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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP GUILHERME PEREIRA GONZALEZ RUIZ MARTINS MEDIDAS ASSECURATÓRIAS NA LEI DE LAVAGEM DE CAPITAIS: FINALIDADE E APLICAÇÃO DO INSTITUTO FACE AO ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO MESTRADO EM DIREITO SÃO PAULO 2013

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

PUC-SP

GUILHERME PEREIRA GONZALEZ RUIZ MARTINS

MEDIDAS ASSECURATÓRIAS NA LEI DE LAVAGEM DE CAPITAIS:

FINALIDADE E APLICAÇÃO DO INSTITUTO FACE AO ESTADO DEMOCRÁTICO

DE DIREITO

MESTRADO EM DIREITO

SÃO PAULO

2013

GUILHERME PEREIRA GONZALEZ RUIZ MARTINS

MEDIDAS ASSECURATÓRIAS NA LEI DE LAVAGEM DE CAPITAIS:

FINALIDADE E APLICAÇÃO DO INSTITUTO FACE AO ESTADO DEMOCRÁTICO

DE DIREITO

MESTRADO EM DIREITO

Dissertação de Mestrado apresentada à banca

examinadora do Programa de Estudos Pós-

Graduados em Direito da Pontifícia

Universidade Católica de São Paulo, como

exigência parcial para obtenção do título de

Mestre Acadêmico em Direito Processual

Penal, sob a orientação do Professor Doutor

Claudio José Langroiva Pereira.

SÃO PAULO

2013

BANCA EXAMINADORA: ______________________________________ ______________________________________ ______________________________________

SÃO PAULO 2013

À minha esposa Tatiane, pelo amor incondicional.

Aos meus pais Nelson e Claudia, pelo exemplo, pela força e incentivo para lutar e jamais desistir.

AGRADECIMENTOS

À minha esposa Tatiane, por ser meu porto seguro nos momentos de tormenta, por ser compreensiva pela minha falta de tempo e dedicação à família, e pelo amor incondicional que me faz todo dia acordar e sorrir. Não somente lhe tenho a agradecer, como lhe dedico esta obra, pois sem você, jamais encontraria forças para terminá-la. Aos meus pais, Nelson e Claudia, por todas as oportunidades que me deram, por tudo que me ensinaram, pelas cobranças, incentivos e pela formação da pessoa que sou hoje. Agradeço pelo amor incondicional pelo carinho e afeto, dos quais não encontro mais palavras para expressar o sentimento que me toma neste momento de minha vida: a gratidão. À minha família, por suportar, com serenidade, carinho e apoio, a dura e tortuosa convivência com um mestrando. Ao meu orientador, o Professor Doutor Claudio José Langroiva Pereira, homem de mente brilhante e amigo prestativo, sempre acessível e receptivo, compreensivo com os problemas do dia-a-dia, disposto a auxiliar no que fosse preciso para a realização deste trabalho. Mesmo pelas broncas, puxões de orelha, sempre fez questão de nestes atos, imprimir valiosos conselhos, os quais fiz questão de consignar neste trabalho. Ao Professor Doutor Marco Antonio Marques da Silva, uma das maiores autoridades de Direito Processual Penal deste país, insigne aplicador do Direito e dedicado Professor, o qual fez despertar em mim o fascínio pelo estudo e defesa de um Direito e de um Processo Penal humanitário. Aos Professores Doutores Alessandra Orcesi Pedro Greco, Roberto Ferreira Archanjo da Silva e Marcelo Augusto Custódio Erbella, a quem credito grande contribuição na elaboração deste estudo. Ao notável Advogado Daniel Leon Bialski, dileto e leal amigo, um dos mais insignes criminalistas do Brasil, pelo exemplo profissional e pela confiança, que independente dos altos e baixos do cotidiano, sucessos e derrotas, brincadeiras e discussões, nunca deixou de acreditar na minha carreira. Ao dileto Advogado Helio Bialski (ז״ל), pela oportunidade e pelos ensinamentos na difícil trilha da advocacia criminal, e na vida, como exemplo cativante e singular de ser humano a ser seguido, que pela simplicidade e bom humor, fazia questão de transmitir seus conhecimentos. Obrigado pela convivência, amizade e por participar da minha formação profissional e ética. E a todos aqueles que, de alguma forma, contribuíram na elaboração deste trabalho.

«Le droit sans dignité n'est que médiocrité et la dignité sans droit n’est que déraison».

(O direto sem dignidade é mediocridade e a dignidade sem o direito é insensatez).

Blaise Pascal, Pensées

RESUMO MARTINS, Guilherme Pereira Gonzalez Ruiz. Medidas assecuratórias na lei de lavagem de capitais: finalidade e aplicação do instrumento face ao Estado Democrático de Direito. São Paulo: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2013, 221 páginas. Dissertação (Mestrado em Direito) – Programa de Estudos Pós-Graduados em Direito. A presente dissertação busca auxiliar a compreensão da Lei de Lavagem de Capitais sob um enfoque inovador, tratando o contexto do Estado Democrático de Direito pautado na dignidade da pessoa humana e a influência da política criminal da emergência no processo legislativo, que acaba por auxiliar a criação de leis com caráter eminentemente repressivo, valendo-se da deturpação de instrumentos processuais penais para atingir os fins de repressão criminal, perpetrando uma manobra nos limites ao Direito de punir do Estado. A Lei de Lavagem de Capitais, sob o enfoque dos tratados e convenções internacionais que o Brasil se comprometeu a cumprir, atinge a constrição dos bens e seu confisco como meio de contenção da criminalidade organizada, contudo, impôs um dos regimes processuais mais autoritários dentre os existentes na Legislação brasileira, permitindo que a constrição dos bens por intermédio das medidas assecuratórias convole em imposição de punição de maneira objetiva e antecipada ao acusado de lavagem de capitais. Permite a lei que o Estado permaneça na posse dos bens do acusado, independentemente da paralisação de atividades comerciais e a consequente falência, visando facilitar o perdimento dos bens. Engendra o Acusado em verdadeiro processo kafkiano, onde prevalece o desequilíbrio da relação processual em prol do Estado, retirando do acusado seus principais Direitos e Garantias Fundamentais. Nesse modelo, desvelamos uma análise crítica das medidas assecuratórias na Lei de Lavagem de Capitais, pontuando algumas discrepâncias passíveis de declaração de inconstitucionalidade do sistema atual, desconforme com a Constituição Federal, concluindo pela necessidade criminalização e da repressão penal da atividade criminosa organizada, porém, respeitando a Lei e a Constituição Federal. Palavras-chave: Processo Penal. Medidas Cautelares Reais. Medidas Assecuratórias. Lavagem de capitais.

ABSTRACT This dissertation intends to help the understanding of the Law of Money Laundering under an innovative approach, treating the context of a democratic state founded on the dignity of the human person and the influence of the criminal policy of emergency in the legislative process, which ultimately help to create with eminently repressive laws, drawing upon the misrepresentation of criminal procedural instruments to achieve the purposes of criminal prosecution, perpetrating a maneuver within the limits of the law to punish the state. The Money Laundering Act, from the standpoint of international treaties and conventions that Brazil is committed to meeting reaches the constriction and its confiscation of property as a means of containment of organized crime, however, imposed the most authoritarian procedural schemes among existing in the Brazilian law, allowing the constriction of goods through to transform the preservative measures in an early and objectively punishment to the accused of money laundering. The law allows the State to remain in possession of the goods of the accused, independently of the stoppage of business activities and the consequent bankruptcy, just to facilitate the forfeiture of assets. Engenders the accused in true Kafkaesque process, where shall prevail the imbalance of the procedure in favor of the State, removing of the accused their Fundamental Rights and Guarantees. In this model, we revealed a critical analysis of the preservative measures in the Money Laundering Law, emphasizing some discrepancies capable of unconstitutionality of the current system, inconsistent with the Federal Constitution, concluding appeal for criminalization and prosecution of organized criminal activity, however, respecting the law and the Federal Constitution. Key words: Criminal Procedure. Precautionary Measures. Preservative Measures. Money Laundering.

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO …………………………………………………………………………... 13

1 BREVES CONSIDERAÇÕES SOBRE A GARANTIA DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E OS MEIOS PARA A SUA PRESERVAÇÃO PERANTE A LEI DE LAVAGEM DE CAPITAIS ..........................................................................

15

1.1 O ENFOQUE DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA ................................... 15

1.2 A EFICIÊNCIA E A EFICÁCIA NO PROCESSO PENAL: A DIGNIDADE HUMANA COMO SUPRAPRINCÍPIO REGENTE DOS DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS NO PROCESSO PENAL .....................................

19

1.3 PRINCÍPIOS E GARANTIAS CONSTITUCIONAIS REGENTES DO PROCESSO E DO PROCEDIMENTO PENAL .......................................................

25

1.3.1 Princípio da igualdade ........................................................................... 25

1.3.2 Princípio da legalidade .......................................................................... 27

1.3.3 Princípio da intervenção mínima ........................................................... 29

1.3.4 Princípio da proibição de excesso ......................................................... 30

1.3.5 Princípio da culpabilidade ...................................................................... 31

1.3.6 Princípio do devido processo legal ........................................................ 32

1.3.7 Princípios do contraditório e da ampla defesa ...................................... 34

1.3.8 Princípio da presunção de inocência .................................................... 37

1.3.9 Prestação jurisdicional justa como expressão do respeito à Dignidade

Humana ..........................................................................................................

42

1.3.10 O dever de fundamentação das decisões judiciais e a prestação jurisdicional .....................................................................................................

44

1.3.11 Duração razoável do processo e a responsabilidade do Estado na prestação jurisdicional ....................................................................................

46

2 A LAVAGEM DE CAPITAIS ................................................................................ 49

2.1 OS EFEITOS DA GLOBALIZAÇÃO SOBRE OS DIREITOS FUNDAMENTAIS: A TRANSCRIMINALIDADE E A INFLUÊNCIA DA POLÍTICA CRIMINAL DA EMERGÊNCIA NO ÂMBITO DO PROCESSO PENAL ..................

49

2.2 O PAPEL DA EMERGÊNCIA NO PROCESSO LEGISLATIVO E A CRIAÇÃO DA LEI DE LAVAGEM DE CAPITAIS .....................................................................

53

2.3 O CONTEXTO DA CRIAÇÃO DA LEI DE LAVAGEM DE CAPITAIS: O USO DA POLÍTICA CRIMINAL DA EMERGÊNCIA PARA A CONTENÇÃO DA CRIMINALIDADE ORGANIZADA ...........................................................................

58

2.4 A POLÍTICA CRIMINAL DA EMERGÊNCIA E O SURGIMENTO DO DIREITO PENAL DO RISCO ..................................................................................

63

2.4.1 A “sociedade do risco” ........................................................................... 63

2.4.2 A instrumentalização do risco no âmbito do Direito Penal e do Processo Penal: a passagem do conceito sociológico para o Direito Positivo ..........................................................................................................

66

3 A CRIMINALIZAÇÃO DA LAVAGEM DE CAPITAIS ......................................... 74

3.1 BEM JURÍDICO PENAL E LAVAGEM DE CAPITAIS ...................................... 74

3.2 BENS JURÍDICOS PENAIS E CONSTITUIÇÃO .............................................. 81

3.3 A PROBLEMÁTICA DO BEM JURÍDICO TUTELADO PELA LEI 9.613/98 ..... 83

3.3.1 As teorias acerca do bem jurídico tutelado pela Lavagem de Capitais 85

3.3.1.1 Não há bem jurídico penalmente relevante ................................... 87

3.3.1.2 Bem jurídico protegido pelo crime antecedente ............................. 88

3.3.1.3 A tutela da Ordem Econômica ou Socioeconômica ....................... 89

3.3.1.4 A tutela da Administração da Justiça ............................................. 90

3.3.1.5 A tutela pluriofensiva ...................................................................... 92

3.3.1.6 Nosso posicionamento ................................................................... 92

4 O CRIME DE LAVAGEM DE CAPITAIS ............................................................. 97 4.1 AS FASES DA LAVAGEM DE CAPITAIS COMO INTEGRANTES DO TIPO PENAL: A CLASSIFICAÇÃO DO GRUPO DE AÇÃO FINANCEIRA (GAFI) ..........

100

4.1.1 Colocação (placement) .......................................................................... 101

4.1.2 Ocultação, dissimulação ou transformação (layering) .......................... 102

4.1.3 Integração (integration) ......................................................................... 103

4.2 A SUPRESSÃO DO ROL DOS CRIMES ANTECEDENTES ........................... 104

4.3 A AUTORIA DELITIVA NO ÂMBITO DA LAVAGEM DE CAPITAIS ................. 107

4.3.1 O sujeito ativo da Lavagem de Capitais ................................................ 107

4.3.1.1 Autoria imediata ............................................................................. 109

4.3.1.2 Autoria mediata .............................................................................. 109

4.3.2 Participação ........................................................................................... 111

4.3.3 A recente interpretação da teoria do domínio do fato pelo Supremo Tribunal Federal ............................................................................................. 112

5 MEDIDAS ASSECURATÓRIAS NA LAVAGEM DE CAPITAIS ......................... 115

5.1 A CAUTELARIDADE PENAL ............................................................................ 115

5.1.1 Características inerentes a qualquer medida cautelar .......................... 117

5.1.2 Pressupostos para a cautelaridade penal ............................................. 119

5.1.3 A cautela ex officio e o devido processo legal ...................................... 122

5.2 MEDIDAS ASSECURATÓRIAS NO PROCESSO PENAL ............................... 127

5.3 AS MEDIDAS ASSECURATÓRIAS E A VERDADEIRA MENS LEGIS DA LEI DE LAVAGEM DE CAPITAIS ................................................................................. 129

5.3.1 O panorama atual dos processos de lavagem de capitais: o devido processo legal face o interesse da manutenção das medidas assecuratórias no processo penal kafkiano ................................................... 134

5.3.1.1 O devido processo legal ................................................................. 136

5.3.1.2 O contraditório e a ampla defesa face à decretação das medidas assecuratórias no âmbito da Lei de Lavagem de Capitais ........................ 139

6 MEDIDAS ASSECURATÓRIAS EM ESPÉCIE – AS ALTERAÇÕES PRODUZIDAS PELA LEI 12.683/12 ...................................................................... 143

6.1 BUSCA E APREENSÃO ................................................................................... 144

6.2 SEQUESTRO ................................................................................................... 149

6.2.1 Procedimento ........................................................................................ 152

6.2.2 Levantamento do sequestro .................................................................. 154

6.3 ESPECIALIZAÇÃO DA HIPOTECA LEGAL ..................................................... 156

6.3.1 Procedimento ........................................................................................ 160

6.4 ARRESTO ......................................................................................................... 161

6.4.1 Arresto prévio à especialização da hipoteca legal ................................ 162

6.4.2 Arresto subsidiário de bens móveis ...................................................... 162

6.5 A QUEBRA DO SIGILO FINANCEIRO E A LEI DE LAVAGEM DE CAPITAIS 163

6.5.1 A decisão da quebra do sigilo financeiro: a questão da reserva de jurisdição ........................................................................................................ 167

6.5.1.1 A decisão da quebra do sigilo financeiro ............................................ 168

6.5.2 O Ministério Público e a quebra do sigilo financeiro ............................. 169

6.5.3 A quebra do sigilo bancário e a lavagem de capitais ............................ 171

6.6 A INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA E A LIBERAÇÃO ANTECIPADA DOS BENS ...................................................................................................................... 174

6.6.1 Da manutenção de bens para o pagamento de prestação pecuniária, multa e custas ................................................................................................ 180

6.7 DO CONHECIMENTO DO PEDIDO DE LIBERAÇÃO DOS BENS, DIREITOS E VALORES FACE À APRESENTAÇÃO DO ACUSADO OU INTERPOSTA PESSOA ................................................................................................................. 182

6.8 DA ALIENAÇÃO ANTECIPADA ....................................................................... 183

6.8.1 Do procedimento da alienação antecipada ........................................... 185

6.9 DA SUSPENSÃO DO CUMPRIMENTO DAS MEDIDAS CAUTELARES ........ 197

CONCLUSÕES ....................................................................................................... 200

BIBLIOGRAFIA ...................................................................................................... 212

13

INTRODUÇÃO

O capital que suporta e sustenta grandes organizações criminosas sempre é

uma das maiores preocupações no combate ao crime organizado. O Estado enfren-

ta contra o poder destas organizações criminosas buscando suprimir esse capital

obtido por meios de atividades criminosas, que inseridos em distintos setores da e-

conomia lícita, fomentam redes de corrupção e permite a consolidação de empresas

do crime em diversos setores do poder.

Com o objetivo de frustrar o avanço destas atividades, o Legislador brasileiro

aprovou a Lei n. 9.613/98, que pune a lavagem de capitais, que amparada em ins-

trumentos internacionais de repressão ao narcotráfico e ao crime organizado, não

somente na identificação e na punição dos “lavadores”, mas atuando de maneira in-

cisiva sobre os seus bens, com o intuito de retirá-los de circulação, impedindo assim

que um sucessor daquele acusado venha a usufruir dos bens, direitos e valores ori-

undos da prática criminal desenvolvida pelas organizações criminosas. Para tanto,

usou de instrumentos consagrados no Processo Penal para facilitar a constrição e

futuro perdimento dos bens, direitos e valores identificados.

E mesmo que os Tribunais amenizem a interpretação destes dispositivos, é

possível perceber que a Lei de Lavagem de Capitais não apresenta o crime de lava-

gem como fator principal, focando nas disposições processuais seu maior triunfo ao

Poder Público (ao Juiz e ao Acusador), concedendo-lhe amplos meios de permane-

cer com os bens do acusado constritos, sem prazo definido, impondo a este que

comprove a licitude dos mesmos, sob pena de perdê-los na eventual condenação,

independentemente de qualquer paralisação de atividade econômica ou da condu-

ção do acusado à bancarrota.

O trabalho apresenta o aparato da política de emergência estabelecida para

a contenção do crime, aproximando o estudo aos fundamentos sociológicos e jurídi-

cos da inserção destes instrumentos, analisando a fundo as medidas assecuratórias

preconizadas pela Lei de Lavagem de Capitais e estabelecendo um paralelo com as

medidas no âmbito do Processo Penal geral, imprimindo um senso crítico quanto a

14

esta utilização deturpada que apresenta enfoques de “legalidade”.

Adotamos, para tanto, os princípios da dignidade da pessoa humana e dos

seus desdobramentos nos Direitos e Garantias Fundamentais que constituem e ali-

cerçam o Estado Democrático de Direito, estabelecendo um paralelo para demons-

trar os riscos do abuso do poder de legislar, finalizando por apresentar uma visão

crítica sobre as medidas assecuratórias na Lei de Lavagem de Capitais e imprimindo

uma visão mais acurada da utilização do Direito e do Processo Penal como ultima

ratio.

Abordaremos as medidas assecuratórias na Lavagem de Capitais, estabele-

cendo uma correlação com a regra geral insculpida no Código de Processo Penal,

além dos meios de obtenção da prova criminal, considerados pela Lei de Lavagem

de Capitais como medidas assecuratórias, tais como a busca e apreensão e a que-

bra do sigilo bancário, colocando um paralelo com o texto erigido pela Constituição

Federal.

Desta forma, com a presente dissertação acrescentaremos uma nova forma

de pensar sobre a Lei de Lavagem de Capitais, e, mesmo que causa perplexidade,

apresentar propostas de solução de alguns problemas de difícil solução advindos

com a inserção da Lei no ordenamento jurídico pátrio.

15

1 BREVES CONSIDERAÇÕES SOBRE A GARANTIA DA DIGNIDADE DA PES-

SOA HUMANA E OS MEIOS PARA A SUA PRESERVAÇÃO PERANTE A LEI DE

LAVAGEM DE CAPITAIS

1.1 O ENFOQUE DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA

Antes mesmo de definirmos a dignidade da pessoa humana como um princí-

pio, e fazer frente ao nosso objeto de estudo, necessário apontar que a concepção

da dignidade da pessoa humana transcende o Direito, estabelecendo-se como uma

regra de Direito Natural, ou Jusnaturalismo.

Nesta concepção, a dignidade da pessoa humana, pode ser entendida como

uma forma de ação imanente do homem, que transcende sua moral, partindo de um

valor intrínseco onde todos os conceitos tem sua delimitação na razão, tanto na ra-

zão humana mais vulgar e simplória, como na razão especulativa em mais investiga-

tiva, especulativa. Desta razão, no entanto, não se extrai um conhecimento empírico,

mas sim uma pureza de pensamento onde a dignidade irá residir e margear os prin-

cípios práticos e supremos da condução do ordenamento jurídico e do Estado de Di-

reito1.

Dentro desta ótica Jusnaturalista, podemos ponderar que o preceito de dig-

nidade da pessoa humana, estabelece uma norma superior ao Direito Positivo,

transcendendo a uma condição de possibilidade para a justeza da moral, que por

assim dizer, do próprio Direito.

Na visão kantiana, a dignidade humana: “não pode ser mediatizada pelo

conjunto de uma escala de valores objetivos, mas é fundamentada na autonomia

moral da pessoa como condicionante da possibilidade de valores materiais” (sic.)2.

Assinalado como um valor de liberdade e igualdade entre homens, ou como

1 KANT, Immanuel. Fundamentação da Metafísica dos Costumes. Tradução de Paulo Quintela - Lisboa: Edições 70, 2007, p.

46; 2 BIELEFELDT, Heiner. Filosofia dos direitos humanos: fundamentos de um ethos de liberdade universal. Traduzido por Dank-

wart Bernsmüller. São Leopoldo: Unisinos, 2000. p. 81-83, citado por Cristiano Heineck Schimitt in Breve análise da dignidade da pessoa humana sob a ótica kantiana, disponível em http://seer.uniritter.edu.br, acessado em 04/03/13;

16

aponta KANT, no denominado imperativo categórico, que todo ser racional, como fim

em si mesmo, possui um valor intrínseco de dignidade, formadora da sua moralidade

e maneira de tratamento para seus pares3. Esta visão, como pontua LUIZ REGIS

PRADO4, estabelece que: “o homem deixa de ser considerado apenas como cida-

dão e passa a valer como pessoa independente de qualquer ligação política ou jurí-

dica”.

Transcendendo este valor natural para o Direito Positivo, passando por John

Locke, estabelece-se a dignidade da pessoa humana como um valor supremo da

ordem jurídica, acima dos demais valores positivados, um meio pelo qual decorrem

todos os outros ideais, princípios, regras, condutas, etc. Conceitualmente, é uma

qualidade intrínseca irrenunciável e inalienável, e portanto, não pode ser concedida

ou retirada, já que é inerente à pessoa. Pode ser apenas flexibilizada única e exclu-

sivamente pelo próprio indivíduo, pela sua característica eminentemente subjetiva.

Assinala ANDRÉIA SOFIA ESTEVES GOMES5, neste sentido, que:

A dignidade não pode deixar de ser nota intrínseca da pessoa humana, fun-dada na autonomia da ética da mesma, e portanto, irrenunciável, e inaliená-vel. Tal dignidade é dada (não é fruto de uma qualquer concessão ou dá-diva), o que significa que pode ser reconhecida, promovida, e protegida, mas não pode ser criada, concedida ou retirada – a dignidade pressupõe um reconhecimento originário e não derivado. Assim sendo, algumas impor-tantes conclusões se revelam necessárias. Primeiro que tudo, dignidade da pessoa é a de todo o ser humano individual e concreto, não a de uma hu-manidade universal e abstracta ou do homem como parcela de qualquer a-grupamento social. Depois, todos os homens são iguais em dignidade – em quaisquer circunstâncias e independentemente da posição social – pois que merecedores dela só pelo facto de serem pessoas. Assim, o maior dos cri-minosos é igual em dignidade às demais pessoas, não podendo ser objecto de desconsideração pelo facto de praticar ações indignas (sic).

A dignidade da pessoa humana, diante do contexto histórico, entre percalços

e legitimações, altos e baixos, firmou sua concepção moderna após o desfecho da

3 Como “princípio da dignidade humana” entende-se a exigência enunciada por Kant como segunda fórmula do imperativo categórico: “Age de tal forma que trates a humanidade, tanto na tua pessoa como na pessoa de qualquer outro, sempre tam-bém como um fim e nunca unicamente como um meio” (Grundlegung zer Met, der Sitten, II). Esse imperativo estabelece que todo homem, aliás, todo ser racional, como fim em si mesmo, possui um valor não relativo (como é, por exemplo, um preço), mas intrínseco, ou seja, a dignidade. “O que tem preço pode ser substituído por alguma outra coisa equivalente, o que é supe-rior a qualquer preço, e por isso não permite nenhuma equivalência, tem Dignidade”. In ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de filosofia. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1998, p. 276-277; 4 PRADO, Luiz Regis. Curso de direito penal brasileiro. Vol.1, Parte Geral – arts. 1º a 120. 11ª Ed. São Paulo: Revista dos Tri-

bunais, 2012, p. 164; 5 GOMES, Andreia Sofia Esteves. A dignidade da pessoa humana e o seu valor jurídico partindo da experiência constitucional

portuguesa. In: MIRANDA, Jorge; SILVA, Marco Antonio Marques da (coord.). Tratado Luso-Brasileiro da Dignidade Humana. São Paulo: Quartier Latin, 2008, p. 26;

17

Segunda Guerra Mundial, ou como cunha FLÁVIA PIOVESAN6, com a Declaração

de Direitos Humanos da ONU, de 1948, onde, pela primeira vez, acolhe a dignidade

da pessoa humana como centro balizador dos direitos e fonte de inspiração dos tex-

tos constitucionais da nova ordem mundial: “Art. I - Todas as pessoas nascem livres

e iguais em dignidade e direitos. São dotados de razão e consciência de devem agir

em relação uns aos outros com espírito de fraternidade”.

A primeira Constituição a adotar o ideal, dado o momento histórico pós-

guerra, foi a Carta Constitucional da República Alemã, datada de 1949, que preceitu-

ava: “Art. 1º. (proteção da dignidade da pessoa humana – Schutz der Menschen-

würde) A dignidade da pessoa humana é inviolável. Todas as autoridades públicas

têm o dever de respeitar e proteger”7.

O Brasil, reconhecendo a importância do instituto, já abarcado na Constitui-

ção da República Portuguesa8, em momento pós-abalo de anos obscuros de dita-

dura militar, elegeu a dignidade da pessoa humana como fundamento do Estado

Democrático de Direito, como forma de estruturar seu ordenamento jurídico, deri-

vando desta todos os outros Direitos e Garantias Fundamentais Individuais e os ve-

tores para a criação legislativa e seus meios de interpretação. Ou como pontuam

NELSON NERY JUNIOR e ROSA MARIA DE ANDRADE NERY9, a dignidade da

pessoa humana:

É tão importante este princípio que a própria CF 1o, III o coloca como um

dos fundamentos da República. Esse princípio não é apenas uma arma de argumentação, ou uma tábua de salvação para a complementação de inter-pretações possíveis de normas postas. Ele é a razão de ser do Direito. Ele bastaria sozinho para estruturar o sistema jurídico. Uma ciência que não se presta para prover a sociedade de tudo quanto é necessário para permitir o desenvolvimento integral do homem, que não se presta para colocar o sis-tema a favor da dignidade humana, que não se presta para servir ao ho-mem, permitindo-lhe atingir seus anseios mais secretos, não se pode dizer Ciência do Direito. Os antigos já diziam que todo direito é constituído homi-num causa. Comprometer-se com a dignidade do ser humano é comprome-ter-se sua Vida e com sua liberdade.

Deste contexto, se extrai que a dignidade humana é um superprincípio, ou

6 PIOVESAN, Flávia. Direitos Humanos e Princípios da Dignidade da Pessoa Humana. In LEITE, George Salomão (org.). Dos

Princípios Constitucionais: Considerações em torno das normas principiológicas da Constituição. São Paulo: Malheiros, 2003, p. 188; 7 SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na Constituição da República de 1988. Porto

Alegre: Livraria do Advogado, 2002, p. 26; 8 Art. 1º. Portugal é uma República soberana, baseada na dignidade da pessoa humana e na vontade popular, e empenhada

na construção de uma sociedade livre, justa e solidária; 9 NERY JUNIOR, Nelson. NERY, Rosa Maria de Andrade. Constituição Federal comentada e legislação constitucional. 3

a ed.

São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012, p.185;

18

supraprincípio, como elege parte da doutrina, porém, assume importante conotação

de pressuposto do Estado Democrático de Direito Brasileiro, sendo um de seus pila-

res de fundação, orientando todo o ordenamento jurídico. Mas muito embora o valor

da dignidade da pessoa humana assuma essa conotação, sua conceituação ainda

encontra divergência na doutrina, apenas convergindo em alguns aspectos, princi-

palmente quando se vê aviltada. INGO WOLFGANG SARLET10 a define como:

Qualidade intrínseca e distintiva de cada ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade, implicando, neste sentido, um complexo de direitos e deveres fundamentais que assegurem a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho degra-dante e desumano, como venham a lhe garantir as condições existenciais mínimas para uma vida saudável, além de propiciar e promover sua partici-pação ativa e corresponsável nos destinos da própria existência e da vida em comunhão com os demais seres humanos.

A este teor, MARCO ANTONIO MARQUES DA SILVA11 implementa que:

A dignidade decorre da própria natureza humana, o ser humano deve ser sempre tratado de modo diferenciado em face da sua natureza racional. É no relacionamento entre as pessoas e o mundo exterior e entre o Estado e a pessoa que se exterioriza os limites da interferência no âmbito desta digni-dade. O seu respeito é importante que se ressalte, não é uma concessão do Estado, mas nasce da própria soberania popular, ligando-se à própria noção de Estado Democrático de Direito.

Complementando o conceito, na concepção de CLAUDIO JOSÉ LAN-

GROIVA PEREIRA e PEDRO LUIZ RICARDO GAGLIARDI12, a dignidade da pessoa

humana:

Como princípio orientador; exige um relacionamento mútuo de direitos e de-veres dos cidadãos e do Estado, fruto das experiências históricas do ser hu-mano, que conduziram à segregação de seus direitos fundamentais e, via de consequência, à dimensão dos valores essenciais à concretização des-tes direitos na sociedade. Despontando como valor inerente à própria natu-reza do ser humano, princípio absoluto, informador de todos os demais princípios instrutores do Estado Democrático de Direito, não pode, mesmo a título de argumentação, ser afastado em favor de outro direito constitucio-nalmente previsto, visto que há de ser considerado como supraprincípio.

De maneira mais resumida, entende CELSO DE MELLO13, que:

A dignidade da pessoa humana é princípio central do sistema jurídico, sen-

10

SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na Constituição da República de 1988. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2002, p. 62; 11

SILVA, Marco Antonio Marques da. Acesso à Justiça Penal e o Estado Democrático de Direito. São Paulo: Juarez de Oli-veira, 2001, p. 1; 12

PEREIRA, Claudio José Langroiva. GAGLIARDI, Pedro Luiz Ricardo. Comunicação social e a tutela da dignidade humana. In MIRANDA, Jorge. SILVA, Marco Antonio Marques da. (coord) Tratado Luso-Brasileiro da Dignidade humana. São Paulo: Quar-tier Latin, 2008, p. 41; 13

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Revogação de prisão cautelar. Habeas Corpus n. 85988. Relator: Ministro Celso de Mello. Decisão Monocrática. Julgado em 07.06.2005, DJU 10.06.2005;

19

do significativo vetor interpretativo, verdadeiro valor fonte que conforma e inspira todo o ordenamento constitucional vigente em nosso País e que tra-duz, de modo expressivo, um dos fundamentos em que se assenta, entre nós, a ordem republicana e democrática consagrada pelo sistema de direito constitucional positivo.

Nesse âmbito, a dignidade da pessoa humana, como balizador do Estado

Democrático de Direito, se traduz em um sistema semiaberto pautado pelos direitos

e garantias fundamentais que encontra na evolução da sociedade a dinâmica para

se manter atual e representante da segurança e proteção jurídica necessária aos

bens eleitos como dignos de proteção penal.

1.2 A EFICIÊNCIA E A EFICÁCIA NO PROCESSO PENAL: A DIGNIDADE HU-

MANA COMO SUPRAPRINCÍPIO REGENTE DOS DIREITOS E GARANTIAS FUN-

DAMENTAIS NO PROCESSO PENAL

ADHEMAR FERREIRA MACIEL14, sobre os Direitos Fundamentais já assi-

nalava que: “Nossa Constituição de 1988, possivelmente é de todos os estatutos po-

líticos do mundo o mais detalhista em matéria de direitos fundamentais”.

Tomando por base que a Constituição Federal da República Federativa do

Brasil aponta em seu preâmbulo que é tarefa do Estado Democrático de Direito es-

tabelecido assegurar o amplo exercício dos direitos individuais e coletivos, contudo,

priorizando a liberdade, a igualdade, a justiça, a segurança e o desenvolvimento

como forças motrizes de uma sociedade fraterna, pluralista e livre de preconceitos,

que preconiza a harmonia social como elemento fundante da ordem interna e inter-

nacional.

Nesta concepção, a Constituição Federal coloca a dignidade da pessoa hu-

mana como valor jurídico prático na interpretação das normas, instrumentalizadora

dos princípios e garantias de onde se originam os Direitos individuais do homem e

do cidadão, além de reger a ordem social e política para a convivência mútua.

14

MACIEL, Adhemar Ferreira. Aspectos penais na constituição. Revista Brasileira de Ciências Criminais 13/1996, jan. - mar./1996, In: FRANCO, Alberto Silva, NUCCI, Guilherme de Souza. Doutrinas essenciais Direito Penal, Vol.1, São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011,p. 25;

20

Essa regência dos direitos individuais do homem decorre, como coloca LUIZ

REGIS PRADO15:

[d]O reconhecimento do valor do homem enquanto homem implica no surgi-mento de um núcleo indestrutível de prerrogativas que o Estado não pode deixar de reconhecer, verdadeira esfera de ação dos indivíduos que delimita o poder estatal.

Dentro deste prisma, considerando a existência e a convivência do homem

dotado de dignidade, dentro do Estado Democrático de Direito, fez-se necessária a

ponderação, dentro do sistema de direitos e garantias fundamentais, o equilíbrio en-

tre liberdade e autoridade, entre autonomia e submissão, tornando necessário o es-

tabelecimento de regras para a violação de bens jurídicos tutelados pelos direitos e

garantias fundamentais. Implementando este conceito, JOSÉ EDUARDO DE SOU-

ZA PIMENTEL16 cita que:

Modernamente, admite-se que o princípio da dignidade da pessoa humana também (e especialmente) consiste numa referência constitucional unifica-dora de todos os direitos fundamentais, que os intensifica ao situar o ho-mem como sujeito de direitos em não como objeto das relações de poder. O fundamento repele o predomínio de concepções transpessoalistas de Es-tado e Nação em detrimento da liberdade individual. […] Se assim é, o prin-cípio da dignidade da pessoa humana também fundamenta a ordem política e a paz social e impõe ao Estado a obrigação de gerir com eficiência seu sistema de segurança pública, para a prevenção e a repressão crimina (sic).

Neste contexto, o Estado Democrático de Direito institui meios de controle

social, estabelecendo regras para evitar comportamentos mais graves e atentatórios

à ordem social. Todavia, também devem ser estabelecidas normas de condução e

instrumentalização do direito de punir do Estado, nesta órbita, importando na criação

de instrumentos para a elaboração da defesa do cidadão face ao poder infindável do

Estado. É uma forma em que a dignidade humana impõe para a formação das re-

gras do jogo da punição e defesa, equilibrando-se a relação Estado-jurisdicionado.

No entanto, estas normas de apuração dos comportamentos ditos “indeseja-

dos” pelo Estado não pode ser feita de maneira aleatória e injustificada, encontrando

seu limite nos Direitos e Garantias fundamentais Individuais. Desta justificativa, LUIZ

15

PRADO, Luiz Regis. Curso de direito penal brasileiro. Vol.1, Parte Geral – arts. 1º a 120. 11. Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012. p. 164; 16

PIMENTEL, José Eduardo de Souza. O princípio da dignidade da pessoa humana no processo penal, in: MIRANDA, Jorge. SILVA, Marco Antonio Marques da. (coord.) Tratado luso-brasileiro da dignidade humana. São Paulo: Quartier Latin, 2008, p. 639;

21

REGIS PRADO17 aponta que: “A dignidade humana – da natureza humana – ante-

cede, portanto, o juízo axiológico do legislador e vincula de forma absoluta sua ativi-

dade normativa, mormente no campo penal.” Abstrai-se, contudo, a ideia de que o

ser humano, mesmo agindo de maneira atentatória a um bem jurídico protegido pe-

los Direitos Fundamentais, não deixa de ser um sujeito de direitos, não lhe sendo

retirada sua dignidade enquanto valor humano, sendo que o legislador, ao estabele-

cer um comportamento negativo, ponderará em primeiro plano, a dignidade do indi-

víduo, mesmo que agente de conduta delituosa, visando reprimir sua conduta de

maneira a preservar seus direitos e garantias fundamentais.

Complementando, ADAUTO SUANNES18 referenda que:

Nada justifica que alguém, simplesmente pela hediondez do fato que se lhe imputa, deixa de merecer o tratamento que sua dignidade de pessoa hu-mana exige. Nem mesmo sua condenação definitiva excluirá do rol dos se-res humanos.

Essa concepção de primazia dos Direitos e Garantias Fundamentais indivi-

duais face ao jus puniendi estatal estabelece o Estado Democrático de Direito brasi-

leiro como um sistema Garantista19, consistente no fato de que a Constituição Fede-

ral restringirá seu âmbito de atuação e controle social em detrimento dos direitos

fundamentais, estabelecendo os princípios fundamentais de caráter penal, assegu-

rando a liberdade e os meios justos de persecução penal, bem como princípios não

penais, mas de aplicação reflexa, como a criação de barreiras ao legislador prescre-

vendo limites de criação de normas, mecanismos de interpretação e condução do

juiz no processo, e a inserção de valores transportados como princípios constitu-

cionalmente positivados20.

Entendendo-se por limites do direito de punir, temos que são limites impos-

tos pela própria lei como forma de controle e prevenção do arbítrio, preconizando,

PRADO, Luiz Regis. Curso de direito penal brasileiro. Vol.1, Parte Geral – arts. 1º a 120. 11ª Ed. São Paulo: Revista dos Tribu-nais, 2012, p. 166; 18

SUANNES, Adauto. Os fundamentos éticos do devido processo penal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999, p. 232; 19

Não havemos de confundir Garantismo com abolicionismo penal, o que é comum. Garantismo, na concepção de Luigi Ferra-joli, é, no Direito Penal, um sistema de limites às autoridades frente às garantias de Direito e de Liberdade. É um modelo nor-mativo que implica em restrições a todos os poderes(incluindo restrição primordial ao poder de legislar), elaborando os disposi-tivos jurídicos necessários para tutelar não somente os direitos fundamentais e a liberdade, mas também os sociais, políticos, civis, sobre os quais o Estado Constitucional é fundado. Implica, sobretudo, não somente na restrição do poder de legislar, mas também a sujeição do aplicador do Direto à norma, estabelecendo sua interpretação naquela que assegura o respeito aos Direitos e Garantias Fundamentais. Em linhas estreitas, é a submissão da validade da norma infraconstitucional aos direitos e garantias assegurados pela Lei Máxima do ordenamento jurídico In FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão. Teoria do garantismo penal. 3

a ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010;

20 LIMA, Alberto Jorge Correia de Barros. Direito penal constitucional. A imposição dos princípios constitucionais penais. São

Paulo: Saraiva, 2012, p. 37/38;

22

primordialmente a Constituição Federal que “nenhuma lesão ou ameaça a direito se-

rá excluída da apreciação do Poder Judiciário” (ex vi do artigo 5º, inciso XXXV da

Constituição Federal). Passa-se então a preconizar limitações de ordem constitucio-

nal e de direito material para o Direito de punir imbuído ao Estado.

Tendo o Estado o Direito Penal como um de seus meios de controle social e

poder de punir, mesmo como ultima ratio exerce o controle social como meio de e-

xercício dos Direitos e Garantias Fundamentais, pois, como coloca CLAUDIO JOSÉ

LANGROIVA PEREIRA21: “tem uma função predominantemente voltada a assegurar

a existência de segurança jurídica no Estado Democrático de Direito, muito mais que

simplesmente regular conduta e aplicar sanções”.

O Direito Penal tem como função primordial a tarefa de tutelar bens jurídi-

cos. Porém, “[...] esta tarefa somente pode ser levada a cabo por meio de uma se-

gunda função: a motivação de todos os cidadãos para que se abstenham de come-

ter fatos delituosos” 22.

Partindo deste entendimento, como já assinalado, o Estado não pune inad-

vertidamente, sofrendo restrições no Direito Penal Material e na seara do Processo

Penal não somente como meio de instrumentalização das suas normas. Indo além, o

Processo Penal encontra como função primordial a articulação dos direitos e garan-

tia fundamentais, submetendo a relação humana de cumprimento/descumprimento

de comportamentos indesejados pela Ordem Social, ao império da norma, sendo

certo que o Estado, embora detendo o direito de punir, não pode executá-lo inadver-

tidamente, recebendo a incumbência de estabelecer uma relação – processual –,

respeitando todos os Direitos e Garantias do acusado, para verificar, em cada caso

em concreto, a viabilidade de se punir pelo comportamento indesejado.

Desta forma, não se pode afirmar que o processo é apenas uma forma de

execução do jus puniendi. É muito mais que isso. É uma seara própria do Direito que

a Constituição Federal assim traduz como sendo o meio de articulação do fato atra-

vés da norma, fazendo com que haja o respeito imanente da dignidade da pessoa

humana nesta relação, com a preservação de todos os Direitos e Garantias funda-

21

PEREIRA, Claudio José Langroiva. Proteção jurídico-penal e direitos universais. Tipo, tipicidade e bem jurídico universal. São Paulo: Quartier Latin, 2008, p. 46; 22

OLIVÉ, Juan Carlos Ferré. PAZ, Miguel Ángel Núnez. OLIVEIRA, William Terra de. Brito, Alexis Couto de. Direito penal brasi-leiro parte geral. Princípios fundamentais e sistema. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, p.74;

23

mentais inerentes à condição humana.

Neste propósito, complementa CLAUDIO JOSÉ LANGROIVA PEREIRA23

aduzindo que:

A restrição do Direito Penal aos princípios regentes do Estado Democrático de Direito assegura que sua existência seja definida com base na estabili-dade social que visa manter e não propriamente, em uma demonstração de força ou de controle social do Estado.

Para tanto, necessário delimitar o âmbito de atuação do Estado estabele-

cendo o equilíbrio entre seus papéis de controlador da atividade social, e garantidor

dos direitos fundamentais, especificando até onde vai seu poder de punir e a partir

de qual ponto inicia a proteção dos direitos e garantias individuais fundamentais.

Neste ponto, esclarece SANTIAGO MIR PUIG24 que o Direito Penal:

Trata-se, pois, de uma forma de controle social cuja importância determi-nou, por um lado, sua monopolização pelo Estado e, por outro, que se cons-tituísse em uma das parcelas fundamentais do poder estatal, que desde a Revolução Francesa considera-se necessário delimitar com a máxima cla-reza possível como garantia do cidadão.

Sustenta-se, então, que a restrição ao jus puniendi, nas vertentes do Direito

Penal, submete-se ao controle constitucional, que através dos direitos e garantias

fundamentais – status dignitatis –, buscando o equilíbrio entre os direitos fundamen-

tais individuais e coletivos, zelando, sobremaneira, pela liberdade como derivação

da dignidade da pessoa humana. Coloca MARCUS ALAN DE MELO GOMES25, nes-

te sentido, que:

A busca da paz social por intermédio da aplicação da lei penal – adotada esta como ultima ratio – deve achar um ponto de equilíbrio exato, de modo a não constranger a liberdade do indivíduo. O processo penal, num Estado Democrático de Direito, deve zelar, sobretudo, pela preservação da liber-dade jurídica da pessoa humana, assegurando o exercício pleno dos direi-tos e garantias fundamentais previstos na Constituição. Assim, não bastará a aplicação da lei penal no caso concreto, se não forem respeitados os prin-cípios constitucionais que asseguram os valores da liberdade do homem.

Porém, não raro encontrarmos conflitos entre Direitos ou Garantias funda-

mentais, posto que a Constituição Federal reconhece Direitos e Garantias de caráter

coletivo e individual. Desta forma, entre a valoração e conflitos entre princípios, deve

23

PEREIRA, Claudio José Langroiva. Proteção jurídico-penal e direitos universais. Tipo, tipicidade e bem jurídico universal. São Paulo: Quartier Latin, 2008, p. 47; 24

MIR PUIG, Santiago. Direito Penal. Fundamentos e teoria do delito. Tradução de Claudia Viana Garcia e José Carlos Nobre Porciúncula Neto. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 33; 25

GOMES, Marcus Alan de Melo. A prisão provisória: aspectos constitucionais e infraconstitucionais. In: SILVA, Marco Antonio Marques da. Tratado temático de processo penal. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2002, p. 338-9;

24

se permitir uma ponderação, verificando-se qual das bases tem maior peso no caso

concreto, analisando-se todas as circunstâncias, com o escopo de chegar a uma de-

cisão mais justa e que preconize a observância da Constituição da República. Neste

ínterim observa o ROBERT ALEXY26:

Se dois princípios colidem – o que ocorre por exemplo, quando algo é proi-bido de acordo com um princípio e, de acordo com o outro, permitido -, um dos princípios terá que ceder. Isso não significa, contudo, nem que o princípio cedente deva ser declarado inválido, nem que nele deverá ser introduzida uma cláusula de exceção. Na verdade, o que ocorre é que um dos princípios tem precedência em face do outro sob determinadas condições. Sob outras condições a questão da precedência pode ser resolvida de forma oposta.

E conclui ROBERT ALEXY27 valendo-se do critério da ponderação que os

princípios, que se encontra em mesmo nível de prioridade, devem ser confrontados

no caso concreto:

Essa relação de tensão não pode ser solucionada com base em uma prece-dência absoluta de um desses deveres, ou seja, nenhum desses deveres go-za “por si só de prioridade”. O conflito deve, ao contrário, ser resolvido “por meio de um sopesamento entre interesses conflitantes”. O objetivo desse so-pesamento é definir qual dos interesses – que abstratamente estão no mes-mo nível – tem maior peso no caso concreto: “Se este sopesamento levar a uma conclusão de que os interesses do acusado, que opõem à intervenção, têm, no caso concreto, um peso sensivelmente maior que os interesses em que se baseia a ação estatal, então a intervenção estatal viola o princípio da proporcionalidade [...] (sic).

Em um Estado Democrático de Direito, assim como é o Brasil, os direitos e

garantias fundamentais decorrem exclusivamente da soberania popular, elegendo-

se e elevando-se à categoria de direitos e garantias fundamentais aqueles basilares

norteados pela dignidade humana, entendendo-se neste contexto que o Processo

Penal é concebido como meio de preservação jurídico-político de controle das pró-

prias atividades estatais dentro do seu direito de punir, angariando instrumentos e

medidas de proteção contra o arbítrio e a necessidade de se coibir comportamentos

reputados indesejáveis e atentatórios à ordem jurídica, política e social do Estado.

26

ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais. Trad. Virgílio Afonso da Silva. São Paulo: Malheiros, 2006, p. 93-95; 27

idem;

25

1.3 PRINCÍPIOS E GARANTIAS CONSTITUCIONAIS REGENTES DO PROCESSO

E DO PROCEDIMENTO PENAL

1.3.1 Princípio da igualdade

Como cita o caput do artigo 5o da Constituição da República Federativa do

Brasil, todos são iguais perante a lei, não se fazendo distinção de qualquer natureza

aos brasileiros natos e aos residentes estrangeiros, garantindo-se a inviolabilidade

do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade. Como ca-

racterística principal, este princípio preconiza não somente uma concepção geral de

igualdade, assegurando igualdade de direitos a todos os nacionais e nacionalizados

como maneira de se estabelecer a isonomia entre partes.

Muito embora alguns países levam à risca a premissa da igualdade como

critério isonômico28, o Brasil, ao cuidar do princípio da igualdade, mesmo diante da

nomenclatura empreendida pelo legislador constituinte estabelece uma concepção

de igualdade no sentido de fornecer aos seus jurisdicionados uma condição de har-

monia e equilíbrio entre as partes, valendo-se da máxima aristotélica adaptada RUY

BARBOSA29, ao cotejo constitucional do tema:

A regra da igualdade não consiste senão em quinhoar desigualmente aos de-siguais, na medida em que se desigualam. Nesta desigualdade social, pro-porcionada à desigualdade natural, é que se acha a verdadeira lei da igual-dade. O mais são desvarios da inveja, do orgulho, ou da loucura. Tratar com desigualdade a iguais, ou a desiguais com igualdade, seria desigualdade fla-grante, e não igualdade real. Os apetites humanos conceberam inverter a norma universal da criação, pretendendo, não dar a cada um, na razão do que vale, mas atribuir o mesmo a todos, como se todos se equivalessem (sic).

No entanto, sua primeira legitimação se dera na Déclaration des Droits de

l’Homme et du Citoyen de 1789, advinda dos ideais da Revolução Francesa, o prin-

cípio da igualdade, consiste no tratamento igualitário a todos os cidadãos brasileiros,

incluindo estrangeiros residentes, de que a lei não fará distinção, assegurando tra-

28

Citemos o exemplo da França, onde a igualdade não permite qualquer flexibilização, incluindo, neste porém que nenhum idoso, nenhuma gestante, mulheres com crianças de colo, etc. tem preferência em filas. Essa igualdade visa evitar a criação de minorias; 29

BARBOSA, Ruy. Oração aos moços. Nova edição. Rio de Janeiro: Casa de Rui Barbosa 1956, p. 22;

26

tamento igual perante a Lei.

Com relação imanente ao poder punitivo do Estado, refere-se à criação das

leis, que devem ser estabelecidas de forma geral e a todos os cidadãos, repudiando-

se a criação de normas de exceção, dirigidas a atingir determinado grupo de pes-

soas ou a determinado indivíduo.

Não seria despiciendo mencionar ainda que o princípio da igualdade tam-

bém possui sua vertente no âmbito processual penal, denominado de “paridade de

armas” (Waffengleischheit), extraído da consunção dos incisos XLIX, LXI, LXII, LXI-

II, LXIV, e LXXIV do artigo 5o da Constituição Federal, que estabelecem igualdade

de condições entre acusação e defesa no processo judicial30, somente sendo miti-

gado em detrimento do direito da defesa na busca de seus interesses, como meio de

servir de fiel da balança na persecução penal e estabelecer a igualdade de condi-

ções do acusado face ao poder punitivo, para assegurar seu status libertatis et digni-

tatis. Isso porque, como pontua MARIA LUCIA KARAM31: “Defender os direitos fun-

damentais do indivíduo que está sendo processado, acusado da prática de um cri-

me, é defender a sociedade”.

A igualdade de oportunidades, portanto, levada ao contexto processual, é

assinalada por uma harmonização processual, possibilitando um efetivo equilíbrio

entre as partes no processo, uma simetria de possibilidades de acusação e defesa,

tudo a levar à relação processual ao ideal de se assegurar a dignidade da pessoa

humana.

Neste ínterim, em consonância com os demais tópicos aliados à dignidade

da pessoa humana, impõe-se um maior sacrifício dos direitos sociais face à consta-

tação da fragilidade do polo passivo da ação penal, devendo ser concedidas maiores

“vantagens” à defesa em detrimento da acusação, tudo a estabelecer uma desigual-

dade entre os desiguais e harmonizar os polos da ação em direitos e garantias, tudo

a garantir um resultado “justo”. Esse é o ideal de igualdade que quis o legislador

30

Neste sentido, vejamos: “DEVIDO PROCESSO LEGAL - PARTES - MINISTÉRIO PÚBLICO E DEFESA - PARIDADE DE ARMAS. Acusação e defesa devem estar em igualdade de condições, não sendo agasalhavel, constitucionalmente, interpreta-ção de normas reveladoras da ordem jurídica que desague em tratamento preferencial. A "par condicio" e inerente ao devido processo legal (ADA PELLEGRINI GRINOVER).” (STF – Rel. MIN. MARCO AURÉLIO – RMS 21884 - Segunda Turma, julgado em 17.05.1994, DJ 25-11-1994 PP-32302 EMENT VOL-01768-01 PP-00099); 31

KARAM, Maria Lucia. O direito à defesa e a paridade de armas. In: PRADO, Geraldo. MALAN, Diogo, (Coord.). Processo penal e democracia. Estudos em homenagem aos 20 anos da Constituição da República de 1988. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009, p. 404;

27

constituinte preservar em tema de ação e de processo penal.

1.3.2 Princípio da legalidade

O princípio da legalidade ou reserva legal estabelece-se no nosso ordena-

mento jurídico como um dos mais efetivos meios de controle da atividade estatal,

principalmente no que concerne ao direito de punir. Assim se pondera pois por tal

princípio, preconiza-se restrição à repressão e punição sem que haja um tipo legal

que preveja o comportamento positivo ou negativo, devendo este tipo advir do regu-

lar processo legislativo, observadas todas as formalidades para a sua inserção no

mundo jurídico.

O princípio da legalidade, decorre da máxima latina Nullum crimen, nulla po-

ena sine praevia lege, criada por PAUL JOHANN ANSELM RITTER VON FEUER-

BACH, decorrente da sua teoria da coação psicológica, baseada em três efeitos pre-

ventivos gerais que consagra o princípio da legalidade no mundo jurídico: I) Toda

imposição de pena pressupõe uma lei penal (nulla poena sine lege); II) A imposição

de uma pena se condiciona à existência de uma ação (nulla poena sine crimine); e

III) o fato cominado a um tipo esta condicionado pela imposição de uma pena legal

(nullum crimen sine poena legali)32.

Contemporaneamente, no Brasil, o princípio da legalidade foi estabelecido

na Constituição Federal de 1988, onde, no inciso XXXIX, do artigo 5o, prevê que:

“não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal”,

decorrendo deste basilar dois aspectos: um fundamento político e outro jurídico,

concernente na primazia da legalidade na criação legislativa, quanto na aplicação

pelo Poder Judiciário.

No seu aspecto político, visa controlar a criação legislativa, estabelecendo o

comportamento violado e o bem jurídico protegido pelo conteúdo da norma, pois

32

Neste sentido: PRADO, Luiz Regis. Curso de direito penal brasileiro. Vol.1, Parte Geral – arts. 1º a 120. 11ª Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012, p. 159;

28

como coloca GÜNTHER JAKOBS33, “É proibido ao legislador cominar pena a um

comportamento indeterminado”. Tal máxima decorre da necessidade da taxatividade

dos comportamentos proibidos pela Lei Penal.

O princípio da legalidade constitui-se em garantia jurídica dos cidadãos fren-

te ao poder punitivo do Estado, controlando esse poder. Como pontua MARCO AN-

TONIO MARQUES DA SILVA34:

A atual concepção do princípio da legalidade, no denominado quadro da função de garantia da lei penal, tem determinado o seu desdobramento em quatro garantias básicas. Assim, o princípio da legalidade exige, para sua completa observância: a existência da lex praevia, significa proibição de edi-ção de leis retroativas que fundamentem ou agravem a punibilidade; da lex scripta, que determina a proibição da fundamentação ou do agravamento da punibilidade pelo direito consuetudinário; da lex stricta, que é a proibição da fundamentação ou do agravamento da punibilidade pela analogia (analogia in malam partem), e da lex certa, que é a proibição de leis penais indetermi-nadas. A importância do princípio da legalidade, no mundo atual, está nesta visão plural do homem que se divide por interesses, solidariedades e desa-fios discrepantes e retoma unidade de vida na consciência de sua dignida-de. A intervenção do Estado tem como referencial esta discrepância e soli-dariedade, no momento da interpretação da norma, para incriminar. Assim sendo, na estruturação do Estado Democrático de Direito, marcado pelo grau de pluralismo político dos seus cidadãos, para a consecução da segu-rança destes perante o Estado com a consequente eliminação do temor, a fixação material do princípio da legalidade é um corolário obrigatório do pensamento político-democrático. Não se pode perder de vista que as leis penais são essencialmente protetoras de bens jurídicos, representando o ti-po penal uma garantia de não ingerência indevida do Estado na privacidade ou intimidade do cidadão, a não ser com base numa lei e diante de outros fatores relevantes para o contexto social. O fundamento do princípio da le-galidade é a segurança jurídica que caracteriza o Estado Democrático do Direito.

Neste cerne, vislumbra-se que o princípio da legalidade desencadeia uma

série de consequências, derivadas em maior extensão da interpretação da lei, na

proibição da retroatividade e na tipificação das condutas proibidas.

No concernente às formas de interpretação da lei, a primeira consequência

que extrai da legalidade é que, em se tratando do aspecto da lei, esta é vista como a

única fonte do Direito Penal. Mas em se tratando da sua forma de interpretação, ao

vislumbrarmos a proibição do emprego da analogia, cediço que somente pode ser

punido o indivíduo por aquilo que a lei prevê. É a vedação da analogia in malam par-

tem. Mas e quando esta analogia vem para o benefício do acusado?

33

JAKOBS, Günther. Tratado de Direito Penal. Teoria do injusto e culpabilidade. Belo Horizonte: Del Rey, 2009, p. 118; 34

SILVA, Marco Antonio Marques da. Acesso à Justiça Penal e o Estado Democrático de Direito. São Paulo: Juarez de Oli-veira, 2001, p. 8;

29

No Brasil, prevalece a possibilidade de aplicação da analogia in bonam par-

tem, permitindo-se que casos análogos possam vir a integrar o direito e interpretá-lo

a benefício do acusado.

Outra consequência do princípio da legalidade é a proibição da retroativi-

dade das leis penais. A proibição da retroatividade da lei penal estabelece um dos

braços fortes do princípio da legalidade, de onde decorre a máxima de que a lei não

retroagirá, salvo em benefício do acusado.

Deve-se analisar também com atenção o problema relativo à fixação da pe-

na. Neste aspecto, o ideal consiste no sistema das penas relativamente determina-

das. As penas ao comportamento indesejado deve fixar limites máximo e mínimo de

duração, o que permite uma adequação da pena levando em conta a personalidade

do agente e às distintas circunstâncias que se apresentam com relação ao crime, ao

agente e à própria vítima. Esses limites devem ser suficientemente precisos no sen-

tido de coibir o arbítrio judicial e evitar que o juiz se converta em legislador ad hoc.

Por isso existe uma necessidade indeclinável do Estado Democrático de Di-

reito de instituir limitações ao Poder de punir do Estado, no sentido de se preservar o

respeito à dignidade da pessoa humana.

1.3.3 Princípio da intervenção mínima

Por intervenção mínima, se entende que o Estado, por possuir outros meios

de controle social, utilizará o Direito Penal como ultima ratio, estabelecendo uma es-

cala de importância dos bens jurídicos, os quais somente as violações mais graves

deverão sofrer o talante da lei penal.

Tem por objetivo assegurar que o legislador, quando da criação legislativa,

adote cautela na criação de tipos penais, para que não incrimine condutas cuja a-

fronta possa ser dirimida por outros ramos do Direito. Neste viés, a intervenção mí-

nima, estabelece uma quantidade de valores preconizados pela Constituição, vincu-

lando a criação Legislativa Penal e Processual Penal a reger normas quando sejam

30

ofendidos bens jurídicos de relevância constitucional, sejam eles individuais, coleti-

vos, ou difusos35. Complementando este sentido, LUIZ LUISI36, assinala que:

A Constituição vigente no Brasil diz serem invioláveis os direitos à liberdade, à vida, à igualdade, à segurança e a propriedade (artigo 5

o, caput), e põe

como fundamento do nosso Estado democrático de direito, no artigo 1o do

inciso III, a dignidade humana. Decorrem, sem dúvidas, desses princípios constitucionais […], que a restrição ou privação desses direitos invioláveis, somente se legitima se estritamente necessária a sanção penal para a tu-tela de bens fundamentais do homem, e mesmo de bens instrumentais in-dispensáveis a sua realização social. Destarte, embora não explícito no tex-to constitucional, o princípio da intervenção mínima se deduz de normas ex-pressas da nossa Grundnorm, tratando-se de um postulado nela inequivo-camente contido. […] só se legitima a criminalização de um fato se a mes-ma constitui meio necessário para a proteção de um determinado bem jurí-dico. Se outras formas de sanção se revelam suficientes para a tutela desse bem, a criminalização é incorreta. Somente se a sanção penal for ins-trumento indispensável de proteção jurídica é que a mesma se legitima

37

(sic).

Estabelece-se por interpretação do referido princípio que a ordem jurídica

somente criminalizará condutas mais graves, importando em uma divisão de funções

entre os diversos ramos do Direito para a repressão e punição de condutas violado-

ras de bens jurídicos constitucionalmente tutelados, graduando-as das mais leves –

cabendo o papel ao Direito Ambiental, Direito Administrativo Sancionador –, às mais

gravosas, onde somente o Direito Penal, sendo um dos instrumentos mais “violen-

tos”38 de controle social, intervirá para a tutela dos bens jurídicos.

Decorrente desta base, adota-se que o direito penal deve ser aplicado de

forma adequada e proporcional – na medida da aplicação do direito ao fato concreto,

sem excessos.

1.3.4 Princípio da proibição de excesso

Como já dissemos, o Poder Público não pode agir deliberadamente na ma-

nutenção da ordem social. Deve ser pautado em normas que limitam seu âmbito de

35

LIMA, Alberto Jorge Correia de Barros. cit. , p. 72; 36

LUISI, Luiz. Os princípios constitucionais penais. 2 ed. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 2002, p. 40; 37

LUISI, Luiz. Op. cit. p. 39; 38

O termo violento aqui é utilizado no sentido do Direito Penal como ultima ratio, onde a restrição da liberdade é mitigada em detrimento da proteção de outros direitos fundamentais, como meio de estabelecer o controle social na violação de um bem jurídico protegido por direitos fundamentais. Essa terminologia é utilizada também por André Copetti in: Direito Penal e Estado Democrático de Direito. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2000, p. 87;

31

atuação, vinculando o fato à norma. Daí que o excesso na aplicação da norma deve

ser de todo coibido, com o escopo de se manter a dignidade da pessoa humana so-

bre o interesse do Estado.

O princípio da proibição de excesso liga-se de maneira direta à proporciona-

lidade, como valor suprapositivo, visando evitar a ingerência administrativa, e, por

consequência, o poder de punir do Estado, assegurando que todo excesso deve ser

tomado como medida prejudicial. A proibição de excesso, como coloca MARCO AN-

TONIO MARQUES DA SILVA39: “qualquer excesso por parte do poder público é odi-

oso, pois, somente se admite a restrição à liberdade de um cidadão naquilo que ul-

trapassa a mesma e atinge bens jurídicos e valores de outros cidadãos de caráter

constitucional, protegidos por lei”.

Esse princípio está vinculado diretamente ao devido processo legal (artigo

5º, LIV, da Constituição Federal) e vincula diretamente o Juiz aos valores jurídicos

que orientam o Direito e o Processo Penal, adequando as medidas aos Direitos e

Garantias Fundamentais formadoras do Estado Democrático de Direito.

No entanto, de uma maneira mais ampla, acaba por vincular também toda a

atividade legislativa, estabelecendo uma necessária observância do regramento

insculpido na Constituição Federal para a elaboração das normas que vigerão no

sistema de Direito material e Direito Processual.

1.3.5 Princípio da culpabilidade

O Código Penal brasileiro afigura em toda sua extensão o princípio da cul-

pabilidade como meio limitador do poder de punir do Estado. Decorre implicitamente

do basilar da legalidade, na sua vertente nulla poena sine culpa.

Seu critério político-constitucional pode ser definido como uma das facetas

da restrição do Poder Legislativo à política legislativa penal, consubstanciando um

39

SILVA, Marco Antonio Marques da. Acesso à Justiça Penal e o Estado Democrático de Direito. São Paulo: Juarez de Oli-veira, 2001, p. 13;

32

dos limites do legislador na criação de tipos penais. Já no seu caráter jurídico, o

princípio da culpabilidade consiste, como coloca GÜNTHER JAKOBS40, “na necessi-

dade de vincular a legitimidade da pena a uma reprovação”, como meio de “evitar a

instrumentalização de uma pessoa ao impor a pena”. Estabelece que a pena crimi-

nal somente deve ser materializada na possibilidade de identificar a violação ao bem

jurídico protegido e seu autor, somente podendo ser punido “aquele que atua culpa-

velmente e que a pena não pode ir além da medida da culpabilidade”41.

Desta noção, extrai-se que a responsabilidade penal deve ser feita de ma-

neira subjetiva, adequando o comportamento violador à consequência jurídica, por

critérios de proporcionalidade (no que concerne à ponderação entre o comporta-

mento negativo e a punição correlata e razoável), levando em conta o dolo ou culpa

como elemento volitivo, bem como a gravidade do comportamento violador que inte-

gra o tipo do injusto penal.

Partindo desta análise, não é despiciendo mencionar que o Direito brasileiro

veda a imputação objetiva, ou seja, a atribuição da responsabilidade penal sem levar

em conta o dolo ou culpa, respondendo objetivamente pelo evento causado.

Outro ponto ao qual se frisa decorre da consciência da ilicitude do comporta-

mento, onde somente serão responsabilizados por atos criminosos, pessoas que

possuem consciência da ilicitude de seus atos, impedindo-se a punição do menor e

dos absolutamente inimputáveis.

