teatro cantado - um estudo sobre o musical

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  • 8/16/2019 Teatro Cantado - Um Estudo Sobre o Musical

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    UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ

    MARINA FREIRE CRISÓSTOMO DE MORAIS

    TEATRO CANTADO:

    UM ESTUDO SOBRE O MUSICAL 

    FORTALEZA - CEARÁ2012

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    MARINA FREIRE CRISÓSTOMO DE MORAIS

    TEATRO CANTADO: UM ESTUDO SOBRE O MUSICAL 

    Monografia apresentada à Coordenação doCurso de Licenciatura em Música doCentro de Humanidades da Universidade

    Estadual do Ceará, como requisito parcial para obtenção do título de Licenciado emMúsica.

    Orientadora: Profª. Ms. Luciana RodriguesGifoni

    FORTALEZA-CEARÁ

    2012

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    Dados Internacionais de Catalogação na Publicação

    Universidade Estadual do Ceará

    Biblioteca Central Prof. Antônio Martins Filho

    Bibliotecário(a) Responsável – Giordana Nascimento de Freitas CRB-3 / 1070

    M827t Morais, Marina Freire Crisóstomo deTeatro cantado: um estudo sobre o musical / Marina Freire

    Crisóstomo de Morais. — 2012.CD-ROM. 102 f. il. (algumas color) ; 4 ! pol.

    “CD-ROM contendo o arquivo no formato PDF do trabalhoacadêmico, acondicionado em caixa de DVD Slin (19 x 14 cm x 7mm)”.

    Monografia (graduação) – Universidade Estadual do Ceará,

    Centro de Humanidades, Curso de Licenciatura em Música,Fortaleza, 2012.Orientação: Profa. Me. Luciana Rodrigues Gifoni.

    1. Teatro. 2. Música – Letra. 3. Canto. 4. Musical. Título.CDD: 780

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    “Se você pode falar, você pode cantar.Se você pode andar, você pode dançar.”

    (Provérbio Africano)

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    AGRADECIMENTOS

    Agradeço à minha mãe Isabelle e ao meu pai Carlinhos, de quem herdei a paixão

     pelo teatro e pela música, respectivamente;À minha orientadora Luciana Gifoni, pela ajuda incondicional e por acreditar em

    mim e neste trabalho, dos estágios iniciais até os momentos mais críticos;

    Ao amigo Rafael Nogueira, por me apresentar ao musical Sunday in the Park withGeorge;

    À amiga Alene Botareli, pela ajuda com as traduções e revisões em inglês; E a todas as pessoas que dedicam parte de suas vidas, como artistas ou

    espectadores, a essa experiência única que é o Musical. 

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    RESUMO

    O Musical teve no teatro a sua origem e seu desenvolvimento, consagrando-se como gênero popular

    nos palcos dos Estados Unidos, além de influenciar diversos países, entre eles, o Brasil. Suacomplexidade é pouco conhecida, sendo muitas vezes considerado gênero de menor importância oumero entretenimento. Não se trata apenas da junção de música, teatro e, muitas vezes, dança; mas deuma combinação consciente de vários aspectos de cada uma dessas artes, de forma a ampliar suas

     possibilidades expressivas. Por isso, o Teatro Musical pode ser considerado uma das formas de artemais completas. Além da sua presença no contexto teatral, o Musical também teve uma forteexpressão no Cinema e vem conquistando o seu espaço na TV. Este trabalho, além de discutirquestões acerca da definição de Teatro Cantado e de Musical, concentra-se na relação Música eDiscurso - em um contexto cênico-teatral - a partir de um levantamento histórico, com destaqueespecial ao Teatro Musical norte-americano. Em seguida, serão tratadas questões a respeito da estéticae do processo criativo do Musical, a partir da análise de Sunday in the park with George, obra deStephen Sondheim, um dos compositores/letristas mais significativos da Broadway, atuante desde o

    fim dos anos 50.

    Palavras-chave: Musical; Música e Teatro; Música e Letra; Música e Discurso; Teatro Cantado; Broadway; Sondheim; Sunday in the park with George.

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    ABSTRACT

    The Musical has first begun and been developed as a theater form, becoming renowned as a popular

    genre in USA stages, besides influencing several countries, as Brazil. Its complexity is not widelyknown, and the Musical has been often considered a genre of less importance or mere entertainment.However, the Musical is not just putting together music, theater and sometimes dance; but rather aconscious combining of various aspects of these arts, in order to broaden its expressive possibilities.Therefore, Musical Theatre can be considered one of the most comprehensive forms of art. Besides its

     presence in the theatrical context, the Musical has also had a strong representation in Cinema and has been getting space on TV. In this work, in addition to discussing the definition of Sung Theatre andMusical, we will also focus on the relation between Music and Speech - in a stage theatrical context -

     beginning with its historical background, especially featuring the American Musical Theatre. Afterthat, we will address issues regarding the aesthetic and the creative process of Musicals, beginningwith an analysis of Sunday in the park with George, a work   by Stephen Sondheim, one of the mostsignificant composers and lyricists of Broadway, active since late 1950s.

    Keywords: Musical; Music and Theatre; Music and Lyrics; Music and Speech; Sung Theatre;Broadway; Sondheim; Sunday in the park with George.

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    SUMÁRIO

    LISTA DE FIGURAS ............................................................................................................. 8LISTA DE TABELAS ............................................................................................................ 91 CAPÍTULO INTRODUTÓRIO ........................................................................................10

    1.1 A importância de estudar o gênero ............................................................................... 10 1.2 Subvalorização do Musical ............................................................................................111.3 A escolha pelo Teatro Musical norte-americano .......................................................... 13 1.4 O teatro cantado .............................................................................................................14

    1.4.1 O musical .............................................................................................................. 142 A MÚSICA CANTADA NO TEATRO ............................................................................ 18

    2.1 Grécia antiga e Império Romano ...................................................................................182.2 Período pré-opera .......................................................................................................... 212.3 A ópera dos séculos XVII ao XIX ................................................................................ 222.4 O Musical Americano ................................................................................................... 24

    2.4.1 Teatro de variedades (Variety) ............................................................................. 24

    2.4.2 Opereta ................................................................................................................. 262.4.3 Jerome Kern e os Princess shows ........................................................................ 27 2.4.4 A consagração do gênero nos Estados Unidos e mudanças na forma ................. 282.4.5 O Musical Off-Broadway .................................................................................... 292.4.6 Stephen Sondheim ............................................................................................... 29

    2.5 O teatro cantado fora dos EUA ...................................................................................... 302.5.1 Alguns comentários sobre a ópera alemã do século XX ....................................... 302.5.2 O musical no Brasil ............................................................................................... 31

    2.6 Os gêneros cênicos-musicais: o musical e seus “parentes” .......................................... 322.6.1 Ópera ......................................................................................................................332.6.2 Teatro Musicado ................................................................................................... 34

    2.6.3 Coro Cênico .......................................................................................................... 352.6.4 Show Musical ....................................................................................................... 352.6.5 Balé ....................................................................................................................... 362.5.6 Quadro comparativo ............................................................................................. 36

    2.7 Subgêneros do Musical ................................................................................................ 383 PROCESSO CRIATIVO E ESTÉTICA DO MUSICAL, A PARTIR DA ANÁLISEDE SUNDAY IN THE PARK WITH GEORGE ...................................................................39 

    3.1 A equipe criativa ........................................................................................................... 403.1.1 O compositor e letrista ......................................................................................... 403.1.2 O compositor e letrista em diálogo com os demais membros da equipe criativa. 40

    3.2 A relação Música e Letra .............................................................................................. 43

    3.2.1 Poesia versus Letra de música .............................................................................. 433.2.2 A letra de música .................................................................................................. 443.2.3 Rimas .................................................................................................................... 46

    3.3 A canção no musical .................................................................................................... 484 CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................................ 53BIBLIOGRAFIA ................................................................................................................... 54ANEXOS ................................................................................................................................ 57 ANEXO A ............................................................................................................................... 58ANEXO B ............................................................................................................................... 61ANEXO C ............................................................................................................................... 66ANEXO D ............................................................................................................................... 67 

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    LISTA DE FIGURAS

    Figura 1- Partitura da música “Color and Light” com algumas stage directions

    Figura 2- Trecho da música Sunday.

    Figura 3 - Semelhanças entre as canções Sunday in the park with George e It's hot up here 

    (HOROWITZ, 2010, p. 98)

    Figura 4 - Trecho comparativo das canções Finishing the hat  e Putting it together  

    (HOROWITZ, 2010, p. 99)

    Figura 5 – Stephen Sondheim.

    Figura 6 – Cena de Sunday in the Park with George.

    Figura 7- Capa do CD do musical.Figura 8 – Imagem da tela original, Uma tarde de domingo na ilha de La Grande Jatte , de

    George Seurat. 

    Figura 9 – Cena em detalhe.

    Figura 10 – Outra cena do musical.

    Figura 11 – Imagem de divulgação do musical.

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    LISTA DE TABELAS

    Tabela 1 - Quadro comparativo dos gêneros de teatro cantado.

    Tabela 2 - Principais tipos de rimas, de acordo com Sondheim (2010)

    Tabela 3 - Algumas relações possíveis entre as canções de Sunday in the park with George

    Tabela 4 – Prêmios e nomeações de Sunday in the Park with George.

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    1 CAPÍTULO INTRODUTÓRIO 

    O presente trabalho tem como objeto de estudo o teatro cantado, tomando como

     ponto de partida discussões acerca do conceito e da abrangência do termo musical , além de

     justificar a sua relevância como tema e traçar algumas considerações a respeito da sua

    subvalorização como arte. Esta primeira etapa se localiza neste capítulo introdutório.

