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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP LEONILDA ADELINO ANTÓNIO SANVECA MUATIACALE TELEVISÃO E POLÍTICA Análise das estratégias discursivas da propaganda eleitoral de 2009 em Moçambique DOUTORADO EM COMUNICAÇÃO E SEMIÓTICA São Paulo 2013

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Page 1: TELEVISÃO E POLÍTICA Análise das estratégias discursivas ... Adelino Ant… · discurso de Ernesto Laclau e também na metodologia sustentada por Afonso Albuquerque que examina

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP

LEONILDA ADELINO ANTÓNIO SANVECA MUATIACALE

TELEVISÃO E POLÍTICA

Análise das estratégias discursivas da propaganda eleitoral de 2009 em Moçambique

DOUTORADO EM COMUNICAÇÃO E SEMIÓTICA

São Paulo 2013

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

PUC-SP

LEONILDA ADELINO ANTÓNIO SANVECA MUATIACALE

TELEVISÃO E POLÍTICA

Análise das estratégias discursivas da propaganda eleitoral de 2009 em Moçambique

Tese apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como requisito parcial para a obtenção do título de DOUTOR em Comunicação e Semiótica sob orientação do Professor Dr. José Luiz Aidar Prado, na Área de Concentração-Signo e Significação nas Mídias e Linha de Pesquisa - Análise das Mídias.

São Paulo 2013

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Banca examinadora

___________________________________________

___________________________________________

____________________________________________

___________________________________________

___________________________________________

São Paulo, _______de_____________________de 2013.

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Dedicatória

Aos meus pais, Adelino Sanveca (in memoriam)

e Maria de São José António,

meus eternos educadores.

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Epígrafe O discurso político é, por excelência, o lugar de um jogo de máscaras. Toda palavra pronunciada no campo político deve ser tomada ao mesmo tempo pelo que ela diz e não diz. Jamais deve ser tomada ao pé da letra, numa transparência ingênua, mas como resultado de uma estratégia cujo enunciador nem sempre é soberano.

(Patrick Charaudeau)

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Agradecimentos

Este trabalho é fruto de uma trajetória acadêmica que contou com o apoio incondicional de muita gente, que direta e indiretamente contribuiu para a minha formação. A todos endereço os meus sinceros agradecimentos.

A CAPES pela bolsa de estudos que garantiu a realização desta pesquisa sem sobressaltos.

A minha mãe e aos meus irmãos por terem compreendido as razões da minha ausência.

À dona Marlene e suas filhas: Marisa, Marcira, Márcia, Isabel e Dani, pela acolhida carinhosa, pois desde o mestrado se tornaram minha família neste país.

Ao Professor Doutor José Luiz Aidar Prado, meu orientador desde o mestrado, pela sua paciência, dedicação e disponibilidade em abrir-me os horizontes da pesquisa científica.

A Coordenação, aos professores, aos funcionários e aos colegas do Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Semiótica pelo apoio acadêmico.

Aos Professores Doutores Laurindo Leal Filho e Vera Chaia, pelas contribuições que deram a esta pesquisa no Exame de Qualificação.

Ao Professor Doutor Rogério Uthui, Reitor, da Universidade Pedagógica de Moçambique (UP), que me concedeu autorização para estudar e pelo incentivo que tem dado aos jovens funcionários da universidade, oferecendo-os oportunidade para crescerem profissionalmente.

Ao Raúl Chambote, pela colaboração incondicional, em todos os momentos da minha ausência em Maputo.

Aos colegas do Gabinete de Comunicação e Imagem, da UP, pela colaboração na solução de meus pedidos diversos, mesmo à distância.

Ao Sr. Emídio, funcionário do Conselho Superior de Comunicação Social de Moçambique, que me facilitou as cópias dos vídeos da propaganda obrigatória que constituíram o corpus da pesquisa.

A Silvania Dal Bosco, pela amizade e por termos percorrido juntas as trilhas da pesquisa em busca do conhecimento que transforma a mente humana.

Aos amigos conterrâneos: Bernardete, Remane, Ana, Fernando e Chambal, pelos momentos de convívio, de partilha de experiências e pelo sonho comum de contribuirmos com a produção científica em Moçambique.

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Resumo

A pesquisa analisa as estratégias discursivas dos programas do Horário Gratuito da Propaganda Eleitoral (HGPE) na campanha para as eleições presidenciais de 2009, em Moçambique. O corpus constitui-se das emissões que foram exibidas pela Televisão de Moçambique (TVM) entre os dias 13 de setembro e 27 de outubro de 2009, período de campanha política obrigatória determinado pela legislação eleitoral. Mais especificamente, ele recobre um recorte das gravações das apresentações feitas ali pelos três candidatos envolvidos na disputa: Armando Guebuza, da Frente de Libertação de Moçambique (Frelimo), Afonso Dhlakama, da Resistência Nacional de Moçambique (Renamo) e Daviz Simango, do Movimento Democrático de Moçambique (MDM). Os referenciais teóricos mobilizados foram os estudos de Ernesto Laclau & Chantal Mouffe e Norman Fairclough, que giram em torno das relações entre discurso e poder; e as reflexões de Patrick Charaudeau que disseca sobre os contratos comunicacionais firmados entre os interlocutores do discurso político. O estudo baseou-se no método de análise do discurso de Ernesto Laclau e também na metodologia sustentada por Afonso Albuquerque que examina as técnicas de adaptação do discurso político à gramática da mídia em três segmentos de campanha, metacampanha e auxiliares. A análise valeu-se também do modelo desenvolvido por Marcus Figueiredo (2000) para a compreensão dos formatos de produção dos programas, a construção da imagem pública política dos concorrentes, além de conhecer a dimensão passional de seus discursos. Os resultados do estudo apontaram para a existência de semelhanças e diferenças na forma de apresentação das plataformas de governo e a coincidência na identificação de alguns temas referentes às políticas públicas. Na propaganda dos candidatos da oposição, Dhlakama e Daviz aparecem como oradores dominantes do discurso político, enquanto no programa do candidato governista, Armando Guebuza, esse papel foi assumido por um narrador em voz off e por um número enorme de militantes seniores do seu partido.

Palavras-chave: Televisão, Propaganda Eleitoral Obrigatória, Análise do Discurso, Moçambique.

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Abstract

The research analyzes free time political propaganda discursive strategies in Mozambican 2009's presidential elections. Its corpus is made up of the emissions displayed by the Mozambican State Television (TVM). This was between September 13th and October 27th 2009, during compulsory political campaign determined by electoral law. More specifically, it covers a clipping of recordings with presentations made by the three candidates involved in the dispute, namely Armando Guebuza, from Mozambique's Liberation Front (Frelimo), Afonso Dhlakama, from Mozambique's National Resistance (Renamo) and Daviz Simango, from Mozambique's Democratic Movement (MDM). Studies from Ernesto Laclau & Chantal Mouffe as well as Norman Fairclough who tackles the relationship between discourse and power; and reflections from Patrick Charaudeau dissecting on communicative agreement among political speakers discourse were mobilized as theoretical reference. The study was based on Ernesto Laclau's method of discourse analysis. It also uses Afonso Albuquerque whose supported methodology examines the adaptation techniques of political discourse to grammar media in three segments: campaign, metacampaign and auxiliaries. The analysis was also drown on the model developed by Marcus Figueiredo for understanding output formats of the programs, the construction of political public image of competitors, as well as to ascertain the extent of their passionate speeches. The study results showed the existence either, of similarities or differences in the governmental platform presentation form matching and identifying with some issues of public policy. In the opposition's candidates propaganda, Dhlakama and Daviz appear as speakers of the dominant political discourse, while in the program of governmental candidate, Armando Guebuza, this role was played by a voiceover narrator and a huge number of senior militants of his party. Keywords: Television, Compulsory Election Advertising, Discourse Analysis,

Mozambique.

 

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Resumen

La investigación analiza las estrategias discursivas de la programación del Tiempo Libre de la Campaña Electoral (HGPE) en la campaña para las elecciones presidenciales del 2009, en Mozambique. El corpus constituyese de las emisiones que fueron exhibidas por la Televisión de Mozambique (TVM) entre los días 13 del Septiembre y 27 del Octubre del 2009, periodo de campaña política obligatoria determinado por la ley electoral. Más específicamente, se cubre un recorte de las grabaciones de las presentaciones realizadas allí por los tres candidatos envueltos en el pleito: Armando Guebuza, de la Frente de Liberación de Mozambique (Frelimo), Afonso Dhlakama, de la Resistencia Nacional de Mozambique (Renamo) y Daviz Simango, del Movimiento Democrático de Mozambique (MDM). Los marcos teóricos movilizados fueron los estudios de Ernesto Laclau & Chantal Mouffe y Norman Fairclough, que giran en torno de las relaciones entre el discurso y el poder; y las reflexiones de Patrick Charaudeau que disección sobre los contratos comunicacionales firmados entre los interlocutores del discurso político. El estudio se basó en el método de análisis del discurso de Ernesto Laclau y la metodología con el apoyo de Afonso Albuquerque que hace el examen de las técnicas de adaptación del discurso político a la gramática de los medios de comunicación en tres segmentos: de la campaña, metacampaña y auxiliares. El análisis también se basó en el modelo desarrollado por Marcus Figueiredo para entender los formatos de producción de salida los programas, la construcción de la imagen pública política de los contendientes políticos, además de conocer el tamaño y pasión de sus discursos. Los resultados del estudio indican la existencia de similitudes y diferencias en la forma de apresentación de las plataformas del gobierno y la coincidencia en la identificación de algunas cuestiones de las políticas públicas. En la propaganda de los concurrentes de la oposición, Dhlakama y Daviz aparecen como oradores dominantes del discurso político, mientras que en el programa del candidato del gobierno, Armando Guebuza, este papel fue asumido por un narrador en voz off y un gran número de militantes de alto rango de su partido. Palabras-claves: Televisión, Publicidad Electoral Obligatorio, Análisis del

Discurso, Mozambique.

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LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS

AGP Acordo Geral de Paz

ANC Congresso Nacional Africano

CC Conselho Constitucional

CIP Centro de Integridade Pública

CNE Conselho Nacional de Eleições

CSCS Conselho Superior de Comunicação Social

FRELIMO Frente de Libertação de Moçambique

HGPE Horário Gratuito da Propaganda Eleitoral

IESE Instituto de Estudos Sociais e Econômicos

MDM Movimento Democrático de Moçambique

MISA Media Institute of Southern Africa

NESAM Núcleo de Estudantes Secundários Africanos de Moçambique

OE Observatório Eleitoral

ONU Organização das Nações Unidas

PCN Partido da Convenção Nacional

PNUD Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento

PIDE Polícia Secreta da Administração Colonial Portuguesa

RM Rádio Moçambique

RENAMO Resistência Nacional de Moçambique

RNM Resistência Nacional de Moçambique

RTP Rádio Televisão Portuguesa

SADC Comunidade para o Desenvolvimento da África Austral

STV Soico Televisão

STAE Secretariado de Administração Eleitoral

SNJ Sindicato Nacional de Jornalistas

TA Tempo de Antena

TIM Televisão Independente de Moçambique

TVM Televisão de Moçambique

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LISTA DE TABELAS E GRÁFICOS

 

Tabela 1: Tipo e ano de eleição...........................................................................35

Tabela 2: Número de assentos na AR adquiridos em cada ano de eleição........40

Tabela 3: Resultados oficiais das presidenciais de 2009.....................................43

Tabela 4: Resultados oficiais das legislativas de 2009........................................44

Tabela 5: Congressos do Partido Frelimo..........................................................149

Tabela 6: Propostas de governo dos candidatos...............................................193

Gráfico 1: Número de artigos tendo os candidatos como protagonistas.............54

Gráfico 2: Número de peças e tempo dedicado a cada partido..........................55

Mapa 1: Mapa de Moçambique.........................................................................238

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO...........................................................................................................14 1. Delimitação da Temática e Justificativa.................................................................17 2. Corpus da Pesquisa e Justificativa........................................................................18 3. Metodologia da Pesquisa, Procedimentos de Análise e Justificativa....................19 CAPÍTULO 1 Contextualização do panorama político e dos processos eleitorais..................25 1.1. Breve historial da propaganda política em Moçambique.....................................25 1.2. Órgãos de administração eleitoral e quadro jurídico eleitoral.............................33 1.3. O cenário das disputas eleitorais de 2009 e os principais atores políticos.........41 1.4. As relações entre televisão e eleições e as novas formas de fazer política.......45 1.5. O Horário Gratuito da Propaganda Eleitoral de Televisão..................................49 CAPÍTULO 2 Bases conceituais e fundamentação teórica da pesquisa..................................61 2.1. O conceito de discurso e suas interconexões...................................................61 2.2. Articulação discursiva e construção de pontos nodais.....................................66 2.3. Relação entre discurso, ideologia e hegemonia...............................................68 2.4. Das palavras de ordem à construção de significantes vazios no discurso político...........................................................................................72

2.4.1. Unidade nacional como significante vazio...........................................76 2.4.2. Democracia como significante vazio...................................................83 2.4.3. Desenvolvimento como significante vazio...........................................89 2.4.4. A lógica da diferença e da equivalência na construção do discurso...........................................................................................95

CAPÍTULO 3 Contratos comunicacionais e jogo enunciativo dos programas eleitorais do horário gratuito...............................................................................................100 3.1. A construção dos contratos de comunicação no discurso político.................100 3.2. Regimes de visibilidade e construção da imagem pública no cenário

da disputa.........................................................................................................117 3.3. Lugar de fala dos principais atores políticos e seus aliados na

campanha eleitoral.............................................................................................126

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CAPÍTULO 4 Análise comparativa dos Programas Eleitorais do Horário Gratuito dos candidatos à Presidência da República e seus Partidos............................144

4.1. Segmentos de Campanha..............................................................................144

4.1.1. Breve perfil de Armando Emílio Guebuza e do Partido Frelimo...................146

4.1.2. Propostas de governo do candidato Armando Guebuza e da Frelimo........150

4.1.3. Breve perfil de Afonso Dhlakama e do Partido Renamo..............................155

4.1.4. Propostas de governo do candidato Afonso Dhlakama e da Renamo........ 157

4.1.5. Breve perfil de Daviz Simango e do MDM....................................................160

4.1.6. Propostas de governo do candidato Daviz Simango e do MDM..................162

4.1.7. Formato e configuração dos programas eleitorais do horário gratuito.........168

4.1.8. Construção e projeção da imagem pública do candidato Armando Guebuza........................................................................................172 4.1.9. Construção e projeção da imagem pública do candidato Afonso Dhlakama..........................................................................................178 4.1.10. Construção e projeção da imagem pública do candidato Daviz Simango.............................................................................................182 4.1.11. Ataques e desqualificações aos adversários..............................................186

4.1.12. Síntese das propostas de governo dos candidatos e seus partidos...........191 4.2. Segmentos de metacampanha.......................................................................193

4.2.1. A pesquisa de opinião e tendências de voto.................................................194

4.2.2. Informações sobre a agenda dos candidatos e cobertura da campanha.......197

4.2.3. Depoimentos de apoio dos aliados e personagens da campanha.................199

4.3. Segmentos auxiliares e outros dispositivos comerciais.............................202

4.3.1. As vinhetas.....................................................................................................202

4.3.2. Os jingles........................................................................................................204

4.3.3. Os clipes.........................................................................................................206

4.3.4. Os slogans.....................................................................................................209

4.3.5. O emblema.....................................................................................................211

5. CONCLUSÕES....................................................................................................214

6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS...................................................................224

7. ANEXOS.............................................................................................................233 

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Introdução

Esta pesquisa tem como objetivo fundamental analisar as estratégias

discursivas da campanha política do Horário Gratuito da Propaganda Eleitoral

(HGPE), mais conhecido como Tempo de Antena (TA), transmitido na Televisão de

Moçambique (TVM), emissora pública, nas eleições gerais de 2009. A análise teve

como foco principal os programas dos três candidatos à presidente da república e

respectivos partidos políticos: Armando Emílio Guebuza, Afonso Macacho Marceta

Dhlakama e Deviz Mbepo Simango e, Frente de Libertação de Moçambique

(Frelimo), Resistência Nacional de Moçambique (Renamo) e Movimento

Democrático de Moçambique (MDM), que foram veiculados no período de 13 de

setembro a 27 de outubro1.

O HGPE é um espaço determinado pela legislação eleitoral, que concede

oportunidade aos partidos políticos de se fazerem conhecer aos

telespectadores/eleitores e apresentarem as suas propostas políticas.

A opção em pesquisar sobre a propaganda eleitoral de televisão se deve

pelo interesse em compreender as transformações que estão decorrendo tanto no

cenário político-eleitoral quanto midiático e a partir da análise da realidade local,

contribuir para o início de estudos sistematizados sobre as mudanças no fazer

político contemporâneo em Moçambique.

É fundamental desvendar o tipo de estratégias discursivas que propõem

identificações da ordem sensível, estéticas e estésicas mobilizadas pelos atores

políticos para obter a hegemonia no campo discursivo e assumir o lugar de

protagonistas no contexto da democracia multipartidária que é marcado por

contradições de ordem política e administrativa, como veremos no

desenvolvimento deste trabalho.

Sobre a relevância da escolha das eleições de 2009 como objeto de

pesquisa, compartilhamos os mesmos questionamentos levantados por outros

pesquisadores moçambicanos, particularmente os argumentos de Luís de Brito

                                                            

1  Nesta pesquisa adotamos a grafia FRELIMO e RENAMO, para significar movimento e Frelimo e Renamo, como partidos políticos.  

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(2009)2 de que o processo eleitoral de 2009 merece atenção por várias razões:

porque decorreu em um ambiente particularmente polêmico devido a decisões

controversas tomadas pela Comissão Nacional de Eleições (CNE)3; porque, como

tinha acontecido nas eleições de 2004, mais de metade dos eleitores se absteve

do voto; porque a administração eleitoral continua a demonstrar uma postura

parcial, favorecendo ao partido no poder e, por fim, porque o processo eleitoral de

2009 estabeleceu a hegemonia total da Frelimo na cena política moçambicana,

confirmando, ao mesmo tempo, o enfraquecimento da Renamo pela perda

significativa do número de assentos na Assembléia da República e o surgimento

de uma terceira força, o Movimento Democrático de Moçambique (MDM).

Por um lado, interessa-nos conhecer o papel desempenhado pela mídia no

processo eleitoral e a forma como os políticos se apropriam dos meios de

comunicação de massa, em particular, em nosso caso, da televisão, como espaço

de disputa pelo poder através da exposição de seus ideais políticos e de temas de

maior relevância para o eleitorado.

Em Moçambique, pouco se tem escrito sobre a relação entre Comunicação

e Política na perspectiva da comunicação porque esta enquanto área científica

ainda está a se constituir, e os cursos de comunicação estão na fase inicial, por

isso, os estudos sobre a interface comunicação e política ainda são incipientes.

Desde as primeiras eleições gerais de 1994 ao fim de cada processo eleitoral têm

sido divulgados relatórios produzidos pelos organismos internacionais de

observadores e também por algumas instituições da sociedade civil moçambicana

como o Media Institute of Southern Africa (MISA), uma organização não

governamental que trabalha para o desenvolvimento do setor de comunicação na

região austral de África; o Instituto de Estudos Sociais e Econômicos (IESE); o

Centro de Integridade Pública (CIP) e o Observatório Eleitoral moçambicano (OE).

Muitas vezes esses relatórios têm apontado e denunciado irregularidades como

                                                            

2 Luís de Brito (2009:1) In Caderno Ideias. Informação sobre Desenvolvimento, Instituições e Análise Social. Uma análise preliminar das eleições de 2009, Maputo, 03 de novembro de 2009. 3 A Comissão Nacional das Eleições (CNE), pouco antes do início da campanha eleitoral, chumbou parcial ou totalmente listas de alguns candidatos, alegando não terem reunido todas as condições exigidas pela lei eleitoral. Isso fez com que alguns partidos não disputassem em certos círculos eleitorais, e alguns candidatos à presidente da república viram seus desejos augurados. Esses acontecimentos foram polêmicos e suscitaram muito debate no espaço público.

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fraudes e viciação dos resultados em favor do partido e candidatos do governo que

desde a independência do país assumem o poder.

Duas obras são referência na análise dos processos eleitorais

moçambicanos sob a ótica das ciências sociais. Trata-se dos livros: Eleitorado

incapturável, de Carlos Serra e Voto e Urna de costas voltadas: abstenção eleitoral

2004, de Brazão Mazula, lançados em 2006. Os estudos são resultado do início

das pesquisas sobre a temática eleição, pois reuniram artigos de diferentes

pesquisadores que buscaram compreender as dinâmicas dos processos eleitorais

em Moçambique e na região da África Austral.

Mesmo com falta de material específico sobre esta temática nos propomos

analisar o cenário moçambicano com base nas experiências do Brasil, por

existirem estudos e autores bem qualificados que discutem sobre a inter-relação

entre comunicação e política com foco na propaganda política eleitoral.

Concordamos com a ideia de que a análise de um processo eleitoral só se

completa quando é entendido como um processo de comunicação política de duas

vias, em que dois atores-candidatos e eleitores estabelecem um pacto

fundamentado em uma troca de intenções. De um lado estão os eleitores que

querem ver atendidos os seus desejos, interesses e demandas e de outro lado os

políticos querem ser eleitos para exercer o poder (FIGUEIREDO, 2000:149). Por

isso, os atores políticos investem pesado em estratégias de marketing na produção

da campanha eleitoral como forma de assegurar a obtenção de resultados

satisfatórios, isto é, ganhar o pleito e exercer o poder.

Para este estudo, partimos da premissa de que os programas eleitorais do

horário gratuito da televisão pública oferecem alguns referenciais sobre os

candidatos e suas propostas, que contribuem para a formação da opinião pública

política capaz de auxiliar os telespectadores/eleitores na reflexão sobre a sua

decisão de voto, embora o horário em que o mesmo é transmitido, ou seja, o

horário nobre, não seja ideal e estratégico, uma vez que concorre de forma desleal

com novelas e/ ou outros programas de emissoras privadas da rede aberta. A

nosso ver, o HGPE deveria ser transmitido, com obrigatoriedade, em todos os

canais abertos, sejam públicos ou privados.

Outra hipótese é de que o HGPE não é eficaz pelo fato de não esclarecer

suficientemente aos cidadãos sobre a necessidade de participar do processo

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eleitoral, uma vez que os programas são elaborados com base na lógica de

programas informativos de televisão: vários recortes muito breves, que buscam

retratar a realidade social moçambicana que é complexa se considerarmos a sua

caracterização sociopolítica, histórica, cultural e econômica. A falta de confronto

face a face entre os candidatos fragiliza a discussão sobre as suas propostas

programáticas que, grosso modo, se apresentam com muitas semelhanças,

induzindo o eleitor ao desinteresse pela política e pelo voto. De acordo com Brito

(2007), o fato de mais de metade dos eleitores não participar nos últimos

escrutínios pode significar que os cidadãos não sentem que o seu voto possa ter

qualquer utilidade e, portanto, “um sinal de disfuncionamento do sistema político”

(BRITO, 2007:6).

1. Delimitação da Temática e Justificativa

A pesquisa desenvolve-se com o foco nas relações entre comunicação e

política ancorando-se nos fundamentos teóricos de Ernesto Laclau & Chantal

Mouffe (1985) e Norman Fairclough (2001) em sua teoria do discurso a partir da

qual buscamos compreender a rede de conceitos tais como discurso, articulação

discursiva, ponto nodal e significantes vazios, que fazem parte da política

contemporânea. O estudo centra a análise na propaganda eleitoral de 2009,

transmitida na televisão pública e leva em consideração o momento histórico,

social, político e econômico do país.

Para isso destacamos os estudos de Patrick Charaudeau, Eric Landowski e

Ana Cláudia Oliveira, cujas pesquisas destacam os conceitos ligados a esta

pesquisa tais como contratos de comunicação, regimes de visibilidade e regimes

de interação. A aplicação desses conceitos tornou possível a análise sobre o fazer

político no cenário eleitoral moçambicano onde a atuação dos meios de

comunicação social cada vez mais é marcante e estreita, trazendo implicações na

construção do discurso político em período de campanha eleitoral.

Procuramos desvendar as formas de representação dos atores políticos, ou

seja, a construção da imagem pública política tanto dos candidatos à presidência

da República quanto dos seus aliados, além de buscarmos compreender a

dimensão passional de seus discursos, que podem gerar efeitos de sentido

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positivos e/ou negativos. Ainda com base em aportes da semiótica discursiva

investigamos os tipos de figuratividade que são construídas na propaganda

eleitoral moçambicana, que podem gerar confiança ou desconfiança nos eleitores,

além de compreendermos os mecanismos de manipulação e ajustamento que se

constroem na relação entre candidatos e eleitores em campanha eleitoral.

Através desses suportes teórico-metodológicos é possível entender como

os meios constroem essa “realidade”, como fazem circular os discursos políticos,

particularmente, em períodos de campanha eleitoral.

2. Corpus da Pesquisa e Justificativa

O corpus é constituído por programas de propaganda política eleitoral dos

candidatos Armando Emílio Guebuza, Afonso Macacho Marceta Dhlakama e Deviz

Mbepo Simango e respectivos partidos políticos, Frente de Libertação de

Moçambique (Frelimo), Resistência Nacional de Moçambique (Renamo) e

Movimento Democrático de Moçambique (MDM), que foram veiculados no horário

gratuito de propaganda eleitoral na televisão pública, no período de 13 de

setembro a 27 de outubro de 2009, tempo de campanha eleitoral obrigatória

prevista na lei eleitoral.

O recorte analisado corresponde aos programas veiculados em um período

de dez dias, entre os dias 1º e 30 de outubro de 2009 escolhido aleatoriamente em

função da disponibilidade do material concedido pelo Conselho Superior de

Comunicação Social (CSCS), instituição responsável pelo monitoramento dos

conteúdos divulgados pela imprensa no país.

Nosso objetivo era examinar os tipos de contratos de comunicação que os

enunciadores constroem e investem para alcançar a hegemonia do discurso capaz

de convocar o eleitor a votar em seu favor.

Importa destacar as contribuições específicas dos autores nesta pesquisa:

Norman Fairclough (2001) possibilitou-nos a compreensão do discurso como

prática social, pois há conexões entre o discurso dos candidatos e o contexto

histórico, sociopolítico e econômico que o país tem vivenciado. O estudo da área

“comunicação e política” precisa seguir uma linha que abarque, num sentido mais

amplo, a questão do exercício do poder em recortes específicos como os

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processos eleitorais, a construção da imagem pública e a formação da opinião

pública.

Outros materiais de campanha como documentos oficiais, manifestos

eleitorais, discursos dos candidatos, trechos de telejornais e de programas de

cobertura do processo eleitoral que foram exibidos pelas emissoras no período de

campanha constituíram-se em suportes para análise do corpus e possibilitaram a

compreensão das dinâmicas que marcaram a posição dos candidatos, as suas

estratégias discursivas e de contato interpessoal (candidatos-eleitores e vice-

versa).

Os partidos Frelimo e Renamo são majoritários e ambos têm longa história

política impregnada por rivalidades e conflitos. Antes de se transformarem em

partidos políticos, Frelimo e Renamo eram movimentos nacionalistas. O MDM é o

mais novo partido político que se formou pouco antes das eleições em 2009 em

decorrência da expulsão de Daviz Simango da Renamo. Em curto espaço de

tempo este partido conseguiu organizar-se e concorrer às eleições presidenciais e

legislativas, uma experiência inédita no país que alcançou considerável sucesso,

em pouco tempo, tendo granjeado simpatia da juventude.

3. Metodologia da Pesquisa, Procedimentos de Análise e Justificativa

Para a realização desta pesquisa adotamos o método de análise do

discurso, pois o foco deste estudo é compreender os tipos de contratos

comunicacionais e regimes de visibilidade que são construídos pelos enunciadores

dos Programas de Propaganda Eleitoral do Horário Gratuito e sua relação com os

enunciatários.

É importante ressaltar que se trata de uma pesquisa de natureza qualitativa,

por focar atenção nos “textos”, ou seja, nos vídeos construídos pelos enunciadores

dos programas eleitorais dos candidatos e seus partidos que buscam produzir

efeitos de sentido nos enunciatários (eleitores/telespectadores).

A pesquisa foi realizada em etapas. Na primeira fizemos a revisão da

literatura ligada à temática, com a finalidade de construção da fundamentação

teórica e teve como autores-chave: Ernesto Laclau & Chantal Mouffe (1985) e

Norman Fairclough (2001) em suas abordagens na esteira da teoria do discurso,

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  20 

além de nos valermos de alguns elementos da semiótica discursiva e da

sociossemiótica, como veremos mais adiante.

Os estudos dos pesquisadores Fausto Neto (1996), Helena Weber (2000),

António Rubim (1994) e Marcus Figueiredo (2000) ajudaram-nos na reflexão sobre

as transformações da política na atualidade; a partir daí, buscamos situar as

especificidades de Moçambique que adotou o sistema de governo democrático e

multipartidário e como os discursos políticos estão se adaptando aos novos

ambientes midiáticos, daí a necessidade de constantes negociações entre a

política e comunicação e entre candidatos e eleitores.

Na segunda etapa buscamos identificar nos textos (programas eleitorais)

a presença dos contratos de comunicação, baseando-nos nos postulados de

Patrick Charaudeau (2006) e na sociossemiótica de Landowski (1992 e 2002). O

objetivo fundamental era compreendermos os mecanismos que orientam a

organização dos textos e a construção de regimes de visibilidade e de interação

com vista ao estabelecimento desses contratos comunicacionais entre os

enunciadores e os enunciatários dos programas eleitorais dos três candidatos a

presidente da república.

Com base nessa perspectiva teórica empreendemos a análise de discurso

no corpus selecionado e centramos o estudo nos procedimentos enunciativos

adotados pelos programas dos três candidatos à presidência da República, nos

seguintes aspectos: (1) a construção e organização do discurso em três dimensões

(inteligível, passional e sensível); (2) a projeção da imagem pública dos candidatos,

destacando-se o seu perfil político; (3) as diferentes formas de legitimação ou

desqualificação dos sujeitos envolvidos no processo eleitoral, a partir do discurso

amigo-inimigo (Mouffe, 1996); (4) os mecanismos de projeção de pessoa, de

tempo e de espaço nos programas eleitorais; (5) a identificação dos regimes de

presença e de visibilidade e as formas de popularidade (regimes de interação) dos

três concorrentes.

O conceito de inimigo provém de uma relação política que pressupõe

divergências em termos de ideais políticos e de governo e também pressupõe a

natureza pública dessa relação amigo-inimigo. Para Mouffe (1996:13), a relação

amigo-inimigo é caracterizada por conflito e antagonismo em que as duas forças

aceitam os pressupostos democráticos, mas divergem em outros aspectos.

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Nessa linha de ideia, no cenário da democracia, a negação das

hostilidades políticas não as exclui, pelo contrário, as transforma em processo de

identificação de inimigos a serem combatidos, ou seja, há necessidade de

constituição de um “Outro” para garantir unidade ao “Nós”. Logo, a necessidade de

um “Outro” é fundamental para a existência de um “Nós”. Portanto, na

argumentação de Mouffe, o abandono do conflito político abre um vazio que, longe

de ser o cerne para uma democracia “consensual” contribui no aprofundamento de

outras tensões localizadas em identidades políticas antidemocráticas (Mouffe, 1996

e 2000).

Na visão de Mouffe, quando faltam as lutas políticas democráticas com as

quais se identificar, o seu lugar é tomado por outras formas de identificação, de

natureza étnica, nacionalista ou religiosa, e o opositor é também definido nesses

termos. Para a autora, a política deve ser construída a partir do conflito do

antagonismo, do dissenso, e não de um consenso universal e racional firmado

entre os atores sociais.

Mouffe argumenta que há necessidade de se resgatar a dimensão

antagônica do político no contexto da democracia liberal e propõe como alternativa

o modelo que ela designa como pluralismo agonístico. Este modelo reconhece que

a política democrática envolve, necessariamente, conflito, hostilidade, diversidade

e que sua função não é excluir esses elementos, mas organizá-los (MOUFFE,

2000:101).

A terceira etapa foi reservada para a análise das especificidades dos

programas eleitorais do FGPE dos candidatos a presidente da república. Para isso

adotamos o modelo de análise sustentado por Afonso Albuquerque (1999) em

“Aqui você vê a verdade na tevê: a propaganda política na televisão”. O autor

analisa as técnicas de adaptação do discurso político à gramática da mídia em três

segmentos:

1º - segmentos de campanha: referem-se aos conteúdos dos programas,

ou seja, as propostas de governo; a construção da imagem dos candidatos; a

construção da imagem do país, além dos ataques aos adversários;

2º- segmentos de metacampanha: situam o leitor sobre o andamento da

campanha; dão informações sobre pesquisas de opinião pública; e disponibilizam a

agenda dos candidatos, os depoimentos de apoio, entre outros aspectos;

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3º - segmentos auxiliares: referem-se a vinhetas, slogans, jingles, e clipes

que servem para criar uma identidade para o candidato e seu partido.

A análise valeu-se também do modelo desenvolvido por Marcus

Figueiredo (2000) que possibilita a compreensão do formato de produção dos

programas, as formas de aparição e representação dos atores políticos, ou seja, a

construção da imagem pública política tanto dos três concorrentes quanto dos seus

aliados, além de buscarmos compreender a dimensão passional de seus discursos

que podem gerar efeitos de sentido tanto positivos (expectativa, curiosidade,

intimidade, testemunho e vigilância), quanto negativos (provocação e intimidação).

Procuramos desvendar os tipos de figuratividade que são construídos na

propaganda eleitoral que poderiam gerar confiança ou desconfiança nos eleitores,

além de compreendermos os mecanismos de manipulação e ajustamento que se

constroem na relação entre candidatos e eleitores em campanha eleitoral.

Uma vez que se tratava de conteúdos audiovisuais, para facilitar a análise

transcrevemos os scripts daquelas propagandas que consideramos fundamentais

para o estudo, e, com base na classificação de Marcus Figueiredo (2000), a ideia é

destacar a fala do candidato, a fala dos apoiantes, as narrações em off, os

depoimentos do eleitor, e também a descrição das imagens correspondentes a

esses textos verbais e visuais.

Esperamos que o estudo possa revestir-se de utilidade para os

profissionais tanto da área da comunicação quanto da política e outras áreas afins,

servindo, ainda que modestamente, como suporte para novos estudos e

abordagens, bem como para se repensar na importância da comunicação para a

consolidação do processo democrático e multipartidário em Moçambique.

A seguir apresentamos, no primeiro capítulo, o panorama político

moçambicano em que o nosso objeto de pesquisa está inserido desde a trajetória

histórica e política do país, no período colonial, passando pelo momento de

transição, da celebração da independência, até ao período democrático (atual). Foi

nesse período que a propaganda política eleitoral teve seu lugar de destaque, uma

vez que se introduziu no país o sistema político multipartidário de governo e, desde

então, os principais cargos políticos são alcançados por via de eleições abertas e

livres.

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O trabalho está estruturado em quatro capítulos. O primeiro trata da

contextualização do panorama político e dos processos eleitorais moçambicanos

em que se destaca a leitura sobre as dinâmicas da administração do processo

eleitoral e o quadro jurídico estabelecido para a área; discute as relações entre

televisão e eleições e as novas formas de fazer política no país e centra a atenção

para o HGPE na televisão, mais conhecido como Tempo de Antena.

No segundo capítulo desenvolvemos a fundamentação teórica e as bases

conceituais que norteiam a pesquisa. Conceitos como palavra de ordem,

significante vazio, ponto nodal, discurso, articulação discursiva, relação entre

discurso ideologia e hegemonia ganharam corpo na discussão e possibilitaram

realizar uma análise das conexões entre certos discursos totalizados com certas

palavras de ordem na conjuntura política moçambicana desde o período da

formação dos movimentos nacionalistas que lutaram pela independência do país.

E, a partir dessa realidade, novos pontos nodais foram construídos no panorama

político nacional tais como: unidade nacional, democracia, desenvolvimento e

combate à pobreza absoluta (tais são palavras de ordem, significantes vazios

colocados em posição de pontos nodais a fim de totalizar ou ancorar certos

discursos). Em vários momentos discutimos também, neste capítulo, sobre a lógica

da diferença e da equivalência nesta nova arena política sob a nova constituição

da república, de 1990, que instaurou o multipartidarismo e ampliou os direitos dos

cidadãos.

No terceiro capítulo centramos o foco na análise dos contratos

comunicacionais que são construídos pelos enunciadores para convencerem os

seus enunciatários a votarem a seu favor. Neste capítulo também analisamos os

regimes de visibilidade e de construção da imagem pública, e investigamos os

lugares de fala dos principais atores políticos e seus aliados na campanha eleitoral.

No quarto capítulo realizamos a análise comparativa dos programas

eleitorais do HGPE dos três candidatos à Presidente da República e seus partidos

políticos. Para facilitar o estudo elegemos três segmentos principais, a saber:

segmentos de campanha; segmentos de metacampanha e segmentos auxiliares e

outros dispositivos comerciais. Através da análise profunda de diversos aspectos

em termos de construção do discurso, dos procedimentos semióticos envolvidos na

produção das campanhas e na lógica do audiovisual, foi possível desvendar como

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cada candidato e seu partido construíram e propagaram o seu discurso político

através da televisão.

Por fim, apresentamos as conclusões que buscam contribuir para a

compreensão do cenário político eleitoral vivido em 2009, e que também nos

ajudam a ampliar o entendimento das relações entre a comunicação e a política

em Moçambique.

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Capítulo 1

Contextualização do Panorama Político e dos Processos Eleitorais

1. 1. Breve Historial da Propaganda Política em Moçambique

A propaganda política representa um dos pilares de sustentação da política

de massas dos regimes e governos no processo de convencimento do seu povo e

dos governados. Trata-se de um fenômeno cada vez mais presente nos meios de

comunicação de massa, sobretudo, a partir da primeira metade do século xx, cujo

foco principal visa influenciar a opinião pública sobre opções de escolha de seus

dirigentes em países onde o processo eleitoral é obrigatório.

Embora não seja o nosso objetivo apresentar a história da propaganda

política em Moçambique, é fundamental situar-nos, mesmo que de forma muito

breve, sobre as técnicas mais comuns de propaganda política que marcaram o

exercício do governo colonial português e, mais tarde, os recursos de propaganda

nacionalista adotados pela FRELIMO no período da luta armada de libertação

nacional, até à proclamação da independência do país, em 1975 e, mais tarde, do

período multipartidário até à atualidade.

Com a formação de movimentos nacionalistas africanos na década de 60

particularmente da FRELIMO, no caso de Moçambique, a população passou a

viver uma experiência particular, pois de um lado lhe chegava a propaganda com

uma visão colonial e, de outro, recebia a propaganda de cunho nacionalista e de

revolta pela ocupação estrangeira.

Nessa época, a propaganda política incidia o seu foco na exaltação do

governo português e do sistema de administração colonial em que possuía a sede

em Portugal e suas representações nas províncias ultramarinas em territórios

africanos. Os conteúdos e artifícios da propaganda política daquele momento

contemplavam a propagação de valores e da cultura portuguesa como superiores

aos dos povos colonizados.

Com o início da luta armada, em 1964, entre os dois beligerantes, as

pesquisas sinalizam que no campo da propaganda,

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com o mesmo entusiasmo as populações e as autoridades tradicionais aderiam quer à propaganda de Frelimo quer à propaganda dos militares e administradores portugueses”. “[...] as populações encontravam-se muitas vezes ou quase sempre “bloqueadas” e sem alternativas, e, por isso, alinhavam com quem chegasse primeiro ou com quem tinha mais poder de controle em cada momento e em cada situação. Mas temos que considerar também que em muitos casos, as pessoas escolheram. Fugiam do controlo da administração portuguesa para o controlo dos guerrilheiros da Frelimo e o inverso também é válido [COELHO, Borges, 2003a: 180 apud JOSSIAS, Elísio, 2007:24].

Portanto, o projeto político da FRELIMO enquanto movimento de libertação

nacional, focava em sua propaganda na mobilização e sensibilização das massas

para o sentido da unidade nacional e esse era o grande trunfo que o movimento

sustentava ao buscar organizar a população nas zonas libertadas, sobretudo, nas

regiões norte e centro do país, com o intuito de angariar maior apoio político.

Nesse período a tônica da propaganda focava atenção na divulgação do projeto da

unidade nacional cuja intenção primordial era unir as etnias em torno de um

mesmo objectivo: lutar pela independência do país e permitir que os

moçambicanos assumissem a direção dos destinos do seu país.

Na visão da FRELIMO, “a revolução só podia triunfar” por meio da

mobilização política geral das massas populares moçambicanas, através de

propaganda, pela organização unida das massas trabalhadoras e camponesas e

pelo exemplo de luta heroica das forças combatentes, daí que o povo inteiro devia

ser levado a apoiar a revolução com todas as suas possibilidades e energias. Esta

deveria ser feita ao mesmo tempo nas frentes política, militar, econômica, social e

cultural, de modo que, para se concretizar a verdadeira revolução, as armas seriam

o único meio viável.

Depois da independência, em 1976, os meios de comunicação e as

instituições educacionais, que antes estavam sob o controle da administração

colonial portuguesa, foram nacionalizados e passaram à gestão e controle do

Estado moçambicano, e, dessa forma, transformaram-se em principais

instrumentos de difusão da ideologia do partido no poder (III Congresso da

FRELIMO, 1977). Foi nesse contexto, que “estudo”, “produção” e “combate” foram

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definidos pela FRELIMO como palavras de ordem, que ecoavam em meio a um

ambiente em que este movimento considerava-se libertador do trabalhador, do

camponês e de cada moçambicano explorado, da alienação do capitalismo e do

imperialismo, indicando que o inimigo comum dos moçambicanos era o sistema

colonial-fascista português, suas estruturas de repressão, a quem serve e defende.

Com as nacionalizações, a rádio nacional (Rádio Moçambique) foi usada

como instrumento de educação e cultura com vistas à integração nacional e até

hoje continua sendo usada com os mesmos propósitos.

Essas mudanças têm afetado diretamente a vida da população tão

diversificada na sua composição social, sob os aspectos etnolinguístico e cultural.

A independência consolidou-se com base na constituição da República, optando

por uma linha ideológica orientada para o marxismo-leninismo em 1977. Esta

ideologia imprimiu “o poder popular” marcado por uma economia centralizada sob

o comando da Frelimo, até então, único partido na arena política do país. Nessa

altura foram realizadas eleições gerais e locais em 1976 e em 1986. Essas foram

as primeiras experiências de participação popular que não é comum se verificar em

regimes políticos monopartidários. As eleições se realizavam e especificamente

dentro da estrutura partidária e elegiam num sistema de cascata desde os comitês

locais (aldeias, bairros e locais de trabalho) até à direção do partido ao nível

nacional. Havia também um sistema de eleições para os diversos níveis da direção

do Estado (CARRILHO apud MAZULA, 1995: 136).

Macuacua (2010:3) refere que o primeiro ato político eleitoral organizado e

realizado pelos moçambicanos teve lugar por ocasião da gênese da FRELIMO,

quando os moçambicanos organizaram um processo eleitoral no qual, através do

voto secreto, pessoal e direto, o Dr. Eduardo Mondlane foi sufragado primeiro

Presidente da FRELIMO. Eram eleições que decorriam no quadro de um sistema

político de partido único, e de uma democracia direta e participativa.

De acordo com Monteiro (1988:25), “a Lei Eleitoral (Lei n.º 1/77)-que é

significativamente o primeiro diploma moçambicano com o nome de Lei-estabelece

os princípios e mecanismos de organização das Assembleias do Povo aos vários

escalões”. Naquele contexto político, as Assembleias do Povo estavam

organizadas ao nível de localidade, distrital, provincial e nacional (Assembléia

Popular).

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A possibilidade que era dada aos eleitores de discutirem as candidaturas, quer dos delegados às conferências eleitorais, quer dos futuros deputados, enraizou-se como elemento de cultura eleitoral, pois era afinal uma faculdade amplamente usada e que se desenrolava, em geral, com uma considerável abertura por parte dos eleitores e se caracterizava por uma responsabilização direta dos delegados aos colégios eleitorais e uma avaliação crítica das qualidades dos candidatos a deputados (CARRILHO apud MAZULA, 1995: 136).

As críticas a essa dinâmica vinham da dureza do sistema, que não tolerava

dissidências políticas e misturava a dimensão patriótica dos cidadãos à fidelidade

ao partido único e o conseqüente monolitismo de ideias. Dessa forma, mesmo

havendo participação, os conteúdos estavam circunscritos às diretrizes do partido

e da sua liderança.4

É fundamental destacar que nesse período, a propaganda foi usada pela

Frelimo com o intuito de mobilizar as massas, e esta visão defendia a ideia de que

“os órgãos de informação deviam informar, educar e mobilizar o povo para o

combate à miséria, à ignorância, ao subdesenvolvimento, ao tribalismo e ao

racismo” (Vasconcelos apud Ribeiro, 1996:142). Com essa prática, a política da

Frelimo aspirava derrubar o sistema tribal tradicional em nome da unidade nacional

e da construção do “homem novo”. Para levar adiante esse processo, o partido

utilizou a imprensa como uma das estratégias mais qualificadas na propagação de

seus ideais nacionalistas. Assim,

a urgência de construir uma pátria convocou a imprensa em volta da utopia, que se vê hoje derrocada, tendo esta servido então como bandeira das proclamadas e lídimas aspirações do povo. A Frelimo, usando estrategicamente essa adesão à causa libertadora, empregou todos os artifícios para construir o seu regime, inspirado nos modelos que importara do Leste. A imprensa, a rádio e, posteriormente, a televisão foram os

                                                            

4 Durante o regime de partido único, a FRELIMO estabeleceu um modelo de governo que se apoiou num forte sistema presidencialista caraterizado por um domínio do Executivo sobre outros ramos do governo. E isso foi assim apesar de a Constituição de 1975 ter definido que a Assembléia Popular constituía o órgão máximo do poder do Estado. A coesão deste sistema foi assegurada pelo postulado pelo qual o presidente do partido FRELIMO era automaticamente o presidente da República e pela concentração do poder de decisão na Comissão Política do partido.

 

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instrumentos privilegiados para tornar eficaz a propaganda dos valores prezados pelo regime (SAÚTE apud RIBEIRO, 1996:158).

Em 1990 entrou em vigor a nova constituição da república de cunho

multipartidário e pluralista. Desde então até este momento, grandes mudanças

ocorreram no país, impulsionadas com o desenrolar do estabelecimento de uma

nova ordem política internacional, com a queda do muro de Berlim e o fim da

guerra fria. A nova constituição abriu espaço para o multipartidarismo e outras

concessões políticas, como a ampliação dos direitos políticos e sociais dos

cidadãos. Esta constituição alicerçou a base para eleições multipartidárias,

formação de partidos políticos e liberdade de associação.

Com a pressão local e internacional face às graves conseqüências da

guerra civil em que o governo e a Renamo eram os principais beligerantes, foi

assinado o Acordo Geral de Paz, em 04 de outubro de 1992, dando fim à guerra de

desestabilização socioeconômica e política que durou 16 anos. Este acordo impôs

o cessar-fogo; a desmilitarização das zonas de combate; a libertação de

prisioneiros; a formação de um novo e único exército composto por 15. 000 mil

homens provenientes, em partes iguais, de ambas as facções e ainda a marcação

de eleições livres; o regresso das populações refugiadas em outros países vizinhos

devido à guerra.

O fim da guerra civil levou os principais atores do país a pensarem em

mudanças nas diversas esferas, principalmente no campo político. Nesse âmbito,

em Julho de 1993 foi aprovada a Lei Eleitoral e criada a Comissão Nacional de

Eleições. A base legal sustentada pela nova constituição da república assegurou a

realização das primeiras eleições gerais em 1994, marcando o início do usufruto do

direito do cidadão ao voto secreto na escolha dos representantes políticos por meio

de eleições livres em um ambiente multipartidário em que se ampliaram as opções

de escolha de governantes. Desde então, o voto passou a ser um bem valioso e

almejado por aqueles que pretendem ocupar cargos políticos. Esse cenário passou

a exigir dos candidatos e seus partidos políticos a definição de estratégias de

construção discursiva e de persuasão coerentes e capazes de convencer os

eleitores a votarem a seu favor. Essas eleições foram ganhas pela Frelimo e seu

candidato.

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A partir daí até ao presente, Moçambique tem se caracterizado por uma

continuidade política com destaque para os dois partidos políticos majoritários

(Frelimo e Renamo). Na seqüência das primeiras eleições de 19945 outros pleitos

foram realizados em 1999, 2004 e 2009, os quais têm levado às forças políticas e à

sociedade em geral, a vivenciar, e mesmo que, de forma lenta, a experiência

política multipartidária.

O ambiente político tem sido marcado por uma bipolarização entre os

partidos FRELIMO, no poder desde a independência, e RENAMO, o primeiro e

maior partido da oposição na história do país. A bipolarização persistiu nas

eleições, de 1994, 1999 e 2004. A ruptura desta “tradição” ocorreu nas eleições de

outubro de 2009, com o surgimento de um novo partido, o Movimento Democrático

de Moçambique (MDM), em conseqüência da expulsão de Daviz Simango da

Renamo. Simango ganhou popularidade e aceitação no Município da Beira, pela

sua competência administrativa como Presidente do Município.

Por um lado, o novo partido apresentou como foco principal de trabalho

desenvolver políticas públicas que favoreçam a todos os moçambicanos, porque,

na opinião do MDM, a FRELIMO tem privilegiado as elites do país; por outro, a

imagem da RENAMO foi-se enfraquecendo cada vez mais pelo fato de em todos

os processos eleitorais nunca ter aceitado os resultados dos pleitos, e ainda pelo

fato deste partido ter expulsado alguns de seus membros, principalmente os

intelectuais considerados mais críticos em relação ao comportamento do

presidente do partido.

A popularidade de Simango e a formação do MDM, que se apresentava

como alternativa forte de governação “abalou”, de certa forma, o lugar privilegiado

que ocupavam os partidos Frelimo e a Renamo, que se viram obrigados a

repensarem as suas estratégias de fazer política, particularmente na campanha

eleitoral de 2009 para garantir a vitória nas urnas.

Outro problema recorrente em todos os processos eleitorais tem sido o

elevado índice de abstenção dos eleitores. Dados indicam que nas eleições de

1994, 1999, 2004 e 2009 os índices foram de 12%, 32%, 64% e 56%,

                                                            

5 As primeiras eleições gerais decorreram de 27 a 29 de outubro de 1994 às quais concorreram 14 partidos políticos e coligações e 12 candidatos às presidenciais.

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respectivamente. Justifica-se esse comportamento em razão do voto não ser

obrigatório, por dificuldades dos eleitores em chegar às assembléias de voto e

ainda pela falta de confiança dos eleitores em relação aos governantes, uma vez

que, ao longo desse tempo, não se verificam muitas mudanças, apesar de tantas

promessas que a população recebe durante as campanhas eleitorais.

Uma análise crítica do cenário político moçambicano feita por vários

pesquisadores tem sinalizado que a adoção de um discurso semelhante em termos

de propostas políticas induz os eleitores ao conformismo, uma vez que esses

discursos não revelam aspectos pontuais que diferenciem os ideários políticos de

cada partido. Mais adiante discutiremos esta questão no capítulo de análise dos

programas eleitorais dos partidos em estudo.

Como já ressaltamos, as transformações decorrem a um ritmo acelerado e

desafiador para a população porque, por um lado, trazem algumas conquistas

visíveis, como o exercício da cidadania e a ampliação dos direitos civis

contemplados na constituição da república; a ampliação do acesso aos serviços

básicos (educação, saúde, infraestrutura, entre outros). Por outro, a continuidade

da Frelimo no poder desde 1975 não favorece à população vivenciar outra

experiência de governo, uma vez que não tem havido alternância governativa, fato

que coloca a Frelimo em estado de “comodismo” político e administrativo, não

reconhecendo, pelo menos em público, os seus pontos fracos em termos de

governança democrática, que se esperava que acontecesse.

Outro aspecto negativo que reina neste cenário é a permanente

desconfiança que caracteriza as relações entre a Frelimo e a oposição, o que

dificulta o diálogo e a partilha do poder em todos os níveis (local, provincial e

nacional). O agravante ainda é que, embora a lei não permita a descriminação

partidária dos cidadãos, as instituições públicas estão se partidarizando cada vez

mais, ou seja, o pertencimento a um partido ou a outro condiciona, muitas vezes,

ao indivíduo usufruir ou não de seus direitos como o de trabalhar na função pública

e/ou ocupar cargo público, entre outros aspectos.

Com a experiência de quatro eleições gerais para a escolha do Presidente

da República e da Assembléia da República, três eleições municipais e uma

eleição para as Assembleias Provinciais percebemos que o país ainda possui

muitos desafios que precisam ser superados para garantir que se viva uma

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democracia de fato e não se dê apenas nos discursos políticos ocos. Nesse

sentido, Iraê Lundin (2010), argumenta que

os desafios podem ser encontrados no plano normativo, com as leis eleitorais pouco claras e não consensuais; a falta de um código de ética para os participantes, incluindo a imprensa; a falta de uso de boas práticas de parte dos órgãos eleitorais para sancionar, com a devida punição o infrator que dificulta a apresentação de recursos à mesa de parte da oposição durante o processo da votação no dia da eleição e que invalida propositadamente votos durante o processo de contagem e apuramento dos resultados (LUNDIN, 2010:3).

Para a autora, no plano econômico, o crescimento não tem possibilitado um

desenvolvimento inclusivo, abrindo-se assim um fosso grande entre ricos e pobres.

E no plano político-econômico, a corrupção crescente se faz sentir em todas as

esferas. No plano da governança, existe distância entre governantes e governados,

principalmente pela falta de diálogo institucionalizado entre estes dois grupos

sociais.

No plano sócio-antropológico, Lundin (2010) sinaliza que o uso de um

discurso pouco diversificado de parte das lideranças políticas, que não revela

diferenças substanciais nos programas partidários, confunde os eleitores na hora

de decidir em quem votar, uma vez que há muitas semelhanças entre os

programas dos partidos concorrentes.

No plano político é evidente o ambiente de desconfiança política no cenário

de disputa eleitoral. Entre governo e oposição reinam acusações e ameaças a

fazerem-se valer entre os diferentes partidos da oposição e o partido no poder, e

entre estes primeiros partidos e os órgãos eleitorais, um fato recorrente a cada

processo eleitoral, que assusta o cidadão comum e impede que as eleições

possam ser a festa da democracia. Consideramos que esses e outros desafios

contribuem para os elevados índices de abstenção que se verificam em cada

processo eleitoral.