1.3.6 Princípio do devido processo legal

Diante do que estatui o inciso LIV do artigo 5º da Constituição Federal, pre-

coniza-se que “ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido

processo legal”. Trata a garantia fundamental de norma eminentemente processual,

consistente na qual a constrição à liberdade individual ou a qualquer bem do acu-

40

JAKOBS, Günther. Fundamentos do Direito Penal. Tradução de André Luís Callegari e colaboração de Lúcia Kalil. São Pau-lo: Revista dos Tribunais, 2003, p. 11-12 41

PRADO, Luiz Regis. Curso de direito penal brasileiro. Vol.1, Parte Geral – arts. 1º a 120. 11. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012, 166;

33

sado em processo judicial, em especial o processo penal, deverá somente ser pro-

cedida mediante o crivo do judiciário, no qual deverá fundamentar seus atos.

Sua primeira concepção, o due process of law, surgiu na Inglaterra, na Mag-

na Charta do Rei João Sem Terra, em 1215, sendo desenvolvida desde então em

diversos estudos, materializada em diversos textos constitucionais através dos tem-

pos. Sua criação, advinda da common law, assegurava que o indivíduo, ao ser pro-

cessado, terá direito a um processo justo, onde seriam respeitadas suas garantias e

seu Direito de Defesa. Sofrendo mutações e ampliado seu sentido à contemporiza-

ção do Direito, seu conceito foi variando e diferindo no tempo, alargando seu âmbito

de abrangência em nome dos direitos fundamentais do homem e do cidadão42.

No Brasil, embora previsto em todas as Constituições, somente na Carta a-

tual é que ocorreu sua positivação da maneira mais ampla, da qual decorrem muitos

outros princípios de forma que não regula somente a atuação do magistrado no cur-

so do processo, mas também regula a atividade legislativa, diante da imposição ao

legislador da correta criação da lei, que possibilite o respeito e à aplicação do devido

processo legal, conforme fundamenta MARCO ANTONIO MARQUES DA SILVA43:

O devido processo legal não se destina tão somente ao intérprete da lei, mas já informa a atuação do legislador, impondo-lhe a correta e regular ela-boração da lei processual penal. Em outras palavras, o juiz está submetido e deve submeter as partes à norma processual penal vigente, o que carac-teriza a garantia constitucional. Por outro lado, obedecido o devido processo legal, além de assegurar-se a liberdade do indivíduo contra a ação arbitrária do Estado, busca-se uma correta atuação do poder jurisdicional, evitando-se as nulidades do processo. Desse modo, em uma outra instância, é o próprio processo que fica garantido.

Partindo da premissa de que o devido processo penal é uma via de duas

mãos, onde, primeiramente, regula a atividade legislativa, impondo ao legislador um

freio normativo, para que não exacerbe a sua atividade na criação da lei e cria ins-

trumentos legais que possibilitem a equivalência entre as forças no processo.

Também consiste num instrumento que regula a atuação do Estado no seu

poder de punir, em que deverá ser respeitado o processo, ou seja, assegurando que

sejam obedecidas as normas processuais e os basilares constitucionais para que

haja a constrição da liberdade ou dos bens, sob pena de nulidade absoluta do ato.

42

NERY JUNIOR, Nelson. Princípios do processo civil na Constituição Federal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997, p. 33; 43

SILVA, Marco Antonio Marques da. Acesso à Justiça Penal e o Estado Democrático de Direito. São Paulo: Juarez de Oli-veira, 2001, p. 17;

34

Sob outro ponto de vista, o devido processo legal também influi de maneira

direta no processo legislativo, de forma a serem criadas leis justas, que priorizem a

aplicação dos demais preceitos fundamentais asseverados na Constituição Federal,

além de influenciar também a autoridade judicial a interpretar a norma, estabele-

cendo a necessidade de se respeitar as formalidades e normas norteadoras do pro-

cesso para que possa haver qualquer restrição à liberdade ou aos bens do acusado.

Também é tido pela doutrina como função do devido processo legal o esta-

belecimento da paridade de armas entre as partes no processo, ao qual vislumbra

ROGÉRIO LAURIA TUCCI44, na função do devido processo legal como:

Asseguração, no processo, de ‘paridade de armas’ entre as partes que o in-tegram como seus sujeitos parciais, visando à determinação de igualdade substancial: esta somente será atingida quando, ao equilíbrio de situações, preconizado abstratamente pelo legislador, corresponder a realidade pro-cessual.

Do devido processo penal, contudo, modernamente vem se firmando a cor-

rente de estudo do devido processo penal, que tem por escopo assegurar o direito

público subjetivo das partes, sendo que a garantia, como pontua ANTONIO SCA-

RANCE FERNANDES45: “exige que a norma advenha de um processo legislativo de

elaboração previamente definido e não sejam desarrazoadas, portanto, intrinseca-

mente injustas”.

1.3.7 Princípios do contraditório e da ampla defesa

Os Princípios do Contraditório e da Ampla Defesa decorrem da criação do

devido processo legal, sendo previsto no inciso LV do artigo 5º da Constituição Fe-

deral, onde é atribuído que “aos litigantes, em processo judicial e administrativo, e

aos acusados em geral são assegurados o contraditório e a ampla defesa, com os

meios e recursos a ela inerentes”.

Consistem estes princípios, ou corolários, como alguns doutrinadores refe-

44

TUCCI, Rogério Lauria. Direitos e garantias individuais no processo penal brasileiro. Atualizado com a Lei da Prisão(Lei 12.403/2011). 4

a Ed. Revista, atualizada e ampliada. São Paulo: revista dos Tribunais, 2011, p. 62-3;

45 FERNANDES, Antonio Scarance. Processo penal constitucional. 5

a Ed. revista, atualizada e ampliada. São Paulo: Revista

dos Tribunais, 2007, p. 47-8;

35

rendam, as bases da relação processual, instrumentalizando a equivalência entre

acusação e defesa. A este teor coloca JORGE FIGUEREDO DIAS46 que se deve:

“Dar ao arguido a mais ampla possibilidade de tomar posição, a todo momento, so-

bre o material que possa ser feito valer processualmente contra si, ao mesmo tempo

garantir-lhe uma relação de imediação com o Juiz e as provas”.

O contraditório consiste na possibilidade de ser o acusado informado da a-

cusação que é formada contra ele e ainda poder refutar qualquer acusação que é

formada contra si. Denota-se então que o contraditório é formado por dois elementos

básicos, a informação acerca da acusação e o direito de reagir contra a imputação,

contrariá-la. Aponta ANTONIO SCARANCE FERNANDES47 que:

No processo penal é necessário que a informação e a possibilidade de rea-ção permitam um contraditório pleno e efetivo. Pleno porque se exige a ob-servância do contraditório durante todo o desenrolar da causa, até seu en-cerramento. Efetivo porque não é suficiente das à parte a possibilidade for-mal de se pronunciar sobre os atos da parte contrária, sendo imprescindível proporcionar-lhe os meios para que tenha condições reais de contrariá-los. Liga-se, aqui, o contraditório efetivo, estarem as partes munidas de forças similares.

Ressalte-se que a informação do acusado não se restringe à comunicação

sendo certo que este deverá ser informado de todo e qualquer ato efetuado pela par-

te contrária durante todo o curso do processo, possibilitando à parte a faculdade de

se manifestar sobre aquela informação acrescida ao processo. É uma relação intrín-

seca entre Ministério Público e Defesa, que são feitos para contraditarem-se, ou co-

mo pontua FRANCESCO CARNELUTTI48:

o contraditório é para o juízo como o oxigênio do ar que respiramos. A dú-vida é um passo a mais no caminho da verdade; pobre do juiz que não du-vida! […] Não somente a possibilidade como a efetividade do contraditório são essenciais à instrução. Tanto essa garantia quanto o seu equilíbrio são as forças dos lutadores

49.

Como nos dizeres de CARNELUTTI, o princípio do contraditório faz-se por

absoluto, de forma que qualquer violação fará com que se enseje nulidade absoluta

no termo do processo ao qual não fora respeitada a garantia constitucional. Isso por-

46

DIAS, Jorge Figueiredo. Direito Processual Penal. Coimbra: Coimbra Editora, 1974, p. 432; 47

FERNANDES, Antonio Scarance. Processo penal constitucional. 5a Ed. revista, atualizada e ampliada. São Paulo: Revista

dos Tribunais, 2007, p. 63; 48

CARNELUTTI, Francesco. Principi Del Processo Penale, p. 139, apud LOPES JUNIOR. Aury. Introdução crítica ao processo penal: fundamentos da instrumentalidade garantista. 2

a Ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005, p. 220;

49 Em tradução livre. Do original: la loro contraddizione è necessária al giudice come l’ossigeno nell’aria che respira. Il dubbio è

um passagio obbligato sulla via della verità; guai al giudice che non dubita! […] Non tanto la possibilita quanto la effetività del contradditorio sono uma garanzia imprescindibile della istruzione. Tanto più vale codesta garanzia quanto più siano equilibrate Le forze dei due lottatori;

36

que, como complementa MARCO ANTONIO MARQUES DA SILVA50:

O contraditório impõe a conduta dialética do processo. Isso significa dizer que em todos os atos processuais às partes deve ser assegurado o direito de participar, em igualdade de condições, oferecendo alegações e provas, de sorte que se chegue à verdade processual como equilíbrio, evitando-se uma verdade produzida unilateralmente. É, portanto, componente essencial do due process of law, aplicando-se a todo e qualquer processo, entendido o termo como série de atos com a qual se pretende fundamentar uma deci-são, seja judicial ou administrativa. Exige o Estado Democrático de Direito que o contraditório, sobre que assenta a garantia do devido processo legal, revele-se como pleno e efetivo, e não apenas nominal ou formal. Todos os meios necessários têm de ser empregados para que não se manifeste posi-ção privilegiada em prol de um dos litigantes e em detrimento do outro, no rumo do êxito processual. Somente quando as forças do processo, de bus-ca e revelação da verdade, são efetivamente distribuídas com irrestrita i-gualdade é que se pode falar em processo caracterizado pelo contraditório e ampla defesa.

E mesmo após cientificado o acusado acerca dos atos prostrados pela parte

contrária da ação penal, ainda deve ser possibilitado ao acusado o direito de reagir

contra os atos ofertados pela parte contrária, para que se possa exercer a plenitude

da garantia constitucional, inclusive, aplicando-se o contraditório diante de medidas

inaudita altera pars, conforme colaciona ROGÉRIO LAURIA TUCCI51:

Bem é de ver, outrossim, que ela incide, também, nos procedimentos em que previstas decisões inaudita altera pars, dados o seu caráter de proviso-riedade e a sequente possibilidade de defesa destas, com a mais ampla manifestação, antes que se tornem definitivas. (sic)

Visto isso, a faceta formadora do contraditório consiste em viabilizar ao acu-

sado que, após ser informado de todos os atos ofertados pela parte contrária, possa

respondê-los e também se manifestar acerca das constrições impostas pela autori-

dade judicial, ao qual incumbe a análise da verificação do cumprimento do contra-

ditório. Desta vertente, extrai-se a já vista paridade de armas (Waffengleichheit), vis-

to que a garantia do contraditório busca a equiparação das partes parciais no pro-

cesso, possibilitando refutar as alegações da outra parte valendo-se dos mesmos

meios, instrumentos, provas e recursos.

A Ampla Defesa consiste em assegurar o direito do acusado em defender-se

no processo, de forma geral, e não somente contrariando as imputações ofertadas.

Em termos sucintos, seria a instrumentalização do contraditório, possibilitando con-

traditar a acusação fornecendo todos os meios e recursos em Direito admitidos.

50

SILVA, Marco Antonio Marques da. Juizados Especiais Criminais. São Paulo: Saraiva, 1997, p. 46-47; 51

TUCCI, Rogério Lauria. Direitos e garantias individuais no processo penal brasileiro. Atualizado com a Lei da Prisão(Lei 12.403/2011). 4

a Ed. Revista, atualizada e ampliada. São Paulo: revista dos Tribunais, 2011, p. 170

37

Como pontua ÂNGELO AURÉLIO GONÇALVES PARIZ52:

[...] o atendimento ao mandamento constitucional da ampla defesa deve ser informado pelo princípio da efetividade social do processo, exigindo-se a in-terpretação mais abrangente possível. Em outra palavras, não basta só o di-reito de defender-se; é necessário, para a defesa plena, que haja integral li-berdade de produção e meios de uma defesa efetiva para, só assim, alcan-çar-se a concretização do contraditório.

A ampla defesa divide-se em duas formas, consistindo na autodefesa e na

defesa técnica.

Autodefesa é aquela exercida pelo próprio acusado durante o processo, ao

qual age por si só, independentemente de seu procurador, como por exemplo, a

possibilidade de defender-se oralmente perante a autoridade judiciária no interroga-

tório, ou o direito de manter-se silente, asseverado constitucionalmente, como estra-

tégia de defesa, para que não produza prova contra si, ou até mesmo na sua mani-

festação de vontade, como no caso de recurso, onde recorre da decisão assinalando

seu desejo de recorrer no termo de intimação.

Já a defesa técnica consiste naquela de cunho profissional, que será exer-

cida pelo Advogado ou defensor público, consistindo na elaboração de estratégias

de defesa para que se refute a acusação. Como a acusação é ofertada, no âmbito

do processo penal, por órgão público, a acusação é técnica, de forma que a defesa,

para que se iguale em força, não poderá ser exercida somente pelo acusado, que

leigo, não teria igualdade de armas contra o órgão acusador.

Neste ínterim, faz-se por essencial à administração da justiça e para que se

aplique a ampla defesa, que se faça por presente um defensor técnico.

1.3.8 Princípio da Presunção de Inocência

Antes mesmo de iniciarmos a explanação, face ao embate doutrinário da di-

ferença ou dualidade entre presunção de inocência ou presunção de não culpabili-

dade, tomamos por conceito, inobstante posicionamentos em contrário, que se trata,

52

PARIZ, Ângelo Aurélio Gonçalves. O princípio do devido processo legal: direito fundamental do cidadão. Coimbra: Almedina, 2009, p.224;

38

etimologicamente, da mesma coisa. Tomamos por base que o que preconiza o in-

ciso LVII do artigo 5º da Constituição Federal: “ninguém será considerado culpado

até o trânsito em julgado da sentença penal condenatória”.

Os partidários da presunção de não culpabilidade defenderiam aqui que a

Constituição não permite que o acusado tenha por status quo a inocência, ao passo

que está sendo processado, permanecendo, portanto, em situação neutra53.

De outro lado, aos partidários da presunção de inocência, o argumento da

primazia da inocência se dá no ônus da prova, onde o indivíduo engendrado em

uma ação penal é presumido inocente até que se prove o contrário. Pela primazia da

dignidade humana, o indivíduo é inocente por natureza, somente se invertendo essa

presunção no âmbito da prova, onde provada sua culpa, inverter-se-ia este status

quo.

Aqui, tomamos posicionamento pela primazia da presunção de inocência,

pois entendemos que se não há presunção de culpabilidade, seu antônimo preva-

lece, por adequação estrutural ao modelo processual penal elegido pelo Brasil, con-

substanciado na presunção de inocência. E ao argumento de que a Constituição Fe-

deral não preconiza a presunção de inocência, estabelece a Declaração Universal

dos Direitos do Humanos, adotada e proclamada pela resolução 217 A (III) da As-

sembleia Geral das Nações Unidas em 10 de dezembro de 1948, assinada pelo

Brasil na mesma data, estabelece no seu artigo XI, 1:

Toda pessoa acusada de um ato delituoso tem o direito de ser presumida inocente até que a sua culpabilidade tenha sido provada de acordo com a lei, em julgamento público no qual lhe tenham sido asseguradas todas as garantias necessárias à sua defesa (grifo nosso).

53

Neste sentido, Roberto Delmanto Junior pondera que: "Realmente, foram muitas as vozes no passado que se insurgiram contra a presunção de inocência, entendendo-a inaceitável. Segundo Manzini, Gabrieli e Consentiño, lembrados por Bento de Faria, a presunção de inocência seria uma inaceitável extravagância, reflexo de exagerados e inconsequentes excessos dos iluministas. No mesmo sentido se manifestam, também, Giuseppe Sabatini e Carlo Umberto Del Pozzo, salientando que o fato do acusado não poder ser considerado culpado antes de decisão penal condenatória passada em julgado não autoriza que ele seja, todavia, presumido inocente; ele estaria, nas palavras de Del Pozzo, em posição neutra, equidistante da inocência e da culpabilidade. Entre nós, podemos lembrar, ainda, Inocêncio Borges da Rosa, que igualmente assim se posiciona." In: DEL-MANTO JÚNIOR, Roberto. Desconsideração Prévia de Culpabilidade e Presunção de Inocência, Boletim IBCCRIM, São Paulo, n°70/ed. esp., setembro de 1998. Assim também pondera MIRABETE: "... Assim, melhor é dizer-se que se trata do ‘princípio de não-culpabilidade’. Por isso, a nossa constituição não "presume" a inocência, mas declara que ‘ninguém será culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória’ (art. 5º, LVII), ou seja, que o acusado é inocente durante o desenvolvi-mento do processo e seu estado só se modifica por uma sentença final que o declare culpado. Pode-se até dizer, como o faz Carlos J. Rubianes, que existe até uma presunção de culpabilidade ou de responsabilidade quando se instaura a ação penal, que é um ataque à inocência do acusado e, se não a destrói, a põe em incerteza até a prolação da sentença definitiva."

39

Neste sentido, VALÉRIO DE OLIVEIRA MAZZUOLI54 pontua que:

O correto mesmo é falar em princípio da presunção de inocência (tal como descrito na Convenção Americana), não em princípio da não culpabilidade (esta última locução tem origem no fascismo italiano, que não se conforma-va com a idéia de que o acusado fosse, em princípio, inocente). Trata-se de princípio consagrado não só no art. 8º, 2, da Convenção Americana senão também (em parte) no art. 5º, LVII, da Constituição Federal, segundo o qual toda pessoa se presume inocente até que tenha sido declarada culpada por sentença transitada em julgado. Tem previsão normativa desde 1789, posto que já constava da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão (sic.).

Não sendo despiciendo mencionar que por força do §2º do artigo 5º da

Constituição Federal, “Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não ex-

cluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos trata-

dos internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte”, não exclu-

indo, portanto, a presunção de inocência. Neste sentido, sobremaneira, FERNANDO

DA COSTA TOURINHO FILHO55, aponta que:

O princípio remonta o art. 9º. da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão proclamada em Paris em 26-8-1789 e que, por sua vez, deita raí-zes no movimento filosófico- humanitário chamado “Iluminismo”, ou Século das Luzes, que teve à frente, dentre outros, o Marques de Beccaria, Voltaire e Montesquieu, Rousseau. Foi um movimento de ruptura com a mentalidade da época, em que, além das acusações secretas e torturas, o acusado era tido com objeto do processo e não tinha nenhuma garantia. Dizia Bercaria que “a perda da liberdade sendo já uma pena, esta só deve preceder a con-denação na estrita medida que a necessidade o exige” (Dos delitos e das penas, São Paulo, Atena Ed.,1954, p.106). Há mais de duzentos anos, ou, precisamente, no dia 26-8-1789, os franceses, inspirados naquele movi-mento, dispuseram da referida Declaração que: “Tout homme étant pré-sumé innocent jusqu’à cequ’il ait été déclaré coupable; s’ il est jugé indis-pensable de I’ arrêter, toute rigueur qui ne serait nécessaire pour’s assurer de sá persone, doit être sévèrement reprimée par la loi” (Todo homem sen-do presumidamente inocente até que seja declarado culpado, se for indis-pensável prendê-lo, todo rigor que não seja necessário para assegurar sua pessoa deve ser severamente reprimido pela lei). Mais tarde, em 10-12-1948, a Assembleia das Nações Unidas, reunida em Paris, repetia essa mesma proclamação. Aí está o princípio: enquanto não definitivamente condenado, presume-se o réu inocente. (sic. grifo nosso).

Neste sentido, temos que o estado de inocência é estrutural, ou seja, é ele-

mentar para qualquer modelo de processo cuja base se funde na preservação da

dignidade da pessoa humana.

E neste jaez, conclui-se pela presunção de inocência, pois como pontua

54

MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Direito Penal. Comentários à Convenção Americana sobre Direitos Humanos/Pacto de San José da Costa Rica. Vol. 4. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009, p. 85; 55

TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Manual de Processo Penal. 11. Ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 29-30;

40

GUILHERME DE SOUZA NUCCI56: “O estado de inocência é indisponível e irrenun-

ciável, constituindo parte integrante da natureza humana, merecedor de absoluto

respeito, em homenagem ao princípio constitucional regente da dignidade da pessoa

humana”.

Em breve relato histórico, o cotejo atual da presunção de inocência, tomou

sua concepção a partir da ratificação pelo Brasil da Declaração Universal dos Direi-

tos do Homem, datada de 1948, e do Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos

de 1966, foi que começou a dar o supedâneo para o significado atual da presunção

de inocência, com o qual a Constituição Federal de 05 de outubro 1988 consagrou

no nosso ordenamento jurídico a presunção da inocência, na forma como era estatu-

ída na Constituição Italiana, diferindo daquela por caber a qualquer pessoa, e não

somente aos acusados.

Com a ratificação do Pacto de São José da Costa Rica, em 1992, valorou-se

ainda mais a presunção de inocência, de forma a reforçar o inciso LVII do artigo 5º

da Constituição Federal, dando base à interpretação atual do dispositivo, à luz do

cânone interpretativo já consagrado do in dubio pro reo.

Entende-se atualmente por presunção de inocência que tal regra é uma ga-

rantia individual de cunho processual com a qual se norteia o tratamento ao qual o

acusado deverá receber até que se prove o contrário, gerando uma proteção aos

acusados no processo penal de que não serão considerados culpados até que não

haja mais a possibilidade de reforma da decisão condenatória, como meio de não se

fazer por influenciar as decisões dos Tribunais, com a decisão de primeiro grau, não

podendo atribuir qualquer culpa apta a influenciar as decisões superiores. Como de-

fine ALEXANDRA VILELA57, a presunção de inocência é:

Uma garantia subjectiva do arguido que se traduz no facto de ser reconhe-cido inocente enquanto a sua culpabilidade não seja provada – por quem acusa –, destruindo assim o seu estado de inocência, bem como no facto de não poder ser exercida qualquer coacção pessoal contra o acusado, para lá do estritamente indispensável com vista a harmonizar os interesses de liber-dade e justiça (sic).

Essa regra, preservada e afirmada na Constituição Federal de 1988 é desti-

56

NUCCI, Guilherme de Souza. Princípios constitucionais penais e processuais penais. 2a ed. revista, atualizada e ampliada.

São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012, p.264 57

VILELA, Alexandra. Considerações acerca da presunção de inocência em direito processual penal. Coimbra: Coimbra Edi-tora, 2005, p. 89;

41

nada a reger as bases democráticas da sociedade, constituindo um dos maiores

símbolos representativos da antítese ao absolutismo do Estado e da forma opressiva

de poder, permitindo ao homem que, no processo político, rompa com paradigmas

do passado face ao Poder do Estado, e jamais seja tratado como se culpado fosse,

até que a afirmação dessa culpa seja pacificada em sentença condenatória com

trânsito em julgado.

Trata, portanto, a presunção de inocência do fato de que ao momento em que

se imputa ao acusado a prática de um crime, o ônus da prova não se faz ao acu-

sado, que deverá provar que é inocente, mas cumpre o ônus à acusação, que de-

verá provar ser o réu, culpado das imputações ofertadas. É uma forma de se garantir

ao acusado que, uma vez que se funde suspeita contra ele, que este mantenha-se

presumido inocente até que o acusador tenha como embasar a prova e estabelecer

qualquer nexo entre o acusado e a autoria do fato e a materialidade delitiva, como

forma de se buscar a verdade real. Diante desta forma de se atribuir o ônus da pro-

va, garante-se ao acusado a forma de se manter a autoridade julgadora imparcial,

até que toda a prova tenha sido colhida e realizada, na forma com a qual a o magis-

trado, à partir da prova produzida poderá se orientar para a formação de sua convic-

ção, diante do fato de que ao acusado, se nada provado contra este, manter-se-á

seu estado de inocência, diante da forma com a qual deve ser tratado no curso do

processo penal. Avalia a presunção de inocência, AURY LOPES JUNIOR58, neste

sentido, no qual:

[…] a presunção de inocência, enquanto princípio reitor do processo penal deve ser maximizada em todas as suas nuances, mas especialmente no que se refere à carga da prova (regla del juicio), e às regras de tratamento do imputado (limites à publicidade abusiva [estigmatização do imputado] e à limitação do (ab)uso das prisões cautelares).

No âmbito da Lavagem de Capitais, verificaremos que a presunção de ino-

cência é o princípio do Estado Democrático de Direito que mais sofre restrições no

âmbito da aplicação da Lei 9.613/98, pois se impõe pela política criminal um Direito

Penal e um Processual Penal repressivos, destoando do ordenamento jurídico pá-

trio, que preconiza a dignidade da pessoa humana, unicamente para que se reprima

a crescente criminalidade. Como veremos no momento oportuno, a Lei de Lavagem

de Capitais viola a presunção de inocência quando da constrição de seus bens, in-

58

LOPES JUNIOR. Aury. Introdução crítica ao processo penal: fundamentos da instrumentalidade garantista. 2 Ed. Rio de Ja-neiro: Lumen Juris, 2005, p. 179;

42

vertendo o ônus da prova, impondo ao acusado que faça prova da licitude dos meios

que adquiriu seus bens, direitos e valores, presumindo-se o acusado de tê-los adqui-

ridos de maneira ilícita com a singela alegação lastreada em indícios, permitindo a-

inda ao Estado aliená-los antecipadamente. Ora, se há a presunção de inocência,

não há de se impor a este a comprovação da licitude de seus bens, direitos e valo-

res.

1.3.9 Prestação jurisdicional justa como expressão do respeito à Dignidade Humana

É na dignidade da pessoa humana, pelo seu substrato de validade de funda-

mento e existência do Estado, das suas atividades e do respeito aos direitos e ga-

rantias assegurados na sua carta política que o direito deve reger as relações soci-

ais. Todavia, para que se diga o efetivo direito de cada qual, essencial que haja a

sua aplicação, através da provocação da parte. E a resposta à esta provocação do

Estado, na figura do Poder Judiciário e a chamada prestação jurisdicional.

A prestação jurisdicional então constitui no Direito de todos os cidadãos de

obter uma resposta a seus pedidos, de forma positiva ou negativa, do Poder Judiciá-

rio. Neste sentido, uma das formas do Estado materializar e concretizar o princípio

da dignidade humana é oferecendo aos cidadãos uma prestação jurisdicional ade-

quada célere, eficiente e justa. A tutela jurisdicional justa passa, a constituir não so-

mente dever jurídico do Estado – assumida esta vertente desde que o Estado tomou

para si e monopolizou a prestação jurisdicional, mas também um direito político fun-

damental do cidadão.

Tomamos então por base que as relações humanas por vezes gera insatisfa-

ção, e desta insatisfação é que se originam as relações processuais. Porém, para

que esta insatisfação gere resultados, é necessário que se submeta ao crivo do Po-

der Judiciário. Mas não de qualquer forma. Faz-se necessário estabelecer regras

para a vigência das relações processuais para que não extrapolem os limites do di-

reito e se transmude em arbítrio do julgador.

Verifica-se então, como já discorremos anteriormente, que o Estado é o de-

43

tentor do poder de punir, mas para que possa punir, mister estabelecer-se uma rela-

ção processual, devendo o Estado enquanto jurisdição, ser provocado para que diga

o direito das partes, para assim, após uma relação processual onde respeitados to-

dos os direitos e garantias fundamentais das partes, possa ser entregue a prestação

jurisdicional.

Então, a relação processual penal, como pondera MARCO ANTONIO MAR-

QUES DA SILVA59:

O processo penal se inicia, então, em virtude de um fato com aparência de delito, sendo este o objeto, isto vai significar também, que o processo penal não poderá ter como objeto a vida inteira de uma determinada pessoa física. O processo penal deverá dizer respeito a um acontecimento ou a uma suces-são de acontecimentos de fato que se fundam num juízo de probabilidade a-cerca do cometimento de pelo menos uma infração penal. Observa, ainda, que o processo penal não pode iniciar-se com fundamento em uma suspeita genérica ou tão somente com a finalidade de levar a uma conclusão uma in-vestigação onde ao final surjam fatos puníveis. A existência da investigação se justifica pelo processo e não justifica, ela mesma, o processo.

Partindo deste ponto, podemos extrair que a prestação jurisdicional penal se

estabelecerá a partir da delimitação de um determinado fato concreto, onde buscará

o Estado, imbuído do ônus da prova, demonstrar a culpabilidade do indivíduo engen-

drado na persecutio criminis, assegurando a este também, o respeito à todas as ga-

rantias fundamentais inerentes ao processo e o respeito de sua dignidade humana.

A prestação jurisdicional, sob este enfoque, deverá ser efetiva célere, ade-

quada e devidamente fundamentada.

Sobre a efetividade, se supõe daquela onde admitida a viabilidade da rela-

ção processual, foram produzidas todas as provas e respeitadas todas as garantias

das partes, proferindo então o Magistrado, responsável pelo direito em testilha discu-

tido naquela relação, deverá dizer o direito às partes, de forma eficiente, adequada e

proporcional, somente assim se efetivando a entrega da prestação jurisdicional.

Mas saindo do campo hipotético, como cediço, concretamente, a situação

que se vê é outra. Sendo o direito uma ciência social, submetida ao crivo de uma

pessoa humana, na figura do Magistrado, mesmo que este represente o Poder Judi-

ciário e o Estado, não está adstrito ao acerto em todas as vezes que julga.

59

SILVA, Marco Antonio Marques da. Acesso à Justiça Penal e o Estado Democrático de Direito. São Paulo: Juarez de Oli-veira, 2001, p. 121;

44

Há casos onde pode ocorrer o déficit ou a demora na prestação jurisdicional,

ou ainda, esta não ser proferida de forma eficaz, e ao arrepio do artigo 93, inciso IX

da constituição Federal, poderá ser entregue de forma deficiente, infundada.

1.3.10 O dever de fundamentação das decisões judiciais e a prestação jurisdicional

Conforme preconiza o inciso IX do artigo 93 da Constituição da República:

“todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade, podendo a lei limitar a presença, em determinados atos, às próprias partes e a seus advo-gados, ou somente a estes, em casos nos quais a preservação do direito à intimidade do interessado no sigilo não prejudique o interesse público à in-formação” (sic. grifo nosso).

Por tal previsão constitucional, estabelece-se que ao poder Judiciário, pelo

seu representante, quer seja o Magistrado, este deve zelar pela eficácia e clareza de

sua decisão, devendo proferi-la dentre o critério de correspondência com o que foi

requerido pelas partes, vedando-se aquelas onde manifestou-se sem qualquer res-

paldo na legislação, apenas proferindo ilações, conjecturas ou achismos, principal-

mente se tal decisão influir diretamente na liberdade individual, sendo passível da

decretação da nulidade.

Hoje o postulado da fundamentação dos atos judiciais foi ampliado não so-

mente para a publicidade dos atos judiciais, mas como forma de controle dos atos

do Poder Judiciário pela sociedade, imprimindo ao magistrado o dever de amparar

sua decisão em argumentos idôneos, técnicos e secundado da previsão legal, como

meio de se coibir o arbítrio. Neste sentido, ANTONIO SCARANCE FERNANDES60

pontua que a garantia da motivação dos atos decisórios:

Evoluiu a forma de se analisar a garantia da motivação das decisões....Os destinatários da motivação não são mais somente as partes e os juízes de segundo grau, mas também a comunidade que, com a motivação, tem con-dições de verificar se o juiz, e por consequência a própria Justiça, decide com imparcialidade e com conhecimento da causa.

A garantia também preza pela necessária técnica, o conhecimento da maté-

60

FERNANDES, Antonio Scarance. Processo penal constitucional. 5a Ed. revista, atualizada e ampliada. São Paulo: Revista

dos Tribunais, 2007, p. 139;

45

ria em análise pelo magistrado, que não pode valer-se do mero arbítrio e despejar

sobre o acusado expressões sem sentido, ou como coloca HELIO TORNAGHI61:

[...] expressões meramente formais, empregadas em detrimento da funda-mentação, são a mais rematada displicência, tirania ou ignorância, pois, a-lém de tudo, envolvem petição de princípio: com elas o Juiz toma por base exatamente aquilo que deveria demonstrar.

Daí que tecnicismo impreciso, imputações genéricas, achismos, ilações,

conjecturas, etc., não servem para a satisfação da prestação jurisdicional. O magis-

trado, por mais que tenha liberdade para a formação de seu convencimento, deve

manifestar-se de forma fundamentada, sempre com o escopo de garantir a possibili-

dade do contraditório e da amplitude de defesa, como assim pondera GUILHERME

DE SOUZA NUCCI62: “...motivação das decisões judiciais é preceito constitucional,

além do que analisar, ainda que seja para refutar, as teses defensivas caracteriza

corolário natural do princípio da ampla defesa”. Complementando esse sentido, es-

clarece-se que ao magistrado, embora dotado da prerrogativa de decidir conforme

seu convencimento acerca de determinado fato, este convencimento deve ser sem-

pre motivado, ou como coloca ROGÉRIO LAURIA TUCCI63:

[...] o magistrado pronunciante de ato decisório mostra como apreendeu os fatos e interpretou a lei que sobre eles incide, propiciando, com as indispen-sáveis clareza, lógica e precisão, a perfeita compreensão da abordagem de todos os pontos questionados e, consequente e precipuamente, a concluso atingida.

Assim postulado, não há como se furtar o Magistrado de entregar a presta-

ção jurisdicional sem que seja pontuada a devida fundamentação. Mormente se tra-

tar da liberdade individual, um dos bens mais inerentes do indivíduo, além da neces-

sidade de se preservar a dignidade da pessoa humana, necessário que a prestação

jurisdicional seja completa. Finalizando, nesta ótica, MARCO ANTONIO MARQUES

DA SILVA64 assinala que:

A liberdade, enquanto Direito fundamental, deve ser garantida pelo Estado, e este deve interferir somente quando necessário, observando o principio res-tringenda sunt odiosa. O ponto básico do reconhecimento do direito à liber-dade, no sentido apresentado, decorre do fundamento da dignidade humana, e esclarece, neste aspecto que qualquer excesso por parte do poder público

61

TORNAGHI, Helio. Curso de processo penal. Vol. 2. 7a ed. São Paulo: Saraiva, 1990, p 243;

62 NUCCI, Guilherme de Souza. Código de Processo Penal Comentado. 8ª Edição. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008, p.

874; 63

TUCCI, Rogério Lauria. Direitos e garantias individuais no processo penal brasileiro. Atualizado com a Lei da Prisão(Lei 12.403/2011). 4

a Ed. Revista, atualizada e ampliada. São Paulo: revista dos Tribunais, 2011, p. 196;

64 SILVA, Marco Antonio Marques da. Acesso à Justiça Penal e o Estado Democrático de Direito. São Paulo: Juarez de Oli-

veira, 2001, p. 13;

46

é odioso.

1.3.11 Duração razoável do processo e a responsabilidade do Estado na prestação

jurisdicional

Complementando a análise do tema da prestação jurisdicional estabelece-se

também que o direito à uma tutela jurisdicional deve advir em um tempo razoável,

sendo o Estado o responsável pela celeridade e eficiência dos seus julgamentos.

Como pontuou RUY BARBOSA65:

Mas justiça atrasada não é justiça, senão injustiça qualificada e manifesta. Porque a dilação ilegal nas mãos do julgador contraria o direito escrito das partes, e, assim, as lesa no patrimônio, honra e liberdade. Os juízes tardi-nheiros são culpados, que a lassidão comum vai tolerando. Mas sua culpa tresdobra com a terrível agravante de que a lesado não tem meio de reagir contra o delinquente poderoso, em cujas mãos jaz a sorte do litígio pen-dente (sic).

Assim, o direito de acesso efetivo à jurisdição implica também que a res-

posta à pretensão deduzida seja em prazo razoável e tempestivo, pois a decisão ju-

dicial tardia pode equivaler à denegação da justiça.

A garantia contra a demora do processo foi expressamente prevista no ar-

tigo 5º, inciso LXXVIII, da Constituição Federal, ao dispor que “a todos, no âmbito

judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os mei-

os que garantam a celeridade se sua tramitação”.

O direito de acesso à ordem jurídica justa, consagrado no artigo 5º, inciso

XXXV, da Constituição Federal, não deve exprimir apenas que todos podem ir a ju-

ízo e se defender. Estabelece-se então que a todos é assegurado o direito à ade-

quada tutela jurisdicional (efetiva, adequada e tempestiva). Diga-se, portanto, que

uma tutela judicial efetiva pressupõe o direito de obter uma decisão em prazos razo-

áveis, sem dilações indevidas e atrasos injustificados; a tutela adequada inclui a ob-

tenção de uma decisão num lapso de tempo razoável, que deve ser proporcional e

65

BARBOSA, Ruy. Oração aos moços. Nova edição. Rio de Janeiro: Casa de Rui Barbosa 1956, p. 63-4;

47

adequado à complexidade do processo. Como coloca AURY LOPES JUNIOR66, so-

bre a dilação indevida:

Por dilação entende-se a (de)mora, o adiamento, a postergação em relação aos prazos e termos (inicial-final) previamente estabelecidos em lei, sempre recordando o dever de impulso (oficial) atribuído ao órgão jurisdicional (o que não se confunde com poderes instrutórios-inquisitórios). Incumbe às partes o interesse de impulsionar o feito (enquanto carga no sentido empre-gado por James Goldschimidt), e um dever jurisdicional em relação ao juiz. Já o adjetivo “indevida”, que acompanha o substantivo “dilação”, constitui o ponto nevrálgico da questão, pois a simples dilação não constitui o pro-blema em si, eis que pode estar legitimada. Para ser “indevida”, deve-se buscar o referencial “devida”, enquanto marco de legitimação, verdadeiro divisor de águas (para isso é imprescindível um limite normativo, conforme tratado a continuação).

Desta conceituação apreende-se que não basta o processo ser devido e

respeitadas as garantias, mas por consistir um constrangimento ao indivíduo, um

mal (necessário ou não), deve ser célere, sem que se façam dilações ou extensões

aquém do necessário.

O basilar da duração razoável do processo, no ordenamento jurídico brasi-

leiro, foi estabelecido com a ratificação da Convenção Americana sobre Direitos

Humanos pelo Decreto n. 678/92, passando a ter índole constitucional os direitos e

garantias processuais nele inseridos, nos termos do artigo 5º, §2, da Constituição

Federal, inclusive, a nova garantia surgida expressamente da Convenção, que é di-

reito ao processo em prazo razoável.

O artigo 8º, 1, da Convenção Americana sobre Direitos Humanos, assinada

em São José, Costa Rica, em 22.11.69, que foi incorporado ao direito interno atra-

vés do Decreto n. 678/92 preceitua o seguinte:

Toda pessoa tem direito de ser ouvida com as devidas garantias e dentro de um prazo razoável por um juiz ou tribunal competente, independente e im-parcial, instituído por lei anterior, na defesa de qualquer acusação penal contra ele formulada, ou para a determinação de seus direitos e obrigações de ordem civil, trabalhista, fiscal ou de qualquer outra natureza...

E o artigo 25.1, do mesmo Pacto de São José da Costa Rica (Decreto n.

678/92), ao tratar da proteção judicial, dispôs que:

Toda pessoa tem direito a um recurso simples e rápido ou a qualquer outro recurso efetivo, perante os juízos ou tribunais competentes, que a proteja contra atos que violem seus direitos fundamentais reconhecidos pela consti-

66

LOPES JUNIOR. Aury. Introdução crítica ao processo penal: fundamentos da instrumentalidade garantista. 2 Ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005, p. 107;

48

tuição, pela lei ou pela presente convenção, mesmo quando tal violação se-ja cometida por pessoas que estejam atuando no exercício de suas funções oficiais.

Então, incumbe ao ordenamento processual atender, de modo mais com-

pleto e eficiente possível, ao pleito daquele que exerceu o seu direito à jurisdição,

bem como daquele que resistiu, apresentando defesa. Ao lado da efetividade do re-

sultado que deve conotá-la, também é imperioso que a decisão seja tempestiva.

Para consagrar o princípio da eficiência processual, foi inserido no direito

brasileiro, o inciso LXXVIII, do artigo 5º, da Constituição Federal, através da Emenda

Constitucional n. 45/2004, incorporando, expressamente, a garantia constitucional

do processo tempestivo: “a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegura-

dos a razoável duração do processos e os meios que garantam a celeridade de sua

tramitação”.

49

2 A LAVAGEM DE CAPITAIS

2.1 OS EFEITOS DA GLOBALIZAÇÃO SOBRE OS DIREITOS FUNDAMENTAIS: A

TRANSCRIMINALIDADE E A INFLUÊNCIA DA POLÍTICA CRIMINAL DA EMER-

GÊNCIA NO ÂMBITO DO PROCESSO PENAL

Uma das maiores indagações das Ciências Penais e Constitucionais cotidia-

namente se infere na abertura de novos paradigmas em detrimento da evolução so-

cial, sem que se perca de vistas os princípios norteadores do Estado Democrático

de Direito. Esta problemática decorre universalmente do fenômeno compreendido

por “globalização”, que saiu de um movimento industrial para a restruturação com-

pleta do capitalismo, que demandou a criação de novas formas de controle social,

adequadas à evolução social.

Isso porque a globalização, assim entendida como um processo de aprofun-

damento e dinamismo na integração econômica, social, cultural, política e compor-

tamental, entre os povos, que por meio do avanço tecnológico, estabeleceu novas

possibilidades de interação entre pessoas ao redor do mundo, fazendo com que as

fronteiras, antes barreiras intransponíveis para resguardo da soberania e resguardo

das tradições e cultura dos povos, hoje evanescem, convergindo o mundo para a

construção de uma nova “Torre de Babel”, formada por diversas culturas, diversos

ideais, diversas religiões, pensamentos, doutrinas, além de tornar mais evidente as

disparidades sociais e financeiras, das quais nem sempre se verifica a tolerância e

univocidade.

Esta troca muito rápida de informações acabou possibilitando um grande

avanço social, mas também, com os avanços tecnológicos, e com a troca voraz de

informações, aliadas à abertura de novos mercados e a facilidade de realizar opera-

ções em moeda digital, possibilitou ao mundo a experimentação de novas modalida-

des de criminalidade, que não se barram nas fronteiras do Estado, sendo conhecida

50

doravante por transcriminalidade. A este teor, REG WHITAKER67, aponta que a

dinâmica da globalização pela redução ou supressão de barreiras à circulação de

pessoas, circulação de bens e a simplificação das operações financeiras, com o

advento do “dinheiro virtual”, permitiu o crescimento da chamada economia

transnacional ilícita, operada por grupos criminosos internacionais, que, praticando

os mais diversos tipos de ilícitos penais, convertem seu dinheiro em poder, para

expandir seu alcance global e seus interesses ilícitos.

Neste mesmo contexto, e pontuando a influência da globalização da econo-

mia, coloca MOISES NAIM68 que a criminalidade global, graças à sua capacidade de

acumulação e gestão de ganhos colossais, acabou por desempenhar grande papel

de força política, o que interpretamos como um declínio do Direito Penal, que co-

lapsa e transmuda em crise, opondo o poderio estatal ao front da criminalidade or-

ganizada.

Estas organizações criminosas, em ascensão, infiltram-se nos diversos ra-

mos do poder. Economia, mercado de capitais, política, etc., passam a ser influenci-

ados por indivíduos ou corporações que nem sempre versam e visa o interesse so-

cial e coletivo, face o individual, o favorecimento de poucos grupos, implicando na

política da “vista grossa” a determinados assuntos que acabam por contribuir com o

avanço da criminalidade.

Mas a tragédia da sociedade moderna se resume a estes fatores? Podemos

dizer, em fundo, sim, pois a ganância, a necessidade de obtenção de mais bens de

consumo, o conforto, ou porque não dizer, a concepção distorcida de “sobrevivên-

cia”, ou seja, o favorecimento individual em prejuízo do favorecimento social que de-

manda a sobrepujança da “quantidade”, enfim, a consequência dessa mentalidade

pôs em cheque o controle social exercido pelo Estado, iniciando uma crise nos Direi-

tos Fundamentais, pelo uso irracional do Direito Penal para o combate à criminali-

dade exacerbada, instituindo o retrocesso da sociedade a uma ruptura semântica e

à instituição de um Estado “policialesco”69.

67

WHITAKER, Reg. The dark side of life: globalization and international organized crime. In: Social Register 2002: A World of Contradictions. Vol 38. Londres: The Merlin Press: 2001, p. 132; 68

NAÍM, Moisés. Ilícito: o ataque à pirataria, da lavagem de dinheiro e do tráfico à economia global. Rio de Janeiro: Jorge Za-har Editor, p. 18; 69

A Organização dos Estados Americanos – OEA –, em estudo formulado pelo CICAD concluiu neste sentido que: “Con la amenaza de modernas y sofisticadas formas de actividad criminal transnacional, en el curso de la segunda mitad de siglo XX,

51

Senão outrora, esses novos meios de violência, novos medos, fizeram com

que se desenvolvesse uma sociedade de risco, houvesse um combate desenfreado

à criminalidade, ou como ressalva FAUZI HASSAN CHOUKR70:

[...] no limiar de um novo milênio, amparado por uma tecnologia sem prece-dentes, cuja utilização prática é regida por uma ética questionável, o Homem continua a temer demônios que são essencialmente por ele mesmo criados, buscando no mundo jurídico soluções contingenciais para problemas que são, antes de tudo, contextuais. Das assombrações modernas, duas são par-ticularmente evidentes: o narcotráfico e o terrorismo (interno e internacional). Ao lado dessas, outras menos significativas também se apresentam como a prostituição internacionalmente promovida e aquilo que se denomina lava-gem de dinheiro, natural desdobramento das anteriores. Todas têm em co-mum um ponto, que é o perfil organizado dessas atividades, aumentando as-sim o potencial assustador de suas consequências, o que, por outro lado, é legitimador do aumento de que algo precisa ser feito.

DANIEL LEON BIALSKI71, neste ínterim, complementa apontando que:

A criminalidade, pela sua presença no cotidiano do cidadão, deixou de ser problema que apenas diz respeito às polícias e aos tribunais, a questão do crime na sociedade ordeira tem a ver com a qualidade de vida. Problema complexo e em constante evolução, o crime não é solucionável, antes co-natural à própria sociedade e, como tal, uma questão perene que importa , sobretudo, minimizar e controlar (sic).

Não se olvida que é necessário impor uma solução à criminalidade latente e

exacerbada. Não se busca aqui efetuar um discurso de abolicionismo penal. Porém,

neste contexto, o que se pondera é que seja instituída uma política criminal de acor-

do com os Direitos e Garantias Fundamentais, amparando, desde o processo legis-

lativo, à criação de leis que sejam compatíveis com a Constituição, prevendo puni-

ções proporcionais e um processo devido.

Mas inobstante as colocações que fazemos, a realidade é outra. O Direito

Penal e o Processo Penal estão em crise, face à estagnação dos meios de controle

social que não acompanharam o avanço social. Esta impotência da lei faz com que o

Estado aja pela emergência, buscando novamente tomar as rédeas do controle so-

cial e polarizar a segurança jurídica face ao anseio social de punibilidade. Porém,

como coloca CLAUDIO JOSÉ LANGROIVA PEREIRA72:

y más recientemente en estos últimos 25 años, ha crecido la preocupación pública, haciendo patente el hecho de la insuficien-cia de las legislaciones nacionales para enfrentar el problema.” In: ORGANIZAÇÃO DOS ESTADOS AMERICANOS. Manual de apoyo para la tipificación del delito de lavado. Washington D.C.: CICAD, 1992, p. 13; 70

CHOUKR, Fauzi Hassan. Processo Penal de Emergência. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2002, p. 33; 71

BIALSKI, Daniel Leon. Extradição e prisão preventiva. Dissertação de Mestrado apresentada à Pontifícia Universidade Cató-lica de São Paulo. 2008, p. 19; 72

PEREIRA, Claudio José Langroiva. Proteção jurídico-penal e direitos universais. Tipo, tipicidade e bem jurídico universal. São Paulo: Quartier Latin, 2008, p. 109;

52

[...] tal posicionamento resulta em uma desconsideração dos princípios da intervenção mínima e de ultima ratio, segundo uma orientação de subsidia-riedade que exige a intervenção penal segundo funções valorativas e autô-nomas.

Emergência, no campo penal73, é o que foge ao padrão tradicional do Direito

Penal como meio de controle social e repressão. Nesta senda, a criminologia con-

temporânea dará a guarida a esse subsistema, colocando-o em uma escala acima

da gravidade criminosa, como uma tentativa de tentar justificar a adoção de meca-

nismos excepcionais de processo penal e flexibilização de direitos e garantias fun-

damentais, embora sempre defenda o modelo de Estado Democrático de Direito74.

Porém, essa emergência, face à crise estabelecida, pode gerar efeitos ca-

tastróficos no ordenamento jurídico. Pontua JOSÉ DE FARIA COSTA75:

Que vivemos em um tempo de crise – de crise das instituições, da ética, do direito penal e da própria percepção da realidade – não resta qualquer dú-vida. No entanto, neste tempo de fractura e de fragmentação de toda a reali-dade – sobretudo do real construído, emerge, em simultâneo, uma tendên-cia devastadora de homogeneização, uma perigosa inclinação para se pen-sar de jeito liofilizado, para se a aceitar, acriticamente, o absolutismo global.

Dentro deste contexto, se exprime a ideia, na política criminal, de que a pu-

nição extremada e a imposição de um estado policialesco é que trará novamente ao

seio social, a segurança jurídica, fazendo da oportunidade o seu meio de criação le-

gislativa, sem contar que, em contrapartida, existem os Direitos Fundamentais que

constituem o pilar básico do Estado Democrático de Direito. INGO WOLFGANG

SARLET76 complementa a respeito que:

[...] a polarização (inevitavelmente acompanhada de uma boa dose de para-noia e até mesmo – pelo menos em algumas situações – de um sentimento de histeria coletiva) instaurada no seio da sociedade – e nisso provavel-mente reside a maior ameaça – abre as portas para a manipulação de toda a sorte de medidas arbitrárias e erosivas do Estado Democrático de Direito, ainda que sob o pretexto de serem indispensáveis para a segurança social, parece evidente e reclama medidas urgentes. O fas-cismo societal do qual fala Boaventura Santos não apenas ressuscita a an-tiga máxima hobbesiana de que o homem é o lobo do homem (como condi-

73

Importante distinguir a emergência no campo penal da emergência no campo constitucional. A emergência constitucional liga-se às hipóteses de exceção do Estado Democrático de Direito estabelecidas pela Constituição Federal, como nos casos de Estado Defesa (art. 136 da CRFB) e Estado de Sítio (art. 137 a 139 da CRFB), onde se encontram mecanismos de proteção ao estado de normalidade em situações de emergência; 74

CHOUKR, Fauzi Hassan. Processo Penal de Emergência. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2002, p. 14-15;

75 COSTA, José de Faria. A criminalidade em um mundo globalizado: ou plaidoyer por um direito penal não-securitário. Revista

de Legislação e Jurisprudência nº 3.934. Coimbra: Coimbra Editora, setembro-outubro de 2005, In COSTA, José de Faria. SILVA, Marco Antonio Marques da. (coord.) Direito penal especial, processo penal e direitos fundamentais: visão luso-brasi-leira. São Paulo: Quartier Latin, 2006, p. 89; 76

SARLET, Ingo Wolfgang. Constituição e proporcionalidade: o direito penal e os direitos fundamentais entre proibição de ex-cesso e de insuficiência. In FRANCO, Alberto Silva. NUCCI, Guilherme de Souza. (org.) Doutrinas Essenciais: Direito Penal. Vol.1. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010, p.113;

53

ção legitimadora do exercício da autoridade estatal), mas reintroduz (ainda que de modo disfarçado) no discurso teórico de não poucos analistas soci-ais, políticos e jurídicos a oposição do amigo-inimigo cunhada por Carl Sch-mitt no seu conhecido e controverso ensaio sobre o conceito do político, a-brindo as portas para a implementação de sistemas penais diferenciados, ao estilo de um direito penal do inimigo e da política criminal “sombria” da qual nos fala Hassemer, mediante a instauração de medidas criminais emi-nentemente policialescas, obedientes à lógica dos fins que justificam os meios, demonstrando o caráter regressivo dos movimentos de lei e ordem (sic. grifo nosso).

Justamente o desespero social enseja a criação de leis que, aquilatando a

necessária repressão criminal como meio de preservação dos direitos sociais e cole-

tivos, acaba por descumprir todo o sistema de Direitos e Garantias Fundamentais.

Sobre este aspecto, diante do clamor social, ecoado pelo lobby midiático acerca da

doutrina da impunidade, o legislador tem estabelecido leis cada vez mais rígidas,

que muitas vezes pecam pela falta de tecnicismo na elaboração do seu texto, ge-

rando, por consequência um conteúdo altamente atentatório aos princípios e garan-

tias fundamentais da Lei Fundamental.

Desta criação de leis penais e processuais penais com rigor excessivo, face

o Estado Democrático de Direito adotado pelo Brasil, acaba por divisar a emergência

e os direitos e garantias fundamentais, opondo, por muitas vezes, o rigor excessivo

como modo de restabelecimento da ordem e controle social acima dos direitos e ga-

rantias individuais, dando margem a uma crise destes direitos fundamentais preconi-

zados pela constituição.

2.2 O PAPEL DA EMERGÊNCIA NO PROCESSO LEGISLATIVO E A CRIAÇÃO DA

LEI DE LAVAGEM DE CAPITAIS

A cargo das experiências sociais, o avanço da criminalidade e o desgaste

das relações sociais pelo grande consumo dos meios de comunicação e da mídia

sensacionalista, levou o Direito Penal desvirtuar sua função primordial de controle

social, deixando de indenizar o dano e passando a indenizar o risco77. Neste con-

texto, a temática do processo penal também passou a criar instrumentos de articula-

77

Neste sentido, CARLI, Carla Veríssimo. Lavagem de Dinheiro: ideologia da criminalização e análise do discurso. Dissertação de Mestrado apresentada à Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. Porto Alegre: PUCRS, 2006, p. 41;

54

ção de direitos e garantias em prol da contenção da criminalidade e da retirada de

parte do poderio destas organizações criminosas, desequilibrando a balança proces-

sual em nome da contenção e repressão da criminalidade.

Esta maneira de agir, esta implantação de Política Criminal de emergência

fez com que a cada novo fato social de importância ou comoção social, o Poder Le-

gislativo repensasse a forma com que a Lei era criada, deixando-se influenciar por

um método de garantismo negativo, atendendo aos anseios sociais sem antes

mesmo verificar se a lei atende ao sistema de hierarquia de normas e não confronta

a Constituição Federal. Atentamos aqui para o fato de que quanto maior a preocu-

pação em criminalização de novas condutas ou o agravamento das condutas já exis-

tentes, inversamente, menor é a proteção aos direitos e garantias fundamentais que

dão sustentáculo ao Estado Democrático de Direito. JOSÉ DE FARIA COSTA78 ain-

da pontua neste jaez que:

A diminuição das garantias processuais é um dos aspectos que mais rapi-damente se manifestam enquanto característica do Estado punitivo. Não por acaso, é o direito processual penal visto como a mais sensível das sensiti-vas às variações mínimas das estruturas do poder. Com efeito, multiplicam-se e agravam-se as medidas derrogatórias de direito comum, como sejam a proteção de testemunhas ou determinadas técnicas de revista e buscas. Hi-potecam-se as garantias dos arguidos em prol de uma luta mais eficaz con-tra aquela criminalidade que abala os alicerces da comunidade democrática, mas que, ao fim e ao cabo, acaba por fazer esta mesma comunidade pôr em risco a democracia em que assenta.

Este Estado punitivo positivado pela Política Criminal da emergência, uma

vez inserido no contexto legislativo, desloca o fiel da balança preconizado pelo Es-

tado Democrático de Direito, fazendo com que o Estado se omita na tarefa de pon-

deração entre preceitos fundamentais conflitantes e atenda a calamidade social que

reivindica maior intervenção do Direito Penal, resolvendo pela hipercriminalização,

ainda que a feição punitiva tenha finalidade apenas simbólica79.

Daí que o Estado, por esta forma de agir, não busca a solução dos proble-

mas sociais, mas produzir um impacto tranquilizador no cidadão, que passa a acre-

ditar naquela resposta imediata do Estado ao crime, apaziguando os ânimos sociais.

78

COSTA, José de Faria. A criminalidade em um mundo globalizado: ou plaidoyer por um direito penal não-securitário. In: COSTA, José de Faria. SILVA, Marco Antonio Marques da. (coord.) Direito penal... op. cit. p. 95 79

cf. FRANCO, Alberto Silva. Crimes hediondos. 3. Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1994, p. 12;

55

É o que pondera ALBERTO SILVA FRANCO80 ao apontar que:

A função nitidamente instrumental do Direito Penal ingressa numa fase cre-puscular cedendo passo, na atualidade, à consideração de que o controle penal desempenha uma função nitidamente simbólica. A intervenção penal não objetiva mais tutelar, com eficácia, os bens jurídicos considerados es-senciais para a convivencialidade, mas apenas produzir um impacto tranqui-lizador sobre o cidadão e sobre a opinião pública, acalmando os sentimen-tos individual ou coletivo de insegurança.

Neste contexto, leis de emergência são criadas pelo que a doutrina chama

de Broken Windows Theory81, onde o Estado demonstra resposta penal imediata a

todo e qualquer comportamento que colide contra seus preceitos fundamentais de

ordem e segurança jurídica, punindo exemplarmente aquele que atente contra tais

comportamentos.

No entanto, por esta teoria, se o controle social antes se dava pelo parla-

mento, na parcela de criação de leis, bem como pelo Poder Judiciário na interpreta-

ção de normas e adequação aos casos concretos, ou pelo seu controle de legali-

dade, a partir do momento em que se impõe a cultura da emergência no Estado de

Direito, leis carreadas de alta carga punitiva adentram o ordenamento jurídico como

meio de apresentação de uma resposta à sociedade, sem se dar conta de que co-

loca na mesma matula trabalhadores, funcionários, profissionais liberais, pais de fa-

mília, e aqueles que fazem da delinquência seu ofício, na medida em que a lei é a-

plicável a todos.

Desenvolve-se neste contexto, processos kafkianos, megaoperações polici-

ais que promovem a devassidão da vida profissional e pessoal destes indivíduos, ao

serem apresentados à mídia como autores de delitos, sem ao menos se esclarecer a

razão da utilização daquele aparato. A partir de então, estes acusados sofrem as

mazelas do julgamento social antecipado, para depois serem esquecidos, ou seus

processos serem anulados por falha indelével que macula todo o processo, ou são

80

FRANCO, Alberto Silva. Crimes hediondos. 3. Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1994, p. 10; 81

A Broken Windows theory foi idealizada nos Estados Unidos por James Q. Wilson e George Kelling, em texto intitulado The police and neighborhood safety, publicado na revista Atlantic Monthly. Tal teoria consistia na exemplificação de que se uma janela é quebrada por uma pedrada de alguém, e não se conserta imediatamente, dá a ideia àqueles transeuntes que passam no local, de que o proprietário não se incomoda com a janela quebrada, e, sendo assim, aquela região onde se situava o imó-vel de janela quebrada passaria a transparecer que ninguém ali se importaria com as janelas quebradas, incentivando, todavia, a quebrar as demais janelas que permaneciam intactas. Em razão destas janelas quebradas se instalaria o caos, onde não haveriam regras e aquele comportamento errado de quebrar janelas passaria a ser entendido como comportamento aceitável. Desta forma, consertando imediatamente estas janelas, daria aos transeuntes a impressão de que o dono do imóvel se impor-taria, bem como tomaria medidas para evitar que as janelas voltassem a se quebrar. Transpondo o campo exemplificativo para o ordenamento jurídico, consistiria a teoria na repressão imediata e exemplar a todo e qualquer comportamento atentatório à ordem social, não se tolerando qualquer desvio de conduta, banindo assim a desordem e a barbárie.

56

absolvidos, por restar provado pela instrução processual que não teve qualquer rela-

ção com os fatos em apuração, ou simplesmente caem no ostracismo diante de ou-

tra espalhafatosa operação policial, que será substituída por outra, e mais outra.

A partir de então, se legitima o abuso no poder de legislar, que como coloca

ROGÉRIO JOSÉ BENTO SOARES DO NASCIMENTO82:

Comportamentos violadores das regras do jogo político muitas vezes não são percebidos como desviantes pela sociedade, ou são tolerados em nome do apelo a formas de legitimação vinculadas a argumentos irracionais (tra-dicional ou carismática). Invocam-se razões de Estado, imperativos econô-micos, governabilidade ou outros conceitos indeterminados. Estes conceitos trazem implícitos a falsa noção de que, a despeito do pluralismo, existe uma pauta de valores universal que preenche a finalidade de justificar o conteúdo da ordem social e de que, a despeito do pluralismo, existe uma pauta de valores universal que o detentor do poder político, ou a classe circunstancialmente hegemônica estão autorizados a substituir a manifestação da vontade dos afetados pelas normas, pela sua visão particular das necessidades comuns (grifo nosso).

Isso porque, como ilustra EUGÊNIO RAUL ZAFFARONI83:

[...]vende-se a ilusão de que sancionando leis que reprimam desmensurada-mente aos poucos vulneráveis e marginados que se individualizam, e au-mentando a arbitrariedade policial, ao legitimar, direta ou indiretamente, to-do o gênero de violências, inclusive contra quem objeta o discurso publicitá-rio, obter-se-á maior segurança urbana contra o delito comum.

Complementando, WINFRIED HASSEMER 84 pontua ainda que: “há uma

tendência do legislador em termos de política criminal moderna em utilizar uma rea-

ção simbólica em adotar um Direito Penal simbólico”. Dessa tendência, são instituí-

das leis que buscam a punição como exemplo, leis que abusam da prevenção geral

negativa, na tentativa do Estado tomar as rédeas do seu poder de punir. Todavia,

neste contexto, são criadas leis que enrijecem o Direito Penal e o Processo Penal,

buscando atender os anseios de “Justiça” e afastar a imagem da impunidade, trans-

parecendo à população uma imagem de segurança jurídica.

Além de claramente desligado do conteúdo de proteção dos Direitos e Ga-

rantias Fundamentais individuais priorizados pelo Estado Democrático de Direito, a

problemática apresentada pelo Sistema Penal da Emergência, é que o enrijecimento

das leis ou a criação de leis simbólicas e de oportunidade não diminui a criminali-

82

NASCIMENTO. Rogério José Bento Soares do. Abuso do poder de legislar: controle judicial da legislação de urgência no Brasil e na Itália. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2004, p. 129 – grifo nosso; 83

ZAFFARONI, Eugênio Raul. Buscando o inimigo: de satã ao Direito Penal. Apud MENEGAT, Marildo; NERI, Regina. Crimi-nologia e subjetividade. Rio de Janeiro: Lumem Juris, 2005. 84

HASSEMER, Winfried. Três temas de direito penal. Porto Alegre: Escola Superior do Ministério Público, 1993, p. 86;

57

dade e não resolve as questões no contexto pelo qual são criadas. Esquecem-se os

legisladores que uma importante distinção entre autoridade e controle como duas

dimensões inter-relacionadas de poder do Estado. O Estado afirma seu poder meta-

político: o direito de decidir o que é política e, como tal, sujeito a coerção estatal. No

entanto, o poder para estabelecer regras difere da capacidade de aplicá-las. Este

último implica no poder do Estado para o controle, e é moldado por competências,

incluindo a polícia e forças de segurança85.

O resultado do Direito e do Processo Penal de emergência é justamente o

abuso do poder de legislar, onde o Estado se utiliza de instrumentos de repressão e

eleva o Direito Penal ao papel de solucionador de problemas sociais, acreditando na

sua capacidade de proteger a sociedade da barbárie e do caos. Porém, o único re-

sultado deste coeficiente é a inflação legislativa, inundando o sistema jurídico de leis

cujo teor afronta à hierarquia de normas faz com que o ordenamento jurídico entre

em colapso, colocando o Direito Penal e o Processo Penal, além do próprio sistema

de Direitos e Garantias Fundamentais, sustentáculos do Estado Democrático de Di-

reito, em descrédito.

Aqui no Brasil, exemplos não faltam de legislações de emergência que des-

pontam uma tentativa de educação social pela punição exemplar pelo Direito Penal

Simbólico: Lei de Crimes Hediondos, Lei de Tóxicos, Lei Maria da Penha, as recen-

tes alterações do Código de Trânsito Brasileiro, e nosso objeto de estudo, a Lei de

Lavagem de Capitais.

Aqui, porém, fazemos uma ressalva onde não pregamos a descriminalização

ou o abolicionismo penal, porém, o que pregamos é a criação legislativa assecurató-

ria do sistema de garantias e direitos individuais, que não apresente um mero lampe-

jo de segurança jurídica, mas que faça valer os direitos individuais e coletivos pela

correta ponderação de interesses, inserindo no ordenamento jurídico pátrio leis efi-

cazes, que coadunem e respeitem a Constituição Federal. Nos apropriamos aqui da

colocação de MANUEL MONTEIRO GUEDES VALENTE86, que acerca da emergên-

85

Em tradução livre. Do original: “an important distinction between authority and control as two interrelated dimensions of state power. States claim metapolitical authority: the right to decide what is political and, as such, 'subject to state coercion'... How-ever the authority to make rules differs from the ability to enforce them. The latter entails state power to control and is shaped by capabilities including police and security forces.” In: FRIMAN, H. Richard. ANDREAS, Peter. The illicit global economy & State power. Lanham, Maryland: Rowman & Littlefield, 1999, p. 9-10; 86

VALENTE, Manuel Monteiro Guedes. Direito penal do inimigo e o terrorismo: o progresso e o retrocesso. Coimbra: Almedina, 2010, p. 14;

58

cia e a influência na criação de leis evoca que:

O equilíbrio exigível ao Direito penal – tutelar os bens jurídicos afectados pela conduta humana e proteger o delinquente contra os excessos do ius puniendi do Estado – está em perigo de desaparecer face às novas tendên-cias penalistas em curso: a incrementação de um Direito penal musculado em que o ser humano, que delinqua e não se reinsira, passa a ser uma do-ença contagiosa para a comunidade. Esta doença é de maior vulto se o seu portador praticar um delito integrante do catálogo de «crimes hediondos» ou um delito que provoque um medo paneónico generalizado na sociedade que encontra, no Direito penal, o refúgio para se proteger contra esses males do «novo mundo ». Vivemos hoje a hipertrofia legislativa do Direito penal que tudo quer tutelar e nada tutela (sic).

