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Saúde em Debate v.34 n.85 abr./jun. 2010 Cebes CARLOS GENTILE DE MELLO ISSN 0103-1104

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Saúde em Debate v.34 n.85 abr./jun. 2010

Cebes

CARLOS GENTILE DE MELLO

ISSN 0103-1104

Page 2: TEMPORAO_PENELLO

CENTRO BRASILEIRO DE ESTUDOS DE SAÚDE CEBES

DIREÇÃO NACIONAL (GESTÃO 2009-2011)

NATIONAL BOARD OF DIRECTORS (YEARS 2009-2011)

Presidente: Roberto Passos Nogueira

Primeiro Vice-Presidente: Luiz Antonio Neves

Diretora Administrativa: Lenaura de Vasconcelos Costa Lobato

Diretor de Política Editorial: Paulo Duarte de Carvalho Amarante

Diretores Executivos: Ana Maria Costa

Guilherme Costa Delgado

Hugo Fernandes Junior

Lígia Giovanella

Nelson Rodrigues dos Santos

Diretores Ad-hoc: Alcides Miranda

Paulo de Tarso Ribeiro de Oliveira

CONSELHO FISCAL / FISCAL COUNCIL

Ary Carvalho de Miranda

Assis Mafort Ouverney

Lígia Bahia

CONSELHO CONSULTIVO / ADVISORY COUNCIL

Agleildes Aricheles Leal de Queiroz

Alcides Silva de Miranda

Alberto Durán González

Eleonor Minho Conill

Ana Ester Melo Moreira

Eymard Mourão Vasconcelos

Fabíola Aguiar Nunes

Fernando Henrique de Albuquerque Maia

Julia Barban Morelli

Jairnilson Silva Paim

Júlio Strubing Müller Neto

Mário Sche,er

Naomar de Almeida Filho

Silvio Fernandes da Silva

Volnei Garrafa

SECRETARIA / SECRETARIES

Secretaria Geral: Mariana Faria Teixeira

Pesquisadora: Suelen Carlos de Oliveira

Estagiária: Debora Nascimento

A Revista Saúde em Debate éassociada à Associação Brasileirade Editores Cientí5cos

SAÚDE EM DEBATE

A revista Saúde em Debate é uma publicação quadrimestral editada pelo Centro Brasileiro de Estudos de Saúde

EDITOR CIENTÍFICO / CIENTIFIC EDITOR

Paulo Duarte de Carvalho Amarante (RJ)

CONSELHO EDITORIAL / PUBLISHING COUNCIL

Alicia Stolkiner – UBA (Argentina)

Angel Martinez Hernaez – Universidad Rovira i Virgili (Espanha)

Carlos Botazzo – USP (SP/Brasil)

Catalina Eibenschutz – UAM-X (México)

Cornelis Johannes Van Stralen – UFMG (MG/Brasil)

Diana Mauri – Universidade de Milão (Itália)

Eduardo Maia Freese de Carvalho – CPqAM/FIOCRUZ (PE/Brasil)

Giovanni Berlinguer – Universitá La Sapienza (Itália)

Hugo Spinelli – UNLA (Argentina)

José Carlos Braga – UNICAMP (SP/Brasil)

José da Rocha Carvalheiro – FIOCRUZ (RJ/ Brasil)

Luiz Augusto Facchini – UFPel (RS/Brasil)

Maria Salete Bessa Jorge – UECE (CE/Brasil)

Paulo Marchiori Buss – FIOCRUZ (RJ/Brasil)

Rubens de Camargo Ferreira Adorno – USP (SP/Brasil)

Sônia Maria Fleury Teixeira – FGV (RJ/Brasil)

Sulamis Dain – UERJ (RJ/Brasil)

EDITORA EXECUTIVA / EXECUTIVE EDITOR

Marília Fernanda de Souza Correia

INDEXAÇÃO / INDEXATION

Literatura Latino-americana e do Caribe em Ciências da Saúde - LILACS

História da Saúde Pública na América Latina e Caribe - HISA

Sistema Regional de Informaciónen Línea para Revistas Cientí5cas de América Latina, el Caribe, España y Portugal - LATINDEX

Sumários de Revistas Brasileiras - SUMÁRIOS

ENDEREÇO PARA CORRESPONDÊNCIA

Avenida Brasil, 4036 – sala 802 – Manguinhos

21040-361 – Rio de Janeiro – RJ – Brasil

Tel.: (21) 3882-9140, 3882-9141

Fax.: (21) 2260-3782

Site: www.cebes.org.br

www.saudeemdebate.org.br

E-mail: [email protected]

[email protected]

Apoio

Ministério da Saúde

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Rio de Janeiro v.34 n.85 abr./jun. 2010

ÓRGÃO OFICIAL DO CEBES

Centro Brasileiro de Estudos de Saúde

ISSN 0103-1104

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EDITORIAL / EDITORIAL

APRESENTAÇÃO / PRESENTATION

DEBATE / DEBATE

187 Determinação social da saúde e ambiente emocional facilitador: conceitos e proposição estratégica para uma política pública voltada para a primeira infânciaSocial determinants of health and the enabling emotional environment: concepts and a strategic framework for a public policy focused on early childhoodJosé Gomes Temporão, Liliane Mendes Penello

DEBATEDORES / DISCUSSANTS

201 Estratégia em defesa da criança saudável: cogestão e não-violência como postura existencial e políticaStrategy in favor of healthy children: co-management and nonviolence as existential and political attitudeGastão Wagner de Sousa Campos

204 Um grande avançoA big step forwardOsmar Terra

RÉPLICA / REPLY

208 Vinculo como suporte ao ambiente facilitador à vida: uma questão de saúde públicaBond as a support for favorable environment to life: a matter of public healthJosé Gomes Temporão, Liliane Mendes Penello

ARTIGOS ORIGINAIS / ORIGINAL ARTICLES

Pesquisa211 Matriciamento: a representação social da Equipe de Saúde da Família

Specialized orientation: the representation of the Family Health TeamAnnaiza Freitas Lopes, Renata Amanda Azevedo de Brito, Fátima Luna Pinheiro Landim, Mônica de Oliveira Nunes, Patrícia Moreira Collares

Pesquisa219 Beirando a vida, driblando os problemas: estratégias de bem viver de famílias em situação de risco e

vulnerabilidadeIn the edge of life, getting around the problems: strategies of well-being of families at risk and vulnerability situationMaria Jacqueline Abrantes Gadelha, Raimunda Medeiros Germano

Pesquisa227 Perfil da ampliação do Programa de Agentes Comunitários de Saúde no Brasil

Pro!le of the expansion of Community Agents Program in Brazil José Roberto de Magalhães Bastos, Ricardo Pianta Rodrigues da Silva, Angela Xavier, Sabrina Pulzatto Merlini,

Taís Ferreira Pimentel

Pesquisa236 Doença crônica: comparando experiências familiares

Chronic disease: comparing familial experiencesNoeli Marchioro Liston Andrade Ferreira, Giselle Dupas, Carmem Lúcia Alves Filizola, So8a Cristina Iost Pavarini

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Opinião248 Potencialidades e obstáculos para a consolidação da Estratégia Saúde da Família em grandes centros urbanos

Potentialities and challenges of the family health strategy consolidation in major urban centers of BrazilLigia Giovanella, Maria Helena Magalhães de Mendonça, Sarah Escorel, Patty Fidelis de Almeida, Márcia Cristina Rodrigues Fausto, Carla Lourenço Tavares de Andrade, Maria Inês Carsalade Martins, Mônica de Castro Maia Senna, Maristela Chitto Sisson

Ensaio 265 Análise do discurso da propaganda de medicamentos no Brasil

Discourse analysis of medicine advertisements in BrazilViviane Ramalho

Ensaio274 Medicalização e consumo: um olhar sobre a saúde na contemporaneidade

Medicalization and consumption: a look over health in contemporaneityJurema Barros Dantas, Ariane Patrícia Ewald

Pesquisa288 Política de medicamentos excepcionais no Espírito Santo: a questão da judicialização da demanda

#e exceptional drug policy in Espírito Santo: the matter of access by juridical approach Maria José Sartório, Ronaldo Bordin

Ensaio299 Perspectivas democráticas e suas condições de possibilidade: interseções entre a participação política no SUS e a

gestão em saúdeDemocratic prospects and their conditions of possibility: intersections between political participation in SUS and health managementFrancini Lube Guizardi, Felipe de Oliveira Lopes Cavalcanti

Pesquisa310 Gênese de um conselho local de saúde

Genesis of a local health councilRenata Mota Rodrigues Bitu Sousa, Carlos Botazzo

Pesquisa321 Conselho Municipal de Saúde de Ampére: avaliando o controle social

Ampére city’s Health Council: evaluating social controlLuciane Maria Pedot Belini, Samuel Jorge Moysés

Opinião328 Que proteção social para qual democracia? Dilemas da inclusão social na América Latina

Which social protection for which democracy?Dilemmas of social inclusion in Latin America Sonia Fleury

Pesquisa349 Avaliação da qualidade de vida de idosos renais crônicos sob tratamento hemodialítico

Evaluation of the quality of life of elderly chronic renal disease patients undergoing hemodialytic treatmentFabiana de Souza Orlandi

Pesquisa356 Enfermagem e espiritualidade na terminalidade: percepção dos ministros religiosos

Nursing and spirituality in terminal patients: perception of the religious ministersJoseane de Souza Alves

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Revisão365 Uma revisão sobre a compreensão da realidade expressa na assistência em saúde mental segundo a teoria social crítica

A review on the express understanding of reality in mental health care in the second critical social theorySilvia Maria de Oliveira Mendes

Pesquisa384 Ensino de Odontologia e o Sistema Único de Saúde

Education of Dentistry and the National Health SystemGustavo Nicolini Fernandes, Newton Cesar Balzan, Maria Alice Amorim Garcia

MEMÓRIA / MEMORY

396 Especial “In memoriam”Carlos Gentile de Mello

RESENHA / CRITICAL REVIEW

397 P, Izabel C. Friche. Reforma Psiquiátrica – as experiências francesa e italiana. Rio de Janeiro: Fiocruz, 2009Marina Bittencourt

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Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 34, n. 85, p. 175-180, abr./jun. 2010

EDITORIAL 175

O ano eleitoral de 2010 começará o8cialmente no segundo semestre,

mais precisamente depois da Copa do Mundo. Da parte das candi-

daturas presidenciais pré-lançadas até o presente, pouco se ouve de maneira

objetiva e clara sobre os rumos e proposições a respeito da política social.

