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UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA JLIO DE MESQUITA FILHO

Faculdade de Cincias Campus de Bauru

JULIA PERUCCHETTI GALLEGO

A UTILIZAO DOS JOGOS COMO RECURSO DIDTICO NO ENSINO-APRENDIZAGEM DA MATEMTICA

BAURU 2007

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UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA JLIO DE MESQUITA FILHO

Faculdade de Cincias Campus de Bauru

JULIA PERUCCHETTI GALLEGO

A UTILIZAO DOS JOGOS COMO RECURSO DIDTICO NO ENSINO-APRENDIZAGEM DA MATEMTICA

Trabalho apresentado como exigncia parcial para a Concluso do Curso de Pedagogia da Faculdade de Cincias UNESP campus de Bauru sob a orientao do Prof. Dr. Nelson Antnio Pirola.

BAURU 2007

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Aos meus pais, maiores mestres do viver, Pelo exemplo de coragem, simplicidade e persistncia em suas metas.

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Agradecimentos Agradeo a toda a minha famlia, e, em especial aos meus pais, por me mostrarem o valor de uma conquista, do conhecimento e do amor, sempre me incentivando a crescer. Ao meu companheiro, amigo e namorado, pelo apoio, insistncia e pela torcida. Aos meus amigos, por sempre confiarem em mim. Ao meu professor e orientador, pela sabedoria, pacincia e estmulo na realizao da pesquisa. Aos membros da banca examinadora, pela assistncia, disposio e contribuies. professora orientadora da interveno, Rita Zuquieri pela fora e compreenso da nossa ausncia nas aulas da disciplina. Em especial, aos sujeitos dessa pesquisa, Di, Dan, Ana, Ka e Du, por termos nos divertido bastante. Lu, Megara, Su, Isa, Hegli, Hel e minha irm, Carolina, por me ensinarem a jogar um jogo novo, inesquecvel... conviver com vocs!

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Aqueles que passam por ns, no vo ss, no nos deixam ss, Deixam um pouco de si, Levam um pouco de ns.Antoine de Saint-Exupery

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RESUMOOs objetivos da presente pesquisa consistiram em verificar em que medida uma interveno pedaggica, via jogos de regras, seria favorvel construo da noo das operaes bsicas em crianas. Participaram da pesquisa 5 crianas de uma classe de terceira srie do ensino fundamental de uma escola do municpio de Bauru. Aplicou-se o pr-teste individualmente nos sujeitos, com o objetivo de avaliar o conhecimento prvio das noes de somar, subtrair, multiplicar e dividir. O ps-teste, composto pela mesma prova, consistiu em verificar a evoluo dos sujeitos aps serem submetidos a uma interveno com jogos de regras realizada pela pesquisadora. Os testes continham quatro questes dissertativas, questes de resoluo de problemas e contas com os quatro tipos de operaes para verificar se estes contedos escolares eram conhecidos pelos sujeitos. A interveno pedaggica foi composta de quatorze sesses em que foi utilizado o material dourado. A anlise qualitativa dos dados permitiu verificar que os sujeitos apresentaram pouco domnio dos contedos escolares que envolviam as noes bsicas das operaes aritmticas. Observou-se que dos 5 sujeitos estudados, todos, apresentaram evoluo em pelo menos um dos aspectos estudados, ou seja na construo da noo de alguma das operaes aritmticas, seja na elaborao de estratgia adequada das atividades, ou mesmo no desenvolvimento positivo do seu comportamento em relao matemtica. Pode-se dizer, de acordo com os resultados obtidos, a interveno via jogos permitiu expressivas evolues nos sujeitos estudados, tanto no que concerne construo das noes das operaes como na elaborao de novas estratgias de soluo de problemas. Palavras-chave: Educao matemtica, Jogos didticos, Operaes aritmticas.

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Sumrio Resumo Introduo Problema e justificativa 1. O jogo e a educao 1.1 O jogo no contexto educacional 1.2 O jogo e a educao matemtica 2. Material dourado 2.1 A escola nova 2.2 Maria Montessori segundo Cambi 2.2.1 Metodologia - Descobrindo o mundo pelo toque 2.3 Material dourado - O que e como funciona? 3. Operaes aritmticas 4. Metodologia 4.1 Sujeitos e local de estudo 4.2 Instrumento para coleta de dados 4.3 Mtodo 4.4 Procedimentos 5. Anlise e discusso dos resultados 6. Consideraes finais REFERNCIAS ANEXOS 8 15 17 17 23 28 28 30 32 33 35 48 48 48 49 49 50 71

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INTRODUO

consensual a idia de que no existe um caminho que possa ser identificado como nico e melhor para o ensino aprendizagem de qualquer disciplina, em particular, da matemtica. No entanto, conhecer possibilidades de trabalho em sala de aula fundamental para que o professor construa sua prtica. Constata-se que o conhecimento matemtico oferecido pela maioria das escolas, apresenta-se sob um vis contedista e uma metodologia apontada como obsoleta (mtodos de ensino que induzem a aprendizagem ligada memorizao arbitrria) no atendendo s necessidades scio-culturais do pas, o que desencadeia uma srie de fracassos na aprendizagem dos alunos. Em conseqncia disto, parece haver consenso entre os educadores a respeito da necessria alterao nos processos de ensino aprendizagem da matemtica, como decorrncia dos crticos ndices de desempenho na disciplina, da pouca motivao que o estudar traz para os alunos e do distanciamento que se percebe existir entre o que os alunos aprendem na escola e a transposio de tal saber para o exerccio da cidadania (DELLAGLI, 2002). Existem avaliaes realizadas pelo governo para analisar a situao escolar brasileira como o SAEB (Sistema Nacional de Avaliao da Educao Bsica), SARESP (Sistema de Avaliao de Rendimento Escolar do Estado de So Paulo) e prova Brasil, e quanto aos seus resultados no poderiam ser piores, a mdia em matemtica tem sido a mais baixa entre todas as reas, e no Pisa (Program for International Student Assessment) de 2001, o Brasil ficou em ltimo lugar em matemtica. De acordo com o SAEB (Sistema Nacional de Avaliao da Educao Bsica), principal avaliao sobre o desempenho escolar das crianas brasileiras, o desenvolvimento de habilidade bsicas em matemtica vem se revelando insuficiente. A anlise dos resultados, feita por meio de uma escala nica de desempenho, mostra que 13% dos alunos da 4 srie no demonstraram, na resoluo de testes de 2001, habilidades passveis de serem descritas na escala. So estudantes que esto no estgio muito crtico, no construram competncias necessrias para resolver problemas com nmeros naturais, seja de multiplicao ou de diviso ou mesmo de soma e de subtrao. Esse contingente representa, de forma inequvoca, o analfabetismo matemtico 1. Isso porque, aps quatro anos de escolarizao no construram

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No dominam habilidades simples como ler o preo de produtos numa loja, anotar o nmero de um telefone que lhe foi ditado, contar dinheiro, calcular troco ou at mesmo consultar um calendrio.(fonte: INAF (Indicador Nacional de Alfabetismo Funcional).

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competncias bsicas necessrias para o cotidiano e para prosseguirem no segundo ciclo do ensino fundamental. Os demais estudantes da 4 srie, embora revelem algumas competncias desenvolvidas, tambm esto muito aqum do desejvel e do necessrio. Desses, 19% encontram-se no primeiro nvel da escala, dominando apenas a habilidade de calcular uma rea de figuras geomtricas simples desenhadas em uma malha quadriculada somando os lados da figura. Pouco mais de 20% localizam-se no segundo nvel da escala de desempenho, e demonstram apenas capacidade de resolver problemas envolvendo adies de pequenas quantidades em dinheiro. Esses dois nveis podem ser denominados como crticos. Portanto, 52% dos estudantes brasileiros de 4 srie estariam nos estgios muito crticos e crtico de habilidades de matemtica. Esta aO exemplo abaixo ilustra uma questo extrada do SAEB, em que o aluno nos estgios tabela de preos da cantina de uma escola: mencionados crticos e muito-crticos conseguiram responder com dificuldade. Refrigerante R$ 0,80 Biscoito Doce Sanduche Salgadinho R$ 0,65 R$ 0,25 R$ 1,50 R$ 0,90

Um aluno comprou 1 salgadinho, 1 refrigerante e 1 doce. Quanto gastou? (A) R$ 1,05 (B) R$ 1,95 (C) R$ 2,25 (D) R$ 2,75

Figura 1: Questo do Saeb. Fonte: Saeb.

Segundo o site do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Ansio Teixeira (BRASIL, 1998), a aritmtica aplicada nas quatro sries iniciais do ensino fundamental brasileiro abrange o desenvolvimento de habilidades de resoluo de problemas envolvendo as quatro operaes. Essas habilidades so importantes, no somente para a trajetria escolar, mas para o prprio cotidiano da vida moderna, e so necessrias em

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situaes como ir ao supermercado e efetuar o pagamento de uma conta, calcular os juros de uma prestao qualquer, verificar o extrato bancrio, entre outras. Um estudo realizado pela revista Nova Escola, de out/2006, edio 196, evidenciou quais so os grandes problemas da educao brasileira, e mostrou que 65% do alunos que freqentam a 4 srie do ensino fundamental, no dominam as quatro operaes bsicas : adio, subtrao, multiplicao e diviso. Como mostra a tabela abaixo:4a srie 65% dos alunos no dominam as quatro operaes

Matemtica

Figura 2-Domnio de operaes bsicas. FONTE: Revista Nova Escola ed 196 p.2

Uma outra avaliao realizada pelo governo, a prova Brasil, desenvolvida e realizada pelo INEP, que segundo o Ministrio da Educao, foi idealizada paraproduzir informaes sobre o ensino oferecido por municpio e escola, individualmente, com o objetivo de auxiliar os governantes nas decises e no direcionamento de recursos tcnicos e financeiros, assim como a comunidade escolar no estabelecimento de metas e implantao de aes pedaggicas e administrativas, visando melhoria da qualidade do ensino (BRASIL, 1998).

Sua primeira edio ocorreu em novembro de 2005, mostrando o desempenho deficitrio da rede municipal da cidade de So Paulo: a 4 srie est entre as sete piores do pas quando comparada com as demais capitais; em 21 lugar em portugus e 20 em matemtica. Os resultados apresentados pelo SARESP de 2005 demonstram a realidade do ensino da matemtica, em 3 e 4 sries das escolas pblicas brasileiras, com um baixo nvel de acerto nas questes de habilidades bsicas em matemtica. SARESP/2005 Diagnstico Geral do Estado de So Paulo por Srie e Perodo

Matemtica Percentual Mdio de Acerto

Srie 3 Ensino Fundamental 4 Ensino Fundamental

Manh 50,1 42,5

Tarde 50,7 41,6

Figura 3 - Percentual mdio de acertos em matemtica no SARESP de 2005. Fonte: Diretoria de ensino de Bauru

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Tal situao tem trazido tona vrias discusses no mbito acadmico, pois a busca incessante de um caminho que aponte solues para o fracasso escolar, particularmente no ensino da matemtica, nos coloca a todo o momento analisando as vrias teorias educacionais, repensando a atuao pedaggica e o processo de ensino aprendizagem de modo a encontrar opes que possam contribuir para um ensino mais eficaz e significativo. Para que os alunos no experimentem do fracasso e no desenvolvam atitudes negativas em relao matemtica, preciso adequar os conceitos que sero ensinados realidade dos alunos, (GIARDINETTO E MARIANI, 2005) cabendo, assim, aos professores, propiciar situaes motivadoras, desafiadoras e interessante de ensino, nos quais os alunos possam interagir com o objeto de estudo e, acima de tudo, possam construir significativamente o conhecimento chegando s abstraes mais complexas (BRITO, 2001).O objetivo dos professores de matemtica dever ser o de ajudar as pessoas a entender a matemtica e encoraj-las a acreditar que natural e agradvel continuar a usar e aprender matemtica. Entretanto, essencial que ensinemos de tal forma que os estudantes vejam a matemtica como uma parte sensvel, natural e agradvel. (BRITO, 2001,p.43).