Em todos os pleitos tem se feito reajustes na legislação sobre o processo

eleitoral, sobretudo, nas questões relativas às autoridades eleitorais, ao

recenseamento eleitoral e às regras da votação. Mas essas mudanças não têm

sido precedidas de estudos profundos e auscultação dos diferentes setores da

sociedade para se alcançar o consenso e formas mais transparentes de

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administração do processo que deixe margens de dúvidas sobre a possibilidade de

fraudes e outros problemas de desconfianças que tem Marcão o cenário político.

1.2. Órgãos de Administração Eleitoral e Quadro Jurídico Eleitoral

A negociação da legislação eleitoral foi fruto da nova constituição

multipartidária de 1990, que estabelecia que o povo moçambicano deve exercer o

poder através da eleição dos seus representantes por via do sufrágio universal,

direto, secreto e periódico e que os partidos políticos constituem a expressão do

pluralismo político, competindo para a formação e para a expressão da vontade

popular6. A assinatura do Acordo Geral de Paz (AGP) de Roma em 1992 também

determinou para a elaboração da primeira lei eleitoral moçambicana que teve forte

influência de Portugal e do Brasil por serem países falantes da língua portuguesa e

também pelo fato de Moçambique, nessa altura, já possuir alguns protocolos de

cooperação com esses países, nos vários domínios, sobretudo, político, econômico

e social.

Segundo Mazula (1995:37), houve uma reunião de consulta do governo

junto aos partidos políticos de oposição não armada, para a elaboração da primeira

lei eleitoral, que ficou conhecida como a Multipartidária que discutiu sobre alguns

pontos em que não se tinha consenso entre as formações políticas. Por seu turno,

o AGP, no (protocolo III - Dos Princípios da Lei Eleitoral) destacava o

estabelecimento dos procedimentos eleitorais, a definição do sistema eleitoral de

representação proporcional para a constituição de mandatos parlamentares, assim

como permitiu o estabelecimento do modelo de governação eleitoral no qual a

administração eleitoral ficou sob domínio da Comissão Nacional de Eleições (CNE)

e do Secretariado Técnico para a Administração Eleitoral (STAE), a quem recaía a

responsabilidade de garantir independência em relação a todos partidos políticos.

Portanto, o processo eleitoral é administrado pela Comissão Nacional de

Eleições (CNE) que é órgão de decisão e de supervisão de todo processo eleitoral

e tem a função de garantir a liberdade, a justiça e a transparência de todo o

                                                            

6 Constituição da República (1990). Capítulo III. Participação na vida Política do Estado, art. (30 3 31).

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  34 

processo. Para a operacionalização das eleições, a CNE conta com o Secretariado

Técnico para a Administração Eleitoral (STAE) que se responsabiliza dos detalhes

técnicos tais como; o recenseamento, a distribuição do material eleitoral, a

formação de brigadas de recenseamento e de membros das mesas de voto assim

como a organização da votação.

Existe o Conselho Constitucional (CC) que é órgão de soberania ao qual

compete especialmente administrar a justiça em matérias de natureza jurídico-

constitucional e tem papel de relevo na consolidação do Estado de Direito

Democrático. No domínio específico das eleições, cabe ao Conselho Constitucional

a supervisão do processo eleitoral; a verificação dos requisitos legais exigidos para

as candidaturas a Presidente da República; a apreciação, em última instância, das

reclamações eleitorais; e a validação e proclamação dos resultados finais do

processo eleitoral.

Os órgãos da administração eleitoral tanto no nível nacional quanto

provincial e distrital são compostos, em sua maioria, por membros de partidos

políticos, sobretudo da Frelimo e da Renamo e essa composição não contribui para

a consolidação da democracia, uma vez que polariza o sistema que acaba se

caracterizando pela desconfiança política que marca a relação entre a Frelimo e a

oposição e reduz a participação da sociedade civil, em geral.

Para a escolha do Presidente da República o voto é direto, enquanto a

escolha de deputados da Assembléia da República é indireta, ou seja, o eleitor

vota no partido e este é que indica os seus representantes tanto para Assembléia

da República que tem um total de 250 assentos, desde 1994, quanto para as

Assembléias Provinciais que em 2009 decorreram pela primeira vez na história do

país.

Existem 13 círculos eleitorais para as legislativas, em todo o país,

correspondendo às 11 províncias administrativas incluindo Maputo Cidade, que

elegem 248 deputados, e dois círculos eleitorais na diáspora (um correspondente

aos moçambicanos residentes no continente africano e outro aos residentes em

outros países).

Para as eleições das Assembléias Provinciais, o país é dividido em 141

círculos eleitorais que correspondem às 10 Assembléias Provinciais elegendo 812

membros. Os membros da Assembléia da República e os das Assembléias

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  35 

Provinciais são eleitos através do sistema de representação proporcional, ou seja,

o número de deputados a eleger em cada um dos círculos eleitorais do território

nacional é proporcional ao número de eleitores nele recenseados.

Em suma, de 1990 a 2009 foram realizadas, consecutivamente, sete

eleições nos vários níveis como mostra a tabela:

Tabela 1: Tipo e ano de eleição.

No que diz respeito à propaganda eleitoral, a legislação determina que a

mesma sirva não apenas para promover candidaturas, mas também para a

“explicação dos princípios ideológicos, programas políticos, sociais e econômicos,

plataformas de governação por parte dos candidatos, dos titulares dos órgãos que

os propõem, seus agentes ou quaisquer outras pessoas”.7 A mesma lei determina

as condições da campanha eleitoral que “tem início quarenta e cinco dias antes da

data das eleições e termina quarenta e oito horas antes do dia da votação (artigo

18)”8.

Com a legislação eleitoral viabilizou-se a utilização de órgãos públicos de

comunicação nas campanhas eleitorais por todos os concorrentes. É nesse

contexto que o artigo 95/93 determina que “os candidatos ao cargo de presidente

da república e partidos/coligações às legislativas, têm direito à utilização do serviço

público de radiodifusão e televisão durante o período oficial de campanha eleitoral”.

                                                            

7 Artigo 28 da Lei nº 7/2007 de 26 de fevereiro. Assembléia da República de Moçambique. 8 idem 

Ano

Eleição 1994 1998 1999 2003 2004 2008 2009

Gerais: Presidenciais e Legislativas (AR)

X

X

X

X

Autárquicas X X X

Assembléia Provincial X

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  36 

A gratuidade de veiculação de propaganda política nesses meios não

impede o recurso à propaganda paga durante os horários que não sejam do

horário gratuito obrigatório. A propaganda eleitoral gratuita proporciona

oportunidades mais igualitárias na competição eleitoral e possibilita o

aperfeiçoamento dos mecanismos democráticos, tanto no que tange aos eleitores

que passaram a ter acesso à informação político-eleitoral quanto para os

candidatos que dispõem de condições de igualdade na disputa pelos cargos

políticos.

Em preparação das eleições de 2009, a CNE aprovou no dia 26 de Agosto

de 2009, o Regulamento de Exercício do Direito de Tempo de Antena, portanto, o

Horário Gratuito da Propaganda Eleitoral (HGPE) com a finalidade de regular a

distribuição dos tempos de antena pelos veículos de comunicação públicos durante

o período de campanha eleitoral. De acordo com este regulamento, os candidatos

às eleições presidenciais, legislativas e das Assembléias Provinciais tinham direito

a 15 minutos, por semana, de tempo de antena na TVM.

No rádio, os candidatos para as eleições presidenciais e legislativas tinham

direito a cinco minutos de tempo de antena diário na emissora pública RM,

enquanto que os candidatos para as Assembleias Provinciais tinham ao dispor

cinco minutos diários nas emissoras provinciais da RM. O regulamento também

atribuiu o direito aos candidatos presidenciais de, no último dia de campanha

eleitoral, usufruir cinco minutos de tempo de antena na RM e três minutos na TVM

para se dirigirem ao eleitor, ou seja, o último discurso, 48 horas antes de a votação

iniciar em todo território nacional e na diáspora.

Em relação ao conteúdo da propaganda e à forma que pode ser realizada,

as normas jurídicas estabelecem os parâmetros do que é permitido e proibido

fazer. De modo geral, as mensagens devem ter um caráter notadamente

informativo, que permita ao eleitor discernir com conhecimento de causa sobre a

quem votar. Nesse sentido, a propaganda deve compreender fundamentalmente

os princípios ideológicos, os programas políticos, sociais e econômicos ou

plataformas de governo, observando-se os princípios éticos e morais.

A plataforma e as regras de financiamento dos partidos políticos foram

estabelecidas pela primeira vez na altura da assinatura do Acordo Geral de Paz e,

mais tarde, pela Lei 3/11. Em relação à campanha eleitoral, a legislação determina

Page 37: TELEVISÃO E POLÍTICA Análise das estratégias discursivas ... Adelino Ant… · discurso de Ernesto Laclau e também na metodologia sustentada por Afonso Albuquerque que examina

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que possa ser financiada através de: a) contribuição dos próprios candidatos e dos

partidos políticos ou coligação de partidos; b) contribuição voluntária dos cidadãos

nacionais e estrangeiros; c) produto da atividade das campanhas eleitorais; d)

contribuição dos partidos amigos nacionais e estrangeiros; e) contribuição de

organizações não governamentais nacionais ou estrangeiras. A mesma lei

determina que o orçamento do Estado deva prever uma verba para o

financiamento da campanha eleitoral e proíbe o financiamento às campanhas

eleitorais dos candidatos e dos partidos ou coligação de partidos por parte de

governos estrangeiros, organizações governamentais e instituições ou empresas

públicas nacionais. Essas entidades podem contribuir para financiar ou para

reforçar a verba do Orçamento do Estado previsto para a campanha eleitoral. O

montante a que os partidos têm direito é proporcional ao número de mandatos de

cada um.

Para o pleito de 2009, de acordo com o Orçamento de Estado de 2009, as

verbas constantes da rubrica “Partidos Políticos” somavam mais de 200 milhões de

meticais (aproximadamente 8 milhões de dólares). Embora seja uma obrigação

legal, a prestação de contas sobre o financiamento político, não é respeitada pelos

partidos, a não ser no que tange às primeiras parcelas atribuídas pela CNE, pois

essa é a condição para se ter acesso às restantes parcelas. O financiamento por

via parlamentar não tem sido justificado por nenhum dos partidos beneficiários, e

nenhum respeita a obrigação de publicação do relatório de suas contas anuais.

Vale ressaltar que essa regulação referente à propaganda política e do

financiamento dos partidos e das suas atividades propagandísticas não garante o

princípio de igualdade, independência, liberdade de expressão e direito de

informação. O cenário da política moçambicana apresenta realidade específica de

jogo de influências e relação de forças, que, muitas vezes, se sobrepõem ou

superam o marco jurídico-legal. Embora essa experiência seja forte no jogo político

não só moçambicano como também em outros países africanos, não invalida a

necessidade de regulação e controle, de modo a fortalecer os partidos e resgatar a

ética e a transparência políticas.

As vantagens e benefícios dos deputados não incluem nenhuma verba para

a contratação de assistência administrativa ou técnica no âmbito do seu mandato,

e existe somente um pequeno corpo de assistentes parlamentares que apóiam o

Page 38: TELEVISÃO E POLÍTICA Análise das estratégias discursivas ... Adelino Ant… · discurso de Ernesto Laclau e também na metodologia sustentada por Afonso Albuquerque que examina

  38 

trabalho das comissões e um gabinete técnico, cuja missão principal é oferecer

consultoria técnica às bancadas e aos deputados. Percebemos que é crucial o

aprimoramento da capacidade técnica da Assembléia da República, incluindo a

formação e especialização em áreas específicas para que os parlamentares

possam participar mais ativamente dos debates legislativos e possam contribuir

com projetos de leis de que o país precisa para a melhoria das políticas públicas.

Com a ampliação desse leque de condições necessárias ao cenário das

disputas, tornou-se mais exigente para os atores políticos que precisam de maiores

conhecimentos e habilidades para saber lidar com os novos dispositivos de

comunicação e informação. As dinâmicas das mídias impõem aos atores políticos

uma nova postura que exige competências específicas de forma a saberem definir

as suas estratégias de persuasão com maior profissionalismo uma vez que o seu

intuito é convencer os potenciais eleitores a votarem a seu favor.

O Horário Gratuito da Propagada Eleitoral de televisão ou Tempo de Antena

é o destaque das campanhas eleitorais que se submetem à lógica das

transmissões audiovisuais. Este espaço é fundamental tanto para o eleitor quanto

para os atores políticos que pleiteiam assumir cargos políticos e lutam a todo custo

para alcançarem tais objetivos. Falaremos mais adiante sobre o HGPE e suas

particularidades.

Diante da propaganda eleitoral é preciso que o eleitor tenha perspicácia

para perceber que todos os programas são construídos dentro de um mesmo

cabedal de estratégias. Isso quer dizer que, em condições normais, todos possuem

um programa de governo na mão, elaborado com cuidado dentro dos ideários

políticos que acredita e precisa difundi-los aos eleitores.

Embora em Moçambique a televisão tenha poucos anos de existência e

ainda esteja na fase de seu desenvolvimento, é visível a preocupação dos partidos

políticos em produzir os seus programas com esmero com o intuito de angariar

simpatia e convencerem os eleitores a votarem a seu favor. Mas, apesar desse

esforço, ainda se deparam com muitos problemas de falta de recursos financeiros

que cubram os custos de produção e ainda percebe-se a falta de experiência em

termos de elaboração e edição dos conteúdos que tenham a capacidade de criar

uma empatia com os telespectadores em termos de efeitos audiovisuais como

veremos nos capítulos de análise.

Page 39: TELEVISÃO E POLÍTICA Análise das estratégias discursivas ... Adelino Ant… · discurso de Ernesto Laclau e também na metodologia sustentada por Afonso Albuquerque que examina

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O contexto de uma campanha eleitoral em uma eleição é momento da

distribuição e da delegação de poderes. Antes censitária e elitista, hoje, universal,

a eleição significa “um momento e um procedimento – ritualizado, periódico e

legitimado – de escolha e investidura de dirigentes (representativos) para exercício

de poder (es) em instituições do Estado [...] (RUBIM, 2000: 91). As eleições de

2009 mostraram que o país regrediu em relação às de 1994 em termos de

pluralidade de ideias uma vez que vários partidos foram excluídos de concorrer. O

processo de apresentação de candidaturas para a Assembleia da República e para

as Assembleias Provinciais gerou controvérsia. A deliberação 10/CNE/2009 da

CNE de 14 de Maio, duas semanas antes do início do processo de candidaturas,

acrescentou mais complexidade a um enquadramento já por si propenso a várias

interpretações. Estes procedimentos complexos e pouco claros resultaram na

rejeição de várias listas de alguns dos 29 partidos políticos para as eleições

legislativas. Para as Assembleias Provinciais foram aceites listas de quatro

partidos políticos. Contudo, em 64 dos 141 círculos eleitorais concorreu apenas a

lista de um partido político, o que constituiu uma considerável limitação à escolha

do eleitorado.

O Conselho Constitucional rejeitou seis dos nove candidatos aspirantes ao

cargo de Presidente da República, devido a irregularidades nos documentos

submetidos para candidatura. Para eleições para a Assembleia da República e

para as Assembleias Provinciais, um total de 29 partidos políticos e coligações

submeteu as suas listas de candidatos junto da CNE. Em consequência da rejeição

de algumas listas pela CNE, confirmada pelo Conselho Constitucional, 19 partidos

e coligações competiram para representação parlamentar 9.

Esta tendência enfraquece o sentido de abertura que o ambiente político

multipartidário deveria assumir. Compartilhamos a opinião de que as

características principais da história eleitoral em Moçambique continuam a ser a

bipolarização entre os dois partidos majoritários Frelimo e Renamo; as deficiências

                                                            

9 (Relatório da MOE-EU sobre as eleições de 2009 de 30 de outubro de 2009). Disponível em www.eueom-mozambique.eu acesso em 28 de fevereiro de 2012. A Missão de Observação Eleitoral da União Europeia (MOE UE) está presente em Moçambique desde o dia 22 de Setembro, a convite do Governo da República de Moçambique e é composta por 131 observadores provenientes de 24 Estados Membros da União Europeia e também Canadá, Noruega e Suíça.

 

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  40 

técnicas dos processos de recenseamento eleitoral e o apuramento dos resultados

parciais e finais para além da base jurídica estar permanentemente em mudanças.

Este leque de problemas gera o sentimento de falta de confiança e de falta de

credibilidade nas autoridades eleitorais, nomeadamente a CNE e o STAE.

O que se verifica é que desde 1994, o pluralismo eleitoral não possibilitou

um ambiente político de inclusão das maiorias. Pelo contrário, em nível nacional, o

parlamento conta atualmente com maior número absoluto de deputados do partido

no poder, a Frelimo, e a oposição perdeu lugares do que tinha nas anteriores

legislações. “Esta realidade atual contraria o cenário político vivido há dez anos.

Em nível local houve uma inovação prudente, mas as perspectivas de um governo

mais inclusivo através de eleições multipartidárias são muito limitadas”

(TOLLENAERE, 2006:9). É constatação pertinente, que embora tenha sido feita

em 2006, isso foi visível também nas eleições de 2009 com a exclusão de alguns

partidos da corrida eleitoral como já nos referimos. Os órgãos máximos da

administração eleitoral justificaram tal exclusão como consequência do não

cumprimento, por tais partidos, de todos os requisitos exigidos pela lei eleitoral.

Com um total de 250 deputados, a composição da “casa do povo” revela,

cada vez mais, a hegemonia da Frelimo que pode ser constatada nos resultados

obtidos em todas as eleições legislativas em que a sua tendência é de elevar o

número de assentos em detrimento dos partidos da oposição que em todos os

pleitos vem reduzindo o seu efetivo como mostra a tabela abaixo:

Designação 1994 1999 2004 2009

Frelimo 129 133 160 193

Renamo 112 11710 90 49

União Democrática 09 - - -

MDM 08

Total de assentos 250 250 250 250

Tabela 2: Número de assentos em cada ano de eleição.

                                                            

10 A Renamo concorreu neste ano coligada com a União Eleitoral. A União Democrática apenas concorreu nas primeiras eleições e depois disso desapareceu da cena política.

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1.3. O cenário das disputas eleitorais de 2009 e os principais atores políticos

Moçambique tem conhecido uma continuidade política desde a assinatura

dos Acordos Gerais de Paz que permitiram o fim da guerra civil em 1992. Desde

então quatro eleições gerais nacionais presidenciais foram realizadas nos anos

1994, 1999, 2004 e 2009, para escolha do presidente da república e deputados da

Assembléia da República; três eleições municipais e uma eleição para as

Assembléias Provinciais. As eleições têm levado às forças políticas e à sociedade

em geral, a vivenciar, e ainda que de forma lenta, um sistema político

multipartidário.

O ambiente político tem sido marcado por uma bipolarização entre os

partidos FRELIMO, no poder desde a independência, e RENAMO, o primeiro e

maior partido da oposição na história do país. Essa bipolarização persistiu nos três

processos eleitorais, de 1994, 1999 e 2004. A ruptura dessa “tradição” ocorreu nas

eleições de outubro de 2009, com o surgimento de um novo partido, o Movimento

Democrático de Moçambique (MDM), em conseqüência da expulsão de Daviz

Simango da Renamo. Este político ganhou popularidade e aceitação dos

moradores do Município da Beira, onde foi qualificado de competente em sua

atuação como Presidente do Município. Por um lado, o novo partido apresentou

como foco principal de trabalho desenvolver políticas públicas que favoreçam a

todos os moçambicanos, porque, na opinião do MDM, a FRELIMO tem privilegiado

as elites do país; por outro, a imagem da RENAMO foi-se enfraquecendo cada vez

mais pelo fato de em todos os processos eleitorais nunca ter aceitado os

resultados dos pleitos, e ainda pelo fato deste partido ter expulsado alguns de seus

membros, principalmente os intelectuais considerados mais críticos em relação ao

comportamento do presidente do partido.

Neste pleito foram candidatos à Presidente da República:

1. Afonso Macacho Marceta Dhlakama (RENAMO)

2. Armando Emílio Guebuza (FRELIMO)

3. Daviz Mbepo Simango (MDM)

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E dezanove11 partidos políticos e coligações disputaram lugares nas eleições legislativas e provinciais, a saber:

1. Frente Libertação de Moçambique (FRELIMO)

2. Partido do Movimento Democrático de Moçambique (MDM)

3. Partido Para a Paz, Democracia e Desenvolvimento (PDD)

4. Resistência Nacional Moçambicana (RENAMO)

5. Coligação de Aliança dos Antigos Combatentes (ADACD)

6. Coligação União Eleitoral

7. Partido de Liberdade e Desenvolvimento (PLD)

8. Partido de Solidariedade e Liberdade (PAZS)

9. Partido Reconciliação Democrática de Reunião social (PRDS)

10. Partido de Reconciliação Nacional (PARENA)

11. Partido Aliança Independente de Moçambique (ALIMO)

12. Partido Ecologista Movimento da Terra (ECOLOGISTA - o MT)

13. Partido Movimento Patriótico Para a Democracia (MPD)

14. Partido Nacional de Operários e Camponeses (PANAOC)

15. Partido Os Verdes de Moçambique (PVM)

16. Partido Popular dos Democratas (PPD)

17. Partido Trabalhista (PT)

18. Partido União Democrata De Moçambique (UDM)

19. Partido União Para Mudança (UM)

Os candidatos para as eleições presidenciais foram: Armando Emílio

Guebuza (FRELIMO), Afonso Macacho Marceta Dhlakama (RENAMO) e Daviz

Mbepo Simango (MDM). Candidaturas de seis concorrentes foram rejeitadas pela

                                                            

11 Até agosto de 2011 estavam inscritos 86 partidos políticos incluindo coligações. (MUTEMBA, Hélder, 2011:10). Muitos são extra-parlamentares por não possuírem assentos na Assembléia da República, fato que enfraquece, de certa forma, a representatividade política que poderia influenciar na tomada de decisões fundamentais.

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CNE. Para as eleições legislativas, 24 partidos e cinco coligações submeteram as

suas candidaturas na CNE. Destes, a CNE rejeitou todas as listas de 10 partidos e

algumas das listas de 17 partidos políticos. Somente a FRELIMO e a RENAMO

tiveram as suas listas aprovadas pela CNE em todos os círculos eleitorais. Embora

a rejeição de seis candidatos presidenciais e de partidos pequenos não tenha

resultado em grande debate, a rejeição do MDM em nove dos 13 círculos eleitorais

deu origem a acusações de parcialidade política contra a CNE e contra o Conselho

Constitucional.

Apesar desse número elevado de concorrentes, principalmente para as

legislativas nacionais, apenas os dois partidos (Frelimo e Renamo) tiveram a

chance de formar bancada na Assembléia da República. Por regra do regimento

interno da Assembléia da República, o MDM, não tinha direito a formar bancada

por não ter reunido o número suficiente de deputados, mas isso foi possível depois

do consenso havido entre os órgãos deliberativos que autorizaram o MDM a formar

a sua bancada. Essa decisão beneficia, de certa forma, para a ampliação das

práticas democráticas.

As tabelas abaixo ilustram os resultados finais do pleito de 2009 e o quadro

de mandatos de cada partido representado tanto na Assembléia da República

quanto nas Assembléias Provinciais em que a Frelimo lidera com grande

vantagem.

Resultados das Eleições Presidenciais

Tabela 3: Resultados oficiais das presidenciais de 2009

Candidato Total de votos em

(%)

Armando Guebuza 75,2%

Afonso Dhlakama 16,3%

Daviz Simango

8,6%

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Resultados das Eleições das Assembleias Provinciais

e da Assembléia da República

Partido

Total de círculos eleitorais

concorridos

Resultados de votos em

(%)

Mandatos na

Assembléia Provincial

Mandatos na

Assembleia da República

Frelimo 141 83, 2% 704 191

Renamo 62 13% 83 51

MDM 19 3,4% 24 8

Tabela 4: Resultados oficiais das legislativas de 2009.

Ao fazer a leitura destes resultados, Sérgio Chichava (2010:23), argumenta que

Uma primeira análise dos resultados do MDM mostra a distância entre os votos do partido e do candidato, com vantagem para Daviz Simango. Isto explica-se obviamente pelo fato de o MDM não ter concorrido em todos os círculos. Outro detalhe interessante: se já se sabia que o MDM iria obter mandatos na Beira, difícil era prever isso para a Cidade de Maputo, círculo dominado pela Frelimo e que representa uma espécie de “barômetro” político do país. Neste círculo eleitoral, o MDM obteve três mandatos, feito jamais realizado por um partido da oposição. Daqui pode-se inferir duas coisas: 1) que - pelo menos no que diz respeito às eleições de 2009, o MDM é um partido essencialmente urbano; 2) que se trata de um eleitorado cansado da Frelimo, de um antigo eleitorado “renamista” desiludido com as prestações da Renamo ou, ainda, de um eleitorado que jamais se identificou com uma Renamo incapaz de se afirmar em verdadeira alternativa política e que via no MDM uma oportunidade para se desenvencilhar destes dois partidos, independentemente de o partido de Daviz Simango ter ou não ter uma ideologia ou um programa político alternativo.

Nesse contexto de uma democracia frágil, constatamos que a

Comunicação e a Política são duas áreas que passam por transformações na

atualidade. Por um lado, os atores políticos perceberam que o seu desempenho

e sua visibilidade depende dos meios de comunicação de massa e, sobretudo da

televisão, nosso objeto de estudo e, para isso, estão adaptando seus discursos

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às linhas editoriais e ao perfil desses veículos. Por outro, a cobertura dos

processos eleitorais é, para as mídias, uma oportunidade de estabelecerem

contratos comunicacionais com os seus públicos para garantir credibilidade e

maior audiência.

Essa relação de interdependência torna-se cada vez mais complexa nos

processos eleitorais e exige de cada área construir estratégias capazes de atrair

a adesão do público-alvo. Nessa linha de ideia é fundamental questionar: de que

forma os programas eleitorais disputam a interpretação da realidade socialmente

construída sobre o país no seu passado, presente e perspectivando o futuro?

Que regimes de visibilidade orientam a constituição e a presença dos atores

políticos em disputa eleitoral? Que tipo de figuratividades são construídas em

torno das imagens públicas dos candidatos à presidência da República? Que

mapas cognitivos os programas oferecem aos eleitores em torno do cenário

histórico, político, social e econômico do país?

É na tentativa de busca de respostas a esses e outros questionamentos

que estamos desenvolvendo a pesquisa sobre os programas eleitorais de três

candidatos a presidente da república, que foram transmitidos na Televisão de

Moçambique (TVM), emissora pública. E para compreendermos as dinâmicas

desse processo no contexto da democracia moçambicana discutimos a seguir

sobre as relações entre televisão e eleições que influenciam nas formas de fazer

política.

1.4. As relações entre televisão e eleições e as novas formas de fazer política

A televisão exerce um papel fundamental em qualquer tipo de campanha

política e também em outros eventos que tenham como objetivos alcançar uma

dimensão maior, nos seus propósitos de convencimento dos telespectadores. É

com esse reconhecimento, que, desde as primeiras eleições gerais e

multipartidárias de 1994, os atores políticos moçambicanos têm utilizado todos os

meios de comunicação disponíveis, sobretudo a televisão, nas suas campanhas

eleitorais, com o intuito de convocar os eleitores ao voto. Dessa época até este

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  46 

momento, percebemos a crescente preocupação dos candidatos em dar maior

visibilidade à sua imagem e, com isso, granjear simpatia dos potenciais eleitores.

Os meios de comunicação tornaram-se referenciais dos acontecimentos no

mundo, servindo de parâmetro de valores e comportamentos para os indivíduos.

Na atualidade, configuram-se como lugar privilegiado de articulação dos campos

sociais, em que os mais variados discursos procuram visibilidade e transparência.

Nesse sentido, compreender as formas de articulação dos discursos sociais nos e

pelos media, é uma necessidade fundamental, cuja dimensão é equiparada à

importância do processo comunicacional na sociedade contemporânea.

No atual cenário, tanto global, quanto local, não restam dúvidas de que a

Comunicação e a Política são duas áreas, que, pela pluralidade de enfoques e

objetos que comportam, tornam complexa qualquer tentativa de sua sistematização

e, talvez por essa razão, muitos dos estudos provenientes da inter-relação das

mesmas são de natureza inter e multidisciplinar.

Com 35 anos de independência do país e 32 anos de funcionamento da

televisão pública em Moçambique, este meio de comunicação já se consolida e

ganha importância significativa nos processos eleitorais, sobretudo desde a

promulgação da nova Constituição da República, em 1990, em que o país aderiu

ao sistema multipartidário de governação.

Em Moçambique, a televisão tem desempenhado um papel fundamental

desde 1994 com a realização das primeiras eleições gerais multipartidárias com o

fim da guerra entre o governo e a guerrilha. A cada processo eleitoral, a campanha

política ganha mais visibilidade e novas dinâmicas pela superexposição dos

candidatos a cargos políticos e de seus programas políticos na televisão.

Durante o processo eleitoral, as emissoras de televisão dedicam parte de sua

programação à cobertura e ao debate sobre a campanha política. A TVM tem o

programa informativo Diário de Campanha, além do HGPE (obrigatório); a STV

conta com o programa intitulado Especial Eleições; a TIM leva ao ar o programa

Debates Eleitorais que convida os atores da sociedade moçambicana para a

discussão sobre as questões políticas daquele momento e a Miramar apresenta as

informações da campanha eleitoral dentro do telejornal.

Essa dinâmica reflete que na atualidade, parte substantiva da mediação entre

eleitores e candidatos ocorre através dos meios de comunicação. Temos novas

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configurações das campanhas eleitorais resultantes do deslocamento da

campanha da rua para esses meios, embora, no caso de Moçambique, os meios

tradicionais ainda continuem a ser usados uma vez que grande parte da população

não tem acesso à mídia, sobretudo da televisão.

Em 1991 foi aprovada a nova lei Nº 18/91 de, 10 de Agosto, a lei de

imprensa, decorrente da nova constituição, que, também, abriu espaço para a

entrada de veículos de comunicação privados. Este cenário deu lugar à

multiplicidade da oferta no sector, o que possibilitou o alargamento dos espaços

para ampliação da visibilidade dos candidatos e dos seus partidos políticos.

No âmbito da propaganda eleitoral, a disputa pelo poder deixou de

acontecer apenas nos espaços habituais (ruas, residências, praças, mercados e

em locais de aglomerados de pessoas) e passou a ser feita também nos meios de

comunicação de massa, com ênfase para a rádio e televisão.

Embora o desempenho da televisão ainda seja fraco, já está ganhando peso

político significativo ao expor os problemas do país, como a ineficiência da

administração pública, a fraqueza de implementação das políticas públicas, a

corrupção generalizada no sector público, entre outros, e as denúncias sobre o

envolvimento de alguns membros do governo em negócios obscuros como os

ligados à exploração e exportação de recursos naturais sem a devida observância

da lei. Se compararmos com os anos passados, atualmente a imprensa em geral e

particularmente a televisão tem sido mais atuantes, estando cada vez mais

interventivas e tem feito a cobertura dos acontecimentos com um pouco mais de

liberdade, responsabilidade e coragem, embora ainda prevaleçam as dificuldades

do acesso às fontes de informação, sobretudo no que tange às decisões do

governo, pois, não há transparência. Estas transformações têm possibilitado a

parte da população moçambicana a tomada de consciência em relação aos seus

direitos políticos e civis e, sobretudo, têm tido a oportunidade de votar livremente

nos candidatos e partidos de sua preferência sem sofrer repressão, pelo menos de

forma explícita.

Desde 1994 as eleições decorrem num clima de muita mobilização dos

atores sociais envolvidos. Cada vez mais, há uma forte valorização do contacto

interpessoal (candidato-eleitor) baseado na estratégia de campanha porta-a-porta,

a qual tem sido uma técnica mais envolvente que os políticos adotam para a

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“conversa” face-a-face com os eleitores nas suas moradias. Por outro, busca-se, a

todo custo, uma superexposição da imagem dos candidatos na televisão e na cena

política. Portanto, “se a propaganda pode aparecer de várias maneiras, podemos

afirmar que ela, pela natureza das formas de que se apropria, também é

multidisciplinar” (DOMENACH, 1955).

Nesse sentido, para Rubim, na contemporaneidade, a política, para ter

existência social e atender os trâmites desta sociabilidade atual, necessita

compreender a publicização como algo não exterior (algo que se soma ou se

agrega) ao fato político dado, mas parte constitutiva deste fato, momento de sua

existência efetivamente social e política, (RUBIM, 1994:48). Nesta perspectiva,

Patrick Charaudeau ressalta a persuasão e a identificação estésica como alguns

dos recursos mais eficazes de convencimento e conquista do eleitorado. Para o

autor, “a política é um domínio da prática social em que se enfrentam relações de

forças simbólicas para a conquista e a gestão de um poder” (CHARAUDEAU,

2006:79). Todo o arranjo sincrético das linguagens acionadas no meio audiovisual

– verbal, visual, sonora, cores, enquadramentos cênicos, movimentos de câmera

concorrem simultaneamente para construir os contratos comunicacionais.

Na campanha eleitoral de 2009, os discursos políticos foram marcados pela

passionalidade da argumentação e da persuasão que estimulavam à participação

política. Tanto as estratégias discursivas, quanto os modos de interação entre

candidatos e eleitores foram formatados com a intenção de fazer aflorar as

características identitárias dos candidatos a cargos eletivos e a convencer os

eleitores a aceitarem as propostas de governação apresentadas. Isso é construído

com a intenção de produzir algo no receptor - os destinatários - e modificar-lhes a

conduta em algum sentido, (GOMES, 2010:108).

A preocupação dos atores políticos na construção das estratégias de

campanha eleitoral está a progredir em simultâneo com a própria televisão. Esta

tem melhorado, ao longo desses anos, as condições de transmissão, ampliando o

raio alcance do sinal, para além de investir, tanto na formação dos profissionais da

comunicação, quanto na reformulação e ampliação da grelha de programação

diária. Tudo isso, sem dúvida, melhora as condições técnicas das transmissões e

aumenta o número de telespectadores, o que pressupõe novos desafios em termos

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de formação por parte dos profissionais da emissora nas mais diversas

especialidades da comunicação.

Nesse ambiente em que os telespectadores/eleitores estão mais exigentes,

em termos de qualidade de informação que lhes é apresentada, o desafio maior

recai para a TVM e para os idealizadores dos programas do Tempo de Antena,

uma vez que estes são transmitidos apenas nesta emissora, concorrendo com

emissoras privadas que, no mesmo horário, transmitem programas de

entretenimento, que sem dúvida, atraem maior atenção dos telespectadores.

1.5. O Horário Gratuito da Propaganda Eleitoral de Televisão

A cada cinco anos, em período de campanha eleitoral, há uma pequena

mudança na programação normal da televisão pública. Durante quarenta e cinco

dias de campanha previstos na lei eleitoral do país, os telespectadores/eleitores

convivem com discursos, imagens de políticos e seus aliados em comícios,

showmícios e, algumas vezes, em confrontos físicos e verbais entre os

simpatizantes partidários devido a sua rivalidade política. Muitos jornalistas

deslocam-se dos seus postos habituais de trabalho (centros urbanos e vilas) e,

temporariamente, realizam a cobertura e transmitem as suas reportagens desde os

mais recônditos espaços geográficos de Moçambique.

Para além desta dinâmica, os partidos políticos e os seus candidatos

também contam com o Tempo de Antena (TA), espaço privilegiado e momento

crucial para a transmissão dos programas eleitorais que ocorre de forma

obrigatória nos veículos públicos de comunicação, isto é, na Televisão de

Moçambique (TVM) e na Rádio Moçambique (RM). Essa obrigatoriedade não

impede aos partidos políticos de veicularem outro tipo de propaganda paga nas

emissoras privadas que operam no país.

O Tempo de Antena é fundamental para o processo de consolidação da

democracia, pois se espera que melhore o ambiente político e o diálogo entre os

atores sociais envolvidos na construção da nação moçambicana. Se for bem

construído, no sentido de trazer à tona as diferentes visões de mundo, valores e

ideários dos proponentes políticos, este espaço possibilitará, em cada época, que

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os eleitores conheçam melhor os candidatos a cargos públicos e seus os

respectivos partidos.

Apesar desta pesquisa não ter foco nos estudos de recepção, é possível

aferir, através da análise da propaganda eleitoral obrigatória, que o HGPE tem

peso significativo na tomada de decisão do eleitor, uma vez que oferece

informações sobre os programas de governo dos candidatos e seus partidos,

possibilitando aos eleitores conhecerem melhor as semelhanças e as diferenças

entre os concorrentes. No HGPE os candidatos e seus apoiadores falam em

primeira pessoa, convocam os eleitores, em alguns casos falam na sua própria

língua, facilitando a compreensão da mensagem política. Essas condições visam

aumentar a confiança por parte do eleitor, e a partir dessas dinâmicas, as pessoas

formam convicções em relação aos parâmetros de suas escolhas, de acordo com

os anseios de auto-realização como cidadãos.

As campanhas eleitorais são embates discursivos complexos. Decifrar os

contratos comunicacionais e os argumentos retóricos é o primeiro passo para

compreendermos a dinâmica da disputa entre os candidatos aos principais cargos

políticos do país. Este argumento se dilui na estratégia de comunicação da

campanha, seus formatos e técnicas de produção; na construção do discurso; nos

tipos de apelos; nos objetivos das mensagens; nas características pessoais; no

clima geral do comercial e nos temas propostos pela campanha. A persuasão

realizada pela propaganda política visa apresentar os argumentos que são

favoráveis ao grupo que apoia, buscando conduzir a uma decisão esperada.

“Através de um discurso planejado, o orador escolhe palavras específicas para

apresentar seus pontos de vista e opiniões, visando convencer a audiência a

seguir uma determinada linha de ação” (MAGALHÃES, 2000:113).

Pelo seu grande alcance sobre o telespectador, a televisão oferece vasta

quantidade de informações sobre os candidatos, o seu ideário político, os projetos

de governo e, ao mesmo tempo, esses assuntos tornam-se temas de conversa nos

seus círculos de convivência com outros telespectadores. Esse fenômeno de

agendar os temas da sociedade midiatizada é explicado pela hipótese do agenda-

setting. Esta sustenta que os assuntos abordados diariamente pelas mídias são

responsáveis pelo estabelecimento da agenda do dia dos temas a serem

discutidos pela audiência.

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Atualmente, em Moçambique, o HGPE constitui o principal meio de

campanha dos candidatos envolvidos na disputa eleitoral e, através desse tempo

disponibilizado de forma gratuita nos veículos públicos de comunicação, todos têm

a possibilidade de divulgar os seus programas de governo de igual forma. É

através da televisão e rádio públicas que se dá a maior e mais abrangente parte da

campanha política eleitoral. Nesse período, as estratégias de retórica são postas

em prática, pelos candidatos, com vista a persuadir e ganhar o voto do eleitor.

A CNE e o STAE têm desenvolvido campanhas de educação cívica das

populações como forma de informá-los sobre como votar corretamente, e também

para alertar os eleitores para a observância das regras e procedimentos para o

momento de votar.

É importante salientar que as ações de educação cívica são direcionadas,

principalmente, para as populações que têm pouco acesso à informação.

Consistem em encenações teatrais, na visita de agentes cívicos formados pelo

STAE para conversar com elas em suas residências ou locais de trabalho para

explicá-las sobre como decorre todo o processo, e esclarecerem as dúvidas que

tem sobre a temática eleição.

A produção e transmissão de programas de rádio têm sido outra estratégia

positiva que garante a divulgação de informações sobre o processo eleitoral

começando com o recenseamento, a campanha política até culminar no momento

de votar. Nesse sentido, a CNE e o STAE desempenham papel preponderante na

produção de conteúdos nas línguas nacionais possibilitando que grande parte da

população compreenda as mensagens educativas e de apelo à participação. Para

o mesmo fim são produzidos pelo STAE materiais gráficos como cartazes,

panfletos e jornais, folhetos, manuais cujo foco é ensinar a votar e fazer apelo à

participação consciente do cidadão para o exercício de seus direitos.

Durante a campanha eleitoral, o público tem acesso a informações políticas

pelo HGPE e também pela cobertura diária da imprensa. São transmitidos

programas especiais de televisão criados apenas para esse momento. Como

referimos anteriormente, a TVM tem o informativo designado Diário de Campanha,

que é transmitido durante a campanha eleitoral, após o telejornal; a STV conta com

o programa informativo intitulado Especial Eleições; a TIM leva ao ar o programa

Debates Eleitorais, que convida os atores da sociedade civil para a discussão

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sobre as questões políticas daquele momento e a TV Miramar apresenta as

informações da campanha eleitoral dentro do telejornal com uma rubrica especial

sobre este período particular da política.

A Rádio Moçambique destaca-se por ter uma cobertura mais ampla em todo

o país e por possuir programação não só em português, mas também em boa

parte das línguas locais mais faladas no país. Assim, o HGPE exibido na TVM é

também transmitido nesta emissora, duas vezes por dia (a meio da manhã e a

noite) e, parte dele em línguas locais, facilitando a recepção desses conteúdos

pela população não falante de língua portuguesa.

A imprensa mobiliza-se nos seus mais variados espaços e formatos na

cobertura da política. Os principais jornais diários (Jornal Notícias, O País) e

semanais (Savana, Magazine Independente, Diário de Moçambique, Canal de

Moçambique, Domingo, a Verdade e o Público) têm dedicado parte de suas

páginas à cobertura sobre as eleições, além de publicar as cartas dos leitores e

artigos de colunistas, especialistas em ciência política, que refletem sobre o

processo eleitoral, apontando as potencialidades e fraquezas das plataformas de

governo dos candidatos e seus partidos.

Vale ressaltar que estas eleições também tiveram repercussão nas mídias

digitais, sobretudo em blogs de pesquisadores, historiadores e docentes

universitários, além de os próprios partidos terem usado e potencializado os seus

sites para divulgação de informações sobre a campanha política nos diferentes

pontos do país.

Segundo Luís Felipe Miguel (2000), os meios de comunicação modificaram

consideravelmente a percepção da realidade política. Primeiramente, isto se deve

ao fato de as pessoas passarem a ter acesso a uma quantidade muito maior de

informações. Além disso, o discurso político se vê obrigado a se adaptar à lógica

discursiva imposta pela mídia. No que diz respeito à informação sobre política,

Miguel ressalta que a mídia transmite sua perspectiva da política não somente nos

espaços noticiosos, mas também na programação de entretenimento, como

novelas e programas de auditório.

Em ambiente de campanha, a propaganda mistura-se com jornalismo e vice-

versa. Esta relação de cumplicidade entre a propaganda e o jornalismo é mais

frequente nos relatos sobre o país, sobre a atividade de campanha dos candidatos

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e seus aliados e quando se pretende destacar, positivamente, a imagem de

determinado concorrente e suas ações com o intuito de influenciar a escolha dos

eleitores.

Os recursos técnicos jornalísticos, como a linguagem informativa, os planos

(gerais e médios) de captura de imagens do país (rural e urbano), as entrevistas

com pessoas comuns, que privilegiam cenários que mostram o cotidiano dos

eleitores relatando as suas conquistas e dificuldades, são procedimentos

emprestados do jornalismo para dar credibilidade à propaganda, com o intuito de

criar impacto considerável no telespectador, gerando um efeito de sentido de

proximidade entre o candidato e o eleitorado. No jornalismo esse procedimento

serve para induzir o telespectador a visualizar as estruturas do poder preocupadas

com as causas nacionais. Aliás, essa tendência é muito forte na imprensa

moçambicana e o jornalismo, no seu todo, realiza campanha eleitoral, embora não

oficialmente. Pode-se perceber essa postura a partir dos resultados de monitoria

encomendada pelo Sindicato Nacional de Jornalistas (SNJ), que pretendia avaliar o

grau de profissionalismo dos jornalistas moçambicanos na cobertura do processo

eleitoral, tendo em conta o Código de Cobertura Eleitoral.

Sobre a exposição da imagem dos três concorrentes à presidência da

república, em que os mesmos aparecem como protagonistas das notícias, o estudo

indica que em 20 dias de campanha os principais jornais impressos cobriram com

mais equilíbrio como mostra a tabela abaixo:

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Legenda: DM* = Diário de Moçambique; = Público; M. Ind** = Magazine Independente Gráfico 1 – Artigos tendo os Candidatos como Protagonistas (%)

Fonte: Relatório de Monitoria, SNJ, Maputo, 2009.

A análise concluiu que:

a. em termos de abrangência na cobertura, os três tipos de media

monitorados (rádio, televisão, jornais) fizeram uma cobertura muito ampla, tendo reportado o dia-a-dia da campanha eleitoral um pouco por todo o país.

b. de uma forma geral para todos os media monitorados, a cobertura foi mais focalizada no partido Frelimo e no candidato Armando Emílio Guebuza. Na Televisão e nos jornais a cobertura feita ao MDM e ao candidato Daviz Simango aparecia sempre em segundo lugar, e a Renamo e o candidato Afonso Dhlakama sempre em terceiro lugar. Apenas na cobertura feita pela rádio a Renamo e o candidato Afonso Dhlakama apareceram em segundo lugar.

c. a análise das valências, de uma forma geral para os três media monitorados, também oferece uma indicação de maior protagonismo e visibilidade oferecidos ao Partido Frelimo e ao candidato Armando Emílio Guebuza, seguindo-se o MDM e o candidato Daviz Simango, e finalmente a Renamo e o candidato Afonso Djlakama. Elevados índices de valências positivas a favor da Frelimo e do seu candidato; e elevados índices de valências negativas desfavorecendo a Renamo e o seu candidato, dão indicações da existência de parcialidade, deliberada ou não, por parte dos jornalistas dos media monitorados, particularmente da Televisão Pública (Relatório do Sindicato de Jornalistas, 2009:).

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Já a cobertura da TVM foi parcial em favor da Frelimo como ilustra a tabela:

Gráfico 2. Representação percentual do nº de peças e tempo dedicado a cada partido político. Fonte: Relatório de Monitoria, SNJ, Maputo, 2010.

Este cenário é indicativo de que os meios de comunicação moçambicanos

cobrem a campanha com parcialidade, principalmente, os órgãos públicos (TVM e

RM), no que tange à construção das notícias sobre os candidatos e seus partidos,

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favorecendo o candidato governista, ou seja, o jornalismo é usado para fazer

propaganda eleitoral em favor da Frelimo e seu candidato.

Nesse sentido, alguns elementos são comuns na propaganda e no

telejornalismo: (i) a linguagem informativa que, quando mais simples e coloquial,

permite que a mensagem seja compreendida pela maioria dos telespectadores; (ii)

a organização da informação, que deve ter sentido e coerência para atrair a

atenção do público; (iii) uma linguagem apelativa, para agradar os

telespectadores/eleitores através da visualidade; (iv) a pluralidade de vozes que

visa legitimar o candidato.

A diferença principal, entre a propagada e o jornalismo, para o caso de

Moçambique, está na falta de atualização contínua ou periódica das peças

publicitárias, o que torna o HGPE repetitivo, e a nosso ver, isso gera desinteresse

e desmotivação do telespectador/eleitor em continuar a assistir.

A mistura de propaganda com jornalismo pode ser constatada, por exemplo,

no programa Diário de Campanha, da TVM, em que se faz um resumo da

campanha, destacando informações e aspectos que o destinador

(candidato/partido) considera importantes para o destinatário

(telespectador/eleitor). Nesse trecho, a seguir, podemos perceber como o Diário de

Campanha faz referência ao último dia de campanha, destacando algumas figuras

da arena política nacional:

Apresentadora (Emília Moiane): a Renamo na província de Maputo pede ao eleitorado para depositar voto de protesto contra aquilo que considera de custo de vida insustentável no país. António Muchanga, membro da brigada do partido, solicita o voto a favor da Renamo e seu candidato Afonso Dhlakama. Off: na reta final de campanha, a Renamo se fez em caravanas que serpentearam as ruas da cidade da Matola nos bairros de (...). O chefe da brigada da Renamo disse que se tratava de mobilização final do eleitorado a favor da agenda de sua governação. António Muchanga disse que o custo de vida é insustentável devido ao conflito de interesses políticos e econômicos, que, na sua opinião, caracterizam a governação da Frelimo. Entrevistado 1 (António Muchanga): estamos aqui para vos recordar que 4ª feira é o dia da grande decisão, temos que ir votar contra os altos preços de construção; temos que votar ir votar contra o custo de vida.

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Off: para Renamo, a visita aos bairros da Matola serviu igualmente para agradecer o acolhimento dispensado pelo eleitorado durante os dias de campanha. Entrevistado 2 (José Samo Gudo): eu quero pedir aos vendedores deste mercado para no dia 28 votarem no presidente Dhlakama e na Renamo. Off: os candidatos a deputado pela Renamo disseram que chegaram ao fim da campanha com sentimento de dever cumprido e de confiança no eleitorado. Apresentadora (Emília Moiane): a chefe da brigada central da Frelimo pela província da Zambézia, Luísa Diogo, exortou a OJM (Organização da Juventude Moçambicana) para cerrarem fileiras e mobilizarem o eleitorado da Zambézia a ir às urnas para votar na Frelimo e seu candidato Armando Guebuza. Luísa Diogo sublinhou que só indo votar é que os jovens e as mulheres poderão garantir a continuidade do programa de realizações da Frelimo. Off: a brigada central da Frelimo na Zambézia voltou a reunir-se com a OJM e a OMM para reiterar a necessidade de mobilizar os eleitores a irem em massa às urnas para garantir uma vitória retumbante da Frelimo e do seu candidato Armando Guebuza. Luísa Diogo lembrou que o sucesso do 9º Congresso da Frelimo, realizado em Quelimane, as grandes realizações como construção de pontes, escolas e hospitais, fontes de água, foram conseguidos graças ao empenho das mulheres de todo o país e, em particular, as da Zambézia. Entrevistada (Luísa Diogo): quando nós vamos aos IMP’s (Instituto Médio Pedagógico), aos institutos de formação de professores, às escolas de formação de enfermagem, encontramos lá mulheres, é, por isso, que dissemos que a mulher moçambicana é o elemento mais ativo na campanha da Frelimo. Off: a chefe da bancada central disse que a própria agenda da Frelimo tem como preocupação a solução dos problemas dos jovens, mas também da mulher. Luísa Diogo disse ainda que a biografia de Armando Guebuza tem uma trajetória de servidor do povo que marcou toda a sua vida ligam-no indissoluvelmente aos moçambicanos, aos jovens e às mulheres de todo o país.

Como podemos observar, a edição desses textos com recortes das

entrevistas mostra uma retórica implícita que, conjugada com a linguagem não-

verbal, direciona o telespectador a uma interpretação específica do fato noticiado.

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O enquadramento, portanto, pode ser considerado como um tipo de

retórica da representação mediática, porque representa realidades ou distorce a

percepção que a audiência tem dos acontecimentos. Segundo Albuquerque

(1998:16), a escolha de um enquadramento e não de outro, justifica o modo pelo

qual os jornalistas elegem a forma de representar uma determinada realidade,

tendo em vista a ideologia hegemônica.

Entman (1994:298) classifica enquadramento como um paradigma de

pesquisa utilizável nos estudos da opinião pública e do comportamento dos

eleitores, seja nas Ciências Políticas, seja na Comunicação Social, ou na

confluência das duas áreas.

A análise do enquadramento nos ajuda a compreender a forma como o

processo de tratamento das informações que são editadas e divulgadas em forma

de notícias contribui para a formação de representações midiáticas que, por sua

vez, ajuda o jornalismo a construir cenários de representação, em particular, na

arena da política. Muitas vezes, os artifícios do enquadramento - imagens,

metáforas, palavras de ordem etc. – são invisíveis, isto é, não se destacam como

intencionais, integrando-se à estrutura do discurso. Isso dificulta a percepção dos

fatos pelo leitor/telespectador/eleitor que se debruça sobre a análise de

enquadramento das notícias.

Com o crescimento das mídias em Moçambique percebemos que cada vez

mais as pessoas estão atentas para a forma pela qual a imprensa, em geral,

constrói os noticiários, sobretudo, em períodos de campanha eleitoral.

Essa experiência do uso da mídia em processos eleitorais no mundo não é

recente. Paul Lazarsfeld e Robert Merton (1978) fundamentam que os meios

assumiram a tarefa de ajustar os públicos de massa ao status quo social e

econômico, atribuindo importância a questões públicas, pessoas, organizações e

movimentos sociais.

O entendimento desses pressupostos teóricos é importante para

compreendermos em que contexto os meios de comunicação se alteraram e de

que maneira a intensificação dos seus usos passou a interferir na vida política.

Com a presença das mídias, sobretudo da televisão em muitos domicílios

este veículo concedeu maior visibilidade aos principais partidos políticos envolvidos

em competições com vista a alcançar cargos públicos políticos e/ou

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administrativos. Essa dinâmica confirma a ideia de Maria Helena Weber

(2004:261), de que “a política mostra partes convenientes, emite sinais para os

espectadores, sociedade e mídias, esperando produzir apoio, votos e opinião”.

Em Moçambique, a televisão já se consolida e ganha importância

significativa nos processos eleitorais, sobretudo desde a promulgação da nova

Constituição da República em 1990 em que o país aderiu ao sistema

multipartidário (Muatiacale, 2007). Desde 1994 as eleições decorrem em um clima

de muita mobilização dos atores sociais envolvidos. Por um lado, há uma

excessiva valorização do contato interpessoal (candidato-eleitor e vice-versa). Por

outro, busca-se, a todo custo, uma superexposição da imagem dos candidatos na

mídia. Nesse sentido, é pertinente a ideia de que,

na contemporaneidade, a política, para ter existência social e atender os trâmites dessa atual sociabilidade, necessita compreender a publicização como algo não exterior (algo que se soma ou se agrega) ao fato político dado, mas parte constitutiva deste fato, momento de sua existência efetivamente social e política (RUBIM, 1994:48).

No cenário moçambicano, o desenvolvimento das dinâmicas da campanha

eleitoral progride em simultâneo com a própria televisão, uma vez que esta tem

melhorado, ao longo desses anos, as condições de transmissão ampliando o raio

do alcance do sinal, além de investir tanto na formação dos profissionais da

comunicação quanto na reformulação e ampliação da grade de programação

diária.12 Tudo isso, sem dúvida, melhora a qualidade das transmissões e aumenta

também o número de telespectadores.

Em se tratando do período de campanha eleitoral, o desafio maior recai para

a Televisão de Moçambique (TVM), e para os idealizadores dos programas do

horário gratuito obrigatório uma vez que estes são transmitidos apenas nesta

emissora, concorrendo com emissoras privadas que, no mesmo horário,

                                                            

12 Atualmente o país conta com sete emissoras de sinal aberto: TVM, STV, TIM, Record Moçambique, RTP África, TV Maná e KTV e apenas a TVM é pública (Muatiacale, 2007).

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transmitem programas de entretenimento, que sem dúvida, atraem maior atenção

dos telespectadores.

