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UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SANTOS EVELISE CRISTINA SCAPOL GUILMORISMOS: REFERÊNCIAS CULTURAIS NA TRADUÇÃO AUDIOVISUAL EM GILMORE GIRLS SANTOS – 2008 PDF Creator - PDF4Free v2.0 http://www.pdf4free.com

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UNIVERSIDADE CATLICA DE SANTOS

EVELISE CRISTINA SCAPOL

GUILMORISMOS: REFERNCIAS CULTURAIS NA TRADUO AUDIOVISUAL EM GILMORE GIRLS

SANTOS 2008

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EVELISE CRISTINA SCAPOL

GUILMORISMOS: REFERNCIAS CULTURAIS NA TRADUO AUDIOVISUAL EM GILMORE GIRLS

Trabalho de Concluso de Curso apresentado como exigncia parcial para obteno do grau de Bacharel em Traduo e Interpretao, Universidade Catlica de Santos.

Orientador: Prof. Me. Jos Martinho Gomes

SANTOS 2008

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EVELISE CRISTINA SCAPOL

GUILMORISMOS: REFERNCIAS CULTURAIS NA TRADUO AUDIOVISUAL EM GILMORE GIRLS

Trabalho de Concluso de Curso apresentado como exigncia parcial para obteno do grau de Bacharel em Traduo e Interpretao, Universidade Catlica de Santos.

Banca Examinadora:

________________________________________________________ Prof. Me. Jos Martinho Gomes, Universidade Catlica de Santos

________________________________________________________ Prof. Christian Ares Lapo, Universidade Catlica de Santos

Data da aprovao _____________________

SANTOS 2008

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Agradecimentos

Agradeo primeiramente aos meus pais, Fernando e Solange, pelas oportunidades que me proporcionaram na vida, por apoiarem minhas decises e serem sempre um exemplo a seguir; aos meus irmos, Renata e Luiz Fernando, pelo companheirismo e por sempre me fazerem rir; e minha av Luiza, pelas oraes. Agradeo ao Corpo Docente do curso de Traduo e Interpretao da Unisantos que muito contribuiu para minha formao acadmica, em especial ao Professor Me. Jos Martinho Gomes pela valiosa orientao, pela amizade e pela confiana em mim depositada; e ao Professor Christian Ares Lapo por gentilmente ter aceitado fazer parte da Banca Examinadora e por ter nos auxiliado com seus preciosos conhecimentos. Agradeo a Dbora Rezende, pela deliciosa amizade e cumplicidade, que vai muito alm da vida acadmica; e Deborah Amorim, porque sem a descontrao do dia-a-dia no teria sido possvel continuar a jornada. Obrigada por estarem ao meu lado nesses quatro anos. A Araceli Romero, Felipe Trindade e meus demais colegas de classe, agradeo pelas risadas, pela unio, pelos saudveis desentendimentos, e por todos os momentos maravilhosos e peculiares que compartilhamos. Aos meus companheiros de trabalho, agradeo pela indispensvel troca de experincias. Ao Rafael Brites, meu namorado e amigo, agradeo pela pacincia e pelo apoio incondicional.

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Traduo tem que ser um ato ousado, corajoso, o tradutor tem de ser artista, tem de fazer violncia com a linguagem. uma profisso a princpio impossvel. Mas o homem s cria algo de fato grande quando trabalha no campo do impossvel, como formulou Ortega y Gasset. (Boris Schnaiderman)

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SCAPOL, Evelise Cristina. Guilmorismos: Referncias Culturais na Traduo Audiovisual em Gilmore Girls. Santos, 2008, 99 f. (Trabalho de Concluso de Curso) Universidade Catlica de Santos.