Rodriguez (1993), ao longo dos anos, atribui aos alunos a causa deste fracasso, o que levou os professores a procurarem diversas estratgias e alternativas metodolgicas que motivassem e facilitassem a compreenso dos contedos matemticos. Uma das formas j bastante enfatizada, principalmente nas sries iniciais do ensino fundamental, a utilizao dos jogos em ambiente escolar. Muitos autores (KAMII;DEVRIES,1990, BRENELLI,1996; CHATEAU,1987; MACEDO,1995; PETTY;PASSOS,1996; GRANDO,2000) destacaram em seus trabalhos a importncia de se utilizar jogos na escola como meio de favorecer o desenvolvimento e a aprendizagem de conceitos matemticos pelas crianas. Viu-se a necessidade de se investigar novas prticas metodolgicas e ferramentas capazes de renovar o ensino, em particular da matemtica e de suas operaes fundamentais, atravs dos jogos, propondo novos desafios para a escola. Surge assim a idia de realizar uma interveno pedaggica em sala de aula com jogos, no nvel coletivo da classe. Um trabalho desta natureza no dizer de Souza (1996, p.125) procura: apresentar s crianas novos instrumentos, recursos que busquem auxili-las a pensar, para comparar as informaes trazidas para instrumentos diferentes e planejar modos de utilizao daqueles eficazes. Para o presente estudo, foi escolhido o material dourado, de Maria Montessori, com o propsito de auxiliar crianas que freqentam a terceira srie do ensino fundamental na construo das noes das quatro operaes aritmticas bsicas: adio, subtrao,

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multiplicao e diviso e assim verificar se ocorrem avanos nos nveis de aprendizado, uma vez que tais noes so responsveis pela construo do conhecimento lgico-matemtico. Para Guimares (1998), a construo de novas estratgias durante o jogo, por envolver concentrao, torna imprescindvel a tomada de conscincia. Em uma interveno, por meio de jogos, possvel que o sujeito constate seus erros, desencadeando assim este processo de tomada de conscincia. Para o uso dessa prtica educativa, necessrio um professor consciente de uma teoria que o oriente na articulao dos contedos trazidos pelos alunos com os contedos culturais e cientficos, para que assim o jogo seja reconhecido com um instrumento cultural, e enquanto tal possa desencadear desenvolvimento e aprendizagem atravs da mediao do professor (GIARDINETTO e MARIANI, 2005). O jogo, alm de ser um objeto sociocultural em que a matemtica est inserida, ele uma atividade natural no desenvolvimento dos processos psicolgicos bsicos; supe um fazer sem obrigao externa e imposta. J que a aprendizagem da matemtica est totalmente ligada compreenso, isto , apreenso do significado, os parmetros curriculares nacionais (PCNs) salientam que os jogos so fontes de significados, e, portanto, possibilitam compreenso, geram satisfao, formam hbitos que se estruturam num sistema. (BRASIL, 1998). Como todo conhecimento humano, o jogo uma atividade histrica e praticada desde a antiguidade, fazendo parte assim do nosso contexto cultural (GIARDINETTO e MARIANI, 2005). encontrada uma variedade de jogos nas diferentes culturas e em qualquer momento histrico (GRANDO, 2000). Na idade mdia, por exemplo, o jogo foi rejeitado por ter sido considerado uma atividade que contrariava a religio (hertica), mas j no Renascimento, ele destacado atravs de exerccios fsicos e jogos com bola. Desta forma, o jogo se apresenta carregado de contedos culturais, e que os conhecimentos so adquiridos atravs da sociedade. Sendo assim, os sujeitos aprendem os contedos por meio das prticas sociais. Nesse sentido, o jogo promove desenvolvimento j que est repleto de aprendizagem (GIARDINETTO; MARIANI, 2005). Para Tahan (1968 apud Groenwald; Timm s/d)2, '' para que os jogos produzam os efeitos desejados preciso que sejam, de certa forma, dirigidos pelos educadores''. Partindo do princpio que as crianas pensam de maneira diferente dos adultos e de que o objetivo no ensin-las a jogar, deve-se acompanhar a maneira como as crianas jogam, sendo

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TAHAN, M. O homem que calculava. Rio de Janeiro: Record,1968

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observadores atentos, interferindo para colocar questes interessantes (sem perturbar a dinmica dos grupos) para, a partir disso, auxili-las a construir regras e a pensar de modo que elas entendam. Os jogos com regras so importantes para o desenvolvimento do pensamento lgico, pois a aplicao sistemtica das mesmas encaminha a deduo. So mais adequados para o desenvolvimento de habilidades de pensamento do que para o trabalho com algum contedo especfico. As regras e os procedimentos devem ser apresentados aos jogadores antes da partida e preestabelecer os limites e possibilidades de ao de cada jogador. A responsabilidade de cumprir normas e zelar pelo seu cumprimento encoraja o desenvolvimento da iniciativa, da mente alerta e da confiana em dizer honestamente o que pensa (FRIEDMANN, 1995). Portanto, os jogos trabalhados em sala de aula devem ter regras, por ser uma atividade mais socializada onde as regras tm uma aplicao efetiva e nas quais as relaes de cooperao entre os jogadores so fundamentais (FRIEDMANN, 1995). Esses so classificados em trs tipos: Jogos estratgicos, onde so trabalhadas as habilidades que compem o raciocnio lgico. Com eles, os alunos lem as regras e buscam caminhos para atingirem o objetivo final, utilizando estratgias (procedimentos) para isso; Jogos de treinamento, os quais so utilizados quando o professor percebe que alguns alunos precisam de reforo num determinado contedo e quer substituir as cansativas listas de exerccios. Neles, quase sempre o fator sorte exerce um papel preponderante e interfere nos resultados finais; Jogos geomtricos, que tm como objetivo desenvolver a habilidade de observao e o pensamento lgico. Com eles conseguimos trabalhar figuras geomtricas, semelhana de figuras, ngulos e polgonos (MOTOKANE, s/d, p.4).

Ressaltando ainda a importncia dos jogos de estratgia como recurso didtico, est presente no PCN o seguinte argumento:Nos jogos de estratgia (busca de procedimentos) para ganhar parte-se da realizao de exemplos prticos (no da repetio de modelos de procedimentos criados por outros) que levam ao desenvolvimento de habilidades especficas para a resoluo de problemas e os modos tpicos de pensamento matemtico (BRASIL, 1998, p.47).

Neste sentido, o jogo promove o desenvolvimento, porque est impregnado de aprendizagem. Segundo Kishimoto (2000):O jogo, na educao matemtica, passa a ter o carter de material de ensino quando considerado promotor de aprendizagem. A criana, colocada diante de situaes ldicas, apreende a estrutura lgica da brincadeira e, deste modo, apreende tambm a estrutura matemtica ali presente. Esta poderia ser tomada como fazendo parte da primeira viso de jogo que tratamos at aqui. Na segunda concepo, o jogo deve estar carregado de contedo cultural e assim o seu uso requer certo planejamento que considere os elementos sociais em que se insere. O jogo, nesta segunda concepo, visto como conhecimento feito e tambm se fazendo. educativo. Esta caracterstica exige o seu uso de modo intencional e, sendo assim, requer um plano

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de ao que permita a aprendizagem de conceitos matemticos e culturais, de uma maneira geral. (p.80).

O papel do jogo e sua importncia na rea da matemtica so destacados, visto que o jogo um meio de se tornar o ensino mais prazeroso e mais prximo da criana (Brenelli,1996; Macedo,1995; Kamii e DeVries,1990; Grando,2000, entre outros), podendo esta compreender as noes matemticas, em especial as operaes bsicas, que foram favorecidas pelo jogo escolhido para o presente estudo. As contribuies da presente pesquisa so, alm de promover o desenvolvimento de estudos futuros na rea, pode propiciar o desenvolvimento da confiana em tentar de novo, em arriscar, e, quem sabe, alterar esta realidade to negativa em que a educao matemtica se encontra.Ao aluno deve ser dado o direito de aprender. No um 'aprender' mecnico, repetitivo, de fazer sem saber o que faz e por que faz. Muito menos um 'aprender' que se esvazia em brincadeiras. Mas um aprender significativo do qual o aluno participe raciocinando, compreendendo, reelaborando o saber historicamente produzido e superando, assim, sua viso ingnua, fragmentada e parcial da realidade (FIORENTINI e MIORIN, 2004, P.62).

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PROBLEMATIZAO

De acordo com os aspectos tericos destacados, o problema da presente pesquisa pode ser assim delineado: Em que medida uma interveno pedaggica, via jogos pedaggicos, favorece a construo da noo das operaes bsicas? A partir do problema geral pretende-se trabalhar os seguintes aspectos: 1 ETAPA: -Analisar e investigar os conhecimentos prvios de um grupo de alunos da 3 srie com relao ao entendimento do processo das operaes matemticas; -Realizar quais os mtodos utilizados pelos professores (as) de matemtica, se h a utilizao de jogos ou se o processo feito de forma convencional; 2 ETAPA: - Ser realizada a interveno pedaggica com as crianas, durante quatorze semanas, onde ser trabalhado com as principais dificuldades das crianas; 3 ETAPA: -Identificar se houve a evoluo dos sujeitos aps serem submetidos a uma interveno com jogos realizada pela pesquisadora, e comparar as diferenas entre trabalhar as operaes de forma tradicional e aplicao de jogos para a aprendizagem das operaes com a utilizao do material dourado;

JUSTIFICATIVA A investigao surge da necessidade de compreenso dos aspectos cognitivos envolvidos na utilizao dos jogos como instrumento na aprendizagem matemtica, uma vez que uma criana em situaes de brincadeira e/ou jogo desenvolve sua capacidade de fazer perguntas, buscar diferentes solues, avaliar suas atitudes, encontrar e reestruturar novas estratgias, ou seja, resolver problemas (GRANDO, 2000). Nesse aspecto, o jogo pode representar uma simulao matemtica na medida em que se caracteriza por ser uma situao irreal, criada pelo professor ou pelo aluno, para significar um conceito matemtico a ser compreendido pelo aluno. Portanto, torna-se necessrio aos processos pedaggicos considerarem a importncia de se ampliar experincia das crianas a fim de proporcionarlhes momentos de atividade criadora e para justificar a insero desse mtodo de ensino (jogo) necessrio apontar algumas possibilidades pedaggicas:

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A competio garante dinamismo, movimento, propiciando interesse e contribuindo para o desenvolvimento social.

A competio faz com que o aluno elabore estratgias, e com o tempo, aprimore essas estratgias, a fim de superar deficincias.

