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CCDD Centro de Criação e Desenvolvimento Dialógico 1 Tema Produção textual: fundamentos teórico-metodológicos Projeto Pós-graduação Curso Alfabetização e Letramento Disciplina Leitura e produção de textos Tema Produção textual: fundamentos teórico-metodológicos Professor Marilia Marques Mira Introdução O objetivo deste tema é aprofundar as reflexões sobre a produção textual, detalhando algumas questões relacionadas aos seus fundamentos teórico-metodológicos. Para tanto, serão exploradas as questões relacionadas à concepção de texto e à textualidade, à tipologia textual e aos gêneros textuais. Serão analisadas as modalidades oral e escrita e as capacidades que devem ser trabalhadas com as crianças para que se tornem produtoras de textos, a partir da concepção sociointeracionista de língua. Antes de iniciarmos, assista ao vídeo no material on-line, no qual a professora Marilia mostrará os tópicos que serão estudados nesta aula. Problematização Sua colega é professora do 2º ano do ensino fundamental e solicitou uma redação (texto livre) sobre o tema “Frango”. E como resultado, recebeu o seguinte texto: TEXTO LIVRE SOBRE O FRANGO O FRANGO É MUITO BONITO MAS COME MINHOCAS E MILHO E PASTO

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Tema – Produção textual: fundamentos teórico-metodológicos

Projeto Pós-graduação

Curso Alfabetização e Letramento

Disciplina Leitura e produção de textos

Tema Produção textual: fundamentos teórico-metodológicos

Professor Marilia Marques Mira

Introdução

O objetivo deste tema é aprofundar as reflexões sobre a produção

textual, detalhando algumas questões relacionadas aos seus fundamentos

teórico-metodológicos. Para tanto, serão exploradas as questões relacionadas

à concepção de texto e à textualidade, à tipologia textual e aos gêneros

textuais.

Serão analisadas as modalidades oral e escrita e as capacidades que

devem ser trabalhadas com as crianças para que se tornem produtoras de

textos, a partir da concepção sociointeracionista de língua.

Antes de iniciarmos, assista ao vídeo no material on-line, no qual a

professora Marilia mostrará os tópicos que serão estudados nesta aula.

Problematização

Sua colega é professora do 2º ano do ensino fundamental e solicitou

uma redação (texto livre) sobre o tema “Frango”. E como resultado, recebeu o

seguinte texto:

TEXTO LIVRE SOBRE O FRANGO

O FRANGO É MUITO BONITO

MAS COME MINHOCAS E MILHO E PASTO

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E OS FRANGOS COMEM

E SE TORNAM GORDOS

E MUITO BONITOS

E TAMBÉM PÕEM OVOS BRANQUINHOS

E TAMBÉM O FRANGO SE COME

E MUITO SABOROSO

QUE BOM COM MOLHO

E PÕE NELE TOMATE E COMINHOS

CRAVOS E ALHO

E É MUITO BOM

E O COMEM OS RICOS

E TAMBÉM OS FRITAM

E TAMBÉM TOMAM ÁGUA

E ASSIM SE FAZ O TEXTO LIVRE SOBRE O FRANGO.

(Fonte: http://revistaescola.abril.com.br/lingua-

ortuguesa/fundamentos/m-466781.shtml)

Ela solicita a sua ajuda, pois não sabe como avaliar esse texto e os

outros que foram produzidos de forma semelhante pelas crianças.

Qual é a melhor decisão a tomar diante dessa situação?

Não responda agora. Vamos voltar ao conteúdo teórico do nosso tema

e, ao final, retomaremos a nossa história e apresentaremos as possibilidades

de solução para o problema.

Produção textual: fundamentos teórico-metodológicos

No nosso dia a dia, dependendo da nossa profissão, do nosso contexto

e de algumas necessidades específicas, nos envolvemos em diferentes

situações de escrita ou produção textual.