O assunto também não é cobrado pela grande mídia e aparentemente não

seria objeto de grandes alterações nas agendas dos dois concorrentes com

maiores chances eleitorais.

Mas esse consenso por aparência e omissão das questões-chave da política

social é enganoso. Há indícios muito fortes de que o tema dos direitos sociais,

com suas inevitáveis implicações 8scais, esteja sendo evitado agora para somente

aparecer claramente em 2011. Viria no bojo de uma proposta de mudanças

fortes na Seguridade Social e no Sistema Tributário, de forma a restringir ainda

mais o núcleo da política social fundamentada em direitos sociais. E nos primei-

ros seis meses de um novo mandato presidencial, o Congresso costuma aprovar

em geral tudo que venha do Executivo, recém-legitimado pelas urnas.

É preocupante observar o tratamento que vem sendo dado ao tema dos

direitos sociais. Da parte da candidatura o8cial, houve declarações explícitas de

simpatia com o tema. Mas, por outro lado, várias manifestações e entrevistas do

atual Presidente do Banco Nacional do Desenvolvimento (BNDES), tido como

provável futuro coordenador de política econômica da candidata ao governo,

já emitem sinalizações de duas prioridades – uma Reforma Previdenciária de

teor restritivo a alguns direitos constitucionais (a preocupação sub-reptícia é

quanto ao vínculo do salário mínimo a benefícios sociais) e uma Reforma Tri-

butária em moldes parecidos com o projeto o8cial de 2008 do Governo Lula.

Nenhum sinal por aqui de redistribuição de renda ou igualdade social como

rumo à política social e à reforma tributária.

Por outro lado, da parte do principal candidato de oposição, leem-se

declarações enfáticas de apoio ao Sistema Único de Saúde (SUS) e, agora,

até mesmo à reforma agrária. Mas quando consultamos várias manifestações

dos seus áulicos e con8dentes em assuntos 8scais ou ainda da mídia que lhe é

Política social e eleições

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EDITORIAL176

generosamente favorável, há uma espécie de senha-chave que assim se expres-

sa: “reduzir gastos correntes do orçamento a qualquer custo”. O observador

desavisado perguntará: que tem isto a ver com política social?

Ora, na atual con8guração dos direitos sociais já regulamentados, os

“Benefícios Monetários” das políticas sociais estão essencialmente vinculados a

direitos e correspondem a 15,5% do PIB nas “Contas Nacionais” de 2006 (as

mais recentes publicadas em detalhe); e os “Benefícios em Espécie” – serviços

públicos gratuitos oferecidos aos cidadãos – representam 8,6% neste mesmo

ano. Esse conjunto de “Benefícios Monetários” e serviços públicos, ou “Bene-

fícios em Espécie”, na linguagem das Contas Nacionais, já somam cerca de ¼

do Produto Interno Bruto (PIB). Os recursos que 8nanciam esses benefícios

são quase integralmente categorizados nos orçamentos públicos como gastos

correntes. Daí, havendo restrições a direitos, desvinculações constitucionais,

congelamentos ou outros truques para “restringir os gastos correntes”, fatalmente

seriam afetados os benefícios sociais e os salários do funcionalismo.

Para manter o estatuto da política social e viabilizar a melhoria da qualida-

de na prestação dos serviços universais (SUS e educação básica, principalmente)

ou incluir parcelas expressivas da população ainda não incorporadas aos sistemas

públicos – Previdência e Assistência, Política Agrária, Habitação etc. – não há

como fazê-lo “reduzindo gastos correntes”. Nem mesmo congelando esses gastos

em algum ano isso é possível, como espertamente foi proposto no Projeto de

Reforma Tributária do governo Lula.

Há fatores demográ8cos, epidemiológicos e de riscos sociais associados a

uma geração de direitos sociais (seguridade social), de pretensão universal, que

não estão congelados, mas, ao contrário, tendem a crescer. Há também uma

geração de novos riscos sociais e ambientais associados às mudanças climáticas

que fatalmente alimentarão demandas futuras por novos serviços públicos de

proteção social. Essas demandas tendem a crescer e precisariam contar com re-

cursos, simultaneamente associados ao crescimento da economia e melhoria.

Universalizar direitos sociais numa sociedade altamente desigual como

a nossa requer compreensão clara de que isso é política social redistributiva.

Integra um modelo de sociedade e de economia com pretensão a um estilo de

desenvolvimento fundado no paradigma da igualdade. Mas isso não se faz sem

uma reforma tributária redistributiva e também requer política social organizada

e planejada com horizonte mínimo de uma década.

Isso tudo não está nas agendas políticas das candidaturas principais, nem

das mídias, nem do “consenso da opinião pública”. Precisa ser explicitado e

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EDITORIAL 177

discutido na campanha eleitoral e fora dela, para que não tenhamos a ingrata

surpresa de ver “reformas” implementadas na política social e tributária em

2011 que se ponham na contramão da construção dos direitos sociais.

O processo eleitoral e a formação de opinião pública, sob intenso controle

dos partidos e dos meios de comunicação de massa, não são bons aliados para

esclarecer questões essenciais sobre política social. Há que se ter criatividade e

ousadia para colocar essas questões nas agendas políticas do Estado, dentro e

fora das arenas convencionais da política.

DIRETORIA NACIONAL

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EDITORIAL178

The 2010 electoral year will o�cially begin in the second half of the year,

precisely after the World Cup. Very little has objectively and clearly

been heard on the directions and propositions regarding social policy from

the pre-announced presidential candidates till the moment. �e subject is

not requested by the press either, and apparently would not be subject of

great alterations in the agenda of the two candidates with more electoral

advantage.

But this consensus on appearance and omission of social policy’s key-

matters is deceiving. �ere is strong evidence that the social rights theme,

together with its inevitable 8scal implications, is being avoided now to clearly

arise only in 2011. It would be intrinsic to a proposal of strong changes in

the Social Security and in the Tributary System as to restrict even more the

core of the social policy which is founded on social rights. And during the

8rst six months of a new presidential mandate, the Congress usually ap-

proves everything that comes from the Executive, recently legitimated by

the electors.

It is disturbing to observe the treatment that has been given to the theme

of social rights. �ere have been explicit declarations of sympathy with the

theme from the o�cial candidacies. On the other hand, many manifestations

and interviews from the current president of the Brazilian Development Bank

(BNDES, acronym in Portuguese), who is considered to be a likely future

coordinator of economic policy of the government candidate, already show

two priorities – a reform of the social security with a purport restrictive to

some constitutional rights (the hidden preoccupation concerns the bond of

minimum wage with social bene8ts); and a tributary reform which looks like

the 2008 o�cial government project of president Lula mandate. �ere is no

sign of income redistribution or social equality as a road to social policy and

tributary reform.

On the other hand, emphatic statements supporting the National

Health System (SUS, acronym in Portuguese) and even the agrarian reform

Social policy and elections

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EDITORIAL 179

have been read from the main opposition candidate. But when we inquire

many manifestations on 8scal issues of their representatives and con8dents,

or even the press which is generously favorable to such candidate, there is

a kind of password, which is expressed as follows: “to reduce the current

expense budget by any means”. �e unadvised observer may ask: what does

it have to do with social policy?

Well, in the current con8guration of the regularized social rights, the

“Monetary Bene8ts” of social policies are essentially bonded to rights and

account for 15.5% of the gross domestic product in the “National Accounts”

of 2006 (the most recent ones being published in details); and the “Cash

Bene8t” – free public services o�ered to citizens – account for 8.6% in the

same year. �is assemblage of “Monetary Bene8ts” and public services, or

“Cash Bene8ts” in the National Accounts’ language, currently sums ¼ of the

gross domestic product (GDP). �e resources that 8nance these bene8ts are

almost integrally categorized in the public budget as current expenditures.

In this manner, as there would be restrictions to rights, constitutional dis-

sociations, freezings and other arti8ces to “restrict the current expenditures”,

the social bene8ts and functionalism salaries would be severely a�ected as a

consequence.