Diante desses desafios é importante compreendermos que tipo de contratos

comunicacionais os enunciadores desses programas constroem, levando em

consideração que nos processos eleitorais os políticos buscam convencer os

eleitores a votarem neles. Concordamos com o argumento de que “para promover

o querer/dever ser ou fazer do eleitor, o candidato usa de habilidade para organizar

os valores “desejáveis” pelo próprio eleitorado, enquanto obediência a uma

opinião, invocada como figura capaz de motivar a vocação dos governantes.”

(RAMALDES, 1997:24 in LANDOWSKI, 1992:27). A seguir, discutiremos os

conceitos-chave que norteiam a pesquisa para compreendermos que mecanismos

discursivos os enunciadores adotam na construção da propaganda eleitoral para

convencer o eleitor a votar a seu favor.

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Capítulo 2

Bases Conceituais e Fundamentação Teórica da Pesquisa

2.1. O conceito de discurso e suas interconexões

Neste capítulo centramos a atenção para o debate sobre os conceitos

básicos e norteadores desta pesquisa, os quais se mostram pertinentes para o

desenvolvimento da análise dos programas eleitorais dos três partidos em estudo e

do cenário político moçambicano, sobretudo, na atualidade. Nessa tentativa

buscaremos analisar o conceito de discurso e suas interconexões com os de

hegemonia, palavras de ordem e significantes vazios que servirão de base de

referência para a compreensão do cenário em que se inscreve a propaganda

eleitoral de televisão em Moçambique.

Para compreendermos as dinâmicas e as estratégias discursivas dos

programas eleitorais elegemos os pressupostos teóricos de Ernesto Laclau e

Chantal Mouffe (1985, 2004) em sua abordagem sobre a teoria do discurso, além

de considerarmos também como fundamentais os fundamentos teóricos de

Norman Fairclough (2001). Nesses autores encontramos as bases que nos ajudam

a realizar interpretações sobre como os discursos políticos são produzidos e

difundidos pelos meios de comunicação de massa, sobretudo, pela televisão.

A abordagem de Laclau (1985) sustenta que discurso é tudo o que constitui

a realidade (coisas, sujeitos, práticas sociais). Essa significação dá-se através de

um sistema de regras construídas socialmente que lhe dá significado. “Algo é o

que é somente por meio de suas relações diferenciais com algo diferente” (Laclau,

2005:92).

Para o autor, o discurso não se reduz à linguagem, abarca o conjunto das

práticas articulatórias num determinado contexto. Na visão de Fairclough

(2001:90), essa concepção de discurso pode trazer várias implicações. A primeira

é o fato de “ser o discurso um modo de ação, uma forma pela qual as pessoas

podem agir sobre o mundo e especialmente sobre os outros, como também um

modo de representação”. Nessa linha de pensamento, a compreensão do discurso

político dos programas eleitorais como espaço de construção de significações tanto

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pelos políticos quanto pelo eleitor é fundamental. A segunda implicação se liga a

“uma relação dialética entre o discurso e a estrutura social, existindo mais

geralmente tal relação entre a prática social e a estrutura social”.

o discurso é moldado e restringido pela estrutura social no sentido mais amplo e em todos os níveis: pela classe e por outras relações sociais em um nível societário, pelas relações específicas em instituições particulares, como o do direito ou a educação, por sistemas de classificação, por várias normas e convenções, tanto de natureza discursiva como não-discursiva, e assim por diante (FAIRCLOUGH, 2001:91).

Fairclough (200:92) reafirma que “a constituição discursiva da sociedade

não emana de um livre jogo de ideias nas cabeças das pessoas, mas de uma

prática social que está firmemente enraizada em estruturas sociais materiais,

concretas, orientando-se para elas”. Essa ideia também está presente na

abordagem de Laclau (1985:107) que defende que

todo o objeto é constituído como um objeto de discurso, na medida em que nenhum objeto é dado fora das suas condições de emergência; que qualquer distinção entre os usualmente chamados aspectos lingüísticos ou comportamentais da prática social é, ou uma distinção incorreta, ou necessita achar seu lugar como diferenciação dentro da produção social de sentido, que é estruturada sob a forma de totalidades discursivas (LACLAU, 1985:107).

Esta argumentação revela que nada tem sentido a não ser dentro de uma cadeia

de significados, ou seja, a não ser no interior de um discurso. Na mesma lógica

Fairclough (2001:90) designa discurso como “o uso de linguagens, como forma de

prática social e não como atividade puramente individual ou reflexo de variáveis

situacionais”.

A natureza do discurso político apresenta como fundamento a conexão entre

linguagem e ação, como sinalizam os postulados de Laclau (1985). A partir dessa

assertiva compreendemos que no âmbito da propaganda eleitoral, o discurso

político tem como objetivo a incorporação de discursos engendrados tanto nas

políticas macro (universalistas) que perpassam a sociedade moçambicana no seu

todo, enquanto Estado-Nação, quanto as micropolíticas (particularismos) que se

materializam nas diversas instâncias representativas da população no contexto das

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suas identidades particulares. Portanto o discurso político estaria direcionado ao

nível nacional dando ênfase aos ideais nacionalistas e, ao mesmo tempo, daria

foco aos ideais nos contextos (provincial, distrital e de posto administrativo).

De acordo com Céli Pinto (2005:84) são inúmeras as formas através das

quais os discursos se organizam: discurso científico, místico, religioso, político,

amoroso, mediático, cada um desses pode ser subdividido em muitos outros, cada

um contendo características próprias de funcionamento. Nesta pesquisa o nosso

propósito é compreender o discurso político e suas características.

Todo o discurso é um discurso de poder, na medida em que todos os

discursos pretendem impor verdades a respeito de um tema ou área específica.

Entretanto, o discurso político se destaca de todos nesta particularidade, porque

enquanto os outros tendem a deslocar seus desejos de poder, tornando-os opacos,

o discurso político explicita a sua luta pelo poder através dos espaços de disputa

entre os candidatos a enunciar esse discurso e, para isso, lutam para serem eleitos

e legitimados.

Na visão de Celi Pinto (2005:89), a característica fundamental do discurso

político é que para sua sobrevivência necessita impor a sua verdade a muitos e, ao

mesmo tempo, é o que está mais ameaçado de não conseguir. É o discurso cuja

verdade está sempre ameaçada em um jogo de significações. Ele sofre

cotidianamente a desconstrução, ao mesmo tempo só se constrói pela

desconstrução do outro. É, portanto, dinâmico, frágil e, facilmente, expõe sua

condição provisória.

Sobre as características do discurso, Céli Pinto (2005:92), afirma que

(...) de forma diversa, o discurso político tem lados, é um discurso de visões de mundo. É um discurso que tem como princípio básico a polêmica, ou seja, ele vive através da polêmica, vive através da desconstrução do outro. Essa é uma questão fundamental para entendê-lo, porque o que ele faz é desconstruir o outro, para se construir. Porque, se ele não desconstruir o outro ele não tem condições de construir a si próprio. É por isso que o marketing e o discurso político estão tão próximos, porque os diversos discursos na arena política estão buscando o mesmo espaço.

Essa característica é uma das principais marcas do discurso político,

sobretudo na campanha política, porque é nesse contexto que se busca

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estabelecer uma “aliança” entre candidatos e eleitores em vista a mobilizá-los a

aceitar o projeto político proposto. E, se partirmos do pressuposto de que o

processo eleitoral se constitui como redes de significação do processo político e

cultural de pertencimento de diferentes grupos sociais, os atores políticos precisam

assumir uma estratégia de negociação para produzir mudanças importantes tanto

na postura dos eleitores quanto no processo de reconhecimento e legitimidade do

poder dos grupos sociais no ambiente multicultural que caracteriza o país.

Para Lavareda (2009:14) “eleição é um tipo particular de escolha. E

escolhas coletivas, em todas as culturas, demandam um grande esforço

emocional, que acaba por envolver, num intenso processo de comunicação, até

quem não participa diretamente delas”. No entanto, a complexidade da

concretização deste desejo apresenta grandes desafios a serem enfrentados,

sobretudo pelo cenário político e histórico da experiência de Moçambique e não

só como de todo continente africano, em que os movimentos nacionalistas que

lideraram os processos de independência dos seus países transformaram-se,

mais tarde, em partidos únicos durante muitos anos e só posteriormente abriram-

se ao pluralismo político e, em certos casos, optaram pela democracia como

sistema de governo.

No caso de Moçambique, pensar em analisar a pluralidade política e cultural

como redes de significação desse processo cultural “passa pela necessidade de

buscar estratégias culturais que fazem a diferença e deslocam as disposições do

poder como passo inicial” (HALL, 2001:11). Para o autor, a busca dessas

estratégias culturais pode estar vinculada a assunção de um caráter relacional de

negociação do poder entre os diferentes grupos sociais que compõem a sociedade

moçambicana.

O caráter relacional entre esses grupos sociais e as formas de como o poder

se dispõe no país precisa distanciar-se mais da lógica do poder predominante das

democracias liberais, ou seja, da lógica que subverte do poder o antagonismo em

detrimento do consenso, provocando assim, atos de exclusão como afirmam

Laclau (1996a). No entanto, para negociar o poder para além desse modelo, a

presença do conflito não pode estar sustentada em uma base comum de

negociação.

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O antagonismo tem o objetivo de transformar relações antagônicas em uma

relação de agonismo, ou seja, as relações de poder negociadas entre adversários

com o objetivo de reconhecer e legitimar os outros oponentes. Voltaremos a essa

questão mais adiante ao discutir a lógica da equivalência e da diferença na

perspectiva de Laclau. Nessa linha de ideia, (Mouffe, 2009 apud Pasquarelli,

2009:278) argumenta que,

o desafio para a política democrática consiste no impedimento do surgimento do antagonismo mediante um modo diferente de estabelecer a relação nós/eles. O antagonismo não pode ser erradicado; deve ser transformado, possibilitando uma forma de oposição. Para haver uma forma de oposição nós/eles compatível com a democracia pluralista, deve existir vínculo entre as partes em conflito, sem considerar os oponentes como inimigos a ser erradicados. Os oponentes não podem ser considerados estritamente como competidores ou se reconciliarem através da deliberação. Então, para sustentar a permanência da dimensão antagônica de conflito, deve-se considerar outra relação: o agonismo. Este estabelece uma relação nós/eles cujas partes em conflito reconhecem a legitimidade de seus oponentes, que se percebem como pertencentes à mesma associação política, compartilhando um espaço simbólico comum dentro do qual o conflito tem lugar. Por isso, o termo adversário é crucial para a política democrática, pois permite transformar antagonismo em agonismo.

O processo eleitoral constitui-se de inúmeras redes de significação

referentes ao discurso, uma vez que participam diversos partidos e seus

candidatos a cargos políticos que constroem propostas políticas singulares, isto é,

distintas no jogo das diferenças, que envolvem um rol de partidos políticos, atores

e lugares. E, nesse sentido faz-se necessário entender o sentido das diferenças

como propõe Laclau (2005).

Esse exercício torna-se importante dentro do processo político de

significação, considerando que não há uma proposta política hegemônica, mas

diversas propostas de governo que se originam dos contextos partidários

diferentes onde são produzidas para a sua divulgação em nível nacional levando

em consideração essas diferenças.

Para Mouffe (2009), uma democracia correta exige o enfrentamento entre

posições democráticas legítimas, o que deve proporcionar formas de identificação

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coletivas. Nesse sentido, os antagonismos devem adquirir uma forma agonista,

que não deve ser concebida em termos da oposição amigo/inimigo; e, se o

consenso é necessário, também é essencial o dissenso. Mas para se alcançar o

consenso passa-se pela articulação discursiva.

2.2. Articulação discursiva e construção de pontos nodais

A teoria do discurso de Laclau (1985:113) define o discurso como uma

prática articulatória que constitui e organiza relações sociais. Essa prática

articulatória consiste na “construção de pontos nodais que fixam parcialmente

sentidos; o caráter parcial dessa fixação procede da abertura do social, resultante,

por sua vez, de um constante transbordamento de todo discurso pela infinitude do

campo da discursividade”.

É no aspecto de sentidos sempre mal fechados e incompletos que a noção

de discurso ganha foco central nos estudos de Laclau (1985, 1996), pois para o

autor, qualquer possibilidade de fixação de sentidos, sempre parciais, depende do

sistema discursivo. A articulação discursiva é uma prática que se estabelece entre

elementos que em um primeiro momento não estão articulados entre si.

O caráter aberto do discurso implica na formação constante de novos

sentidos, ou seja, na emergência de novos discursos. Nesse sentido, Prado

(2005:95) argumenta que “a operação de fechamento é impossível, mas ao mesmo

tempo necessária; impossível devido ao deslocamento constitutivo que há no

coração de qualquer arranjo estrutural, e necessária porque sem essa fixação

fictícia do sentido não haveria nenhum sentido”.

Tomando a concepção de ponto nodal de Laclau é possível perceber em

que ancora o estabelecimento da prática articulatória presente no discurso político

eleitoral. O ponto nodal identificado nos três programas eleitorais liga-se ao tema

da defesa do sentido de unidade nacional. Nestes discursos, foi identificada uma

significativa quantidade de temas relacionados à defesa desse bem comum que é

o Estado moçambicano, que possui uma constituição que precisa ser preservada e

é a mesma que torna iguais todos os moçambicanos independentemente de suas

identidades particulares.

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Essa estratégia aparece constantemente nos discursos políticos dos

candidatos além dos manifestos eleitorais dos partidos participantes do processo.

A unidade nacional figura como uma das prioridades dos atores políticos, por isso,

aparece muito clara essa preocupação que se torna uma luta entre os diferentes

partidos políticos que concorreram às eleições de 2009. Mas as formas dessa

preservação, ou seja, os caminhos a serem percorridos e seguidos para esse fim é

que se diferenciam totalmente. Isso está patente na propaganda eleitoral de cada

candidato e seu partido, como veremos mais adiante. Na visão de Mendonça

(2007)

a noção de ponto nodal, incorporada da tradição lacaniana por Laclau e Mouffe (1985), é, em termos mais sistemáticos da teoria do discurso, a ideia mais acabada da supressão da universalidade/particularidade. O ponto nodal representa um discurso privilegiado que consegue articular em torno de si outros discursos. Tal articulação forma uma cadeia de equivalências, que significa que em torno deste discurso central gravitam outros discursos que são representados por este discurso privilegiado (suplementar). Entretanto, para que um discurso se torne um ponto nodal, é preciso, como já mencionamos que este amplie seus conteúdos, incorpore elementos de outros discursos e necessariamente tenha de ceder alguns de seus sentidos iniciais para que estes não entrem em choque com sentidos produzidos por outras identidades por ele articuladas (MENDONÇA, 2007:252).

Ao aplicar a análise sobre essa construção retórica, identificando os

momentos em que se constitui este discurso, percebemos que estes elementos

emergem em contextos isolados, ou seja, particulares, no seio dos partidos

concorrentes, o que corresponde àqueles momentos que em um primeiro instante

não estão articulados entre si, o que Laclau denomina de situação em que se

identifica a lógica da diferença, neste caso da diferença partidária e ideológica. É

exatamente neste momento em que é possível reconhecer a expansão do espaço

em que estão distribuídos estes diferentes discursos, separados e dispersos.

Todos apresentam as suas diferenças, particularidades e demandas isoladas, mas,

tratam do mesmo tema que é a necessidade de governar Moçambique de forma

equilibrada, aquela pensada desde antes da independência em 1975 e que, de

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acordo com a visão da oposição, perdeu o sentido original de unidade nacional que

se pretendia.

Na propaganda eleitoral cada candidato e seu partido buscam construir

um discurso capaz de evidenciar que a sua proposta é melhor que a dos

concorrentes. Assim, ao definir o discurso como uma totalidade estruturada pela

prática articulatória, Laclau e Mouffe (1985:107) reconhecem que o objectivo

principal é de dominar o campo da discursividade. Nesse horizonte, cada discurso

se define a partir de um ponto nodal diferente e particular.

Os pontos nodais da propaganda dos três candidatos revelam-se,

sobretudo, nos slogans. Com o discurso de que “a Frelimo é que fez, a Frelimo é

que faz” este partido buscava marcar a proposta de continuidade de governar o

país, o que significava que estava no caminho certo e havia necessidade de

impulsionar o desenvolvimento para que o país alcançasse os patamares

desejados e esperados. Já a Renamo, ao construir o slogan “o melhor de

Moçambique são os moçambicanos”, defendia a ideia do reconhecimento das

questões de igualdade na diversidade e na urgência de se construir o país com

base nos princípios do Direito constitucional. Enquanto isso, o ponto nodal do MDM

foi costurado em torno do argumento da necessidade de se construir uma

democracia inclusiva que preservasse o pluralismo democrático, de modo que sua

candidatura visava impedir que a Frelimo tivesse poder excessivo e isso pudesse

abrir espaço para a volta ao monopartidarismo.

Assim, seguindo o pensamento de Laclau (1985), o discurso é uma prática

que produz sentidos a partir de articulações de elementos significantes flutuantes

na cultura. Vejamos a seguir como se materializam as interconexões do conceito

de discurso com os de hegemonia e ideologia e seu impacto no cenário político

moçambicano.

2.3. Relação entre discurso, ideologia e hegemonia

A hegemonia é outra categoria importante discutida por Laclau (1985). O

conceito de hegemonia desenvolvido por Laclau e Mouffe ao longo de seus

trabalhos é, sem dúvida, tributária das teses de Gramsci. Os autores buscaram no

filósofo italiano a base para a compreensão deste conceito que começaram a

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desenvolver em 1985 e que estará presente ao longo de suas obras. Para os

autores, de acordo com Gramsci,

hegemonia envolve a criação de uma alta síntese, na qual todos os seus elementos se fundem em uma ‘vontade coletiva’ que se torna o novo protagonista da ação social que funcionará como o protagonista da ação política, enquanto a hegemonia durar. É, portanto, através da ideologia que esta vontade coletiva forma-se uma vez que sua existência depende da criação de uma unidade ideológica na qual ela servirá como cimento (MOUFFE, 1979:184).

Nesse sentido, hegemonia apontará para uma ausência de totalidade e para

uma diversidade de tentativas de recomposição e rearticulação que, em superando

esta ausência original, faz possível para as lutas terem significado e para as forças

históricas serem dotadas de completa positividade. Este pensamento é reforçado

por Fairclough (2001), que analisa o discurso em relação ao poder e à ideologia e

situa o discurso numa perspectiva de hegemonia, em que se entendem as relações

de poder como lutas hegemônicas. Na concepção de Fairclough (idem) a luta

hegemônica localiza-se em uma frente ampla. É nesse contexto que, para

Thompson (1995:79), a análise da ideologia interessa-se pelas maneiras pelas

quais as formas simbólicas se entrecruzam com as relações de poder. Assim,

conceitua a ideologia "em termos das maneiras como o sentido, mobilizado pelas

formas simbólicas, serve para estabelecer e sustentar relações de dominação". O

sentido aqui se refere a (ações, falas, imagens, textos) inseridos nos contextos

sociais e que circulam no mundo social. Os diferentes graus de poder conferidos

aos indivíduos dependem da localização social das pessoas e das qualificações

associadas a essas posições.

Na visão de Thompson (1995:83), “as tradições são, muitas vezes,

inventadas a fim de criar um sentido de pertença a uma comunidade e a uma

história que transcende a experiência de conflito, da diferença e da divisão”. As

raízes ideológicas do partido Frelimo, no poder desde 1975, consecutivamente,

remontam ao período pós-guerra colonial, alguns anos após a independência do

país, como assinala Brazão Mazula (1985), ao se referir ao processo de

planificação do partido Frelimo quando assumiu a orientação ideológica marxista-

leninista em 1977:

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aquele foi o momento histórico importante em que, pela primeira vez, a Frelimo e representantes da sociedade se reuniam em solo pátrio já libertado, para, em clima de entendimento, consertar as linhas gerais de desenvolvimento e definir ações prioritárias. O III Congresso tomou, para ponto de partida, que a contradição principal da sociedade moçambicana era a oposição entre a revolução e o modo de produção colonial-capitalista e o dito modo de produção feudal, a qual se resolvia com a eliminação dos dois e a introdução direta do socialismo. A Frelimo desafiava uma revolução socialista, sem qualquer fase intermediária (...). O desafio consistia em planificar o salto para o socialismo sem nenhuma fase intermediária. Assim, os congressistas preocuparam-se em encontrar instrumentos julgados capazes de, em menos tempo possível, superar o atraso do país e modernizar o país (...). A estes desafios, o congresso respondeu com a criação de um partido único, de orientação marxista-leninista, a organização de um Estado moderno e uma sociedade, dirigidos pelo partido único (III Congresso da FRELIMO: 147 in Mazula, 1985:155).

A partir dessas diretrizes políticas e ideológicas do passado percebemos

que no contexto moçambicano a noção de ideologia assumiu desde então formas

complexas na estrutura social. Quase todos os setores vitais da sociedade

moçambicana foram enquadrados nessa lógica da ideologia da Frelimo que exerce

até hoje seu poder de uma forma que se pauta pela centralização, contrariando

todos os princípios de liberdades consagradas na constituição da república de

1990, que reforça a democracia multipartidária. As instituições públicas funcionam

num ritmo que se caracteriza por uma burocracia administrativa muito forte, que

não permite flexibilidade, por exemplo, na definição das carreiras profissionais, no

atendimento público e na resolução de assuntos comuns que dizem respeito à

maioria da população, independentemente de sua filiação partidária. A imprensa, o

rádio e, mais tarde, a televisão pública, e em certa medida, também a mídia

independente, não escaparam dessa centralização e desse controle por parte do

governo.

Outro modo de operação da ideologia apresentado por Thompson (1995:86)

é a unificação. Através desse modo, as relações de dominação podem ser

estabelecidas e sustentadas pela construção, no nível simbólico, de uma forma de

unidade que interliga os indivíduos numa identidade coletiva, independentemente

das diferenças e divisões que possam separá-los. Além desse modo, Thompson

apresenta outro ainda, denominado reificação, que se caracteriza pela eliminação

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ou ofuscação do caráter sócio-histórico dos fenômenos. É num contexto marcado

por esse modo de operação da ideologia que na visão de Thompson (1995:87)

“costumes, tradições e instituições se cristalizam na vida social, e seu caráter

aparentemente a-histórico é reafirmado através de formas simbólicas que na sua

construção, como também na sua pura repetição, eternalizam o contingente”.

Nos argumentos de Fairclough (1992:92), “a hegemonia entende as

relações de dominação baseadas no consentimento e não na coerção, e implica a

naturalização e a construção do senso comum...”. Nessa perspectiva, percebemos

como a genealogia do conceito de hegemonia se desenvolveu. Com Gramsci, a

hegemonia era concebida no sentido tático-político e, mais tarde, Laclau e Mouffe

direcionaram suas abordagens para a compreensão desse conceito no contexto do

marxismo pós-estruturalista. Assim, hegemonia tornou-se um termo chave para a

compreensão de problemas sociais da época.

Laclau e Mouffe buscaram ir além do que Gramsci abordava, como forma de

se compreender a origem e a natureza dos problemas sociais. Para Laclau

(1985:03), esse pressuposto servirá de “base de onde os conflitos sociais

contemporâneos são pensáveis em sua especificidade, bem como permitirá voltar

e rever uma nova política para a esquerda, baseada sobre o projeto de uma

democracia radical”.

Diversos discursos entram em competição em busca de hegemonia. Laclau

& Mouffe (1985) argumentam que hegemonia é a soma de diferentes demandas,

que deixam a sua particularidade de lado e passam a assumir este caráter

universalizante. Através desta abordagem, os autores buscam superar a

experiência marxista, que estava baseada na questão da luta de classes como

elemento central na hegemonia. Na visão de Laclau, a hegemonia parte de

qualquer relação de luta política, naquelas situações em que são perceptíveis

discursos que se tornam dominantes. Assim, esta categoria não se restringe

apenas à dinâmica da luta de classes.

Na concepção de Laclau e Mouffe (1985:105), a hegemonia forma-se,

compõe-se de, e articula dois “momentos”: “o primeiro é o do consenso, colocado

na instância da sociedade civil. Esse cria a base do consentimento, ativo ou

passivo para o estabelecimento de certa ordem social; o segundo é o “poder”, na

instância da sociedade política ou Estado”.

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A hegemonia também pode significar predomínio majoritário de um grupo,

de uma classe sobre outra ou mesmo do Estado sobre o povo. Na concepção de

Laclau (1985), a hegemonia dá-se no campo da ideologia. Um discurso se torna

hegemônico quando o seu autor consegue fazê-lo ouvido, repetido e aceito pelos

demais. No caso de Moçambique o ator principal do discurso político e ideológico é

o governo e seu partido político - a Frelimo - que utiliza a mídia para difundir seu

discurso e ideologia. Tal ação pressupõe certas estratégias de “manipulação” - no

sentido semiótico do termo - cujo significado é de persuasão que um sujeito realiza

intencionalmente para fazer o outro indivíduo desenvolver uma ação desejada pelo

primeiro.

A partir da concepção de Laclau (1985), a hegemonia pressupõe que as

ideias de uma classe (não no sentido marxista do conceito) têm de ser

generalizadas para valerem para toda a sociedade quando essa classe ou partido

assumem a condução da política. Com base nesse pressuposto buscamos

compreender o foco do discurso político e a forma como os programas de governo

propostos pelos candidatos à presidente da república elaboram os seus discursos

estabelecendo conexões com a realidade histórica, social e política do país de

maneira a formar um sentido que esteja articulado com o que se quer dar a

conhecer ao eleitor. Para isso os atores políticos adotam alguns mecanismos de

construção discursiva que incluíam estratégias de agendamento temático através

da difusão de palavras de ordem na convocação do eleitor à participação do

processo eleitoral.

2.4. Das palavras de ordem à construção de significantes vazios

no discurso político

A maior preocupação dos atores políticos é que a sua mensagem seja

percebida, desperte o interesse do público e seja aceita e traduzida em voto pelos

eleitores. Nesse sentido, há necessidade de os políticos saberem convencer os

eleitores e construir uma consciência política a seu favor. Essas e outras razões

justificam a existência de palavras de ordem que assumem um papel importante no

cenário político em qualquer sistema ou modelo de governo.

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Para Domenach (1963:28), “as palavras de ordem são a tradução verbal

duma fase tática revolucionária” e são as que condensam a linha política do

momento e a sua característica fundamental é que “devem deduzir-se da soma das

particularidades de determinada situação política”. Para o autor, esse é um

conceito motriz que expressa o objetivo mais importante do momento, o quanto

possível clara, breve e euforicamente: quer, em período revolucionário, o

aniquilamento do adversário em escopo unitário para as massas.

Deleuze (1995) designa como palavras de ordem não uma categoria

particular de enunciados explícitos (por exemplo, no imperativo), mas a relação de

qualquer palavra ou de qualquer enunciado com pressupostos implícitos, ou seja,

com atos de fala que se realizam no enunciado, e que podem se realizar apenas

nele. Nos argumentos do autor, as palavras de ordem não remetem, então,

somente aos comandos, mas a todos os atos que estão ligados aos enunciados

por uma ‘obrigação social’. Não existe enunciado que não apresente esse vínculo,

direta ou indiretamente. Uma pergunta, uma promessa, são palavras de ordem. A

linguagem só pode ser definida pelo conjunto das palavras de ordem, pressupostos

implícitos ou atos de fala que percorrem uma língua em um dado momento

(Deleuze e Guattari, 1995: 16).

Na campanha eleitoral, a preocupação dos candidatos e seus partidos é

procurar convencer os eleitores através de palavras de ordem. Para a Frelimo, na

campanha de 2009, o objetivo principal era reativar na memória coletiva as

palavras de ordem que estiveram patentes no passado histórico do país, ou seja,

são palavras de ordem que demonstram o continuísmo político e a preocupação

maior era trazer à memória dos eleitores os fundamentos históricos da formação

da nação moçambicana. A mesma lógica também foi adotada pela Renamo já que

não era a primeira vez que participava das eleições. Já para o MDM, suas palavras

de ordem revelaram novas aspirações de ser uma alternativa de governo e o seu

discurso vincava na qualidade de ser um partido da paz, de jovens que nunca

pegaram em armas, e com isso buscava marcar o seu diferencial com os dois

concorrentes que no passado se confrontaram com armas e cuja guerra

desestabilizou e atrasou o desenvolvimento do país.

Na trajetória política moçambicana encontramos algumas palavras de ordem

que se tornaram nessa força motriz desde o período da preparação da luta contra

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o sistema colonial português e com a celebração da independência ganharam

maior destaque: liberdade, igualdade, unidade nacional, democracia e

desenvolvimento são algumas dessas palavras de ordem que merecem destaque

no discurso de quase todas as formações políticas e da sociedade civil, em geral,

mobilizando dessa forma, a opinião pública a discutir sobre os problemas sociais

mais comuns do país.

Duas décadas depois, essas palavras de ordem que antes tiveram força

aglutinadora, pela abertura do social, foram ganhando outras interpretações por

parte de diferentes interlocutores, tornando-se dessa forma em significantes

vazios. Enquanto a Frelimo busca convencer o eleitorado de que pretende mudar

para melhorar a vida da população, a oposição procura reconfigurar esses

aspectos prometendo mudanças radicais. As palavras de ordem que o MDM

difunde se concentram nos significantes “liberdade”, “participação”, “equidade” e

“justiça social” e estão ligadas à ideia do estabelecimento de um modelo de

governo não divisionista, à distribuição equitativa da riqueza nacional, à união e

participação de todos nas tomadas de decisões sobre o país, enquanto para a

Renamo, suas palavras de ordem se identificam com “honestidade”,

“transparência” e “Estado de direito”, pois esta formação política apela para a

transparência na gestão pública, o reconhecimento, a valorização das diferenças

étnicas e ideológicas e, sobretudo, a instauração dos princípios do Estado de

direito defendendo a ideia da despartidarização dos órgãos da administração

estatal.

No âmbito da teoria do discurso, um significante vazio é um significante sem

significado. Contudo, um significante vazio é um significante sem significado,

conforme aponta Laclau (1996), não por não fazer parte de um sistema de

significações, o que conseqüentemente o impediria de produzir qualquer sentido,

mas justamente pelo fato do significante vazio representar um sistema de

significações que, devido ao seu caráter polissêmico, acaba por perder qualquer

possibilidade de produzir sentidos específicos.

Os significantes vazios ocorrem “quando um discurso tem universalizado em

demasia seus conteúdos, quando esse passa a fazer sentido a uma multiplicidade

de identidades, a ponto de ele se tornar incapaz de ser significado de forma exata

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(MENDONÇA, 2006:84)”. Isso quer dizer que um significante em deslocamento é

que depende dos contextos históricos de cada tempo e lugar.

A tese de Laclau (2005) inova as análises do campo das ciências sociais,

uma vez que os inúmeros objetos a serem estudados e reinterpretados não

dispensarão recursos retóricos que, segundo o autor, são importantes para a

compreensão de que muitas das significações não passam de totalizações vazias,

ou melhor, de significantes vazios.

Laclau (2005:104) argumenta que existem inúmeros objetos que são

inomináveis em sua representação. Portanto, pensar discursos como pretensas

totalizações ou universalismos de qualquer ordem (educacional, cultural,

econômica, social, religiosa), além das impossibilidades disso não acontecer, há

um contra argumento muito forte o fato de que toda totalização provoca exclusão. Essas reflexões servem para compreensão da arena da política

moçambicana, onde identificamos algumas propostas políticas como alguns

desses significantes que podem se constituir em totalização improvável de ser

objetivada, pelo fato de os significantes vazios se constituírem em meras

expectativas da sociedade. Nessa perspectiva, aquelas palavras de ordem que

faziam parte do repertório político do país desde a independência tais como

igualdade, unidade nacional, democracia se constituem em significantes vazios da

atualidade e isso decorre em função da abertura do social e também da dificuldade

do fechamento do discurso que é característico da noção de discurso.

Depois da independência, a unidade nacional foi concebida como uma

necessidade de todo o povo moçambicano, por isso, era missão de todos e

compromisso coletivo para se resolver os problemas inerentes ao próprio processo

de descolonização. Houve uma percepção generalizada da existência de

problemas sociais que clamavam por uma resposta. Ou seja, para as demandas

sociais se esperavam soluções capazes de atendê-las no sentido coletivo

sabendo-se que a responsabilidade maior cabia ao novo governo recém-

constituído.

No contexto democrático e de abertura política do país, os atores políticos e

a sociedade em geral apropriaram-se das mesmas palavras de ordem para

ressignificá-las, originando uma multiplicidade de novos significados mais

atualizados. Nessa dinâmica coletiva, a política foi desacreditada pela maioria dos

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eleitores em virtude das diferenças nas prioridades das demandas sociais e das

diferenças em termos de ideais políticos. A seguir discutiremos sobre o sentido

desses significantes vazios que se tem formado na sociedade moçambicana.

2.4.1. Unidade nacional como significante vazio

As primeiras discussões a respeito da unidade nacional, do surgimento das

nações e dos obstáculos para a sua constituição plena, em África, surgiram pouco

antes das independências nacionais e foram pautadas por uma preocupação

política por parte dos protagonistas do processo. Nos anos 60, os nacionalismos

foram os veículos por meio dos quais se construíram as nações modernas; eles

elaboraram programas capazes de, em sociedades muito desiguais, incorporar

grande parte da população e fazer com que todos se sentissem partícipes dessa

comunidade imaginada que é o Estado-Nação.

O processo de constituição do Estado-Nação foi resultado de uma complexa

interface entre os fatores materiais objetivos, tais como língua, território e história

comuns, existência de um mercado interno e criação de símbolos pátrios. Em

Moçambique, a ênfase na unidade nacional constituía elemento primordial na

configuração da nova identidade nacional coletiva.

Após a independência, a unidade nacional tornou-se o centro do projeto

político desenhado pela FRELIMO. Aliás, esse esforço de unir os moçambicanos

nos mesmos ideais começou mesmo antes da independência com a formação de

uma frente única revolucionária, FRELIMO13, que fosse capaz de lutar pela

independência do país. Dessa forma, a unidade nacional foi difundida e encarnada

em um único movimento nacionalista a FRELIMO, que mais tarde viria a

transformar-se em partido político.

Para Cabaço (2007), “face à natureza multiétnica e multicultural da

sociedade moçambicana, o esforço da unidade foi concentrado em torno dos

                                                            

13 A formação da Frente de Libertação de Moçambique (FRELIMO) deu-se em 1962. A FRELIMO congregava na sua estrutura interna, diversas tendências e clivagens ideológicas, como a da União Moçambicana de Moçambique Independente (UNAMI); a União Democrática de Moçambique (UDENAMO); a União Nacional Africana de Moçambique (MANU) e o Movimento de Libertação de Moçambique (MOLIMO), articulados numa única frente política de luta armada contra o colonialismo português no país. Como aponta Ngoenha (1998:20), esse projeto político visava impedir a fragmentação de microcomunidades políticas, integrando-as numa única dinâmica política vigente no país.

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princípios e objetivos da luta e tornou-se princípio subjacente a todos os valores

teóricos da Frelimo” (CABAÇO, 2007:402). Na visão do autor, a concepção

defendida pela FRELIMO era de uma unidade que englobasse todos os

moçambicanos, sem discriminação, consubstanciada na unidade ideológica do

movimento, na unidade entre elites e massas, trabalho intelectual e trabalho

manual, cidade e campo.

Com a independência em 1975, a FRELIMO lançou bases para a

construção de uma nova sociedade capaz de alterar as heranças negativas do

regime colonial. Nesse sentido, ao perceber a necessidade da participação das

massas como a garantia da legitimidade e prestígio político, os líderes da

FRELIMO procuraram difundir o discurso de unidade nacional, sobretudo para as

populações das áreas libertadas. Eles consideravam que quanto mais houvesse

participação dos camponeses, mais consciência nacional e política teriam.

Valendo-se de uma política pautada na ideologia do centralismo

democrático, a FRELIMO não admitia a existência e a “proliferação” de outras

forças sociais e políticas que não estivessem submetidos à ideologia do partido,

numa demonstração de força suprapartidária jamais registrada na história política

do país. O partido tomou sérias medidas no seu projeto político nacionalista

revolucionário visando gerar novas formas de organização social. A prioridade era

a reorganização do sistema colonial de ensino formal, de forma que houvesse

condições para geração do desenvolvimento e criação de um homem novo com

novas mentalidades.

Como conseqüência dessa política revolucionária desenvolveu-se o lema de

um partido, um sindicato, uma organização de mulher e de jovens, um Estado e

uma identidade nacional (Chichava, 2008:07), como forma de reforçar o

compromisso das massas com a ideologia revolucionário-nacionalista da

FRELIMO.

O projeto nacionalista da moçambicanidade opunha-se ao tribalismo e ao

regionalismo num contexto marcado por conflito político, exclusão social e guerra

civil pós-independência, em favor da construção da unidade nacional, apesar de

serem os grupos étnicos forças impulsionadores da independência nacional.

Outro aspecto que evidencia a política da FRELIMO no contexto da

construção da identidade nacional refere-se ao espaço de poder assegurado por

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ela. O partido desenvolveu o discurso do desenvolvimento econômico, entendido

como a modernização das sociedades africanas. Para unir todos os moçambicanos

seria pertinente que a tribo morresse na consciência do povo de forma que

houvesse as condições necessárias para a construção sólida da nação. Portanto, o

discurso de unidade nacional tornou-se um recurso político-ideológico das

lideranças do país em construção na medida em que se configurava como

imperativo fundamental para a coesão interna dos grupos multiétnicos e

linguísticos diversos e espalhados pelo território nacional e também dos

movimentos nacionalistas que se tinham constituído.

Para compreendermos essa dinâmica recorremos à abordagem de Stewart

Hall (2000) que aponta que embora exista toda uma intenção de uniformidade e

homogeneidade cultural, “uma cultura nacional nunca foi um simples ponto de

lealdade, união e identificação simbólica (...) e a cultura nacional também é uma

estrutura de poder cultural” (HALL, 2000:107). Portanto, com base nesse

fundamento, percebemos que o discurso “unificador” da FRELIMO, enquanto líder

do processo da revolução e da luta armada contra o sistema colonial português

desempenhou papel fundamental no processo de afirmação da nação

moçambicana. À FRELIMO coube não somente inventar a nação, mas dessa

forma, atuar como legitimadora de um determinado projeto de sociedade com o

qual estava em conformidade, e assim, estabelecer uma memória nacional.

É importante compreendermos também, que para a elaboração dessa

narrativa da unidade nacional, o passado era fundamental, pois é, por excelência,

a base de sustentação de sentidos por constituir-se em referencial. Em última

instância, a narrativa da unidade nacional é um relato de legitimação da autoridade

central, que busca favorecer a estabilidade desejada pelas elites dirigentes do país

e construtoras da nação. Esse efeito é obtido a partir dos sentidos construídos pelo

discurso político alinhados com a historicidade, que implicam em lições de história

política comum em que há necessidade de se fazer conhecer à população através

das gerações.

A intenção de quem elabora esse tipo de discurso e de narrativa é promover

a unificação e, logo, anular e subordinar a diferença cultural. Ou seja, “não importa

quão diferentes seus membros possam ser em termos de classe, gênero ou raça,

uma cultura nacional busca unificá-los numa identidade cultural, para representá-

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los todos como pertencendo a uma mesma e grande família nacional” (HALL,

2000, 59).

Essa dinâmica é vivenciada quando há uma narrativa da nação, tal como é

contada e recontada nas histórias e nas literaturas nacionais, na mídia e na cultura

popular. Essas fornecem uma série de estórias, imagens, panoramas, cenários,

eventos históricos, símbolos e rituais nacionais que simbolizam ou representam as

experiências partilhadas, as perdas, os triunfos e os desastres que dão sentido à

nação. Hall (2000:50) sinaliza que como membros de tal “comunidade imaginada”

nos vemos no olho de nossa mente, como compartilhando dessa narrativa (nos

termos de Laclau isso é o discurso). Ela dá significado a nossas vidas cotidianas

com um destino nacional que preexiste a nós e continua existindo após a nossa

morte. O autor afirma ainda que “as culturas nacionais, ao produzir sentidos sobre

a ‘nação’, sentidos com os quais podemos nos identificar, constroem identidades.

Esses sentidos estão contidos nas estórias que são contadas sobre a nação,

memórias que conectam seu presente com seu passado e imagens que dela são

construídas” (HALL, 2000: 51).

Na visão da FRELIMO, para que essa “unificação” ocorresse, era

necessária a afirmação de uma cultura nacional, por meio do culto e da criação de

uma memória nacional, o que era pressuposto para a consolidação do Estado-

Nação. Moçambique independente precisava da história e dos historiadores para

se oferecer um passado e abrir-se um futuro. Está claro que para a FRELIMO

interessava construir uma historicidade da qual tivesse domínio cerrado, que fosse

de acordo com os seus objetivos e ideários políticos. Isso faz sentido, pois na

lógica da teoria do discurso de Laclau, o agente do discurso é histórico e social e o

discurso pressupõe a presença e a participação efetiva desses agentes que

ocupam suas posições e compartilham enunciados que podem contribuir para a

construção ou desconstrução de uma determinada realidade posta ou que se

presentifica no contexto social. Laclau (1985) argumenta que “os discursos lutam

por estabelecer verdades e por excluírem do campo da significação outros

significados”.

Para Fairclough, qualquer prática discursiva envolve processos de

produção, distribuição e consumo textual, e a natureza desses processos varia

entre diferentes tipos de discurso de acordo com os fatores sociais. Esse

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  80 

pensamento também se apresenta em Greimas para quem o sentido de qualquer

texto dá-se na sociedade através da cultura. Em outras palavras, “o texto encontra

seu lugar entre os objetos culturais, inserido numa sociedade (de classes) e

determinado por formações ideológicas específicas” (Barros, 2005:7).

Hall (2000:58) identifica na cultura nacional “uma fonte de significados

culturais, um foco de identificação e um sistema de representação e a memória

nacional como uma entidade mais ampla e genérica (a nação) aproximando-se

mais da ideologia e, por conseguinte, estendendo-se à sociedade como um todo e

definindo-se como universal. Com base nesse argumento compreendemos a

postura do partido Frelimo em lutar por estabelecer sentidos que sejam

unificadores.

A busca incessante pela construção do sentido da narrativa da unidade

nacional levou a Frelimo a construir uma propaganda que reforçava o valor do

nacionalismo e abarcava fundamentalmente a ação de formar, orientar e

convencer, através do seu discurso político e assim, incentivar fidelidade à nação.

Isso era possível uma vez que a propaganda se caracteriza por englobar três

elementos fundamentais que a identificam e a diferenciam: a capacidade

informativa; a força persuasiva; e o caráter ideológico (GOMES, 2004ª: 115).

Com base na ideologia, a propaganda oferece a significação a ser dada aos

acontecimentos. Ela tem um alvo ideológico; implica adesão estável, impondo uma

ideologia. Através da propaganda, os atores políticos procuram a todo custo quer

intencional e conscientemente, convocar o eleitor ao voto. Assim, a propaganda

cria comunidades ideológicas, afina laços de filiação, prometendo vencer todo tipo

de desafios sociopolíticos, econômicos e de outra natureza, além de projetar

melhorias na vida da população, em geral, e de todos os medos, trazendo

esperança de uma vida melhor.

Durante a campanha eleitoral, percebemos que a estratégia discursiva do

enunciador da propaganda do partido Frelimo visava inculcar na população

moçambicana um retorno à memória da narrativa da unidade nacional fundadora

da nação, a do momento da independência em junho de 1975 e com isso

pretende-se obter do cidadão, o seu comprometimento emocional e identificação

pessoal. Dessa forma, a partir da identificação, a individualidade se dilui em um

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organismo maior, unido por laços de filiação sentimental aos antepassados e

compatriotas e parte integrante de um glorioso porvir.

Esta incursão analítica pela trajetória histórica, política e cultural do país

baseada no arcabouço teórico dos autores-chave desta pesquisa nos leva a

concluir que a Unidade Nacional é uma palavra de ordem que se tornou um

significante vazio pelas razões explicitadas e confrontadas pelos argumentos

teóricos e práticos que apresentamos. O que acontece é que a FRELIMO enquanto

movimento revolucionário nacionalista se transformou, mais tarde, em partido

político albergando outras posições diferenciais, outros atores da sociedade

moçambicana.

Com a inserção de novas posições diferenciais, o sentido original de

unidade nacional defendido pela Frelimo foi se ampliando e alguns significados se

desvirtuaram ao longo da história e se foram enfraquecendo cada vez mais e, para

muitos moçambicanos já não convencem mais. A maioria da população se vê

apartada do usufruto da independência. Muitos dos valores do passado não mais

os mesmos e é nesse contexto que percebemos que a unidade nacional que antes

serviu como elo de todos os grupos componentes da nação moçambicana hoje, em

torno da luta armada para a independência, hoje não é mais, pois passou a ter

outro sentido que pode ser traduzido na luta conjunta contra a pobreza e para o

desenvolvimento do país em um contexto onde há percepções diferenciadas sobre

as reais necessidades da população e sobre as formações partidárias de ideários

políticos diferentes, mas que lutam pelo bem comum.

No sentido original, em que o conceito foi criado, no contexto de luta

armada, “unidade implicava, pois, uma luta pertinaz e, se necessário, autoritária

contra as formas de divisionismo e, em primeiro lugar, contra o “tribalismo”, o

“regionalismo” e o “racismo”, vistos como males criados e fomentados pela

sociedade colonial (CABAÇO, 2007:404).

Para se continuar a sustentar uma narrativa que se funde na ideia da

unidade nacional há a necessidade de se rever o passado para se buscar

referências úteis que expliquem as dinâmicas da vida do presente. Para isso são

importantes as figuras exemplares, “heróicas”. Os exemplos são necessários, pois

indicam o caminho a seguir e o modelo de comportamento a adotar. A ideia de

narrativa nacional se caracteriza por uma função exemplar, pedagógica, que

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constantemente remete a um passado datado, extraído de fontes credíveis sobre a

história do país nos diversos aspectos. O exemplo do passado é extraído para

legitimar o presente e construir o futuro da nação. Em suma, procura-se ler do

passado o que pode ser útil no presente e direcionar o futuro.

Na prática, quando o cidadão comum que passa por todo tipo de

dificuldades da vida cotidiana se apercebe que os atores políticos que vivem em

um nível de vida tão elevado e não estão preocupados em atender as demandas

da maioria desfavorecida e excluída de seus direitos, fica indignado ao ver que os

valores pelos quais se lutou, no passado, em vista à instauração da unidade

nacional, da estabilidade política e econômica, da justiça e da equidade social não

estão sendo mais respeitados pelos próprios políticos. Dessa forma, é natural que

o cidadão ressignifique esses valores, de acordo com o momento em que vive.

Por um lado, o discurso da unidade nacional, foi desenhado sob fortes

críticas de historiadores e sociólogos do país, por outro, há consenso de que foi o

mecanismo apropriado para a construção da nação, isto é, serviu para unir todos

os movimentos nacionalistas à mesma causa, a luta contra a dominação colonial e

pela independência nacional. Visto sob esse ângulo, “acabou” com a diferença (em

termo de projetos políticos dispersos) que enfraquecia cada grupo que estava

isolado e produziu a coesão dentro de uma determinada circunscrição territorial.

Vale lembrar que desde o início do processo de luta armada houve cisão entre as

alas que constituíam o grupo que devia definir a orientação político-ideológica do

país.

O cenário atual mostra que o sentido de unidade nacional que o discurso da

Frelimo tenta transmitir tornou-se um mecanismo meramente abstrato que busca

apenas promover a lealdade cívica, através de uma ligação de caráter emotivo

pelos discursos da propaganda política partidária, uma vez que se esvaziou do

sentido original de luta comum pela independência e defesa de interesses coletivos

para o benefício comum de liberdade e participação no processo de construção do

país enquanto Estado-Nação de direitos.

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  83 

2.4.1. Democracia como significante vazio

No século XX, o debate sobre democracia ocupou um lugar central no

campo político. Nesse sentido, para Boaventura Santos (2002), a democracia

assumiu um lugar preponderante no campo político no século XX, no qual foi

disputa entre regulação e emancipação, ficando em aberto o lugar que ocupará no

presente século. O autor defende que o debate sobre o significado estrutural da

democracia deve ser reaberto, especialmente para os países do bloco “em

desenvolvimento” emergindo, portanto, o problema das formas de democracia e de

suas variações. O autor explica que a democracia participativa é um dos grandes

campos sociais e políticos nos quais, no início do novo século, a emancipação

social está sendo reinventada, estando ligada aos processos de democratização

ocorridos nos países do Sul, em que se deu a redefinição de seu significado

cultural e da gramática social, havendo uma disputa pelo significado de práticas

políticas e a incorporação de novos atores sociais e novos temas.

É com esse fundamento que nos propomos discutir as particularidades da

democracia moçambicana sob o viés das relações entre comunicação e política.

No cenário político do país, consideramos democracia como significante vazio. Na

concepção de Laclau, o significante vazio aponta para uma impossibilidade

estrutural: uma totalidade de sentido que não pode ser preenchida e em razão

disso, determina as condições de possibilidade de todos os fechamentos parciais

de sentido. Para Laclau, a produção social de significantes vazios é a base da

atividade política. Essa produção é o cerne da noção de hegemonia, definida por

ele como a capacidade de dar um sentido (mesmo que provisório) à totalidade do

social. Por isso, o esvaziamento de um significante não pode ser visto como algo

meramente linguístico porque envolve ambiguidades e contradições, muitas vezes,

construídas com determinadas finalidades pelas forças políticas que atuam em um

determinado contexto social.

Desde as primeiras eleições gerais multipartidárias de 1994 o termo

democracia tem sido muito propalado, mas as primeiras experiências de

democracia (entendida como poder popular de decidir) tiveram seu marco nas

eleições de 1976 e 1986 com a participação das populações rurais e urbanas na

escolha dos dirigentes. Mas, a abertura de um processo democrático com

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ampliação dos direitos dos cidadãos verificou-se efetivamente com maior peso a

partir da nova constituição da república de 1990 como já nos referimos.

Com as mudanças nas formas de governar, a maioria da população

moçambicana esperava vivenciar de fato uma prática de partilha de poder, maior

diálogo entre o governo e as outras formações políticas e maior transparência na

escolha de modelos de gestão do bem público, a melhoria das políticas públicas,

entre outras demandas comuns. Contrariamente a essas expectativas, verifica-se

na administração pública um generalizado e fraco desempenho na consecução dos

objetivos delineados pelo Estado. De os graves problemas, destacam-se: a

morosidade na resposta aos problemas sociais diversos (desemprego,

analfabetismo, violência, etc.); excessiva burocracia; fraca qualidade na prestação

de serviços, baixa capacidade de administração efetiva do Estado de direito

democrático; falta de mecanismos sólidos de garantia de transparência e prestação

de contas; práticas de nepotismo e favorecimento; existência de corrupção a vários

níveis de administração pública, impunidade dos acusados de crimes contra a

administração estatal, entre outros. E são essas experiências sobre a democracia

que as pessoas vivenciam em simultâneo como algo que é positivo, mas ao

mesmo tempo negativo.

Esses problemas têm originado descontentamento e gerado tensões no seio

das populações, principalmente dos grandes centros urbanos e em alguns deles

acontecem manifestações populares violentas localizadas, mas que são reprimidas

pelo governo. Essa realidade leva ao enfraquecimento do sentido de democracia e

cresce o sentimento de revolta. Em muitas situações a opinião pública desaprova a

postura do governo da Frelimo que se apresenta tão distante dos valores e ideais

que sempre defendeu durante o processo de luta armada e no período imediato à

independência.

É com essa base que defendemos a ideia de que a democracia, para o

contexto multiparidário moçambicano se tornou um significante vazio pelo fato de

englobar mais partidos políticos, novas formas diferentes de pensar o país, novas

formas de fazer política, permitindo a participação da maioria da população na

tomada de decisões que dizem respeito ao Estado-Nação. Aliás, “o poder de

eleger é per si uma garantia mecânica da democracia; a garantia essencial é

constituída pelas condições em que o cidadão obtém as informações e é exposto à

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pressão dos formadores de opinião” (SARTORI, 1994:124). Nesse clima a

oposição difunde e dá outros sentidos à democracia como já nos referimos

anteriormente.

Assim, para o MDM democracia significa o “alargamento dos espaços de

debate e maior participação dos cidadãos no processo de tomada de decisões

sobre o país”, enquanto para a Renamo democracia significa a “observância dos

princípios que regem o Estado de Direito” previsto na constituição da república de

cunho multipartidário e para a Frelimo seria a estabilidade política para se dar

continuidade do seu projeto de desenvolver o país, eliminando a pobreza absoluta

que afecta a maioria da população.

Argumentando sobre as principais categorias da Teoria do Discurso de

Ernesto Laclau e Chantal Mouffe (1985), Celi Pinto (1999) destaca o sentido de

significante vazio quando apresenta, no cenário político, o exemplo do

esvaziamento dos conteúdos da democracia liberal:

a democracia liberal se constitui em uma cadeia de equivalência com: liberdade de expressão; igualdade perante a lei; eleições dos governantes e representantes, na qual a democracia liberal é o termo que permite equivalência. Ora, a partir das lutas da década de 60, este termo vai ganhando cada vez mais equivalências e perdendo cada vez mais conteúdos particulares. Compõem esta cadeia de direitos impensáveis antes da II Guerra, tais como: voto universal (homens/mulheres/analfabetos), direito das minorias, experiência de democracia participativa, direitos sociais, etc. A democracia paulatinamente se torna um significante vazio (PINTO, 1999:85).

A autora explica que a noção de democracia como um processo sempre em

construção, que, por sua natureza, tem potencialidades muito alargadas de

incorporação e inclusão, apenas com um limite fundamental e constituidor: (...) a

democracia, para não perder a razão de existir, não pode incorporar a sua

negação, isto é, discursos que pretendam legitimar a exclusão (Pinto, 1999:97).

Na democracia representativa, embora existam várias limitações, espera-se

que os partidos políticos cumpram o seu papel de estabelecer um equilíbrio entre a

representação e os interesses dos representados. Isso “significa genericamente

que as deliberações coletivas, isto é, as deliberações que dizem respeito à

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coletividade inteira, são tomadas não diretamente por aqueles que delas fazem

parte, mas por pessoas eleitas para esta finalidade” (BOBBIO, 1986,44).

No caso da realidade moçambicana, constatamos muitas fraquezas no

ambiente político, pois, embora as eleições sejam livres e existam mecanismos de

negociação entre o governo e outros partidos políticos, não existe maior

comprometimento dos políticos e, particularmente, dos dirigentes na resolução dos

problemas que o país enfrenta. Grande parte dos partidos políticos forma-se às

vésperas de eleições isso já significa pouca historicidade e fraco enraizamento

social, uma vez que não possuem uma estrutura organizacional forte, se

comparado com o partido Frelimo, que pudesse influenciar positivamente na sua

consolidação e conseqüente crescimento na arena política.