O presente trabalho tem como objetivo refletir acerca da traduo das referncias culturais do seriado de televiso norte-americano Gilmore Girls a partir da anlise da legenda e dublagem de alguns de seus episdios. Por meio do estudo do referido corpus e da aplicao de modalidades tradutrias propostas por Vinay e Darbelnet e outros tericos, o intuito observar a questo de perda ou conservao de elementos culturalmente marcados no momento em que a traduo audiovisual feita, e verificar as modalidades que mais se destacam nesse processo. Tendo em vista o rigoroso processo pelo qual o tradutor para o meio audiovisual passa a fim de realizar seu papel da melhor forma possvel, o presente trabalho visa, tambm, apontar as caractersticas da traduo para cada uma das vertentes em questo.

Palavras-chave: dublagem, legendagem, traduo audiovisual, modalidades tradutrias, procedimentos tradutrios.

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SCAPOL, Evelise Cristina. Guilmorismos: Referncias Culturais na Traduo Audiovisual em Gilmore Girls. Santos, 2008, 99 f. (Trabalho de Concluso de Curso) Universidade Catlica de Santos.

The aim of this paper is to reflect about the translation of the cultural references from North American television series Gilmore Girls based on the analysis of the subtitles and dubbing in some of its episodes. By studying the mentioned corpus and applying translation procedures conceived by Vinay and Darbelnet and other theorists, the objective is to observe the loss or conservation of culturally marked elements at the moment the audiovisual translation is being rendered, and verify the modalities that stand out in this process. Considering the strict process the audiovisual translator goes through in order to perform his/her role the best possible way, this paper also aims at indicating the suitable characteristics to each type of audiovisual translation discussed here.

Key-words: dubbing, subtitling, audiovisual translation, translation modalities, translation procedures.

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Sumrio

INTRODUO .............................................................................................

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I. CONSIDERAES TERICAS ...............................................................

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II. MODALIDADES TRADUTRIAS ............................................................ 2.1. Modalidades tradutrias identificadas em nosso corpus ...................... 2.1.1 Omisso .......................................................................................... 2.1.2. Emprstimo .................................................................................... 2.1.2.1. Aclimatao ........................................................................... 2.1.3. Explicitao .................................................................................... 2.1.4. Traduo Literal ............................................................................. 2.1.5. Modulao ...................................................................................... 2.1.5.1. Modulao por hipernimo .................................................... 2.1.6. Adaptao ...................................................................................... 2.1.7. Traduo Livre ............................................................................... 2.2. Demais modalidades propostas por Francis Aubert .............................

17 19 19 19 20 20 21 21 22 22 23 23

III. A TRADUO AUDIOVISUAL ................................................................ 3.1. A Traduo para Legendas .............................................................. 3.2. A Traduo para Dublagem .............................................................. 3.3. Consideraes sobre Dublagem e Legendagem .............................. 3.3.1. A Linguagem ............................................................................ 3.3.2. As Crticas ................................................................................ 3.3.3. A Preferncia ............................................................................ 3.3.3.1. Pesquisa quantitativa .....................................................

26 27 30 31 32 34 35 37

IV. O CORPUS E A SUA ELABORAO .................................................... 4.1. O Seriado: Gilmore Girls ...................................................................

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4.2. Enredo e Personagens ...................................................................... 4.3. Caractersticas do Seriado ................................................................

40 42

V. A ANLISE DO CORPUS ........................................................................

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CONSIDERAES FINAIS .........................................................................

55

REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS ............................................................. BIBLIOGRAFIA CONSULTADA ................................................................... APNDICE A ................................................................................................ APNDICE B ................................................................................................ APNDICE C ............................................................................................... ANEXO A ..................................................................................................... ANEXO B ..................................................................................................... ANEXO C .....................................................................................................