A busca pela competio faz com que o jogador sempre busque desafios maiores, a fim de sempre se superar, pois a competio no jogo propicia uma constante auto-avaliao do sujeito sobre suas competncias, habilidades, etc.

A partir disso, acredita-se que a presente pesquisa poder contribuir para esclarecer o papel do jogo numa situao de interveno, tanto na construo de noes como nas possibilidades de desencadear o desenvolvimento do pensamento.

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CAPTULO I O JOGO E A EDUCAO

As crianas, desde os primeiros anos de vida, passam a maior parte do tempo brincando. Por sua vez, os adultos no entendem que isso faz parte da vida delas, e que elas tm verdadeiro fascnio pela brincadeira. Por outro lado, a escola tambm deveria representar papel fundamental na vida das crianas, mas, a escola representa um tempo a menos que as crianas tm para brincar, e com isso comea a ser repudiada pelas crianas. Por que no unir o estudo e a brincadeira em uma atividade nica que passar a satisfazer ambas as partes? Se observarmos o comportamento das crianas quando brincam podemos perceber o quanto elas estimulam a sua capacidade de resolver problemas, pois o jogo para elas uma atividade dinmica capaz de coloc-las em movimento e ao (GRANDO, 2001).

O JOGO NO CONTEXTO EDUCACIONAL

As pesquisas tm mostrado que uma boa parte dos contedos ensinados na escola no so aplicados vida do aluno. Nesse sentido, Carraher (1991) em seu estudo questiona a discrepncia entre a matemtica que se ensina na escola e aquela que o aluno j conhece e utiliza em diferentes momentos do seu dia-a-dia, onde ela afirma que na escola, a matemtica uma cincia ensinada em um momento definido por algum de maior competncia. Na vida, a matemtica parte da atividade de um sujeito que compra, vende, que mede, encomenda peas de madeira, que constri paredes, que faz jogo na esquina. A autora questiona em seu estudo, qual seria a diferena dessas circunstncias para a atividade do sujeito? importante ento que esse quadro seja alterado e dentre as vrias alternativas, o jogo pode ser um meio eficiente. Seria interessante iniciar esse estudo a partir do resgate do que se entende por jogo, para assim relacion-lo a educao. Uma primeira questo por que situaes to diversas so denominadas jogo? possvel dividir essas situaes em trs grupos: 1. atividade ldica; 2. sistema de regras 3. brinquedo, objeto

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Percebe-se: a palavra jogo no unifica essas diversidades. Considerando os diferentes usos da palavra jogo, possvel verificar uma relao muito estreita com a educao porque se o jogo pode ser aprendizagem de vida, porque coloca em movimento energias da mesma natureza das atividades concretas ou reais reunidas sob a denominao um tanto vaga de vida. Isto , o jogo no est somente ligado ao que diverso e prazer, mas tambm ao clculo, raciocnio e operao, entre outros processos (BROUGRE, 1998). Definir o jogo, objeto de estudo desta pesquisa, torna-se um desafio; j que ora tem relao com o aspecto no srio e ora com o srio, quando diz respeito atividade educativa, por exemplo. H pessoas que dizem que o jogo toda e qualquer competio onde as regras so feitas ou criadas num ambiente restrito ou at mesmo de imediato, em contrapartida ao desporto, onde as regras so universais, e que geralmente eles possuem poucas regras e estas so simples. Pode envolver um jogador sozinho ou dois ou mais jogando cooperativamente. A maioria dos jogos so disputados como uma forma de lazer, sem que os participantes enfoquem na competio a vitria com ponto essencial. O que nos parece mais acertado que o jogo uma palavra , uma maneira de expressar o mundo e, portanto, de interpret-lo (BROUGRE, 1998). Ao estudar o jogo no contexto educacional atual, vivel nos remetermos ao passado, a fim de verificar o peso da tradio do uso e seu papel dentro da instituio escolar. encontrado uma variedade de jogos, nas diferentes culturas e em qualquer momento histrico. Sabe-se que o jogo no novo e ao longo da histria passou por fortes modificaes, graas aos estudos que levaram esclarecimentos sobre a atividade ludica infantil, sua dimenso aos poucos foi sendo redefinida e aumentada. DelAgli (2002) afirma que a utilizao dos jogos em ambientes escolares cria a figura do jogo educativo. Esta conotao aparece durante o Renascimento, poca em que a felicidade terrestre e o desenvolvimento do corpo eram privilegiados, destacando os exerccos fsicos e os jogos com bola. Desta forma, o jogo no mais visto como objeto a ser renovado no cotidiano de jovens, no como diverso mas como tendncia natural do ser humano. A prtica dos ideais humanistas do renascimento proporcionou a expanso dos jogos educativos, vindo a avolumar-se no incio do sculo XIX, com as inovaes pedaggicas de Rosseau, Pestalozzi e Frebel e tendo seu pice no incio deste sculo estimulado pelo crescimento da rede do ensino infantil, pelas discusses entre jogo e educao e por fim pelos estudos acadmicos realizados nas ultimas dcadas (DELAGLI, 2002). Para Huizinga, (1971) os jogos so mais antigos que o trabalho e fonte principal de cultura. O autor analisou caractersticas fundamentais do jogo e mostrou sua importncia no

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desenvolvimento da civilizao. Afirma que o jogo uma atividade livre, ocorre dentro de limites precisos de tempo e em um espao prprio. O ponto central de seu pensamento est no preceito de que todo homem joga. O jogo, segundo o autor deixa de ser jogo, a partir do momento em que a atividade imposta, visto que, o jogo, no seu entender, uma atividade voluntria voltada para a busca do prazer. Define assim o jogo :[...] o jogo uma atividade ou ocupao voluntria exercida dentro de certos e determinados limites de tempo e de espao, segunda regras livremente consentidas, mas absolutamente obrigatrias, dotado de um fim em si mesmo, acompanhado de um sentimento de tenso e de alegria e de uma consincia de ser diferente da vida cotidiana (HUIZINGA, 1971p.33).

Encontra-se a existncia de uma cultura ldica, conjunto de regras e significaes prprias do jogo que o jogador adquire e domina no contexto de seu jogo. Em vez de ver no jogo o lugar de desenvolvimento da cultura, necessrio ver nele simplesmente o lugar de emergncia e de enriquecimento dessa cultura ldica, essa mesma que torna o jogo possvel e permite enriquecer progressivamente a atividade ldica (BROUGRE, 1998). Como j citado na introduo, os jogos trabalhados em sala de aula devem ter regras, verifica que esses so eficientes, apresentando interferncia positiva na construo das noes de conservao estudadas. Para Macedo (1995) a novidade dos jogos de regras o seu carter coletivo, pois neles as aes devem ser reguladas por convenes que define o que os jogadores podem ou no fazer. Como envolvem competio, estes jogos desafiam a criana a se superar, promovendo a evoluo do fazer e compreender. Destaca ainda o PCN: [...] os jogos com regras tm aspecto importante, pois neles o fazer e o compreender constituem faces de uma mesma moeda (BRASIL, 1998, p.49). A atividade de jogo leva a criana a controlar seu prprio comportamento segundo um plano definido previamente (as regras do jogo); implica tambm, que ela possua o domnio dos conceitos implcitos nas regras. As regras dos jogos so generalizaes que incluem abstraes e que normatizam aes apropriadas e inapropriadas. De forma geral, se expressam da seguinte maneira: Todas s vezes (uma generalizao de situaes semelhantes, mas no idnticas) que acontecer X (um aspecto abstrado dos demais aspectos da situao e que serve como critrio para a generalizao), deve-se fazer Y (a ao apropriada). Tanto as regras quanto os conceitos implcitos nelas, so aprendidos pelas crianas nas interaes com os companheiros, durante o jogo e so classificados em trs tipos como exemplificado na introduo.

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Conclui-se ento que o jogo na educao matemtica passa a ter carter de material de ensino quando considerado promotor de aprendizagem. Numa mesma viso, Kishimoto (2000) afirma que a criana quando colocada diante de situaes lgicas, aprende a estrutura matemtica ali presente. Segundo Mizukami (1986), o jogo adquire importncia fundamental em sua aplicao ao ensino. Tem por objetivo descobrir novas estratgias, e cada fase de desenvolvimento do ser humano caracterizado por uma conformao nica, especial, indo desde o jogo individual, o jogo simblico, o jogo pr-social, ao jogo de regras (social). Chateau (1987, p.29) ressaltou que o jogo representa para a criana o papel que o trabalho representa para o adulto. O autor reconhece ainda o jogo como uma atividade sria, na qual a criana aceita um cdigo ldico e passa a ter o jogo como um juramento feito a si mesmo, depois aos outros, de respeitar certas instrues, certas regras. (p.125). Segundo Piaget (1994), o jogo de regras uma atividade ldica do ser socializado. Possibilita criana a resolver situaes problema, utilizando um conjunto de regras. Piaget estudou o jogo de bolinhas de gude e suas variaes. A partir da props uma classificao quanto a pratica de regras e a conscincia das regras para as crianas. A prtica das regras diz respeito adaptao do indivduo a elas, segundo a faixa etria e o desenvolvimento mental em que se encontra. So quatro os estgios que a criana passa na prtica das regras. No 1 estgio, as regras so motoras e individuais. O 2 estgio considerado egocntrico, no existe competio e nem preocupao com as regras. Por volta dos sete, oito anos, aproximadamente, um terceiro estgio constitui uma cooperao nascente: neste est presente competio, o controle mtuo e a unificao das regras. O ltimo estgio o da codificao das regras, cuja preocupao direciona-se decodificao exaustiva das regras, controlando e assegurando antecipadamente todas as possveis excees. Essa ltima etapa coincide com o perodo das operaes formais (GUIMARES, 1998, p.29). importante conscientizar os pais e profissionais da educao a respeito do papel do jogo na sala de aula, caso contrrio, continuam acreditando que muito mais produtivo para seus filhos fazerem lies ao invs de ficarem brincando. Neste sentido, Kamii e De Vries (1990, p.31) destacam que os pais ficam mais satisfeitos quando seus filhos voltam com lies para a casa como prova de trabalho e aprendizagem, sendo que para estes pais o jogo parece apenas destinado diverso e recreao e no como artifcio pedaggico, como recurso para a aquisio do conhecimento. Petty e Passos (1996, p.163) acreditam que esta viso, na qual o jogo no coisa sria, faz com que a criana encare o conhecimento dos adultos como algo muito difcil,

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complicado, quase inatingvel. Os autores ressaltam que o jogo precisa proporcionar uma situao interessante criana. Atento a este fato, o professor deve observar dois casos em que o jogo pode ficar pouco interessante: se a tarefa proposta for muito difcil ou impossvel de ser cumprida, ou for muito fcil, tornando-se, por isso, aborrecida e intediante (PETTY e PASSOS, 1996, p.166). Sendo assim o adulto quem d o tom do desafio, adequando a atividade a criana. Deve-se cuidar para que esse tom seja mantido, evitando que o jogo se transforme em mais uma tarefa obrigatria. Petty e Passos (1996) defendem ainda a importncia do uso de jogos de regras na escola:Por um lado trabalha com o interesse e a ateno, desafia o raciocnio e estimula uma postura ativa da criana. Por outro, representa uma real possibilidade de conhecer como pensa por meio das estratgias adotadas e quais dificuldades que encontra por meio dos erros cometidos para tentar atingir os objetivos do jogo (p.174).