To maintain the social policy statute and enable the improvement

of the quality of universal services (mainly SUS and basic education) or

include expressive portions of the population that are not included in the

public systems yet – social security and assistance, agrarian policy, housing

and others – is not possible by “reducing current expenditures”. Not even

freezing these expenses in any year makes it possible, as smartly proposed in

the Tributary Reform Project of Lula government.

�ere are demographic, epidemiological and social-risk factors which are

associated with the creation of universally-intended social rights (social security)

and that are not frozen, but rather tend to grow. �ere is also the generation of

new social and environmental risks associated with climatic changes that will

fatally promote future demands for new social protection public services. �ese

demands tend to grow and need to rely on resources simultaneously associated

with the growing and improvement of the economy.

To universalize social rights in a society highly unequal like ours requires

a clear comprehension of the fact that this is a redistributive social policy.

It comprises a model of society and economy that seek a style of develop-

ment based on the paradigm of equality. But this can not be done without

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EDITORIAL180

a redistributive and tributary reform, and requires a social policy organized

and planned aiming at no less than one decade.

�ese issues are not present in the politics agenda of the main candi-

datures, nor of the press, nor of the “public opinion consensus”. It should

be explicit and discussed in and out the electoral campaign; in this man-

ner, people will not have the unappreciative surprise of watching “reforms”

implemented in social and tributary policies that oppose the building of

social rights in 2011.

�e electoral process and the formation of the public opinion, under

intense control of the parties and means of mass communication, are not

good allies to clear up essential matters on social politics. �ere has to be

creativity and audacity to put these issues on the agenda of State policies, in

and out the conventional political 8eld.

THE NATIONAL DIRECTORATE

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APRESENTAÇÃO 181

Este é o último número da Saúde em Debate vinculado ao projeto

“Reforma Sanitária em Debate”, responsável pela edição dos últimos

números da publicação. Nesse período, a revista passou por um processo

intenso de reformulações. Houve transformações na sua identidade visual,

em seu conteúdo e em sua periodicidade. Voltou a ser editada regularmente,

foi indexada em outras bases de dados e, a partir deste ano, mudou a sua

periodicidade de quadrimestral para trimestral.

A capa é dedicada a Carlos Gentile de Mello, autor do primeiro livro

editado pelo Centro Brasileiro de Estudos de Saúde (Cebes), Saúde e Assis-

tência Médica no Brasil, em 1977. Neste número, reproduzimos o texto, em

sua homenagem, publicado originalmente na Saúde em Debate no. 17, de

1989, na ocasião de seu falecimento.

Iniciamos este número com o artigo de debate de autoria de José Gomes

Temporão e Liliane Mendes Penello, no qual os autores propõem uma política

pública de saúde para a primeira infância, fornecendo as bases conceituais

e políticas da “Estratégia Brasileirinhas e Brasileirinhos Saudáveis”, recente-

mente lançada pelo Ministério da Saúde. Na sequência, o artigo é debatido

por Gastão Wagner de Sousa Campos, que considera a iniciativa ousada e

inovadora, e Osmar Terra, que fala do avanço que o texto traz para a com-

preensão sobre a importância do chamado “ambiente emocional facilitador”

para o desenvolvimento inicial, considerando-o no contexto da determinação

social da saúde. Os dois textos foram replicados pelos autores.

O cuidado à família é um dos temas mais importantes no campo da

saúde, o que é possível constatar pela quantidade e qualidade dos artigos

submetidos à revista e pelo conjunto de textos tratando dos temas aqui publi-

cados. Annaiza Freitas Lopes et al. apresentam os resultados de uma pesquisa

na qual discutem a representação social da Equipe de Saúde da Família em

Fortaleza, a partir do matriciamento promovido pelos Centros de Atenção

Psicossocial (Caps). A pesquisa de Maria Jacqueline Abrantes Gadelha e Rai-

munda Medeiros Germano analisa as estratégias utilizadas pelas famílias em

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APRESENTAÇÃO182

situação de risco e vulnerabilidade no âmbito da Estratégia Saúde da Família.

José Roberto Bastos et al. apresentam a pesquisa que realizaram sobre o de-

senvolvimento do Programa de Agentes Comunitários de Saúde no período

de 1998 a 2007, demonstrando o seu grande crescimento em todas as regiões

do país. Outra pesquisa muito importante, de Noeli M.L.A. Ferreira et al.,

faz uma re�exão sobre a experiência de famílias com um membro portador

de doença crônica. O bloco é complementado pelo artigo de opinião de Ligia

Giovanella et al. sobre os fatores que condicionam a efetiva implementação

da Estratégia Saúde da Família em grandes centros urbanos.

A preocupação com os vários aspectos relacionados à política de me-

dicamentos é abordada nos textos de Viviane Ramalho, um ensaio sobre

os sentidos “potencialmente ideológicos” na propaganda de medicamentos

no Brasil, e de Jurema B. Dantas e Ariane P. Ewald, que analisam a relação

entre o consumo e o fenômeno da medicalização e a forma como tal relação

reposiciona a noção de saúde. O tema dos medicamentos neste número é

encerrado com a pesquisa de Maria José Sartório e Ronaldo Bordin que, a

partir da análise das demandas judiciais no Espírito Santo, revelam aspectos

importantíssimos sobre a questão da judicialização no país.

Outro tema que sempre está na agenda do Sistema Único de Saúde

(SUS) é o da participação e controle social. O ensaio de Francini L. Guizardi

e Felipe O.L. Cavalcanti propõe que pensemos a participação política como

uma atividade de luta e construção de saúde em si mesma. Renata M. R. B.

Sousa e Carlos Botazzo investigam o modo como se articula o discurso de

participação da comunidade na constituição de um conselho da unidade de

saúde da família. A pesquisa de Luciane M.P. Belini e Samuel Jorge Moyses

nos leva a re�etir sobre alguns aspectos relacionados aos Conselhos de Saúde

que necessitam urgentemente serem transformados, sob risco de perderem seu

caráter de controle social do SUS. Sonia Fleury, em “Que proteção social para

qual democracia: dilemas da inclusão social na América Latina”, discute “os

ônus que os sanitaristas de esquerda assumiram ao encarregar-se de implantar

reformas dos sistemas de saúde na América Latina em contextos de transição

à democracia marcados pela ausência de hegemonia e pelos acordos que res-

tringem as possibilidades de implementar as políticas universais projetadas

pelo movimento sanitário.”

Na parte 8nal da revista, estão publicados artigos sobre temas variados,

tais como a pesquisa de Fabiana de Souza Orlandi sobre avaliação de quali-

dade de vida de idosos renais crônicos em hemodiálise, a pesquisa de Joseane

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APRESENTAÇÃO 183

de Souza Alves sobre o cuidado da enfermagem em relação às necessidades

espirituais do paciente terminal a partir da percepção de ministros religiosos,

o artigo de revisão de Silvia M.O. Mendes sobre a aplicação da teoria social

crítica no campo da saúde mental, e a pesquisa de Gustavo N. Fernandes et

al. sobre a formação do cirurgião-dentista visando à sua atuação no SUS.

A resenha deste número, elaborada por Marina Bittencourt, é sobre o

livro Reforma Psiquiátrica – as experiências francesa e italiana, de autoria de

Izabel F. Passos.

Boa leitura!

Paulo Amarante

Editor Cientí8co

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PRESENTATION184

This is the last issue of the journal Saúde em Debate which is bound to the

project “Sanitary Reform in Discussion”, responsible for the edition of

the last issues. In this period, the journal went through an intense process of

reformulations. �ere were some changes in its visual identity, in its content

and periodicity. It is being regularly edited again, was indexed in other data-

bases and, from this year on, has a new periodicity: it is now quarterly.

�e cover is dedicated to Carlos Gentile de Mello, the author of the

8rst book edited by Centro Brasileiro de Estudos de Saúde (Cebes), Saúde e as-

sistência médica no Brasil, in 1977. In this issue, a text is reproduced in honor

to the author, which was originally published in Saúde em Debate issue 17,

1989, on the occasion of his passing.

�e present issue is initiated with the debate article by José Gomes

Temporão and Liliane Mendes Penello, who propose a public health policy for

the 8rst infancy, providing the conceptual and political bases of the campaign

“Estratégia Brasileirinhas e Brasileirinhos Saudáveis”, recently launched by the

Ministry of Health. Following, the article is debated by Gastão Wagner de

Sousa Campos, who considers it an audacious and innovative initiative, and

by Osmar Terra, who speaks of the advance that the text provides for the

understanding of the importance of the “enabling emotional environment”

in the early development, considering it in the context of social determina-

tion of health. Both texts were replied by the authors.

�e family care is one of the most important themes of the health 8eld,

which may be veri8ed by the quantity and quality of the articles submitted for

the journal and by the assemblage of papers dealing with the themes gener-

ally published in the journal. Annaiza Freitas Lopes et al. present the results

of a research in which the social representation of the family health team of

Fortaleza is discussed based on the matrix-based strategies promoted by the

Centers for Psychosocial Care (Caps, acronym in Portuguese). �e article

by Maria Jacqueline Abrantes Gadelha and Raimunda Medeiros Germano

analyzes the strategies used by the families in risked and vulnerable situations

Page 17: TEMPORAO_PENELLO

Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 34, n. 85, p. 181-186, abr./jun. 2010

PRESENTATION 185

in the scope of Health Family Strategy. José Roberto Bastos et al. present a

paper on the development of the Community Health Agents Program in the

period comprising 1998 to 2007, demonstrating its growth in all regions of

the country. Another important article, by Noeli M.L.A Ferreira et al., brings

a re�ection on the experience of families of chronic disease patients. �is the-

matic text group is complemented by the opinion article by Ligia Giovanella

et al., who discuss the factors that condition the e�ective implementation of

the Family Health Strategy in urban centers.