57 59 61 86 88 91 97 99

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Introduo

Com o advento da globalizao e a velocidade dos avanos tecnolgicos, diminui-se a barreira entre os povos e, conseqentemente, entre lnguas e culturas. Para que pessoas de universos culturais distintos possam se comunicar, notamos a importncia, cada vez mais acentuada, da traduo. Novos desafios nesse campo surgem a todo o momento, e o tradutor competente deve estar preparado para atuar nas mais diversas reas. Ao longo deste trabalho, veremos que o ato tradutrio no se limita apenas a textos literrios ou documentos. A traduo para a legenda e a dublagem tem se configurado em um terreno cada vez mais frtil para os profissionais da rea. Atentando a esse fato, sentimos a ausncia de uma viso terica que se baseie especificamente nesses dois tipos de traduo audiovisual. A doutora em estudos da traduo Helosa Barbosa atenta ao fato de que:

a traduo no se restringe da palavra divina, da poesia ou da grande obra literria. No mundo de hoje, na aldeia global forjada pelos meios de comunicao de massa, ela se torna corriqueira, cotidiana e fundamental nos mais variados campos do conhecimento e das atividades do homem. (1990, p. 19)

, talvez, devido a essa lacuna terica, que algumas tradues para o meio audiovisual causam certo incmodo aos telespectadores por no conterem expresses muito utilizadas em sua lngua materna ou at mesmo por trazerem evidentes perdas de informao. Assim, comum que as pessoas julguem a qualidade ou, mesmo, a pertinncia da legenda ou dublagem. Tais crticas so feitas, na maioria das vezes, por leigos, sem nenhum embasamento em teorias da traduo ou conhecimento das tcnicas de traduo de multimdia.

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O corpus da presente pesquisa constitudo de 100 referncias populares da cultura da lngua de origem, cujas tradues foram veiculadas por dois meios, a legenda e a dublagem. Esses itens lexicais, que abarcam desde nomes de personalidades at ttulos de msicas, foram selecionados aleatoriamente em 17 episdios da terceira temporada do seriado de televiso norte-americano Gilmore Girls. O ttulo escolhido para nosso trabalho tem origem no nome em ingls de um guia, elaborado pela Warner Bros., onde so explicados alguns desses termos, a fim de proporcionar ao espectador da srie um maior entendimento das referncias culturais presentes nas falas das personagens. O referido guia encontra-se no anexo A do presente trabalho. Visando o devido embasamento terico, no primeiro captulo

descreveremos a posio de alguns tericos sobre o ato tradutrio e alguns dos inmeros modelos desenvolvidos por esses estudiosos na incessante busca por uma tradutologia. O intuito de nosso trabalho observar, por meio de estudo do corpus, a questo da perda de elementos culturais ou a conservao dos mesmos no momento em que essa traduo feita. Para tal estudo, faremos uso das modalidades de traduo que sero abordadas no segundo captulo. Em seguida, no terceiro captulo, apresentaremos os tipos de traduo audiovisual que sero analisados no presente trabalho a legendagem1 e a dublagem. Discorreremos, tambm nesse captulo, sobre as principais diferenas entre essas duas vertentes, alm de expor os resultados de uma pesquisa quantitativa, realizada por ns, sobre a preferncia entre dublagem e legendagem. No quarto captulo, faremos a descrio do seriado de televiso escolhido para compor nosso corpus. Proporcionaremos um breve resumo do enredo e das personagens de Gilmore Girls, bem como as principais caractersticas que fazem do seriado um rico material de estudo.

1

Para efeitos de esclarecimento terminolgico, convm explicar, previamente, que utilizaremos o termo legendagem para representar o trabalho de traduzir um filme ou seriado que ser legendado, e legendao para o trabalho mecnico de insero dessas legendas no produto original.

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Subseqente a isso, no quinto captulo, apresentaremos nossa anlise do corpus, apontando as modalidades adotadas pelos tradutores, e o resultado de suas escolhas. Para tal, faremos uso dos conceitos propostos por Francis Aubert em sua reformulao dos procedimentos tcnicos da traduo de Vinay e Darbelnet, alm de alguns conceitos adicionais que sero mencionados no primeiro captulo. Por fim, o apndice A contm as modalidades tradutrias aplicadas traduo das 100 referncias que constituem o corpus do presente trabalho. No apndice B, apresentamos dois quadros com as freqncias, total e parcial, das ocorrncias de cada modalidade empregada. E o apndice C mostra a distribuio da pesquisa, apresentada no captulo III, em grficos comparativos. Dispomos, ainda, no anexo B, a ficha tcnica do seriado que compe nosso material de estudo e o anexo C corresponde a um DVD contendo as cenas analisadas no quinto captulo.