     No segundo capítulo, a relação música e discurso  é explorada através do

    levantamento histórico de algumas manifestações cênico-musicais que se utilizam do canto,

    culminando para a formação do teatro musical norte-americano - forma de teatro cantado

    mais popular no mundo. Alguns tópicos extras também serão abertos, referentes à presença do

    musical fora dos EUA, o que inclui o Brasil; além da produção de um quadro comparativoentre o musical e alguns do gêneros cênicos-musicais mais relevantes.

    Em seguida, no terceiro capítulo serão discutidas algumas questões relacionadas

    ao processo criativo e à estética do musical, tendo como fio condutor alguns aspectos da obra

    Sunday in the park with George, de Stephen Sondheim, um dos mais importantes

    compositores e letristas da atualidade.

    Entre as razões para a escolha do tema teatro cantado, algumas são de cunho

     pessoal da própria autora, que além de espectadora e amante do gênero musical - tanto no

    teatro quanto no cinema -, teve a oportunidade de estar em cena, compondo o elenco de uma

    opereta (A viúva alegre, de Franz Lehar); de uma burleta (O casamento da Peraldiana, do

    autor cearense Carlos Câmara); de um musical nacional (Os saltimbancos, de Chico

    Buarque); e de uma adaptação da Broadway ( Hairspray, de Marc Shaiman & Scott Wittman);

    além de outros trabalhos relacionados à música cantada e teatro.

    Além disso, este trabalho tem importância para o curso de música da UECE por

    abordar a inter-relação entre artes, relevante tanto para os  performers  que queiram se

    aprofundar nas relações em que o canto estabelece com a cena, quanto para os compositoresque queiram se dedicar à escrita de canções para o musical; para não mencionar a conexão

    que pode ser feita entre interdisciplinaridade e educação musical.

    1.1 A importância de estudar o gênero 

    O Musical é um gênero que propõe um diálogo entre diversas artes e linguagens

    como: música, teatro, dança, cinema, literatura, artes visuais etc. Apenas isto já pode dar

    indícios da riqueza do tema, passível de múltiplas abordagens e questões. Além disso, a

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     popularidade do gênero, em especial o “jeito americano” de fazer musicais, é mundial, sendo

    considerado “o ícone cultural mais onipresente e dominante da nossa era1” e responsável por

    recordes tanto de público quanto de bilheteria (BRADLEY, 2004, p. 1). “O musical já se

    tornou um fenômeno verdadeiramente global e certamente é um dos exemplos daglobalização mais bem-sucedidos e impressionantes2” (id., ibid.).

    Segundo matéria de Gustavo Martins3, o sucesso dos musicais não é um

    fenômeno recente no Brasil. "Desde a primeira metade do século 20, com o teatro de revista,

    até hoje, com os suntuosos cenários e figurinos trazidos da Broadway, os espetáculos teatrais

    cantados agradam plateias no país”. Este mercado em expansão tem demandado cada vez

    mais a especialização da classe artística: “os orçamentos generosos, auxiliados por leis de

    renúncia fiscal, permitiram a realização de grandes montagens e aceleraram a

     profissionalização no setor”, o que é válido não só para a formação de elencos, mas também

     para a equipe técnica e criativa. 

    Embora exista uma vasta bibliografia sobre o tema em inglês, são pouquíssimas as

     publicações e pesquisas em português; nem mesmo traduções de autores estrangeiros são

    encontradas com facilidade. Para guiar esta pesquisa, além de consultas a obras mais

    específicas sobre o assunto em língua inglesa, foram feitos alguns levantamentos em materiais

    na área de música, teatro e cinema.

    1.2 Subvalorização do Musical

    O musical é considerado um gênero menor por diversos fatores, dentre eles o seu

    aspecto comercial e o seu caráter de entretenimento, conforme comenta Bradley (op. cit., p.

    2):

    Para seus detratores, musicais não são uma forma artística, e sim um produtocomercial, fabricado de forma cínica e calculada, promovido ecomercializado de maneira implacável para se tornar uma forma de

    entretenimento em massa especialmente vulgar. Cada vez mais elaboradosem seus cenários e efeitos especiais, apresentando o que um crítico jáchamou de 'aquela sensação de excesso cênico que lhe faz deixar o estúdiocantarolando', os musicais sofrem muitas críticas por seu efeito depender detruques tecnológicos e uma bela embalagem.4 

    1 Tradução livre de: “the most ubiquitous and dominant cultural icon of our age.”2 Tradução livre de: “The musical has now became a truly global phenomenon and is indeed one of the moststriking and sucessful examples of globalization.”3  Disponível em: Acesso dia:05 dez. 20124  Tradução livre de: “For their detractors, musicals are not an art form so much as a commercial product,

    manufactured in a cynical an calculated way, ruthlessly hyped and marketed to make a particularly vulgar formof mass entertainment. Ever more elaborated in their scenery and special effects, possesing what one critic has

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    mostrar o seu valor artístico. Como conclui Feuer (1993, p. IX), “precisamos de uma chave

     para abrir a porta de vidro cintilante que os musicais colocam entre si mesmos e qualquer

    forma de questionamento intelectual8”.

    1.3 A escolha pelo Teatro Musical norte-americano 

    Imagine um lugar onde pessoas se reúnem para uma adoração tão fervorosaque frequentemente batem palmas em ansiosa expectativa. Imagine um lugaronde as pessoas encaram as questões mais profundas e complexas darealidade humana. Imagine um lugar no qual pessoas são ajudadas aenfrentar questões dentro de si mesmas que haviam encoberto ou ignoradohá muito tempo, e onde conseguem encontrar uma forma de cura. Imagineuma experiência comunitária na qual pessoas são elevadas às alturas daalegria e da empolgação e deixam o prédio mais leves, mais felizes, maiscapazes de enfrentarem suas vidas e os problemas que encontram todos os

    dias. Onde está esta igreja que só faz bem? Onde fica este pequeno paraísona Terra? No teatro mais próximo9. (BRADLEY, 2004, p. 14) 

    Embora o gênero musical seja encontrado em linguagens diversas, como o cinema

    e a TV, falar sobre a sua expressão no teatro, a despeito das demais, tem, em primeiro lugar,

    razões históricas e de origem. Em segundo lugar, a experiência teatral tem em si elementos

    que dialogam diretamente com características do musical, como a interação entre atores e

     plateia, a experiência de grupo, entre outras questões que serão posteriormente abordadas.

    Como comenta Jones (op. cit., p. 16), “o teatro é certamente um dos últimos baluartes do

    discurso. Em um mundo cada vez mais visual, o teatro proporciona um local para as pessoas

    se reunirem e viverem uma experiência em grupo induzida principalmente pelo poder das

     palavras10”.

    A respeito da escolha pelo Musical norte-americano, Jones (id., p. 22) afirma que

    “de Tóquio a Berlim, a mais popular forma de empreendimento teatral hoje é o Musical

    Americano”11. Esta popularidade do musical estadunidense não veio à toa, pois foi nos

    8 Tradução livre de “We need a key to open the shimmering glass door musicals place between themselves andany form of intellectual inquiry”9 Tradução livre de: “Imagine a place where people gather to worship so fervently that they often clap theirhands together in eager anticipation. Imagine a place where people are confronted with the deep, perplexingissues of what it means to be human. Imagine a place where people are helped to face up to issues withinthemselves that they had long buried or ignored and find themselves brought to a point of healing. Imagine acommunal experience where people are lifted to the heights of joy and excitement and leave the building lighter,happier, better able to face their lives and the questions they are daily confronted with. Where's is this churchthat is doing everything right? Where is this tiny paradise on earth? At your local theatre."10 Tradução livre de “the theatre […] is surely the one of the last bastions of the spoken word. In an increasinglyvisual world, the theatre provides a place where people may gather and have a group experience induced

     primarily by the power of words."11 From Tokyo to Berlin, the most popular form of theatrical endeavor today is the American Musical.

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    Estados Unidos que o gênero se desenvolveu e se consagrou, tornando-se uma das maiores

    escolas na arte de integrar música, texto e cena.

    1.4 O teatro cantado O processo de escolha do título desta monografia passou por várias dificuldades

    terminológicas, em especial porque parte da bibliografia consultada não é específica do

    musical, e mesmo nas obras que abordam diretamente o musical, ele está (inter)relacionado

    com vários outros gêneros cênicos-musicais, sejam aqueles responsáveis pela sua formação,

    como a opereta, ou as suas subdivisões, como a comédia musical.

    Burguess e Skilbeck (2000, p. 12), afirmam que “O termo ‘teatro cantado’ é a

    nossa resposta à ausência de um termo genérico que inclua ópera, opereta, teatro musical,

    vaudeville, cabaré e teatro-música.12"

    Ainda sobre a complexidade do assunto e ambiguidade de termos, Burgess e

    Skilbeck (id., ibid.) continuam a refletir sobre outras possibilidades terminológicas. Entre elas

    estaria o termo music theatre  (que pode ser traduzido como música-teatro), derivado do

    alemão musiktheater , mas que carrega consigo uma associação com o trabalho de Walter

    Felsenstein, fundador da Ópera Cômica de Berlim; e também é utilizado em alguns trabalhos

    interdisciplinares e experimentais. Outras alternativas seriam o music drama (drama musical),

    que por sua vez já é associado às teorias e práticas de Richard Wagner; o lyric theatre (teatro

    lírico), que soaria pomposo; ou o musicodramatic entertainment   (entretenimento músico-

    dramático), considerado “acadêmico” demais.

    Desta forma, assim como os autores citados acima, o termo teatro cantado seria a

    forma mais genérica, mais simples e menos ambígua de se referir a “toda a arte e atividade do

    teatro na cultura ocidental em que os  performers  cantam e atuam simultaneamente13” (id.,

    ibid).

    1.4.1 O Musical

    Embora não seja o objetivo deste trabalho encontrar uma definição precisa de

    musical, é importante traçar algumas noções sobre o conceito existente por trás do termo.