Não se pode admitir que o Estado atue através da emergência, priorizando

políticas criminais de maximização do Direito Penal, ao passo que não se pode ape-

nas exercer o jus puniendi sem que se possibilite sejam assegurados os Direitos e

Garantias Fundamentais. O que se deve ter por certo é que no impulso pelo restabe-

lecimento da ordem social e a preservação dos bens jurídicos, o Estado não pode

flexibilizar os Direitos Fundamentais e verga-los a seu modo. Como enfatiza IVAN

LUÍS MARQUES87:

A violência sempre existiu e sempre irá existir. Ninguém questiona a neces-sidade do Estado chamar para si o monopólio da resolução dos conflitos na área penal. O Direito Penal foi criado e existe somente para limitar a ampli-tude e intensidade dos castigos que o Estado precisa aplicar. Só para isso. O Direito Penal pode ser visto como uma grande garantia contra os exces-sos do Estado nas necessárias punições.

2.3 O CONTEXTO DA CRIAÇÃO DA LEI DE LAVAGEM DE CAPITAIS: O USO DA

POLÍTICA CRIMINAL DA EMERGÊNCIA PARA A CONTENÇÃO DA CRIMINALI-

DADE ORGANIZADA

Não se nega que um dos fatores mais preponderantes da criminalidade or-

ganizada se dá em virtude do seu grande poderio econômico. Aliás, entendemos

que a criminalidade somente é organizada em virtude de seu grande poderio econô-

mico, que faz com que sejam estabelecidos patamares e hierarquias. Sua razão de

existência pode se resumir a um único aspecto: o dinheiro. Dinheiro e poder que

vem incrustados na sua posse. Todavia, para que o dinheiro tenha o seu verdadeiro

87

MARQUES, Ivan Luís. O contra-ataque garantista à globalização. Boletim IBCCRIM nº 177, ano 15, São Paulo: Instituto Bra-sileiro de Ciências Criminais, agosto/2007, p. 6-7;

59

valor, necessário sejam dispensados tratamentos especiais para a sua utilização,

sem que dê margem ao rastreamento da sua origem ilícita e possa trazer tranquili-

dade ao seu possuidor. E tal prática de ocultação da origem ilícita assume diversos

matizes diante do avanço tecnológico e das novas formas de dinheiro.

Se antes somente assumia aspecto físico, com o metal e o papel, hoje as-

sume novas formas, de maior fungibilidade, ganhando aspectos eletrônicos que faci-

litam não somente transações financeiras, por maneira eletrônica, como facilitam

sua ocultação e reinserção na economia lícita. Neste jaez, pondera KAI AMBOS88

que: “os capitais assumem um especial matiz, uma vez que possuem generalidade

absoluta e ultra-fungibilidade, de forma a caracterizarem-se como típicos bens pa-

trimoniais os quais sempre estiveram sob o retículo do Direito Penal” (sic).

Diante desta ultrafungibilidade que possui o capital, rastrear sua origem se

tornou tarefa árdua para os mecanismos de controle criados pelo Estado para o con-

trole das atividades econômicas e financeiras. Foi necessário o emprego de meios

mais eficientes de mapeamento, localização e confisco dos valores e bens oriundos

de atividades criminosas. Como colocam GUSTAVO HENRIQUE BADARÓ e PIER-

PAOLO CRUZ BOTTINI89:

[...] o dinheiro é a alma da organização criminosa e seu combate passa pelo confisco dos valores que mantém operante sua estrutura. E que o rastrea-mento dos bens que se originam nos atos infracionais e sustentam as em-preitadas delitivas (follow the Money) é o primeiro passo para uma política criminal nesse setor.

Complementando este sentido HANS-JÖRG ALBRECHT90 pondera que a

política jurídico-criminal se concentrou na lavagem de dinheiro e nos ganhos de ori-

gem ilícita provocando profundas transformações no direito penal substantivo, assim

como no direito processual penal. A política de retirar de circulação os ganhos ilíci-

tos, cujo objetivo específico consiste sobre a necessidade de se suprimir completa-

mente as movimentações econômicas do narcotráfico, faz parte dos esforços inter-

88

AMBOS, Kai. Lavagem de dinheiro e direito penal. Tradução, notas e comentários sob a perspectiva brasileira de Pablo Ro-drigo Alflen da Silva. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris editor, 2007, p. 43; 89

BADARÓ, Gustavo Henrique. BOTTINI, Pierpaolo Cruz. Lavagem de dinheiro: aspectos penais e processuais penais. Co-mentários à lei 9.613/98 com as alterações da Lei 12.683/12. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 22; 90

Em tradução livre: En general, la politica jurídica se ha concentrado en el lavado de dinero y las ganancias de origem ilícito provocando transformaciones profundas en el derecho penal substantivo así como en el derecho procesal penal. La política de retirar de circulación las ganancias ilícitas, cuyo objetivo específico consiste sobre todo en la necesidad de suprimir completa-mente del trafico económico las utilidades del comercio de narcóticos, hace parte de los esfuerzos internacionales de unifica-ción de la legislación en el campo de lavado de activos y la extinción de ganancias ilícitas a nivel internacional ALBRECHT, Hans-Jörg. Criminalidad transnacional, comércio de narcóticos y lavado de dinero. Tradução de Oscar Julián Guerrero Peralta. Bogotá: Universidad Externado de Colombia, 2001, p. 123;

60

nacionais de unificação da legislação em matéria de lavagem de ativos e da extinção

dos ganhos ilícitos em nível internacional.

No entanto, empreendendo esforços para alinhar a legislação nacional aos

esforços internacionais de combate aos proventos de atividades criminosas, o Brasil

assinou diversos tratados de cooperação e criação legislativa com o escopo de con-

ter o avanço das organizações criminosas. Porém, atendendo aos anseios sociais, e

no anseio de criar um instrumento perfeito de repressão penal a estas práticas, co-

mo pondera FAUZI HASSAN CHOUKR91: “mesmo as lições básicas de civilidade

são esquecidas na construção do sistema repressivo”. Nos apropriamos deste sen-

tido pois uma vez que o Poder Legislativo age em amparo ao anseio social, es-

quece-se os legisladores que antes de assinar tratados e convenções de combate à

criminalidade, o Brasil é signatário de tantos outros que preservam e ampliam a pro-

teção aos direitos e garantias fundamentais como meio de se criar e de preservar o

conceito de dignidade da pessoa humana que serve de sustentáculo ao Estado De-

mocrático de Direito.

Dentro desta ótica, robustecida pela iniciativa popular, fundamenta-se que o

Brasil, sendo um dos polos principais do narcotráfico dado à sua posição geográfica

privilegiada e estratégica, consiste em uma das principais rotas de tráfico de entor-

pecentes, cinzelando a conexão entre os países produtores de entorpecentes como

Colômbia e Bolívia, e o continente Europeu e Africano92. Pela crescente utilização

pelo crime organizado transnacional, ensejou a criação de novos polos de distribui-

ção internos, que por derradeiro, acabou por aumentar a criminalidade interna do

país. Com essa crescente demanda, pelas consequências do narcotráfico houve a

necessidade de adaptar a legislação ao contexto mundial de repressão ao narcotrá-

fico e ao avanço da criminalidade organizada.

Neste cenário, o Brasil ratificou a Convenção contra o Tráfico Ilícito de En-

torpecentes e Substâncias Psicotrópicas aprovada em Viena, em 20 de dezembro

91

CHOUKR, Fauzi Hassan. Processo Penal de Emergência. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2002, p. 178; 92

No 2007 World Drug Report, elaborado pelo Office on Drugs and Crime das Organizações das Nações Unidas, aponta o Brasil além de mercado de entorpecentes, uma das principais rotas de envio de entorpecentes aos países europeus e africa-nos: “The second most important destination of cocaine produced in the Andean region is Europe. In addition to Colombia as the main source country, Peru and Bolivia are frequently mentioned among European countries as sources of the cocaine found on their markets. The most frequently mentioned transit country in 2005 was Venezuela, followed by Ecuador and Brazil.” (O segundo mais importante destino da cocaína produzida na Região dos Andes é a Europa. Além da Colômbia como o principal país de origem, o Peru ea Bolívia são frequentemente mencionados entre os países europeus como fontes da cocaína encontrada em seus mercados. O país de trânsito mais citado em 2005 foi a Venezuela, seguida por Equador e Brasil In: Uni-ted Nations. 2007 World drug report, p. 74, disponível em www.unodc.org. Acessado em 21.03.2013;

61

de 1988, inserida no ordenamento jurídico brasileiro por intermédio do Decreto n.

154, de 26 de junho de 1991, comprometendo-se a realizar maior controle do tráfico

de entorpecentes e também a incriminação das condutas de ocultação e conversão

dos ativos ilícitos obtidos pelas organizações criminosas em ativos lícitos.

A partir de então, diante da assinatura de diversos compromissos internacio-

nais, como a XXII Assembleia-Geral da OEA, em Bahamas, em 1992, que aprovou o

Regulamento Modelo sobre Delitos de Lavagem Relacionados com o Tráfico Ilícito

de Drogas e Delitos Conexos, elaborado pela Comissão Interamericana para o Con-

trole do Abuso de Drogas – CICAD; e a Declaração de Princípios sobre a Lavagem

de Dinheiro e Instrumento do Crime, realizada em Buenos Aires, em 1995, relativa

ao tema da lavagem de capitais, quanto à sua tipificação e sobre regras processuais

especiais. Com o escopo de reduzir a reciclagem de valores provenientes de ativida-

des ilícitas, em 1996, o Ministério da Justiça propôs o Projeto de Lei 2.688/97, que

buscava não somente a tipificação do crime de lavagem de dinheiro, como também

a criação de regramento para a persecução penal e medidas administrativas, sendo

que em 1998, adveio a Lei 9.613, que regulou o tema e inseriu no Direito Penal bra-

sileiro a conduta típica da Lavagem de Dinheiro.

Não sendo despiciendo mencionar que além das Convenções e Tratados,

após a criação do GAFI – Grupo de Ação Financeira, em 1989 pelo G7, o Brasil, em-

bora não sendo membro, participa como observador e se comprometeu a formular

sua lei para a repressão e controle da “Lavagem” pelas diretrizes propostas pelas 40

Recomendações do GAFI, de 1990, ensejando um novo patamar de medidas pe-

nais, processuais e administrativas para o controle de ativos, visando reprimir e punir

a lavagem de capitais.

Neste contexto, instituiu-se uma lógica de harmonização da lei brasileira ao

contexto mundial de repressão e combate à lavagem de dinheiro. Ocorre que, as di-

retivas e convenções assinadas pelo Brasil levaram à adoção de um sistema de ri-

gor extremado, visando unicamente o combate à criminalidade, ou como coloca

MARCELO BATLOUNI MENDRONI93:

Em época em que praticamente só se fala de “direitos e garantias individu-ais”, esquece-se de que, do outro lado, está a sociedade constantemente

93

MENDRONI, Marcelo Batlouni. Crime de lavagem de dinheiro. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2013, p. 1;

62

agredida por criminosos que se utilizam das mais variadas formas para lo-cupletar-se às custas de irreparáveis prejuízos e, no mais das vezes, va-lendo-se de cargos e funções públicas. [...] Essa criminalidade violenta que aí está presente vida cotidiana de cada um de nós e frequenta diariamente os noticiários pode ser equacionada da seguinte forma: sua causa principal – a desigualdade social, que embora não seja única, é a mais visível. Homi-cídios, roubos e sequestros têm sido a tônica das empreitadas criminosas – violentas, por assim dizer. Nessa seara há crimes dessas espécies pratica-dos individualmente e também – pela criminalidade organizada.

Nesse diapasão, ideologicamente, o combate à lavagem de capitais é um

instrumento louvável no combate à criminalidade organizada, pois diante das mega-

estruturas originadas pelo narcotráfico e o lucro obtido com esta prática fez crer aos

órgãos internacionais de política criminal que seria necessário mais do que prender

os componentes destas organizações para desarticular todo o negócio.

Mas adotando outra ótica, aqui reticulada, rememoramos que o Brasil é sig-

natário de tratados e convenções e elevou a condição de preservação da dignidade

humana como elemento fundante do Estado Democrático de Direito, esta busca de-

senfreada de criar instrumentos repressivos e de combate à criminalidade não está

alinhada com o ordenamento constitucional. Dentro desta necessidade de repressão

extremada no combate à criminalidade, seu contraponto necessário seria a redução

de direitos e garantias fundamentais, o que entendemos inadmissível por inúmeros

fatores, porém, o mais claro que se pode mencionar, consignamos que se por um

lado temos que temos a necessidade do combate a essas práticas delitivas e à cri-

minalidade organizada, por outro lado, focar a legislação unicamente no combate à

violência enceta na prática legislativa um cotejo de maximização do Direito Penal.

Dessa tendência, são instituídas leis que, com base no apelo de repressão e

combate à impunidade, buscam a punição como exemplo, leis que abusam da pre-

venção geral negativa, na tentativa do Estado de tomar as rédeas do seu poder de

punir. Complementa FAUZI HASSAN CHOUKR94 apontando que:

Rasgada a Constituição para o combate à criminalidade organizada, o que a mídia mostra é a continuidade do discurso do pânico, vez que o crime orga-nizado não acabou (por óbvio) e nem mesmo diminuiu (ao contrário, recru-desceu, segundo certa parcela da imprensa) mesmo com todo o arsenal an-ti-constitucional colocado à disposição para o seu combate. Assim, mais medidas são exigidas ante a fragilidade das anteriormente tomadas, e a re-tórica da intransigência aparece ainda aqui sob o manto do algo precisa ser feito. No entanto, raras vezes é exercitada a reflexão sobre o caminho cor-reto, buscando responder à pergunta de ser a deturpação dos postulados

94

CHOUKR, Fauzi Hassan. Processo Penal de Emergência. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2002, p. 179;

63

do estado de direito legitimamente sacrificáveis em nome dessa luta (sic).

De fato, o sistema de prevenção, os instrumentos de investigação, os meca-

nismos de controle e a punição antecipada, como veremos ao analisar a Lei de La-

vagem de Capitais, ultrapassam o tênue limite da flexibilização, apresentando nuan-

ces de inconstitucionalidade ao adentrar o sombrio campo da restrição ou supressão

aos direitos e garantias do indiciado ou acusado no âmbito do Direito e do Processo

Penal onde entendemos que algumas de suas disposições beiram a teoria do Direito

penal do Inimigo, criada por GÜNTHER JAKOBS95, não coadunando com o Estado

Democrático de Direito ao qual vivemos. Isso porque, como preconiza o preâmbulo

da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789: “O esquecimento e o

desprezo dos direitos naturais do homem são as causas das desgraças do mundo”.

2.4 A POLÍTICA CRIMINAL DA EMERGÊNCIA E O SURGIMENTO DO DIREITO

PENAL DO RISCO

2.4.1 A “sociedade do risco”

Na perspectiva do que endossamos, evidentemente se mostra que o Direito

Penal, face às novas perspectivas da globalização, e em consequência à globaliza-

ção do crime, estabeleceram novos paradigmas sociais.

ULRICH BECK96 colaciona que a modernização da sociedade, através dos

avanços conquistados nas mais diversas searas científicas, quer seja exatas, bioló-

gicas e também nas humanas, permitiram a criação de um padrão peculiar de distri-

95

Segundo Günther Jakobs, a teoria do Direito Penal do Inimigo contempla a figura do Inimigo como o indivíduo que não admi-te ingressar no Estado, ou seja, não admitiria a soberania das Leis estatais sobre sua conduta, e, por assim entendido, não poderia ser compreendido pelo conceito de “pessoa” destinado aos cidadãos, sendo, da mesma forma, impossível de lhe ser concedido os mesmos tratamentos destinados aos cidadãos. Diversifica, portanto, os conceitos de “cidadão”, por aquele que ao infringir a lei, aplicar-se-ia o Direito Penal instituído pelo Estado, e “inimigo” aquele que, por ir de encontro ao Estado e à sociedade, seria desprovido de direitos e garantias fundamentais, sendo entendido como inimigo do Estado. Esta tese se funda em três pilares básicos: a) a antecipação da punição do inimigo; b) a desproporcionalidade entre as penas e a relativização de direitos e garantias processuais e penais; c) criação de leis severas destinadas a conter, processar e julgar estes inimigos, instituindo uma específica engenharia de controle social. In JAKOBS, Günther. Direito Penal do Inimigo. 2. tiragem. Organiza-ção e introdução Luiz Moreira e Eugênio Pacelli de Oliveira. Tradução do alemão por Gercélia Batista de Oliveira Mendes. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009; 96

BECK, Ulrich. Sociedade de risco: rumo a uma outra modernidade, Tradução de Sebastião Nascimento. São Paulo: Editora 34, 2010, p. 43;

64

buição de riscos na sociedade, na medida em que estes avanços sofrem uma ten-

dência imanente à globalização. A produção industrial desencadeia uma universali-

dade de ameaças que independem dos lugares em que são produzidas, mas que

geram riscos dos quais a sociedade, agindo por receio, medo e venalidade de expe-

riências passadas, aja com antecipação e passe a coibir desde a ameaça, com te-

mor do que possa acontecer se os resultados efetivamente vierem à tona.

A sociedade moderna, diante da criminalidade das massas, determina que

novas medidas sejam tomadas para cercar e reprimir esta criminalidade, de maneira

que na emergência da tomada de medidas, o Direito Penal acaba sendo utilizado de

maneira difusa dos seus fins propostos, e adotando novas facetas técnico-

instrumentais, deixa de ser um instrumento correlato ao Direito de punir do Estado e

passa para um método de repressão aos riscos potenciais, em nome do paradigma

da segurança jurídica. É transmudada, então, a vertente de ultima ratio do Direito

Penal, para o papel principal de garantidor do Estado e da segurança jurídica. Cria-

se então a “sociedade do risco” (Risikogesellschaft). Como coloca ULRICH BECK97,

a modernidade desenvolvida surgiu:

[...] para anular as limitações surgidas com o nascimento e para oferecer às pessoas uma posição na estrutura social em razão de suas próprias esco-lhas e esforços, emerge um novo tipo de destino “adscrito”, em função do perigo, do qual nenhum esforço permite escapar (sic).

E continuando a definição, pondera que a modernização98, surgiu não sob a

égide da necessidade, daquela manifestação inicial de contrato social, esposada por

JEAN-JAQUES ROUSSEAU e ampliada por THOMAS HOBBES, para a cultura do

medo, no qual a sociedade desprende-se, em razão das ameaças modernas, do in-

dividualismo moderno para seu extremo contrário, que se daria no individualismo pe-

la necessidade de sobrevivência. E com base no pensamento sociológico de LUH-

MANN, aponta que a economia, torna-se “autorreferencial”, deixando de ser a base

de satisfação das necessidades humanas e passa à canibalização econômica, dan-

do início aos riscos desencadeados pela riqueza e pela disparidade de classes soci-

ais, produzindo situações que ameaçam o potencial político da sociedade do risco.

97

BECK, Ulrich. Sociedade de risco: rumo a uma outra modernidade, Tradução de Sebastião Nascimento. São Paulo: Editora 34, 2010, p. 8; 98

Define Ulrich Beck a modernização como: “o salto tecnológico de racionalização e a transformação do trabalho e da organi-zação, englobando para além disto, muito mais: a mudança dos caracteres sociais e das biografias padrão, dos estilos e for-mas de vida, das estruturas de poder e controle, das formas políticas de opressão e participação, das concepções de realidade e das normas cognitivas”. In: BECK, Ulrich. Sociedade de risco: rumo a uma outra modernidade, Tradução de Sebastião Nas-cimento. São Paulo: Editora 34, 2010, p. 23;

65

A sociedade do risco, como coloca ULRICH BECK99:

[...] significa: o passado perdeu, o seu poder de determinação sobre o pre-sente. Entra em seu lugar o futuro – ou seja, algo que não existe, algo fictí-cio e construído – como causa da vida e da ação no presente. Quando fala-mos de riscos, discutimos algo que não ocorre mas que pode surgir se não for imediatamente alterada a direção do barco. Os riscos imaginários são chicote que fazem andar o tempo presente. Quanto mais ameaçadoras as sombras que pairarem sobre o presente anunciando um futuro tenebroso, mais fortes serão os abalos, hoje solucionados pela dramaturgia do risco.

No pensamento de ULRICH BECK100, o poder gerado pela “distribuição de

riquezas” e a “política do conhecimento” acabaram por sustentar conflitos na divisão

de classes, onde a discrepância na distribuição de riquezas, aliada ao avanço cientí-

fico, gerariam um novo norteador das condutas sociais: o risco. Na atualidade, a

preocupação financeira e a necessidade fundamental de evitar a escassez é substi-

tuída pelo risco. Exemplificando esta concepção, coloca ULRICH BECK101 que:

[…] cedo ou tarde emerge a questão da aceitação, e com ela, a velha nova questão: como queremos viver? O que há de humano no ser humano, de natural na natureza, que é preciso proteger? Nesse sentido, o propalado discurso da ‘catástrofe’ é a expressão exagerada, radicalizada, objetivante de que tal processo não é desejado (sic).

Os riscos aos quais o homem se submete não são findáveis, porém, não são

conhecidos. A ideia do risco é colhida de abstrações pelos danos e efeitos já ocorri-

dos na sociedade, pautando-se a hipótese da prevenção na previsão futura, base-

ando-se na extensão futura dos danos atualmente previsíveis, somada à perda geral

da confiança da sociedade, antecipando-se ao que pode acontecer e prevendo os

resultados danosos que estes riscos podem gerar nos mais variados campos de co-

nhecimento da sociedade. É o que BECK chama de “amplificação dos riscos”, que

posteriormente ANTHONY GIDDENS102 viria a definir a dicotomia entre risco exterior

e risco provocado. É o “ainda-não evento que desencadeia a ação” ou a prevenção

ao risco103.

Em decorrência desta prevenção antecipada, o risco acaba se tornando algo

99

BECK, Ulrich. O que é globalização? Equívocos do globalismo, respostas à globalização. São Paulo: Paz e Terra, 1999, p. 178-179. 100

BECK, Ulrich. As consequências da modernidade. Tradução de Raul Fiker.São Paulo: Editora UNESP,1991, p. 111; 101

BECK, Ulrich. Sociedade de risco: rumo a uma outra modernidade, Tradução de Sebastião Nascimento. São Paulo: Editora 34, 2010,. p. 34; 102

GIDDENS define que risco exterior é aquele imposto pela natureza ou pela tradição. Já o risco provocado é aquele que advém do impacto tecnológico, resumindo-se àquele cujo contexto histórico ainda não se pode definir o resultado, porquanto não se vislumbrou ou ainda não ocorreu a experiência. GIDDENS, Anthony. O mundo na era da globalização. Lisboa: Editorial Presença, 2000, p. 26-27; 103

BECK, Ulrich. Sociedade de risco: rumo a uma outra modernidade, Tradução de Sebastião Nascimento. São Paulo: Editora 34, 2010, p. 39;

66

irreal, do qual não se sabe ou não se experimentou a consequência, porém, o receio

e o medo fazem com que a sociedade aja por intermédio da “emergência”, e coíba a

ameaça de forma que somente sua cogitação já afrontaria a ordem social, política e

econômica da sociedade. Referenda ULRICH BECK104 neste contexto que:

A vivência dessa suscetibilidade ao risco interdita à escolha torna compre-ensível muito do impacto, da ira impotente e da “sensação de não haver amanhã” com que muitos, ambiguamente e exercendo uma crítica forçosa-mente construtiva, reagem à mais recente realização da civilização tecno-lógica […]

Sobre o efeito destes riscos no Direito, o que se coloca no âmbito da socie-

dade do risco, é que os Direitos fundamentais evolvem-se em aspectos de descen-

tralização política com efeitos amplificadores em longo prazo, que criam grupos so-

ciais de iniciativa de combate aos riscos (que ULRICH BECK nomeia de “novos mo-

vimentos sociais”), e que usufruem, com urgência extraparlamentar, dos direitos

fundamentais formais e dão algo a que lutar, à sociedade. Isso confere legitimidade

aos cidadãos e enaltece o combate a uma causa, porém, impõem uma restrição ao

movimento de política criminal: suas frentes de trabalho garantistas vão perdendo

força em meio a apelos de enrijecimento das leis para o combate aos crimes, desvir-

tuando assim o fundamento primordial do Direito Penal, de controlador da ordem so-

cial, para a frente de solucionador de problemas de ordem de contenção de riscos,

elegendo o Direito Penal para dirimir questões que antes não lhe competiam, ocasi-

onando sua expansão, inundando o ordenamento jurídico de leis penais de conteúdo

variado, que poderiam ser, de maneira mais precisa, tutelados por outras searas do

Direito. Institui, portanto, o Direito Penal do Risco.

2.4.2 A instrumentalização do risco no âmbito do Direito Penal e do Processo Penal:

a passagem do conceito sociológico para o Direito Positivo

Como vimos, o risco imposto pela modernidade globalizada, o descobri-

mento dos efeitos sociológicos do risco influenciaram diretamente a política criminal

na prevenção aos novos riscos impostos pela globalização não somente da socie-

104

BECK, Ulrich. Sociedade de risco: rumo a uma outra modernidade, Tradução de Sebastião Nascimento. São Paulo: Editora 34, 2010, p. 49;

67

dade, mas também da criminalidade. Desta maneira, a dogmática penal acaba avan-

çando para um perigoso beiral da flexibilização das garantias penais constitucionais

em prol do restabelecimento da segurança jurídica, mesmo que somente permaneça

a segurança jurídica no sombrio campo da aparência, não fornecendo efetivamente

esta segurança para a sociedade, mas somente a impressão.

Nasce, portanto, o Direito Penal do risco, que permite sejam tomadas con-

cepções distintas do Direito Penal Clássico, na medida em que aqueles instrumentos

cotidianos do Direito perdem sua eficácia face ao avanço da criminalidade moderna.

Neste enfoque, CORNELIUS PRITTWITZ105, gestor da ideia de Direito Penal do ris-

co, relata que:

O problema é intensificado por duas tendências: primeiramente pelas ten-dências de desnacionalização (europeização, internacionalização, globaliza-ção) do direito criminal, evoluções que não são prejudiciais em si, mas que aprofundam e intensificam a tendência assumida pelo direito penal em cada situação dada. E em segundo lugar, pela importância crescente da mídia, principalmente da mídia eletrônica de massas, que exerce sobre a política criminal do Estado uma pressão à qual é difícil resistir.

O desenvolvimento de novos aspectos de política criminal na sociedade do

risco levaram à análise deste novo comportamento global a analisar seus efeitos

dentro do Direito Penal. Dado a estas circunstâncias, institui-se um movimento de

expansão do direito penal com a inflação legislativa de leis de conteúdo demasiado

repressivo, e que, como coloca CORNELIUS PRITTWITZ, este preço é pago pelos

cidadãos, que são sujeitos ao Direito Penal.

Complementa este sentido JESUS-MARIA SILVA SANCHEZ ao ponderar

que o expansionismo do Direito penal é uma realidade incontestável, em contínua

progressão, muito favorecida pela situação crítica das sociedades contemporâneas,

pela desestabilização econômica e política, pela globalização e, muito em particular,

pela globalização do Direito Penal. Esta última, parte das facilidades que possibili-

tam a circulação pessoas, capitais e mercadorias entre as nações, que acabam por

abrir um espaço, antes desconhecido, para o desenvolvimento da criminalidade in-

ternacional106.

105

PRITTWITZ, Cornelius. O direito penal entre direito penal do risco e direito penal do inimigo: tendências atuais em direito penal e política criminal. Revista Brasileira de Ciências Criminais. São Paulo Revista dos Tribunais, ano 12, n.° 47, mar./abr. 2004, p. 33; 106

Do original: “…el expansionismo es una realidad incontestable, en continua progresión, muy favorecida por la situación critica de las sociedades contemporáneas, por la inestabilidad, económica y política, la globalizacion y, muy en particular en el

68

Como já vimos, os efeitos da sociedade do risco dentro do campo do Direito

Penal influenciaram a política criminal de tal modo que a função imanente do Direito

Penal para o papel de solucionador de problemas, de prevenção de riscos, onde an-

tes se cogitava apenas o solucionador de conflitos na medida em que se punia a

efetivação de um comportamento antissocial e atentatório aos preceitos e basilares

do Estado de Direito.

A Escola de Frankfurt107, a primeira a se posicionar acerca da questão, ana-

lisando a moderna sociedade do risco travou seus efeitos na senda do Direito Penal.

Observando o surgimento do Direito Penal do risco, delineou tendências de trans-

formação deste risco no Direito Penal do inimigo propriamente dito. Neste sentido,

CORNELIUS PRITTWITZ108, identifica o direito penal do risco como uma mudança

na forma de entender o direito penal e agir dentro dele, sendo o risco de procedên-

cia humana o fator social estrutural da necessidade de alteração da política criminal

e, por consequência, do Direito Penal, pontuando, neste sentido, que:

Como é a realidade deste direito penal do risco? O que surgiu foi um direito penal do risco que, longe de qualquer ambição de permanecer fragmentário, sofreu uma mutação para um direito penal expansivo. Isto não é necessaria-mente assim em teoria, mas empiricamente comprovável. A insinuação de tridimensionalidade etimologicamente próxima e intencional obtida com o conceito de expansão caracteriza do que se trata: de admitir novos candida-tos no circulo dos direitos (como meio ambiente, a saúde da população e o mercado de capitais), de deslocar mais para frente a fronteira entre compor-tamentos puníveis e não puníveis – deslocamento este considerado em ge-ral, um pouco precipitadamente, como um avanço na proteção exercida pelo direito penal – e finalmente em terceiro lugar de reduzir as exigências de censurabilidade, redução esta que se expressa na mudança de paradigmas, transformando lesão aos bens jurídicos em perigo aos bens jurídicos.

Complementa, neste aspecto, JESUS-MARIA SILVA SANCHEZ109 que o:

“fenômeno da ‘criminalidade de massas’ determina que o ‘outro’ se mostre muitas

seno de la Unión Europea, por la própria europeización del Derecho penal. Esta última influência parte de la premisa de que las liberdades de circulación de personas, capitals y mercancías han abierto espacios y posibilidades de desarrollo antes descono-cidos para la deincuencia internacional . SILVA SANCHEZ, Jesus-Maria. Aproximación al derecho penal contemporáneo. 2. edición. Buenos Ayres: Editorial B de F, 2010, p. 54-55; 107

Apenas em caráter ilustrativo, a Escola de Frankfurt refere-se a uma escola de teoria social interdisciplinar neomarxista, ou seja, de base na teoria de Karl Marx, associada ao Instituto para Pesquisa Social da Universidade de Frankfurt. O A escola de Frankfurt, em tema das ciências Jurídico-Penais, defende o Direito Penal clássico,, preconizando que o sistema normativo de controle social deve-se reduzir à tutela dos bens jurídicos, ou seja, bens fundamentais para a sociedade sendo necessário um comportamento socialmente nocivo, uma lesão real ao bem jurídico para a imposição de pena, ainda mais num Estado Demo-crático de Direito em que a legitimidade do jus puniendi associa-se a necessidade de resguardar as condições de vida, bem como desenvolvimento e a paz, com vistas na liberdade e na dignidade da pessoa humana, etc. Dentre seus membros, como citado neste trabalho, podemos citar Cornelius Prittwitz e Winfried Hassemer. Por tais posicionamentos, recebe críticas de doutrinadores alemães, bem como do mundo todo, que prezam a evolução do sistema penal a partir da evolução social. Seus críticos alemães são Bernd Schünemann, Claus Roxin, etc. Fora da Alemanha, podemos citar Jesus-Maria Silva Sanchez; 108

PRITTWITZ, Cornelius. O direito penal entre direito penal do risco e direito penal do inimigo: tendências atuais em direito penal e política criminal. Revista Brasileira de Ciências Criminais. São Paulo Revista dos Tribunais, ano 12, n.° 47, mar./abr. 2004, p. 37/38; 109

SILVA SANCHEZ, Jesus-Maria. A expansão do direito penal: aspectos da política criminal nas sociedades pós-industriais. Tradução da 2

a edição espanhola de Luiz Otavio de Oliveira Rocha. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, p. 40;

69

vezes, precisamente, e sobretudo, como um risco, o que constitui a outra dimensão

(não tecnológica) de nossa ‘sociedade do risco’”.

Sob esta perspectiva, surge a lógica de que os riscos, como não podem ser

controlados, devem ser evitados, sob o receio de suas consequências, até então i-

néditas, transportam o receio ao campo hipotético do que poderá acontecer e não do

que efetivamente acontece. Lança mão, neste contexto, CARLA VERÍSSIMO DE

CARLI110 ao pontuar que:

O aumento da vitimização é acompanhado por uma extensão ilimitada do direito. O juiz, o jurista, o advogado substituem os políticos do passado. A partir de agora, já não se indeniza o dano, mas o risco. Nas nossas socieda-des, o lugar mais desejado é o da vítima. O que acontece em uma socie-dade onde o direito se tornou o modo mais comum de solução dos confli-tos? Aparecem aspectos positivos, na medida em que cada cidadão pode recorrer à justiça, sendo que ninguém – seja social, financeira ou politica-mente importante, está protegido de uma responsabilização judicial. Mas, ao mesmo tempo, entramos na sociedade do litígio perpétuo. Basta consta-tar a inflação de processos.

PABLO RODRIGO ALFLEN DA SILVA111 complementa este sentido apon-

tando que a ideia de risco não é nova para o Direito, porém, na medida em que é

inserido o contexto da “sociedade do risco”, esclarece que estes são provenientes

de uma sociedade subjetivamente insegura, em razão da imposição de novos riscos

de grande dimensão, novos ou já existentes, porém que são percebidos e iminentes.

Em seguida, esta sociedade, orientada pelo risco, para de se indagar se a vida tor-

nou-se perigosa, e passa então a observar se orientar pelos riscos, ou seja, transfor-

mou os perigos imprevisíveis e incontroláveis em risco. E JESUS-MARIA SILVA

SANCHEZ112, neste pensar, complementa que:

Por tal motivo, é mais razoável sustentar que, por múltiplas e diversas cau-sas, a vivência subjetiva dos riscos é claramente superior à própria existên-cia objetiva dos mesmos. Expressando de um outro modo, existe uma ele-

vadíssima ‘sensibilidade ao risco’.

Baseado nesta ponderação, não se nega que o Direito Penal entrou em cri-

se, diante do colapso da criação de novos bens jurídicos que demandariam proteção

e expandiram o Direito Penal a patamares em que deixou-se de criminalizar compor-

tamentos em virtude da violência ou delinquência que ocasionariam à segurança ju-

110

CARLI, Carla Veríssimo. Lavagem de dinheiro: ideologia da criminalização e análise do discurso. Dissertação de Mestrado apresentada à Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. Porto Alegre: PUCRS, 2006, p. 41; 111

SILVA, Pablo Rodrigo Alflen da. Características de um direito penal do risco. Jus Navigandi, Teresina, ano 13, n. 1816, 21 jun.2008. Disponível em:<http://jus.com.br/revista/texto/11390>. Acessado em: 24.04.2013; 112

SILVA SANCHEZ, Jesus-Maria. A expansão do direito penal: aspectos da política criminal nas sociedades pós-industriais. Tradução da 2

a edição espanhola de Luiz Otavio de Oliveira Rocha. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011,p. 46;

70

rídica, para criminalizar o risco que sequer se sabe que tais condutas poderiam vir a

causar a estes novos bens jurídicos (ordem econômica, patrimônio genético, ordem

financeira, meio ambiente). Ou seja, pune-se o risco da conduta com receio de que

grande dano poderá advir com o dano efetivo perpetrado por aquela conduta.

Esta nova concepção, trouxe consequências de alteração do perfil do Direito

Penal, como alerta CORNELIUS PRITTWITZ113:

O direito penal, cujo perfil se alterou, e até mesmo se deformou sob o peso das tarefas que lhe foram atribuídas, nada ou quase nada tem a apresentar como sucesso ou prognósticos plausíveis de sucesso. Pior: os problemas urgentes da sociedade moderna e em muitos aspectos em rápida evolução – mencione-se aqui apenas os exemplos da ecologia e da economia – na verdade permanecem sem solução devido ao fato de terem sido transferi-dos de forma excessiva para a esfera do direito penal. Às vezes há até que se temer efeitos colaterais contraproducentes pela aplicação do direito pe-nal. Ajustes posteriores distorcem continuamente o perfil do direito penal ca-racterístico do Estado de Direito, devido ao fato de não se ver as causas es-truturais dos problemas ou talvez seja mais exato denominá-las sistêmicas – que tendem a levar ao fracasso do solucionador de problemas que é o di-reito penal.

Aproveitamo-nos deste ensejo para revisitar a função clássica do Direito Pe-

nal, onde tem por papel primordial a contenção de comportamentos indesejáveis e

atentatórios à ordem social, de maneira que fenômenos globais e das massas não

necessariamente devem ser garantidos pelo Direito Penal. Aplicar a força desme-

dida que a ultima ratio deve desempenhar, a comportamentos hipotéticos pode fazer

com que o Direito Penal perca sua eficácia na tutela dos bens jurídicos e dos direitos

e garantias fundamentais.

Ao nosso ponto de vista, a sociedade do risco influencia a política criminal

de tal forma à prevenção de riscos que utiliza-se hoje do prestígio e a força do título

da ciência – o Direito Penal – como instrumento de ameaça e prevenção ou combate

ao risco. Isso quer dizer que a usurpação da função do Direito Penal foi utilizada

como meio de impor à sociedade que qualquer ameaça ou produção de um risco,

será objeto de apreciação pelo Direito Penal. Esta usurpação do prestígio se dá em

nome da priorização do direito fundamental social ou coletivo, em prol daqueles indi-

viduais, elencados na Constituição Federal por força de tratados de Direitos Huma-

nos que o Estado se comprometeu a cumprir, desestabilizando a balança da ponde-

113

PRITTWITZ, Cornelius. O direito penal entre direito penal do risco e direito penal do inimigo: tendências atuais em direito penal e política criminal. Revista Brasileira de Ciências Criminais. São Paulo Revista dos Tribunais, ano 12, n.° 47, mar./abr. 2004, p. 39;

71

ração dos interesses de maneira a orientar a política criminal e sua forma de legislar

sobre a tutela do controle social, descaracterizando o indivíduo e colocando-o na

posição de “inimigo” social, mascarado de “criminoso ou delinquente”.

Ampara-nos o pontuado por JESUS-MARIA SILVA SANCHEZ114, onde:

A solução para a insegurança ademais, não se busca em seu, digamos, “lu-gar natural” clássico – o direito de polícia –, senão no Direito Penal. Assim, pode-se afirmar que , ante os movimentos sociais clássicos de restrição do Direito Penal, aparecem cada vez com maior claridade demandas de uma aplicação da proteção penal que ponha fim, ao menos nominalmente, à an-gústia derivada da insegurança. Ao questionar essa demanda, nem sequer importa que seja preciso modificar as garantias clássicas do Estado de Di-reito: ao contrário, elas se veem às vezes tachadas de excessivamente “rígi-das” e se apregoa na sua “flexibilização”.

Observa-se, deste conceito, que a sociedade do risco não demanda uma

solução para o comportamento antissocial, mas sim busca solução para a dita inse-

gurança, mesmo que seja necessário ultrapassar a barreira dos direitos e garantias

fundamentais para buscar o necessário a se estabelecer pela política criminal, o

controle do risco. LOTHAR KUHLEN115 neste quesito, explica que a dogmática penal

movida pela sociedade do risco amplia a proteção de bens jurídicos coletivos, impli-

cando uma sanção da conduta não somente pelo risco ou perigo gerado pela con-

duta, mas pelo risco que a reiteração desta conduta pode trazer ao contexto social.

Neste compasso, cria-se então a concepção do risco socialmente permitido,

dando a ideia de que a coletividade é responsável pelo preço do desenvolvimento,

contudo, necessário responsabilizar a quem evolua este risco, impondo-lhe a res-

ponsabilidade pela ameaça. É o que se vê na tutela de bens jurídicos supraindividu-

ais, tais como meio ambiente, ordem econômica, corrupção na política, etc.

A política criminal, influenciada diretamente por este anseio social de con-

tenção da criminalidade moderna, acaba por expandir o direito penal à criação de

novos bens jurídicos, inflando o Direito Penal de novos instrumentos que não visam

a repressão como finalidade, mas, como pondera PABLO RODRIGO ALFLEN DA

114

SILVA SANCHEZ, Jesus-Maria. A expansão do direito penal: aspectos da política criminal nas sociedades pós-industriais. Tradução da 2

a edição espanhola de Luiz Otavio de Oliveira Rocha. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011,p. 51;

115 KUHLEN, Lothar. Zum Strafrecht der Riskogesellschaft en GA94. Apud SANCHEZ, Bernardo Feijoo. Sobre a “administrativi-

zação” do direito penal na “sociedade do risco”. Notas sobre a política criminal do início do século XXI. In Revista Liberdades São Paulo: IBCCRIM, nº 07, mai.-ago./2001, p. 42-43;

72

SILVA116:

o Direito Penal se contenta com crimes de perigo abstrato, que exigem so-mente a prova de uma conduta perigosa, renunciam a todos os pressupos-tos clássicos de punição, e, com isso, naturalmente, também reduzem as respectivas possibilidades de defesa e, além disso, no campo da moderna política criminal, como a criminalidade organizada, o meio ambiente, a cor-rupção, o tráfico de drogas ou a criminalidade econômica, encontram-se ca-da vez mais novos tipos penais e agravamentos de pena.

É crescente a tendência da política criminal aproveitar-se dos conceitos de

perigo abstrato para a criação do novos bens jurídicos e da criação de novas condu-

tas repressivas a comportamentos e não mais resultados, expandindo o Direito Pe-

nal a uma ciência que deixa de punir o comportamento ativamente violento para pu-

nir comportamentos que seriam superficialmente inofensivos, mas que “hipotetica-

mente”, a longo prazo, poderiam elevar-se de tal modo a superar a criminalidade vio-

lenta clássica. Porém, adverte JESCHECK, citado por CLAUS ROXIN117, que:

Não se pode negar, no entanto, o perigo de uma dogmática jurídico penal baseada em fórmulas abstratas: por esta, o juiz abandona a automatização de conceitos teóricos, esquecendo assim as particularidades do caso con-creto. O decisivo deverá ser sempre a questão de fato, enquanto as exigên-cias sistemáticas devem ocupar um segundo plano.

Isso, contudo, leva a crer que o Direito Penal perde plenamente sua eficácia

de solucionar demandas sociais, pela perda do prestígio que a repressão penal pos-

sui, e coloca em campo a aplicação do Direito Penal simbólico, de modo a suscitar

no ideário da sociedade apenas a confiança de que algo está sendo feito, e que os

problemas estão sendo solucionados, criando uma falsa expectativa de segurança

jurídica, que é assolada pelos novos avanços da criminalidade, gerando um ciclo de

ilusão e solução para acalmar os ânimos sociais, sem, contudo, apresentar uma re-

solução concreta aos problemas efetivamente estabelecidos.

Desta forma, o que ponderamos é que a política criminal (da emergência)

não deve atender aos anseios da massa de maneira a apresentar rápida solução a

eventos pontuais, sob pena de descaracterizar o Direito Penal e tornar sua aplicação

contraproducente, e fazendo com que a política criminal busque medidas mais re-

116

SILVA, Pablo Rodrigo Alflen da. Características de um direito penal do risco. Jus Navigandi, Teresina, ano 13, n. 1816, 21 jun.2008. Disponível em:< http://jus.com.br/revista/texto/11390>. Acessado em: 24.04.2013 117

Em tradução livre: No debe desconocerse, sin embargo, el peligro de uma dogmática jurídico-penal basada en fórmulas abstractas: éste radica em que el juez se abandona al automatismo de los conceptos teóricos, olvidando así las particularida-des del caso concreto. Lo decisivo ha de ser siempre la solución de la cuestión del hecho, mientras que las exigencias sistemá-ticas deben ocupar el segundo plano. JESCHECK, Lehrbuch des Strafrechts Allgemeiner Teil, 1969, p. 136, apud ROXIN, Claus. Política criminal y sistemas del derecho penal. Traduccion e introducción de Francisco Muñoz Conde. 2ª Ed. Buenos Aires: Hammurabi, 2000, p. 37;

73

pressivas ao combate à criminalidade, beirando o Direito Penal do inimigo, que aten-

ta gravemente contra os preceitos e basilares do Estado Democrático de Direito que

adotamos.

74

3 A CRIMINALIZAÇÃO DA LAVAGEM DE CAPITAIS

Ao iniciarmos a abordagem da lavagem de capitais, analisaremos a sua in-

serção no ordenamento jurídico a partir de indagações que trazem uma perspectiva

provocadora: Qual seria sua verdadeira mens legis? Qual sua perspectiva de crimi-

nalização? Qual seu ideal de repressão e controle social? Qual sua política criminal?

Estas e outras indagações fomentam nosso estudo, cujo objetivo não é a-

presentar uma solução aritmética ou uma ponderação de certo e errado, verdadeiro

ou falso, transformando esta análise em uma ciência exata ou nos convertendo em

senhores da verdade. Não é este nosso objetivo. Buscamos apresentar um aspecto

crítico e um novo ponto de vista sobre a Lei de Lavagem de Capitais que cause ao

menos angustia e pensamento crítico sobre a verdadeira mens legis e alguns pontos

fulcrais da Lei, que visam aclarar um novo ponto de vista sobre a Lei 9.613/98 sobre

o Estado Democrático de Direito na qual está inserida.

3.1 BEM JURÍDICO PENAL E LAVAGEM DE CAPITAIS

O tipo penal da lavagem de capitais, fundante da preocupação mundial da

repressão ao crime organizado, surgiu com o intuito de cercear a delinquência orga-

nizada de seu poderio, consubstanciado no seu dinheiro. Não olvidemos que a legis-

lação evoluiu bastante, acompanhando a evolução social e tecnológica advinda com

a globalização, bem como os instrumentos de investigação, busca e repressão a es-

te tipo de criminalidade.

No entanto, insistindo no esforço de decifrar a criminalização da lavagem de

capitais, insistimos na busca dos valores que a lei de lavagem de capitais tutela, de

maneira que tal análise nos levará ao ponto de discussão sobre a verdadeira mens

legis da Lavagem de Capitais, sendo necessário enfrentar a questão do bem jurídico

tutelado pela norma.

75

Aqui, iniciamos nosso enfoque sobre o lume da divergência que se encontra

no estudo da norma e intriga a doutrina nacional e internacional com uma questão:

Qual é o bem jurídico protegido pela Lavagem?

Como pontua SALO DE CARVALHO118: “cada estrutura de pensamento polí-

tico elabora formas de compreensão sobre o desvio, o delito, o juízo e a pena”. Ilus-

tra-se, aqui, que a preocupação com a criminalização da lavagem de capitais, não

somente no Brasil, como mundialmente, foi tão intensa na necessidade de se coibir

o avanço da criminalidade organizada, que não se tem ao certo qual o objeto de tu-

tela da lavagem de capitais. Instituíram-se instrumentos de repressão, persecução e

repressão novos, analisou-se ao fundo a possibilidade de confisco e alienação dos

bens das organizações criminosas, porém, o elemento basilar da norma material,

que seria o bem jurídico, foi negligenciado, deixando a norma penal em aberto quan-

to ao seu tipo objetivo, que hoje a discussão fomenta debates acalorados, não se

chegando, todavia, a um consenso.

Sobre tal lume, não objetivamos empossar nossa opinião como a correta ou

absoluta, porém, fomentaremos aqui um enfoque diversificado da doutrina conven-

cional, esposando nossa opinião sobre o bem jurídico tutelado pela Lei de Lavagem

de Capitais.

Porém, antes de iniciarmos o debate e posicionamento acerca da Lei de La-

vagem de Capitais, necessário um breve esboço sobre o que é o bem jurídico e a

sua evolução, necessários à compreensão do que postularemos sobre o objeto da

norma em estudo.

Atualmente, encontramos a concepção de que o Direito Penal tem como fun-

ção primordial a tutela de bens jurídicos. Desta necessidade de tutela, extrai-se a

função imanente do Direito Penal, quer seja o controle das ações humanas, prote-

gendo da ação social determinados bens da comunidade, impondo consequências

jurídicas aos atos que atentem contra estes bens, visando assim a convivência har-

mônica entre os indivíduos componentes de uma sociedade.

O Direito Penal nasce, então, para a proteção de valores intrínsecos na so-

ciedade, preconizando os comportamentos indesejáveis e normatizando a sanção a

118

CARVALHO, Salo de. Pena e garantias. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2003, p. 5.;

76

estes comportamentos atentatórios à ordem social. Neste horizonte, vislumbra-se

que o Direito Penal não tem como função imanente a tutela de direitos subjetivos,

mas sim a tutela de bens jurídicos, dotados de valores ético-sociais intrínsecos na

sociedade, cuja violação implica em lesão não somente ao Direito, mas sim a todo o

contexto no qual está inserido.

É neste contexto da teoria do delito que encontramos a noção de bem jurí-

dico. Toda norma jurídica deve ter um fundamento, um valor social intrínseco que

deve ser preservado para que se tenha o ideal de paz social. FRANCISCO DE AS-

SIS TOLEDO119 aponta que:

[...] bens são, pois, coisas reais ou objetos ideais dotados de valor, isto é, coisas materiais e objetos imateriais que, além de serem o que são, valem. Por isso são, em geral, apetecidos, procurados, disputados, defendidos, e, pela mesma razão, expostos a certos perigos de ataques ou sujeitos a de-terminadas lesões.

Admitindo este sentido, amplia CLAUDIO JOSÉ LANGROIVA PEREIRA120,

entoando uma concepção mais moderna e completa de bem jurídico, onde: “um va-

lor ideal, proveniente da ordem social em vigor, juridicamente estabelecido e prote-

gido, em relação ao qual a sociedade tem interesse na segurança e manutenção,

tendo como titular tanto o particular quanto a própria coletividade”.

Mas estes valores não são valores escolhidos ao alvitre do legislador. O

bem jurídico surge na afirmação de conceitos e valores sociais cuja determinação

seletiva leva em conta o contexto social no qual estão inseridos, os referenciais de

época e a visão ética da qual se extraí do Estado de Direito no qual está inserida

aquela sociedade, criando referenciais próprios e criando conceitos valorativos sin-

crônicos dos quais se extrairão os bens jurídicos dignos de tutela penal121.

A partir de então, o Estado no qual determinado bem jurídico está inserido

encontrará neste a obrigação de preservação e limite de sua punição, ou seja, so-

mente punirá a afronta àquele bem jurídico na forma em que se incumbiu a proteger.

Isso é o que a doutrina penal mais autorizada denomina como princípio da exclusiva

proteção. GARCIA-PABLOS, citado por ALBERTO SILVA FRANCO, RAFAEL LIRA

119

TOLEDO, Francisco de Assis. Princípios básicos de direito penal. 5a ed. São Paulo: Saraiva, 2000, p.15;

120 PEREIRA, Claudio José Langroiva. Proteção jurídico-penal e direitos universais. Tipo, tipicidade e bem jurídico universal.

São Paulo: Quartier Latin, 2008, p. 71; 121

PEREIRA, Claudio José Langroiva. Proteção jurídico-penal e direitos universais. Tipo, tipicidade e bem jurídico universal. São Paulo: Quartier Latin, 2008, p. 58;

77

e YURI FELIX122, a este teor, esclarece que:

A acolhida do princípio da exclusiva proteção de bens jurídicos significa, desde logo, que as incriminações não podem pretender a proteção de me-ros valores éticos e morais, nem a sanção de condutas socialmente inó-cuas. A intervenção punitiva do Estado somente se legitima quando salva-guarda interesses ou condições que reúnam duas características: em pri-meiro lugar, a da generalidade (deve tratar-se de bens ou condições que que interessam à maioria da sociedade e não a uma parte ou setor desta); em segundo lugar, a da transcendência (a intervenção penal somente se justifica para tutelar bens essenciais para o homem e para a sociedade, vi-tais). O contrário é um uso sectário ou frívolo do Direito Penal: sua perver-são.

Desta ótica se extraí que o crime – no seu conceito de comportamento an-

tissocial – somente pode ser entendido como uma ofensa a um bem jurídico, ou co-

mo coloca WINFRIED HASSEMER: “a conduta humana somente pode ser um in-

justo punível se lesionar um bem jurídico”123.

O bem jurídico, assumindo sua vertente de valor, remonta aos tempos das

ordenações do clero, onde o ideário de pecado vinculava o Direito Penal e o con-

ceito de crime ao equivalente a uma ofensa ao Deus, e, portanto, pecado, impondo-

se a pena em relação à gravidade do pecado praticado, estabelecendo assim um

instrumento de controle social baseado na teologia.

Porém, a ideia constitutiva de um conceito de bem jurídico remonta ao Ilumi-

nismo, que dentro de uma ordem jurídica de “poucas, claras e simples leis”, e par-

tindo da prescrição do artigo 8o da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão

de 1789, preconizava que as penas deveriam ser tão somente as estritas e evidente-

mente necessárias. Consoante LUIZ REGIS PRADO124:

Na filosofia penal iluminista o problema punitivo estava completamente des-vinculado das preocupações éticas e religiosas; o delito encontrava sua ra-zão de ser no contrato social violado e a pena era concebida somente como medida preventiva.

Nesta senda, afirma a doutrina que os limites ao poder punitivo estatal surgi-

ram no Iluminismo, onde o Direito encontrou sua dicotomia entre o jusnaturalismo e

o positivismo jurídico, iniciando, de maneira sistemática, a teoria do bem jurídico.

122

GARCIA-PABLOS DE MOLINA. Antonio. Introdución al derecho penal. 4a ed., Madrid: Ramon Aceres, 2006, p. 540, apud

FRANCO, Alberto Silva. LIRA, Rafael, FELIX, Yuri. Crimes hediondos. 7a ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, p.105;

123 HASSEMER, Winfried. Fundamentos del derecho penal. Tradução de Francisco Muñoz Conde. Barcelona: Editorial Bosch,

1984, p. 37; 124

PRADO, Luiz Régis. Bem jurídico penal e Constituição. 3a ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003, p. 28;

78

Quem primeiro tratou da noção de bem jurídico penal foi JOHANN MICHAEL

FRANZ BIRNBAUM na sua obra Über das Erfordernis eines Rechtvertzung zum Be-

griff des Verberchen, e entendia que: “Se quer tratar o delito como lesão, o essencial

é relacionar necessariamente este conceito com a sua natureza; não com um direito,

senão como um bem [...] é sempre bem, não o direito, o que se vê diminuído”125.

Neste enfoque, e nos moldes da Escola Histórica, assinalava que o bem jurídico é

de criação livre do legislador, que era livre para definir aquilo que era interessante à

manutenção da ordem jurídica. Porém, esta concepção não em levaria em conside-

ração os valores intrínsecos e formadores do Estado de Direito. Apontava que o

conceito de bem jurídico abrangeria um conjunto de elementos de cunho liberal onde

o Direito Penal deixaria de contar com interesses eminentemente subjetivos e indivi-

dualistas e passaria ao campo objetivo, com um conjunto de interesses primordiais

dos indivíduos, objetos da tutela penal.

Ainda dentro do ideal iluminista, quem definiu melhor o bem jurídico foi PA-

UL JOHANN ANSELM FEUERBACH, que pregava a preservação dos valores ideais

e dos comportamentos humanos, como forma de controle social e empreendia a

busca da imposição de limites à repressão penal estatal. Por esta tratativa, o legisla-

dor não era livre para a criação de tipos penais tutelando os valores e preconizando

os comportamentos que entendia corretos. Estava, portanto, limitado ao contexto so-

cial, de maneira a obedecer os costumes rotineiros da sociedade ordeira, pautando

os comportamentos negativos nos modelos pela ofensa comprovada a um interesse

material. Ilustra CLAUDIO JOSÉ LANGROIVA PEREIRA126 que:

O posicionamento de Paul Johann Anselm Feuerbach indicava que, para a declaração de uma conduta como delituosa, não bastava a suposta infração de uma norma ética ou divina. Exigia-se a prova de que ocorreu uma lesão a interesses materiais de outras pessoas, ou seja, uma lesão a bens jurídi-cos.

Dessa forma, o Direito Penal passa a reprimir e punir lesões aos direitos

subjetivos de outrem, ou seja, define a conduta criminosa como aquela que atenta

contra a liberdade garantida pelo contrato social, ou seja, é uma conduta negativa

125

BIRNBAUM, Johan Michael Franz. Über das Erfordernis eines Rechtvertzung zum Begriff des Verberchen, apud HORMA-ZÁBAL MALARÉE, Hernan. Bien jurídico y Estado social y democrático de derecho: el objeto protegido por la norma penal. 2

a

ed. Santiago: Conosur, 1992, p. 27; 126

PEREIRA, Claudio José Langroiva. Proteção jurídico-penal e direitos universais. Tipo, tipicidade e bem jurídico universal. São Paulo: Quartier Latin, 2008, p. 72;

79

atentatória ao direito alheio127.

Transcendendo ao positivismo naturalista, e introduzindo a doutrina do bem

jurídico no estudo da estrutura do crime, FRANZ VON LISZT, dando continuidade

aos ideais iluministas, transmudou a concepção de bem jurídico daqueles escolhidos

pelo Legislador, passando ao entendimento de que os bens jurídicos são intrínsecos

na sociedade, cabendo ao Direito Penal o papel de identifica-los e estabelecer a pro-

teção penal. Para VON LISZT, o delito era uma violação a um direito de obediência,

do qual a ofensa a este Direito enceta uma ofensa intrínseca a um bem jurídico pro-

tegido. Conceitualmente, assinala que o:

Bem jurídico é o interesse juridicamente protegido. Todos os bens jurídicos são interesses vitais do indivíduo ou da comunidade. A ordem jurídica não cria o interesse, ele é criado pela vida; mas a proteção do Direito eleva o in-teresse vital à categoria de bem jurídico

128.

Considera que das relações humanas surgiriam interesses cuja proteção

necessitaria de intervenção do Estado. Nesta teoria, os bens jurídicos não seriam

meras criações do legislador, mas sim oriundos das relações sociais. O legislador

aqui serviria como identificador destes bens passíveis de proteção pela norma129.

Para FRANZ VON LISZT, “todo direito existe por amor dos homens e tem por fim

proteger interesses da vida humana”130. Assevera neste sentido que:

[...] os interesses vitais resultam das relações da vida entre os mesmos indi-víduos ou entre os particulares e a sociedade organizada em Estado e vice-versa [...] a ordem jurídica delimita as esferas de ação (Machtgebiete) de cada um [...] faz da situação da vida (Lebensverhältnis) uma situação do Di-reito (Rechtsverhältnis) [...] a proteção jurídica que presta a ordem do Direito aos interesses da vida e a proteção pelas normas (Normenssachtz). Bem ju-rídico e norma são conceitos fundamentais do Direito

131.

Dando continuidade aos ideais iluministas, FRANZ VON LISZT transmudou

a concepção de bem jurídico daqueles escolhidos pelo Legislador, passando ao en-

tendimento de que os bens jurídicos são intrínsecos na sociedade, cabendo ao Direi-

to Penal o papel de identifica-los e tutelá-los. Considera que das relações humanas

surgiriam interesses cuja proteção necessitaria de intervenção do Estado. Nesta teo-

127

Nesse sentido, ALMEIDA, Bruno Rotta. A teoria do bem jurídico e a proteção penal de valores supraindividuais. In: Revista da SJRJ. Rio de Janeiro, nº25, 2009, p. 307; 128

LISZT, Franz von. Tratado de derecho penal. Vol. 2. Madrid: Reus, s.d., p. 06; 129

Neste sentido, PEREIRA, Claudio José Langroiva. Proteção jurídico-penal e direitos universais. Tipo, tipicidade e bem jurídi-co universal. São Paulo: Quartier Latin, 2008, p. 75; 130

LISZT, Franz Von. Tratado de direito penal allemão Tomo I. Tradução de J.H.D. Pereira. Rio de Janeiro: F. Briguet e edito-res, 1899, p. 93; 131

LISZT, Franz von. Tratado de derecho penal. Vol. 2. Madrid: Reus, s.d., p. 06;

80

ria, os bens jurídicos não seriam meras criações do legislador, mas sim oriundos das

relações sociais. O legislador aqui serviria como identificador destes bens passíveis

de proteção pela norma132.

Outra vertente do positivismo veio com KARL BINDING, que amparado na

teoria de BIRNBAUM, adota que o bem jurídico é dependente da norma, na medida

em que é de criação livre do legislador, porém:

Tudo o que em si mesmo não é um direito, mas que aos olhos do legislador é de valor como condição de vida sana da comunidade jurídica, em cuja manutenção incólume e livre de perturbações tem interesse desde seu pon-to de vista e que por isso faz esforços por meio de suas normas para asse-gurar-lhe diante de lesões ou perigos não desejados

133.

Esta teoria, por sua vez, colocava o cidadão ao invés da figura de sujeito de

Direitos, ao papel de mero destinatário final da norma, através da mera retribuição

penal aos comportamentos escolhidos como indesejados.

Apesar desta evolução substancial do bem jurídico, esta veio por terra

quando da instituição do Estado nacional-socialista alemão, que impôs a escola na-

zista de Kiel, que tratava o direito apenas como dever, e o objeto de tutela do Direito

Penal era decorrente da repressão ao descumprimento de deveres.

A Teoria do Bem Jurídico somente veio a ser revitalizada no pós-guerra,

quando HANZ WELZEL, que numa visão neokantiana empreende que somente ha-

verá bens jurídicos na medida em que eles atuam na vida social e desta dependem,

ou seja, os valores sociais depreendem-se dos atos sociais e então são incluídos na

sistemática jurídica, que passa a tutelá-los, criando mecanismos de proteção e re-

pressão ao seu descumprimento ou violação.

Na atualidade, ainda que pairem grandes intervenções doutrinarias sobre a

concepção de bem jurídico, há consenso na questão de que os bens jurídicos são

valores ético-sociais intrínsecos, que ditam o comportamento social, na medida em

que sobre eles se inferem comportamentos negativos, de descumprimento ou viola-

ção, cabendo ao Direito Penal a preservação da ordem jurídica e o controle social

através da proteção destes bens jurídicos.

132

Neste sentido, PEREIRA, Claudio José Langroiva. Proteção jurídico-penal e direitos universais. Tipo, tipicidade e bem jurídi-co universal. São Paulo: Quartier Latin, 2008, p. 75; 133

BINDING, Karl, apud. GOMES, Luiz Flávio. Norma e bem jurídico no direito penal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p. 77

81

3.2 BENS JURÍDICOS PENAIS E CONSTITUIÇÃO

Com o fim da Segunda Guerra Mundial, as novas democracias empreende-

ram esforços para retomar o conceito de bem jurídico, adotando um conceito mais

liberal, imprimindo a ideia de que o bem jurídico pode preceder a humanidade e nela

estar intrínseco, como também pode decorrer das próprias relações sociais, que pri-

orizam valores dignos de tutela pelo Direito Penal. Porém, neste enfoque, como ad-

verte FRANCISCO DE ASSIS TOLEDO134: “... nem todo bem é um bem jurídico. A-

lém disso, nem todo bem jurídico como tal se coloca sob a tutela específica do di-

reito penal”. Isso porque WINFRIED HASSEMER135 pondera que: “quanto mais vago

é o conceito de bem jurídico e quanto mais objetos ele compreende, menores serão

as chances de uma resposta a nossa pergunta sobre o Direito Penal cumprir suas

missões preventivas”.

Percebe-se então que o bem jurídico é colocado no epicentro do Direito Pe-

nal, impondo critério fundamental à limitação da criação legislativa, no que tange à

formação do ilícito penal. Impõe-se neste molde que o Estado constitucional experi-

menta como característica principal o direcionamento de sua produção jurídica fo-

cada no epicentro da proteção de bens jurídicos, voltando sua criação legislativa à

proteção de direitos e garantias fundamentais. Como pontua CLAUDIO JOSÉ LAN-

GROIVA PEREIRA136:

Alinha-se com estas considerações a afirmação de que a função do Direito Penal é de proteger valores e interesses que possuam relevância constitu-cional, ou seja, juridicamente declarados como tal, explicita ou implicita-

mente, em um critério limitador de intervenção mínima.

Daí que para a tutela dos bens jurídicos não cair em um “lugar comum”, se

tornando mero instrumento formal do Direito Penal que os Estados utilizam para tu-

telar aquilo que ideologicamente interessa, necessário se faça um controle de cria-

ção de bens jurídicos, atribuindo à constituição o papel de tutor da criação de bens

134

TOLEDO, Francisco de Assis. Princípios... op. cit. p. 17 135

HASSEMER, Winfried. Direito Penal. Fundamento, estrutura, política. Organização e revisão de Carlos Eduardo de Oliveira Vasconcelos. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 2008, p. 224; 136

PEREIRA, Claudio José Langroiva. Proteção jurídico-penal e direitos universais. Tipo, tipicidade e bem jurídico universal. São Paulo: Quartier Latin, 2008, p. 79;

82

jurídicos. Como pontua LUIZ LUISI137:

É nas constituições que o Direito Penal deve encontrar os bens que lhe ca-be proteger com suas sanções. E o penalista assim deve orientar-se, uma vez que nas constituições já estão feitas as valorações criadoras dos bens jurídicos, cabendo ao penalista, em função da relevância social desses bens, tê-los obrigatoriamente presentes, inclusive a eles se limitando, no processo de formação da tipologia criminal.

