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UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE CIÊNCIAS BIOLÓGICAS LUCLÉCIA CRISTINA MORAIS DA SILVA CONFLITOS SOCIOAMBIENTAIS EM SIRINHAÉM-PE: UM CASO DE INJUSTIÇA AMBIENTAL RECIFE 2010

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO

CENTRO DE CIÊNCIAS BIOLÓGICAS

LUCLÉCIA CRISTINA MORAIS DA SILVA

CONFLITOS SOCIOAMBIENTAIS EM SIRINHAÉM-PE: UM CASO DE

INJUSTIÇA AMBIENTAL

RECIFE

2010

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LUCLÉCIA CRISTINA MORAIS DA SILVA

CONFLITOS SOCIOAMBIENTAIS EM SIRINHAÉM-PE: UM CASO DE

INJUSTIÇA AMBIENTAL

Trabalho de Conclusão de Curso

apresentado à coordenação do Curso de

Ciências Biológicas, da Universidade

Federal de Pernambuco, como parte dos

requisitos à obtenção do grau de Bacharel

em Ciências Biológicas.

Orientador:

Dr. Pedro Castelo Branco Silveira

(Coordenação Geral de Estudos

Ambientais e da Amazônia – Fundação

Joaquim Nabuco).

RECIFE

2010

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DEDICATÓRIA

À minha querida avó Porcina Morais de Souza e a minha

mãe Luzinete Morais da Silva (in memoriam), pelo

aprendizado e por seus exemplos de vida, que me

impulsionaram sempre na condução de meus passos. Dedico

também a minha tia Mª Auxiliadora e ao meu irmão Josmar

Luiz pelo apoio e carinho durante a realização deste trabalho.

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”No fundo da prática científica existe um discurso que

diz: nem tudo é verdadeiro; mas em todo lugar e a todo

momento existe uma verdade a ser dita e a ser vista, uma

verdade talvez adormecida, mas que no entanto está

somente à espera de nossa mão para ser desvelada. A nós

cabe achar a boa perspectiva, o ângulo correto, os

instrumentos necessários, pois de qualquer maneira ela

está presente aqui e em todo lugar”.

Foucault.

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AGRADECIMENTOS

Os agradecimentos são muitos, mas primeiramente agradeço a Deus por ter me

proporcionado a oportunidade de conhecer maravilhosas pessoas, que permanecerão

para sempre em minha memória.

Agradeço ao meu orientador Pedro Silveira, que antes de tudo é um grande

amigo, pela ajuda e compreensão nessa jornada antropológica a qual decidi trilhar.

Sempre acreditando e compartilhando preciosos momentos de dificuldades, descobertas,

dúvidas, conflitos e soluções. Seus ensinamentos sempre me proporcionaram um amplo

aprendizado e especificamente na realização deste trabalho, foram imensamente

valiosos.

Agradeço ao demais Professores que aceitaram participar como membros na

banca desta monografia, Cristiano Ramalho, Simone Teixeira e Beatriz Mesquita.

Voltando um pouco no tempo, agradeço aos ensinamentos da Prof. Cecília

Patrícia Alves Costa (CCB-UFPE), que me despertaram para as questões

socioambientais e me impulsionaram a sempre buscar compreender tais questões.

Quero agradecer a todos que tornaram possível este trabalho: a Beatriz Mesquita

e ao Allan Monteiro da FUNDAJ que enriqueceram meu trabalho com suas sugestões,

ao Frei Sinésio Araújo por seu apoio, dedicação e contribuição durante todos os

momentos de minha pesquisa e durante a coleta das entrevistas, ao Plácido Júnior pelas

informações, contribuições e parceria, às Irmãs Franciscanas Bernadinas de Barra de

Sirinhaém (Lucia, Gilbetânia, Celeste e Joice) por me acolherem tão gentilmente e com

tanto amor durante minha estadia em Sirinhaém, ao Severino Santos (Bill) da CPP pela

sua dedicação em me ajudar em vários momentos através de materiais de pesquisa, das

“caronas” até Sirinhaém e pelas conversas tão enriquecedoras ao meu trabalho, ao Luiz

Otávio Corrêa do IBAMA que esteve sempre disponível em me ajudar em qualquer

solicitação e aos profs. Gilberto Rodrigues e Clóvis Cavalcanti pelo apoio.

Agradecimentos especiais a todos de Sirinhaém, aos pescadores e pescadoras

que carinhosamente me receberam e me ajudaram na realização deste trabalho. A todos

da Colônia Z-6 de Barra de Sirinhaém, representados nas figuras de Ronaldo e Arlene, e

aos ex-moradores das ilhas. Admiro suas lutas e essa sabedoria sobre o meio ambiente,

algo tão inerente ao peculiar modo de vida que vocês estabelecem com a natureza.

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Espero ver um dia a pesca artesanal adquirindo seu real valor e para isso é

preciso força e união para não sucumbir às estratégias dos que visam suprimir essa

prática produtiva em nome dos projetos de desenvolvimento.

Aos amigos, agradeço imensamente pela compreensão durante os períodos de

ausência, pelo apoio e carinho: Paula Carolina e Célia Fernanda; Kelma; Yana;

Amanda; Júlia; Ivson; Daniele Xavier; Juliana; Michele; Lindinalva; Dayana;

Valdemar; Clarissa; Thatiana, Caio e Diego “o trio do CTG”; a Prof. Lucilene Antunes;

Charles; Júnia e Bruna pelas conversas, pensamentos e opiniões que contribuíram

imensamente na realização deste trabalho e pela paciência em escutar sempre o mesmo

assunto durante este período.

“Quem me dera pudesse compreender

Os segredos e mistérios dessa vida

Esse arranjo de chegadas e partidas

Essa trama de pessoas que se encontram

Se entrelaçam

E misturadas ganham outra direção

Quem me dera pudesse responder

Quem sou eu nessa mistura tão bonita

Tantos outros, sou na vida um Zé da Silva

Sofro as dores de outros nomes

Rio os risos de outras graças

Trago em mim as falas dessa multidão

Quem me dera pudesse compreender”.

Pe. Fábio de Melo

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Sumário

LISTA DE FIGURAS ................................................................................................................. 9

LISTA DE TABELAS E QUADROS ...................................................................................... 10

LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS .............................................................................. 11

RESUMO ................................................................................................................................... 12

ABSTRACT ............................................................................................................................... 13

APRESENTAÇÃO .................................................................................................................... 14

1. INTRODUÇÃO E REVISÃO DE LITERATURA ........................................................... 17

1.1. Populações tradicionais: território, biodiversidade e justiça ambiental ........................... 24

1.2. Histórico das Unidades de Conservação no Brasil ........................................................... 24

1.3. As Resex Marinhas no Brasil ........................................................................................... 27

1.4. O mangue e sua importância na dinâmica socioambiental ............................................... 29

2. OBJETIVOS .......................................................................................................................... 32

2.1. Objetivos Gerais ............................................................................................................... 32

2.2. Objetivos específicos ........................................................................................................ 32

3. METODOLOGIA ................................................................................................................. 33

3.1. Área de Estudo ................................................................................................................. 37

4. RESULTADOS E DISCUSSÃO .......................................................................................... 41

4.1. A Reserva Extrativista Sirinhaém-Ipojuca e seus motivos ............................................... 41

4.2. Memórias de um lugar ...................................................................................................... 43

4.3. O acirramento dos conflitos ............................................................................................. 51

4.4. O processo de criação da Resex e suas dificuldades ........................................................ 57

4.5. Pontos de vista .................................................................................................................. 63

4.6. Resex: um benefício para todos ou um entrave ao desenvolvimento ............................... 74

4.7. O conflito socioambiental frente ao contexto histórico, político e econômico de PE ...... 82

CONCLUSÃO ........................................................................................................................... 89

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ................................................................................... 91

ANEXOS ........................................................................................................................ 97

APÊNDICES .................................................................................................................. 98

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9

LISTA DE FIGURAS

Figura 1: Número de Reservas Extrativistas no Brasil ................................................... 28

Figura 2: Comunidade do Casado .................................................................................. 37

Figura 3: Comunidade de Barra de Sirinhaém ............................................................... 37

Figura 4: Comunidade do Oiteiro do Livramento .......................................................... 37

Figura 5: Comunidade da Vila Nova da Cohab .............................................................. 37

Figura 6: Indústria sucroalcooleira ................................................................................. 39

Figura 7: Pesca Artesanal ............................................................................................... 39

Figura 8: Imagem de satélite do complexo estuarino do Rio Sirinhaém ......................... 40

Figura 9: Mapa do Estuário do rio Sirinhaém- Antigos locais de ocupação dos

moradores das Ilhas (APÊNDICE 2). ............................................................................ 102

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10

LISTA DE TABELAS E QUADROS

Tabela 1: Categorias de unidades de conservação no Brasil .......................................... 24

Quadro 1: Cronologia dos documentos presentes nos seis volumes do processo de

criação da Resex Sirinhaém-Ipojuca, IBAMA nº 02019. 000307/2006-31 (APÊNDICE

1) .................................................................................................................................... 99

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11

LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

APA – Área de Proteção Ambiental

CNPT - Centro Nacional de Populações Tradicionais

CONSEMA - Conselho Estadual de Meio Ambiente

CPP – Conselho Pastoral dos Pescadores

CPRH – Agencia Estadual de Meio Ambiente e Recursos hídricos

CPT – Comissão Pastoral da Terra

DIUSP - Diretoria de Uso Sustentável e Populações Tradicionais

GRPU – Gerência Regional do Patrimônio da União

IBAMA – Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis

IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

ICMBio - Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade

MMA – Ministério do Meio Ambiente

ONG – Organização Não Governamental

MPA – Ministério de Pesca e Aqüicultura

RESEX – Reserva Extrativista

SECTMA – Secretaria de Ciência, Tecnologia e Meio Ambiente

SNUC - Sistema Nacional de Unidades de Conservação

SPU – Secretaria do Patrimônio da União

UC – Unidade de Conservação

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12

RESUMO

Esta pesquisa relata o processo de criação de uma Reserva Extrativista no Litoral Sul do

Estado de Pernambuco, que tem como beneficiários pescadores artesanais dos

municípios de Sirinhaém e Ipojuca. Aborda o conflito socioambiental existente entre os

pescadores e os empreendimentos locais, quais são os principais problemas enfrentados

por essa população e como os impactos ambientais existentes na região têm afetado a

qualidade de vida deles. Traz um histórico da territorialização de 17 ilhas no estuário do

Rio Sirinhaém que eram habitadas por 53 famílias que faziam uso comum da terra e

possuíam também a pesca como meio de subsistência. E como tal conflito

socioambiental resultou na retirada dessa população de seus territórios para áreas

distantes da periferia do município de Sirinhaém, com a conseqüente perda da atividade

produtiva e de suas identidades. Nesse estudo foi privilegiado à pesquisa qualitativa,

onde foram feitas entrevistas com os principais atores sociais envolvidos no conflito,

como também observações em campo, consulta à documentação do processo elaborado

pelo IBAMA, entre outras fontes de pesquisa diversas. A partir dos relatos dos

pescadores, observa-se a importância do território e dos recursos naturais presentes na

manutenção de seus hábitos e modo de vida, motivos estes que levaram ao pedido de

criação da Resex. Há ainda um relato das dificuldades para a implementação dessa UC e

como os atores sociais envolvidos se posicionaram frente a tais questões definindo suas

motivações, ações e relações. Assim esse exemplo de luta pela garantia de territórios

tradicionalmente ocupados por povos que fazem uso comum da terra e possuem a

atividade pesqueira como algo inerente à própria existência, é também a luta por um

modelo de desenvolvimento mais justo e democrático. Essa população tenta defender os

recursos naturais ali existentes através da mobilização contra essa injustiça ambiental,

mostrando que um ambiente preservado pressupõe também a proteção da diversidade

sociocultural da região.

Palavras chave: Sirinhaém, Resex, Povos tradicionais, Justiça Ambiental, Pesca

Artesanal, Conflitos Socioambientais.

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13

ABSTRACT

This research describes the creation process of an extractive reserve in the south coast of

Pernambuco state. Its beneficiaries are small-scale fishermen from the municipalities of

Sirinhaém and Ipojuca. The research deals with the social-environmental conflicts

between fishermen and local enterprises, either with the main problems faced by this

population and also how the environmental impacts in the area affected their life

quality. We show the territorialization process of 53 fishermen families in 17 estuarine

islands who use common-pool resources, and how this conflicts resulted in the remotion

of this families from their territories to faraway sites in the borders of the municipality

of Sirinhaém, though causing the loss of their productive activities and affecting their

identity. We chose a qualitative approach and so we interviewed the main social actors

involved in the process. We proceeded field observations, analysis of the documentation

process gathered by the Brazilian Natural Resources Agency (IBAMA) and of other

research sources. We observed the importance of the territory and of the natural

resources to maintaing this people lifestyle, fact that motivated the request for the

creation of the reserve. The text also tells the challenges to the implementation of this

protected area and how the social actors position themselves, defining their motivations,

actions and relations. Though, this example of struggle to the warrant of traditionally

settled territories by peoples who make use of common resources, who have fisheries as

part of their own existence, is also a struggle for a more fair and democractic

development model. This population tries to defend the local natural resources

mobilizating against environmental injustice, showing that a preserved environment

also suposes manatining cultural diversity.

Key words: Sirinhaém, Extractive Reserves, Traditional Peoples, Environmental

Justice, Traditional Fishing, Environmental Conflicts.

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14

APRESENTAÇÃO

A presente monografia analisa o processo de solicitação e criação de uma

Reserva Extrativista Marinha no Litoral Sul do Estado de Pernambuco. Relata os

problemas socioambientais enfrentados pela comunidade de pescadores artesanais na

região e como essa população tem se organizado frente à perda do território

tradicionalmente ocupado por eles. Contextualiza a destruição ambiental no município,

decorrente do processo de industrialização em curso no litoral sul pernambucano, e

quais conseqüências tem acarretado no cotidiano dos pescadores. Para isso, parte-se do

contexto histórico em que a solicitação da Resex foi feita, delineando-se a atuação dos

diferentes atores sociais envolvidos nesse conflito.

Este trabalho traz em sua introdução uma discussão teórico-conceitual que faz

uma breve revisão sobre temas importantes para o caso posteriormente apresentado. A

seção 1.1 aborda as divergências existentes nas diferentes perspectivas sobre

conservação ambiental. Traz ainda reflexões acerca do conceito de povos tradicionais e

quais as dificuldades enfrentadas na elaboração de uma definição que contemple as

diferentes formas de uso comum da terra existente entre os diferentes sujeitos históricos.

Faz também um breve relato sobre o conceito de território e como os povos tradicionais

percebem e relacionam-se com ele para a manutenção da sua diversidade

socioambiental. Apresenta, por fim, um breve histórico do movimento de Justiça

Ambiental e relaciona os conflitos socioambientais a essa temática.

Na seção 1.2 há um histórico da criação das Unidades de Conservação no Brasil

e dos órgãos ambientais. Relata-se ainda como surgiram as Reservas Extrativistas e

como essas UCs são regulamentadas pelo SNUC.

A seção 1.3 traz o contexto histórico em que as Reservas Extrativistas Marinhas

surgiram e como tornaram-se um instrumento de defesa dos pescadores artesanais face à

destruição ambiental do litoral brasileiro. Aborda também como a pesca artesanal foi

vista pelos distintos órgãos governamentais que estiveram tratando dessa atividade

tradicional ao longo dos anos.

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A seção 1.4 faz uma breve caracterização do mangue e como o desconhecimento

da importância socioambiental do manguezal tem contribuído para a sistemática

eliminação desse ecossistema.

Após a apresentação dos objetivos e da metodologia, que inclui ainda a

descrição da aŕea de estudo, apresento o caso estudado. A descrição e a discussão deste

estudo de caso começam na seção 4.

Na seção 4.1 são elencados os principais motivos que levaram ao pedido de

criação da Reserva Extrativista Sirinhaém-Ipojuca, no estuário do Rio Sirinhaém.

Na seção 4.2 há um breve relato de como viviam as 53 famílias que habitavam

nas 17 ilhas estuarinas do Rio Sirinhaém, como construíram suas vidas nesse ambiente e

como perderam o direito de permanecer nesse território tradicionalmente ocupado, em

decorrência da intensificação dos conflitos socioambientais existentes na região.

A seção 4.3 descreve como ocorreu o acirramento dos conflitos e quais as ações

foram tomadas pelos diferentes atores sociais envolvidos, como os injustos

acontecimentos levaram ao pedido da Resex. Descreve também o processo de retirada

das famílias, cerca de 260 pessoas, que residiam nas ilhas estuarinas e quais as

dificuldades que esses pescadores enfrentam atualmente.

Na seção 4.4 há o relato das principais dificuldades ocorridas durante o processo

de criação da Resex, algumas dúvidas da população pesqueira beneficiada por essa UC

e algumas posições dos diferentes atores sociais envolvidos nesse conflito.

A seção 4.5 exemplifica os diferentes pontos de vista existentes entre

representantes do governo, indústria e os próprios pescadores da região. Tal dificuldade

de reconhecer os distintos modos de relacionar-se com o meio ambiente resultam na

falta de uma maior articulação da comunidade beneficiada pela Resex.

A seção 4.6 traz uma discussão sobre o dilema em proteger o meio ambiente e

compatibilizar os projetos de expansão industrial defendidos pelo Governo do Estado.

Há também alguns discursos que são repassados e as estratégias utilizadas pelos atores

sociais contrários à implantação da Resex, no intuito de desmobilizar a luta dos

pescadores artesanais.

A seção 4.7 traz um breve histórico do contexto sociopolítico e econômico da

região e de PE e como esses fatores interferem no processo de criação da Resex

Sirinhaém-Ipojuca. Relata quais os argumentos do Governo Estadual para ser contrário

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16

à criação da Resex e como a valorização de um modelo de desenvolvimento excludente

tem gerado a perda da qualidade de vida da população e a perda de sua própria

identidade.

O exemplo de luta pela proteção do meio ambiente e da diversidade

sociocultural existente no litoral sul de Pernambuco é apenas mais um conflito

socioambiental, dentre os muitos já existentes em PE. E apesar dos muitos entraves

existentes, tal conflito pode tornar-se uma boa oportunidade para que os pescadores

artesanais se unam na reivindicação de seus direitos, promovam a valorização da prática

pesqueira e a proteção dos recursos naturais. Para isso é preciso buscar informação,

articular-se a outras instituições de luta e exigir participação nas discussões dos projetos

do Governo para o desenvolvimento da região.

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17

1. INTRODUÇÃO

1.1. Populações tradicionais: território, biodiversidade e justiça ambiental.

O avanço tecnológico tem levado a certo distanciamento entre homem e

natureza. Hoje muitos agem como se os recursos consumidos não fossem obtidos a

partir do meio ambiente. Segue-se um modelo de desenvolvimento que vem alterando

de maneira constante, rápida e irreversível as paisagens. Tais alterações não apenas

destroem a diversidade biológica do planeta, mas tem também eliminado a diversidade

sociocultural representada nos diversos povos que dependem mais diretamente desses

recursos naturais.

Apesar de não ser um tema recente1 proteger a biodiversidade pressupõe uma

reflexão sobre o que vem a ser a natureza e qual o papel do homem nesse contexto, pois

a biodiversidade só será verdadeiramente protegida quando as divergências conceituais

sobre as questões ambientais forem melhor discutidas e quando a relação homem-

natureza deixar de ser percebida como algo dicotômico, ou seja, quando as análises

sobre o meio ambiente e a sociedade deixarem de serem feitas através da percepção do

homem como um simples beneficiário da natureza ou apenas como um dependente dela

(Branco, 1995).

Sendo assim tem crescido a concepção socioambientalista, que defende não

apenas a sustentabilidade ambiental (espécies, ecossistemas e processos ecológicos),

mas também a sustentabilidade social (redução das desigualdades sociais e o

fortalecimento da ética, justiça e equidade social). Tem se fortalecido a ideia de que as

políticas públicas ambientais possuem eficácia social apenas se incluírem as

comunidades locais promovendo uma justa e equitativa repartição dos benefícios

oriundos da exploração dos recursos naturais. Nesta perspectiva a proteção da

biodiversidade pressupõe a manutenção da diversidade sociocultural, pois esta é

1 O Relatório Brundtland, também intitulado de Nosso Futuro Comum (CMMAD, 1987), um documento

elaborado em 1987 pela Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, já recomendava a preservação

da biodiversidade e dos ecossistemas. O tema passou a ter maior força no cenário internacional após a conferência

Rio-92 (Novaes, 2002). A assembléia Geral das Nações Unidas declarou o ano de 2010 como o “Ano Internacional

da Biodiversidade” (Unesco, 2009)

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18

também resultante dos diversos modos de vida dos diferentes povos (Acselrad, 2010).

Assim, julga-se que não é suficiente estar protegendo a biodiversidade sem valorizar e

reconhecer a diversidade cultural dos povos tradicionais (Santilli, 2005).

Mas nem sempre houve essa preocupação socioambiental. E uma das formas

criadas para enfrentar as diversas ameaças à biodiversidade foi através das áreas

“naturais” legalmente protegidas, que no Brasil têm o nome de unidades de

conservação. Privilegiou-se inicialmente a criação de recortes das paisagens, isolando-

as do uso humano. O principal representante desta categoria de unidade de conservação

são os parques2. Ocorre que em muitas dessas áreas protegidas existiam pessoas que há

muito tempo já ocupavam tais espaços (Diegues, 2000). A criação do primeiro parque

nacional americano, o Parque de Yellowstone, por exemplo, desalojou povos indígenas

como os crow, os blackfeet e os shoshone-bannock (Bensusan, 2006). De fato, a criação

de parques na maioria das vezes gerou historicamente uma série de conflitos sociais

(Diegues, 2000; Silveira, 2009).

Nos países tropicais do dito terceiro mundo, grande parte das florestas e outras

áreas em bom estado de conservação ambiental foram e são tradicionalmente ocupadas

por populações humanas dependentes destes recursos. Com a crescente destruição

ambiental em nome do progresso, estas áreas foram se tornando cada vez mais raras.

Este fato acirra os debates entre aqueles que querem ver estas áreas livres do uso

humano com a implantação de unidades de conservação do tipo parque, e aqueles que

desejam que a conservação dos ambientes seja feita com base nos usos tradicionais das

populações que ali habitam (Diegues, 2000).

No Brasil, até pouco tempo atrás, a degradação ambiental era vista como algo

inerente ao processo de desenvolvimento do país. Em grandes empreendimentos de

expansão industrial e agrícola, não havia a preocupação se os mesmos afetariam ou não

a biodiversidade e as populações ali existentes. No período de auge dos ciclos agrícolas

brasileiros, como o café, a cana, a borracha, o ouro, entre outros, muitas pessoas de

2 Movimento Preservacionista, do século XIX, surgido primeiramente na Europa e disseminado nos Estados

Unidos através John Muir, que pregava ser a interferência humana prejudicial à preservação do meio ambiente. Neste

mesmo período, entretanto, havia nos EUA Movimento dos Conservacionistas, também nos Estados Unidos, iniciado

por Gifford Pinchot, onde defendia-se a ideia de que o ser humano era capaz de auxiliar na preservação ambiental

(Diegues, 2000)

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19

várias regiões do país se deslocaram para os locais onde esses ciclos ocorriam. E com a

decadência desses ciclos, muitas pessoas ainda permaneceram morando nesses

territórios, com modos de vida agro-extrativista (A. Almeida, 2008).