Podemos explicitar algumas dessas situações cotidianas: organizar uma

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lista de compras para o supermercado ou uma lista de convidados para uma

festa de aniversário; digitar e-mails com diferentes finalidades (para amigos,

colegas de trabalho, familiares); registro periódico dos compromissos em uma

agenda; um bilhete para algum familiar; convites para eventos diversos;

registro de uma receita que elaboramos ou que foi transmitida por algum canal

de televisão; escrita de textos diversos, com distintos objetivos, em redes

sociais, entre outros.

Conforme a profissão que exercemos, essa lista se amplia e diversifica:

relatórios, ofícios, cartas, notícias, reportagens, contos, charges, histórias em

quadrinhos, propagandas, etc.

Uma rápida leitura dessa pequena listagem nos permite observar que,

cotidianamente, escrevemos diferentes textos, com finalidades diversas, para

destinatários específicos, conforme a situação ou a necessidade. A questão é:

E na escola? É diferente escrever na escola e fora dela? Se

escrevemos para agir e interagir na sociedade, de que forma isso está

presente na sala de aula, nos diferentes níveis de escolaridade?

Bem, talvez na escola seja um pouco diferente, não é mesmo? Leia um

trecho de uma narrativa literária que retrata uma situação de escrita em sala de

aula:

http://vod.grupouninter.com.br/2014/AGO/27098.mp4

Será que, atualmente, já superamos esse tipo de encaminhamento nas

nossas práticas de ensino?

Alguns autores (CURTO et al., 2000; LERNER, 2002) têm evidenciado

que as situações de ensino da linguagem escrita realizadas na escola são

diferentes das situações no cotidiano. Essa “diferença” pode estar relacionada

a alguns fatores. Dos quais, poderíamos destacar as dificuldades da escola (e

de seus profissionais) em (re)apresentar em sala de aula a linguagem que se

usa socialmente.

A escola acaba trabalhando com uma linguagem tipicamente escolar,

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artificial e distante da língua que usamos no cotidiano, “elaborada” com o fim

único de “facilitar” o ensino da leitura e da escrita, especialmente nos anos

iniciais.

Por que essa dificuldade persiste?

Essencialmente, isso se deve à forma de se conceber a língua (o texto,

a leitura, a produção textual, a criança e seu processo de aprendizagem, etc.)

e, em decorrência, de encaminhar o trabalho em sala de aula.

Voltando à nossa questão inicial:

De que forma o ensino da produção textual está presente na

escola?

Em muitos casos, como o descrito na nossa narrativa literária, os

estudantes escrevem unicamente para o professor, interlocutor exclusivo dos

textos produzidos. E um interlocutor que lê (ou ouve) esses textos apenas para

corrigi-los e avaliá-los. Esse ainda é um grande desafio, como foi descrito por

Lerner:

[…] O desafio é conseguir que as crianças manejem com eficácia os diferentes escritos que circulam na sociedade, e cuja utilização é necessária ou enriquecedora para a vida (pessoal, profissional, acadêmica), em vez de se tornarem especialistas nesse gênero exclusivamente escolar que se denomina “composição” ou “redação”. O desafio é conseguir que a escrita deixe de ser na escola somente um objeto de avaliação, para se constituir realmente num objeto de ensino; é tornar possível que todos os alunos se apropriem da escrita e a ponham em prática, sabendo – por experiência, não por transmissão verbal – que é um longo e complexo processo constituído por operações recorrentes de planejamento, textualização e revisão. (LERNER, 2002, p. 28)

Considerando a língua como um conjunto de práticas sociais e cognitivas

historicamente situadas - desenvolvidas em contextos comunicativos

específicos -, falar e escrever “não é apenas comunicar algo, e sim produzir

sentidos, identidades, imagens, experiências e assim por diante.”

(MARCUSCHI, 2008, p. 61-2)

Para que os estudantes apliquem isso, devemos auxiliá-los no

desenvolvimento de um conjunto de capacidades e saberes que não são

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aprendidos nem rápida, nem espontaneamente. É necessário um trabalho

intencional e planejado.