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I.

Consideraes Tericas

Ao tratarmos das referncias culturais encontradas no seriado Gilmore Girls, em um primeiro momento, deparamo-nos com a problemtica da fidelidade tradutria. A discusso sobre qual a forma ideal de se traduzir remonta a muitos sculos, quando os autores romanos Ccero e Horcio, em seus escritos sobre a interpretao, a oratria e a potica, rompem com a tradio de fidelidade da traduo, preferindo que o texto traduzido soe natural e fluido. Por um longo tempo, o conceito de traduo foi considerado, de um modo geral, uma simples transferncia de significado de uma lngua de partida para uma determinada lngua de chegada. Desde a quebra desses conceitos na Roma antiga, no entanto, tem-se presenciado uma contnua busca por uma teoria da traduo. Abordaremos, neste captulo, o posicionamento de alguns tericos sobre a traduo ao longo dos anos. Na segunda metade do sculo XVII, na Inglaterra, surge John Dryden, poeta, dramaturgo, crtico literrio e tradutor de poesias que, segundo John Milton (1993, p. 26), era provavelmente a figura de maior influncia no mundo das letras na poca. Dryden traz para a traduo um sentido crtico. Foi o primeiro a descrever a traduo como uma arte, com leis e princpios prprios que devem orientar o tradutor. Nos prefcios de suas tradues, encontramos a clebre distino entre metfrase (traduo de palavra por palavra, literal); parfrase (quando o sentido do original ampliado, mas no alterado) e imitao ou mmese (traduo livre), que pe em termos novos a velha discusso da fidelidade em traduo e que influenciar, direta ou indiretamente, todas as geraes subseqentes de tradutores e tericos. No fim do sculo XVII e incio do sculo XVIII, a tradio francesa das belles infidles trouxe, pela prtica, o princpio da fidelidade apenas ao esprito, e no letra, da esse modo de traduzir ter sido comparado na poca a uma

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metamorfose (transformao). Os tradutores franceses, a fim de chegar clareza de expresso e harmonia de som, muitas vezes faziam acrscimos, alteraes e omisses nas suas tradues. Segundo o pesquisador SilegmannSilva, o que importa para as belles infidles a beleza e a clareza do texto, a sua recepo, e no o respeito pelo texto de partida (2002, p. 261). No incio do sculo seguinte, na Alemanha, a maioria dos tericos era favorvel a um tipo de traduo que seguisse o mais fielmente possvel as formas e a lngua original, ou seja, uma idia completamente oposta quelas que caracterizaram as belles infidles. Friedrich Scheleiermacher, por exemplo, concebeu duas maneiras de traduzir. A primeira uma traduo facilitada, que parece totalmente natural na lngua de chegada, contrastando com a segunda maneira, preferida pelo autor, em que a traduo retm elementos sintticos e morfolgicos da lngua de partida, resultando em uma recriao do original podendo, assim, parecer estranha e soar de modo dissonante na sua tentativa de trazer elementos da lngua estrangeira para a literatura-alvo (MILTON, 1993, p. 60). O segundo modelo de Scheleiermacher seguido por tericos de peso como Walter Benjamin e o filsofo espanhol Jos Ortega y Gasset. J no sculo XX, com o advento dos Estudos Descritivos da Traduo (doravante EDT), a polaridade entre a traduo livre e a traduo literal deixada de lado, pois havia muito mais a ser estudado alm dessa dicotomia. Essa nova vertente surgiu no incio dos anos 1970, a partir das propostas apresentadas por um grupo de tericos europeus, incluindo Andr Lefevere, Gideon Toury e Itamar Even-Zohar, que se dedicavam ao estudo das tradues literrias. A autora e tradutora Sara Laviosa (2004) afirma que os tericos dos EDT adotaram um modelo de pesquisa comparativa que se destinava investigao de exemplos reais da lngua, e de padres lingsticos relacionados a fatores scio-culturais, bem como de regularidades lingsticas como normas de um comportamento e no como norma prescritiva. Assim, ao examinar os corpora, so comparadas as variedades lingsticas dentro dos textos originais e das suas prprias tradues, gneros e modalidades. Esses estudos evoluram como uma especialidade prtica e acabaram por contribuir para o surgimento dos Estudos da Traduo Baseados em PDF Creator - PDF4Free v2.0 http://www.pdf4free.com

