industrializadas,ou nelas a indústria desempenha um papel secundário, en-quanto componente do Produto Interno, com o predomí-nio da agricultura em formas tradicionais, tanto no quediz respeito às técnicas de produção empregadas, como àdistribuição do espaço arável. Aqui a agricultura repre-senta o modo tradicional de vida, e faz parte do ethos quenela lança profundamente suas raízes, a ponto de se poderfalar em ethos urbano e ethos rural para distinguir socie-dades em que a indústria ou a agricultura nas suas formastradicionais, determinam os valores da sociedade global.Estas sociedades não partilham das concepções do ociden-te e suas "visões do mundo" são fatalmente diversas dasvigentes no ocidente. Os seus valores variam enormemen-te de região para região e mesmo de país para país, quequalquer tentativa de generalização incorreria forçosa-mente numa simplificação perigosa e não respeitaria aspeculiaridades de cada cultura.

Todos os atributos da racionalidade descritos anteriormen-te não são encontrados nestas culturas e, quando existem,são de origem recente, introduzidos de várias formas. Jáse pretendeu demonstrar, que a industrialização pode serobra de vários tipos de elites. É interessante consultar sô-bre êste ponto o livro de KERR, DUNLOP,HARBISONeMYERS,"Inâustrieiism and Industrial Man", onde o assun-to é exposto com grande precisão e de maneira bem orde-nada. Entretanto, não importa quem realize a industriali-zação, uma elite militar, um grupo nacionalista fortemen-li) RoBERT HEILBRONERin Commentarp, abril de 1967.

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te imbuído de sentimentos xenóforos, uma minoria de in-telectuais, ou uma classe marginalizada no sistema socialvigente, como podem ser os comerciantes em muitas so-ciedades não desenvolvidas de hoje, ou como o foi a bur-guesia no contexto europeu moderno: importa é que qual-quer que seja o grupo realizador da industrialização, êleestará inovando, exatamente porque pretende impor à suasociedade um quadro de valores e formulando objetivosestranhos ao que há de mais profundo em suas culturas,destoante da "visão do mundo" dos ancestrais, e que emmuito se aproxima da racionalidade inerente ao modo deprodução industrial ocidental. O fato de estas elites indus-trializadoras, para usar a própria terminologia dos auto-res citados, terem sido profundamente marcadas por uma"experiência ocidental" constitui dado suficiente para oponto que estamos apresentando. Estas experiências se-riam observáveis no caso de membros da sociedade quetiveram a oportunidade de receber um treinamento for-mal em sistemas universitários europeus, no período do"colonialismo",como foi o caso de grande parte dos atuaisdirigentes hindus, ou como hoje é o caso de grande partede membros de ex-colônias, que ainda não dispõe de umsistema universitário capaz de formar mão-de-obra alta-mente qualificada, ou que simplesmente não possuem ne-nhum sistema universitário e que enviam parte de seusjovens para que se graduem nos Estados Unidos, na Eu-ropa ou na União Soviética. Êstes grupos poderão ou nãovir a ocupar o núcleo de poder nestas sociedades, mas sem-pre acabarão por ser inovadores na medida em que nãopoderão deixar de transmitir aos seus concidadãos as suasexperiências significativas. Estamos certos de que serãocom maior ou menor sucesso instrumentos "racionaliza-dores" de suas respectivas sociedades.Se considerarmos que o aparecimento de organizações for-mais é a forma social mais adequada para a realização daracionalidade, torna-se fàcilmente inteligível porque as so-ciedades não desenvolvidas são as que padecem de maiorfraqueza organizacional nos vários níveis, seja na socieda-de civil e nas suas manifestações econômicas, seja a nível

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governamental. Daí, o paradoxo de que estas sociedadesnecessitam realizar um grande esfôrço em direção à orga-nização para poder romper a estagnação e ao mesmo tem-po só poderem organizar-se na medida em que adotaremum mínimo de racionalidade em seus comportamentos.