É fundamental, portanto, que você aprofunde seus estudos sobre as

questões relacionadas ao entendimento da função social e histórica da língua

e pesquise mais sobre algumas definições ligadas a essa concepção.

Para Marcuschi (2008, p. 71-78), a comunicação linguística não se efetiva

por meio de unidades isoladas (como fonemas, morfemas ou palavras soltas),

mas em unidades maiores, os textos. Os textos, então, podem ser concebidos

como unidades de sentido, sejam elas textos orais ou escritos. O sentido,

para o autor, “é um efeito do funcionamento da língua quando os falantes estão

situados em contextos sócio-históricos e produzem textos em condições

específicas”.

Vamos detalhar um pouco mais essa questão no vídeo do material on-line.

De acordo com Marcuschi (2008, p. 88-91), “o texto é a unidade máxima

de funcionamento da língua.” Isso não está relacionado à extensão: podemos

ter um texto de uma palavra só ou de centenas de páginas, como uma tese ou

uma enciclopédia. Para o autor, o que faz um texto são a discursividade, a

inteligibilidade e a articulação que ele põe em andamento.

Mas, então, como sabemos se um conjunto de enunciados forma

ou não um texto?

A resposta a essa questão nos leva a retomar a citação de Beaugrande:

“Um texto não existe, como texto, a menos que alguém o processe como

tal.” A partir dessa posição, é importante destacar os três aspectos da

textualidade (MARCUSCHI, 2008, p. 89):

Um texto não é um artefato, um produto, mas é um evento (uma

espécie de acontecimento) e sua existência depende de que alguém o

processe em algum contexto. É um fato discursivo [...], dá-se na

atividade enunciativa.

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Um texto não se define por propriedades imanentes necessárias e

suficientes, mas por situar-se em um contexto sociointerativo e por

satisfazer um conjunto de condições que conduz cognitivamente à

produção de sentidos.

A sequência de elementos linguísticos será um texto na medida em que

consiga oferecer acesso interpretativo a um indivíduo que tenha uma

experiência sociocomunicativa relevante para a compreensão.

Podemos dizer que para ser considerado um texto, o trecho implica em

certas condições: além do autor, que produziu esse texto em um determinado

contexto, precisa de leitores/interlocutores.

Esses leitores, para entenderem o sentido do texto, precisam de alguns

conhecimentos prévios sobre o contexto em que o texto foi produzido (aspectos

histórico-sociais). Não basta apenas o conhecimento da língua portuguesa, de

suas regras, das características do gênero (aspectos linguísticos). Essas são

condições necessárias, mas não são suficientes para a busca do sentido, para

a compreensão.

Como modelo de texto, note a charge do link a seguir. Depois, clique no

botão Ver Mais e reflita sobre esse exemplo.

http://maryvillano.blogspot.com.br/2009/04/violencia-na-escola.html

É provável que leitores que desconhecem o problema da violência nas

escolas em (aspectos cognitivos) tenham certa dificuldade de entender a

mensagem, se isso não for explicitado antes da leitura.

Nessa perspectiva, no exemplo explicitado, não se nega que a charge

apresentada seja um texto, mas não funciona como texto para o leitor que não

souber “operar” com ele.

Operar com textos é conseguir processar seu sentido cognitiva e

discursivamente, o que implica em, além de dominar o sistema

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linguístico, inserir-se na cultura em que ele foi produzido.

“Os textos são construídos, sempre, na perspectiva da enunciação”

(MARCUSCHI, 2008, p. 77).

O que isso significa?

Significa entender que a relação do(s) autor(es) do texto com seus

leitores e com a situação discursiva é um dos aspectos centrais do processo de

interlocução.

Enquanto autor, não é possível pensar em escrever um texto sem ter

claro para quem escrevo (quem são meus interlocutores), com que finalidade e

em que contexto1. É preciso lembrar que o contexto de produção do autor e

das circunstâncias da escrita pode ser absolutamente diferente do contexto de

uso do interlocutor ou leitor e, portanto, relativo às circunstâncias da leitura.