A fraqueza em termos de afirmação política e social coloca os partidos da

oposição em segundo plano nas disputas eleitorais, com o agravante de não

possuírem condições suficientes para competir de igual para igual com os dois

partidos majoritários (Frelimo e Renamo). Aliás, vale ressaltar que no cenário

eleitoral, a Frelimo sempre levou grandes vantagens pelo prestígio e status

histórico que possui diante da elite do país e pelos recursos financeiros e técnicos

uma vez que dispõe de todo o aparato necessário para realizar as suas

campanhas eleitorais14.

Outro fator negativo que contribui para que os atores políticos tenham um

fraco desempenho em suas funções são as deficiências em termos de formação e

falta de especialização profissional e isso propicia à fraca participação dos debates

em plenárias, e à falta de capacidade de questionar às decisões do governo que

afetam a população; à falta de iniciativas de produção de propostas de lei e,

muitos, terminam o seu mandato sem terem apresentado nenhum projeto de lei em

benefício da sociedade. O acúmulo de tarefas em seus empregos paralelos é outra

razão que, possivelmente, os impede que se concentrem apenas na atividade

política.

Em sua análise das democracias contemporâneas, Weffort (1992)

argumenta que para a consolidação e estabilidade política não deve haver

                                                            

14 Há críticas sobre o uso da maquina do Estado para suas campanhas eleitorais pela Frelimo. Tem sido comum, em período de campanha eleitoral constatar-se publicamente que alguns membros e simpatizantes do partido no poder fazem uso de infraestruturas e de outros meios do Estado.

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desigualdade econômica e social. O autor assinala que enquanto o sistema de

exclusão não for superado será impossível uma consolidação democrática. Os

marginalizados “são livres para participar das eleições e, na realidade, a maioria o

faz. Não são marginalizados por nenhum tipo de restrição institucional, mas pelas

próprias condições sociais, políticas e culturais em que vivem e que os

transformam em massas amorfas” (WEFFORT, 1992:23).

Como conseqüências dessa cultura política fragilizada percebemos que

existe uma tensão permanente entre o desejo de criar identidades coletivas e

consequentemente produzir unidade nacional (significante vazio de que já falamos

no item anterior) e o reconhecimento da legitimidade do conflito dentro da

sociedade, fundamental à política democrática.

O cenário nos leva a pensar nas possibilidades de um cruzamento entre

representação e participação que seriam resultado de vivência de uma democracia

efetiva. Moçambique é caracterizado por uma diversidade etnolinguística e cultural

muito grande em que se configuram semelhanças e diferenças no seio da sua

população que espera ver atendidas as suas demandas pelo Estado, em cada

legislatura. Dessa forma, a ampliação das esferas de participação teria como efeito

previsível a melhoria na qualidade de representação e o usufruto pleno dos direitos

políticos depende do acesso a determinadas condições materiais mínimas. É

nesse sentido que Santos (2002) defende a ideia de se reinventar a democracia na

direção da participação, da emancipação e do respeito das diferenças.

Na acepção de Santos (2002), a democracia participativa é um dos grandes

campos sociais e políticos nos quais, no início do novo século, a emancipação

social está sendo reinventada, estando ligada aos processos de democratização

pelos quais os países do Sul passaram, nos quais houve um processo de

redefinição de seu significado de práticas políticas e incorporação de novos atores

sociais e novos temas. Para o autor,

a prática da participação busca aprofundar e intensificar a democracia quer reinventando a legitimidade da democracia participativa quer pressionando as instituições democráticas representativas para torná-las mais inclusivas, quer buscando formas de complementaridade entre democracia participativa e representativa, haja visto que os processos de democracia representativa não conseguiram dar conta da pluralização cultural e do reconhecimento de novas identidades, o que

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exigem profundas redefinições nas práticas democráticas. Dessa forma, a democracia participativa, que deve se dar tanto na esfera do Estado quanto na não Estatal, integra ao debate político propostas de reconhecimento cultural e inclusão social (SANTOS, 2002).

Na visão de Laclau (1985), todo tipo de exclusão provoca uma cisão na

identidade e compromete a lógica da diferença, que é o elo e cisão com as outras

identidades, e, ao mesmo tempo, o seu laço equivalencial com todas as outras

identidades em relação ao elemento excluído. Esta lógica excludente se realiza

quando uma formação hegemônica tem a pretensa aspiração de promover uma

totalização social e, para isso, faz uma articulação de forma completa e final de

elementos que se configuram na ordem social mediante a fixação de pontos

nodais. A fixação desses pontos nodais se realiza através da produção de

discursos que tem lugar no nível das palavras e das imagens e se sedimenta em

práticas institucionais (LACLAU, 2005:137). No caso da Frelimo, a questão da

unidade nacional, constitui-se como o seu ponto nodal através do qual se fixa o

sentido da moçambicanidade, de nação, que apesar das diferenças de vária

ordem, caracteriza-se por uma homogeneidade, uma vez que se possui uma única

constituição que garante o usufruto de direitos iguais dos cidadãos

independentemente de suas particularidades identitárias como língua, grupo

étnico, religião, entre outras.

Democracia como conceito está associada à ação coletiva, à mobilização, à

participação nas decisões que tenham impacto na vida de todo cidadão. Para a

democracia fazer sentido, as decisões devem representar e atender os interesses

de todas as partes afetadas e não apenas as que podem constituir uma maioria

cultural ou numérica. Essa dinâmica parte da compreensão pelos governantes de

que a democracia é uma maneira de saber lidar com as diferenças de toda a

natureza entre os cidadãos que compartilham de uma só cultura ou de um só

sentido do que deve ser feito em matérias que mutuamente os afetam. Portanto, a

democracia deve respeitar as diferenças, não as marginalizando e tornando-se,

pelo contrário, mais inclusiva.

Essa ideia corrobora com a de Miguel (1994:216), de que há a necessidade

de ampliação na base, da capacidade de compreensão do jogo político e, portanto,

de fiscalização sobre os representantes. Essas ações contribuiriam para a

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disseminação da exigência de mais ética na esfera política, além da vinculação

entre as possibilidades de alargamento da participação política e as condições de

vida da população.

Para o autor, é possível dizer que os mecanismos participativos promovem

uma espécie de redistribuição do capital político, dando à larga base de

despossuídos (deste capital) melhores condições para avaliar o comportamento

daqueles que o detém. Eles fomentam, em suma, aquela educação política de toda

a massa do “povo” da qual Rosa Luxemburgo era entusiasta.

2.4.2. Desenvolvimento como significante vazio

Desenvolvimento sempre foi a palavra de ordem dominante na cena política

de Moçambique desde o momento em que os movimentos nacionalistas se

formaram e começaram a se organizar para a luta armada. Após a independência,

em um primeiro momento, as lideranças políticas tinham como missão estabelecer

estratégias de desenvolvimento para o país, mas isso passava primeiro pela

eliminação da estrutura administrativa colonial e desde então, o governo tem

adotado diferentes modelos de desenvolvimento na tentativa de responder tanto as

necessidades do país nos diversos setores quanto para dar forma a novas políticas

de crescimento socioeconômico imposto pelos organismos financeiros internacionais

como o Fundo Monetário Internacional, o Banco Mundial e Banco Africano de

Desenvolvimento, entre outros.

Os modelos de desenvolvimento adotados pelo governo sempre foram

criticados por não responder às expectativas e demandas da maioria da população.

As críticas apontam que o desenvolvimento tem sido lento e muito fraco,

caracterizado por um forte dirigismo e interferência partidária. Aponta-se que na

última década, houve entrada maciça de capital, mas, não houve transparência e

clareza sobre a natureza dos contratos que o Estado tem firmado com os

investidores quanto das receitas resultantes da atividade dos grandes projetos, mais

conhecidos como mega projetos que se dedicam a exploração dos setores como

mineiro, pesqueiro, agropecuário, entre outros.

Desenvolvimento não se refere apenas ao âmbito econômico, mas também

ao social, como uma tentativa de responder a todas as necessidades do ser

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humano. Nesse sentido, Amartya Sen (1999:19) estabelece uma relação entre

desenvolvimento e liberdade. Segundo o autor, “desenvolvimento é uma expansão

de liberdades substantivas, é um processo de alargamento das liberdades reais de

que uma pessoa goza”.

Na visão do autor, o desenvolvimento não se restringe ao crescimento

econômico, ao progresso tecnológico ou ao grau de industrialização de uma

determinada sociedade, mas também diz respeito à liberdade que deve ser vista

como fim principal do desenvolvimento, que é alcançado através da difusão de

dispositivos sociais, econômicos, políticos, culturais, éticos, entre outros. O

desenvolvimento surge como um processo transformador e libertador, que vai para

além do progresso financeiro e material.

O Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD, 2000:17)

corrobora essa definição ao conceber o desenvolvimento como “processo de

alargamento das escolhas das pessoas, através da expansão das funções e

capacidades humanas. Representa um processo, bem como um fim”. Este devir é

inerente a qualquer sociedade, e aparece aqui como um meio. O desenvolvimento é

também um fim, ou seja, um objetivo que qualquer sociedade almeja alcançar, pois

aumenta o nível de autonomia dos países, bem como a qualidade de vida das suas

populações.

Desde os anos 90, o desenvolvimento humano ocupa o lugar central no

debate sobre desenvolvimento e a prova disso é a avaliação anual do índice de

desenvolvimento humano de cada país PNUD e Moçambique sempre tem estado

nos últimos lugares no ranking mundial o que revela a ineficiência das políticas

públicas e o baixo desempenho do governo na realização dos objetivos referentes

ao atendimento das demandas da população.

No cenário moçambicano a concepção de desenvolvimento, perceptível por

todos os atores, é justamente aquela que define desenvolvimento como processo

complexo de mudanças e transformações de caráter econômico, político e,

principalmente humano e social que satisfaça as necessidades do cidadão de

serviços básicos de educação, saúde, saneamento do meio, habitação, alimentação,

transporte, emprego, lazer, entre outros benefícios. Na prática, existe um fosso

grande entre o que se propaga nos discursos eleitorais e o que o governo

implementa nos programas referentes às políticas públicas. Por um lado, os recursos

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disponíveis não são canalizados devidamente aos que necessitam, ou seja, há

desvios de verbas públicas, por outro, não há fiscalização adequada na distribuição

dos rendimentos que o país obtém do investimento de capital estrangeiro.

Na atualidade, o conceito de desenvolvimento assume diversas facetas no

discurso político e como palavra de ordem tem sido usado pelos atores políticos

como estratégia essencial à mobilização da população ao trabalho, recorrendo,

sobretudo, à utilização de mensagens de apelo emocional, nas mídias, como meio

de influenciar a opinião pública nacional sobre o estágio de desenvolvimento do país

a vários níveis (local, provincial e nacional).

Vistas no contexto da propaganda eleitoral, as palavras de ordem são

caracterizadas pela sua transversalidade, porque podem ser usadas quer do ponto

de vista conjuntural quer do ponto de vista ideológico. Nesse sentido, o governo da

Frelimo convocou a todos à luta pelo desenvolvimento, mas usando um discurso que

fosse de fácil assimilação pela maioria da população. Foi nesse contexto que nas

eleições gerais de 2004 o candidato à presidência da República, Armando Guebuza,

lançou o programa de combate à pobreza com a tónica na mudança cujo slogan

“Frelimo, a força da mudança”; “Frelimo, o partido que tem no povo o ponto de

partida e de chegada”; “com Guebuza venceremos a pobreza” sugeria aos eleitores

e a toda nação a juntarem seus esforços no combate a pobreza também conotada

como o inimigo comum. Vale ressaltar que o programa de combate à pobreza surgiu

no âmbito dos Objetivos do Desenvolvimento do Milênio propostos pela ONU.

Enquanto palavra de ordem, desenvolvimento ganhou um caráter marcante

do ponto de vista da ação política, porque a ideia não remete a um quadrante

ideológico particular, ou seja, o desenvolvimento do país é independente do

seguimento de linhas ideológicas partidárias. Por isso, com esse discurso, o governo

conseguiu sensibilizar e mobilizar todos os setores do país ao mesmo objetivo. A

população, os setores de produção e todos os outros se viram convocados a

participar desse processo. Isso se explica porque na propaganda, a mensagem

busca criar uma identificação por parte dos receptores através do repertório

sociolinguístico assim como do de conhecimentos e de valores, entre outros

aspectos. Essa técnica é usada pelos atores políticos com vistas a criar maior

envolvimento dos públicos com os ideais do partido.

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É assim que desde 2004 até ao momento, o combate à pobreza

transformou-se numa palavra de ordem de grande dimensão e repercussão

nacional, e aparece como uma arma certa para se alcançar o tão almejado

desenvolvimento. Dessa forma, todos os setores do país colaboram e trabalham não

só pela divulgação desse programa, mas também em ações concretas,

sensibilizando a população para o trabalho árduo com a finalidade de elevar a renda

familiar e na consequente melhoria de condições de vida. A adesão a esse programa

só demonstra a necessidade urgente de se estabelecer políticas públicas eficientes

que favoreçam a melhoria de qualidade de vida da maioria da população e não

apenas a pequenos grupos da elite do país.

Associado à palavra de ordem desenvolvimento, a mudança é outra que

ganhou destaque no panorama político moçambicano. Na lógica do discurso da

Frelimo, para haver desenvolvimento primeiro precisa haver mudança tanto na

maneira de pensar, quanto nas atitudes, no comportamento e no que concerne à

visão de trabalho, de esforço de cada um em criar o autoemprego além de incentivar

o empreendedorismo.

A mudança se constitui contra as próprias condições de vida de cada

cidadão. Assim, o projeto de combate à pobreza tornou-se uma agenda

suprapartidária, que uniu todos ao mesmo objetivo e esse tema aparece nos

manifestos eleitorais dos três concorrentes, ou seja, tornou-se discurso hegemônico.

A Frelimo se afirmava como a “força da mudança”; “vamos confirmar o nosso

compromisso para com o desenvolvimento são e harmonioso de Moçambique.

Vamos renovar a nossa determinação de erradicar a pobreza do nosso solo pátrio”;

e “Votar na Frelimo e em Armando Emílio Guebuza é assegurar a continuidade do

combate à pobreza”. A Renamo defendia o seguinte: “com a Renamo terá a

erradicação da pobreza” e o MDM assegurava no seu projeto a questão da

“Produção de riqueza e sua distribuição equitativa”.

As diferenças entre eles residem no fato da Frelimo focar o discurso na sua

capacidade administrativa e na garantia de continuidade do programa de governo

começado no mandato anterior. Com esse foco, o enunciador alerta os eleitores de

que devem confiar em quem já conhecem e que tem vindo a trabalhar pela unidade

nacional e o desenvolvimento do país em todos os setores. No programa o

enunciador defende o argumento de que só a Frelimo tem experiência de governar e

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que os outros candidatos levariam o país ao fracasso e à estagnação econômica.

Em suma, em todo o programa transmite-se uma imagem de país com estabilidade

política e ambiente sociocultural aberto a receber investimentos nacionais e

estrangeiros que contribuam para o fortalecimento econômico e eliminação da

pobreza absoluta que assola parte da população.

Já o enunciador da Renamo defende a instauração da verdadeira

democracia, que pressupõe a separação dos poderes legislativo, executivo e

judiciário, o que na sua ótica, a Frelimo não respeita e consequentemente a

democracia apenas está no papel. O enunciador do programa de Dhlakama

apresenta a ideia de que não é possível assegurar uma democrática verdadeira por

haver ingerências dos governantes sob o comando da estrutura política da Frelimo.

Vale ressaltar que Dhlakama sempre se intitulou de pai da democracia porque, de

acordo com seus argumentos foi através da sua intervenção e da Renamo que o

país mudou de sistema de governo monopartidário para multipartidário

estabelecendo o processo eleitoral como mecanismo de escolha dos dirigentes do

país. Na mesma linha de argumentos, o enunciador do programa de Dhlakama

propõe o combate à corrupção generalizada na administração pública, que favorece

a certos grupos privilegiados. Como solução desses problemas, o enunciador

propõe a instauração do estado de direito que já não existe no país devido ao que

chama de partidarização do Estado.

O discurso do enunciador de Simango e MDM centra o foco na necessidade

de inclusão e da participação da maioria na tomada de decisões sobre o país.

Defende também a equidade na distribuição da riqueza do país que, em sua

opinião, até agora só beneficia as elites da Frelimo. Para isso, apela à união de

todos e alerta os eleitores para que se juntem ao MDM por forma a impedir que a

Frelimo continue a usar das suas manobras para o retorno ao monopartidarismo.

Embora a maioria da população e os principais setores do país aceitem o

programa de combate à pobreza, pela sua pertinência e abertura de possibilidades

de melhoria das condições de vida de grande parte da população que vive abaixo da

linha da pobreza, é visível a não aceitação das estratégias adotadas pelo governo

para implementar o projeto nas localidades, distritos, províncias e a nível nacional.

Tornou-se visível o favorecimento de pequenos grupos de elites e alguns deles

pertencentes ao partido Frelimo e essa tendência contradiz os valores defendidos no

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passado pela própria Frelimo, em que a luta armada era para o alcance da

independência política e econômica, em benefício do desenvolvimento de todos os

moçambicanos. Esse comportamento frustra de certa forma, as aspirações de

unidade nacional, de democracia e do crescimento que deveria ser de forma

igualitária.

O comportamento desviante de alguns atores políticos do partido no poder

como, por exemplo, o acúmulo de funções de chefia na administração pública com a

de deputado; a falta de transparência em relação a negócios particulares em que

são proprietários e empresários de sucesso tem gerado críticas por parte da

sociedade civil e de organizações de monitoria das ações do governo que têm

revelado os desmandos na alocação de fundos do Estado em prol de projetos de

iniciativa de pequenos grupos que exercem algum tipo de poder.

Atualmente estão em andamento grandes projetos na área de exploração

mineira, agrícola, pesqueira e de outros ramos que contam com investimentos

estrangeiros e movimentam volumes elevados de capital financeiro, mas o Estado

moçambicano não consegue reverter os ganhos arrecadados desses investimentos

em benefícios sociais e este comportamento desqualifica a competência dos

membros do governo da Frelimo e existem críticas de que estes projetos estejam a

beneficiar seus próprios interesses.

De um lado, o custo de vida tem se elevado, havendo estagnação dos

salários e a não melhoria de qualidade de vida da população, gerando instabilidade

social. Nesse contexto, desenvolvimento enquanto palavra de ordem tem passado

por diferentes interpretações e ressignificações; em decorrência disso constitui-se

em significante vazio por não atender mais ao projeto inicial, construído na altura da

independência.

Com a derrocada do sistema colonial, o governo da Frelimo tinha como

objetivo elevar o país aos níveis aceitáveis de desenvolvimento e isso significava a

passagem imediata de um desenvolvimento de todos para todos que era

ascendente da revolução. Mas o que se verifica é que tende a aumentar o número

de pessoas que vivem na pobreza, resultado do nível elevado do custo de vida em

todos os aspectos, e, dessa forma, cresce o fosso entre ricos e pobres. E nesse

contexto, poucas pessoas acreditam mais no discurso dos atores políticos. É com

base nesses pressupostos que discutiremos sobre a lógica da diferença e da

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equivalência sempre presente no discurso político moçambicano, sobretudo, em

período de campanha eleitoral.

2.5. A lógica da diferença e da equivalência na construção do discurso

Na ótica de Laclau (1985), na construção do discurso duas lógicas são

centrais: a lógica da diferença e a lógica da equivalência. Para o autor, a primeira é

da complexidade do social; a segunda, de sua simplificação. Estas lógicas são

constitutivas de um mesmo processo. A lógica da equivalência só existe a partir da

existência de um efeito discursivo, decorrente da lógica da diferença. “dois termos

para serem equivalentes devem ser diferentes - de outro modo seriam

simplesmente idênticos. A equivalência existe através do ato de subversão destes

termos” (LACLAU & MOUFFE, 1985:109).

Na visão de Laclau (1985), dois significados só podem ser equivalentes se

forem diferentes. É partir desse argumento que olhamos para as dinâmicas da

política moçambicana. Antes se tinha no país um sistema de partido único e, mais

tarde, com a constituição de 1990 vive-se um sistema pluripartidário. Apesar desse

cenário, o partido Frelimo sempre tentou desqualificar outros partidos enquanto

atores políticos equivalentes e, mesmo na atualidade, o comportamento dos atores

políticos tem sido de ofuscação do outro, através de críticas destrutivas, algumas

vezes infundadas, e outras vezes com argumentos pertinentes.

Nesse cenário, por um lado, para a democracia fazer sentido no jogo

político, tanto os partidos políticos precisam ter identidade própria, singular

enquanto sujeitos coletivos diferentes, quanto todos juntos têm necessidade de

construir um espectro coletivo que exprima e dê conta da necessidade de

convivência no espaço democrático. Isso é fundamental para que seja estabelecida

uma relação de equivalência entre aqueles diferentes. Nesse prisma, os partidos

da oposição têm realizado o seu papel de oponentes, embora de modo ainda frágil.

É nesse cenário que presenciamos novas dinâmicas, como o jogo de negociação.

Nas sociedades democráticas, a política é um campo de negociação e esta

negociação se apresenta como aspecto fundamental que, em princípio, deve levar

em consideração as diferenças de toda natureza, presentes na sociedade. Visto

desse ângulo, a disputa eleitoral envolve diferenças em termos de identidade dos

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atores políticos envolvidos, das suas ideologias, de ideários políticos e das suas

propostas de governo.

Laclau (2005) sinaliza que na linguagem não existem termos positivos, mas

somente diferenças: algo é o que é somente através de suas relações diferenciais,

ou seja, com algo diferente. Isto é certo na linguagem concebida em sentido estrito;

também é certo para qualquer elemento significativo (objetivo): uma ação é o que é

através de suas diferenças com outras ações possíveis e com outros elementos

significativos - palavras ou ações - que podem ser sucessivas ou simultâneas.

Para Laclau (2005:93), “no jogo das diferenças, nenhum fundamento deve

privilegiar, a priori, alguns elementos do todo por sobre as partes. Qualquer que

seja a centralidade adquirida por um elemento, deve ser explicada pelo jogo das

diferenças”. Portanto, Laclau defende que a lógica da equivalência trabalha a partir

da presença da diferença, isto é, dois significados só podem ser equivalentes se

forem diferentes. Com isso podemos compreender a tese de que, “a relação entre

identidades particulares e equivalências é instável, tudo depende de que função

representar um conteúdo particular interno da comunidade ou representar a esta

última como plenitude ausente, haverá de prevalecer” (Laclau, 2002:22).

Nessa mesma linha de argumento, Santos (2006:283) refere que a negação

das diferenças opera segundo a norma da homogeneização que só permite

comparações simples, unidimensionais (por exemplo, entre cidadãos), impedindo

comparações mais densas ou contextuais (por exemplo, diferenças culturais), pela

negação dos termos de comparação.

Com esses aportes teóricos, é possível compreender as dinâmicas que

caracterizam a sociedade moçambicana em que a sua população convive sob

essas duas lógicas já desde o tempo colonial. A diversidade cultural moçambicana

é resultado de uma miscigenação cultural de diferentes civilizações. Segundo

Dias15 a cultura moçambicana foi sempre marcada pela miscigenação cultural que

advém das migrações bantu e do contato que esses tiveram com outras

civilizações, sobretudo, árabes e asiáticos. A colonização portuguesa (iniciada em

1498) trouxe influências europeias que foram acrescidas pelas culturas de

                                                            

15 Texto referente ao tema da educação em Moçambique apresentado pela autora em maio de 2007 no ciclo de palestras sobre a colaboração da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo com as universidades africanas.

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comunidades imigrantes da Índia e da China que se fixaram em vários pontos de

Moçambique.16

Depois da independência, os moçambicanos aprenderam outros valores de

cunho socialista, em consequência do projeto político ideológico adotado pelo

partido dirigente. Foi nesse contexto político e ideológico marxista-leninista que se

negou o reconhecimento da diversidade cultural presente no país, pois o discurso

unificador do governo e a Frelimo se centravam na unidade nacional, cujo objetivo

central era fortificar o nacionalismo. Daí a primazia da construção da

moçambicanidade enquanto uma identidade coletiva “globalizante” que emergiu a

partir do ordenamento político, histórico e geográfico, reunindo num mesmo

território diversos grupos étnicos e lingüísticos, constituindo-se assim numa nação,

no sentido de Estado de direito, em detrimento das diferenças em todos os

aspectos: histórico, cultural, étnico e lingüístico de cada grupo que compõe o país.

A abordagem teórica de Laclau (1985 e 2002) sobre diferenças e

equivalências pode nos ajudar na compreensão de como a moçambicanidade, no

plural, pode abrigar essas diferenças culturais, singulares, multi-étnicas e

lingüísticas de cada grupo étnico e como essas particularidades podem ser

reconhecidas na e pela moçambicanidade entendida como uma identidade coletiva.

Para Dias (2007:2), “existem em Moçambique várias formas de organização

social, cultural, política e religiosa; há várias crenças, línguas, costumes, tradições

e várias formas de educação”. No ensino, por exemplo, busca-se incluir os saberes

locais na grade do nível básico. No Plano Curricular Nacional do Ensino Básico

(PCEB) prevê-se que a escola tenha à sua disposição um tempo para a introdução

de conteúdos locais, que se julgar relevante para uma inserção adequada do

educando na respectiva comunidade. O mesmo plano determina ainda que os

conteúdos locais devem ser estabelecidos em conformidade com as aspirações das

comunidades, o que implica uma negociação permanente entre as instituições

educativas e as respectivas comunidades. Dias (2007:10), a carga horária prevista

para essas atividades é de 20% do total de tempo previsto para cada disciplina.

O esforço que se está a empreender no país é no sentido de se estabelecer

interseções entre a moçambicanidade e a diversidade cultural. E isso, a rigor,

                                                            

16 Idem.

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significa manter a unidade, a equivalência, mas deixar afluir alguma lógica da

diferença. Para isso, (Ngoenha apud Serra, 1998:30) aponta algumas direções:

a preservação e a consolidação da moçambicanidade depende de um duplo pacto: um “contrato cultural (unidade na diferença)” e um “contrato (inteligência) social”. O pacto cultural deveria reconciliar a política com as culturas nacionais. Isto permitiria libertar as instituições estatais da política cultural sobre a qual vegetam e metê-las numa dinâmica de cultura política mais produtiva. É necessário pensar a política a partir de baixo, a partir dos marcadores identitários forjados das culturas nacionais. É necessária uma capacidade integradora da Nação, isto é, uma relação entre o projeto político e as características étnicas e sociais das populações.

Dias (2007:11) analisa ainda que a nova visão educacional e cultural está

possibilitando debates mais abertos sobre essa questão:

(...) a sociedade moçambicana enfrenta a questão das diferenças culturais com menos tabus e subterfúgios. Já se discute com maior abertura as assimetrias regionais, as desigualdades de oportunidades de sexos (questões de gênero) e de classes sociais, a estigmatização de algumas práticas culturais (como os ritos de iniciação, a prática da medicina tradicional, a crença ao sobrenatural, etc.) a incorporação do saber local e do conhecimento popular, do senso comum na escola.

Vale ressaltar que essas diferenças já são percebidas pela população,

particularmente pelos eleitores, que já têm, mesmo que pequena, a possibilidade

de escolher o partido e candidato de sua preferência. Nesse sentido, todo projeto

político busca unidade capaz de levá-lo adiante e de implantá-lo. Para que ganhe

visibilidade, na visão de Miguel (1994:39), o programa político precisa reunir uma

multiplicidade de individualidades, de interesses e ambições num projeto comum.

Além dessa dinâmica, Miguel (1994) avaliza que o projeto político deve incorporar o

particular num geral e, de maneira reversa, tornar o geral integrante dos

particulares. Assim fazendo, ele muitas vezes redefine os interesses particulares, já

que eles não são dados estanques, mas produtos do cruzamento entre as

situações vividas, a consciência que se tem delas e as identidades partilhadas.

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Com as bases teóricas de Laclau e Mouffe podemos definir a questão da

moçambicanidade como uma agenda comum que move todos os partidos políticos

a buscarem construir o bem comum, independentemente das particularidades

identitárias, ideológicas, partidárias, entre outras que caracteriza a população

moçambicana. A seguir discutiremos como a lógica da diferença e da equivalência

aparece nos discursos políticos e sobre que tipo de estratégias comunicacionais os

enunciadores dos programas eleitorais mobilizaram com intuito de provocar a

adesão dos enunciatários/eleitores.

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Capítulo 3

Contratos Comunicacionais e Jogo Enunciativo dos Programas

Eleitorais do Horário Gratuito

3.1. A construção dos contratos de comunicação no discurso político

A noção de contrato comunicação ou fiduciário é entendida nesta pesquisa,

em sua acepção mais ampla, nos termos da semiótica discursiva, como a relação

de confiança que se estabelece sutilmente entre enunciador e enunciatário

enquanto protagonistas do discurso. Nesse prisma, a comunicação depende de um

acordo tácito entre as instâncias do discurso (enunciador/enunciatário;

destinador/destinatário), levando em consideração o contexto em que estão

inseridas.

Na visão de Charaudeau (2005:56), “a noção de contrato pressupõe que os

indivíduos pertencentes a um mesmo corpo de práticas sociais estejam suscetíveis

de chegar a um acordo sobre as representações linguageiras dessas práticas

sociais”. Nesse sentido, as condições de interação abarcam todo o conjunto de

jogo de negociações implícitas que fazem com que o enunciatário acredite e confie

no discurso do enunciador como verdadeiro e, por isso, digno de confiança.

Barros (2002:93) argumenta que “é certamente no nível das estruturas

discursivas, no entanto, que as relações entre enunciador e enunciatário mais se

expõem e, com maior facilidade, se apreendem”. Segundo a autora, “no nível do

discurso o contrato fiduciário é um contrato de veridicção, que determina o estatuto

veridictório do discurso. A verdade ou falsidade do discurso dependem do tipo de

discurso, da cultura e da sociedade” (BARROS, 2002:93).

Em contexto de campanha eleitoral, “o voto sela um contrato, resultante de

um julgamento do eleitor à imagem e ao programa de governo de um candidato - a

partir dos simulacros - capazes de revelar o conjunto de qualificações necessárias

a um mandatado” (RAMALDES, 1997:4). Nessa perspectiva, o desafio dos

enunciadores dos programas eleitorais é capitalizar os contratos de comunicação

para que produzam efeitos de sentido associados à confiança, à aceitação e à

credibilidade, ou seja, o candidato tem a missão de convencer os potenciais

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eleitores para que acreditem e adiram às suas propostas e isso se traduza em voto

a seu favor.

É nesse panorama que Rubim (2000:96) explica que em campanha eleitoral,

os candidatos trabalham arduamente para “comunicar idéias e propostas,

convencer, argumentar, emocionar; enfim, mobilizar mentes e corações em uma

disputa, normatizada em ambiente público do poder político na sociedade”. O

discurso é assumido como mecanismo da propaganda política que visa apresentar

fatos e argumentos que são favoráveis ao grupo que apoia, buscando conduzir a

uma decisão esperada.

Outros fatores tais como as identidades sociais, as crenças, os valores e os

sistemas de relacionamentos podem influenciar na construção de contratos

comunicacionais pela propaganda política. Compartilhamos da idéia de que a

influência política desses elementos é exercida tanto no terreno da paixão quanto

na do discurso. Em outras palavras, as paixões integram o processo comunicativo,

pois como afirma Charaudeau (2008:81) não há como “descartar os sentimentos

em nenhum processo linguageiro que tenda a influenciar o interlocutor”.

Ademais, Charaudeau (2005:53) argumenta que no contrato de

comunicação político, os atores da instância política devem sempre obedecer à

lógica do parecer verdadeiro, empregando para esse fim estratégias para evitar “ter

mentido”, entre elas a generalidade, o silêncio, a omissão e a denegação. Sem

essa verdade de aparências não haveria ação política possível, pois, na visão de

Barros (2002:94), o contrato de veridicção é que determina as condições para o

discurso ser considerado verdadeiro, falso, mentiroso ou secreto, isto é, estabelece

os parâmetros, a partir dos quais o enunciatário pode reconhecer as marcas da

veridicção que permeiam o discurso.

Através de uma série de mecanismos discursivos, os três candidatos ao

cargo de presidente da república, como enunciadores, procuraram ultrapassar o

nível da convicção para alcançar o nível da ação. Para Ramaldes, “o crer no

enunciado, em si e no enunciador é a condição para a ação e, consequentemente,

para a performance pretendida” (RAMALDES, 1995: 21).

Na propaganda dos três candidatos é possível observar como essas

estratégias se materializaram em seus discursos. O programa de cada um

apresenta em sua narrativa discursiva argumentos que visam provar que possui

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não só qualidades pessoais, como também competências técnicas, administrativas

e capacidade de liderança, pois, é nesse conjunto de elementos a que os eleitores

estão atentos e esperam encontrar no candidato que deve ocupar o cargo político

de maior importância e responsabilidade para o país.

No contexto da campanha política também está presente a dimensão

sensível e estésica dos interlocutores envolvidos no processo eleitoral. Nesse

sentido, Lavareda (2009:14) esclarece que “eleição é um tipo de escolha. E

escolhas coletivas, em todas as culturas, demandam um grande esforço emocional,

que acaba por envolver, num intenso processo de comunicação, até quem não

participa diretamente delas” e na mesma linha de idéia Barros explica que se deve

“pensar a enunciação como uma obra, um espetáculo, considerando os contratos

que se estabelecem, as ações que se desenvolvem e as sanções” (BARROS,

1994:36).

A compreensão dos tipos de contrato que o discurso político constrói passa

pela análise da organização textual em suas três dimensões: semântica, sintática e

pragmática. A primeira significa perceber o conteúdo do discurso; a segunda

dimensão diz respeito aos temas e às figuras construídas pelo e no discurso e que

fazem reminiscência a um ou outro discurso; a terceira remete aos atos de fala

(que são formados juntamente com o critério sintático), à situação de produção do

discurso que é formada pelas circunstâncias, pelos parceiros de comunicação

envolvidos e os contextos em que estes estão inseridos.

Além dessas dimensões Landowski (1992:13) ressalta a importância da

análise das estruturas modais que se referem ao fazer de um sujeito sobre o outro,

visando dotá-lo de “meios” para transformar a sua relação com os objetos. Com

base na análise dessas dimensões é possível desvelar, através dos enunciados, os

efeitos de sentido, as relações que propõem e as mudanças que operam sobre o

modo de existência dos sujeitos envolvidos no processo da campanha eleitoral,

além de localizar os percursos passionais presentes na estrutura modal da

narrativa discursiva que determina a competência dos sujeitos.

Na ótica de Ramaldes (1997:66), “o percurso narrativo pode ser definido

como a trajetória de cada um dos sujeitos envolvidos na busca do seu objeto de

completude” e os enunciados são os estados que revelam a relação do sujeito com

o objeto.

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O processo de análise estabelecido pela semiótica indica que essa operação

se realiza no nível narrativo, onde ocorre a mudança de estado de um sujeito em

relação a um objeto, que pode se realizar tanto de forma implícita quanto explícita

obedecendo a uma sequência canônica, designada de esquema narrativo. Essa

sequência é composta por quatro fases ou programas narrativos: a manipulação, a

competência, a performance e a sanção. A manipulação diz respeito à ação de um

sujeito sobre outro para fazê-lo cumprir a sua parte em um contrato proposto pelo

destinador. Nesse sentido, é a instância da enunciação que cria os sujeitos virtuais.

A competência refere-se ao percurso que o sujeito operador da narrativa- a quem

compete o fazer - deve empreender para adquirir os meios necessários à ação. A

performance implica sua realização, determinando logicamente a sanção, isto, é o

reconhecimento positivo ou negativo, emitido pelo destinador sobre a ação

realizada.

A sintaxe discursiva organiza-se em torno das projeções da enunciação no

enunciado para persuadir e manipular o enunciatário. Essas projeções englobam

as dimensões de pessoa, espaço e tempo em que se ancora o texto. Dessa forma

o uso de uma pessoa no lugar de outra, de um tempo no lugar de outro ou de um

espaço no lugar de outro são estratégias que criam efeitos de sentido que visam à

manipulação do enunciatário, como explica Fiorin (2002), todos esses mecanismos

produzem efeitos de sentido no discurso. Nesse sentido, não é indiferente um

narrador projetar-se no enunciado ou alhear-se dele; simular uma concomitância

dos fatos narrados com o momento de enunciação ou apresentá-los como

anteriores ou posteriores a ele; presentificar o pretérito; enunciar um eu sob a

forma de um ele (FIORIN, 2002:54).

Nessa perspectiva, o enunciador de todo e qualquer texto deixa marcas para

que o enunciado seja concebido como uma verdade. Os recursos argumentativos

servem como instrumentos de persuasão, pois pressupõem um contrato entre

enunciador e enunciatário, com base em valores. Além dessas dimensões, a

semântica discursiva, inclui a tematização e a figurativização, ou seja, temas e

figuras se disseminam no texto criando percursos temáticos e figurativos. No nível

discursivo um tema pode não se recobrir em figura, mas sempre existe nesse nível

o tema, já que este é o elemento mais abstrato e as figuras são elementos que

correspondem ao mundo natural.

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Na organização do discurso, a narrativa é assumida por um enunciador,

cujos valores aparecem no texto e são esses valores que determinam como o

sujeito se relaciona com diferentes objetos. A seguir podemos visualizar como

todas essas estratégias discursivas foram usadas pelos enunciadores dos

programas eleitorais durante a campanha.

O discurso do enunciador do programa de Guebuza foi centrado na

estratégia de identificação do candidato com o eleitor trazendo ao relevo questões

históricas, com o foco na trajetória política do candidato e do país e nos vínculos do

partido Frelimo com o povo. Nesse contexto, é pertinente a afirmação de

Thompson (1995:83) de que “as tradições são, muitas vezes, inventadas a fim de

criar um sentido de pertença a uma comunidade e a uma história que transcende a

experiência de conflito, da diferença e da divisão”. Nessa linha de idéia, ao

enunciatário do programa se dirige um fazer-crer e um fazer-fazer e busca reforçar

o quadro de valores social e moralmente estabelecido, impendido o eleitor de

pensar em mudar o seu voto em favor da oposição.

A noção de identificação é usada, nesta pesquisa, para significar processo

de reconhecimento que é o que possibilita a criação do vínculo entre o eleitor e o

candidato e vice-versa. Na visão de Miguel (2006),

o vínculo eleitoral supõe alguma espécie de identificação entre eleitor e candidato. Identificação, convém esclarecer, não significa identidade; afinal, a representação política carrega em si os impulsos contraditórios da identidade (o representante como um igual dos representados) e da distinção (o representante como superior aos representados, dotado de qualidades especiais). Mas permanece o anseio por identificação – ou, se se preferir, por reconhecimento –, que faz com que aquele eleitor escolha, entre tantos, aquele partido ou aquele candidato. O foco, portanto, é jogado sobre os mecanismos de identificação entre cidadão-eleitor e político. Tais mecanismos são, em grande medida, discursivos – entendo, é claro, que “discursivo” não se refere apenas à expressão oral, mas a qualquer conteúdo simbólico. Imagens também são discursos; e, como sabemos, são parte cada vez mais proeminente dos discursos políticos (LUÍS FELIPE MIGUEL, 2006:4)17.

                                                            

17 Disponível em WWW.unirevista.unisinos.br acessado em 20 de abril de 2010. Miguel inspirou-se na obra de MANIN, B. 1997: the principles of representative government. Cambridge, Cambridge University Press. 

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Na mesma linha de idéia, Charaudeau (2008:137) explica que a identificação

está ligada ao discurso afetivo, pois o cidadão se identifica com o político através

de um processo irracional. Assim, visando alcançar a identificação com o maior

número de eleitores, o ethos político se constrói a partir de uma mistura de traços

pessoais de caráter, de corporalidade, de comportamentos, de declarações verbais,

tudo relacionado às expectativas vagas dos cidadãos, por meio de imaginários que

atribuem valores positivos e negativos a essas maneiras de ser.

As questões de identificação foram construídas a partir de referências de

situações sociais reconhecidas pela maioria dos enunciatários como parte da

história do país. Esse recurso aparece várias vezes no programa de Guebuza como

veremos no 4º capítulo, por exemplo, no spot dedicado a ele em que o enunciador

apresenta em forma de álbum de família, destacando a história pessoal do

candidato desde jovem, quando entra na carreira política e participa do processo de

lua armada que conduziu o país à independência nacional; quando se casa e

constrói uma família; a sua participação nas negociações para a Assinatura do

Acordo Geral da Paz no fim da guerra civil, e, finalmente, a sua chegada à

presidência da república até ao momento atual.

Ao empreender o fazer comunicativo, o enunciador do programa atua como

destinador-manipulador que determina os valores do destinatário figurativizado pelo

telespectador/eleitor. O enunciador reconhece a unidade nacional como um objeto

de valor coletivo resultante do esforço e de luta coletiva. É nessa direção que o

enunciador do programa de Guebuza realiza a manipulação do enunciatário em

torno da valorização de determinados aspectos da história do país e da identidade

nacional. Aliás, a ligação simbólica e histórica da Frelimo com o povo tem sido

usada como uma das principais ferramentas de manipulação da população o que

tem garantido a permanência do partido no poder.

Em geral, ao construírem os enunciados da campanha a partir do universo

axiológico comum, os enunciadores dos programas dos três concorrentes buscam

manipular o enunciatário de modo que este aceite o discurso como verdadeiro.

Essa lógica se revela no encontro com os com eleitores, em comícios, nas

carreatas, quando os candidatos enunciam de uma forma cujo objetivo é levar o

enunciatário a entrever seu futuro. Observamos no discurso de Guebuza que

enuncia como mandatário apresentando as condições necessárias para o sujeito

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que tem o poder fazer de (votar) alcançar o seu desejo de ver atendidas as suas

preocupações:

(...) votando em nós, nós vamos continuar a consolidar a unidade nacional porque a unidade nacional constitui o segredo da nossa vitória. Nós vamos continuar a lutar contra a pobreza porque sabemos que a pobreza ainda não acabou apesar de estar fragilizada. Votando em nós, nós continuaremos a desenvolver uma governação boa; vamos ter as presidências abertas porque o povo é que é o nosso guia.

Com esse discurso, o candidato pretendia “sedimentar” na mente do eleitor o

fato de que a luta que todos (ele e o povo em geral) empreenderam no passado foi

pela independência nacional e agora a luta de todos é para eliminar a pobreza que

se apresenta como um problema que afeta a maioria da população.

Em vários momentos notamos que em seus pronunciamentos, o candidato

Guebuza usa o “nós”, ou seja, apresenta-se como um enunciador coletivo que fala

em seu nome (como candidato, como membro da Frelimo e como governo) e

também em nome de outras pessoas (todos os moçambicanos). Nesse sentido, o

“nós” é uma forma pronominal de tratamento rica de potencialidades dialógicas, que

pressupõe inclusão e corresponsabilidade na ação. Esse procedimento aparece,

por exemplo, nestes pronunciamentos em comício com populares em bairros da

periferia da capital:

Nós somos capazes de fazer. Já mostramos que nós fazemos, mas ainda falta muito. Temos confiança; eu tenho confiança de que a pobreza vai sofrer mais um golpe forte. É por isso que eu vim pra aqui, pra falar com as pessoas da Matola e da Machava. Eu vim pra aqui pra voz pedir: nas eleições de 28 de outubro votem na Frelimo e votem em mim Armando Guebuza. (in Jornal da Miramar 05/10/2009)

Ao falar na condição de enunciador coletivo, o candidato também declara as

suas intenções de continuar a trabalhar em prol da consolidação da unidade

nacional (nesta pesquisa assumimos que este é o ponto nodal do seu programa de

governo) construída desde o processo de luta armada de libertação nacional e que

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precisa ser levada adiante em vista à erradicação da pobreza, considerada inimigo

comum na atualidade e, por isso, essa luta deve ser assumida por todos os

moçambicanos na direção da boa governação.

Em outro instante o candidato faz promessas enumerando o que vai fazer. E

nesse enunciado o “nós” que aparece se refere a ele enquanto governo que possui

responsabilidade pelo bem-estar da população e, nesse sentido, o interessa

enfatizar as suas competências de governar:

Nós continuaremos com a Presidência Aberta; nós continuaremos com os sete milhões; nós continuaremos atendendo o nosso povo; nós continuaremos a ter cada vez mais empregos para a nossa juventude; nós trabalharemos para encontrar resposta sobre a habitação dos jovens.

Em geral, no discurso de campanha, os acordos que o enunciador

(Guebuza) busca estabelecer com o enunciatário (eleitor) são baseados em valores

e visam provocar a adesão do eleitor para que vote nessa proposta, por isso,

Guebuza insiste na convocação de todos através do pronome “nós”. Com esse tom

do discurso, Guebuza pretende criar as bases para um contrato fiduciário, firmando

uma parceria que fosse facilitar a instalação de um projeto de governo que

propunha a continuidade de sua agenda político-administrativa:

eu queria sublinhar duas coisas: a primeira coisa é que nós moçambicanos podemos fazer muito. E nós podemos. Não só eu, somos todos nós. Eu tenho a sorte de ser o responsável de um povo maravilhoso.

Em outro momento, o candidato afirmou:

votando em nós, nós vamos continuar a consolidar a unidade nacional porque a unidade nacional constitui o segredo da nossa vitória (...) votando em nós, nós continuaremos a desenvolver uma governação boa, vamos ter as presidências abertas porque o povo é que é o nosso guia...

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Nesse discurso Guebuza faz promessas ao eleitor sobre o que irá acontecer

como resultado do voto dos eleitores. Assim reafirma o que vem explícito também

em dos seus slogans de campanha “a Frelimo quando promete cumpre” sugerindo

o máximo de cuidado ao eleitor para não votar na oposição porque eles também

prometem, mas poderão não cumprir. Portanto, a promessa da Frelimo estaria

sendo realizada em torno de sua experiência de governo já de longa data e isso é

o que o faz deferente dos outros partidos.

Da mesma forma que Guebuza, Dhlakama, como opositor, também busca

fundamentar as suas bases contratuais com eleitor em torno de promessas: “o

governo de Dhlakama será o vosso governo. O meu governo é o vosso governo.

Vou conseguir aquilo que vocês querem, vou ser presidente do povo”. Nesse

trecho o enunciador do programa de Dhlakama procura manipular o eleitor fazendo

com que este se identifique com ele ao afirmar que o que pretende, portanto, ser

presidente, depende do eleitor. Mas é claro que se trata de um jogo de negociação,

pois equivale dizer que se o eleitor votar nele terá tudo o que anseia na vida e o

mesmo não acontecerá caso vote em outro candidato.

A argumentação é a estratégia discursiva mais utilizada pelos enunciadores

dos programas eleitorais porque a propaganda busca apresentar o candidato como

um sujeito com capacidade de realizar uma conjunção/disjunção com valores

projetados como desejáveis/indesejáveis (respectivamente), que atendam à

expectativa dos eleitores. E, em última análise, essa estratégia visa convencer o

eleitor a votar no candidato X.

Afonso Dhlakama, além de buscar convencer o eleitor a votar nele também

faz críticas ao governo atual, mas de forma indireta, ao se referir à corrupção: “não

vou ser ladrão nem corrupto, nem gastar o vosso dinheiro”. Vale ressaltar que no

país há críticas sobre a existência de corrupção generalizada na maioria dos

setores da administração pública e Dhlakama está ciente que pelas mesmas

razões parte população não aprova o governo de Guebuza.

O discurso de Dhlakama busca enfatizar a sua competência e, ao afirmar

querer ser presidente do povo, reprova implicitamente, a administração atual, que

na opinião dele não atende ao povo, mas a uma minoria. Apresentando-se como

candidato desejável pelos eleitores por não ser ladrão e não ser corrupto,

Dhlakama promove, de forma sutil, os valores descritos e aceites pela sociedade

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(honestidade, humildade, ética). Na lógica desses argumentos, o eleitor é

persuadido pelo candidato de que somente ele (Dhlakama) possui competências

para ser presidente e, portanto, o eleitor deve votar nele.

Com esse tipo de procedimento compreendemos que o contrato de

comunicação construído pelo discurso político, particularmente em momento de

campanha eleitoral apresenta-se como fio condutor que cria vínculos entre

enunciadores e enunciatários e são esses vínculos que possibilitam a interação

entre as ambas as instâncias de comunicação.

De entre vários objetivos, as campanhas buscam “proporcionar ao partido e

ao candidato o conhecimento, de forma simplificada e em linguagem própria, do

perfil do candidato, do conteúdo do programa e da proposta de ação para sua

aplicação” (GOMES, 2004a: 68). Dessa forma, as campanhas podem acabar

motivando os eleitores a acompanhar a política em geral mais de perto e a se

tornar mais informados sobre assuntos além daqueles em foco na campanha.

Nesse contexto, na visão de Gomes (2009) é importante conhecer como o

eleitor vê e julga o programa que o candidato defende; qual é a importância deste

programa para si e sua família, para sua classe ou segmento social e para a nação;

as expectativas sobre as condições de implementar o programa; como são vistos

os apoios e as alianças; como o eleitor vê as características políticas e pessoais do

candidato; e qual é a credibilidade dos argumentos relacionados a cada candidato

entre os eleitores. Aliás, vale ressaltar que os eleitores bem informados se

preocupam em descobrir as diferenças nas propostas de governo que os

candidatos apresentam para através da análise aprofundada poder votar de forma

mais consciente.

Às vezes essa decisão se apresenta complicada quando as propostas se

mostram muito semelhantes e a maioria da população opta pela abstenção. Isso

pode ser compreendido á luz de Charaudeau (2005), quando afirma que as

relações de força entre as instâncias de enunciação instituem uma espécie de “jogo

de dominação”, em que ora é a linguagem, ora a ação que predomina. Trava-se

uma “luta discursiva” por meio de opiniões que necessitam revestir-se de

legitimidade e de autoridade, para que sejam reconhecidas e tenham um efeito de

veridicção. “Se, por um lado, no debate eleitoral, a idéia de persuasão é mais fluída

do que em outras situações, por outro, o processo de persuasão é bem mais

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complexo, pois os candidatos transitam o tempo todo, entre mundos possíveis,

atuais e futuros” (MARCUS FIGUEIREDO, 2000:153).

Em situação de campanha política eleitoral, na visão de Ramaldes

(1997:61), “embora a relação fiduciária determine que os políticos procurem

estabelecer uma estratégia de cumplicidade, o enunciador-candidato precisa se

‘destacar’, por alguma diferença, para ser aceito como aquele que fará a

‘diferença’, resultante do poder/fazer delegado pelo eleitor”.

Isso pode ser compreendido também na ótica de Charaudeau (2005) que

situa a palavra “política” na confluência entre “linguagem, ação, poder e verdade”:

todo ato de linguagem supõe os princípios de alteridade (o “eu” toma consciência

de si por meio da existência do “outro”, de influência e de regulação, em que

ambos constroem um vínculo social por meio de relações de força).

Com o seu discurso de crítica ao candidato do governo, Dhlakama busca

convencer o eleitor de forma que a interlocução é estabelecida dentro desse

contexto de “união” com o outro (eleitor), porque se por um lado, para o eleitor

aderir é preciso conhecer, por outro, para o político é preciso convencê-lo. A

mesma lógica também é adotada pelo candidato Guebuza.

Para realizar essa ação, era necessário garantir a coerência do discurso. A

partir de suas narrativas, cada concorrente, independentemente da sua condição

de mandatário ou opositor, procurou demonstrar aos eleitores as suas convicções

em relação ao cenário político do país. Os da oposição se apresentam como

candidatos sérios e capazes de resolver os problemas do país e colocá-lo nos

patamares de desenvolvimento aceitáveis e desejados por todos. O mandatário se

intitula o melhor e mais experiente e, por isso, afirma possuir condições para

continuar a governar por mais cinco anos.

De acordo com Landowski (1992), o esquema persuasivo da propaganda

eleitoral é condição para o pacto fiduciário com o eleitor e é regulado por dois

movimentos: um de subordinação do candidato ao eleitor, a quem promete a sua

devoção; outro de subordinação de tais parceiros a um sistema de valores comuns.

O autor ressalta ainda que são esses fatores que estabelecem as bases

contratuais entre os interlocutores do discurso, deixando clara a necessidade de

interação e cooperação.

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O discurso dos candidatos, mais do que de análise e do raciocínio, é de um

caráter passional e estésico. Ao mesmo tempo em que enaltece as suas

qualificações pessoais, cada um procura desqualificar os concorrentes.

A desqualificação dos adversários políticos foi outra estratégia discursiva

muito usada pelos candidatos: a intenção era enfraquecer os argumentos dos

oponentes. Esta tendência foi recorrente em Dhlakama que, às vezes, elaborava

sua fala em tom humorístico. Por exemplo, em um comício com eleitores na

Província de Nampula discursou:

(...) olhando para a situação de Moçambique, qualquer moçambicano sabe que este país não está a andar. Vota em mim, pra vocês terem um presidente bom, um presidente amigo do povo, um presidente vosso filho, um presidente que não ginga, um presidente que vai respeitar vocês, um presidente que vocês vão chamar – Dhlakama: venha aqui. O seu governo não funciona. Eu hei-de sair a correr e dizer: papá, qual é o problema? Vou resolver (...).

Nesse trecho, apelando para a dimensão passional do discurso, com ênfase na

sedução, o candidato lamenta a situação em que o país se encontra. Critica de

forma indireta a incompetência do governo atual, e a não aceitação das críticas que

a sociedade faz ao governo. Além dessas críticas, no mesmo instante, Dhlakama

faz promessas de que vai transformar Moçambique em um país melhor. Ele adota

uma estratégia de sedução baseada no uso de uma linguagem simples e coloquial,

mas ao mesmo tempo eloquente. O termo “papá” é uma expressão carinhosa e

respeitosa usada pela população para chamar a qualquer homem adulto mesmo

sem ter alguma intimidade ou familiaridade com ele.

Com esses recursos passionais, de manipulação por sedução, o

enunciador-Dhlakama busca convencer os eleitores a aderirem à sua candidatura e

às suas propostas de governo.

Na perspectiva da semiótica, a manipulação para qualificar o sujeito para a

ação é exercida através da sedução, da tentação, da provocação e da intimidação.

Ao revelar o seu ponto de vista em relação à situação do país, o candidato

Dhlakama enquanto desafiante busca convencer os eleitores a vê-lo como aquele

que possui competências para solucionar os problemas do país e que está disposto

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a ouvir a população. Esse movimento pode ser compreendido à luz de Breton e

Proçux (apud Rieffel, 2003:64) que defendem que o “o objeto da propaganda é

difundir informações de modo a que o seu receptor esteja de acordo com elas e

simultaneamente seja incapaz de fazer outra escolha qualquer a seu respeito”.