A necessidade desta constitucionalização dos bens jurídicos penais se tra-

duz da necessidade de evitar a expansão exacerbada do Direito Penal, sob pena de

que se deixar a cargo do legislativo, a cada alteração de costumes vigiada se esta-

beleceriam novos bens jurídicos, estigmatizando-os e fazendo com que percam sua

eficácia dentro do ordenamento jurídico.

Aqui, cabe a diversificação de bem jurídico e tipo penal. O bem jurídico, co-

mo já dito, é o valor ético-social que é intrínseco da sociedade e deve ser protegido

de ataques por comportamentos negativos, prescritos pelo Direito Penal. Já o tipo

penal é o crime propriamente dito. É a formalização daquele comportamento atenta-

tório ao bem jurídico, através da criação do tipo penal. O primeiro é valor, do qual o

segundo preconiza a proteção penal. O bem jurídico, portanto, complementa, integra

e orienta a criação de tipos penais, mas não o esgota138. Complementando este

conceito CLAUDIO JOSÉ LANGROIVA PEREIRA139 ainda pondera que:

Isto não quer dizer que o bem jurídico estará concreto e explicitamente mencionado na norma constitucional, mas contido em um sistema de valo-res compostos por direitos fundamentais, direitos dos cidadãos de determi-nada sociedade, pelos valores que emanam destes, os que são necessários para assegurar sua efetividade, bem como aqueles que simplesmente de-correm dos mesmos.

A criação de bens jurídicos penais, portanto, se insere no âmbito constitucio-

nal, na medida em que a constituição aufere valores constitucionais capazes de criar

bens jurídicos penais, que por sua vez, orientará a criação legislativa e a proteção

jurídico-penal destes valores constitucionais. JORGE DE FIGUEIREDO DIAS140 ,

neste sentido, aponta que: “Os bens jurídicos protegidos pelo direito penal devem

considerar-se concretizações dos valores constitucionais expressa ou implicitamente

ligados aos direitos e deveres fundamentais”.

137

LUISI, Luiz. Os princípios constitucionais penais. 2. ed. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 2002, p. 172;

138 Neste sentido, TOLEDO, Francisco de Assis. Princípios básicos de direito penal. 5

a ed. São Paulo: Saraiva, 2000, p. 20;

139 PEREIRA, Claudio José Langroiva. Proteção jurídico-penal e direitos universais. Tipo, tipicidade e bem jurídico universal.

São Paulo: Quartier Latin, 2008, p. 80; 140

FIGUEIREDO DIAS, Jorge de. Temas básicos de direito penal. Coimbra: Coimbra editora, 2001, p. 47-48;

83

Assim, cabe ao legislador ordinário, na criação legislativa, verificar quais va-

lores estão inseridos na órbita do tipo penal que pretende criar, com o escopo de

não inserir normas de conteúdo vazio no ordenamento jurídico.

3.3 A PROBLEMÁTICA DO BEM JURÍDICO TUTELADO PELA LEI 9.613/98

Com a crescente evolução do Direito Penal e verdadeira expansão que vem

sofrendo no decorrer dos anos – como vimos anteriormente no que concerne à

transformação da sociedade em uma sociedade do risco – diante das novas modali-

dades de crimes e novos bens jurídicos a serem protegidos, o Direito Penal conver-

ge para uma nova roupagem de mero garantidor de bens jurídicos, ao invés de tutor

das relações sociais, gerando, com a ampliação do direito de punir Estatal, uma sé-

rie de normas vazias de conteúdo, dos quais nem sempre se define o bem jurídico

digno de tutela daquela norma. Como aponta EVANDRO PELARIN141:

O mote da complexidade da vida moderna e o pressuposto da necessidade de atualizar o direito penal devido às novas formas de agressão a novos bens jurídicos retiram as amarras liberais do intervencionismo estatal, a permitir construções do tipo sistêmicas que se importam com a funcionali-dade dos sistemas sociais, a fazer do direito mero “garantidor de funções e estruturas”, a reduzi-lo a “uma tecnologia social, vazia de conteúdo”.

Na seara do Direito Penal, à política criminal se insere a tarefa de criminali-

zar as ofensas aos bens jurídicos, encontrando no Direito de punir do Estado, seu

limite constitucional de criminalização, fornecendo prestações públicas e preser-

vando valores fundamentais, tanto sociais, necessários à imposição de uma vida so-

cial digna, quanto individuais, impondo condições necessárias à própria vida hu-

mana.

Contudo, com a própria evolução social e o já citado sistema semiaberto de

direitos e garantias individuais, impôs-se a criação de bens jurídicos supraindividu-

ais, com o escopo de tutelar os valores ético-sociais da vida coletiva, necessários à

manutenção da segurança jurídica e da paz social, como a proteção ao meio ambi-

ente, à organização econômica, à administração da justiça, etc.

141

PELARIN, Evandro. Bem jurídico-penal: um debate sobre a descriminalização. São Paulo: Instituto Brasileiro de Ciências Criminais, 2002, p. 114;

84

Foi por demanda desta evolução social que o legislador resolveu por crimi-

nalizar a lavagem de dinheiro, onde sensível aos avanços da criminalidade organi-

zada, e em virtude de compromissos internacionais que se obrigou a cumprir, definiu

como meio de conduta a localização e o confisco dos bens oriundos das atividades

criminosas perpetradas pelas “empresas do crime”.

Porém, como disse o poeta romano Juvenal: Quis custodiet ipsos custo-

dem? (Quem vigiaria os vigilantes?), na medida em que nunca se falou e se cogitou

tanto de lavagem de capitais, pelos escândalos de corrupção, o avanço do narcotrá-

fico, o crime organizado, facções criminosas, que ao assumir os compromissos in-

ternacionais e finca-los no ordenamento jurídico brasileiro, não deixou claro qual se-

ria o bem jurídico tutelado pela Lei de Lavagem. Não atribuímos tal omissão à desí-

dia de nossos legisladores, mas sim à dificuldade mundial de se delimitar o bem ju-

rídico tutelado pela lavagem de capitais, não sendo o tema na doutrina de communis

opinio. São tantos os posicionamentos acerca da tutela penal da lavagem de capi-

tais, tantas teorias antagônicas, que o estudo deste bem jurídico tomaria um estudo

próprio, e inconclusivo, na medida em que diversos são os entendimentos.

Isso se deve a influência de instrumentos de política criminal de diversos or-

denamentos jurídicos internacionais, onde, sem contar com a Constituição vigente,

agregou valores decorrentes de tratados e instrumentos internacionais cujo escopo

mira diretamente no combate à criminalidade, porém, sem que ao menos fosse efe-

tuada uma vistoria geral destes instrumentos e a sua adequação ao ordenamento

jurídico pátrio, criando uma colcha de retalhos de difícil explicação.

Deste manto de conjunções de ordenamentos jurídicos diversos, oriundos

de sociedades das quais os valores tutelados nem sempre coadunavam com o Es-

tado Democrático de Direito Brasileiro, ampliou-se o sentido da lei, assinalando um

âmbito maior de tutela quando se anunciou que tratava-se a Lei de Lavagem de Ca-

pitais de uma norma de segunda geração (a primeira geração destinava o crime an-

tecedente apenas na figura do narcotráfico), abordando um leque maior de crimes

antecedentes142 (elaborando um catálogo de infrações), até a legislação de terceira

142

Cf. ilustram os ítens 15 e 16 da Exposição de Motivos nº 692/ MJ, de 18 de dezembro de 1996: “15. As primeiras legislações a esse respeito, elaboradas na esteira da Convenção de Viena, circunscreviam o ilícito penal da "lavagem de dinheiro" a bens, direitos e valores à conexão com o tráfico ilícito de substâncias entorpecentes ou drogas afins. Gravitavam, assim, na órbita da "receptação" as condutas relativas a bens, direitos e valores originários de todos os demais ilícitos que não foram as espécies típicas ligadas ao narcotráfico. Essa orientação era compreensível, visto que os traficantes eram os navegadores pioneiros

85

geração, eliminando-se o leque de infrações antecedentes e ampliando a sua abor-

dagem a todo o ordenamento jurídico penal como suscetível de anteceder a Lava-

gem de Capitais143.

Ignorou-se, neste espectro, a ressalva que o próprio Legislador, na Exposi-

ção de Motivos 692/MJ, referente à Lei de Lavagem de Capitais, já advertia para a

abertura indiscriminada do tipo penal, onde poderia incutir crimes de menor potencial

ofensivo e circunstâncias que caracterizariam a mera receptação. Assim consig-

nado, referendou que:

24. Sem esse critério de interpretação, o projeto estaria massificando a cri-minalização para abranger uma infinidade de crimes como antecedentes do tipo de lavagem ou de ocultação. Assim, o autor do furto de pequeno valor estaria realizando um dos tipos previstos no projeto se ocultasse o valor ou o convertesse em outro bem, como a compra de um relógio, por exemplo.

Neste sentido, vemos temeridade na expansão do rol de crimes anteceden-

tes para todas as infrações penais, fator que levará à restrição da apuração pelo

crime de lavagem unicamente o bom senso do órgão acusatório, o que, não coa-

duna com o Estado Democrático de Direito, importando, neste sentido, patente viola-

ção ao devido processo legal e, mais especificamente, ao devido processo penal.

3.3.1 As teorias acerca do bem jurídico tutelado pela Lei de Lavagem de Capitais

Como já pontuamos, indicação do bem jurídico ofendido pelo crime de Lava-

gem de Capitais é assunto sensível no estudo da Lei 9.613/98, que devido à absor-

ção de diversos conceitos dos mais variados ordenamentos jurídicos, inseridos nos

nessas marés da delinqüência transnacional e os frutos de suas conquistas não poderiam ser considerados como objeto da receptação convencional. 16. Adveio, então, uma legislação de segunda geração para ampliar as hipóteses dos ilícitos antece-dentes e conexos, de que são exemplos as vigentes na Alemanha, na Espanha e em Portugal”; 143

“A alteração mais importante no projeto é a retirada do rol de crimes antecedentes do caput do art. 1º. Como está hoje, só se configura o crime de lavagem de dinheiro se os bens, direitos e valores objeto da conduta forem provenientes de um dos crimes elencados no caput do art. 1º (tráfico de entorpecentes, tráfico de armas, terrorismo, crime contra a Administração Pú-blica etc.). Ou seja, a Lei de Lavagem de Dinheiro foca determinadas origens ilícitas de valores para o fim de persecução penal em caso de ocultação ou dissimulação. A nova proposta é deixar o rol em aberto; isto é, a ocultação e dissimulação de valores de qualquer origem ilícita – provenientes de qualquer conduta infracional, criminosa ou contravencional – passará a permitir a persecução penal por lavagem de dinheiro. Isso igualaria nossa legislação à de países como os Estados Unidos da América, México, Suíça, França, Itália, entre outros, pois passaríamos de uma legislação de “segunda geração”(rol fechado de crimes antecedentes) para uma de “terceira geração”(rol aberto)”.

143 Parecer sem número, do ano de 2007 da Comissão de Constitui-

ção, Justiça e Cidadania, sobre os Projetos de Lei do Senado nº 209, de 2003, nº 225, de 2006, nº 48, de 2005 e nº 193, de 2006, que alteram a Lei nº 9.613, de 3 de março de 1998, a qual dispõe sobre o crime de lavagem de dinheiro. Disponível em www.senado.gov.br;

86

tratados, convenções, protocolos e demais instrumentos assinados ou observados

pelo Brasil, não se tem por certo qual fôra o objeto jurídico ao qual quis o legislador

emprestar relevância e estabelecer a proteção jurídico-penal.

Doravante, necessário apontar que diante do ilustrado anteriormente, pelo

contexto de criação da figura da lavagem de capitais, não somente no Brasil, mas

em âmbito mundial, a discussão sobre o bem jurídico tutelado pelo crime de lava-

gem de capitais é assunto que eleva a discussão em patamar mundial, absorvendo

em diversos ordenamentos jurídicos a discussão sobre qual é o bem jurídico prote-

gido pela Lavagem de Capitais.

Exemplificando, citemos que na Suíça, o bem jurídico tutelado pela Loi fédé-

rale concernant la lutte contre le blanchiment d’argent et le financement du terro-

risme dans le secteur financier, – LBA – de 10 de outubro de 1997, insere o crime

de lavagem previsto na Loi du Blanchiment d’ Argent, naqueles cuja tutela recai so-

bre a Administração da Justiça, por força dos artigo 305bis do Code Penal Suisse144.

A mesma concepção se denota no ordenamento jurídico italiano145.

Na Alemanha, assim como na Espanha, não há um consenso sobre qual o

objeto de tutela da Lavagem de Capitais. No ordenamento jurídico alemão, parte

substancial da doutrina considera o crime de Lavagem de Capitais como um crime

contra a Administração da Justiça. Outra parte substancial, porém, de menor vulto,

assinala que o delito de Lavagem de Capitais tem por bem jurídico o combate à cri-

minalidade organizada, porquanto a legislação alemã de combate à Lavagem tenha

advindo de instrumentos de combate à criminalidade organizada146, tais como a

Convenção de Viena, bem como as recomendações do GAFI (FATF). E parte ínfima

da doutrina alemã denota que a tutela recai sobre a ordem econômica ou sobre o

144

305 bis: Blanchiment d’argent 1. Celui qui aura commis un acte propre à entraver l’identification de l’origine, la découverte ou

la confiscation de valeurs patrimoniales dont il savait ou devait présumer qu’elles provenaient d’un crime, sera puni d’une peine privative de liberté de trois ans au plus ou d’une peine pécuniaire. 2. Dans les cas graves, la peine sera une peine privative de liberté de cinq ans au plus ou une peine pécuniaire. En cas de peine privative de liberté, une peine pécuniaire de 500 jours-amende au plus est également prononcée. Le cas est grave, notamment lorsque le délinquant: a. agit comme membre d’une organisation criminelle; b. agit comme membre d’une bande formée pour se livrer de manière systématique au blanchiment d’argent; c. réalise un chiffre d’affaires ou un gain importants en faisant métier de blanchir de l’argent. 3. Le délinquant est aussi punissable lorsque l’infraction principale a été commise à l’étranger et lorsqu’elle est aussi punissable dans l’Etat où elle a été commise; 145

Cf. BLANCO CORDERO, Isidoro. El delito de blanqueo de capitales. Tercera Edición. Navarra: Thomson Reuters Arazandi, 2012, p. 215-230; 146

AMBOS, Kai. Lavagem de dinheiro e direito penal. Tradução, notas e comentários sob a perspectiva brasileira de Pablo Rodrigo Alflen da Silva. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 2007, p. 52-53;

87

bem jurídico tutelado pelo crime antecedente147.

Na Espanha, todavia, embora não se encontre um consenso, sobre o artigo

301 do Código Penal Espanhol, a discussão vai mais além e remonta a necessidade

ou não da criminalização da Lavagem de Capitais. Para alguns autores, a lavagem

de capitais deveria ser objeto de tutela por outros ramos do Direito, tal como o Di-

reito Administrativo sancionador ou o Direito tributário, naquilo que concerne. Para

aqueles que defendem a criminalização da lavagem de Capitais, divergem sobre a

tutela da Administração da Justiça, ou sobre a ordem econômica148, ou ainda há

quem defenda que se trata de crime pluriofensivo149, englobando os dois bens jurídi-

cos.

Em Portugal, muito embora a própria legislação inclua o branqueamento de

capitais como crime contra a “Boa Administração da Justiça”, há um forte movimento

doutrinário que engloba o branqueamento como crime pluriofensivo, na medida em

que a ordem econômica deve se enquadrar como bem jurídico tutelado pelos Decre-

tos-Leis n. 15/93, de 22 de janeiro e 313/93, de 15 de setembro, com as ampliações

do Decreto-Lei n. 325/95 de 02 de dezembro150.

No Brasil, na medida em que a Legislação abarcou teses e movimentos dou-

trinários de diversos países, a divergência doutrinária não poderia ser diferente. Teo-

rias e digressões surgiram no intuito de firmar o entendimento acerca do bem prote-

gido pela Lei de Lavagem de Capitais, contudo, a doutrina não resta pacífica em ne-

nhum ponto, dos quais extraímos algumas teorias.

3.3.1.1 Não há bem jurídico penalmente relevante

Com relação ao bem jurídico tutelado pela Lei 9.613/98, minoritariamente,

147

Cf. ilustra CARLI, Carla Veríssimo. Lavagem de Dinheiro: ideologia da criminalização e análise do discurso. Dissertação de Mestrado apresentada à Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. Porto Alegre: PUCRS, 2006, p. 99; 148

GOMES INIESTA, Diego. El delito de blanqueo de capitales en derecho español. Barcelona: Cedecs, 1996, p. 34; 149

BLANCO CORDERO, Isidoro. Op. cit. p. 215-230; FERNÁNDEZ, Fernando Molina. ¿Que se protege en el delito de blan-queo de capitales?: reflexion sobre un bien jurídico problemático, y a la vez aproximación a la «participacion» en el delito. In: FERNÁNDEZ, Miguel Bajo. BACIGALUPO, Silvina. (Eds.) Política criminal y blanqueo de capitales. Madrid: Marcial Pons, 2009, p. 122; 150

Cf. BRANDÃO, Nuno. Branqueamento de capitais: o sistema comunitário de prevenção. Coimbra: Coimbra Editora, 2002, 18-23;

88

parte da doutrina sustenta que não há um bem jurídico penalmente relevante para a

tutela pelo Direito Penal no que concerne à lavagem de capitais151.

Entretanto, discordamos deste posicionamento por entender que todo tipo pe-

nal deve ser precedido de um bem jurídico, até mesmo para impor a limitação do

poder de punir estatal, sendo certo que na inexistência de um bem jurídico penal-

mente relevante, a lavagem de dinheiro não seria digna de repressão penal, mas por

outras searas do Direito, verbi gratia, o Direito Administrativo Sancionador, Direito

Civil, Direito Administrativo, etc. Mas como o Brasil firmou compromissos internacio-

nais de repressão e combate à lavagem de capitais, por lógica de tal desiderato, en-

tendemos necessária a delimitação de pelo menos um bem jurídico, regente da cria-

ção legislativa e para enquadramento do delito na ordem jurídica.

3.3.1.2 Bem jurídico protegido pelo crime antecedente

Outra parte da doutrina, embora entenda que haja um bem jurídico penal-

mente protegido, entende que este bem jurídico seria aquele tutelado pelo crime an-

tecedente, sendo a lavagem de capitais um plus no agravamento da conduta perpe-

trada. Neste teor, colaciona VICENTE GRECO FILHO152, um dos juristas que auxili-

ou na criação da Lei 9.613/98, pondera que se aprovado o anteprojeto nos moldes

como colocado, seria a tutela da ordem econômica o bem jurídico da Lei de Lava-

gem de Capitais. Contudo, com suas alterações, foi forçoso acreditar que a lavagem

de dinheiro comportaria, de acordo com a natureza jurídica do crime: “em relação à

sua complementariedade ao crime antecedente o torna crime de conteúdo variável à

sua natureza, porque acompanha a tutela jurídica do crime antecedente, pois é esse

que a lei visa coibir”.

Sobre este entendimento, ainda que minoritário, possui lógica louvável, di-

ante da natureza jurídica do crime de lavagem colocada pelo autor, porém, discorda-

mos também deste entendimento porque entendemos como tendo o crime de lava-

151

Neste sentido, CASTELLAR, João Carlos. Lavagem de Dinheiro; a questão do bem jurídico. Rio de Janeiro: Revan, 2004; 152

GRECO FILHO. Vicente. Tipicidade, bem jurídico e lavagem de valores. In COSTA, José de Faria. SILVA, Marco Antonio Marques da. (coord). Direito penal especial, processo penal e direitos fundamentais: visão luso-brasileira. São Paulo: Quartier Latin, 2006, p. 165;

89

gem de capitais natureza jurídica diversa, como a própria redação do artigo 2o, inci-

so II, da Lei n. 9.613/98, o trata como crime autônomo, e não de acessório ao crime

antecedente, possuindo assim, bem jurídico distinto daquele que é tutelado no crime

antecedente. Entendê-lo desta forma forçaria ao entendimento da lavagem de di-

nheiro como mero exaurimento do crime antecedente, e não como crime autônomo,

como assim quis o legislador.

Diversificando, ainda não seria despiciendo considerar, a este teor, que com

a supressão do rol de crimes antecedentes pelo advento da Lei n. 12.683/2012, am-

pliariam de maneira exorbitante a gama de bens jurídicos dignos de tutela pela Lei

de Lavagem de Capitais, alguns dos quais não se adequariam ao fim da Lei de La-

vagem de Capitais, criando uma norma tão aberta que seria de difícil aplicação pela

ausência de métodos de interpretação.

Aqui tratamos anteriormente como correntes minoritárias os posicionamen-

tos acima mencionados, porquanto são posicionamentos quase independentes na

doutrina, contudo, não faremos aqui a dicotomia entre correntes minoritárias e majo-

ritárias, porque como já dissemos, não se trata de tema em que haja uma communis

opinio, apresentando posicionamentos antagônicos entre diversas teorias empreen-

didas tanto no direito brasileiro, como nos ordenamentos jurídicos estrangeiros.

Entre aqueles que defendem que a Lavagem de Capitais é um crime que

possui um bem jurídico penalmente relevante e autônomo, também encontramos

três correntes doutrinárias: a Lavagem como tutela da Ordem Econômica ou Socioe-

conômica; a Lavagem como tutela da Administração da Justiça; e a Lavagem como

crime pluriofensivo.

3.3.1.3 A tutela da Ordem Econômica ou Socioeconômica

Neste contexto, a tutela penal do crime de lavagem de capitais empreende-

ria a manutenção da economia como fator social, onde a conduta delitiva, agregaria

valores negativos à capacidade do Estado de realizar suas tarefas econômicas,

comprometendo todo o sistema financeiro, na medida em que ativos obtidos por in-

90

termédio de infrações penais seriam inseridos na economia lícita com a aparência

de legalidade, não sendo possível constatar, por intermédio de investimentos, a se-

gurança das operações financeiras realizadas no Estado, gerando a perda de confi-

ança da economia nacional no mercado mundial, pois investidores estrangeiros ten-

dem a avaliar os riscos de investir em mercados avaliados como de grande incidên-

cia de lavagem de capitais.

Justifica JULIANA VIEIRA SARAIVA DE MEDEIROS153 que:

a presença de organizações delitivas desanima os planos dos investidores que pretendem incorporar capitais legais em qualquer setor da economia. Se o dinheiro que se alveja provém do narcotráfico, o consumo de drogas aumenta; se provém da corrupção, corrompem-se os setores em que atua. Por consequência, quanto maior é a incorporação de capitais ilegais, maior é o estado de corrupção da política, da economia e das instituições adminis-trativas.

No mesmo sentido, NUNO BRANDÃO154 pontua que:

os movimentos de branqueamento podem ainda afectar seriamente o sis-tema financeiro, pois o conhecimento de que uma praça financeira é usada como plataforma para operações de branqueamento é susceptível de man-char a sua credibilidade e afastar progressivamente os investidores, que prezam acima de tudo a transparência e o respeito pelas regras e códigos de conduta estabelecidos.

Desta forma, a tutela penal seria definida a partir do dano à economia cau-

sado pela prática da lavagem, apontando como seus efeitos a perda de confiança de

investidores como fomentador da necessidade de se coibir tal prática.

3.3.1.4 A tutela da Administração da Justiça

Por outro lado, intenta-se como bem jurídico a administração da justiça, pela

própria análise dos verbos constitutivos do tipo penal da Lavagem de Capitais. Neste

sentido, explicar-se-ia que a Lei de Lavagem de Capitais tem por objetivo a localiza-

ção e a persecução de ativos oriundos de infrações penais, afigurando-se necessá-

rio que o elemento objetivo dos verbos de ocultar ou dissimular, dando a aparência

153

MEDEIROS, Juliana Vieira Saraiva de. O bem jurídico no delito de lavagem de dinheiro. In. www.conpedi.org.br/ ma-naus/arquivos/anais/XVICongresso/207.pdf, acessado em 25.03.2013; 154

BRANDÃO, Nuno. Branqueamento de capitais: o sistema comunitário de prevenção. Coimbra: Coimbra Editora, 2002, p. 21;

91

de ilicitude aos ativos com o escopo de inseri-los na economia, aliado ao elemento

subjetivo, da vontade de escamotear estes bens, caracterizaria dano ao funciona-

mento da Justiça. O Estado tem por obrigação o combate à criminalidade e pela

Convenção de Viena, deve perseguir os bens dos criminosos com o intuito de abalar

a estrutura econômica destas organizações, e o mascaramento destas movimenta-

ções financeiras dificultaria a atividade de fiscalização e controle do Estado na sua

ordem jurídica. Daí o entendimento de que o bem jurídico seria a proteção da Admi-

nistração da Justiça.

A este propósito, GUSTAVO HENRIQUE BADARÓ e PIERPAOLO CRUZ

BOTTINI155 exemplificam a imposição do bem jurídico da lavagem de capitais na

Administração da Justiça, apontando que se um roubador utiliza o provento de seu

crime para comprar um barco, e o registra em seu nome, esta conduta poderia ser

entendida como mero exaurimento do crime de roubo, sendo a compra do barco de

irrelevância jurídica. Já se o barco for registrado em nome de terceira pessoa, carac-

terizaria a lavagem, pois prejudicaria seu rastreamento através da ocultação de seu

real proprietário e da ocultação do bem adquirido com o provento da infração penal.

Neste contexto, estabeleceria o tipo penal como meio de identificar o bem

jurídico tutelado pela Lei de Lavagem de Capitais.

Aos que vão de encontro a esta formulação, apontam que não se poderia

criar uma submissão do Direito Penal a um sistema ideológico, que seria a Adminis-

tração da Justiça, ao passo que seria apenas uma conduta lateral. Pondera JOSÉ

DE FARIA COSTA156 a este teor que:

Defendemos que a incriminação das condutas penalmente relevantes se fundamenta em uma ordem de razões que se não deve confundir com as razões fracas que eventualmente advenham de motivos laterais de mera e-ficácia de um sistema. Criar-se um tipo legal para, desse jeito, melhor ou mais facilmente desenvolver, legalmente, uma qualquer atividade persecu-tória é atitude político-legislativa pouco clara, que para além disso, pode ter efeitos perversos.

155

BADARÓ, Gustavo Henrique. BOTTINI, Pierpaolo Cruz. Lavagem de dinheiro: aspectos penais e processuais penais. Co-mentários à lei 9.613/98 com as alterações da Lei 12.683/12. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 58; 156

COSTA, José de Faria. O Branqueamento de capitais (algumas reflexes à luz do direito penal e da política criminal. In Insti-tuto de Direito penal Económico e Europeu/ Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra. Direito Penal Económico e eu-ropeu: textos doutrinários. Coimbra: Coimbra Ed. 1999, p. 313;

92

3.3.1.5 A tutela pluriofensiva

Os partidários desta corrente justificam que a lavagem de capitais afetaria

tanto a ordem econômica, quanto a administração da Justiça, classificando-os como

bens jurídicos mediatos e imediatos. Ofenderia a ordem econômica porquanto inseri-

ria ativos ilícitos na economia lícita, quebrando patamares de concorrência leal im-

posto pelo Estado e afetaria o nível de confiança de investidores estrangeiros pela

operação do sistema financeiro com capitais provenientes de atividades ilícitas, e ao

mesmo tempo, pela imposição de dificuldade de rastreamento destes ativos pelo

mascaramento da origem ilícita destes capitais, ofender-se-ia também, de modo ge-

ral, a Administração da Justiça.

Este é o entendimento esposado, aliás, pela doutrina majoritária espanhola,

na medida em que o artigo 301 do Código Penal Espanhol teria conteúdo de tutela

ampliado para abarcar tanto a ordem econômica, quanto a administração da Justiça,

consubstanciando em tipo especial de receptação, condensado com o delito de favo-

recimento real, com efeitos micro e macroeconômicos pela reinserção de ativos ilíci-

tos na economia lícita157.

Aliado ao Direito brasileiro, os defensores desta tese aliam o fato de que a

lei teria por objetivo a persecução do crime antecedente e a localização dos ativos

oriundos destas práticas delitivas, ao mesmo tempo, teria como escopo a preserva-

ção da ordem econômica, evitando que ativos ilícitos adentrem a economia lícita do

país.

3.3.1.6 Nosso posicionamento

Entendemos, com o devido respeito às demais teses e doutrinadores que o

bem jurídico protegido pela lei é tão somente a Administração da Justiça.

157

Neste sentido: CORDERO, Isidoro Blanco. Op. cit., p. 210 e ss; FERNÁNDEZ, Fernando Molina. ¿Que se protege en el delito de blanqueo de capitales?: reflexion sobre un bien jurídico problemático, y a la vez aproximación a la «participacion» en el delito. In: FERNÁNDEZ, Miguel Bajo. BACIGALUPO, Silvina. (Eds.) Política criminal y blanqueo de capitales. Madrid: Marcial Pons, 2009, p. 122;

93

Isso porque nosso posicionamento decorre da independência do delito de

lavagem de capitais, e pela própria exposição de motivos 692/MJ, da Lei 9.613/98,

que aponta que o Brasil é signatário de vários tratados e convenções internacionais,

sendo a primeira delas a Convenção contra o Tráfico Ilícito de Entorpecentes e

Substâncias Psicotrópicas de Viena, em 1988, que em seu texto, alberga a questão

do combate ao narcotráfico através da perseguição dos bens das organizações cri-

minosas.

Por este sentido, sendo o escopo do crime de lavagem, a localização e o

confisco de bens cuja procedência ilícita se escamoteia para dar aparência de licitu-

de, dificulta a persecução do Estado na busca destes bens, constituindo violação à

Administração da Justiça. Isso porque, como pondera RODOLFO TIGRE MAIA158:

“os comportamentos incriminados vulneram o interesse estatal em identificar a pro-

veniência de bens e os sujeitos ativos de ilícitos que os geram, em desestimular sua

prática, em reprimir a fruição de seus produtos e em lograr a punição dos seus auto-

res [...]”.

Sob outro aspecto, vemos que muito embora a conduta delitiva possa atingir

a ordem econômica, vemos que nem sempre a proteção se faz relevante no ponto

de vista jurídico-penal, pois não afetariam ou lesionariam de maneira substancial o

sistema financeiro ou a ordem econômica, comprometendo a livre concorrência e a

confiança dos investidores. Isso porque, nem sempre a utilização dos proventos e-

conômicos obtidos de maneira ilegal despontaria efeitos maléficos, vendo-se, algu-

mas das vezes, apontando efeitos benéficos como o aquecimento da economia.

Pontua JESUS-MARIA SILVA SANCHEZ159 neste sentido que:

[...] a entrada maciça de capitais procedentes de atividades delitivas (singu-larmente, do narcotráfico) em um determinado setor da economia provoca uma profunda desestabilização desse setor, com importantes repercussões lesivas. É, pois, provavelmente razoável que os responsáveis por uma inje-ção maciça de dinheiro negro em um determinado setor da economia sejam sancionados penalmente pela comissão de um delito contra a ordem eco-nômica. Mas vejamos, isso não faz, por si só, razoável a sanção penal de qualquer conduta de utilização de pequenas (ou médias) quantidades de di-nheiro negro na aquisição de bens ou retribuição de serviços. A tipificação do delito de lavagem de dinheiro é, enfim, uma manifestação de expansão

158

MAIA, Rodolfo Tigre. Lavagem de dinheiro (lavagem de ativos provenientes de crime): Anotações às disposições criminais da Lei 9.613/98. 1

a ed., 2

a tiragem. São Paulo: Malheiros Editores, 2004, p. 57;

159 SILVA SANCHEZ, Jesus-Maria. A expansão do direito penal: aspectos da política criminal nas sociedades pós-industriais.

Tradução da 2a edição espanhola de Luiz Otavio de Oliveira Rocha. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, p. 34;

94

razoável do Direito Penal (em seu núcleo, de alcance muito limitado), e de expansão irrazoável do mesmo (no resto das condutas, em relação as quais não se possa afirmar em absoluto que, de modo específico, lesionem a or-dem econômica de modo penalmente relevante).

A este teor, a entrada de dinheiro da economia informal na economia lícita

pode trazer inúmeros benefícios, seja para ordem social e econômica. Se inexistisse

qualquer questão de cunho moral, não haveria como se dizer que o ingresso deste

capital ilícito na economia formal permitiria ao Estado obter impostos sobre estes

capitais, o que lhe seria absolutamente benéfico, fomentando a economia e gerando

tributos. Aliás, neste sentido, ainda ilustram GUSTAVO HENRIQUE BADARÓ e PI-

ERPAOLO CRUZ BOTTINI160 que:

A ordem econômica pode ser lesionada pela lavagem de dinheiro, mas isso não é necessário para a tipicidade, uma vez que as condutas de reciclagem sem capacidade de colocar em risco esse bem jurídico são penalmente re-levantes porque obstruem o regular funcionamento da Administração da Justiça. O uso do produto ilícito que afete a ordem econômica será irrele-vante se não for acompanhado de um ato de ocultação ou mascaramento que o subtraia às vistas das autoridades de investigação.

Neste aspecto, como havíamos pontuado anteriormente quando efetuamos

breves apontamentos sobre a sociedade do risco, a influência do risco acaba por

deixar de punir a lesão para se antecipar à ameaça, sendo certo que neste caso em

específico, ao se tutelar a ordem econômica, entendemos que se busca a punição

pelo eventual risco, o dano hipotético que a inclusão destes bens e direitos proveni-

entes de atividades ilícitas na economia lícita poderia causar, sem, contudo, de-

monstrar (o que não se sabe ao certo), qual seria o dano efetivo que a ofensa à or-

dem econômica geraria. Não se tutelaria, portanto, o resultado lesivo, mas sim a

ameaça.

Difusamente do que ocorre nos crimes contra a ordem tributária, onde a o-

fensa à ordem econômica é visível, verbi gratia, nos casos de sonegação fiscal, on-

de há o dolo em recolher o imposto aquém do devido, ou simplesmente não recolhê-

lo, os efeitos são nítidos, ou ao menos, previsíveis, ao passo que o Estado ao deixar

de receber os valores devidos pelos contribuintes, sofre com o déficit, retirando de

outras áreas da sua gestão para empregar em outras, sendo colocado, portanto, em

risco sua ordem econômica. Há uma supressão do tributo que constitui uma cadeia

decadencial do sistema, que pode colapsar sua economia.

160

BADARÓ, Gustavo Henrique. BOTTINI, Pierpaolo Cruz. Lavagem de dinheiro: aspectos penais e processuais penais. Co-mentários à lei 9.613/98 com as alterações da Lei 12.683/12. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 59-60;

95

No entanto, na Lavagem de Capitais, ocorre justamente o inverso. Insere-se

no âmbito da economia do país, bens, direitos e valores, que mesmo oriundos de

atividades ilícitas, estar-se-ia fomentando setores da economia, aquecendo merca-

dos e gerando tributos. Neste enfoque, entendemos que estas práticas não colocam

em risco a ordem econômica. Pelo contrário, contribui para que o sistema não entre

em colapso.

Abrindo um parêntese para o questionamento de que há a inserção de capi-

tal ilícito na economia, e que tal prática colocaria a confiança dos investidores em

cheque, necessário recordar que tal prática consubstancia uma quebra do dever de

vigilância e fiscalização, do qual a Administração da Justiça se incumbe de tutelar,

pois uma quebra do poder fiscalizatório do Estado coloca em risco a credibilidade

dos poderes de gestão Estatal, razão esta que entendemos por se tratar a Lavagem

de Capitais um crime contra a Administração da Justiça.

Sobre outro enfoque, teorizamos que nos crimes que afrontem a ordem eco-

nômica, a exemplo dos crimes contra a ordem tributária, onde o Estado se preocupa

com o recebimento dos tributos, sobre o intuito punitivo, permite-se a extinção da

punibilidade com o valor devido pelo contribuinte. Na medida em que no concer-

nente aos crimes contra a ordem econômica, o intuito do Estado é receber os valo-

res devidos, acaso se inclua a Lavagem de Capitais neste rol, necessário que se es-

tabeleça uma possibilidade de saneamento dos bens, direitos e valores adquiridos

com proventos de atividades ilícitas. Isso porque ao Estado, para fins econômicos

– grifamos – não há a preocupação de como foram os bens direitos e valores adqui-

ridos, contanto que sobre eles incidam tributos161-162.

161

Sobre este assunto, uma matéria jornalística veiculada no sítio da internet do Universo On Line revela que pela regra tributá-ria, ao fisco não interessaria a forma de aquisição dos bens, contanto que sejam eles tributados: “Regra faz Receita cobrar IR até de atividades criminosas. Não são apenas os rendimentos tradicionais, como aqueles obtidos por salários e aposentado-rias, que pagam Imposto de Renda. A legislação tributária brasileira diz que rendimentos obtidos em atividades ilícitas, como tráfico de drogas ou corrupção, também são tributáveis. A regra básica é: a origem do rendimento não importa para a Receita Federal. Ele sempre será tributado. "Se você tiver um rendimento não comprovado, nem por isso está desobrigado a pagar imposto. Se é ilícito ou não, isso não interessa para o Fisco, mas sim à polícia", diz Joaquim Adir, supervisor nacional do Im-posto de Renda da Receita Federal. O advogado Marco Antonio Chazaine, do escritório Viseu Advogados, cita o caso de uma pessoa que vende produtos piratas. Caso a atividade seja descoberta, além de responder pela questão criminal envolvida na prática, essa pessoa será também tributada. As alíquotas são as mesmas que incidem sobre rendimentos lícitos, indo até 27,5% do valor do rendimento. O advogado afirma, porém, que a viabilidade do cumprimento dessa regra é pequena, uma vez que o contribuinte, temendo as sanções penais, não vai voluntariamente declarar um rendimento obtido com venda de drogas ou contrabando, por exemplo. "A aplicabilidade prática acontece quando o criminoso é preso, porque ninguém vai declarar um rendimento ilícito. O mais comum é a pessoa forjar uma atividade lícita para poder declarar o rendimento", diz. Essa estratégia seria usada pelo contribuinte que precisa justificar um aumento de patrimônio gerado pela compra de um imóvel ou por um investimento, por exemplo. Mas, no caso de a pessoa ser descoberta e condenada, diz o advogado, seus bens podem ser bloqueados para pagamento do imposto. O advogado tributarista Samir Choaib diz que a legislação tem por objetivo resguar-dar a Receita. "Ao cobrar o imposto, a Receita não está dizendo que aceita o ato ilícito, até porque tem obrigação de informar

96

E, fundadas as razões, também elidimos, ao nosso entendimento, a possibi-

lidade do crime de Lavagem de Capitais ser crime pluriofensivo, pelos argumentos

anteriormente esposados, por entendermos que não se enquadra ao dispositivo le-

gal a tutela da ordem econômica.

ao Ministério Público e à Polícia Federal. Mas, se não houvesse a base legal permitindo a tributação, a pessoa poderia alegar que não pagaria imposto porque o rendimento foi recebido de atividade ilícita." O advogado diz que a legislação tributária se-gue princípios constitucionais e da legalidade, ou seja, é preciso haver lei para que haja a cobrança. UNIVERSO on line. Regra faz Receita cobrar IR até de atividades criminosas. São Paulo: Universo On Line, 29.04.2013. Disponível em <http://economia. uol.com.br/imposto-de-renda/noticias/redacao/2013/04/29/regra-faz-receita-cobrar-ir-ate-de-atividades-criminosas.htm.> Aces-sado em 29.04.2013; 162

Muito embora o Projeto de Lei do Senado nº 354, de 2009, proposto pelo Senador Delcídio do Amaral exclua a Lavagem de Capitais como um daqueles plausíveis de extinção da punibilidade, pela cidadania fiscal, entendemos plenamente possível a regularização dos bens, direitos e valores oriundos da Lavagem de Capitais, por coadunar com os fins propostos na tutela da ordem econômica;

97

4 O CRIME DE LAVAGEM DE CAPITAIS

A ação de esconder ou disfarçar a natureza do provento criminoso sempre

foi uma prática realizada com o escopo de dar segurança ao transgressor, encobrin-

do sua prática, e, ao mesmo tempo, possibilitando que este possa usufruir do resul-

tado de sua atividade criminosa.

Embora a prática do crime seja mais antiga, remontando aos anos 20 nos

Estados Unidos163, a terminologia “lavagem de dinheiro” foi trazida da transliteração

do termo Money laundering, utilizado em primeiro momento em 1982, em um pro-

cesso que tramitou no Tribunal Distrital do Sul da Flórida, e que versava sobre a a-

preensão de dinheiro proveniente da venda de cocaína colombiana, e que foi consa-

grado como o jargão mais utilizado no mundo das relações econômicas e financei-

ras164.

No entanto, embora o termo Money laundering e suas transliterações não

sejam uníssonas nos ordenamentos jurídicos do mundo todo, o combate à prática é

derivado das definições trazidas pela Convenção contra o Tráfico Ilícito de Entorpe-

centes e substâncias psicotrópicas da Organização das Nações Unidas, concluída

em Viena em 1988, visando um único fim: evitar a inserção na economia de ativos

ilícitos com a finalidade de mascará-los ou mesclá-los com ativos obtidos por meios

lícitos, visando transparecer que aqueles ativos são proveniente de fontes absoluta-

mente legais.

Consagrado o jargão nas práticas econômicas como lavagem de dinheiro,

alguns países se mantém fieis a esta definição, como os Estados Unidos da América

(Money laundering), Alemanha (Geldwäsche), Argentina (lavado de dinero). Porém,

a expressão não é uníssona no mundo, onde muitos países adotam denominações

diversas como branqueamento, como Portugal (branqueamento de capitais), Espa-

163

Marcelo Batlouni Mendroni entende ser o crime de lavagem mais antigo, remontando ao século XVII, com a pirataria In MENDRONI, Marcelo Batlouni. Crime de lavagem de dinheiro. 2

a ed. São Paulo: Atlas, 2013, p. 5. Não abarcamos esta tese,

todavia, por entender que a Lavagem de Capitais se desenvolve num contexto mais globalizado, que permite a utilização de técnicas específicas e mais tecnológicas, aproveitando-se de um sistema lícito para sua prática; 164

Neste sentido, CORDERO, Isidoro Blanco. El delito de blanqueo de capitales. Tercera Edición. Navarra: Thomson Reuters Arazandi, 2012, p. 83: “La expresión blanqueo de capitales fue empleada por primera vez en el ámbito judicial en un caso que tuvo lugar en los Estados Unidos en 1982,que implicaba el comiso de dinero supuestamente blanqueado procedente de cocai-na colombiana. Esta locucion, no es tecnica sino que procede de la «jerga más genuina del hampa», y forma parte del argot empleado en el marco de las actividades económicas y financieras.”;

98

nha (blanqueo de dinero ou blanqueo de capitales), França (blanchiment d’argent),

Suíça (blanchissage d’argent); ou reciclagem, como a Itália (riciclaggio di denaro).

O Brasil, acabou adotando o termo “Lavagem” por questões de consagração

do termo da doutrina internacional da qual obteve maior espelho, justificando o Le-

gislador que o termo “branqueamento” levaria a uma discussão sobre a conotação

racista que poderia advir com o uso desta definição, optando pela “Lavagem” por e-

vitar maiores discussões165. No entanto, embora a Exposição de Motivos aponte o

termo “lavagem de dinheiro”, a própria mens legis argumenta que a Lei 9.613/98

“Dispõe sobre os crimes de ‘lavagem ou ocultação de bens, direitos e valores’”. En-

tendemos, portanto, que a lei não regula somente a “Lavagem de Dinheiro” mas a

ocultação ou dissimulação de bens direitos e valores, optamos aqui pelo emprego do

termo “Lavagem de Capitais”.

Dentro deste aspecto, entende-se que a Lavagem de Capitais consiste no

emprego de ativos oriundos de práticas delitivas (necessariamente anteriores à lava-

gem) dissimulando-os e mascarando sua origem ilícita, reinserindo-os na economia

lícita, utilizando-os como se lícitos fossem.

Embora tenhamos empregado este conceito, o crime de Lavagem não os-

tenta um conceito universal, embora muitas das acepções venham a convergir para

o mesmo significado, adaptado ao ordenamento jurídico de cada país.

Na doutrina internacional EDUARDO FABIÁN CAPARRÓS166, destaca que a

Lavagem constitui:

Um processo tendente a obter, nas atividades econômicas ilícitas, a aplica-ção de uma massa patrimonial derivada de qualquer gênero de condutas, com independência de qualquer forma que esta massa adote, mediante a concessão progressiva de aparência de legalidade.

Um conceito mais simples, no qual julgamos mais preciso ao delimitar o te-

ma da Lavagem é apresentado por NUNO BRANDÃO167, que pela ótica da legisla-

ção portuguesa define que: “O branqueamento de capitais é a atividade pela qual se

procura dissimular a origem criminosa de bens ou produtos, procurando dar-lhes

165

Cf. Exposição de Motivos 692/MJ de 18 de dezembro de 1996; 166

Em tradução livre: un proceso tendente a obtener la aplicación en actividades económicas lícitas de una masa patrimonial derivada de cualquier género de condutas, con independencia de cuál sea la forma que esa masa adopte, mediante la progre-siva concesión a la misma de una aparencia de legalidade. CAPARRÓS, Eduardo Fabián. El delito de blanqueo de capitales. Madrid: Colex, 1998, p. 76; 167

BRANDÃO, Nuno. Branqueamento de capitais: o sistema comunitário de prevenção. Coimbra: Coimbra Editora, 2002, p. 15;

99

uma aparência legal”.

No Brasil, a doutrina considera como sendo o conceito mais apropriado à la-

vagem aquele trazido pelo COAF – Conselho de Atividades Financeiras do Ministé-

rio da Fazenda –, o qual aponta que o crime de lavagem caracteriza-se:

[...] por um conjunto de operações comerciais ou financeiras que buscam a incorporação na economia de cada país, de modo transitório ou perma-nente, de recursos, bens e valores de origem ilícita e que se desenvolvem por meio de um processo dinâmico que envolve, teoricamente, três fases independentes que, com frequência, ocorrem simultaneamente.

168

Entretanto, preferimos aquele esposado por CARLA VERÍSSIMO DE CAR-

LI169, para quem o crime de lavagem:

... é um processo de depuração. O crime, muitas vezes, é um negócio – tem objetivo o lucro. [...] Como todo negócio, tem custos. Poderíamos encarar a lavagem de dinheiro como um processo produtivo que se destina a transfor-mar dinheiro “sujo” em dinheiro “limpo”. Os custos dessa produção são as perdas necessárias, acima referidas, e que ficam evidentes ao analisar ca-sos concretos (são, inclusive, um dos sinais que ajudam a reconhecê-la).

Mas conceituações à parte, o crime de Lavagem é tipificado no ordenamento

jurídico brasileiro no artigo 1o, alterado pela Lei 12.682/12, traduzindo como: “ocul-

tar ou dissimular a natureza, origem, localização, disposição, movimentação

ou propriedade de bens provenientes, direta ou indiretamente, de infração pe-

nal”.

Essa tipificação, embora não abarcar o tema de maneira geral, é serviente à

materialização do crime no ordenamento jurídico brasileiro. É colocado desta forma,

de maneira geral, para empreender uma gama maior de condutas, não sendo o tipo

fechado a ponto de ser interpretado deixando lacunas e situações fora do âmbito de

aplicação da Lei.

A Lei 12.683/12 alterou substancialmente o conceito de lavagem de capitais,

ampliando seu âmbito de atuação, que antes se restringia a um rol taxativo de cri-

mes, para todas as infrações penais existentes no ordenamento jurídico pátrio, com

o escopo de alcançar práticas altamente lucrativas desempenhadas pelas organiza-

ções criminosas e que, ao que se interpretava da lei anterior, não contemplaria (v.g.

168

In: www.coaf.fazenda.gov.br; 169

CARLI, Carla Veríssimo. Lavagem de dinheiro: ideologia da criminalização e análise do discurso. Dissertação de Mestrado apresentada à Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. Porto Alegre: PUCRS, 2006, p. 113;

100

“jogo do bicho”).

Neste compasso, antes de adentrarmos aos aspectos relevantes ao nosso

tema, necessário realizar um breve aparato sobre as fases de desempenho da lava-

gem.

4.1 AS FASES DA LAVAGEM DE CAPITAIS COMO INTEGRANTES DO TIPO PE-

NAL: A CLASSIFICAÇÃO DO GRUPO DE AÇÃO FINANCEIRA (GAFI)

Como pontuado, o crime de lavagem necessariamente deve ser antecedido

de uma infração penal, segundo a nova redação prevista pela Lei 12.683/12. Por es-

ta definição, o tipo penal da lavagem é constituído pelos verbos ocultar e dissimu-

lar170, os quais integram e são entendidos como a primeira e a segunda fase da La-

vagem de Capitais, se iniciando com a ocultação deste capital obtido de maneira ilí-

cita. Desta ocultação, pelo menos mais duas fases são realizadas para completar o

ciclo da lavagem de capitais. Após a ocultação é realizada a dissimulação ou o mas-

caramento deste capital ilícito, para posteriormente ocorrer a reinserção na econo-

mia lícita dos proventos das infrações criminais.

Estas são as três fases principais que contemplam todo o conceito de lava-

gem de capitais, identificadas pelo Grupo de Ação Financeira – GAFI, exemplifi-

cando por um concatenado de atos que, pela análise de casos concretos, levaram a

identificar a semelhança nos métodos de ação.

Embora conceitual, estas fases da lavagem são abertamente aceitas pelo

nosso ordenamento jurídico, servindo de mote interpretativo das condutas pelo apli-

cador da lei, servindo de base ou iter criminis para estabelecer a medida de culpabi-

lidade e individualização da conduta.

170

Sic. artigo 1o da Lei 9.613/98: “ocultar ou dissimular a natureza, origem, localização, disposição, movimentação ou proprie-

dade de bens provenientes, direta ou indiretamente, de infração penal”;

101

4.1.1 Colocação (placement)

A primeira fase do crime de lavagem, consiste na introdução do capital ad-

quirido ilicitamente no sistema financeiro. O montante arrecadado é normalmente

trasladado a um local distinto daquele em que fôra proveniente. Em continuação, es-

te capital é colocado em estabelecimentos financeiros tradicionais (bancos), ou atí-

picos (casas de câmbio, cassinos, etc.), ou ainda, em outros tipos de negócios ou

estabelecimentos comerciais (hotéis, restaurantes, bares, etc.). Esta técnica de in-

serção pontual de capital em determinados setores é denominada pela doutrina in-

ternacional como fracionamento ou smurfing171, colocando partes do capital ilícito

em instituições que operam com dinheiro em espécie e que não se tem muito como

controlar o volume de entrada e saída de mercadorias.

Aponta-se que a característica principal desta fase da lavagem é a intenção

do “lavador” em desfazer-se materialmente do capital arrecadado com as atividades

criminosas, sem, contudo, desfazer-se da titularidade, uma vez que grandes somas

de dinheiro podem chamar a atenção. Isso faz com que seja o capital empregado

em atividades onde o volume de dinheiro em espécie é grande, e que não chamaria

tanta atenção, como se permanecesse na posse.

Porém, quanto ao controle, adverte FAUSTO MARTIN DE SANCTIS172, que

é nesta fase da ocultação que o Estado deve empreender maiores esforços para o

controle e fiscalização, porque o limite temporal entre a obtenção do capital pela prá-

tica de crimes e o início da lavagem é tênue e funde-se muito com práticas absoluta-

mente lícitas, dificultando sua identificação.

171

Isidoro Blanco Cordero diferencia as técnicas de fracionamento, pontuando diferença entre structuring e smurfing: “La dife-rencia fundamental radica en que el smurfing consiste en la compra de instrumentos financieros por cantidades inferiores a las necesarias para realizar el informe a la Administracion, mientras que el structuring supone el ingreso en una cuenta bancária del dinero sucio en cantidades tanbién inferiors a las fijadas para informar. Esta distinction, con todo, no es habitualmente aceptada, pues normalmente se utiliza el término smurfing para referirse a ambos supuestos. In: CORDERO, Isidoro Blanco. El delito…op. cit. p. 67; 172

SANCTIS, Fausto Martins de. Os antecedentes do delito de lavagem de valores e os crimes contra o sistema financeiro nacional. In: BALTAZAR JUNIOR, José Paulo; MORO, Sergio Fernando. Lavagem de dinheiro – Comentários à lei pelos juízes das varas especializadas em homenagem ao Ministro Gilson Dipp. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007, p. 57.

102

4.1.2 Ocultação, dissimulação ou transformação (layering)

Na fase seguinte, dá-se início à camuflagem ou mascaramento dos bens ob-

tidos de maneira ilícita, realizando operações necessárias a ocultar esta proveniên-

cia criminosa173.

Ocultar significa subtrair da vista, esconder, encobrir, que no caso do tipo,

consiste em fase própria do crime de lavagem de capitais, onde o lavador realiza

movimentações financeiras que dificultam o rastreamento deste capital ilícito, po-

dendo os bens, direitos e valores serem retirados de circulação. Como coloca AN-

DRÉ LUÍS CALLEGARI174, nessa fase é preciso fazer desaparecer:

[...] o vínculo existente entre o delinquente e o bem procedente de sua atua-ção, razão pela qual é usual o recurso da superposição e combinação de complicadas operações financeiras que tratam de dificultar o seguimento do que é conhecido como ‘pegada ou rastro do dinheiro’.

O objetivo do lavador nesta fase é desvincular o capital da sua origem, utili-

zando-se de instituições financeiras, por intermédio de transações eletrônicas com

países em que o sigilo bancário é absoluto, ou pela aquisição de títulos financeiros

(como ações, ordens de pagamento, títulos ao portador, etc.) com o propósito de

encobrir a real origem dos ativos, desvinculando o capital ilícito da pessoa do lava-

dor.

A principal forma de mascaramento apontada pelo GAFI é a transferência

eletrônica de valores, elencando esta como a principal forma utilizada pelos lavado-

res. Estas transferências facilitam a remessa de grandes valores para contas diver-

sas em pouquíssimo tempo, promovendo rapidamente o desaparecimento dos fun-

dos.

A doutrina ainda elenca nesta fase a hipótese da aquisição de bens móveis

de grande valor (joias obras de arte, veículos, embarcações, etc.) e a sua posterior

revenda, com o escopo de fazer desaparecer o valor ilícito, e assumir em seu posto,

outro cujo lastro estaria justamente na venda destes bens, afastando progressiva-

173

Neste sentido BRANDÃO, Nuno. Branqueamento de capitais: o sistema comunitário de prevenção. Coimbra: Coimbra Edito-ra, 2002, p. 15; 174

CALLEGARI. André Luís. Lavagem de dinheiro: aspectos penais da Lei nº 9.613/9. 2a ed. revista e atualizada. Porto Alegre:

Livraria do Advogado, 2008, p.52;

103

mente a origem ilícita do capital da sua origem ilícita.

4.1.3 Integração (integration)

Nesta fase da lavagem, após o capital assumir a aparência de licitude, ne-

cessário justifica-lo aos órgãos de fiscalização. De tal sorte, estes capitais já masca-

rados estão prontos para o ingresso na economia lícita, e são introduzidos através

de investimentos normais, das mais diversas ordens: créditos, poupança, aplica-

ções, etc.

Quando a ação de lavagem passa por esse momento, quase impossível i-

dentificar a origem ilícita do capital, a não ser que já se tenha identificado em fases

anteriores. Caso contrário, o capital assume tão bem a faceta de licitude que impos-

sível separá-lo do capital obtido por meios absolutamente ilícitos. Por isso, quando

suspeita-se de um lavador, a prática comum é o esvaziamento patrimonial (que ve-

remos no momento oportuno), onde se força o indivíduo a comprovar a licitude de

seus bens somente para que este produza prova contra si e assim, possibilite o con-

trole e punibilidade pelo crime de lavagem.

As práticas mais comuns que a doutrina relaciona neste meio, são a venda

de bens imóveis, onde variações de valores acabam por possibilitar a injeção do ca-

pital no sistema econômico lícito; interposição de laranjas, testas de ferro, que são

interpostas pessoas que assume a propriedade de um capital com o escopo de ocul-

tar a verdadeira pessoa do lavador; e a utilização de empresas fantasmas, onde são

criadas pessoas jurídicas com propósitos unicamente de integrar o capital ilícito no

sistema financeiro. Nesta prática, pelas pessoas jurídicas o capital necessário é inje-

tado na economia, como se fossem provenientes das atividades econômicas das

empresas.

104

4.2 A SUPRESSÃO DO ROL DOS CRIMES ANTECEDENTES

Com o advento da Lei 12.683/12, a Lei de Lavagem de Capitais se expandiu

para terrenos dos quais não temos ainda a certeza de quais serão os efeitos a mé-

dio e longo prazo.

Isso porque a novatio legis extinguiu o rol de crimes antecedentes, antes fe-

chado e taxativo, ampliando a caracterização da lavagem de dinheiro para toda e

qualquer infração penal. Isso significa que haverá o crime de lavagem de capitais,

ou seja a conduta típica, quando houver a lavagem de um produto de infração penal

antecedente.

A Lei 9.613/98, com a sua anterior relação, era sacramentada no ordena-

mento jurídico como uma legislação de segunda geração, assim explicitada na Ex-

posição de Motivos 692/MJ.

Mas qual o significado da geração legislativa? A lavagem de capitais, surgiu

no ideário jurídico como um instrumento específico para o combate ao tráfico de en-

torpecentes. Neste sentido, Convenção contra o Tráfico Ilícito de Entorpecentes e

Substâncias Psicotrópicas aprovada em Viena, em 20 de dezembro de 1988, preco-

nizava a lavagem de capitais como instrumento para a derrocada da força das orga-

nizações criminosas, com o intuito primordial de reduzir o poderio dos carteis e or-

ganizações destinadas ao narcotráfico.

Daí que a primeira geração da lei de lavagem, circunda justamente esta es-

pecificidade, prevendo a conduta e criando sistemas de prevenção, repressão e pu-

nição do crime de lavagem de dinheiro exclusivamente derivado do tráfico de entor-

pecentes. Veja neste sentido, a criação do CICAD – Comissão Interamericana para

o Controle do Abuso de Drogas e do Narcotráfico, órgão vinculado à Organização

dos Estados Americanos, do qual o Brasil participa, e se compromete ao cumpri-

mento das diretivas emanadas deste órgão.

No entanto, na justificativa para a criação da Lei de Lavagem de Capitais, o

Legislador brasileiro seguiu a metodologia de repressão e política criminal adotada

por países como a Alemanha, Espanha, Portugal, entre outros, e ampliou o âmbito

105

de atuação da Lei de Lavagem para abrigar outros crimes, cuja tutela vinculava o

combate ao crime organizado (tráfico ilícito de substâncias entorpecentes ou drogas

afins; terrorismo e seu financiamento; contrabando, tráfico de armas, munições ou

material destinado à sua produção; extorsão mediante sequestro; praticado por or-

ganização criminosa), bem como crimes cuja tutela de bens jurídicos supra-individu-

ais (Administração Pública, sistema financeiro nacional, e aqueles praticados por

particular contra a administração pública estrangeira). Como assinalado na Exposi-

ção de Motivos 692/MJ:

14. A outra - mas não a última - opção diz respeito à amplitude da tutela pe-nal para abarcar como crimes antecedentes não somente aqueles ligados ao narcotráfico, dos quais a lavagem de dinheiro constitui um dos vasos comunicantes. As primeiras legislações a esse respeito, elaboradas na es-teira da Convenção de Viena, circunscreviam o ilícito penal da "lavagem de dinheiro" a bens, direitos e valores à conexão com o tráfico ilícito de subs-tâncias entorpecentes ou drogas afins. Gravitavam, assim, na órbita da "re-ceptação" as condutas relativas a bens, direitos e valores originários de to-dos os demais ilícitos que não foram as espécies típicas ligadas ao narco-tráfico. Essa orientação era compreensível, visto que os traficantes eram os navegadores pioneiros nessas marés da delinquência transnacional e os frutos de suas conquistas não poderiam ser considerados como objeto da receptação convencional. Adveio, então, uma legislação de segunda gera-ção para ampliar as hipóteses dos ilícitos antecedentes e conexos, de que são exemplos as vigentes na Alemanha, na Espanha e em Portugal.

Este rol taxativo de crimes antecedentes justificava-se porquanto seriam cri-

mes cuja consumação ensejaria grandes ganhos financeiros, de maneira que estes

ganhos poderiam facilmente serem diluídos na economia lícita, dificultando sua iden-

tificação e perseguição, contribuindo para o desenvolvimento de tais práticas.

Pontue-se, outrossim, que recentemente a Lei de Lavagem de Capitais to-

mou nova fórmula, onde o Poder Legislativo e o Poder Executivo, (atuando uma vez

mais pela emergência), diante de diversas denúncias de corrupção, aprovaram a Lei

12683/12, que excluiu da lei o rol de crimes antecedentes passíveis da lavagem de

capitais, denodando a chamada legislação de terceira geração:

A alteração mais importante no projeto é a retirada do rol de crimes antece-dentes do caput do art. 1º. Como está hoje, só se configura o crime de lava-gem de dinheiro se os bens, direitos e valores objeto da conduta forem pro-venientes de um dos crimes elencados no caput do art. 1º (tráfico de entorpe-centes, tráfico de armas, terrorismo, crime contra a Administração Pública etc.). Ou seja, a Lei de Lavagem de Dinheiro foca determinadas origens ilíci-tas de valores para o fim de persecução penal em caso de ocultação ou dissi-mulação. A nova proposta é deixar o rol em aberto; isto é, a ocultação e dissi-mulação de valores de qualquer origem ilícita – provenientes de qualquer conduta infracional, criminosa ou contravencional – passará a permitir a per-secução penal por lavagem de dinheiro. Isso igualaria nossa legislação à de

106

países como os Estados Unidos da América, México, Suíça, França, Itália, entre outros, pois passaríamos de uma legislação de “segunda geração”(rol fechado de crimes antecedentes) para uma de “terceira geração” (rol aber-to)

175.

No entanto, a Lei de Lavagem e Capitais abrange de maneira temerária to-

das as infrações penais conhecidas no ordenamento jurídico brasileiro. Apontamos

aqui desta forma porque a abrangência dissociada de qualquer limitação poderá dar

margem à utilização de subterfúgios para a instauração de novos processos, valen-

do-se de instrumentos próprios da lei de lavagem de capitais que desvirtuam o sis-

tema de direitos e garantias individuais, estabelecendo uma, punição pelo processo

sem precedentes, através da utilização dos instrumentos processuais de contenção

das atividades criminosas, que culminariam no esvaziamento patrimonial e atingi-

mento de bens a toda e qualquer infração penal, por mais irrelevante que seja.

Acrescentamos que esta extinção do rol e consequentemente a ampliação

do tipo penal, abarcando todas as infrações penais como antecedentes, levará a Lei

de Lavagem de Capitais à inevitável banalização, pois possibilitará a todo caso, on-

de houve o recebimento de valores advindos de qualquer espécie de infração penal,

como sujeita à investigação pela lavagem, pouco importando se haverá a comprova-

ção do crime antecedente.

Como se pode aplicar tal aparato a uma Lei sui generis, onde não há um con-

senso até mesmo sobre qual é o bem jurídico protegido pela norma? Não há um

consenso no meio Acadêmico ou Judicial sobre a relação de tutela do Direito Penal.

Não se impõe qualquer parâmetro sobre a influência do resultado do crime no con-

texto social. Como então aplicar o crime a toda e qualquer espécie de infração pe-

nal? Opinamos aqui pelo contrassenso da medida, pois a apuração da lavagem de-

penderá de aspecto eminentemente subjetivo, quer seja a prudência e o bom senso,

dos quais não se concebe qualquer ideal de segurança jurídica ao jurisdicionado,

possibilitando soluções totalmente dispares em casos evidentemente análogos, dos

quais somente em um sistema consuetudinário poderia ser resolvido.

Não defendemos aqui a alteração do sistema de civil law para a common

law, mas vemos que a norma convolará imprudente arbítrio do qual os aplicadores

175

Parecer sem número, do ano de 2007 da Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania, sobre os Projetos de Lei do Sena-do nº 209, de 2003, nº 225, de 2006, nº 48, de 2005 e nº 193, de 2006, que alteram a Lei nº 9.613, de 3 de março de 1998, a qual dispõe sobre o crime de lavagem de dinheiro. Disponível em www.senado.gov.br;

107

do Direito não estão preparados para a carga de subjetividade que a Lei de Lava-

gem de Capitais atribui ao abrir o leque de infrações antecedentes de tal forma que

o mero achismo poderá dar ensejo a instauração de processo penal e à utilização de

sistemas de prevenção que denotam rigor excessivo, não abarcados pela Constitui-

ção Federal, como veremos nos próximos capítulos deste trabalho.

4.3 A AUTORIA DELITIVA NO ÂMBITO DA LAVAGEM DE CAPITAIS

4.3.1 O sujeito ativo da lavagem de capitais

A apuração da autoria nos crimes de lavagem denotam particular importân-

cia, pois o crime de lavagem, na prática, apresenta uma particularidade: ainda que a

doutrina indique a possibilidade da prática pessoal, na prática, sempre se vislumbrou

que para os atos de mascaramento do capital ilícito, tais atos são praticados em

concurso, sendo certo que os lavadores contam com profissionais dos mais diversos

setores da economia e do poder para almejar seus propósitos.

Daí que se extraí a importância da identificação dos setores da autoria deliti-

va para a configuração do ilícito, uma vez que a cadeia de lavadores demanda uma

passagem muito grande de indivíduos, o que demanda um esforço maior para se

identificar, em primeiro lugar, o lavador, e em segundo, os partícipes da lavagem de

capitais, que auxiliam na dissimulação e ocultação dos bens direitos e valores pro-

venientes de atividades ilícitas.