Essas comunidades criaram maneiras próprias de uso da terra, de obtenção dos

recursos naturais disponíveis e de organização social. Porém tais sistemas de uso

comum geralmente eram vistos como irrelevantes e condenados ao desaparecimento

pelo governo e suas análises econômicas (M. Cunha e M. Almeida, 2001). Assim, o

Estado brasileiro historicamente ignorou os sistemas de usufruto da terra por parte

destes grupos humanos, que posteriormente foram chamados de populações

tradicionais. Até recentemente, esses grupos não eram considerados nas pesquisas do

IBGE e eram vistos como modos de produção em extinção (A. Almeida, 2008).

Segundo Little (2002), muitas das terras de uso comum foram até hoje

preservadas porque não eram cobiçadas pelas forças econômicas atuais. Como exemplo

dessa invisibilidade há inúmeros quilombos que sobreviveram em diversas áreas do

país.

A partir do final dos anos de 1980, esses grupos passam a ter visibilidade

política porque passam a reivindicar direitos (M. Cunha e M.Almeida, 2001). No Brasil,

este período coincide com a elaboração da nova Constituição do país, ao fim de duas

décadas de ditadura militar, e com a realização, no Rio de Janeiro, da Conferência das

Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (Rio-92), em que os

chamados povos da floresta tiveram destaque (Novaes, 2002). Assim, parte dos

ambientalistas e governantes perceberam que há diferentes modalidades de uso comum

do território por comunidades que preservam práticas sustentáveis de exploração dos

recursos naturais e influenciam na manutenção da biodiversidade (A. Almeida, 2008).

Atualmente, numerosas evidências apontam situações práticas em que é possível

haver vantagens nos sistemas de uso comum da terra, evitando a chamada tragédia dos

espaços coletivos (“The tragedy of the commons”, Hardin, 1968; ver L. Cunha, 2004).

Destacam-se aí os estudos de Elinor Ostrom (Prêmio Nobel de Economia -2009) e

colaboradores (Tucker e Ostrom, 2009), que demonstraram que é possível para as

pessoas se organizarem de forma eficaz com base em regras costumeiras e assim gerir

os recursos ambientais.

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De acordo com o decreto nº 6.040, de 8 de fevereiro de 2007 que instituiu a

Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades

tradicionais, povos e comunidades tradicionais são definidos como sendo: “grupos

culturalmente diferenciados e que se reconhecem como tais, que possuem formas

próprias de organização social, que ocupam e usam territórios e recursos naturais

como condição para sua reprodução cultural, social, religiosa, ancestral e econômica,

utilizando conhecimentos, inovações e práticas gerados e transmitidos pela tradição”

Inicialmente, percebe-se que o conceito de povos tradicionais surgiu a partir de

contextos diversos, mas apesar dessa heterogeneidade, em geral, eles tem em comum o

fato de que utilizam regimes de propriedade comum. Possuem ainda, um amplo

conhecimento sobre o ecossistema no qual residem, procuram defender sua autonomia

cultural e possuem o sentimento de pertencimento a um lugar, além de em geral

praticarem hábitos sustentáveis de exploração dos recursos naturais (Little, 2002).

Uma observação importante vem do fato de que o conceito de “tradicional” não

reflete necessariamente a definição de imobilidade cultural desses povos. O território de

um grupo social determinado, incluindo as condutas territoriais que o sustentam, pode

mudar ao longo do tempo dependendo das forças históricas que exercem pressão sobre

ele. Mas, essas mudanças são historicamente compreensíveis e não significam

necessariamente que tais povos perderam o modo costumeiro de manejar seus recursos

naturais. E a palavra “tradicional” não se refere necessariamente à antiguidade, mas ao

fato de que esses povos se originaram em um local específico. Essa noção de

pertencimento a um lugar não está vinculada a ideia de terras imemoriais, mas no

sentimento coletivo de que esses territórios socialmente construídos representam seu

verdadeiro “homeland” (Little , 2002).

Assim, após adquirirem visibilidade na esfera política, as populações

tradicionais hoje não estão mais fora da economia central nem estão mais simplesmente

na periferia do sistema mundial. E também tornaram-se parceiras de grupos acadêmicos,

ONGs locais e nacionais, bem como setores do Estado brasileiro e mesmo instituições

centrais como as Nações Unidas, o Banco Mundial e as poderosas ONGs do primeiro

mundo (M. Cunha e M. Almeida, 2001). Muitas vezes essas parcerias “não-

tradicionais” têm o sentido de apoiar práticas consideradas tradicionalmente

sustentáveis.

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Mesmo sendo muitas vezes esquecidas ou até mesmo ignoradas, essas

populações têm conseguindo obter algum avanço em suas lutas para terem legitimados

seus direitos de posse e soberania sobre seus territórios. Diante desse contexto e na

busca pela proteção da biodiversidade, as populações tradicionais passaram a ter

protegido juridicamente seu modos de vida e uso da terra. Nesse sentido, temos nas

Reservas Extrativistas um exemplo de instrumento pela manutenção dos meios próprios

de relacionar-se com os recursos naturais existentes a partir de um profundo

conhecimento sobre os mesmos e sobre os ciclos biológicos (Diegues, 2001).

Dentre os diferentes contextos e argumentos que postulam o conceito de povos

tradicionais, percebe-se existir uma flexível definição na legislação oficial que

regulamenta essa categoria. Tal definição legal reitera a ideia de que o surgimento do

conceito de populações tradicionais tem um caráter político que pretende tentar

solucionar o suposto problema da presença de grupos humano em áreas destinadas a

preservação ambiental. E então, diferentes grupos sociais específicos são incorporados

nessa categoria legal que tenta diferenciá-los juridicamente para dar-lhes direito as

terras que tradicionalmente habitam ou habitavam. Assim a partir desse aspecto legal,

vê-se ser adotada para essa categoria de povos tradicionais perspectivas diversas, entre

elas, há a defesa de ser esta uma categoria político-legal, pois permite que diferentes

populações tenham assegurados seus direitos consuetudinários e seu território (Silveira,

2010).

No nível internacional, a preocupação pelo respeito por parte dos Governos aos

direitos diferenciados dos povos tradicionais cresceu bastante, principalmente em

referência a questões fundiárias e territoriais. Um dos instrumentos mais importantes

sobre o tema é a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) sobre

“Povos indígenas e tribais em países independentes”, de 1989, que estabelece, no Artigo

II, que os governos têm a responsabilidade de “proteger os direitos desses povos e

garantir o respeito à sua integridade”. A adoção dessa Convenção pelo governo federal

foi estabelecida pelo Senado Nacional em junho de 2002.

No Brasil além da Constituição de 1988 que reconhece em seu artigo 216 o

Patrimônio Cultural Brasileiro como um bem jurídico e caracteriza-o como sendo "bens

de natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores

de referência à identidade, à ação e à memória dos diferentes grupos formadores da

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sociedade brasileira", há também uma Medida Provisória nº 2.186-16, de 23 de agosto

de 2001, que regulamenta os incisos constitucionais relativos à Convenção sobre a

Diversidade Biológica, nos quais trata o conhecimento das comunidades tradicionais

como Patrimônio Cultural Brasileiro (Valencio, 2010).

Contudo, com a crescente concepção de progresso difundida em nossa

sociedade, os conflitos pela posse dos territórios têm aumentado visivelmente, pois em

nome da expansão do desenvolvimento, diversas comunidades que possuem formas

sociais de produção não-capitalistas vêm sofrendo com a perda de seus recursos naturais

e modos de vida. E, a criação das políticas de proteção desses povos resulta em grande

parte da mobilização de grupos sociais diversos que se unem na busca efetiva de

construção de uma democracia (Acselrad et al., 2009) .

É nessa luta, pela afirmação de formas alternativas e de resistência contra essa

globalização hegemônica das formas de produção, que vemos constituírem-se as

Reservas Extrativista como um meio de proteger o território desses povos e assegurar a

perpetuação de sua cultura, em busca da chamada justiça ambiental .

Segundo Herculano (2008) a justiça ambiental é “o conjunto de princípios que

asseguram que nenhum grupo de pessoas, sejam grupos étnicos, raciais ou de classe,

suporte uma parcela desproporcional das conseqüências ambientais negativas de

operações econômicas, de políticas e programas federais, estaduais e locais, bem como

resultantes da ausência ou omissão de tais políticas”.

Assim surgiu o movimento por Justiça Ambiental, originado inicialmente nos

Estados Unidos, que pretende alertar sobre a transferência social dos danos ambientais

do desenvolvimento, aos grupos marginalizados da sociedade.

No Brasil ainda é recente a discussão sobre a justiça ambiental. Somente em

2001 as discussões ganharam força com o Colóquio Internacional sobre Justiça

Ambiental realizado na Universidade Federal Fluminense. Nesta mesma ocasião, nasceu

a Rede Brasileira de Justiça Ambiental (Herculano, 2002).

A luta dos chamados povos tradicionais pela legitimação dos seus territórios é

também uma luta por justiça ambiental. pois estes grupos sofrem de maneira desigual os

impactos dos grandes projetos de desenvolvimento e das estratégias excludentes de

conservação:

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“como para a expansão da monocultura do eucalipto, perdem os

quilombolas suas terras e fontes de água; como, para a expansão

da soja transgênica, são inviabilizadas as atividades dos

pequenos agricultores orgânicos; como, por causa da produção

de energia barata para as multinacionais do alumínio, perdem os

pescadores e ribeirinhos do Tocantins sua capacidade de pescar;

como, para a produção de petroquímicos, perdem os

trabalhadores sua saúde pela contaminação por poluentes

orgânicos persistentes” (Acselrad, 2010).

O movimento por justiça ambiental traz um questionamento sobre a noção

corrente de produtividade, sustentando que não é “produtiva” a terra que produz

qualquer coisa a qualquer custo, acusando a grande agricultura químico-mecanizada de

destruir recursos em fertilidade e biodiversidade, e, assim, descumprir a função social

da terra. É nesse contexto adverso que vemos constituírem-se sujeitos coletivos que

exigem amplo acesso às informações relevantes sobre o uso dos recursos ambientais e

capacidade autônoma de decidir sobre seus territórios, pretendendo instaurar acesso

justo e equitativo aos recursos ambientais do país. E a destituição dos direitos desses

povos favorece a crescente destruição ambiental, já que o malefício desta não é

distribuído a todos, sendo transferido apenas a essa camada mais frágil da sociedade

(Acselrad, 2010).

Na presente pesquisa há o exemplo da tentativa de reorganização de um grupo

social em busca da conquista do território reivindicado (Arruti, 2006). E assim, é na luta

pela conquista desse território que há a reelaboração da identidade desse grupo na

tentativa de terem reconhecido, pelo Estado, seus costumes, seus direitos de acesso a

terra e aos recursos naturais ali presentes (Silveira, 2010).

Percebendo a relevância dessas questões, essa pesquisa traz o exemplo de luta de

moradores de municípios do Litoral Sul de Pernambuco pela implantação de uma

Reserva Extrativista no estuário do Rio Sirinhaém. As populações tradicionais aqui

referidas são os pescadores artesanais existentes no município de Sirinhaém e Ipojuca,

que possuem um modo próprio de uso e relação com os recursos naturais e praticam

atividades de baixo impacto ambiental. Ao tentarem ter reconhecido direitos universais

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de acesso a um meio ambiente preservado e a continuação de suas práticas sociais,

postulam ao Estado serem incluídos em categorias especiais já presentes na legislação

ambiental vigente (Silveira, 2010).

1.2. Histórico das Unidades de Conservação no Brasil

As áreas protegidas foram estabelecidas, no Brasil, pelo Código Florestal de

1934. Neste período foram criados dois modelos de unidades de conservação, os

parques nacionais e as florestas nacionais. O primeiro parque brasileiro foi o de Itatiaia,

criado em 1937, no Rio de Janeiro.

Até 1967, as unidades de conservação (UCs) eram administradas pelo Ministério

da Agricultura, e então foi criado o Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal

(IBDF). Posteriormente foi criada a Secretaria Especial do Meio Ambiente (SEMA),

em 1973, que juntamente com o IBDF se reuniram para formar o Instituto Brasileiro do

Meio Ambiente (IBAMA) em 1989 (Rylands e Brandon, 2005).

Neste interim, foram sendo criadas diversas categorias de unidades de

conservação (Ucs) por leis e decretos diferentes, por iniciativa de diferentes grupos de

interesse. A Tabela 1 mostra as categorias de unidades de conservação hoje existentes e

o ano de criação da primeira unidade em cada categoria.

Tabela 1: categorias de unidades de conservação no Brasil

Categoria Sigla Ano de Criação

Floresta Nacional FLONA 1946

Área de Proteção Ambiental APA 1982

Área de Relevante Interesse Ecológico ARIE 1985

Reserva Particular do Patrimônio Natural RPPN 1990

Reserva Extrativista RESEX 1990

Reserva de Desenvolvimento Sustentável RDS 1996

Reservas de Fauna RF 2007

Parque Nacional PARNA 1937

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Reserva Biológica REBIO 1974

Estação Ecológica EE 1975

Monumentos Naturais MN 2009

Refúgios da Vida Silvestre REVIS ---

Apenas em 2000 foi estabelecida uma regulamentação das UCs no Brasil

através do Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC), que estabelece

critérios e normas para a criação, implantação e gestão das unidades de conservação. O

SNUC define as categorias de Unidade de Conservação em dois grupos: de proteção

integral e de uso sustentável. As áreas de proteção integral incluem os Parques

Nacionais, as Reservas Biológicas, as Estações Ecológicas, os Monumentos Naturais e

os Refúgios de Vida Silvestre. Já as áreas de uso sustentável, que permitem diferentes

tipos de interferência humana, incluem as Florestas Nacionais, as Áreas de Proteção

Ambiental, as Áreas de Relevante Interesse Ecológico, as Reservas Extrativistas, as

Reservas de Fauna, as Reservas de Desenvolvimento Sustentável e as Reservas

Particulares do Patrimônio Cultural (MMA, 2006).

Dentre as unidades de conservação de uso sustentável, estão as Reservas

Extrativistas que são definidas pelo SNUC como sendo:

“Uma área utilizada por populações tradicionais, cuja

subsistência baseia-se no extrativismo e, complementarmente,

na agricultura de subsistência e na criação de animais de

pequeno porte, e tem como objetivos básicos proteger os

meios de vida e a cultura dessas populações, e assegurar o

uso sustentável dos recursos naturais da unidade” (MMA,

2006).

As Reservas Extrativistas são unidades de conservação estabelecidas em uma

área de interesse para a conservação biológica, em que o Estado estabelece uma

concessão de uso para a população tradicional residente na área. Não podem existir

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áreas privadas em seu perímetro e elas possuem ainda um conselho deliberativo

formado por diferentes representantes da sociedade civil e do governo, sendo em sua

maioria composto pela população local (MMA, 2006).

Diante dos diferentes grupos que habitam no território brasileiro, o surgimento

das Reservas Extrativista vem no sentido de assegurar essa diversidade socioambiental,

fortalecendo a democracia e a sustentabilidade (Diegues, 2001). Pois inicialmente,

apenas os índios tinham seus territórios protegidos através das reservas indígenas. Mas,

a partir das lutas dos seringueiros do Acre pelo reconhecimento formal de seus

territórios, surgiu em 1989 a modalidade de Reservas Extrativistas dentro da política

ambiental do país. E assim, a defesa de um território foi o incentivo para a criação de

um movimento nacional, que devido a uma série de alianças políticas, particularmente

com grupos ambientalistas, e a liderança singular de Chico Mendes, conseguiu construir

um novo espaço político e, nesse processo, instituir novos atores sociais no cenário

nacional (Little, 2002).

Em 23 de janeiro de 1990 foi criada a Reserva Extrativista do Alto Juruá, como

a primeira unidade de conservação desse tipo. Toda a área da Resex foi destinada pela

União ao usufruto exclusivo dos moradores, por meio de contrato de concessão, e cuja

administração poderia ser realizada pelos convênios entre governo e as associações

representativas locais. Esta era uma solução para o problema fundiário e social, mas era

também uma solução para o problema de conservação, apoiada por pareceres de peritos

e relatórios de biólogos (M. Cunha e M. Almeida, 2001).

As Reservas Extrativistas originaram-se portanto na luta dos seringueiros por

uma modalidade de reforma agrária que mantivesse suas formas costumeiras de uso, ou

seja, a existência de grandes áreas de floresta onde se poderia extrair látex e viver da

caça, pesca e da pequena agricultura. Neste processo, associou-se aos interesses

ambientalistas e depois espalharam-se já no formato de unidade de conservação, como

solução para contextos diversos (M. Cunha e M. Almeida, 2001). Assim, foram fruto

de finalidades comuns que proporcionaram uma certa colaboração no fortalecimento das

lutas desses povos tradicionais. Enquanto alguns grupos sociais tentavam defender-se

da usurpação de seus territórios pelas fronteiras em expansão, outros já lutavam pela

autonomia territorial e cultural fundamentada em vínculos sociais e simbólicos que tais

povos mantinham com o ambiente (Little, 2002).

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1.3. As Resex Marinhas no Brasil

Antes das Reservas Extrativistas Marinhas começarem a fazer parte da

conjuntura política e institucional do Ministério do Meio Ambiente, e os pescadores

artesanais estarem incluídos na categoria política das populações tradicionais, os

pescadores já tinham um longo histórico de relação com o Estado, segundo Silveira

(2009a):

O setor da pesca era inicialmente administrado pela Marinha e

posteriormente foi criada pelo Governo Federal a Superintendência do

Desenvolvimento da Pesca (SUDEPE). Durante algum tempo a

industrialização do setor pesqueiro foi bastante incentivada e a pesca

artesanal ficou praticamente esquecida.

Apenas em 1989, com a extinção da SUDEPE, a gestão da pesca ficou a

cargo do IBAMA, sendo então elaboradas várias políticas de conservação

dos recursos pesqueiros.

Após algumas pressões para que a gestão da pesca voltasse aos órgãos de

fomento, foi criado em 1998 o Departamento de Pesca e Aqüicultura, que

transformaria-se em Secretaria Especial da Aqüicultura e da Pesca (SEAP), e

posteriormente, em 2009 no Ministério da Pesca e Aqüicultura (MPA).

As políticas desenvolvidas pelo MPA não estabelecem a criação de UCs para

beneficiar a pesca. Tais políticas buscam o desenvolvimento da infra-

estrutura para equipar os territórios e assim viabilizar a atividade produtiva.

Porém as Resex são vistas pelos pescadores artesanais como uma alternativa

para dirimir os conflitos existentes em seus territórios.

Até hoje os pescadores artesanais continuam tendo pouca visibilidade, onde

os mesmos percebem que uma mesma área é vista de distintas maneiras – o

que para os pescadores é um espaço de sustentabilidade familiar e dos

recursos pesqueiros, na visão dos empresários é espaço de lucro e exploração

– até porque essas comunidades são consideradas atrasadas e um

impedimento ao desenvolvimento.

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E assim, com o passar do tempo foram sendo percebidas relações existentes

entre investir na pesca, proteger os recursos pesqueiros e garantir o território dos

pescadores. Por esses motivos as Resex passaram a ser pleiteadas pelos pescadores

artesanais (Figura 1), que apesar de terem a consciência de que tal alternativa não é

suficiente e nem deve ser o único caminho, é por enquanto um importante instrumento

de luta pela garantia de seus direitos por esses territórios (Silveira, 2009a).

No Brasil já existem 53 Reservas Extrativistas, onde 22 desse total são Resex

Marinhas. Do total das Resex Marinhas, 11 estão localizadas no Nordeste, sendo 1 em

Pernambuco.

Figura 1: Número de Reservas Extrativistas no Brasil. Fonte: Silveira (2009a).

As Reservas Extrativistas Marinhas começaram a ser solicitadas pelos

pescadores artesanais do litoral, tendo em vista a crescente perda do território pesqueiro

para os grandes empreendimentos. No ano de 1992 foi criada a primeira Resex Marinha

fora do limite da Amazônia, era a Reserva extrativista marinha de Pirajubaé em Santa

Catarina. Essa subcategoria das Resex identificada com os territórios marinhos tem

aumentado a cada ano. Esses pedidos para a delimitação de espaços secularmente

ocupados por pescadores artesanais evidenciam um indício de fortalecimento e

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amadurecimento na organização e mobilização social de uma parcela populacional

historicamente marginalizada (Chamy, 2008).

Em Pernambuco, a discussão sobre proteger o litoral dos impactos ambientais

provenientes de empreendimentos diversos começou nos anos de 1970, mas foi nos

anos de 1980 com a morte de várias pessoas devido aos resíduos industriais, que tais

ocorrências passaram a ser combatidas pelo movimento dos pescadores. E assim, a

partir dos anos de 1990 os pescadores artesanais de Pernambuco, apoiados pelo

Conselho Pastoral dos Pescadores passaram a reivindicar a criação das Resex na

proteção de seus territórios. E como exemplo dessas articulações temos a criação da

Resex Acaú-Goiana em 2007, que integra parte dos estados de Pernambuco e Paraíba

(Silveira, 2009a).

As Resex Marinhas são hoje um importante instrumento de luta dos pescadores

artesanais pela permanência dessas pessoas em espaços já anteriormente ocupados por

elas. Os pescadores vêem no estuário não apenas um espaço de atividades econômicas a

partir da extração de peixes, crustáceos, mariscos, entre outras espécies do mangue e do

ambiente marinho, mas também como um espaço de organização social e cultural, onde

a percepção de sua realidade não está dissociada do seu mundo natural e sobrenatural

(Cavalcanti, 2002).

Um grande número de pescadores artesanais utiliza o manguezal como meio de

subsistência, pois além de ser um rico ecossistema, possui fácil acesso e não necessita

de onerosos apetrechos de pesca para captura das espécies lá presentes. É um

ecossistema muito utilizado também pelos pescadores ocasionais que em geral,

trabalham no corte da cana e que na entressafra tem nas espécies do mangue um meio

de subsistência.

Logo, para entender a relação homem-natureza existente na região do estuário de

Sirinhaém, faz-se necessário conhecer algumas características do manguezal para

melhor compreender a importância desse ecossistema no cotidiano da população local.

1.4. O mangue e sua importância na dinâmica socioambiental

Segundo Schaeffer-Novelli, o manguezal é um “Ecossistema costeiro, de

transição entre o ambiente terrestre e marinho, característico de regiões tropicais e

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subtropicais, sujeito ao regime das marés. Constituído de espécies vegetais lenhosas

típicas (angiospermas) adaptadas à flutuação de salinidade e caracterizadas por

colonizarem sedimentos predominantemente lodosos, com baixos teores de oxigênio.

Ocorre em regiões costeiras abrigadas e apresenta condições propícias para alimentação,

proteção e reprodução de muitas espécies animais, sendo considerado importante

transformador de nutrientes em matéria orgânica e gerador de bens e serviços”

(SCHAEFFER-NOVELLI, 1991, p.3). Nesses locais, a força das marés é branda e a

velocidade das correntes é baixa, favorecendo intensa deposição de sedimentos finos e

matéria orgânica e caracteriza-se por uma constante conquista de novas áreas pelo

acúmulo de grandes massas de sedimentos e detritos trazidos pelos rios e pelo mar (IPT,

1988 In: AMBITEC BRASIL, 2008).

As regiões estuarinas são áreas de extrema importância, não só ecológica, mas,

também, econômica, servindo de meio de vida para boa parte da população brasileira.