A estratégia de Simango foi usar um discurso com o foco na necessidade

urgente de mudança, mas sempre deixando transparecer as “paixões”, o “carinho”

pelo eleitor ao se dirigir a ele com um tom de intimidade, mas ao mesmo tempo,

mantendo-se distante como que para imprimir seriedade e autoridade:

Caro cidadão, o MDM defende o alargamento da participação dos cidadãos, sobretudo, jovens e mulheres, da vida política (...). Para que tal aconteça é imprescindível que se verifique uma mudança, e essa mudança só pode acontecer com novos rostos, novas ideias e, por conseguinte, uma nova mentalidade e uma nova maneira de pensar Moçambique.

Fica claro neste enunciado que o enunciador-Daviz, aparentemente, evita

impor determinado pensamento ao seu destinatário, mas passa a ideia da

necessidade de renovação na forma de governar que deve começar com a

mudança de mentalidade. Para isso escolhe uma expressão de endereçamento

“caro cidadão” querendo demonstrar um tratamento afetivo e familiar para com o

eleitor. Com essa estratégia busca obter identificação, através do efeito de sentido

de proximidade e amizade com os eleitores.

Como desafiante o candidato propõe mudança e argumenta como deverá

ser empreendida essa mudança, ou seja, que a mesma só pode alcançar sucesso

se for radical, começando pela mudança de mentalidade dos atores políticos e

também pela mudança na definição de agendas a serem cumpridas por esses

novos atores políticos (ele e seu partido).

Vale ressaltar que esse efeito de sentido de urgência de mudança no país

está presente na opinião pública que reclama da ineficiência e estagnação do atual

governo. De forma implícita, o enunciador critica a permanência longa da Frelimo

no poder, que já passavam 34 anos. Por isso, aproveitando de suas qualidades

pessoais (jovem, membro de outro partido, bem sucedido na gestão do Município

da Beira, segunda maior cidade do país) fica claro que Simango sugere, embora

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nas entrelinhas, que ele é a figura ideal para governar o país uma vez que já possui

experiência técnica e administrativa.

Outro aspecto importante no seu discurso que foi reiterado insistentemente é

a necessidade de união entre os moçambicanos como condição para a mudança o

que sugere que seja um caminho para o consenso, em termos de decisões, em

benefício da maioria.

Neste aspecto encontramos diferenças em termos de concepção da

mudança que se quer para o país crescer em todas as esferas. A Frelimo também

defende a mudança, mas esta seria como forma de consolidar o que já foi feito pelo

seu governo, ou seja, mudança com continuidade, enquanto para o MDM a

mudança deve ser radical no sentido de possibilitar uma vida melhor no aqui e

agora e não apenas em promessas para o futuro visto como dimensão escatológica

como, de acordo com a sua visão, parece ser a lógica apregoada pelo governo de

Guebuza. Para Dhlakama, a mudança só será possível se for estabelecido de fato

o estado de direito que a Frelimo retirou.

É dessa forma que os três candidatos desenvolvem a sua campanha a partir

da construção de identificações. Nessa perspectiva, é fundamental “que o

candidato obtenha a confiança do eleitor, como um sujeito capaz não só de

transmitir, mas também de concretizar os valores desejáveis” (RAMALDES,

1995:35). Nesse sentido, a relação eleitor-candidato é, fundamentalmente, uma

relação de ‘empatia’: a experiência social, a história de vida do indivíduo ‘pulsa-o’

com variada intensidade; e ele é – ou não – atraído psicologicamente pelos

elementos centrais do processo político eleitoral (candidatos e partidos) que estão

do outro lado (MARCUS FIGUEIREDO, 1991: 40).

Para ganhar credibilidade diante dos eleitores, as competências do

candidato são reforçadas pelos testemunhos e depoimentos de outros atores

políticos que nos programas eleitorais são identificados como apoiantes e muitos

fazem parte da hierarquia dos partidos, outras são pessoas simples tanto do meio

urbano quanto rural. Em geral, são pessoas com determinada aceitação no seio da

sociedade, ou seja, são líderes de opinião.

Em geral, para o candidato Guebuza, os testemunhos reforçam a mensagem

principal sobre as suas realizações como figura número um do governo e

importava-lhe vincar as principais propostas para o novo mandato caso ganhasse

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as eleições; por outro lado, para os candidatos opositores, a presença de outras

figuras na propaganda visava reforçar as denúncias de corrupção, de desmandos

do governo e, ao mesmo tempo, alertar os eleitores a votarem de modo consciente,

o que implicitamente significava votar no novo, na novidade, portanto em seus

candidatos e partidos políticos.

Nesse sentido, podemos ver essa tônica na propaganda de Dhlakama

através do depoimento de Luís Micopia, membro sênior, que também estava

concorrendo ao cargo de deputado da Assembléia da República. Ele apoia a

candidatura do seu líder Dhlakama através da desaprovação de Guebuza e

mostrando o balanço negativo do governo deste. E declara estar frustrado e

revoltado com o atual governo:

tenho esta oportunidade de convidar os moçambicanos, meus concidadãos, p’ra lembrarem que é chegada a hora de exprimirmos a nossa revolta para o regime que vem nos humilhando há mais de 34 anos de independência. Julgávamos que eram pessoas p’ra nos defender, afinal de contas é um grupo de indivíduos que só defende a cor da sua camisola e quem não está com ele não é moçambicano.

Vemos nesse trecho a instauração de um discurso de caráter passional que

revela um estado de espera que não foi bem sucedido pelo fato de não ter o

governo atendido os anseios e às expectativas da população. É um sujeito

frustrado pela não realização de valores prometidos pela administração atual do

candidato da situação (Guebuza). Como aliado e pessoa conhecedora dos

meandros da política do país, propõe uma ruptura, apelando os eleitores a votarem

a favor do candidato Dhlakama:

é p’ra dizer que a única oportunidade que nós temos de manifestar o nosso descontentamento é punir aqueles que nos escravizam votando no partido Renamo nas eleições provinciais, nas eleições legislativas e votando no candidato Afonso Macacho Marceta Dhlakama nas eleições presidenciais.

Para ele, votar em Dhlakama e na Renamo significa punir a Frelimo. Essa

punição, na ótica da semiótica seria uma sanção, neste caso, negativa para a

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Frelimo. Aliás, nesse extrato também se encontra uma manipulação que de forma

implícita realiza uma provocação ao designar o governo da Frelimo como

“escravizador” que deve ser punido pelo eleitor votando na oposição.

Com o mesmo tipo de discurso passional, Simango enumera as

competências do saber fazer do eleitor (coletivo) que é a condição necessária para

o tipo de mudança que ele propõe para o país e isso, nas suas palavras, passa

pela tomada de consciência política de todos:

o futuro de Moçambique depende exclusivamente da nossa capacidade de análise; do nosso rigor; da nossa exigência e da nossa lucidez e do nosso desejo por um novo Moçambique; um Moçambique para todos. (...) na hora da escolha do Presidente da República e da força política que irá governar e legislar o nosso país, o povo moçambicano terá a oportunidades de exprimir a sua vontade.

Está patente nesse trecho uma manipulação por sedução, quando o

enunciador declara que “o futuro do país depende exclusivamente da nossa

capacidade de análise, do nosso rigor, da nossa exigência e da nossa lucidez e do

nosso desejo por um novo Moçambique”. Essa forma de manipulação por sedução

favorece ao eleitor identificar-se como aquele que tem o poder/fazer, o que

equivale dizer que só ele detém o poder de mudar através do voto e é esse voto

que vai mudar os rumos do país.

Aqui também se encontra a chave para a compreensão do sentido de

participação que o enunciador do programa de Simango traz na proposta de

governo. E, nessa linha de ideia, o enunciador fazia crer no enunciatário/eleitor de

que havia necessidade de união entre Simango/MDM e eleitor.

No mesmo discurso, o enunciador/Simango faz um alerta: “portanto,

pensemos seriamente no que queremos para a nossa Pátria Amada”. O candidato

convoca o eleitor através da sedução. Portanto, a promessa implícita é de que ele

vai construir um país diferente e vai governar para pôr fim a falta de participação da

maioria nas decisões do país. Implicitamente o candidato sugere que no seu

governo não haveria divisões assim como acontece atualmente no governo de

Guebuza.

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Os aliados de Simango seguem a mesma tônica em seus discursos como

podemos ver na fala António Gonçalves, diretor do Gabinete Eleitoral de Nampula

que, primeiro critica a administração em curso pela falta de investimentos em

infraestruturas: “os grandes problemas que temos, nesta província, são as estradas

principais e terciárias”. Em seguida critica a falta de transparência na gestão da

verba pública destinada à construção de estradas. Nesse cenário, Gonçalves

enuncia sobre a capacidade do MDM:

nós temos uma mensagem nova. Não uma mensagem de promessa. É uma mensagem dos 34 anos sem fazer nada. Nós estamos cientes que o Presidente Simango que é um candidato jovem vai ganhar as eleições, sem dúvida, com uma margem muito folgada.

Como podemos observar, o enunciador do programa de Simango insiste em

mostrar o estado de imperfeição que o país vive e os riscos que significaria se os

eleitores escolhessem Guebuza para continuar a governar.

O programa eleitoral de Guebuza apresentou de forma extensa os

depoimentos de diversas figuras públicas que também são membros seniores do

partido Frelimo, desde ministros, governadores, administradores, secretários

permanentes, entre outros. Esse recurso visava demonstrar e confirmar não só as

competências administrativas do governo atual como também o seu lugar de

“autoridade”. Um dos atores que deram o seu apoio foi Alberto Vaquina, na

qualidade de Governador da Província de Sofala. Este aliado enaltece o nível de

desenvolvimento que a província alcançou com os incentivos dados pelo governo

central à sua província, sobretudo na área financeira:

graças à introdução dos 7 milhões nós criamos na província mais de 30 mil novos postos de trabalho; criamos alojamentos de hóspedes ao longo de nossos distritos assim como fizemos com que camponeses que tinham projetos, que tinham idéias para melhorar as suas condições de vida fossem capazes de desenvolver esses projetos e gerar rendimentos para si, criar postos de trabalho e gerar riqueza para o nosso país.

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A qualificação do candidato como autoridade se constituía também em uma

forma de convencimento empreendida sobre o eleitor para despertar o querer e

levá-lo ao fazer (votar). Com esse procedimento o enunciador manipula o

enunciatário a aceitar a proposta de continuidade apresentada pelo candidato em

seu programa.

Na organização da narrativa, os enunciadores dos programas eleitorais

lutam por construir imagens, isto é, simulacros de candidatos, pois estes assumem

determinadas personagens que sejam facilmente reconhecidas e aceites pelo

público criando, dessa forma, identificações que possibilitem os eleitores

sancionarem os candidatos-simulacros de forma positiva, traduzindo-se em voto a

seu favor. A seguir discutiremos sobre os regimes de visibilidade que os programas

desenvolveram para a construção da imagem pública dos candidatos.

3.2. Regimes de visibilidade e construção da imagem pública no cenário

da disputa

O candidato é a figura chave da propaganda eleitoral, por isso, a construção

de sua imagem pública é de fundamental importância para a campanha. Nesse

sentido, Albuquerque (1999) considera que o HGPE é, para o candidato, muito

mais do que um mero veículo para a transmissão de conteúdos políticos, um

instrumento por meio do qual ele busca sugerir aos eleitores a existência de um

laço profundo entre ele e os eleitores, um relacionamento especial, dotado de

características muito particulares.

O HGPE tem a função de despertar a atenção do público para a disputa

eleitoral e “permite ao candidato grande versatilidade no trato com os

telespectadores, na medida em que possibilita introduzir - através do uso de

convenções do discurso verbal e da narrativa televisiva - novos significados e

interlocutores virtuais na relação com os telespectadores” (ALBUQUERQUE,

1999:95).

A construção da imagem pública é feita através de uma série de estratégias

que tenham, por um lado, uma carga informacional, publicitária e promocional, por

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outro, que possuam capacidade suficiente para estimular a imaginação do eleitor e,

por fim, provoque reações que culminem na adesão do eleitor por meio do voto.

Neusa Gomes (2009) considera que os atributos pessoais se referem a

características que os indivíduos possuem ou dizem possuir na vida privada, não

tendo, necessariamente, um conteúdo político, enquanto os atributos profissionais

ou funcionais são políticos e dizem respeito às qualificações que são julgadas

necessárias para o exercício de cargos públicos. Na visão de Bonino (1994:29) “a

televisão deve passar a imagem de confiança, firmeza, autoridade, competência e

renovação com naturalidade uma vez que a intenção é gerar confiança no eleitor”.

Além da imagem que os políticos já possuem antes da campanha e das

informações positivas e negativas que os eleitores recebem sobre eles, as

concepções político-ideológicas dos eleitores, que são preexistentes, e as próprias

questões colocadas durante a disputa eleitoral, ou seja, questões conjunturais

também influenciam na construção da imagem do candidato.

Nesse sentido, na visão de Gomes (2009), a imagem pode se formar a partir

de quatro visões diferentes: (1) a imagem atual, que é como o eleitor vê o

candidato. Atores que fizeram uma trajetória política possuem uma imagem

definida na mente do eleitor. Essa imagem é construída pelo trabalho e pela

exposição aos meios de comunicação, tornando-os íntimos do eleitor; (2) a imagem

ideal corresponde ao desejo utópico que o eleitor tem do candidato ideal, aquele

em quem gostaria de votar. A imagem ideal é influenciada, principalmente, por dois

fatores: conjuntural e cultural; (3) existe ainda a imagem conjuntural, que é aquela

que diz respeito ao meio ambiente e aos valores predominantes no momento da

campanha. Eles são dinâmicos, podendo variar conforme os fatores externos

sejam eles econômicos, de calamidade pública ou de uma ação realizada durante a

campanha; (4) por fim, tem-se a imagem cultural, que corresponde os aspectos

permanentes que formam a identidade do eleitor, como crenças, valores, história.

São estes aspectos que diferenciam os diferentes grupos sociais.

Ao elaborar os textos do HGPE, os enunciadores buscam criar efeitos de

sentido no seu enunciatário com o intuito de adequar a imagem do candidato às

expectativas do eleitorado. Para isso, escolhem imagens, encenações que a

cultura reconhece, e dessa forma facilmente podem fazer crer aos seus eleitores.

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Na concepção de Landowski (1995a: 14), por meio do discurso “a realidade torna-

se inteligível” e novos regimes de sociabilidade são fundados.

Essas idéias também ganham campo em Hall (1980:388), ao defender que

“a forma discursiva da mensagem tem uma posição privilegiada na troca

comunicativa (do ponto de vista da circulação)”. O autor reconhece que, embora os

momentos de codificação e descodificação sejam determinados e relativamente

autônomos e interligados, o processo comunicativo, em termos de círculo, requer

os instrumentos materiais (os meios) que constituem os discursos - sob a forma de

veículos simbólicos-dentro das regras da linguagem, bem como seus próprios

conjuntos de relações sociais de produção.

Essas imagens precisam ganhar visibilidade no espaço publico. Nesse

contexto, visibilidade é um fenômeno fundamental para a compreensão dos

discursos políticos contemporâneos. De acordo com Trivinho (2007), “visibilidade

mediática diz respeito a tudo o que é visível, que comparece na esfera pública, que

é percebido pelo público e que produz sentido capaz de ser compartilhado entre os

diversos interlocutores que têm acesso à mídia”.

É importante ressaltar que visibilidade midiática não se reduz apenas ao que

é visível a olho nu, mas também ao que não é palpável como o som, a fala, por

exemplo, que são textos (no sentido semiótico do termo) perceptíveis que circulam

nos meios de comunicação. Sabe-se que eles existem e produzem sentidos.

Portanto é a visibilidade midiática que possibilita o compartilhamento de sentido no

âmbito da experiência coletiva que produz um efeito de inclusão, (PRADO, 2009,

CD, a invenção do Mesmo e do Outro na mídia semanal).

A campanha eleitoral é um momento propício para o embate entre

candidatos que concorrem ao mesmo cargo e esse processo envolve também a

disputa de imagens públicas. E por se tratar de disputa, os candidatos buscam

construir relações de proximidade com os eleitores para que sejam facilmente

reconhecidos e isso requer a construção de marcas próprias que possibilitem a

conquista da confiança e da credibilidade por parte eleitor. Nesse âmbito, a

encenação é uma das estratégias que tem sido mais adotada pelos candidatos.

Landowski (2002:186) refere que “no campo político é possível recorrer ao teatro

para compreendermos os regimes de presença que os candidatos visam instaurar

“em face-a-face” os espectadores-cidadãos que somos nós”.

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No contexto eleitoral, a estratégia de campanha visa alcançar a três perfis de

público: (1) os seus eleitores cuja escolha já está confirmada; (2) os eleitores de

concorrentes e (3) os eleitores indecisos. Diante deste cenário, o trabalho árduo da

campanha centra-se no reforço de estratégias que sejam capazes de provocar

mudanças nas intenções de voto dos eleitores dos candidatos adversários para

que reformulem os seus argumentos e mudem a sua decisão.

Outro principal desafio do candidato está na conquista dos votos dos

eleitores desinteressados. É um fato da vida política que, por ser negativo, não

deve ser ignorado. É sabido que na sociedade contemporânea há um descrédito

generalizado dos atores políticos e a população, em condições normais, manifesta

um baixo interesse pela política. Dedica a maior parte do seu tempo às questões

que mais o preocupam: buscar formas de melhorar as condições de vida de sua

família do que com a política. Mas, apesar desse desinteresse, segundo Ferraz

(2004), durante o período eleitoral, o interesse aumenta gradualmente em razão da

campanha eleitoral e da cobertura da mídia, além da influência de outras pessoas

com quem convive.

Sobre esse cenário, Manhanelli (1988) afirma que o processo eleitoral é

regido por três leis básicas que explicam os comportamentos típicos dos eleitores;

a lei da indiferença, a da procrastinação e a da efemeridade, que significam: (1) no

universo da lei da indiferença estão os indecisos e os indiferentes, que não notam,

ou fazem força para não notar o que se passa ao seu redor; (2) a lei da

procrastinação, por sua vez, diz que a grande maioria dos eleitores deixa para

decidir em quem votar no último momento; (3) finalmente, a lei da efemeridade

afirma que durante as campanhas eleitorais, as pesquisas demonstram a

existência de oscilações da opinião do eleitorado, mostrando a mudança na

intenção de voto. Qualquer acontecimento, fala ou ação do candidato pode influir

na decisão final. É importante considerar também o grupo de eleitores conscientes,

ou seja, aqueles que já têm a opinião formada sobre a sua escolha e que

dificilmente mudam na hora do votar.

Nesse ambiente, com o intuito de se atingir o resultado desejado (ganhar as

eleições), a propaganda apresenta novas técnicas e novos recursos de

convencimento, de difusão de ideários políticos. Por ela há projeção de opiniões,

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pontos de vista, projetos políticos. Há também projeção da imagem pública dos

políticos e candidatos a cargos públicos.

A equipe de campanha elabora estratégias discursivas que tenham a

capacidade de criar uma identificação do eleitor com o candidato, ou seja, fixa a

candidatura junto àqueles eleitores que precisam ser conquistados. Assim, ao

longo de toda a campanha, ser conhecido como candidato é a base sobre a qual se

edifica uma identificação que ajuda a reter o nome na memória, e confere a ela um

significado. Para isso, é importante elaborar informações políticas e partidárias com

maior clareza e usar estratégias e dispositivos adequados para a sua divulgação

visando alcançar justamente aquela parcela de eleitores indecisos.

Em contexto de embate eleitoral, a imagem-marca do candidato e uma maior

interação entre candidato-eleitor ganham maior destaque no espaço público. A

imagem do candidato é construída com base em valores históricos, socioculturais e

políticos que possam produzir efeitos de sentido de confiabilidade, segurança,

competência administrativa e credibilidade, em suma, é um conjunto de valores

morais e éticos que os eleitores procuram associar à figura do candidato a quem

depositam confiança.

Sobre essas características da política na sociedade contemporânea, Pinto

(1989:51-52) argumenta que o discurso político é o discurso por excelência do

sujeito em todos os seus sentidos, seu local de enunciação é a luta política, seu

objetivo é vencer a luta através do jogo da desconstrução e reconstrução de

significados, interpelando através da construção articulada de uma visão de

mundo.

A imagem de populares também é usada nos programas dos três candidatos

como recurso de reiteração e validação da imagem do candidato. Nos programas

de Dhlakama e Renamo e de Simango e MDM, os populares reclamam das

deficiências técnico-administrativas do governo de Guebuza e acusam-no de gerir

a coisa pública em benefício de membros e simpatizantes do seu partido (Frelimo).

Enquanto no programa de Guebuza e Frelimo os populares testemunham em seu

favor mostrando-se satisfeitos com desempenho do governo em todos os níveis:

distrital, provincial e nacional.

Essa estratégia enunciativa de delegar voz do programa a populares busca

fazer com que os eleitores se identifiquem com esses personagens e os veja como

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porta-vozes de suas preocupações diante dos políticos. Esse recurso projeta a

imagem do eleitor como sujeito da experiência que possui condições para contar a

sua própria história que é semelhante a dos demais eleitores que vivem no mesmo

contexto. Para os enunciadores dos programas este procedimento visa estabelecer

um clima de confiança e de identificação entre candidatos e potenciais eleitores, de

forma a que estes confirmem o seu voto nas urnas.

Uma característica marcante no discurso dos programas eleitorais dos três

candidatos é a utilização de narrador em off , na condição de sujeito oculto, uma

vez que ele não dá a sua cara às câmeras. Para Albuquerque (1999:100) o

narrador em off é um dos mais importantes substitutos do candidato na publicidade

eleitoral produzida para a televisão, primeiro por proporcionar uma grande

liberdade no uso das imagens e constitui um instrumento útil nos ataques aos

adversários, dado o seu caráter impessoal, constituindo a própria voz do programa.

Além desses aspectos, Albuquerque explica ainda que “a grande vantagem que o

narrador em off apresenta sobre o candidato refere-se ao seu anonimato, que torna

difusa a responsabilidade pelos ataques”. Nessa ótica,

na condição de sujeito oculto, mas vinculado diretamente ao esquema de produção de campanha, “o narrador em off” é o mais indicado entre os colaboradores funcionais para expor os discursos de desqualificação dos adversários. Em sua fala, predomina a narração em terceira pessoa, o que coloca tal personagem como um observador que conhece os fatos narrados, podendo inferir no discurso com o seu próprio julgamento sobre os fatos narrados (RAMALDES, 2004:177).

De entre vários recursos de mobilização do eleitor e da população, em geral,

os programas dos três candidatos à presidente também se serviram da estratégia

de espectacularização. De acordo com Ramaldes (2004), a utilização dessa

estratégia discursiva pode ser compreendida à luz dos postulados de Cornellius

Castoriadis e Hannah Arendt que referem que a política, como modalidade

específica de agregação de interesses e de resolução da questão do poder político,

interdita o recurso à violência como procedimento principal e legítimo ao tratar o

poder político. É nesse sentido que o espetáculo ganha uma nova dimensão, passa

a ser produzido também como modo de sensibilização, visando à disputa do poder,

e como construtor de legitimidade política.

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Para Rubim (apud França, 2002:89) spetaculum, raiz semântica (latina) de

espetáculo tem como significado “tudo o que atrai e prende o olhar e atenção”. Este

significado é acrescido pelo dos dicionários de língua portuguesa que referem que

se trata de “representação teatral; exibição desportiva, artística e cena ridícula ou

escândalo”. Em suma, todas as significações do conceito de espetáculo nos

remetem a uma visão atenta a uma circunstância, a uma relação intrínseca entre

ator, espectador e evento.

Na visão de Weber (2000), o espetáculo político é totalmente pensado,

formatado e veiculado a partir dos interesses das instituições, partidos e sujeitos

políticos, os quais se constituem como diretores e, ao mesmo temo personagens.

Na mesma linha de idéia, Charaudeau (2006a: 64-65), explica que “o campo

político é encenado de forma que os diversos atores representam as comédias, os

dramas ou as tragédias do poder mediante relações de legitimidade, de

credibilidade e cooperação”.

Rubim refere ainda que o espetáculo remete também à esfera do

sensacional, do surpreendente, do excepcional, do extraordinário. Daquilo que se

contrapõe e supera o ordinário, o dia-a-dia, o naturalizado. A instalação no âmbito

do extraordinário potencializa a atenção e o caráter público do ato ou evento

espetacular. A ruptura com a vida ordinária, condição de existência do espetáculo,

pode ser produzida pelo acionamento de inúmeros expedientes, em geral, de modo

intencional, mas, em alguns horizontes, até mesmo de maneira não prevista.

Podemos observar como essas dinâmicas são usadas nos programas dos

três concorrentes através da lógica da teatralização e dramatização com a entrada

de depoimentos de apoio também de populares em que as imagens de pessoas

simples são inseridas em forma de “o povo fala” com intercalação da voz do

narrador em off como podemos ver nessas transcrições, no programa de Guebuza

e Frelimo:

Narrador em off: “na Província da Zambézia, as pessoas dizem o nome do partido que faz Moçambique avançar”: Eleitor 1: Armando Emílio Guebuza, candidato da Frelimo Eleitor 2: Partido Frelimo Eleitor 3: Armando Emílio Guebuza Eleitor 4: Partido Frelimo

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Depois desses depoimentos o programa liga a questões de identificação que

também foram enfatizadas esses depoimentos:

Narrador em off: E as pessoas da Zambézia falam por que escolheram a Frelimo e o candidato Armando Emílio Guebuza:

Eleitor 1: identifica ao povo moçambicano Eleitor 2: hoje em todas as províncias temos ensino superior Eleitor 3: é pelo fato de ter construído a ponte que uniu as províncias de Sofala e a Província da Zambézia.

No programa de Dhlakama, os populares aparecem declarando a sua opção

de voto por este candidato e seu partido:

Jingle: Vota, vota Renamo Vota, vota Dhlakama Eleitor 1: vou votar no presidente Afonso Dhlakama (fala em língua local) Eleitor 2: eu vou votar na Renamo e no presidente Dhlakama Eleitor 3: quero votar na Renamo Eleitor 4: o presidente Dhlakama terá que ganhar e o partido Renamo também Eleitor 5: queremos Dhlakama na Ponta Vermelha18

Já no programa de Simango, a imagem de populares é construída através

de suas declarações de apoio em comício, discursando, dançando, empunhando

cartazes e em visitas domiciliares. Outras pessoas são mostradas na sua atividade

cotidiana como moradores, na pesca, no comércio informal, na indústria, na

construção civil, no campo de produção de alimentos, entre outras situações.

A campanha eleitoral é considerada por muitos atores políticos de momento

de festa da democracia moçambicana, uma vez que se torna o centro da atenção

da maioria dos cidadãos tanto atores políticos quanto de outras áreas como

artistas, empresários, dirigentes, operários, camponeses que, normalmente, no dia-

a-dia, se encontram distantes da atividade política no seu cotidiano.                                                             

18 É a designação do Palácio Presidencial

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Portanto, a campanha era animada através da presença dos candidatos, dos

apoiantes e de populares. No HGPE, a propaganda era enfatizada pela fala dos

atores políticos, intercalada por música, ora ao vivo com a presença de animadores

(artistas), ora através de arranjos audiovisuais como trilhas sonoras, emblemas dos

partidos e vinhetas que aparecem em close, na tela, para dar vida aos programas

partidários dos três postulantes ao cargo de presidente da república. Estes

elementos identificam os partidos políticos e facilitam o seu reconhecimento pelos

eleitores/telespectadores.

No HGPE dos três candidatos, as cenas que acompanham os depoimentos

dos diversos atores políticos que “desfilam” na propaganda mostram o candidato

interagindo com as multidões em diferentes locais (comícios, mercados, praças,

vilas, grandes centros urbanos, bairros da periferia, no meio rural, em palanques,

em hospitais, entre outros) e dialogam com o público auscultando as suas

dificuldades. As imagens também procuram passar a idéia de intimidade e

familiaridade do candidato como eleitor.

Pode-se ver ainda que no HGPE, os apelos são direcionados à questões de

identidade do candidato e do seu partido. Para reforçar isso, dá-se ênfase à

exposição dos símbolos do partido (logomarca, cores, jingles, vinhetas) e da

fotografia do candidato no espaço que ocupa no boletim de voto. Esses elementos

facilitam a identificação de cada partido e candidato e a sua visualidade captura a

atenção do eleitor, às vezes, mesmo sem saber e sem conhecer com profundidade

a proposta política do candidato.

Em suma, a propaganda eleitoral do HGPE dos três postulantes ao cargo de

presidente procurou reproduzir o clima e o cenário da propaganda das ruas, do

contato com os eleitores.

Através de enunciados e de encenações os três concorrentes mobilizaram,

cada um à sua maneira, um leque enorme de estratégias para angariar maior

visibilidade, procurando convencer os eleitores a aceitarem as suas idéias, valores

e propostas de governo, recorrendo à força persuasiva da palavra, dos argumentos

e dos gestos, em forma de representação na televisão instalando-se, dessa forma,

um processo de sedução. Para isso, os candidatos e todos outros atores políticos

eram apresentados como sujeitos competentes do discurso que tinham um lugar de

fala definido pelo programa. A seguir discutiremos sobre esses recursos

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discursivos e de manipulação presentes na propaganda eleitoral do HGPE de

televisão.

3.3. Lugar de fala dos principais atores políticos

A produção dos programas do HGPE dos três candidatos conta, em geral,

com os mesmos recursos enunciativos que visam à construção de efeitos de

sentido de verdade. Na perspectiva da semiótica, esses recursos são responsáveis

pela instauração de pessoa, lugar e tempo no discurso.

Nos programas eleitorais os candidatos e outros atores participantes

exercem papeis distintos, isto é, são dotados do saber-fazer de forma distinta que é

projetado no discurso. Os primeiros aparecem como protagonistas da ação e os

restantes como coadjuvantes. De uma ou de outra forma, todos ocupam um lugar

de fala que influencia no processo de interação entre candidatos e eleitores.

O candidato é apresentado no HGPE como um sujeito-ator que é apresentado

tanto coletivamente (governo e/ou partido político) quanto individualmente

(candidato). Assim, o candidato é para a ação de fazer acontecer o programa de

governo que está sendo apresentado aos eleitores. Nesse sentido, Barros

(2005:54) argumenta que “é nas estruturas discursivas que a enunciação mais se

revela e onde mais facilmente se apreendem os valores sobre os quais e para os

quais o texto foi construído”. No programa de Guebuza, referindo-se sobre o

balanço das atividades na área da saúde podemos ver essa projeção actancial do

candidato nesse trecho:

Narrador em off: (...) as iniciativas do Presidente Guebuza no combate ao HIV/Sida e pela saúde da mãe e da criança tem um impacto positivo na sociedade e promove maior consciencialização entre os diferentes segmentos sociais. Nos últimos cinco anos, essas iniciativas replicaram-se nas províncias e nos distritos tendo influenciado no aumento de partos atendidos em unidades sanitárias cuja taxa de cobertura em 2008 chegou a 55%. Guebuza e o governo expandiram o acesso ao tratamento antirretroviral de 19 distritos em 2004 para um total de 128 distritos do país em 2009. Testemunho de Ana Maria (médica) que fala de um hospital: veio melhorar bastante; muitos doentes que

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estavam em estado avançado da doença, nós conseguimos controlar localmente, tratar e voltaram à vida normal. Entrada do Slogan: a Frelimo é que fez Armando Guebuza, em estúdio: a saúde é um direito extensivo a todo o cidadão, por isso, nos últimos cinco anos eu e meu governo empenhamo-nos na expansão da rede sanitária e na melhoria do atendimento ao cidadão. Aquilo que prometo, cumpro.

Vê-se que a intenção é produzir efeito de sentido de realidade, uma vez que

se mostra o objeto (dados de avanços na saúde) como verdadeiro e isso é

confirmado e reiterado pela voz da médica e de populares que se trataram e

melhoraram pelo atendimento médico. O enunciador também usa o recurso

testemunhal ao selecionar atores diretamente implicados com o objeto, neste caso,

a médica, que entra como sujeito operador competente do saber-fazer (tratar e

curar os doentes).

Esse procedimento ocorre também no jornalismo em que o testemunho visa

dar visibilidade a pessoas que não estão representadas na cena midiática. Para

Charadeau (2006: 63), as declarações das fontes podem ter diversos efeitos

valorativos como: de decisão (performativa), de saber (autoridade pelo saber), de

opinião (julgamento). De maneira geral, o testemunho tem a função de demonstrar

uma situação, o fato, de ser uma prova cabal, em que alguém relata o que

vivenciou. Em suma, Rodrigues (1997:1) argumenta que quem testemunha “possui

o privilégio exclusivo de deter o poder de controlar a veracidade de sua mensagem,

pelo fato de ter experienciado direta e imediatamente os fenômenos e os

acontecimentos que narra”.

No programa de Guebuza, o narrador ocupa o lugar de testemunha ao

relatar sobre as realizações do governo, mas, trata-se de um tipo de testemunho

que possui o poder também de organizar a narração, escolher quem fala, o que

fala e como fala. A mesma dinâmica é usada também pelo programa de Dhlakama,

mas fazendo o contrário, tecendo críticas em relação ao que é apresentado pelo

programa de Guebuza:

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Dhlakama em estúdio: o melhor de Moçambique são os moçambicanos. O melhor de Moçambique é Dhlakama. Moçambicanas, Moçambicanos, 28 de outubro, as eleições. Portanto, sabem que são muitos candidatos. Cada pessoa vai pedir votos. Eu estou a pedir voto para uma mudança em Moçambique; para uma boa governação que irá servir para que todos os moçambicanos, idosos, jovens, sobretudo, senhoras. Muita gente sofre nos hospitais, mortes e tudo, por falta de medicamento, falta de boa governação, falta de justiça. Este jovem Afonso Dhlakama, de certeza, durante cinco anos vamos poder demonstrar, governar com a democracia, governar com a liberdade, governar com os direitos humanos e governar com a vontade do povo de Moçambique.

Apoiante 1 em estúdio: o melhor de Moçambique são os moçambicanos. Meus pais, minhas mães. É chegado o momento, aquele momento crucial, de mostrarmos com força que nós pensamos que nós somos pessoas que pertencemos a este povo amável de Moçambique. O presidente Dhlakama é o nosso representante; o presidente Dhlakama representa a nós; nós todos estamos dentro dele; ele exterioriza as nossas vontades daí que todos os inimigos tentam todo o possível de ofuscar, não lhe deixar falar, mas vocês são os donos deste partido; são vocês que representam a ele e vocês digam sempre: nós queremos Afonso Marceta Dhlakama e continuem assim meus irmãos.

Entra slogan: A Renamo é o maior partido de

Moçambique, eu vou votar nela! No programa de Simango, o enunciador usa a mesma estratégia, mas a

grande diferença é que em muitas ocasiões não é o próprio candidato que tece

críticas aos concorrentes. Essa função foi delegada a outros atores políticos do seu

partido, principalmente a membros seniores, colaboradores e populares como

aparece nesses trechos:

Apoiante (membro sênior do MDM): esta é a última e

única oportunidade que temos para que o país não volte ao sistema monopartidário. Acredito que vamos ter um novo inquilino na Ponta Vermelha.

Testemunho 1 (morador) em comício na presença do

candidato: o partido no poder descarrega as suas

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“bombas”, engana o povo e discrimina o povo na base da opção política, no apoio aos que sofrem com as calamidades naturais, na concessão dos 7 milhões do Fundo de Iniciativa Local para o combate à pobreza absoluta.

Testemunho 2 (morador) em comício na presença do

candidato: a população é escravizada, descriminada; sofre uma perseguição política e somos obrigados a estar a favor do comunismo (...).

Notamos nesses textos como os dois candidatos (Guebuza e Dhlakama) se

projetam nos enunciados. Guebuza declara: “quando prometo cumpro”; “eu e meu

governo”. Dhlakama afirma: “o melhor de Moçambique é Dhlakama”; “este jovem

Dhlakama”. Esses são recursos discursivos que buscam produzir efeitos de

proximidade com o eleitor a partir da posição social do candidato que também

busca criar uma identificação do eleitor com o candidato.

Nos programas de Guebuza e de Dhlakama a intenção foi dar visibilidade ao

candidato fazendo aparecer explicitamente no discurso político o seu pensamento

e marcando a idéia da sua responsabilidade pelo que enuncia. E esse

procedimento predomina na fala de aliados, colaboradores e simpatizantes. No

caso de Simango, o enunciador buscou construir um lugar de fala coletivo (nós) em

que o candidato era sempre incluído com os demais na competência do saber-

fazer com intenção de ampliar o sentido de participação e de ação conjunta (dele

com os eleitores).

O transcorrer das cenas e o modo são inseridas nos enquadramentos de

câmera, determina a intencionalidade do enunciador que propõe certos efeitos de

sentido, ou significados que constituem o plano de conteúdo. Na visão de Barros

(2003), os efeitos de sentido de subjetividade-afetiva e sensorial, que essa

construção discursiva gera, tem função predominante nos discursos de campanha

para estabelecer, na interação com o eleitor, laço de simpatia, admiração,

confiança, credibilidade, parceria ou cumplicidade.

Para se criar este tipo de subjetividade exibem-se imagens do país, de

figuras políticas conhecidas, do povo simples, tanto do meio urbano como rural, e

associa-se tais imagens àquela de um povo trabalhador e guerreiro. A essas

imagens são associados sons, ritmos, música, dança que são elementos que

caracterizam a população na sua diversidade étnica e sociocultural.

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Com estes recursos, o enunciador da propaganda da Frelimo buscava

provocar empatia nos eleitores e através dessas imagens reforçar a idéia de um

país que está dando passos largos para sair da pobreza, o que será possível com o

envolvimento de todos trabalhando nos diversos setores figurativizados pelas

máquinas, pela produção agrícola, hidrelétricas, construção, entre outros, como

mostram as imagens a seguir:

A propaganda da oposição faz o oposto que a da Frelimo, ou seja, mostra o

que falta à população. Elenca os problemas que afetam a maioria da população

como a falta de transporte, dos serviços básicos de saúde, de saneamento do meio

e de outras condições de vida e constrói uma imagem de país onde falta tudo. Essa

visão é enfatizada através de imagens de bairros da periferia com construções

desordenadas, ruas sem asfalto, esgotos a céu aberto. São imagens que

contradizem o sucesso apregoado pela propaganda da administração em curso:

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A campanha eleitoral é marcada por comícios, caravanas, cantos

revolucionários e dança. Através de sincretismo de linguagens (visual e sonora), o

HGPE reproduz esse ambiente de festa com a finalidade de provocar emoções e

criar empatia entre enunciadores e enunciatários. A exploração de recursos

técnicos e estéticos nos vídeos de campanha busca criar aproximações com a

realidade vivida pelos eleitores no seu dia-a-dia em que os momentos de alegria da

sua vida são comemorados com música, dança e confraternização entre amigos,

familiares e vizinhos.

Na propaganda dos três candidatos, ao se “contar a história” do candidato e

seu partido, o enunciador usa elementos da linguagem teatral (cenários, direção,

cenografia), da linguagem musical (jingles e trilhas sonoras), da linguagem verbal

(fala de personalidades conhecidas e desconhecidas da cena política nacional e

relatos do narrador) e da linguagem visual (imagens de pessoas e do país). A

forma como o HGPE organiza e articula essas linguagens é que se difere de cada

concorrente e é nesses aspectos que se revela a identidade de cada candidato e

seu partido.

Em geral percebe-se que a câmera privilegia o plano geral para mostrar a

presença das multidões na cena da campanha, enquanto os jingles descrevem,

resumidamente, através da letra, melodia e ritmo, os ideais do partido e a sua

meta, que é ganhar o pleito e exercer o poder.

Em vários momentos, quando se quer evidenciar as palavras do candidato,

ele aparece em primeiro plano, discursando na primeira pessoa. O posicionamento

do candidato e de seus aliados, no meio da tela e situado em frente à câmera faz

com que ele se dirija diretamente ao enunciatário. É o que Yvana Fechine (2001)

chama de modelo enunciativo interpelativo, próprio da linguagem televisual.

Fechine explica que através deste modelo, o enunciador “(...) reconhece um

interlocutor do outro lado da tela, seja por meio de um olhar dirigido diretamente à

câmera ou por meio de uma menção verbal direta ao espectador (...)” (FECHINE,

2001:394).

Os programas do HGPE dos três candidatos exploraram muito este recurso.

Nas gravações em estúdio, o candidato Guebuza aparece na frente da tela olhando

para o telespectador e dirigindo-lhe palavras de convencimento. O cenário em

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estúdio é coberto pela bandeira do partido e no canto superior esquerdo se destaca

o símbolo de campanha da Frelimo.

O mesmo cenário também é adotado para trazer o depoimento dos

militantes, os grandes aliados do candidato:

Em certos momentos, este cenário é trocado, revelando contextos onde se

encontram outros militantes seniores que apoiam o candidato. Eles são

identificados através de legenda que sinaliza o seu cargo na administração pública

e a sua responsabilidade dentro do partido:

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A presença de populares no programa de Guebuza seguiu este mesmo tipo

de procedimento estético, isto é, trazendo em close a sua imagem e dando

declarações sobre o candidato e as razões pelas quais irão votá-lo. São cidadãos

comuns que foram entrevistados na rua, em seus locais de trabalho:

A fusão de imagens de pessoas, da voz, da música, dos seus gestos, que

são apresentados de forma repetitiva, criando efeitos de redundância, revela a

importância do sincretismo da linguagem audiovisual adotada nos programas, que

é potencializada pelos enunciadores, com intuito de ampliar o leque de informações

políticas para o telespectador.

A predominância desses recursos audiovisuais é associada aos efeitos de

montagem gráfica, que dá movimento e velocidade rápida aos vídeos. Na

propaganda da Frelimo, por exemplo, constantemente aparece na tela uma

estrelinha vermelha que emerge de um canto da tela, movimenta-se para outro

canto, acompanhada de reflexos rápidos de luz que ilumina as imagens do país, do

mar, dos campos cultivados, dos edifícios, das hidrelétricas, das pessoas. Estes

efeitos, aliados à própria organização verbal dos enunciados, e particularmente das

vinhetas: Moçambique está a crescer, Moçambique vota Guebuza, e Moçambique

não vai parar, proclamadas pelo narrador em voz off, visam produzir o sentido da

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velocidade com que o país está a crescer. O som de fundo é recoberto por

imagens de uma criança sorridente, casas, pontes, belas praias, escolas, hospitais,

que buscam enfatizar o quanto a Frelimo já fez pelo país. Com este procedimento

busca-se criar a ideia de que só este partido pode continuar a fazer crescer o país.

O programa de Dhlakama construiu de forma similar a campanha

aproveitando-se da dimensão sincrética do audiovisual. Assim, em vários

momentos, o candidato e os seus aliados seniores aparecem na tela do programa

falando no olho do telespectador, para convencê-lo a votar na sua legenda

partidária.

A construção do cenário é que se apresenta muito simples. A bandeira do

partido ocupa o cenário de fundo do estúdio e o candidato fala em pé e de frente

para o telespetador e faz gestos de vitória com os dedos. Aliás, Dhlakama é o

candidato que mais usa o recurso de dramatização e essa é uma característica

marcante do seu perfil político.

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Alguns aliados, membros veteranos do partido, falam a partir do mesmo

cenário em que o candidato discursou. Eles discursam sentados e de frente para a

câmera e para o telespetador como mostram as imagens a seguir. Aqui se

aproveitou de um recurso do telejornalismo, a fala da bancada, usada pelos

apresentadores. Estes dois apelam aos eleitores para saberem votar. O apelo é

transmitido tanto em português quanto em língua local (Macua19), o que permite

que a maioria dos telespetadores compreenda a essência da mensagem política.

Em outros momentos, os aliados aparecem em estúdio, composto com outro

tipo de cenário, com a foto do candidato no canto direito da tela e a bandeira do

partido à esquerda. Os membros seniores da Renamo falam em pé e de frente

para o telespectador:

A forma teatral com que o candidato se apresenta em público favorece a sua

interação com os eleitores pelo país. A propaganda mostra-o, muitas vezes,

discursando em meio a multidões, apertando a mão dos eleitores, dançando com

eles, desfilando em caravana e dando entrevista aos jornalistas. A sua imagem

                                                            

19 É uma das línguas locais mais faladas na região norte do país.

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aparece com muita frequência em primeiro plano em meio a multidões que o

cercam.

O cenário a partir do qual alguns militantes discursam é diferente de onde

fala o candidato. É um lugar neutro, sem nenhum símbolo do partido e nem do

candidato. Tudo dá a entender que se tratou de uma gravação não preparada, com

antecedência, pela equipe coordenação da campanha. A falta de detalhes visuais

sobre o candidato e o seu partido podem confundir o eleitor ao não oferecer

informações ampliadas sobre a proposta política que está sendo apresentada.

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À semelhança da propaganda de Guebuza, na de Dhlakama, os populares

também dão o seu testemunho e apresentam argumentos de sua escolha. São

interpelados na rua, durante o comício.

O programa de Daviz Simango explorou pouco os dispositivos técnicos e

estéticos que a linguagem audiovisual dispõe. Por exemplo, este recurso de falar

frente a frente, no olho do telespetador através da tela. O programa optou por

adotar a fala do trono, em que o candidato aparece discursando sentado, com o

olhar direcionado não para o telespectador, mas para o texto (manifesto eleitoral)

que ele estava lendo. A sua postura se mostra tímida, fechada, não confiante. Em

alguns momentos da sua apresentação projeta-se o texto na tela através do

lettering sobrescrito na imagem da bandeira do partido que flutua. É nesses

instantes que se intercala a voz off do candidato com o surgimento da sua imagem

na tela que em outros momentos funde-se com a da bandeira flutuante.

O cenário do lugar em que se apresenta possui um fundo pintado de cores

neutras e isso não favoreceu a criação de um ambiente alegre, festivo que a

campanha sugeria. O candidato lê o manifesto eleitoral em um ritmo monótono e

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tom baixo. Esses procedimentos não são apropriados para a televisão porque não

despertam facilmente o interesse do telespetador para assistir ao programa.

Na propaganda do HGPE de Daviz, diferentemente de seus concorrentes,

os aliados, militantes e populares não aparecem em destaque. Essa ausência

deve-se, a nosso ver, pelo pouco tempo de antena que o partido obteve. Mas,

mesmo assim, os militantes ganharam visibilidade na televisão e na imprensa em

geral, ao proferirem seus depoimentos em torno do manifesto eleitoral, do

programa do partido e das qualidades do seu candidato e de outras lideranças. Em

seus pronunciamentos faziam o balanço da campanha pelas diferentes regiões do

país e comentavam sobre a reação dos eleitores.

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Quanto a essas estratégias, em geral, percebemos que a tendência dos três

candidatos foi de adequarem os seus discursos à lógica da produção e de formatos

da televisão, dessa forma, facilita a solidificação do contrato fiduciário entre o

destinador (programa eleitoral) e destinatário (eleitores). Isso mostra que o espaço

da comunicação não é isolado do espaço cotidiano onde se formalizam as práticas

sociais.

A campanha porta-a-porta é noticiada pela imprensa que por sua vez reforça

a propaganda oficial do horário gratuito como mostram estas imagens da TV

Miramar. É com este recurso de visita domiciliar que os mobilizadores de

campanha buscavam convencer os eleitores a votarem no seu candidato e partido

político.

A presença dos personagens que intervêm na propaganda do HGPE dos

três candidatos revela o lugar de fala que ocupam no partido e na sociedade. É

determinado pelo saber a respeito dos acontecimentos, pode variar ao longo da

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narrativa, mesmo sendo encarregado dela um único narrador (FIORIN, 1996:105).

Essa estratégia é reforçada por outros recursos para imprimir modos de presença

singulares que são facilitados pelos arranjos plásticos usados na montagem e nas

edições dos programas, os enquadramentos, as variações do tom de voz, a

sequência dos discursos dos atores envolvidos nos programas narrativos.

O ator da enunciação é figurativizado e ele se apresenta através dos modos

de dizer, ou seja, é apresentado como um sujeito de competências. Os programas

eleitorais possuem um programa narrativo e neles existe um sujeito (S1)

enunciador que se dirige a outro sujeito (S2) enunciatário e o convida a entrar em

conjunção com determinado objeto de valor desejado por ele. Em última análise

esse objeto de valor corresponde ao voto que é exercido livremente e que, no caso

de Moçambique significa democracia, soberania e independência do país em todos

os sentidos.

No percurso narrativo dos programas eleitorais, o enunciador constrói

modos de dizer num tom enfático projetando a imagem desse ator da enunciação

como sujeito competente para governar. Esse ator tem corpo, voz e caráter

próprios e tem competência de saber-fazer e poder fazer como podemos ver nesse

tipo de modalizações. No programa de Guebuza procurou-se construir a imagem

do estadista e observamos isso sempre que o candidato se pronunciava em

primeira pessoa, a sua imagem aparece em primeiro plano, ou seja, em destaque

olhando para o seu interlocutor (a multidão em comício) ou telespectador (na tela)

a quem declara em um tom de seriedade e de autoridade: “aquilo que prometo

cumpro. Vamos acabar com a pobreza. Acabamos com o colonialismo, acabamos

com a guerra, nós vamos acabar com a pobreza:

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Por outro lado, para que o eleitor também se identificasse com o

candidato, o enunciador buscou reforçar a imagem de um líder político que está

próximo das massas, ou seja, um presidente que é humano e pensa no seu

povo. Aliás, essa característica foi desenvolvida durante o programa denominado

Presidência Aberta que Guebuza criou e desenvolveu durante o exercício do

mandato em que realiza visitas de trabalho a todos os cantos do país para

conhecer de perto os projetos em curso e as principais dificuldades da

população.

Nos programas do HGPE cada concorrente desenvolve uma performance

pessoal que o possibilita conquistar a atenção e a adesão dos eleitores. Todos os

recursos discursivos concorrem para a produção de efeitos de sentido de verdade

da enunciação que levem o eleitor a acreditar e a confiar no candidato e no que ele

enuncia.

Essa relação “eu/tu” configura-se como “eu+tu” que se funde em um “nós” e

essas marcas enunciativas são modos de presença em um determinando contexto

social. Esse procedimento discursivo ajuda-nos a perceber a extensão do

significado do lugar de fala. Para Orlandi (1988) o lugar de fala é fundamental e

está relacionado ao plano social, pois "tomar a palavra é um ato social com todas

as suas implicações: conflitos, reconhecimentos, relações de poder, constituição

de identidades, etc. [...], pois todo falante ocupa um lugar na sociedade, e isso faz

parte da significação" e, por isso mesmo, a estratégia discursiva deve prever

"situar-se no lugar do ouvinte a partir de seu próprio lugar de locutor".

Nesse contexto, Barros (2002:99) argumenta que a semiótica, ao pretender

fazer abstração da manifestação, no percurso gerativo, interessa-se antes por

estabelecer os recursos e mecanismos gerais de argumentação, por meio dos

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quais o enunciador persuade o enunciatário. Assim, de acordo com a autora,

destacam-se três dos principais procedimentos usados pelo enunciador para

influenciar, de alguma forma, o enunciatário: (1) o recurso de implicitar ou de

explicitar conteúdos; (2) a prática de certos atos linguísticos (ilocucionais)20, para

atingir determinados fins (perlocucionais)21; (3) a argumentação, em sentido

restrito, já que os dois primeiros são também recursos argumentativos lato sensu.

A autora esclarece que os três tipos de procedimentos não são isolados, mas sim

confundidos no fazer persuasivo do enunciador. Para Barros (2002:95),

o fazer persuasivo do enunciador é diferente segundo o jogo de imagens que constrói de si mesmo e do enunciatário-e que o leva à sedução, à tentação, à provocação ou à intimidação-e segundo também o tipo de fazer a que pretende persuadir o enunciatário-fazer pragmático, como na publicidade ou no discurso político, fazer cognitivo, como no texto científico ou literário. Trata-se de fazer consumir, fazer votar ou fazer crer. O discurso político e o pedagógico caracterizam-se, muito provavelmente, tanto pelo fazer-fazer (votar ou assumir certos comportamentos), quanto pelo fazer-crer (reconhecer o fazer do político e do professor).

A construção da imagem do candidato não se refere apenas no sentido

visual, exterior, mas a imagem no seu todo, que envolve crenças, valores,

ideologias expressos nos discursos através da representação. Essa idéia remete-

nos ao argumento de Ruth Amossy (2005:9) de que todo ato de tomar a palavra

envolve a construção de uma imagem de si. Mas para isso não é preciso que o

locutor pormenorize suas qualidades, pois seu estilo, suas competências

lingüísticas e suas crenças implícitas são suficientes para construir uma

representação de sua pessoa. Dessa forma, o locutor efetua em seu discurso uma

apresentação de si. Portanto, nesse sentido, os modos de dizer induzem a

                                                            

20 O ato ilocucional é definido por Ducrot como um ato jurídico realizado pela fala. Uma promessa só pode ser descrita como ato ilocucional na medida em que crie uma obrigação para seu autor, e que essa obrigação decorra diretamente da fala pronunciada, e não de um efeito prévio (...). Os atos ilocucionais são entendidos como praticas do enunciador para alcançar determinados fins perlocucionais Todo o ato ilocucional apresenta-se como uma qualificação do sujeito da enunciação. A determinação da ilocução permite caracterizar o sujeito da enunciação por seus atos de linguagem, cuja escolha é bastante marcada do ponto de vista sociocultural (Barros, 2002:104-105). 21 São relacionados aos efeitos de sentido produzidos pelo enunciatário em função da enunciação e do contexto em que a mesma ocorre.

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construção de uma imagem que direciona a realização do projeto desejado pelo

enunciador.

Na mesma linha de proposições sobre o lugar de fala do candidato, Fiorin

(1994) refere que a voz do próprio candidato é fundamental na relação com o

eleitor porque proporciona ao enunciatário “a ilusão de estar ouvindo o outro, ou

seja, suas ‘verdadeiras’ palavras” (FIORIN, 1994:46). Nesse sentido, nos

programas dos três candidatos estes usaram a sua voz tanto em on no contato

com eleitores em seus pronunciamentos, quanto em off como no caso de Daviz

Simango assumindo a função de narrador do programa, em alguns momentos.

No capítulo, a seguir realizamos a análise comparativa das estratégias

discursivas dos programas eleitorais dos candidatos à presidência da república

em três segmentos: de campanha, metacampanha e auxiliares.