A atividade de produção de textos não é, portanto, uma atividade

unilateral, envolve decisões conjuntas (como num jogo), e é isso que a

caracteriza como uma atividade sociointerativa.

Outra questão importante sobre a textualidade, refere-se ao fato de que

ela depende muito mais dessa condição de processamento cognitivo e

discursivo do texto do que da correção sintática e ortográfica da língua.

Observe, no link a seguir alguns exemplos, que comprovam essa afirmação:

http://educacao.uol.com.br/album/2013/09/14/erros-em-placas.htm#fotoNav=5.

Apesar dos erros, nenhuma das placas apresenta dificuldade de

compreensão do seu sentido, e atingem a finalidade comunicativa a que se

propõem. Isso não significa que estejamos defendendo a produção textual com

erros ortográficos ou sintáticos; apenas destacamos que para ser considerada

um texto, na perspectiva defendida, essa não é a condição principal.

1 Conjunto de todas as propriedades da situação social que são sistematicamente

relevantes para a produção, compreensão ou funcionamento do discurso e de suas estruturas” (Dijk, 1997, apud KOCH; ELIAS, 2006, p. 73)

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Marcuschi (2008, p. 96) apresenta um esquema com os critérios gerais

da textualidade, que sintetiza nossa reflexão. Conheça-os no vídeo do

material on-line.

Além da concepção de texto e dos critérios de textualidade, outra

questão necessária para nosso estudo diz respeito às diferenças entre tipos e

gêneros textuais.

Então, clique nos ícones a seguir para entender o que caracteriza essas

definições:

Os tipos textuais, para Marcuschi (2008), não têm existência empírica.

Designam uma construção teórica definida pela natureza linguística de sua

composição, ou seja, dizem respeito à organização estrutural do discurso.

Abrangem as seguintes categorias (limitadas): narração, argumentação,

exposição, descrição, injunção.

Os gêneros textuais são os textos que encontramos em nossa vida

diária e que apresentam determinados padrões sociocomunicativos, definidos

pela composição funcional, objetivos enunciativos e estilos.

Diferentemente dos tipos textuais, que são limitados, os gêneros

constituem listagens abertas (ilimitadas). São expressos em diversas

denominações: notícia jornalística, receita culinária, charge, conto, bula de

remédio, piada, conferência, telefonema, lista de compras, horóscopo, etc.

Essa pequena listagem evidencia que os gêneros são dinâmicos, de

complexidade variável e de difícil classificação.

Conforme Marcuschi (2008, p. 154), “toda manifestação verbal se dá

sempre por meio de textos realizados em algum gênero.”

Uma questão importante, abordada por Marcuschi (2008, p. 154), é que

não há uma dicotomia entre gênero e tipo, pois eles se complementam, são

coexistentes. Todos os textos realizam um gênero e todos os gêneros realizam

sequencias tipológicas diversificadas. O que isso significa? Veja dois

exemplos, no vídeo do material on-line.

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Para Schneuwly (2004, p. 19-25), os gêneros podem ser considerados

como instrumentos que contribuem para o desenvolvimento de determinadas

capacidades.

No caso dos gêneros textuais, são instrumentos que contribuem para o

desenvolvimento das capacidades discursivas, ou seja, que permitem ao

indivíduo agir eficazmente em dada situação comunicativa.

Há visivelmente um sujeito, o locutor-enunciador, que age

discursivamente (falar/escrever) em uma situação definida por uma série de

parâmetros e com a ajuda de um instrumento que aqui é um gênero. O gênero

é um instrumento semiótico complexo, isto é, uma forma de linguagem

prescritiva, que permite, a um só tempo, a produção e a compreensão de

textos (SCHNEUWLY, 2004, p.23-24)

Podemos dizer que os gêneros textuais são as formas nas quais os

textos se organizam. Eles possuem características específicas, relacionadas

aos conteúdos, à composição interna e às suas marcas linguísticas.

Os textos são a materialidade linguística de um discurso, sejam textos

falados ou textos impressos.