O uso dos jogos pode ser muito til no processo educacional. Kamii e DeVries (1990, p. 5, 6) observaram crianas jogando e destacaram, como critrios para um bom jogo: propor alguma coisa interessante e desafiadora para que as crianas possam se auto avaliar quanto ao seu desempenho; permitir que todos os jogadores possam participar ativamente do comeo ao fim do jogo. Segundo Guimares (1998), o contedo de um jogo deve ser compatvel com as possibilidades da criana. Conhecer como ela raciocina e constri conhecimento imprescindvel para o professor explorar as situaes ldicas, no sentido de favorecer o desenvolvimento da criana. A partir do momento em que as crianas manifestam interesse pelo jogo, criam outras maneiras de jogar (KAMII e DEVRIES, 1990), cabe, portanto, ao professor analisar o jogo e propor desafios que podero ser desencadeados pela ao de jogar. No jogo, a criana busca alcanar um determinado resultado, portanto, est interessada no que sua ao vai resultar. A criana deve ter clara sua ao para que possa avaliar seu desempenho: preciso evitar qualquer situao de ambivalncia para que, face a um resultado falho, a criana possa julgar onde errou e exercitar sua inteligncia na resoluo de problemas, construindo relaes entre vrios tipos de ao e vrios tipos de reao de um objeto (KAMII; DE VRIES, 1990, p.10).

Diante das situaes-problema de jogo que se apresentam ao sujeito, quando ele age sobre o jogo e o constante desafio em venc-lo, novos espaos para a elaborao de estratgias de jogo so abertos. A anlise de possibilidades marcada por tomada de decises sobre quais estratgias poderiam ser eficazes (GRANDO, 2001).

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Os jogos de estratgia favorecem a construo e a verificao de hipteses. As possibilidades de jogo so construdas a partir destas hipteses que vo sendo elaboradas pelos sujeitos (GRANDO, 2001). O nvel de desenvolvimento da criana tambm influencia sua participao no jogo. Esta participao engloba a atividade mental: o que importa que o jogo proporcione um contexto estimulador da atividade mental da criana e sua capacidade de cooperao (KAMII e DE VRIES, 1990, p.12). O jogo de estratgia na escola deve ser permeado por jogos de azar, no sentido de favorecer tambm as crianas que apresentam dificuldades em construir estratgias (KAMII e DE VRIES, 1990). Segundo ainda, Kamii e DeVries (1990, p.40) os jogos em grupo proporcionam muitas oportunidades para a elaborao de regras, observao de seus efeitos, modificaes e comparaes com diferentes procedimentos. O desenvolvimento da iniciativa ocorre na medida em que existe por parte da criana a responsabilidade de cumprir as regras e cuidar para que sejam cumpridas. Isto faz surgirem as sanes, permitindo o desenvolvimento da criatividade. Os jogos em grupos permitem que a criana aprenda mais do que com lies e exerccios, pois alm da motivao em supervisionar os demais jogadores, as crianas tem o feedback imediato dos colegas, o que mais valioso para a sua autonomia (KAMII e DE VRIES, 1990). Na maioria das vezes, a competio vista como algo negativo por provocar rivalidades e sentimento de fracasso. Entretanto, Kamii e DeVries (1990) destacam que estes efeitos negativos ocorrem quando a competio tratada de forma errnea, o que no deve nos impedir de perceber os efeitos positivos dos jogos que envolvem competio. A competio presente nos jogos diferente da competio na escola, j que a presena na escola obrigatria e as regras so impostas pelos adultos. No jogo, a participao livre, sendo a elaborao e o cumprimento das regras responsabilidade dos jogadores. Neste caso, o papel do professor nos jogos (ou deveria ser) somente manter a atividade organizada, proteger os fracos dos mais agressivos e manter um ambiente favorvel ao confronto e a troca de idias (KAMII e DE VRIES, 1990). Rabioglio (1995) tambm destacou a importncia do jogo na escola. Em seu trabalho fez uma anlise da relao jogo escola, destacando a viso dos professores. Concluiu-se que o jogo tem grande potencial didtico, englobando cultura, interesse do aluno e contedos curriculares, possibilitando unir os conhecimentos com os contedos da escola.

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Desse modo, o projeto com jogos deve propiciar ao jogador e ao aluno especialmente, a oportunidade de rever sua produo e atividade como um todo ou melhorar os aspectos que se encontram insuficientes (VON ZUBEN, 2003). Em seu trabalho, Macedo (1995) resume a importncia do jogo no ambiente escolar:

O jogo pode significar a criana uma experincia fundamental de entrar na intimidade do conhecimento, da construo de respostas por um trabalho ldico, simblico e operatrio integrados. Porque pode significar para a criana que conhecer um jogo de investigao, por isso de produo de conhecimento, onde se pode ganhar, perder, tentar novamente, usar as coisas, ter esperanas, sofrer com paixo, conhecer com amor, amor pelo conhecimento e talvez considerar as situaes de aprendizagem de uma forma mais digna, mais filosfica, mais espiritual, superior [...]( p. 16-17).

O JOGO E A EDUCAO MATEMTICA

O interesse do presente estudo, se volta para o jogo pedaggico, mais especfico o jogo no ensino da matemtica pois a escola preocupa-se apenas em transimitir o maior nmero possvel de contedos sem dar importncia para o esquecimento posterior dos mesmos, e no pelo fato de t-los vistos um dia. Com isso, no est se tratando de qualidade do que ensinado, mas sim em quantidade (GUIMARES,1998). O meio em que o homem vive deve ser considerado em toda ao educativa, com o proposito de adotar mtodos e diretrizes que torne um sujeito atuante, ao invs de um objeto (GUIMARES,1998). O direito a educao no deve ser entendido somente como o direito de freqentar a escola e segundo Piaget (1971 apud GUIMARES 1998) mas sim como o direito de encontrar nessas escolas tudo aquilo que seja necessrio construo de um raciocnio pronto e de uma conscincia moral desperta ( p.61). O jogo de regras compreendido com uma situao-problema a ser resolvida, que leva o jogador a construir recursos cognitivos para solucion-la, tem sido amplamente apontado como meio que pode desencadear processos congnitivos subjacentes construo das estruturas do conhecimento, favorecendo o desenvolvimento do raciocnio. Por outro lado, tambm tem se enfatizado seu uso como recurso didtico- pedaggico que pode facilitar as aprendizagens do aluno no que se refere s noes aritmticas e a elaborao de conceitos matemticos (VON ZUBEN,2003,p.44). Desta forma, tendo conhecimento das pesquisas e trabalhos que apontam a importncia do jogo na escola, convm destacar aqui os estudos que envolvem jogos e a

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educao matemtica, que discutem o jogo como facilitador para o desenvolvimento das estruturas operatrias e de noes matemticas. Muitos trabalhos mostraram que a matemtica pode ser compreendida de uma forma mais prazerosa, como por meio dos jogos. O trabalho de Petty (1995) analisou a importncia e as contribuies dos jogos de regras segundo a teoria construtivista para a prtica pedaggica, destacando a aquisio de conceitos pedaggicos. Para isso, a autora utilizou os jogos SENHA, QUATRO CORES, TATE-TI e PEGA VARETAS. Segundo a autora, a utilizao dos jogos de regras em sala de aula torna o ensino significativo para a criana, j que extremamente interessante e envolvente. O professor deve ensinar o jogo como um recurso a mais na sala de aula para valorizar o processo de ensino e de aprendizagem. Kamii tem desenvolvido, um trabalho de experimentao em sala de aula, referente construo do pensamento lgico matemtico em crianas. So as coordenaes de classificar, ordenar e colocar em correspondncia que formam a base das regras aritmticas e do conceito de nmeros. Os trabalhos de Kamii(1991;1992;1997a;1997b apud Von Zuben 2003) tm como objetivo no s explicitar a formao dos conceitos matemticos em crianas, como tambm propor novas maneiras de se ensinar aritmtica aos pequenos. Para tanto, sugerem atividades com jogo de regras, alegando serem atividades extremamente melhores, uma vez que oferecem aos alunos oportunidades para criar estratgias, alm de ser um trabalho muito mais estimulante do que completar folhas de exerccios. Com o objetivo de investigar o papel metodolgico do jogo no processo de ensinoaprendizagem da matemtica, Grando (1995) iniciando com uma abordagem sobre a problemtica do ensino da matemtica no Brasil, faz um estudo das concepes de jogo, principalmente de seu uso na matemtica, buscando resgatar seu valor metodolgico. Para tanto, descreve situaes prticas ressaltando que, dentre as que tm maior importncia para o ensino da matemtica, so aquelas que utilizam estratgias que envolvem um desafio enfrentado individual ou coletivamente. Os jogos foram classificados por Grando, segundo as funes do seu uso em sala de aula, como sendo de: quebra cabea, fixao de conceitos, que praticam habilidades que estimulam as discusses matematicas e os que estimulam o uso de estratgias matemticas. Outros jogos, como os multiculturais, os mentais, os computacionais, os de calculo, os colaborativos,os competitivos, tambm podem ser utilizados desde que dm nfase s estruturas matemticas fundamentais. Grando, ainda, fez importantes consideraes apresentando uma proposta para se trabalhar com jogos no ensino da matemtica, salientando que isto, implica uma opo didtico-metodolgica, por parte do professor, vinculada s concepes de educao, de matemtica e de mundo.

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Orientando-se a verificar em que medida uma interveno pedaggica em sala de aula, via jogos de regras, seria favorvel contruo da noo de multiplicao em crianas e a buscar relaes entre abstrao reflexiva e a construo da noo da multiplicao, Guimares (1998) estudou 17 sujeitos que frequentavam a 3 srie de uma escola de ensino fundamental. A interveno pedaggica foi realizada pela professora de classe e pela experimentadora, atravs da apresentao de situaes-problema envolvendo os jogos :Pega varetas e argolas. A pesquisa mencionada se pautou na teoria piagetiana, a qual, analisou a construo do conhecimento. Desta forma, sendo a noo de multiplicao caracterizada como um conhecimento da natureza lgico-matemtico, que procede por abstraes reflexivas, e sendo o jogo um meio que possibilita o desencadeamento deste processo, atravs de situaesproblema, gerando conflitos e conduzindo as regulaes, esta pesquisa procurou identificar o papel do jogo, como interveno tanto na construo de uma noo, como nas possibilidades de desencadear o desenvolvimento do pensamento. A anlise quantitativa dos resultados apontou progressos dos sujeitos estudados, tanto no que concerne construo da noo da multiplicao como aos nveis de abstrao reflexiva, acreditando-se que dois fatores indispensveis, segundo Piaget, para a construo do conhecimento estiveram presentes: a ao dos sujeitos sobre os objetivos e a interao social, feita entre os pares e entre esses e a experimentadora ou a professora. No entanto, segundo a autora, esses dois fatores por s s no seriam suficientes, devendo ser considerada a equilibrao e a abstrao reflexiva, quando novos nveis so construdos. Grando (2000) realizou um estudo, em sua tese de doutorado, sobre o conhecimento matemtico e o uso de jogos em sala de aula, onde seu objetivo principal foi investigar os processos desencadeados na construo e/ou resgate de conceitos e habilidades matemticas, a partir da interveno pedaggica com jogos de regras. A autora, estudou as possibilidades do desenvolvimento de um trabalho baseado em jogos e resolues de problemas; evidenciar o processo de construo de procedimentos e conceitos, a partir de intervenes pedaggicas realizadas em ambiente de sala de aula de matemtica e analisar os aspectos metodolgicos do trabalho com jogos no ensino da matemtica. O processo de interveno realizou-se atravs dos jogos Contig 60 e Nim, que permitiu observar, analisar e avaliar os procedimentos de clculo mental das quatro operaes bsicas, expresses numricas e propriedades aritmticas, construdos a partir da resoluo dos problemas do jogo, nas situaes de previso das jogadas, na resoluo dos problemas escritos, na anlise das possibilidades de jogadas, tomada de decises, na argumentao