    12 Tradução livre de “The term 'sung theatre' is our response to the absence of a generic term which embraces[…] opera, operetta, musical theatre, vaudeville, cabaret and music theatre.”13

     Tradução livre de “The entire art and activity of the theatre in Western culture in which performers both singand act simultaneously.”

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    Everett (2004, s/p14) afirma que os “musicais desafiam categorizações simples (uma de suas

    mais intrigantes qualidades) e o gênero envolve uma variedade de significados e subgêneros,

    todos relacionados e interligados15”.

    Consultando diferentes tipos de bibliografia, é possível encontrar níveisdiferenciados de abordagem e definição do termo musical . Um dicionário não-especializado,

    define-o apenas como algo “relativo à música”16. No  Dicionário de termos e expressões da

    música, tem-se uma definição mais aprofundada, com fundamentos predominantemente

    históricos:

    Musical 1. Expressão inglesa que se tornou popular no EUA e na Inglaterraa partir do início do século XX, refere-se ao teatro musical, e em especial àmúsica que surgiu da chamada comédia musical, à ópera cômica do séculoXIX. Apesar de originar-se dos ambientes burlescos da Inglaterra, mantinha

    fortes afinidades com a chamada Opereta, de estilo leve e palatável. O termoconsagrou-se no vocabulário dos amantes da música do mundo inteiro pelasmãos de Cole Porter, Richard Rodgers (Sound of music) e Gershwin (Umamericano em Paris, Rhapsody in blue), chegando aos dias de hoje comAndrew Lloyd Weber (Cats) e Leonard Bernstein, com sua memorável WestSide Story. Alguns musicais da Broadway, como Evita e Cats, chegam a

     permanecer em cartaz por décadas, servindo como uns dos principaisatrativos turísticos de pólos culturais como Nova York. 2. Gênero de filmeem que a música tem papel predominante, como os norte-americanos Anoviça rebelde (Sound of music), Singin’ in the rain e Cabaret, no estilo dosmusicais da Broadway." (DOURADO, 2008, p. 218-219)

    Já na bibliografia especializada, o termo pode ser encontrado numa abordagemmais centrada em suas características estéticas e artísticas. Para Leon (2002, s/p), o musical é

    uma maneira de "combinar as formas mais básicas de nossas atitudes humanas. Discurso,

    música, canções, dança, quando organizadas, tornam-se uma expressão artística multifacetada

    que, em qualquer combinação ou sociedade, é apenas a forma mais superior de contar

    histórias.17”

    Tragtenberg (1991, p. 75), por sua vez, afirma que o teatro musical, além de

    combinar diversas linguagens, “é um desdobramento da ópera e do teatro moderno. Ao

    mesmo tempo em que se remete ao passado longínquo da expressão humana, tem sido o

    espaço privilegiado para a inclusão de todo tipo de experimentação e inovação técnica.”

    14  A obra foi consultada em formato .mobi, específico para leitores de livros digitais, que não apresenta paginação convencional. O mesmo se aplicará as demais vezes que a indicação “s/p” aparecer.15 Tradução livre de “Musicals defy easy categorization (one of their most intriguing qualities) and the genreencompasses a variety of meanings and subgenres, all of which are related and intertwined.”16 Dicionário Priberam da Língua Portuguesa.17  Tradução livre de: “to combine the most basic of our human actions. Speech, music, song, dance, when

    organized, became a multi-faceted artistic expression which, in any combination or society, is just the highestform or story-telling.”

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    De forma geral, pode-se concluir com base no exposto que o musical ganhou

    espaço no teatro e no cinema (e TV, embora não mencionada nas definições anteriores),

    combinando fala, música, canção e dança. Porém, não fica claro como todos esses elementos

    se relacionam.Suassuna (2002, p. 256), ao falar sobre a hierarquia e a classificação das Artes,

    afirma que "o Teatro, o Cinema, a Dança, a Ópera e o Balé não são associações de Artes, são

    Artes independentes, peculiares, com vida própria”. E mais adiante (id., p. 305) complementa:

    “o nome que conviria melhor às Artes do tipo do Cinema, do Teatro, da Ópera e do Balé seria

    o de Artes do Espetáculo [grifo do autor]”. O autor acrescenta ainda:

    Em todas elas [Artes do Espetáculo], está presente uma ação, a narrativa deum acontecimento sucedido a personagens; e se isso acontece também como Romance, a Novela e o Conto, estes não possuem, porém, a presença defiguras humanas atuando num cenário único ou variado, num conjunto deespetáculo  [...], com as variantes naturais convenientes à essência de cadaum deles" (id., ibid.)

    Por ser vinculado ao teatro e ao cinema, o musical se insere nesses dois tipos de

    artes do espetáculo, porém sem pertencer a apenas um deles. Essa vinculação, como já

    antecipada pela definição de Dourado (op. cit.) é de gênero; mais especificamente trata-se de

    um gênero “flutuante”, por poder se inserir em diversos contextos, como o teatral, o

    cinematográfico e o televisivo, sem perder suas características essenciais.

    Além disso, o musical tem uma proximidade com o balé, já que é um gênero

    cênico que tem a dança como um elemento bastante recorrente. Outro fato importante de

    mencionar é que a ópera, outro tipo de arte do espetáculo, tem uma relação histórica com o

    musical. Com base nessas constatações, o musical, além de ser um gênero de algumas das

    artes do espetáculo, poderia também ser classificado como uma forma de arte? E mais: seria

    esta uma forma de arte híbrida, por propor uma combinação e diálogo entre música, cena e,

    muitas vezes, dança?

    A classificação do musical como forma de arte possui divergências, evidenciadas pela observação das variadas terminologias utilizadas na bibliografia sobre o tema, por vezes

    usadas sem muitas explicações. Na necessidade de estabelecer um padrão para este trabalho,

    ele será considerado forma de arte apenas quando estiver ligado a outras artes, como nos

    termos teatro musical  e/ou cinema musical .

    Por fim, é importante enfatizar que este gênero vem se modificando e se

    reinventando durante todo o seu processo histórico, além de possuir muitos desdobramentos,

    linhas e vertentes, como já foi dito anteriormente. As diferenças entre o musical e outros

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    gêneros cênicos que se utilizam de música ficarão mais claras a partir da trajetória histórica

    que será traçada mais adiante.

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    18

    2 A MÚSICA CANTADA NO TEATRO

    “Não há nada de novo sobre o Teatro Musical. Ele é muito antigo, tão antigo

    quanto o próprio teatro.18” (JONES, op. cit., p. 21)

    Desde que a voz cantada passou a ser tratada como um instrumento, compositores

    e cantores se dedicam a explorar os limites da expressão vocal, a partir das diversas formas

    em que a música pode se combinar com o poder expressivo das palavras (BURGUESS;

    SKILBECK, op. cit., p. 8). As combinações possíveis entre música e discurso se

    configurariam entre dois extremos: encaixar a música nos padrões naturais da fala (que além

    de ritmo, possui algumas variações melódicas), ou conduzir a melodia sem a necessidade deseguir estes moldes. Além disso, pode-se mencionar que não existem fronteiras nítidas entre

    voz falada e voz cantada, o que tanto pode ser motivo de discussões e debates, como campo

     para a exploração artística. Considerando a última possibilidade, foi no teatro que as relações

    existente entre música e palavra, canto e fala foram mais exploradas.

    Acredita-se que a relação música e teatro tenha raízes pré-históricas, já que “som

    e ritmo seriam forças no processos de ritualização19” em culturas primitivas (id., ibid.). Esses

    elementos musicais seriam capazes de “alterar nosso estado físico ou emocional, organizar

    nossas ações e permitir que experiências comuns fossem sentidas e compartilhadas20” (id.,

    ibid.). Além disso, a dança e o uso de máscaras seriam “meios poderosos de transcender nosso

    ser e de representar outros planos de consciência21” (id., ibid.). Embora estes sejam aspectos

     bastante relevantes e importantes de serem estudados mais a fundo, este trabalho tem como

     ponto de partida histórico a Grécia antiga, considerada o berço da história da arte ocidental.

    2.1 Grécia antiga e Império Romano 

     Não se sabe muito sobre a natureza da música grega, a maior parte dos exemplos

    musicais que sobreviveram até os dias atuais vêm de períodos tardios e, muitas vezes, de

    forma fragmentada. Apesar disso, “alguns elementos da prática musical antiga sobreviveram

    durante a Idade Média, […] as teorias musicais [gregas] estiveram na base das teorias

    18 Tradução livre de “There’s nothing new about the musical theatre. It is very old, as old as the theatre itself."19 Tradução livre de “Sound and rhythm are both forces within the process of ritualising”.20  Tradução livre de “alter our physical and emotional state, they organize our actions, they allow common

    experiences to be felt and shared”.21 Tradução livre de “potent means of transcending our being and of representing other planes of consciousness”.

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    19

    medievais e foram integradas na maior parte dos sistemas filosóficos.” (GROUT; PALISCA,

    2007, p. 16-17). A partir desses materiais remanescentes, estudiosos puderam traçar algumas

    das características sobre a música, a poesia e o teatro grego, artes que eram perfeitamente

    integradas."A maior parte da música grega consiste em melodias cantadas, ou a solo, ou em

    coro. […] Mesmo que se cante em coro nunca existe polifonia, pois é a linha melódica que se

     pretende destacar” (PEREIRA, 2001, p. 219-220). Considerando que “os gregos não estavam

    acostumados a ler poesia, mas, sim, a ouvi-la” (HELIODORA, op. cit., p. 19), a linha

    melódica e o ritmo musical estavam totalmente subordinados à poesia, o que explica a

     preocupação em dar destaque ao canto e torná-lo o mais perceptível possível.