Junto com as zonas de ressurgência e as baías, as áreas costeiras estuarinas, embora

correspondam a apenas 10% da superfície marinha, produzem mais de 95% do alimento

que o homem captura no mar (CIRM, 1981). No entanto, tal ecossistema é um dos mais

ameaçados no mundo e em apenas duas décadas já perdeu cerca de 35% de sua área,

apesar de ser legalmente considerado como uma área de preservação permanente

(Meireles e Queiroz, 2010).

Os estuários dos rios Formoso e Sirinhaém integram um dos mais importantes

conjuntos de manguezais do litoral pernambucano, representando 23,3% da extensão

total desses ecossistemas no estado. No município de Sirinhaém, onde deságua o rio

Sirinhaém, destaca-se a presença dos manguezais, com registro da ocorrência de

Rhizophora mangle, Laguncularia racemosa, Avicennia schauerianna, Avicennia

germinans e Conocarpus erectus (LABOMAR, 2005). A Bacia do Rio Sirinhaém

possui considerável área alagada sujeita ao efeito de maré possuindo em seu estuário 17

ilhas fluviais, compartilhadas entre os municípios de Ipojuca e Sirinhaém.

Dentro do ambiente estuarino os animais que mais caracterizam este ambiente

são os crustáceos. Segundo a CPRH (1999) as espécies com maior importância

comercial do estuário do rio Sirinhaém, conforme foi indicado também pelos próprios

catadores são: Ucides cordatus (caranguejo-uçá), Cardisoma guanhumi (guaiamum),

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Callinectes spp (siris), Goniopsis cruentata (aratú do mangue) e Macrobrachium

acanthurus (camarão).

A vegetação do manguezal é essencialmente homogênea caracterizada por

plantas lenhosas, arbustivas e subarbustivas, a qual difere ecológica e floristicamente da

vegetação de terra firme sendo composta, basicamente, pelas árvores dos gêneros

Rhizophora, Laguncularia e Avicennia (Lamberti, 1966).

Uma grande quantidade dos peixes encontrados no estuário vive parte de sua

vida no mar, utilizando o estuário durante um período no ano e/ou entrando e saindo do

estuário conforme o fluxo da maré. As espécies marítimas que utilizam o estuário estão

à procura de alimentos ou em fase de reprodução. Há ainda espécies que são exclusivas

do estuário e também existem espécies de água doce que são eurihalinos, que suportam

uma larga amplitude de salinidade, na parte superior do estuário (AMBITEC BRASIL

2008).

De importância ecológica já conhecida, são ecossistemas que desempenham

papel ecológico chave à medida que abrigam, além de suas espécies características,

aquelas que migram para a costa durante a fase reprodutiva. Sua fauna e a flora ainda

servem como fonte de alimento e meio de subsistência para as populações humanas.

Inúmeras comunidades ribeirinhas vivem tradicionalmente da exploração dos vários

recursos existentes nas regiões costeiras do Brasil, sendo que algumas populações

vivem quase que exclusivamente de recursos específicos de áreas de mangue, como

caranguejos, moluscos e outros crustáceos (Schaeffer-Novelli, 1999).

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2. OBJETIVO

2.1. Objetivo Geral

Esta pesquisa analisa os conflitos socioambientais relativos ao processo de

solicitação de uma Reserva Extrativista que tem como beneficiários pescadores

artesanais, abrangendo o estuário e o mangue entre os municípios de Sirinhaém e

Ipojuca, no Litoral Sul de Pernambuco.

2.2. Objetivos Específicos

Relatar e discutir sobre o processo de criação da Reserva Extrativista de

Sirinhaém-Ipojuca e suas implicações socioambientais a partir da compreensão dos

principais problemas enfrentados pelos pescadores artesanais nesse conflito.

Discutir sobre a importância do território e dos recursos naturais para a

manutenção dos hábitos de vida dos pescadores e como os impactos ambientais

existentes na região tem afetado a qualidade de vida deles.

Refletir sobre a importância das organizações de assessoria na mobilização da

comunidade pesqueira pela luta de seus direitos.

Relatar o conflito histórico e socioambiental existente a partir da apresentação

das dificuldades existentes durante o processo de criação da Resex e como os atores

sociais envolvidos se posicionaram frente a tais questões definindo suas motivações,

ações e relações.

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3. METODOLOGIA

A motivação para pesquisar sobre a criação da Reserva Extrativista de Sirinhaém

nasceu ao entrar em contato com o pesquisador Pedro Silveira, da Fundação Joaquim

Nabuco em abril de 2010, que estava envolvido em uma pesquisa intitulada “Reservas

Extrativistas e pesca artesanal: etnografia do campo socioambiental em Pernambuco”.

Nesse estudo eles já acompanhavam a implementação da Reserva Extrativista de Acaú-

Goiana, a primeira Resex de Pernambuco.

Ficou decidido então, analisar a criação da Resex de Sirinhaém-Ipojuca, que

seria a segunda Reserva Extrativista no Estado. O processo de criação da unidade estava

avançado, mas muitos conflitos dificultavam a sua criação. Pedro já tinha disponíveis os

seis volumes da documentação relativa ao processo de criação da referida Resex,

cedidos pelo Instituto Chico Mendes (ICMBio), que foram minha inicial fonte de

pesquisa.

O objetivo era, escrever sobre um período histórico de um determinado lugar e

seus conflitos socioambientais, o que é algo um tanto complexo e causa geralmente um

sentimento de incerteza sobre o que deve ser mais bem destacado e explorado.

Mas, essa inquietude foi também o incentivo necessário para uma melhor

reflexão e análise das circunstâncias históricas vivenciadas pelos integrantes desse

conflito socioambiental, bem como de suas conseqüências, a fim de contribuir no

processo de descoberta de novas maneiras de ver, perceber e sentir as relações

socioambientais.

Segundo Theodoro (2005), os conflitos ambientais fazem parte das relações

humanas e no estudo desses conflitos, faz-se necessário a identificação e análise dos

atores sociais para compreender os interesses específicos dos envolvidos. Sendo

importante ainda, um levantamento das interações entre cada um dos atores sociais, para

perceber a totalidade do conflito. Ainda segundo Carvalho e Scotto (1995) aspectos

como: descrição das características ambientais, breve histórico do processo de

povoamento, configuração das principais atividades econômicas, processo de avanço do

capital na região, identificação de macroproblemáticas ambientais na região; enunciação

dos diferentes campos de tensão, enfrentamento e resistência entre projetos e/ou forças

sociais em disputa, devem ser considerados.

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Na busca de fazer um diagnóstico dos conflitos sociais existentes na região, foi

priorizado o método qualitativo na presente pesquisa pois segundo Alves-Mazzotti e

Gewandsznajder (1999), as concepções, crenças e valores das pessoas são revelados a

partir de análises interpretativas.

Os procedimentos utilizados foram pesquisa bibliográfica diversa sobre os temas

pesca artesanal, populações tradicionais, unidades de conservação, bem como as que

caracterizam a área de estudo em seu contexto histórico, econômico e socioambiental,

na busca de informações sobre a região e sua população.

Houve ainda observações em campo e entrevistas com os principais atores

sociais envolvidos no conflito visando perceber o contexto político e institucional que

levou à proposta de criação da Resex de Sirinhaém-Ipojuca. As informações obtidas

pelas observações foram associadas às entrevistas com o propósito de fazer convergir

resultados de pesquisa sobre um mesmo objeto de análise. A contextualização das

fontes heterogêneas visa conferir uma maior confiabilidade entre as narrativas (Beaud e

Weber, 2007).

Na pesquisa de campo, as entrevistas etnográficas buscaram ter acesso aos

relatos de historias de vida e a memória, bem como as impressões do passado e

presente. Nas entrevistas tentou-se entender a partir do texto e da fala, o contexto social

do grupo social estudado. Os relatos foram feitos livremente, onde um tema era

proposto e o entrevistado discursava sobre ele.

As entrevistas visaram perceber os significados e sentimentos que os pescadores

artesanais e os demais envolvidos no processo atribuíam à região e as percepções que os

mesmos tinham à cerca do contexto histórico e social local. Após a coleta das

narrativas, as mesmas foram transcritas e analisadas a partir do universo de

interconhecimento entre os entrevistados (Beaud e Weber, 2007). Essa análise visa

transformar uma questão “abstrata” em uma série decomposta de práticas sociais e de

eventos, onde seja possível perceber em uma afirmação genérica do entrevistado as suas

crenças ou ideologias (Lefèvre e Lefévre, 2003).

Assim, essa metodologia foi utilizada como uma estratégia para construir uma

representação social de modo coerente e esclarecer as significações moldadas através do

tempo por esse grupo social (Moscovici, 2003).

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A partir da análise do histórico da demanda feita pelos pescadores, foi possível

perceber quais problemas os mesmos enfrentavam no seu cotidiano e quais os impactos

ambientais existentes no ambiente eram mais significativos e prejudiciais à sustentação

dos recursos pesqueiros e dos seus hábitos e modos de vida.

Durante a pesquisa de campo tentou-se analisar, os significados locais com

relação à criação da Resex. No intuito de apresentar algumas visões dos atores sociais

diretamente envolvidos no processo de solicitação da Resex e também de alguns

pescadores locais.

Diante da concepção de que os problemas ambientais não são isolados, e sim

situações onde as condições ambientais e territórios são representados e tornados objeto

de disputa entre projetos distintos, fez-se também necessário incorporar na presente

pesquisa, os diferentes pontos de vista de instâncias oficiais, dos pescadores locais, bem

como também a visão dos movimentos sociais diretamente envolvidos no processo de

criação da Resex.

De inicio, foram analisadas bibliografias referentes à questão, examinadas

notícias recentes que saíram em jornais sobre a Resex. Em seguida foi iniciado à leitura

dos seis volumes do Processo nº 02019.000307/2006-31 de criação da Resex Sirinhaém-

Ipojuca. O processo continha vários documentos que foram produzidos pelos órgãos

não governamentais que juntamente com a comunidade de pescadores artesanais,

solicitaram ao IBAMA a criação da referida Reserva, bem como os documentos dos

órgãos governamentais envolvidos nesse processo.

Logo após essas leituras, iniciaram-se às entrevistas com alguns dos principais

envolvidos no processo de criação da Resex, os pescadores artesanais de Barra de

Sirinhaém e também com alguns ex-moradores das ilhas. Ao longo da pesquisa, foram

realizadas as seguintes entrevistas:

Frei Sinésio Araújo, Secretário de Justiça, Paz e Ecologia dos franciscanos no

Nordeste e agente da Comissão Pastoral da Terra, entidade que assessorou os

moradores das ilhas na solicitação da Resex.

Luiz Otávio Corrêa, analista do IBAMA que coordenou o Estudo

Socioambiental para a criação da Resex.

Ronaldo Santana, Presidente da Colônia de Pescadores de Barra de Sirinhaém e

Pescador da Região.

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Arlene Costa, Secretária da Colônia de Barra de Sirinhaém e Pescadora da

Região.

Severino Santos, do Conselho Pastoral dos Pescadores, entidade de assessoria

que acompanha os Pescadores dos estados do Nordeste e as solicitações de

Resex no litoral pernambucano.

Cauby Figueiredo Filho, engenheiro agrônomo - Dep. Agrícola da Usina

Trapiche.

Flávio Vanderlei da Silva, pescador e Presidente da Associação dos Pescadores

de Sirinhaém.

João Francisco da Silva, pescador e membro da diretoria da Colônia de Barra de

Sirinhaém.

Sebastião Gaspar Senhorio, pescador e Presidente da Associação Mangue Verde.

8 Pescadores e ex-moradores das ilhas.

As entrevistas com os pescadores foram realizadas durante uma viagem de

campo entre os dias 7 e 10 de outubro de 2010, acompanhando o trabalho de frei

Sinésio Araújo e Plácido Júnior, assessor da CPT, que já havia entrevistado todos os ex-

moradores das ilhas e repassou a indicação dos nomes de alguns pescadores e onde os

mesmos moravam. Nesta ocasião foram visitados os ex-moradores das ilhas, que

atualmente residem em distintas comunidades: Oiteiro do Livramento e Vila Nova da

Cohab, que localizam-se na sede do Município de Sirinhaém; Barra de Sirinhaém e

Casado, que localizam-se em Barra de Sirinhaém (Figuras 2, 3, 4, 5). Foi visitada ainda

a Colônia Z-6, de Barra de Sirinhaém.

Além de fazer entrevistas, houve a participação em algumas reuniões da Colônia

de Barra de Sirinhaém e em algumas Reuniões do Litoral Sul, que reuniam várias

lideranças de todas as colônias do Litoral Sul. Foram visitadas ainda as sedes da

Comissão Pastoral da Terra e do Conselho Pastoral dos Pescadores, como também a

Prefeitura Municipal de Sirinhaém para recolher informações e materiais de pesquisa.

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37

Figura2: Comunidade do Casado. Figura 3: Comunidade de Barra de Sirinhaém.

Figura 4: Comunidade do Oiteiro do Livramento. Figura 5: Comunidade da Vila Nova da Cohab.

Fonte: IBAMA (Luiz Otávio Corrêa).

3.1. Área de Estudo:

O município de Sirinhaém encontra-se a 80 Km da cidade do Recife, têm uma

população de 33.046 habitantes, segundo dados do IBGE (Censo, 2000), e localiza-se

na Mesorregião Mata, Microrregião Meridional do Estado de Pernambuco. Este

município limita-se a norte com Ipojuca e Escada, a sul com Rio Formoso e Tamandaré,

a leste com o Oceano Atlântico e a oeste com Ribeirão, com área municipal de

352,2km², representando 0,36% do Estado de Pernambuco (CPRM, 2005). É

constituído pelos distritos de Sirinhaém, Barra de Sirinhaém e Ibaritinga. Em Barra de

Sirinhaém existe uma população de 10.045 habitantes, de acordo com o Censo

2000/IBGE.

O rio Sirinhaém nasce na Serra do Alho no município de Camocim de São Félix

com o nome Riacho Tanque das Piabas. Toma, inicialmente, a direção sul e, a seguir, a

direção geral sudeste, cortando os municípios de Bonito, Barra de Guabiraba, Cortês,

Ribeirão, Gameleira, Rio Formoso e Sirinhaém em cujo litoral deságua após compor,

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com seus vários braços (rios Arrumador, Trapiche, Aquirá, além do próprio Sirinhaém),

um amplo e complexo estuário onde se encontram algumas lagoas, numerosas ilhas e

extenso manguezal com sua variada fauna (Diagnostico Socioambiental do Litoral Sul,

CPRH, 1999).

Inserida em uma área de cerca de 3.000ha de manguezal, Sirinhaém está incluída

na categoria de “extrema importância biológica” no Atlas de Biodiversidade de

Pernambuco, pela SECTMA (2002). Pois as regiões estuarinas constituem áreas de alta

produtividade e diversidade biológica, uma vez que, pela natureza de seus componentes,

são encontrados, nesse ecossistema, representantes de todos os elos da cadeia alimentar.

E, por se tratar de um local onde várias espécies buscam alimento e refúgio em época de

reprodução.

Sirinhaém tem como principais atividades socioeconômicas a indústria

sucroalcooleira e a pesca artesanal (Figuras 6, 7). Há na cidade uma extensa área de

cana-de-açúcar que pertence predominantemente à Usina Trapiche, existente desde o

século XIX na região. A população da cidade de Sirinhaém é composta por diversos

tipos de pescadores: existem os pescadores permanentes, que pescam o ano inteiro para

o consumo próprio de sua família e venda do excedente. Há o pescador temporário, que

não tem a atividade pesqueira como sua principal fonte de sobrevivência, mas que a

pratica eventualmente e os pescadores ocasionais que são, em geral, pequenos

agricultores e/ou trabalhadores rurais de engenhos próximos à região das ilhas que, na

entressafra da cana-de-açúcar, recorrem à pesca para complementar a alimentação de

seus familiares (IBAMA, 2008).

Figura 6: Indústria sucroalcooleira. (Foto do autor). Figura 7: Pesca Artesanal. (Foto de Luiz Otávio Corrêa).

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A pesca artesanal tem grande importância na produção pesqueira do estado de

Pernambuco, em 2007 correspondeu a 78,3% de toda a produção pesqueira. A pesca

industrial obteve 0,8% e a aqüicultura 20,9% onde o estado foi o 4º colocado na

produção de pescado e o 1º colocado na exportação da lagosta (881t), segundo dados da

Estatística da Pesca (IBAMA, 2007).

Em Sirinhaém a maior parte da produção é de camarão (58,5%), caranguejo

(45,2%), guarajuba (38,5%) e a lagosta vermelha (30,8%) (Governo de Pernambuco e

Instituto Oceanário, 2009). O município produziu em 2006, 409,5 t de pescado,

correspondendo a 2,9%, da produção estadual (CEPENE, 2006).

Assim como em Sirinhaém, a pesca artesanal também possui grande relevância

no município de Ipojuca, o qual possui em seus limites, a maior parte do estuário do Rio

Sirinhaém. Ipojuca é constituído pelo distrito sede e pelos povoados de Camela, Nossa

Senhora do Ó, Rurópolis, Engenho Maranhão e Porto de Galinhas. Limita-se ao sul com

o município de Sirinhaém e possui além da pesca artesanal uma intensa atividade

turística e industrial, através do Pólo Portuário de Suape. Encontra-se inserido nos

domínios das bacias hidrográficas dos rios Ipojuca, Sirinhaém e do Grupo de Bacias de

Pequenos Rios Litorâneos. O município produziu, em 2006, 291,8 t de pescado,

correspondendo a 2,1 % da captura estadual. A maior parte da produção é de sardinha

(39,8 t), camarões (27,6 t) e agulha (23,6 t) (Governo de Pernambuco e Instituto

Oceanário, 2009).

A pesca artesanal apresenta uma importância histórica e socioeconômica no

Brasil, sendo responsável por cerca de 65% da produção pesqueira nacional (I

Conferência da Pesca Artesanal, 2009) e o litoral sul de Pernambuco, onde a pesca

artesanal tem forte tradição, vem sofrendo com os impactos das atividades turísticas,

industriais e do crescimento populacional (Governo de Pernambuco e Instituto

Oceanário, 2009). Atividades estas que ocasionam à perda da biodiversidade local, a

conseqüente diminuição dos estoques pesqueiros, a sobrepesca, a pesca predatória, além

de conflitos junto a empreendimentos vizinhos que poluem o estuário. Este conjunto de

atividades torna necessárias ações que promovam a proteção deste fundamental

ecossistema aos pescadores e pescadoras artesanais.

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Figura 8: Imagem de satélite do complexo estuarino do Rio Sirinhaém. Fonte: Google earth, 2007.

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4. RESULTADOS E DISCUSSÃO

“A proteção do meio ambiente depende do combate à desigualdade ambiental.

Não se pode enfrentar a crise ambiental sem promover a justiça social”

(Acselrad et al., 2009).

Expoem-se brevemente, a seguir, os principais conflitos presentes na criação da

Resex, de maneira suscinta e sem a presunção de esgotar todos os pontos de conflito

existentes.

Apresenta-se um histórico das dificuldades enfrentadas pela população local,

bem como também das enfrentadas pelos demais atores sociais durante o processo de

implementação da Resex, na busca de contribuir para uma maior objetividade das

discussões em torno dos problemas socioambientais.

4.1. A Reserva Extrativista Sirinhaém-Ipojuca e seus motivos

“Será esta liberdade, a liberdade de escolher entre ameaçadores infortúnios,

nossa única liberdade possível? O mundo ao avesso nos ensina a padecer a

realidade ao invés de transformá-la, a esquecer o passado ao invés de escutá-

lo e a aceitar o futuro ao invés de imaginá-lo: assim pratica o crime assim o

recomenda. Em sua escola, escola do crime, são obrigatórias as aulas de

impotência, amnésia e resignação. Mas está visto que não há desgraça sem

graça, nem cara que não tenha sua coroa, nem desalento que não busque seu

alento. Nem tampouco há escola que não encontre sua contraescola”.

(Eduardo Galeano, 2010)

Entre o município de Sirinhaém e o município de Ipojuca localiza-se o estuário

do Rio Sirinhaém, composto por 17 ilhas fluviais, algumas delas com denominações

próprias: Grande, Clemente, Macaco, Porto Tijolo, Canoé, Raposinha, entre outras.

Estas denominações foram dadas pela população de pescadores artesanais que nelas

habitavam. O manguezal ainda está bem preservado, apesar de ser alvo constante dos

impactos decorrentes dos empreendimentos vizinhos, como a expansão do canavial que

atualmente faz fronteira com o mangue.

Porém, não apenas o mangue tem desaparecido, mas também populações que

tradicionalmente fizeram uso desse ecossistema e que nele residiam, utilizando seus

recursos naturais.

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A região estuarina de Sirinhaém é uma área da União (“terras de Marinha”), que

desde 1898 foi aforada à Usina Trapiche. Ou seja, a empresa possui o direito de posse a

partir do pagamento de um aluguel anual, sendo a aplicação do regime de aforamento

das terras da União, competente à Secretaria do Patrimônio da União (SPU).

Apesar desse ecossistema ser legalmente protegido por diversas leis e decretos,

vem recebendo constantemente a poluição de efluentes domésticos e industriais, entre

os mais freqüentes está o despejo do vinhoto, subproduto da fabricação do etanol a

partir da cana de açúcar. Toda essa poluição tem gerado a diminuição dos estoques

pesqueiros e diversos conflitos entre os pescadores artesanais e as diversas industrias3

canavieiras existentes na região.

A contaminação do estuário de Sirinhaém não foge à regra do que vem

acontecendo nos demais estuários brasileiros, em especial em Pernambuco. Segundo o

estudo socioeconômico elaborado pelo IBAMA nos depoimentos dos ex-moradores das

ilhas, existe um “saudosismo latente que reflete a relação de dependência com o

estuário do rio Sirinhaém; suas falas não mostram apenas conflitos pela posse da área

e uso dos recursos naturais, também explicitam autênticas declarações de amor e

fidelidade ao local em que viram seus descendentes nascer” (IBAMA, 2008 p. 128).

O conflito socioambiental em Sirinhaém é apenas mais um dentro do contexto

sócio-político do estado de PE. Contudo assim como na fábula4 indiana “os cegos e o

elefante”, o que parece é que o meio ambiente é percebido de diversas maneiras pelos

distintos atores sociais envolvidos nesse conflito. Assim como os cegos apenas

perceberam uma parte do elefante, percebe-se nos depoimentos presentes nessa

pesquisa, que cada um percebe o meio ambiente de uma maneira unilateral. E então, se

cada pessoa procurasse unir sua limitada visão às demais experiências certamente os

3 Agroindústrias localizadas na área: usinas Cucaú, Trapiche, Salgado, Ipojuca, Central Barreiros, Santo André e

Bom Jesus. 4 Nessa fábula indiana existe um grupo de cegos que foi levado a apalpar um elefante. Um apalpava a barriga, outro

a cauda, outro a orelha, outro a tromba, outro uma das pernas. Então, o que tinha apalpado a barriga disse que o

elefante era como uma enorme panela. O que tinha apalpado a cauda até os pelos da extremidade, disse que o elefante

se parecia mais com uma vassoura. O que tinha apalpado a orelha, disse que ele se parecia com um grande leque

aberto. O que apalpara a tromba disse que o elefante tem a forma, as ondulações e a flexibilidade de uma mangueira

de água. Já o que apalpara a perna, disse que ele era redondo como uma grande mangueira e rígido como um poste.

Os cegos se envolveram numa discussão sem fim, cada um querendo provar que os outros estavam errados.

Evidentemente cada um se apoiava na sua própria experiência e não conseguia entender como os demais podiam

afirmar o que afirmavam.