�e concern about the many factors related to the medication policy

is discussed in the articles by Viviane Ramalho, an essay on the “potentially

ideological” meaning of the Brazilian medication publicity, and by Jurema B.

Dantas and Ariane P. Ewald, who analyze the relation between the consump-

tion and the phenomenon of medicalization, as well as how such relation

repositions the notion of health. �e theme of medication in this issue is

closed with the research by Maria José Sartório and Ronaldo Bordin which,

from an analysis of the judicial demands in Espírito Santo, Brazil, reveals

important aspects about the matter of judicialization in the country.

Other themes which are always in the agenda of the National Health

System (SUS, acronym in Portuguese) are the social participation and social

control. �e essay by Francini L. Guizardi and Felipe O.L. Cavalcanti pro-

poses that we make a re�ection on political participation as an activity of

combat and construction of health itself. Renata M.R.B. Sousa and Carlos

Botazzo investigate how the discourse of community participation in the con-

stitution of a council for the Family Health Unit is articulated. �e research

by Luciane M.P Belini and Samuel Jorge Moyses leads the reader to consider

some aspects related to the Health Councils which need urgent transforma-

tion, otherwise they may lose their characteristic of SUS social control. In

“Which social protection for which democracy? Dilemmas of social inclusion

in Latin America”, Sonia Fleury discusses “costs that the left sanitarians as-

sumed with the responsibility to held the reforms of health care systems in

Latin America during the processes of transition to democracy, marked by

the absence of hegemony and by agreements that restrict the possibilities of

implementing universal policies projected by the sanitary reform.”

In the 8nal section of this issue, articles on varied themes are published:

the paper by Fabiana de Souza Orlandi that approaches the assessment of

quality of life of the elderly population with chronic renal disease under

hemodyalisis treatment, the article by Joseane de Souza Alves on the nursing

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Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 34, n. 85, p. 181-186, abr./jun. 2010

PRESENTATION186

care with regard to the spiritual necessities of patients with terminal illnesses

based on the perception of religious ministries, the review article by Silvia

M.O. Mendes on the critical social theory put into practice in the mental

health 8eld, and the research by Gustavo N. Fernandes et al. on the profes-

sional formation of dental surgeons aiming at their performance in SUS.

�e review of this issue, elaborated by Marina Bittencourt, is about

the book Reforma Psiquiátrica – as experiências francesas e italiana, written

by Izabel F. Passos.

Enjoy your reading!

Paulo Amarante

Scienti8c Editor

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Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 34, n. 85, p. 187-200, abr./jun. 2010

DEBATE / DEBATE 187

Determinação social da saúde e ambiente emocional facilitador:

conceitos e proposição estratégica para uma política pública voltada

para a primeira infância

Social determinants of health and the enabling emotional environment: concepts and a

strategic framework for a public policy focused on early childhood

José Gomes Temporão 1

Liliane Mendes Penello 2

RESUMO Os autores propõe uma política pública de saúde para a primeira

infância, discutindo os Determinantes Sociais da Saúde e o Desenvolvimento

Emocional Primitivo e sugerindo que sua inter-relação de!ne padrões pessoais

de convívio social e de saúde. Utilizaram o modelo de Dahlgreen e Whitehead e

o pensamento de John Bowlby e Donald Winnicott para a resposta ao desa!o de

assegurar a promoção da saúde e um ambiente saudável à mulher e à criança de zero

a seis anos. Con!gurou-se a ‘Estratégia Brasileirinhas e Brasileirinhos Saudáveis –

primeiros passos’ para o desenvolvimento nacional, proposta do Ministério da Saúde,

de caráter transversal e intersetorial visando à redução das desigualdades, promoção

de saúde, cidadania e democracia desde as etapas mais precoces da vida.

PALAVRAS-CHAVE: Política de saúde; Determinação social da saúde,

Desenvolvimento emocional primitivo; Saúde materno-infantil

ABSTRACT #e authors proposed a public health policy for early childhood, discussing

the social determinants of health, and the early child development and suggesting that

their inter-relationship de!nes personal standards of socialization and health. #ey

used the Dahlgreen and Whitehead model and the ideas of John Bowlby and Donald

Winnicott to answer the challenges for ensure the promotion of health and a healthy

environment for women and children from zero to six years old. #e strategy ‘Healthy

little Brazilians - !rst steps towards national development’ was proposed by the ministry of

health, a transversal and intersectorial initiative in order to reduce inequities, promoting

health, citizenship and democracy since the earliest stages of life.

KEYWORDS: Public policies; Health policies; Social determinants of health;

Early child development; Maternal and childhood health policies

1 Médico; Doutor em Saúde Coletiva pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ); Ministro de Estado da Saúde do Brasil. [email protected]

2 Médica; Mestre em Saúde Pública pela Escola Nacional de Saúde Pública da Fundação Oswaldo Cruz (ENSP/Fiocruz); Coordenadora do Comitê Técnico Consultivo da Estratégia Brasileirinhas e Brasileirinhos Saudáveis (MS/Fiocruz). [email protected]

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Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 34, n. 85, p. 187-200, abr./jun. 2010

188voltada para a primeira infância

I N T R O D U Ç Ã O

Estranhos assuntos esses, tão marginais às cha-

madas questões nacionais em que se centra o

debate político. É que eles fervilham no pré-sal

da existência humana, a camada mais submer-

sa, talvez a mais rica. (Oliveira, 2010).

A concepção ampliada de saúde adotada contem-

poraneamente considera que, para uma vida rica em

qualidade, é muito pouco para o homem ser apenas

são. Torna-se necessário agregar à ausência de doenças a

intensidade de experiências de vida e expressões de cria-

tividade que permitam a superação dos fatores geradores

de mal-estar e sofrimento que limitam e desquali8cam o

viver. Hoje, estamos convencidos de que a potência ou a

capacidade individual para manejar com maior autono-

mia as questões vivenciais estão vinculadas a experiências

relacionais dos primórdios da vida, quando são de8nidos

padrões pessoais do viver e do conviver.

Argutos observadores do desenvolvimento emocio-

nal primitivo, John Bowlby e Donald Winnicott, tra-

balhando no campo da pediatria, psicanálise e etologia

em meados do século passado, indicavam a importância

destas considerações na formação de padrões adaptativos

à vida, repercutindo desde cedo na liberdade de cada ser

humano para usufruir a sua própria experiência de vida.

Insistiram, então, na adoção de um conceito ampliado

de saúde que incluísse também os aspectos psicológicos.

Bowlby havia sido convidado para assessorar a Organiza-

ção Mundial de Saúde (OMS) na área de saúde mental

de crianças sem lar, em 1950, e Winnicott, trabalhara

como voluntário atendendo crianças afastadas de seus

pais e famílias durante a Segunda Grande Guerra. Essas

experiências marcantes foram incorporadas às suas obras,

sustentando valiosas teorias no campo da psicanálise, e

in�uenciando muitos outros autores, para o trabalho

com um dos temas que queremos aqui discutir, associado

à determinação social da saúde, que é o desenvolvimento

emocional primitivo e os cuidados com a primeira infân-

cia e sua relação com políticas públicas de saúde.

Com o conceito de ambiente facilitador do cresci-

mento e amadurecimento dos seres humanos, sugeriu-se

que o ambiente inicial da vida de um novo ser coincide

com o corpo-mente da mãe, incluindo sua própria

condição de existência, suas redes de sustentação, suas

fantasias e desejos, suas construções imaginárias ou

reais como ambiente de suporte para o 8lho. A ideia

da ‘mãe su8cientemente boa’ como aquela capaz de

apresentar intuitivamente ao seu 8lho aquilo que ele

necessita como provisão rumo ao seu crescimento e

amadurecimento, incluindo as possíveis falhas nesse

caminho, chama atenção para o fato de que a provisão

ofertada pela mãe biológica pode ser executada por uma

8gura substituta através de vínculo amoroso, criativo e

não-burocrático.

Para o autor, nesta fase de desenvolvimento do

lactente, o amor só pode ser efetivamente expresso em

termos de cuidado neste ambiente favorável à con-

8abilidade. A mãe su8cientemente boa é o ambiente

facilitador para a efetivação do processo maturacional

da criança pequena, provendo chances à criança de se

tornar uma pessoa real, em um mundo real, e de crescer

de acordo com seu potencial herdado. Em relação ao

amadurecimento, compreende-se como um processo

jamais 8nalizado e sempre ‘adaptativo’ do ponto de vista

evolucionário, que tem sido considerado importante

indicador de saúde que contribui decisivamente para o

desenvolvimento social:

A base para uma sociedade é a personalidade

humana total [...] não é possível que as pessoas

consigam ir mais além na construção da socie-

dade do que de seu próprio desenvolvimento

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189voltada para a primeira infância

pessoal. (Winnicott, 1989, p. 193 ).