EXIGÊNCIAS ORGANIZACIONAIS

A vida organizacional implica numa grande abstração, emconceitos gerais só perceptíveis através de uma grande so-fisticação de pensamento que são pouco encontradiços nassociedades não desenvolvidas. As exigências da vida or-ganizacional poderiam ser sumariadas nos seguintestópicos:

I - Subordinação do interêsse individual ao interêssegeral. Na verdade, não estamos afirmando o truismo deque o homem é naturalmente organizado e que a vida emorganização constitui uma aspiração fundamental de suanatureza. A teoria do homem "animal político" é ingênuae não poderia ser repetida após tantas e amargas experiên-cias de conflito entre interêsses individuais e organizacio-nais. O choque entre valôres e aspirações individuais e osobjetivos formais de uma organização, já tem sido objetode excelentes estudos e não nos deteremos mais sôbre oassunto, O comportamento não perfeitamente ajustado(deviant beheviot) pode assumir várias formas, e não exis-te uma adaptação perfeita entre objetivos individuais eorganizacionais, porém, mesmo que se conceda u'a mar-gem relativamente elástica de tolerância, sempre será ne-cessário um certo conformismo individual aos padrões eobjetivos da organização.

A esta altura torna-se inevitável que nos adentremos noproblema do indivíduo, enquanto membro de organizaçõesformais. O assunto tem sido tratado por especialistas ame-ricanos e europeus e cremos que algumas observações de-vem ser feitas quanto à sua aplicação a países não-ociden-tais. Acreditamos que a lacuna entre os padrões e refe-rências para o comportamento individual ou os valôres

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da organização informal estão nas sociedades ocidentaismuito mais próximos dos objetivos de uma organizaçãoformal do que entre outras sociedades. Não podemos dei-xar de relacionar a vida organizacional com uma socieda-de de massas, ou seja, onde o resultado da interação socialjá prepara o indivíduo para integrar-se nas organizaçõesformais. CHESTER BARNARD, ao tratar da possível con-tribuição dos fatôres psicológicos e sociais para a forma-ção de sistemas de cooperação conclui que o resultado dainteração de indivíduos é o dado fundamental para quese chegue ou não a um sistema de cooperação,' de ondecabe inferir que são as formas de socialização que ocor-rem a nível dos grupos primários - em grande parte res-ponsáveis pela tendência a uma integração eficiente doindivíduo, enquanto membro de uma organização formal.Tal forma de interação deverá, inevitàvelmente, moldarvalôres mais gerais do que particulares na personalidadebásica de uma comunidade e será uma forma de interaçãoque oferecerá poucas oportunidades para o florescimentode tendências individualistas.

A "debilidade organizacional" de sociedades não ociden-tais é em grande parte devida a uma ênfase excessiva dadaao indivíduo e à tentativa de fazer prevalecer, no quadrode valôres éticos, os princípios da individualidade, onde osucesso ou a valorização são dados em última instânciapor uma medida individual de sucesso.

Exemplificando nossa afirmação - de que a lacunaentre a sociedade com os seus respectivos padrões e, con-seqüentemente, os objetivos e valôres da organização in-formal não se distanciaram fundamentalmente das metasda organização formal nas sociedades ocidentais - faria-mos referência ao célebre estudo de MAX WEBER sôbreo protestantismo e as origens do espírito capitalista nal-guns países da Europa Ocidental e nos Estados Unidos.A laicização do significado da vocação (call, beruf), quese fêz graças à ética protestante e dentre as várias seitas,

4) CHESTER BARNARD, The Functions ot the Executiue, Oxford, Harvard.University Press, 1936.

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particularmente o calvinismo, foi responsável pela forma-ção de uma "consciência verbal" que os predispunha a umacerta neutralidade afetiva, a uma busca de realização deuma vocação, especialmente em têrmos profissionais e auma tentativa de trabalhar àrduamente, sem expectativade uma compensação imediata, que em muito prepararamo advento e o estabelecimento de objetivos organizacio-nais, tais quais são definidos para as grandes organizaçõesde tipo burocrático que, posteriormente, surgiram.