No entanto, a Lei Penal não distingue o autor do partícipe, da qual parte uma

teoria unitária da autoria delitiva, ponderando que qualquer contribuição causal para

a perpetração do delito pode ser considerada como autoria176. O Código Penal, no

artigo 29, estabelece apenas uma norma abrangente que pontua o mero partícipe

como autor do delito. Neste ponto, depreende apenas dos esforços da Doutrina e da

176

Neste sentido, CALLEGARI, André Luís. Lavagem de dinheiro: aspectos penais da Lei nº 9.613/98. 2. ed. revista e atualiza-da. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2008, p. 94;

108

Jurisprudência, o desenvolvimento de teorias acerca da autoria e da materialidade,

com um conceito restritivo de autoria, de maneira que autor seria aquele que pratica

a conduta típica e o partícipe, aquele que contribui de maneira causal para que se

possa atingir o fim almejado.

Mas com relação à Lavagem de Capitais, vale aqui informar que, uma vez

que a Lei 9.613/98, fôra estabelecida no âmbito do ordenamento jurídico brasileiro

como um crime não mais aplicado somente a autores de crimes antecedentes espe-

cíficos, vemos no contexto fático a ampliação de empresários, políticos, banqueiros,

etc., no polo passivo da ação penal por estes crimes, o que nos leva a indagar, uma

vez mais, se os objetivos pensados no esteio da criação dos instrumentos interna-

cionais de combate à Lavagem de Capitais não vem sendo em muito desvirtuados

pelo legislador brasileiro, que tira de foco o crime organizado para punir o que urge

no ordenamento jurídico pátrio?

Recentes acontecimentos na história brasileira vêm nos mostrando que uma

necessária distinção deve ser feita entre a questão da configuração da lavagem de

capitais e do mero exaurimento do crime antecedente com o uso do provento do

crime. Para ilustrar tal dicotomia, em recente julgamento da emblemática Ação Penal

470, popularmente conhecido como caso “Mensalão”, o Supremo Tribunal Federal

veio a ilustrar alteração substancial na questão da autoria delitiva e domínio do fato,

ao que pedimos venia para nominar de “ad causam” porque não se pode conceber

em um Estado Democrático de Direito que “a sombra da impunidade e o desejo de

justiça para pôr fim à corrupção institucionalizada no País”177 possam transmudar o

mero exaurimento do crime, ou a posição hierárquica de uma pessoa na condição

de autor de crime de lavagem de capitais.

Neste contexto, apontamos uma explicação que devemos fazer entre autoria

mediata e imediata pela teoria do domínio do fato.

177

PEREIRA, Claudio José Langroiva. Inoportunas questões. São Paulo: Carta Capital, 27.10.2012;

109

4.3.1.1 Autoria imediata

Ocorre quando o próprio indivíduo, com conhecimento da ilicitude e vontade

de fazê-lo, pratica o ato ilícito descrito no tipo penal, sem se valer de outrem como

instrumento de perpetração do delito. Não há aqui a relação de dominância da von-

tade alheia.

Nos delitos de lavagem de capitais, raramente se denota tal prática, pois a

cadeia de atos necessária para a realização da lavagem, por maioria das vezes, ex-

trai como imprescindível a participação de outras pessoas, que possuem ou não o

domínio de seus atos, atuando como instrumentos da prática delitiva ou como ver-

dadeiros coautores e partícipes.

4.3.1.2 Autoria mediata

A autoria mediata é aquela praticada de maneira direta dos verbos constituti-

vos do tipo penal. É o autor mediato aquele que dissimula ou oculta bens ou produ-

tos provenientes de atividades ilícitas, agindo com a ciência e intenção. É o executor

material do fato criminoso.

Contudo, para aqueles que adotam a teoria objetivo-formal, aquele que age

por meio de outrem, ou seja, age “por trás” de outros indivíduos, seria, no caso, con-

siderado como mero partícipe. Isso porque para a teoria objetivo-formal, autor é a-

quele que executa por si mesmo as ações descritas no tipo178.

Neste caso, adverte IVES GANDRA DA SILVA MARTINS179 que por uma im-

precisão técnico-legislativa, a ressalva contida no §1o, do artigo 1o, da Lei de Lava-

178

Neste sentido, Claus Roxin ilustra que: “La teoria objetivo-formal también presenta puntos flacos que impiden hoy asumirla sin modificaciones. El defecto más claro consiste en su incapacidad para explicar el fenómeno de la autoria mediata, Muchos partidários suyos han intentado arreglársela sin estas figuras jurídicas y resolver de lege ferenda la “penosa laguna de casos merecedores de punición” limitandose la acesoriedad. Pero esta vía no sólo está cerrada para el principal supuesto de aplica-ción, el actuar mediante un instrumento no doloso, por el hecho que la jurisprudencia hoy exija para la participación un hecho principal doloso; por esa vía se convertiría fraudulentamente una manifestación de genuína autoria en forma de participación”; in: ROXIN, Claus. Autoria y dominio del hecho en derecho penal. 7a Edición. Madrid: Marcial Pons, 2000, p. 55 179

MARTINS, Ives Gandra da Silva. A esdrúxula lei de lavagem de dinheiro. Revista CEJ, V.2, nº5, mai/ago. 1998. Brasília-DF: Conselho da Justiça Federal – Centro de Estudos do Judiciário, 1998, p. 3;

110

gem de Capitais pode de maneira temerária abranger indivíduos e torna-los coauto-

res do crime de lavagem de capitais mesmo sem saber da prática por outrem, mas

sim somente pelo fato de manter contato com o suposto lavador. Neste caso, justi-

fica essa assertiva na modalidade de crime, apontando que o crime de lavagem de

capitais, por se tratar de crime de conduta, e não de dano, poderia levar ao banco

dos réus aqueles que desempenhariam papel de administração, gerência de em-

presa da qual proprietário ou sócio fosse suspeito da prática delitiva.

No entanto, na prática as questões da lavagem de capitais tem se resolvido

com a aplicação da teoria do domínio do fato, onde o autor mediato seria aquele que

utilizando-se de um indivíduo como instrumento, ou seja, sem conhecimento ou dolo

(logo, sem culpabilidade), pratica o ato que poderia praticar per si, mas que, para

não aparecer nas operações, se vale de um terceiro para realizar a conduta, no ca-

so, a lavagem.

Neste sentido, ainda destacam GUSTAVO HENRIQUE BADARÓ E PIERPA-

OLO CRUZ BOTTINI180 que: “Também haverá autoria mediata quando o instrumento

atua sem culpabilidade, seja por inimputabilidade, erro de proibição, ou inexigibili-

dade de conduta diversa”. Seria o caso daquele que utiliza a conta bancária de idoso

senil ou interditado, para lavar dinheiro. Neste caso, pelo completo desconhecimento

do idoso da utilização de sua conta corrente, necessário se faz reconhecer que este

agira sem qualquer culpabilidade, logo, reconhecendo-se seu papel de mero instru-

mento da prática delitiva.

Pela teoria do domínio do fato, cabe destacar outra possibilidade, na qual o

terceiro é utilizado não como instrumento, mas como meio interposto de mascara-

mento da operação de lavagem. É o que destaca CLAUS ROXIN181 como sendo a

aplicação da autoria mediata para as esferas de domínio em virtude de estruturas de

poder organizadas, onde os interpostos não atuam mediante erro ou como meros

objetos, mas sim desenvolvem atuação ativa e conhecida das atividades de masca-

ramento e ocultação dos ativos ilícitos daquele lavador. Tal prática ocorre com mais

frequência em estruturas organizadas do crime em que há uma relação hierárquica,

180

BADARÓ, Gustavo Henrique. BOTTINI, Pierpaolo Cruz. Lavagem de dinheiro: aspectos penais e processuais penais. Co-mentários à lei 9.613/98 com as alterações da Lei 12.683/12. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 118; 181

ROXIN, Claus. Autoria y dominio del hecho en derecho penal. 7. ed. Traducción de la séptima edición alemana por Joaquín Cuello Contreras y José Luis Serrano González de Murillo. Madrid: Marcial Pons, 2000, p. 269;

111

onde um indivíduo de maior hierarquia, utiliza um subordinado para mascarar suas

atividades ilícitas.

No entanto, pondera CLAUS ROXIN182 que tal concepção somente se aplica

a organizações criminosas, de tal forma que nas instituições organizadas legais, a

prática de lavagem de capitais não pode fomentar um domínio, de maneira que sua

obediência não decorre de uma relação de hierarquia, mas sim de uma iniciativa

particular dos agentes, mesmo que presente relação de hierarquia.

4.3.2 Participação

A participação se extraí pela concepção de indivíduo que colabora ou auxili-

a, materialmente ou moralmente com a prática delitiva, na medida em que haja nexo

causal entre a sua atividade e a perpetração do delito pelo autor.

A participação, para ser penalmente punida, deve ser caracterizada pela

presença do elemento volitivo, no caso a vontade livre e consciente de participar da

conduta criminosa de outrem. É o dolo previsto na teoria clássica do Direito Penal.

A participação, embora não seja prevista como figura autônoma no Código

Penal, difusamente do que previam os Códigos anteriores, é classificada por graus,

na medida em que os parágrafos 1o e 2o, do artigo 29 do Código Penal183 depreende

causas de aumento ou diminuição com relação à intensidade da participação no deli-

to.

No caso da Lavagem de Capitais, a participação pode ser exemplificada no

caso onde o gerente do banco, imbuído do dever de comunicar determinadas opera-

ções financeiras, como meio de colaborar com o lavador, deixa de efetuá-las aos ór-

gãos de controle. Neste caso, não há uma coautoria, mas sim uma participação ma-

terial no delito de lavagem de capitais.

182

ROXIN, Claus. Autoria y dominio del hecho en derecho penal. 7. ed. Traducción de la séptima edición alemana por Joaquín Cuello Contreras y José Luis Serrano González de Murillo. Madrid: Marcial Pons, 2000, p. 270; 183

Art. 29 - Quem, de qualquer modo, concorre para o crime incide nas penas a este cominadas, na medida de sua culpabili-dade. § 1º - Se a participação for de menor importância, a pena pode ser diminuída de um sexto a um terço. § 2º - Se algum dos concorrentes quis participar de crime menos grave, ser-lhe-á aplicada a pena deste; essa pena será aumentada até meta-de, na hipótese de ter sido previsível o resultado mais grave.

112

Há ainda uma forma de participação qualificada na Lei de Lavagem de Capi-

tais, o que a doutrina aponta como veemente desrespeito ao conceito do concurso

de pessoas, afigurando no inciso II, do §2o, do artigo 1o da Lei de Lavagem de Capi-

tais:

II – participa de grupo, associação ou escritório tendo conhecimento de que sua atividade principal ou secundária é dirigida à prática de crimes previstos nesta Lei.

Como assinala ANDRÉ LUÍS CALLEGARI184, a norma: “leva em considera-

ção tão somente o conhecimento do sujeito, não fazendo referencia a qualquer outro

requisito para a sua incriminação como participante do delito de lavagem”.

Entendemos aqui que há inequívoco desvirtuamento, na medida em que a

regra geral do Código Penal colaciona gradação à participação, atribuindo causa de

aumento e ou diminuição na medida em que a participação seja de maior ou menor

importância. Neste caso, a regra da Lei de Lavagem apenas assinala a questão do

conhecimento da função do escritório, associação ou grupo para atribuir àquele a-

gente a mesma pena do reputado lavador, o que denota verdadeiro vilipêndio à

questão do concurso de agentes entabulada na regra geral do Código Penal.

4.3.3 A recente interpretação da teoria do domínio do fato pelo Supremo Tribunal

Federal

Como já apontamos, no julgamento da emblemática Ação Penal 470, pelo

Supremo Tribunal Federal, cremos em inequívoco desvirtuamento da teoria do do-

mínio do fato, porquanto a relatoria daquela ação penal, munida de desejo de justiça

e no âmago de transpassar à sociedade o sentimento de que algo estava sendo fei-

to, acabou por aplicar a teoria de maneira absolutamente temerária, criando prece-

dentes que poderiam alterar de maneira paulatina, todos os julgamentos em sede de

crimes de lavagem de capitais, unicamente por um entendimento que se vê viciado

pela comoção social que o caso ganhou através da mídia.

184

CALLEGARI, André Luís. Lavagem de dinheiro: aspectos penais da Lei nº 9.613/98. 2. ed. revista e atualizada. Porto Ale-gre: Livraria do Advogado, 2008, p. 106;

113

No caso, o relator da Ação Penal n. 470, o Ministro JOAQUIM BARBOSA,

entendia que, nos crimes de corrução ativa que teriam sido, segundo a denúncia,

praticados pelos partidos da base do governo, atribuíram a lavagem de capitais aos

mesmos agentes pela ocultação do capital obtido de maneira criminosa. E mesmo

com protestos dos Ministros do Supremo Tribunal Federal, ENRIQUE RICARDO

LEWANDOWSKI e MARCO AURÉLIO MELLO, para quem os atos de ocultação

consubstanciariam apenas o exaurimento do crime, entendeu-se majoritariamente

que poderiam os autores do crime de corrupção, serem punidos também pela Lava-

gem de Capitais.

Da mesma maneira, a discussão levou a teoria do domínio do fato a patama-

res de desvirtuamento jamais concebidos pelos estudiosos da matéria, apenas com

o escopo de fornecer o sentimento austero de justiça, esforçou-se para justificar que

a singela ocupação de um cargo ou da posição hierárquica que o indivíduo desponta

dentro de uma organização lícita. Concebeu-se naquele julgamento que a pessoa

que possuiria uma cargo superior dentro de uma organização, apenas pelo seu car-

go, mesmo sem provas de que teria conhecimento do fato criminoso desempe-

nhado, ou sem que tenha proferido qualquer ordem, também deveria ser punido pela

lavagem de capitais, pelo fato de se supor que aquele indivíduo deveria saber do es-

quema criminoso desempenhado no interior daquela organização. Tal fato que usur-

pa de modo inequívoco a teoria do domínio do fato, foi levada a conhecimento de

CLAUS ROXIN185, que em entrevista concedida ao periódico Folha de São Paulo,

ponderou que:

A pessoa que ocupa a posição no topo de uma organização tem também que ter comandado esse fato, emitido uma ordem. Isso seria um mau uso. [...] A posição hierárquica não fundamenta, sob nenhuma circunstância, o domínio do fato. O mero ter que saber não basta. Essa construção ["dever

de saber"] é do direito anglo-saxão e não a considero correta.

Isso porque, como já visto, para a autoria, mesmo que mediata, necessário

que haja o conhecimento da prática delitiva. Há a necessidade de que se demonstre

o elemento volitivo, não sendo certo se fazer presumir, entender ou aspirar. O Direito

Penal não se contenta com conjecturas, achismos e ilações, de maneira que não se

pode inverter a presunção constitucional de não culpabilidade apenas por entendi-

mento pessoal e sem amparo na prova dos autos. Aliás, complementa ainda CLAUS

185

ROXIN, Claus. Participação no comando de esquema tem de ser provada. Entrevista concedida às reporteres Cristina Grillo e Denise Menche. Jornal Folha de São Paulo, Edição de 11.11.2012, disponível em www.folha.com.br;

114

ROXIN186 no conteúdo da entrevista concedida, que:

“Na Alemanha temos o mesmo problema. É interessante saber que aqui também há o clamor por condenações severas, mesmo sem provas sufici-entes. O problema é que isso não corresponde ao direito. O Juiz não tem de ficar ao lado da opinião pública” (grifo nosso).

Desta maneira, necessário consignar que o Juiz, quer no seu papel de julga-

dor, quer no seu papel de jurista, não deve ser levado por aspirações pessoais, con-

jecturas, em principal se integrante do mais alto Tribunal do país, onde emana a ju-

risprudência que conduzirá os Tribunais de todo o país. Como dito alhures, não se

pode conceber que o mais alto Tribunal, guardião da Constituição Federal, seja o

mesmo que viola as garantias fundamentais inerentes a todo e qualquer acusado em

processo penal, sob pena de conduzir a lei e a ordem jurídica à vala da insegurança

jurídica.

186

ROXIN, Claus. Participação… cit. – Grifo nosso;

115

5 MEDIDAS ASSECURATÓRIAS NA LAVAGEM DE CAPITAIS

5.1 A CAUTELARIDADE PENAL

Por tutela cautelar, podemos entender que se trata de um instrumento con-

sagrado na Lei, com intuito específico de eliminar o risco de dilação temporal indevi-

da, ou seja, é imposta uma constrição provisória sobre, bens, direitos, valores, e até

mesmo sobre a liberdade individual, com a finalidade de assegurar a pretensão do

Direito Material veiculada em uma ação principal.

Seriam, portanto, medidas cautelares, aquelas que dão efetividade ao pro-

cesso, antecipando-se a satisfação do Direito Material em debate no processo, ou

como pontua HUMBERTO THEODORO JUNIOR187: “as medidas cautelares servem,

na verdade, ao processo e não à parte. Visam dar eficiência e utilidade ao instru-

mento que o Estado engendrou para solucionar os conflitos de interesse entre os

cidadãos”. Complementando esse sentido, apontemos que a função específica do

processo cautelar é a prevenção, que não se confunde com a finalidade precípua do

processo principal, que seria a satisfação do Direito ou a prestação jurisdicional. Por

esses elementos, verifica-se uma dissociação de causas de ser do direito material e

da medida cautelar188.

Em se tratando do Processo Penal, no que concerne ao curso de uma ação

penal, ou até mesmo antes que esta tenha seu início, é comum ocorrerem situações

que demandem providências de caráter urgente, com o intuito de resguardarem

bens, direitos e interesses, bem como a correta apuração dos fatos e a aplicação da

lei penal. Desta forma, faz-se por essencial a criação de mediadas de cunho emer-

gencial para a preservação de bens, direitos e interesses, tais quais as medidas cau-

telares no processo penal. Desta forma, urge a utilização de medidas de cunho cau-

telar, de caráter provisório, que visam assegurar a finalidade instrumental do proces-

so, quer seja a busca da verdade, considerada a satisfação do processo penal. Defi-

187

THEODORO JUNIOR, Humberto. Processo Cautelar. 25. ed. revista e atualizada. São Paulo: Livraria e Editora Universitária de Direito, 2010, p. 47; 188

Neste sentido, THEODORO JUNIOR, Humberto. Processo Cautelar. 25. ed. revista e atualizada. São Paulo: Livraria e Edi-tora Universitária de Direito, 2010, p. 56;

116

ne ANTONIO SCARANCE FERNANDES189, que as medidas cautelares em proces-

so penal: “são providências urgentes, com as quais se busca evitar que a decisão da

causa, ao ser obtida, não mais satisfaça o direito da parte e não realize, assim, a fi-

nalidade instrumental do processo, consistente em uma prestação jurisdicional jus-

ta”.

Difusamente do que ocorre no âmbito do processo civil, onde se permite que

haja a antecipação da tutela final, comprovada a urgência da medida e caucionando-

se o Juízo, no processo penal não se permite a antecipação do provimento final,

uma vez que vige no sistema penal a garantia da presunção de inocência, sendo

certo que as chamadas medidas cautelares somente anteciparão aquilo que pode

preservar a apuração de um resultado futuro. Neste sentido, MARTA SAAD190 pon-

dera que:

A tutela cautelar, no processo penal, visa ao devido procedimento legal ou a assegurar o resultado final – resultado útil e justo – e a eficácia de seus efei-tos. É assim, acessória ao processo, de conhecimento ou execução, de modo que não se tutela, no processo penal, por meio das chamadas medi-das cautelares, o direito material do acusador. Tutela-se, sim, o processo, mas não o direito material em jogo.

As medidas cautelares no processo penal podem ser divididas em dois gran-

des grupos, quer sejam as medidas cautelares pessoais e medidas cautelares reais,

sendo a primeira, subdividida em prisão e liberdade e a segunda, em medidas asse-

curatórias, cuja tutela adentra a seara patrimonial, seja ela para o confisco de bens

de proveniência ilícita, seja para a obtenção da prova criminal, ou ainda, para res-

sarcir eventuais direitos de terceiros, vítimas ou partes prejudicadas. Como coloca

JOÃO GUALBERTO GARCEZ RAMOS191:

A urgência, no caso, é quase onipresente. Essa qualidade decorre de diver-sas razões. Em primeiro lugar, do fato de que o crime é, ontologicamente, a maior ofensa ao próximo que prevê o ordenamento jurídico. Se é à pessoa do indivíduo, muitas vezes também o é ao seu patrimônio, irrazoadamente atingido. Sendo assim, ocorrendo o prejuízo patrimonial, justificada está a reação estatal enérgica. Outra razão é referente ao destinatário das regras viabilizadoras da responsabilidade patrimonial. Tendo o agente cometido um crime patrimonial doloso ou crime não patrimonial motivado pela cobiça, por exemplo, é razoável pensar-se que, uma vez consumado o crime, seu

189

FERNANDES, Antonio Scarance. Processo Penal Constitucional. 5.ed. revista, atualizada e ampliada. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 323; 190

SAAD, Marta. As medidas assecuratórias do Código de Processo Penal com forma de tutela cautelar destinada à reparação do dano causado pelo delito. Tese de Doutorado apresentada na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, 2007, p. 37-38, apud VILARES, Fernanda Regina. Medidas Assecuratórias na Lei de Lavagem de Dinheiro. In FRANCO, Alberto Silva. LIRA, Rafael (coord.). Direito penal econômico: questões atuais. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, p. 486; 191

RAMOS, João Gualberto Garcez. Tutela de urgência no processo penal brasileiro. Belo Horizonte: Del Rey, 1998, p. 287;

117

objetivo passe a ser manter o status quo alcançado com a prática da infra-ção penal; talvez até com a repetição de ações moralmente reprováveis. Nisso também reside a potencial inutilidade das medidas patrimoniais do processo se desvestidas de urgências (sic.).

Assim consignado, frise-se que no âmbito do processo penal, estas medidas

cautelares são previstas de forma geral no Código de Processo Penal, divididas em

medidas cautelares pessoais (prisão e suas modalidades) e medidas cautelares re-

ais, nestas se inserindo as medidas assecuratórias (sequestro, arresto e hipoteca

legal – artigos 125 a 144-A). Retese-se, sobremaneira, que de forma pontual a legis-

lação especial também trata de figuras cautelares, de forma que exibiremos quando

do estudo das cautelares em espécie.

Antes de avançarmos o estudo sobre as espécies de medidas assecurató-

rias e explicarmos cada uma delas, importa iniciarmos nosso estudo esboçando a

origem da cautela, bem como os seus requisitos, finalidades e pressupostos de apli-

cação, de forma a traçarmos um norte sobre o estudo destas medidas.

5.1.1 Características inerentes a qualquer medida cautelar

Ainda que haja divergência na doutrina quanto à natureza jurídica, finalidade

e sobre os requisitos inerentes às medidas cautelares, há um consenso em relação

às suas características, independentemente da existência de uma ação cautelar ou

da sua utilização decorrente de uma ação principal. Estas características próprias

consistem na instrumentalidade, provisoriedade, revogabilidade e autonomia.

A instrumentalidade busca assegurar a formalidade e a plena realização da

medida cautelar, de forma a assegurar a sua cognição e a sua execução. É a positi-

vação da medida cautelar no processo. Enquanto no processo principal se busca a

tutela do Direito, a medida cautelar ou o processo cautelar servirão à tutela do pro-

cesso. Como enfatiza PIERO CALAMANDREI192, servem as medidas cautelares:

“mais do que para fazer justiça, para garantir o eficaz funcionamento da Justiça. De

192

CALAMANDREI, Piero. Introducción al estudio sistemático de las providencias cautelares. Buenos Ayres, p. 44, apud THE-ODORO JUNIOR, Humberto. Processo cautelar. 25.ed. revista e atualizada. São Paulo: Livraria e Editora Universitária de Di-reito, 2010, p. 52;

118

modo que essas medidas nascem a serviço de uma providência definitiva, cujo re-

sultado prático asseguram preventivamente”. Em suma, pelo critério da instrumenta-

lidade, vislumbra-se que as medidas cautelares são meios de garantia do resultado

do processo, e não uma satisfação imediata do direito da parte.

Por provisoriedade, entende-se que as medidas cautelares não se reves-

tem de caráter definitivo, possuindo assim, uma duração temporal limitada, que deve

durar tempo suficiente para que sua finalidade seja atendida. Neste sentido, esclare-

ça-se que toda medida cautelar deve ser decretada para assegurar um fim, sendo

uma medida neutra e que não agrega qualquer carga valorativa ao resultado da a-

ção principal, permanecendo apenas enquanto necessária.

A revogabilidade consiste no fato da decisão exarada que decretou a me-

dida cautelar não repercute em coisa julgada, razão pela qual poderá ser revogada,

uma vez demonstrada a desnecessidade ou a cessação dos motivos que ensejaram

a sua decretação.

A autonomia diz respeito à própria natureza da medida cautelar, de modo

que ela é um instrumento próprio, cujos fins não são realizados de acordo com os

fins do processo principal, realizando-se independentemente de qualquer tendência

advinda de meios exteriores. Isto é, as medidas cautelares são realizadas indepen-

dentemente da procedência ou não do processo principal, não dependendo do resul-

tado da ação ou da defesa desempenhada. São instauradas, decretadas, cumprem

seus fins e se encerram, sem qualquer influência do processo principal, sendo que

seu resultado não reflete no resultado da ação principal.

Assim delineados, são estes os requisitos gerais das medidas cautelares,

inerentes tanto às medidas cautelares aplicáveis ao processo civil quanto ao pro-

cesso penal, como forma de gerir sua aplicação e impor os limites e formas de apli-

cação das medidas cautelares.

Outrossim, ainda necessário que as medidas cautelares preencham pressu-

postos para a sua decretação e admissibilidade.

119

5.1.2 Pressupostos para a cautelaridade penal

Assim como já demonstrado anteriormente, há uma série de requisitos que

delineiam e regulam as medidas cautelares. Contudo, especificamente sobre a tutela

cautelar penal, não seria despiciendo considerar que o processo cautelar, via de re-

gra, contém garantias processuais, cuja validade depreende do respeito a Direitos

consagrados em texto constitucional, das quais a sua supressão gera a invalidade

da medida. Explicamos: nenhuma medida cautelar (entendidas assim como medidas

de urgência), são grifadas por uma critério de excepcionalidade, ou seja, permitem

uma invasão prematura na seara dos direitos individuais do investigado/acusado ou

de interposta pessoa, tais como o patrimônio e a liberdade individual. Nestas situa-

ções conforme cita ROMEU PIRES DE CAMPOS BARROS193:

“impõe-se no presente em função do futuro, um sacrifício à livre evolução da situação jurídica e, em gênero, à livre disponibilidade da coisa e da pessoa. Tal sacrifício representa o custo da cautela, que é imposta para tutelar a possibilidade ou eficácia de uma situação processual que, por ser futura, é também incerta. Isto importa também em assumir o risco.”

Por este risco, no entanto, somente poderá antecipar o que for estritamente

necessário para a relação processual, quer seja para a formação da prova ou para

assegurar a efetividade da sentença de mérito de uma ação principal. Desta forma,

deduz-se por lógica que no Estado Democrático de Direito, há de prevalecer, no que

concerne às medidas cautelares (reais ou individuais), a inafastabilidade da jurisdi-

ção, não se permitindo que por meio difuso ao Poder Judiciário se obtenha uma tu-

tela de emergência. Somente o juiz é imbuído do poder geral de cautela e possui a

competência para a concessão de medidas urgentes, vinculadas de maneira impre-

terível ao devido processo legal, sendo imperioso reconhecer que a imposição da

constrição deve vir amparada de procedimento instruído e processado à luz do con-

traditório, amplitude de defesa, publicidade, devendo suas decisões serem funda-

mentadas, assegurando a proporcionalidade e adequação da medida, como corolá-

rios da legalidade processual194, buscando-se o equilíbrio entre os interesses indivi-

duais e coletivos envolvidos na relação processual.

193

BARROS, Romeu Pires de Campos. Processo Penal Cautelar. Rio de Janeiro: Forense, 1984, p. 41; 194

Neste sentido, LEITE, Larissa. Medidas patrimoniais de urgência no processo penal. Implicações teóricas e práticas. Rio de Janeiro: Renovar, 2011, p. 124;

120

Desta feita, o agrupamento destas condições genéricas forma os pressupos-

tos cautelares no âmbito do fato concreto, quer seja o periculum in mora e o fumus

boni juris.

Por fumus boni juris, ou pela concepção penal do brocardo, o fumus comissi

delicti, verifica-se que não basta somente haver o interesse de agir, partindo de um

ponto onde se evoca o estado de perigo para a salvaguarda de um Direito. Necessá-

rio seja demonstrada a verossimilhança do Direito pleiteado pela parte na ação prin-

cipal, pois, como já dissemos, a medida cautelar sempre representa uma invasão na

esfera individual ou patrimonial de outrem, sendo que essa invasão somente se dará

se muito bem delineada e amparada por uma perspectiva de Direito. Abra-se um pa-

rêntese para aderir que esta perspectiva não será apenas uma mera probabilidade.

Deve vir amparada por elementos robustos que permitam ao Juiz, mesmo sem efe-

tuar um juízo aprofundado da causa, possa verificar que o pedido guarda pertinência

com o que está sendo apurado. Pondera FABIO RAMAZZINI BECHARA195 que o

fumus boni juris caracteriza-se:

[...] pela plausibilidade do direito afirmado. Mas qual direito? No processo penal tem-se que a infração penal como ponto de partida para a atuação es-tatal. Tudo gira em torno dessa infração penal constatada, sejam as ativida-des de investigação, seja a atuação processual propriamente dita, assim compreendidos o processo de conhecimento e de execução. Em assim sendo, no caso das medidas cautelares não poderia ser diferente, ou seja, a sua concepção encontra-se atrelada ao objeto da persecução, porém de forma mediata ou indireta. O direito afirmado nas medidas cautelares en-quanto requisito indispensável ao deferimento do pretendido, manifesta-se pela existência de conjunto probatório mínimo da responsabilidade penal do agente. Seja lá qual for a espécie de medida cautelar considerada, a indica-ção probatória da fundada probabilidade de que o agente investigado ou processo é o autor da infração penal sob apuração, constitui o pressuposto fundamental a legitimar o constrangimento gerado pela tutela de urgência. A exigência desse pressuposto leva em consideração a situação do dano a ser provocado ao direito alheio, de tal modo que o respaldo probatório reduz a probabilidade de erro.

Neste ínterim, vislumbra-se que a fumaça do bom direito traduz a plausibili-

dade do direito pretendido, a demonstração da necessidade de se conceder a caute-

laridade penal, de forma a preservar bens, direitos, ou a aplicação da lei, contudo,

demonstrada a ponto de deixar extreme de dúvida o julgador quando da prolação do

édito cautelar. Assim, em via de esclarecimento, cite-se que no tocante ao fumus

boni juris, este afigura-se como a demonstração da plausibilidade do direito postula-

195

BECHARA, Fabio Ramazzini. Prisão cautelar. São Paulo: Malheiros, 2005, p. 138;

121

do, caracterizado pela urgência da situação, e na hipótese da demonstração do di-

reito que pertence ao requerente.

Cabe ainda a ressalva de que muito embora não haja o juízo de certeza pa-

ra a caracterização do fumus boni juris, necessário sinalizem elementos que tradu-

zam a verossimilhança do alegado. É uma aparência de direito, ou como no brocar-

do latino, é uma fumaça do bom direito, uma expectativa de realidade daquilo que se

alega.

De outra ordem, o periculum in mora, repercute no perigo, de retardamento

da medida, o perigo de infrutuosidade, atribuído à demora no julgamento.

Para a caracterização, necessário a consunção de dois elementos, quer se-

jam a prevenção e a urgência, que PIERO CALAMANDREI196, traduz como a neces-

sidade de:

[…] remediar tempestivamente o perigo do dano que ameaça o direito, a tu-tela ordinária se revela muito lenta, de modo que, na espera que amadureça através do longo processo ordinário, o procedimento definitivo, deva provi-denciar-se com urgência de modo a impedir com medidas provisórias que o dano ameaçado se produza ou se agrave naquela espera.

Complementando este sentido, FABIO RAMAZZINI BECHARA197 consigna

que uma das vertentes do periculum in mora é a tradução do:

[...] fundado receio de que o tempo pode vir a comprometer o direito afir-mado, seja quando a prova a instruir futura ação penal esteja sob risco, seja quando a liberdade do imputado possa frustrar a aplicação da lei ou mesmo os fins do processo, seja quando o direito à futura indenização também cor-ra o risco de se ver frustrado. É a situação de anormalidade ou exceção que se clama a tutela de urgência.

Inobstante o caráter final ou instrumental, como assim consignado, e que ve-

remos mais à frente, quando do estudo das espécies cautelares, frise-se que o crité-

rio do periculium in mora visa de alguma forma, e sem o caráter definitivo, restringir

o direito do acusado, para que seja garantido o juízo e a aplicação da lei. Não obs-

tante, quando do estudo mais aprofundado das hipóteses cautelares de restrição de

direitos, veremos que na ausência de qualquer destes requisitos, enseja a necessá-

ria revogação da medida. O que queremos reportar com tal entendimento é que para

196

CALAMANDREI, Piero. Introdução ao estudo sistemático dos procedimentos cautelares. Tradução de Carla Roberto Andre-asi Bassi. Campinas: Serveanda, 2000, p. 36; 197

BECHARA, Fabio Ramazzini. Prisão cautelar. São Paulo: Malheiros, 2005, p. 137;

122

que se de azo à decretação de uma medida cautelar, estes pressupostos devem es-

tar bem delineados, e em conjunção, devendo haver a previsão de ambos, afim de

que se coíbam abusos com a restrição de bens ou direitos do acusado na persecu-

ção criminal ou na ação penal.

Todavia, finalizemos o referendado tópico tecendo a consideração de que

para a decretação de qualquer medida cautelar, por se tratar de medida que importe

na restrição total ou parcial, ou ainda que cerceie bens direitos e interesses, dentre

estes a garantia fundamental da liberdade individual, juntamente com os pressupos-

tos inerentes a toda e qualquer medida cautelar, necessário e essencial que a autori-

dade sentenciante sempre pondere acerca dos critérios de proporcionalidade e ade-

quação da medida.

5.1.3 A cautela ex officio e o devido processo legal

Complementando o tópico anterior, ainda se faz necessário esclarecer em

breve aparato acerca da cautelaridade penal ex officio. Em uma ótica sobre o pro-

cesso civil, onde se parte de um pressuposto de convencimento do magistrado, para

a decretação de uma tutela cautelar, a verossimilhança das alegações e a plena

possibilidade de caução para a constrição sobre bens, direitos e valores, esta me-

dida deve ser revista com extrema parcimônia e cuidado quando se trata de pro-

cesso penal. Atualmente, como dito alhures, a cautelaridade penal não antecipa re-

sultado da ação principal, sendo apenas um meio de assegurar os efeitos da repara-

ção de dano, quer ao ofendido ou à vítima, quer ao Estado, nesta modalidade de

perdimento dos bens (alienação).

No entanto, hodiernamente, tem se assinalado essa nova roupagem de utili-

zação de medidas assecuratórias, além de outras questões incidentes como meio de

obtenção da prova criminal, sendo certo que uma discussão que se alicerça na sen-

da do Processo Penal se vê em virtude da possibilidade da decretação de medidas

cautelares ex officio.

A discussão aqui eleva-se sobre as orientações esposadas no âmbito da

123

Exposição de Motivos do Código de Processo Penal, subscrita por FRANCISCO

CAMPOS, emendava que:

Por outro lado, o juiz deixará de ser um expectador inerte da produção de provas. Sua intervenção na atividade processual é permitida não somente para dirigir a marcha da ação penal e julgar a final, mas também para orde-nar, de ofício, as provas que lhe parecem úteis ao esclarecimento da ver-dade. Para a indagação desta, não estará sujeito a preclusões. Enquanto não estiver averiguada a matéria da acusação ou da defesa, e houver uma fonte de prova ainda não explorada, o juiz não deverá pronunciar o in dubio pro reo ou o non liquet.

Partindo do contexto histórico da legislação e a sua aplicação contemporâ-

nea, vê-se que a iniciativa instrutória do magistrado não se ateve unicamente à bus-

ca da prova criminal, como a oitiva de testemunhas do Juízo, participação em re-

constituições, etc. Essa participação do magistrado ampliou-se também em relação

às medidas cautelares, quer sejam pessoais, quer sejam reais, concedendo poderes

ao magistrado que ultrapassam a gama de mediador entre acusação e defesa, e lhe

permitiu produzir provas no processo, em nome da busca verdade.

No entanto, a história nos mostra que esta ampliação dos poderes instrutó-

rios do Magistrado cresce paulatinamente em direção à atuação ex offício, assim

como se faz no processo civil.

Neste contexto, muito embora haja uma profusão de opiniões doutrinárias

sobre as medidas cautelares e o poder instrutório para o magistrado decretá-las de

ofício, este estudo, como em muitos outros, não serve como verdade absoluta, mas

nos posicionaremos por uma das vertentes da cautelaridade penal ex officio.

Em primeiro, ressalte-se que aos defensores da possibilidade do magistrado

estes referem aos primórdios do atual Código de Processo Penal, quando se baseou

na legislação italiana e autorizou o Juiz a não mais atuar somente quando provo-

cado, houve uma generalização, sendo certo que os defensores desta tese se ape-

gam na premissa de que o artigo 156 do Código de Processo Penal não restringe a

atuação do magistrado à iniciativa instrutória, mas também na possibilidade de to-

mar medidas de urgência, como a decretação do sequestro, arresto, busca e apre-

ensão, etc., sem qualquer provocação das partes.

Neste parâmetro, apenas para exemplificar esse ponto, GUSTAVO HENRI-

124

QUE BADARÓ198 pondera que o processo penal moderno permite a participação do

Juiz sem que haja o comprometimento do processo acusatório. Nesta senda, acres-

centa que somente haveria prejuízo da imparcialidade do Juiz se a determinação

das medidas de ofício recair diretamente sobre as fontes de prova, pois desta forma,

o órgão julgador estaria vinculado a uma hipótese (pré-conceito) prévia. No mais, a

imparcialidade estaria assegurada pela garantia do contraditório, da ampla defesa e

da motivação das decisões judiciais.

Ponderemos, outrossim, que a participação do magistrado na relação pro-

cessual de ofício deveria ser restrita à produção de provas de maneira subsidiária,

quando as partes não as cumprem, mas que seria interessante ao juízo para a elu-

cidação de alguma dúvida pertinente. Todavia, no que concerne às medidas cautela-

res pessoais e reais, a ressalva que se faz é que não se pode generalizar a autori-

zação constante da Exposição de Motivos de maneira absoluta, sendo que nas me-

didas de urgência, que invadam o campo da liberdade ou do patrimônio, necessário

seja respeitado o Princípio Acusatório, devendo a medida ser requerida por uma das

partes (mesmo que a autoridade policial), demonstrando o fumus boni juris e o peri-

culum in mora, assegurando ainda, mesmo que a posteriori o contraditório, a ampli-

tude de defesa, a presunção de inocência e a motivação das decisões judiciais, co-

mo corolários do devido processo legal.

Sobre este prisma, a coleta de provas e a atuação de ofício do magistrado

nas medidas cautelares penais, seriam mundos distintos, onde na primeira hipótese,

a participação do Juiz seria legal, porém não recomendada. Já na questão das medi-

das assecuratórias e nas medidas cautelares em geral, a ressalva que se faz é que

a atuação de ofício usurparia o princípio acusatório e o próprio devido processo le-

gal, porquanto a atuação ex officio comprometeria sua imparcialidade, desequili-

brando as relações harmônicas de acusação e defesa no processo penal e transfor-

mando o juiz em inquisidor, papel que não coaduna com o Estado Democrático de

Direito.

Conforme afirmado alhures, o juiz deve ser visto como um órgão supraorde-

nado de contenção das partes na busca por seus direitos. Seria o ponderador entre

198

BADARÓ. Gustavo Henrique Righi Ivahy. O ônus da prova no processo penal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003, p. 119;

125

acusação e defesa que, em nosso entender, não comportaria a produção probatória

ou a tomada de medidas sem a provocação das partes, assegurando assim a isono-

mia processual.

Indo além, entendemos que poderia haver um pré-conceito formado com a

decretação de medidas cautelares de ofício pelo magistrado, que já formaria parte

de sua convicção na relação processual, mesmo que em medida autônoma, o que

poderia ir de encontro com a presunção de inocência do acusado durante todo o

processo penal, sendo certo que a regra que se tem é a de que deve permanecer

sem constrições sobre a liberdade e seus bens, sendo a exceção, a decretação de

medida cautelar. Comprometida a imparcialidade, fica clara a inobservância do de-

vido processo legal, garantia fundamental, prevista no artigo 5º, inciso LIV, da Cons-

tituição Federal, que assim dispõe: “ninguém será privado da liberdade ou de seus

bens sem o devido processo legal”.

É neste cerne específico que encontramos a necessidade de se manter o ju-

iz inerte, aguardando provocação das partes, para que possa a relação processual

assegurando a primazia dos direitos e garantias fundamentais, assegurando-se os

poderes de acusação e defesa. Neste contexto, ADHEMAR FERREIRA MACIEL199,

cita que:

Essa atividade coletora de provas do juiz, [...], viola a cláusula do ‘due pro-cess of law’. Viola, porque compromete psicologicamente o juiz em sua im-parcialidade. E a imparcialidade, como sabemos, é virtude exigida de todo e qualquer magistrado [...] E coletando provas, não paira dúvida, ele será fa-talmente influenciado. Talvez valesse para um ‘juiz preparador’ nunca para um ‘juiz julgador’. Ademais, o ‘princípio da ação’, do ne procedat judex ex officio, impede e, na prática, desaconselha o magistrado na fase adminis-trativa de colher provas, como o desaconselha a ajuizar ações penais de o-fício. Esse não é o papel institucional e constitucional reservado ao magis-trado.

Diante destas peculiaridades, entendemos que o juiz, no processo cautelar,

em persecução penal ou até mesmo antes da entrega da prestação jurisdicional, se

vê em papel de garantidor de direitos fundamentais, de modo que sua atuação deve

ser a mais isenta possível. Assim entendido, qualquer ato sem a provocação das

partes no jogo processual penal, gera um desequilíbrio na balança da paridade de

199

Citação feita por Maurício Corrêa, ao votar na Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 1570-2, que tramitou perante o Su-premo Tribunal Federal. In BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ação direta de inconstitucionalidade nº 1570-2. Requerente: Procurador-Geral da República. Requerido: Congresso Nacional. Relator: Maurício Corrêa. Brasília, Ementário nº 2169-1, Diá-rio de Justiça de 22.10.2004;

126

armas, fazendo com que uma das partes saia prejudicada. Portanto, entendemos,

neste cerne específico, que muito embora haja a participação do Juiz na relação

processual, este não é parte, mas sim o fiel da balança que somente deve agir após

a provocação por um pedido inicial, oportunamente contestado pela parte contrária e

finalmente julgado pelo Magistrado competente, após uma necessária instrução.

Portanto, sob esta ótica, válida a afirmativa de EUGÊNIO PACELLI200 ao

pontuar que:

A perspectiva teórica do CPP era nitidamente autoritária, prevalecendo sempre a preocupação com a segurança pública, a Constituição da Repú-blica de 1988 caminhou em direção diametralmente oposta. [...] A nova or-dem passou a exigir que o processo não fosse conduzido prioritaria-mente, como mero veículo de aplicação da lei penal, mas, além e mais que isso, que se transformasse em um instrumento de garantia do in-divíduo em face do Estado. (sic. grifo nosso)

E sobre a assertiva de que o magistrado poderia decretar medidas assecu-

ratórias ex officio, a última ressalva que se faz é que não caberia neste desiderato, a

menção de que o Juiz é incumbido de tutelar os interesses públicos, de forma que

seria autorizada sua participação sem a provocação das partes na concessão das

medidas de urgência em Processo Penal. Neste caso, um exercício mnemônico a-

cerca da finalidade e da natureza jurídica das medidas cautelares reais por si só já

colocaria óbice na atuação do Juiz201: isso porque as medidas assecuratórias na sua

acepção pura e finalidade estrita, não contemplam interesse público. Servem para

salvaguardar interesse da vítima e do ofendido para a reparação do dano causado

pela atividade criminosa, interesse eminentemente particular, como veremos no es-

tudo da hipoteca legal e no arresto de bens202.

Note-se, outrossim, quando muito não se era recomendável a decretação de

medida cautelar ex officio, com o advento da Lei n. 11.403/2011, que alterou o capí-

tulo das medidas cautelares no Código de Processo Penal, o §2o, do artigo 282 ve-

dou a atuação de ofício do Juiz quando não instalada a ação penal, sendo que so-

200

OLIVEIRA, Eugênio Pacelli. Curso de Processo Penal.17.ed. revista e ampliada. São Paulo: Atlas, 2013, p. 8-9; 201

Pondera ainda Eugenio Pacelli que: “Para variar, a legislação brasileira ignora os mais elementares princípios do pro-cesso penal moderno. O juiz não é o senhor da persecução penal. Suas altíssimas e relevantes funções não são com-patíveis com a defesa de interesses preferencialmente acusatórios. Julgamos inválidas todas as normas que permitem ao magistrado a decretação de quaisquer cautelares de ofício, se na fase de investigação. Nessa fase, de inquérito policial ou de espécie de investigação administrativa, o juiz sempre deverá atuar como juiz das garantias individuais, zelando pela correta aplicação da lei e da tutela dos interesses individuais na administração da justiça”. In OLIVEIRA, Eugênio Pacelli. Curso de Processo Penal.17.ed. revista e ampliada. São Paulo: Atlas, 2013, p. 840; 202

Neste sentido, LEITE, Larissa. Medidas patrimoniais de urgência no processo penal. Implicações teóricas e práticas. Rio de Janeiro: Revan, 2010, p. 192;

127

mente poderá deferir os requerimentos das partes sobre as medidas cautelares reais

e pessoais. Destacam MARCO ANTONIO MARQUES DA SILVA E JAYME WAL-

MER DE FREITAS203 a este teor que:

Importante consignar que o juiz só poderá agir ex officio quando a ação pe-nal estiver em curso. Equivale dizer, durante o inquérito policial ou investi-gação criminal, o juiz somente deferirá pedidos cautelares, mediante provo-cação, ou representação da autoridade policial ou requerimento do Ministé-rio Público.

Dessa alteração, extrai-se que melhor, portanto, que o juiz zele pela preser-

vação dos direitos fundamentais do acusado e da sociedade, conciliando tais inte-

resses, mantendo-se equidistante de qualquer atividade relacionada à determinação

de medidas de urgência de ofício.

5.2 MEDIDAS ASSECURATÓRIAS NO PROCESSO PENAL

Por uma concepção clássica da doutrina das medidas assecuratórias, en-

tende-se que tratam-se das medidas cautelares reais, que versam sobre bens patri-

moniais, dividindo-se nas modalidades de sequestro, arresto e hipoteca legal, cujo

objetivo fundamental destas medidas seria acautelar os interesses das partes no

processo, assegurando um resultado útil, possibilitando o ressarcimento do ofendido

ou a reparação civil do dano causado pela infração penal. Não se trata, como já dis-

semos, de uma medida de antecipação da tutela final do processo principal. Sua

função se destaca pelo aspecto eminentemente preventivo, que se destina a evitar

danos que a tramitação morosa do processo poderia vir a causar.

O Título VI, do Código de Processo Penal, prescreve entre os artigos 125 a

144-A, as modalidades de medidas assecuratórias, assinalando MARCO ANTONIO

MARQUES DA SILVA E JAYME WALMER DE FREITAS204, que tais medidas reper-

cutem dentro das questões e processos incidentes: “como meio de assegurar a futu-

ra reparação do dano sofrida pelo ofendido e, depois, ‘ao pagamento de despesas

processuais e penais’”.

203

SILVA, Marco Antonio Marques da. FREITAS, Jayme Walmer. Código de processo penal comentado. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 435; 204

idem, p. 228;

128

Acontece que, com o crescimento das investigações e o surgimento de no-

vas modalidades de crimes, especialmente daquelas que se inserem na criminalida-

de globalizada, tais como os chamados crimes de colarinho branco, crime organiza-

do, a lavagem de dinheiro, o narcotráfico, etc., e diante das intricadas formas de prá-

tica destes delitos desenvolvidas pelos criminosos, passou a ser necessária a ex-

pansão das medidas assecuratórias para além das funções comuns, assumindo no-

va roupagem, que toma corpo no artigo 5º, inciso XLV da Constituição da República.

Neste contexto, a Lei permitiu, de maneira expressa, que as medidas asse-

curatórias se estendessem ao perdimento de bens (confisco penal), o sequestro com

a posterior destinação do bem (alienação judicial), atribuindo-lhes natureza eminen-

temente pública. Aqui, nitidamente se faz a atribuição de funções ínsitas da busca e

apreensão para que, como coloca GUILHERME DE SOUZA NUCCI, evitar que o

acusado obtenha lucro com a prática criminosa205, aplicando-se as medidas assecu-

ratórias a “tudo o que é produto direto do crime ou é interessante à prova da infração

penal [...]”206.

Isso permitiu que as medidas assecuratórias deixassem de ser instrumentos

para a reparação de danos, e adentrasse na seara dos instrumentos de obtenção da

prova criminal. Neste sentido, LARISSA LEITE207 coloca que:

Essa gama de possibilidades permite a referência de que o processo Penal congloba não só ações condenatórias, mas também constitutivas e declara-tórias. A despeito da discussão já apresentada, registra, também, ações e-xecutivas e cautelares, podendo estas últimas, ter finalidades diversas: as-segurar a existência de elementos de prova previstos como relevantes para a instrução; adotar medidas voltadas a promover a segurança social ou ga-rantir o resultado útil do processo, na hipótese da acusação ser julgada pro-cedente.

No entanto, como esboçamos a pouco, essas medidas assecuratórias que

invadem a seara patrimonial do averiguado/investigado/acusado, deve ser jurisdicio-

nalizada, respeitando-se a possibilidade de refutá-las, assegurando a defesa e o e-

xercício dos direitos e garantias fundamentais, a teor do artigo 5º da Constituição da

República: “ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido pro-

cesso legal”, implicando tal assertiva na necessária observância dos basilares cons-

205

NUCCI, Guilherme de Souza. Código de processo penal comentado. 8.ed. revista, atualizada e ampliada. São Paulo: Revis-ta dos Tribunais, 2008, p. 314; 206

NUCCI, Guilherme de Souza. Op. cit. p. 325; 207

LEITE, Larissa. Medidas patrimoniais de urgência no processo penal. Implicações teóricas e práticas. Rio de Janeiro: Revan, 2011, p. 161;

129

titucionais do contraditório e a ampla defesa (inciso LV, do artigo 5º), a presunção de

inocência (inciso LVII, do artigo 5º), a fundamentação das decisões judiciais (inciso

IX, do artigo 93), dentre outros, tais como a proibição de excesso, a razoabilidade, a

intimidade, etc.

Diante deste quadro, no que concerne às medidas assecuratórias em espé-

cie, analisaremos à frente quando do comparativo instalado entre as medidas no

âmbito do Processo Penal e na Lei de Lavagem de Capitais.

5.3 AS MEDIDAS ASSECURATÓRIAS E A VERDADEIRA MENS LEGIS DA LEI DE

LAVAGEM DE CAPITAIS

Como consignamos, com os avanços da criminalidade organizada, em espe-

cial ao crime de lavagem de capitais, a necessidade de especialização da legislação

ao combate desta prática e a adequação de medidas de investigação, ensejou subs-

tancial modificação no que tange à natureza e finalidade das medidas assecurató-

rias.

Essa modificação decorreu de esforços empreendidos para alinhar a legisla-

ção brasileira aos instrumentos internacionais de repressão ao crime organizado

(Convenção da ONU de Palermo sobre a Criminalidade Organizada Transnacional,

2000, Convenção da ONU de Mérida sobre Corrupção, 2003, e Convenção do Con-

selho da Europa de Varsóvia sobre Lavagem de Valores, 2005), que impunham co-

mo principal meio de repressão e prevenção da Lavagem de Capitais o chamado

“esvaziamento patrimonial”, ou mais propriamente, o confisco penal dos bens dos

supostos lavadores. Nesse sentido, ilustra GUY STESSENS208, que o confisco penal

é a maneira legítima que os ordenamentos jurídicos penais vislumbraram para con-

208

Em tradução livre: Because the classic tools of the criminal law were perceived to have failed in the fight against organised crime, legislators - with those from the United States in the front rank - considered the confiscation of the proceeds of crime and the incrimination of money laundering as new, more effective tools for tackling the problem of organised crime. These instru-ments are part of a new strategy against organised crime which is aimed at the structures of organised crime, rather than at deterring individuals from taking part in organised crime. This strategy is directed at the crucial function of organised crime: making money. By taking away the proceeds from crime and by making it more difficult to launder its proceeds, law enforcement authorities not only take away the incentive for organised crime, but, more importantly, seek to disrupt the functioning of organ-ised crime itself. Organised crime groups depend on cash and assets to function just as much as their legitimate counterparts do. (sic.). In: STESSENS, Guy. Money Laundering. A new international law enforcement model. Cambridge: Cambridge Univer-sity Press, 2000, p. 9-10;

130

ter a criminalidade moderna e as empresas do crime organizado, que tem como es-

copo único, o lucro, a rentabilidade de suas ações.

Esses esforços internacionais foram empreendidos com o intuito de se bar-

rar as investidas das organizações criminosas atacando de maneira frontal seu po-

derio, que no caso, se resumiria ao seu capital: seu dinheiro, seus bens, direitos e

valores obtidos por meios de atividades criminosas. Afigura neste sentido FAUSTO

MARTIN DE SANCTIS209 que nos moldes da necessidade do combate à criminali-

dade exacerbada deveriam ser flexibilizados os Direitos e Garantias Fundamentais:

Não se pode, pois, tratar o tema sob o viés puramente econômico, mas tra-balhar para asfixiar as organizações criminosas, tolhendo-lhes o que lhes proporcionam mobilidade e dinamicidade, permitindo o continuísmo e a ri-queza ilícita sem precedentes. A degradação subjetiva coletiva decorrente do mundo atual, que tem na economia o valor mais relevante, jamais pode nos constituir em um número, sem que se faça um pensamento crítico tão indispensável. A postura dos indivíduos e dos movimentos sociais legítimos deve ser a de se pautar por uma ética que obrigue à obediência às regras básicas da convivência, cujo enfrentamento por vias paralelas representa verdadeira ruptura dos direitos “postos” e “pressupostos”.

No entanto, a tratativa do confisco penal possuía roupagem absolutamente

diversa do que preconizavam estes instrumentos internacionais.

A saída então encontrada pelo legislador para a adequação da Lei de Lava-

gem aos instrumentos internacionais foi a expansão das medidas de urgência con-

sagradas no ordenamento jurídico processual penal, permitindo-se expressamente

que as medidas assecuratórias, que anteriormente tinham caráter de assegurar o

resultado útil da ação penal, passassem a constituir um dos principais meios de ob-

tenção da prova criminal, e principalmente, como meio de repressão penal no âmbito

da lavagem de capitais. Neste prisma, FERNANDO DA COSTA TOURINHO NE-

TO210 afigura no âmbito das medidas assecuratórias que:

Uma das formas mais eficazes de se combater o crime organizado é a constrição patrimonial, impedindo o uso dos recursos amealhados ilicita-mente, sob pena de somente substituir os membros da quadrilha por outros, bem como ser notório que aqueles que vivem do crime dissimulem seu pa-trimônio de diversas maneiras, inclusive registrando bens em nome de ter-ceiros, geralmente familiares e companheiras.

Deste entendimento, verifica-se que a mentalidade judiciária deixa a concep-

209

SANCTIS, Fausto Martin de. Crime organizado e lavagem de dinheiro. Destinação dos bens apreendidos, delação premiada e responsabilidade social. São Paulo: Saraiva, 2009, p. X. 210

Tribunal Regional Federal da 1a Região. Apelação Criminal n. 0023603-93.2012.4.01.3500/GO. Relator Desembargador Tourinho Neto. Julgado em 05.11.2012. Publicado em e-DJF1 p.715 de 16/11/2012;

131

ção clássica do Processo Penal Cautelar e adentra uma modalidade sem preceden-

tes de verdadeira Repressão Penal pela constrição dos bens do acusado de lava-

gem, permitindo que durante o inquérito ou processo em curso, de onde se apre-

ende tudo aquilo que não se pode comprovar a licitude, mesmo que não seja inte-

ressante ao processo. Aliás, esta manobra veio de ajunte com as 40 Recomenda-

ções do GAFI211, que regularia os meios pelos quais os países membros e observa-

dores deveriam conduzir a repressão penal. Neste pensar, complementa MARCO

ANTONIO DE BARROS212, pontuando que:

Uma das principais finalidades da Lei de Lavagem é a de conferir ao poder público incumbido do exercício da persecução penal os instrumentos legais necessários à recuperação de ativos sujos, de bens e direitos, que tenham sido obtidos por criminosos mediante práticas delituosas. O que se quer im-pedir é que o lavador desfrute do produto ilicitamente conquistado ou dos rendimentos que este possa lhe proporcionar. Sabe-se que as medidas as-securatórias visam garantir a preservação das coisas, a fim de que elas não se deteriorem, desapareçam, ou sejam utilizadas para fins contrários aos do interesse da Justiça. Por isso o legislador autoriza ao juiz decretar as me-didas assecuratórias de bens, direitos ou valores do investigado ou acu-sado, ou existentes em nome de interpostas pessoas que sejam instru-mento ou proveito de crimes de lavagem ou de infração penal antecedente.

E complementando esse sentido, DANILO FONTENELE SAMPAIO CU-

NHA213 implementa que:

Tais medidas contemplam, a um só tempo, a necessidade de preservação dos bens com os cuidados do Estado, bem como transmitem à sociedade um aspecto pedagógico, fomentado principalmente nos mais jovens a lição de que nenhuma vantagem é preservada para quem age ilicitamente [...].

Mas a dúvida que sobressai desta questão é que, no Estado Democrático de

Direito ao qual vivemos, seria constitucional a deturpação destas tutelas de urgên-

cia, que serviriam para assegurar o resultado útil da ação principal, permitindo que

seja reparado o dano causado à vítima ou ofendido, ou até mesmo para assegurar a

prestação pecuniária e custas processuais? E mais, tais medidas seriam recepciona-

211

3. Os países deveriam adotar medidas similares às previstas nas Convenções de Viena e de Palermo, inclusive medidas legislativas, a fim de que suas autoridades competentes possam confiscar os bens que tiverem sido lavados, os produtos da lavagem de dinheiro ou dos crimes antecedentes, bem como os instrumentos utilizados ou destinados a serem utilizados na prática destes crimes, ou bens de valor equivalente, sem prejuízo dos direitos dos terceiros de boa-fé. Tais medidas deveriam permitir: a) identificar, localizar e avaliar os bens sujeitos a confisco; b) adotar medidas preventivas, tais como o congelamento e a apreensão, a fim de impedir qualquer transação, transferência ou cessão dos referidos bens; c) adotar medidas para pre-venir ou evitar atos que prejudiquem a capacidade do Estado de recuperar bens sujeitos a confisco; e d) adotar quaisquer me-didas de investigação apropriadas. Os países podem considerar a adoção de medidas que permitam o confisco de tais produ-tos ou instrumentos sem que seja exigida uma condenação criminal, ou que exijam do criminoso a demonstração da origem lícita dos bens sujeitos possivelmente a confisco, desde que isto esteja de acordo com os princípios do seu direito nacional; 212

BARROS, Marco Antonio de. Lavagem de capitais e obrigações civis correlatas. 3. ed. revista, atualizada e ampliada. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013, p. 214; 213

CUNHA, Danilo Fontenele Sampaio. Medidas Cautelares. In BALTAZAR JÚNIOR, José Paulo; MORO, Sérgio Fernando (Org.). Lavagem de Dinheiro – comentários à lei pelos juízes das varas especializadas em homenagem ao Ministro Gilson Dipp. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007, p. 177;

132

das pelo devido processo legal?

Tais indagações que causam a indelével inquietude, pois poderia o Estado,

que adota um modelo de Estado Democrático de Direito, deturpar medidas que obe-

decem a um mandamento constitucional e utilizá-las de modo a restringir, suprimir e

liquidar o patrimônio do acusado sem que sejam obedecidos os basilares que seriam

comuns na aplicação típica das medidas de urgência. Como se viu e como se vê,

defende FAUSTO MARTIN DE SANCTIS214 que:

Impõe-se um tratamento diferenciado à criminalidade organizada, justificado pelo caráter de emergência na luta contra a prática de crimes que corroem os alicerces do próprio Estado de Direito, com inversão do ônus da prova da aquisição dos bens apreendidos, sequestrados ou arrestados, além da ad-missibilidade de meios de prova como ação controlada, infiltração, delação premiada, interceptação telefônica, de dados e ambiental, fatos já assimila-dos e superados nos debates internacionais.

Essa maneira de “combate ao crime” todavia, ao nosso ver, trata-se de ma-

nobra evidente para tentar burlar o mandamento constitucional e permitir sejam em-

preendidos os esforços para a contenção da criminalidade, de maneira irrestrita, es-

tabelecendo critérios de combate à criminalidade que beiram o Direito Penal do Ini-

migo, previsto e textualizado por GÜNTHER JAKOBS.

Entendemos, nesta senda, que o legislador deturpou o sentido das medidas

assecuratórias na Lei de Lavagem e Capitais, para permitir que seja imposta uma

punição objetiva e antecipada ao acusado de lavagem, através da manutenção da

constrição absoluta de seus bens, mesmo que não haja decisão condenatória, ou

até mesmo provas de que teria efetivamente praticado o crime. Neste sentido, essa

deturpação das medidas assecuratórias veio como principal instrumento de repres-

são do crime de Lavagem de Capitais, sendo levado a cabo pelo legislador como um

dos instrumentos mais inovadores da contenção do crime organizado, alinhando a

legislação à nova ordem mundial no combate ao crime organizado.

É indiscutível que a opção do legislador gerou uma ampliação das medidas

assecuratórias e tornou a mens legis, o espírito da Lei de Lavagem de Capitais a

criação de instrumentos de punição do acusado no processo, retirando-lhe seus

bens, direitos e valores, e engendrando-o em uma celeuma sem previsão para finali-

zação, onde ainda se permite ao Estado que se aproprie deste capital, acaso não

214

SANCTIS, Fausto Martin de. Op. cit. p.9;

133

provado pelo acusado a licitude da sua aquisição.

No entanto, não se poderia permitir que o Estado, como garantidor de Direi-

tos fundamentais individuais, estabelecesse regras de combate à criminalidade que

travam verdadeiro embate com os princípios informadores do Estado Democrático

de Direito que adota, unicamente para alinhar a sua legislação ao contexto mundial.

Como já dissemos antes, esquecem-se os legisladores que antes mesmo do Brasil

ser signatário de tratados e convenções internacionais para a repressão do crime de

lavagem de dinheiro e o crime organizado em geral, se comprometeu a assegurar os

direitos e garantias fundamentais dos cidadãos. IVES GANDRA DA SILVA MAR-

TINS215 assevera neste teor que:

O artigo 4o segue a mesma linha de restrição absoluta do direito de ampla

defesa, pois outorga ao Ministério Público o direito de pedir medidas asse-curatórias para bloquear os bens do cidadão, empresa, instituição financeira ou oficial, com o risco de sua paralisação [...] o que vale dizer, o artigo 5

o,

inciso LV, da Constituição Federal, cuja dicção é a seguinte: “LV. aos litigan-tes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes” (grifos meus), é absolutamente violentado!!! Em outras pala-vras, a “ampla defesa” a que se refere o legislador, é retirar os bens suspei-tos e só devolvê-los se a suspeita não se comprovar, mesmo que tal ato possa implicar a falência da empresa ou a paralisação completa dos negó-cios lícitos do acusado injustamente!!! (sic).

Reforçando este enfoque, LARISSA LEITE216, pondera ainda que:

Não se admite que essas medidas processuais sejam utilizadas como forma de repressão e/ou prevenção de crimes, uma vez que estas são funções propriamente destinadas à pena criminal. [...] Não há como admitir essa pro-posta ou outras semelhantes, diante de um sistema constitucional que preza pela Presunção de Não Culpabilidade, a valer que no curso do processo, nenhuma medida pode ser entendida como forma de repressão ao crime, já que, como anota Winfried Hassemer, contra “mafiosos não é mais necessá-rio se investigar, para isso existem a condenação e a execução da pena. A falsa retórica dissemina uma legitimação para as investigações estatais e deteriora, a longo prazo, o discurso público”.

Dito alhures, reforcemos que não se pode deturpar o sentido e a utilidade de

instrumentos consagrados em processo penal e impingir-lhes finalidade repressiva,

traduzindo uma antecipação de punição pelo intermédio da manutenção do pro-

cesso. Lembrando que problemas estruturais, ou a necessidade de combate à crimi-

nalidade jamais poderiam servir de arremedo para a supressão de direitos constitu-

215

MARTINS, Ives Gandra da Silva. A esdrúxula lei de lavagem de dinheiro. Revista CEJ, V. 2, nº 5, mai/ago 1998. Brasília-DF: Conselho da Justiça Federal – Centro de Estudos do Judiciário, 1998, p. P. 7/8; 216

LEITE, Larissa. Medidas patrimoniais de urgência no processo penal. Implicações teóricas e práticas. Rio de Janeiro: Reno-var, 2011, p. 455-456;

134

cionalmente assegurados.