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Capítulo 4

Análise Comparativa dos Programas Eleitorais do Horário Gratuito dos Candidatos à Presidência da República

e seus Partidos

4.1. Segmentos de Campanha

Nesta pesquisa, designamos segmento a cada parte da campanha, ou seja,

conjunto de mensagens consideradas fundamentais para a construção da

propaganda eleitoral. Segundo Albuquerque (1989), em seus estudos sobre as

eleições presidenciais de 1989, no Brasil, o tipo de segmento informa se ele tem

caráter de campanha, metacampanha ou auxiliar. Assim, são considerados

segmentos de campanha os que apontam problemas sociais e indicam sugestões

para a sua solução; promovem a imagem do candidato, seu partido e seus aliados

em termos atraentes para o eleitor; atacam adversários, candidatos ou não

(Albuquerque, 1999:69). É neste segmento de campanha que ocorre a disputa

substantiva do conteúdo da propaganda, por isso, os partidos investem

sobremaneira para marcar o diferencial em termos de estratégias discursivas para

a divulgação das plataformas de governo para que telespectador/eleitor acredite e

vote.

Nessa perspectiva, para a compreensão deste segmento, analisamos as

seguintes categorias: propostas de governo dos candidatos e seus partidos

políticos; o formato dos programas; a construção e projeção da imagem pública do

candidato, além da análise dos ataques e desqualificações aos adversários.

O Horário Gratuito da Propaganda Eleitoral é a principal ferramenta

concedida pela lei, que os candidatos têm para apresentar as suas propostas de

governo, por isso, em cada pleito cresce a preocupação dos partidos políticos com

a produção de suas campanhas de forma a munir-se de requisitos necessários

para convencer o eleitor por via da propaganda.

Além de demandar estratégias de persuasão para atrair o eleitor, Neusa

Gomes (2001:19-22) afirma que a campanha deve desempenhar funções

importantes como:

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1. a função de conversão, em que seu objetivo seria converter uma série de demandas dos sujeitos do sistema numa reposta por parte das autoridades do mesmo. Portanto, as eleições atuariam tal qual uma correia de transmissão, como veículo por excelência (apesar de não ser o único) das demandas que se apresentam ao sistema; 2. as funções de comunicação política que, entre autoridades e sujeitos do sistema político se vê com maior necessidade, incrementada durante o período eleitoral e, onde as campanhas fariam possível tal comunicação política dos eleitores com as possíveis perguntas autoridades do sistema e vice-versa. A dupla via de comunicação (eleitores e autoridades do sistema e vice-versa) deveria ser uma constante no diálogo entre candidato e eleitores; 3. as campanhas como meio de legitimação política, em que o processo eleitoral, além de oferecer uma oportunidade para selecionar representantes e linhas de ação a seguir, supõe um intento de legitimar o sistema político, conferindo-lhe uma justificativa democrática; 4. as campanhas como meio de fixação dos temas de interesse político, em que o estudo da possível influência dos meios de comunicação de massas na adoção de decisões eleitorais, leva a considerar a existência de um modelo mais sutil de influência, diferente da mera persuasão política. Para tanto, vai concentrar a atenção do eleitorado sobre pontos concretos que se definiriam como centrais no processo político. (...) esta definição de temas cria um foco de interesse comum, unificado, em certo modo, a confusa soma de interesses e opiniões particulares, contribuindo assim para a integração do sistema; 5. as campanhas como difusão dos símbolos políticos- desempenha um papel importante na dimensão simbólica da vida política, não somente porque constitui um fator de difusão de símbolos visuais, conceituais ou sonoros (logotipos, cores, slogans, hinos, bandeiras, etc,), como também a mesma campanha eleitoral seria em si mesma, um símbolo, uma amostra da racionalidade dos sistema política; 6. as campanhas como meio de educação cívica já que a informação fornecida não se limita a ilustrar sobre dados referentes unicamente a uma situação eleitoral concreta. Há acúmulo de informações que o cidadão recebeu, por meio das campanhas eleitorais, durante toda sua vida. A campanha deve administrar essa informação acumulada, numa ação educacional e socializadora do conhecimento político. (...) as campanhas deveriam contribuir mais para a educação política do que simplesmente para a seleção política; 7. a campanha moderna como meio de seleção e recrutamento de pessoal político que, através da utilização dos

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meios de comunicação de massas, converte-se na prova de fogo para novos candidatos a lideranças políticas. Neste caso, a imagem feita pela publicidade eleitoral é um passo decisivo para o êxito ou o fracasso de um novo membro da elite política, e pode resultar em um importante fator para o establishment dos membros mais antigos nela, dependendo da performance dos novos; 8. As campanhas como meios de transparência da ação política dos candidatos e dos partidos políticos. A imprensa busca, avidamente, informações sobre os candidatos no que diz respeito a sua vida, não somente pública, como também privada.

Nesse sentido, a elaboração da campanha eleitoral é tarefa que envolve

planejamento tendo como base os dados obtidos previamente sobre o cenário

político, a cultura política da população com potencial de voto, as necessidades, os

anseios e frustrações da população em relação ao momento em que vivem e

também em relação ao governo do dia, além de captar as suas perspectivas sobre

o futuro individual e coletivo.

Esse rol de informações possibilita à equipe elaborar uma campanha política

capaz de produzir identificação do candidato com o eleitor através de efeitos

sensoriais e passionais. O enunciador também investe na construção de um

discurso coerente baseado em determinadas palavras de ordem (de que já

tratamos nos capítulos anteriores) que disputam com as dos demais candidatos a

hegemonização do campo discursivo.

Na propaganda, as propostas de governo são apresentadas tanto pelos

candidatos quanto por outros atores políticos na qualidade de aliados e

colaboradores e buscam a hegemonia no campo discursivo com a finalidade de

garantir o voto do eleitor. A seguir, trataremos do perfil dos candidatos, das suas

propostas de governo e da forma como as mesmas foram apresentadas no HGPE

de televisão.

4.1.1. Breve perfil de Armando Emílio Guebuza e do Partido Frelimo

Armando Emílio Guebuza nasceu a 20 de janeiro de 1943, em Murrupula,

Província de Nampula, norte de Moçambique. Na época seu pai exercia a função

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de enfermeiro. Em 1948, seu pai é transferido para então Lourenço Marques (atual

cidade de Maputo), capital do país.

Aos seis anos, Armando Guebuza iniciou os estudos no Centro Associativo

dos Negros da Colônia de Moçambique, que se localizava no bairro de

Xipamanine, periferia da cidade de Maputo. Desde pequeno frequentava a Igreja

Missão Suíça onde participava de algumas atividades que envolviam os jovens e

adolescentes.

Durante o ensino secundário fez parte do Núcleo dos Estudantes

Secundários Africanos de Moçambique (NESAM), mais conhecido como “Núcleo”,

uma organização cívica fundada por Eduardo Mondlane em 1949. O Núcleo tinha

como actividades principais, a realização de aulas de compensação, educação

cívica e cultural e, de forma discreta, fazia a mobilização política. Em 1963 foi eleito

Presidente do Núcleo, que com a sua liderança se tornou em centro de referência

para muitos jovens de sua época. Nesse mesmo ano juntou-se à rede clandestina

da FRELIMO, na então Cidade de Lourenço Marques e trabalhou na mobilização

de jovens estudantes a se filiarem a este movimento revolucionário que tinha sede

em Dar-es-salam, na Tanzania.

Após uma tentativa frustrada de prisão pela PIDE (Polícia Secreta da

Administração Colonial), em Março de 1964, Guebuza e outros colegas deixaram

Moçambique para se juntarem à FRELIMO na Tanzania, onde receberam

treinamento militar em Bagamoyo. Depois fez parte do grupo de combatentes que

abriu o Campo de Preparação Político Militar de Nachingweya também na

Tanzania.

Na FRELIMO, Guebuza ocupou sucessivamente, os seguintes cargos:

membro do Comitê Central e Secretário Particular do Presidente Mondlane, em

substituição de Joaquim Chissano que se preparava para ir à formação na então

URSS (1966); inspetor das escolas da FRELIMO (1968) e Comissário Político

Nacional. (1970); eleito Secretário Geral em 2002 e Presidente em 2005.

No Governo Guebuza assumiu os cargos de: Ministro da Administração

Interna do Governo de Transição que marcou a transição do regime colonial á

Independência Nacional (1974); Ministro do Interior do primeiro Governo após a

independência nacional (1975); Vice-Ministro da Defesa Nacional (1977), cargo

que acumulou, no ano seguinte, com o de substituto legal do Governador da

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Província de Cabo Delgado; Governador da Província de Sofala (1981); de novo

Ministro do interior, em 1983. Em 1984 assumiu o cargo de Ministro na

Presidência, responsável pela coordenação das áreas da Agricultura, Comércio,

Indústria Ligeira e Turismo, assim como a cooperação com a China, Coreia do

Norte, Paquistão e Vietnã; em 1986 assumiu a pasta do Ministério dos Transportes

e Comunicações e a Presidência do Comitê de Ministros dos Transportes e

Comunicações da Comunidade para o Desenvolvimento da África Austral (SADC);

Em 1990 foi designado chefe da delegação do Governo nas conversações de

Roma, com a oposição armada (RENAMO), que terminaram com a assinatura do

Acordo Geral de Paz, em outubro de 1992. Guebuza foi Chefe da bancada da

Frelimo desde o primeiro parlamento multipartidário saído das Eleições Gerais de

1994.

Armando Guebuza ganhou as eleições presidenciais de 2004 e 2009. Nas

últimas venceu os seus concorrentes com uma diferença de mais de 60% dos

votos. O governo Guebuza tem sido muito criticado tanto pela imprensa local

quanto por parte de representantes de países financiadores do orçamento geral do

estado e de programas sociais do governo. As críticas giram em torno da falta de

transparência na gestão pública, da corrupção na administração estatal, da falta de

melhorias nas políticas públicas, e também nas tendências de partidarização do

Estado, que se manifesta pelas relações promíscuas entre o partido Frelimo e o

Estado.

Existe, no país, um clima de descontentamento da maioria da população

que não está satisfeita com a forma de Guebuza governar, pois tem tendências

autoritárias que não favorecem a criação de espaços de diálogo entre os

proponentes. Em razão deste cenário, durante o primeiro mandato de seu governo,

aconteceram diversas manifestações violentas de multidões pelos principais

centros urbanos do país. Elas revindicavam contra as medidas administrativas

impostas pelo governo que resultaram na elevação dos níveis do custo de vida

para o cidadão comum e pobre (subida dos preços de alimentos básicos, do valor

de transporte coletivo que já é precário, entre outras situações). Associado a isso,

muitas informações sobre os gastos do seu governo, sobretudo, com as viagens

pelo país, em cumprimento do programa da Presidência Aberta provocaram

indignação da maioria que vive uma realidade de pobreza absoluta.

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Desde a sua fundação em 1962 até ao momento, a Frelimo (que antes era

frente revolucionária e agora é partido político) está no comando do país. Somente

tem mudado as figuras que assumem o cargo de presidente. Apesar dos graves

problemas que se vivem no país sob a direção da Frelimo, é um partido que se tem

mostrado consistente e maduro politicamente tanto na organização interna quanto

na realização de seus projetos políticos. Periodicamente realiza seu congresso

para “estabelecer o seu programa político, atualizar os estatutos e eleger os órgãos

da sua direção” (Jornal Notícias de 18/09/2012: Suplemento referente ao 10º

Congresso, pag. 2).

Assim, pode-se perceber como em cada congresso, há uma ideia central,

norteadora do programa político que é implementado em um período de cinco

anos, duração do mandato do presidente da república.

Nº Ano Lugar Ideia Central Líder/Presidente

1º 1962 Dar-Es-Salaam (Tanzania)

Congresso da Unidade Eduardo Mondlane

2º 1968 Matchedje (Niassa)

Congresso da Vitória Eduardo Mondlane

3º 1977 Maputo A terra e as nacionalizações

Samora Machel

4º 1983 Maputo O virar do cano para dentro

Samora Machel

5º 1989 Maputo A luta pela paz Joaquim Chissano

6º 1991 Maputo Adequação à nova realidade

Joaquim Chissano

7º 1997 Matola (Maputo) Privatizações e unidade Joaquim Chissano

8° 2002 Matola (Maputo) Fortalecer a ação do partido

Joaquim Chissano

9º 2004 Quelimane Desenvolvimento econômico

Armando Guebuza

10º 2012 Pemba 50 Anos da Frelimo Armando Guebuza

Tabela: 5 Congressos do Partido Frelimo. Fonte: Jornal Notícias de 18/09/2012: Suplemento especial alusivo ao 10º Congresso.

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4.1.2. Propostas de governo do candidato Armando Guebuza e da Frelimo

O programa de Guebuza teve como foco principal o balanço das realizações

feitas no mandado 2004 a 2009. O enunciador destaca o que considera de

melhorias nas diversas esferas: educação, saúde, economia, agricultura, energia,

entre outras, que são fundamentais na vida da população.

Em todo o programa a narração é coberta de imagens sobre o país e os

vários setores (agricultura, indústria, comércio, construção, educação, saúde, entre

outros) que contextualizam o que está sendo contado pelo narrador em off,

direcionando o olhar do enunciatário para o balanço sobre o que foi feito e

explicando o que Guebuza e a Frelimo querem continuar a desenvolver em cada

setor.

Para evitar monotonia da narração, o enunciador preferiu inserir diversas

imagens de atores políticos e populares que dão o seu apoio e testemunham os

referidos avanços. Podemos ver essa estratégia nesse trecho que relata as

realizações na área de energia:

Narrador em off: com a Frelimo, Cabo Delgado avança. A presidência Aberta de Guebuza e da Frelimo estendeu a rede elétrica de Cahora Bassa a vários distritos.

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Guebuza em comício: Cahora Bassa chegou. Narrador em off: essas ações da Frelimo Fortalecem e asseguram o desenvolvimento das comunidades e estão a surtir ganhos cada vez maiores para a população de Cabo Delgado. Governador de Cabo Delgado discursa em apoio: este trabalho veio permitir que a população pudesse ter os seus filhos a estudarem e com o ensino secundário e o ensino superior perto. Já temos o ensino secundário do 2º grau em todas as sedes dos distritos. Narrador em off: o povo quer a Frelimo para progredir e desenvolver em todos os setores. 1º Secretário da Província discursa em apoio: as realizações que nós tivemos e aquilo que nós temos que fazer achamos que é importante que a população da província de Cabo Delgado continue a depositar voto de confiança na Frelimo. Eneas Comiche, cabeça de lista, apela ao eleitor: caro eleitor, é com o seu voto que vamos continuar a trabalhar para dar boas condições de vida aos nossos compatriotas: jovens, combatentes de luta de liberdade nacional, trabalhadores e mulheres chefes de seus agregados familiares, o seu voto vai fazer com que o distrito continue a crescer como Polo de Desenvolvimento do país (...).

Outra estratégia muito usada pelo programa com intuito de evitar monotonia

da narrativa foi a inserção maciça de vinhetas: “a Frelimo é que fez, a Frelimo é

que faz, a Frelimo é que fez” e slogans: “Frelimo, a força da mudança;

Moçambique está a crescer; Moçambique vota Guebuza; Moçambique vota

Frelimo”

Na agricultura e pesca o enunciador apresenta o texto acompanhado de

imagens do candidato Guebuza caminhando em área de produção agrícola no

Vale do Chókwe, considerado um dos maiores celeiros do país:

Narrador em off: a produção de alimentos está a crescer na província de gaza. Durante a presidência aberta inclusiva, Guebuza visitou plantações e machambas: o arroz, a batata Reno e as frutas são grandes potenciais desta província.

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1º Secretario de Gaza discursa em apoio: com Guebuza neste mandato conseguimos tornar o Chókwe num grande produtor de arroz. Narrador em off: em Gaza, o governo da Frelimo incentivou a produção de energias renováveis.

Neste instante o narrador faz um link para o setor de energia. É uma

conexão direta que muda de um tema a outro de forma brusca e voltando ao tema

de energia que já tinha sido referenciado quando se falou da província de Cabo

Delgado.

Narrador em off: em Massingir, Guebuza expandiu a rede elétrica de Cahora Bassa que se traduz no orgulho da governação da Frelimo e responde os anseios do seu povo. Guebuza discursando em comício: o vosso trabalho fez com que Cahora Bassa chegasse aqui. Governador de Gaza em apoio: É Armando Emílio Guebuza que trouxe a situação atual da nossa província, que garante que a população consiga ter energia elétrica nas casas, nas barracas, nas lojas, em toda a parte.

De novo o narrador realiza repentinamente a mudança de assunto, da área

de energia para a da educação:

Narrador em off: Gaza já conta com escolas a funcionar com material tecnológico adequado e a educação está a chegar mais longe.

Em seguida liga-se ao testemunho de uma eleitora que fala dos benefícios

que a região obteve com esses avanços:

Cidadã dá testemunho: hoje as mulheres têm rendimento nos mercados; temos condições de construir nossas casas melhoradas.

Narrador em off: Guebuza promete, Guebuza cumpre! Entra jingle: a Frelimo é que fez, a Frelimo é que faz.

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Do princípio ao fim, o programa adotou esse estilo de apresentação dos

temas da campanha sempre retratando de forma dinâmica, intercalando com

discursos e imagens de pessoas comuns, de atores políticos, e de diferentes locais

do país, o que aconteceu em cada área e o que o partido pretende realizar para

dar seguimento a essas realizações. Assim o manifesto eleitoral traz detalhes do

que se fez durante o mandato 2004-2009 e que é reiterado na propaganda do

HGPE.

Na saúde: o aumento do número de médicos nos distritos e a redução de

números de doenças bem como o número de mortes;

No desenvolvimento rural: o estímulo ao empreendedorismo e a criação da

riqueza no campo, com os sete milhões de meticais alocados às populações

registrou-se a melhoria de vida nas mesmas. Com esse valor são criados negócios

com o objetivo de melhorar a qualidade de vida das populações;

Na indústria e comércio: a criação de diversas fábricas de processamento

de castanha de caju e a revitalização de muitas outras; valorização da produção

nacional através da campanha “Made in Mozambique”;

Nas obras públicas: o programa aponta a construção de estradas e a

reabilitação de outras, bem como a conclusão de algumas pontes importantes,

destacando a ponte Armando Guebuza; na educação: a campanha sinaliza o

aumento do número de alunos no ensino primário e bem como o de escolas

técnicas profissionais e de ensino superior.

Por meio do percurso narrativo do programa, o enunciador transmitia um

saber fazer, mostrando-se como um sujeito competente e, por isso, o seu discurso

era direcionado ao fazer interpretativo do enunciatário, orientando-o, dessa forma,

a um dever fazer (crer e confiar) no enunciador que propunha determinados

valores (segurança, prosperidade e estabilidade) que apareciam como sendo

possíveis de serem alcançados pelo enunciatário apenas com o governo da

Frelimo e sutilmente passava a ideia de que os outros candidatos não teriam essa

capacidade de garanti-los.

Ademais, a propaganda da Frelimo envolveu diversas figuras de todos os

quadrantes do país desde as camadas sociais mais simples de vários setores até

às elites simulando uma integração, proximidade e ausência de diferenças de toda

a ordem entre as elites e as pessoas humildes, no seio da hierarquia do partido.

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Os simulacros de integração de seus militantes e simpatizantes foram

usados como estratégia de convencimento e manipulação dos eleitores, por meio

de sedução, pois é uma forma de mostrar que os membros do partido falam a

mesma linguagem, ou seja, que a unidade que pregam aos eleitores também é

vivida no seio do partido Frelimo. Esse recurso é reforçado com a fala de militantes

que exercem algum cargo político ou administrativo no país nos diversos âmbitos

(local, distrital, provincial e nacional).

Baudrillard (1981:13) define simulacro como algo “nunca mais passível de

ser trocado por real, mas trocando-se em si mesmo, num circuito ininterrupto cujas

referências e circunstâncias se encontram em lado nenhum.” Em suma, isto quer

dizer que o real e o ficcional ocupam o mesmo lugar, ou seja, se a ação é uma

simulação, o resultado é um simulacro. Assim, o simulacro não é algo que está fora

da realidade, mas faz parte do real e é embasado nele que pode ser classificado

como tal.

Em suas análises, Baudrillard destaca a televisão, através dela há a

produção e reprodução exagerada de imagens, signos e mensagens que criam

uma sucessão infinita de simulacros e simulação, e isso, na sua ótica, causa a

perda da noção de uma realidade concreta. É nesse sentido que o autor

argumenta que

dissimular é fingir não ter o que se tem. Simular é fingir ter o que não se tem. O primeiro refere-se a uma presença, o segundo a uma ausência. Mas é mais complicado, pois simular não é fingir. [...] Logo fingir, ou dissimular, deixam intacto o princípio da realidade: a diferença continua a ser clara, está apenas disfarçada, enquanto que a dissimulação põe em causa a diferença do verdadeiro e do falso, do real e do imaginário (BAUDRILLARD, 1981: 9-10).

Tomando como base a ideia de Baudrillard podemos perceber que na

propaganda eleitoral finge-se o que não se tem, que é a realidade

espetacularizada, mostrando aspectos que não existem ou que não ocorrem da

maneira como são retratados nas peças.

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4.1.3. Breve perfil de Afonso Dhlakama e do Partido Renamo

Afonso Marceta Macacho Dhlakama nasceu a 01 de janeiro de 1953, em

Mangunde, na Província de Sofala, centro de Moçambique. Durante a guerra

colonial foi soldado do exército português. Em 1974 após a revolução de 25 de

abril, ingressou na FRELIMO. Pouco tempo depois abandonou a FRELIMO para se

tornar em 1976, um dos fundadores do Movimento Armado Resistência Nacional

de Moçambique (RNM) apoiado pela então Rodésia do Sul (Zimbabwe) e pela

África do Sul.

A RENAMO segue uma ideologia com base no conservadorismo

identificando-se como do centro-direita. Faz parte da Internacional Democracia do

Centro.

Desde a sua gênese teve maior inserção nas zonas rurais de onde obteve

apoio das populações desse meio durante a guerra civil.

Tem as suas bases sociais no descontentamento suscitado pelas políticas

de governo adotadas após a independência, que eram compreendidas como pouco

apropriadas pela população no seu universo sociocultural. Tem ainda, as suas

bases, em animosidades sociopolíticas e étnicas, existentes historicamente ou que

fizeram existir no processo histórico colonial e acirradas durante a luta pela

libertação nacional e na estruturação do Estado moçambicano independente

(LUNDIM, 1995:442 apud MAZULA,1995).

Depois da morte de André Matsangaíssa (também dissidente da FRELIMO),

que era o líder do movimento, a RNM entrou em crise devido a deserções dos

combatentes majoritariamente provenientes da província de Manica. Foi então que

o vice-chefe do movimento, Afonso Dhlakama, assumiu o comando da guerrilha,

em 1979, conseguindo a reorganização das forças e a retomada das operações

militares.

Em 1980 foi eleito presidente deste movimento de oposição ao regime da

FRELIMO que, mais tarde, passou a designar-se Resistência Nacional de

Moçambique (RENAMO).

Depois de em 1990 o governo da República ter adotado nova constituição

que instaurava o multipartidarismo, a RENAMO participou das negociações com o

governo moçambicano, em Roma, que conduziram ao fim da guerra civil que durou

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16 anos. Assinou o Acordo Geral de Paz a 04 de outubro de 1992 com o então

presidente da República, Joaquim Alberto Chissano.

Em 1994, Afonso Dhlakama concorreu às primeiras eleições gerais para o

cargo de presidente da república e perdeu para Chissano. O mesmo cenário

ocorreu nas eleições de 1999. Nessa ocasião, a Renamo contestou a validade das

eleições, mas mesmo assim os resultados foram confirmados em favor da Frelimo

e seu candidato. Desde essa altura, Dhlakama tem defendido a ideia de que existe

muita coisa a ser feita no país e a Frelimo não dá mais conta.

Às vêsperas das eleições de outubro de 2009, Dhlakama concedeu

entrevista à imprensa internacional e afirmou que, embora a guerra tivesse

terminado em 92, havia ainda muita coisa por se fazer: “há falta de reformas das

instituições do Estado. Depois da independência, a Frelimo, portanto, foi o único

partido e era de fato um partido comunista-marxista em que o exército, a polícia, os

tribunais, tudo era partido e, quando a guerra acabou não houve esforço do

governo em fazer as reformas dessas instituições para que passassem a ser

democráticas, que se separassem do partido no poder” 22.

Assim como outras formações políticas, periodicamente a Renamo tem

realizado congressos e dados indicam que fez o primeiro em 1989, em Gorongosa,

para se preparar para as transformações políticas do país que iriam decorrer a

partir das mudanças da constituição da república. Outro aconteceu em 1993 em

preparação das primeiras eleições gerais de 1994. Depois realizou outro

congresso, como refere Lundin (1995:444) apud Mazula (1995), “a Renamo fez um

congresso depois das eleições e reestruturou a sua direção. Os indivíduos com

responsabilidades na Assembléia da República foram, via de regra, libertados das

funções partidárias, passando a ocupar-se somente do legislativo”. Outros

congressos tiveram lugar, respectivamente em 2001 e 2009 em Nampula, norte do

país.

Apesar de Dhlakama se intitular de “pai da democracia”, ao longo desses

anos, tem acusado a Frelimo de não respeitar e cumprir com todos os elementos

plasmados no documento e nas decisões do Acordo Geral de Paz. Este líder tem

                                                            

22Entrevista à Rádio Dewtchewele, disponível em WWW.dw.de/três-candidatos-à-presidência-de-mocambique-perfis/a-5820470 acesso em 17/02/2011.

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construído o seu discurso com base em ameaças de retorno à guerra provocando,

em certos momentos, clima de tensão política com o governo e de insegurança no

seio das populações. Em cada pleito eleitoral tem contestado os resultados oficiais

alegando fraude perpetrada pela Frelimo. Internamente o ambiente não tem sido

bom para o diálogo e autocrítica e isso já levou a expulsão de alguns membros,

considerados intelectuais e, por conta disso, abandonaram a Renamo para se

filiarem ao MDM. E há indicações de que grande parte dos desmobilizados de

guerra que fizeram parte da guerrilha estejam descontentes com Dhlakama por

não conseguir atender as suas aspirações. Se a Renamo continuar a não saber

lidar e resolver os problemas internos e a não conseguir conviver com as outras

formações políticas, sobretudo, com a Frelimo, certamente, não conseguirá

manter, por muito tempo, esta posição de maior partido da oposição.

4.1.4. Propostas de governo do candidato Afonso Dhlakama e da Renamo

A plataforma de governo de Dhlakama constitui-se como uma proposta

prática de como o candidato e seu partido Renamo pretende dar resposta aos

problemas mais recorrentes da população. Para isso, em seu programa, Dhlakama

apresenta os temas não de forma sequencial, mas sim através de um percurso

narrativo caracterizado por críticas aos adversários, sobretudo a Guebuza e

exposição de promessas de governo nos diversos setores considerados

fundamentais para a consolidação da democracia no país em que ele se intitula

‘pai’.

Essa estratégia se justifica pelo fato da campanha de Dhlakama ser do estilo

personalista, ou seja, toma como foco principal o discurso pessoal do próprio

candidato, deixando as informações sobre a proposta de governo descritas

resumidamente no manifesto eleitoral do partido. Nesse documento, a proposta de

Dhlakama e do seu partido assinala que “só com a Renamo, o eleitor terá garantias

de manter a paz, estabilidade, mais democracia e desenvolvimento; igualdade de

todos perante a lei e igualdade de oportunidades”.

No cenário da administração pública, o documento refere que “só com a

Renamo terá garantias de erradicação das células de partidos nas instituições do

Estado tais como: escolas, hospitais, ministérios e outras”.

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Vale ressaltar que neste aspecto fica clara que se trata de uma crítica contra

o partido Frelimo que tem o hábito de estabelecer as suas células no setor público

e obrigando os funcionários a fazerem parte, mesmo contra a sua vontade. Essa

tendência impede a liberdade de escolhas partidárias pelos funcionários. Sobre as

liberdades, o manifesto eleitoral da Renamo estabelece que

só com a Renamo o cidadão terá garantias de liberdade de expressão e de opinião sobre o Estado, a governação, a administração e a política do país; mais tolerância; garantia de liberdade e pluralismo no acesso à comunicação social; inviolabilidade do direito à vida, ou seja, não poderá nunca haver pena de morte, nem morrer à fome; proteção da liberdade pessoal. Com a Renamo ninguém pode ser objeto de prisão ou detenção arbitrária; ninguém pode ser privado da sua liberdade a não ser por decisão judicial fundamentada e apenas nos casos e forma estabelecidos pela lei; será definida a inviolabilidade do domicílio; será protegido o direito à diferença. (MANIFESTO ELEITORAL DO PARTIDO RENAMO, 2009, pp. 2-3).

Na propaganda, o candidato Dhlakama é enfático quando fala sobre o

estado de direito do país, e critica a administração em curso baseando-se no

conhecimento e na vivência do cotidiano no que concerne a falhas na área judicial,

trazendo implicações negativas na vida dos cidadãos. Dhlakama aparece

discursando em comício e tecendo críticas veladas contra a ingerência de

membros do governo nos diferentes setores tornando o funcionamento da

administração pública mais confusa e desorganizada no tocante ao cumprimento

das leis estabelecidas:

Caso eu ganhe as eleições, olhando para a situação de Moçambique, qualquer moçambicano sabe que este país não está a andar. A primeira coisa é estabelecer o estado de direito em Moçambique. Todos os funcionários públicos são obrigados a serem membros do partido Frelimo. Nós temos que acabar com isso. Significa estabelecer o estado de direito em que há o profissionalismo e em que todos os funcionários: polícia, exército, tribunais, mesmo médicos, diretores de escolas são nomeados pela confiança técnica profissional e não pela confiança partidária. Segundo, é acabar com a

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criminalidade para tal é preciso que haja justiça independente. O que significa a justiça não estar misturada com o partido como temos em Moçambique em que é o presidente que diz como é que o processo pode ir, quem pode ser preso, quem pode ser liberto (...) nós vamos criar a justiça independente em que os tribunais e os presos terão a liberdade de escolher os seus defensores.

O manifesto eleitoral também apresenta propostas de reformas nos setores

fundamentais e manipula o eleitor por sedução ao mostrar os possíveis ganhos

que pode adquirir se votar na Renamo:

vote a Renamo para a dignificação do poder tradicional; uma justiça simples, célere e desburocratizada; uma reforma e despartidarização da organização judiciária; reforma do sistema prisional, tornando-o mais humanizado; a promoção da defesa dos direitos humanos; o combate cerrado à corrupção, criminalidade e droga; desburocratização e descentralização da administração pública; imposição de prazos à administração pública para responder aos cidadãos; uma polícia que respeite o cidadão e os seus direito.

Além de propor, o documento da Renamo também lista várias promessas e

apresenta o que eleitor terá caso escolha esse partido. Com a Renamo terá:

uma governação transparente; garantia, segurança e proteção jurídica ao investimento nacional e estrangeiro; abastecimento de água potável às populações; facilitação do escoamento dos produtos e sua comercialização;erradicação da pobreza, mais escolas e expansão do ensino superior.

Sobre o tema da erradicação da pobreza, em comício com populares, o

candidato prometeu mudanças e, ao mesmo tempo, de forma indireta, atacou o

adversário Guebuza:

não vou ser ladrão nem corrupto, nem gastar o vosso dinheiro como aquilo que faz o Guebuza: carregar todo o vosso dinheiro, andar a usar seis helicópteros. Nem Obama da América não faz isso. Num país tão pobre

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onde as crianças, mulheres estão a morrer diariamente de HIV/Sida por falta de dieta nos hospitais.

Esse tipo de desqualificação mostra também a presença de manipulação

por provocação. E para reforçar essas críticas, o enunciador do programa de

Dhlakama delega a voz a outro membro sênior do partido, Julião Munhequeia, que

enuncia como aliado de Dhlakama manifestando a sua preocupação pela falta de

transparência na gestão do dinheiro público, além de reprovar a postura dos

eleitores que se abstém de votar:

os nossos impostos não sabemos onde é que vão, mas quando chega o momento desse que é crucial nós ficamos em casa. Vamos evitar fazer isso. Temos que ir votar aqueles que vão sair diretamente dos distritos a representar os nossos problemas, com quem nós vamos discutir e eles vão falar desses nossos problemas.

O manifesto também contém os temas mais comuns a todos os partidos

políticos: a saúde e saneamento; a defesa do meio ambiente; a necessidade de

investimentos em infraestruturas; o incremento à área habitacional, além do setor

de emprego e questões de proteção da mão de obra nacional.

4.1.5. Breve perfil de Daviz Simango e do MDM

Daviz Mbepo Simango, de 46 anos, é filho de um dos ex-presidentes da

Frelimo, Urias Simango e de uma combatente contra o sistema colonial português,

ambos teriam sido executados em um campo de reeducação por alegada traição

ao movimento nacionalista, FRELIMO, pouco depois da independência.

Nas eleições autárquicas de 2003, Daviz concorreu pela Renamo à

presidência do Município da Beira, 2ª maior cidade moçambicana. Foi distinguido

com vários prêmios internacionais pelo seu modelo de gestão da cidade e dos

problemas sociais e urbanos considerados crônicos da Beira.

Nas eleições autárquicas de 2008, Daviz Simango decidiu se recandidatar,

mas o líder da Renamo, Afonso Dhlakama foi contra a candidatura alegando que

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Daviz não era membro histórico deste partido uma vez que antes da sua filiação na

Renamo pertencera ao Partido da Convenção Nacional, (PCN). Foi nesse clima de

desentendimentos que Daviz decidiu candidatar-se como independente, o que lhe

valeu a expulsão pela Renamo em Agosto de 2008, proibindo-o de usar os

símbolos desta formação política e de evocar o nome do seu Presidente, o senhor

Afonso Dhlakama. Nesse pleito, Daviz venceu com uma larga vantagem o

candidato da Renamo, que perdeu em todos os 43 Municípios.

A 05 de Março de 2009 Daviz Simango constituiu o Movimento Democrático

de Moçambique, (MDM) como força política alternativa cujos objetivos principais

eram: (1) contrabalançar a bipolarização Frelimo/Renamo que existia no cenário

político nacional desde as eleições gerais de 1994 com o fim da guerra civil e com

a assinatura do Acordo Geral de Paz em 1992; (2) impedir a volta ao

monopartidarismo pelo fato da Frelimo possuir maioria na Assembléia da

República o que lhe permite aprovar as leis que só favorecem aos projetos da

Frelimo; (3) Contribuir para a construção de uma democracia pluralista; (5) ser uma

alternativa política de renovação.

Nas eleições gerais de 2009, Daviz Simango concorreu à presidência da

república e o seu partido disputou para as legislativas e para as assembleias

provinciais. Durante a preparação das eleições, a 08 de setembro, pouco antes do

início da campanha eleitoral, a CNE excluiu o MDM de participar das eleições

legislativas e provinciais em sete dos onze círculos eleitorais o que prejudicou a

este partido de obter resultados muito significativos pelo país.

Para Daviz, a sua participação nas eleições de 2009 significava “uma nova

forma de estar na política, uma candidatura da juventude”23.

O MDM implantou-se rapidamente pelo país e obteve grande adesão dos

jovens, sobretudo, da classe média e urbana.

De 05 a 08 de Dezembro de 2012 o partido realizou o 1º Congresso na

cidade da Beira. Neste evento que congregou cerca de mil participantes, o MDM

reafirmou os aspectos contidos no manifesto eleitoral de 2009 tais como: o apelo à

                                                            

23Entrevista à Rádio Dewtchewele, disponível em WWW.dw.de/três-candidatos-à-presidência-de-mocambique-perfis/a-5820470 acesso em 17/02/2011.

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inclusão social, à justiça social e à racionalidade no uso dos recursos naturais de

que o país dispõe.

Durante o congresso, em seus discursos, Daviz afirmou que “existe um vazio

ético do Estado, o qual conduz à anarquia, que é a negação de uma sociedade

política organizada”.

Os desafios de Daviz Simango e do MDM passam pela (i) captura do

eleitorado do meio rural que é a fasquia mais forte da Renamo e alcançar uma

projeção nacional; (ii) formulação dos seus objetivos políticos com maior clareza e

(iii) fortalecer-se internamente, pois existem críticas, na opinião pública, de que o

MDM seja muito burocratizado e mais confinado nos limites geográficos da cidade

da Beira.

No congresso de 2012, o MDM confirmou a sua participação nas eleições

autárquicas de 2013, das presidenciais, legislativas e provinciais de 2014 tendo

Daviz Simango como candidato à presidência da república.

4.1.6. Propostas de governo do candidato Daviz Simango e do MDM

A proposta de governo de Daviz Simango e do MDM centra o foco na justiça

social, ou seja, na necessidade de se estabelecer políticas públicas transparentes

que visem uma melhor distribuição das riquezas do país, de forma igualitária e

justa por todos os moçambicanos. O candidato defende também uma melhor

gestão do bem público além do profissionalismo e liberdade partidária e que os

profissionais ocupem os seus cargos com base em concursos públicos e não por

indicações de estruturas partidárias.

Desde a sua formação, o MDM determinou que o objetivo principal desta

formação política é construir e manter a sua identidade como oposição forte tanto

ao partido Frelimo quanto aos outros partidos da oposição e que a luta se

constituía em se colocar como alternativa forte no cenário político moçambicano

que fosse capaz de impor-se diante das manobras da Frelimo em tender a

monopolizar a vida política do país com o risco de retorno ao monopartidarismo.

Simango foi eleito presidente do partido a 07 de março de 2009, portanto,

alguns meses antes das eleições gerais de outubro. Em seu discurso de

investidura no cargo explicou a visão desta formação política de que

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Moçambique para todos é um dos ideais mais nobres de milhões de cidadãos-mulheres e homens, de todas as idades, todas as regiões do país e todas as etnias, raças, credos religiosos, ideologias, culturas e profissões. Moçambique para todos é um sonho, que pode ser transformado em realidade. Este Moçambique para todos que idealizamos vem sendo edificado há várias décadas, com avanços e recuos, com sucessos, mas também com derrotas e retrocessos.

Esse ideal está patente na plataforma eleitoral do seu partido em que

aborda diversos temas que considera relevantes para o país e para os

moçambicanos.

A estratégia usada para apresentar a proposta de governo do MDM, no

programa eleitoral de televisão, foi a “fala do trono”, ou seja, sentado em estúdio e

assumindo a função de narrador. Ele fez a leitura da proposta de governo

intercalando a sua voz em on e em off com predomínio de uma linguagem formal

que começava com o jingle que imita o canto do galo e acompanhando a bandeira

do partido a flutuar:

Jingle: o Cocoricó canta e o povo acorda O MDM chegou O povo está satisfeito com Daviz Simango Com este Movimento

Simango em voz on: gostaríamos de vos apresentar os capítulos que compõem o nosso Manifesto Eleitoral sendo: 1º Moçambique para todos, nação plural e democrática; 2º Ameaça real do monopartidarismo no

multipartidarismo de fachada? 3º Visão do MDM sobre liderança democrática; 4º Pela democracia participativa, plural e inclusiva; 5º Aumentar a eficácia das inserções públicas; 6° Poder Central e local, prioridade aos governos

distritais; 7º Liberdade e Segurança, proteger pessoas e bens; 8º Progredir, criar e distribuir melhor a riqueza nacional; 9º Bem-estar, solidariedade e moralização da

sociedade; 10º Política de soberania e dignidade de Moçambique; 11º Apostar nos moçambicanos, conquistar o futuro; 12º Política Externa

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Simango em voz on: Caros compatriotas, tivemos a honra e o privilégio de vos apresentar aqui aquilo que são os capítulos do nosso manifesto eleitoral. Iremos oportunamente, capítulo por capítulo, subcapítulo por subcapítulo, abordar aquelas que são as idéias do MDM. Simango em voz on: Viva Moçambique! Vota no MDM e no Daviz Simango! Jingle: O povo quer, o povo chora, o povo luta

O povo quer Simango no poder Queremos desenvolver Queremos melhorar Queremos nos juntar ao nível nacional

Para ampliarmos a compreensão das propostas de Simango recorremos

também ao manifesto eleitoral do MDM onde encontramos os temas mais

detalhados. Nesse documento oficial, o partido declara o seu compromisso em

cada área e sinaliza como os mesmos serão colocados em prática.

Na área da juventude, o programa promete fortalecer a juventude

moçambicana, e compromete-se a criar postos de trabalho e a criar o Serviço de

Ação Social Escolar além de destinar 1% do PIB para custear o Programa Nacional

de Habitação para a juventude.

Na educação indica que vai estimular, através de uma educação sólida e

continuada, o desenvolvimento de uma geração mais qualificada, melhor

preparada, mais solidária e mais participativa; assegurar a igualdade de acesso ao

ensino superior por parte dos estudantes carenciados e oferecendo maiores

oportunidades de bolsas de estudo; administrar, durante o serviço militar, cursos

profissionalizantes nos diferentes ramos; criar políticas que acabem com a

marginalização social da juventude.

No âmbito do desenvolvimento, o manifesto sinaliza que a participação e

apropriação do processo de desenvolvimento por parte dos jovens vão merecer do

governo o maior empenho, como forma de reforçar e aprofundar a participação dos

jovens e, como via privilegiada de assegurar patamares mais elevados de

desenvolvimento econômico e social; promover ações que estimulem o espírito

empreendedor nos jovens de modo a envolverem-se em ativamente nos processos

de desenvolvimento do país, adquirindo e aplicando habilidades que os tornem

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cidadãos produtivos e desenvolvam as capacidades de gestão e liderança;

combate constante à política de exclusão e do desequilíbrio econômico;

Na política propõe o aperfeiçoamento do sistema político moçambicano

(responsabilidade política perante os constituintes e não apenas perante o líder do

partido); Participação e defesa ativa da alternância democrática; eliminação do

poder absoluto, que eterniza a dominação da maioria por uma minoria

monopolizadora de todos os recursos do país e centros de decisão;

Na administração pública promete trabalhar no combate à corrupção

generalizada e fomentada pela força política no poder e consequente injustiça a

todos os níveis da sociedade;

Em relação à parceria público-privada, o MDM declara que vai encorajar o

setor privado, organizações não governamentais nacionais e estrangeiras,

confissões religiosas e outras a investir no ensino, na saúde, na agricultura e no

apoio dos deslocados às suas origens; fortalecer as empresas públicas com

políticas empresariais num mercado competitivo quer ao nível regional e

internacional;

Sobre a transparência na gestão pública, o manifesto refere que o partido

vai garantir o poder efetivo do cidadão através de eleições de governadores

provinciais, de autonomia dos Reitores das Universidades Públicas.

Em outros momentos o enunciador apresenta a proposta de governo

resumida e na voz off de Simango usando também o lettering o que seria para

facilitar a compreensão do telespectador dos capítulos da plataforma de governo.

A não delegação de voz a outro ator ou narrador para apresentar a proposta

partidária é uma estratégia que visa criar não só o efeito de proximidade com

eleitor, mas também buscar a credibilidade necessária já que ele (Simango) é

presidente do partido, e, por isso, é autoridade máxima. Para Ramaldes, “a

informação, transmitida sem intermediação, representa uma forma de ratificar

pessoalmente a promessa de campanha, servindo como mecanismo de reiteração

da competência ética, fundamental à confiança do eleitor” (RAMALDES, 2004:107).

Os temas-chave do MDM que se apresentam como diferenciais estão

ligados à construção de instituições políticas e econômicas mais justas, adequadas

e eficazes e no entendimento deste partido, são essas instituições que devem

garantir maior estabilidade e sustentabilidade ao país.

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Em toda a campanha, o MDM buscou se explicar e convencer os eleitores

de que todos os moçambicanos têm os mesmos direitos e, por isso, devem usufruir

de forma igualitária os recursos do país, pois, na sua concepção têm beneficiado

apenas uma pequena parcela da população-as elites.

Em seus documentos, o MDM abre o debate para as questões de exclusão

social por isso, o programa sustenta que

o MDM nasce para contribuir para uma paz duradoura e crescimento econômico sustentável, sem exclusão e/ou descriminação com base na etnia, raça, religião, opção político/partidária ou região geográfica” e que “pretende eliminar o poder absoluto, que eterniza a dominação da maioria por uma minoria monopolizadora de todos os recursos do país e centros de decisão.

O compromisso com o jovem é apresentado no programa do MDM como

uma das suas prioridades destacando a necessidade de formação técnica

profissionalizante mais abrangente, sobretudo, para garantir o emprego digno e

para solucionar os problemas mais graves desse grupo. Para isso propõe o

estabelecimento de vários dispositivos tais como a criação de postos de trabalho,

do serviço de ação social escolar, além de destinar até 1% do PIB para custear o

Programa Nacional de Habitação para a juventude.

De forma mais detalhada do que nos programas da Frelimo e da Renamo, o

MDM expõe o problema da falta da política habitacional direcionada aos jovens.

Nesse sentido, podemos notar que o candidato e seu partido não só detectam o

problema de habitação, como também apresentam como pretendem dar resposta a

esse setor específico e como desenvolverão o financiamento desta área para

garantir a sua continuidade.

Vale ressaltar que essa forma de apresentar a proposta no manifesto

eleitoral mostrando os problemas e revelando as estratégias de como serão

resolvidos na prática foi inédito na política moçambicana porque os partidos mais

experientes e antigos nunca o fizeram, apenas apresentam as necessidades sem

explicar como serão atendidas.

Em seus discursos de campanha e no programa eleitoral uma palavra-chave

ficou patente no programa de Simango: participação. Na visão deste candidato há

necessidade de envolvimento de todos os moçambicanos nos processos de

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decisão, de desenvolvimento e de administração pública. Além da participação, o

enunciador sugere, em seu discurso, outros valores: a igualdade, a justiça, a

inclusão, a estabilidade e a sustentabilidade como sendo essenciais para a

consolidação da democracia participativa que tem sido sufocada pelo governo de

Guebuza.

Com esses valores, o enunciador do MDM pretendia direcionar a

interpretação do enunciatário à ideia de que só o candidato Simango tinha a

competência de mudar Moçambique e construí-lo de forma diferente daquela

adotada pela Frelimo que supostamente é caracterizada pela exclusão das

maiorias.

No percurso narrativo do programa eleitoral do MDM encontramos marcas

de manipulação que têm fundamento no slogan “Moçambique para todos” e trata-

se de manipulação por sedução e provocação, que visa mover o enunciatário a

realizar o seu julgamento sobre a situação frágil do país provocada pela

administração desastrosa da Frelimo. Com esse tipo de direcionamento de efeito

de sentido, o enunciador pretende que o enunciatário realize a sanção negativa em

relação ao governo de Guebuza e decida votar em Simango e no MDM por

apresentarem competência do saber-fazer (governar o país).

De maneira geral, verificamos que alguns conteúdos temáticos coincidem

nos programas dos três candidatos, sobretudo nas áreas da educação, saúde,

infraestruturas, e desenvolvimento.

É importante ressaltar que em suas plataformas, tanto a Renamo quanto o

MDM defendem maior transparência nos setores judicial, de defesa de direitos

humanos, na administração pública onde sugerem a adoção de profissionalismo

como critério de ocupação de cargos públicos e não pela indicação partidária,

sobretudo, pela Frelimo, como acontece atualmente.

A Renamo critica a excessiva burocratização na administração pública que

leva a atrasos no andamento de processos de diversas áreas e no fluxo de

informações entre os setores-chave, prejudicando os níveis de desenvolvimento

organizacional.

Nas suas propostas, a Frelimo assim como a Renamo, foram muito

generalistas. Além desse aspecto, a Renamo apresentou um programa de governo

muito resumido e misturando as áreas, o que não facilita a sua compreensão pelo

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eleitor. Já a Frelimo privilegiou o balanço das ações do mandato 2004-2009 e

dedicou maior parte do programa às justificativas da necessidade de sua

permanência no governo para dar continuidade às atividades iniciadas.

Vale ressaltar também que o foco do discurso da Frelimo convergiu na

problemática do combate à pobreza e todos os outros temas giraram em torno

deste assunto, e assim, a Frelimo perdeu a oportunidade de ampliar o olhar do

eleitorado para as outras áreas consideradas fundamentais.

A seguir, iremos analisar o formato e a configuração dos programas

eleitorais dos três candidatos para compreendermos se possuem semelhanças

e/ou diferenças e as potencialidades dos formatos adotados para a construção da

propaganda de televisão.

4.1.7. Formato e configuração dos programas eleitorais do horário gratuito

Os programas dos três candidatos à presidência da república caracterizam

por uma mistura de formatos televisuais, destacando-se: o documentário, o

telejornalismo e o videoclipe e na sua estrutura apresentam inserções de jingles,

slogans e vinhetas. É com base na mistura na combinação desses formatos que a

campanha eleitoral de televisão dos três candidatos é construída com recursos e

dispositivos próprios da linguagem audiovisual desde a sua concepção,

procedimentos de produção e recursos de divulgação para os telespectadores

comprovando a ideia de que a televisão possui uma “extraordinária força

multiplicadora, transmitindo o olhar, o sorriso, a emoção do candidato direto às

mentes e aos corações dos espectadores. Neste sentido a televisão é uma grande

alavanca, um fator positivo inigualável” (KUNTZ, 1996:20).

Referindo-se à adaptação da política à lógica da televisão, Weber (2000:39)

aponta que “é possível assistir a um programa político como se fosse um telejornal;

à imitação dos programas de entrevistas; à reprodução das gravações ‘externa’

(quando cidadãos são entrevistados sobre qualquer assunto)”. A autora explica

ainda que o HGPE de televisão é construído para valorizar a voz, o gesto

carismático, o jogo de cores e sons, pessoas conhecidas e desconhecidas que, em

um papel testemunhal, apresentam-se para contribuir no aspecto da persuasão e

nos comícios, apresentados em forma de espetáculo.

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Segundo Manhanelli (1988), as estratégias utilizadas em marketing político

constituem a arte de impetrar ações com o intuito de destacar um nome e suas

qualidades junto aos eleitores da forma mais clara e definitiva possível, levando,

nestas ações, informações de conteúdo que façam o eleitorado assimilá-las com o

objetivo de no primeiro instante, eleger o dono do nome a um cargo eletivo, e

posteriormente alimentar este conceito e defendê-lo. (MANHANELLI, 1988: 15).

Para produzir uma visualidade mais atraente, os vídeos são produzidos

privilegiando imagens do cenário moçambicano, de fácil reconhecimento pelos

eleitores, além de personagens diversas em que cada uma exerce o seu papel

distinto na propaganda. Muitos dos personagens que aparecem são figuras da

política nacional e outros são cidadãos comuns do meio urbano e rural que dão

seus testemunhos sobre os benefícios adquiridos através do trabalho dos

candidatos e partidos a quem defendem como ideais para governar o país. Outros

personagens aparecem para desqualificar os candidatos da oposição, aliando-se

dessa forma a outros atores políticos.

Os vídeos são construídos a partir da linguagem do documentário, e essa

característica é mais forte na propaganda de Guebuza, que valorizou mais o

caráter informativo, buscando enfatizar as suas realizações no primeiro mandato.

As escolhas de planos de enquadramentos, de iluminação e de alguns efeitos

especiais de fusão de imagens e de cenas visam presentificar tais realizações para

o eleitor.

Além dessas características, nos videoclipes, entram em jogo diversos

recursos tais como: o uso ou não da figura do narrador (on ou off); a possibilidade

de construí-lo apenas com depoimentos de personagens; o recurso da

reconstituição para contar a história; a criação de personagens para dar maior

dramaticidade à narrativa, além de apresentar documentos históricos, entre outros

que se afigurem como fundamentais para contar a história que se pretende dar a

conhecer ao público telespectador.

Uma particularidade da hibridação de gêneros televisuais na propaganda

eleitoral é que nestes formatos predomina a subjetividade (formas de perceber e

de interpretar o mundo), que é a que evidencia uma maneira particular do

autor/diretor de contar a história do candidato e seu partido. A linguagem do

documentário é muito marcada pelo “olhar” do diretor sobre seu objeto. Nessa

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ótica, o documentarista não precisa camuflar a sua própria subjetividade ao narrar

um fato. Ele tem a liberdade de imprimir a sua ideologia, as suas crenças, tomar

partido, se expor, deixando claro para o espectador o ponto de vista que defende.

Com a linguagem parecida com a do documentário, a propaganda também

simula uma relação de proximidade entre enunciador e enunciatário e, ao mesmo

tempo, procura produzir o efeito de sentido de atualidade, ou seja, a edição é feita

com o intuito de reproduzir o “aqui e agora” como se aquele acontecimento narrado

estivesse a decorrer naquele instante para o telespectador.

Além dessa estratégia de produção, a parcialidade é outro aspecto que

predomina neste formato em que a subjetividade aparece em evidência de forma

que o enunciador imprime a sua marca nas entrelinhas da história sobre o

candidato e seu partido direcionando o olhar do enunciatário. Nesse sentido,

ganham terreno as opiniões, os pontos de vista, as visões de mundo, os

engajamentos políticos e ideológicos do destinador.

Nos três programas que estamos a analisar, para imprimir um tom mais

alegre à propaganda, os idealizadores optaram por fundir o formato documentário

com o de videoclipe político. Estes são caracterizados como “segmentos que

articulam imagens em torno de um tema musical e cujo objetivo fundamental é

veicular os jingles da campanha dos candidatos” (ALBUQUERQUE, 1999:93).

De acordo com Albuquerque (1999:93), “os videoclipes políticos são

adotados na disputa eleitoral por serem formatos privilegiados para a mobilização

emocional do eleitorado, freqüentemente visando construir uma comunidade

imaginária em torno do candidato”. Pensamos que esta foi a razão fundamental

que levou os idealizadores das campanhas dos três candidatos a optarem pela

mistura de documentário com videoclipe na construção de seus programas

eleitorais de televisão para capturar a atenção do telespectador/eleitor.

Do ponto de vista da técnica e da operacionalidade, ao escolher a

hibridação de formatos, os enunciadores dos programas dos três concorrentes

tinham como objetivo incorporar a linguagem televisual para realçar algumas

características de construção do discurso deste veículo de comunicação tais como:

brevidade, ritmo, sequências rápidas de fragmentos de imagens (do país e de

figuras públicas e anônimas) e sons, entre outros, cuja finalidade última é atrair a

atenção do telespectador. Outro objetivo fundamental era enfatizar a identidade

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política, levando em consideração a sua condição de candidato da situação para o

caso de Guebuza, que concorria à sua própria reeleição e da oposição para os

candidatos Dhlakama e Simango e, este último, tinha o privilégio de se apresentar

como a novidade do momento e, pois pela primeira vez, um jovem concorria ao

cargo de presidente do país.

É a partir dessas identidades que os três programas se distanciam,

sobretudo, nas questões relacionadas à produção da subjetividade e também de

ideologia, enquanto pontos de vista a partir dos quais vêm e percebem a política

moçambicana e esse momento singular da campanha.

A identidade dos partidos é formada pelos seus ideários políticos e

propostas que fazem com que mais adeptos sejam atraídos e convencendo o

eleitor que, votando no partido, estará votando nesses projetos de governo e

ideologias. Ademais, outros elementos como símbolos, cores, slogans, jingles,

entre outros, também são importantes porque ajudam os eleitores a identificar com

maior facilidade as diferenças e semelhanças entre os partidos políticos

concorrentes.