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conflitos continuariam a existir, mas, talvez fosse possível ter uma visão mais geral das

questões socioambientais.

A situação de degradação do manguezal e injustiça ambiental já vinha

intensificando-se pouco a pouco, mas, particularmente em 1998 o conflito existente

entre a Usina Trapiche e os pescadores artesanais que habitavam nas ilhas estuarinas do

Rio Sirinhaém culminou em um processo de retirada das 53 famílias que lá residiam e

que possuíam um modo de vida mais isolado e de subsistência. E assim, para tentar

dirimir esse conflito, foi solicitado ao IBAMA a criação de uma Reserva Extrativista na

região.

4.2. Memórias de um lugar

“O pescador artesanal que, equilibrado em sua canoa, com fina destreza e

percepção, joga sua tarrafa para alcançar o cardume visado, sob um fundo em

que se confundem águas e entardecer, torna-se retrato para decorar o cenário

dos agentes que visam suprimi-lo da paisagem real” (Valencio, 2010).

De acordo com relatos de antigos moradores, a ocupação das ilhas do estuário do

Rio Sirinhaém começou por volta do século XX e intensificou-se por volta de 1920

quando a Companhia Agrícola Mercantil de Pernambuco, hoje denominada Usina

Trapiche S.A., construiu um cais para escoar a sua produção. E assim, com o passar do

tempo as famílias que utilizavam os recursos do mangue durante a entressafra da cana

de açúcar começaram a aumentar em número devido aos casamentos entre os membros

da comunidade (IBAMA, 2008).

Essas ilhas possuem tamanhos diversos e as pessoas foram se distribuindo na

área, denominando cada ilha de acordo com as relações estabelecidas com o local e seus

recursos naturais e distribuindo-se a partir de laços de parentesco e compadrio. Segundo

relatos dos moradores, nas ilhas maiores haviam até mais de cinco casas.

E assim essa população residente nas ilhas foi construindo um modo próprio de

interagir com o ambiente. Eles extraiam do mangue os alimentos para a subsistência e

alguns também vendiam o excesso da produção pesqueira. Mantinham pequenas

produções agrícolas e frutíferas, além de criarem animais como galinha, cabra, porco,

entre outros, como relatam alguns ex-moradores das ilhas:

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“Nasci lá nas ilhas, minha mãe chegou lá em 1914. Eu tive 21

filhos, tenho nove vivos, tudinho morava lá...

Eu criava porco, galinha, inté vaca eu criei.

Eu pescava amoré, guaiamum, caranguejo, siri, aratu, camuri,

arapeba”.

(Ex-morador das ilhas - 64 anos – Entrevista ao autor em 09/10/10).

“A gente pescava caranguejo, botava camboa de rio e de mangue,

pegava Aratu, todo tipo de peixe. Tinha pé de coqueiro, muitas

galinhas, três viveiros de peixe. Quando a safra do mangue

fracassava aí já tinha o viveiro ou senão botava camboa de rio e

de mangue”.

(Ex-morador das ilhas - 30 anos – Entrevista ao autor em 09/10/10).

A partir de 1988, os moradores começaram a ser pressionados pela Usina

Trapiche para saírem das ilhas, a qual possui o aforamento da área desde o século XIX.

Posteriormente, em 1998, com a venda da Usina Trapiche para um grupo alagoano que

atualmente administra a empresa, a pressão para a desocupação das ilhas se intensificou,

com a acusação de que as famílias que lá residiam estavam degradando o mangue.

“Nós quando chegamos aqui e sobrevoamos esse mangue de

helicóptero era de fazer pena. Eram 52 ou 53 famílias habitando

dentro desse mangue, tinha uma área chamada de carvoeiro, que o

pessoal fazia carvão, destruindo a vegetação de mangue.

Plantando lavoura branca dentro, com fruteiras dentro do mangue,

jaca, manga, macaxeira, utilizando madeira pra fazer carvão. Isso

foi um choque ambiental grande pra gente. E a gente foi mal visto

em função de que a gente tentou fazer um trabalho de

conscientização do pessoal pra que tirasse esse pessoal do mangue

pra gente recuperar o mangue”

(Cauby Figueiredo, representante da Usina Trapiche- Entrevista ao

autor, em 28/12/10).

No estudo Socioeconômico realizado pelo IBAMA (2008), um representante da

usina Trapiche S.A. afirma que pelo fato de ter o aforamento da área, esta seria

responsabilizada em caso de favelização e degradação do mangue5.

5 De acordo com o Decreto Federal nº9.760/1946 em seu artigo 70, a foreira da área é obrigada a zelar pela

conservação do imóvel, sob pena de responsabilização.

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A estratégia utilizada pelos administradores da usina, segundo relato dos

pescadores, passou a ser a demolição das casas e a destruição das lavouras e das

fruteiras, chegando até ao fechamento da escola local.

“Eu morei 42 anos nas ilhas, eu to com 79 anos. Eu tive 23 filhos,

na ilha do Macaco, criava galinha, cabra, porco, cavalo. Tive pé

de jaqueira, mangueira, coco, tem pé de coração de índia,

cajueiro, bananeira... tudo isso tinha...

“A minha casa derrubaram”.

(Ex-morador das ilhas – Entrevista ao autor em 09/10/10).

“Eu tinha cajueiro, mangueira, jaqueira... era de caju como daqui

em camboinha, de caju que a usina derrubou, fora as outras

coisa...”

(Ex-morador das ilhas – 64 anos – Entrevista ao autor em 09/10/10).

“A gente já morou na Raposinho, que a usina chegou a botar fogo,

aí fomos morar lá no Carvoeiro”.

(Ex-morador das ilhas – 30 anos – Entrevista ao autor em 09/10/10).

Com a destruição das casas, das lavouras e das fruteiras tornou-se quase

impossível para os pescadores continuarem a habitar nas ilhas. E assim, pouco a pouco

os moradores foram saindo. Alguns mais resistentes chegaram a fazer acordos

individuais com a Usina Trapiche e receberam casas pelo município de Sirinhaém,

pequenas indenizações, material de construção, ou até mesmo empregos. Mas antigos

moradores reclamam que apenas os proprietários dos sítios receberam algum tipo de

indenização e os demais moradores que habitavam na propriedade nada receberam.

Atualmente os ex-moradores das ilhas encontram-se espalhados por diversos

povoados na cidade de Sirinhaém. Alguns passaram a fazer parte da ocupação

desordenada da periferia do município, enquanto outros receberam pequenas moradias

como indenização. A maioria das casas encontra-se em locais de difícil acesso, a

distâncias de cerca de 8 a 10 Km do manguezal, sendo necessário um grande

deslocamento dos pescadores para poder ter acesso ao mangue.

Nas visitas aos ex-moradores das ihas, percebe-se que os mais jovens já estavam

mais adaptados à vida urbana e alguns já haviam deixado de pescar. Porém se

perguntados sobre aonde preferiam viver, todos reportavam-se com saudade do tempo

em que viveram nas ilhas e a maioria manifestava o desejo de retornar.

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“Lá era bom, muitas vezes a gente sente até falta dali, porque era

um lugar muito assossegado, era um lugar que ninguém chegava

lá. Era uma paz”.

(Ex-morador das ilhas – 30 anos – Entrevista ao autor em 09/10/10).

“A gente quer voltar pras ilhas, é o meu lugar”.

(Ex-morador das ilhas – 22 anos – Entrevista ao autor em 09/10/10).

“Tinha não, tenho vontade de voltar pra lá”.

(Ex-morador das ilhas – 47 anos – Entrevista ao autor em 09/10/10).

Apenas em uma das casas visitadas uma moradora relatou que não tinha mais

condições de saúde para voltar a viver nas ilhas.

“Morar mesmo direto não, porque não tenho mais saúde pra viver

no mangue. Mas os filhos queriam voltar se botassem energia...

Eles vão pescar ainda”.

(Ex-morador das ilhas – 79 anos – Entrevista ao autor em 09/10/10).

Em todas as famílias visitadas havia pelo menos um integrante que ainda

praticava a pesca artesanal no mangue. Assim, mesmo retirados das ilhas, os moradores

ainda tinham no mangue um meio de vida.

Os mais idosos apresentavam uma grande tristeza e não adaptaram-se à vida na

cidade. Sentiam falta do modo de vida que possuíam junto ao mangue e ao redor dos

demais integrantes da comunidade, que hoje se encontram espalhados em vários bairros

distintos. Muitos continuavam pescando, mas uma boa parcela já apresentava algum

tipo de enfermidade que impossibilitava a prática da pesca.

A partir da fragmentação dessa comunidade foram se desfazendo os laços que

formavam essa rede social que favorecia a construção da identidade cultural dos seus

integrantes e propiciava um sentido às suas vidas (Rangel, 2007). É perceptível em seus

depoimentos o sentimento de não pertencimento ao lugar no qual habitam atualmente e

muitos não conseguiram se integrar em novas relações sociais junto aos demais

moradores dos locais onde hoje residem.

Segundo relato de frei Sinésio Araújo presente no Estudo Socioeconômico do

IBAMA (2008):

“Problemas de ordem psicológica também são evidentes, pois

muitos entraram em estado depressivo, fruto do comprometimento

de sua identidade que lhe fora negada a partir do momento em que

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foram forçados a sair de seu habitat natural e mudaram totalmente

a sua maneira de ser e agir. Seu Dudé, por exemplo, teve um filho

morto pelo envolvimento com drogas na periferia da Barra de

Sirinhaém e disse: “se meu filho estivesse nas ilhas, não se

envolveria nesta situação”.

(Sinésio Araújo, agente da CPT, entrevista em 14/04/2008 In:

IBAMA, 2008 p.123).

Segundo Luiz Otávio Corrêa:

“A gente viu muita gente que não se adaptou. Principalmente os

mais idosos. Quem passou mais tempo, quem cresceu ali dentro do

manguezal, tem uma dificuldade muito grande de morar na cidade,

mesmo numa casa ate com melhores condições de moradia, mas

que não tem como tirar seu sustento da cidade, não tem nem

estudo... gente que nunca teve vizinho na vida, você colocar dentro

de um centro urbano, a questão psicológica dela.... Dona Antonia

chora sempre, ela consegue dar um bom quadro das dificuldades

que eles passam... é o ambiente deles.... Dona Antonia morava

numa ilha bem grande lá e praticamente não saia lá de dentro e

tinha uma área grande pra cultivo, tinha frutas, os filhos

pescavam, então a família toda sobrevivia dali, mesmo sem ter

esses luxos, sem ter... tinha a casa de farinha dela que todos os

vizinhos utilizavam também, então eles tinham o jeito deles de

viver ali que não foi levado em conta na hora de sair”.

(Luiz Otávio Corrêa, analista do IBAMA – entrevista ao autor em

29/10/10)

Para tentar imaginar como deve ter sido traumática essa mudança de vida, tal

situação pode comparar-se através de depoimentos de pessoas que passaram um curto

período de tempo em alguma região isolada e que ao retornarem à cidade já não

conseguiam atravessar a rua na mesma segurança de antes, que estranhavam certos

hábitos vistos pelos demais como usuais. E então, pode-se imaginar um pouco, o quanto

deve ter sido traumática a repentina mudança de vida, desses ilhéus que passaram

muitos anos ou até a vida toda em uma isolada região junto ao estuário do rio

Sirinhaém.

Com o passar do tempo as pessoas adquirem um sentimento de apego ao lugar.

Muitos tipos de apego foram sugeridos por Shumaker e Taylor (1983) (apud Gomes,

2008), porém dois podem ser claramente percebidos entre os ex-moradores das ilhas: o

apego funcional (relacionado à satisfação das necessidades básicas proporcionadas pelo

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local) e o apego emocional (evidenciado pela construção da vida nesse local e pela

proximidade entre os moradores da área).

“Lá é um lugar de barriga cheia, tem lugar pra plantar uma

batata, uma macaxeira, pra pescar o suficiente”.

(Ex-morador das ilhas – Entrevista ao autor em 09/10/10)

“Não gosto de morar em rua, morava dentro do sitio, fiquei com

pena do sitio que ela (a usina) derrubou, era bom o sitio lá de

casa, eu ia pra rua vender manga guaiamum, caranguejo, pegava

o carro de mão de pai e ia a pé mesmo. La não faltava nada dentro

de casa, tinha pé de manga, macaiba, jaca, goiaba, araçá, tinha de

tudo lá que mãe plantava. A gente pegava caranguejo, amoré, pai

botava covo, armava ratoeira pra pegar guaiamum, carapeba.

Muito peixe a gente pegava, camarão, pititinga, cuca, era muito”.

(Ex-morador das ilhas – Entrevista ao autor em 09/10/10).

O geógrafo Yi-Fu-Tuan (1980) denomina de Topofilia o elo afetivo existente

entre a pessoa e o lugar ou ambiente. E afirma que as pessoas em constante interação

com a natureza estabelecem um sentimento mais intenso com o ambiente, por dele

dependerem para sobreviver. Sendo provável que mudanças para outros locais causem

algum efeito psicológico entre os moradores deslocados, devido ao rompimento da

identidade com o espaço e com o grupo. Segundo Castells (2006), as pessoas

transformam o espaço em que vivem em lugar, ao relacionarem-se afetivamente com

ele.

Dentre os vários relatos dos ex-moradores das ilhas, destaca-se um depoimento

que retrata bem qual o sentimento que foi construído pelos pescadores em relação à

região das ilhas, reproduzido abaixo:

A senhora e seu esposo moravam nas ilhas desde quando?

“Morei no sitio 53 anos”.

Qual o nome do sitio que a senhora morava?

“Morava no sitio do Cais, a primeira casa. Quando eu fui morar lá

tinha um pé de pimenta malagueta”.

E a senhora plantou muita coisa?

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“Vixe Maria, meu Deus, eu não gosto nem de falar, eu e Luis

fizemos o sitio, fiz o sitio... carregava coisa da rua, tinha uma casa

ali, com pé de jaca, de manga, eu dizia: vou levar que no meu sitio

não tem nada. Era uma mata, eu plantei de tudo. Eu perdi muita

coisa, até minha casa de farinha ta por lá. Ainda ta minha prensa,

ainda está lá”.

A senhora criava animais também?

“Criava tudo...”

A senhora teve quantos filhos?

“Tive 11 filhos”.

Quais as espécies vocês mais pescavam?

“Eu pescava camarão, amoré, aratu, siri, era.... e Luis ia na

jangada pescar de linha, de tarrafa, era...”

E então depois vocês ganharam essa casa aqui?

“Foi minha filha, eu ainda fui teimosa, ainda passei oito mês, o

sitio derrubado e eu lá emperrada sem querer sair. Essa casa feita

eu não queria vir não. Eu vim bem dizer nas mãos dos outros”.

Derrubaram suas fruteiras?

“As frutas todinhas, só deixaram a casinha, mais nada...

Derrubaram um pé de jaca meu que fazia dó e piedade, deu dois

caminhões de jaca, eles carregaram. Eu tinha quatorze pés de jaca

e quinze pés de manga e coqueiro, nem falo... e mais pé de laranja,

cravo, tudo... a ilha era grande, tinha escola, tinha tudo”.

Derrubaram também a escola?

“Só queria que você visse que jeito ficou... Fizeram de propósito,

desagasalhou muita gente. Eu vou dizer a você eu vim pra qui mas

não me dei não, acredita?

Eu estou morando aqui, mas eu não vivia numa vida dessa que eu

estou, numa condição dessa... Eu perdi minha saúde, tenho medo

de andar, não vou na rua, vez em quando é morrendo, eu lá morei

esse tempo todinho, onze filhos e nunca tive nada, foi eu bater aqui

e com dois meses acabou minha saúde até a data de hoje.

Ainda ontem eu tava dizendo... sei não meu Deus. Se não fosse

proibido eu já tinha ido pra debaixo de um pau. Não sei se foi o

costume, não me dou aqui não.

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Essas casas todinhas aí me pergunte que jeito é, que não sei de

nada, de nada, de nada, não vou pra canto nenhum é o dia todinho

dentro de casa e sem poder andar, perdi a perna, doente”.

Seu esposo ainda vai pescar?

“Luis, só quando ele morrer ele deixa...

Ele não vai todo dia não, mas vez em quando ele vai, porque não

tem onde guardar as coisas, onde botar. Vai duas, três vezes por

semana.

E bagre não falta na mão dele... Ele tem muito amor às ilhas, ele tá

com 76 anos.

Passa o dia, leva comer, lá por debaixo dos pés de pau, pelo

mangue e lá ele fica. Quando ele vem eu pergunto:”ô, Luis,

passasse por lá, passasse por lá?”

Ele diz: “Antonia é capaz de nem saber onde é...”

E eu não fui mais lá não. Eu digo: “tu visse algum pé de coisa...”.

“Olha Antonia aquele pé de manga que tu plantasse lá no sitio lá,

ainda tem ele”.

Ô meu Deus... Eu só vivia lá pelas ilhas, era pescando amoré,

tinha saúde, criava boi... galinha.

Eu perdi 75 cabeça de galinha, fora os pintos, cada galo bonito

essa menina, duas peruas, um peru.

Nada, roubaram tudinho, tudinho, tudinho... Eu ia trazer pra qui,

pra onde? Um lugar desse... isso é lugar de nada... Perdi muita

coisa essa menina, muito mesmo”.

E se for criada a reserva extrativista a senhora ainda volta a morar

nas ilhas?

“Na mesma hora, volto na mesma hora. Ta vendo eu arrastando

assim... vixe Maria, nem diga uma coisa dessa... eu dona Cosma...

quem era dona Cosma, perdemos a saúde da gente.. a gente vivia

do mangue...”

(Ex-morador das ilhas - 70 anos – Entrevista ao autor em 09/10/10).

Em resumo, hoje os ex-moradores das ilhas enfrentam as dificuldades de

adaptação a uma vida bem diferente da qual eles estavam acostumados, perderam a

fonte de subsistência que compreendia não só o manguezal, mas também os cultivos, as

fruteiras e a criação de animais. Distanciaram-se dos laços afetivos construídos durante

os vários anos de convivência e foram obrigados a aumentar a lista das pessoas que

dependem da ajuda assistencialista do governo para sobreviver. A grande maioria desses

pescadores nunca contribuiu para a previdência e por isso encontram-se desassistidos

pelo INSS. Além de tudo isso, a desterritorialização do grupo social que habitava as

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ilhas afastou os pescadores do manguezal e os pulverizou no espaço, contribuindo para

desagregar os laços sociais costumeiros deste grupo tradicional.

4.3. O acirramento dos conflitos

“Ocasiões de conflito liberam relações sociais na medida em que são, ao mesmo

tempo, relações de força e relações de sentidos” (Beaud e Weber, 2007).

Percebendo a forte ligação dessas pessoas com o lugar, como também a

importância desse ecossistema na dinâmica local, a Comissão Pastoral da Terra6

juntamente com diversas ONGs e apoiada por um abaixo assinado dos ex-moradores

das ilhas, solicitaram em 2006 a criação de uma UC de uso sustentável na região.

Atuando desde a década de 80 na região de Sirinhaém, a CPT acompanhou e deu

assistência aos pescadores que moravam na região das ilhas através de projetos diversos

desenvolvidos por frei Hilton, que inicialmente não encontrou grandes dificuldades para

desenvolver os trabalhos sociais da CPT com esses pescadores. Mas, posteriormente,

muitos conflitos começaram a surgir e foram bastante noticiados pela imprensa local

(anexo I). Frei Sinésio relata que, ao perceber a intensificação do conflito entre os ilhéus

e a usina, a entidade começou a conscientizar a comunidade pela busca de seus direitos.

Os administradores da usina alegaram que existia um contrato de comodato de

10 anos feito em 1988 com os moradores das ilhas e que portanto, estaria sendo vencido

em 1998 (anexo II). Porém, pelos documentos que foram encontrados sobre esse

comodato, sabe-se que o mesmo apenas se referia às famílias que moravam em duas das

17 ilhas habitadas, segundo relata o agente da Pastoral dos Pescadores:

“A gente avaliava desde o inicio que assim, se tivesse que sair, só

quem poderia sair da área era quem morava na ilha de

Constantino e do Clemente, porque eram as duas ilhas que tinham

no termo de comodato. As outras ilhas não estavam no termo de

comodato, não tinha nenhuma referencia no termo de comodato

pelo que a justiça colocava e também o aforamento que a usina

tinha não era claro em relação às outras ilhas, era claro só sobre

essas duas ilhas”.

(Severino Santos, da CPP – Entrevista ao autor em 15/12010).

6 A Comissão Pastoral da Terra (CPT) é uma entidade de defesa dos direitos humanos e dos direitos dos

trabalhadores da terra, ligada à Igraja Católica. Essa entidade nasceu em 1975, durante a ditadura militar, com o

objetivo de defender na época, sobretudo os direitos dos trabalhadores rurais da região amazônica. E assim a CPT

passou a atuar em todo o país adequando suas ações de acordo com a demanda local.

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Ainda em 1998, o Conselho Pastoral dos Pescadores7 (uma outra entidade social

ligada à Igreja Católica e bastante atuante na região costeira de Sirinhaém) já havia

solicitado ao governo e ao Serviço de Patrimônio Publico de PE a desapropriação da

área pertencente à Marinha ocupada pela Usina Trapiche, bem como também um

levantamento sobre os débitos referentes ao não pagamento de alguns foros pela referida

usina e ainda a apreciação de denuncias de incêndios e derrubadas de algumas casas dos

pescadores da região (Anexo III).

O representante do CPP-Nordeste narra os acontecimentos deste período (anexo

IV):

“De 98 pra cá o CPP veio dando uma ajuda, um acompanhamento

jurídico dos processos, que foram vários processos, um atrás do

outro. Tinha esse processo das duas famílias que a usina tinha

pedido o cancelamento do termo de comodato e depois disso veio

surgindo vários processos com denuncia das ações, que

funcionários da usina, pessoas ligadas à usina começaram a

agredir os pescadores: a queimar casa, a destruir roça, a soltar

animal, a destruir os aparelhos de pesca e aí foram surgindo

vários processos, varias denuncias formais, na delegacia do

município, no fórum tem pra mais de 40 denuncias”

(Severino Santos, CPP - Entrevista ao autor em 15/12/10).

Em 28 de dezembro de 1998, nos últimos dias de mandato do governador

Miguel Arraes, enquanto estes conflitos aconteciam, o Governo do Estado criava a Área

de Proteção Ambiental de Sirinhaém8, em âmbito estadual, que inclui os manguezais do

rio Sirinhaém. Gianinna Cysneiros, técnica da Secretaria Estadual de Ciência,

Tecnologia e Meio Ambiente (SECTMA) que participou dos debates no período, conta

à equipe da Fundação Joaquim Nabuco (Beatriz Mesquita, comunicação pessoal) que a

APA de Sirinhaém fora criada porque quando os conflitos se acirraram em Sirinhaém,

os moradores e suas entidades assessoras solicitaram que as ilhas fossem incorporadas

na vizinha APA de Guadalupe. Como tal incorporação não era viável a curto prazo,

optou-se por um decreto criando uma nova APA, a de Sirinhaém. Esta APA até o

7 O Conselho Pastoral dos Pescadores (CPP) é uma Pastoral Social composta por diversos agentes comprometidos

com uma sociedade mais justa e solidária para os pescadores e pescadoras artesanais. O trabalho da CPP foi iniciado

em 1968 em Pernambuco e mais tarde espalhou-se por todo o Brasil. Atualmente, a CPP acompanha e desenvolve

diversos projetos junto às colônias de pescadores da região, em Sirinhaém vem atuando desde 1984. 8 Decreto n.º 21.229 de 28 de dezembro de 1998.