Por essas razões, primordial seja reconhecida a inconstitucionalidade do ins-

tituto em análise, assim como é imperioso que temas dessa natureza sejam discuti-

dos com responsabilidade democrática, pois melhor seria a criação de uma lei que

coadunasse com o Estado Democrático de Direito, que preservaria o dever de acu-

sar, em igualdade de condições com o Direito de Defesa, assegurando o contraditó-

rio e a amplitude de defesa, com o fim de se assegurar a paridade de armas e evitar

arbitrariedades.

5.3.1 O panorama atual dos processos de lavagem de capitais: o devido processo

legal face o interesse da manutenção das medidas assecuratórias no processo pe-

nal kafkiano

Muito embora a criminalidade exacerbada deva ser contida, não se discorda

quanto à existência de uma ordem superior irradiada pela Constituição da República,

e mais ainda, de um supra-princípio que enraíza o Estado Democrático de Direito,

quer seja a dignidade da pessoa humana. Com base nestes ordenamentos, é impor-

tante buscar suas evocações quanto ao poder de punir e a cláusula do devido pro-

cesso legal, com todas as suas vertentes, quando trata o Legislador de deturpar os

instrumentos processuais consagrados para um fim (escuso) proposto.

Superpoderes outorgados às autoridades públicas, a punição objetiva pela

manutenção do processo e da constrição dos bens dos envolvidos, a manutenção

de expedientes secretos, a imposição da obrigação de comprovar que seus bens,

direitos ou valores foram adquiridos de maneira lícita, a falta de imposição de um

prazo de duração das medidas de constrição, a falta de previsão de recursos à defe-

sa, a quebra dos critérios da razoabilidade e a violação dos basilares da presunção

de inocência e do devido processo legal, fazem com que o processo penal de lava-

gem de capitais assumam uma concepção verdadeiramente kafkiana, na sua con-

dução.

135

Lembrando a célebre frase de OSCAR WILDE217, onde “a vida imita a arte

muito mais do que a arte imita a vida”, verifica-se que pela criação da Lei de La-

vagem de Capitais, o legislador recriou o processo kafkiano com todas as suas nu-

ances. Assim expomos, pois na obra de FRANZ KAFKA218, seu personagem princi-

pal “...vivia em um Estado de Direito, reinava a paz em toda parte, todas as leis es-

tavam em vigor, quem ousava cair de assalto sobre ele em sua casa?”.

Esse fragmento revela a fragilidade do condão da Dignidade da Pessoa

Humana e do Estado Democrático de Direito, quando se age pela emergência. Vive-

se, portanto, dois Estados Democráticos de Direito: um deles para os cidadãos co-

muns, ordeiros e cumpridores de seus deveres, aos quais são assegurados os direi-

tos e garantias fundamentais, compondo o equilíbrio de Direitos com o Poder Públi-

co; e outro, aplicável àqueles que se presume membros de organizações crimino-

sas, lavadores de capitais, etc., dos quais o Poder Público se incumbe, através da

Lei, assegurar que aquele acusado seja considerado culpado antes mesmo da ins-

tauração da relação processual.

Fazemos questão de instalar essa dicotomia entre o Processo Penal e o

Processo Penal da Lavagem de Capitais, porque uma breve leitura do versado na

Lei n. 9.613/09, alterada pela Lei n. 12.683/12, revela a imposição de um processo

onde o indivíduo acusado é tratado como mero objeto, como um mal necessário pa-

ra o Estado se apropriar dos bens do malfadado crime organizado, impondo meios e

mais meios, restrições e mais restrições, que aproximam o Estado dos bens dos su-

postos lavadores, na mesma medida e proporção que afasta o acusado do seu direi-

to de propriedade e do devido processo legal.

Necessário, outrossim, que se ressalte o risco para a solidificação do Estado

Democrático de Direito a permanência deste sistema tal qual vivenciamos hoje con-

siderando que este desequilíbrio inicial facilita as arbitrariedades e excessos. Como

já dissemos, se permite ao Magistrado a decretação ex officio de medidas cautelares

reais, dando-lhes amplos e gerais poderes de cautela sobre os bens direitos e valo-

res do suspeito. São instaurados procedimentos secretos, onde a defesa somente

toma conhecimento quando já se perpetraram todas as medidas de constrição. So-

217

WILDE, Oscar. Pen Pencil and Poison: A Study in Green. Montana: Kessinger Publishing Company, 2004; 218

KAFKA, Franz. O Processo. Tradução e posfácio de Modesto Carone. Ed. de Bolso. São Paulo: Companhia das Letras, 2005, p. 10;

136

mente se possibilita a defesa ao acusado para lhe atribuir o ônus da prova, com o

fim de comprovar que adquiriu aqueles bens de forma lícita, e se não aceito, a parte

pode recorrer sem efeito suspensivo, ou seja, admite-se uma atuação estatal absolu-

tamente arbitrária, sem que haja qualquer paridade de armas. Entendemos, contudo,

que esta maneira de agir não coaduna em ponto algum com o Estado Democrático

de Direito, colocando em evidência uma temerária moção em prol do Direito Penal

do Inimigo, onde o acusado seria punido pelo seu modo de ser, por suas caracterís-

ticas, e não pelo desvalor das suas atitudes219, transformando o processo em um

meio de instrumentalizar a punição, do qual, como colocou FRANZ KAFKA220: “Ter

um processo desses já significa tê-lo perdido” (grifo nosso).

Ironicamente, um livro literato, uma obra de ficção, que faz alusões a situa-

ções hipotéticas a um Estado de Direito onde seu protagonista responde a um pro-

cesso secreto, indefensável, violador de todos os direitos e da sua dignidade huma-

na, punitivo da maneira mais voraz, descrito como uma ficção, se assemelhe as-

sombrosamente com a realidade, como a que vemos nos processos de Lavagem de

Capitais. Essa semelhança, diz respeito ao aviltamento (não encontramos outro ad-

jetivo mais próprio), de dois principais Direitos fundamentais norteadores da relação

jurídica paritária em armas: o devido processo legal, com seus corolários do contra-

ditório e da ampla defesa.

5.3.1.1 O devido processo legal

O inciso LIV, do artigo 5o da Constituição da República surgiu como inspira-

ção da 5a e 14a Emenda da Constituição dos Estados Unidos da América, que pre-

conizava a garantia aos preceitos vida-liberdade-patrimônio, estabelecendo-se o due

process of law para atingir quaisquer desses bens, deverá ser respeitado. Isso quer

dizer que qualquer restrição a direitos e garantias fundamentais, deve ser feita na

forma da Lei, observando o ordenamento constitucional.

219

JAKOBS, G nther; MELIÁ, Manuel Cancio. Direito Penal do Inimigo: noções e críticas. org. e trad. André Luís Callegari, Nereu José Giacomolli. 3. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2008. 220

KAFKA, Franz. O Processo. Tradução e posfácio de Modesto Carone. São Paulo: Companhia das Letras, 2005, p. 99;

137

Desse corolário, ROGÉGIO LAURIA TUCCI221 ainda pondera que na verten-

te do devido processo penal, necessariamente são asseguradas as garantias:

a) de acesso à Justiça Penal; b) do juiz natural em matéria penal; c) de tra-tamento paritário dos sujeitos parciais do processo penal; d) da plenitude de defesa do indiciado, acusado, ou condenado, com todos os meios de recur-sos a ela inerentes; e) da publicidade dos atos processuais penais; f) da motivação dos atos decisórios penais; g) da fixação de prazo razoável de duração do processo penal; e h) da legalidade da execução penal.

Mas em linhas gerais, o Sistema Penal Constitucional em vigência permite a

supressão ou a flexibilização de Direitos e Garantias Fundamentais em nome da re-

pressão Penal? A presunção que se deve ter do acusado é a de que este é culpado

das acusações? Pode ser imposto ao acusado, que no interesse de punir do Estado,

este tenha que provar sua inocência? A resposta a todas estas indagações é negati-

va, sendo certo que não se pode, no regime jurídico do Estado Democrático de Di-

reito brasileiro, fazer com que o acusado tenha que não somente demonstrar sua

inocência, mas sim, fazer prova ao seu favor, sob pena de não o fazer, ser conside-

rado culpado.

Partindo deste ponto, o processo de Lavagem de Capitais revigora a antiga

acepção do sistema de busca da verdade real, onde os meios empregados justifica-

riam os fins, revitalizando o sistema inquisitivo, assegurando que haja uma dispari-

dade intencional entre acusação e defesa, permitindo que a defesa seja tolerada,

enquanto à acusação são dados todos os permissivos legais, todos os instrumentos

de persecução, para localizar, restringir, e requerer o confisco. A este teor, FRANZ

KAFKA222 mais uma vez é preciso ao descrever esse sistema inquisitorial:

[...] a lei não prescrevia que [o processo] fosse público. Em consequência, os documentos do tribunal, sobretudo o auto de acusação, permaneciam i-nacessíveis ao acusado e à sua defesa, por isso, geralmente não se sabia, ou pelo menos não se sabia com precisão, contra o que a primeira petição precisava se dirigir, de forma que só por acaso ela continha, em verdade, algo de relevante para a causa. Petições de fato acertadas e probatórias só se podem elaborar mais tarde, quando, no curso dos interrogatórios do acu-sado, emergem mais nítidos, ou podem ser adivinhados, os itens isolados da acusação e seus fundamentos. Nessas circunstâncias, a defesa está e-videntemente numa situação muito desvantajosa e difícil. Mas também isso é intencional. A defesa, na verdade, não é admitida pela lei, apenas tole-rada, e há controvérsia até mesmo em torno da pertinência de deduzir essa tolerância a partir das respectivas passagens da lei (grifo nosso).

221

TUCCI, Rogério Lauria. Direitos e garantias individuais no processo penal brasileiro. Atualizado com a Lei da Prisão(Lei 12.403/2011). 4

a Ed. Revista, atualizada e ampliada. São Paulo: revista dos Tribunais, 2011, p. 66;

222 KAFKA, Franz. O Processo. Tradução e posfácio de Modesto Carone. Ed. de Bolso. São Paulo: Companhia das Letras,

2005, p. 116-117;

138

No Estado Democrático de Direito que vivemos, o devido processo legal não

se trata de uma mera cláusula de condição processual. Estabelece uma relação de

primazia da liberdade individual, e aqui entenda-se liberdade em sentido amplo, na

possibilidade de ser portador e legítimo possuidor de seus bens, sendo esta cláusula

de eficácia cogente face ao poder estatal. Manifestando a mudança das bases em

que se assenta atualmente o devido processo legal que compõe o rol dos direitos

fundamentais pondera ADAUTO SUANNES223 que: “o due processo of law [...] tem

como supedâneo certos princípios que dizem, acima de tudo, com a dignidade da

pessoa humana, e não com a segurança do Estado”.

Assim, a garantia ampla do devido processo legal inscrito no rol dos direitos

e garantias fundamentais – no inciso LIV, do artigo 5º da Constituição da República

– é uma cláusula aberta que deverá, a cada novo avanço da democracia, recepcio-

nar valores ínsitos a este regime os quais repercutirão em um novo processo penal.

Por isso, entendemos que estas disposições não poderiam ser recepciona-

das pela ordem constitucional vigente, ao passo que estas disposições violam de

modo frontal a garantia do devido processo legal, ou do devido processo penal, pois

fulminam o direito à defesa, assegurando que sempre haja um desequilíbrio na pari-

dade de armas, permitindo que o Estado saia sempre vencedor, quer pela manuten-

ção da constrição sobre os bens, quer pela possibilidade do confisco. A este teor,

finalizamos esta disposição alertando ao que FRANZ KAFKA224 dizia sobre O Pro-

cesso:

O que se quer é excluir o mais possível a defesa, tudo deve recair sobre o próprio acusado. No fundo não é um ponto de vista errôneo, mas nada seria mais falho que concluir disso que, nesse tribunal, os advogados são des-necessários ao réu. Pelo contrário, em nenhum outro eles são tão necessá-rios como neste. Pois em geral o processo não é secreto somente em rela-ção ao público, mas também em relação ao acusado. Evidentemente, só até o ponto em que isso é possível, mas isso é possível numa medida muito ampla. Na verdade, o próprio acusado não tem acesso aos documentos do tribunal e é muito difícil deduzir dos inquéritos os autos que fundamentam, sobretudo para o acusado, que está confuso e às voltas com todas as preo-cupações possíveis que o dispensam.

223SUANNES, Adauto. Os fundamentos éticos do devido processo penal. 2.ed. revista e atualizada. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, p. 279; 224

KAFKA, Franz. O Processo. Tradução e posfácio de Modesto Carone. Ed. de Bolso. São Paulo: Companhia das Letras, 2005, p. 118;

139

5.3.1.2 O contraditório e ampla defesa face à decretação de medidas assecuratórias

no âmbito da lei de Lavagem de Capitais

Com lastro na Constituição Federal, o Processo Penal é prescrito como um

instrumento de Justiça social que revela uma qualidade essencial no regime demo-

crático, consubstanciando o contraditório e a amplitude de defesa como seus enun-

ciados principais na relação processual, pois consistem em meios de frear a arbitra-

riedade advinda do poder de punir do Estado.

Pelos corolários do Contraditório e da Ampla Defesa, dispõe-se que aos a-

cusados em geral são assegurados os meios e recursos para efetuar a sua defesa,

abrangendo o direito de tomar conhecimento sobre toda a acusação que recai sobre

o acusado (incluindo medidas cautelares e questões prejudiciais) que integram o

processo principal, direito de formular requerimentos probatórios no âmbito da ação

e, ainda que questionável, na senda do inquérito policial, podendo se valer a defesa

de todo e qualquer meio ou recurso que possa fazer crer ao magistrado a improce-

dência da acusação que recai sobre o acusado, que é presumido inocente durante

toda a relação processual. Essa seria a paridade de armas, ou seja, assegurar ao

acusado os meios de combater o grande poderio estatal na persecução penal.

No entanto, na Lei de Lavagem de Capitais, como veremos, a situação mu-

da absolutamente de figura, na medida em que são assegurados ao Estado todos os

meios de adentrar ao patrimônio do suspeito (somente sendo necessário indícios de

autoria), e se aplicar uma gama de constrições que foram criadas para dificultar a

possibilidade do acusado reaver aqueles bens. Assegura-se ainda ao Poder Público

a possibilidade de se livrar dos bens de maneira antecipada, através do confisco,

aqui nominado do “inovador” instituto da alienação antecipada, permitindo ao Estado

a venda antecipada destes bens, servindo como autorização a mera alegação de

dificuldade na manutenção dos bens.

Mas daí poderia ser apontado que bastaria a defesa efetuar requerimentos

para combater esse poder estatal. Ocorre que à defesa, muito embora a constituição

assegure ao acusado a utilização de todos os meios e recursos, a situação na Lava-

gem de Capitais é absolutamente diversa.

140

Em primeiro momento, verifica-se o procedimento de medidas assecurató-

rias é eminentemente sigiloso, tramitando entre Ministério Público e Juiz. A defesa

somente toma conhecimento do ocorrido quando da constrição dos bens, pois como

assinala FAUSTO MARTIN DE SANCTIS225:

O que se visa com o direito à ampla defesa, e aí se insere o “acesso a au-tos”, é assegurar a paridade de armas no contraditório, consistente no direi-to de o investigado ter tempo e meios adequados para preparação da sua defesa. Entretanto, casos há em que se pondera o seguinte: a investigação diz respeito à macrocriminalidade econômica, em que são utilizados meca-nismos cada vez mais sofisticados visando burlar o controle dos sistemas financeiro e de fiscalização. É necessária, nestes casos, no mínimo, a ade-quada investigação, permitindo-se ao Poder Público o exame detalhado dos fatos desencadeados no procedimento investigatório, sendo imprescindí-veis os delineamentos dos métodos utilizados nos crimes transnacionais.

Complementa ainda FAUSTO MARTIN DE SANCTIS226, ponderando que

esta restrição da defesa em prol do combate à criminalidade:

Não significa, com este entendimento, obstaculizar o exercício da defesa, mas tão somente a preservação do interesse público, não se tratando de usurpação do direito de acesso a autos sigilosos, mas da apuração eficaz da verdade, evitando-se que a ciência prematura da investigação permita o desfazimento ou apagamento da prática delitiva, fase conhecida por recy-cling ou reciclagem. Repise-se: não se pretende vedar o direito dos advo-gados de acesso aos autos, e sim zelar pela persecução penal de forma a não prejudicar o andamento dos trabalhos. E isto somente é possível com constatação caso a caso, uma vez que, não se verificando diligências sigilo-sas em curso, o acesso tanto às ações criminais como os inquéritos polici-ais deve ser permitido em toda sua amplitude, possibilitando fotocópias, fo-tografias e, inclusive, o uso de scanner. [...] “É direito do defensor, no inte-resse do representado, ter acesso amplo aos elementos de prova que, já documentados em procedimento investigatórios realizado por órgão com competência de polícia judiciária, digam respeito ao exercício do direito da defesa”. A referida Súmula tem sido considerada temerária porque permite, teoricamente, aos advogados de investigados acesso pleno e irrestrito aos autos de inquéritos, ainda que, sigilosos, alterando os próprios normativos acima mencionados, notadamente a própria Constituição Federal (artigo 5º, inciso XXXIII), a Lei n. 8.906, de 04.07.1994 (EOAB), além do Código de Processo Penal (artigo 20). Não se pode prejudicar as investigações polici-ais, que devem chegar a um resultado útil. Por outro lado, é compreensível a preocupação dos advogados criminalistas, mas a ponderação, s.m.j., en-tre o interesse público e o interesse da defesa deveria ser tarefa do magis-trado no caso concreto.

Vê-se por essas afirmações que não se pode viabilizar à defesa o conheci-

mento das medidas cautelares, quiçá a possibilidade de refutar as constrições antes

de se concretizarem. E após a constrição, mesmo sem que se dê integral conheci-

225

SANCTIS. Fausto Martin de. Crime organizado e lavagem de dinheiro: destinação de bens apreendidos, delação premiada e responsabilidade social. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 25; 226

SANCTIS. Fausto Martin de. Crime organizado e lavagem de dinheiro: destinação de bens apreendidos, delação premiada e responsabilidade social. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 27 e 40/41;

141

mento à defesa da acusação que lhe recai, para que possa efetuar sua defesa, é

possível supor que semelhantemente ao personagem kafkiano, o investigado ouvirá:

“Quão difícil se torna para você colocar-se em sua verdadeira situação! Não

parece senão que todos os seus propósitos resumem-se em irritar-nos inutil-

mente”227. Esquece-se, neste aspecto, o que pondera MARCO ANTONIO MAR-

QUES DA SILVA228, para quem:

O devido processo legal [...] importa num amplo espectro de garantias que dele devem necessariamente para que se atenda a exigência do Estado Democrático de Direito. O tratamento das partes será sempre paritário, em razão do princípio da isonomia, pois perante o Estado-jurisdição, não pode haver parte com destaque de importância. Autor e réu têm, enquanto partes, os mesmos direitos e deveres (grifo nosso).

Vemos que na Legislação que trata da Lavagem de Capitais, tal isonomia, ou

até mesmo o devido processo legal, como elementos fundantes e norteadores do

Estado Democrático de Direito não são observados, pois o órgão acusador, ou até

mesmo o Juiz, tem poderes de requisição, de realização de diligências, de promoção

de devassas na vida daqueles que ainda não se instalou sequer a relação processu-

al, ou até mesmo que nem inquérito policial tenha contra si instaurado, tudo com o

escopo de reunir elementos probatórios, o que, para nosso entendimento, se resume

no ato de apenas retirar do acusado seus bens, direitos e valores até que prova ine-

quívoca da aquisição lícita sobrevenha, isso se quiser salvaguardar o bem, pois co-

mo dito anteriormente, este bem poderá ser vendido e seus proveitos depositados

em conta a critério do Juízo.

Daí, verificada a quebra da isonomia e da paridade de armas entre as partes

pelas atuais regras do Processo Penal na Lavagem de Capitais, o investigado deba-

te-se inutilmente desejando provar sua inocência. Semelhante ao que FRANZ KAF-

KA229 destacou ao escrever que:

O processo acaba de ingressar numa fase em que não se pode mais ofere-cer nenhuma ajuda, em que não se pode mais oferecer nenhuma ajuda, em que nele trabalham cortes judiciais inacessíveis, onde até o acusado já não é mais acessível ao advogado.

Pelas razões aqui expostas, não há dúvidas de que o Processo Penal no âm-

227

KAFKA, Franz. O Processo. Tradução e posfácio de Modesto Carone. Ed. de Bolso. São Paulo: Companhia das Letras, 2005, p. 43; 228

SILVA, Marco Antonio Marques da. Acesso à justiça penal e o Estado Democrático de Direito. São Paulo: Juarez de Oli-veira, 2001, p. 17; 229

KAFKA, Franz. O Processo. Tradução e posfácio de Modesto Carone. Ed. de Bolso. São Paulo: Companhia das Letras, 2005, p. 123;

142

bito da Lei de Lavagem de Capitais, fôra criado com o intuito de torná-lo indefensá-

vel, assegurando o Legislador, com a deturpação das medidas assecuratórias, que a

defesa ficasse em evidente desvantagem, permitindo ao Estado o controle sobre a

vida e os bens, direitos e valores do investigado, engendrando-o em um processo

kafkiano, que utiliza instrumentos criados por compromissos internacionais de com-

bate ao crime organizado, ao cidadão comum, que como suspeito do crime de lava-

gem, tem seus bens, direitos e valores arrestados, sequestrados, apreendidos, blo-

queados, permitindo-se ao Poder Público que paralise totalmente suas atividades

econômicas. Nesse sentido, como pondera IVES GANDRA DA SILVA MARTINS230:

Teria preferido uma lei especial, clara, em que o direito de defesa fosse pre-servado no mesmo nível em que se preservaria o dever de acusar, sem a-brir espaços à arbitrariedade, a oportunidade de confiscos para gáudio dos amigos do rei, no caso de arrestos de bens e empresas de pretensos sus-peitos.

Anote-se, outrossim, que essas práticas apenas servem para promover a

devassidão da vida profissional e pessoal do acusado, uma vez que somente se

permite a defesa em hipóteses restritas, o que, ao nosso ver, fere de morte os basi-

lares insculpidos nos incisos LIV e LV, do artigo 5o da Constituição da República ao

se permitir o controle da vida pessoal e profissional do suspeito de lavagem de capi-

tais fique ao alvitre do titular da ação penal e do Juiz de Direito.

230

MARTINS, Ives Gandra da Silva. A esdrúxula lei de lavagem de dinheiro. Revista CEJ, V. 2, nº 5, mai/ago 1998. Brasília-DF: Conselho da Justiça Federal – Centro de Estudos do Judiciário, 1998, p. 15;

143

6 AS MEDIDAS ASSECURATÓRIAS EM ESPÉCIE NA LEI DE LAVAGEM DE CA-

PITAIS

Art. 4º O juiz, de ofício, a requerimento do Ministério Público ou mediante representação do delegado de polícia, ouvido o Ministério Público em 24 (vinte e quatro) horas, havendo indícios suficientes de infração penal, pode-rá decretar medidas assecuratórias de bens, direitos ou valores do investi-gado ou acusado, ou existentes em nome de interpostas pessoas, que se-jam instrumento, produto ou proveito dos crimes previstos nesta Lei ou das infrações penais antecedentes.

Consagrada na literatura Processual Penal, as medidas assecuratórias são

instrumentos que visam assegurar o resultado útil da ação principal, em especial pa-

ra reparar o dano causado pela infração penal, seja no tocante ao ofendido, seja pa-

ra assegurar a prestação pecuniária que possa vir a ocorrer com a condenação do

acusado.

Entretanto, como assinalamos, a finalidade precípua da Lei de Lavagem de

Capitais é a de conferir ao Poder Público instrumentos de persecução que desequili-

brem a balança da paridade de armas em prol do Estado, assegurando que o sus-

peito de lavagem tenha constrito bens, direitos e valores no qual recaem a suspeita

de terem sido adquiridos com proveitos de atividades ilícitas, seja para assegurar

uma eventual reparação, que ao nosso ver não coaduna com a finalidade das medi-

das assecuratórias no âmbito da Lei de Lavagem de Capitais, seja para a imposição

da perda do bem produto da infração penal, ou adquirido com o proveito da infração

penal.

Aqui, implicamos mais um objetivo às medidas assecuratórias, que embora

parte da doutrina discorde veementemente de tal argumento, há de consignarmos e

tomarmos por posicionamento. Assim, há de se salientar que as medidas assecura-

tórias, ao passo da morosidade do processo penal, servem como meio de punição

ao acusado ao qual a medida é decretada, de forma que a constrição dos bens so-

mente será excetuada se demonstrada inequivocamente a idoneidade da sua aqui-

sição, ou então com o encerramento da ação penal com a absolvição do acusado.

Reportemos, outrossim, que a Lei 12.683/12 trouxe alterações ao texto ori-

ginário do artigo 4o, caput, da Lei 9.613/98, ampliando significativamente a incidên-

144

cia das medidas assecuratórias, abarcando sua possibilidade de decretação quando

houverem “indícios suficientes de infração penal”, permitindo ainda a sua incidência

e aplicação sobre os instrumentos do crime, em nome do acusado ou de interpostas

pessoas.

Também observe-se que a legislação anterior permitia que as medidas as-

securatórias de bens, direitos e valores, fossem decretadas no curso de inquérito ou

ação penal. No entanto, esta restrição desapareceu com a novel legislação, enten-

dendo-se que as medidas assecuratórias podem ser requeridas e decretadas antes

mesmo de se iniciar o inquérito policial.

A Lei ainda trouxe a hipótese da alienação antecipada que, muito embora

não se trate de instrumento inovador no âmbito do Processo Penal, não havia a pre-

visão na Lavagem de Capitais anteriormente ao advento da Lei 12.683/12.

As medidas assecuratórias previstas no Código de Processo Penal são: se-

questro de bens imóveis (artigos 125 a 131), sequestro de bens móveis (artigo 132),

especialização e registro de hipoteca legal (artigos 134 e 135), arresto de bens mó-

veis prévio à especialização da hipoteca e registro da hipoteca legal (artigo 136), e o

arresto subsidiário de bens móveis (artigo 137).

Ainda se verifica que com a redação anterior, previa-se a hipótese de busca

e apreensão como medida assecuratória. Porém, mesmo não mais havendo a men-

ção no verbete, ainda admite-se a busca e apreensão como uma medida assecura-

tória imprópria, na Lei de Lavagem de Capitais, assim como a questão da quebra do

sigilo bancário e eventual bloqueio de valores

Assim consignado, iniciamos o estudo individualizado das medidas assecu-

ratórias e demais instrumentos cautelares no âmbito da Lei de Lavagem de Capitais

6.1 BUSCA E APREENSÃO

A redação anterior do artigo 4o, da Lei n. 9.613/98, estabelecia que havendo

145

indícios suficientes, o juiz poderia, de ofício ou a requerimento, determinar a apreen-

são ou o sequestro de bens, direitos e valores. No entanto, a redação atribuída pela

Lei n. 12.683/12, apenas assinala a decretação de medidas assecuratórias de bens,

direitos ou valores do investigado, acusado, ou ainda no nome de interpostas pes-

soas. Essa alteração veio para que se possibilitasse uma gama maior de medidas

assecuratórias. Essa orientação veio da publicação do Regulamento Modelo Sobre

Delitos de Lavagem Relacionados com o Trafico Ilícito de Drogas e Delitos Conexos

aprovada em 23 de maio de 1992 pela Comissão Interamericana para o Controle ao

Abuso de Drogas da Organização dos Estados Americanos (CICAD/OEA), já preco-

nizava que no seu artigo quatro a aplicação de medidas cautelares para a apreen-

são de bens decorrentes de lavagem de dinheiro, onde se previu:

Conforme a lei, o tribunal ou a autoridade competente ordenará em qual-quer momento, sem notificação ou audiência prévia, uma ordem de restri-ção ou embargo preventivo, ou qualquer outra medida cautelar destinada a preservar a disponibilidade dos bens, produtos ou instrumentos relaciona-dos com o delito de tráfico ilícito ou os delitos conexos, para seu eventual confisco.

231

Consignemos, no entanto, que a busca e apreensão é uma medida que visa

atingir quaisquer instrumentos, documentos, objetos, além dos bens, direitos e valo-

res, concernentes à atividade ilícita, no caso do nosso estudo, da lavagem de capi-

tais. Diverge do sequestro, na medida em que a apreensão se procederá sobre os

objetos diretos do crime, e não dos bens, direitos e valores adquiridos com os pro-

ventos do crime, ou como explicam GUSTAVO HENRIQUE BADARÓ e PIERPAOL-

LO CRUZ BOTTINI232:

A expressão coisas “obtidas por meios criminosos” deve ser entendida no sentido do produto direto da infração (por exemplo: o carro roubado), não abrangendo o produto indireto (por exemplo: o carro comprado com o di-nheiro roubado do banco). No caso dos proveitos, a medida cabível será o sequestro de coisa móvel (art. 133 do CPP), embora não se possa descar-tar a possibilidade de apreensão quando interessar ao processo, por exem-plo, para fins probatórios.

Desta feita, a busca e apreensão, embora consista em um instrumento cuja

função precípua de obtenção da prova criminal, uma interpretação mais extensiva

sobre o artigo 240 do Código de Processo Penal, depreenderia uma finalidade aces-

231

Em tradução livre: “Conforme a derecho, el tribunal o la autoridad competente dictará en cualquier momento, sin notificación ni audiencia previas, una orden de incautación o embargo preventivo, o qualquier otra medida cautelar encaminada a preservar la disponibilidad de los bienes, productos o instrumentos relacionados con un delito de trafico ilícito o delitos conexos, para su eventual decomiso”; 232 BADARÓ, Gustavo Henrique; BOTTINI, Pierpaolo Cruz. Lavagem de dinheiro: aspectos penais e processuais penais. Co-mentários à lei 9.613/98 com as alterações da Lei 12.683/12. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 292;

146

sória da busca e apreensão, permitindo que seja utilizada como medida assecurató-

ria, preservando bens móveis que seriam obtidos por meios criminosos, além de ins-

trumentos para a prática do crime, tais como instrumentos de contrafação, falsifica-

ção, armas, documentos, etc. (ex vi do artigo 240, §1o, “b” do Código de Processo

Penal)233. Complementa ANTONIO SCARANCE FERNANDES234 ponderando que:

A apreensão, como medida cautelar de natureza real, implica retirar de de-terminada pessoa a coisa por ela possuída, restringindo-lhe o uso da dispo-sição. Quando a coisa apreendida está diretamente ligada ao crime tem a medida, de regra, finalidades processuais ou penais, objetivando assegurar a produção da prova ou a futura perda do bem em favor da União como e-feito da condenação.

Desta forma, como se viu e como se vê, a busca e apreensão assume uma

dupla finalidade, servindo como meio assecuratório da ação penal, assegurando a

futura perda dos bens, direitos e valores em favor da União ou dos Estados, ao caso

de condenação criminal, bem como possui uma vertente probatória, consistindo em

eficaz meio de obtenção da prova criminal, podendo, de acordo com o caso, servir a

ambas as finalidades, permitindo-se a constrição do bem, direito ou valor como meio

de prova, e ao final acaso haja condenação, poderá servir ao perdimento do bem.

Verifica-se, ainda, que a busca e apreensão deverá obedecer rito próprio,

onde o Juiz, atendendo a requerimento do Ministério Público ou da Autoridade Poli-

cial, poderá decretar a busca e apreensão, expedindo mandado judicial, antes mes-

mo da ação penal ou do inquérito policial. No entanto, volvemos a frisar que com a

233

HABEAS CORPUS. CRIMES CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA, LAVAGEM DE DINHEIRO E QUADRILHA. BUSCA E APREENSÃO DE AGENDA ENCONTRADA EM PODER DO PACIENTE. OFENSA AO DIREITO À PRIVACIDADE E À INTIMI-DADE. NECESSIDADE DE DECISÃO JUDICIAL ESPECÍFICA AUTORIZANDO A MEDIDA. IMPROCEDÊNCIA. DECISÃO JUDICIAL FUNDAMENTADA. ATENDIMENTO AO REQUISITOS DO ARTIGO 240 E 243 DO CÓDIGO DE PROCESSO PE-NAL. ILICITUDE NÃO VERIFICADA. DENEGAÇÃO DA ORDEM. 1. É cediço que não existem direitos absolutos, motivo pelo qual, apesar de a Constituição prever o direito à privacidade e à intimidade, admite-se a sua relativização diante do princípio da proporcionalidade. 2. O sigilo das comunicações disposto no inciso XII do artigo 5º da Constituição Federal não inviabiliza o conhecimento de dados sigilosos, porquanto a Suprema Corte entende que o preceito refere-se somente à comunicação dos dados, e não a estes em si mesmos. 3. O artigo 240 do Código de Processo Penal, ao tratar da busca e apreensão, apresenta um rol exemplificativo dos casos em que a medida pode ser determinada, no qual se encontra a hipótese de arrecadação de objetos necessários à prova da infração ou à defesa do réu, não havendo qualquer ressalva de que não possam dizer respeito à intimidade ou à vida privada do indivíduo. 4. Assim, estando a agenda em poder do paciente quando da sua prisão, e consti-tuindo documento que guarda estreita relação com os fatos investigados na presente ação penal, não há qualquer impedi-mento a que seja feita sua apreensão. 5. Ademais, não há no ordenamento jurídico pátrio qualquer exigência de que a mani-festação judicial que defere a cautelar de busca e apreensão esmiúce quais documentos ou objetos devam ser coletados, até mesmo porque tal pormenorização só é possível de ser implementada após a verificação do que foi encontrado no local em que cumprida a medida, ou do que localizado em poder do indivíduo que sofreu a busca pessoal. 6. Ao contrário, o artigo 243 da Lei Processual Penal disciplina os requisitos do mandado de busca e apreensão, dentre os quais não se encontra o detalha-mento do que pode ou não ser arrecadado. 7. Não há no ordenamento jurídico pátrio qualquer exigência de que a manifesta-ção judicial que defere a cautelar de busca e apreensão esmiúce quais documentos ou objetos devem ser coletados, até mes-mo porque tal pormenorização só é possível de ser implementada após a verificação do que foi encontrado no local em que cumprida a medida, ou do que localizado em poder do indivíduo que sofreu a busca pessoal. 8. Da leitura da decisão que auto-rizou a medida cautelar que resultou na arrecadação da agenda que estava com o paciente, observa-se que os princípios e normas legais pertinentes foram totalmente cumpridos, motivo pelo qual não se vislumbra qualquer ilegalidade ou descumpri-mento de formalidade que pudesse ensejar a ilicitude da busca e apreensão no caso concreto. 9. Ordem denegada. – STJ, HC 142205/RJ 2009/0138947-8, 5. T., j. 04.11.2010, v.u., Rel. Min. Jorge Mussi, DJe 13.12.2010; 234

FERNANDES, Antonio Scarance. O papel da vítima no processo criminal. São Paulo: Malheiros Editores, 1995, p.192;

147

alteração produzida no artigo 282, §2o do Código de Processo Penal, pela Lei n.

11.403/2011, não se permite ao Magistrado que atue de ofício antes de instaurada a

ação penal, razão esta que deve se atentar unicamente a deferir os requerimentos

do Ministério Público, da parte interessada ou à representação da Autoridade Polici-

al, muito embora o caput do artigo 4o, da Lei n. 9.613/98 autorize a decretação de

ofício. Ainda assim, sob o aspecto da imparcialidade, entendemos que o Magistrado

deva permanecer equidistante da relação processual, para assegurar a igualdade de

oportunidades entre acusação e defesa, razão que somente deve analisar os reque-

rimentos formulados, não sendo recomendado a sua atuação de ofício.

No concernente à busca, esta pode ser domiciliar ou pessoal. A busca pes-

soal se resume no intento de se procurar algo pelo corpo do suspeito/averiguado/

indiciado/acusado, procurando por elementos que possam servir de prova ou que

constituam objetos do crime. Nesta busca em específico, serão observados os limi-

tes impostos nos incisos III e XLIX, do artigo 5o da Constituição da República, obser-

vada ainda a necessária preservação da dignidade física e moral do indivíduo, fun-

damentais à preservação da dignidade humana. Logo, neste aparato, necessário

observar também que nas mulheres, a busca pessoal deverá ser realizada por oficial

da lei do mesmo sexo, não importando quanto atraso possa ocorrer na diligência.

Com relação à busca domiciliar, essa deve ser sempre precedida de man-

dado de busca e apreensão específico, no qual deverá conter o endereço completo

e detalhado, ou na impossibilidade, deverá conter descrição minuciosa do imóvel

que será objeto da busca. O mandado ainda definirá o objeto da apreensão, ou a

permissão para a apreensão de determinada classificação de bens (por exemplo,

elementos do crime, cadernos, anotações, etc.). Somente poderá ocorrer durante o

dia, por força do quanto dispõe o artigo 5o, inciso XI, da Constituição da República.

MARCO ANTONIO DE BARROS235 ainda destaca que uma terceira modali-

dade de busca é a busca on line, onde o Magistrado se utiliza do software INFOJUD

- Sistema de Informações do Judiciário, no qual estabelece um acesso direto ao Ma-

gistrado de todo o banco de dados sigiloso da Receita Federal, para permitir a identi-

ficação e a localização de bens, nos nomes dos acusados ou investigados, além de

235

BARROS, Marco Antonio de. Lavagem de capitais e obrigações civis correlatas 3. ed. revista, atualizada e ampliada. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013, p. 218;

148

obter informações sigilosas sobre imposto de renda ou imposto territorial rural. En-

tendemos que esta modalidade de busca trata-se de uma das modalidades mais te-

merosas, ao passo que concede ao Magistrado vergar o Direito à intimidade ao seu

modo, permitindo a incursão sobre todos os dados patrimoniais, financeiros e fiscais

do indivíduo, apenas com a incursão de login e senha, sem que se fundamente a

incursão nas hipóteses do periculum in mora e do fumus boni juris.

A invasão de intimidade pode ocorrer de ofício, transformando o Magistrado

em um inquisidor, que busca, investiga, localiza, e expede mandado, tudo de ofício.

Muito embora assinala MARCO ANTONIO DE BARROS236 que se trate de uma me-

dida rápida e dispensa a lenta expedição de ofícios, além de ser segura, porque so-

mente permite o acesso por meio de senha e assinatura digital, ao que nos parece,

não há muito controle sobre as informações angariadas através do programa de

maneira que pode o Magistrado, deliberadamente, invadir a intimidade de qualquer

pessoa sem que se fundamente os motivos pelo qual é efetuada essa busca. Como

dissemos e reportamos uma vez mais, Qui custodiet ipso custodes?

Entrementes, levando a questão a um outro patamar, cabe ainda a análise

sobre a busca e apreensão em escritórios de advocacia. A Lei n. 8.906/94, que insti-

tui o Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil prevê em seu artigo 7o, inciso II,

que o advogado é inviolável no exercício da sua profissão, abrangendo essa inviola-

bilidade ao “seu escritório ou local de trabalho, bem como de seus instrumentos de

trabalho, de sua correspondência escrita, eletrônica, telefônica e telemática, desde

que relativas ao exercício da advocacia”.

Entendemos que essa inviolabilidade não se faz absoluta, porém, regras

mais específicas tangem o advogado, porquanto acobertado por sigilo profissional.

Neste caso, para que haja a busca e apreensão em escritório de advocacia, neces-

sário que seja precedida de ordem judicial, e versar especificamente sobre o objeto,

quer seja, o corpo de delito, podendo ser documentos, correspondências ou coisas,

delimitadas ou específicas. Não se admitirá, em hipótese alguma mandados que

possuem conteúdo genérico (por exemplo: determinar a apreensão de documentos,

sem especificar quais documentos). Assim se entende, pois, como coloca MARCO

236

idem

149

ANTONIO MARQUES DA SILVA237:

As instituições públicas devem ser fortes o suficiente para compreender que podem desenvolver com eficiência a sua missão de investigar, processar e julgar condutas criminosas sem ferir a ética, sem desrespeitar as leis e sem aniquilar o direito de defesa, em especial a livre actuação do advogado. O ponto básico do reconhecimento do direito à liberdade, no sentido apresen-tado, decorre do fundamento da dignidade humana, sendo qualquer exces-so por parte do poder público odioso (sic.).

Outra hipótese que pode ocorrer diz respeito ao próprio advogado ser sus-

peito de crime, onde sobre ele recaia indícios de autoria, coautoria ou participação

em atividade criminosa. Neste caso, o Magistrado poderá decretar a quebra da invio-

labilidade do escritório de advocacia, em decisão motivada, demonstrando o preen-

chimento do periculum in mora e do fumus boni juris. Para tanto, o cumprimento do

mandado deverá, por força do §6o, do artigo 7o da Lei n. 8.906/94, ser acompanhado

de representante da Ordem dos Advogados do Brasil, que velará pela garantia das

prerrogativas profissionais do advogado, e não permitirá que sejam apreendidos do-

cumentos, objetos ou outros elementos pertencentes a clientes que não tenham re-

lação com a investigação realizada.

6.2 SEQUESTRO

O sequestro de bens é previsto nos artigos 125 a 131 do Código de Proces-

so Penal, divergindo da medida cautelar civil. O sequestro processual penal consis-

te, na retenção dos bens imóveis, adquiridos com os proveitos da infração, até que

se decida a causa principal, mesmo que já tenham sido transferidos a terceiras pes-

soas. Sobre outra hipótese, o sequestro pode versar sobre bens móveis, todavia,

não se ajustando a todo o patrimônio do averiguado, acusado, mas somente incidin-

do sobre os bens adquiridos com os proveitos da infração penal. Isso porque se o

bem móvel for o próprio proveito da infração penal, caberá a busca e apreensão, nos

moldes do artigo 240, “b”, do Código de Processo Penal, impassível de restituição

por força do artigo 91 do Código Penal, por se tratar de produto de crime sujeito à

pena de perdimento.

237

SILVA, Marco Antonio Marques da. A inviolabilidade do advogado e as buscas em escritórios de advocacia. In Boletim da Ordem dos Advogados de Portugal, n. 65, abril de 2010. Disponível em <http://www.oa.pt>. Acessado em 21.05.2010;

150

Sobremaneira, o sequestro repercute na medida que visa antecipar o perdi-

mento do bem móvel ou imóvel, sabidamente, produto de crime ou proveito do cri-

me, ou seja o produto adquirido com o lucro auferido pela ação criminosa ou o pró-

prio produto da ação criminosa, configurando medida de interesse do ofendido e do

próprio Estado, com o escopo de antecipar os efeitos da sentença penal condenató-

ria, salvaguardando a reparação do dano sofrido pelo ofendido, bem como o paga-

mento das custas e da pena de multa a ser fixada na sentença. Ela também tem por

objetivo assegurar que da atividade criminosa não resulte vantagem econômica para

o infrator. No entanto, em algumas hipóteses há nítida confusão sobre a distinção

entre o sequestro e a busca e apreensão. FAUSTO MARTIN DE SANCTIS238, pon-

dera neste sentido que:

Muitas vezes, será possível confundir a hipótese como sendo caso de apre-ensão ou de sequestro/arresto. Explico: se com o dinheiro do crime antece-dente adquirir-se algo interessante, nos termos do artigo 240, § 1º, “b”, do Código de Processo Penal, típico o caso de apreensão. Entretanto, caberá o sequestro na hipótese de já ter sido transferido a terceiro. Mesmo nesta hipótese, no que tange propriamente ao crime de lavagem de dinheiro, ain-da se poderia caracterizar caso clássico de apreensão, porquanto se afigura matéria de prova da tentativa de dar aparência legal à infração de lavagem (grifo nosso).

No entanto, entendemos de maneira difusa, pois o sequestro somente pode-

rá versar sobre os bens do investigado que tenham relação direta com o fato e apu-

ração, ou no caso da lavagem, até mesmo se permitindo que tenha relação com o

crime antecedente. Porém, não se pode, deliberadamente, sequestrar tantos bens

quanto possuir o imputado, sob pena de se fazer tábula rasa aos preceitos insculpi-

dos nos artigos 125 a 132 do Código de Processo Penal, além de cercear o Direito

de propriedade e devido processo legal, estabelecidos na Constituição da República.

Por isso, entendemos que GUSTAVO HENRIQUE BADARÓ239 apresenta

uma ressalva importante no âmbito do sequestro, ao aduzir que:

Sendo o sequestro, como toda medida cautelar, um instrumento destinado a assegurar a utilidade e a eficácia de uma provável sentença penal condena-tória, somente poderá incidir sobre os bens que tenham relação com o pró-prio crime objeto da investigação ou da ação penal. Caso contrário, não ha-verá referibilidade, o que é uma nota característica das medidas cautelares. Não se pode seqüestrar bens que, ainda que integrem o patrimônio ilícito do acusado, tenham sido obtidos pela prática de um crime diverso daquele que

238

SANCTIS, Fausto Martin de. Crime organizado e lavagem de dinheiro: destinação de bens apreendidos, delação premiada e responsabilidade social. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 49; 239

BADARÓ, Gustavo Henrique Righ Ivahy. Medidas cautelares patrimoniais no processo penal. In VILARDI, Celso Sanchez; PEREIRA, Flávia Rahal Bresser; DIAS NETO, Theodomiro. Direito penal econômico. Crimes econômicos e processo penal. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 179;

151

é objeto do inquérito policial ou da ação penal em que se requereu a medida cautelar (sic).

Dando sequência, esclareça-se que uma recente alteração legislativa, a Lei

n. 12.694/12, alterou a redação do artigo 91 do Código Penal, passando a autorizar

o sequestro de bens em valores equivalentes ao proveito da infração, na impossibili-

dade de se encontrar os proveitos do crime no território brasileiro. Tal medida, como

assinala WESLEY WADIM PASSOS FERREIRA DE SOUZA240:

[...] estendeu o confisco do produto do crime ou de qualquer bem ou valor que constitua proveito auferido pelo agente com a prática do fato criminoso aos bens e valores equivalentes ao produto ou proveito do crime quando es-tes não forem encontrados ou quando se localizarem no exterior. Assim, a-tualmente não só bens de origem ilícita podem ser alvo de sequestro, mas também de propriedade do infrator que provenham de origem ilícita, mas que sejam equivalentes a valores por ele desviados ou apropriados na prá-tica do ilícito.

Exige-se para que seja decretado o sequestro apenas que se demonstre a

existência de indícios suficientes da infração penal. Entendemos que não basta a

mera suspeita ou indícios genéricos. Aqui, como se trata de medida de constrição,

necessário que venha amparada por “indícios veementes”, que embora não identifi-

quem a certeza, deve vir carreado da elevada probabilidade, não podendo se con-

fundir este elemento com a mera suspeita, a suposição ou ainda, pela ilação241. Ci-

tando HELIO TORNAGHI242, recordemos que: “indícios veementes são os que le-

vam a grave suspeita, os que eloquentemente apontam para um fato, gerando uma

suposição bem vizinha da certeza”.

Em razão da finalidade específica do sequestro, por analogia, esclarece

SERGIO DE MORAES PITOMBO243 que os bens imóveis que sejam produtos direto

do crime, pela impossibilidade de apreensão, serão sequestrados, em consonância

com o disposto no artigo 91, inciso II, “b”, do Código Penal.

Outro ponto a ser citado é que o caput do artigo 4o da Lei n. 9.613/98, com a

alteração produzida pela Lei n. 12.683/12, permitem o sequestro de bens em poder

de terceiros ou interpostas pessoas. No entanto, tal medida não é inovadora, e veio

para alinhar a redação do artigo 4o ao Código de Processo Penal (artigo 125), que

240

SOUZA, Wesley Wadim Passos Ferreira de. A constitucionalidade dos novos contornos das medidas assecuratórias no direito processual penal brasileiro. Disponível em <http://www.ajufemg.org.br/artigos/52-dr-wesley-wadim-passos-ferreira-de-souza/142-a-constitucionalidade-dos-novos-contornos-das-medidas-assecuratorias-no-direito-processual-penal>. Acessado em 31.05.2013; 241

Nesse sentido: BADARÓ, Gustavo Henrique; BOTTINI, Pierpaolo Cruz. Lavagem de dinheiro: aspectos penais e processu-ais penais. Comentários à lei 9.613/98 com as alterações da Lei 12.683/12. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 286; 242

TORNAGHI, Helio. Comentários ao Código de Processo Penal. Vol.1. t.II. Rio de Janeiro: Forense, 1956, p. 216; 243

PITOMBO, Sergio de Moraes. Do sequestro no processo penal brasileiro. São Paulo: José Bushatsky Editor, 1973, p. 10;

152

permite o sequestro de bens mesmo que já transferidos a terceiros, cabendo ao ter-

ceiro, se lesado, o direito de regresso contra aquele de quem adquiriu o bem, ou

embargos de terceiros para sanar qualquer eventualidade na sua posse ou proprie-

dade.

O sequestro pode ser decretado antes de oferecida a denúncia ou a qual-

quer momento do processo. E por tratar-se de constrição de bens, face ao direito de

propriedade insculpido na Cártula Política, somente a autoridade judicial pode de-

terminar a sua constrição, devendo, em se tratando de medida cautelar, ser crivada

dos pressupostos inerentes às medidas cautelares, quer seja o periculum in mora e

do fumus boni iuris, consubstanciado na presença de indícios de autoria delitiva e

prova da materialidade contra o agente ao qual recai a constrição, bem como no

fundado receio de que sem a constrição dos bens, poderá facilmente se desfazer

destes, pondo em risco a reparação do dano causado.

No entanto o que gera discussão e da qual não entendemos cabível, seria a

decretação de ofício, que o caput do artigo 4o da Lei n. 9.613/98 permite. Como já

expusemos, mesmo diante do teor da alteração no artigo 282, §2o, do Código de

Processo Penal, produzida pela Lei n. 11.403/2011, entendemos que o juiz, para

que permaneça imparcial, deve manter-se equidistante, permitindo a paridade de

armas no processo, não sendo prudente que tome providências cautelares de ofício

antes mesmo de iniciada a ação penal ou o inquérito policial.

Ainda insta mencionar que o sequestro pode ser requerido pelo Ministério

Público, a autoridade policial, o ofendido ou seus representantes, no caso de inca-

pacidade ou ausência. E uma vez requerida, estas tomarão autos próprios, que cor-

rerão em apenso ao inquérito policial ou ação penal, para que não interfira no seu

curso.

6.2.1 Procedimento

Por se tratar de uma medida cautelar, deverá o Juiz, ao verificar a existência

de requerimento do Ministério Público, ou da representação da autoridade policial,

deverá, como preconiza o artigo 129 do Código de Processo Penal, determinar sua

autuação em procedimento apartado, na forma de incidente, evitando seja tumultua-

153

do o feito principal.

Muito embora seja uma medida inaudita altera pars, decretado o sequestro,

sempre em decisão fundamentada, o Magistrado expedirá o competente mandado

de sequestro do bem, que conterá, como pontua FERNANDO DA COSTA TOURI-

NHO FILHO244: “a descrição do bem cujo sequestro se ordenou, sua localização, o

motivo e os fins da diligência, sendo subscrito pelo Juiz e assinado pelo escrivão”.

Isso porque a medida cautelar deve ser efetuada somente no que diz respeito à par-

te dos bens, direitos e valores oriundos de infração penal, ou que, ao menos, recai-

am indícios suficientes de serem provenientes de infração penal, como pondera

AURY LOPES JUNIOR245:

A medida somente incide sobre os bens imóveis ou móveis adquiridos com os proventos da infração. Não é uma restrição sobre todo o patrimônio do imputado, senão apenas daqueles bens que foram comprados com as van-tagens auferidas com o delito. Logo, jamais poderá o sequestro recair sobre bens preexistentes, ou seja, adquiridos pelo imputado antes da prática do crime.

Cumprido o mandado (que por falta de disposição processual penal segue o

procedimento do Código de Processo Civil relativo à penhora246), abre-se oportuni-

dade ao contraditório e ampla defesa. Da decisão que nega a cautela ou a concede,

caberá apelação, conforme preconiza o artigo 593, inciso II, do Código de Processo

Penal, servindo este recurso para argumentar os motivos de fato e de Direito que

serviram para decretar ou não o sequestro.

Outro meio de defesa disponibilizado pela lei, diz respeito aos Embargos,

que pode ser de: a) de terceiro senhor e possuidor; b) do imputado; e, c) do terceiro

de boa fé.

Os embargos do terceiro senhor e possuidor é previsto para aquele que foi

prejudicado com o sequestro dos bens, demonstrando que seus bens nada tem de

relação com aquele que cometeu a infração penal.

Os embargos do imputado correspondem à demonstração pelo investiga-

do/indiciado/acusado de que os bens sequestrados não foram adquiridos com os

proventos da infração penal, devendo o imputado demonstrar a ausência de vínculo

244

TOURINHO FILHO. Fernando da Costa. Processo penal. 35. ed. revista, atualizada e ampliada. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 48. 245

LOPES JUNIOR, Aury. Direito processual penal. 10. ed. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 918; 246

Idem, p. 48

154

causal entre o bem sequestrado e a infração penal247.

Os embargos do terceiro de boa-fé consistem na medida de proteção a ter-

ceira pessoa que adquiriu o bem de forma onerosa, pagando-se o preço e que nada

tem de relativo com a infração penal apurada ou com os proventos de infração pe-

nal, desta forma, se subsumindo a boa fé (ex vi do artigo 130, inciso II, do Código de

Processo Penal).

6.2.2 Levantamento do sequestro

Uma observação que deve ser feita, diz respeito à modificação trazida pela

Lei n. 12.683/12, na qual, na estrutura do artigo 4o, da Lei 9.613/98, deixou de esta-

belecer o prazo especial para o levantamento das medidas assecuratórias. Inicial-

mente, ressalte-se que o §1º, do artigo 4º da Lei n. 9.613/98, previa que:

Art. 4º. omissis. §1º. As medidas assecuratórias previstas neste artigo serão levantadas se a ação penal não for iniciada no prazo de cento e vinte dias, contados da data em que ficar concluída a diligência.

Note-se que o prazo do artigo 4º da Lei de Lavagem de Dinheiro, impunha o

dobro do que o Código de Processo Penal previa (artigo 131, inciso I), ou seja, o

prazo de cento e vinte dias, sob pretexto da necessidade de se manter a eficácia do

instituto das medidas assecuratórias.

Explica o legislador nas razões para o alargamento do prazo para que se

intente a ação penal contra o acusado sem que a restrição aos seus bens se torne

abusiva, (em referência ao inciso I, do artigo 131 do Código de Processo Penal), de-

notando que a necessidade do alargamento do prazo de eficácia da medida cautelar

consiste na inversão do ônus da prova em relação à ilicitude dos bens, conforme ex-

plica na Exposição de Motivos:

Na orientação do projeto, tais medidas cautelares se justificam para muito além das hipóteses rotineiras já previstas pelo sistema processual em vigor. Sendo assim, além de ampliar o prazo para o início da ação penal, o projeto inverte o ônus da prova relativamente à licitude de bens, direitos ou valores que tenham sido objeto da busca e apreensão ou do seqüestro (art. 4

o). Es-

247

Neste sentido, LOPES JUNIOR, Aury. Direito processual penal. 10. ed. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 921;

155

sa inversão encontra-se prevista na Convenção de Viena (art. 5o, n.

o 7) e foi

objeto de previsão no direito argentino (art. 25, Lei 23.737/89) (sic)248

.

No entanto, na novel alteração trazida pela Lei n. 12.683.12, suprimiu-se o

prazo para intentar a ação penal, havendo um hiato na previsão legal, que antes as-

segurava prazo em dobro para a manutenção das medidas assecuratórias sem a

promoção da ação penal.

Neste caso, entende-se que na ausência da previsão legal, aplica-se a previ-

são ordinária constante do artigo 131 do Código de Processo Penal, onde se a ação

penal não for intentada em um prazo de 60 (sessenta) dias contados da data que se

concluiu a diligência, o sequestro deverá ser levantado, restituindo-se os bens ao

imputado, terceiro senhor e possuidor ou terceiro de boa fé. Este prazo diz respeito

à eficácia da medida assecuratória, não podendo perdurar indefinidamente a cons-

trição do bem sem uma definição do quadro geral.

No entanto, se iniciada a ação penal, a ressalva que se faz é que inexiste

qualquer prazo para a duração da medida assecuratória, que, como já fundamenta-

mos, pode constituir em verdadeira punição ao acusado (ver título 5.3 e suas subdi-

visões).

Outra hipótese onde se permite o levantamento do sequestro tem relação di-

reta também com o artigo 131 do Código de Processo Penal, onde em seus incisos,

permite que o “terceiro a quem tiverem sido transferidos os bens, prestar caução que

assegure a aplicação do disposto no art. 74, II, b, segunda parte, do Código Penal”

possa levantar o sequestro. Anote-se, igualmente, que esta caução não deverá ser

obrigatoriamente em dinheiro, seguindo as regras do artigo 827 do Código de Pro-

cesso Civil249. A este critério, GUILHERME DE SOUZA NUCCI250 relata que:

Quando decretado em qualquer fase, o terceiro de boa-fé pode oferecer ga-rantia para assegurar eventual indenização à vítima, além do que o bem não voltará ao acusado. Logo, se este for condenado, não terá lucro algum. Provada a boa-fé, o terceiro levanta a caução.

A terceira hipótese de levantamento do sequestro diz respeito à absolvição

ou extinção da punibilidade do acuado por sentença transitada em julgado. Neste

248

Exposição de Motivos 692/MJ de 18 de dezembro de 1996, item 66. 249

Neste sentido: BADARÓ. Gustavo Henrique; BOTTINI, Pierpaolo Cruz. Lavagem de dinheiro: aspectos penais e processuais penais. Comentários à lei 9.613/98 com as alterações da Lei 12.683/12. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 309; 250

NUCCI, Guilherme de Souza. Código de processo penal comentado. 8. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008, p. 319;

156

contexto, diante da alteração do Código de Processo Penal em 2008, instalou-se

conflito de normas, pois o artigo 386, inciso II, passou a prever que se for proferida

sentença absolutória, mesmo que recorrível, o juiz ordenará a cessação das medi-

das cautelares. GUILHERME DE SOUZA NUCCI251, uma vez mais, pontua que:

“Quando for julgada extinta a punibilidade do réu ou por este absolvido, por decisão

definitiva, é natural que a origem ilícita do bem não foi evidenciada, merecendo ces-

sar a constrição”.

Para resolver a questão, pontuam GUSTAVO HENRIQUE BADARÓ e PI-

ERPAOLO CRUZ BOTTINI252 que dever-se-á utilizar a regra lex posteriori derogat

legi priori, ou seja, a lei nova revogaria a lei anterior, sendo que neste caso, prevale-

ceria a redação do artigo 386, inciso II, do Código de Processo Penal sobre aquela

versada no inciso III, do artigo 131 do mesmo códex.

6.3 ESPECIALIZAÇÃO DA HIPOTECA LEGAL

FERNANDO DA COSTA TOURINHO FILHO253, se baseando em um concei-

to oriundo do Direito Civil, afigura que a hipoteca consiste no: “direito real de garan-

tia em virtude do qual um bem imóvel , que continua em poder do devedor, assegura

ao credor, precipuamente, o pagamento da dívida”. Transpondo o conceito ao Direito

Processual Penal, a hipoteca pode ser entendida como uma constrição aplicada

primordialmente sobre bens imóveis para garantir o ressarcimento causado por uma

dano decorrente de uma infração penal.

Basicamente, no nosso ordenamento jurídico existem três modalidades de

hipoteca, sendo: 1) hipoteca convencional, consistindo naquela tomada em comum

acordo entre as partes; 2) hipoteca judicial, consistindo na medida tomada na sen-

tença judicial, conferindo o direito do exequente de executar esta; e, 3) hipoteca le-

gal, que é instituída pela lei, tratando-se de medida cautelar real, que visa garantir o

cumprimento de determinadas obrigações.

251

idem; 252

Neste sentido: BADARÓ. Gustavo Henrique; BOTTINI, Pierpaolo Cruz. Lavagem de dinheiro: aspectos penais e processuais penais. Comentários à lei 9.613/98 com as alterações da Lei 12.683/12. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 309; 253

TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo penal. 35. ed. revista, atualizada e ampliada. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 55;

157

Assim entendido, a hipoteca que nos interessa é a hipoteca legal, prevista

no artigo 134 do Código de Processo Penal, que consiste em um direito real de ga-

rantia instituído por lei ao ofendido ou aos seus herdeiros sobre os bens imóveis do

infrator para a satisfação do dano causado pelo delito, além do pagamento de cus-

tas. É uma medida assecuratória que originalmente prevista no artigo 1.489, inciso

III, do Código Civil, que difusamente da busca e apreensão e do sequestro, a hipote-

ca versa sobre a constrição de bens adquiridos por fontes lícitas, diversa do provei-

to do crime, porém, com a finalidade de garantir uma responsabilidade.

A hipoteca legal versa preponderantemente sobre bens imóveis, porém, é

aceita em bens móveis, quando se tratar de aeronaves e embarcações, e quando

não for possível a busca e apreensão.

O que realmente interessará na seara penal, será a especialização e regis-

tro254 da hipoteca, pois tal medida é o que efetivamente garantira os direitos de in-

denização, custeio e pagamento de pena pecuniária.

A especialização da hipoteca trata-se de uma medida de indicação do bem

imóvel e estimativa de valor do bem hipotecado, para delimitar o valor a ser repara-

do, ou seja, trata-se de uma medida de individualização do bem e da sua avaliação,

para auferir e corresponder à reparação do dano causado pela infração. Por isso, a

hipoteca deverá incidir sobre o patrimônio do investigado/acusado, apenas na medi-

da necessária para a reparação futura do dano, ainda que, como dito alhures, isso

não ocorra, incidindo quase sempre sobre todo o patrimônio do investigado/acusado.

Muito embora a especialização da hipoteca legal seja entendida como uma

medida de ressarcimento do dano causado pela infração penal, da qual entendemos

não ter valia pela sua própria essência na Lei de Lavagem de Capitais, a justificativa

encontrada para seu cabimento se resume no texto do §4o, do artigo 4o da Lei n.

9.613/98, acrescido com a reforma trazida pela Lei n. 12.683/12 e que afigura possí-

vel ser decretada medidas assecuratórias sobre bens, direitos e valores “para a re-

paração do dano decorrente da infração penal antecedente ou da prevista nesta Lei,

ou para o pagamento de prestação pecuniária, multa e custas”.

254

Apenas como esclarecimento, embora o §4o do artigo 135 do Código de Processo Penal prescreva a inscrição da hipoteca,

o artigo 167, I, da Lei 6.015/1973, afigura como termo correto o registro da hipoteca;

158

Doravante, quanto ao seu momento de decretação, uma dúvida que surge

com relação à especialização da hipoteca seria com relação à sua decretação na

fase do inquérito policial, ou mesmo antes de iniciada a ação penal. FERNANDO DA

COSTA TOURINHO FILHO255 defende que embora o artigo 134 do Código de Pro-

cesso Penal afigure a hipótese de a medida incidir sobre bens do indiciado, o legis-

lador assim pontuou como uma forma mais abrangente, subentendendo-se que a

medida pode ser decretada a qualquer momento do processo ou do inquérito polici-

al.

No entanto, LARISSA LEITE256 aponta uma ressalva importante sobre a hi-

poteca e sua especialização ser possível em qualquer fase do processo. Verifica-se

que assim como o artigo 1.489, inciso III, do Código Civil, o artigo 134 do Código de

Processo Penal, não pressupõe uma sentença condenatória definitiva para o direito

à hipoteca, autorizando-se a sua especialização Quando haja a certeza da infração

e a presença de com indícios suficientes de autoria. Contudo, o referido encontra

barreira na presunção de inocência, que proíbe que qualquer pessoa seja tratada

como autor do delito, antes que seja prolatada sentença condenatória passada em

julgado. Desta forma, o Código Civil, ao tratar que a lei permitirá a hipoteca sobre os

bens do delinquente, faz crer que esta somente poderá ser especializada quando

houver sentença condenatória, assegurando os efeitos da ação civil ex delicto.

Muito embora o argumento esposado por LARISSA LEITE seja oportuno,

entendemos que em se tratando da especialização da hipoteca legal uma medida

assecuratória, a expressão contida no artigo 134 do Código de Processo Penal “cer-

teza da autoria” deve ser entendida como a presença de prova da materialidade, na

mesma medida em que se exige para a instauração da ação penal, ou seja, um juízo

provisório que leve à verossimilhança de que ocorrera a infração penal. Nos socorre

a este ponto GUSTAVO HENRIQUE BADARÓ E PIERPAOLO CRUZ BOTTINI257,

que neste sentido, relatam que:

O requisito da especialização e registro da hipoteca legal é que “haja certe-za da infração e indícios suficientes de autoria”. A expressão “certeza da in-

255 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo penal. 35. ed. revista, atualizada e ampliada. São Paulo: Saraiva, 2013,

p. 56; 256

LEITE, Larissa. Medidas patrimoniais de urgência no processo penal: implicações teóricas e práticas. Rio de Janeiro: Reno-var, 2011, p. 392; 257

BADARÓ, Gustavo Henrique. BOTTINI, Pierpaolo Cruz. Lavagem de dinheiro: aspectos penais e processuais penais. Co-mentários à lei 9.613/98 com as alterações da Lei 12.683/12. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 288;

159

fração” deve ser entendida no sentido de prova da materialidade delitiva, is-to é, um juízo de certeza ainda que provisório, da infração em sua parte ob-jecti.