    Os instrumentos eram utilizados quase sempre como acompanhamento da voz

    humana, e Aristóteles considerava que eles poderiam até obscurecer a parte cantada, emitindo

     preferência pelo canto não acompanhado. Para ele, a voz reuniria em uma única emissão a

     palavra e o som musical, dessa forma, a voz é “o instrumento que desenvolve a comunicação

    mais expressivamente” (PEREIRA, op. cit., p. 222). Na Grécia, “a melopeia22 vocal só tem

    [tinha] pleno valor estético quando associada à poesia, enquanto a melopeia instrumental é

    [era] esteticamente completa em si mesma." (id., p. 221)

    A voz, além de ter essa capacidade única de associação da música com a palavra,

    “é versátil tanto melodicamente, como na variedade de movimentos (rápidos ou lentos) que

     pode produzir, e na facilidade de cobrir um largo leque de graduações dinâmicas (do silêncio

    ao grito)”, o que foi largamente explorado pelos tragediógrafos gregos (id., p. 222). Somado a

    isso, “na tragédia, a vocalização foi explorada de forma a obter simultaneamente uma

    impressão auditiva e, ao mesmo tempo, comunicar um sentido." (id., p .220). Dessa forma, os

    gregos associavam esses diferentes elementos musicais e textuais a determinado clima

    emocional ou intenção narrativa (HELIODORA, op. cit., p. 19).

    Segundo Pereira (op. cit., p. 221), a tragédia, por ser uma forma específica deexpressão, deve veicular um tratamento também específico da voz, que por sua vez estará em

    sintonia com a ação que se desenvolve. A voz seria adaptada aos diferentes momentos do

    drama, como se verifica especialmente nas tragédias de Eurípides, que fez um trabalho de

    estudo vocal, apresentando:

    indicações de silêncio, de ruídos, de gritos, de murmúrios, de sons musicais;[…] [de] dinâmica (do  ff   agudo ao  pp  silêncio), […] sobre diferenças desom, de modificações na inflexão vocal através da própria frase, do sentido,

    22

     Segundo Dourado (op. cit., p. 201), melopeia referia-se à arte de criar música e ao conjunto de regras vigentes para a elaboração de melodias, na Grécia antiga.

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    da palavra central na frase e até da sua entoação, recitação ou articulação”(id., ibid.).

    Um dos principais elementos da tragédia grega era o coro, que pode ser

    considerado um dos primeiros exemplos de elos entre música e teatro no mundo ocidental.Após o prólogo, que explicava a história prévia, o coro fazia a sua entrada e permanecia até o

    fim da peça. Sua formação inicial era de doze membros, depois passando a quinze com

    Sófocles. Sobre a atuação do coro, Brockett (1979, p. 11) comenta:

    Geralmente o coro atuava em uníssono, mas às vezes ele era dividido emdois semicoros de sete componentes, que poderia atuar em turnos ou poderiatrocar ou dividir falas. O líder do coro às vezes tinha falas solo, mas o corofalava e cantava como grupo (embora algumas edições modernas de peçadividam as falas e designem-as para membros individuais do coro)"23 

    Para o mesmo autor (id, ibid.), as funções do coro na peça seriam: expressaropiniões (que pode ser a visão do autor), dar conselhos, como um ator no drama - geralmente

    aliado ao protagonista; reagir aos eventos e personagens, sendo uma espécie de referência

     para os espectadores; estabelecer a atmosfera da peça e elevar o seu efeito dramático; e definir

    um ritmo à ação.

    Tais breves considerações sobre a arte da Grécia Antiga são importantes por

    configurarem um primeiro momento da história do Teatro cantado, que serviram como base

     para muito do que foi feito posteriormente. Vale dar destaque à “ideia grega de que a música

    se ligava indissociavelmente à palavra falada [que] ressurgiu, sob diversas formas, ao longo

    de toda a história da música” (GROUT; PALISCA, op. cit., p. 20), seja através da criação do

    recitativo, em torno de 1600; das teorias de Wagner e seu drama musical, no século XIX; ou

    com o Teatro Musical Americano do século XX, como será explicitado mais adiante.

    Assim como os Gregos, os romanos produziam peças com diálogo, canção

    (embora sem a presença do coro), dança e acompanhamento instrumental, sendo Plauto um de

    seus principais dramaturgos - que fez uma releitura e combinação de vários personagens e

    temas gregos. Esses espetáculos, que, como na Grécia, também faziam parte de festivais em

    homenagens aos deuses, eram apresentados em estruturas de madeira, que podiam ser

    montadas e desmontadas dentro de um dia. Havia também a presença da cortina, que

    levantada, indicava que a apresentação iria começar.

    Outro aspecto interessante de mencionar é que os romanos, para tornar seus

     passos de dança audíveis, costumavam anexar pequenas placa de metal aos seus sapatos - um

    23

     As traduções utilizadas dessa obra foram feitas por Marcelo Farias Costa, para o curso de Teatro do IFCE(Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Ceará).

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    21

     parente antigo dos que hoje são usados no sapateado. Com a queda do império romano, e

    conseqüente declínio artístico, esse tipo de teatro que se guiava pelo mote político do “pão e

    circo” (BERTHOLD, 2001, p. 139) foi condenado pela igreja e permaneceu vários séculos

    inexistente (KENRICK, 2008, s/p).

    2.2 Período pré-opera 

     Nos séculos XII e XIII, a Igreja Católica encontrou no teatro uma forma de tornar

    as histórias bíblicas acessíveis à população, analfabeta em sua maioria, desenvolvendo os

    dramas litúrgicos. Ainda como eco do teatro grego, esses dramas religiosos eram

    apresentados como parte de algum festival religioso, tornando-se um poderoso atrativo de

    fiéis para a Igreja. O elenco era formado por clérigos, coros de meninos e até mesmo porfreiras. O texto tinha caráter sério e era cantado do início ao fim, acompanhado por

    instrumentos como flautas, harpas, gaitas de fole, rabecas etc.

    Essas apresentações, a princípio feitas dentro igrejas e em latim, logo ocuparam

    outros espaços, passando a abordar novos temas e a usar uma língua vulgar. Nessa época,

    quando o palco não estava posicionado de forma a receber uma boa iluminação do sol, a luz

    solar era refletida na direção dos atores através do uso de tigelas de metal - que podem ser

    consideradas como os primeiros holofotes. (id., ibid.)

    Ainda segundo o mesmo autor, esses dramas musicais podem ser classificados por

    temática, dividindo-se em mistérios, que eram dramatizações de histórias bíblicas; milagres,

    que envolviam a vida de santos;  peças sobre moralidade, alegorias que ilustravam os 7

     pecados capitais;  peças folclóricas, relacionadas a mitos populares. Candé (2001, p. 249)

    aponta um outro tipo de ramificação do drama litúrgico: os autos, que eram “representações

    (sagradas ou profanas) sem caráter grave”.

    Por volta de 1400, surgiu na Itália uma nova forma de arte: a commedia dell’arte,

    cujos personagens (entre eles, Arlequim e Columbina) e convenções podem ser encontradosaté hoje em várias manifestações artísticas, inclusive na comédia musical (KENRICK, op.

    cit., s/p). Na Inglaterra, Shakespeare usava em suas peças “um considerável número de

    canções como […] 'fanfarras' e 'clarinadas' para desfiles ou cenas de guerra” (HELIODORA,

    op. cit., p. 120). Na França, Moliére juntamente com o compositor Jean Baptiste Lully,

     produziu várias comédias com canções para a corte de Luís XIV, em Versalhes.

    Outro fato importante relativo ao teatro e à música cantada aconteceu em 1660, na

    Inglaterra: “só dois teatros tiveram licença real para apresentar teatro falado; como resultado,

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    22

    a fim de escapar das restrições da lei, apareceram várias salas em que eram apresentados

    apenas espetáculos de números de dança ou canto, chamados de music hall” (HELIODORA,

    op. cit., p. 143).

    Embora a canção e o teatro tenham convivido durante muitos séculos em váriostipos de manifestações artísticas, não existiram mudanças significativas no tratamento da

    relação música e discurso. Foi preciso que os dramas gregos fossem redescobertos para que

    esta configuração começasse a mudar. Este acontecimento se deu na Itália, ainda no período

    Renascentista.

    Observando o extensivo uso de versos em coro, os italianos presumiram que os

    dramas gregos se tratavam de peças inteiramente cantadas. Esse mal-entendido fez com que

    Monteverdi e a Camerata Fiorentina24 usassem a arte da Grécia antiga como modelo para a

    forma de arte que seria em breve desenvolvida. Assim, para Kenrick (id., ibid.), ao contrário

    do que se costuma afirmar, o Teatro Musical não seria descendente da ópera, mas o contrário:

    a ópera seria, de forma acidental, descendente do Teatro Musical.

    2.3 A ópera dos séculos XVII ao XIX

    Foi com Orfeo que Monteverdi inaugurou esse novo estilo de combinar música

    cantada e cena: a ópera. Esse tipo de arte logo se espalhou pela Itália durante o século XVII,

    em especial na cidade de Veneza (DUNTON-DOWNER; RIDING, 2010, p. 17).

    Até o século XVIII, o modelo que prevaleceu na Itália foi a opera seria (id., ibid).

     Nela, os compositores utilizavam em suas obras dois principais tipos de músicas cantadas: o

    recitativo, linha melódica vocal guiada pela acentuação natural das palavras (que podia ser

     secco, quando a fala era sustentada por acordes simples no contínuo; ou  stromentato 

    /accompagnato, quando a fala exigia o reforço de um acompanhamento orquestral simples); e

    a ária, canção que mostrava o pensamento e as emoções do personagem face aos

    acontecimentos da trama (BENNETT, 1986, p. 37).Para Giovanni de Bardi, mecenas da Camerata Fiorentina, o ideal a ser seguido

     pelo compositor era acomodar bem os versos na música, declamando as palavras da maneira

    mais inteligível possível. Para ele, os compositores que seguiam suas próprias ideias musicais,

    cortando as palavras em pedaços, estariam destruindo o verso (MATOS, 2008, p. 89). Este

     pensamento era compartilhado por Monteverdi, que considerava o texto detentor de uma

    24

     Grupo de artistas plásticos, músicos e poetas, que se reuniam em Florença sob a liderança de Giovanni deBardi.