Corpora (doravante ETC), estabelecidos, a partir dos anos 90, por Mona Baker. Assim como os EDT, os ETC salientavam a importncia de se desenvolver uma metodologia descritiva para a comparao de resultados. Entretanto, esses estudos no se limitavam somente a observar o resultado final (texto traduzido), mas tambm a analisar todo o processo tradutrio. Os ETC so importantes, uma vez que possibilitam estudos como o do presente trabalho, em que procuraremos demonstrar algumas das

possibilidades de anlise a partir do uso de corpus. Abordaremos, nos pargrafos seguintes, alguns tericos que

desenvolveram importantes modelos e teorias na busca por uma tradutologia. Zanotto esclarece que a transferncia interlingual, que pode se realizar em nvel da forma, do sentido ou da situao, envolve um mnimo e um mximo de alteraes que podemos definir e classificar como modalidades da traduo (1993, p. 25). Entre os autores que propem modelos de traduo esto Vinay e Darbelnet, Nida, Catford e Newmark. Os modelos de traduo surgem para tentar explicitar como um texto pode ser traduzido j que a forma literal, por vezes, no a mais apropriada. Em 1958, dois professores do Canad, J.P. Vinay e J. Darbelnet, desenvolveram o primeiro mtodo de traduo com um conjunto de procedimentos tcnicos possveis de serem utilizados. Tais procedimentos, organizados em forma de uma escala, partindo de um grau zero da traduo e atingindo, em seu outro extremo, o procedimento mais distante do texto original, tinham como inteno original constituir uma referncia didtica, no quadro da formao de tradutores profissionais. Entre esses dois extremos, agrupam-se duas grandes categorias: a traduo direta, em que a passagem da lngua de partida para a lngua de chegada feita sem muita elaborao ou mudana de forma, e a traduo oblqua, que envolve mudanas formais das estruturas lingsticas e atm-se mais ao contedo e estilo.

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Os canadenses ainda mencionam, em sua obra, que a gramtica de base gerativa-transformacional2 poderia ser til para o tradutor. Para Eugene Nida lingista da segunda metade do sculo XX, especializado em tradues da Bblia , uma viso gerativa da lngua fundamental, ou seja, ele considera a lngua como um mecanismo dinmico capaz de gerar uma srie infinita de enunciados diversos (NIDA apud BARBOSA, 1990, p. 32). O terico estabelece dois tipos de equivalncia que devem ser buscadas na traduo: a dinmica e a formal. A primeira centrada no contedo e na forma da mensagem original; enquanto na segunda, o objetivo obter na traduo uma total naturalidade da expresso da mensagem contida no texto original (NIDA apud GEHRING, 1998, p. 12). Nida afirma que, na traduo, deve-se dar ateno primeiramente ao sentido e depois forma. Segundo ele, tudo o que pode ser dito em uma lngua pode ser dito em outra; para tal, o tradutor deve decodificar, transferir e transformar a mensagem nas estruturas da outra lngua, em suas palavras, para preservar o contedo da mensagem, a forma deve ser alterada respeitando o gnero de cada lngua (ibidem). J. C. Catford, terico amplamente divulgado no Brasil, considera que a traduo deve recorrer a uma teoria lingstica geral. Segundo Rosemary Arrojo (2002, p. 12), o autor defende a traduo como um processo que leva em conta a substituio das palavras de uma lngua para outra, mas no considera o contexto histrico-social. Nas palavras do terico, a traduo a substituio do material textual de uma lngua pelo material textual equivalente em outra lngua (ibidem). Nida afirma, posteriormente, que esse tipo de traduo resulta em uma imagem comparativa de um trem, enfileirando-se as palavras, tais como os vages, de acordo com o original (NIDA apud ARROJO, 2002, p. 12). Eugene