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necessria para o acordo entre os parceiros sobre ajogada a ser realizada, na formulao de questionamentos realizados pela pesquisadora e na elaborao das estratgias para vencer. preciso uma explicao sucinta de cada jogo, ressaltando suas regras e o material utilizado na aplicao de tais jogos. Jogo 1 Contig 60 Material: tabuleiro (anexo), 25 fichas de uma cor, 25 fichas de cores diferentes e 3 dados. Objetivo: Para ganhar, o jogador dever ter o nmero de pontos necessrios, definidos inicialmente (30 ou 40 pontos). Uma outra forma de vencer ser o primeiro a identificar 5 fichas de mesma cor em linha reta. Jogo 2 Nim Material: 27 palitos de fsforo. Objetivo: Perde o jogo, o jogador que retirar o ltimo palito. Assim sendo, os resultados mostraram o quanto o jogo pode ser um instrumento til e eficaz para o processo de ensino-aprendizagem significativa para o aluno, como tambm conferindo ao ensino da matemtica momentos de alegria, descontrao, paixo e envolvimento, ocasionado pela atividade ldica que o jogo representa. Um outro estudo sobre jogos, foi o de Kodama (2005), que afirmou que das situaes acadmicas para ensinar repertrios bsicos s crianas, provavelmente a mais produtiva a que envolve o jogo. Um dos motivos de valorizar a participao do sujeito na construo do seu prprio ser, a possibilidade que ele oferece de desenvolver seu raciocnio, pois a autora acredita que os jogos so instrumentos para exercitar e estimular um agir- pensar com lgica e critrio, que so condies bsicas para se jogar bem e ter um bom desempenho escolar. Brenelli(1986) em sua dissertao de mestrado realizou dois trabalhos a respeito de jogos com regras. Sua pesquisa teve como objetivo analisar as coordenaes existentes entre os observveis de um jogo (jogo de cores e pontos do Quips) apresentado pelo experimentador e outro proposto pelo sujeito. A elaborao, execuo e a prtica das regras propostas pelo experimentador, e tambm a compreenso das noes implcitas na situao, so analisadas num contexto individual ou grupal. Alm da idade, nvel operatria e desempenho dos sujeitos, foi considerado tambm informaes a respeito da escolaridade dos pais, renda familiar e nmero de pessoas. Segundo a autora, o jogo proporciona trocas que podem causar pertubaes que desencadeiam compensaes e reequilibraes, favorecendo, por conseguinte, os processos de construo da inteligncia (BRENELLI,1986,p.219).

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Conclui-se que os melhores desempenhos nos jogos estavam relacionados com idade e o nvel operatrio. O jogo de regras, segundo ela, auxilia no desenvolvimento cognitivo e social da criana, podendo ser utilizado como um exerccio de cooperao e operao. Como se pode ver, os trabalhos apresentados indicam os jogos de regras como um recurso adequado para o desenvolvimento cognitivo e scio afetivo de crianas e adolescentes, tanto no processo de ensino-aprendizagem que se realiza em sala de aula, como nos trabalhos psicopedaggicos desenvolvidos com alunos que apresentam dificuldades em aprender, indicando que realmente preciso repensar o ensino da matemtica, fazendo com que os professores proponham mais desafios s crianas, permitindo que por meio de suas experincias, descobertas, questes e representaes, possam passar da ao operao, contruindo seus conhecimentos. Com isso a matemtica deixaria de valorizar os procedimentos mecnicos que, do ponto de vista piagetiano, no garantem que houve realmente construo.

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CAPTULO II MATERIAL DOURADO

A intenso desta pesquisa verificar em que medida uma interveno pedaggica, atravs do uso do material dourado (jogo de regras), seria favorvel construo da noo das operaes aritmticas bsicas em crianas com queixa de dificuldades escolares, portanto, torna-se necessrio apresentar as relaes entre as teorias montessorianas e o jogo selecionado.

Trajeto: Escolas Novas o sculo das crianas educativas na viso de Cambi (1999)

e das mulheres : transformaes

O captulo tratar das principais idias de Maria Montessori, idealizadora do material dourado, seu histrico e seus principais objetivos. Ser utilizada a bibliografia de Cambi; A histria da pedagogia. O sculo XX foi marcado pelo dramatismo conflituoso e radicalmente inovador. Esse homem do sculo XX, presente nas reas mais avanadas, mas que serve de modelo a todo planeta cortes as fontes com o passado, inebria-se de futuro (baseado no progresso e na segurana) e sobretudo de presente, daquele aqui- agora que visto como o vrtice da histria e o melhor dos mundos possveis. O mundo, para Cambi (1999) se depara a um modelo antropolgico novo, guiado pela idia de felicidade de bem e de relaes (com o mundo e com os outros). No interior dessas mudanas entrelaadas entre s e ligadas de maneira exponencial colocou-se tambm a educao, assim como a pedagogia. Cambi (1999) afirma que tanto as prticas quanto as teorias ressentiram-se diretamente da massificao da vida social, da evoluo de grupos sociais tradicionalmente subalternos da criao de um novo estilo de vida. A prtica educativa voltou-se para um sujeito humano novo (homemindivduo e homem massa) ao mesmo tempo imps novos protagonistas ( a criana, a mulher, o deficiente), renovou as instituies (desde a famlia at a escola) dando vida a um processo de socializao dessas prticas de articulao/socializao. Segundo Cambi (1999) essa revelao educativa e renocao pedaggica agiram de modo constante e entrelaado no curso do sculo XX, consignando ao pedaggico uma feio cada vez mais rica, mais incisiva e mais sofisticada. O itinerrio dessa maturao foi complexo e seguiu muitos caminhos entre os quais merecem destaque: 1. A aventura das

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escolas novas e do ativismo que inaugurou um novo modo de pensar a educao. 2. A presena das grandes filosofias ideolgicas que agiram sobre a educao terica e sobre a prtica educativa escolar 3. O modelo totalitrio da educao 4. Crescimento cientfico da pedagogia e a nova relao que liga a filosofia 5. As caractersticas da pedagogia e da educao nos pases no europeus, sobretudo do terceiro mundo. O mesmo autor afirma que essa renovao foi maior no mbito da tradio ativista, quando a escola se imps como instituio chave da sociedade democrtica. O movimento das escolas novas foi acompanhado e sustentado ao longo de toda sua fase de desenvolvimento, por um intenso trabalho de teorizao, destinado a trazer luz os fundamentos filosficos dessa ampla renovao da pedagogia, e tinha como objetivos bsicos sua ntida oposio escola e s pedagogias tradicionais, acusadas de uma falsa concepo da natureza infantil, ou seja, de uma viso separada do ensino. Conforme o autor, esse trabalho dos tericos desenvolvido pelas escolas novas juntaram-se para formar aquele projeto de educao ativa que teve papel fundamental na pedagogia do novecentos e uma difuso mundial e conseguiu impor-se tambm junto a amplas faixas de docentes e de educadores. O movimento ativista ligava a pedagogia cincias humanas e, simultneamente, indicava tambm suas implicaes polticas e antropolgicas (destinadas a formar um homem mais livre e mais feliz, mais inteligente e criativo). Os grandes temas da pedagogia do ativismo, em sntese, podem ser indicados: 1) No puericentrismo, isto , reconhecimento do papel essencial da crianas em todo processo educativo; 2) Na valorizao do fazer no mbito da aprendizagem infantil, que tendia, por, conseguinte, a colocar no centro do trabalho escolar as atividades manuais, o jogo e o trabalho; 3) Na motivao, segundo a qual toda aprendizagem real e orgnica deve estar ligada a um interesse por parte da criana portanto movida por uma solicitao de suas necessidades emotivas, prticas e cognitivas; 4) Na centralidade do estudo de ambiente, j que justamente da realidade que a criana recebe estmulos para a aprendizagem; 5) Na socializao, vista como uma necessidade primria da criana que, no processo educativo, deve ser satisfeita e incrementada; 6) No antiautoritarismo, sentido como uma renovao profunda da tradio educativa e escolar, que partia sempre da supremacia do adulto, da sua vontade e de seus fins sobre a criana; 7) No antiintelectualismo que levava a desvalorizao dos programas formativos exclusivamente culturais e objetivamnte determinados e conseqente valorizao de uma organizao mais livre dos conhecimentos por parte dos discentes (CAMBI, 1999).

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Para o autor, os grandes destaques tericos do ativismo devem ser reconhecidos em Dewey e Decroly, em claparde e Ferrer, alm de Maria Montessori, a qual ser centro desse presente estudo e estudada no prximo item.

Maria Montessori segundo a viso de Franco Cambi

Como j citada, uma pgina central na histria do ativismo pedaggico foi Maria Montessori (1870 1952). Nascida em Chiaravalle (Ancona, na Itlia), formou-se na Universidade de Roma, onde diplomou-se em medicina, direcionando sua carreira psiquiatria, especificamente tratamento de crianas excepcionais. Seguiu tambm, ainda em Roma, s lies de psicologia e pedagogia de mestres como Sergi, lombroso e De Giovani, todos profundamente ligados ao positivismo (Cambi, 1999). Em 1906, organizou abrigos populares em Roma e, em 1907, fundava a primeira Casa das Crianas ("Casa dei Bambini). Em seguida, dedicou-se difuso de suas doutrinas pelo mundo, mas estas tiveram mais influncia no exterior do que na Itlia, onde encontraram forte resistncia, em conseqencia da hegemonia idealista na cultura filosfica e pedaggica (Cambi, 1999). Montessori faleceu em Amsterd, depois de ter se transferido para o exterior em 1916 e ter desenvolvido sua atividade na Amrica e na ndia. Depois de ter escrito, O mtodo da Pedagogia Cientfica (1909) e Antropologia Pedaggica (1910) , inspirou-se na lio do positivismo e se dirigiu para uma defesa dos direitos da infncia, sublinhando as caractersticas de atividade e de intrnsica religiosidade dessa idade do homem, como ocorre em O segredo da Infncia (1938), A Formao do homem (1949) e A Mente Absorvente (1952). Para Dalto e Strelow (s/d, p.32), a grande contribuio de Maria Montessori moderna pedagogia foi a tomada de conscincia da criana, percebendo que estas respondiam com rapidez e entusiasmo aos estmulos para realizar tarefas, exercitando as atividades motoras e experimentando autonomia. Segundo Cambi (1999), Montessori acreditava na experncia sensvel externa que d ao homem o progresso da inteligncia, para que ele possa deixar de egosmo e viver tambm para os outros. Para a educadora, a educao deve ser efetivada em etapas gradativas, respeitando a fase de desenvolvimento da criana, atravs de um processo de observao e deduo constante, feito pelo professor sobre o aluno. Na sua viso a criana traz consigo