A idéia de uma vocação (call, berut y, em têrmos weberia-nos ou a existência de um propósito organizacionalmenterealizável, não é uma formulação encontradiça nas socie-dades não ocidentais, onde prevalece o individualismo ofatalismo ou uma indiferença mística que conduz a umfatalismo em muitas sociedades no tocante a realizaçõesprofissionais que levem a uma transformação da realidadeexterior.

II - Outra exigência é a adesão a uma filosofia do co-nhecimento que envolva o pragmatismo. A concepçãoque as sociedades não ocidentais possuem do conhecimen-to é em grande parte de natureza puramente especulativa,onde o ato de conhecer é um fim em si mesmo e por siplenamente justificável.

A concepção pragmática do conhecimento envolve um re-lacionamento entre sujeito e objeto de conhecimento quenão se satisfaz e não termina com a adequação entre su-jeito e objeto de conhecimento no ato de conhecimento,mas prossiga indo buscar a validação na esfera da práxis.

O pragmatismo, enquanto posição referente à teoria doconhecimento, deve ser entendido como validação em fun-ção da ação. Êste foi o sentido dos moralistas inglêses doséculo passado, particularmente JOHN STUART MILL eJEREMY BENTHAM, que foram os responsáveis pela novaformulação sôbre a finalidade e a validação do conheci-mento em nossos dias.

A concepção pragmática será capaz de despertar uma ou-tra atitude intelectual por meio da qual todos os esforços

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da inteligência convergiriam para um ideal de realizaçãoe de eficácia.

Ao pragmatismo aborrece a grande construção sistemá-tica, feita exclusivamente em nome da coerência e do for-malismo lógico, se tal sistematização não se prestar a umaaplicação concreta tendente a modificar a realidade exte-rior. O desenvolvimento tecnológico que assume dimen-sões cada vez mais assombrosas tem sido em grande par-te o resultado de uma visão pragmática do processo deconhecimento e no abandono da distinção entre teoria eprática, ou entre ciência pura e aplicada para a elabora-ção de uma síntese em que a teorização é vista como par-te inseparável de um único processo que é o de modifi-cação da realidade.

As grandes construções verbais que se traduzem nos có-digos de uma legislação positiva constituem uma das for-mas que pode assumir a elaboração intelectual numa cul-tura em que o programatismo ainda não penetrou. A paixãoda casuística que conduz à jurisprudência é uma destas,manifestações. A crença de que é possível modificar a rea-lidade econômica e social por obra legislativa é uma fa-lácia de que muitas sociedades ainda não conseguiram sedesvencilhar. Ainda encerra um certo grau de "pensa-mento mágico" ao pressupor que a ordem jurídica "cria"uma realidade econômica, política e social nova.

III - A vida organizacional pressupõe a adoção de modosde comportamento fundamentados na "neutralidade afe-tiva", A hierarquização, a designação de pessoas para ocumprimento de determinadas tarefas, a estabilidade ine-vitàvelmente associada ao ocupante do cargo, o relacio-namento das pessoas em função de suas posições e dastarefas que devem cumprir fazem com que a organizaçãode tipo formal obrigue os seus membros a não levaremem conta o "amor" ou o "ódio", enquanto móvel de suas.ações. O relacionamento puramente afetivo transforma-se quase inevitàvelmente numa fonte de ineficácia orga-nizacional, pois que permite a introdução de distorções,

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tais como a quebra de objetividade nos procedimentosadministrativos abrindo campo para práticas igualmentepatológicas do ponto de vista organizacional, como o "fa-voritismo" ou a "discriminação". "A estrutura (burocráti-ca) se aproximará da eliminação completa das relaçõespessoais e das considerações não racionais (hostilidade,ansiedade, envolvimentos afetivos, etc.)."