É nesse prisma que Penafria (1999) defende que a escolha de um ponto de

vista (sempre ideológico) reflete-se numa escolha estética e implica,

necessariamente, determinadas escolhas e opções cinematográficas em

detrimento de outras: determinados tipos de plano, determinadas técnicas de

montagem, entre outras. Para a autora, esses recursos possibilitam a interpretação

do discurso ali constituído pela narrativa do documentário, oferecendo

representações em forma de textos verbais, imagens e sons, ou seja, tudo

“costurado” sincreticamente para produzir efeitos de sentido. Esses formatos

audiovisuais predominantes nos programas dos três concorrentes influenciaram na

projeção da imagem dos candidatos como discutiremos a seguir.

4.1.8. Construção e projeção da imagem pública do candidato

Armando Guebuza

O programa eleitoral de Armando Guebuza e da Frelimo foi desenvolvido e

divulgado com dois focos principais: apresentação do balanço das realizações

levadas a cabo pelo governo no mandato de cinco anos que terminava e a

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proposta de continuidade e perspectivas de ampliação do mesmo programa de

governo em exercício. Em suma, a propaganda teve o seu foco no direcionamento

do olhar do eleitor para o que foi feito e o que seria realizado caso o candidato

fosse eleito.

Essa intencionalidade é expressa em todos os enunciados que são ditos

pela voz de todos os atores políticos e cidadãos comuns que participam do

programa com depoimentos de apoio, de testemunhos e de reconhecimento pelo

trabalho da Frelimo que eles consideram positivo e enfatizavam os atributos

técnicos, administrativos e políticos do candidato.

Em 2009, Guebuza construiu um discurso muito semelhante ao de sua

campanha de 2004, que era focado na perspectiva de mudança, tendo se

apresentado, na época, como o candidato da mudança. Desta vez, a sua

propaganda o apresenta como o candidato da continuidade e, para isso, destaca

as razões pelas quais ele deve continuar no governo.

Sobre a construção e projeção de sua imagem, a maior diferença neste

pleito esteve no exímio aparecimento dele em grande parte da propaganda e esta

estratégia visava preservar a sua imagem já desgastada em função das críticas

generalizadas em relação à sua gestão e administração dos problemas do país

considerados um fracasso se comparadas às do seu antecessor Joaquim

Chissano. Esse ambiente deve ter levado a equipe idealizadora da campanha de

Guebuza a reduzir a presença maciça de sua imagem na propaganda de televisão,

privilegiando a presença de seus aliados partidários que têm maior aceitação por

parte da população.

Nas poucas vezes em que o candidato aparece é mostrado em estúdios

falando para as câmeras; discursando em palanques; caminhando lado a lado com

a esposa e rodeado de eleitores e membros seniores do partido, inaugurando

diversos empreendimentos pelo país (fábricas, hospitais, escolas, pontes), no meio

rural e nos centros urbanos. Em suma, o programa construiu o perfil do candidato

como homem ativo, construtor da nação e que resolve os problemas da população.

Também aparece cumprimentando eleitores e explicando o que pretende

fazer no próximo mandato. É nessas poucas ocasiões que ele se apresenta para

confirmar o seu espírito empreendedor, com experiência política e administrativa,

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com intuito de convencer o eleitor a construir uma imagem positiva dele como

governante.

No percurso narrativo do programa, tanto o seu discurso, quanto o do

narrador em off enfatizam as suas realizações passadas, as ações que desenvolve

em favor da população e o prestígio que o país alcançou na arena internacional

como provas inquestionáveis de sua competência política e administrativa. Nesse

cenário o candidato é apresentado como um sujeito que constrói o país que na

ótica do enunciador do programa, “não vai parar”, “está a crescer” como é

reforçado no discurso e através das vinhetas do programa.

As imagens de Moçambique que são exibidas transmitem a ideia de

estabilidade política e ritmo acelerado de desenvolvimento como resultado dos

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investimentos de grandes projetos nas áreas da mineração, da exportação de

produtos agrícolas, da construção de infraestuturas, do comércio, de serviços,

entre outras. Com esse recurso, o enunciador busca convencer o eleitor de que o

país está no caminho de mudanças para o melhor e de que tudo isso é fruto do

esforço do governo de Guebuza e do partido Frelimo que se identifica como a

“força da mudança”.

O percurso narrativo do programa é organizado em uma sequência

padronizada de apresentação: abre com vinheta e jingle depois entra o narrador

em off, o texto verbal é acompanhado de imagens que ilustram o que está sendo

dito, depois entra o candidato falando e reforçando o que está sendo narrado e a

seguir entram os aliados que dão o seu testemunho para reiterar a fala do narrador

em off. Os trechos que seguem mostram esses procedimentos em formato

videoclipe:

Entra jingle e vinhetas

Narrador em off: a população de Inhaminga sente-se agora assegurada na comercialização de produtos e aumentou a renda das famílias, não só, como também já conta com um instituto para a formação de professores. Criado o Círculo de Interesses com a ajuda do Fundo de Iniciativa Local. A população de Búzi ganha estímulo e cria as suas máquinas. Marromeu criou postos de trabalho com essa fábrica de blocos e propõe casas melhoradas. Guebuza promete, Guebuza cumpre (...). A produção de alimentos está a crescer na província de Gaza. Durante a Presidência Aberta inclusiva, Guebuza visitou plantações e machambas: o arroz, a batata Reno e

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as frutas são uns dos grandes potenciais desta província. Guebuza: ainda falta melhorar essas coisas que foram feitas. E é importante quando os moçambicanos tomam iniciativas para resolver problemas concretos que a população enfrenta no seu dia a dia. Vinheta: Moçambique não vai parar Narrador em off: Moçambique está a crescer. Com a Frelimo e Guebuza, Moçambique avança em todas as províncias. Na agricultura, a Frelimo está a afazer uma verdadeira revolução: alimento para todos e muito mais oportunidade de trabalho. Vinheta: Moçambique vota Frelimo! Aliado (Aires Ali): a agricultura é a base de desenvolvimento do nosso país. Votando na Frelimo e em Armando Guebuza daremos continuidade ao trabalho já iniciado em Inhambane para a melhoria da agricultura. Depois de relançada a cultura de batata Reno abrangendo atualmente os distritos de Inhassoro, Mabote, Funhalouro, Massinga, Panda, Homoíne, Jangamo, Inharrime, Zavala, a Frelimo compromete-se a dar um maior impulso à agricultura em Inhambane. No dia 28 de outubro, caro eleitor, vota Armando Guebuza, Presidente. Jingle: a Frelimo é que faz, a Frelimo é que fez. Narrador em off: no dia 28 de outubro vamos todos juntos votar na Frelimo e garantir a melhor governação. Vinheta: Moçambique está a crescer Narrador em off: Moçambique, vota Frelimo. A Frelimo oferece ao país os melhores candidatos. Com a Frelimo, Moçambique retomou o caminho do desenvolvimento. Reverteu Cahora Bassa e está a combater a pobreza.. Entra jingle: a Frelimo é que faz, a Frelimo é que fez. Narrador em off: vamos todos juntos votar na Frelimo e garantir a melhor governação.

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Para reforçar essa imagem de candidato mais competente, o programa

recorre à trajetória pessoal dele desde jovem estudante e militante da FRELIMO,

passando pela luta armada; a sua contribuição para a independência do país e

posteriormente a sua participação no processo de negociação com o movimento

guerrilheiro que culminou com a Assinatura do Acordo Geral de Paz entre o

governo da Frelimo com a Renamo até chegar ao momento presente. Essa

estratégia pode ser constatada no spot, em preto e branco, intitulado “Guebuza,

um homem”:

um homem, nasce em Murrupula, cresce numa família religiosa que o influencia para sempre. Um dia vai à escola toma consciência de que o seu povo é reprimido. Decide juntar-se aos que lutam pela liberdade. Um homem participa na criação do Estado Moçambicano e compreende a dimensão desse desafio. Casa-se, constrói um lar, é o pai carinhoso e dedicado de quatro filhos. Um homem busca a paz e alcança a paz; chega à presidência da república e dedica-se a ela totalmente. Um homem percorre a nação. Há entre si e o povo o compromisso de trabalhar por melhores condições de vida. Este homem é Armando Emílio Guebuza.

É uma estratégia mais conhecida como “álbum de família”, pelo fato do

vídeo ser construído com imagens pessoais e de família em que o candidato

partilha a sua intimidade com o eleitor como forma de estabelecer um ambiente de

confiança e de proximidade entre o candidato e os eleitores.

Nesse spot, o enunciador do programa de Guebuza busca também criar

formas de identificação do eleitor com o candidato, ao apelar para os valores

morais e sociais, projetando a imagem do candidato como cidadão comum,

religioso, pai de família, carinhoso, honesto e trabalhador que se dedica à vida

política desde jovem.

Em todo o programa, o enunciador apresenta as obras e projetos realizados

pelo governo de Guebuza através de imagens e da identificação dos mesmos pelo

país e sinalizando a sua importância para a população. São imagens de escolas,

hospitais, pontes, estradas; no sector agrícola mostra os mais diversos campos de

desenvolvimento de produção de alimentos.

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Outra estratégia recorrente no programa de Guebuza foi o aproveitamento

de imagens, pois, embora algumas delas tenham sido captadas propositadamente

para a produção da campanha, outras são antigas e foram reaproveitadas para

servir de ilustração às narrativas sobre as realizações do governo como mostram,

por exemplo, diversas imagens de visitas de Guebuza pelo país no âmbito do

programa da Presidência Aberta durante o seu mandato.

O narrador em off conta a história em ritmo acelerado. Em alguns momentos

essa rapidez dificulta de alguma forma, a percepção do telespectador/eleitor uma

vez que não dá tempo para ele processar as informações que vê na tela. Apesar

desses pequenos deslizes, em geral, o enunciador teve a intencionalidade de

mostrar ao eleitor de que a reeleição de Guebuza significava a continuidade

daqueles projetos que em sua opinião já estavam a dar certo.

Nesse contexto, o investimento no discursivo era canalizado para a

construção do voto retrospectivo, isto é, aquele voto cuja motivação encontra

sentido nas ações políticas empreendidas com sucesso pelo candidato. Neste

caso, o processo de escolha eleitoral passa por uma avaliação crítica das ações

políticas pregressas do candidato ou do partido em campanha. Em seus

programas eleitorais, os partidos podem investir nesse tipo de voto, dedicando-se a

mostrar ao eleitor políticas bem-sucedidas realizadas pelo candidato ou pelo

próprio partido.

Aliás, vale ressaltar que em termos de escolha de partido político para

governar Moçambique, desde que o país enveredou pelo caminho do

multipartidarismo, sempre a Frelimo tem ganhado o pleito o que faz com que não

se tenha até hoje nenhuma experiência de um presidente que seja de outro

partido.

Sobre a visualidade do programa, o enunciador explorou mais as cores do

partido (vermelho, amarelo, verde e branco), mas o vermelho destacou-se mais em

relação às outras e foi usada para as gravações em estúdio e na edição dos

videoclipes. Falaremos desses detalhes mais adiante no item sobre a análise dos

segmentos auxiliares da campanha.

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4.1.9. Construção e projeção da imagem pública do candidato

Afonso Dhlakama

O programa eleitoral da Renamo apresenta a figura de Dhlakama no centro

das atenções como o protagonista da sua campanha. Em boa parte da

propaganda, o candidato aparece como orador dominante. Com essa estratégia o

candidato pretendia personificar o ideal de mudanças políticas que ele propõe

desde as primeiras eleições gerais de 1994 em que tem participado.

A imagem de Dhlakama que o programa constrói enfatiza o seu

personalismo político e estilo populista. Projeta-o como homem com poder de

convocação dos eleitores, particularmente os da sua base partidária. Ao longo da

sua carreira, muitas vezes, se autoproclamou pai da democracia moçambicana e

se coloca como figura mais sensível aos problemas do povo. Por um lado esta é

uma estratégia discursiva adotada para atrair a simpatia do eleitor, por outro, a sua

presença maciça na televisão visa mudar a imagem negativa que o país construiu

sobre a sua figura durante a guerra civil.

Vale ressaltar que além desses recursos Dhlakama tem a dramaturgia como

uma aliada em seu aparecimento em público tanto em situação de campanha

quanto em sua atividade política cotidiana, sobretudo diante das câmeras. E na

disputa pelo voto usou muito desta técnica para conquistar o eleitor. Na visão de

Charaudeau (2008:85) a dramaturgia é “uma guerra de imagens para conquistar

imaginários sociais".

Nessa linha de ideias, Charaudeau (2008:84) argumenta que para o político,

a dramaturgia é uma questão de estratégia a ser adotada na construção de sua

imagem para fins de credibilidade e de sedução, da dramatização do ato de tomar

a palavra para fins de persuasão, da escolha e da apresentação dos valores para

fins de fundamento do projeto político.

Dhlakama usa a dramatização como forma de manipulação por sedução e

provocação, por um lado, para apelar à credibilidade e produzir o efeito de sentido

de confiança no eleitor como que querendo demonstrar que sem a sua presença

não existiria democracia no país, por outro, para desqualificar os seus

concorrentes. Assim, a imagem de Dhlakama que foi construída focalizava o seu

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papel na construção da democracia, identificando-o como o pai da democracia,

homem persistente que não desiste de lutar pelos seus ideais e os da nação.

Vale ressaltar que o efeito emocional não é alcançado de forma satisfatória

apenas com a dramaturgia. Charaudeau (2008) apresenta outros fatores que

ajudam na produção de tal efeito: (i) a natureza da crença ao qual o discurso

remete (vida/morte, acidente, etc.); (ii) a encenação discursiva; e o (iii)

posicionamento do interlocutor ou do público em relação às crenças e ao estado de

espírito em que se encontra. Portanto, é preciso construir o discurso a partir de um

remetente e precisa-se fazer o bom uso da encenação do discurso, já imaginando

como o público vai incorporar essa mensagem e qual o efeito que se espera

produzir nele.

No programa de Dhlakama é possível observar a utilização dessas

estratégias, sobretudo, nos pronunciamentos do candidato e nos encontros com os

eleitores em comícios e carreatas. Não só ele adota esses recursos como também

os seus aliados partidários que participam da campanha.

Em seu último discurso de campanha, o estilo personalista de Dhlakama

aparece mais claro ao falar do estúdio. Nesse sentido, para reforçar esse efeito de

sentido positivo, o programa recorre também aos enquadramentos de câmera que

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privilegia o plano americano24 em uma gravação feita em estúdio. O candidato se

define como o melhor de todos ao enunciar: “o melhor de Moçambique são os

moçambicanos. O melhor de Moçambique é Dhlakama”. Nenhum outro candidato

usou este tipo de enquadramento.

Esteticamente o quadro ficou péssimo uma vez que aparece a imagem da

perdiz em sequência dos quadros, como se fosse atacá-lo na cabeça. E o seu tom

do discurso assumiu uma característica humorística tirando a seriedade que o

momento exigia, em se tratando do último discurso de campanha na televisão.

Nota-se claramente que o candidato não estava devidamente preparado para este

discurso e parece ter sido apanhado de surpresa para a gravação.

A encenação de Dhlakama no seu programa eleitoral decorre de forma

clássica, isto é, apresentando o bem e o mal e através da desqualificação dos

adversários. Nesse sentido, ele se apresenta como “o salvador da pátria”, ou seja,

aquele que permitiu a instalação da democracia e do multipartidarismo no país e se

não tivesse cedido, o país ainda estaria em guerra. Portanto, nessa lógica, ele se

apresenta como candidato ideal e os adversários são entraves à mudança, no caso

de Guebuza e da Frelimo. Quanto ao Simango e MDM, Dhlakama refere-se a ele

em um tom humorístico de “rapazes”, dando a entender que Simango é

inexperiente e, por isso, não estaria em condições de assumir o cargo de

presidente da república.

No programa, Dhlakama ressalta as suas qualidades ao se declarar que

será um presidente bom, amigo do povo, filho do povo, respeitoso e solícito em

                                                            

24É um tipo de enquadramento de câmera que mostra o personagem dos joelhos para cima ou da cintura para cima. É usada para destacar a presença do personagem na tela.

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resolver os problemas do povo. E esses são alguns dos valores de maior

consideração da cultura moçambicana.

Dhlakama: vota em mim para vocês terem um presidente bom, um presidente amigo do povo, um presidente vosso filho, um presidente que vai respeitar vocês, um presidente que vocês vão chamar-Dhlakama, venha aqui, o seu governo não funciona; eu hei-de sair a correr e ver: papá, qual é o problema? Vou resolver. Dhlakama: não querem assim? Populares: queremos!

Em relação a esse tipo de discurso, Charaudeau (2008) explica que a

solução salvadora consiste em propor medidas que deveriam reparar o mal

existente. De repente, o defensor dessas medidas aparece crível, persuasivo e

tenderá a construir para si uma imagem mais ou menos forte de salvador da pátria,

dado que o objetivo é fazer o público encontrar o libertador de seus males e voltar-

se totalmente para ele. Isso mostra a que ponto a construção da imagem de si é

importante no discurso político (CHARAUDEAU, 2008:91). Essa estratégia pode

ser observada nesta fala do candidato em comício e rodeado de populares:

Dhlakama: qualquer moçambicano sabe que este país não está andar. Caso eu ganhe as eleições (...) a primeira coisa é estabelecer o Estado de Direito em Moçambique porque não há estado de direito (...). Segundo, é acabar com a criminalidade, para tal é preciso que haja justiça independente. Nós vamos criar a justiça independente em que os tribunais e os presos terão a liberdade de escolher os seus defensores.

O seu perfil de homem simples, com o uso do tom coloquial em seus

discursos, caracterizados por frases curtas e falas muito pausadas em alguns

momentos, o candidato aproxima-se com maior facilidade dos eleitores. Talvez por

isso em sua base de apoio político se assente nas populações rurais, com as quais

compartilhou muitos anos de convivência, durante a guerra civil, porque era nesse

meio que estavam implantados os seus quartéis.

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4.1.10. Construção e projeção da imagem pública do candidato

Daviz Simango

Durante a campanha eleitoral, Simango buscou construir uma imagem

positiva de si e do seu partido apresentando-se como um partido de inclusão e de

paz. Com esse discurso o candidato pretendia resgatar o sentido de unidade

nacional. Para isso, a proposta de seu programa eleitoral foi estruturada com base

nos apelos à necessidade de participação de todos os moçambicanos nos

processos políticos de decisão, além de focar nas questões de distribuição

equitativa das riquezas do país.

O reconhecimento da diversidade e da desigualdade sinalizava o

compromisso de querer governar para todos e, por isso, o slogan “Moçambique

para todos” consubstancia a sua promessa de que ele e seu partido propõem a

mudança na forma de governar o país. Nesse sentido, a sua imagem era

associada à ideia de mudança radical uma vez que era a primeira vez que ele se

apresentava como candidato a presidente da república.

Na propaganda, a sua imagem procurava passar a ideia de simplicidade e

espontaneidade acentuando a sua intenção de estar junto às pessoas humildes

das periferias urbanas onde vivem em péssimas condições por falta de recursos.

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A presença de sua imagem no vídeo fazendo pronunciamentos, em estúdio,

conferia um tom monótono à sua fala porque o seu discurso era mais formal com

tendência à linguagem meramente informativa e não publicitária. Nesses

momentos, a sua propaganda perdeu a carga emocional e persuasiva que poderia

dar para provocar a atenção do telespectador/eleitor.

Em termos de visual da sua figura, o candidato mostrou-se calmo, falando

pausadamente em tom de confidencialidade com o eleitor, quase que sussurrando

ao seu ouvido, sem mostrar-se agitado ou preocupado. Nesse ritmo apresentou o

programa do partido capítulo por capítulo, em alguns trechos privilegiando-se a voz

on e em outros a voz off sendo ele mesmo o narrador. Com essa estratégia, o

enunciador buscava imprimir seriedade ao programa e certa solenidade uma vez

que esses momentos só acontecem a cada cinco anos.

A sua imagem jovial apareceu mais marcante no contato com os eleitores,

cumprimentando-os em suas residências, em comícios, dançando com multidões,

em carreatas, em viagens de canoa para regiões do país onde só se usa este tipo

de transporte, entre outras situações.

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Para atrair a adesão de segmentos específicos do eleitorado (mulheres,

jovens e desfavorecidos) que eram deixados para o segundo plano por outros

partidos, Simango busca construir a sua imagem associando-a à mudança e à

ruptura com o “velho”. Nesse contexto, a questão da participação de todos,

constitui-se em objeto de valor usado pelo enunciador do programa para manipular

o eleitor a sentir-se protagonista do processo junto do MDM e Simango, e assim o

eleitor percebe a importância de vota neste candidato para o país mudar.

Essas características de mudança e de ruptura com a mesmice que se vive

na arena política do país fez com que o candidato angariasse maior apoio da

classe jovem. A candidatura de Simango quebrou com a polarização partidária

Frelimo x Renamo que se tinha estabelecido desde as eleições de 1994.

Esses recursos discursivos podem ser observados no comício do último dia

de campanha eleitoral, 25 de outubro quando o candidato se apresentou em

comício para populares no bairro da Munhava, na Beira, cidade onde nasceu:

Simango: Moçambique oye!

Multidão: oye!

Simango: Viva moçambicano!

Multidão: Viva!

Simango: Boa tarde, boa tarde, boa tarde!

Multidão: Ehhhh, ehhhh.

Simango: Manungo, manungo, manungo!

Multidão: Manungo!

Simango: Estamos muito satisfeitos. Mas antes de começarmos a falar gostaríamos de agradecer a Deus e a todos aqueles que dia e noite continuam a orar por nós. Que Deus vos abençoe.

Multidão: ovaciona

Simango: A população de Moçambique está com o Cocorico. Gostaria de vos apresentar, aqui, amigos, amigos do MDM, amigos que também lutam no seu país; lutam contra um regime fascista.

Multidão: ovaciona

Simango: Agora gostaria de apresentar-vos a “Dama de Ferro”

Multidão: ovaciona

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Simango: é que alguns procuram a todo custo excluir moçambicanos de participarem da vida política. Eles estão mais interessados em introduzir partido único em Moçambique, mas nós não vamos admitir isso. Por isso, meus irmãos, temos que estar unidos. Até já cantam que nem com a democracia nem com eleições vão sair. E vocês aqui na Beira têm muita experiência disso. Primeiro, em 2003 cantaram, no ano passado cantaram, cansaram no ano passado, mas batemos.

Multidão: ovaciona

Simango: Nós somos do outro partido, temos nossos membros. Elevemos as nossas bandeiras, vamos lhes dar lição como fizemos no ano passado, vamos mandar eles fora!.

Multidão: ovaciona

Simango: eles estavam convencidos que através da Comissão Nacional de Eleições excluir o MDM o Daviz ia morrer. Não vai morrer não!

Multidão: ovaciona

Simango: Por isso, meus irmãos, vamos continuar cada vez mais unidos. Não podemos permitir que eles continuem a cantar, continuem a abusar o povo. Até cantam que a escola eles construíram; hospital é dinheiro deles, ruas é dinheiro deles. Até dizem que os nossos filhos estudam à custa deles. Por isso, meus irmãos, nós temos que continuar a lutar para que em Moçambique haja políticas que possam separar o poder executivo, o poder legislativo e judicial. Enquanto o presidente da república nomear o procurador geral, nomear o presidente do conselho constitucional, nomear o presidente da CNE, estes vão trabalhar para engraxar sapatos.

Multidão: ovaciona

Simango: enquanto o diretor da escola for nomeado pelo governador, vai continuar a escovar sapato. Os diretores das escolas secundárias e pré-universitárias deve ser nomeado através do conselho de pais, através do conselho de estudantes porque os alunos conhecem o professor que pode ser diretor da escola.

Multidão: ovaciona

Simango: Aquele que é presidente do tribunal tem que ir por concurso. Tem que ter uma carreira profissional não pode ter alguém a colocar-lhe no cargo, isso é abuso de poder. Por isso temos que mudar as políticas. Quando um empresário quer investir em Moçambique ele é livre, ninguém deve questioná-lo de que partido ele é.

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Multidão: ovaciona

Simango: temos que continuar unidos e avançarmos decisivamente para que consigamos nossa vitória e essa vitória é no dia 28 de outubro. Para isso, cada um de nós não pode ficar em casa. Temos que ir votar, mas temos que ir votar mesmo. Vamos votar no Galo.

Multidão: grita: GALO!

Durante a campanha tanto na propaganda eleitoral de televisão quanto in

loco com os eleitores, Simango não se inseriu no discurso como ator principal. O

candidato apresentou o partido como o protagonista da ação e as promessas eram

feitas em nome do coletivo, portanto, na primeira pessoa do plural “nós”. Esse

procedimento discursivo de actorialização produz um efeito de sentido de inclusão

que conclama a todos a se unirem a um mesmo ideal para o bem comum. Nesse

sentido, o eleitor projeta-se também como ator corresponsável na condução do

país.

4.1.11. Ataques e desqualificações aos adversários

Na propaganda do HGPE, a lógica dos ataques entre concorrentes visa

associar a imagem dos adversários a valores negativos, com o intuito de

descredenciá-los perante os eleitores. Com esse tipo de procedimento, o candidato

busca também promoção de sua imagem pública.

O ataque é uma estratégia de campanha em que o ator político que disputa

por cargo procura desmontar a imagem do seu concorrente ou do partido

adversário.

Em seu estilo populista, Dhlakama aparece no programa desaprovando a

administração do governo de Guebuza e recorrendo à dramatização e a um tom

humorístico tece críticas direcionadas nesses termos: “(...) qualquer moçambicano

sabe que este país não está a andar. Não há estado de direito. Todos os

funcionários públicos são obrigados a serem membros do Partido Frelimo. Nós

temos que acabar com isto...”. Em outro momento, Dhlakama faz denúncias

indiretas contra o candidato Guebuza:

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(...) não vou ser ladrão nem corrupto, nem gastar o vosso dinheiro, aquilo que faz o Guebuza: carregar todo o vosso dinheiro; andar a usar helicópteros. Nem o Obama da América faz isso. Num país tão pobre onde as crianças, mulheres de HIV/Sida estão a morrer diariamente por falta de dieta nos hospitais.

O programa de Dhlakama mostra-o a pronunciar este discurso em comício,

rodeado de multidões. A desqualificação aos adversários também é feita por

colaboradores e membros do partido Renamo: “(...) é chegada a hora de

exprimirmos a nossa revolta para o regime que vem nos humilhando há mais de 34

anos de independência”- assegura Luís Micopia, em apoio à Dhlakama e à

Renamo.

Para se autopromover, Dhlakama lista as suas qualidades: “(...) o meu

governo será o vosso governo; vou seguir aquilo que vocês querem; vou ser

presidente do povo”. Ele critica a falta de segurança pública e a falta de

transparência na gestão e administração pública:

(...) não há segurança em Moçambique; não há boa política econômica porque o governo que nós temos não faz nada, então o governo de Dhlakama vai trabalhar para trazer bilhões e bilhões aqui (...).

Já no programa de Guebuza, os ataques aos adversários são apresentados

de forma indireta, subtil quando o enunciador promove a imagem do candidato

colocando-o a declarar, em primeira pessoa: “aquilo que prometo, cumpro”. E

através de narrador em off que se mostra omnisciente, como alguém que sabe

tudo o que está na mente do eleitor ao revelar e reafirmar a competência de

Guebuza:

Narrador em off: lado a lado do seu povo, o líder que cumpre e que promete faz expandir as realizações da Frelimo; Na província da Zambézia, as pessoas dizem o nome do partido que faz Moçambique avançar e falam por que escolheram a Frelimo e o candidato Armando Emílio Guebuza; Moçambique está a crescer. Com a Frelimo e Guebuza Moçambique avança em todas as províncias.

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Inúmeras vezes, no programa de Guebuza, o narrador em off mostra-se

conhecedor das vontades do povo. Esse pensamento é exteriorizado através do

enunciador:

o povo quer a Frelimo para progredir e desenvolver em todos os setores; o povo quer estabilidade para o país; a Frelimo e seu candidato valorizam esse povo e se dedicam para garantir o seu bem-estar.

Dito dessa forma, indiretamente este enunciado dá recado ao adversário de

que o povo não quer outro presidente em vez de Guebuza porque, de acordo com

essa linha de interpretação, os adversários não estariam em condições de oferecer

tudo isso que o povo deseja. Trata-se de uma estratégia de ataque indireto ao

adversário Dhlakama e seu partido que para compreendê-la é necessário conhecer

a história política de Moçambique, sobretudo, o processo da guerra civil entre as

forças do governo da Frelimo e a guerrilha da Renamo nos 16 anos que a mesma

durou até à Assinatura do Acordo Geral de Paz em outubro de 1992.

A guerra que desestabilizou o país destruiu muita infraestrutura, separou

famílias, pois algumas se refugiaram para outros países vizinhos, produziu

milhares de mortos, entre outros males que se pode esperar de uma guerra civil.

Com a paz vieram as mudanças, o multipartidarismo, o direito ao voto e as

eleições gerais e livres. Assim o movimento da guerrilha, a Renamo se transformou

em partido político. Em eleições anteriores, as acusações mútuas criavam mal

estar generalizado que prejudicava a imagem de ambos os partidos. Enquanto

eram apenas os dois disputando as eleições, as críticas eram veementes, mas

nestas eleições, a presença do MDM constituía-se em ameaça real tanto para o

lugar hegemônico ocupado pela Frelimo quanto para o segundo lugar que sempre

foi ocupado pela Renamo. Entendemos que para não perder as eleições, cuja

vitória já é anunciada com antecedência pelo partido, o enunciador da Frelimo

tenha optado por não atacar diretamente nem ao candidato da Renamo nem ao do

MDM. Nesse sentido, os ataques aos adversários foram reservados para os

momentos da campanha porta a porta e, muitas vezes, a imprensa registrou em

sua cobertura a disputa ferrenha entre a Frelimo e a Renamo.

Simango desqualifica e ataca os seus adversários, mas de forma indireta

sem citar nomes. Através da forma de manipulação designada provocação

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Simango busca convencer o eleitor de que votando em outros partidos, o país

continuaria na mesma, não haveria mudança. Nesse sentido, o candidato defende

que a mudança seja feita através de novos modelos de implementação de políticas

públicas que favoreçam a todos os cidadãos. Para isso, convoca os eleitores a se

unirem e a não faltarem ao voto.

Observamos que os ataques a outros concorrentes são mais frequentes nos

comícios do que na propaganda de televisão. Isso talvez se justifique em função da

propaganda do horário gratuito de televisão ser feita no início da campanha, antes

dos ânimos de aflorarem e pelo fato de a mesma não ser atualizada com

frequência no decorrer da campanha por falta de meios financeiros suficientes para

arcar com novas produções.

No discurso do último dia da campanha, sem citar nomes, Simango

desqualificou a Frelimo de forma indireta:

alguns procuram a todo custo excluir moçambicanos de participarem da vida política. Eles estão mais interessados em introduzir partido único em Moçambique, mas nós não vamos admitir isso. Por isso, meus irmãos, temos que estar unidos. Até já cantam que nem com a democracia nem com eleições vão sair. E vocês aqui na Beira têm muita experiência disso. Primeiro, em 2003 cantaram, no ano passado cantaram, cansaram no ano passado, mas batemos.

Ao se referir a seus adversários, em vários momentos, Simango usa os

pronomes indefinidos (eles, alguns, deles). Esses pronomes visam desqualificar a

imagem dos concorrentes. Por ser um discurso sem determinação do sujeito da

ação, só o conhecimento do contexto político moçambicano pode ajudar o eleitor a

desvendar e a identificar quando é que ele critica a Frelimo e quando o faz à

Renamo. No trecho, a seguir, é possível pelo teor do texto identificar que as

críticas são direcionadas à Frelimo:

(...) eles estavam convencidos que através da Comissão Nacional de Eleições excluir o MDM, o Daviz ia morrer. Não vai morrer não! (...) Não podemos permitir que eles continuem a cantar, continuem a abusar o povo. Até cantam que a escola eles construíram; hospital é

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dinheiro deles, ruas é dinheiro deles. Até dizem que os nossos filhos estudam à custa deles. Por isso, meus irmãos, nós temos que continuar a lutar para que em Moçambique haja políticas que possam separar o poder executivo, o poder legislativo e judicial. Enquanto o presidente da república nomear o procurador geral, nomear o presidente do conselho constitucional, nomear o presidente da CNE, estes vão trabalhar para engraxar sapatos.

Além dos ataques, durante a campanha é frequente haver denúncias graves

de violência, de provocações entre os grupos que apoiam os candidatos.

Geralmente tais denúncias são feitas através de membros seniores dos partidos na

imprensa e mais tarde nas transmissões do HGPE quando conseguem atualizar as

informações consideradas pertinentes para o momento. Vemos isso, por exemplo,

no Miramar Notícias, principal informativo da emissora Miramar, quando a Renamo

veio denunciar os ataques que a sua caravana sofreu de supostos membros da

campanha da Frelimo:

Estão detidos membros nossos, estão detidos neste momento; há assaltos a casas; há incêndios neste país. Nós temos tudo documentado. Aos senhores jornalistas nós vamos dar através do comunicado de imprensa. Tenho aqui na minha posse fotografias tiradas da Frelimo a fazer esses distúrbios. Temos filmes que estão a ser agora selecionados que vão ser apresentados nos nossos tempos de antena. Senhores, o que é que a Frelimo pretende para este país? É preciso que diga claramente e não se meter em subterfúgios, utilizando crianças. A Frelimo é um partido adulto ou pretende-se como tal. Não deve fazer o que está a fazer. Está a envergonhar este povo moçambicano. (Luís Gouveia, membro sênior da Renamo in Miramar Notícias do dia 07/10/2009).

Em showmício, Guebuza discursou fazendo menção à necessidade de clima

de paz na disputa pelo voto:

Nós, na campanha eleitoral devemos nos preocupar para termos sucesso. Ter sucesso significa que a campanha aconteça em ambiente de paz. Nós não queremos sangue; sangue de gente. Nós queremos harmonia, paz. (Miramar Notícias).

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4.1.12. Síntese das Propostas de Governo dos Candidatos e seus Partidos

Candidato e Partido

Propostas de Governo Análise do Discurso

Guebuza e

Frelimo

Combater a pobreza

Desenvolver o país

nos diversos setores

Melhorar as áreas da:

saúde, educação,

agricultura e pesca

Aumentar as

exportações

Criar mais postos de

trabalho

Construir

infraestruturas

Desenvolver a

indústria e o comércio

Impulsionar o turismo

Ampliar a cooperação

internacional

Desenvolver o Distrito

e manter o

financiamento dos 7

milhões de meticais

para a produção

Ampliar a formação de

jovens Cuidar do meio

ambiente e assegurar o turismo sustentável

Discurso de balanço das realizações do mandato passado. As cenas mostram os diversos pontos do país indicando o que o seu governo fez. Discurso de continuidade; para isso defende que o seu candidato é o mais preparado, mais experiente para governar o país. O candidato aparece pouco nos vídeos e valoriza-se a presença de seus apoiantes que endossam o programa de governo. As falas e as imagens colocam o candidato como pessoa do bem, (patriota, grande líder, pai de família, competente) em oposição aos seus concorrentes que são despreparados para governar o país. Apresentou-se um vídeo sobre a biografia do candidato intitulado “Guebuza, um Homem” que tende a enfatizar certo personalismo da sua figura na campanha. O programa foi muito repetitivo e mostrando sempre os mesmos cenários e isso pode saturar o telespectador e provocar desinteresse em continuar a ver o HGPE. Foco no combate à pobreza (e esta é o inimigo comum a ser eliminado). No nível narrativo, o destinador/candidato usa de estratégias de manipulação principalmente a sedução e a tentação projetando um futuro

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Criar empresas e microempresas de turismo

melhor para o eleitor e sua família, um país desenvolvido, sem pobreza. O tom do discurso é de triunfo “vitória retumbante”.

Dhlakama

e Renamo

Instaurar o Estado de Direito no país

Instaurar a Justiça independente

Acabar com a

criminalidade Combater a corrupção Trabalhar para a

transparência na gestão pública

Valorizar a diversidade

da população

Propõe ruptura total com o governo

da Frelimo que é dito não competente e perpetua uma governação do estilo autoritário e monopartidário

Mostra o que não mudou desde a independência até este momento (autoritarismo da Frelimo e centralização do poder)

Através da estratégia de provocação, o candidato centra seu discurso no ataque e desqualificação dos concorrentes (votem em mim, não sou corrupto, não roubo...)

Discurso de intimidação (mostrando o risco que o eleitor corria se votasse nos candidatos adversários)

O candidato se coloca como o protagonista, aliás, sempre teve esse estilo mais personalista em campanhas eleitorais

Daviz e MDM

Moralizar a Política Instaurar uma

democracia inclusiva e direta (uso de referendos para consulta popular)

Construir a habitação para jovens destinando (1% do PIB)

É um discurso que apresenta o diagnóstico dos problemas do país

Apelo à mudança radical, começando pelas figuras do governo

Apresenta-se como alternativa de governo para a inovação política e administrativa do país para salvar o multipartidarismo e impedir o poder excessivo da Frelimo

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Formar os jovens (foco no ensino técnico-profissional)

Criar mais emprego

Produzir riqueza e distribuir equitativamente pela população

Promover a participação da maioria nos fóruns de decisão sobre o país

Ampliar a liberdade de expressão

Acabar com as desigualdades regionais

Acabar com o poderio absoluto da Frelimo

Melhorar a qualidade dos serviços públicos, com ênfase nos transportes urbanos

Pretende transformar o atual Conselho Constitucional em Tribunal Constitucional

Intitula-se como força jovem. A juventude é a grande prioridade e o eixo inspirador do MDM

Preocupação com a justiça social e equidade

As riquezas do país devem ser distribuídas equitativamente por todos

Defende a igualdade de direitos e de oportunidades

Conclama à participação de todos

MDM como partido da paz, pois seus militantes e membros não pegaram em armas como os dos concorrentes que no passado travaram a guerra civil que destruiu o país

Constrói um discurso pacifista e de inclusão que no fundo visa construir a imagem de vítima. Os seus idealizadores (Simango e esposa) foram assassinados no passado, pela ditadura interna na FRELIMO e assim como eles, o candidato, foi “vítima” de desentendimentos internos no seio da Renamo que lhe rendeu a expulsão e que deu origem ao MDM

Tabela: 6: Propostas de governo dos candidatos

Fonte: HGPE e Manifestos eleitorais da Frelimo, Renamo e MDM, 2009.

4.2. Segmentos de metacampanha

Os segmentos de metacampanha são aqueles em que, mais do que sobre o

candidato, suas propostas, o mundo presente ou as perspectivas futuras, a

campanha fala de si mesma, sua viabilidade e sucesso em comícios e números da

pesquisa de intenção de voto, convocando o eleitor para o engajamento e adesão.

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Em suma, referem-se a todas as informações sobre a campanha e, geralmente,

servem para atualizar o eleitor sobre o andamento da campanha política.

4.2.1. A pesquisa de opinião e construção de mapas cognitivos

sobre a campanha

Em Moçambique ainda não existem instituições que se dediquem a

pesquisas sistematizadas sobre as tendências de voto. Os eleitores obtêm

informações políticas tanto através do HGPE quanto da imprensa, em geral, que

realiza a cobertura diária da campanha. Ademais, os eleitores têm acesso aos

programas especiais que são transmitidos apenas neste contexto nas diferentes

mídias. Na televisão são realizados debates com personalidades da arena política

nacional em que diferentes especialistas avaliam o cenário da campanha, os

pontos fortes e fracos dos candidatos e seus aliados, o desempenho de cada

candidato no encontro com os eleitores por todo o país, além dos possíveis

resultados. Os jornais impressos dedicam parte de seu espaço à divulgação de

notícias e artigos de opinião sobre o processo eleitoral trazendo análises do

cenário político como um todo.

Apesar das fragilidades que ainda apresentam, sobretudo, em termos de

sua construção, de detalhes técnicos e argumentativos dos programas eleitorais

dos partidos políticos divulgados na televisão, o HGPE possui a potencialidade de

agendar os eleitores sobre as plataformas de governo que os candidatos e seus

partidos propõem para o país. Nesse sentido, dizer às pessoas sobre o que pensar

equivale hierarquizar temas e valores que podem servir ou não como orientação na

escolha eleitoral.

Pelo seu grande alcance sobre o telespectador, a mídia, em particular a

televisão, oferece vasta quantidade de assuntos políticos sobre os quais as

pessoas se informam, e ao mesmo tempo, esses assuntos tornam-se temas em

suas conversas nos seus círculos de convivência com outros telespectadores.

Esse fenômeno de agendar à sociedade é explicado pela hipótese do agenda-

setting. Esta sustenta que os assuntos abordados diariamente pela mídia são

responsáveis pelo estabelecimento da ordem do dia das idéias a serem pensadas

e discutidas pela audiência.

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Elaborada por Maxwell E. McCombs e Donald Shaw, a hipótese do agenda-

setting foi desenvolvida no final da década de 60, durante estudos sobre a opinião

pública em épocas eleitorais. Para os autores, cada receptor agendaria seu

pensamento e suas preocupações como uma consequência da ação dos meios de

comunicação de massa. A audiência tomaria conhecimento ou ignoraria, focaria

sua atenção ou esqueceria, realçaria ou negligenciaria assuntos específicos dos

cenários públicos sob a influência do que é divulgado pela mídia.

O processo de agendamento no cenário eleitoral encerra três tipos de

agenda. O primeiro é o da agenda da mídia, que possui o poder de atribuir

relevância a algumas temáticas a partir da quantidade dos conteúdos a serem

transmitidos, dos critérios de noticiabilidade e da valoração das mensagens

veiculadas. O segundo tipo é a agenda do público, pois de maneira espontânea, no

seu núcleo de convivência, as pessoas elegem determinados temas na sua

conversa e, nesse contexto, entram em ação os líderes de opinião. E o terceiro é o

da agenda da política em que os candidatos constroem as suas agendas de

acordo com a estabelecida pelas equipes de coordenação da campanha e a dos

meios de comunicação de massa.

É nessa perspectiva que os estudos de Paul Lazarsfeld (1979), na década

de 50, ganharam destaque ao descobrir que os meios de comunicação de massa

exerciam alguma influência na formação das preferências eleitorais. Os resultados

sinalizaram que tal influência era mais indireta e seletiva do que se supunha até

então, não sendo igual para todos que faziam parte da audiência.

Nesse estudo, o contexto social no qual os indivíduos estavam inseridos

ganhou maior peso explicativo, pois as pessoas não formariam as suas opiniões

acerca de determinado assunto apenas ouvindo ou lendo um determinado veículo

de comunicação, mas por uma série de fatores que conferem influência

fundamental aos contatos interpessoais e uma influência indireta da grande mídia.

De entre os fatores, o pesquisador destaca os contatos interpessoais como os

mais importantes porque nessa relação, as opiniões dos outros podem ajudar

outras pessoas a encontrar argumentos relevantes para seu próprio bem em

questões políticas que as que se apóiam em algum jornal ou rádio, mais remotos e

impessoais. Os indivíduos também estão acostumados a basear-se no juízo e

avaliação dos mais respeitados entre os do seu meio de convívio frequente.

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O contato direto com pessoas que lhes são mais próximas é a principal

forma dos indivíduos discutirem sobre as suas opiniões e argumentos em relação

aos temas em destaque na mídia. Lazarsfeld identificou, assim, os líderes de

opinião como sendo pessoas que, no seu meio social, eram consideradas como

mais críticas e ativas, além de estarem mais expostas às informações veiculadas

nos meios de comunicação. A despeito disso, os líderes de opinião teriam o poder

de convencimento, por estarem mais bem informados.

Esse percurso de agendamento ficou conhecido como Two Steps Flow, ou

seja, as duas etapas pelas quais os indivíduos passariam para elaborarem os seus

argumentos sobre as propostas dos candidatos. Essa designação é devido ao

papel que esses indivíduos desempenhavam, intermediando os conteúdos dos

meios de comunicação e a opinião dos demais.

Os resultados do estudo de Lazarsfeld embora sejam extemporâneos, ainda

podem servir para a compreensão do cenário moçambicano onde os meios de

comunicação fazem a cobertura do processo eleitoral divulgando, diariamente,

informações e dados importantes tais como as propostas de governo, as possíveis

semelhanças e diferenças, as características pessoais dos atores políticos e seu

comprometimento com os problemas do país, entre outras. Com isso os eleitores

podem pensar melhor e decidir sobre a quem votar e por que razão votar em um

determinado candidato e partido. A tomada de decisão pode ser feita tanto com

base em informações das mídias, como também a partir da influência dos líderes

de opinião. Nesse sentido, Lazarsfeld (1979) defendia a existência de três tipos de

efeitos que a grande mídia imprime sobre o público. Trata-se do efeito de ativação

que significa que quanto maior é a exposição da campanha na grande mídia, mais

interesse desperta nos eleitores e mais vigorosos são os seus sentimentos com

relação ao seu candidato.

No HGPE, o efeito de ativação pode ocorrer sempre que o indivíduo se

deparar com uma gama de alternativas e uma decisão a tomar, ou seja, a ativação

dos eleitores decorre em função do tempo de exposição, pois quanto maior é a

exposição da campanha na grande mídia, mais interesse desperta nos eleitores e

mais vigorosos são os seus sentimentos com relação ao seu candidato. A ativação

do eleitorado significa uma intensificação do processo decisório do voto em uma

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eleição. O eleitorado ativado presta maior atenção às opções dadas, no caso,

seriam os candidatos em campanha.

Outro é o efeito de reforço que significa que quanto maior é a exposição à

campanha na grande mídia, menos eleitores mudam de postura e mais

comparecem ao dia da eleição. Sobre o efeito de reforço e cristalização, estudos

mostraram que o real poder da mídia sobre o processo de decisão do voto não

está em transformar ou mudar profundamente a escolha partidária ou as opiniões

político-eleitorais de seu público, mas reside, principalmente, em reforçar e

cristalizar as preferências prévias do eleitorado.

O efeito de conservação explica-se pelo fato de que quanto maior a

exposição à campanha na grande mídia, mais correta é a informação que possuem

os eleitores a respeito da campanha e mais correta também é a sua percepção da

postura dos candidatos nas diversas questões. Assim, quanto mais uma campanha

é veiculada pela mídia, mais ela tende a fortalecer o seu eleitorado, agregando-o

de forma crescente. Nessa linha de idéia, a campanha na mídia cristaliza as

preferências preexistentes do eleitorado, portanto, reforçar e cristalizar implica

consolidar atitudes e opiniões já existentes.

É importante destacar o programa Diário de Campanha (DC), também da

Televisão Pública (TVM) que tem sido espaço informativo sobre a campanha

eleitoral pelo país, divulgando as propostas dos candidatos e seus partidos e

mostrando o cenário do embate entre os candidatos em comícios, carreatas, visitas

porta a porta, entre outras estratégias de campanha.

Embora seja parcial em favor do candidato do governo, o DC além de

projetar a imagem dos candidatos também contribui para formação da opinião

pública em geral que pode elaborar as suas avaliações e percepções em relação

ao cenário político que acompanham não só pela televisão como também por

outros meios de comunicação.

4.2.2. Informações sobre a agenda dos candidatos e cobertura da campanha

No cenário eleitoral, a agenda dos candidatos é estabelecida pela equipe

coordenadora da campanha. As informações são passadas para a imprensa, em

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geral, através de comunicados de imprensa e também por outros meios de

comunicação do candidato e seu partido político.

Pela primeira vez, nas eleições gerais de 2009, os políticos usaram também

os meios digitais com destaque para sites do partido, blogs do candidato, além das

redes sociais como o facebook, twitter e sms via celulares tornando assim o

acesso à informação da campanha cada vez mais veloz para a maioria dos

usuários desse tipo de dispositivos de comunicação.

Fato interessante é que tanto o facebook quanto o twitter e sms têm sido

adotados também por alguns jornais digitais que mantém suas edições impressas

tais como os jornais “a Verdade” e “Canal de Moçambique”. Esses jornais

monitoram o andamento da campanha eleitoral, e elaboram avaliações da

atividade diária tanto dos candidatos quanto de seus colaboradores, simpatizantes

e mobilizadores com o intuito de verificar e denunciar a ocorrência ou não de atos

de vandalismo e de violência contra membros da oposição.

Com o serviço de envio de sms tornou possível também a participação da

população que não tem a possibilidade de acessar a rede de internet e, dessa

forma, aumenta o nível de consciência política, de vigilância, pois, nos pleitos

anteriores verificavam-se muitas ações de violência que marcavam negativamente

o processo.

Mesmo com esses dispositivos, algumas vezes, por falta de boa

coordenação das equipes de campanha, candidatos e/ou grupos de simpatizantes

colidem em mesmos locais públicos originando confrontos.

Nesse quesito é importante destacar o papel de militantes e voluntários na

organização das atividades do partido, sobretudo, na realização de showmícios, de

carreatas, de visitas aos mercados que precisam mobilizar multidões a

participarem.

Os candidatos investem boa parte do tempo de campanha em ações de

marketing que envolve o seu contato com os eleitores apresentando as propostas

da sua plataforma política. Uma dessas ações é a campanha porta a porta que é

realizada em domicílios pelos bairros urbanos, suburbanos e em zonas rurais. É

nesse ambiente que os eleitores têm contato direto tanto com os candidatos

quanto com os seus colaboradores de quem recebem os pedidos de voto e as

promessas de um futuro melhor.

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Ferraz (2004) argumenta que a campanha porta a porta pode e deve ser

realizada pelo candidato, com grande empenho, e há certos candidatos que fazem

desta forma de campanha a sua principal arma. Bem planejada, uma campanha

porta a porta pode permitir ao candidato atingir, pessoalmente, dezenas de

milhares de eleitores.

A equipe coordenadora de campanha adota estratégias de marketing para

divulgar os ideais do candidato e seu partido político, promover a sua imagem e

angariar a simpatia dos eleitores, e é por Esso que investem na distribuição de

diversos símbolos do partido e do candidato como camisetas, bonés, panfletos,

“santinhos” bandeiras, cartazes, entre outros que visam reforçar o apelo ao voto.

Vale ressaltar que o marketing político não se resume à propaganda do

partido na televisão, mas engloba uma estrutura mais complexa que envolve o

posicionamento do partido junto ao eleitorado e o seu fortalecimento com o

decorrer do tempo. Para isso, é fundamental investir na construção da identidade

do partido, na propaganda institucional, além de angariar e ampliar o número de

seus membros.

4.2.3. Depoimentos de apoio dos aliados e personagens da campanha

Uma campanha política conta com diversos personagens. São eles que dão

vida pela sua presença e voz à disputa entre os candidatos. Segundo Albuquerque

(1999:101), a presença de aliados nos programas eleitorais visa converter o seu

prestígio em capital político concedendo maior visibilidade ao candidato e seu

partido com o fim de angariar votos.

No cenário político moçambicano, o grupo de aliados e parceiros é

composto por figuras públicas, principalmente políticos, membros seniores do

partido, artistas, músicos, que de certa forma possuem poder de mobilização dos

eleitores.

Vale ressaltar que para o candidato de situação, os apoios reiteram a

satisfação pelos resultados da administração já realizada no mandato e reforçam

os pedidos de voto para que dê continuidade aos mesmos. Guebuza recebeu o

apoio de dentro e fora do país como podemos ver nesses depoimentos do

representante da Liga Juvenil do ANC, da África do Sul:

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Nós estamos a trabalhar e a conscientizar os jovens da Província de Gauteng para votar na Frelimo porque acreditamos que o partido e o seu candidato presidencial Armando Guebuza é a pessoa certa para dirigir os destinos do povo moçambicano. (Castro More, Representante da Liga Juvenil do ANC in Miramar Notícias do dia 17/10/2009).

No país, algumas formações políticas também apoiaram Guebuza e Frelimo

e apareceram na imprensa para assegurarem o seu voto como foi o caso da

Aliança Democrática dos Antigos Combatentes para o Desenvolvimento (ADACD)

e do PANAMO:

Nós militantes desta aliança, nas quartas eleições presidenciais de 2009, iremos apoiar o candidato que o partido Frelimo irá apresentar: Guebuza, SIM. Caros compatriotas: a Aliança Democrática dos Antigos Combatentes para o Desenvolvimento, mais uma vez, reafirma a sua fidelidade e continua firme na sua promessa perante os meios de comunicação social aqui presentes que o nosso voto às presidenciais vai para o camarada Armando Emílio Guebuza (João da Rosa Likalamba in Miramar Notícias). Apoiar ao programa de governo da Frelimo por ter apresentado o melhor programa. Apelar a todos os moçambicanos para que no dia 28 de outubro-SIM, juntem-se às urnas e votem em massa no candidato da Frelimo que é Armando Emílio Guebuza (Marcos Juma, Presidente do Partido PANAMO, in Miramar Notícias).

O candidato Simango foi o que recebeu o apoio da maioria dos partidos

políticos do país, pois 17 formações políticas que se viram excluídas de concorrer

no pleito manifestaram o apoio incondicional a ele e ao MDM. Esses partidos

foram excluídos pela CNE de concorrer por alegadas falhas verificadas em seus

processos de candidatura.

O narrador é uma das personagens que não falta na campanha eleitoral. A

sua presença pode ser visível ou ocultada no programa aparecendo apenas com

voz off.

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Na análise verificamos que o narrador em off ocupa a maior parte dos três

programas e a sua função se destaca na condução da narrativa através da

argumentação que se desenvolve a partir do referencial partidário cuja intenção é

convencer o eleitor de que pode confiar no seu projeto. Nesse sentido,

Albuquerque (1999) destaca que

o narrador em off realiza uma grande variedade de tarefas nos programas do HGPE: discute temas de relevância política, expõe a plataforma eleitoral do candidato, apresenta a sua biografia política, fornece o contexto para a fala do candidato ou seus aliados, ataca os adversários, comenta o desenvolvimento da campanha eleitoral e desempenha o papel importante na constituição da estrutura dos programas do HGPE fazendo ataques a adversários (ALBUQUERQUE, 1999:100).

De acordo com Albuquerque (1999), é algo comum os candidatos dividirem

com narradores em off e aliados políticos (celebridades, políticos e populares) as

responsabilidades pela condução dos programas. Em alguns casos, segundo

afirma este autor, o narrador em off chega a competir - em termos quantitativos e

qualitativos - com a fala do candidato a ponto de ser considerado “a voz do

programa”.

Notamos que nos programas dos três candidatos há uso do narrador em off

e com particular incidência no programa da Frelimo em que esse personagem

assumiu a função de pivô do programa e não o próprio candidato. Essa estratégia

pode ser compreendida com base nos argumentos de Albuquerque de que o uso

tão extensivo do narrador em off nas propagandas do HGPE deve-se ao fato desse

tipo de narrador permitir apresentar um discurso verbal articulado a uma narrativa

imagética. É nesse contexto que a construção da imagem pública do candidato

ganha espaço na campanha política. Para reforçar o nível de mobilização da

campanha, os líderes de opinião tem maior importância porque são pessoas que

gozam de credibilidade por parte dos membros das suas comunidades.