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    23

    musicalidade intrínseca, além de um significado emocional. Caberia, então, ao compositor

    “transpor esta expressividade para a música” (ULHÔA, 2001, p. 249).

    Conforme comenta Matos (op. cit., p. 90), em grande parte da produção

    operística, a criação textual do libretista seria artisticamente secundária, pois o compositor,concentrado em explorar o potencial virtuosístico da voz dos cantores, acabaria por prejudicar

    a compreensão do texto cantado. Essa obliteração das palavras na ópera talvez fosse

    amenizada pelo fato de que a plateia tinha sempre em mãos uma versão impressa do libreto,

    apesar de que concentrar-se na leitura desses textos no papel seria também desviar a atenção

    do palco e, consequentemente, da própria expressão musical-visual da ópera.

     No fim do século XVIII, Gluck esteve à frente de uma reforma que mudou os

     parâmetros da música cantada para a ópera, mudando do “eixo do exibicionismo vocal para a

    expressão dramática” (DUNTON-DOWNER; RIDING, op. cit., p. 18). Com Orfeu e

     Eurídice, Gluck abriu caminho para o primeiro gênio da ópera, o alemão Mozart, autor de

    óperas como  A flauta mágica e  Don Giovanni. Estes artistas, por sua vez, influenciaram

    compositores importantes do século XIX, entre eles Rossini , que aprimorou o bel canto, canto

    floreado e virtuosístico , em óperas como O barbeiro de Sevilha. Outros sucessores

    importantes de destacar são Verdi, com sua La Traviata e Puccini , com La Bohème (id., p. 18-

    19).

    Enquanto isso, na França, a ópera também se desenvolveu, tendo Paris como umagrande referência para a arte a partir da década de 1820. Lá nasceram: a  grand opera, pelas

    mãos do exilado alemão Giacomo Meyerbeer; e a opéra bouffe, pelo também alemão Jacques

    Offenbach. Outros nomes importante da ópera francesa foram Bizet, com Carmen, e Debussy,

    com Pelléas et Mélisande (id., p. 19-20).

    A Alemanha teve como seus principais representantes, no século XIX, Beethoven, 

    com sua única ópera: Fidelio; e Wagner, verdadeiro revolucionário na arte de combinar canto,

    cena, figurinos, cenário, iluminação e efeitos de cena; tanto que chamava suas óperas de

    dramas musicais. Wagner planejou o teatro que foi especialmente construído para as suas

    obras , entre elas a quadrilogia O anel dos Nibelungos, dispondo a orquestra (que possuia

    grandes proporções) abaixo do palco, de forma que os cantores pudessem projetar suas vozes

    diretamente para a plateia (BENNETT, op. cit., p. 63).

    Este breve histórico da ópera dos séculos XVII ao XIX, em termos das diferentes

    relações existentes entre a música e o texto, pode ser resumido com as palavras de Matos (op.

    cit., p. 89-90):

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    24

    Monteverdi (no Combate de Tancredo e Clorinda, a partir da obra de Tasso)e Debussy (com o poema de Maeterlinck em  Pelléas e Mélisande), seaplicam a preservar rigorosamente o texto original. Wagner toma a seu cargotambém a criação do libreto, reivindicando a autoria de uma músicaexatamente associada ao texto em suas várias dimensões e sentidos. Gluck

    combate os excessos de virtuosismo vocal da escola italiana, que a seu verdesfiguram o discurso poético.

    Para finalizar, é interessante expor algumas colocações feitas por Elizabeth

    Giuliani25, citada por MATOS (id., p. 89), que afirma que “a ópera é vista primeiramente

    como um gênero literário no qual a expressão, iniciada pela linguagem, é redobrada ou

    transcendida pela música.”, acrescentando mais adiante (apud MATOS, id., p. 96) algumas

    reflexões que transcendem o contexto operístico:

    Os laços [que a música] estabelece entre significante e significado nunca são

    estritamente assimiláveis às relações expressamente linguísticas. [...] Doencontro de uma língua definida e imediata e uma linguagem mediada eindefinida nasce a multiplicidade de planos semânticos próprios da ópera, avariedade de correspondências possíveis entre verbo e som.

    2.4 O Musical Americano 

    Há cem anos, o teatro musical [americano] consistia principalmente derevistas, coleções de canções populares e números de comédia, bem comovariações de operetas da Europa. O teatro, juntamente com o vaudeville,ainda não lidava com a competição do rádio, televisão e cinema, como

    acontece hoje.26 (KRASILOVSKY et al, 2007, p. 248)

    Segundo Jones (op. cit.), embora o Musical Americano seja o resultado de muitas

    influências e cruzamentos, seriam três as principais correntes responsáveis pela sua formação:

    o Teatro de Variedades, a Opereta e os espetáculos apresentados no Teatro Princess.

    2.4.1 Teatro de variedades (Variety)

    O teatro de variedades teria se originado a partir dos shows de menestréis, no final

    do século XIX. Nesse tipo de apresentação, em que brancos se pintavam de negros de formacaricata, números de dança, música e comédia eram apresentados entre os atos de grandes

     produções. Com o tempo, os elementos desse tipo de espetáculo se subdividiram em novas

    linhas: o vaudeville, o burlesco e a revista (JONES, op. cit., p. 23).

    25 No ensaio A ambição sincrética da ópera ou ópera vista como forma literária tanto quanto musical .26 Tradução livre de “A hundred years ago, musical theater consisted largely of revues, collections of popular

    songs, and comedy skits, as well as variations of operettas from Europe. The theater, along with vaudeville, wasnot yet faced with competition from radio, television, and motion pictures, as it is today."

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    O vaudeville  se caracterizava por um tipo de entretenimento mais familiar, “um

    lugar onde você pudesse levar a esposa e as crianças27, como explica Jones (id., p. 23). No

    elenco, além de cantores, dançarinos e comediantes, haviam desde mágicos, acrobatas e

    comedores de fogo até aparições ocasionais de famosos (posteriormente, com o advento docinema, poder ver os artistas em close-up passou a ser bem mais atrativo para o público) (id.,

     p. 25).

    A arte de programar e organizar a sequência dos números de variedades se tornou

    cada vez mais sofisticada e era tão importante quanto o números em si, podendo ser

    determinante para o sucesso ou fracasso (artístico e comercial) do espetáculo. Essa habilidade,

    de acordo com Jones (id., ibid) foi de bastante importância para o desenvolvimento do teatro

    musical nos Estados Unidos.

    O burlesco  possuía “mais ou menos o mesmo formato do  show  de menestréis,

    com uma grande diferença: mulheres faziam parte do elenco28” (id., p. 26). Além disso,

    existiam grandes semelhanças com a commedia dell’arte e com a comédia romana. Em

    determinado momento do desenvolvimento do teatro burlesco, algumas moças começaram a

    tirar peças de suas roupas, o  strip-tease, e o declínio da forma se deu exatamente quando as

    mulheres desnudas passaram a ser mais importantes do que os comediantes.

    A principal diferença entre o vaudeville e a revista é que nesta existe uma ideia ou

    conceito (geralmente cômico) que unifica todas as partes do espetáculo, sejam elas canções,danças ou números teatrais29. Por exemplo, “o tema de  Ziegfeld Follies  era ‘glorificar a

    mulher americana’, enquanto que o tema de muitas revistas de Leonard Sillman era

    ‘apresentar novos rostos30’” (id., p. 27)

    Além disso, as revistas possuíam duas formas básicas: a grande e a pequena. A

    diferença entre as duas era que em vez do  glamour  destacado pela forma  grande, a pequena 

    investia em inteligência, escrita sofisticada e em novos artistas (id., p. 28). Alguns

    compositores atuantes no teatro musical, escreveram bastante para o formato revista, como é

    o caso de Irving Berlin, Cole Porter, George Gershwin, dentre outros. (id., ibid.).

    27 Tradução livre de “A place where you could bring the wife and kids.”28 Tradução livre de “much the same format as the minstrel, with one major diference: women were part of thecast."29 Skits, em inglês.30

     Tradução livre de “the theme of the  Ziegfeld Follies was to 'glorify the American girl'. The theme of LeonardSillman's many revues was to introduce ‘new faces’”.

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    2.4.2 Opereta

    Opereta, que ao pé da letra significa ‘pequena ópera’, possui ingredientes

    similares à ópera cômica francesa, porém de estilo mais leve, alegre, simples, e de curta

    duração, como comenta Dourado (op. cit., p. 243). Heliodora (op. cit., p. 144) complementa,afirmando que elas eram “repletas de incidentes mais sentimentais que sérios e enriquecidas

    com canções integradas na ação”.

    O gênero, de acordo com Dourado (op. cit, p. 143), popularizou-se na Viena do

    final do século XIX, consagrou-se na Inglaterra de Gilbert & Sullivan e abriu caminho para o

    musical no século XX. Embora existisse uma corrente de compositores influenciados

    diretamente pela opereta do centro europeu, foi aquela feita pelos ingleses Gilbert & Sullivan

    que teve uma relação mais forte na formação do musical americano (BRADLEY, op. cit., p.

    44).

    Para o mesmo autor (id., p. 43), entre as inovações feitas pela dupla inglesa,

    estariam a preocupação com o visual, dando proeminência ao figurino, cenário e adereços; o

     papel social dado ao coro, que passou a ter uma dimensão comunitária (aspecto

     posteriormente explorado pelos musicais de Rodgers & Hammerstein); além da a importância

    dada às palavras e às canções, escritas exclusivamente para o teatro (id., p. 41; 46).