Tal formulação encontraria restrições em nossos dias emtrabalho levado a cabo por DAVIDMCCLELLANDem seulivro The Acbieving Society onde são buscadas as com-ponentes psico-sociológicas do desenvolvimento econô-mico. MCCLELLANDestuda as condições culturais de umasociedade no período imediatamente anterior àquele emque tem lugar um grande surto de atividade econômica,com o conseqüente crescimento da riqueza da comunida-de. O que se verificou é que o achievement levei de umasociedade não está relacionada obrigatoriamente com con-dições em que tenda a existir uma certa neutralidade afe-tiva, que se faz sentir particularmente nos métodos edu-cacionais. Como exemplo, o autor em questão refere-se àspráticas educacionais adotadas por famílias protestantes,calvinistas e metodistas entre outras, com relação ao de-senvolvimento de um senso de independência da criança.As mães protestantes, pelo menos nos Estados Unidos,tendem a fazer com que seus filhos cuidem de si próprioso mais cedo possível, preparando-os para enfrentar por sisó as dificuldades que lhes aparecerem. Um tal procedi-mento implica em preparar a criança para "deixar o lar"e "desligar-se dos pais" quando chegarem à idade adulta.A prática adotada por mães católicas, via de regra imi-grantes - pois nos Estados Unidos o catolicismo foi umareligião trazida por alguns grupos de imigrantes - era aoposta, ou seja, a mãe tendia a prolongar em demasia suasatenções para com os filhos, retardando mesmo o proces-so de objetivação da criança, criando e mantendo vincula-

:;) RoBERT K. MERTON, Social Theory and Social Structure, Glencoe, ThePJt'« ri ess, Um", pág . 196.

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ções afetivas que não a preparavam para a autonomia epara o "abandono dos pais". Estas duas atitudes educa-cionais, ou melhor, estas duas formas de relacionamentoentre pais e filhos deveriam levar a um maior achievementlevei entre os protestantes e a outro sensivelmente menorentre os membros de famílias católicas.

Tal formulação seria a confirmação da tese weberiana,posteriormente desenvolvida por WINTERBOTTOM, segun-do a qual ascetismo, austeridade e neutralidade afetivaconduziríam à criação de uma atitude que se manifestariano impulso para o comportamento racional e para oacúmulo de riqueza. Em conclusão nos reportaríamos àMCCLELLAND que afirma ser "o desenvolvimento de au-tocontrôle nos primeiros anos de vida um elemento pro-motor do elevado desempenho (high n achievement),uma vez que não seja o reflexo da coação, autoritarismoOu 'rejeição' por parte dos pais.?"

É conveniente observar que MCCLELLAND não se refereao conteúdo doutrinário ou dogmático das duas religiõesem questão, m2.Ssimplesmente a dois tipos de práticasencontradas. Nem acreditamos seja possível relacionar demaneira inequívoca a existência de dois tipos fundamen-talmente diversos de relacionamento com a prática deuma determinada religião. Nada nos impede de aventara hipótese de que nos encontramos diante de fatos aciden-tais sem conexão causal obrigatória. De qualquer formanos utilizamos dos exemplos em questão porque acredita-mos fôssem ilustrativos para o que estamos abordando.

Estamos atentos ao fato de que ao insistirmos na relativa"neutralidade afetiva" como exigência organizacional es-tamos nos atendo ao modêlo weberiano de eficiência, e nãoignoramos as críticas que a formulação tem merecido aolongo das duas últimas décadas. Nossa afirmação mante-ve-se apenas atenta ao fato de que as tarefas organizacio-

6) DAVID MCCLELLAND, The Achieving societu, Princeton, D. van NostrantiCompany, Inc., 1961, pág , 345.

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nais tendem hoje em dia sempre em direção às grandes or-ganizações e nestas é impossível fugir ao tipo "burocrá-tico" de administração. Não acreditamos sejam válidas asanálises sôbre disfunções, uma vez que estas só podemser válidas a partir de uma experiência burocrática sufi-cientemente longa, o que via de regra não ocorre em paí-ses onde as organizações ainda constituem elementosrecém-chegados ao quadro institucional.