É neste sentido que propõe uma compreensão

bastante peculiar do desenvolvimento da personalida-

de humana total, sua constituição sempre frente a um

‘outro’ com o qual estabelece vínculos sugerindo uma

con8guração em círculos que se amplia e se expande

desde o desejo e o corpo da mãe até a participação social

mais ampla.

Considerando a importância do Desenvolvimento

Emocional Primitivo na de8nição e con8guração de

padrões de saúde para a vida, um grande esforço para

atender às recomendações da Comissão Nacional de De-

terminantes Sociais da Saúde (CNDSS) e da OMS, no

sentido da produção de ações, estratégias e políticas vol-

tadas para a primeira infância, vem sendo desenvolvida

pelo Ministério da Saúde (MS), desde 2007, a ‘Estratégia

brasileirinhas e brasileirinhos saudáveis, primeiros passos

para o desenvolvimento nacional’ (EBBS).

A EBBS surgiu com a rica discussão em torno da

formulação do Programa de Aceleração do Crescimento

na Área da Saúde (PAC/Saúde, 2007) visando a apro-

fundar e integrar as reformas sanitária e psiquiátrica bra-

sileiras articulando-as a um padrão de desenvolvimento

nacional comprometido com crescimento, bem-estar e

equidade no acesso à saúde do povo brasileiro. Dessa

iniciativa, resultou o ‘Mais Saúde’, Plano de Metas do

Ministério da Saúde (Brasil, 2010) constituído em

torno de sete grandes eixos, dentre os quais, a Promoção

da Saúde. Nesta oportunidade, 8cou muito clara nossa

expectativa em revigorar o trabalho a partir da área

da saúde por um projeto civilizatório e, dentro dessa

perspectiva, produzir saúde, cidadania e democracia,

tornando-se fundamental considerar a constituição de

nossos cidadãos, desde as etapas mais precoces da vida.

Em decorrência disso, foi produzido no âmbito do

Departamento de Ações Programáticas e Estratégicas

em Saúde da Secretaria de Atenção à Saúde do MS,

com participação de todas as Secretarias do MS, o

documento-base para desenho da EBBS.

O Brasil possui 14.210.000 crianças na faixa etária

de zero a quatro anos – o que corresponde a 7,59%

da população total (Brasil, 2008). De acordo com o

Censo Escolar de 2007, apenas 17,1% das crianças de

até três anos estão matriculadas em creches, enquanto

77,6% das crianças de quatro a seis anos frequentaram

pré-escola. Portanto, mais de 80% das crianças meno-

res de três anos estão sendo educadas e cuidadas em

ambiente doméstico, pelos progenitores (em geral, a

mãe) ou por um cuidador substituto. Por essa razão,

decidimos trabalhar pela maior interação e ampliação

das ações de saúde com novas ofertas voltadas para a

Primeira Infância, em sintonia com o relatório 8nal

da CNDSS que sugere intervenções que adotem como

referência os princípios e estratégias da ‘promoção da

saúde’, estabelecidos numa série de seis Conferências

Internacionais (Ottawa, Adelaide, Sundsval, Jacarta,

México e Bancoc), entre 1986 a 2005. Destaca-se a

primeira delas, na qual foi lançada a Carta de Ottawa,

com o objetivo de contribuir para o combate e a supe-

ração de problemas geradores de iniquidades na área e

desenvolvimento saudável dos cidadãos. O documento

reconhece que paz, educação, moradia, alimentação,

renda, ecossistema estável, justiça social e equidade

são requisitos fundamentais para a saúde dos povos

identi8cando como condições-chave para promover a

saúde o estabelecimento de políticas públicas saudáveis,

a criação de ambientes favoráveis, o fortalecimento das

ações comunitárias, o desenvolvimento de habilidades

pessoais e a reorientação dos serviços de saúde.

Essa iniciativa do Ministério da Saúde vem fortale-

cer um conjunto de esforços em todo o país para articula-

ção, interação e desenvolvimento de ações voltadas para

a saúde da mulher, especialmente durante a gravidez, e

da criança de zero a seis anos, etapa da vida designada

como primeira infância, o que, no Brasil, corresponde

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Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 34, n. 85, p. 187-200, abr./jun. 2010

190voltada para a primeira infância

ao momento anterior à entrada obrigatória da criança

no ensino fundamental (Brasil, 2002).

A Portaria GM 2.395 de 7 de outubro de 2009,

veio instituir a EBBS considerando marcos legais,

contribuições institucionais e experiências nacionais e

internacionais bem-sucedidas: a Constituição Brasileira; o

Estatuto da Criança e do Adolescente; as Políticas Nacio-

nais de Atenção Integral à Saúde da Mulher, da Criança

e Aleitamento Materno, de Saúde Mental, da Atenção

Primária, o Planejamento Familiar, a Política Nacional

de Humanização, dentre outras, aprovadas no Conselho

Nacional de Saúde (CNS) e na Comissão Intergestores

Tripartite (CIT); o Compromisso Brasileiro com os Ob-

jetivos do Milênio (ODM) (especialmente o 4º, voltado

para a Redução em 2/3 da mortalidade de menores de

5 anos até 2015), o Pacto pela Vida (Portaria GM 325,

2008), o Pacto Nacional pela Redução da Mortalidade

Materna e Neonatal (PR, 2004), o Compromisso para

Acelerar a Redução das Desigualdades na Região Nordeste

e Amazônia Legal, 8rmado entre os Governos Estaduais

e Federal; Pastoral da Criança, OMS, Organização Pan-

Americana da Saúde (OPAS), Fundo das Nações Unidas

para a Infância (Unicef), Organização das Nações Unidas

para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), Or-

ganizações Não-Governamentais e Redes de Instituições

voltadas para o Cuidado com a Primeira Infância, Ex-

periências Nacionais e Internacionais exitosas e Políticas

Públicas Regionais e Nacionais de setores outros que não

a Saúde, mas neste campo e na perspectiva intersetorial.

A Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) foi designada para

a Coordenação Técnica da EBBS.

A EBBS traz como preocupação central não

apenas o desa8o de trabalhar nacionalmente pela

articulação e interação das múltiplas iniciativas nesse

campo sabidamente multissetorial, o que já torna essa

proposta bastante ousada, mas também a necessidade

de prover novas ofertas de cuidado na perspectiva de

fortalecimento dos vínculos entre os pais, suas crianças

pequenas e a rede social que os cerca, considerando

estágios precoces do desenvolvimento humano, com

intervenções sobre uma série de determinantes que

incidem sobre o chamado ‘ambiente facilitador’, tal

como o descrevemos acima.

Questão que se torna ainda mais importante, diante

da chamada transição dos cuidados na infância, fenômeno

observado em todo o mundo, relacionado com alguns

progressos no sentido da igualdade de oportunidades para

as mulheres – nos países da Organização para a Coope-

ração e Desenvolvimento Econômico (OCDE), mais de

dois terços de todas as mulheres em idade ativa trabalham

atualmente fora de casa – o que merece ser festejado, mas

que passa a representar, com as pressões econômicas cres-

centes, preocupações para milhares de mães: as pressões

laborais não re�etem novas oportunidades, mas novas

necessidades. Se o cuidado com as crianças pequenas

era um assunto predominantemente privado e familiar,

agora tornou-se, em grande medida, uma atividade que

decorre fora de casa e em que os governos e as empresas

privadas estão cada vez mais envolvidos, pois uma grande

parte delas passa seus primeiros anos de vida não nas suas

casas com as respectivas famílias, mas em algum tipo de

estrutura de cuidados à infância. E embora esse não seja

o quadro predominante da realidade brasileira, sabe-se

que um quarto das famílias em nosso país vive de um

salário feminino. Em artigo publicado no jornal O Glo-

bo, de 2 de maio 2010, Rosiska Darcy de Oliveira traz à

tona temas tangenciados e con8denciados na sociedade,

como as escolhas sobre a maternidade, as condições da

gravidez e do parto, as leis que tolhem ou propiciam

liberdades, o temor atávico da violência sexual. Todas

essas questões tornadas realidade para o corpo feminino

a�igem as mulheres, uma vez que elas sabem habitar

um corpo cujo destino é desdobrar-se em outros. Ainda

segundo a articulista, respeito e escuta é o que aspiram as

mulheres para que possam efetivamente contribuir com

reformas modernizadoras de estruturas de acolhimento

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Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 34, n. 85, p. 187-200, abr./jun. 2010

191voltada para a primeira infância

que tornem a vida familiar viável, e não o ponto cego das

relações sociais.

Nesse sentido, tem sido necessário recorrer a uma

compreensão mais cuidadosa do que são e como atuam

os determinantes sociais da saúde e como podemos pen-

sar, neste âmbito, as intervenções sobre as tendências à

integração psíquica e ao ambiente facilitador.

DETERMINAÇÃO SOCIAL E TENDÊNCIAS À

INTEGRAÇÃO PSÍQUICA NA PRODUÇÃO DE

SAÚDE: APROXIMANDO CONTRIBUIÇÕES,

ARTICULANDO AÇÕES DIFERENCIADAS

NAS PRÁTICAS DE SAÚDE

Apesar da preponderância do enfoque médico

biológico na conformação inicial da saúde pública como

campo cientí8co em detrimento dos enfoques sociopo-

líticos e ambientais, observa-se, ao longo do século 20,

uma permanente tensão entre essas diversas abordagens.