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presente momento, 13 anos depois, ainda não foi implantada. Posteriormente, foi feita

uma recomendação para a proteção do estuário de Sirinhaém através da criação de uma

Resex, presente no Diagnostico Socioambiental do Litoral Sul (CPRH, 1999) e no

Zoneamento Ecológico-Econômico do Litoral Sul (CPRH, 1999).

Entre 1998 e 2000, período de intensificação dos conflitos, muitos fatos

contribuíram para a desarticulação da comunidade de pescadores das ilhas: frei Hilton

foi transferido para outro estado e importantes lideranças no processo de resistência

local, como o presidente da Associação dos Pescadores e Pescadeiras da Ilha de

Sirinhaém e a representante local do CPP junto às famílias, foram contratados pela

usina, desmobilizando a atuação desta entidade na região. E então os pescadores foram

pouco a pouco deixando suas casas.

Outro fato que contribuiu para a saída dos pescadores das ilhas foi às intensas

chuvas:

“em 2000 teve as chuvas no litoral sul e as casas dos pescadores

dentro das ilhas foram todas atingidas, a maior parte delas

caíram. A usina não deixava construir, eles não tinham recurso

financeiro pra construir fora. Nesse período a gente recebeu a

visita de um grupo da Holanda, que sempre a cada dez anos eles

fazem visita no CPP e eles foram lá. A gente tava com atividade

marcada pra lá e eles foram e deu origem a um projeto de

reconstrução das casas. Aí nesse processo foi feito muita

cooptação de liderança por parte da usina, tanto dos moradores

das ilhas, tanto como da pessoa que trabalhava em nome da CPP

na área. É tanto que a gente liberou em cheque recurso pra

construção de 25 casas, só foram construídas 12. E dessas 12,

quando a gente foi fazer a avaliação, apenas 8 estavam em pé, as

outras as pessoas já tinham, não sei de que forma, se amigável ou

pressionado, negociado com a usina e saído e estavam morando na

periferia de Sirinhaém. Foi feito ainda um convenio da usina com

a UFRPE e a CPRH e de certa forma, quem passou a ser o gestor

ambiental da área foi a própria usina. E com a saída da família,

eles desmatavam todo o sitio que tinha, todos os pés eram

derrubados e eram plantadas arvores que não tinham fruto. Era o

ingá e a sabiazeira. Aí eles desmatavam todo o sitio para o

pescador não voltar a viver lá, pra não ter nada pra ninguém

buscar. A usina começou a colocar placas dizendo que era área de

preservação, que o pessoal não podia estar lá. (Severino Santos,

CPP – Entrevista ao autor em 15/12/10)

E dentre as diversas tentativas de legitimar suas ações, a Usina Trapiche chegou

a acusar os moradores por crimes ambientais ainda em 1998. E um Inquérito Civil

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Público chegou a ser instaurado pelo Ministério Público para apurar as denúncias.

Técnicos do IBAMA e da CPRH compareceram ao local, mas não constataram a

destruição do meio ambiente. Pois o desmatamento provocado pelos pescadores era

incipiente e não representava risco ao meio ambiente, como relata Severino Santos

(Anexo V):

“Com o fechamento do termo de comodato a usina acusou os

pescadores de estar depredando o meio ambiente e entrou com

uma ação judicial solicitando o despejo de todas as famílias. Na

ocasião a gente fez um levantamento junto a GRPU e a usina tinha

sim o aforamento da área, só que estava atrasado há mais de 20

anos com pagamento do foro. A denuncia de depredação foi

averiguada pela CPRH e pelo IBAMA, no final de 98 teve uma

audiência publica no município aonde a CPRH e o IBAMA

apresentou o relatório que já tinha entregado antes, como peça do

processo, aonde eles colocavam que as famílias que moravam nas

17 ilhas não tinham agressão ao meio ambiente e que funcionavam

até como fiscalizadores ambientais da área”.

(Severino Santos, CPP – Entrevista ao autor em 15/12/10)

Em contrapartida, condutas lesivas ao meio ambiente foram descritas pelos técnicos

ambientais da CPRH que multaram a Usina por derramar o vinhoto nas águas do

estuário, além de serem acusados de também plantar espécies exóticas nas ilhas. Mas

sempre a usina recorreu de tais multas.

Contudo, segundo depoimento do representante da Usina Trapiche:

“Quanto à vinhaça, toda a vinhaça da usina Trapiche ela é

aproveitada no campo. O rio Sirinhaém é composto por 4 usinas

do setor sulcroalcooleiro e nós somos a ultima, ou seja, nós somos

final de linha. Então tudo que venha acontecer de poluição no rio

Sirinhaém vem finalizar na usina Trapiche. Tudo que vier de

poluição, no final, vai cair na foz. E a gente está em cima da foz, a

maré sobe, o rio sobe e aquilo fica concentrado justamente nas

áreas da usina Trapiche. Então muitas das atribuições de poluição

que ocorrem se joga pra usina Trapiche. Ou seja, até agora nesses

treze anos e meio que a gente tá aqui, com todas as denuncias que

existem, nunca conseguiram provar que veio uma poluição da

usina Trapiche, porque realmente a gente não polui. Nós temos a

mentalidade que o vinhoto é importante pra empresa e jogando ele

no rio é a mesma coisa que jogar dinheiro fora” (Cauby

Figueiredo, representante da Usina Trapiche – Entrevista ao autor

em 28/12/10).

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Devido a tais acontecimentos, em 2003 poucas famílias ainda continuavam a

morar na região das ilhas estuarinas. Nessa mesma época, segundo depoimento de Frei

Sinésio Araújo, um trabalho para restabelecer a confiança dos pescadores foi iniciado

pela CPT no intuito de garantir o direito da comunidade ao território de pesca utilizado

tradicionalmente pelos mesmos.

A maneira como a Usina Trapiche encaminhou todo o processo de expulsão dos

ilhéus é bastante controverso, pois segundo representantes da empresa tudo foi feito de

forma pacífica. Segundo, Cauby Figueiredo, engenheiro agrônomo da Usina Trapiche:

“Nós tiramos esse pessoal gradativamente, aos poucos, aonde

íamos fazendo um trabalho de conscientização. Tanto é que não foi

nada forçado, que não foi nada de maneira agressiva que as

ultimas que saíram agora... já que não tava conseguindo sair de

uma forma assim, consciente, de uma forma tranquila... nós

tivemos que apelar para o lado jurídico. Mas as outras 51 famílias

saíram de uma forma gradativa, na medida em que a gente ia

convencendo, conscientizando e a gente dava uma área pra eles

construírem uma residência e onde tinha uma qualidade de vida

melhor, mais perto da zona urbana, com uma casa de melhor

qualidade, melhor padrão, uma melhor condição de vida” (Cauby

Figueiredo, representante da Usina Trapiche – Entrevista ao autor

em 28/12/10).

De acordo com depoimento de Severino Santos (CPP), e também em entrevista

dos representantes da Usina Trapiche presente no Estudo Socioeconômico elaborado

pelo IBAMA, quando a notícia de que a usina iria indenizar as 53 famílias que residiam

nas ilhas se disseminou houve um aumento populacional na área e então vários conflitos

foram gerados pela derrubadas das casas. Contudo, tal fato apenas causou o aumento

dos conflitos já existentes, pois os antigos moradores das ilhas já estavam sofrendo com

as conseqüências das ações da usina pela desocupação da área.

A intenção dos administradores da usina era fazer um acordo coletivo com os

moradores mais resistentes, mas devido ao apoio das entidades que acompanhavam os

pescadores, esses começaram a não aderir às pressões e então a usina começou a fazer

acordos individuais, a partir das diversas ações impetradas no órgão judicial local.

Nessas audiências cada morador recebia uma pequena casa e alguns também uma

irrisória quantia em dinheiro. Essas audiências eram na presença do próprio ministério

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público do município, além das demais entidades de direitos humanos que

acompanhavam esse conflito. No entanto, as ações de reintegração de posse foram

julgadas procedentes na Justiça Estadual e onde foi negado inclusive o direito de

retenção das benfeitorias feitas pelos moradores (Leroy, 2004).

Entre 2005 e 2006, restavam cerca de 5 famílias morando nas ilhas:

“Na ilha que tinha oito famílias estava só duas famílias e a maior

parte com a idade já avançada. Ai se sentiram assim... que

sozinhos lá dentro não iam conseguir, se os outros tivessem ficado,

se todos as oito tivessem ficado eles tinham a comunidade pra

resistir, mas como tava só as duas, eles não tinham mais forças pra

continuar lá dentro, aí eles negociaram, saíram, foram uns dos

últimos a saírem antes de Nazaré” (Severino Santos, CPP -

Entrevista ao autor em 15/12/10).

O fato sobre como foi o processo de retirada dos pescadores das ilhas, se

arbitrário ou conciliativo, é apenas o pano de fundo de uma evidência maior: a de que a

complexidade e a diversidade das formas locais de imaginação do território foram

reduzidas a um conjunto de “imóveis” a serem removidos, ou seja, a existência de uma

forma coletiva de viver e relacionar-se com o ambiente foi vista a partir de processos

mercantis de indenizações feitas aos moradores (Zhouri & Oliveira, 2010).

Segundo Valencio (2010), o projeto de desterritorialização da pesca artesanal

promove uma dissociação entre o individuo e sua prática e ainda tenta impor às pessoas

as formas capitalistas de trabalho. E ao “negar-se como individuo e como parte de um

grupo, desintegra-se rapidamente em outros fazeres e saberes homogeneizados e a

contento da lógica e das relações macroenvolventes que se apossam do território”.

Ao iniciar a pesquisa, apenas duas famílias continuavam a morar nas ilhas, as

irmãs Nazaré e Graça. Mas, ao fim do mês de outubro uma decisão judicial as obrigou a

abandonar àquele lugar ao qual há tanto tempo habitavam. Infelizmente não foi possível

visitá-las lá nas ilhas, e hoje elas residem no distrito de Santo Amaro, em Sirinhaém. De

acordo com a ação judicial, a Usina Trapiche não era obrigada a indenizar essas duas

famílias, mas apesar dessa “injustiça da Justiça” a usina decidiu construir suas casas em

um terreno repassado pela mesma.

Atualmente a situação dos ex-moradores das ilhas é bastante precária, pois a

grande maioria encontra-se desempregada, percorre grandes distancias para ter acesso

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aos recursos pesqueiros do mangue e nas atuais moradias não há espaço para guardar as

jangadas que antes eles possuíam. Muitos relatam ainda que antes, colocavam os

apetrechos de pesca no mangue e iam realizar outros afazeres, retornando

posteriormente para pegá-los. Mas, hoje a distância, como também a fiscalização da

usina dificultando o acesso dos pescadores ao mangue, são fatores que tem levado ao

abandono da prática de pesca.

Assim, a criação de uma Reserva Extrativista é bastante defendida pelas diversas

entidades socioambientais atuantes em Sirinhaém, pois tais entidades vêem na

implantação de uma Resex Federal a possibilidade de estar garantindo a manutenção

dos modos e hábitos de vida desses povos e ainda a conservação e gestão dos recursos

naturais presentes na área. Até porque a criação de uma Resex possibilitaria que a

própria comunidade continuasse a fiscalizar a área da poluição industrial.

Por possuírem uma intrínseca dependência dos recursos naturais, esses povos

não têm um grande potencial de mobilidade e a desestabilização dessas formas de

apropriação não capitalista da natureza costuma ficar invisível frente aos grandes

projetos de “desenvolvimento” que geram poucos empregos, mas em contrapartida, põe

em risco a subsistência de inúmeras pessoas (Acselrad et al., 2009).

4.4. O processo de criação da Resex e suas dificuldades

“O capitalismo contemporâneo não necessita de um regime político totalitário

para exercer sua hegemonia. Mas ele não estaria querendo impor uma ideologia

totalitária, pretendendo explicar todo o ser humano, ao reduzi-lo a um

consumidor e produzir uma sociedade em que tudo lhe é subordinado?” (Leroy,

2010).

Em 1998 ocorre uma viagem de técnicos do Centro Nacional de Populações

Tradicionais (CNPT) IBAMA, pelo litoral de Pernambuco, identificando demandas dos

movimentos sociais para proteção de áreas costeiras onde havia populações tradicionais

(Silveira, 2009). Neste período as primeiras Resex em áreas florestais já haviam sido

criadas na Amazônia há alguns anos e o conceito de Resex Marinhas se fortalecia.

Assim, a criação de Resex apareceu como uma forma interessante para os pescadores de

dar um encaminhamento institucional para os conflitos que aconteciam no litoral

pernambucano. Surgiram então propostas de Resex em Sirinhaém, onde havia

envolvimento da CPT e do CPP, e no Litoral Norte do estado, com atuação do CPP.

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As diversas entidades sociais atuantes em Sirinhaém tentaram através de

denúncias aos órgãos governamentais proteger os direitos dos pescadores locais. Diante

dos recentes acontecimentos na política ambiental com o fortalecimento da proteção aos

povos tradicionais e da possibilidade de criação das Reservas Extrativistas, essas

entidades sociais passaram a discutir com os pescadores essa possibilidade de luta pela

obtenção de seus direitos de acesso ao território e de preservação dos recursos naturais,

os quais são à base de subsistência desses pescadores.

Durante o processo de solicitação da Resex, foi feito um pedido ao GRPU para

que a área em questão voltasse aos domínios da União. E então, devido às denuncias de

poluição ambiental ao estuário de Sirinhaém e pelo fato do regime de aforamento da

Usina Trapiche ter caducado por motivo de não pagamento de alguns foros, sendo tal

dado publicado no D.O. de 26 de julho de 1989 (Página 320 do volume II do processo

de criação da Resex), a GRPU-PE cancelou o aforamento da Usina Trapiche em 2007,

observando também que tratava-se de uma área de interesse público (Anexo VI).

Mas, tal aforamento foi renovado após a Secretaria do Patrimônio da União em

Brasília, instância suprema nesse caso, vinculada ao Ministério do Planejamento, ter

decidido em favor da Usina Trapiche.

Nessa mesma época, já estava em andamento em Pernambuco o processo de

criação da Reserva Extrativista Acaú-Goiana, na divisa entre Pernambuco e Paraíba,

que foi criada em 2007, por uma modificação da proposta inicial de uma Resex da Mata

Norte de Pernambuco. A solicitação da Resex Sirinhaém-Ipojuca pelas entidades dos

pescadores, apoiada pela Comissão Pastoral da Terra, entre outras ONGs foi feita no

inicio de 2006. E ainda no fim desse mesmo ano, os técnicos do IBAMA visitaram a

área e sugeriram que um estudo socioambiental fosse feito na região.

Em 2007, o trabalho em Sirinhaém foi intensificado, após a finalização dos

trabalhos na Resex de Acaú-Goiana. E, ao final do ano de 2007, foi iniciada pelo

IBAMA a elaboração dos estudos para a criação da Resex Sirinhaém-Ipojuca:

“Em abril a gente fez a primeira vistoria, ao estuário.

Inicialmente, conhecer as ilhas, conhecer o rio Sirinhaém, aquela

região, ver como estava o manguezal”.

(Luiz Otávio Corrêa, analista do IBAMA – Entrevista ao autor em

29/10/10).

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Na solicitação da Resex existia também um pedido para a desapropriação dos

Engenhos Anjo e Sibiró que fazem fronteira com o mangue, sendo denominados de

restinga. Pois está área era vista como um espaço para fazer as moradias dos pescadores

e a sede da Reserva. Segundo dados contidos no Processo de criação da Resex, tais

engenhos possuíam cadastro na SPU com conceituação de Marinha (Pag. 64 do

processo nº 02019. 000307/2006-31, IBAMA). No entanto esses engenhos não fizeram

parte da área prescrita pelo IBAMA na demarcação da Resex:

“No processo eles solicitavam a criação da reserva extrativista e

também a desapropriação dos engenhos pra ter as famílias

assentadas.... Mas, desde o inicio a gente deixou claro pra isso,

que já não era mais papel do IBAMA a gente trabalhar com os

engenhos. O papel da gente era ver a reserva extrativista, a área

que eles podiam utilizar.

Algumas partes pegavam área de mangue, mas era... Engenho de

cana de açúcar, não sei se era da usina Trapiche, mas que estava

no entorno daquele manguezal e também estava dentro da área do

aforamento que a usina tem. Aí teria que ser um processo paralelo

com o INCRA...

Então teve um certo debate, uma discussão: porque a gente falou

vai levar em conta o que? A área que eles utilizam, o manguezal ou

a gente vai pensar numa área pra estar de repente.... Então até

onde tem mangue a gente colocou como área da reserva.

Outra discussão foi em relação à questão marinha, se a reserva

sairia para o mar também ou ficaria só dentro do estuário... Até

pelo publico da gente, questão dos moradores das ilhas, eles não

praticarem a pesca de fora, mas pescarem só dentro do manguezal,

e pela resistência do poder municipal e da própria usina, a gente

falou... foi ate um fator de a gente não entrar em área de cana foi

essa, ne... de ser mais fácil...”

(Luiz Otávio Corrêa, analista do IBAMA - Entrevista ao autor em

29/10/10).

Outra dificuldade enfrentada pelos técnicos do IBAMA durante a realização dos

estudos para a criação da reserva foi a divisão do IBAMA com a criação do ICMBio. As

vistorias técnicas em Sirinhaém estavam sendo feitas em abril de 2007 e enquanto o

IBAMA se preparava para dar início ao estudo socioambiental, o ICMBio foi criado em

setembro desse mesmo ano:

“Então esse processo sairia da mão do IBAMA e seria

responsabilidade do ICMBio, que foi criado e não tinha estrutura

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nenhuma aqui ainda. Era mais o pessoal, cada um ligado a sua

diretoria. Cada um ligado a sua Unidade de Conservação, mas

não tinha uma coordenação estadual, regional, nada disso, que era

quem seria responsável por tocar isso. Pois não dá para cada um

sair de sua unidade de conservação pra ir iniciar um processo

desses, né.

Mas, a gente decidiu que como o IBAMA começou, mesmo não

sendo responsabilidade mais, mas como a gente deu inicio a esse

processo a gente vai tocar isso. Só que o grande problema era

isso... O IBAMA não tinha recurso pra fazer esse trabalho e na

época o ICMBio também não tinha como pagar para o IBAMA... a

questão das diárias, tudo que a gente precisava pra fazer esse

trabalho em Sirinhaém. Então atrapalhou nesse sentido porque a

gente começou o trabalho em outubro, primeiro de outubro de

2007 a gente iniciou os estudos e sem recurso nenhum, durante

todo o processo a gente não recebeu nada pra fazer esse trabalho.

A distancia favorecia né, o trabalho até demorou um pouco porque

a gente não tinha como chegar e ficar uma semana em Sirinhaém,

porque a gente não tinha recurso pra estar garantindo a

hospedagem e a alimentação da gente. A gente ia fazer o trabalho

e no fim ou inicio da noite a gente voltava pra Recife, às vezes até

no dia seguinte a gente ia de novo pra Sirinhaém fazer o trabalho e

retornava”.

(Luiz Otávio Corrêa, analista do IBAMA - Entrevista ao autor em

29/10/10).

Durante a definição da área da reserva, o IBAMA decidiu incluir todo o

manguezal que perfaz o estuário do Rio Sirinhaém, mesmo não fazendo parte da

solicitação inicial no pedido de solicitação da Resex, pois não era viável criar uma

reserva apenas para proteger alguns rios e outros não.

“A solicitação foi feita em cima das 17 ilhas e também já pega até

área de Ipojuca, tem algumas ilhas que estão já do lado de

Ipojuca, mas é metade do estuário só. Tem toda aquela parte norte

que esta em Ipojuca, proximo de Serrambi, em toquinho que não

esta na solicitação, mas faz parte do mesmo sistema. Então a gente

viu que não adiantava estar protegendo uma área, estar criando a

reserva pra uma área e deixando a maior parte do estuário lá em

cima sem estar protegido”.

(Luiz Otávio Corrêa, analista do IBAMA - Entrevista ao autor em

29/10/10).

Na definição da área da Resex, ao fim dos estudos, julgou-se necessário incluir

todo o manguezal do estuário do Rio Sirinhaém e grande parte desse mangue localiza-se

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já em Ipojuca, porém devido aos vários contratempos e por já existir o ICMBio, não foi

possível realizar um outro estudo socioambiental em Ipojuca. Mas, como os pescadores

de Ipojuca possuíam características parecidas com os pescadores de Barra de Sirinhaém,

não haveria um grande acréscimo de informações ao estudo já realizado:

“A gente entrou em contato com a colônia de pescadores de Porto

de Galinhas, que a gente já tinha feito contato e pediu que fosse

agendada uma reunião, antes ainda da oitiva, já em 2009 e antes

da consulta publica, pra que a gente entrasse em contato com esse

pessoal de Serrambi que a gente não tinha tido até porque a

decisão de incluir Ipojuca surgiu durante a realização do estudo

ambiental, então o socioeconômico realmente foi focado na área

de Sirinhaém. Mas a gente logo viu que não tinha muita diferença

entre o pescador de Barra de Sirinhaém e o pescador de Serrambi

(Luiz Otávio Corrêa, analista do IBAMA - Entrevista ao autor em

29/10/10).

Mas, alguns fatos dificultaram a realização da reunião do IBAMA em Ipojuca,

pois algumas autuações aos pescadores locais tinham sido feitas recentemente por uma

outra equipe de fiscalização do IBAMA:

“Por causa das invasões de mangue lá em Serrambi, um problema

serio, em 2009 o IBAMA tinha feito uma grande operação lá,

foram mais de 200 famílias autuadas porque estavam morando

realmente dentro do mangue, casa construída lá dentro e foi

justamente nas vésperas que a gente foi fazer esse trabalho em

Serrambi. Então quando a gente chegou lá... até a reunião seria na

associação de moradores de Serrambi, e como o presidente da

associação soube que era uma reunião com o IBAMA, ele nem

deixou a gente entrar lá, “porque se vocês entrarem aqui vão

achar que fui eu que fiz a denuncia das invasões, melhor não fazer

pra não dar problema” e aí a gente foi ate para a casa de um

morador lá de Serrambi e a reunião foi feita lá no terraço com

alguns pescadores de lá. Cerca de 15 a 20 pescadores que faziam

parte da colônia, que é a colônia de Porto de Galinhas e o pessoal

de Serrambi faz parte como uma única colônia. Mas realmente

nessa reunião tinha muita gente de barco de pesca, mas o pessoal

que pesca no mangue de Serrambi justamente foram os que foram

autuados, são os que estão morando lá dentro, então esses ficaram

até com medo... que acharam que era uma reunião pra pegar nome

pra tirar eles de lá”.

(Luiz Otávio Corrêa, analista do IBAMA - Entrevista ao autor em

29/10/10).

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62

O estudo socioambiental foi finalizado em janeiro de 2008 pelo IBAMA e para a

realização do estudo ambiental foi contratada uma consultoria. Os dois estudos foram

enviados à Brasília (DIUSP-ICMBio) na metade do ano de 2008, já com o mapa e o

memorial descritivo da área. Os estudos foram aprovados em Brasília e o próximo passo

seria então marcar a consulta pública.

“A data foi definida (a data da oitiva) e aí ate falamos: vai ter dois

ônibus saindo um de Porto de Galinhas e um de Serrambi,

justamente pra que esse pessoal esteja participando também da

consulta publica. Como a reunião tava marcada pra Sirinhaém

então a gente tinha que ter essa responsabilidade de estar

garantindo o transporte pra esse pessoal estar participando do

processo lá. E aí a audiência publica foi numa sexta e na quinta

feira de manhã foi feita a oitiva lá em Serrambi, lá a gente

apresentou a proposta da criação da unidade pra eles, tiramos as

dúvidas que eles tinham e lembramos que no dia seguinte iam ter

os ônibus levando o pessoal.