Numa sociedade como a brasileira as organizações estãoquase sempre permeadas de relações que tem sua origemem relações familiares ou de amizade. Ainda é grande ainsegurança que se apossa das pessoas quando têm de es-tabelecer relacionamento formal, onde as relações de tiposimpático deixam de existir, e o primado deve pertencerà norma geral e abstrata. Um sentimento de desconfôrtoe desconfiança permeia a realização de negócios com es-tranhos, ou a outorga de posições que envolvam poder detomar decisões a pessoas que não pertençam ao círculodos parentes, ou, quando muito, dos amigos. As chamadas"oligarquias" que ocupam posições-chave simultâneamen-te no comércio, na indústria, nos meios bancários e emúltima instância no próprio govêrno são via de regra, oli-garquias de relacionamento familiar ou de amizade, sem-pre fundamentadas em relações de tipo simpático entreum chefe e seus subordinados e que deixam de lado a com-petência profissional formalmente comprovada ou o pro-cesso de avaliação de mérito. A ocupação de posições-chavena administração pública e de grupos de emprêsas priva-das por homens que se relacionam a um determinadochefe, numa base puramente pessoal, é um evento cor-rente e aceito sem questionamento pela sociedade comoum todo.

IV - Em último lugar, faríamos referência ao fato de quea vida organizacional implica no desenvolvimento de obje-tivação sob forma de ação organizada, o que deixa deocorrer com freqüência em sociedades não ocidentais. Naverdade, a capacidade de objetivação sob forma organiza-da de ação constitui um corolário de uma atitude de so-

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ciedade de massa onde se crê que o esfôrço grupal é supe-rior em eficácia ao esfôrço individual, não por motivos quese estabeleceram previamente a partir de postulados eaxiomas, mas simplesmente porque a prática ea experiên-cia bem sucedidas acabaram por demonstrá-lo. A capaci-dade de objetivação sob forma de ação organizada elimi-na em grande parte o "mito do herói", uma vez que asgrandes realizações deixam de ser creditadas a um únicoindivíduo, para se tornarem acêrvo da comunidade. A par-tir de um certo nível de complexidade organizacional aação organizada passa a ser uma necessidade e não é maispossível abandoná-la. Todavia, o progresso maior ou me-nor no caminho de organizações formais dependerá emgrande parte do processo de socialização e do que êssevenha gerar nos componentes da sociedade.

Numa universidade contemporânea não seria mais possí-vel repetir o episódio do "doutor medieval" ou do "sábiohelênico", pois que o próprio desenvolvimento da culturanão mais permite o enciclopedismo e o trabalho universi-tário será fatalmente o resultado de uma ação organizada.O mesmo poderia ser dito de uma oficina artesanal e deuma indústria de certo porte. A oficina comportará o "ar-tesão criador". A moderna indústria só criará através desuas equipes de especialistas e pesquisadores, agrupadosno Departamento de Pesquisa e Desenvolvimento.

CONCLUSÕES

Algumas observações de cunho sociológico permitiriamverificar que certas condições são essenciais para aumen-tar ou diminuir a capacidade de organizar-se de uma de-terminada comunidade. Assim é que as organizações for-mais, que constituíram o nosso objeto de especulação, por-que são a melhor expressão alcançada da racionalidade,resultam de um processo evolutivo que tem suas raízesnuma constelação social maior que são as organizaçõesinformais, dentre as quais avulta com espedalimportân-cia, os grupos primários. Vários fatôres afetam a capaci-dade de organização, lato senso, de uma comunidade, e

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Com mais intensidade ainda a capacidade de se criaremorganizações formais. Dentre êles cumpre relacionar: onível de alfabetização, a urbanização, a existência de umaeconomia monetária, a: existência ou não de revoluçõespolíticas e a própria densidade da vida social,"

Não acreditamos seja necessário estendermo-nos muitosôbre a alfabetização. A capacidade de organizar-se estádiretamente relacionada com a capacidade e a possibili-dade de comunicação. A palavra escrita é de importânciafundamental na vida de tôdas as formas de organização,particularmente das organizações formais. Todo grupo temas suas tradições, e estas constituem parte integrante dogrupo, e sem as tradições não há possibilidade de conti-nuidade social. A organização formal possui uma tradiçãoque se registra sob forma escrita e são os seus arquivos ouSua memória. Esta pressupõe a palavra escrita, e consti-tui o elemento fundamental para o próprio processo de-cisório que é vital para a sobrevivência da organizaçãoformal.