2

A gramtica de base gerativa-transformacional uma teoria que, segundo Noam Chomsky, preocupa-se prioritariamente com a caracterizao dos estados mentais correspondentes ao conhecimento gramatical que um indivduo normal tem de uma lngua particular (NOVAES, 2008).

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Nida e J. C. Catford so nomes geralmente associados s primeiras tentativas de se articular lingstica e traduo. Catford props quatro modelos de traduo, no ltimo dos quais considera a traduo livre e a traduo literal como noes intuitivas. Peter Newmark (apud BARBOSA, 1990, p. 49) se detm nessa clssica dicotomia que existe no pensamento sobre a traduo. Ele utiliza duas metodologias de traduo: a semntica, em que o foco recai sobre a lngua de partida, o autor original e seu pblico; e a comunicativa, em que o foco recai sobre a lngua de chegada e o leitor. Barbosa (ibid., p. 53) nota que aquilo que Newmark define como traduo semntica basicamente equivale ao que Vinay e Darbelnet definem como traduo direta. As definies e categorizaes mencionadas por esses e outros tericos, embora apresentem amplitude de aplicao, revelam problemas quanto distino entre as diferentes modalidades, o que tem levado novos tericos, como Helosa Barbosa (1990) e Francis Aubert (1998) a fazerem

reformulaes. Como veremos a seguir, uma das reformulaes do modelo de Vinay e Darbelnet, propostas pelo pesquisador Francis Aubert, a que nos ateremos ao realizar a anlise do corpus do presente trabalho.

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II. Modalidades Tradutrias

Devido grande divergncia e variedade de teorias e releituras das modalidades tradutrias, optamos por adotar em nosso trabalho a proposta de Francis Henrik Aubert, tomando como base o artigo Modalidades de Traduo: Teoria e Resultados, publicado na revista TradTerm em 1998. Em seu trabalho, Aubert apresenta uma avaliao das limitaes e potencialidades dos procedimentos tcnicos da traduo originalmente elaborados por Vinay e Darbelnet por volta de 1958. O autor prope uma redefinio operacional de cada modalidade de modo a evitar maiores flutuaes no processo de anlise e qualificao bem como promove alguns desdobramentos e acrscimos ao elenco das modalidades (GEHRING, 1998, p. 38). Seguindo a mesma linha de raciocnio dos professores canadenses, Aubert distribuiu as modalidades em dois eixos: o da traduo direta, que abarca os procedimentos que tratam de aspectos estruturais e ajustes morfossintticos e apresentam, portanto, menor grau de dificuldade para o tradutor; e o da traduo indireta, onde esto includos os procedimentos que requerem mudanas na estrutura e no estilo como forma de assegurar a equivalncia entre o texto na lngua de partida e o texto na lngua de chegada e que demandam uma reflexo semntica e uma anlise cultural contrastiva mais profunda (ibid., p. 31). O primeiro eixo compe-se das modalidades de transcrio, emprstimo, decalque, traduo literal e transposio; o segundo composto de explicitao/implicitao, modulao, adaptao e traduo intersemitica. O autor ainda inclui erro, correo e acrscimo, sem que os distribua entre os eixos. Contudo, devemos esclarecer que em nosso corpus encontramos exemplos que no se adquam perfeitamente a nenhuma das referidas