Existe uma grande diversidade de gêneros existentes, e isso põe em

questão a dificuldade e a complexidade de se pensar em uma progressão no

processo de ensino, com base no trabalho com cada unidade denominada

“gênero”.

Na nossa cultura, temos vários gêneros, que circulam em diferentes

esferas: acadêmica (teses, artigos, dissertações), científica (relatórios, artigos

científicos), jornalística (notícias, reportagens, classificados) escolar (boletim,

relatórios descritivos, pareceres), literária (contos de fada, crônicas, poemas).

Para cada gênero citado, podemos ter uma infinidade de textos

elaborados. Por exemplo, os contos: A Gata Borralheira, A Bela e a Fera,

Pinóquio, A Bela Adormecida, Os Três Porquinhos... Cada um desses contos é

um texto, mas todos se organizam em um gênero específico. (BRASIL, 2009, p.

25-6)

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Assim, Schneuwly & Dolz (2004, p. 49-52) propõem um agrupamento de

gêneros com base nas capacidades de linguagem dominantes relacionadas às

tipologias textuais existentes:

Narrar

Domínio social de comunicação: Cultura literária ficcional.

Exemplos de gêneros orais e escritos: Contos de fada, romance, lendas,

fábulas, crônica literária, narrativa (de aventura, de ficção, de enigma...),

adivinhas, piadas, novela fantástica, romance histórico etc.

Argumentar

Domínio social de comunicação: Discussão de problemas sociais

controversos.

Exemplos de gêneros orais e escritos: Cartas do leitor, cartas de solicitação

ou reclamação, debates regrados, artigos de opinião, editoriais, resenha crítica,

assembleia, ensaio etc.

Relatar ou Descrever

Domínio social de comunicação: Documentação e memorização de ações

humanas.

Exemplos de gêneros orais e escritos: Diários de bordo, diário pessoal,

depoimentos, reportagens, relatos históricos, relatos de viagem, relatos de

experiência vivida, autobiografia, notícias, casos etc.

Expor

Domínio social de comunicação: Transmissão e construção de saberes.

Exemplos de gêneros orais e escritos: Exposição oral, entrevistas, artigos

científicos, seminários, conferências, artigos e verbetes de enciclopédias,

palestras, relatórios científicos, resenhas, tomada de notas etc.

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Informar (textos injuntivos)

Domínio social de comunicação: Instruções e prescrições.

Exemplos de gêneros orais e escritos: Instrução de uso ou de montagem,

bulas de remédio, receitas, regras de jogo, regulamentos, textos prescritivos,

comandos diversos etc.

A partir dessa classificação, podemos pensar na organização e

planejamento do trabalho com a linguagem ao longo da escolaridade.

Organizar os gêneros textuais em tipos tem o objetivo de

desenvolver/construir com os estudantes, ao longo da escolaridade, as

capacidades necessárias para dominar os gêneros. Assim, a proposta é de que

cada agrupamento seja trabalhado em todos os níveis de escolaridade, por

meio de um ou outro dos gêneros que o constituem. (SCHNEUWLY E DOLLS,

2004, p. 52-3)

Obviamente, a escolha de quais gêneros trabalhar em cada etapa de

escolarização está vinculada à critérios como adequação à faixa etária, nível de

complexidade, entre outros.

Estamos partindo do pressuposto de que nosso objetivo, enquanto

professores, é ensinar nossos alunos a produzir textos de forma competente.

Não queremos apenas ensinar a copiar ou a reproduzir modelos de forma

mecânica. Queremos formar crianças que saibam utilizar a escrita com

eficácia, produzindo textos adequados aos seus interlocutores, às finalidades e

ao contexto de circulação.