A própria história da OMS oferece interessantes exemplos

dessa tensão, observando-se períodos mais centrados em

aspectos biológicos, individuais e tecnológicos intercalados

com outros em que se destacam fatores sociais e ambientais.

A de8nição de saúde como um estado de completo bem-

estar físico, mental e social e não meramente a ausência

de doença ou enfermidade, inserida na Constituição da

OMS no momento de sua fundação, em 1948, é uma

clara expressão de uma concepção bastante ampla da saúde

para além de um enfoque centrado na doença. Observa-se

este trecho do relatório da segunda sessão da Comissão de

Especialistas em Saúde Mental da OMS:

O mais importante princípio a longo prazo

para o trabalho da OMS, na promoção da

saúde mental, em contraste com o tratamento

de distúrbios psiquiátricos, é o estímulo à in-

corporação no trabalho de saúde pública, da

responsabilidade pela promoção da saúde física

e mental da comunidade. (WHO, 1951).

Já a Conferência de Alma Ata, no 8nal dos anos

1970, e as atividades inspiradas no lema ‘Saúde para

Todos no Ano 2000’ recolocam em destaque o tema

dos determinantes sociais. No Brasil, trouxe elemen-

tos decisivos para a sustentação da Reforma Sanitária

Brasileira, num período ditatorial de nossa história

recente, em que diferentes e importantes atores, como

representantes de instituições de ensino, assistência,

órgãos de classe, partidos políticos, sociedades médicas

e de especialistas da saúde e outros representantes da

sociedade civil discutiam sua relação com o regime

democrático. ‘Democracia e Saúde’ passa a ser o tema

em debate e a discussão prosseguirá ampliando-se para

a compreensão de que ‘Democracia é Saúde’.

Nos anos 1980, o predomínio do enfoque da saúde

como um bem privado desloca novamente o pêndulo

para uma concepção centrada na assistência médica

individual, a qual, na década seguinte, com o debate

sobre as Metas do Milênio, novamente dá lugar a uma

ênfase nos determinantes sociais, que se a8rma com a

criação da Comissão sobre Determinantes Sociais da

Saúde da OMS, em 2005 (WHO, 2008).

Segundo a Comissão Nacional sobre os Determi-

nantes Sociais da Saúde do Brasil, os DSS, são aqueles

econômicos, culturais, psicológicos, comportamentais

entre outros, que in�uenciam a ocorrência e a distri-

buição na população dos problemas de saúde e seus

fatores de risco.

A CNDSS escolheu o modelo de Dahlgreen e

Whithead (CNDSS, 2008), para balizar as interven-

ções sobre os DSS e promover a equidade em saúde

contemplando os diversos níveis que devem incidir

sobre os determinantes proximais (vinculados aos com-

portamentos individuais), intermediários (relacionados

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192voltada para a primeira infância

às condições de vida e trabalho) e distais (referentes à

macroestrutura econômica, social e cultural). A escolha

deste modelo foi justi8cada por sua simplicidade, por

sua fácil compreensão para vários tipos de público e pela

clara visualização grá8ca dos diversos DSS. E serviu de

base para orientar a organização de suas atividades e os

conteúdos do seu relatório 8nal.

MODELO DE DAHLGREN E WHITEHEAD

E A IMPORTÂNCIA DO AMBIENTE

FACILITADOR NA PRODUÇÃO DA SAÚDE: A

CONTRIBUIÇÃO DE DONALD WINNICOTT

Este Modelo inclui os DSS dispostos em diferentes

camadas, segundo seu nível de abrangência, desde uma mais

próxima aos determinantes individuais até uma camada distal

na qual se situam os macro determinantes (Figura 1).

Em relação ao tema em questão, interessa particu-

larmente discutir as duas primeiras: os indivíduos estão

na base do modelo, com suas ‘características individuais

de idade, sexo e fatores genéticos’ que exercem in�uência

sobre seu potencial e suas condições de saúde; o ‘compor-

tamento e os estilos de vida individuais’ estão situados

no limiar entre os fatores individuais e os DSS, já que

os comportamentos dependem não apenas de opções

feitas pelo livre arbítrio das pessoas, mas também dos

DSS, como acesso ao trabalho, habitação, informações,

possibilidades de acesso a alimentos saudáveis e espaços

de lazer, entre outros.

A EBBS apoia-se na ideia de que a integração do

ser humano ao ambiente social em que vive é prece-

dida de múltiplas experiências do chamado ‘ambiente

facilitador’ de origem e, conforme anteriormente co-

locado, este ambiente resulta da interação de fatores

genéticos, psicológicos, sociais, econômicos e culturais.

Considerar, portanto, as repercussões destes fatores na

F 1 - Modelo de Dahlgren e Whitehead

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193voltada para a primeira infância

relação mãe-bebê ou cuidador-bebê e seus efeitos sobre

a saúde de ambos, incluindo a saúde mental, é tarefa

que nos cabe enquanto pro8ssionais e gestores da área

da Saúde, trazendo para a saúde pública o desa8o de

formulação de um modelo de determinação de saúde

que apresente muito claramente a articulação entre

seus determinantes sociais e as tendências à integração

psíquica do sujeito.

Assim, a EBBS, ao eleger o Ambiente Emocional

Facilitador como um dos pilares de sustentação das

ações que propõe para os cuidados com a primeira

infância, sugere que se busque a explicitação do

componente psicológico dentro dos modelos que

já o consideravam na determinação da saúde sem,

entretanto, aprofundá-lo. Outra possibilidade, de

adotar para esta compreensão ampliada a proposta de

Winnicott, que sugere uma con8guração em círculos

que se ampliam e se expandem desde o desejo e o

corpo da mãe, o ambiente facilitador, à participação

social mais ampla (Figura 2).

Para exempli8car, no caso do Modelo de Dahlgren e

Whitehead (CNDSS, 2008), pode-se destacar a camada

situada no limiar entre os fatores individuais e os DSS, já

que os comportamentos dependem não apenas de opções

feitas pelo livre arbítrio das pessoas, como também de

DSS, para que mais claramente possamos perceber que,

embora os autores nos alertem para a questão fundamental

de como os comportamentos dos indivíduos se expressam

na relação com a sociedade, não explicitam que há um

momento, não tão curto assim em termos de tempos de

vida e impactos na produção de saúde, em que ‘ainda não

existe um indivíduo’ capaz de optar e manejar seu livre

arbítrio. O motivo, diria Winnicott (1983, p. 40) é que

“há um momento do desenvolvimento humano em que

não se pode falar em um bebê, a não ser que a ele esteja

vinculada sua mãe ou 8gura que a substitua!”

Essa peculiaridade experimentada pelos seres

humanos, no que diz respeito à sua constituição como

sujeito, desde estudos recentes que demonstram a

importância das experiências intraútero, das vivências

da gravidez da mulher e suas consequências na saúde

física e mental do bebê até a constatação nos primór-

dios da vida de que há uma dependência absoluta do

lactente em relação a um ‘outro’ para existir, leva-nos

a reconhecer que existem etapas do desenvolvimento

deste novo ser, nas quais ele não existe por si só. Isso

quer dizer que, na etapa de dependência completa, que

se associa aos primeiros meses de vida, não há como

F 2 - O papel da saúde mental na construção da cidadania

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194voltada para a primeira infância

falar do bebê sem associá-lo à sua mãe ou a quem

cuida dele. Para Mahler, Pine e Bergman (1977), o

nascimento biológico do homem e o nascimento

psicológico do indivíduo não coincidem no tempo.

O primeiro é um evento bem delimitado, dramático

e observável; o último, um processo intrapsíquico de

lento desdobrar:

O processo de separação/individuação normal

começa em torno do quarto, quinto mês e vai

até o trigésimo, trigésimo sexto [...] caminhan-

do de um período simbiótico até a aquisição

pela criança de um funcionamento autônomo

na presença da mãe e da prontidão em termos

de desenvolvimento para a funcionamento

psíquico independente, gerador de prazer.

(p. 15).

Essa citação nos ajuda a sustentar o porquê de

consideração tão destacada para esta etapa da vida, a

caminho da individuação para o desenvolvimento saudá-

vel: o �orescimento da capacidade para andar e afastar-se

mantendo certo controle sobre ir e vir, desenvolvimento

da linguagem, utilização do pronome ‘eu’, reconhecer e

nomear o outro, diferenciação e identidade de gênero,

dentre outros de igual magnitude na constituição do

ser humano.