Em relação à legitimidade, tanto na regra do Código Civil, quanto na regra

geral do Código de Processo Penal, o requerimento da especialização e registro da

hipoteca é atividade preponderante do ofendido, não sendo permitido que seja re-

querido pelo Ministério Público ou representado pela autoridade policial. No entanto,

a Lei de Lavagem de Capitais apresenta um conteúdo absolutamente diversificado,

e porque não reaver aquele conceito que dissemos outrora – da deturpação das

medidas assecuratórias – especificamente se permite a requisição do Ministério Pú-

blico, por ser o titular do Direito de ação, além de sua função de custus legis. Isso se

faz com base na interpretação da tutela do bem jurídico da Lei de Lavagem de Capi-

tais, pois em se tratando de medida de tutela da administração da justiça, a União ou

os Estados (com as alterações da Lei n. 12.683/12), poderão sofrer prejuízos com a

ocultação ou a dissimulação destes bens imóveis (ou aeronaves e embarcações),

além de dificultar as investigações.

No entanto, somos obrigados a discordar, uma vez mais da posição do legis-

lador, pois a especialização da hipoteca, como já dissemos, trata-se de medida que

visa assegurar o resultado útil de uma eventual reparação ao ofendido, em ação civil

ex delicto, onde serão hipotecados unicamente os bens imóveis, adquiridos com

proventos lícitos, quantos bastem para sanar os prejuízos ocasionados ao ofendido,

não sendo permitido que se avance deliberadamente sobre o patrimônio do acusa-

do. Aliás, neste sentido, GUILHERME DE SOUZA NUCCI258 destaca que a hipoteca

não se destina ao confisco, porque os valores provenientes da venda do bem não

são destinados à União.

Porém, no tocante à Lei de Lavagem de Capitais, vislumbramos aqui que o

intuito do legislador foi inequivocamente permitir uma nova maneira de constrição do

patrimônio do ofendido no ensejo de tentar retirar-lhe algum poderio que estes bens

poderiam lhe proporcionar. Assim como consignamos em momentos anteriores, en-

tendemos que a Lei n. 12.683/12 generalizou a utilização das medidas assecurató-

rias259 para que desequilibrasse a relação processual e colocasse o Estado em van-

258

NUCCI, Guilherme de Souza. Código de processo penal comentado. 8. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008, p. 315; 259

BADARÓ, Gustavo Henrique. BOTTINI, Pierpaolo Cruz. Lavagem de dinheiro: aspectos penais e processuais penais. Co-mentários à lei 9.613/98 com as alterações da Lei 12.683/12. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 288-289;

160

tagem, na medida em que permite adentrar ao patrimônio do averiguado/indiciado/

acusado de maneira irrestrita e desmedida, possibilitando que, com a constrição dos

bens, se impinja punição objetiva ao dito “lavador”.

6.3.1 Procedimento

Como consignamos anteriormente, necessário que haja o requerimento ofer-

tado pela parte interessada na cautela. Novamente, necessário enfatizar que a am-

pliação dos poderes conferidos ao Ministério Público e a deturpação das medidas

assecuratórias pela Lei de Lavagem de Capitais, fez possível que o Ministério Públi-

co requeresse a especialização da hipoteca, no papel de tutor dos interesses do Es-

tado.

Pedida a especialização da hipoteca, deverá o requerimento conter a esti-

mativa da responsabilidade civil e uma avaliação prévia do valor do imóvel(is) do a-

cusado, que terão de ficar especialmente hipotecados (art. 135 do Código de Pro-

cesso Penal).

O requerimento deverá, no entanto, estar instruído com prova ou indicação

das provas que fundamentará a estimativa da responsabilidade civil, bem como de

documentos comprobatórios da propriedade dos bens imóveis do acusado, dos

quais quer que incida a hipoteca (artigo 135, § 1o, do Código de Processo Penal).

Aqui vemos especial problema com a especialização da hipoteca na Lei de Lavagem

de Capitais pois o artigo 4o, caput, da Lei n. 9.613/98, permite que as medidas asse-

curatórias incidam sobre os bens em nomes de interpostas pessoas. Pensamos aqui

que por um meio de extrema cautela, necessário que a investigação e levantamento

dos bens sejam muito bem elaborados, para que não sejam constritos os bens de

terceiros sem qualquer relação com a investigação, o fato criminoso, ou a infração

antecedente, evitando assim qualquer violação de direito fundamental de proprieda-

de.

Recebido o requerimento pelo Juiz, este deverá acionar o avaliador judicial,

ou nomear perito, na ausência do avaliador judicial, que arbitrará o valor da respon-

161

sabilidade civil e a avaliação do imóvel sobre o qual se pretende a especialização da

hipoteca (artigo 135, §2o, do Código de Processo Penal), que realizará laudo sobre a

correspondência dos valores e a avaliação dos bens. O Código de Processo Penal

preconiza que entregue o laudo pelo perito ou avaliador, abre-se vistas às partes pa-

ra a manifestação.

Após a manifestação das partes, o Juiz poderá corrigir o valor atribuído à

responsabilidade civil, “se lhe parecer excessivo ou deficiente” (artigo 135, §3o do

Código de Processo Penal), cabendo verificar também se o valor especializado não

exorbita o da responsabilidade civil, evitando que sejam hipotecados mais bens que

o necessário para garantir a responsabilidade, sendo certo que efetuada estas cor-

reções ou verificando a regularidade, decretará a especialização da hipoteca, deter-

minando a expedição de ofícios ao Registro de Imóveis.

Não sendo despiciendo mencionar que a especialização da hipoteca é me-

dida provisória, constituindo uma garantia, sendo certo que condenado o acusado,

necessário se proceda a liquidação definitiva do valor do dano, ou absolvido, con-

forme o artigo 141 do CPP, a hipoteca legal será cancelada. Por derradeiro, nesta

hipótese de absolvição ou extinção da punibilidade, há de se pensar em cobrança de

despesas processuais.

6.4 ARRESTO

Por arresto se trata de qualquer medida de retenção de um bem móvel ou

imóvel do devedor para que não frustre o resultado de uma ação principal.

Todavia, a Legislação Processual Penal estabelece duas hipóteses de arres-

to: o arresto prévio à especialização da hipoteca legal, e o arresto subsidiário de

bens móveis.

162

6.4.1 Arresto prévio à especialização da hipoteca legal

Quando se fala em especialização da hipoteca legal, não se trata de um

procedimento simples, depreendendo de perícias, manifestações das partes, e sem-

pre sendo conveniente lembrar que se trata de uma garantia. Para a realização de

todo este procedimento, em geral, leva-se um tempo considerável, de maneira que,

por vezes, se faz necessário uma medida prévia de retenção do bem imóvel para

que não seja transferida sua propriedade.

Por se tratar de uma medida prévia, pode incidir sobre os bens lícitos ou ilíci-

tos do averiguado ou acusado, tratando-se, portanto, de uma medida prévia à uma

outra medida assecuratória, no caso, a especialização da hipoteca legal. Mas como

na medida posterior, ou seja, na especialização da hipoteca, a exigência que se faz

é a de que haja a estimativa prévia da responsabilidade civil, para que não sejam

arrestados bens que ultrapassem a necessidade da medida.

Por ser uma medida prévia à outra medida assecuratória, o Código de Pro-

cesso Penal estabelece um prazo de duração menor, sendo revogada no prazo de

15 (quinze) dias se não requerida a medida assecuratória de especialização da hipo-

teca (artigo 136 do Código de Processo Penal). Além disso, como observam GUS-

TAVO HENRIQUE BADARÓ e PIERPAOLO CRUZ BOTTINI260: “uma vez levantado

o arresto prévio porque não requerida a especialização e registro da hipoteca legal,

o juiz não atenderá a outro pedido de arresto prévio à hipoteca legal”.

6.4.2 Arresto subsidiário de bens móveis

Trata-se de medida assecuratória decretada nos casos onde vislumbrada

responsabilidade civil, objetiva resguardar bens suficientes para a reparação do da-

no e das despesas com o processo. Aqui, como não se permite no nosso ordena-

260 BADARÓ, Gustavo Henrique. BOTTINI, Pierpaolo Cruz. Lavagem de dinheiro: aspectos penais e processuais penais. Co-mentários à lei 9.613/98 com as alterações da Lei 12.683/12. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 291;

163

mento jurídico a hipoteca de bens móveis, criou-se a figura do arresto, que trata-se

de medida cautelar assecuratória dos bens que se vislumbra suscetíveis de solvibili-

dade para a reparação do dano civil causado decorrente de infração penal.

Todavia, a única ressalva que se faz é no tocante ao fato de que somente

poderá ser decretado o arresto sobre bens suscetíveis de penhora, ou seja, dos

bens não constantes do rol do artigo 649 do Código de Processo Civil, com a reda-

ção dada pela Lei 11.382/2006.

6.5 A QUEBRA DO SIGILO FINANCEIRO E A LEI DE LAVAGEM DE CAPITAIS

O sigilo financeiro constitui-se no dever que as instituições financeiras e a-

quelas equiparadas, de não divulgar, de qualquer forma, os dados fornecidos por

seus clientes ou terceiros, componentes da relação bancária, diante da atividade

que exercem.

Conforme já mencionado, a relação de sigilo é composta de um sujeito ativo,

que pode ser a pessoa física ou jurídica que entrega seus dados privados aos fun-

cionários de uma instituição financeira propriamente dita ou equiparada, realizando

operações e movimentações financeiras. Já o sujeito passivo desta relação bancária

são as instituições financeiras e seus funcionários e agentes. Também, de forma in-

direta, podem ser obrigados a preservar os dados bancários sigilosos os agentes

fiscais, membros do Ministério Público etc.

O sigilo bancário surgiu na legislação pátria com o advento do Código Co-

mercial de 1850, que tratava de forma indireta, sobre o tema, assegurando o sigilo

dos livros comerciais e dos negócios tratados pelos banqueiros (ex vi. artigos 17,

119 e 120). Com o então advento da Lei da Reforma Bancária, Lei n. 4.595/64, seu

artigo 38261 passou a tratar diretamente do tema do sigilo das informações, opera-

261

“As instituições financeiras conservarão sigilo em suas operações ativas e passivas e serviços prestados. §1º As informa-ções e esclarecimentos ordenados pelo Poder Judiciário, prestados pelo Banco Central da República do Brasil ou pelas institui-ções financeiras, e a exibição de livros e documentos em juízo, se revestirão sempre do mesmo caráter sigiloso, só podendo a eles ter acesso as partes legítimas na causa, que deles poderão servir-se para fins estranhos à mesma. [...]§3º As Comissões Parlamentares de Inquérito, no exercício da competência constitucional e legal de ampla investigação (art. 53 da CF e Lei 1.579, de 18 de março de 1952), obterão informações que necessitarem das instituições financeiras, inclusive através do Ban-

164

ções e dados bancários, excetuando os casos de prestação de informações ao Ban-

co Central, ao Poder Judiciário e às CPIs.

E por ser anterior à atual Constituição Federal, a Lei 4.595/64 havia sido re-

cepcionada pela Constituição da República de 1988, através do disposto no artigo

192. Neste contexto, somente se poderia ver alteradas as suas disposições através

de norma complementar, o que acabou por ser feito, pois em 10.01.2001 veio o ad-

vento da Lei Complementar n. 105, revogando expressamente os dispositivos do ar-

tigo 38 da Lei 4.595/64. Apesar de revogar tal dispositivo, a Lei Complementar

105/01 manteve expressa a preservação do sigilo bancário, contudo, alargando o

leque de possibilidade de quebra deste sigilo262.

Mas o tema de sigilo financeiro deve ser tratado com certa parcimônia. Ain-

da que inviolável o sigilo bancário, fundado em preceitos constitucionais, esta pre-

servação do sigilo, este não se faz por absoluta. Saliente-se que há a possibilidade

da decretação da sua quebra, somente em casos excepcionais, previstos em legis-

lação específica, e observados os critérios da necessidade e proporcionalidade, for-

madores da justa causa para a decretação.

Tal necessidade funda-se no tocante à apuração de ilícitos penais e a pro-

dução de prova, justamente por haver esta reserva constitucional acerca da prote-

ção do sigilo, conforme pondera ANTONIO SCARANCE FERNANDES263:

[...] a autorização legislativa para acesso aos registros sigilosos para a ob-tenção de prova criminal deve: a) explicitar as hipóteses possíveis de aces-so, b) arrolar as pessoas ou entidades que tem direito ao acesso, c) prever os órgãos competentes para autorizar o acesso. Por outro lado, duas pre-missas importantes derivam estabelecimento desses contornos legislativos: a0 o acesso fora dos limites delineados pela Lei constitui violação do direito ao sigilo, b) em caso de dúvida sobre a possibilidade de acesso, a interpre-tação da norma autorizadora deve ser restritiva, nunca ampliativa.

Saliente-se, entretanto, que em se tratando da violação autorizada de direito

fundamental, não há como se aplicar uma formula genérica a todos os casos. Mister

co Central da República do Brasil. [...] §5º Os agentes fiscais tributários do Ministério da Fazenda e dos Estados somente po-derão proceder a exames de documentos, livros e registros de contas de depósitos, quando houver processo instaurado e os mesmos forem considerados indispensáveis pela autoridade competente. §6º O disposto no parágrafo anterior se aplica igual-mente à prestação de esclarecimentos e informes pelas instituições financeiras às autoridades fiscais, devendo sempre estas e os exames serem conservados em sigilo, não podendo ser utilizados senão reservadamente.” 262

Há também na legislação esparsa outras disposições acerca da quebra do sigilo financeiro, como o artigo 2º da Lei 9.034/95 que trata das organizações criminosas; O artigo 11, §3º da Lei 9.311/96 que trata da CPMF; O artigo 14§3º da Lei 9.613/98, autorizou a fiscalização pelo COAF; O artigo 28 da Lei 7.492/86, que determina ao BACEN e à CVM o dever de informar o MP F da ocorrência de crimes , enviando os documentos necessários à comprovação; e o artigo 198 do CTN; 263

FERNANDES, Antonio Scarance. O sigilo financeiro e a prova criminal. in SILVA, Marco Antonio Marques da; COSTA, José de Faria (Coord.) Direito Penal Especial, Processo Penal e Direitos Fundamentais. São Paulo: Quartier Latin, 2006, p. 462;

165

o enfrentamento de conflitos entre preceitos fundamentais, posto que a Constituição

Federal reconhece como Garantia Fundamental a preservação do sigilo e o interes-

se social na obtenção da informação, afim de contribuir na elucidação de um crime.

Desta forma, entre a valoração decorrente da colisão entre princípios, deve haver

uma ponderação, verificando-se qual das bases tem maior peso no caso concreto,

analisando-se todas as circunstâncias a fim de se chegar a uma decisão mais justa

e que preconize a observância da Constituição da República.

E esta regra da colisão e ponderação de princípios aplica-se inteiramente à

temática da preservação do sigilo financeiro e a obtenção da prova criminal. Se é

através da preservação do sigilo que se busca preservar as informações do indiví-

duo, como que se obteria a prova crucial para a comprovação de um delito pelo indi-

víduo. Como já dissemos, a regra da ponderação e da proporcionalidade na valora-

ção dos princípios cabe plenamente, observando-se cada caso concreto individual-

mente.

Tecidas tais conclusões, a quebra do sigilo financeiro pode ser decretada

tanto na fase de persecução criminal, quanto no transcorrer da ação penal, não se

afastando da necessidade da decisão de quebra, tanto em uma fase como noutra,

ser ponderada e devidamente fundamentada.

Por assim delimitado, a Lei Complementar n. 105/01 referenda todos os pre-

ceitos essenciais sobre a quebra do sigilo e a produção da prova no âmbito do pro-

cesso penal. O artigo 1º da Lei estipula de forma geral a preservação do sigilo ban-

cário, delimitando, no entanto, no seu Parágrafo 4º, colaciona que: “a quebra do sigi-

lo financeiro pode ser decretada, quando necessária para a apuração de ocorrência

de qualquer ilícito, em qualquer fase do inquérito ou do processo judicial […]” esta-

belecendo um rol de crimes dos quais a quebra do sigilo financeiro poderia ser meio

de obtenção de prova264. Quanto a este rol, anota JULIANA GARCIA BELLOQUE265

que:

O rol de crimes trazido pela disposição legal é meramente exemplificativo,

264

Antonio Scarance Fernandes menciona que a quebra autorizada do sigilo financeiro corresponde a meio de obtenção de prova, distinguindo de meio de produção de prova, que entende “aquilo que é utilizado para trazer a fonte de prova para o pro-cesso... Considera-se meio de obtenção de prova o instrumento que possibilita chegar à fonte de prova. FERNANDES, Antonio Scarance. O sigilo financeiro e a prova criminal. “in SILVA, Marco Antonio Marques da; COSTA, José de Faria (Coord.) Direito Penal Especial, Processo Penal e Direitos Fundamentais. São Paulo: Quartier Latin, 2006, p. 462. 265

BELLOQUE, Juliana Garcia. Sigilo bancário: análise crítica da LC 105/2001. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003. 85 a. 95 p.

166

havendo a ressalva de que a quebra de sigilo deve ser utilizada especial-mente para a apuração das infrações ali enumeradas. São elencados os crimes de terrorismo; tráfico ilícito de entorpecentes; contrabando, tráfico de armas, munições ou material destinado a sua produção; extorsão mediante seqüestro; contra o sistema financeiro nacional, a Administração Pública, a ordem tributária e a previdência social; lavagem de dinheiro; e, por fim, to-dos aqueles praticados por organizações criminosas. Alguns são marcados por sua gravidade, outros pela estreita conexão com a utilização dos servi-ços disponibilizados pelas instituições financeiras, o que significa que o le-gislador não se esqueceu por completo do critério da proporcionalidade, rei-tor da restrição de direitos fundamentais, apesar de não o ter abraçado da forma devida. Para tanto, o rol deveria ser taxativo; pois, em se tratando de compreensão do sigilo financeiro, da lei exigem-se preceitos inequívocos e preciosos, que descrevam as específicas e excepcionais situações de ca-bimento da medida restritiva, as quais não poderiam ser elastecidas pelo in-térprete (sic.).

Ainda que se possa entender o rol como exemplificativo, como entende par-

te da doutrina, o dispositivo suscitado veio à tona para que pudesse o juiz utilizá-lo

como oriente na decisão de quebra do sigilo bancário para a obtenção da prova cri-

minal. Mesmo que se admita o acesso aos dados das instituições financeiras em

qualquer ilícito, a quebra do sigilo deve ainda ser interpretada como medida excep-

cional e cuja quebra deva depreender da estrita necessidade de se obter a prova.

De outra forma, também preceitua o artigo 1º da Lei Complementar n.

105/01 que não há a configuração de violação de sigilo financeiro, nas hipóteses do

fornecimento de informações cadastrais de cadastro de emitentes de cheques sem

provisão de fundos, inadimplentes e entidades de proteção ao crédito, além da co-

municação às autoridades competentes da prática de ilícitos penais ou administrati-

vos, e operações que envolvam a manipulação de recursos provenientes de ativida-

des ilícitas (ex vi. §3º). Contudo, há entendimento de que constituem tais normas de

conteúdo incompleto, por dependerem de normas que definam quais as autoridades

competentes para o recebimento de tais informações266.

Por derradeiro, ainda importante tecermos um último comentário acerca do

sigilo bancário. Para HUMBERTO GOUVEIA267, entende que a Lei Complementar n.

105/01 “descreve hipóteses especiais de inexistência de sigilo bancário”, por enten-

der que a investigação ou averiguação não recai sobre a instituição financeira, fisca-

lizando em prol da fidúcia no sistema financeiro, mas sim visa investigar os bens dos

266

É o que questiona Antonio Scarance Fernandes in FERNANDES, Antonio Scarance. O sigilo financeiro e a prova criminal. “in SILVA, Marco Antonio Marques da; COSTA, José de Faria (Coord.) Direito Penal Especial, Processo Penal e Direitos Fun-damentais. São Paulo: Quartier Latin, 2006, p. 466. 267

GOUVEIA, Humberto. Fundamentos e limites do sigilo Bancário, in SILVA, Marco Antonio Marques da. (Coord.) Processo Penal e Garantias Constitucionais. São Paulo: Quartier Latin, 2006, p. 314.

167

clientes das instituições financeiras, afim de que possa se elucidar praticas delitivas

tais quais a lavagem de dinheiro.

Discordamos, no entanto, de tal entendimento, pois cremos que a legislação

infraconstitucional, ainda que tenha ampliado o rol de hipóteses que não constituem

a violação do sigilo acobertado pela Lei Complementar n. 105/01, ainda há uma

margem de proteção trazida pelo diploma legal, como observado pelo caput do arti-

go 1º, bem como é de entendimento de maior parte da doutrina que o sigilo bancário

decorre da intimidade e da vida privada, recebendo a devida proteção pelo que dis-

põe o artigo 5º da Constituição Federal, no seu inciso X, bem como as suas informa-

ções depositadas nas mãos das instituições financeiras são acobertadas também

pelo sigilo dos dados, conforme estatui o inciso XII do mesmo preceito.

6.5.1 A decisão de quebra do sigilo financeiro: a questão da reserva de jurisdição

Com a singela leitura da Lei Complementar n. 105/01, verifica-se plenamen-

te que não traz esta qualquer regra sobre a decisão acerca da quebra do sigilo fi-

nanceiro para a obtenção da prova criminal. Antes do advento da Lei Complementar

n. 105/01, ainda na vigência do artigo 38 da Lei n. 4.595/64, havia o entendimento

majoritário da doutrina e da jurisprudência que somente poderia ser decretada a

quebra do sigilo mediante decisão judicial. Mas assim revogado tal dispositivo, não

faz menção a Lei Complementar n. 105/01 sobre a necessidade da decretação da

quebra por Juiz, e ainda traz um leque ampliado autorizando o acesso a dados sigi-

losos sem que haja decisão judicial.

ANTONIO SCARANCE FERNANDES268 alerta para a controvérsia acerca

da necessidade da decisão judicial para a quebra do sigilo, mencionando correntes

distintas, da qual os que negam a necessidade de decisão judicial para a quebra do

sigilo financeiro justificam seu embasamento no fato de que a Constituição Federal

não consagrou expressamente a imprescindibilidade da decisão judicial para a ga-

rantia do sigilo financeiro, como fez com outras garantias. No entanto, entendemos

268

FERNANDES, Antonio Scarance. O sigilo financeiro e a prova criminal. “in SILVA, Marco Antonio Marques da; COSTA, José de Faria (Coord.) Direito Penal Especial, Processo Penal e Direitos Fundamentais. São Paulo: Quartier Latin, 2006, p. 469;

168

que há a necessidade que a quebra do sigilo financeiro preceda autorização judicial,

pela própria natureza constitucional do direito subjetivo e a necessária observância

de algumas garantias do processo.

A reserva de jurisdição ainda não encontra a devida atenção pela doutrina,

bem como não resta pacífica na Jurisprudência. Porém, entendemos que a flexibili-

zação de direitos e garantias fundamentais individuais não podem ser objeto de alvi-

tre de qualquer autoridade administrativa ou órgão público, porque, como pondera

JOSÉ PAULO BALTAZAR JUNIOR269, amparado na colocação de J.J. GOMES CA-

NOTILHO, pondera que “ao Poder Judiciário é reservado não somente o monopólio

da última palavra (CFRB, art. 5o, XXV), mas também o monopólio da primeira pala-

vra”. Deste modo, não se pode concluir que por não haver previsão expressa acerca

da reserva de jurisdição no que tange ao sigilo financeiro, resta afastada a necessi-

dade de se submeter a quebra de sigilo ao Poder Judiciário.

Dando ênfase à discussão, colaciona ANTONIO SCARANCE FERNAN-

DES270 que:

Entre duas interpretações possíveis – a que defende a reserva de jurisdição para a produção da prova mediante quebra de sigilo financeiro, e a que a afasta – deve-se acolher a que privilegia o direito individual. Isso porque as interpretações sobre restrições a direitos individuais devem ser estritas, não ampliativas.

Por assim entendido, posicionamo-nos acerca da necessidade da reserva de

jurisdição para a quebra do sigilo bancário, mencionando que a Lei Complementar n.

105/01 atribuiu a quebra do sigilo bancário e a prestação de informações acoberta-

das pelo sigilo a entes administrativos e fiscais de forma indevida.

6.5.1.1 A decisão da quebra de sigilo financeiro

Inobstante à ausência de previsão de regras específicas para as decisões

de quebra de sigilo financeiro pelo magistrado no bojo da Lei Complementar 105/01,

269

BALTAZAR JUNIOR. José Paulo. Sigilo bancário e privacidade. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2005, p. 152; 270

FERNANDES, Antonio Scarance. O sigilo financeiro e a prova criminal. “in SILVA, Marco Antonio Marques da; COSTA, José de Faria (Coord.) Direito Penal Especial, Processo Penal e Direitos Fundamentais. São Paulo: Quartier Latin, 2006, p. 471;

169

a decisão para a quebra do sigilo bancário, por se tratar de medida cautelar, deve

cumprir os requisitos e pressupostos para a decretação de decisão desta estirpe.

Primeiramente, como todas as decisões judiciais, deve haver a precisa e es-

sencial motivação dos atos decisórios, preconizada pelo inciso IX, do artigo 93 da

Constituição Federal, visto que a ausência desta pode, inclusive, dar ensejo à nuli-

dade da decisão e de seus efeitos, bem como deve observar ainda os critérios da

necessidade, proporcionalidade e da legalidade, regentes da produção da prova no

processo penal.

E por se tratar de decisão de caráter cautelar, ainda há a necessidade de

estarem presentes os requisitos inerentes a todas as cautelares, quer o fumus boni

juris e o periculum in mora.

Neste caso específico, o magistrado deve analisar a presença do fumus boni

juris na suspeita fundada de ter o indivíduo praticado ilícito penal,

Da mesma feita deve haver o periculum in mora, consistindo na impossibili-

dade da demora poder contribuir para fazer desaparecer os valores do investiga-

do/acusado, dificultando a investigação e prejudicando a ação principal.

E assim sendo, deve o juiz, ao analisar a viabilidade da quebra do sigilo, de-

ve ponderar acerca da necessidade ou não medida cautelar, sopesando os valores

em conflito.

6.5.2 O Ministério Público e a quebra do sigilo financeiro

Durante o advento da Lei n. 4.595/64, em virtude da restrição à quebra do

sigilo bancário contida no artigo 38, não havia como se cogitar a quebra do sigilo fi-

nanceiro sem que houvesse decisão judicial determinando a sua violação. Mas, com

a revogação expressa do dispositivo e o advento da Lei Complementar n. 105/01,

parte da doutrina passou a sustentar a possibilidade da obtenção pelo Ministério Pú-

blico, dados de diretamente dos órgãos fiscais e instituições financeiras, principal-

170

mente no que colaciona o artigo 9º, da referida Lei, que determina ao Banco Central

e à Comissão de Valores Mobiliários a comunicação de ilícitos ou indícios da prática

de crimes, remetendo juntamente com a comunicação, os documentos que a emba-

sem.

Mesmo que haja tal previsão, conforme colaciona parte da doutrina, a Lei

Complementar não permite a quebra do sigilo pelo Ministério Público, mas apenas a

“troca de informações entre os órgãos fiscais e os órgãos administrativos encarrega-

dos de fiscalizar operações financeiras e bancárias, os quais, entretanto, nos termos

da Lei, devem ainda manter o sigilo financeiro”271.

Aliado a isso, SERGIO FERNANDO MORO272 coloca interessante observa-

ção, ao ponderar que:

Uma quebra de sigilo, com afetação da esfera privada, demanda causa fun-dada, com o que, desde logo, deve ser afastada qualquer interpretação no sentido de que esta poderia ser dispensada. É também razoável argumentar que, quanto maior a intromissão na esfera privada, tanto maiores devem ser as razões. Portanto, quanto mais invasivo o método de investigação, maior deve ser a proteção da esfera privada.

Este pensamento nos leva a crer que a mitigação da privacidade não pode

ser realizada de maneira extrema, mas sim, pensada, ponderada, e avaliando a ne-

cessidade. Tratando-se de medida cautelar, deve ser precedida de autorização judi-

cial, motivada, demonstrando o periculum in mora e o fumus boni juris, com a finali-

dade de não somente a busca da prova ou de bens para servir de base à uma ação

penal. Deve-se pensar em ambos os lados da relação processual e possibilitar ao

acusado que conheça as causas de fato e de Direito que serviram para a decretação

da quebra do seu sigilo bancário, de modo a possibilitar sua defesa e manter a sua

dignidade humana. Neste sentido, entendemos que qualquer quebra da privacidade,

e nesta compreendida a quebra do sigilo bancário, deve ser precedida de ordem ju-

dicial fundamentada, sendo temerária sua quebra pelo Ministério Público. Até mes-

mo porque, parodiando o assinalado por MARCO ANTONIO MARQUES DA SIL-

VA273:

271

FERNANDES, Antonio Scarance. O sigilo financeiro e a prova criminal. In SILVA, Marco Antonio Marques da; COSTA, José de Faria (Coord.) Direito Penal Especial, Processo Penal e Direitos Fundamentais. São Paulo: Quartier Latin, 2006, p. 475. 272

MORO, Sergio Fernando. Crime de lavagem de dinheiro. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 106; 273

Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Recurso de Apelação n. 0002237-86.2010.8.26.0024. Relator Desembargador Marco Antonio Marques da Silva. V.U. Julgamento com a participação dos Desembargadores José Raul Gavião de Almeida (Presidente sem voto), Ricardo Tucunduva e Ericson Maranho. Julgado em 08 de novembro de 2012;

171

O respectivo pensamento indica um restabelecimento da posição de verda-deiro “inquisidor” ao Ministério Público que, no exercício da investigação e posterior apresentação da acusação, privilegiando o que quer investigar, se-lecionando as provas colhidas, exercendo verdadeiro “poder sem controle” ou fiscalização de outros órgãos institucionais, agiria de forma inconstitucio-nal [...].

Neste sentido, complementa JULIANA GARCIA BELOQUE274, ao mencionar

que a Lei Complementar n. 105/01 não conferiu poderes de quebra de sigilo ao Mi-

nistério Público, concluiu que:

[...] não conferiu, ao menos de maneira clara, atribuição ao Ministério Públi-co para requisição direta de informações sigilosas às instituições financei-ras... Não obstante a abertura desenhada pela lei, há de se prevalecer nos tribunais o entendimento de que, para a instrução dos processos ou proce-dimentos administrativos em que atua, o membro do Ministério Público deva requerer a decretação da quebra de sigilo financeiro à autoridade judiciária competente, demonstrando a existência de justa causa.

Com isso, podemos concluir que somente atribuiu-se o poder de receber in-

formações acerca de ilícitos ao Ministério Público, não possuindo este autonomia e

poderes para violar o sigilo financeiro dos investigados, devendo sempre requerer a

quebra a autoridade Judiciária competente.

6.5.3 A quebra do sigilo bancário e a lavagem de capitais

No âmbito da Lavagem de Capitais, a quebra do sigilo financeiro para fins de

instrução processual vem grifada no artigo 1º, §4º, inciso VIII da Lei Complementar

n. 105/2001275. Essa medida, de acordo com a previsão legal, trata-se de medida de

acordo com a Constituição da República, pois assegura que as quebras de sigilo se-

jam precedidas de decisão judicial fundamentada, com o escopo de emprestar segu-

rança jurídica à flexibilização dos Direitos e Garantias Fundamentais.

No entanto, um conflito que se estabelece se dá com relação ao artigo 10,

inciso III, da Lei n. 9.613/98, que determina que as pessoas físicas e jurídicas elen-

cadas no artigo 9º, da Lei, devem fornecer, compulsoriamente, informações cadas-

274

In Sigilo Bancário – Análise Crítica da LC 105/2001. São Paulo: Revista dos Tribunais, p. 142/143. 275

Art. 1º As instituições financeiras conservarão sigilo em suas operações ativas e passivas e serviços prestados.[...] § 4º A quebra de sigilo poderá ser decretada, quando necessária para apuração de ocorrência de qualquer ilícito, em qualquer fase do inquérito ou do processo judicial, e especialmente nos seguintes crimes:[...] VIII – lavagem de dinheiro ou ocultação de bens, direitos e valores; (grifo nosso);

172

trais e comunicar operações suspeitas aos órgãos de controle e investigação. Essa

medida surge como inovação, trazida pela Lei n. 12.683/12, sendo certo que a reda-

ção anterior prevalecia que as requisições formuladas pelo COAF seriam processa-

das em segredo de justiça. Dessa maneira, o representante do COAF deveria apre-

sentar requerimento formal ao juízo criminal competente, requerendo a expedição de

ofício requisitório para o aprofundamento das investigações. A autoridade judiciária,

caso entendesse pela existência de indícios suficientes de práticas financeiras ou

comerciais ilícitas, e ainda analisando os requisitos inerentes às medidas cautelares,

quer seja, o fumus boni iuris e o periculum in mora, permitiria a quebra do sigilo fi-

nanceiro do investigado. A respeito disto, outrossim, o Conselho Nacional de Justiça

havia, no ano de 2010, padronizado os pedidos de quebra de sigilo bancário, com o

intuito de facilitar os trabalhos, determinando que todas as comunicações de movi-

mentações financeiras deveriam ser procedidas por intermédio de decisão judicial,

conforme modelo definido pelo Banco Central, pela Carta-Circular n. 3.454.

No entanto, modificado o inciso III, do artigo 10 da Lei n. 9.613/98, pela Lei

n. 12.683/12, passou a se obrigar as pessoas físicas e jurídicas constantes do rol do

artigo 9º a fornecerem apontamentos e comunicarem compulsoriamente atividades

financeiras ou comerciais suspeitas, suprimindo-se, com a alteração, a necessidade

de autorização judicial para a quebra do sigilo financeiro.

Nitidamente, consiste a previsão na Lei de Lavagem de Capitais, uma viola-

ção à garantia da intimidade, instituindo-se uma flexibilização ex lege e compulsória

do Direito constitucional à intimidade, em prol da repressão penal, abarcando no or-

denamento jurídico uma maneira “legalizada” de vilipendiar a intimidade do indiví-

duo. A este teor, fundamenta MARCO ANTONIO DE BARROS276 que:

Realmente, o legislador foi fundo nas alterações, pois de acordo com alguns dispositivos da LC 105/2001, ignora-se a garantia constitucional do sigilo e consequentemente libera-se a circulação da comunicação entre represen-tantes de órgãos reguladores do governo, às autoridades competentes, no-ticiando a suposta prática de ilícitos penais ou administrativos, abrangendo o fornecimento de informações sobre operações que envolvam recursos provenientes de qualquer prática criminosa.

Instala-se o conflito entre a Lei n. 9.613/98, com as alterações produzidas

pela Lei n. 12.683/12 e a Lei Complementar n. 105/20014, na medida em que uma

276

BARROS, Marco Antonio de. Lavagem de capitais e obrigações civis correlatas 3. ed. revista, atualizada e ampliada. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013, p. 426;

173

prioriza a quebra do sigilo financeiro de maneira que deve haver fundada suspeita,

observando-se a necessidade de ordem judicial, e de outro lado, a Lei de Lavagem

de Capitais que preconiza hipótese de quebra de sigilo compulsória.

No entanto, entendemos que essa quebra estabelecida pela Lei de Lavagem

de Capitais é indevida, pois se para toda e qualquer flexibilização de Direitos e Ga-

rantias Fundamentais Individuais se faz necessário ordem judicial fundamentada,

por que essa obrigação imposta pela Lei 9.613/98 permite essa violação do sigilo

bancário de maneira deliberada e ex lege?

Tem-se que toda decisão que cerceia, limita, restringe ou flexibiliza um Direi-

to ou uma Garantia Fundamental, deve ser precedida de ordem judicial fundamenta-

da. Isso porque se deve dar amplo conhecimento sobre as razões de fato e de Direi-

to que o Magistrado ponderou para se tomar a medida de constrição de Direitos. As-

sim o é com a prisão, sendo certo que a Lei n. 11.343/06 previa a prisão preventiva

ex lege e fôra declarada inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal277.

Daí, a comunicação de atividades atípicas somente poderia ser alvo de in-

vestigação, onde, diante de fundada suspeita, houvesse autorização judicial para a

atuação dos órgãos de vigilância, tal como o COAF.

Realmente, é algo que não se pode fundamentar de outra maneira, senão

na emergência, na política criminal que visa coibir riscos e ameaças, pois se até

mesmo para a interceptação telefônica, para que se consiga uma lista de registro de

chamadas realizadas e recebidas, se faz necessário uma decisão judicial fundamen-

tada, sob pena de que, na sua ausência, incorra o agente violador do sigilo nas iras

do artigo 10 da Lei n. 9.296/96, cremos ser inconcebível esse dever de comunica-

ções das atividades comerciais e movimentações financeiras que um órgão julga a-

típica, para que verifique se há a prática de crime de Lavagem de Capitais.

Neste escopo, MARCO ANTONIO DE BARROS278 finaliza que:

Uma coisa é certa: sob o cobertor que agasalha as chamadas providências preventivas, não param de crescer encargos que devem ser cumpridos pe-los sujeitos-obrigados. A cada dia que passa, torna-se mais marcante e evi-

277

ex vi da decisão prolatada no Habeas Corpus n. 104.339/SP, de relatoria do Ministro Gilmar Mendes, que tramitou perante o Supremo Tribunal Federal; 278

BARROS, Marco Antonio de. Lavagem de capitais e obrigações civis correlatas 3. ed. revista, atualizada e ampliada. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013, p. 426;

174

dente o fato de se intensificar a fiscalização nas áreas atingidas pela Lei de Lavagem.

Temos que tais medidas seriam louváveis se houvesse a suspeita anterior,

porém, o Estado age de forma como se todos os cidadãos praticassem crimes de

Lavagem, obrigando pessoas físicas e jurídicas a colaborar com sua vigilância, sob

pena de medidas administrativas, cíveis e criminais, instituindo um Estado policia-

lesco, no qual o cidadão não mais tem Direito a manter segredos, devendo abrir mão

da sua intimidade, imperando a política da vigilância, que GEORGE ORWELL es-

crevera no seu romance distópico279 “1984”280.

6.6 A INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA E A LIBERAÇÃO ANTECIPADA DOS

BENS

Uma das questões mais polêmicas da Lei de Lavagem de Capitais advém

da inversão do ônus da prova, onde decretadas as medidas assecuratórias sobre

bens, direitos e valores do investigado/acusado, este deverá comprovar a origem

lícita da aquisição para que possa realizar a liberação antecipada de seus bens, di-

reitos e valores.

A Lei parametriza que para a constrição dos bens do investigado/acusado,

basta a presença de indícios suficientes da infração penal, impondo, de outro lado,

que seja comprovada a origem lícita dos bens pelo investigado/acusado, impondo,

assim, uma “distribuição” do ônus às partes.

Ao analisarmos o referido dispositivo, aqui deverá ser redobrada a atenção

quanto a sua interpretação pois pelo que esboça a Lei, trata-se de verdadeira obri-

gação do acusado fazer prova da licitude dos bens que são de sua propriedade para

279

Distopia, segundo o dicionário Houaiss da língua portuguesa, consiste em: 1[...] 2 lugar ou estado imaginário em que se vive em condições de extrema opressão, desespero ou privação; antiutopia 3 qualquer representação ou descrição de uma organi-zação social futura caracterizada por condições de vida insuportáveis, com o objetivo de criticar tendências da sociedade atual, ou parodiar utopias, alertando para os seus perigos; antiutopia; 280

No romance escrito pelo autor inglês Eric Arthur Blair, sob o pseudônimo George Orwell, trata de uma obra de ficção, um romance distópico no qual a sociedade criada pelo autor (Pista n. 1), era regida de maneira totalitária por um comandante de-nominado “Grande Irmão”(Big Brother). Esta sociedade era vigiada constantemente pelo “Grande Irmão” tanto por câmeras de segurança, quanto por meio de mecanismo denominado “Teletela”(Telescreen), que consistia em um dispositivo semelhante a um televisor, mas com uma característica bidirecional, ou seja, permitia tanto ver, como ser visto. Este mecanismo possibilitava a vigilância permanente de toda a sociedade, no interior de suas residências, possibilitando assim, a manipulação desta socie-dade. In ORWELL, George. 1984. Tradução de Heloisa Jahn e e Alexandre Hubner. São Paulo: Companhia das Letras, 2009

175

que estes lhe possam ser restituídos, no qual ao invés de exigir o Ministério Público

a prova da ilicitude do patrimônio, exige que o réu prove a origem lícita dos bens,

direitos e valores objetos de constrição pela decretação de uma das medidas asse-

curatórias. A própria Exposição de Motivos da Lei de Lavagem insere esta possibili-

dade:

67. Observe-se que essa inversão do ônus da prova circunscreve-se, à a-preensão ou ao seqüestro dos bens, direitos ou valores. Não se estende ela ao perdimento dos mesmos, que somente se dará com a condenação (art. 7º, I). Na medida em que fosse exigida, para só a apreensão ou o seqües-tro, a prova da origem ilícita dos bens, direitos ou valores, estariam inviabili-zadas as providências, em face da virtual impossibilidade, nessa fase, de tal prova (sic).

Há quem entenda, como ANGELO ANSANELLI JUNIOR281, que a Lei de

Lavagem de Capitais não implica uma inversão do ônus da prova nas medidas as-

securatórias, ao passo que:

[...] há a necessidade da prova, a cargo do Ministério Público, de que exis-tem indícios de que os bens, valores ou direitos são oriundos dos delitos de lavagem para a decretação do seqüestro; contudo, havendo provas ofereci-das pelo indiciado ou acusado de que os bens são de procedência lícita, comprova-se a ausência do requisito da fumaça do bom direito, e, por con-seguinte, a liberação dos bens (sic).

Da mesma maneira, GUSTAVO HENRIQUE BADARÓ e PIERPAOLO CRUZ

BOTTINI282, sobre o texto do §2º, do artigo 4º da Lei de Lavagem de Capitais, apon-

tam que:

Não nos parece [...] que tenha havido qualquer inversão do ônus da prova e, muito menos, que a sistemática adotada no art. 4º da Lei 9.613/98 tenha ares de novidade no ordenamento jurídico pátrio. O que se previu foi a mera possibilidade de concessão de medidas cautelares de sequestro de bens ou de busca e apreensão, desde que haja “indícios suficientes” de proveniência ilícita. Isso nada mais é do que um juízo de probabilidade sobre a ilicitude do bem que, como em toda e qualquer medida cautelar, contenta-se com a presença do fumus boni juris não se exigindo a certeza do ius.

Neste contexto, àqueles que entendem absolutamente possível haver a dis-

tribuição do ônus da prova283, se amparam na inexigibilidade do Ministério Público

comprovar a origem ilícita do bem sob o qual recai a suspeita, de maneira que bas-

281

ANSELLI JUNIOR. Angelo. Aspectos processuais dos crimes de lavagem de dinheiro. Disponível em <https://aplicacao.mp. mg.gov.br/xmlui/bitstream/handle/123456789/72/aspectos%20processuais_Ansanelli.pdf?sequence=1>. Acessado em 10.07. 2013; 282

BADARÓ, Gustavo Henrique; BOTINI, Pierpaolo Cruz. Lavagem de dinheiro: aspectos penais e processuais penais. Co-mentários à lei 9.613/98 com as alterações da Lei 12.683/12. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 299; 283

Neste sentido: BADARÓ, Gustavo Henrique; BOTTINI, Pierpaolo Cruz. Lavagem de dinheiro: aspectos penais e processuais penais. Comentários à lei 9.613/98 com as alterações da Lei 12.683/12. São Paulo: Saraiva, 2012; BARROS, Marco Antonio de. Lavagem de capitais e obrigações civis correlatas. 3. ed. revista, atualizada e ampliada. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013; MENDRONI, Marcelo Batlouni. Crime de lavagem de dinheiro. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2013;

176

taria a indicação de um grau de indício que autorizaria presumir que aqueles bens

fossem provenientes de origem ilícita, em especial ao crime de lavagem de capitais

ou da infração penal anterior. A inversão do ônus, neste parâmetro, como coloca

ADA PELEGRINI GRINOVER284, consistiria em uma carga menos para a acusação,

ao passo que para a liberação dos bens, exige-se a necessária comprovação da lici-

tude dos bens, direitos e valores.

Essa medida, como se extraí da Exposição de Motivos, veio por imposição

de acordos internacionais dos quais o Brasil se obrigou a cumprir, em especial à

Convenção de Viena285, que institui parâmetros de combate ao tráfico de entorpe-

centes e o crime organizado transnacional. Como se viu e como se vê do seu artigo

5, item 7:

Cada Parte considerará a possibilidade de inverter o ônus da prova com respeito à origem lícita do suposto produto ou outros bens sujeitos a confis-co, na medida em que isto seja compatível com os princípios de direito in-terno e com a natureza de seus procedimentos jurídicos e de outros proce-dimentos.

Pelo que se verifica do texto da Convenção de Viena de 1988,286 a questão

do ônus da prova se enquadraria melhor na regra geral do Código de Processo Pe-

nal, da qual exige a ausência de dúvidas de que os bens não tinham proveniência

ilícita (artigo 120). No entanto, a Lei de Lavagem de Capitais imprime um plus ao

acusado, impondo que este faça prova de que os bens são de origem lícita287. Entre

as expressões, em primeiro plano, não transparece que nenhuma diferença se faz

entre os institutos. Mas um exame mais acurado do standard revela uma larga dife-

rença entre a “ausência de dúvida da proveniência lícita” e da “prova de que os bens

são de origem lícita”. Na primeira expressão, mais genérica, pela própria construção

se denota que ainda há uma margem de interpretação pelo respeito da presunção

de inocência, impondo ainda um papel à acusação de realizar atos que demonstrem

a ilicitude do patrimônio. Na segunda expressão, prevista na Lei de Lavagem de Ca-

pitais, para a liberação dos bens, imprescindível que o acusado ou interessado faça

284

GRINOVER, Ada Pelegrini. A legislação brasileira em face do crime organizado. Revista Brasileira de Ciências Criminais. São Paulo: Revista dos Tribunais, n. 20, out.- dez. 1997, p. 64; 285

Inserida no ordenamento jurídico brasileiro por meio do Decreto 154 de 26 de junho de 1991; 286

Tal disposição é repetida na Convenção de Palermo de 2000, onde se verifica pelo teor do seu Artigo 12, ítem 7: “Os Esta-dos-Partes poderão considerar a possibilidade de exigir que o autor de uma infração demonstre a proveniência ilícita do presu-mido produto do crime ou de outros bens que possam ser objeto de confisco – a identificação, a localização, o embargo ou a apreensão, ainda que controvertido, total ou parcialmente, noutros bens adquiridos legalmente e receitas ou outros benefícios obtidos”; 287

JULIOTTI, Pedro de Jesus. Inversão do ônus da prova e a Convenção das Nações Unidas Sobre o Combate ao Tráfico de Entorpecentes. Boletim do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais. São Paulo: Revista dos Tribunais, n. 70, out. 1998, p. 11;

177

prova da origem lícita, inexistindo aqui a distribuição do ônus, mas sim, a imposição

de obrigação à defesa, que acaso não demonstrada a origem lícita, manter-se-á a

constrição sobre os bens.

LUIZ FLÁVIO GOMES288 , advertia esta divergência de carga probatória,

quando escrevera que:

É preciso que seja bem compreendido esse dispositivo. Sua literalidade po-deria dar ensejo a uma interpretação completamente absurda e inconstitu-cional e que consistiria na exigência de inversão de ônus da prova (com fla-grante violação ao princípio da presunção de inocência). Dito de outra ma-neira: tem-se a impressão, pelo que está escrito na lei, que os bens só seri-am liberados, em qualquer hipótese, quando o acusado comprovasse sua licitude. Estaríamos, nesse caso, diante de interpretação inconstitucional e totalmente errônea.

Há, contudo, quem entenda absolutamente absurda a exigência da manu-

tenção da presunção de inocência em matéria de liberação antecipada dos bens.

MARCELO BATLOUNI MENDRONI289, aponta que esta inversão, ou atribuição do

ônus à defesa, não constitui uma quebra da presunção de inocência, simplesmente

porque:

[...] a “presunção” de inocência, como o próprio nome revela, nada mais é do que presunção. Diga-se, simples presunção. Presunção esta que po-de estar ou não adstrita a outro princípio constitucional – do devido proces-so legal. É dizer: o devido processo legal pode não estabelecer a presunção de inocência. Aliás, isso resta mais do que evidente na simples leitura do dispositivo constitucional: Art. 5

o, LIV: “Ninguém será privado da liberdade

ou de seus bens sem o devido processo legal” (sic. grifo nosso).

Não podemos, todavia, coadunar com este posicionamento, pois entender

que a presunção de inocência não passa de mera presunção, é entender que a dú-

vida deve sempre militar em prol da sociedade. É vergar a regra a seu modo e impor

a máxima de que todo bem de acusado de lavagem é presumidamente ilícito, e que,

portanto, deve ser constrito. É possibilitar o exercício do poder de punir do Estado no

seu limite. É ir contra a Constituição e os fundamentos do Estado Democrático de

Direito. De maneira difusa, a presunção de inocência é uma medida de proteção do

investigado/acusado, que impede que este receba qualquer punição antes de qual-

quer condenação transitada em julgado. Ainda mais quando esta punição se aplica

de maneira objetiva quando do cerceamento dos bens do investigado/acusado.

288

GOMES, Luiz Flávio. Lei de Lavagem de Capitais: aspectos processuais. Boletim do Instituto Brasileiro de Ciências Crimi-nais. São Paulo: Revista dos Tribunais, n. 65, Edição Especial abr. 1998; 289

MENDRONI, Marcelo Batlouni. Crime de lavagem de dinheiro. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2013, p. 214;

178

Uma observação que se faz, e que certamente se convola em crítica, consis-

te na medida em que esta comprovação da licitude dos bens nem sempre é possível

ao acusado, não porque o bem fôra adquirido de maneira ilícita, mas sim pela sim-

ples inexistência da prova. Exemplificando, se apreendido um bem que fôra adquiri-

do pelo investigado/acusado há mais de 10 anos, como que este fará prova de que o

bem fôra adquirido com proventos da atividade ilícita? A Lei exige que qualquer do-

cumento fiscal seja mantido por uma prazo de 05 anos290. Como que poderia fazer

esta prova? Deverá permanecer com o bem constrito e submetido ao confisco por-

que não consegue comprovar a origem lícita? Certamente que não. Por isso que a

presunção de inocência deve reger também as relações geradas por meio de medi-

das cautelares.

A distribuição do ônus da prova deve aqui não somente atribuir à defesa a

necessidade de comprovar a origem lícita dos bens, mas deve sopesar as respon-

sabilidades e atribuir uma carga de ônus correspondente entre as partes. Ao órgão

da acusação, necessário que apresente ao menos indício de que aquele bem em

específico fôra adquirido ou proveniente de infração penal, enquanto à defesa, de-

monstrada ao menos a verossimilhança de que aquele bem não fôra adquirido de

maneira ilícita, se manteria a possibilidade de liberação antecipada do bem. Porém,

não é esse o quadro da Lei de Lavagem de Capitais. Complementa IVES GANDRA

MARTINS291 referendando que:

[...] o que vale dizer, o artigo 5o, inciso LV, da Constituição Federal, cuja

dicção é a seguinte: “LV. aos litigantes, em processo judicial ou administra-tivo, e aos acusados em geral, são assegurados o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes” é absolutamente violenta-do!!!. Em outras palavras, a “ampla defesa” a que se refere o legislador, é retirar os bens suspeitos e só devolvê-los se a suspeita não se comprovar, mesmo que tal ato possa implicar a falência da empresa ou a paralisação completa dos negócios lícitos do acusado, injustamente!!!

Estabelecendo um paralelo à prisão cautelar, exige-se para a sua decreta-

ção a demonstração dos fumus comissi delicti e do periculum libertatis, sendo certo

que em uma relação equânime, pode ser revogada se demonstrada a ausência de

qualquer um destes requisitos, não se exigindo um juízo de certeza de que ocorrera

o crime ou de que o acusado seria seu autor. Exige-se apenas a demonstração da

290

Ex vi do prazo de prescrição insculpido nos artigos 173 e 174 do Código Tributário Nacional. 291

MARTINS, Ives Gandra da Silva. A esdrúxula lei de lavagem de dinheiro. Revista CEJ, vol. 2, n.° 5. Brasília: Conselho da Justiça Federal, maio-agosto/1998, p. 8-9;

179

desnecessidade da prisão cautelar para a ação penal, porque a prisão é a exceção,

sendo a liberdade, a regra. Mas por que com relação aos bens seria diferente se a

Constituição Federal não prevê que: “ninguém será privado da liberdade ou de

seus bens sem o devido processo legal” (artigo 5º, LIV)? E mais, a Constituição Fe-

deral também não assegura que “ninguém será considerado culpado até o trânsito

em julgado da sentença penal condenatória” (artigo 5º, LVII)?

Ora, se tais medidas são cabíveis para a revogação da constrição sobre a

liberdade individual, necessariamente se deve respeitá-las em se tratando da cons-

trição sobre os bens, direitos e valores do acusado292.

A presunção, como pondera ALEXANDRA VILELA, constitui mecanismo on-

de a partir de um fato conhecido, se aceita um outro fato desconhecido, sem que ha-

ja a necessidade de se recorrer a qualquer outro meio de prova. É um: “fundamento

lógico que repousa na ideia da probabilidade racional de que venha a acontecer o

facto presumido, uma vez verificado o facto real”293. Nestes moldes, trata-se a pre-

sunção de inocência, uma regra de tratamento do acusado na relação processual,

imposta e obrigatória, da qual não se pode furtar a aplicação. Como assinala ADAU-

TO SUANNES294:

[...] quer na esfera civil, quer na criminal, ei qui dicti incumbit probatio, a sig-nificar que na ausência de comprovação adequada a pretensão ajuizada pe-lo autor deve ser rejeitada [...] é o princípio que preside o ingresso de al-guém em juízo, ato que não pode ser decorrência de mero capricho ou levi-andade [...].

Dito isso, forçoso concluir que a regra de inversão do ônus da prova, da ma-

neira como estabelecido na Lei de Lavagem de Capitais, trata-se de mais um dos

instrumentos que o Estado dispõe para viabilizar o perdimento dos bens, permitindo

a constrição de bens, direitos e valores sem qualquer prova robusta, até que solução

concreta se resolva no mérito da ação penal.

292

Não podendo ser decretada por mera suspeita, não sendo admissível, da mesma forma, que seja decretada de modo uni-versal e generalizado, de modo a alcançar todos os bens dos acusados e suspeitos, no Brasil e no exterior, como uma pena de morte patrimonial. Ninguém sera privado de seus bens sem o devido processo legal. (TRF 1

a Região. Desembargador Olindo

Menezes. DJ de 18.11.2005). in GOMES, Rodrigo Carneiro. O crime organizado na visão da Convenção de Palermo. 2. ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2009, p. 182; 293

VILELA, Alexandra. Considerações acerca da presunção de inocência em direito processual penal. Coimbra: Coimbra Edi-tora, 2005, p. 81; 294

SUANNES, Adauto. Os fundamentos éticos do devido processo penal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999, p. 149;

180

6.6.1 Da manutenção de bens para o pagamento de prestação pecuniária, multa e

custas

Complementando o esboçado no item anterior e referendando nossa tese de

que a mens legis da Lei de Lavagem de Capitais seria a criação e aplicação de mei-

os de imposição de punições ao acusado por meio do processo, uma das alterações

produzidas pela Lei n. 12.683/2012 consiste na possibilidade da manutenção de

bens constritos mesmo que comprovada a sua licitude, mantendo-se a constrição de

bens, direitos e valores necessários para assegurar a reparação dos danos, ou ain-

da para o pagamento de prestação pecuniária, multa e custas decorrentes da infra-

ção penal.

Embora se entenda que há a efetiva possibilidade de manutenção da cons-

trição dos bens, mesmo comprovada a licitude da aquisição,

Não sendo despiciendo mencionar que o texto insculpido no artigo 4o, §2o,

da Lei de Lavagem de Capitais, apresenta incongruência na sua redação, ao passo

que em primeiro plano inverte o ônus da prova, impondo como requisito necessário

à liberação antecipada dos bens constritos, a comprovação da licitude dos bens, di-

reitos e valores, sua parte final abarca a possibilidade de mesmo assim, manter a

constrição de bens no quantum necessário a suprir eventual imposição de prestação

pecuniária ou multa, além de suprir o pagamento de custas decorrentes da infração

penal. Neste enfoque, necessário apontar que podemos tratar o dispositivo como

absolutamente inconstitucional, pois se por um lado, ainda que demonstremos en-

tendimento diverso, se autorize a distribuição do ônus da prova, por outro, a Lei de

Lavagem de Capitais, neste jaez, estaria impondo uma presunção de culpabilidade

premeditada e ex lege, da qual não coaduna com o Estado Democrático de Direito.

Em primeiro plano, porque, se a Lei autoriza a liberação antecipada, não se-

ria nem ao menos lógico manter a constrição dos bens até o final do processo, onde,

somente se comprovada a improcedência da acusação, é que se fará a restituição

total dos bens. Ou seja, a Lei possibilita a liberação dos bens, mas a sua liberação

total fica a critério da Autoridade Judiciária, pois poderá manter constrito os bens

quanto necessário para que em caso de “eventual” condenação, os bens possam

181

ser confiscados e empregada sua utilidade conforme o dispositivo legal. Impõe a re-

dação dada ao artigo que se faça um pré-juízo de culpabilidade do acusado, com

base em indícios da prática de infração penal, em que, mesmo demonstrada a licitu-

de dos bens, estes podem ser mantidos em custódia pelo Estado. Ora estaria se vio-

lando o devido processo legal, na medida em que a privação dos bens superaria

qualquer alegação de licitude.

Em segundo plano, como dito alhures, estar-se-ia violando a presunção de

inocência, na medida em que, em se tratando de uma regra de tratamento do acu-

sado no processo penal, empreender um óbice à liberação dos bens consubstancia-

ria um apontamento de culpabilidade que não seria autorizado no momento proces-

sual em que se dá a liberação antecipada dos bens, sendo certo concluir que a mera

probabilidade de que o crime efetivamente ocorrera não bastaria para manter a

constrição, mesmo que em parte, dos bens, direitos e valores do acusado, quando

comprovada sua licitude.

Em terceiro plano, o que ainda seria motivo de temeridade, consiste no em-

prego do verbete “custas” na redação do dispositivo. Deve ser levado em conta que

se faz ilegal a cobrança de qualquer taxa de recolhimento de custas na esfera penal

enquanto o feito não transitado em julgado295. As custas, taxas e despesas nos pro-

cessos criminais, quando devidas, somente poderão ser exigidas, ao final, nos ter-

mos do artigo 804 do Código de Processo Penal e do artigo 4º, §9º, alínea “a” da Lei

n. 11.608/03, não se podendo manter constrito os bens até que se obtenha o trânsito

em julgado. Além de não se obter a certeza de que daquele processo irá se proferir

uma decisão condenatória, também não se sabe quanto tempo até esta decisão

transitar em julgado, impondo assim, uma quebra de qualquer razoabilidade na ma-

nutenção da constrição.

Portanto, neste apontamento, esta referida parte do dispositivo legal não se

adequa às disposições fundantes do Estado Democrático de Direito.

295

Neste sentido: AÇÃO PENAL PÚBLICA. CUSTAS. INQUIRIÇÃO DE TESTEMUNHAS DA DEFESA. NA AÇÃO PENAL PÚ-BLICA, AS CUSTAS TORNAM-SE EXIGIVEIS TÃO-SÓ DEPOIS DE DECIDIDA A CAUSA, O INCIDENTE OU O RECURSO. RECURSO EXTRAORDINÁRIO CONHECIDO E PROVIDO. (Supremo Tribunal Federal. Relator Ministro Francisco Rezek – Recurso Extraordinário n. 102968/MS);

182

6.7 DO CONHECIMENTO DO PEDIDO DE LIBERAÇÃO DOS BENS, DIREITOS E

VALORES FACE À APRESENTAÇÃO DO ACUSADO OU INTERPOSTA PESSOA

A anterior redação da Lei n. 9.613/98 já previa um requisito essencial para o

conhecimento do pedido de liberação dos bens constritos, onde o acusado deveria

comparecer pessoalmente para que seu pedido fosse conhecido. Essa exigência

constituía, contudo, um contrassenso, pois pela mesma redação anterior não se

possibilitava a suspensão do processo com base no artigo 366 do Código de Pro-

cesso Penal, se permitia o processamento da ação penal sem a presença do acusa-

do, porém, quando se falava da constrição dos bens, essencial que este compare-

cesse pessoalmente para defender seu patrimônio. GUSTAVO HENRIQUE BADA-

RÓ e PIERPAOLO CRUZ BOTTINI296 a este teor consignam que:

Não deixa de ser contraditório na Lei de Lavagem, admitir que o acusado seja condenado sem estar presente para se defender da acusação penal e, em última análise, defender a sua liberdade, mas se exija que ele esteja presente para defender o seu patrimônio!

No entanto, a redação empreendida pela alteração produzida pela Lei n.

12.683/12, veio para corrigir esse contrassenso, possibilitando, neste ponto, que o

pedido de liberação dos bens seja conhecido através do comparecimento de inter-

posta pessoa. Ou seja, permite-se a presença de um representante ou procurador

do acusado para a apresentação do pedido de liberação dos bens constritos, o qual

deverá apresentar-se pessoalmente em juízo para que seu pedido seja conhecido.

A lei manteve a hipótese do não conhecimento, pois na ausência do acusa-

do, ou desta interposta pessoa, os bens permanecerão constritos, podendo ser

submetidos a perdimento após o trânsito em julgado e escoado o prazo de 90 (no-

venta) dias atribuído pela lei para a reclamação do levantamento dos bens (artigo 4º-

A, §10, III).

296

BADARÓ, Gustavo Henrique; BOTINI, Pierpaolo Cruz. Lavagem de dinheiro: aspectos penais e processuais penais. Co-mentários à lei 9.613/98 com as alterações da Lei 12.683/12. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 305;

183

6.8 DA ALIENAÇÃO ANTECIPADA

Art. 4o […]

§ 1o Proceder-se-á à alienação antecipada para preservação do valor dos

bens sempre que estiverem sujeitos a qualquer grau de deterioração ou de-preciação, ou quando houver dificuldade para sua manutenção. [...]

Uma das alterações mais polêmicas trazida pela Lei n. 12.683/12, sem dúvi-

das consiste na possibilidade da alienação antecipada de bens, direitos e valores

constritos por medidas assecuratórias. Essa inovação previu a possibilidade do Juí-

zo de desfazer dos bens, direitos e valores referentes aos investigados/acusados,

sob a alegação de preservação do valor dos bens, permitindo a sua venda antecipa-

da.

Essa medida de venda antecipada dos bens como assinala MARCO ANTO-

NIO DE BARROS297: “[...] consiste em agilizar o processo de leilão dos bens apre-

endidos, antecipando-se este momento para antes do trânsito em julgado da sen-

tença condenatória”.

Não se trata de uma medida inovadora no ordenamento jurídico brasileiro,

tendo sido anteriormente prevista na Lei n. 11.343/06, onde se permitia a alienação

de bens angariados com traficantes a pedido do Ministério Público, como providên-

cia cautelar.

Não seria despiciendo mencionar, no entanto, que a alienação antecipada,

no entanto, já era prevista pela Convenção de Palermo, sendo certo que ingressou

também como regra no Código de Processo Penal, através da Lei n. 12.694/12, ins-

tituindo o artigo 144-A.

No entanto, uma certa cautela deve ser tomada quanto à aplicação deste

instituto da alienação antecipada. De soslaio, tal medida seria temerosa se aplicada

inadvertidamente. De se ver que a permissão desta medida advém de duas hipóte-

ses preconizadas no artigo 4o, §1o, da Lei n. 9.613/98: a medida deverá ser procedi-

da quando os bens estiverem sujeitos à deterioração ou depreciação; e quando hou-

297

BARROS, Marco Antonio de. Lavagem de capitais e obrigações civis correlatas 3. ed. revista, atualizada e ampliada. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013, p. 229;

184

ver dificuldade para a sua manutenção.

No caso de alienação antecipada porque os bens estariam sujeitos a qual-

quer grau de deterioração ou depreciação, há de se advertir para a aplicação do ins-

tituto devido à sua possibilidade de interpretação ampla. Deterioração consiste no

processo de deturpação da qualidade original do bem, estragar. Depreciação, seria

a perda do valor de mercado do bem, a redução de preço de mercado de determi-

nado bem.

Daí que qualquer indicativo de redução do valor, ou perda da qualidade ori-

ginal do bem, por menor margem que seja, segundo a interpretação que se queira

dar, poderia ensejar a medida. Por óbvio que não, até mesmo porque, se o Estado

se incumbe de retirar os bens, mesmo que temporariamente, das mãos do acusado,

há de se presumi-lo inocente, razão esta que não se poderia aviltar o Direito de pro-

priedade sem fundada razão, devendo, para tanto, ser adotado critérios de razoabili-

dade e proporcionalidade para se evitar arbítrios298.

Deve ser demonstrado ao menos, uma projeção de perda de valor ou quali-

dade com o passar do tempo, não se admitindo, nesta hipótese, o mero achismo de

que o bem irá se deteriorar ou depreciar. Deverá vir embasado em laudo ou proje-

ção de mercado. Isso deve servir de medida protetiva ao acusado, pois somente po-

deria perder seus bens mediante a alienação antecipada com base em prova inequí-

voca da depreciação ou deterioração. Como ponderam GUSTAVO HENRIQUE BA-

DARÓ e PERPAOLO CRUZ BOTTINI299: “Uma depreciação normal pelo tempo, que

não leve a relevante depreciação do valor, não autoriza a alienação antecipada”.

A segunda hipótese, onde alegada a dificuldade para a manutenção dos

bens, torna-se ainda mais temerária a alienação antecipada. Isso porque, em primei-

ro plano, se não houver evidente risco aos bens, não há de se cogitar a alienação

antecipada dos bens. Deve ser comprovado o risco de perda de valor do bem, caso

contrário, deve ser mantido o bem pelo Estado, até que se efetue a devolução do

bem ao acusado ou se proceda o perdimento, com sentença penal condenatória

transitada em julgado.