Precisamos ensinar, também, a produzir textos orais, o que é diferente

de simplesmente “falar”, o que a criança já sabe quando chega à escola. De

acordo com os Parâmetros Curriculares Nacionais de Língua Portuguesa

(BRASIL, 1997):

[…] Um escritor competente é aquele que, ao produzir um discurso, conhecendo possibilidades que estão postas culturalmente, sabe selecionar o gênero no qual seu discurso se realizará escolhendo aquele que for apropriado a seus objetivos e à circunstância enunciativa em questão. [...] (BRASIL, 1997)

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Para desenvolver a produção de textos orais e escritos, há uma série de

capacidades2 que devem ser desenvolvidas (BRASIL, 2008, p. 15):

Em relação a produção de textos escritos tem que ser desenvolvidas

duas capacidades (BRASIL, 2008, p. 47):

Compreender e valorizar o uso da escrita com diferentes funções, em

diferentes gêneros.

Produzir textos escritos de gêneros diversos, adequados aos objetivos,

ao destinatário e ao contexto de circulação.

- Dispor, ordenar e organizar o próprio texto de acordo com as

convenções gráficas apropriadas;

- Escrever segundo o princípio alfabético e as regras ortográficas;

- Planejar a escrita do texto considerando o tema central e seus

desdobramentos;

- Organizar os próprios textos segundo padrões de composição

usuais na sociedade;

- Usar a variedade linguística apropriada à situação de produção e

de circulação, fazendo escolhas adequadas quanto ao

vocabulário e à gramática;

- Usar recursos expressivos (estilísticos e literários) adequados ao

gênero e aos objetivos do texto;

- Revisar e reelaborar a própria escrita, segundo critérios

adequados aos objetivos, ao destinatário e ao contexto de

circulação previstos.

2 De acordo com o Guia do Pró-letramento (BRASIL, 2008, p. 15), a escolha pelo uso

do termo “capacidades” deve-se ao fato de se tratar de um termo amplo que envolve desde os desempenhos mais simples das crianças até os mais elaborados (como o ato de ler e de escrever). Esse termo abrange: modos de fazer algo, processos mentais ou comportamentos. Ver referência do material em Conteúdo Complementar.

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E, em relação à produção de textos orais, é necessário (BRASIL, 2008,

p. 47):

Agora, assista ao vídeo no link a seguir, ele destaca a importância do

trabalho com os gêneros textuais em sala de aula.

https://www.youtube.com/watch?v=nGAfO44WJcs

No caso do desenvolvimento da oralidade (que estamos trabalhando

como produção de textos orais), é importante destacar que o objetivo do

trabalho é levar os alunos de uma oralidade espontânea a uma expressão oral

gestada, ou seja, pensada e planejada intencionalmente pelos sujeitos em

interlocução. (SCHNEUWLY E DOLZ, 2004).

Nas duas modalidades, produção oral e escrita, a base do trabalho são

os textos, materializados nos diversos gêneros textuais existentes, explorados

por meio de atividades de leitura e produção.

Segundo Rojo (2004):

[...] os letramentos ou as práticas letradas se configuram como o domínio, por parte do falante ou escriba, dos gêneros, em geral – mas não unicamente – formais e públicos, que envolvem, de uma ou de outra maneira, a modalidade escrita da linguagem para a sua produção ou compreensão. Assim, cozinhar seguindo uma receita escrita, mandar uma carta a um parente, escolher produtos no mercado baseando-se nos rótulos, ler uma reportagem numa revista ou um conto num livro, dar uma aula que se baseia em escritos, fazer uma palestra, um relatório, um artigo, ler notícias no jornal impresso ou vê-las na TV são práticas letradas que envolvem gêneros específicos que se configuram em textos específicos.

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Explorar, de forma planejada, a diversidade textual é fundamental para

que a criança se aproprie dos conhecimentos necessários, tendo o professor

como mediador desse processo.

As capacidades a serem trabalhadas não se esgotam nos primeiros

anos do ensino fundamental, mas é essencial destacar que algumas devem ser

consolidadas nesse período, não podendo ser proteladas para etapas

posteriores de escolaridade.

De acordo com o Guia do Pró-letramento (BRASIL, 2008, p. 14), “o

aprendizado e a progressão de cada criança, entretanto, dependerão do

processo por ela desenvolvido, do patamar em que ela se encontra e das

possibilidades que o ambiente escolar lhe propiciar, em direção a avanços e

expansões.”