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foras inatas interiores, pr disponibilizada para aprender mesmo sem a ajuda do alheio, partindo de um princpio bsico: A criana capaz de aprender naturalmente. Buscando desenvolver essas energias, acredita que o educando adquire conhecimento e se torna livre para a expresso do seu ser atravs da liberdade do seu potencial, afirmando: Deixe a criana livre, e ela se revelar (DALTO e STRELOW, s/d, p.35). Mas para Cambi, tal liberdade na concepo de Montessori, no deve ser confundida com o espontanesmo, pois para ela a liberao crescimento rico e harmonioso, desenvolvimento da pessoa e, portanto deve ocorrer sob orientao atenta, embora no coercitiva, do adulto, que deve estar cientificamente consciente das necessidades das crianas e dos obstculos que se interpem sua liberao, sendo o professor, na sala de aula, uma espcie de orientador que ajuda a direcionar o indivduo no seu desenvolvimento espontneo, para que o mesmo no desvie do caminho traado, assegurando a livre expresso do seu ser, sua exigncia com o professor era: Respeito criana. Assim, o papel do ambiente, embora fundamental, indubitalvemente secundrio nos processos de crescimento e de aprendizagem. Na viso de Cambi, Montessori acreditava que o ambiente pode modificar, como pode ajudar ou destruir, mas no cria jamais. Todavia, sua importncia central, que ele seja adaptado a criana, reorganizado segundo suas exigncias fsicas e psquicas.A tarefa do professor preparar motivaes para atividades culturais, num ambiente previamente organizado, e depois se abster de interferir (Nova Escola, Edio n164, p. 13, Agosto de 2004) Essa escola criada por Montessori, prima pela educao que leva em conta o ser total, tambm a criana como um todo: a interdependncia corpo-mente. Para ela, a mente infantil vista como mente absorvente, dotada de um extraordinrio poder de assimilao, muitas vezes inconsciente, e tambm de participao-comunicao, que se manifesta na imaginao criativa, no prazer das narrativas, no apego s pessoas, no jogo. Todavia,Montessori tem o mrito de ter conjugado , com um esforo notvel, tanto terico como poltico, o momento da necessidade de uma pesquisa cientfica com o da liberao da criana e do homem, conjugando de maneira original dois elementos que geralmente se manifestam em dissdio no mbito da pedagogia contempornea, ainda que o equilbrio por ela caracterizado resulte por vezes oscilante e insatisfatrio (CAMBI, 1999,p.533).

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Metodologia - Descobrindo o mundo pelo toque Para Dalto e Strelow (s/d), nas escolas Montessorianas, o espao interno era (e ) cuidadosamente preparado para permitir aos alunos movimentos livres, facilitando o desenvolvimento da independncia e da iniciativa pessoal. Assim como o ambiente, a atividade sensorial e motora desempenha funo essencial, ou seja, dar vazo tendncia natural que a garotada tem de tocar e manipular tudo o que est ao seu alcance, como o prprio equipamento escolar que deve ser projetado sob medida para a criana de modo que ela possa diretamente manej-lo e mov-lo. Maria Montessori defendia que o caminho do intelecto passa pelas mos, porque por meio do movimento e do toque que os pequenos exploram e decodificam o mundo ao seu redor. A criana ama tocar os objetos para depois reconhec-los (DALTO e STRELOW, s/d, P.25). Muitos dos exerccios desenvolvidos pela educadora hoje utilizados largamente na educao infantil objetivam chamar a ateno dos alunos para as propriedades dos objetos (tamanho, forma, cor, textura, peso, cheiro, barulho) (DALTO e STRELOW, s/d). Assim sendo, o mtodo Montessori, parte do concreto rumo ao abstrato. Baseia-se na observao de que meninos e meninas aprendem melhor pela experincia direta de procura e descoberta .Mas para tornar esse processo o mais rico possvel , a educadora italiana desenvolveu materiais didticos que constituem um dos aspectos mais importantes e conhecido do seu trabalho. So objetos simples, mas muito atraentes, e projetados para auxiliar todo o tipo de aprendizado, do sistema decimal estrutura da linguagem. Montessori acreditava no haver aprendizado sem ao: "Nada deve ser dado a criana, no campo da matemtica, sem primeiro apresentar-se a ela uma situao concreta que a leve a agir, a pensar, a experimentar, a descobrir, e da, a mergulhar na abstrao" (AZEVEDO, 1979, p. 27). Como exemplo desses materiais esto: os blocos macios de madeira para encaixe de cilindros, blocos de madeira agrupados em trs sistemas, encaixes geomtricos, material das cores, barras com segmentos coloridos vermelho/azul, algarismos em lixa, blocos lgicos, cuisenair, baco, domin e o material dourado.

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Material dourado O que e como funciona?

Conforme afirmam Dalto e Strelow (s/d), o material dourado, um dos muitos materiais idealizados pela mdica e italiana Maria Montessori para o trabalho com a matemtica. Embora especialmente elaborado para o trabalho com aritmtica, a idealizao deste material seguiu os mesmo princpios montessorianos para a criao de qualquer um de seus materiais: Desenvolver na criana a independncia, confiana em s mesma, a concentrao, a coordenao e a ordem; Gerar e desenvolver experincias concretas, estruturadas para conduzir, gradualmente, a abstraes cada vez maiores; Fazer a criana por ela mesma, perceber os possveis erros que comete ao realizar uma determinada ao com o material; Trabalhar com os sentidos da criana; O material dourado era inicialmente conhecido como material das contas douradas e embora esse material permitisse que as prprias crianas compusessem as dezenas e centenas, a impreciso das medidas dos quadrados e cubos se constituia num problema ao serem realizadas atividades com nmeros decimais e raiz quadrada, entre outras aplicaes possveis para o material das contas. Foi por isso que Lubienska de Lenval, seguidor de Montessori, fez uma modificao no material incial e construiu em madeira na forma que encontramos atualmente (DALTO e STRELOW, s/d). O atual material dourado ou Montessori constitudo por cubinhos, barras, placas e cubo grande, que representam:

Figura 3: Representao atual do material dourado. Fonte: ICMC/USP, P.17

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Observe que o cubo formado por 10 placas, cada placa formada por 10 barras e cada barra formada por 10 cubinhos. Este material baseia-se em regras do nosso sistema de numerao (ICMC/USP, s/d).

Figura 4: formao do material dourado. Fonte: ICMC/USP, P.17

Veja como representamos, com ele, o nmero 265:

Figura 5: representao do nmero 265. Fonte: ICMC/USP, P.17

Conclui-se ento que um dos principais objetivos do material dourado Montessoriano cooperar em atividades que auxiliam o ensino e a aprendizagem do sistema de numerao decimal-posicional e nos mtodos para efetuar as operaes fundamentais (como mostra a figura 5), as quais sero estudadas no captulo a seguir.

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CAPTULO III OPERAES ARITMTICAS O captulo tratar das principais dificuldades dos alunos nas operaes aritmticas fundamentais como a adio, subtrao, multiplicao e diviso e como elas se conceituam. bastante comum a opinio de que, primeiro, a criana deve aprender a contar e escrever nmeros para, depois, aprender as operaes. Conforme afirma Pauleto (2001), as operaes de adio e subtrao so as primeiras com as quais as crianas tm contato na escola, pois so trabalhadas logo nas sries iniciais do ensino fundamental. Entretanto, antes mesmo de entrarem na escola, as crianas tm contato com essas operaes, mas no a reconhecem, nem mesmo aps entrarem na escola. Pesquisas referentes adio e subtrao so mais comuns e apresentam desde a dificuldade de resolver tais operaes at a falta de compreenso do mesmo. Para Toledo e Toledo (1997), a adio a operao mais natural na vida da criana, pelo fato de estar presente nas experincias infantis desde muito cedo. Alm disso, envolve apenas um tipo de situao, a de juntar (ou, acrescentar), que afetivamente prazerosa. Para eles, essa familiaridade dos alunos com a adio facilita muito o trabalho pedaggico, que consiste basicamente em planejar situaes adequadas ao estgio em que as crianas se encontram. J sobre a operao da subtrao, Toledo e Toledo, afirmam ser um pouco mais complicada que a da adio, por diversos motivos. Em primeiro lugar, porque comprovam as pesquisas de Piaget, que o raciocnio das crianas se concentra em aspectos positivos da ao, percepo e cognio. Os aspectos negativos, como inverso e recproco, s so construdos mais tarde. Em segundo lugar, porque a subtrao embora presente desde muito cedo no dia-a-dia das crianas, tem um aspecto afetivo adverso, muitas vezes ligado a situaes de perda (Ex. Maria tinha 5 fivelinhas, mas perdeu 2. Quantas tem agora?). Por ltimo, porque a subtrao envolve idias bem diferentes entre si, como tirar, comparar e completar. Nesse mbito, Sastre e Moreno (1980 apud Pauleto 2001)3 realizaram uma pesquisa na Espanha, na qual observaram que as operaes de adio, j aprendidas e trabalhas na escola, no so reconhecidas pelo sujeito como uma atividade possvel de se realizar fora da sala de aula. Alm disso, a noo subentendida da operao- reunir, juntar- no compreendida pelo3

SASTRE,G.e MORENO,M. Descubrimiento y construccin de conocimientos: Una experincia de

pedagogia operatria. Barcelona: Gedisa, 1980.

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sujeito. Para ele, o significado da adio se restringe apenas a descrio do algoritmo tal como realizado em sala de aula: somar fazer 2+2 = 4. Com isso, Sastre e Moreno (1980 apud Pauleto 2001), concluram que, mesmo o sujeito sendo capaz de solucionar as operaes propostas no ambiente escolar, no consegue relacionar o contedo escolar com atividades concretas, feitas de forma prtica, a partir das aes do prprio sujeito. Seguindo o mesmo raciocnio, Guimares (1998) defende a idia de que as operaes fundamentais da adio e subtrao s sero compreendidas pelos alunos se eles estiverem de posse de estruturas operatrias, as quais possibilitam uma verdadeira compreenso acerca de tais contedos. Isto se explica, pelo fato de que o sujeito, a estgio operatrio, capaz de fazer implicaes lgicas, de organizar logicamente suas aes e assim pensar simultaneamente sobre os estados e transformaes de uma dada situao, no se atendo somente com os seus aspectos figurativos. Para a autora, adicionar e subtrair com compreenso requer uma laboriosa construo, pois h que se entender sobre: reagrupamentos, emprstimos, valor posicional da numerao e relao parte-todo. Essa construo, por sua vez, s possvel por meio do mecanismo de abstrao reflexiva, o qual se apia nas coordenaes das aes e operaes do sujeito. Em relao aos livros didticos das sries iniciais de matemtica, Onuchic e Botta (1998), afirmam que eles apresentam primeiro a adio e depois a subtrao e, ao trabalhar com problemas, realiza-se algoritmos diferentes dos vistos independentes. Para as autoras, as pesquisas realizadas sobre esse assunto apontam que as operaes de adio e subtrao nas sries iniciais deveriam partir de problemas aditivos e subtrativos, sem separ-los. Ainda para Onuchic e Botta (1998), as operaes de adio e subtrao envolvem trs quantidades, sendo uma delas desconhecida. Existem, para cada uma dessas operaes, trs problemas correspondentes - adio: mudar adicionando, combinar fisicamente e combinar conceitualmente; subtrao: mudar subtraindo, comparar e igualar. Problema que envolve o ato de retirar