    Heliodora (op. cit., p. 143) comenta sobre a popularidade de Gilbert & Sullivan,

    afirmando que é “difícil chegar à Inglaterra e não constatar que pelo menos uma delas [obras

    da dupla] está sendo montada em algum lugar”. O seu sucesso nos Estados Unidos se deve

     principalmente ao fato de que elas “eram tão cômicas quanto [a opéra bouffe  francesa], os

    finais eram felizes, e [acima de tudo] elas eram em inglês. E não eram em qualquer inglês,

    mas no melhor e mais perspicaz inglês já escrito em forma de letras31” (JONES, op. cit., p.

    41). Essa popularidade se refletiu em várias produções americanas não-autorizadas das obras

    dos ingleses, que decidiram estrear The pirates of Penszance (1879) nas Américas, ao menos

    assim poderiam controlar melhor seus direitos como autores (id., p. 32).Seguindo o modelo europeu, os americanos também começaram a criar as suas

     próprias operetas. Ao contrário das vienenses, com histórias localizadas na Europa central, as

    americanas, em sua maioria, se passavam em alguma localidade exótica (id., p. 33). E foram

    três os primeiros homens responsáveis pelo sucesso da opereta americana: Victor Herbert,

    com suas obras The Wizard of the Nile (1895) e  Naughty Marietta (1910); Rudolf Friml, em

     parceria com o libretista Otto Harbach, em  Rose-Marie  (1924) e Sigmund Romberg, em

    31

     Tradução livre de “were just as comic, the endings as happy, and there were in English. And not just in anyEnglish, but the best and wittiest English ever written in lyric form."

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     Maytime (1917). Apesar de terem feito carreira nos Estados Unidos, todos nasceram e foram

    treinados na Europa (id., p. 33; 36-37).

    Como na opereta o libreto e as letras estavam a serviço da música, é de se esperar

    que os três principais representantes dos Estados Unidos fossem compositores. Porém,Romberg, ao contrário do que lhe foi ensinado na tradição europeia, se recusava a escrever

    uma nota musical antes do libreto estar terminado, pois buscava por inspiração na história

    (id., p. 37-38).

    2.4.3 Jerome Kern e os Princess shows

    A expressão Princess shows se refere aos espetáculos que aconteceram no Teatro

     Princess no início do século XX. Tais  shows  foram fortemente influenciados pelo teatro de

    Londres e tiveram como principais representantes o compositor Jerome Kern e alguns de seus

     parceiros, como o letrista, Guy Bolton (JONES, opus cit., p. 41). 

    Kern, americano com experiência no teatro inglês, foi o primeiro compositor a vir

    com a ideia de musical integrado. Ele estava determinado a ajudar a criar “um novo tipo de

    espetáculo com uma história e personagens atuais, um espetáculo onde as canções não fossem

    meras coleções de boas melodias com títulos cativantes, mas que realmente partissem das

     pessoas e das situações32” (id., p. 47-48). Algumas de suas principais obras, nesta primeira

    fase de sua carreira, são Very Good Eddie (1915) e Oh, boy! (1917)

    Uma série de outros musicais, compositores e letristas, como os Gershwins,

    Rodgers & Hart, Cole Porter e Irving Berlin, foram influenciados em maior ou menor grau

     pelos shows do Teatro  Princess. “Praticamente todas as obras desses autores eram

    ambientadas nos Estados Unidos da época. As letras tinham linguagem urbana e gírias. Não

    havia qualquer semelhança entre elas e a opereta33" (JONES, opus cit., p. 49). Apesar disso, a

    transição almejada por Jerome Kern ainda não havia se concretizado. As pessoas iam ao

    teatro para ouvir as canções de determinados compositores, e não canções de personagens oude histórias. O prazer de desfrutar as letras e as melodias era mais importante do que a

    veracidade dessas canções na obra (id., ibid.).

    Esta integração sonhada por Kern teve o seu primeiro passo somente em 1927,

    com o musical Show Boat, escrito em parceria com letrista Oscar Hammerstein II. Uma das

    32 Tradução livre de “ a new kind of show with a contemporary story and contemporary characters, a show werethe songs were not merely a colletion of good tunes with catchy titles but actually came out of the people and thesituations.”33 Tradução livre de “Nearly all the shows by these writers were set in contemporary America. Their music was

     popular music, usually following the aaba form. The lyrics were slangy and urban. There was no feeling ofoperetta about them at all.”

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    28

     principais inovações desse musical foi seu caráter sério, tratando de temas inimagináveis para

    a época, como a miscigenação.

    2.4.4 A consagração do gênero nos Estados Unidos e mudanças na forma

    “Nós prometemos que cada canção teria um propósito e que ninguém ficaria

     parado como um morto, no centro do palco, para cantar algo que não tivesse

    um propósito na história.34”

    À medida em que a forma do musical se desenvolvia, as canções se tornavam

    cada vez mais integradas à história, contendo elementos cruciais do enredo (KRASILOVSKY

    et al, op. cit, p. 248). Oklahoma! (1943), de Hammerstein II, em nova parceria com RichardRodgers, finalmente concretiza a integração idealizada por Kern e dá início a uma nova era

     para o musical americano, que se estenderia durante os 30 anos seguintes.

    As principais características dessa forma de musical desenvolvida pela dupla

    Rodgers & Hammerstein são apontadas por Jones (opus cit, p. 67-68): (a) o musical precisa

     preencher as necessidades da história e dos personagens; (b) todos os elementos precisam

    estar integrados numa unidade geral; (c) deve existir um senso de movimento, de mudança, de

    muitas cenas e de cenários; (d) deve haver muito canto e dança e muitas pessoas cantando e

    dançando; (e) as canções, de forma geral, precisam ser fortes melodicamente e simples o

    suficiente para serem assimiladas na primeira escuta; (f) a mensagem central do espetáculo

     precisa ser positiva, embora fatos ruins possam acontecer; (g) os personagens podem e devem

    ser interessantes, mas não muito complexos; (h) não importa o quão sério o musical possa

    ficar ou quão elevado seja o tema - deve existir entretenimento.

    Porém, este estilo de fazer musicais, com o passar dos anos, se tornou muito

     previsível. Somado à isso, diversos aspectos sociais e culturais contribuíram para questionar

    ainda mais esse modelo de fazer musicais que se mostrava ultrapassado.Uma das primeiras tentativas de quebra ou de reinterpretação da forma do musical

    aconteceu através West side story (1957), de Leonard Bernstein e Stephen Sondheim, que,

     para o crítico de cinema Guido Bilharinho (2006, p. 129), “representa o ponto da virada entre

    a fase romântica, otimista e despreocupada […] e a fase realista, amarga, às vezes pessimista,

    que caracteriza predominantemente o gênero daí em diante, com uma ou outra exceção”. De

    34 Tradução livre de “We promises ourselves that every song would make a point and that no one would stop

    dead, center stage, in order to sing a song that had no purpose in the story.”, palavras do libretista Abe Burrowscitadas por Chase (1992, p. 538).

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    fato, muitas mudanças ocorreram com essa obra, que também contribuiu de forma original

    com o uso da dança como elemento integrante da narrativa, como ação em movimento

    (KANTOR, 2005).

    Outras mudanças significativas para o musical americano vieram através demusicais como:  Hair   (1968), de Gerome Ragni e James Rado, que levou para os palcos o

    estilo de vida hippie através de uma narrativa não-linear, além de abrir caminho para uma

    série de outros musicais de rock; Company  (1970), realizado a partir da parceria entre o

    compositor Stephen Sondheim e o produtor/diretor Harold Prince, que também propôs uma

    desconstrução do roteiro, focando a narrativa em um determinado evento ou conceito, daí a

    denominação de concept   musical. Embora este tipo de musical conceitual tenha

    representantes anteriores a Company, a obra foi especialmente marcante por quebrar todas as

    regras da comédia musical, como afirma Hischak (2008, p. 166).

    2.4.5 O Musical Off-Broadway

    Segundo Heliodora (op. cit., p. 241), “o fenômeno de maior importância no teatro

    americano do século XX foi o aparecimento do movimento chamado off-broadway, […] uma

     proveitosa alternativa para os custos cada vez maiores para a encenação de espetáculos na

    Broadway, em grande parte devido a exigências sindicais." Esses teatros, localizados muitas

    vezes em Greenwich Village, comportavam no máximo 199 espectadores e neles “foi criada

    uma atividade alternativa, em que era possível experimentar, arriscar e revelar novos autores,

    o que enriqueceu o panorama um tanto desgastado do teatro americano” (id., p. 142).

    Além disso, alguns dos sucessos desses pequenos teatros migraram para a

    Broadway, em produções maiores e capazes de atender a uma demanda maior de público,

    como foi o caso de Hair (1968), Rent  (1996) e Sunday in the park with George (1984).

    2.4.6 Stephen SondheimDedicar um espaço especial35  neste trabalho para Sondheim se dá por diversas

    razões: iniciou sua carreira como letrista e mais tarde desenvolveu trabalhos também como

    compositor, e assim permanece em atividade até os dias de hoje. Ganhou diversos prêmios

     por suas composições para o teatro, cinema e TV. Há 18 anos possui uma publicação regular

    sobre o seu trabalho intitulada The Sondheim Review, além disso, publicou dois livros com

    coletâneas de seus trabalhos como letrista, a fim de passar adiante seus conhecimentos na arte

    35 O capítulo seguinte se construirá a partir da análise de Sunday in the park with George, musical de sua autoria.

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    30

    de escrever letras de música para o teatro, da mesma forma que Oscar Hammerstein II, seu

    mentor, o fez (SONDHEIM, 2010, p. XXII).