A aproximação entre as constatações anteriores

e a observação de que os modelos de determinação

da saúde estudados pela CNDSS tendem a considerar

seus determinantes a partir de um ‘indivíduo e suas

inter-relações – o que signi8ca, como vimos, um longo

caminho já percorrido em termos de crescimento e

desenvolvimento pessoal – nos alerta para a existência

de um ‘tempo-espaço epidemiológico’ relacionado à

etapa da dependência completa e relativa de um ser

humano em relação a outro, que pode se constituir como

ambiente facilitador ao crescimento. Este, resguardado

num período da vida chamado primeira infância, não

encontra correspondência, em termos de suas peculia-

ridades e necessidades de cuidados e intervenções, nos

modelos teóricos de determinação social da saúde. No

discurso de abertura do XVIII Congresso Mundial de

Epidemiologia e do VII Congresso Brasileiro de Epi-

demiologia, que trouxe como tema “A epidemiologia

na construção da saúde para todos: métodos para um

mundo em transformação”, o Ministro da Saúde do

Brasil faz a seguinte a8rmação:

No campo da promoção da saúde o desa!o

para os epidemiologistas é o de produzir co-

nhecimentos para a compreensão dos atuais

determinantes da saúde: o entendimento de

que múltiplos aspectos materiais e imateriais

con!guram o espaço/ território investigado,

engendrando praticamente todas as dimensões

da existência humana, demandam novos

discursos e abordagens que alcancem aprofun-

dar a perspectiva multi ou transdisciplinar,

incorporando dimensões não comumente

utilizadas nos estudos epidemiológicos. Estas

transformações que trouxeram novos ele-

mentos para se pensar a relação entre espaço,

tempo, saúde e doença, são fundamentais

para melhor compreensão da proposição de

determinantes da saúde e estabelecer como

estes se expressam no adoecer e morrer [...].

(Temporão, 2008, p. 10).

Essa abordagem nos levou à sugestão da constitui-

ção da saúde atrelada à constituição dos sujeitos em seu

crescimento rumo à cidadania, ou seja, uma con8gu-

ração em que se pode de fato incluir o ambiente facili-

tador ao pensar o processo saúde-doença, expandindo

sua compreensão para além dos resultados expressados

na maneira pela qual em uma determinada sociedade e

Page 27: TEMPORAO_PENELLO

Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 34, n. 85, p. 187-200, abr./jun. 2010

195voltada para a primeira infância

um dado contexto histórico, se organizam a produção

e o trabalho.

As descobertas das neurociências vieram con8rmar

as constatações dos autores que trabalharam com base

na psicologia e na psicanálise o desenvolvimento emo-

cional primitivo, reiterando a importância da inclusão

da promoção da saúde mental quando se trata de saúde

pública. Para Damásio (2004):

Elucidar a neurobiologia dos sentimentos e das

emoções que os percebem altera a nossa visão

do problema mente-corpo, um problema cujo

debate é central para a compreensão daquilo

que somos. A emoção e as várias reações com

ela relacionadas estão alinhadas com o corpo,

enquanto os sentimentos, estão alinhados com

a mente. (p. 15).

Porém, o mais interessante desta contribuição à

nossa proposição se dá quando ele questiona o valor

prático desta nova perspectiva. Diz ele:

O êxito ou o fracasso da humanidade depende

em grande parte do modo como o público e

as instituições que governam a vida pública

puderem incorporar essa nova perspectiva da

natureza humana em princípios, métodos e

leis capazes de reduzir o sofrimento humano

e engrandecer o seu 6orescimento. (Damasio,

2004, p.16).

Mais ainda nos coloca aspectos éticos de grande

relevância, discutidos no curso “As interfaces das clínicas

da primeira infância”, organizado pela Comissão de

Saúde Primária da Associação Brasileira de Neuropsi-

quiatria Infantil (Abenepi, 2009), pois a individuação

em processo supõe um sujeito por vir e, mesmo onde

aparentemente não existe sujeito, como na criança que

ainda não fala, nos casos de autismo, na criança intimi-

dada, deve-se supor uma subjetividade à espera de ser

interrogada. Assim, a escuta da pequena criança e seus

cuidadores é uma questão ética que sustenta o direito

da criança de constituir-se como sujeito, especialmente

se esta construção estiver enfrentando impasses. E esta

constatação só ocorrerá se pais ou cuidadores atentos,

incluindo pro8ssionais de saúde, estiverem presentes e

implicados, capturados por um interesse especial nesta

criança, opondo-se sempre à ideia de que o corpo do

bebê seja tomado e lido como um puro organismo, pois

não há humano sem vida psíquica. E essa presença cons-

tante e experiente junto ao bebê possibilita o suporte à

construção de seu aparelho psíquico, permitindo que o

cérebro ofereça sua plasticidade neural à inscrição dos

processos simbólicos. Diz-se, assim, que os pais são os

primeiros e imprescindíveis mestres do cérebro.

O desenho de qualquer modelo deve expressar,

portanto, esta compreensão fundadora em termos de

determinação de vida e saúde. Conforme podemos

observar na Figura 2, sugere-se uma con8guração em

que a mãe, vinculada ao seu bebê, representa com seu

corpo e sua mente o ambiente inicial da vida do 8lho, o

primeiro território vivencial; e se ela mesma, como indi-

víduo, encontra-se exposta a toda série de determinações

sociais, como mostram os diferentes modelos, ela passa a

representar o ambiente total a ser considerado, cuidado

e protegido – por um dado espaço de tempo e objeto de

eleição de ações promotoras de saúde. Aqui, podemos

oportunamente agregar a proposição de Milton Santos

sobre as noções de “espaço e território” onde se produz

saúde ou doença: o espaço é aquilo que resulta da relação

entre a materialidade das coisas e a vida que as animam e

transformam. A con8guração territorial é uma produção

histórica resultante dessas relações. As ações provêm das

necessidades humanas: materiais, espirituais, econômicas,

sociais, culturais, morais, afetivas. Sistemas de objetos e

de ações interligam-se. A dimensão da comunicação no

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meio ‘técnico-cientí8co-informacional’ produz-se tam-

bém através da circulação de palavras, imagens, rumores,

afetos. Os elementos simbólicos contribuem de modo

signi8cativo para a con8guração territorial e, certamente,

para o processo do adoecer individual e coletivo. Isto nos

leva a pensar que o processo saúde-doença seja equacio-

nado em seus determinantes sociais.

Entretanto, tratando-se de uma contribuição de

Winnicott à compreensão da relação entre a determinação

social e o desenvolvimento emocional primitivo do bebê,

por meio da conformação deste ambiente facilitador ao

crescimento saudável, torna-se fundamental registrar que

o autor não utiliza o conceito ‘determinação’ como uma

imposição da natureza que independe do concurso de

outros fatores para sua concretização. Plastino (2009) fala

em tendências ou linhas de força que a natureza imprime

ao homem, favorecendo o movimento espontâneo da vida,

a autopoiese, a autocriação subjetiva e a criação. Não se

tratando de determinações, as tendências requerem acon-

tecimentos históricos para virem a ser, ou se atualizarem.

Neste contexto de um ambiente favorável, o infante hu-

mano atinge a integração, personalização e realização, de

forma absolutamente criativa e original. Assim, somente

cada sujeito sabe dizer das vicissitudes de seu sentimento de

existir, de ser real ou da ausência deles, todos fundamentais

em sua vida, demarcando a diferença entre saúde e doen-

ça. Também a ideia de ‘modelo’, como algo terminado e

reproduzível, não se adéqua ao pensamento de Winnicott.

Para exempli8car, basta recuperar sua participação e com-

partilhamento na produção dos famosos ‘rabiscos’ que

expressavam tão intensamente a emergência de conteúdos

psíquicos de seus pacientes na atualização de questões de

sua história. Então, mais à vontade poderíamos falar em

con8guração e arranjo de tendências que possibilitam a

integração psíquica e seu papel na produção de saúde como

uma construção plasticamente e estruturalmente mutável

mediante interação, integração e realização destas mesmas

tendências num dado ambiente.

Recentemente, descobriu-se como um lar estável,

qualquer que seja sua conformação em termos de 8guras

parentais, não apenas capacita as crianças a encontrarem

a si mesmas e aos outros, mas também faz com que elas

comecem a se quali8car como membros da sociedade

num sentido mais amplo. Isso se deve ao desenvolvimen-

to da capacidade de identi8cação com estes mesmos pais

e, em seguida, com agrupamentos cada vez maiores, e

começa quando a mãe ‘entra em acordo’ com seu bebê.

O pai, aqui, é o agente protetor que liberta a mãe para

que ela se dedique ao bebê.

A ressaltar, a lembrança de que estas são funções

que podem ser, a partir de um dado momento, desem-

penhadas ou não pela mãe ou pai biológicos, incluindo

outros familiares, vizinhos, babás ou educadoras de

creches e pré-escola capazes de prover continuidade no

cuidado. E a continuidade do cuidado representa, se-

gundo Bowlby (2002) e Winnicott, característica central

do conceito de ambiente facilitador:

é unicamente pela provisão ambiental (presença

da mãe ou ausência dela por tempo que não se

prolongue para além da capacidade do bebê em

manter viva sua imagem) que o bebê em estado de

dependência pode ter uma continuidade em sua

linha de vida. (Winnicott, 1989, p. 48).

Falhas nesse aporte, em termos de características

essenciais da vida familiar e sentidas pela criança como

privação, estão na gênese da tendência e do comporta-

mento antissocial (Winnicott, 1987).