Figura 6: Retirar. Fonte: ICMC/USP p.7

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"Quando Oswaldo abriu a papelaria, pela manh, havia 56 cadernos na prateleira. Durante o dia vendeu 13. Ao fechar a loja, quantos cadernos havia na prateleira?" Ao resolver este problema pensamos assim: dos 56 cadernos tiramos 13. Para saber quantos ficaram fazemos uma subtrao: 56 - 13 = 43. No final havia 43 cadernos na prateleira. Problema que envolve comparao

Figura 7: Comparar. Fonte: ICMC/USP p.7

"Joo pesa 36 quilos e Lus, 70 quilos. Quantos quilos Lus tm a mais que Joo?" Esta pergunta envolve uma comparao: ao constatar que Lus mais pesado que Joo queremos saber quantos quilos a mais ele tem. Respondemos pergunta efetuando uma subtrao: 70 - 36 = 34. Lus tem 34 quilos a mais que Joo. Problema que envolve a idia de completar

Figura 8: Completar. Fonte: ICMC/USP p.7

"O lbum completo ter 60 figurinhas. J possuo 43. Quantas faltam?" Para descobrir quantas figurinhas faltam para completar o lbum, pensamos numa subtrao: 60 - 43 = 17. Faltam 17 figurinhas. Pode ser difcil estabelecer distino entre estas trs situaes. De certo modo, elas se confundem, na medida em que todas podem se resolvidas com base na mesma operao: a subtrao (ICMC/USP, s/d). Moro e Branco (1993) apresentam os resultados de uma anlise qualitativa de estratgias cognitivas infantis, expressas em situaes de aprendizagem sobre

adio/subtrao de nove alunos de 1 srie do 1 grau de uma escola pblica de Curitiba,

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agrupados em trs trios. A situao de aprendizagem apresentada aos trios foi dividida em duas partes. Com duas colees de fichas de cores diferentes, os sujeitos na primeira parte da situao de aprendizagem realizaram seis tarefas de composio e/ou decomposio de quantidades pela interao (+1)(-1): tarefa A: de composio de colees de 1 a 10 elementos; tarefa B: modificao dessas colees com o acrscimo de elementos (parcelas); tarefa C: de sua modificao pelo decrscimo daqueles elementos; tarefa D: de recomposio da srie de colees de 1 a 10 elementos. Na segunda parte da situao de aprendizagem, foram propostas suas tarefas: produzir notao das realizaes da primeira parte e, em seguida, explicar as notaes produzidas. Os dados foram analisados de forma qualitativa e mostram que alguns esquemas so superados enquanto outros so descobertos com as oportunidades que a situao de aprendizagem apresenta. Atravs de novos desafios que so ofertados pelo mundo cultural, esperam-se avanos de conceitualizao pela tomada de conscincia dos resultados das aes interativas (+1) (-1), e da organizao reversvel dessas aes como meio de obter qualidades. Num mesmo contexto, Batista (1995) realizou uma avaliao pedaggica aplicada a 185 alunos de 2 a 4 srie do 1 grau, de uma escola pblica estadual da regio de Campinas, em sua maioria proveniente de famlias carentes. Esta avaliao era composta de problemas, contas para armar e efetuar e seqncias lgicas para completar, progressivamente mais difcil a cada srie escolar. Analisou-se nestas avaliaes o desempenho dos alunos nas operaes aritmticas, tais como adio, subtrao, multiplicao e diviso. Atravs de uma anlise percentual dos erros e acertos, observou-se que os acertos em cada tipo de operao aritmtica tendem a aumentar medida que o aluno avana na escolaridade. Porm, o total de erros por srie alto em relao s expectativas de desempenho previstas nas propostas curriculares. Detectou-se ento, que os erros se concentram em operaes mais complexas com vai um, subtrao com emprstimo, multiplicao e diviso com dois algarismos. A autora levanta a hiptese de que o problema no reside na compreenso da operao em si, mas na realizao do clculo em situaes de maior complexidade. Aps essa anlise, fez-se um exame dos erros cometidos pelos alunos, nas somas e nas subtraes, o que levou identificao das seguintes categorias de erros: 1)Reproduo errada da proposta (como copiar nmeros errados; deixar de incluir uma das parcelas; em contas de subtrao, somar ao invs de subtrair); 2) Erro de contagem; 3)Erros de montagem na conta;

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4) Erros no vai um da soma (colocao na coluna errada ou erro no valor do vai um, inverso entre dezena e unidade no vai um); 5) Erros especficos da subtrao (operao invertida, utilizao incorreta do emprestar; erros cujo mecanismo difcil de identificar); Conforme o autor, os erros dos tipos 3 e 5 se devem principalmente falta de compreenso do valor posicional dos algarismos no sistema de numerao. Outro estudo relacionado ao valor posicional dos nmeros, Kamii e DeClark (1993) mostram serem comuns os resultados. Apesar de algumas crianas resolverem operaes corretamente, elas no compreendem o valor posicional dos nmeros. De acordo com os autores, a criana constri primeiro o sistema de unidade, assim ao dizer o nmero 32, ela estar pensando em 32 unidades. S depois de construir o sistema de dezena sobre o da unidade que a criana capaz de compreender o nmero 32 como trs dezenas e duas unidades. Segundo Toledo e Toledo (1997) para que o aluno entenda o valor posicional dos algarismos, o professor dever utilizar atividades diversificadas de representao. Como facilitador da compreenso do valor posicional dos algarismos o material dourado, cujos autores, acreditam que a grande vantagem de utilizar esse material durante a situao de interveno, permitir que as crianas visualizem os valores de cada pea por correspondncia dos tamanhos e formatos. Assim, elas conseguem observar que: Uma barra (dezena) pode ser formada por 10 cubinhos (unidades); Uma placa (centena) por 10 barras (dezenas); Um cubo (milhar) por 10 placas (centenas) ou ainda (100 barras ou, ainda 1000 cubinhos);

Figura 9: formao do material dourado. Fonte: ICMC/USP p.17

Carraher; Schliemann (1983) acreditam que o uso automtico dos algoritmos vistos na escola pode abstrair a compreenso da lgica que est envolvida na operao, resultando erros pela utilizao incorreta dos algoritmos. Em uma pesquisa com 50 crianas, com idades de 7 a 13 anos, de escolas pblicas e particulares, Carraher e Shliemann (1983) analisaram a

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resoluo de adies e subtraes. Para a coleta de dados, solicitou-se s crianas que resolvessem sete operaes de adio e quatro de subtrao. Trs adies (8+7, 8+8, 8+9) foram apresentadas nessa seqncia para avaliar a habilidade das crianas em usar uma soluo conhecida para derivar a seguinte numa questo nova. Essas operaes eram apresentadas oralmente e os sujeitos tinham que anotar e resolver. Aps a resoluo, pedia-se que se explicasse o procedimento utilizado para a resoluo. As sesses foram gravadas e a resoluo apresentada pela criana era anotada por um observador. A partir das transcries das fitas, dos dados anotados, do material escrito e das explicaes feitas pelas crianas, Carraher e Shliemann (1983) constataram que, de um total de 500 operaes resolvidas pelas crianas, 347 foram corretas. Atravs dos artifcios utilizados e das explicaes verbais, classificaram-se as estratgias de resoluo em quatro categorias: 1) Contagem, ou seja, o uso, entre outros, do dedo e marcas de papel; 2) Uso de algoritmo ensinado na escola, isto , as operaes que envolviam dois dgitos eram colocadas em duas colunas, sucessivamente, transportando ou emprestando de uma coluna para outra; 3) Decomposio dos nmeros envolvidos em dezenas e unidades para depois encontrar a soluo; 4) Uso dos resultados prvios para derivar um novo resultado; De acordo com os estudos desenvolvidos por Pauleto (2001), as operaes da adio e subtrao so consideradas operaes bsicas para a aprendizagem da matemtica, por isso devem-se trabalhar a fim de que os alunos possam compreender o significado da adio e subtrao, j que essas so consideradas a base de outras operaes como a multiplicao e diviso. A construo da noo de multiplicao tem sido estudada por pesquisadores na rea da Educao Matemtica, vindo contribuir para a compreenso sobre esse tema. Guimares (1998) destaca que o princpio da multiplicao bem mais complexo que o da adio, embora a multiplicao aparente uma adio de adies que so sintetizadas numa composio simultnea ao invs de serem efetuadas sucessivamente Piaget (1985, p.72 apud Guimares, 1998)4. Para a autora, a diferena mais significativa entre a multiplicao e adio est no fato de que, na multiplicao, as partes precisam ser iguais entre si e possuir o mesmo nmero de elementos. J na adio simples, para se chegar ao todo, no necessria a igualdade, nem das partes, nem dos elementos. Sendo assim, a multiplicao , pois,4

PIAGET, J. Seis estudos da psicologia. Trad. Maria Alice Magalhes e Paulo Srgio Lima Silva. Rio de Janeiro: Forense, 1994.

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mais complexa e comporta quantificaes implcitas mais numerosas. Piaget (1985, p.73 apud Guimares, 1998). Segundo Toledo e Toledo (1997), na maioria das escolas, a multiplicao vista apenas sob o seu aspecto de adio de parcelas iguais. Sendo necessrio, no entanto, que o professor tenha em mente que a multiplicao tambm uma ferramenta para resolver problemas de contagem e oferece um dos primeiros contatos com a noo de proporcionalidade, uma das mais poderosas idias matemticas. Os autores colocam que, deve ser pretendido pela escola, inicialmente, que os alunos vejam a multiplicao como uma adio de parcelas iguais, e para isso devem ser exploradas situaes escolares em que preciso formar grupos como o mesmo nmero de elementos. Como exemplo: Uma caixa de lpis de cor contm 6 lpis. Quantos lpis h em 6 caixas? Como uma criana resolver o problema, se no sabe efetuar 3 x 6? Simplesmente efetuando 6+6+6 = 18, ou seja, adicionando parcelas iguais.