Foram três ônibus, como a consulta publica foi na Barra de

Sirinhaém: um saindo do centro de Sirinhaém até a Barra, um

outro saindo de Serrambi ate a Barra e um outro saindo de Porto

de Galinhas, entrando lá em Nossa Senhora do Ó e também indo

pra lá e alem disso uma Kombi do povoado de Santo Amaro lá em

Sirinhaém pra também participar, porque a gente tem algumas

famílias de ex-moradores das ilhas que moram hoje em Santo

Amaro ou pescadores de Santo Amaro que utilizam aquela área,

então outra coisa que a gente tem que levar em conta, alem da

infraestrutura do local, onde vai ser realizada a consulta, também

garantir o transporte pra comunidade tradicional estar

participando”. (Luiz Otávio Corrêa, analista do IBAMA -

Entrevista ao autor em 29/10/10).

A consulta publica ocorreu em 21 de agosto de 2009, aproximadamente um ano

após o processo ter sido enviado à Brasília para ser analisado pela DIUSP (Diretoria de

Uso Sustentável e Populações Tradicionais) do ICMBio. Inicialmente a data da consulta

pública era 15 de junho, mas a pedido do Governo do Estado que alegou não ter sido

consultado, a data foi adiada e remarcada para agosto após a Secretaria Estadual de

Ciência, Tecnologia e Meio Ambiente (SECTMA) ter submetido à votação no Conselho

Estadual de Meio Ambiente (CONSEMA) de uma moção de repúdio ao processo de

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criação da Resex (Apêndices). E, no dia da consulta pública, apesar dos muitos

entraves9, a maioria da população presente se colocou a favor da criação da Resex.

Atualmente o processo para a criação da Resex Sirinhaém-Ipojuca que possui

2.649,13 hectares de área, encontra-se totalmente finalizado e a Resex aguarda tão

somente o seu Decreto para ser definitivamente implantada e dar prosseguimento aos

demais procedimentos.

Este trabalho foi escrito mais de um ano depois da realização da audiência

pública. Segundo técnicos do ICMBio, a proposta de criação da reserva, neste

momento, já foi encaminhada à Casa Civil da Presidência da República, aguardando

aprovação. No ano de 2010 nenhuma nova Reserva Extrativista foi criada no Brasil,

apesar de solicitações surgirem de todas as regiões do Brasil. Um motivo para isto é que

a Casa Civil da Presidência da República passou a adotar como prática consultar as

Casas Civis dos estados sobre a criação de unidades de conservação ambiental federais.

Os governos estaduais, em geral mais preocupados com o desenvolvimento industrial

que com as populações tradicionais, tem se posicionado contrário à criação de Resex.

No caso de Pernambuco, o Governo Estadual tem se posicionado exatamente desta

forma, tanto em relação à Resex Acaú-Goiana, quanto à Resex de Sirinhaém. A

estratégia do Governo Estadual para inviabilizar a Resex tem sido a criação e

implantação de Áreas de Proteção Ambientais estaduais, que não tem como principais

beneficiários os pescadores artesanais. O órgão ambiental estadual (CPRH), tentou dar

início, no segundo semestre de 2010, ao processo de implantação da APA de Sirinhaém,

como estratégia de desmobilizar a criação da Resex. Os representantes dos pescadores

reuniram-se e decidiram não comparecer à reunião marcada pela CPRH, pois estavam

interessados no andamento da Resex.

No mesmo período, o Governo do Estado convidou também o ICMBio para um

debate sobre se as Resex solicitadas deveriam ser federais ou estaduais. Segundo a

representante da superintendência regional do ICMBio, Marisanta Nóbrega informou ao

pesquisador Pedro Silveira, o ICMBio recusou-se a continuar tal debate pelo fato de os

pescadores, solicitantes e principais beneficiários da Resex, não terem sido chamados a

participar desta discussão.

9 A Prefeitura de Sirinhaém contratou ônibus trazendo vários pescadores com faixas que estavam contra a Resex,

mas muitos nem sequer sabiam sobre o que se tratava.

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4.5. Pontos de vista

“É pelo fato de uma ideologia ser dominante que se torna vulnerável.

Paradoxalmente, aquilo que é objeto de idealização é o que mais rapidamente

pode se esfumar, uma vez que é simulacro de um certo desejo coletivo

idealizado, mas permanentemente alimentado, espécie de teatro de sombra que

simula a realidade” (Floriani, 2000, pg.36)

Existe em Sirinhaém a tentativa de desarticular a luta pela implantação da Resex

através do discurso de que tal solicitação não representa o desejo da comunidade

tradicional. No entanto, observa-se que os pescadores já vinham sofrendo com a perda

dos recursos pesqueiros há bastante tempo e os ex-moradores das ilhas eram os

primeiros a terem contato com a poluição oriunda das usinas da região. Percebendo que

de nada adiantava denunciar tal situação, os pescadores reconheceram na proposta da

Resex uma alternativa de preservação ambiental e de estarem construindo um destino

diferente do já traçado para essa população.

No relatório final dos estudos, o IBAMA relata que “a atividade pesqueira

decaiu muito entre o ex-moradores das ilhas, que agora tem que andar cerca de uma

hora e meia para poder ter acesso ao mangue. Diz que à primeira vista, o retorno das

famílias para a região das ilhas, com a oferta de condições básicas de infra-estrutura,

seria a medida mais apropriada para proporcionar o resgate do estilo de vida ao qual

estavam acostumados, além de propiciar os benefícios sociais e econômicos aos quais

tinham acesso. Contudo, se estudos técnicos concluírem que a ocupação humana das

ilhas é incompatível com a sustentabilidade ambiental sugere-se discutir o

assentamento dessas famílias em áreas mais próximas do estuário e espaço disponível

para a realização de atividades complementares, praticadas tradicionalmente pelos ex-

moradores das ilhas”. Há ainda no referido estudo, o relato de que “a crise atual vivida

pelos ex-moradores das ilhas e demais usuários do estuário do rio Sirinhaém é produto

de intervenções equivocadas implantadas na região e de um modelo de conservação

ambiental que excluiu a comunidade usuária dos recursos naturais do estuário da

tomada de decisões e que não atua para o ordenamento da atividade pesqueira,

justificando dessa forma, a criação de uma Unidade de Uso Sustentável da categoria

Reserva Extrativista para a área como forma do poder público contribuir para a gestão

compartilhada com os reais usuários desses espaços protegidos” (IBAMA, 2008 p.

129).

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Além das dificuldades inerentes ao processo de criação da Resex, há ainda

projetos governamentais na área de pesca para os pescadores de Barra de Sirinhaém

(compra de barcos e reconstrução do prédio da colônia de Barra de Sirinhaém) que são

usados como “moeda de troca” para adquirir apoio dos pescadores contra a Resex,

segundo relata Severino Santos do CPP.

As diversas estratégias usadas na tentativa de desarticular a lutas dos pescadores

artesanais têm levado a opiniões distintas entre estes:

“Eu acredito que uma Resex já implementada em nosso município,

a gente vai poder ter o sonho de acabar com a questão da poluição

do rio Sirinhaém através das usinas de cana de açúcar, a partir daí

a gente vai ter uma maior fiscalização, vai ter uma lei na realidade

federal que vai impedir que isso aconteça. É uma das coisas que

mais mexe com pescadores, a comunidade é essas usinas, semana

passada começou a jogar o vinhoto, é muito peixe morto, muito

mesmo” (Flávio Vanderlei da Silva - Pescador de Barra de

Sirinhaém e Presidente da Associação de Pescadores de Sirinhaém

– Entrevista ao autor em 09/10/10).

“Eles (Governo Federal) podia criar, agora joga pra cima de nós,

pra nós brigar com usineiro, com o governo estadual... não era pra

nós brigar com os dois... A gente pequeno pra lutar com os

grandes, coisa que o governo federal tem o poder de fazer.... (João

Francisco da Silva - Pescador da Colônia de Barra de Sirinhaém –

Entrevista ao autor em 10/10/10).

Eu acho que a criação ia trazer beneficio, o principal de todos é

que não ia ser jogado mais esse vinhoto no rio, aí é a chave,

porque não jogando esse vinhoto no rio, o rio ia se recuperar, ia

ter mais peixe, porque o manguezal é o berçário... vem peixe do

mar reproduzir aqui no estuário, então ele ia se reproduzir ia ter

mais peixe, aos poucos ia se recuperando.

O maior impacto que a gente ia ter com Resex ia ser com os

caranguejeiros, mas com as pescadoras mesmo não ia ter muito

impacto porque ela não veve muito pescando aqui, elas já pescam

fora, a gente não ia ter muito impacto, o principal era os

caranguejeiros, mas sendo implantada a Resex e sem poder pegar

o caranguejo nesse período aí a gente ia correr atrás de um seguro

pra eles sobreviver até enquanto pudesse pescar.

(Arlene Maria da Costa - Pescadora da Colônia de Barra de

Sirinhaém – Entrevista ao autor em 08/10/10).

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“Eu creio verdadeiramente que não é viável, porque o que

acontece é isso... A gente já preservamos a própria área, os

próprios pescadores preserva. Aquilo que é cuidado pelo próprio

pescador, ele sabe zelar do que é dele, mas quando passa à uma

administração vindo de cima ele não tá sabendo o que estão

fazendo. De pesca eu entendo, de meio ambiente eu entendo, nasci

na pesca... Desde os 7 anos que saía pra pescar com meu pai. A

gente já trabalha em parceria com a CPRH, com o IBAMA e com

as empresas da região, então pra que mais o ICMBio?

Se Sirinhaém tem uma riqueza dessas de mangue, iam interditar.

Então essa área daqui até lá em cima ia, ninguém poderia pescar

mais. Ia ser tudo desocupado. Nem todo mundo que pesca ia poder

trabalhar... Hoje a gente tem 20% dos pescadores de Santo Amaro

na Associação e 80% não são sócios. Então quando passa a ser

uma área extrativista, só esses 20% passam a ter direito, os outros

tem que sair. O que seria desse povo? Eles não iam poder ir para o

mangue. Ia ter um estatuto, com aquela quantidade de pessoas que

pode pescar e desfrutar daquilo ali e as pessoas que não podem

entrar mais lá dentro.

Não é essa reserva que vai resolver a poluição das industrias, se

nenhum órgão nunca resolveu... Só a área extrativista vai resolver

isso aí? Não, o próprio governo do estado deveria aplicar as leis

nessas usinas pra ser multada. A realidade de Sirinhaem é essa...”

(Sebastião Gaspar, Pescador de Santo Amaro e Presidente da

Associação Mangue Verde – Entrevista ao autor em 28/12/10).

Porem, em geral, ainda falta uma maior participação e mobilização dos

pescadores do próprio município de Sirinhaém, como também de Ipojuca que tiveram

parte de seu município incluído na área da Resex. Mas, como esses pescadores de

Ipojuca atualmente estão mais envolvidos no setor turístico, devido à própria escassez

dos recursos naturais, eles não se vêem motivados a estar fortemente engajados nessa

luta.

A colônia de pescadores de Barra de Sirinhaém congrega apenas cerca de 600

pescadores de um total de aproximadamente 3.700 pescadores que existem no distrito, e

apenas cerca de 50 pessoas possuem o habito de participar das reuniões da colônia. A

estrutura do prédio da colônia está abandonada, necessitando de uma grande reforma. O

atual presidente da colônia foi eleito há pouco tempo, após um longo período (20 anos)

de administração por um único pescador, que saiu da diretoria através de mandato de

segurança devido aos desmandos realizados. A colônia então está em processo de

reogarnização. Barra conta também, com uma associação de pescadores que foi criada

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na antiga gestão da colônia como uma dissidência dos pescadores com o presidente da

mesma (Governo do Estado de Pernambuco e Instituto Oceanário, 2009).

Segundo depoimento de Severino Santos do CPP, a comunidade beneficiada

pela criação da Resex ainda não está amplamente organizada para estar lutando pela

Resex, pois nem todos os pescadores são associados à colônia local e por isso não

participam das reuniões e ficam então desinformados sobre tais questões. Contudo

Severino acredita que este não deveria ser um grande empecilho para a mobilização, já

que existem diversas entidades que atuam na região e então, mesmo que nem todos

sejam associados à colônia, todos participam de algum modo das demais entidades

(igrejas diversas, associações diversas, etc). Mas, como essas entidades não dialogam

entre si, fica difícil um trabalho em conjunto com toda a comunidade beneficiada pela

criação da Resex.

Durante a pesquisa de campo foi possível conversar com várias pessoas e

elencar algumas posições entre os diferentes atores sociais envolvidos nesse conflito:

Os representantes da Usina, ao se oporem a perder uma parte da área aforada

por eles (1.800 hectares de mangue), alegam que os ex-moradores das ilhas

depredavam tal ecossistema e que hoje essa população pode viver em

melhores condições de vida na zona urbana da cidade. E que a Resex é

desnecessária, pois a referida área já é uma área de preservação permanente.

Para a Usina, torna-se conveniente retirar os moradores de seus domínios em

nome de uma perspectiva preservacionista de caráter questionável.

“E nós quando chegamos aqui e sobrevoamos esse mangue de

helicóptero era de fazer pena. Eram 52 ou 53 famílias habitando

dentro desse mangue, destruindo a vegetação. E a gente foi mal

visto em função de que a gente tentou fazer um trabalho de

conscientização do pessoal, pra que tirasse esse pessoal do

mangue pra gente recuperar o mangue. Reflorestamos, e pra gente

era uma atividade nova, que nos custou dinheiro. Teve um custo de

três a quatro vezes mais alto do que nosso reflorestamento

convencional. E nós não medimos esforço pra fazer essa

recuperação.

E o mangue, alem do estrago que estava sendo feito lá dentro, a

condição de vida desse pessoal era... eles moravam em condições

altamente precária, tinham a residência de taipa, sem nenhum

saneamento, onde todas as necessidades fisiológicas eram feitas

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nas portas de suas casas. Então era uma condição terrível,

inclusive na própria cheia que ocorreu, eles ficaram totalmente

ilhados lá dentro, eles iriam morrer se não fosse o salvamento da

usina Trapiche. Que a usina botou lancha e salvou todo mundo,

todo o pessoal lá dentro. Então a gente conseguiu conscientizar

esse pessoal da sua retirada daquela situação precária, pra ter

uma situação de vida melhor fora do mangue.

O ato de pesca, aqueles que queriam retornar, retornavam e a

gente não poderia fazer nada e algumas dessas pessoas que

moravam dentro do mangue passou a ser nossos colaboradores.

Quanto a minha opinião a ser uma RESEX, sou totalmente

contrário, até porque conseguimos a saída do pessoal que habitava

o mangue, com grandes destruições, estamos em fase de

recuperação, já dando outra performance ao ambiente, então,

voltaria de novo a mesma situação de exploração dentro dessa

área. Acho também, como fosse dois pesos e duas medidas, fazer

uma Reserva Extrativista em uma área de APP, é realmente sem

explicação para um órgão ambiental federal”.

(Cauby Figueiredo, Representante da usina Trapiche – Entrevista

ao autor em 28/12/10).

E, atualmente, essa população que habitava nas ilhas, apesar de ter energia

elétrica em suas casas, segundo me relataram, não possui uma “vida melhor fora do

mangue”. O “ato de pesca” não é uma opção, é uma necessidade para aqueles que

sempre foram excluídos dos programas do governo e de outras oportunidades de vida.

Além de ser também, para a grande maioria, um modo de vida, que resiste a ser

usurpado (“aqueles que queriam retornar, retornavam e a gente não podia fazer

nada”) pela vontade daqueles que possuem outra maneira de relacionar-se com o

ambiente.

Os representantes da prefeitura local alegam que a pesca do município é feita

no mar aberto e que não se faz necessário estar criando uma Resex para

proteger um ecossistema já legalmente preservado e que é pouco utilizado

pela população local. E também acreditam que os ex-moradores das ilhas

possuem uma melhor qualidade de vida na área urbana da cidade.

“Quando assumimos a prefeitura, em 2005, tivemos a

oportunidade de constatar as condições sub-humanas em que

viviam as famílias que ainda permaneciam nas ilhas, sem energia

elétrica, água encanada e saneamento básico. Não havia a menor

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condição de eles permanecerem no local, por isso, concordamos

com o processo de negociação entre a usina e os moradores, para

a desocupação das ilhas. Na opinião do entrevistado, o estuário é

utilizado para a subsistência de algumas famílias, por meio da

pesca artesanal, praticada em pequenas embarcações”.

(Entrevistado: Amaro Ricardo – Secretário de Agricultura e pesca,

Indústria, Comércio e Controle Ambiental - Prefeitura de

Sirinhaém, entrevista em 31/03/2008; In: IBAMA, 2008 p. 118).

O atual Secretário de Agricultura, Indústria, Comércio e Controle Ambiental de

Sirinhaém, Luiz de França da Silva Filho, em entrevista dada à Beatriz Mesquita

(Pesquisadora da FUNDAJ) em 17/11/10, também confirmou a posição contraria da

prefeitura quanto à criação da Resex pois, a pesca em Sirinhaém “é toda feita no mar”.

Disse que “a usina Trapiche possui um Dep. De Meio Ambiente e que os filhos dos

pescadores não querem mais pescar, querem trabalhar no turismo e em Suape. E que

as pessoas envolvidas no processo de solicitação da Resex não representam as

comunidades tradicionais”.

Os órgãos contrários à implantação da Resex, ao utilizarem o discurso de que a

população foi induzida a solicitar a reserva extrativista, culpam as entidades que apóiam

os pescadores de estar articulando essas pessoas humildes para não aceitar as decisões

impostas por eles e defendidas como sendo a melhor solução para todos. Verifica-se, no

entanto, que essas entidades buscam esclarecer aos pescadores sobre seus direitos e

tentam ajudá-los a garantir uma escolha mais democrática nas decisões sobre os

problemas existentes na comunidade. Então qual seria o discurso mais legitimo? Quem

tenta impor um modo de vida defendido como “ideal” ou quem tenta saber quais são os

desejos dessas pessoas e a partir daí lhes mostram que existem outras opções de

resistência? Pois o direito à informação e à participação nas decisões governamentais de

políticas públicas é um principio democrático, onde tais decisões devem ser portanto,

discutidas em conjunto.

E assim observa-se esse mesmo discurso no órgão de meio ambiente estadual

sobre a Resex:

“A pesca é um complemento de renda de uma família, não é a

renda única. São “pescadores parciais”, não é um pescador

tradicional do tempo de Caymmi. Está havendo uma distorção.

Não tem mais sentido hoje estar criando reserva extrativista de

estuário que não comporta mais a quantidade de gente que vai

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pegar um suplemento de alimentação, um complemento de renda.

Não é a única renda. Existe uma constatação da CPRH desde 98

que estavam morando nessas ilhas perto de 57 famílias, mas a

maioria não tinha condições de habitação adequada. As ilhas são

estuarinas. Então a salinidade era máxima. A insalubridade de

vida era grande. No começo dessa discussão houve uma tendência

a aumentar o conflito através de denúncias da usina que essas 57

famílias estavam degradando o meio ambiente. No atendimento a

essa denúncia a CPRH foi fazer um relatório na maioria das ilhas.

Depois do relatório, a CPRH se posicionou e disse que não eram

os moradores das 57 famílias que estavam degradando o estuário.

O impacto ambiental de convivência deles com o estuário eram

mínimos e que os mesmos poderiam ser mantidos no local. Agora,

considerando as condições de habitação, era melhor que eles

saíssem dessas ilhas e fossem para junto da área urbana e fossem

para perto dos serviços sociais, de saúde, etc. Então foi a nova

estratégia que a usina utilizou. Negociou com a maioria das

famílias, deu casa ou arrendou. Eles pescavam. Era um misto entre

agricultura (coletores do estuário), pesca interna. Então a pesca,

na sua maioria era um complemento. A maioria tinha uma relação

de trabalho com a usina, a prefeitura... Foi um benefício a retirada

do povo daquelas ilhas. O que está havendo agora, são grupos de

interesse, que não são pescadores que querem criar a Reserva

Extrativista à força. Aquele estuário, hoje, não tem como sustentar

a quantidade de famílias que moram em Barra de Sirinhaém e

Sirinhaém e que são coletoras...”

(Assis Lacerda Lins, técnico da CPRH, entrevista ao Instituto Oceanário em 15/04/09;

In: Governo de Pernambuco e Instituto Oceanário, 2009).

Quanto às distintas posições dos pescadores, observar-se que elas são fruto

da pressão municipal e dos empreendimentos vizinhos, bem como das

grandes dificuldades enfrentadas pelo órgão ambiental federal durante o

início do processo de criação da Resex.

“Os pescadores apóiam, agora tem o seguinte, no inicio tivemos

dificuldade por que a prefeitura se envolveu nessa questão

defendendo os interesses da usina. Um lugar pequeno como o

nosso a questão política é muito forte, entendeu, quem ta no poder

hoje praticamente domina ou manipula as ideias das pessoas. Ai

pra gente combater isso... mas a gente conseguiu devagarinho. O

prefeito joga os cachorrinhos dele na rua fazendo a cabeça do

povo pescador e deu muito trabalho da gente conversar mas a

gente conseguiu. Hoje a maioria ta de acordo, tão apoiando”.

(Flavio Vanderlei da Silva, Pescador e Presidente da Associação

dos Pescadores de Sirinhaém – Entrevista ao autor em 09/10/10).

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O IBAMA começou o estudo para a criação da Resex pela área solicitada pela

CPT (nas ilhas), pois essa entidade via na criação da reserva um meio de dirimir a

grande injustiça sofrida por aquela população. A CPT possui uma antiga luta na defesa

dos direitos humanos e percebendo o modo de vida de intrínseca relação com o

ambiente que possuía os moradores das ilhas, se viram motivados a estar tentando

ajudar a garantir os direitos dessa população tradicional e os recursos naturais presentes

nesse ecossistema através da criação dessa UC.

Percebendo que não adiantava apenas garantir a proteção de metade do estuário

(a região das ilhas), os técnicos do IBAMA propuseram ampliar a área de abrangência

da Resex para proteger toda a área dos recursos naturais que são fonte de subsistência

não só dos ilhéus, como também dos demais pescadores de Sirinhaem que praticam a

pesca em alto mar e também no mangue. Então, o IBAMA começou a fazer reuniões

junto aos pescadores de Barra de Sirinhaém para explicar sobre o projeto de criação da

Resex, pois esses pescadores já sofriam com a poluição e a conseqüente diminuição dos

recursos pesqueiros, mas ainda não haviam se articulado para tentar discutir um meio de

solucionar esses problemas.

“Eles (IBAMA) no inicio da coisa foi só com o pessoal das ilhas,

porque eles viram a luta, a briga com o pessoal das ilhas, a

expulsão do pessoal. Aí iniciaram por eles e depois veio mostrar

a importância do que vinha ser a Resex pra gente aqui”

(Ronaldo J. Santana; Pescador e Presidente da Colônia de Barra

de Sirinhaém – Entrevista ao autor em 10/10/10).