    Vale a pena considerar também o comentário de Bradley (op. cit., p. 24), que

    considera o autor como a única personalidade do teatro musical contemporâneo cuja obra élevada a sério pelos acadêmicos e pelas instituições culturais, talvez porque, nas palavras de

    Mark Steyn, 'ele faz musicais para quem não gosta de musicais’.36” Block (2009, s/p), por sua

    vez, reflete sobre uma das características mais louváveis do compositor: a despeito da

    fidelidade aos princípios inovadores, porém tradicionais, aprendidos com Hammerstein,

    Sondheim está constantemente disposto a repensar seu legado teatral a fim de dizer algo novo.

    2.5 O teatro cantado fora dos EUA O musical também teve expressão em outros países, alguns influenciados

    diretamente pelos EUA, outros não. Um caso de influência direta e recíproca acontece entre

    Estados Unidos e Inglaterra, desde a época das operetas de Gilbert & Sullivan, continuando

    durante a formação e desenvolvimento do teatro musical nesses países, até a atualidade; sendo

    o West End  o correspondente londrino da Broadway.

    A Inglaterra foi responsável por sucessos mundiais como  Les Misérables (1985) ,

    de Alain Boublil e Claude-Michel Schonberg, e O fantasma da ópera (1986), de Andrew

    Lloyd Webber, Charles Hart e Richard Stilgoe, que foram encenados em dezenas de países,

    inclusive no Brasil, em várias montagens iguais às originais (HELIODORA, op. cit., p. 145).

    2.5.1 Alguns comentários sobre a ópera alemã do século XX

    Schoenberg, compositor austríaco, desenvolveu no início do século XX, em

    trabalhos como Pierrot Lunaire (1912) o sprechgesang , uma espécie de releitura do recitativo 

    no contexto do atonalismo. Também na Alemanha, por volta dos anos 20 e 30, Bertold Brech

    em parceria com o compositor Kurt Weill, se dedicou à criação de algumas óperas, como  A

    ópera dos três vinténs (1928) e A ascensão e queda de Mahagonny (1930).

    As obras de Brecht & Weill foram “escritas propositadamente como o oposto das

    óperas de Wagner, ou seja, bem claras e populares." (HELIODORA, op. cit., p. 108).

    Pallottini (1989, p. 112) comenta que “para conseguir atrair o público burguês do tempo,

    36  Tradução livre de “the one figure in contemporary musical theatre whose work is taken seriously by

    academics and the cultural establishment, peharps because, in Mark Steyn's words, 'he makes musicals for people who don't like musicals’.”

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    Brecht lançará [lança] mão de formas conhecidas, de palavras e histórias familiares a esse

     público - mas devolverá ao espectador uma imagem modificada; [...] um reflexo crítico."

    Quando Brecht deixou a Alemanha por motivos políticos, o mesmo aconteceu a

    Kurt Weill. Porém o músico, quando chegou aos Estados Unidos, integrou-se totalmente emseu teatro, e se tornou um dos mais bem-sucedidos compositores dos musicais americanos"

    (HELIODORA, op. cit., p. 110).

    2.5.2 O musical no Brasil

    Entre as formas cênicas que envolvem música cantada, o teatro de revista

     brasileiro merece um destaque. Este gênero - composto por números de canto, dança, farsa,

    mágica e humor - surgiu no contexto brasileiro em meados do século XIX, no Rio de Janeiro,se configurando como um dos maiores divulgadores da música popular brasileira da época.

    Entre seus principais representantes estão Artur Azevedo e Walter Pinto.

    Alguns compositores brasileiros, como Chico Buarque e Vinícius de Moraes (em

     parceria com Tom Jobim), escreveram algumas obras musicais para o teatro, embora não

    tenham dedicado suas carreiras a este ofício. Os trabalhos de Chico Buarque para o teatro

     possuem cunho mais político, como é o caso d’ A ópera do malandro (1978), uma comédia

    musical inspirada na Ópera dos mendigos de John Gay e na Ópera dos três vinténs de Brecht

    & Weill, comentada anteriormente. Já Vinícius de Moraes, em parceria com Tom Jobim,

    escreveu Orfeu da Conceição  (1954), que retrata o mito grego de Orfeu no contexto das

    favelas cariocas e do samba. A peça, que ganhou uma adaptação para o cinema (1959)

    chamada Orfeu Negro, vai ser adaptada para a Broadway em 2014, pelos diretores brasileiros

    Charles Möeller & Claudio Botelho.

     No Brasil, apesar do talento dos autores nacionais, importar musicais estrangeiros

    de sucesso internacional ainda é a prática mais comum, pois, além da grande probabilidade de

    êxito comercial e de sucesso de público, ainda são poucos os profissionais criadores que sededicam a este gênero no país. Algumas montagens oficiais de musicais internacionais no

    Brasil são “não-réplicas” da obra original, como acontece com boa parte dos trabalhos da

    dupla de diretores Möeller & Botelho, conquista que permitiu uma maior liberdade criativa no

     processo de adaptação. Nos casos das réplicas de musicais estrangeiros, a única parte passível

    de modificação é a parte textual, adaptada para o português.

    Alguns compositores da música popular brasileira são solicitados para fazer essas

    adaptações para a língua portuguesa, em especial no que se diz respeito às letras de música.

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    32

    As letras da montagem brasileira de  Jesus Christ Superstar (com música de Andrew Lloyd

    Webber), na década de 70, por exemplo, foram versionadas para o português por Vinícius de

    Moraes. Outro musical de Webber, Cats, em adaptação mais recente, contou com letras

    escritas por Toquinho. Já o O Rei Leão, de Elton John em parceria com o letrista original TimRice, tem estreia prevista no Brasil para 2013, com versões de Gilberto Gil.

    Porém, o principal versionista de musicais da atualidade é Claudio Botelho, que

     possui no seu currículo de adaptações obras como: Os miseráveis, O fantasma da ópera,  A

    noviça rebelde, Gypsy, Hair , Company, West Side Story, O Mágico de Oz, dentre outras.

    2.6 Os gêneros cênicos-musicais: o musical e seus “parentes” 

    “O que faz de um musical um musical, e não uma ópera ou uma peça com

    música? E quanto aos seus subgêneros - às vezes vistos como sinônimos -

    como comédia musical, peça musical e opereta? Esses são termos para os

    quais é impossível encontrar significados coerentes. As mesmas perguntas

     podem ser feitas a respeito de filmes musicais. No gênero cinematográfico,

    quando um filme que inclui canções deixa de ser um filme com música e se

    torna um filme musical? Existe uma percentagem específica de música que

    distingue filmes musicais de outros tipos de cinema?"37

     (EVERETT, op. cit.,s/p)

    Entender o Musical como uma forma de arte ou gênero cênico que se utiliza de

    Música e Dança é algo simples, comparado à dificuldade de demarcar os limites dessa

    definição tão abrangente. Na tentativa de esclarecer possíveis dúvidas e ambiguidades, serão

    feitas comparações com alguns gêneros e formas de arte mais relevantes que compartilham

    características semelhantes ao Musical. São eles: ópera, teatro musicado, coro cênico,  show 

    musical e balé.

    37 Tradução livre de “What makes a musical a musical, and not an opera or a play with music? And what aboutits subgenres - sometimes viewed as synonyms - such as musical comedy, musical play, and operetta? These areterms for which is impossible to find consistent meanings. The same questions can be asked regarding film

    musicals. In the film genre, when does a film that includes songs stop being a film with music and become a filmmusical? Is there a specific percentage of music that distinguishes movie musicals from other types of cinema?”

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    33

    2.6.1 Ópera 

    “A linha que separa a ópera do musical, em qualquer situação, não é uma fronteira

    fixa, mas uma membrana permeável38, como comenta Everett (op. cit., s/p). As semelhanças e

    diferenças entre os gêneros se relacionam num processo em que, “cruzar fronteiras genéricasé tão comum quanto mantê-las39” (id., ibid.).

    A proximidade entre ópera e musical pode ser exemplificada, entre outras formas,

     pelo fato de muitos compositores, como Frank Loesser, Kurt Weill e Andrew Lloyd Webber,

    terem atuado nos dois gêneros. Webber, além disso, foi compositor de um musical com traços

    operísticos: O fantasma da ópera, o que indica um possível diálogo existente entre os dois

    gêneros, sem que as características próprias de cada um sejam perdidas.  

    Entre diferenças entre os gêneros, segundo o mesmo autor, “o estilo vocal, a

    forma e o estilo musical, e o espaço onde ocorrem são algumas das mais significativas. 40” (id.,

    ibid.) Já para Burgess e Skilbeck (op. cit, p. 12), essa diferença de nomenclatura, refletiria

    também o status de cada gênero na cultura. A isto pode-se acrescentar que a ópera possui uma

    maior preocupação formal com a música do que o musical.

    Além disso, outro ponto crucial nesta comparação é a importância dada à letra em

    relação à música. No musical, a compreensão do texto, tanto falado quanto cantado, é

    essencial, pois a canção está diretamente relacionada com a ação dramática; já na ópera, em

    especial na escola italiana, a letra de música muitas vezes é obliterada pelos arroubos da arte

    musical, como comenta Matos (op. cit., p. 90): “o estilo vocal do bel canto contribui para a

    secundarização do texto, exacerbando a demanda por virtuosismo vocal e deixando em

    segundo plano a fruição e até mesmo a inteligibilidade das palavras." 

    Sobre a relação Música e Cena na Ópera, Suassuna (op. cit., p. 306) escreve:

    A Ópera [...] seria resultado da fusão do Teatro com a Música. Por isso, noseu campo, teríamos uma linhagem mais teatral e dionisíaca, e outra maismusical, apolínea e pura. Uma ópera como o 'Otelo', de Verdi, pertence ao

     primeiro grupo: nela, a ação teatral e a violência das paixões recebem um

    tratamento especial, possuem um relevo quase tão importante quanto o da peça original. Já nas óperas de Mozart, a música é mais importante do que odesenrolar da ação, que nós quase esquecemos, podendo ouvi-las, somente,sem grande perda para a fruição. Wagner tentou um desenvolvimento

     paralelo e uma atenção igual dispensados à parte musical e à teatral daÓpera.