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4.3. Segmentos auxiliares e outros dispositivos comerciais

Este segmento diz respeito às mensagens cujo propósito fundamental é

adequar o discurso político dos programas à lógica comunicativa da televisão

(ALBUQUERQUE, 1989:70). São elementos de ligação do programa e referem-se

a vinhetas, slogans, jingles, clipes e símbolos que servem para criar uma

identidade para o candidato e seu partido.

Durante a campanha eleitoral de 2009, a identidade-marca dos candidatos e

dos seus partidos foi construída através da associação de vários elementos

audiovisuais importantes na comunicação tais como slogans, vinhetas, jingles e

símbolos. A utilização desses recursos visa reforçar outros aspectos, igualmente,

fundamentais na campanha eleitoral como a imagem pública do candidato, a

ideologia do partido, entre outros elementos.

Na publicidade, a marca de produtos projeta valores que são apresentados

como fundamentais uma vez que precisam satisfazer as necessidades do

consumidor. À semelhança da publicidade, a propaganda política também projeta

os valores que buscam provocar sentimentos de pertença, de identificação dos

eleitores com o candidato e seu partido e isso leva os proponentes a ocuparem o

lugar privilegiado na mente dos eleitores, o que pode ajudá-los a confirmar o seu

voto a favor, contra, em branco ou nulo sobre as candidaturas.

4.3.1. As vinhetas

Os programas eleitorais são veiculados um após outro, obedecendo a

sequência estabelecida pela Comissão Nacional de Eleições por meio de sorteio.

Para possibilitar a identificação dos limites temporais de cada programa, os

idealizadores dos programas constroem vinhetas que são recursos audiovisuais

usados para identificar um determinado conteúdo e marcar as suas

especificidades.

No HGPE, as vinhetas cumprem a função identitária separando o programa

de um candidato e de outro e auxiliando o telespectador no reconhecimento dos

partidos e de suas diferenças. Dentro de um mesmo programa, as vinhetas podem

ser utilizadas para marcar as mudanças de assunto “permitindo o tratamento, em

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separado, de questões diferentes consideradas dentro de um mesmo programa”

(ALBUQUERQUE, 1999:94).

Outra função importante das vinhetas é de quebrar a monotonia do percurso

narrativo do programa, principalmente as que são apresentadas com narrador em

off, por isso, elas são muito curtas e no contexto da campanha eleitoral são

mescladas com os jingles ou são parte deles.

O programa de Guebuza e Frelimo construiu e usou diversas vinhetas,

explorando as cores da bandeira do país e do partido que aparecem como fundo

do quadro na tela: Moçambique vota Guebuza; Moçambique está a crescer;

Moçambique não vai parar; Moçambique vota Frelimo. Por serem curtas eram de

fácil memorização pelo público.

O programa de Dhlakama e Renamo apresentou vinhetas que também

serviam para identificar o programa e, em poucos segundos, demonstrava ao

eleitor como votar no boletim de voto. O texto que acompanha essas vinhetas é

muito longo e isso podia dificultar a sua memorização por parte dos

telespectadores/eleitores: a Renamo é o maior partido democrático de

Moçambique. Eu vou votar nela. Era lido por um narrador em off e como música de

fundo escuta-se o jingle da campanha: vota, vota Renamo, vota, vota Renamo.

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Outra vinheta usada para separar as falas dos diferentes aliados é um

quadro que contém três símbolos em forma de cartão: a fotografia do candidato, o

boletim de voto com foco na perdiz que simboliza a força, pujança e liberdade,

além do cartão que traz apenas do slogan do partido: “a Renamo é o maior e

melhor partido democrático de Moçambique, eu vou votar nela”.

Simango e MDM em seu programa optaram por destacar como vinheta, a

bandeira flutuando na tela onde se destacava o slogan como lettering seguido do

emblema e depois a fotografia do candidato. A palavra VOTE inscrita no emblema

e na fotografia do candidato aparecia piscando e era uma forma de chamar a

atenção do telespectador e também de ajudá-lo a memorizar os símbolos.

4.3.2. Os jingles

Os jingles são trilhas sonoras que têm a função de mobilizar o lado

emocional dos eleitores e dinamizar o ambiente de campanha. Por isso, os

programas eleitorais de televisão usam muito esse recurso com o intuito de

reproduzir o ambiente das ruas e “capturar” a atenção do telespectador/eleitor.

Na concepção de Albuquerque, os jingles fazem parte do segmento de

“mensagens auxiliares” que têm a função de adequar a propaganda do HGPE à

gramática comunicativa da televisão. Para Albuquerque (1999, p.70), o objetivo

das mensagens auxiliares é “fazer dos programas de HGPE, programas de

televisão”. Nesse âmbito, esses recursos discursivos são os que possibilitam os

programas tornarem-se mais agradáveis e respondendo às expectativas e gostos

do telespectador.

Além dessas características, por serem mensagens musicais, os jingles,

apresentam um forte apelo emocional, uma retórica de sedução e, ao mesmo

tempo, didática e panfletária. Nos programas eleitorais dos três candidatos os

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jingles foram muito usados para incentivar a memorização da mensagem política.

Além dessa função, os jingles, assim como as vinhetas funcionaram como recurso

de separação de blocos de informações dadas tanto pelo narrador principal quanto

por outros atores políticos e populares assim como intercalando a entrada dos

personagens no vídeo.

Na propaganda de Guebuza os jingles foram utilizados com muita

frequência quando o narrador pretendia identificar a mudança de assunto e/ou de

província ou distrito. Enquanto nos programas de Dhlakama e Daviz foram usados

mais no início e no fim dos respectivos tempos de transmissão.

Por serem curtos e dinâmicos vincando na música e no ritmo, geralmente,

os jingles são direcionados à construção da imagem do candidato. E é nesse

quesito que esse recurso auxiliar é considerado o grande trunfo da propaganda

eleitoral que garante ao eleitor recordar-se do candidato.

Suas letras são compostas por frases curtas e repetitivas e essa estratégia

visa dar ritmo à melodia e facilitar a memorização pelo eleitor, além de permitir o

melhor controle do tempo do programa. O ritmo do próprio jingle contribui na

experiência sensível do espectador através do movimento dinâmico da repetição

de notas musicais. De acordo com Tatit (1997:119) “quanto mais dinâmico o

andamento dessas células, mais sintonia adquire com relação aos movimentos

regulares do nosso corpo (batimento cardíaco e inspiração/expiração)”.

Nos programas dos três candidatos, deu-se mais ênfase ao coro uma vez

que podia ser facilmente memorizado e repetido pelos telespectadores. Mas, em

outros momentos, o público cantava a música do início ao fim acompanhando-a

com dança.

Para o publicitário Duda Mendonça (2001:92), o jingle é um discurso musical

dirigido a um eleitor. “Se for bem feito vai chegar ao coração dele, até mesmo

antes de ter passado por sua cabeça”.

Letra do jingle da Frelimo Quando o sol aquece a terra, ninguém pode parar É como a força de um rio quando desce para o mar Eu sinto essa força do olhar duma criança Ela está dentro de ti É a força da mudança. A Frelimo é que fez, a Frelimo é que faz Guebuza, Guebuza, Guebuza.

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Letra do jingle da Renamo Vota, vota Renamo. Vota, vota Dhlakama. Vota no Partido Juventude melhor Moçambique melhor Não se deixe enganar, vamos votar Letra do jingle do MDM O Cocorico canta e o povo acorda

O MDM chegou O povo está satisfeito com Daviz Simango Com este Movimento O povo chora, o povo luta Queremos Desenvolver Queremos melhorar

Ao nível nacional

4.3.3. Os Clipes

Os clipes são textos sincréticos usados para permitir o encaixe diário do

conteúdo do programa ao tempo de que o candidato/partido dispõe pela lei eleitoral

para a veiculação da sua propaganda. Também possuem a função de imprimir

uma carga emotiva capaz de emocionar o eleitor. São configurados com base em

fusão de elementos fiduciários com intuito de produzir efeitos de sentido de

exaltação dos ideais do candidato e seu partido.

Na analise do sincretismo a primeira consideração que fazemos, tendo

como referência os estudos sobre a semiótica sincrética, diz respeito à totalidade

do sentido que um objeto sincrético processa por meio do arranjo global dos

formantes que compõem os diferentes sistemas presentes no seu plano de

expressão, cuja integração caracteriza-se por “procedimentos de sincretização”

(OLIVEIRA, 2009: 80).

Os videoclipes foram construídos em torno dos jingles e tinham o papel de

ilustrar a importância que o apelo partidário apresenta na construção da estratégia

retórica da campanha dos três candidatos a presidente da república. Nos

videoclipes é possível destacar a predominância das cores partidárias: vermelho

para a Frelimo; azul-verde e branco para o MDM e azul do mar para a Renamo.

Estas cores são usadas no fundo dos cenários de gravações da propaganda

eleitoral oficial, dando-se peso maior à bandeira e aos logotipos que servem de

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fundo nas entrevistas tanto de estúdio quando de externas dos personagens que

dão o seu depoimento de apoio ao candidato e ao partido.

As figurativizações dos personagens que aparecem na tela instalam

diferentes operações enunciativas, como a debreagem e os pontos de vista dos

enunciadores. Por meio da debreagem o telespectador é levado a adentrar na tela,

ou porque reconhece os personagens e os gestos que nela aparecem ou porque

tais imagens são tão velozes que prendem sua atenção.

A debreagem ocorre também por meio da tematização e figurativização na

enunciação através das imagens que retratam a população que canta, dança e

marcha com os políticos de seu partido. Em suma, a propaganda do HGPE permite

contextualizar o evento para o eleitor e serve para “despertá-lo” quanto à

importância deste momento eleitoral.

Os três candidatos mostram como cenário, imagens de país ainda pobre,

ainda não moderno, com urgência de sair do estágio em que está para alcançar os

patamares de países desenvolvidos. Isso é mostrado através de imagens de

bairros da periferia urbana, onde as ruas não são asfaltadas, as casas são

construídas com materiais precários, entre outros cenários de pobreza. A

diferença reside no fato da campanha da Frelimo focar na imagem de mudança, e

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como argumento destacar as realizações da administração em curso mostrando

isso através de imagens de ferrovias construídas, pontes, cidades, praias bonitas,

instâncias turísticas, máquinas pesadas na agricultura, na construção de

infraestruturas, entre outras. Enfatiza-se o estágio atual do país, em que se busca

trabalhar para eliminar a pobreza absoluta em que muitas famílias ainda vivem no

seu cotidiano.

Estas imagens também sinalizam a estabilidade política que se vive no

território nacional como grande valor que coloca o país em boas condições para

receber investimentos estrangeiros. Assim, todas as formas de expressão como a

narração, a trilha sonora, o jingle, as imagens, as cores, os movimentos, as falas,

são sincronizadas para produzir efeitos de sentido de um futuro melhor para o

enunciatário e esta é forma de o conduzir ao objeto de valor que é o voto e que só

através dele poderá ver as mudanças no país.

A fala dos diferentes atores em cena: narrador em off, apoiantes e aliados

reforça o tipo de discurso e de efeitos de sentido que se pretende construir, se de

continuidade ou se de ruptura com o passado.

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4.3.4. Os slogans

Para Lasswell (1979:22), o slogan “é o grito de guerra” em prol de uma

causa e, como tal, deve apelar às emoções e levar à coesão e à unidade do grupo

que aspira pelos mesmos ideais. Em termos estéticos e técnicos, os slogans são

frases breves, simples, de fácil memorização e de uma musicalidade agradável

que conceituem os objetivos políticos e o diferencie dos oponentes. Geralmente

são acompanhados de símbolos dos partidos a que representam. Em suma, os

slogans fazem parte da identidade/marca. Podem ser usados para representar

ideais, tanto de produtos, quanto de indivíduos ou grupos que se orientam pelos

mesmos valores ou ideais.

Para compreendermos melhor a função do slogan valemo-nos da

perspectiva do marketing da marca, de Andrea Semprini (1995) que ressalta que a

marca projeta valores nas dimensões simbólica, utilitária, identitária e diferencial.

São esses valores que contribuem para a satisfação do consumidor. Assim,

também na política, a identidade, que constitui imagem-marca dos candidatos

projeta determinados valores, pois no exercício do voto, o eleitor leva em

consideração o desempenho passado dos candidatos e cria expectativas sobre o

desempenho futuro dos mesmos de acordo com a proposta do manifesto eleitoral

do partido aliado aos seus enunciados e lugar de fala de seus atores.

A campanha da Frelimo focou atenção no balanço positivo dos programas

do governo e na apresentação de propostas que são uma continuidade daqueles

desenvolvidos no mandato anterior pelo mesmo candidato.

Com o slogan: “a Frelimo é que fez, a Frelimo é que faz, a Frelimo quando

promete cumpre” este partido tratou de autolegitimar-se e apostou a sua campanha

no capital simbólico e no significado histórico de luta pela libertação nacional e

mais tarde nos esforços empreendidos para as mudanças no sistema de governo

passando do monopartidarismo para o multipartidarismo.

Essa trajetória de luta tem sido enfatizada na propaganda eleitoral da

Frelimo como valor fundamental que, na sua ótica, nenhum outro partido possui tal

característica. O slogan sugere ao eleitor/telespectador a idéia de que a Frelimo

tem tradição e experiência de governar, por isso, constitui-se em apelo aos

eleitores a votarem no partido que refere que “é o partido que tem no povo o ponto

de partida e de chegada”.

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Nesta campanha a Frelimo utilizou intensamente os slogans e jingles o que

tornou o momento mais festivo e, ao mesmo tempo, esses recursos se tornaram

uma estratégia que possibilitou a mobilização maciça de simpatizantes. Além do

slogan principal, a Frelimo difundiu vários outros que remetiam a exaltação de seus

feitos e os mesmos eram de fácil memorização: Frelimo quando promete cumpre;

com Guebuza venceremos a pobreza; unidos na luta contra a pobreza; Frelimo, a

força da mudança.

De certa forma, essa estratégia visava produzir o efeito de sentido de

segurança, conduzindo o eleitor a votar em quem já conhecia como governante,

uma vez que a escolha de um candidato novo para ser governante pode ser

duvidosa, insegura por não se conhecer com profundidade o seu potencial. Na

visão de Thompson (1995, p.83), “as tradições são, muitas vezes, inventadas a fim

de criar um sentido de pertença a uma comunidade e a uma história que

transcende a experiência de conflito, da diferença e da divisão”.

A Renamo tinha como slogan “o melhor de Moçambique são os

moçambicanos” e com isso procurou reafirmar o sentido da identidade nacional,

pois na sua lógica, independentemente da região de origem de cada um e da sua

filiação política, todo o cidadão moçambicano deve ser reconhecido. Este slogan

remete à idéia de negação ao fato de que, ao longo da história do país, somente

cidadãos do sul tem assumido a presidência da república e outros cargos

majoritariamente de nível nacional em relação a pessoas de outras regiões de

Moçambique.

O MDM participou da corrida eleitoral de 2009 como uma novidade para o

eleitor. O partido apresentou na sua campanha o slogan “Moçambique para todos”

como forma de criticar as desigualdades sociais e regionais que persistem desde a

independência em 1975 e no seu manifesto avança com a proposta de ser um

governo mais participativo, em que todos os moçambicanos usufruam dos seus

direitos. Este slogan enfatiza a idéia de que os governantes devem servir o povo e

não se servirem do povo para atender as aspirações pessoais numa clara alusão

de que o desenvolvimento do país deve alcançar a toda população e não apenas

às elites.

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4.3.5. O emblema

O campo da política “alimenta-se” de símbolos e estes têm o papel de

fundamentar o poder possibilitando a construção de identidades e singularidades

na arena política nacional e internacional. Os símbolos são a exteriorização da

linha ideológica das formações políticas e das plataformas dos candidatos a cargos

políticos. Fazem parte dos símbolos das formações políticas o hino, o emblema, a

bandeira, entre outros elementos que sejam relevantes para a constituição da

identidade ideológica e visual do partido.

A campanha eleitoral é também uma luta simbólica que faz parte do jogo

político no sentido de que é nesse contexto em que candidatos se enfrentam e

disputam as formas de construção da realidade do país procurando convencer o

eleitor sobre o sentido da democracia e a sua visão de mundo atual e futuro.

Os símbolos, por serem construídos com base na cultura, remetem à

imagem dos candidatos e seus partidos e também ao que significam em termos de

ideais políticos e facilitam a sua identificação pelos eleitores, por isso, devem ser

facilmente identificados pelos eleitores.

Muitas vezes, os símbolos funcionam como a marca do partido pela qual o

comitê de campanha precisa construir estratégias de posicionamento na mente do

eleitor para que a todo instante se lembre das características particulares aliando

essa marca à imagem de figuras de referência no partido além dos ideais que este

propõe para o país.

Nesta campanha, a Frelimo teve como principal

símbolo o emblema composto por vários elementos

visuais: a maçaroca (milho verde), o batuque (tambor)

e as cores da bandeira do país atravessadas no

quadrante inferior direito do mesmo.

Vale ressaltar que este símbolo foi construído

para a campanha eleitoral de 2004 quando Guebuza e

Frelimo apresentaram, em seu programa, a proposta

do combate à pobreza absoluta. Nessa linha de idéia,

a maçaroca simboliza a fartura de alimentos e o batuque seria a alegria do povo

saciado, no âmbito nacional, representado pela bandeira do país inscrita em

segundo plano ao do nome do partido. Aliás, o vermelho é a cor da Frelimo e

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coincide com a cor vermelha da bandeira de Moçambique. Nesse sentido, as cinco

cores que compõem a bandeira da República de Moçambique: verde, branca,

preta, amarela e vermelha que representam, respectivamente, as riquezas

naturais; a paz; o valor da negritude; as riquezas do subsolo e, por fim, o sangue

derramado pelos heróis na luta pela independência.

Na campanha da Renamo, o emblema também se constitui como um dos

principais símbolos. De acordo com os estatutos

desta formação política, no seu artigo 10º, os

elementos do emblema tem o seguinte

significado: a perdiz simboliza a identidade,

autenticidade, a negação da subjugação e a

afirmação da liberdade; as dez estrelas amarelas,

simbolizam as dez províncias do país e as suas

riquezas minerais; as três setas dispostas, horizontalmente, da esquerda para

direita, ostentando a cor azul escuro, verde e vermelha simbolizam a arma secular

usada pelos antepassados na luta contra a opressão e dominação colonial.

Em sua constituição, o emblema possui elementos diversos com as cores da

bandeira do partido na qual a preta simboliza o continente africano; a vermelha

representa o sangue derramado na luta pela independência e democracia; a cor

amarela representa a riqueza do subsolo; o azul significa a parte líquida constituída

por oceanos, rios, lagos e águas do subsolo e o espaço aéreo; a cor verde

representa a riqueza da flora simbolizada pelas florestas e campos verdes e o

branco representa a paz.

No emblema do MDM, o galo significa o

despertar do povo moçambicano e tem ligação forte

com o slogan deste movimento “Moçambique para

todos” assim como o galo canta para todos e a atinge

a todos sem distinção ou algum tipo de fronteiras. O

sol significa o anúncio de um novo dia, ou seja, faz

entender a presença do MDM como uma novidade

no cenário político nacional; o verde representa a

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riqueza do país; o preto significa a origem do povo moçambicano, portanto, o

continente africano; a cor azul simboliza a riqueza marítima e o amarelo a riqueza

mineral de que o país dispõe.

Embora seja construída de maneira diferente, a propaganda do HGPE dos

três candidatos apresenta-se em forma de espetáculo. Toda a organização

discursiva com recurso à linguagem sincrética que caracteriza o audiovisual visa

estabelecer a confiança entre enunciador e enunciatário de modo que este se

identifique com o candidato e possa sancionar, positivamente, a proposta de

governo que lhe é apresentada. O discurso eleitoral é trazido para a televisão, por

meio de imagens do país, de fusão de estratégias discursivas que reproduzem o

cotidiano dos eleitores projetando uma visão de futuro melhor. A seguir,

apresentamos as conclusões deste estudo.

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5. Conclusões

A análise das eleições presidenciais de 2009 possibilitou-nos a

compreensão da interface entre comunicação e política no cenário moçambicano.

Os resultados revelam transformações na forma de fazer política, pois se está

centrando mais atenção na figura do candidato, em detrimento das questões

ideológicas e o partido político mantém-se como suporte fundamental da

candidatura.

Na disputa presidencial de 2009, a televisão despontou como um dos

principais veículos de propaganda eleitoral. Com suas exibições diárias, o HGPE

ganhou importância política e ocupa um lugar de destaque no período da disputa

pelo mais alto cargo político do país.

Duas razões explicam essa importância do HGPE. A primeira, por ampliar a

visibilidade dos candidatos e suas propostas de governo, além de contribuir com a

formação da opinião pública política dos potenciais eleitores que elaboram suas

avaliações em relação à cena política que acompanham pela televisão e pela

imprensa, em geral. A segunda, pelo fato do HGPE possibilitar ao eleitor a

apreensão dos discursos de campanha feitos pelos concorrentes e seus partidos e,

sobretudo, o debate em torno dos temas de interesse público, referentes aos

problemas graves que o país atravessa. Ademais, através do HGPE, o eleitorado

tem a possibilidade de fazer o reconhecimento de quem fala e do lugar de fala que

ocupa e, a partir daí, avaliar o grau de representatividade, legitimidade, autoridade,

autonomia e compromisso social que os candidatos possam ter para com o país.

No jogo político, a meta do candidato é vencer a eleição e as suas

estratégias de campanha visam à maximização dos votos. Porém, as estratégias

com as quais cada competidor busca alcançar essa meta são diversas. Com base

na metodologia de análise do HGPE elaborada por Afonso Albuquerque (1999),

que identifica três tipos de segmentos (de campanha, de metacampanha e

auxiliares), foi possível empreender um exame comparativo dos programas dos

três concorrentes à presidência da república.

A análise nos permitiu observar diferenças nas estratégias de campanha.

Quanto ao foco dos discursos, a propaganda de Guebuza e da Frelimo investiu em

um enquadramento ligado a questões históricas, pelo fato de, no passado, este

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partido ter liderado o movimento de libertação nacional e conduzido o país à

independência. Para isso, apelou à memória coletiva, enfatizou a necessidade de

se preservar a unidade nacional e de se continuar a trabalhar pela estabilidade

política que se vive no país, desde o fim da guerra civil em 1994.

Já a retórica discursiva e argumentativa de Dhlakama e da Renamo centrou-

se mais na sua identificação como o maior partido da oposição, em seu papel

histórico na luta pela instauração da democracia multipartidária na política

moçambicana, que acabou com o poder absoluto da Frelimo. Por sua vez, o

enquadramento da propaganda de Daviz e do MDM enfatizou seu aparecimento

como alternativa política, como terceiro maior partido da oposição e seu objetivo

imperioso de acabar com a tradicional bipolarização política que existia entre

Frelimo e Renamo desde as primeiras eleições gerais de 1994, com o fim da

guerra civil.

É importante ressaltar que na propaganda de Daviz construiu-se a posição

de um enunciador que falava como “vítima” da exclusão política, uma vez que ele

(como candidato) surgiu depois da sua expulsão do seio da Renamo por não

concordar com as decisões do líder Dhlakama e mais tarde constituiu o MDM. Com

a construção dessa imagem de vítima, a sua campanha queria denunciar e mostrar

para os eleitores que: (1) estava a se repetir o que no passado acontecera com

seus pais, que foram excluídos da convivência política no seio da Frelimo, ao

serem executados por terem sido considerados traidores do movimento

nacionalista; (2) também foi vítima da Frelimo, de forma indireta, por via da

Comissão Nacional de Eleições, que na última hora, reprovou a sua candidatura

em vários círculos eleitorais pelo país, alegando irregularidades nos documentos

de candidatura.

Outra diferença nos programas eleitorais dos três candidatos verificou-se em

termos do tipo de promessas feitas ao eleitorado: Guebuza pretendia dar

continuidade com a administração em curso, enquanto Dhlakama e Daviz

prometiam fazer algo de novo, realizar as mudanças necessárias para o país sair

da situação de pobreza em que se encontrava.

As formas de interação com o público telespectador/eleitor, isto é, a maneira

pela qual os candidatos se apresentam também é diversa. O candidato Guebuza

apareceu pouco nos vídeos e nessas vezes aparecia inaugurando

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empreendimentos, visitando províncias e discursando para multidões. A

propaganda privilegiou mais a presença de seus aliados e militantes partidários

como porta-vozes do candidato e seu programa. Por um lado, tal estratégia visava

dar maior credibilidade à campanha. Por outro, era necessário evitar exposição

excessiva de sua imagem, uma vez que já estava muito desgastada com as

críticas da opinião pública em relação ao seu governo, que não tem resolvido os

problemas que afetam a maioria da população.

O programa de Dhlakama potenciou o estilo mais arrojado e extrovertido do

candidato. Ele cumprimenta, desfila, canta, dança com os eleitores e, em ritmo

animado, discursa para eles. Algumas vezes usa de humor para desqualificar seus

concorrentes. No caso do programa de Daviz, a propaganda optou por valorizar

mais um caráter tímido e comedido, principalmente em sua forma de tecer críticas

aos dois adversários, que já traziam alguma experiência de participar em eleições

presidenciais anteriores. Algumas vezes o candidato canta e dança com as

multidões de eleitores, expressando sua alegria pela campanha do seu partido. Em

seu discurso centra a atenção nas mudanças radicais que promete fazer de modo

que todos os moçambicanos possam usufruir, de forma equitativa, dos recursos de

que o país dispõe.

Quanto à estrutura, os programas dos três candidatos e de seus respectivos

partidos políticos apresentam muitas semelhanças, sobretudo, na apresentação

em forma de blocos informativos e com a presença da voz off de um narrador.

Somam-se a esses aspectos os depoimentos dos militantes seniores do partido e

de populares anônimos que aparecem para confirmarem as competências do

candidato.

Os blocos de informações são intercalados com vinhetas. Os jingles são

inseridos nos vídeos como trilhas sonoras, cuja melodia e letra são de fácil

memorização pelo público. Esses elementos são usados de tal forma que o texto

seja sincrético, mostrando simultaneamente quadros identitários personalizados

criando simulacros de candidato e de eleitores. A mobilização desse aparato de

recursos técnicos e estéticos visa criar uma imagem pública do candidato mais

próxima do eleitor com a qual este se possa identificar e ter maior empatia e

confiança que se traduza no voto a seu favor.

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Nos programas há também a preocupação constante, por parte dos

enunciadores, com os aspectos não verbais da propaganda. As imagens, os sons

e os efeitos especiais, além de despertar emoções, também transmitem

informações pontuais sobre a campanha. Mesmo isoladas, elas têm um impacto

poderoso, capaz de alterar a resposta a uma mensagem política.

Outra característica marcante da propaganda dos três candidatos foi a

simplicidade em termos de linguagem coloquial adotada para contar as histórias

dos candidatos e seus partidos, visando facilitar a compreensão das mensagens

pela maioria de telespectadores. Aliada à simplicidade, percebemos a mistura da

linguagem informativa com a apelativa e panfletária com que a propaganda foi

construída e exibida na televisão.

De forma geral, as estratégias dos aspirantes ao cargo de presidente da

república basearam-se na construção de dois focos discursivos que se enfrentam.

Um é aquele que defendia a continuidade com a administração em curso, no caso

do candidato da situação (Guebuza). Outro foco defendia a necessidade de

mudança pelos candidatos da oposição (Dhlakama e Daviz). Com essa dinâmica

buscava-se construir interpretações diferenciadas sobre o estado do país e de suas

prioridades. Para isso, os concorrentes privilegiaram mais as questões de natureza

pragmática isto é, ligadas à experiência e à competência administrativa e o seu

desempenho nos cargos que já ocupavam antes da campanha. Os candidatos

Guebuza e Daviz valeram-se dessa estratégia, já que ambos exerciam,

respectivamente, os cargos de presidente da república e presidente de município.

Em linhas gerais as construções discursivas foram centradas nas figuras dos

candidatos associadas à imagem do partido como a base da sua candidatura,

provando que o papel do partido político ainda é fundamental na arena política

moçambicana, pois é partido que pode garantir o bom desempenho da campanha e

o candidato é a figura que representa os ideais desse grupo que busca o poder de

governar o país.

Na propaganda da Frelimo, a imagem do candidato Guebuza foi concebida

em torno de valores humanos e sociais, explorando os atributos de ordem pessoal,

da competência administrativa, definindo-o como homem humilde e honesto, pai de

família, construtor da unidade nacional, desde o processo da independência até à

atualidade em que o país está em um nível de estabilidade política aceitável,

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considerado um exemplo a ser seguido por outros países africanos em conflitos

internos ainda não resolvidos.

O enunciador deste programa investiu na articulação do significado histórico

de luta que a Frelimo empreendeu no passado pela libertação nacional e que ainda

tem contribuído, na atualidade, para a democratização do país. Isso tem sido

enfatizado como um valor fundamental, pois em sua ótica nenhum outro partido

apresenta tal característica. O slogan “a Frelimo é que faz, a Frelimo é que fez”

serviu para difundir a ideia de que só a Frelimo tem tradição e experiência de

governar, por isso, ganha o eleitor que votar nesta formação política.

Já na propaganda da Renamo, a imagem de Dhlakama foi construída

focalizando seu papel na construção da democracia, identificando-o como o pai da

democracia, homem persistente que não desiste de lutar pelos ideais da nação,

enquanto no programa do MDM, a propaganda deu maior ênfase à capacidade de

liderança de Simango, mostrando-o como candidato jovem, disposto a liderar o

processo de transformações do país e que apostava na juventude e em nova forma

de governar, a qual se paute pela distribuição equitativa das riquezas do país. Este

movimento investiu em um discurso de apelo à mudança radical, ou seja, a ruptura

com a forma de governar da Frelimo, que na ótica do MDM é excludente.

A inserção de imagens de personagens (candidato, militantes partidários e

populares); também como a da Frelimo, buscava dar credibilidade ao programa.

Para isso, deu-se preferência pelo enquadramento panorâmico das tomadas de

câmera, principalmente nas imagens dos eventos externos que contavam com a

presença do candidato em meio a multidões eufóricas em clima de festa da

campanha. Este recurso foi adotado como uma forma de enfatizar a presença de

grandes multidões nos comícios, showmícios e caravanas e com isso se buscou

reforçar a imagem de maior adesão dos potenciais eleitores aos ideais deste

candidato e seu partido.

A projeção da imagem pública política dos candidatos na geografia política

moçambicana depende também da forma como a identidade dos mesmos é

esculpida pelos enunciadores idealizadores da campanha. Para que seu efeito seja

eficaz a identidade precisa estar associada a uma matriz discursiva inovadora, de

forma a criar expectativas e interesse nos potenciais eleitores (enunciatários). Em

campanhas eleitorais estão presentes duas dimensões: a inteligível e a passional,

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ou seja, os modos de interação entre os enunciadores e enunciatários envolvem

não só a razão, mas também paixões, emoções, desejos e percepções.

Nas eleições de 2009, os partidos políticos apresentaram seus programas

de governo e coincidiram em alguns temas, tais como o combate à pobreza

absoluta, o acesso à água potável, aos serviços de saúde e educação; à

reabilitação e/ou construção de infraestrutura, a melhoria da rede pública de

transporte, que são áreas mais deficitárias. Apesar dessas semelhanças

programáticas, a materialização técnica da propaganda, o comportamento dos

candidatos na campanha eleitoral frente aos eleitores e adversários diretos e seu

desempenho em termos de retórica é muito diferente. Dhlakama e Daviz aparecem

como oradores dominantes, enquanto no programa de Guebuza essa posição foi

assumida por um narrador com voz off.

Uma vez que o candidato Armando Guebuza estava concorrendo à sua

própria reeleição, o seu discurso de campanha teve como foco o balanço dos

resultados da administração em curso. Ele e seus apoiantes (ministros,

governadores, diretores nacionais, artistas, populares) apareciam na campanha

elencando as realizações deste governante em todos os setores da vida social e

na relação de Moçambique com outros países. Todo o esforço empreendido visava

convencer o eleitorado de que só ele e a Frelimo possuíam competências para

administrar o país.

No HGPE, o sincretismo da linguagem audiovisual cria efeitos de reiteração

dos programas no intuito de reforçar os efeitos de realidade, fazendo com que o

enunciatário reconheça na propaganda as situações vividas por ele em seu

cotidiano. Trata-se de simulacros de situações socioculturais concretas dos

eleitores: o candidato aparece perto do lugar de vida do eleitor, prometendo um

mundo melhor. Aliás, a propaganda eleitoral é um meio que os candidatos e seus

partidos têm para criarem e produzirem “mundos fictícios” do cenário do país para

os potenciais eleitores. O parecer real e o fictício se conjugam na medida em que

as cenas que mostram o contexto de vida do eleitor são reconstituídas, editadas e

reproduzidas nos vídeos com base em técnicas de ficção e a principal finalidade é

criar a ideia de proximidade e de intimidade entre os atores políticos e as

populações desprovidas de condições básicas de vida. Na televisão, o real e o

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fictício se misturam, gerando efeitos de sentido de verdade que visam desencadear

identificações do eleitor com o candidato.

A espetacularização e a dramatização são outras estratégias mais usadas

nos programas eleitorais dos três candidatos para a construção e desconstrução

dos discursos e provocar efeitos de sentido de verdade nos telespectadores. Esses

aspectos consistem em encenações e representações teatrais, que são recursos

usados para despertar a atenção do eleitor e sensibilizá-lo a votar. Nesse sentido,

António Rubim (2002:7-8) explica que

espetáculo tem como significado tudo que atrai e prende o olhar e a atenção. Recorrendo ao dicionário, três outras acepções de sentido podem ser enumeradas: representação teatral; exibição esportiva, artística, etc. e cena ridícula ou escândalo. De qualquer modo, todas elas implicam em uma visão atenta a uma circunstância, em uma relação entre espectador e evento, que chama a atenção e prende o olhar. Em todos os casos, a interação evento-espectador se afirma e o sentido do olhar comparece com prioritária menção. O espetáculo remete também à esfera do sensacional, do surpreendente, do excepcional, do extraordinário. Daquilo que se contrapõe e supera o ordinário, o dia-a-dia, o naturalizado. A instalação no âmbito do extraordinário potencializa a atenção e o caráter público do ato ou evento espetacular.

Na visão de Rubim, o espetáculo não é estranho à política. Ele é, ao

contrário, uma oportunidade de realização de dimensões estéticas, emocionais,

cognitivas e valorativas da política, em cena. A política não se realiza sem o

recurso às encenações, aos papéis sociais especializados, aos ritos e rituais

determinados. O autor argumenta que

a política supõe sempre um conjunto de instituições, práticas, atores capazes de produzir sua apresentação e sua representação visíveis na sociedade. A plasticidade desses inevitáveis regimes de visibilidade obriga a política a possuir uma dimensão estética, que não pode ser desconsiderada, em particular em uma sociedade na qual a visibilidade adquiriu tal relevância, como na contemporaneidade, através da nova dimensão pública de sociabilidade. A necessidade de considerar tal dimensão torna-se algo essencial nessa nova circunstância societária (RUBIM, 2002:6).

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Para facilitar a identificação dos candidatos e seus partidos, os programas

usaram elementos que constituem a marca particular de cada concorrente que são

slogans, vinhetas, jingles, associados a diversos materiais gráficos, entre outros. A

mobilização desses recursos visava reforçar os aspectos essenciais na campanha

eleitoral como a imagem pública de simpatia, de humildade e de proximidade com

os eleitores tanto em caravanas, comícios quanto em lugares singelos,

frequentados pelo cidadão comum em seu dia-a-dia.

Na publicidade, a marca de produtos projeta valores que são apresentados

como fundamentais, uma vez que precisam satisfazer as necessidades do

consumidor. À semelhança da publicidade, na propaganda política também existe

a projeção de valores do candidato e do partido político, feita através da

supervalorização da imagem do candidato, do testemunho dos aliados e dos

simpatizantes, cujo objetivo é criar credibilidade e confiança nos eleitores. O

objetivo primordial é fazer crer e, para isso, empreende-se todo tipo de

investimentos persuasivos, argumentativos associados a estratégias sensíveis e

passionais, que sejam capazes de mostrar que o candidato possui competências

cognitivas e profissionais e, por conseguinte, pode governar o país.

Com a projeção da identidade-marca e do perfil do candidato, os programas

eleitorais tiveram por objetivo provocar sentimentos de pertença e de identificação

dos eleitores com o candidato.

Em geral, a propaganda inscrita no HGPE evidencia a preocupação dos

candidatos e de seus partidos em capacitar o eleitor no que tange ao voto com

maior convicção no candidato da sua preferência.

O voto na urna é a forma figurativizada da aceitação do candidato e de sua ‘promessa’ de ação operadora. Corresponde a uma relação contratual, estabelecida como consequência da sansão positiva do eleitor ao destinatário virtual do poder/fazer e a seu programa de governo (RAMALDES, 1997:33-34).

Na disputa presidencial de 2009, a televisão se tornou um dos principais

meios de informação política. Ampliou a cobertura da campanha e também o

debate em relação aos programas eleitorais dos candidatos. Apesar desse

crescente papel da mídia, sobretudo da televisão e das redes sociais digitais, ainda

há falta de profissionalização das campanhas, o que não permite a construção de

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uma propaganda eleitoral mais atraente para o público telespectador com os

recursos da linguagem audiovisual. Nesse contexto, a profissionalização das

campanhas eleitorais e a adaptação do discurso político à gramática das mídias

passam a ser novas exigências para as próximas eleições.

Nesta pesquisa percebemos que cresce a tendência de personalização da

campanha eleitoral, cada vez mais centrada na figura do candidato em relação à

ideologia partidária. No entanto, ainda prevalece a força do partido político, que

aparece como coadjuvante para endossar a candidatura. O partido funciona como

a “casa” do candidato, de onde ele parte para a campanha e de lá volta para dar

conta do seu desempenho enquanto representante dos ideais dessa casa.

Constatamos também que os programas eleitorais dos três candidatos à

presidência da república estabeleceram estratégias discursivas que incluem

técnicas de marketing político e eleitoral que tendem a valorizar, sobretudo o

carácter publicitário da campanha, em prejuízo da comunicação mais detalhada

das plataformas de governo dos concorrentes.

Outra constatação importante é que os programas dos candidatos dão maior

ênfase e mais tempo para a divulgação de promessas daquilo que os candidatos

pretendem realizar e sem explicar e mostrar como e de onde vão buscar verbas

para a materialização dessas pretensões políticas.

Com a pesquisa foi possível apurar que a propaganda da Frelimo investiu

muito na captação do voto retrospectivo, que buscava influenciar o eleitor a votar

em função das ações políticas passadas e realizadas pelo candidato e seu partido.

Este tipo de apelo também foi adotado pela propaganda do MDM, ao apontar as

realizações passadas de seu candidato como presidente do município da Beira,

avaliadas pelo público como bem sucedidas.

As possíveis soluções para os problemas do país são abordadas de maneira

superficial pelos três candidatos. Seu discurso cai na mesmice e o eleitorado pode

ter dificuldade em reconhecer o diferencial de cada concorrente, em distinguir as

potencialidades e as fraquezas das propostas de governo de cada um. Essas

deficiências se agravam com a falta de debates presenciais entre os candidatos, o

que poderia ampliar a percepção do eleitorado sobre as propostas. A ausência de

debate frente-a-frente também sinaliza a falta de preparação dos próprios

candidatos para saberem como lidar com as diferentes mídias, neste caso, com a

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televisão. É esse conjunto de fatores que enfraquece a qualidade das campanhas

que, muitas vezes se limita a falas de acusações mútuas entre os candidatos,

gerando desinteresse por parte do eleitor e consequente abstenção que influencia

negativamente o ambiente político multipartidário.

A pesquisa possibilitou-nos não só a compreensão das estratégias

discursivas da propaganda eleitoral dos candidatos à presidência da república e

seus partidos como também ajudou-nos a construir um quadro analítico sobre as

relações entre comunicação e política no cenário moçambicano. Desejamos que

este estudo contribua para o desenvolvimento de pesquisas posteriores, nesta

área de comunicação e política, no país.

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6.2. DOCUMENTOS DIVERSOS OBSERVATÓRIO ELEITORAL (2009) Missão de Observação Eleitoral da União Europeia – Moçambique Relatório Final sobre as Eleições Presidenciais, Legislativas e das Assembleias Provinciais – 2009. CONSELHO SUPERIOR DA COMUNICAÇÃO SOCIAL. Relatório da monitorização da cobertura mediática da campanha para as eleições presidenciais, legislativas e para as assembléias provinciais de 2009. Maputo: agosto de 2010. FRELIMO. Documentos do III Congresso da Frelimo. Relatório do Comitê Central ao 3º Congresso. Maputo, 1980. ____________. Manifesto eleitoral de 2009. Maputo, 2009. RENAMO. Manifesto eleitoral de 2009. Maputo, 2009. ____________. Estatutos do Partido. In: WWW.renamo.org.mz Movimento democrático de Moçambique, 2009b. Estatutos do Movimento Democrático de Moçambique (MDM). Movimento Democrático de Moçambique, 2009. Manifesto Político, Beira, 7 de Março. Movimento Democrático de Moçambique. Manifesto Eleitoral de 2009. Maputo, 2009.

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O País, edição de 06 de dez. de 2012, p. 2-3.

Savana, edição de 07 de dez. de 2012, p.2.

Jornal Notícias, (Suplemento Especial-10º Congresso da Frelimo), edição de 18 de

set. de 2012.

6.4. EMISSORAS DE TELEVISÃO

Televisão de Moçambique (TVM)

Soico televisão (STV)

Televisão Independente de Moçambique (TIM)

TV Miramar

6.5. LINKS DIVERSOS http://www.iese.ac.mz

http:// macua.blogs.com

http://www.scielo.oces.mctes.pt

http://www.scielo.br/scielo.php?

www.mozhits.com/cemo

http://repositorio.bce.unb.br

http://doxa.iesp.uerj.br

WWW.eueom-mozambique.eu

WWW.mdm.co.mz

WWW.frelimo.co.mz

www.renamo.org.mz

www.ine.gov.mz

www.cip.org.mz

http://www.bocc.ubi.pt

6.6. 1 DVD com as gravações da propaganda eleitoral de 2009.

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7. Anexos

7.1. Breve resumo da história de Moçambique

A história de Moçambique é muito anterior à chegada dos portugueses

nos finais do século XV. Na altura que ali aportaram duas comunidades

relativamente bem organizadas, o Reino de Monomotapa e os Suahilis, ocupavam

o norte do território.

Nessa época, os portugueses estabeleceram-se naquela região, que foi sempre

considerada estratégica na rota do caminho marítimo para a Índia. A presença

portuguesa confinou-se na faixa do litoral, principalmente em dois pontos

estratégicos: Sofala e Ilha de Moçambique, tendo criado feitorias e fortalezas.

Ao longo do século foram construídas outras feitorias-fortalezas de

menores dimensões, como a de Sena (1531), Tete, Quelimane e Inhambane.

Mas entre todas, a da Ilha de Moçambique, criada por Vasco da Gama na sua

segunda viagem à Índia foi, sem dúvida, a mais importante. Nesta Ilha surgiu

uma verdadeira cidade cosmopolita. A administração das possessões

portuguesas em Moçambique esteve até meados do século XVIII sob a alçada

do governador da Índia.

A exploração econômica do interior de Moçambique pelos portugueses foi

muito lenta, e limitou-se quase sempre à procura de Ouro, no reino do

Monomotapa. Os principais produtos de comércio eram o marfim, o cobre e os

escravos. Nos finais do século XVI e princípios do século XVII foram fundadas

novas feitorias. Várias ordens religiosas cristãs (jesuítas, dominicanos, etc.)

iniciaram nesse século a cristianização das populações, mas com resultados

muitíssimo limitados.

A economia colonial sobreviveu durante muitos anos na base de uma

dependência de dois sistemas: o trabalho migratório e a agricultura coerciva,

mesmo depois da abolição formal das culturas e do trabalho forçado. O

colonialismo português introduziu mecanismos impeditivos do crescimento de

uma burguesia negra, agrícola ou comercial.

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7.2. Focos de resistência organizada

No final do século XIX, sentindo-se ameaçadas, as tribos do norte de

Moçambique reuniram-se para resistirem ao colonialismo português:

Suahílis: foram no contexto da Costa Oriental de África, os grandes

negreiros. Exportavam-nos para tudo quanto era lugar (Arquipélago dos Camores,

Madagáscar, Mascarenhas, Zanzibar, Golfo Pérsico, América do Norte, América do

Sul, etc). Compravam-nos em Moçambique aos ajauas e bisas; atacavam os

macuas para os fazerem escravos. Locais como Angoche, Quintangonha, Sancul e

Sangage eram na segunda metade do século XIX, os maiores locais de exportação

de escravos da Costa Oriental de África;

Chicungas: antigos escravos-guerreiros dos Senhores dos Prazos (Vale do

Zambeze), formaram uma república militar independente, na Maganja da Costa

(1862-1898), onde praticaram em larga escala a escravatura das populações

moçambicanas;

Namarrais (ou Lómués), por volta de 1865, cerca de dez mil homens

abandonaram os Montes Namuli após os ataques dos Angonis-Guangaras,

estabelecendo-se na região da Macuana. Praticaram, em larga escala, a pilhagem

de caravanas e o tráfico de escravos. Os portugueses só conseguiram vencê-los

por volta de 1913, pondo fim a uma longa prática de atrocidades. Entre os heróis

Namarrais, destaca-se o negreiro Mocuto-Muno;

Macuas (Norte de Moçambique). Os macuas foram uma das tribos africanas

que mais foi devastada pelo tráfico negreiro. Contudo, as coisas não são

igualmente assim tão simples: os seus chefes tribais estavam igualmente

envolvidos no comércio de seus súbditos. Quando na segunda metade do século

XIX sentiram-se em perigo, uniram-se aos Suahílis, Narramais e outros grupos

para se opuserem à colonização portuguesa e ao que ela significava, no contexto

do tempo: o fim do tráfico de escravos. Entre os heróis da resistência macua

destaca-se o negreiro Muepala-Muno.

O império de Gaza (Sul de Moçambique), formado em meados do século

XIX, praticava o tráfico e a escravatura das populações. Gungunhana foi o último

importante imperador da região a resistir contra a colonização portuguesa e é

considerado um dos símbolos da resistência moçambicana.

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7.3. Da colonização à formação dos movimentos de libertação nacional

A reação à dominação colonial havia sido marcada por vários tipos de

contestação, através da literatura, arte e greves de trabalhadores, movimentos que

assumiram aspectos mais radicais com o desenvolvimento dos movimentos

nacionalistas em finais da década de 50 e inícios da década de 60. Os movimentos

de libertação irrompem por todo o continente africano após a 2ª Guerra Mundial.

As primeiras organizações de libertação, em Moçambique formam: MANU

(1959), UDENAMO (1959), UNAMI (1961). Em 1962 essas organizações fundem-

se numa única frente de combate fundada no exílio na Tanzânia: FRELIMO

(FRENTE DE LIBERTAÇÃO DE MOÇAMBIQUE), sob a direção de Eduardo

Mondlane, então funcionário da ONU. A FRELIMO iniciou a luta armada de

libertação nacional em 1964, que terminou em 1974, culminando com a

proclamação da Independência Nacional no dia 25 de Junho de 1975. Nessa

empreitada, a FRELIMO sempre teve apoio político, ideológico e militar da antiga

União Soviética e de outros países de regime comunista. Em 1977, a Frelimo

adotou a ideologia marxista-leninista como seu fio-condutor dos destinos da nação.

Com a independência alcançada, Moçambique ficou livre politicamente, mas

continuou dependente de mão-de-obra especializada e do apoio financeiro,

provenientes, sobretudo dos países comunistas. Internamente, o país vivia uma

guerra civil que opunha o governo e a RENAMO (formada por um grupo de

dissidentes da FRELIMO logo após a independência do país por não concordarem

com o modelo de governo adotado pelas lideranças políticas).

Nos anos que sucederam à independência houve a passagem de uma

sociedade colonial para uma sociedade socialista de partido único e de medidas

adotadas pelo próprio partido, ainda na década de 1980, à transição em direção a

uma economia de mercado capitalista e à criação de instituições de caráter

democrático ocidental.

Para dar conta da crise econômica provocada pela guerra de

desestabilização, e pelas sucessivas secas que reduziram a nada a atividade

econômica do país que é a agricultura, o governo traçou um plano de reabilitação

econômica recorrendo à ajuda internacional. “Pouco a pouco, o socialismo cedeu

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lugar a uma ordem política e econômica mais liberal, assegurada pela

promulgação de nova constituição da república em 1990” (FRY, 2001:16).

Em 1992 terminou a guerra civil e as duas partes assinaram o Acordo Geral

de Paz. Aliás, a presença da Renamo levou a mudanças na arena política

nacional. O Estado Monopartidário transformou-se em Estado de Direito,

multipartidário, mais participativo e liberal. Da democracia de cunho popular,

defendida pela Frelimo, passou à democracia multipartidária. De acordo com

Mazula (2005:64), “foi-se aprofundando dentro do mesmo país até ganhar a forma

desejável”.

Com a assinatura deste acordo, o país começou a conhecer novos rumos.

Em 1994 realizaram-se as primeiras eleições gerais multipartidárias que se

repetem a cada cinco anos. Na administração estatal houve grandes mudanças

com a reestruturação do aparelho de estado e ampliação das instâncias de tomada

de decisão.

O governo tem traçado políticas e metas de desenvolvimento do país

alinhando-se às directrizes internas e internacionais. Isso acontece não só em

Moçambique como também em todo continente africano como forma de erradicar a

pobreza absoluta da maioria da população, mas, pelo menos até agora, os

resultados se mostram pequenos diante de inúmeros problemas que a população

encontra no seu cotidiano. 7.4. Grandes investimentos estrangeiros e novo impulso na economia

Há menos de cinco anos foram descobertas, no país, grandes reservas de

recursos naturais. Desde então assiste-se a entrada de capital estrangeiro para

investimentos, sobretudo na área de exploração de minérios, hidrocarbonetos e

grandes plantações agrícolas.

O clima de estabilidade política tem atraído grandes empresas mineradoras

da Europa (Inglaterra, Irlanda, Itália, Alemanha), Ásia (China, Índia e Austrália) e

América do Sul (Brasil). Várias empresas de ramos de construção de

infraestruturas e também de agropecuária, além das de prestação de serviços e

comércio estabeleceram suas bases no país para investir na extração e

comercialização dessas riquezas para diferentes partes do mundo.

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É importante ressaltar a presença de algumas como a Mozal que explora a

produção de alumínio nos arredores da cidade de Maputo. As empresas brasileiras

como a Vale do Rio Doce (que está explorando as minas de carvão de Moatize),

na província central de Tete, e a Camargo Correia e Odebrecht, que participam da

construção de grandes obras de infraestruturas do país e a Jindal, da Índia, que

também explora carvão nesta província.

O ferro, a madeira e areias pesadas são outras matérias-primas que estão

sendo exploradas no país e destinadas à exportação uma vez que internamente

não existe capacidade industrial para sua transformação.

Ainda na lista de grandes mineradoras que operam em Moçambique

destacam-se as companhias Rio Tinto (anglo-australiana) e Riversdale que estão

compartilhando, com a Vale a exploração e exportação do carvão, em Tete.

Apesar do ritmo acelerado de exploração desses recursos, há críticas de que

os ganhos com os “megaprojetos” beneficiam apenas a elite política do país e não a

maioria da população. Esse clima de desconfiança aumenta pela falta de

transparência por parte das autoridades ao não divulgarem informações sobre os

termos dos contratos de exploração mineira assinados com essas mineradoras e

seus países de origem. E os governantes insistem em argumentar que os

resultados palpáveis desses investimentos que ainda estão na fase inicial só

começarão a ser efetivos em um período de no mínimo dez anos. Enquanto isso, a

maioria da população ainda vive na pobreza absoluta, aumentam os índices de

desemprego, sobretudo dos jovens e, consequentemente também aumentam os

índices de violência urbana.

Há descontentamento das populações locais que têm sido transferidas da

região das minas para zonas de reassentamento onde se sentem desfavorecidas

pelas condições oferecidas pelas mineradoras. Esse problema já provocou

manifestações protestos por mais de 700 pessoas em Tete.

Além do défice na infraestrutura, nos transportes, nos serviços básicos como

educação, saúde e saneamento básico, a falta de mão de obra preparada para

assumir os postos de trabalho abertos por estas empresas em seus projetos é outro

desafio que obriga as multinacionais a importar pessoal qualificado. Para responder

a esse desafio, o governo tem investido, nos últimos anos, na formação de jovens

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ao nível interno e também fora do país, através de convênios e parcerias com

vários países e universidades em todos os continentes.

7.5. Principais dados

Nome oficial: República de Moçambique

Presidente: Armando Emílio Guebuza

Regime de Governo: Presidencialista

Área: 799.390 km²

População: 23 milhões de habitantes

Clima: Inter-tropical

Capital: Maputo

Língua oficial: Português

Línguas nacionais: mais de 27

Moeda: Metical (Mt): 1Mt = U$30,00

Fonte: Instituto Nacional de Estatística

Mapa 1: Mapa de Moçambique

7.6. Divisão Político-Administrativa

O país está dividido em 10 províncias mais uma, a cidade de Maputo (capital

do país) que tem estatuto de província. Conta com 128 Distritos, 430 Postos

Administrativos, 1.048 localidades e 43 Municípios. Cada província é dirigida por

um Governador, um Secretário permanente e toda a estrutura técnico-

administrativa que assegura o seu funcionamento pleno em conexão com o

governo central.

Vale ressaltar que os municípios foram estabelecidos para descentralizar o

poder de decisão política e de gestão da administração pública do país. Assim,

cada Município possui um presidente do conselho municipal, vereadores e

membros da assembleia municipal. Todos são eleitos por votação democrática e

secreta e os seus mandatos são de, no máximo cinco anos.

Quanto à estrutura eleitoral, para a escolha de deputados da Assembléia da

República (nacional), o país conta com treze círculos eleitorais que correspondem

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às 11 províncias administrativas que escolhem 248 deputados. E tem dois círculos

eleitorais que atendem aos eleitores da diáspora presentes na Europa e em África,

que escolhem dois deputados. Assim, a Assembléia da República é constituída por

um total de 250 deputados, membros das três formações políticas mais fortes

(Frelimo, Renamo e MDM). Para as Assembléias Provinciais existem 141 círculos

eleitorais para as dez províncias e escolhem 812 membros. A cidade de Maputo

não foi contemplada para ter assembleia provincial.