Contudo, no início do processo dos estudos para a criação da Resex, como o

IBAMA foi dividido para ser criado o ICMBio, que seria então o órgão responsável

pelas Unidades de Conservação, muitas dificuldades foram enfrentadas para dar

prosseguimento aos trabalhos. E mesmo já não tendo mais a competência e nem o

recursos necessários para realizar tais estudos, os técnicos do IBAMA se

comprometeram a realizar esse trabalho. Pois na visão dos técnicos do IBAMA, se eles

deixassem para que tal estudo fosse feito pelo ICMBio certamente seria ainda mais

complicado, já que o órgão recém criado não possuía as mínimas condições de

funcionamento e nem funcionários para realizar tal estudo.

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E assim posteriormente, com a estruturação do ICMBio, os procedimentos para a

criação da Resex poderiam ser retomados. Foi nesse processo de transição entre

IBAMA e ICMBio que os estudos da Resex foram feitos. Hoje as condições de

funcionamento do ICMBio ainda deixam bastante a desejar, pois criado às pressas, esse

órgão ainda possui um numero insuficiente de funcionários para atender suas demandas.

Porém, todas as dificuldades do IBAMA para a criação da Resex não são

percebidas por alguns pescadores que foram incluídos posteriormente nas discussões

para a criação da Resex. Mas, observa-se que essa posição de desconfiança é apenas

uma reação normal a tudo que é novo. Pois o ser humano tende a acostumar-se com

uma ideia ou informação aos poucos. E assim, para alguns pescadores de Barra de

Sirinhaém, essa “história” de Resex ainda não foi bem compreendida.

“Eu só fiquei sabendo da proposta (da Resex) quando entrei na

colônia, em outubro de 2007. A gente pensava que ia ser só os

manguezais mesmo (nas ilhas). Eu não imaginava que ia pegar até

a área de Porto de Galinha. A gente começou agora a conversar

com Jorge (Presidente da Colonia de Ipojuca), na audiência

publica. Ate à audiência a gente não tinha se entrosado com Jorge,

nesse processo não.

E a comunidade daqui também não tava sabendo não. Por isso até

hoje a gente fica assim com uma mosca atrás da orelha, porque a

Resex não veio... não foi de baixo pra cima. Veio de cima pra

baixo. Porque quando a gente chegou aqui caiu aquilo de cima pra

baixo, a gente ficou voando, um dizia uma coisa, outro dizia outra.

Uns dizia que era bom, outros dizia que era ruim e lá vai e o

IBAMA vinha fazer reunião, veio Bill, tudinho aí a preocupação é

essa porque não é um negocio que a gente... entendeu?

Ronaldo tinha medo de uma revolta dos pescadores, porque se for

implantada a Resex, os pescadores do mangue, os pescadores de

caranguejo ia ser limitado, ia ter que ter a quantidade de

caranguejo, o tamanho, se ia ser permitido pescar de laço ou não e

tudo isso ia se resolver depois da Resex for criada.

Até hoje a preocupação dele é essa, se os pescadores vão ter que

parar de pescar pra os caranguejo se reproduzir, eles vão viver de

que?

(Pescador da Colônia de Barra de Sirinhaém – Entrevista ao autor

em 08/10/10).

Os pescadores possuem uma grande sabedoria sobre o meio ambiente,

construída ao longo dos anos. E então, para alguns, a presença de pessoas “de fora” para

esclarecer como proteger a natureza nem sempre é vista com bons olhos. Assim, diante

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das circunstancias, provavelmente, se o IBAMA não tivesse se dividido, mas

permanecido trabalhando pela implantação da UC lá em Sirinhaém, hoje a confiança no

órgão ambiental federal poderia seria maior. Até porque esses pescadores são alvo de

constantes iniciativas do órgão ambiental estadual (CPRH) na tentativa de fazê-los

aceitar o projeto da APA de Sirinhaém.

Mas, como o trabalho com as UC passou a ser do ICMBio, e este órgão ainda

não conseguiu se estruturar suficientemente para estar dando continuidade ao processo

de apoio para a criação da Resex, muitos pescadores ainda não estão bem esclarecidos

sobre a Resex. Pois é necessário um certo tempo para que novos conceitos passem a

fazer parte da vida e mentalidade desses pescadores que antes nunca tinham ouvido

falar no “conceito Resex”.

É necessário um trabalho em conjunto entre os pescadores e outras instituições

na busca de apoio, esclarecimento e articulações de novas parcerias na luta por seus

direitos. Um bom exemplo de trabalho em conjunto foi realizado durante o Seminário

de Pesca Artesanal organizado pela Fundação Joaquim Nabuco em agosto de 2010,

onde alguns pescadores locais que participaram puderam trocar experiências com

pescadores de todo o Brasil e obter um maior esclarecimento sobre as UCs.

“Eu vejo a diferença entre uma APA e a Resex porque a APA ta aí

implantada há muito tempo e nada feito, vive parada. Então eu

acho que eles tão correndo agora pra implantar essa APA pra

abafar a Resex, depois que abafar a Resex, a APA vai ficar na

mesma coisa, porque a usina é o braço direito da prefeitura. Então

o que ela quer é isso é abafar a Resex pra continuar do mesmo

jeito que ta, essa APA que eles tão querendo implantar não, que já

ta implantada, que querem colocar ela pra funcionar só pra abafar

a Resex, mas depois que abafar a Resex ela vai ficar do mesmo

jeito que ta. E a gente quer uma Resex federal por que? Porque

federal não é a prefeitura que vai mandar e se for uma reserva

estadual vai ficar na mão da prefeitura, vai ficar a mesma coisa. A

usina vai mandar e desmandar e a prefeitura não vai fazer nada”.

(Pescador da Colônia de Barra de Sirinhaém – Entrevista ao autor

em 08/10/10).

Atualmente já existe uma maior articulação entre as diversas entidades que dão

suporte às lutas dos pescadores locais (CPT, CPP, Colônias, Associações). Mas, essa

união e mobilização devem ser ainda mais fortes para que projetos em conjunto possam

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estar oferecendo um maior esclarecimento sobre o que é uma Resex a toda comunidade

pesqueira de Sirinhaém no intuito de que as decisões possam ser amplamente discutidas,

com o máximo de pessoas possíveis e não haja nenhum mal entendido na construção de

um futuro comum a todos.

“Não depende só unir as colônias, unir só a gente. Tem que unir o

povo todo. Aqui a gente luta pela Resex bem dizer a colônia só,

sem o povo. O povo não se incomoda de nada. Pra você ver o povo

se incomoda de vim pra uma reunião uma vez no mês. Vem aquele

pouquinho de gente. Falta interesse do povo. Porque o povo

também não vem?

Porque ficam colocando coisa na cabeça do povo. Não, porque a

Resex vai ser ruim, porque Suape tá crescendo e Porto não

agüenta mais tanto turista e o povo vai correr pra cá e chegando

aqui não vai poder porque vai ser implantada a Resex. E aí ficam

botando isso na cabeça do povo e então o povo não se incomoda”.

(Pescador da Colônia de Barra de Sirinhaém – Entrevista ao autor

em 08/10/10).

A organização e união em favor de um benefício comum fazem toda a diferença

nessas situações de reivindicações territoriais. Os exemplos bem sucedidos de

mobilizações são inúmeros (M. Almeida e M. Cunha, 2001; A. Almeida, 2008;

Valencio, 2010).

Em todas as situações de conflitos é preciso união e ampla mobilização para que

existam informações disponíveis sobre os riscos e impactos ambientais na busca de

alternativas democráticas de justiça ambiental. Exemplos de resistência, desenvolvidas

através de redes onde articularam-se entidades diversas, podem ser observadas nos

movimentos do norte do estado do Rio de Janeiro e do sul da Bahia (Acselrad et al.,

2009).

4.6. Resex: um benefício para todos ou um entrave ao desenvolvimento?

“O modelo produtivista da sociedade – que concebe a produção e o consumo

como um fim em si – tende a internalizar a entropia, pois concebe a

transformação e o consumo da matéria como algo em si e de maneira ilimitada:

a contingência transforma-se em necessidade e a necessidade em contingência;

o supérfluo toma o lugar da necessidade e vice-versa” (Floriani, 2000).

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Há em Sirinhaém uma busca por legitimar as ações do governo e dos

empreendimentos locais que reproduzem o modelo hegemônico de desenvolvimento da

sociedade que procura expandir o mercado através da aniquilação de formas sociais

não-capitalistas de apropriação da natureza (Acselrad et al., 2009) e que até há pouco

tempo eram invisíveis à sociedade.

Segundo Santos (2009), os atores sociais se utilizam de discursos que são os

instrumentos de suas ações. E então, vê-se configurar no estudo de caso em questão,

alguns discursos que são utilizados como estratégias para desarticular a luta dos

pescadores, são eles: a ideia depreciativa das formas de uso comum da terra; a defesa de

um interesse “global” de conservação ambiental que se contrapõe a ideia da “poluição

legitima”; e a naturalização das desigualdades ambientais.

O discurso depreciativo da pesca artesanal é bastante comum nas falas dos atores

sociais contrários a criação da Resex:

“Às vezes acontece de passar e ver peixe morto que

obrigatoriamente não é de uma poluição. Existe muito o uso por

pescadores de carrapaticida, inseticidas pra que haja a

mortalidade de peixe e então às vezes tem peixe morto e a gente

não vê a poluição de algum resíduo industrial, aí a gente chega à

conclusão, como a gente já viu, de alguns pescadores com barco

jogando esse carrapaticida no rio”.

“Na região das ilhas: o pessoal destruía a vegetação de mangue

plantando lavoura branca, com fruteiras dentro do mangue, jaca,

manga, macaxeira, utilizando madeira pra fazer carvão. Isso foi

um choque grande ambiental pra gente”.

(Cauby Figueiredo, Representante da usina Trapiche – Entrevista

ao autor em 28/12/10).

No estudo Socioeconômico realizado pelo IBAMA (2008) o poder público

municipal afirma que o grande problema ambiental do estuário do rio Sirinhaém é a

extração irregular de madeira que era realizada pelos ex-moradores das ilhas e que

“Nem a prefeitura e nem o IBAMA tinham ou têm condições de fiscalizar de forma

efetiva a região, apenas a usina” (IBAMA, 2008, p. 119).

E assim tentam repassar o discurso de que o pescador, por ter a necessidade de

utilizar os recursos naturais, estaria sendo uma barreira aos processos “globais” de

conservação ambiental. Onde os órgãos estatais e empresariais é que seriam os

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verdadeiros defensores dos interesses “globais’ de conservação da biodiversidade

(Silveira, 2009b).

De acordo com Valencio (2010), a pesca artesanal constitui-se em uma

identidade territorializada pois não se trata apenas de uma atividade produtiva, mas é

também um modo de vida. Contudo, os pescadores de Sirinhaém têm assistido a uma

apropriação de seus territórios em nome da “defesa” do meio ambiente. O conhecimento

ecológico desses pescadores não é reconhecido quanto à contribuição que eles podem

estar realizando para o manejo compartilhado dos recursos naturais (Kalikoski et al.,

2009).

Nas palavras do representante da Usina Trapiche, os pescadores que moravam

nas ilhas estavam destruindo o manguezal desmatando-o e hoje, graças às ações da

Usina Trapiche o manguezal está recuperado. O governo municipal de Sirinhaém

também culpabiliza os ex-moradores da ilhas pelo desmatamento da área. Mas, antigos

moradores relatam que eram pagos pelos antigos donos da usina para produzir carvão

para abastecer as caldeiras.

Porém ao observar a área do estuário de Sirinhaém é fácil comprovar que as

regiões das ilhas, onde os pescadores moravam, sempre estiveram bem conservadas e os

insipientes desmatamentos provocados pelos pescadores não comparam-se ao

desmatamento outrora ocorrido na região com o avanço das plantações de cana que

localizam-se bem próximas ao mangue. Para Acselrad (2004) os conflitos ambientais se

constituem a partir de duas formas: pela desigual posse, uso e controle do meio

ambiente e pela dimensão simbólica onde são estabelecidos distintos sentidos e projetos

que pleiteiam por reconhecimento e legitimidade.

Ao observar o discurso de proteção ambiental, que vai de encontro à política

ambiental internacional, percebe-se que a proteção de um interesse “global” é apenas

uma estratégia para estar garantindo a perpetuação dos interesses de um projeto de

desenvolvimento defendido como sendo a melhor alternativa para a sociedade (Silveira,

2009b).

Segundo Zhouri e Oliveira (2010):

“Essas assimetrias revelam a hegemonia de determinadas

categorias do pensamento que pretendem construir o debate

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ambiental como global, universal e consensual, obscurecendo as

relações de poder que, de fato, existem e promovem o

deslocamento da política para a economia, do debate sobre

direitos para o debate de interesses” (Zhouri e Oliveira, 2010, p.

444).

Há um esforço de relacionar pobreza a depredação ambiental evidenciando uma

percepção discriminatória que desconsidera que os ricos são os principais responsáveis

pela destruição do meio ambiente. E, também, desconsidera que as populações mais

carentes são constantemente excluídas das políticas públicas que deveriam garantir uma

melhor qualidade de vida e a proteção dos meios de subsistência destas (Silva, 2009).

Essa tentativa de desqualificar os povos tradicionais em suas práticas é

observada em diversos trabalhos (Silva, 2009; Zhouri e Oliveira, 2010; Valencio, 2010).

É comum ainda a desqualificação do território através do discurso depreciativo aos

saberes locais e pela valorização da gestão do território pelos atores sociais que

representam a apropriação capitalista da natureza (Zhouri e Oliveira, 2010).

“Trata-se de uma sociopatia na qual a aproximação se torna

apropriação, fechando-se em estratégias absorvedoras,

silenciando o Outro através de critérios contestáveis de verdade”

(Valencio, 2010, p. 222).

Um exemplo bastante claro dessa desqualificação da pesca artesanal em

Sirinhaém é o fato de que para a prefeitura local “a pesca não representa uma atividade

econômica”, segundo depoimento do representante da prefeitura feito à Beatriz

Mesquita (Pesquisadora da FUNDAJ) em 17/11/10.

Mas, na realidade a pesca artesanal é uma atividade produtiva bastante

importante na região, onde os pescadores representam cerca de 25% de toda a

população do município:

“Geral em Barra de Sirinhaém são 3700 pescadores, associados

na colônia hoje são 576, só da Barra e incluindo Ao Ver o Mar

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também. Mas no município geral tem na faixa de 5600 a 6000

pescadores”.

(Ronaldo José de Santana, 47 anos, Pescador e Presidente da Colônia Z-6, Barra de

Sirinhaém – Entrevista ao autor em 10/10/10).

Mas, paradoxalmente ao discurso de “defesa do manguezal” existem discursos

que disseminam a ideia da “poluição legitima” (Acselrad et al., 2009), ao defenderem

projetos de expansão do capital que não possuem um verdadeiro compromisso com o

ambiente social e natural circunvizinho, buscando apenas o lucro desenfreado, visto que

o estuário de Sirinhaém é um alvo freqüente de poluição ambiental e tal fato é bastante

comentado nas falas dos pescadores:

“São umas quatro usinas tudo nesse rio. Ai o aratu ainda resiste

mais porque quando a maré enche o aratu sobe, ele não vive

dentro da água, na maré cheia ele vive trepado nos paus, quando a

maré abaixa é que ele desce pra lama.

O siri acabou-se, quando desce carga mesmo o siri não agüenta,

ele sobe fica querendo subir nas croas, querendo sair da água. Ele

nem consegue viver dentro nem fora da água, porque se ele ta

dentro tem a poluição e se ele ta fora não consegue viver, aí

pronto...”

(Pescador da Colônia de Barra de Sirinhaém – Entrevista ao autor

em 08/10/10).

“agora (no verão) que começou a moagem e é quando a gente tem

o impacto da usina, que é o verão todinho jogando vinhoto no rio.

Já começou a moer. A água da torneira, da Compesa se você

cheirar é uma fedentina só e a gente fica com a pele irritada,

coçando. A água ta carga pura, chega trava na boca... amargando,

a água da compesa é azeda do vinhoto”

(Pescador da Colônia de Barra de Sirinhaém – Entrevista ao autor

em 08/10/10).

“Essa semana desceu uma carga, aí a gente vai pegar o quê? Vai

pegar é nada, nada mesmo. Porque a carga que desceu matou

peixe... época da moagem começa a soltar a calda e a gente não

tem o que lucrar”

(Pescador e ex-morador das ilhas – Entrevista ao autor em

09/10/10).

“Antes tinha muito pescado, hoje tem muito pouco. As pescadoras

de Aratu no verão sai em três kombi daqui pra Recife, pra pescar

aratu lá. Três kombi por semana, duas vezes por semana. Na

segunda, na quarta, na quinta. Aqui tem, mas é muito pouco, muito

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miudinho. Eu mesmo já pesquei muito fora daqui, já pesquei em

Itapissuma, em Itamaracá, em Maria Farinha, Conceição, Abreu e

Lima, Rio Formoso, Alagoas, Atapuz, Paraíba, Pitimbu. Tanto sai

daqui a turma pra pegar aratu como sai a turma pra pegar

caranguejo em Alagoas. E peixe aqui no rio nem se fala. Hoje por

muito pelejar ainda vai ali e pega um peixinho pra comer, mas

daqui a alguns anos não vai ter nem pra comer, porque já foi feita

uma pesquisa aqui e o oxigênio do rio tava zero, eles disseram que

não sabe como tinha peixe ali. Mas vai chegar um ponto que não

vai ter nada nem pra contar historia”

(Pescador da Colônia de Barra de Sirinhaém – Entrevista ao autor

em 08/10/10).

Apesar das constantes poluições ao estuário, nenhum programa consistente e

continuo de monitoramento é feito para tentar encontrar os culpados, já que existem na

região inúmeras usinas. E assim, a prefeitura, segundo depoimentos dos pescadores

locais, se coaduna com os interesses empresariais por entender que estes estão

promovendo o desenvolvimento da região:

“Hoje, a usina ainda promove a degradação ambiental, mas

também existe a preocupação em se preservar a natureza”

(Entrevistado: Amaro Ricardo – Secretário de Agricultura e Pesca, Indústria, Comércio

e Controle Ambiental - Prefeitura de Sirinhaém - Data: 31/03/2008) In: IBAMA, 2008

p. 119.

O discurso da “poluição legitima” muitas vezes se fundamenta na ideia de que o

livre mercado é a solução dos problemas ambientais, na “utopia” de que um bem estar

será alcançado apenas pela ação das forças de mercado. Até porque o risco

socioambiental atinge mais diretamente, na maioria das vezes, às populações mais

carentes e que não possuem expressão política. E assim, o capitalismo impõe-se como

uma regra que aprisiona os indivíduos na “alternativa” de conviver com a destruição

ambiental para poder obter uma promessa de emprego, pois a globalização tem

promovido o aumento de empreendimentos que na busca do lucro a qualquer custo,

utilizam a “chantagem locacional” nos seus investimentos (Acselrad et al., 2009).

“Fazendo uso de sua enorme liberdade de se localizar e

deslocalizar, as grandes corporações procuram, de um só golpe,

desmontar o aparato regulatório social, urbano e ambiental, e

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enfraquecer as resistências dos movimentos sociais” (Acselrad et

al., 2009, p. 137).

Os conflitos ambientais ao adquirirem dimensões simbólicas distintas, refletem,

geralmente, a tentativa de deslegitimação das lutas dos pescadores que segundo

Foucault (2001), é o processo de interdição ao discurso promovido pelas categorias

dominantes da sociedade. Há um esforço em negar a existência das mobilizações locais

na tentativa de tornar invisível o conflito (Zhouri & Oliveira, 2010). E uma estratégia

bastante utilizada é a da naturalização das desigualdades ambientais, ou seja, todos estão

igualmente sujeitos aos efeitos nocivos da poluição pois a crise ambiental é um

fenômeno global (Acselrad et al., 2009).

Segundo Silveira (2009b) os diferentes projetos de sociedade defendidos pelos

distintos atores sociais dão origem a conflitos. Valencio (2010) afirma que tais conflitos

muitas vezes são dissimulados, e relata a existência de três hipocrisias que fazem parte

da dissimulação dos conflitos ambientais: “a ocultação da instrumentalidade da ciência

aos interesses de grupos mais capitalizados que alimentam os laboratórios acadêmicos;

a confiança das soluções de harmonia social conduzidas pelos winners da modernidade;

e, por fim, a naturalização da assimetria de poder em que são colocados os povos

tradicionais”.

Percebe-se então um duvidoso discurso de proteção ambiental que possui uma

visão contraria a criação da Resex por considerá-la um entrave ao desenvolvimento da

região, ao mesmo tempo em que se colocam os pescadores artesanais como vítimas do

seu destino, representantes do atraso e culpados pela degradação ambiental. Segundo

Abramovay apud Acselrad et al (2009), as empresas passam por um processo de

“ambientalização” a fim de tentar responder às aspirações sociais, mas que tal estratégia

apenas é um meio de desarmar tais demandas.

“Se você olhar tá tudo fechado, você dá uma volta hoje e o

pessoal sabe da área ambiental, diz assim: o mangue da usina

Trapiche é um dos mangues mais bem conservados, é um mangue

que foi recuperado graças a usina Trapiche. Se não fosse a usina

Trapiche esse mangue não estaria desse jeito. A gente tem um

reflorestamento total na empresa de, em torno, mais ou menos de

uns 400 ha e tem um plano de reflorestamento de 15 a 30 ha por

ano. Todo ano a gente tá reflorestando de 15 a 30 ha, tudo de

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recurso próprio, de incentivo próprio e tudo de iniciativa própria”

(Cauby Figueiredo, Representante da Usina Trapiche – Entrevista

ao autor em 28/12/10).

Esse processo de “ambientalização” é resultante da utilização da questão

ambiental como instrumento para as distintas reivindicações. A interiorização do

discurso ambiental se dá pela institucionalização dos conflitos, que adquirem uma nova

fonte de legitimidade, argumentação e práticas (Lopes, 2006). As reivindicações das

populações tradicionais surgem a partir do momento em que essas populações antes

“invisíveis” passam a ter seus territórios cobiçados pela expansão do capital.

Mas os pescadores não lutam por uma “fixidez dos lugares” (Zhouri e Oliveira,

2010) pois essas comunidades não estão voltadas ao passado, mas estão em permanente

processo evolutivo buscando adaptar-se às mudanças, mas sem distanciar-se de seus

valores culturais (Leroy, 2010). E assim, os agentes da modernidade, ao tentar livrar o

povo do atraso, almejam “salvá-lo dele próprio” (Valencio, 2010).

Segundo depoimento de frei Sinésio Araújo, da CPT, “a preocupação maior não

está no fato dos pescadores voltarem ou não a morar nas ilhas, mas que eles possam

gerir a área aonde há muito tempo eles teriam residido”.

E assim os pescadores, ao defenderem um projeto alternativo frente à sujeição

aos projetos hegemônicos do capital, buscam tão somente obter a capacidade de definir

a própria existência e projetos futuros. Não estarão alheios ou imóveis diante das

transformações sociais, apenas não reiteram os projetos impostos pelo Estado e pelos

empreendimentos privados (Zhouri e Oliveira ,2010).

Segundo o Diagnóstico Socioambiental do Litoral Sul (CPRH, 1999), o Rio

Sirinhaém possui em sua bacia algumas cidades e indústrias de médio e grande porte,

tais como: as fábricas Capri e Faco (em Ribeirão), a destilaria Amaraji (em Amaraji), as

usinas Pedrosa (em Cortês), Estreliana (em Ribeirão), Cucaú (em Rio Formoso) e

Trapiche (em Sirinhaém), por isso recebe uma carga elevada de efluentes (domésticos e

industriais).