REPERCUSSÕES NAS PRÁTICAS

Com esta compreensão, as estratégias de atenção

à saúde da mulher só estarão completas se passarem a

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incluir ações que considerem as vicissitudes de manejo

das questões vivenciadas na gravidez, no pós-parto e

estendendo-se pelo menos até o 8nal do primeiro ano de

vida do bebê, quando é fundamental cuidar de proteger

este “ambiente facilitador” para uma vida saudável e um

desenvolvimento pleno. Da mesma forma, as estratégias

e políticas voltadas para a saúde materno-infantil devem

aperceber-se da importância das ações nos primórdios

da vida, que não só venham trazer a sua garantia, mas

também quali8cá-la. Destacadamente, apontamos para

a importância da detecção precoce da depressão materna

como evento sentinela, ou seja, aquele su8cientemente

estudado e comprovado como provocador de determina-

das patologias, que precisa ser registrado e acompanhado

em sua remissão e evolução. Mitos como a ‘maternidade

ideal’ e o ‘instinto materno’ precisam também de aco-

lhimento e escuta para sua necessária desconstrução. A

Estratégia de Saúde da Família e as ações, programas e

políticas de suporte ao trabalho e renda, assim como o es-

tímulo à produção de redes sociais, o vínculo fortalecido

com equipamentos sociais como as creches e as escolas

voltadas para a criança até seis anos junto a seus fami-

liares e os dispositivos culturais guardam possibilidades

imensas de abrigar trabalhos efetivos sobre o ambiente

facilitador e os determinantes sociais da saúde.

Para a construção da metodologia da EBBS e de

um Plano de Metas para sua implantação, utilizamos

todos os dispositivos ofertados pela Política Nacional

de Humanização do SUS (PNH), exemplar no que diz

respeito à ideia do que é uma política pública de natureza

transversal. Mais ainda, esta política inicia a proposição

ousada de buscar o humano que se revela no espaço da

micropolítica de atenção dentro de e constituindo o

nosso SUS, que até então só parecia poder apresentar,

mesmo que orgulhosamente, sua macroestrutura. Desde

os anos 1990, com a proposta da reforma da reforma

(Campos, 2006), explicitava-se esta necessidade de

aprimorar a Reforma Sanitária Brasileira, incluindo

este aspecto do trabalho intenso a ser realizado sobre a

potência dos vínculos entre os principais atores do SUS

para a produção de saúde.

Além disso, buscou-se conhecer por revisão biblio-

grá8ca e visitas in loco as estratégias já implantadas ou

em processo de implantação em nosso país consideradas

também exemplares nesta perspectiva. Tomamos, assim,

como marcos referenciais o Programa Primeira Infância

Melhor (PIM) do Estado do Rio Grande do Sul, o Mãe

Coruja Pernambucana, o Mãe Curitibana (ver sites rela-

cionados), a Experiência de Sobral (CE) (Silva, 2007) e

outros, que fazemos questão de citar pelo pioneirismo,

ousadia e trabalho árduo para efetivação de propostas

desta magnitude.

CONCLUSÕES

Sabemos como problemas complexos nos colocam

em condição de ação sempre aquém das necessidades e

sempre aproximativa do ponto de vista da e8cácia, exi-

gindo ciência, ação racional e, ao mesmo tempo, criação,

arte, razão estética. Nesse sentido, duas questões surgi-

ram de imediato, nos desa8ando para a construção da

Estratégia: como efetivar a articulação e transversalização

entre as diversas ações pretendidas? Como assegurar a

inclusão de novos desa8os na agenda, como a promoção

de saúde inovando na inclusão de intervenções sobre o

ambiente facilitador?

A resposta a este desa8o de prover ações em defesa

do ambiente facilitador ao crescimento, desenvolvi-

mento e amadurecimento da criança vinculada à seu

cuidador no período da primeira infância nos convoca

à disponibilização de novos enfoques que enriqueçam as

políticas públicas já instituídas voltadas principalmente

para as mulheres e crianças, mas também para os ho-

mens, para a saúde mental, com contribuições da PNH,

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do trabalho de construção de Redes e, principalmente,

da Atenção Básica, lócus privilegiado da maioria das

ações através da Estratégia de Saúde da Família exitosa

em nosso país. A possibilidade de oferta de novas com-

preensões e novos aportes procedentes de áreas a8ns,

assim como a formação e a capacitação dos pro8ssio-

nais de saúde, cuidadores e gestores nesta nova lógica

e aportes 8nanceiros para essa iniciativa ampliada com

novos esforços intersetoriais, certamente, ocupa todas

as linhas e entrelinhas deste artigo, e está relacionado

a um ponto relevante do debate político da reforma

do setor saúde: o enfrentamento da desigualdade e da

iniquidade. Sabemos que não se constrói um projeto

político nesta área que assegure de forma sustentável e

permanente o acesso universal aos bens e serviços e que

garanta os direitos do cidadão sem a decisão política de

assegurar os recursos necessários para o 8nanciamento

do sistema de saúde que possibilite investimentos na

infraestrutura, na aplicação de novas tecnologias, na

manutenção de quadros de pro8ssionais de qualidade e

no fomento ao desenvolvimento cientí8co e tecnológico.

Para alcançar este objetivo, é preciso que a saúde seja

pensada e priorizada nos planos de desenvolvimento

como componente estratégico e não como um agente

secundário. Tal posição recoloca as bases sobre as quais

os determinantes de saúde devem ser equacionados. A

desigualdade social, quando manifestada no campo da

saúde é, portanto, a expressão mais perversa do modelo

de desenvolvimento e não será plenamente solucionada

sem que outras variáveis sejam de fato equacionadas.

Uma re�exão bastante interessante que envolve a

luta de toda a sociedade pela redução das iniquidades

pode ser tomada do artigo inédito “Ambiente facilitador

e a Determinação Social da Saúde”, de Penello (2009).

Examinando do ponto de vista psicanalítico a relação

entre democracia e liberdade, a autora busca sua asso-

ciação ao ambiente facilitador para o desenvolvimento

do indivíduo em e para a sociedade em que vive, assim

como a sua repercussão/determinação sobre a própria

saúde e dos demais. Utiliza como suporte a esta re�exão

a seguinte proposição:

A democracia é uma aquisição de uma dada

sociedade, que num certo momento conta com

maturidade su!ciente no desenvolvimento emo-

cional de uma proporção de indivíduos que a

compõem, a ponto de existir uma tendência em

direção à criação, à recriação e a manutenção

da máquina democrática. (Winnicott, 1989,

p. 192).

Sobre democracia, parece possível encontrar um

conteúdo latente importante quando é usado o termo: a

relação de uma sociedade democrática com a maturidade

de seus membros saudáveis. Se partirmos da observação

psiquiátrica individual, maduro é o indivíduo normal,

saudável, que age de acordo com sua idade cronológica

e seu contexto social, com um grau apropriado de de-

senvolvimento emocional.

Algumas categorias básicas da máquina democrá-

tica são o voto livre e secreto não só para que as pessoas

escolham lógica e ilogicamente, mas também para que se

livrem e removam seus líderes. E essa escolha permitirá

mais ou menos celeremente a caminhada do projeto/

processo civilizatório de uma dada cultura. Essa capa-

cidade de in�uência de cada um sobre o todo, e deste

sobre todos e cada um, é característica importante do

desenvolvimento de uma sociedade, estando relacionada

à possibilidade de amadurecimento da personalidade

individual ao longo da vida e dependente de todos

os equipamentos que esta mesma sociedade coloca à

disposição de seus cidadãos para este 8m. Em seu livro

Desenvolvimento como Liberdade, Amartya Sen (2000)

enfatiza a importância de eliminar todas as privações de

liberdade que limitam as escolhas e as oportunidades das

pessoas para exercerem sua condição de cidadão.

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Portanto, se democracia é maturidade, matu-

ridade é saúde, e se saúde é desejável, então vamos

trabalhar para sua promoção, reconhecendo que um

de seus fatores essenciais repousa no homem comum,

na mulher comum e no lar comum dos brasileiros

– devendo esse fator ser seriamente considerado no

desenho de políticas públicas para a área.

A questão de saber se as crianças de hoje vão

ganhar ou perder com as mudanças em curso no

ambiente de cuidado na primeira infância não de-

penderá exclusivamente, como sabemos, da área da

saúde (Unicef, 2008). Iniciativas como a criação da

licença parental estendida com aceitação e compre-

ensão da sua importância pela maioria da sociedade,

a disponibilidade, acessibilidade e qualidade dos

serviços ofertados nas áreas da educação e assistência

social, diante da realidade de cada país, com as cores

do município onde acontece o dia a dia das pessoas,

o trabalho de consciência sanitária a ser realizado

em diferentes mídias, a continuidade de programas

de erradicação da miséria e da fome como o Bolsa

Família, entre outros, deverão necessariamente se

articular a todas as ações de saúde nesta perspectiva.

E, então, a formação de pessoal e sua capacitação

ganha destaque para que possa trabalhar devida-

mente motivado, bem remunerado e respeitado pela

comunidade. As provas provenientes dos países da

OCDE até agora sugerem que não há atalhos ou

opções de baixo custo que não comprometam o

futuro das crianças (Bennet, 2008). Na ausência de

políticas específicas e bem financiadas destinadas a

proporcionar serviços de qualidade às crianças vul-

neráveis, é provável que a transição para os cuidados

fora de casa contribua para alimentar a espiral das

desigualdades. E se quisermos evitar que esta pos-

sibilidade se torne realidade, os governos federal,

estadual e municipal deverão construir políticas

transversais especialmente voltadas para o cuidado

com a primeira infância. É com esta compreensão e

responsabilidade que trabalhamos na perspectiva do

setor saúde pelo crescimento da Estratégia Brasilei-

rinhas e Brasileirinhos Saudáveis – primeiros passos

para o desenvolvimento nacional.

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