Confira algumas das definições estudadas nesta aula, clicando no link a

seguir.

http://www.nre.seed.pr.gov.br/assischateaubriand/arquivos/File/CELEM/

Definicoes(1).pdf

Revendo a problematização

Então, já sabe como vai ajudar a sua amiga professora?

Caso queira ver o problema novamente antes de responder, assista ao

vídeo do material on-line. Caso contrário, escolha uma das alternativas.

1. Você diria a sua colega que o texto produzido está muito bom para uma

criança do 2º ano, pois apresenta poucos erros ortográficos e

gramaticais. A criança cumpriu a proposta solicitada.

2. Para você, o texto é resultante do encaminhamento dado pela professora

nas atividades de leitura e produção. Se o texto é livre, toda produção

que a criança realizar deve ser aceita pela professora. Você explica a sua

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colega que seria necessário outro tipo de trabalho, fundamentado em

outra concepção de língua e de texto, para ter como resultado outras

produções textuais. E, se propõe a ajudá-la nesse processo.

3. Você auxilia a sua colega a indicar as correções que devem ser feitas

para aperfeiçoar o texto da criança - como evitar as repetições de

palavras, a troca por um título mais criativo, a ausência de pontuação,

entre outras. Acredita que a revisão do texto é fundamental para

melhorar as produções dos estudantes.

Para consultar o feedback de cada uma das alternativas, acesse o

material on-line.

Síntese

Neste tema, entendemos que ensinar a língua escrita às crianças

pressupõe um trabalho de interação entre o professor e os estudantes. Toma-

se a língua como objeto de conhecimento, explorando-a em toda sua riqueza e

significado, sendo que a qualidade das intervenções pedagógicas constitui o

eixo que sustenta esse trabalho.

Para encerrarmos essa aula, acompanhe o vídeo de síntese no material

on-line.

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Referências

BRASIL. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros Curriculares Nacionais: Língua Portuguesa. SEF/MEC: Brasília, 1997. ______. Língua Portuguesa: orientações para o professor, Saeb/Prova Brasil. 4ª. Série/5º. Ano, ensino fundamental. Brasília: INEP, 2009. CURTO, L. M.; MORILLO, M. M.; TEIXIDÓ, M. M. Escrever e Ler: como as crianças aprendem e como o professor pode ensiná-las a escrever e a ler. Vol. 1. Porto Alegre: Artmed, 2000. KOCH, I. V.; ELIAS, V. M. Ler e Compreender: os sentidos do texto. 2ª. ed. São Paulo: Contexto, 2006. LERNER, D. Ler e Escrever na Escola: o real, o possível e o necessário. Porto Alegre: Artmed, 2002. MARCUSCHI, L. A. Produção Textual, Análise de Gêneros e Compreensão. São Paulo: Parábola Editorial, 2008. ROJO, R. Letramento e Diversidade Textual. Boletim 2004, Alfabetização, Leitura e Escrita, Programa 5. Disponível em: <www.tvebrasil.com.br/salto> Acesso em 20 jun. 2013. SCHNEUWLY, B.; DOLZ, J. Gêneros Orais e Escritos na Escola. Campinas, SP: Mercado de Letras, 2004. ZABOT, G. M. L.; MIRA, M. M.; HAMANN, E. K. R. Educação de jovens e adultos: seguindo em frente. Manual do alfabetizador. Curitiba: Base Didáticos, 2007.

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Atividades

1. Sobre a escrita de textos na escola e fora dela, assinale a alternativa

correta:

a. Escrevemos textos diversos fora da escola, mas no processo de

alfabetização, precisamos iniciar com textos curtos e de organização

simples, para facilitar o aprendizado da escrita para as crianças.

b. A escrita que usamos na sociedade também está presente na sala

de aula, pois todos os professores assumem uma concepção

sociointeracionista de linguagem.

c. A distância que ainda existe, em alguns casos, entre a linguagem

cotidiana e a linguagem que se usa na escola, deve-se à forma de

conceber a língua, o texto, o processo de aprendizado das crianças,

entre outros aspectos.

d. As redações produzidas pelos estudantes adequam-se às diferentes

finalidades, destinatários e contextos de circulação, sendo um gênero

tipicamente escolar.