,A capacidade de uma determinada comunidade organizar-se dependerá da maior ou menor facilidade de que dispo-nha para poder comunicar-se e a palavra escrita, quandoas organizações tem de recobrir grandes espaços geográ-ficos, é o único meio possível de comunicação. Além domais, a alfabetização terá influência decisiva para aumen-tar a densidade da vida social de uma comunidade.

A urbamzação é de particular importância para o apare-cimento de organizações formais, na medida em que aprópria cidade constitui uma organização formal, nitida-mente diversa da comunidade rural. O nosso quadro dereferências aplica-se à cidade ocidental, que se originouna Idade Média, enquanto oposição à "visão do mundo"e às relações de tipo místico e simpático vigentes na co-munidade rural. As organizações formais tenderão a apa-

'i) ARTHURL. STINCHCOMBE,"Social Structure and Organizations" in Hand-book o] Organizations, James E. March Editor; Chicago, Rand McNallyand Co., 1965, pág , 150 a 153.

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recer mais em sociedades em que há um predomínio doethos urbano sôbre o rural.As revoluções políticas ou a sua ausência e a natureza des-tas revoluções poderão desempenhar papel de importân-cia no aparecimento de organizações formais. Um casoclássico é o aparecimento no México do PRI (Partido Re-volucionário Institucional), como partido único que se im-plantou após a revolução. Ainda seria interessante citar oaparecimento de várias organizações formais na UniãoSoviética após a revolução, e como conseqüência direta damesma. Dentre elas sobressai em importância o próprioPartido Comunista da União Soviética, mas não é menosexpressivo o aparecimento de todo um aparato burocrá-tico, que vai desde os vários ministérios até as unidadesprodutoras que são as emprêsas, que indiscutivelmentenão teriam sido possíveis sem a revolução.

Acreditamos não cair no truismo se ao final apontássemosa própria densidade da vida social como outro fator a con-dicionar o aparecimento de organizações formais. A tau-tologia seria excusável na medida em que se reconheçaque a melhor forma de aprender a organizar-se é organi-zando-se. A melhor medida do aprendizado é uma suces-são de experiências numerosas, não importando se bem oumal sucedidas. Na medida em que se admita que o pro-cesso de aprendizado, tanto no plano individual como nosocial, é uma seqüência de "erros e acertos", a nossa afir-mação poderá ser sustentada.

No que diz respeito à formação de organizações formaisque funcionem com eficácia em países não ocidentais, oque em nosso vocabulário significa subdesenvolvidos, osautores só apenas recentemente começaram a se ocuparda questão. A preocupação surge mais com ETZIONIe osestruturalistas, na medida em que tratam de ver as orga-nizações formais como parte da sociedade total. As afir-mações de AMITAIETZIONIno seu Modern Organizationssão tão breves quanto desencorajadoras," Numa formula-10 AMITAI ETZIONI, Modern Organizations, Englewood Cliffs, Prentice Hall,

1965, pág. 114.

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çâo quase silogística afirma que a eficácia e a própria exis-tência das organizações formais só são possíveis numa so-ciedade que tenha atingido as características de raciona-lidade e de objetivação sob forma da ação. Ora tais atri-butos só são inteligíveis a partir do ethos ocidental, deonde se conclui que as sociedades não ocidentais não po-derão organizar-se formalmente e se o fizerem cairão fa-talmente na ineficácia, pois o ethos não ocidental condi-cionará inevitàvelmente tais tipos de resultados.