    38 Tradução livre de “A linha que separa a ópera do musical, em qualquer situação, não é uma fronteira fixa, massim uma membrana permeável.”39

     Tradução livre de “Cruzar fronteiras genéricas é tão comum quanto mantê-las."40 Tradução livre de “Vocal style, musical form and style, and venue are some of the most substantive.”

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    34

    Seguindo o pensamento de Suassuna, o musical também possui linhagens que dão

    mais ênfase à música ou à cena (no caso, a teatral), porém se o autor afirma que é possível

    apenas ouvir as óperas de Mozart sem muitas perdas para a fruição, o mesmo não pode ser

    dito a respeito do musical, seja qual for a sua linhagem, pois o seu contexto cênico é um fatorindispensável.

    Citando algumas das semelhanças, assim “como acontece na ópera, o campo das

    vozes de teatro musical é amplo, e diferentes tipos vocais enfatizam diferentes tipos de

     personagens.41" (id., ibid.) Somado a isso, existe uma forte relação do musical com a opereta,

    que por sua vez possui ingredientes similares à ópera cômica francesa (DOURADO, op. cit.,

     p. 243). Dessa forma, a proximidade entre os dois gêneros vem também de raízes históricas.

    Porém, a opereta foi apenas uma das muitas influências responsáveis pela formação do

    musical, o que por si só já antecipa a presença de características distintas entre os dois. É

    importante mencionar também que, não só ópera do século XVII possui uma relação com o

    musical, mas a partir do surgimento do musical norte-americano no século XX, os dois

    gêneros passaram a coexistir e a se influenciar, direta ou indiretamente.

    De toda forma, uma certa ‘tradição’ parece ter sobrevivido ao tempo e às

    mudanças, como observa Burgess e Mallet (2000, p. 12): “De Monteverdi, Gluck e Mozart a

    Gershwin, Rodgers & Hart, Rodgers & Hammerstein, Bernstein & Sondheim, a única

    tradição intacta tem sido um comprometimento consciente com unir música e dramaturgia42”.Heliodora (op. cit., p. 142), por sua vez, complementa a ideia: “o musical pertence à mesma

    família da ópera, pois tanto no primeiro quanto na segunda, os personagens existem dentro de

    um ambiente específico, no qual a música é determinante, tanto para os aspectos dramáticos

    quando para a conceituação estética”. 

    2.6.2 Teatro Musicado 

    Embora existam peças de teatro com trilhas sonoras ricas e integradas à açãodramática, o que vai diferenciá-las de uma peça Musical é o fato de que, neste, a música

     precisa essencialmente de uma letra e os personagens podem ser considerados ‘musicalmente

    ativos’, ou seja, cantam as músicas (e algumas vezes também tocam); enquanto que naquele a

    41 Tradução livre de “The realm of musical theater voices, like those in opera, is broad, and different voices typesemphasize different types of characters.”42 Tradução livre de “"From Monteverdi, Gluck and Mozart, through to Gershwin, Rodgers and Hart, Rodgers

    and Hammerstein, Bernstein and Sondheim, the only unbroken tradition has been a conscious commitment tounite music and drama."

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    música, tanto instrumental como vocal, é executada mecanicamente ou por um grupo de

    músicos, cuja presença cênica pode ser dispensável.

    Existem casos em que alguns números musicais cantados são inseridos em peças

    de teatro. Nesse caso, apesar de poderem ter uma forte relação com a narrativa, trata-seapenas de uma inserção e não de uma mudança de gênero.

    A respeito da diferença entre filmes musicais e musicados, Bilharinho (op. cit., p.

    27), comenta que “não basta a incidência, aqui e ali, respectivamente, de interpretação de

    números musicais […]. É necessário que tais elementos componham ou constituam o filme,

     perfazendo seu intencionamento (objetivo) e sua espinha dorsal (efetivação)”.

    2.6.3 Coro cênico

    A comparação do musical com o coro cênico passa primeiro pela diferença entre

    os elencos formadores de cada um. O elenco do musical normalmente é formado por atores-

    cantores, ou atores que cantam. Já o coro cênico, por se tratar de um tipo de formação coral, é

    formado, predominantemente por cantores que passam por uma preparação cênica, mas não

    são atores.

    A segunda diferença se dá no âmbito dos ensaios: enquanto que no musical a

    música e a cena caminham juntas em todos os momentos, com um repetório muitas vezes

    escrito para o próprio teatro; no coro cênico a prioridade é dada à preparação dos arranjos

    musicais e do repertório, que não é necessariamente composto para um contexto cênico.

    Em terceiro lugar, existe a presença do regente, figura de extrema importância no

    coro cênico, mas que no Musical está mais associado à orquestra ou à parte instrumental da

    obra.

    2.6.4 Show Musical 

    Embora as diferenças entre o musical e o show musical sejam mais claras, dedicarum espaço para esta comparação vem do fato de que muitos shows, em especial os de grande

     porte, possuem cada vez mais um apelo cênico, com temáticas bem estruturadas, presença de

    cenários elaborados, participação de bailarinos e algumas vezes até mesmo um fio narrativo

    unindo as músicas. É o caso de alguns  shows  de artistas da música  pop, como Madonna e

    Lady Gaga, e da cantora e compositora islandesa Björk. Sobre o assunto, Sant’anna (2001, p.

    20), comenta: 

    De alguma maneira a música popular atualmente conseguiu reunir, de novo,

    a voz, a palavra, a dança e reinventar o corpo. Do cantor ou cantora mais ou

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    menos estático, radiofônico ou em concerto, onde tudo se concentrava norosto e na boca, descongelou-se o espetáculo. [...] os cantores podem seapresentar como bailarinos, atores, poetas ou elementos desvairadamente

     possuídos pelo 'entusiasmo' grego num delírio pessoal e coletivo.

    Dessa forma, pode-se considerar que estes shows se apropriam de elementos domusical, mas não são musicais, principalmente porque a supressão desses elementos não seria

    responsável pela descaracterização de sua essência, que é executar ao vivo músicas do

    repertório de um determinado cantor ou banda.

    Muitos musicais, por sua vez, são apresentados em formatos de  show, ou in

    concert , normalmente em datas comemorativas. Nestes  shows, os atores podem utilizar ou

    não alguns elementos cênicos do musical (como figurino ou objetos de cena), além

    comumente dividirem o palco com os músicos da orquestra e maestro. 

    2.6.5 Balé 

    Balé, resultado da síntese efetuada entre a Música, a Dança e a narrativa, aação do Teatro: num balé como "O Lago dos Cisnes", por exemplo, aimportância da ação teatral e dionisíaca é muito grande; já no Balé maismoderno, esboça-se uma preferência pela linhagem mais musical e plástica,isto é, uma busca maior da pureza rítmica e do equilíbrio apolíneo da Dança(SUASSUNA, op. cit., P. 307).

    Com as considerações feitas por Suassuna, o balé estabelece relações tanto com aação dramática quanto com a música. A sua diferença em relação ao musical está no uso

    limitado (ou do não-uso) da música cantada como parte integrante da narrativa. O balé mais

    tradicional é predominantemente formado por música instrumental e, quando há a presença da

    música cantada, esta configura-se como trilha sonora. Além disso, no musical a cena se

    desenvolve a partir do som; já no balé, é o movimento ou não-movimento do corpo que se

    torna o elemento central.

    2.6.6 Quadro comparativo 

    Após algumas considerações feitas sobre as diferenças e semelhanças de cada um

    desses gêneros cênico-musicais com o musical, o quadro abaixo procura simplificar os

    aspectos abordados:

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    Gêneros Música CenaIntegraçãoMúsica e

    Cena

    Há avançoda

    narrativacom a

    Música?

    Importânciacênica daletra deMúsica

    Outrasconsiderações

    Musical Essencial Essencial Forte Sim Grande -

    Ópera EssencialDispensávelem parte43 

    Média Às vezes Média

    A inteligibilidadeda letra é

     prejudicada emdetrimento do

    virtuosismo vocal.

    TeatroMusicado

    Dispensável

    Essencial Média Às vezes Pequena

    Música cantadacomo trilha sonora

    ou através denúmeros musicais

    inseridos no roteiro.

    Balé EssencialDispensável

    em parteMédia

    A música é

    narrativa

    Predominantemente sem

    letra

    Quando a letraaparece na música,

    esta tende aconfigurar-se como

    trilha sonora.

    Show deMúsica

    Essencial Dispensável Fraca*Sem

    narrativaPequena

    *Podendo variar deacordo com a

     proposta cênica doshow

    Tabela 1- Quadro comparativo dos gêneros de teatro cantado.

    Para finalizar esta seção comparativa, Green (1980, s/p) faz uma lista de todos os

    gêneros que não devem ser confundidos com musicais:

    Embora existam exceções, o objetivo [do Musical] tem sido manter distânciado vaudeville  (ou teatro de variedades), de Gilbert e Sullivan [e suasoperetas] […], entretenimentos de cabaré, peças com um ou duas canções,musicais em línguas estrangeiras [quando não há traduções], apresentaçõescom apenas um artista,  shows  de menestréis, concertos […], musicaisinfantis, pantomima,  shows  no gelo, espetáculos amadores,  shows

     beneficentes, revistas de retrospectiva em homenagem à carreira de umcompositor, e revistas que não sejam realmente musicais.44 

    As comparações feitas acima entre os diversos gêneros cênicos que se utilizam da

    música, têm o objetivo de estabelecer bases conceituais que guiarã