298

Neste sentido: BADARÓ, Gustavo Henrique; BOTINI, Pierpaolo Cruz. Lavagem de dinheiro: aspectos penais e processuais penais. Comentários à lei 9.613/98 com as alterações da Lei 12.683/12. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 302; 299

BADARÓ, Gustavo Henrique; BOTINI, Pierpaolo Cruz. Lavagem de dinheiro: aspectos penais e processuais penais. Co-mentários à lei 9.613/98 com as alterações da Lei 12.683/12. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 302;

185

Outrossim, tomando por base o escrito por EUGÊNIO PACELLI300, se o Es-

tado não tem condição de manter os bens constritos por intermédio do arresto, es-

pecialização ou registro da hipoteca, ou sequestrados, primeiro se deveria transferir

a responsabilidade da manutenção dos bens à parte interessada, de quem o bem foi

retirado. Há outras medidas no ordenamento jurídico que impedem a transferência

do bem, como a imposição de gravames, bloqueios, caução, depósito fiel, etc., de

modo a permitir que o bem fique na posse do interessado, que se compromete à sua

manutenção, como assim fazia antes da constrição dos bens. Necessário recordar

que a Constituição Federal estabelece que ninguém será privado da liberdade, ou de

seus bens, sem o devido processo legal. De certa maneira, se o Estado, alegando

impossibilidade da manutenção dos bens, deve permitir em primeiro plano a manu-

tenção dos bens pelo acusado ou interessado, somente se resolvendo pela aliena-

ção antecipada quando alegada a impossibilidade por estas pessoas.

6.8.1. Do procedimento da alienação antecipada

Art. 4o-A A alienação antecipada para preservação de valor de bens sob

constrição será decretada pelo juiz, de ofício, a requerimento do Ministério Público ou por solicitação da parte interessada, mediante petição autônoma, que será autuada em apartado e cujos autos terão tramitação em separado em relação ao processo principal. § 1

o O requerimento de alienação deverá conter a relação de todos os de-

mais bens, com a descrição e a especificação de cada um deles, e informa-ções sobre quem os detém e local onde se encontram. § 2

o O juiz determinará a avaliação dos bens, nos autos apartados, e inti-

mará o Ministério Público. § 3

o Feita a avaliação e dirimidas eventuais divergências sobre o respectivo

laudo, o juiz, por sentença, homologará o valor atribuído aos bens e deter-minará sejam alienados em leilão ou pregão, preferencialmente eletrônico, por valor não inferior a 75% (setenta e cinco por cento) da avaliação. § 4

o Realizado o leilão, a quantia apurada será depositada em conta judicial

remunerada, adotando-se a seguinte disciplina: I - nos processos de competência da Justiça Federal e da Justiça do Distrito Federal: a) os depósitos serão efetuados na Caixa Econômica Federal ou em institu-ição financeira pública, mediante documento adequado para essa finalida-de; b) os depósitos serão repassados pela Caixa Econômica Federal ou por ou-tra instituição financeira pública para a Conta Única do Tesouro Nacional, independentemente de qualquer formalidade, no prazo de 24 (vinte e qua-tro) horas; e

300

OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Curso de processo penal. 17. ed. revista, atualizada e ampliada. São Paulo: Atlas, 2013, p. 319;

186

c) os valores devolvidos pela Caixa Econômica Federal ou por instituição fi-nanceira pública serão debitados à Conta Única do Tesouro Nacional, em subconta de restituição; II - nos processos de competência da Justiça dos Estados: a) os depósitos serão efetuados em instituição financeira designada em lei, preferencialmente pública, de cada Estado ou, na sua ausência, em institui-ção financeira pública da União; b) os depósitos serão repassados para a conta única de cada Estado, na forma da respectiva legislação. § 5

o Mediante ordem da autoridade judicial, o valor do depósito, após o

trânsito em julgado da sentença proferida na ação penal, será: I - em caso de sentença condenatória, nos processos de competência da Justiça Federal e da Justiça do Distrito Federal, incorporado definitivamente ao patrimônio da União, e, nos processos de competência da Justiça Esta-dual, incorporado ao patrimônio do Estado respectivo; II - em caso de sentença absolutória extintiva de punibilidade, colocado à disposição do réu pela instituição financeira, acrescido da remuneração da conta judicial. § 6

o A instituição financeira depositária manterá controle dos valores depo-

sitados ou devolvidos. § 7

o Serão deduzidos da quantia apurada no leilão todos os tributos e mul-

tas incidentes sobre o bem alienado, sem prejuízo de iniciativas que, no âmbito da competência de cada ente da Federação, venham a desonerar bens sob constrição judicial daqueles ônus. § 8

o Feito o depósito a que se refere o § 4

o deste artigo, os autos da alie-

nação serão apensados aos do processo principal. § 9

o Terão apenas efeito devolutivo os recursos interpostos contra as deci-

sões proferidas no curso do procedimento previsto neste artigo. § 10. Sobrevindo o trânsito em julgado de sentença penal condenatória, o juiz decretará, em favor, conforme o caso, da União ou do Estado: I - a perda dos valores depositados na conta remunerada e da fiança; II - a perda dos bens não alienados antecipadamente e daqueles aos quais não foi dada destinação prévia; e III - a perda dos bens não reclamados no prazo de 90 (noventa) dias após o trânsito em julgado da sentença condenatória, ressalvado o direito de lesa-do ou terceiro de boa-fé. § 11. Os bens a que se referem os incisos II e III do § 10 deste artigo serão adjudicados ou levados a leilão, depositando-se o saldo na conta única do respectivo ente. § 12. O juiz determinará ao registro público competente que emita docu-mento de habilitação à circulação e utilização dos bens colocados sob o uso e custódia das entidades a que se refere o caput deste artigo. § 13. Os recursos decorrentes da alienação antecipada de bens, direitos e valores oriundos do crime de tráfico ilícito de drogas e que tenham sido ob-jeto de dissimulação e ocultação nos termos desta Lei permanecem subme-tidos à disciplina definida em lei específica.

Conforme o salientado, vimos que a alienação antecipada consiste na ven-

da301 dos bens do acusado de lavagem por meio de leilão público, depositando-se

seu resultado em conta remunerada aos cuidados da Justiça, liberando-se ao acu-

sado em caso de absolvição, ou declarando-se o perdimento ou confisco, quando

prolatada sentença penal condenatória.

301

Grifamos o termo, pois em se tratando de medida de desfazimento dos bens do acusado, como meio de proteção, não se admitirá em momento algum a cessão gratuita dos bens, razão pela qual o valor, acaso o acusado seja absolvido, deverá ser ressarcido, acrescido de juros e mora;

187

Com base no caput do artigo 4o-A da Lei de Lavagem, vislumbra-se pela sua

exegese que a alienação antecipada será precedida de requerimento escrito, autua-

do em apartado ao feito principal, tramitando de maneira independente deste. A legi-

timidade é do Ministério Público, ou da “parte interessada”, como preconiza a reda-

ção do artigo. Mas qual será a parte interessada? Entendemos que cabe a terceiro

afetado por medida constritiva, ou seja, o terceiro cujo bem estava no nome, ao o-

fendido que requereu a decretação da medida assecuratória e ao próprio acusado.

Esposa-se o entendimento de que o acusado poderá requerer a alienação antecipa-

da dos bens visando a preservação de seu patrimônio, verificando-se a hipótese de

depreciação ou deterioração. Neste caso, a alienação antecipada servirá de medida

protetiva ao próprio acusado. Explicam GUSTAVO HENRIQUE BADARÓ E PIER-

PAOLO CRUZ BOTTINI302 neste ínterim que:

Os longos anos de tramitação do processo, que normalmente se estenderá por períodos mais extensos pela natural complexidade da causa, fará com que, quando a sentença transitar em julgado, o valor do bem seja muito pe-queno. [...] Já se estiver alienado antecipadamente, o valor estará preserva-do, tendo sido depositado em instituição financeira, e acrescido de remune-ração da conta judicial.

FAUSTO MARTIN DE SANCTIS303 complementa nesse sentido apontando

que:

Tal medida deve ser tomada com cautela, porquanto impõe-se avaliar o me-lhor momento para a sua realização, mediante constatação judicial (pesso-almente ou por informações devidamente certificadas nos autos), não se podendo descuidar do interesse do acusado. Este, certamente, preferirá re-ceber, em sendo absolvido, os valores decorrentes do leilão judicial ao tér-mino de seu processo criminal, que pode levar anos, ao invés de obter o bem em estágio terminal.

Outrossim, a lei ainda prevê a hipótese da alienação antecipada ser decre-

tada de ofício. Neste caso em específico, entendemos haver incongruência na medi-

da pois se o Magistrado mesmo apresentar a proposta de alienação antecipada, cer-

tamente já se formará um juízo prévio da necessidade, de maneira que independen-

temente do que se alegue em contrário, dificilmente se modificará o livre convenci-

mento do magistrado à respeito da alienação antecipada. Por tais razões, infirme-se

que seria necessário que o Magistrado se mantenha equidistante, se limitando a a-

tuar quando provocado.

302

BADARÓ, Gustavo Henrique; BOTINI, Pierpaolo Cruz. Lavagem de dinheiro: aspectos penais e processuais penais. Co-mentários à lei 9.613/98 com as alterações da Lei 12.683/12. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 329; 303

SANCTIS, Fausto Martin de. Crime organizado e lavagem de dinheiro: destinação de bens apreendidos, delação premiada e responsabilidade social. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 81;

188

Quanto ao momento de requerimento e decretação, de maneira difusa à Lei

n. 11.343/06, a Lei de Lavagem de Capitais não estabelece um determinado mo-

mento em que a alienação antecipada poderá ser requerida e decretada, apenas

deixando a certeza de que será posterior à efetivação da medida assecuratória, pelo

que se extraí da lógica e da exegese de seus dispositivos. Seria melhor, ao nosso

ver, se houvesse a previsão legal, como ocorre no artigo 62, §4o, da Lei n.

11.343/06, em que: “Após a instauração da competente ação penal [...]”, contudo, a

aplicação da medida segue apenas a lógica, sendo que caberá no curso do proces-

so àquelas medidas assecuratórias cabíveis apenas no processo, como a especiali-

zação da hipoteca, podendo ser decretada em sede de inquérito policial apenas

quando a medida assecuratória puder ser decretada no âmbito do inquérito policial.

No entanto, pactuamos do entendimento esposado por GUSTAVO HENRIQUE BA-

DARÓ e PIERPAOLO CRUZ BOTTINI304, quando escrevem que:

Via de regra, não se deve admitir uma medida tão gravosa e irreversível, antes sequer de haver denúncia oferecida. Se não há nem mesmo justa causa para a ação penal – se houvesse, certamente já haveria denúncia – como admitir que possam ser alienados antecipadamente, os bens dos in-vestigados? Mais do que isso, no caso do sequestro e do arresto subsidiá-rio, se tais medidas forem tomadas no curso do inquérito, sua eficácia esta-rá temporalmente limitada, e cessará caso a denúncia não seja oferecida: em 60 dias, no caso do sequestro (art. 131, I, do CPP), e, em 15 dias, no caso do arresto subsidiário (art. 136 do CPP). Por tudo isso, não é de se admitir a alienação antecipada no curso do inquérito.

Por esse motivo é que se adverte para a utilização moderada do instituto,

pois o arbítrio, neste caso, pode incorrer em prejuízo ao acusado, que deverá ser

reparado pelo Poder Público, uma vez que não se verifica a justa causa sequer para

a instauração de ação penal.

Em sequência, o §1o, do artigo 4o-A, define o conteúdo necessário do reque-

rimento de alienação antecipada, impondo que “O requerimento de alienação deverá

conter a relação de todos os demais bens, com a descrição e a especificação de ca-

da um deles, e informações sobre quem os detém e local onde se encontram”.

Aqui, verificamos uma impropriedade na redação, pois somente devem ser

identificados os bens que serão objetos da alienação antecipada. Por vezes, nem

todos os bens constritos serão objetos de alienação, mas como indicado pelo §1o,

304

BADARÓ, Gustavo Henrique; BOTINI, Pierpaolo Cruz. Lavagem de dinheiro: aspectos penais e processuais penais. Co-mentários à lei 9.613/98 com as alterações da Lei 12.683/12. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 330;

189

do artigo 4o da Lei n. 9.613/98, somente os bens passíveis de deterioração ou de-

preciação, além daqueles quais recaem a alegação de difícil manutenção, deverão

ser individualizados, não havendo a necessidade de, se não requerida a alienação

de determinado bem, que este seja individualizado.

Feita esta observação, esclareça-se que essa individualização dos bens se

faz necessária para que não ocorram equívocos no tocante ao objeto da alienação

antecipada. Não basta a indicação genérica ou de referência ao auto de busca e a-

preensão, sequestro, etc. Deverá indicar, com detalhes, todas as características e

nuances, como nos veículos, por exemplo, deverá conter a marca do fabricante,

modelo, ano de fabricação e de modelo, placas, cor, chassis, numeração do motor,

além do local onde está apreendido, ou, em caso de depósito a identificação e ende-

reço do depositário; no caso de bens imóveis, deverá conter o endereço completo,

número de matrícula, o cartório onde está registrada, a identificação do proprietário,

etc.

Após o requerimento de alienação, o §2o determina que seja realizada a

avaliação dos bens, intimando-se o Ministério Público. Verificamos neste parágrafo,

outra impropriedade do legislador, pois deve ser intimada também a parte interessa-

da, ou ainda, o próprio acusado, dando-lhe a oportunidade de se insurgir contra a

alienação antecipada ou contra a avaliação dos bens formulada, acaso seja interes-

sado.

Estamos falando aqui de devido processo legal, do qual coloca como corolá-

rio o contraditório e a amplitude de defesa, não havendo de se cogitar que o proce-

dimento de alienação corra inaudita altera pars, sob pena de se macular direito fun-

damental do acusado de manifestar-se sobre questão que envolva seus bens, sua

propriedade.

Tal medida ainda torna mais absurda a questão, quando se verifica, como

dito anteriormente, que o requerimento pode ser realizado por iniciativa do próprio

acusado. Neste caso, em específico, após realizada a avaliação dos bens, não se

dará vistas ao próprio acusado? Evidentemente que deve ser concedida a oportuni-

dade de manifestar-se, pois sendo esta hipótese considerada como uma medida

protetiva, seria ilógico não se conceder a oportunidade à defesa da manifestação

190

prévia.

Por certo, poderá haver divergência no valor dos bens neste caso, devendo

a parte que fizer a alegação demonstrar sua irresignação contra o valor, modo de

avaliação, quantidade, qualidade, etc. Devendo estas questões serem dirimidas nes-

te momento do procedimento, antes de se determinar a alienação dos bens. Neste

caso, poderá ser determinado nova avaliação ou a correção da avaliação realizada,

de acordo com a necessidade verificada no caso em concreto.

Feito isso, como preconiza o §3o, do artigo 4o-A, após realizada a avaliação

dos bens e dirimidas as questões atinentes ao respectivo laudo, o juiz prolatará sen-

tença, homologando o valor atribuído aos bens e determinará que estes bens sejam

alienados em leilão ou pregão, preferencialmente eletrônico, por valor não inferior a

75% (setenta e cinco por cento) da avaliação. Com relação à esta disposição, apre-

senta a regra da Lei de Lavagem de Capitais um limiar distinto da regra geral, onde

se admite a venda em leilão por valor não inferior a 80% (oitenta por cento) do valor

de avaliação (artigo 144-A, §2o, do Código de Processo Penal). Em se tratando de

norma mais benéfica, entendemos que neste caso, deverá ser observada a regra

geral, pois dependendo do valor do bem (como nos casos de bem de luxo) a dife-

rença de 5% (cinco por cento) pode implicar em uma grande soma de valores.

O §4o, do artigo 4o-A, esclarece a destinação dos valores arrecadados no

leilão, que divergirá de acordo com a competência do processo de Lavagem de Ca-

pitais.

Nos casos onde a competência incidir sobre a Justiça Federal e da Justiça

do Distrito Federal, o valor será depositado obrigatoriamente na Caixa Econômica

Federal (inciso I), que em 24 (vinte e quatro) horas deverá repassar os valores para

a Conta Única do Tesouro Nacional305, independentemente de qualquer formalidade.

Desta Conta Única do Tesouro Nacional também será debitado os valores em caso

e levantamento pelo acusado. Nos casos onde a competência será da Justiça Esta-

dual, os depósitos serão realizados em instituição financeira, preferencialmente pú-

305

A Conta Única do Tesouro Nacional, segundo o Manual do Sistema Integrado de Atuação Financeira – SIAFI, é uma conta mantida no Banco Central do Brasil utilizada para registrar a movimentação dos recursos financeiros de responsabilidade dos Órgãos e Entidades da Administração Pública e das pessoas jurídicas de direito provado que façam uso do SIAFI por meio de termo de cooperação técnica firmado com a Secretaria do Tesouro Nacional. Esta conta fôra instituída para reduzir a pressão sobre a caixa do Tesouro Nacional e agilizar os processos de transferência e descentralização financeira, além d agilizar os pagamentos a terceiros. Fonte: <http://manualsiafi.tesouro.fazenda.gov.br/020000/020300/020305>. Acessado em 15.07.2013;

191

blica, prevista em lei para tal finalidade, em cada Estado, sendo que, na inexistência,

serão depositados em instituição financeira pública vinculada à União, sendo o valor

depositado repassado às contas mantidas por cada Estado para esta finalidade. A-

ponte-se, outrossim, que a teor do §6º, do artigo 4º-A, a instituição financeira deposi-

tária deverá manter o controle dos valores depositados e devolvidos.

Com relação aos efeitos da sentença penal transitada em julgado, os depó-

sitos realizados serão, nos casos de sentença penal condenatória, incorporados ao

patrimônio do Estado ou da União. Difusamente do previsto no Parágrafo Único do

artigo 133 do Código de Processo Penal, alterado pela Lei n. 12.694/12, a Lei de La-

vagem de Capitais nada abarca sobre a hipótese de direito do ofendido, apenas pre-

vendo que os valores depositados serão incorporados aos patrimônios públicos. Me-

rece crítica neste sentido o dispositivo, pois não se pode elidir ou suprimir o direito

do ofendido, quer seja da lavagem de capitais, quer seja da infração antecedente, ou

ainda do terceiro interessado, real possuidor ou aquele que, de boa-fé, teve seu di-

reito de propriedade atingido pelas medidas assecuratórias. Neste caso, por se tratar

de mais benéfica, deve ser aplicada a regra geral do Código de Processo Penal, pa-

ra qual: “Do dinheiro apurado, será recolhido ao Tesouro Nacional, o que não cou-

ber ao lesado ou a terceiro de boa-fé” (grifo nosso). Nesta hipótese, como se viu e

como se vê, deve, antes do Estado, ser assegurado o Direito do ofendido ou de ter-

ceiro lesado, interpretando-se a regra por aquela que melhor se adéqua ao cumpri-

mento do princípio do devido processo legal.

Doravante, absolvido o acusado, ou extinta sua punibilidade, os valores ar-

recadados serão colocados à sua disposição, acrescidos da remuneração da conta

judicial. Desta questão, surgem duas indagações das quais repercutem diretamente

sobre o direito de indenização. A primeira, diz respeito ao valor arrecadado com o

bem. Como visto anteriormente, o bem poderá ser vendido por leilão ou pregão, por

até 75% (setenta e cinco por cento) do valor da avaliação, Neste caso, absolvido, o

acusado teria direito à integralidade do valor do bem, além da remuneração da conta

judicial?

Neste primeiro caso, entendemos que sim, pois o acusado fôra absolvido da

imputação que lhe era dirigida, sendo que seu status de inocente convolou-se da

presunção de inocência para a realidade. Assim, seus bens deveriam retornar ao

192

status quo ante, ao que se não houvesse a alienação antecipada de seus bens, re-

ceberia a integralidades destes. Todavia, se vendido o bem em leilão por 75% (se-

tenta e cinco por cento) do valor auferido na avaliação judicial, em determinados ca-

sos, em especial nos casos de bens de luxo, os 25% (vinte e cinco por cento) pode-

riam implicar em grande soma de dinheiro, da qual nem sempre a remuneração da

conta judicial poderia suprir306.

Exemplificamos no caso da hipoteca legal incidida sobre uma embarcação

de luxo no valor aproximado de R$ 4.000.000,00 (quatro milhões de reais). Os 25%

(vinte e cinco por cento) faltantes corresponderiam à soma exata de R$

1.000.000,00 (um milhão de reais), valor considerável, do qual o rendimento da con-

ta judicial não atingiria em muitos dos casos, se considerarmos a taxa de juros da

poupança, ou mesmo que se queira considerar outra maneira de remuneração mais

onerosa, como a Tabela Price.

Portanto, neste caso, entendemos que plenamente passível de indenização

por danos materiais ao acusado que fôra absolvido307 em relação ao valor do bem

alienado e restituído.

Outra questão repercute de maneira direta sobre a alienação antecipada de

bens de valor sentimental ao acusado. Neste caso, alienado o bem, e, posteriormen-

te, absolvido o acusado e transitada em julgado a sentença, teria direito este à inde-

nização?

Da mesma maneira, entendemos que seria passível de indenização, pois

como no primeiro caso, a absolvição deveria tornar os bens ao status quo ante. Co-

mo o bem foi alienado, torna-se impossível sua restituição. Se havia um valor senti-

mental, este deve ser ressarcido pelo Estado quando absolvido o acusado. Exempli-

ficando, pondere-se que em determinado processo de lavagem de capitais foi decre-

306

Conforme preceitua o artigo 37 da Constituição da República: “A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: [...] § 6º As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.”; 307

Há entendimento jurisprudencial onde a absolvição por falta de provas (artigo 386, VII, do Código de Processo Penal) não gera direito à indenização por danos porque não fôra comprovada a ilicitude da medida. A este teor: CIVIL. DANOS MATERI-AIS E MORAIS. INDENIZAÇÃO. ABSOLVIÇÃO CRIMINAL POR INSUFICIÊNCIA DE PROVAS. RESPONSABILIDADE ESTA-TAL. INCABIMENTO. - Incabível o pagamento de indenização a quem é processado criminalmente e, posteriormente, absol-vido por insuficiência de provas, se não restar comprovada ilicitude na ação penal. - Apelação improvida (TRF 5ª Região – Relator Desembargador Marcelo Navarro – Apelação civil n. 2005.81.00.000116-2 – DJ. 02.10.2007 - Página: 579 - Nº: 190 - Ano: 2007);

193

tada busca e apreensão de joias de família, e alegada sua deterioração, sejam alie-

nadas antecipadamente. Absolvido o acusado, estas joias não mais seriam restituí-

das, mas somente o quantum apurado, acrescido da remuneração da conta judicial.

Neste caso, como seria possível a restituição do sentimento que a pessoa tinha por

aquela joia? Cremos impossível, motivo pelo qual seria amplamente passível de se

atribuir indenização por dano moral no caso em testilha. Verbis:

A autora alega que as jóias possuíam valor sentimental, não existindo a posse de uma jóia sem que haja uma história por trás dela, seja noivado, casamento, início de namoro, nascimento dos filhos, aniversário e etc. Diz que, jóias são objetos caros, que sempre são seguidas por uma comemora-ção, marcam um momento feliz da vida do ser humano. Dito apego é natural e compreensível. No caso, não havia vontade de alienação de tais bens. Todavia, em função da falta de cuidado da ré, tais bens foram perdidos de-finitivamente. Assim, existe o dano moral pela perda indesejada. Pela im-possibilidade de retorno ao status quo ante, a reparação do dano moral de-ve ter cunho compensatório, sempre tendo por base o princípio da razoabili-dade, a fim de evitar o enriquecimento sem causa

308 (sic.).

Portanto, ressalvadas hipóteses específicas, o Estado não pode lesar o indi-

víduo sem justo motivo, de maneira que, proferida decisão absolutória transitada em

julgado, há de se considerar a indenização ao absolvido, uma vez que sofrera preju-

ízo material ou moral.

Adiante, uma vez mais não se pode deixar de criticar a má técnica legislati-

va, pela redação do §7º, do artigo 4º-A, no qual impõe que serão deduzidas da

quantia apurada no leilão, tributos e multas incidentes sobre o bem alienado. Ora, de

se ver que a redação peca pela generalidade, pois no caso de absolvição, não há de

se cobrar qualquer encargo, taxa de leiloeiro, ou multas do acusado, pois se não há

qualquer responsabilidade penal, não deverá sofrer com encargos ocasionados pelo

Poder Judiciário sobre seus bens, sendo nosso entendimento, no caso, de que os

encargos referentes ao leilão devam ser de inteira responsabilidade do Poder Públi-

co.

Em sequência, referende-se que realizada a alienação e o depósito dos va-

lores, os autos da alienação antecipada serão apensados aos autos principais (§8º,

do artigo 4º-A), sendo que tanto da decisão que homologa o valor atribuído pela ava-

liação judicial, quanto da decisão que decreta a alienação antecipada, caberá recur-

308

TRF 4ª Região – Relator. Desembargador Márcio Antônio Rocha. Apelação Cível n. 2007.70.00.019602-0/PR – DJ. 19.05.2009;

194

so de apelação (artigo 593, inciso II, do Código de Processo Penal), porém, a res-

salva inserida na Lei n. 9.613/98 pela Lei n. 12.683/12 se dá quanto ao efeito do re-

curso. Conforme colaciona o §9º, do artigo 4º-A, somente se receberá o recurso no

efeito devolutivo, ou seja, o recurso não terá o condão de interromper o cumprimento

da decisão.

Neste contexto, entendemos que a medida constitui violação ao duplo grau

de jurisdição, além da instrumentalidade e efetividade do processo, porque a deci-

são está sujeita à execução imediata, sendo necessário apontar que em casos tais,

em nome da proteção de direito suscetível de grave dano de incerta reparação, seria

ao menos recomendável que a execução da medida ficasse suspensa até o julga-

mento do recurso que convalidaria ou não a decisão de alienação antecipada.

De nada adiantaria a Constituição Federal assegurar o Direito ao duplo grau

de Jurisdição, se somente se possibilita a análise da causa em grau recursal após a

efetivação da alienação. Portanto, mesmo com a precariedade do instituto, aponta-

mos que assim como nos casos de Recurso Especial e Recurso Extraordinário, há a

possibilidade de se intentar medida cautelar inominada com proposta de medida li-

minar para atribuir efeito suspensivo à apelação. Desta forma, mesmo tendo o acu-

sado que comprovar o efetivo prejuízo, poderá, comprovando o periculum in mora e

o fumus boni juris, barrar venda antecipada de seus bens e impedir a efetivação de

prejuízos.

Ainda há de se verificar que os parágrafos 10 e 11, do artigo 4º-A, assinalam

alguns efeitos da sentença penal condenatória transitada em julgado. Muito embora

o inciso I, do §10 discipline que os valores obtidos mediante a alienação antecipada

serão perdidos em prol da União ou dos Estados, conforme o caso, verifica-se que

os incisos II e III, além do §11, tratam dos efeitos gerais da sentença penal condena-

tória transitada em julgado. Estabelecem que os bens não alienados antecipada-

mente e que não tiveram destinação prévia serão perdidos com o trânsito em julga-

do da sentença penal condenatória, assim como aqueles bem que não forem recla-

mados dentro do prazo de 90 (noventa) dias contados do trânsito em julgado da sen-

tença penal condenatória, ressalvados direitos do lesado, ou terceiro de boa fé.

Nesse caso, visou o legislador atribuir um prazo para que aqueles bens que não ti-

veram destinação própria, ou que constritos em excesso sejam reclamados, sob pe-

195

na de que, assim não o fazendo, serem incorporados à União ou aos Estados. Nesta

senda, como dispõe o §11, os bens seriam levados a leilão e vendidos, sendo o seu

resultado depositado na Conta Única do Tesouro Nacional ou em instituição finan-

ceira do Juízo Estadual, aguardando a provocação da parte interessada no seu le-

vantamento.

Uma observação a ser feita quanto a estes institutos é de que, embora haja

a correlação do instituto no artigo 7º da mesma Lei, GUSTAVO HENRIQUE BADA-

RÓ e PERPAOLO CRUZ BOTTINI309 recordam que:

A perda do inc. III do §10 do art. 4º-A não se confunde com a perda do inc. I do art. 7º da mesma lei, que trata “dos efeitos da condenação”. No caso de condenação, um dos efeitos é a “perda, em favor da União – e dos Estados, nos caos de competência da Justiça Estadual –, de todos os bens, direitos e valores relacionados, direta ou indiretamente, à prática dos crimes previstos nesta Lei, inclusive aqueles utilizados para prestar fiança, ressalvado o di-reito do lesado ou de terceiro de boa-fé”.

Tratou, neste espectro, o legislador, de impor uma regra específica aos bens

constritos e alienados antecipadamente, enquanto a regra do artigo 7º, abarcaria to-

dos os bens, direitos e valores relacionados no processo, mesmo daqueles dados

em prestação de fiança.

O §12 ainda preceitua que o “juiz determinará ao registro público competen-

te que emita documento de habilitação à circulação e utilização dos bens colocados

sob o uso e custódia das entidades a que se refere o caput deste artigo”. Como

ponderam GUSTAVO HENRIQUE BADARÓ e PIERPAOLO CRUZ BOTTINI310, en-

tendemos da mesma maneira, em que o dispositivo não faz sentido e deveria ser

suprimido, pois trata-se de complementação ao dispositivo vetado no projeto da Lei,

que permitia o uso dos bens apreendidos pelos órgãos públicos da União e dos Es-

tados. Ainda é bem observado que até mesmo a remissão é errônea, pois o caput

do artigo 4º-A não preconiza nenhuma instituição ou órgão público, sendo que os

órgãos estão estabelecidos no texto do §1º, e não do caput.

A este teor, necessário ressaltarmos que a vedação ao uso dos bens cons-

tritos pelos órgãos públicos veio a corrigir uma prática que se disseminava no âmbito

309

BADARÓ, Gustavo Henrique; BOTINI, Pierpaolo Cruz. Lavagem de dinheiro: aspectos penais e processuais penais. Co-mentários à lei 9.613/98 com as alterações da Lei 12.683/12. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 336-337; 310

Neste sentido: BADARÓ, Gustavo Henrique; BOTINI, Pierpaolo Cruz. Lavagem de dinheiro: aspectos penais e processuais penais. Comentários à lei 9.613/98 com as alterações da Lei 12.683/12. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 337;

196

do Poder Judiciário em todo o Brasil, que era a disponibilização e a concessão do

uso dos bens constritos pelos órgãos públicos.

Disponibilizava-se a utilização destes bens, em especial os automóveis de

acusados, para a utilização no combate ao crime, sob a alegação da necessidade de

veículos descaracterizados, dificuldade de depósito e guarda destes bens, sendo

que nestes casos, os Magistrados acabavam por permitir a utilização destes bens.

FAUSTO MARTIN DE SANCTIS311 pontua neste sentido que:

Não dispondo o Estado de local adequado e não havendo previsão de verba própria que vise à administração e conservação de bens de terceiros, os magistrados acabam sendo obrigados a dar solução mais adequada de molde a não inviabilizar as apreensões, sequestros e arrestos devidos, de um lado, e, de outro, não tornar impraticável a já difícil situação de muitos depósitos judiciais, que invariavelmente contêm bens sob custodia em está-gio avançado de deterioração ou depreciação diante dos longos anos exigi-dos para o trânsito em julgado dos feitos criminais. Assim, os juízes acabam sendo instados à tomada de decisões, dependendo da natureza e da quali-dade dos bens apreendidos, estabelecendo desde o simples uso ou guarda provisória, até mesmo a venda antecipada de bens, restringindo, ao máxi-mo, o depósito judicial. Basicamente duas soluções podem ser vislumbra-das: o uso (guarda provisória ou o depósito judicial) ou a venda antecipa-da.Tanto um quanto outro dependem do grau de confiança do juízo, de molde que jamais poderiam ser interpretados como direito subjetivo do in-vestigado ou acusado. Tudo vai depender da ponderação que se faça do bem e da relação com o suspeito, não se podendo tolher do juiz de primeira instância a decisão que melhor atenda ao caso concreto.

Ocorre que em muitos dos casos, a deterioração do bem era maior do que se

permanecesse em guardado em depósito, razão esta que impunha ao Estado, em

diversos casos a reparação dos danos causados aos bens e seus proprietários

quando da liberação. Por tais motivos, vetou-se a disposição do Projeto de Lei, res-

tando, unicamente, nos casos onde alegada a dificuldade de manutenção, a aliena-

ção antecipada. Somente com o efetivo perdimento do bem e a sua agregação ao

patrimônio da União ou dos Estados é que se possibilitaria a disposição dos bens

para o uso pelos órgãos públicos.

Finalizando o procedimento, o §13 faz uma remissão à Lei n. 11.343/06, na

medida em que prevê que os recursos angariados na alienação antecipada de bens,

direitos e valores, que tenham origem no crime de tráfico de entorpecentes e que

tenham sido objeto das condutas de lavagem de capitais, permaneceriam submeti-

dos à disciplina definida em lei específica.

311

SANCTIS, Fausto Martin de. Crime organizado e lavagem de dinheiro: destinação dos bens apreendidos, delação premiada e responsabilidade social. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 73-74;

197

6.9. DA SUSPENSÃO DO CUMPRIMENTO DAS MEDIDAS CAUTELARES

O artigo 4o-B da Lei n. 9.613/98 traz uma medida de planejamento de inves-

tigação e efetivação das medidas assecuratórias no âmbito da Lavagem de Capitais,

também conhecida como ação controlada. Não se trata de medida inovadora, sendo

apenas relocada, pois com as alterações produzidas pela Lei n. 12.683/12, houve a

necessidade de se estabelecer uma sequência lógica no procedimento das medidas

assecuratórias.

A ação controlada é uma medida criada pela Lei n. 9.034/95, que preconiza

a suspensão do cumprimento das medidas cautelares (prisão e medidas assecurató-

rias), visando o trabalho de acompanhamento, vigilância e investigação. Consiste no

atraso ou retardamento do cumprimento do mandado de prisão ou da ordem de me-

didas assecuratórias quando o cumprimento das medidas possa comprometer a in-

vestigação, a colheita de provas e a prisão de outros membros da organização cri-

minosa.

Todavia, a divergência da disposição contida na Lei de Lavagem de Capitais

daquelas contidas na Lei n. 9.034/95 é que a Lei de Lavagem de Capitais não permi-

te o retardamento da prisão em flagrante, pois resta claro no artigo que somente se

autoriza a suspensão da ordem de prisão, ou seja, havendo a oportunidade de fla-

grante, este deverá ser lavrado.

Neste caso, como preceitua MARCO ANTONIO DE BARROS312, independe

a suspensão da ordem de prisão ou do cumprimento das medidas assecuratórias de

ordem judicial prévia, ficando ao alvitre da autoridade policial. Todavia, o investiga-

dor incumbido da operação comunicará da necessidade da suspensão à autoridade

policial, que por sua vez, deverá informar o Ministério público e o Juízo que expediu

a medida. Assim comunicado, será ouvido o Ministério Público, que deve se mani-

festar sobre a conveniência da ação controlada, decidindo o Juiz pela concordância

do retardamento ou se necessário o cumprimento imediato.

Neste cerne, GUSTAVO HENRIQUE BADARÓ e PIERPAOLO CRUZ BOT-

312

BARROS, Marco Antonio de. Lavagem de capitais e obrigações civis correlatas 3. ed. revista, atualizada e ampliada. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013, p. 248;

198

TINI313 defendem a desnecessidade da medida, pois se há a possibilidade de retar-

damento da medida, também há a possibilidade de somente decretá-la em momento

oportuno. Assinalam que:

O melhor é esperar o momento adequado do ponto de vista da eficiência da investigação e, só então, requerer a medida. Certamente se argumentará que, com a obtenção prévia da medida e a suspensão de sua eficácia, ga-nha-se tempo e, chegado o momento oportuno, a autoridade policial pode cumprir a medida já previamente deferida, sem se preocupar em, só então, ter que primeiro requerê-las, aguardar seu deferimento e, só depois, dar-lhe eficácia. O argumento pode ser válido do ponto de vista da eficácia, mas equivocado juridicamente. A relação de tempo, entendido como urgência, e as medidas cautelares é indissociável. Decreta-se uma medida cautelar pa-ra assegurar um estado de coisas que não se quer ver alterado ou para evi-tar um dano potencial que poderá se consumar em razão da demora natural para a prestação jurisdicional definitiva e satisfativa [...] Ora, se a situação a ser acautelada ainda não surgiu, para que requerer a medida? Não há ne-cessidade de um provimento célere. Mais do que isso, no momento futuro, pode ser que o estado de fato seja outro, que aquilo que se afigurava um dano potencial não ostente mais perigo algum, ou de que haja outra medida cautelar que, diante da nova situação, seja igualmente eficaz, mas menos gravosa para o investigado. Tudo isso deixa de ser considerado quando se admite uma cautelar com eficácia diferida.

Em que pese o posicionamento firmado, somos obrigados a discordar por

questão de um ponto específico.

A ação controlada é uma medida necessariamente policial, de controle e de-

senvolvimento da investigação e do acompanhamento de atividades ilícitas, até o

momento mais oportuno para a deflagração da medida314. Muito embora o argumen-

to da possibilidade de se requerer em momento mais oportuno, entendemos que tal

argumento cai por terra na medida em que o requerimento e determinação das me-

didas assecuratórias ou da medida cautelar pessoal pode ser realizado diretamente

pelo Ministério Público, e no caso das medidas assecuratórias, poderá ser efetuado

pelo ofendido ou pessoa interessada, sendo certo que nem sempre condiz com o

momento da investigação. Contudo, nesta hipótese, decretada a medida assecurató-

ria, a Autoridade Policial lança o alerta ao Ministério Público sobre a possibilidade do

comprometimento das investigações, que se manifestará sobre a plausibilidade da

suspensão da medida, sendo autorizado, portanto, pelo Juiz diante do caso concre-

to.

313

BADARÓ, Gustavo Henrique; BOTINI, Pierpaolo Cruz. Lavagem de dinheiro: aspectos penais e processuais penais. Co-mentários à lei 9.613/98 com as alterações da Lei 12.683/12. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 341; 314

GOMES, Rodrigo Carneiro. O crime organizado na visão da Convenção de Palermo. 2. ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2009, p. 204;

199

Anote-se, por fim, que a medida também visa eximir o agente policial de e-

ventual responsabilidade pelo retardamento da medida cautelar, nos casos onde a

medida se verifica essencial para o bom desenvolvimento da investigação policial.

200

CONCLUSÕES

O presente tópico vem para resgatar de maneira analítica as principais idei-

as expostas no conteúdo desta dissertação, e, desta forma, sedimentar o ideal pro-

posto pela Lei de Lavagem de Capitais e seus efeitos no mundo jurídico:

1o Para fins de delimitação do conteúdo proposto, o Processo Penal não

mais admite a interpretação de tratar-se apenas de instrumento acessório ao Direito

Material, assumindo uma vertente mais dinâmica, reveladora de que o Processo Pe-

nal constitui um instrumento de solução de conflitos, de balizador das relações hu-

manas e de contentor do Direito de punir estatal, preservando os Direitos e Garanti-

as Fundamentais e assegurando a paridade de armas entre acusação e defesa, as-

segurando um resultado justo e coerente com a dignidade da pessoa humana e o

Estado Democrático de Direito.

2o A dignidade da pessoa humana constitui um valor intrínseco e inerente ao

homem, que positivado, toma a forma de um supraprincípio, reitor de todos os de-

mais Direitos e Garantias Fundamentais, individuais e coletivos, que constituem o

Estado Democrático de Direito. Por se tratar de um supraprincípio, deve ser conside-

rada como um núcleo de prerrogativas do homem e do cidadão, às quais o Estado

não pode deixar de reconhecer, ignorar, flexibilizar ou vergar ao seu modo, delimi-

tando assim o poder estatal. O Estado Democrático de Direito institui meios de con-

trole social, estabelecendo regras para evitar comportamentos mais graves e atenta-

tórios à ordem social. Porém, institui normas de condução e instrumentalização do

direito de punir do Estado, gerando instrumentos de defesa do cidadão, que limitam

o poder do Estado. É uma forma em que a dignidade humana impõe para a forma-

ção das regras do jogo da punição e defesa, equilibrando-se a relação Estado-

jurisdicionado.

3o Entre os diversos basilares constitucionais que orientam o Direito Penal e

o Processo Penal, ganha relevo na análise do nosso objeto de estudo os corolários

da igualdade e sua vertente da paridade de armas, legalidade, intervenção mínima,

proibição de excesso, culpabilidade, devido processo legal e seus corolários do con-

traditório e amplitude de defesa, presunção de inocência, prestação jurisdicional jus-

201

ta, fundamentação das decisões judiciais e duração razoável do processo.

4o Com o fenômeno da globalização, partindo do avanço tecnológico e da

queda das fronteiras culturais e econômicas, ganhou força a chamada transcrimina-

lidade, permitindo que novas modalidades de crimes fossem criadas e ganhando ter-

reno a criminalidade organizada, da qual estenderia seus domínios para os mais di-

versos ramos da economia, política e poder público.

5o A partir da especialização do crime e a sua organização, o Direito Penal

Clássico, colapsado, iniciou uma grande e decrescente curva voltada para a ineficá-

cia, fazendo com que os Estados clamassem pela criação de novos instrumentos de

contenção da criminalidade organizada, mesmo que o alto preço a ser pago repercu-

tisse de maneira direta à afronta dos Direitos e Garantias Fundamentais, a exemplo

da experiência brasileira na repressão da criminalidade organizada, do narcotráfico e

da lavagem de capitais.

6o Dado à assinatura de tratados e acordos internacionais para a repressão

ao crime de lavagem de capitais, houve a necessidade de implementar instrumentos

que facilitassem a localização e o confisco dos bens, direitos e valores, mesmo que

incursos em diversos outros ramos da economia lícita, permitindo assim o rastreio

dos principais envolvidos, diversificando os instrumentos de investigação, processo

e repressão penal. No entanto, a política criminal pautada pela emergência instituiu

instrumentos de persecução e repressão penal que ocasionaram conflitos entre o

rigor excessivo imprimido pelas diretrizes internacionais, com os Direitos e Garantias

Fundamentais que sustentam o Estado Democrático de Direito Brasileiro.

7o Nesta ordem de fatores, a política jurídico-criminal concentrou na Lei de

Lavagem de Capitais os esforços necessários para a solução de problemas não so-

mente com relação à criminalidade organizada, mas também para a solução de pro-

blemas domésticos, resultando na deturpação de instrumentos consagrados no Di-

reito Processual Penal para que possibilitasse o engendramento do acusado em um

processo puramente pelo risco que poderia vir a causar com uma prática antissocial.

Ignora-se portanto, qualquer interpretação que se dá aos princípios da intervenção

mínima e da ultima ratio.

8o Deste desequilíbrio nas relações jurídicas, que possibilitava ao Estado um

202

amplo Direito de punir face às garantias fundamentais dos acusados, surgiu a Lei n.

9.613/98, inovadora para seus fins, mas que pela impropriedade da sua redação,

aliada à necessidade de se promover à sociedade a segurança jurídica, adveio sem

um bem jurídico predefinido, o que causa conflitos doutrinários e jurisprudenciais até

o presente, pois diante da diversidade de teorias, possibilita a prolação de decisões

absolutamente dispares nas mais variadas instâncias do Poder Judiciário.

9o A doutrina brasileira, aliada a estudos internacionais, angariou cinco teori-

as principais acerca do bem jurídico tutelado: a) não há bem jurídico penalmente re-

levante; b) o bem jurídico protegido pelo crime antecedente; c) a tutela da ordem e-

conômica; d) a tutela da administração da justiça; e) a tutela pluriofensiva. Aliamo-

nos à tese de que o crime de lavagem de capitais constitui em ofensa à administra-

ção da justiça, pois o crime tem por objetivo dificultar a identificação da propriedade

e proveniência dos bens, direitos e valores, em lograr a não identificação dos seus

autores.

10o A Lavagem de Capitais consiste em um processo de depuração, onde

através de um conjunto de operações comerciais ou financeiras, dissimula-se a ori-

gem ou proveniência ilícita do capital para que seja realizada a sua inserção no sis-

tema econômico lícito.

11o A supressão do rol dos crimes antecedentes à lavagem, produzida pela

Lei n. 12.683/12, ampliou de maneira substancial e perigosa o alcance e amplitude

do crime de lavagem, na medida em que se suprimiu o rol taxativo de crimes os

quais incidiria a lavagem de capitais e abriu a margem para todas as infrações pe-

nais existentes no ordenamento jurídico pátrio. Melhor seria a ampliação do rol de

crimes antecedentes para abarcar as hipóteses descobertas, mas que movimentari-

am grandes valores. Da maneira como ampliada, sem qualquer parâmetro, permitiu-

se que fosse investigada toda e qualquer pessoa acusada de infração penal, dei-

xando ao alvitre do titular da ação penal a denúncia pelo crime de lavagem de capi-

tais.

12o As medidas assecuratórias, por regra geral, consistem em medidas de

garantia do resultado da ação principal, incidindo sobre bens, direitos e valores do

acusado para assegurar a reparação do dano causado pela infração penal ao ofen-

203

dido, além de possibilitar o pagamento de custas processuais, e eventual prestação

pecuniária e multa.

13o As medidas assecuratórias tem por características a instrumentalidade,

a provisoriedade, a revogabilidade e a autonomia.

14o Para a decretação de toda e qualquer medida cautelar penal necessário

a presença de dois pressupostos: o periculum in mora e o fumus boni juris, sendo

que na ausência de um destes, inviável a decretação da medida.

15o Tendo por objetivo a Lei de Lavagem de Capitais o confisco de bens,

direitos e valores dos lavadores, o legislador se valeu das medidas cautelares reais,

ou medidas assecuratórias, deturpando sua utilidade, que antes era de garantir a

futura reparação do dano sofrido pelo ofendido e ao pagamento de despesas pro-

cessuais, transformando-as em instrumentos de recuperação de ativos “sujos”, e de

constrição dos bens dos acusados de lavagem de capitais, possibilitando ao Poder

Judiciário praticar o “esvaziamento patrimonial”, sob o fundamento de impedir que o

lavador desfrute do produto ilicitamente conquistado ou dos rendimentos que este

possa lhe proporcionar.

16o Todo este mecanismo apontado revela como a mens legis da lei de la-

vagem de capitais a vingança pública contra o acusado de lavagem de capitais,

permitindo que lhe seja aplicada uma punição de maneira objetiva e antecipada, pe-

la manutenção indeterminada da constrição de seus bens, que não obedece qual-

quer critério de razoabilidade, sendo mantida independentemente de se fazer prova

ou alegação da licitude da aquisição ou proveniência, permitindo assim, além da de-

vassa promovida na vida do acusado, que este tenha toda a sua atividade profissio-

nal paralisada, mesmo que isso constitua em falência ou paralização dos negócios

lícitos do acusado sem que haja ao menos culpa formada.

17o Utilizar o esvaziamento patrimonial como forma de combate ao crime

constitui burla ao mandamento constitucional, pois permite o emprego de instrumen-

tos que contornam o devido processo legal, o contraditório e a ampla defesa, além

da presunção que sempre deve conduzir a relação processual, que é a de inocência,

transformando a exceção em regra de tratamento, impondo assim instrumentos de

persecução e combate à criminalidade que beiram o Direito Penal do Inimigo.

204

18o Ao analisar o conteúdo ético-jurídico da Lei de Lavagem de Capitais, é

possível estabelecer uma correlação à ficção d[O] Processo, de Franz Kafka, onde

mesmo em um Estado Democrático de Direito onde reina a paz e na plena vigência

do ordenamento jurídico, dos Direitos e Garantias Fundamentais, são inseridas nor-

mas que permitem suprimir até mesmo a dignidade da pessoa humana e transfor-

mar o acusado em um mero objeto do processo, no qual incidirá toda a repressão e

a pena disponibilizada pelo Estado, sem que lhe sejam conferidos instrumentos de

defesa, invertendo-se a presunção de inocência antes mesmo de se iniciar a relação

processual.

19o Essa forma de entender o quadro das medidas assecuratórias no âmbito

da Lei de Lavagem de Capitais denota uma patente quebra da garantia do devido

processo legal, visto que fulminam o direito à defesa, assegurando que sempre haja

um desequilíbrio na paridade de armas, permitindo e assegurando que o Estado saia

sempre vencedor, quer pela manutenção da constrição sobre os bens, quer pela

possibilidade do confisco. Isso porque o devido processo legal deve ser entendido

como uma garantia individual, e não como uma segurança ao Estado.

20o Em consequência, a imagem que se tem do quadro do processo penal

preconizado pela Lei de Lavagem de Capitais não fôra, não deve e nem se pode re-

ceber pela Constituição Federal, pela distinção que faz do lavador ao homem co-

mum, não admitida pela ordem constitucional quando se fala na isonomia, paridade

de armas, presunção de inocência, contraditório e ampla defesa e devido processo

legal. Admiti-la seria admitir uma classe especial de sujeitos desprovidos de Direitos,

ou meros objetos do processo, que coaduna com o Direito Penal do Inimigo, não

admitido e rechaçado pelo Estado Democrático de Direito Brasileiro, pautado pela

preservação dos Direitos Humanos e garantista por essência. Nosso estudo, no en-

tanto, apresenta uma nova faceta da Lei de Lavagem de Capitais, pautada na inexis-

tência de razoabilidade do dispositivo ao permitir que se aplique não somente ao

crime organizado, mas a toda e qualquer pessoa que pratique uma infração penal.

Com isso, analisando os aspectos do Direito Penal e do Processo Penal, propuse-

mos uma nova visão da Lei n. 9.613/98, enxergando-a com crítica da verdadeira

mens legis da Lei, onde o Legislador inseriu meios de engendrar o lavador em um

verdadeiro processo kafkiano, ao permitir a utilização das medidas assecuratórias

como verdadeiro instrumento de imposição de punição de maneira objetiva e anteci-

205

pada ao acusado.

21o A Lei n. 9.613/98 prevê um regime diferenciado para as medidas asse-

curatórias. Amplia o rol do Código de Processo Penal e abarca a busca e apreensão

e a quebra do sigilo bancário, medidas cautelares de obtenção da prova criminal,

como espécies de medidas assecuratórias, para que possibilite a constrição dos

bens e eventual confisco.

22o A Lei n. 12.683/12 alterou substancialmente a Lei de Lavagem de Capi-

tais, principalmente no concernente às medidas assecuratórias. Dentre as altera-

ções, destaca-se como principal a permissão concedida à decretação das medidas

com base em indícios suficientes de infração penal, surgidos não somente no âmbito

do inquérito policial ou na ação penal, mas também antes mesmo de ser instaurado

o inquérito policial, o que nos faz concluir que autoriza-se a decretação das medidas

apenas com base na mera suspeita elencada contra o averiguado. Outra alteração

substancial foi a previsão da alienação antecipada, permitindo a venda dos bens a-

preendidos antes mesmo de qualquer formação de culpa no âmbito do processo pe-

nal da Lavagem de Capitais.

23o Ante a recomposição da finalidade das medidas assecuratórias, a Lei de

Lavagem de Capitais atribui legitimidade ex officio, permitindo ao Magistrado que

decrete as medidas assecuratórias de acordo com a sua conveniência, o que vai de

encontro à regra geral do Processo Penal, onde o §2o do artigo 282 do Código de

Processo Penal vedava a atuação de ofício do Juiz quando não instalada a ação pe-

nal. No entanto, mesmo com a regra insculpida na Lei de Lavagem de Capitais, ou

pela previsão geral do Código de Processo Penal, por medida de preservação dos

interesses no processo e pela imparcialidade, entendemos que seria de bom alvitre

limitar-se o Magistrado a analisar os requerimentos das partes, pela própria função

judicante do Magistrado, que não seria a de mero aplicador da Lei Penal, mas sim

um garante dos direitos fundamentais.

24o A busca e apreensão, prevista anteriormente no caput do artigo 4o da Lei

n. 9.613/98, teve sua previsão expressa suprimida pela Lei n. 12.683/12. No entanto,

a medida não desapareceu, sendo amplamente utilizada no processo pelo crime de

lavagem, permitindo a apreensão de coisas obtidas pelos meios criminosos. Sendo

206

um instrumento de obtenção da prova criminal, a Lei de Lavagem de Capitais lhe a-

tribuiu finalidade acessória, consistindo na preservação da coisa obtida pelo meio

criminoso, mantendo-se a constrição para facilitar o seu perdimento quando da con-

denação do acusado.

25o A busca e apreensão poderá ser pessoal, domiciliar ou on line, segundo

a análise realizada no trabalho. Na busca domiciliar, faz-se elemento essencial a ex-

pedição de mandado de busca, precedido de decisão fundamentada do Juiz, na qual

deverá delimitar o objeto da busca e sua localização. Na busca on line realizada a-

través de software jurídico que interliga a inteligência da Receita Federal ao Poder

Judiciário, entendemos que sua utilização consistiria em banalização do basilar da

intimidade, pois permite ao Magistrado o acesso à todas as informações sobre bens,

direitos, valores, gastos, doações, etc., sem que se exija qualquer motivo ou justifi-

cativa pautada no periculum in mora e no fumus boni juris para a sua utilização,

sendo necessária a mera exigência de login e senha para a sua utilização.

26o O sequestro consiste em medida de constrição sobre bens móveis ou

imóveis adquiridos com os proventos da infração, ainda que em poder de terceiros,

tendo por finalidade a reparação do dano causado pelo acusado ao ofendido ou im-

pedir que o acusado obtenha lucro com a atividade criminosa. Na Lei de Lavagem

de Capitais, a medida contida no caput, de que poderá o sequestro ser decretado

quando houverem indícios suficientes da infração penal, não há margem para inter-

pretação ampliativa, sendo necessário que estes indícios sejam robustos, fundados

em grave suspeita que leva à quase certeza ou à verossimilhança da obtenção dos

bens, direitos e valores com o provento das atividades ilícitas desenvolvidas pelo

acusado. Contudo, ainda há de se destacar que não poderá a medida incidir sobre

qualquer bem preexistente, mas somente àqueles correlacionados com a infração

antecedente que ensejou a apuração do crime de lavagem.

27o A especialização da hipoteca legal consiste na medida assecuratória, via

de regra, versada sobre os bens imóveis do acusado, obtidos de maneira lícita, mas

que poderão ser constritos para a reparação do dano ex delicto ou para a prestação

pecuniária, multa e custas processuais. No cerne da Lei de Lavagem de Capitais, a

medida surgiu para assegurar a constrição dos bens do acusado, de forma a lhe reti-

rar o poderio que estes bens poderiam lhe proporcionar, permitindo que o Estado

207

adentre no patrimônio do acusado e dali seja cerceada a propriedade, posse ou utili-

zação. Contudo, se absolvido o acusado, a medida assecuratória deverá ser cance-

lada, não havendo propósito em se manter a constrição dos bens constritos para

pagamentos de custas processuais.

28o O arresto trata-se de medida cuja finalidade repercute de duas maneiras:

como prévia à especialização da hipoteca, impondo uma constrição do bem, diante

da demora no procedimento de avaliação dos bens imóveis, contestação dos valores

e da medida, e decretação da especialização da hipoteca, permitindo que o bem

permaneça impossibilitado de qualquer transferência, alienação, venda ou registro;

sua outra vertente seria a de medida subsidiária, como meio de resguardar bens

suscetíveis de penhora, para a reparação de danos ocasionados pela infração penal.

29o A quebra do sigilo financeiro prevista pela Lei Complementar n.

105/2001, consiste na medida de acesso restrito e amparado por decisão judicial, de

informações fornecidas por clientes da rede bancária e financeira, sigilosas por natu-

reza, como meio de obtenção da prova criminal, quando demonstrada a necessida-

de para a apuração de qualquer ilícito em fase de inquérito ou processo judicial.

Como dito alhures, esta quebra, por ser medida de flexibilização de Direito Funda-

mental individual, deve sempre ser proveniente de decisão judicial, baseada no peri-

culum in mora e no fumus boni juris, além dos critérios de necessidade, proporciona-

lidade e razoabilidade.

30o Inobstante a previsão legal inserida no artigo 9o da Lei Complementar n.

105/2001, onde preconiza que o Banco Central e a Comissão de Valores Mobiliários

devem informar o Ministério Público de indícios ou de efetivas práticas criminais, não

se faz por permitir ao próprio Ministério Público quebre o sigilo financeiro, sendo que

neste caso, deverá formular requerimento, amparando nas circunstâncias de fato e

de Direito a necessidade de se violar o sigilo bancário do averiguado, devendo,

mesmo nesta hipótese, ser decretada através de decisão judicial, pois por se tratar

de instrumento que permite a afetação da esfera privada pela restrição de um Direito

Fundamental, somente se poderia dar através da autorização judicial.

31o Há inerente conflito de normas instalado pela Lei de Lavagem de Capi-

tais, pois com a alteração produzida pela Lei n. 12.683/12, passou a se preconizar o

208

fornecimento compulsório de informações acobertadas pelo sigilo financeiro às insti-

tuições e órgãos de controle e investigação da Lavagem de Capitais, tal como o

COAF. No entanto, essa quebra estabelecida pela Lei de Lavagem de Capitais é in-

devida, pois se para toda e qualquer flexibilização de Direitos e Garantias Funda-

mentais deve ser precedida de ordem judicial fundamentada. Isso porque se deve

dar amplo conhecimento sobre as razões de fato e de Direito que o Magistrado pon-

derou para se tomar a medida de constrição de Direitos.

32o Há uma violação do Direito à intimidade na medida que se exige a pres-

tação compulsória e sem qualquer decisão judicial das informações financeiras aos

órgãos de controle e investigação, aumentando-se a vigilância em detrimento dos

direitos e garantias fundamentais. Se a Constituição da República protege a intimi-

dade e o sigilo, por mais que se entenda não se tratar de garantia absoluta, o míni-

mo que se exige é que sua violação seja pautada na necessidade, na proporcionali-

dade e razoabilidade e com decisão judicial pautada nos motivos de fato e de Direito

que serviram de móvel para a flexibilização da intimidade. A exigência ex lege deve

ser rechaçada por não atender ao mandamento constitucional.

33o Na imposição de esforços para o combate à criminalidade pautado no

atingimento dos bens, a Lei n. 9.613/98, impõe a inversão do ônus da prova para a

devolução dos bens, exigindo do acusado que comprovasse a origem lícita dos

bens, direitos e valores, para levantar a constrição. Verifica-se que mesmo diante da

Exposição de Motivos da Lei n. 9.613/98 apontar que a medida não visa ao perdi-

mento – que ocorreria somente após a formação da culpa –, mas somente à constri-

ção cautelar, entende-se que a medida viola a presunção de inocência ao exigir a

“comprovação”, o que ocasiona verdadeiro desequilíbrio na relação processual, pois

para a constrição exige-se somente indícios suficientes. Nos casos onde não se faz

possível comprovar por meios de documentos, visto o transcurso do tempo no qual o

bem foi adquirido e que não mais se exigia a guarda do documento fiscal, ficou des-

coberta a hipótese, fazendo com que o acusado amargure a constrição dos bens

que adquirira licitamente.

34o Na medida em que ninguém será privado de seus bens sem o devido

processo legal, melhor seria se permitisse um equilíbrio no ônus da prova, permitin-

do que fossem sopesadas as responsabilidades, atribuindo uma carga de ônus cor-

209

respondente entre as partes. Ao órgão da acusação, que apresentasse, ao menos,

indício de que aquele bem em específico fôra adquirido ou proveniente de infração

penal, enquanto à defesa, demonstrada ao menos a verossimilhança de que aquele

bem não fôra adquirido de maneira ilícita, se manteria a possibilidade de liberação

antecipada do bem.

35o Há evidente dissenso na redação do §2o, do artigo 4o da Lei n. 9.613/98,

produzida pela Lei n. 12.583/12, quando possibilita, na liberação dos bens constritos,

a manutenção de bens, direitos e valores necessários para saldar prestação pecuni-

ária, multa e custas processuais. Tal medida implicaria em violação do basilar da

presunção de inocência, bem como do devido processo legal, pois mesmo demons-

trada a licitude dos bens, e realizada a liberação, seria realizado um pré-juízo de

culpabilidade, que movido apenas pela hipótese de que o acusado poderia ser con-

denado, ainda mantém a constrição dos bens. Trata-se de medida com o escopo de

iludir o acusado, pois ao mesmo tempo que pontua a possibilidade de levantar seus

bens comprovando a licitude, possibilita ao Poder Público a manutenção da constri-

ção ao alvitre do Magistrado, a quem fica incumbido se devolverá os bens ou não, o

que seria de todo impróprio, por não se dizer inconstitucional.

36o A Lei n. 12.683/12 corrigiu um contrassenso na redação original da Lei,

que somente permitia conhecer do pedido de liberação dos bens se apresentado pe-

lo acusado, mas permitia processar o acusado sem a sua presença e sem a sus-

pensão da ação e da prescrição pelo artigo 366 do Código de Processo Penal. Com

o advento da nova Lei, corrigiu-se esta divergência, possibilitando que o pedido fos-

se apresentado por interposta pessoa.

37o A Lei n. 12.683/12, acrescentou à sua redação, medida que antes era

preconizada na Lei de Drogas, permitindo a alienação antecipada dos bens constri-

tos, sob a alegação da deterioração ou depreciação dos bens constritos, ou ainda na

hipótese de alegada dificuldade de manutenção do bem. Todavia, as hipóteses de

decretação apresentam-se de todo modo, temerárias, pois exige que a depreciação

ou deterioração sejam comprovadas por laudo, da mesma maneira que na alegada

dificuldade de manutenção, não se menciona qualquer possibilidade de se realizar o

depósito dos bens ao acusado, que antes mesmo da constrição, já era responsável

para manutenção de seus bens.

210

38o Uma ressalva que se faz é que se corrigiu uma prática judiciária corri-

queira, que seria o uso dos bens apreendidos pelo Poder Público, não mais se admi-

tindo, agora por força de Lei, que sejam os bens constritos, destinados para uso,

apenas se permitindo a destinação após o perdimento, por sentença condenatória

irrecorrível.

39o A alienação antecipada pode ser requerida pelo Ministério Público, pela

parte interessada (terceiros de boa-fé ou terceiros possuidores) e pelo próprio acu-

sado, como medida protetiva. Outrossim, inobstante a previsão, apresenta-se teme-

rária a propositura da alienação antecipada de ofício, pois se o próprio magistrado

apresentar a proposta, subentende-se que há um juízo prévio da necessidade, de

maneira que as alegações das partes correspondentes seriam meramente figurati-

vas, pois dificilmente se alteraria a convicção do Magistrado. Por isso, melhor seria

que, inobstante a previsão legal, o Magistrado mantenha equidistância das deman-

da, restringindo-se apenas a analisar os motivos, fatos e argumentos apresentados

pelas partes.

40o A redação da Lei de Lavagem de Capitais ainda peca na impropriedade

ao não prever o momento onde poderá ser requerida e decretada a alienação ante-

cipada, criando um perigoso vácuo, ao não restringir que a alienação ocorra antes

da ação penal. Melhor solução seria a analogia ao artigo 62, §4o, da Lei

n. 11.343/06, que somente permite o procedimento de alienação antecipada após

instaurada a ação penal. Essa singela observação previne que nos casos de apura-

ção do crime, se não se sabe ao menos se será ofertada denúncia, não seria plausí-

vel realizar a venda dos bens do investigado.

41o Na alienação antecipada dos bens constritos pela Lei de Lavagem, se

permite a venda em leilão por até 75% (setenta e cinco por cento) do valor do bem.

Acaso ocorra a absolvição do acusado, necessário seja indenizado o valor perdido

com a venda do leilão, mesmo havendo a previsão de levantar o valor depositado e

a remuneração da conta judicial, pois em muitas vezes o valor da remuneração da

conta judicial não atinge o valor total do bem alienado.

42o Mesma solução deve ser tomada quando alienado bem de valor senti-

mental, quando da absolvição, quando verificado ao longo do processo que foi feita

211

prova do valor sentimental do bem e mesmo assim, manteve-se o procedimento de

alienação.

43o A ação controlada, prevista pela Lei, consiste em medida de proteção da

investigação policial e deve ser pautada na necessidade demonstrada pela Autori-

dade Policial, quando a medida assecuratória puder comprometer a investigação de

outros alvos de uma mesma organização criminosa. Neste ínterim, antes de se de-

terminar a execução dos mandados de constrição dos bens, antes de instaurada a

ação penal, a autoridade policial deverá ser consultada para que não se interfira de

maneira prejudicial na sua investigação.

44o Todas estas considerações refletem uma análise crítica da Lei de Lava-

gem de Capitais, não somente no conteúdo jurídico da norma, mas também nas fun-

ções sociológicas e de política criminal, da qual concluímos com o alerta de RUY

BARBOSA315, ao motivar os novos estudantes do Direito: “É verdade que a execu-

ção corrige, ou atenua, muitas vezes, a legislação de má nota. Mas, no Brasil, a lei

se deslegítima, anula e torna inexistente, não só pela bastardia da origem, senão

ainda pelos horrores da aplicação. Ora, dizia S. Paulo que boa é a lei, onde se exe-

cuta legitimamente. Bona est lex, si quis ea legitime utatur. Quereria dizer: Boa é a

lei quando executada com retidão. Isto é: boa será, em havendo no executor a virtu-

de, que no legislador não havia. Porque só a moderação, a inteireza e a eqüidade,

no aplicar das más leis, as poderiam, em certa medida, escoimar da impureza, dure-

za e maldade, que encerrarem. Ou, mais lisa e claramente, se bem o entendo, pre-

tenderia significar o apóstolo das gentes que mais vale a lei má, quando inexecuta-

da, ou mal executada (para o bem), que a boa lei sofismada e não observada (con-

tra ele)” (sic).

315

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