Acreditamos que a "formulação da desesperança" mesmoque perfeitamente lógica e bem fundamentada não deveseduzir os que pretendem mudar e agir. Bàsicamente, en-contraríamos duas maneiras para introduzir a racionali-dade na ação organizada de sociedades não-ocidentais. Emambas as formas alguém ou alguns deverão fatalmentedesempenhar o papel de demiurgos da razão. Uma viaseria a da revolução política,. com o pressupostos de queo grupo que viesse ocupar o poder se propusesse realizara racionalidade social, mesmo se utilizando da violênciase necessário ao longo do processo. É o caminho radical,na medida em que um grupo adjudica-se o direito deinvestir contra o próprio ethos de um grupo. Uma segun-da alternativa seria a crença na mudança gradativa sem autilização sistemática da violência, e sem que uma revo-lução política forçosamente ocorresse. A partir daqui po-deríamos tentar delinear quais os agentes de mudança (de-miurgos) encontradiços numa sociedade pluralista, que éa existente na maioria dos países. Conquanto seja neces-sário reconhecer que numa determinada nação ou comu-nidade um grupo pode ter mais importância que os de-mais, ou melhor dizendo, que alguns grupos poderão termais influência que os demais, será sempre forçoso reco-nhecer vários grupos atuantes, com interêsse possivelmen-te conflitantes, mas igualmente interessados em atuar so-cialmente.

Antes de nos referirmos especificamente aos agentes demudança seria conveniente observar que antes de maisnada necessitamos grandemente de melhores estudos e re-

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flexões sôbre o problema das organizações formais em so-ciedades não-ocidentais. Até o momento continuamos arepetir, quando se trata de interpretar nossas patologiasorganizacionais e nossa ineficácia coletiva, modelos expli-cativos weberianos, que no fundo se reduzem ao estudoweberiano das formas de dominação. O grande inconve-niente é que tanto discípulos como mestres acabam porconceder vida e existência a modelos puros, passando aencontrá-los na própria sociedade em que estão inseridos.Nossas organizações formais fatalmente refletirão as pe-culiaridades de nossas culturas e o afastamento de umpadrão ocidental não significa obrigatoriamente algo a serencarado como definitivamente patológico e deviant. Nos-sas observações e comentários a respeito de nossas orga-nizações limitam-se a compará-las a um modêlo europeuou norte-americano e concluir pela ineficácia, perpetuan-do o histórico posicionamento província-metrópole.

Os principais agentes de mudança são organizações for-mais oriundas de sociedades ocidentais que se estabelecemnum país não ocidental. Nesse sentido as emprêsas es-trangeiras ou multi-nacionais constituem um agente demudança na medida em que forçam as organizações na-nacionais não-ocidentais a adoção de uma racionalidademaior a fim de poder enfrentar a competição. Freqüente-mente se tem descrito o embate entre emprêsas "nacio-nais" e "estrangeiras" em têrmos de "imperialismo", ondeo arrivista tenta por todos os meios a extinção ou absor-ção da organização nacional existente. Sem nos determossôbre a questão, gostaríamos de lembrar que um elemen-to de grande importância no processo competitivo e queopera a favor da organização "estrangeira" ou multinacio-nal é a sua maior capacidade administrativa, pois que édotada de maior racionalidade, o que resulta em maior efi-cácia. Sob êsse ponto de vista sua ação pode ser vista comosendo estimulante para as organizações nacionais que sevêem obrigadas a incorporar aos seus padrões organiza-cionais uma racionalidade maior.

Page 29: TEORIA DA ORGANIZAÇAO E SOCIEDADES SUBDESENVOLVIDAS · encontramos no fayolismo a preocupação com a "raciona-lização" de tarefas e os estudos de "tempos e movimen-tos" que constituem

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Outro agente de mudança pode ser constituído pelo pro-cesso educacional na medida em que êle se decidir pelamodificação dos valôres tradicionais de uma sociedade eque principie a introdução de valôres próprios de uma so-ciedade voltada para a racionalidade e para a objetivaçãosob forma de ação organizada.

Finalmente, somos levado a reconhecer que o processo deintrodução de maior eficácia nas organizações formais exis-tentes numa sociedade não-ocidental, e a criação de novasorganizações formais que não partilhem dos mesmos ví-cios de comportamento vigentes nas mais antigas serãoinevitàvelmente um processo demorado e trabalhoso, namedida em que mudanças substanciais deverão ocorrer naprópria cultura, pois é na sociedade maior que encontra-mos as raízes para uma ação organizada eficaz e racional.

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