Do mesmo modo que o governo defende a criação de oportunidades de

empregos “para todos”, com a implantação de diversas empresas, que no fundo apenas

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possuem compromissos com seus lucros10

, os pescadores também defendem seus

direitos de terem um meio ambiente que possa garantir a perpetuação de um modo de

vida escolhidos por eles como opção de trabalho ou vice-versa.

Segundo Ramalho (2004) o trabalho na pesca artesanal é algo intrínseco e

subjetivo, é uma arte onde a produção adquire um aspecto material e imaterial, que tem

um componente estético em sua razão de existência. Pois o belo está justamente na

liberdade de observar o potencial da natureza e ter a habilidade necessária para viver do

mar sem ser subordinado às únicas opções de trabalho existentes na região (Ramalho,

2010).

Portanto, esses grupos sociais reivindicam do Estado a compreensão de que a

questão ambiental não representa verdadeiramente um entrave ao desenvolvimento, mas

que apenas lutam contra a inviabilização de sua permanência em territórios

fundamentais à sua identidade na busca de um modelo de desenvolvimento mais

inclusivo e democrático (Acselrad et al., 2009).

4.7. O conflito socioambiental frente ao contexto histórico, político e econômico de

PE

“Refletir e agir no campo do estudo dos conflitos ambientais é, para o

pesquisador, entrar na luta política por uma outra sociedade. De quebra, numa

época em que a ciência se vende com tanta facilidade, tal atitude pode ajudar a

resgatar o lugar autônomo da ciência e do cientista” (Leroy, 2010).

Para relatar o conflito socioambiental existente em Sirinhaém de uma maneira

mais ampla na busca de, como já mencionado anteriormente, tentar enxergar esse

“paquiderme” por inteiro, se faz necessário refletir sobre a trama de interesses que

envolvem tal questão.

Através dos discursos proferidos pelos distintos atores sociais presentes nesta

pesquisa é possível perceber uma oposição marcante entre os que estão mobilizados

pela visão dominante de apropriação do meio ambiente em nome do progresso e os que

lutam pela afirmação de seus direitos, buscando a manutenção de seus modos de vida e

territórios (Acselrad et al., 2009).

10

Como a fábrica da Philips que na véspera do Natal desempregou 500 trabalhadores em PE na busca de mão de obra

barata na China, depois de 43 anos de atividade na região (Notícia veiculada em 8/12/10 nos jornais em circulação).

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A partir da análise dos diferentes discursos em pauta chega-se a conclusão de

que a questão política é de fato o que existe de mais importante nesse conflito

socioambiental, pois os históricos das ações em prol do meio ambiente deixam a

desejar, apesar do esforço governamental e empresarial em fazer da proteção ambiental

uma bandeira de luta. Nos relatos dos pescadores é possível observar que enquanto o

avanço da cana provoca um desmatamento crescente sem que nada seja feito, o mesmo

não acontece se algum pescador for pego com alguns pedaços de madeira retirada do

mangue. O que caracteriza a prática da fiscalização para as minorias, relatada por

Valencio (2010).

Segundo Severino Santos (CPP) a concretização da Resex hoje, depende mais de

articulações políticas do que articulação e mobilização social, pois com a expansão do

pólo de Suape muitas empresas irão se instalar na região e o governo têm receio de que

a área de amortecimento da Resex possa atrapalhar algum investimento:

“Até para um empreendimento na área de entorno de uma reserva

extrativista é preciso a autorização do comitê gestor da unidade de

conservação. Isso deixa o governo estadual engessado”, alega

Aristides, titular da Secretaria de Ciência, Tecnologia e Meio

Ambiente (Sectma).

(Ciência & Meio Ambiente: questionada reserva extrativista

federal, Jornal do Comercio de 5 de Junho de 2009).

Os pescadores temem que o governo atrapalhe o processo de

criação da Resex. “O governador não pode dar as costas para nós.

Ele carrega no nome uma história de luta em favor do homem do

campo”, alega o presidente da Associação dos Pescadores de

Barra de Sirinhaém, Flávio Wanderley da Silva.

(Ciência & Meio Ambiente: Associação questiona reserva, Jornal

do Comercio de 6 de junho de 2009).

Para alguns pescadores a interferência do governo estadual frente à autonomia

do ICMBio/IBAMA é um fato que tem desanimado as lutas:

“Quando a gente teve no seminário da pesca artesanal na

Fundação aí eu fiquei assim, porque teve um momento que Éricka

disse, que era do Chico Mendes, que agora mesmo pra ser

implantado uma reserva federal vai ter que ter a aprovação do

governo do estado, entendeu, aí vai ficando mais dificil.... o que vai

acontecer é isso é ficando do jeito que ta, o pescador hoje

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procurando... Suape tá aí... e tudo procurando serviço fora. Hoje

tem muitos barcos, tem até o do meu marido encostado na beira do

porto, bom, mas não ta indo pescar porque não tem pescador. O

pescador vai pescar só o que pega dá mal pra comer, aí vai

procurar outro serviço, tem muitos mesmo, não é pouco não o

numero de pescadores que já pularam fora, já abandonaram a

pesca e tão como servente de pedreiro, é Suape, fazendo outras

coisas. Se essa resex não for implantada o que vai acontecer é isso,

vai acabar a pesca artesanal, aqui vai.... Aqui vai... a situação ta

ficando seria mesmo. Aqui já teve audiência publica, todo o estudo

ta favorável pra ser implantada a resex e essa resex não sai, sabe...

é muita pedra no caminho.

(Pescador da Colônia de Barra de Sirinhaém – Entrevista ao autor

em 08/10/10).

As dificuldades são muitas até porque a região possui uma antiga tradição na

produção de cana através de diversas usinas. A usina Trapiche, uma das mais antigas,

foi fundada em 1887 e possui atualmente 38 mil e 800 hectares de área. E grande parte

da população de Sirinhaém que não possui a pesca como atividade produtiva depende

da industria canavieira para sobreviver.

Na opinião do analista ambiental do IBAMA Luiz Otávio Corrêa, que coordenou

a elaboração dos estudos técnicos que fundamentaram a criação da Resex:

A finalidade é proteger o manguezal e garantir o ordenamento

pesqueiro. “A Resex de Sirinhaém oferecerá oportunidades para

que pescadores artesanais da região, abandonados pelos poderes

públicos municipal, estadual e federal, ganhem uma última chance

de sustentar suas famílias com a atividade que herdaram de seus

pais e avós, sem degradar o meio ambiente.” Para Corrêa, a Resex

é uma solução para os problemas ambientais e sociais da região.

“Se algo não for feito por eles, em pouco tempo a Barra de

Sirinhaém se transformará em uma comunidade ocupada por

milhares de desempregados que terão apenas a escolha entre a

marginalidade e o corte da cana”, prevê.

(Ciência & Meio Ambiente: Chico Mendes adia criação de reserva,

Jornal do Comercio de 10 de junho de 2009).

Em 2009, ainda antes da audiência pública, a Usina Trapiche enviou ao ICMBio

um parecer técnico onde há uma avaliação do processo de criação da Resex e

recomendações para a área. Esse parecer foi contratado ao Prof. Ricardo Braga, da

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UFPE e ex-presidente da CPRH. No documento existem criticas ao estudo feito pelo

IBAMA por não contemplar alguns tópicos:

Estudo sobre a compatibilidade com programas e projetos governamentais

de amplitude regional, em execução ou planejados.

Estudo sobre potencialidades econômicas e sociais de uso da área, que sejam

compatíveis com as atividades do entorno, permitindo a inserção da UC em

uma política de desenvolvimento regional do litoral sul.

Nesse parecer técnico há ainda “a recomendação de que a UC mais adequada à

vocação da área é uma RDS estadual, uma vez que há outros usos presentes na região,

que não apenas o extrativismo, que devem ser compatibilizados com o mesmo. Pois

uma RDS permite um uso mais elástico e que a área circundante da Resex (zona de

amortecimento) seria cerca de duas vezes mais ampla do que a própria UC, sendo

portanto uma área pequena para ser Federal. Como também as atividades que possam

afetar a biota num raio de 10km do perímetro da Resex, devem ser licenciadas pelo

Governo Federal o que dificulta a governabilidade dos estados e municípios, pois a

criação de UCs Federais na zona da mata e no litoral sul de Pernambuco, significa a

presença intervencionista do governo central sobre pequenas áreas de interesse local e

suas vizinhanças. Que essas Resex são criadas à revelia do governo estadual, como

aconteceu em 2007 (Resex Acaú-Goiana), onde o Decreto atropelou o Conselho

Estadual de Meio Ambiente, que discutia formalmente o assunto. E por isso, o governo

estadual deve estar em alerta para esse processo, pois a omissão gerou o fato

consumado em 2007” (Processo nº02019.000307/2006-31, vol. VI, pg. 1028, IBAMA).

Logo, o que se vê é que o discurso de “proteção ambiental” é apenas uma forma

de tentar disfarçar o real interesse para o estuário do Rio Sirinhaém, que é transformar a

área em um canteiro de obras turísticas e industriais. Onde os pescadores seriam cada

vez mais empurrados para a periferia da cidade e incentivados a estar abandonando a

tradicional arte da pesca para se adequar aos planos do “progresso”, ou seja, servindo

apenas como mão de obra para o enriquecimento de poucos.

A origem do município de Sirinhaém, segundo o Diagnostico Socioambiental do

Litoral Sul (CPRH, 1999) foi a partir da ocupação dos portos fluviais localizados em

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fundo de estuário, nos pontos onde os rios deixavam de ser navegáveis, que

desempenharam importante papel no escoamento do açúcar produzido. Mas com a

chegada das ferrovias, essas povoações foram altamente impactadas e algumas caíram

na invisibilidade, como os ex-moradores das ilhas. Enquanto os núcleos litorâneos,

menos dependentes da economia açucareira, como em Barra de Sirinhaém,continuaram

a ter seu crescimento dependente da pesca.

A aceleração do processo de expansão urbana da área, a partir

dos anos setenta, tem como fatores principais a expulsão, em

massa, de população da zona rural canavieira em decorrência da

implantação do PROÁLCOOL (1975) e a “descoberta” das praias

do Litoral Sul como opção de veraneio e lazer de fim de semana,

da classe média e média alta do núcleo metropolitano e dos

centros urbanos de porte médio, em fuga das praias de Recife e

municípios vizinhos já, naquela década, submetidas a acelerado

processo de adensamento populacional.

No primeiro caso, a população expulsa do campo passa a

aglomerar-se na periferia das cidades, em encostas com altas

declividades, manguezais, alagados e outras áreas impróprias

para assentamentos humanos, intensificando a proliferação de

bolsões de pobreza e seus desdobramentos sociais - mendicância

infantil, prostituição e violência, entre outros problemas que

afligem os núcleos urbanos da área.

(Diagnostico Socioambiental do Litoral Sul, CPRH, 1999 p. 25).

Tal fato é também explicado por Assis Lacerda, Pesquisador/Técnico da CPRH:

“Na verdade o conflito fundiário das ilhas passa-se por décadas.

Era uma área da União, existiu o aforamento por parte da usina,

mas eles não se incomodavam com os moradores antigos, inclusive

a maioria trabalhava também na usina. Só que houve a mudança

de dono e o novo proprietário começou a redefinir o uso do solo

dos engenhos, começando a trazer para os engenhos principais ou

para os povoados de Santo Amaro, Barra de Sirinhaém e

Sirinhaém. A intenção era de concentrar mais as populações que

estavam espalhadas pelo engenho. Ele usou a mesma estratégia

para as ilhas”.

(Assis Lacerda Lins, técnico da CPRH, entrevista ao Instituto

Oceanário em 15/04/09; In: Governo de Pernambuco e Instituto

Oceanário, 2009).

Segundo Moraes (1999), os portos de fato geraram zonas de adensamento em

seus entornos durante a ocupação da zona costeira brasileira. Este povoamento pontual

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originou as populações litorâneas tradicionais ainda existentes em diversos locais do

litoral brasileiro e com a expansão da rede ferroviária, as produções passaram a escoar

mais ao interior. Para Moraes (1999, p.36):

O caráter básico da estrutura territorial brasileira não reside

numa vocação litorânea. O desenvolvimento de um conjunto

expressivo de cidades-portos antes expressa a dependência

estrutural do país na divisão do trabalho, desenhando no espaço o

fato de o Brasil fundamentalmente produzir para um mercado

externo.

Logo, percebe-se que o contexto histórico, político e econômico de uma área

sempre estiveram ligados às industria da região. Segundo L. Cunha (2004): “A política

é tomada, então, em termos das relações de poder que moldam e integram todas as

interações humanas, caracterizadas por confrontação e negociação, e influenciadas

por sentidos simbólicos e discursivos”.

No entanto as questões ambientais ainda carecem de uma análise de luta social e

política, pois apesar das políticas públicas ambientais já existentes, há ainda um

isolamento entre o “setor ambiental” e os demais setores do governo, onde a questão

ambiental é exercida de maneira fragmentada e sempre deixada em segundo plano

(Acselrad et al., 2009).

Para Valencio (2010), as fragmentações das instituições ambientais levam à

desarticulação das mobilizações sociais. Na pesca artesanal, por exemplo, existem

demandas que são de competência do MPA e outras do MMA, havendo pouca interação

entre esses órgãos. Além dos distintos níveis de poder dos órgãos ambientais (federal,

estadual e municipal) geralmente resultarem em conflitos, entre os demais órgãos

governamentais vê-se que cada um prioriza apenas o seu âmbito de atuação.

De acordo com L. Cunha (2004), para a ecologia política os recursos ambientais

não são dados, mas construídos e por isso a mudança ambiental é vista como um

processo político, onde os conflitos socioambientais são decorrentes dessa construção

ambiental ao longo da história.

Dessa forma, a partir dos conflitos socioambientais decorrem processos de

transformações sociais que podem ser observadas no nível individual (subjetivo), onde

as pessoas incorporam determinados discursos uteis às suas reivindicações através da

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identificação de seus hábitos e costumes em alguma categoria especifica que é protegida

legalmente (Santos, 2009; Acselrad et al., 2009).

Os pescadores artesanais de Sirinhaém, que antes tinham uma grande quantidade

de pescados, percebem que hoje suas práticas produtivas e seus modos de vida estão

ameaçados de desaparecer. E então, percebendo-se como uma minoria frente ao projeto

de desenvolvimento do Estado, passaram a se reconhecer como uma população

tradicional e buscam na implantação da Resex uma esperança de continuar a ter voz e

vez nesse jogo de poder.

“O estabelecimento de valores econômicos exige a desvalorização

de todas as outras formas de vida social. Essa desvalorização

transforma em um passe de mágica, habilidades em carências,

bens públicos em recursos, homens e mulheres em trabalho que se

compra e vende como um bem qualquer, tradições em fardo,

sabedoria em ignorância, autonomia em dependência (Esteva,

1992, p.18).

Esse exemplo de luta, além de tentar proteger o ambiente natural e social ali

representado, traz uma discussão: se quisermos um meio ambiente conservado, temos

que também conservar as populações tradicionais que são as principais guardiãs desses

recursos naturais.

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CONCLUSÃO

“A negação das especificidades culturais de qualquer povo equivale à negação

de sua dignidade” (Alpha Ouma Konaré; apud Cuéllar, 1997, p.69).

Relatou-se neste trabalho como se configura um campo conflitivo no estuário do

rio Sirinhaém, que se liga à luta de pescadores artesanais para permanecerem em seu

território, em que estão envolvidas perspectivas diversas de progresso, qualidade de

vida e proteção ambiental. Neste campo estão presentes entidades que agem em defesa

dos pescadores e dos direitos humanos, empreendimentos sucroalcooleiros em

transformação, choques entre poderes municipais, estaduais e federais e distintos

projetos de futuro para o território em questão.

Nesse contexto, existe em Sirinhaém uma discussão para se garantir distintas

reivindicações com a criação da Resex, a partir da inclusão dessa população nas

decisões à cerca das políticas ambientais do governo. Hoje, as dificuldades enfrentadas

pelos pescadores de Barra de Sirinhaém são ainda diferentes das dificuldades

enfrentadas pelos ex-moradores das ilhas, pois estes últimos já tiveram descaracterizado

os seus modos de vida. Mas devido à expansão dos projetos industriais e turísticos sobre

o litoral sul, provavelmente os pescadores de Barra de Sirinhaém terão esse mesmo

destino, caso não se mobilizem em conjunto aos demais pescadores da região na

construção de uma luta comum. Nesse conflito de interesses diversos, a criação da

Resex se configura como um instrumento de luta, mas certamente não será o único

responsável por garantir a manutenção e a valorização da pesca artesanal nesse

município.

Segundo Moré apud Ernandorena (2003) “o antagonismo não é destrutivo em si,

nem bom em si, mas pode ser entendido como um elemento da evolução, e mais, um dos

elementos da própria vida. Portanto, os antagonismos são parte integral do meio onde

nascemos, nos criamos e morremos; de forma que não podem ser extirpados, já que

fazem parte de nossos sistemas de interação”. Na cultura chinesa a palavra conflito é

composta por dois sinais superpostos: um quer dizer perigo e o outro, oportunidade.

Há no conflito socioambiental de Sirinhaém duas possíveis situações: o perigo

de permanecer nesse impasse ou a oportunidade de considerar as distintas opções e

abrir-se a ocasiões que permitirão novas relações entre os indivíduos na finalidade de

inventar meios de solucionar os problemas cotidianos.

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É importante que a comunidade de pescadores se articule para demonstrar aos

demais atores sociais desse conflito que possuem conhecimento de seus direitos e que

exijam respeito às suas reivindicações. É importante se construir redes locais e

nacionais no intuito de fortalecer a luta com diferentes instituições de apoio aos povos

tradicionais na busca de garantir um meio ambiente justo e socialmente democrático.

O caminho para se garantir espaço, em qualquer conflito, requer união entre toda

a comunidade pesqueira beneficiada pela Resex, para que seja discutido uma melhor

maneira de estar decidindo as soluções viáveis para a construção de um futuro mais

justo a todos, pois apesar dos discursos no intuito de desarticular a Resex, é possível

demonstrar à sociedade que os pescadores artesanais também querem se constituir como

sujeitos de seus ambientes. Esse conflito socioambiental pode se configurar em uma

oportunidade de estabelecer novas parcerias, obter novos conhecimentos, fortalecer a

tradição da pesca artesanal e garantir um litoral ambientalmente sustentável para as

futuras gerações. Pode ser também uma oportunidade de lutar para que o discurso

dominante de progresso não ocorra livremente, sendo portanto uma oportunidade de

construção de uma capacidade critica para se defender das injustiças ambientais, para

opor à lógica do interesse uma cultura de direitos. Pois enquanto os males ambientais

puderem ser transferidos para os mais pobres, a pressão geral sobre o meio ambiente

não cessará (Acselrad et al., 2009).

Assim é necessário também compreender melhor como as distintas visões sobre

o meio ambiente são construídas e interpretadas pelos diferentes atores sociais para que

seja possível estabelecer diálogos mais eficazes na tentativa de proporcionar uma visão

mais ampla dos conflitos socioambientais, ou seja, talvez essa seja uma oportunidade de

proporcionar uma transformação na maneira de agir e pensar, pois como já disse

Saramago, “a necessidade mais urgente é discutir a democracia, que está por aí feito

santa de altar, de quem não se esperam mais milagres”.

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ANEXOS

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APÊNDICES

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99

APÊNDICE 1.

Quadro 1: Cronologia dos documentos para a criação da Resex Sirinhaém-

Ipojuca.

Origem/Destino Data Objetivos Argumentos

Antes do Pedido

CPP/SPU Mar/98 Desapropriação das ilhas

Denuncia de débitos nos foros e poluição

CPP/Governo Jun/98 Criação de uma APA na área das ilhas

Declaração de interesse social

ZEEC Dez/99 Avaliar e orientar o uso e ocupação do solo

Orientar o processo de desenvolvimento do litoral sul

Usina Trapiche/TJ Jun/01 Processo de reintegração de posse das ilhas

Desocupar as ilhas estuarinas

Usina Trapiche/TJ Ago/04 Ação de Interdito Proibitório contra Nazareth Santos

Impedir novas construções na ilha Constantino

CPT/IBAMA Mar/06 Desapropriação das 17 ilhas e criação de uma Resex

Proteger o estuário e os pescadores

CPT/IBAMA Abr/06 Realização de um estudo sócio- ambiental na área

Iniciar o processo de implantação da Resex

Terra de Direitos/IBAMA Abr/06 Cassação do título de aforamento na GRPU

Poluição do rio e plantações ilegais na área

Usina Trapiche/TJ Set/06 Ação de Interdito é transformada em Ação de Reintegração de posse

Retirar as irmãs Nazareth e Graça da ilha Constantino

Pedido

CPT/IBAMA Abr/06 Pedido formal de implantação da Resex

Resolução do conflito pelo uso e acesso ao estuário

Após o Pedido

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IBAMA Out/06 Parecer técnico de visita à Sirinhaém ocorrida em set/06

Sugerir a realização de um estudo na área

GRPU/Usina Trapiche Jan/07 Cancelamento do Aforamento da Usina Trapiche

Reaver as Terras da União

Usina Trapiche/GRPU Jan/07 Recurso da Usina Trapiche

Suspender o ato de cancelamento do aforamento

GRPU/Usina Trapiche Mar/07 Deferimento do pedido de efeito suspensivo do ato

Suspender o cancelamento do aforamento

IBAMA Abr/07 Vistoria de campo para reconhecer a área

Verificar o estado do estuário e conversar com os pescadores

IBAMA Mai/07 Avaliação técnica do estuário do rio Sirinhaém

A área possui os atributos para a definição de uma UC

Terra de Direitos/IBAMA Jul/07 Denuncia de prisões ilegais de duas pescadoras

Denuncia de suposto desmatamento de Mata Atlântica

Governo do Estado Out/07 Moção de descontentamento

Tornar público que não apóia a implantação da Resex

IBAMA Out/07 a Jan/08 Elaboração dos estudos técnicos para a criação da Resex

Procedimentos formais para a implantação da Resex

IBAMA/DIUSP-ICMBio Jun/08 Envio dos estudos da Resex para Brasília

Dar continuidade ao processo de criação da Resex

SPU Dez/08 Certidão Negativa de Débitos Patrimoniais

Provar que a Usina Trapiche não possui foros em débito

DIUSP(ICMBio) Dez/08 Aprovação dos estudos feitos pelo IBAMA

Constatação da relevância da criação da Resex

ICMBio Mar/09 Reunião com os ilhéus feita pelo ICMBio

Esclarecer sobre os demais passos para a criação da Resex

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Usina Trapiche/ICMBio Mai/09 Parecer técnico contratado pela Usina Trapiche

Solicitar novas informações aos estudos (IBAMA) já aprovados

ICMBio Jun/09 Convite para a Consulta Pública a ser realizada no dia 15/06 em Sirinhaém

Ouvir as opiniões sobre a criação da Resex e dar prosseguimento ao processo

Governo do Estado (SECTMA) Jun/09 Moção de Repudio à criação da Resex

Tentar cancelar o processo de criação da Resex

ICMBio Jun/09 Adiamento da Consulta Pública

Escolher um local mais adequado para a reunião.

Consulta Pública em Sirinhaém Ago/09 Ouvir as opiniões sobre a criação da Resex

Procedimento formal para a criação da Resex

* Fonte: Processo nº 02019.000307/2006-31, IBAMA.

*Em Nov/2010 foram retiradas as duas últimas famílias que ainda moravam nas ilhas estuarinas de

Sirinhaém.

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102

APÊNDICE 2: Figura 9.