2. Considerando os estudos realizados sobre a produção textual, assinale a

alternativa em desacordo com a afirmação: “a escrita deve deixar de ser

um objeto de avaliação para se constituir um objeto de ensino”:

a. A escrita deve ser ensinada, na alfabetização, a partir de textos

simples e curtos, de forma progressiva, sendo que cabe ao professor

corrigir todos os erros que as crianças cometem, desde o início de

seu processo de aprendizagem da escrita.

b. O processo de aprendizagem da produção textual pelas crianças se

dá de forma gradual e progressiva, a partir de operações de

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planejamento, textualização e revisão textual, sendo que o professor

atua como mediador desse processo.

c. Os erros/equívocos de escrita das crianças, no início da

alfabetização, são considerados como parte do processo de

aprendizagem, e fornecem ao professor indicadores importantes para

a avaliação diagnóstica e para o planejamento do trabalho em sala

de aula.

d. As atividades de leitura e produção de texto pelas crianças, desde o

início do processo de alfabetização, devem ser desenvolvidas na

perspectiva da língua tomada como objeto de conhecimento,

considerando-se as diferentes funções sociais da leitura e da escrita.

3. As afirmativas abaixo se referem à concepção de texto como unidade de

sentido da língua. Leia-as com atenção:

I. Para ter sentido, o texto precisa apresentar características como

inteligibilidade e discursividade.

II. Um texto é considerado um evento, não um produto, e sua existência

depende da condição/possibilidade de ser compreendido por seu(s)

interlocutor(es).

III. A ausência de erros ortográficos ou gramaticais é condição necessária

para que um texto possa ser concebido como tal.

IV. Para que os leitores consigam compreender o sentido de um texto, além

de dominar o sistema linguístico, devem conseguir compreendê-lo

congnitiva e discursivamente.

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Estão corretas as alternativas:

a. I, II e IV.

b. II, III e IV

c. I, II e III.

d. I e III.

4. As alternativas abaixo se referem às tipologias e gêneros textuais.

Assinale a alternativa incorreta.

a. Os tipos textuais são construções teóricas relacionadas à

organização estrutural do discurso e abrangem as categorias:

narração, descrição, injunção, argumentação e exposição.

b. Os gêneros constituem listagens abertas, dinâmicas, de difícil

classificação, porém apresentam determinados padrões

sociocomunicativos.

c. Gêneros e tipos textuais são coexistentes: todos os textos realizam

um gênero e todos os gêneros realizam sequencias tipológicas

diversificadas.

d. Os tipos textuais podem ser considerados instrumentos empíricos

que contribuem para o desenvolvimento das capacidades

discursivas, permitindo ao indivíduo agir de forma eficaz nas diversas

situações comunicativas.

CCDD – Centro de Criação e Desenvolvimento Dialógico

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5. As colunas abaixo explicitam os aspectos tipológicos predominantes e

os exemplos de gêneros orais e escritos relacionados a esses aspectos.

1. Narração ( ) Bulas de remédio, receitas, regras de jogo,

instruções de uso.

2. Injunção ( ) Carta ao leitor, debates regrados, artigos de

opinião, resenha, assembleia.

3. Argumentação ( ) Artigos científicos, seminários, conferências,

relatórios científicos, entrevistas.

4. Exposição ( ) Contos de fada, adivinhas, piadas, lendas,

fábulas, crônicas.

5. Descrição ou relato ( ) Diário pessoal, casos, notícias, depoimentos,

autobiografias, relatos de viagem.

Relacione as duas colunas e, conforme a sequência da resposta,

assinale a alternativa correta:

a. 1, 4, 3, 5, 2.

b. 2, 3, 4, 1, 5.

c. 5, 2, 4, 1, 3.

d. 2, 4, 3, 1, 5.

Para consultar o gabarito das questões, acesse o material on-line.