Situaes como essas descritas, explicam por que, atualmente, a maioria dos professores comea a ensinar a multiplicao de parcelas iguais. Toledo;Toledo (1997) discutem ainda, a preocupao dos professores em cumprir o contedo programado, em que eles muitas vezes realizam sozinhos a maior parte das tarefas do cotidiano da sala de aula e, fazendo com que os alunos percam excelentes oportunidades de desenvolver mais familiaridade com a multiplicao. Eles sugerem que as atividades possam ser feitas com materiais diversificados, como o baco de papel, fichas ou o material dourado, para que os alunos possam visualizar a propriedade distributiva da multiplicao em relao adio, que fundamento o processo que costumamos empregar para a multiplicao. Como exemplo no material dourado calcular 3 x 13: C D U

Figura 10: Demonstraes de diferentes multiplicaes

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Em um estudo realizado por Morgado (1993 apud Guimares, 1998)5 comparou a compreenso da multiplicao entre crianas inglesas e portuguesas. O autor levanta a hiptese de que a equivalncia um para muitos um esquema inicial que a aprendizagem pode construir para a compreenso da multiplicao. oportuno destacar que, enquanto em Portugal o ensino da multiplicao inicia-se mais cedo com a tabuada e problemas que exigem multiplicao na ordem para praticar a tabuada, na Inglaterra h um incentivo para que as crianas utilizem seus prprios mtodos e materiais concretos para resolverem os problemas, dando menos nfase s tabuadas. Outra diferena a lingstica: a tabuada memorizada como trs vezes oito, sendo que vezes quer dizer a operao para as crianas portuguesas, ao passo que as crianas inglesas so levadas a pensar a respeito do que trs oito. Para efeito desse estudo, foram pesquisadas 40 crianas portuguesas e 32 inglesas, com idades entre 8 e 9 anos que freqentavam escola em cidades universitrias. Resolveram quatro problemas verbais de multiplicao, um de adio e um de subtrao e quatro exerccios de clculo, para verificar a compreenso das propriedades comutativas e distributivas. Os resultados mostraram que no h influncias significativas das diferenas educacionais entre Portugal e Inglaterra na resoluo desses problemas. J em outro estudo, Saravali (1995) desenvolveu uma pesquisa sobre a psicognese da noo de multiplicao. Foram estudados 25 sujeitos com idades entre 7 e 11 anos divididos em dois grupos. A amostra A era composta por cinco sujeitos de cada idade alcanando N=25, com os quais se verificaram os nveis de evoluo da noo de multiplicao. A amostra B era composta por 8 crianas que no tinham construdo a idia de operador multiplicativo e as relaes de compensao entre multiplicando e multiplicador. Foram aplicados pr e ps-testes utilizando a prova de multiplicao e diviso aritmticas. A interveno pedaggica baseada no processo de solicitao do meio foi realizada utilizando atividades lgico-matemticas e jogos (pontos coloridos, tira e pe e jogo do Buraco). Os resultados foram diferentes de Morgado (1993) e mostraram que a interveno pedaggica foi eficaz na construo da noo de multiplicao aritmtica pelos sujeitos que no a possuam.

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MORGADO, L.M.A. et al. A comparison of the understanding the multiplication among english and

Portuguese children. In anais do 17 th Psychological Mathematic Conference, 1993.

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Taxa (1996) tambm estudou os procedimentos encontrados na resoluo de problemas verbais aritmticos e analisou questes pertinentes construo de uma correta representao mental e a resoluo de problemas verbais de estrutura multiplicativa, considerando-se as abstraes e a utilizao de material concreto. Foram estudadas 60 crianas de 1 4 srie com idades entre 7 e 12 anos do ensino fundamental, divididos em trs grupos (N=20) : a) crianas que no aprenderam a multiplicao na escola, b) crianas que estavam aprendendo a multiplicao, c) crianas que j haviam aprendido multiplicao, segundo seus professores. Nos pr e ps-testes foram aplicadas provas piagetianas de conservao, classificao e seriao. A resoluo dos problemas verbais aritmticos foi investigada por meio de sete problemas do tipo escolar, sendo quatro especficos de multiplicao e trs de adio e subtrao. Os problemas foram apresentados s crianas juntamente com o material concreto correspondente. Conclui-se que houve uma evoluo nas crianas em diferentes nveis de escolaridade ao resolver problemas, o que se deve ao fato da interao entre estrutura conceitual do problema e a escolha de procedimentos que indicam maior abstrao e flexibilidade do sujeito (TAXA, 1996, p.171). A autora afirma que fundamental para a criana ter contato oral com o problema e apoio do material concreto, pois possibilita uma construo de tcnicas de clculo. J em relao diviso, Toledo e Toledo (1997) colocam que ela est relacionada subtrao, podendo at ser considerada como uma subtrao reiterada de parcelas iguais, por isso apresenta questes semelhantes s daquela operao. O primeiro ponto que os autores destacam o fato da diviso estar ligada a duas diferentes idias, repartir igualmente e medir, sendo a primeira bem mais enfatizada que a segunda. A idia do repartir igualmente seria na seguinte situao: Lus tem 25 carrinhos e quer reparti-los igualmente entre seus 5 convidados. Com poder fazer isso? Supondo que Luiz no tenha decorado a tabuada, ele ir distribuir os carrinhos entre seus amigos de um em um, at acabarem os carrinhos de suas mos. Essa a idia do repartir igualmente, e tambm a idia que a maioria das pessoas tem a respeito da diviso. A seguinte situao a idia de medir: Uma florista tem 25 rosas para fazer arranjos. Como quer colocar 5 rosa em casa arranjo, quantos arranjos ela conseguir fazer? Supondo, que tal como o garoto da situao anterior, a florista tambm no saiba a tabuada. Como o arranjo deve ter 5 rosas, ela ir montar um de cada vez at abarem as rosas. Assim, s no final da ao ela saber quantos arranjos foram feitos. Essa situao, portanto, contrria

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situao anterior, pois se sabe quantos elementos h em cada grupo, mas no se sabe quantos grupos sero formados. As idias presentes nas situaes anteriores esto embutidas na definio de diviso de nmeros naturais. Dividir um nmero natural a pelo nmero natural b significa encontrar outros dois nmeros naturais q e r que obedeam a estas condies: a = b x q + r , e , r < b (r menor do que b). Representa-se a diviso assim:

O nmero a chama-se dividendo, o b o divisor, q o quociente e r o resto. Outro aspecto salientado por Toledo e Toledo (1997) discutem, a noo do resto da diviso, pois acreditam que o a relao entre o resto e o divisor devem ficar clara desde o incio: o resto desde ser sempre menor que o divisor. Assim, a diviso no sentido de repartir igualmente significa que se procura maior nmero possvel de elementos em cada um dos grupos fixados (o divisor); portanto, o total de elementos que sobram (resto) deve ser menos que o total de grupos fixados. No caso da diviso ligada idia de medir, pretende-se determinar a maior quantidade possvel de grupos, com uma quantidade prefixada de elementos em cada grupo (o divisor). Assim, o total de elementos que sobram (resto) deve ser menor que a quantidade prefixada para forma rum novo grupo. Em um estudo, Lautert e Spinillo (2002) analisaram o conhecimento matemtico de crianas sobre a diviso, investigando a partir de dois aspectos: desempenho em problemas de diviso e as concepes sobre a diviso. Foram estudadas oitenta crianas (5-9 anos) e foram solicitadas a resolver dois tipos de problemas de diviso (um de partio e outro por quotas) e, em uma entrevista clnica, eram solicitadas a responder a pergunta O que dividir?. Cada criana foi classificada em um grupo de desempenho em funo do nmero de acertos nos problemas. Diferentes tipos de definies foram identificados, os quais variavam desde definies sem um significado matemtico at definies que expressavam um significado matemtico exclusivamente associado diviso. Os dados do estudo mostraram haver uma relao entre desempenho e as definies sobre a diviso, e que as crianas atribuem um significado matemtico diviso antes de adotarem procedimentos apropriados na resoluo dos problemas. Os resultados

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inserem-se em um quadro terico de desenvolvimento que analisa as relaes entre conhecimento procedural e conhecimento explicitado lingisticamente. Dentro do trabalho de Lautert e Spinillo, (2002), Vergnaud (1982; 1983; 1986; 1991; 1997 apud Lautert e Spinillo, 2002)6 conceitua e diferencia a diviso, e afirma que a operao envolve regras operatrias complexas (utilizao de divises sucessivas, multiplicao, subtrao, busca de um quociente que pode envolver um resto e resultar em nmeros fracionrios) e requer o estabelecimento de relaes diversas (considerar o tamanho do todo, o nmero de partes, o tamanho das partes que deve ser o mesmo, a relao direta entre o total de elementos e o tamanho das partes, a relao inversa entre o tamanho das partes e o nmero de partes). Esta complexidade e diversidade podem ser ilustradas atravs da resoluo de problemas. Vergnaud (1991) destaca trs categorias distintas de problemas prprios das estruturas multiplicativas: produto de medidas, proporo mltipla e isomorfismo de medidas. Embora a resoluo desses problemas envolva a realizao de uma operao de diviso, o grau de dificuldade varia, como o caso dos problemas de isomorfismo denominados diviso por partio e diviso por quotas. Em problemas de partio dada uma quantidade inicial e o nmero de vezes (nmero de partes) em que esta quantidade deve ser distribuda, devendose encontrar o tamanho de cada parte (nmero de elementos). Exemplos: Paguei R$ 12,00 por quatro garrafas de vinho. Qual o preo de uma garrafa? Pedro comprou 15 carrinhos e tinha cinco caixinhas. Ele queria colocar o mesmo nmero de carrinhos em todas as caixas. Quantos carrinhos ele tinha que colocar em cada caixa? Para resolver problemas deste tipo, preciso considerar que o quociente a ser obtido refere-se ao tamanho das artes, que o dividendo representado pelo todo (valor/quantidade a ser dividida) e que o divisor refere-se ao nmero de parte sem que o todo seja dividido. Em

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Vergnaud, G. A classification of cognitive tasks and operations of thought involved in addition and subtraction problems.Em T.P. Carpenter, J.M. Moser & T.A. Romberg (Orgs.), Addition and subtraction: A cognitive perspective. New Jersey:Lawrence Earlbaum, 1982. Vergnaud, G. Multiplicative structures. Em R. Lesh & M Landau (Orgs.), Acquisition of mathematics: Concepts and process (pp. 127-174). London: Academic Press, 1983. Vergnaud, G. Psicologia do desenvolvimento cognitivo e didctica das matematicas. Un exemplo: as estruturas aditivas.Anlise Psicolgica, 1, (5), 76-90, 1986. Vergnaud, G. El nio, las matemticas y la realidad: problemas de la enseanza de las matemticas en la escula primaria.Mxico: Trillas, 1991. Vergnaud, G. The nature of mathematical concepts. Em T.Nunes & P. Bryant (Orgs.), Learning and teaching mathematics.An international perspective (pp. 5-28). Hove: Psychology Press, 1997.

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problemas de diviso por quotas dada uma quantidade inicial que deve ser dividida em quotas preestabelecidas (tamanho das partes). Exemplos: Tenho R$ 12,00 e quero comprar alguns pacotes de caramelo que custam R$ 4,00 cada pacote. Quantos pacotes eu posso comprar com esta quantia? Pedro comprou 15 carrinhos e queria colocar cinco carrinhos em cada caixa. Quantas caixas ele vai precisar? Para resolver problemas de diviso por quotas, deve-se considerar que o quociente a ser obtido refere-se ao nmero de partes em que o todo foi dividido, que o dividendo representado pelo todo e o divisor refere-se ao tamanho das partes (quota). Mesmo mantendo-se os mesmos valores em ambos os tipos de problema, estes no podem ser considerados como de uma mesma natureza. A mudana da incgnita a ser encontrada altera a natureza da operao a ser aplicada. Estes exemplos ilustram a idia de que existem diferentes situaes que apelam para o domnio de propriedades diferentes relativas a um mesmo conceito. A literatura mostra que problemas de partio so mais fceis do que os de diviso por quotas (SELVA, 1998). Uma das explicaes para isto que a noo inicial que a criana tem sobre a diviso, derivada das experincias sociais, a de repartir um todo em partes iguais at que este todo se esgote. As noes sobre a diviso decorrem da idia de distribuir, como evidenciam os estudos de Nunes e Bryant (1997). A ao de compartilhar baseia-se na idia de distribuir quantidades iguais entre cada receptor a partir da correspondncia um-a-um para cada conjunto, at que se esgotem os elementos a serem distribudos ou que reste um nmero insuficiente de el