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modalidades propostas Vinay e Darbelnet e reformuladas por Aubert, e, portanto, alm dos procedimentos abordados no artigo consultado, levaremos em conta modalidades propostas por outros tericos. Consideramos, no presente trabalho, o conceito de traduo livre como uma modalidade tradutria, j que se refere a uma deciso que o tradutor pode tomar. A traduo livre um procedimento que permite a esse profissional superar as dificuldades que as diferenas culturais e lingsticas das duas lnguas (a de partida e a de chegada) implicam, diferenciando-se da adaptao, como veremos mais adiante. Outra modalidade a aclimatao, uma ramificao do procedimento denominado por Vinay e Darbelnet de emprstimo; porm Aubert (1998) no faz meno a ela. Alguns escritores descrevem a aclimatao como um sinnimo do decalque, modalidade que consiste na traduo literal de sintagmas ou tipos frasais da lngua de partida no texto traduzido. No entanto, entendemos que enquanto o decalque estende-se a sintagmas, a aclimatao ocorre em palavras isoladas. Decidimos tambm propor em nossa anlise uma ramificao da modulao, modalidade proposta por Vinay & Darbelnet e retomada por Aubert. Portanto, alm de adicionar exemplos de traduo livre e aclimatao em nosso trabalho, mostraremos a modulao por meio da substituio da palavra por seu hipernimo. Acreditamos que essa uma categoria que merece ser classificada como modalidade tradutria originada da modulao, devido sua abrangncia e recorrncia, no s em nosso corpus, mas em diversas outras tradues. Em nosso trabalho discorreremos somente sobre as modalidades empregadas em nossa anlise. As demais sero brevemente citadas ao final deste captulo, em uma seo independente.

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2.1. Modalidades tradutrias identificadas em nosso corpus

2.1.1. Omisso

Ocorre omisso em uma traduo quando a informao contida em determinado segmento textual original excluda sem deixar traos, no sendo recuperada mesmo no que est implcito do texto traduzido. Ex.3: [O] If you are Adrian Zmed, that includes everything that ever happens in your whole life. [L] [D] Tem gente que faz isso durante a vida inteira. Dependendo de quem for, isso pode incluir tudo o que faz na vida.

2.1.2. Emprstimo

Segundo Aubert (1998), essa modalidade ocorre quando um segmento textual original, tpico da lngua de partida, mantido no texto traduzido, eventualmente com alguma alterao de grafismo (itlico, aspas, negrito etc.). Ex.: [O] [L] [D] Theres no way youre gonna become our Pete Best. No tem como voc virar nosso Pete Best. No tem como voc virar a nossa Pete Best.

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Todos os exemplos do presente trabalho pertencem ao nosso corpus e sero dispostos da seguinte forma: o texto original, representado por [O], a traduo na legenda [L], e a traduo na dublagem [D].

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2.1.2.1. Aclimatao

Aclimatao, ou estrangeirismo aclimatado, o processo por meio do qual os emprstimos so adaptados lngua que os toma. A partir do momento que os vocbulos emprestados da lngua de partida so aceitos pelos falantes da lngua de chegada, passam a ser conformados sua fonologia e morfologia. Segundo Newmark, que d a esse procedimento o nome de naturalizao, o estrangeirismo aclimatado uma das formas da modalidade que autores como ele e Barbosa chamam de transferncia. A transferncia na classificao de Aubert seria um sinnimo de emprstimo. Como exemplo de aclimatao, podemos mencionar o prprio ttulo do presente trabalho. A palavra Guilmorismos um emprstimo do original em ingls Gilmore-isms, que foi adaptado por ns s regras gramaticais da lngua portuguesa.

2.1.3. Explicitao

Nessa modalidade, elementos de significado que no texto original so mantidos implcitos, pois presume-se que sejam de conhecimento geral da comunidade da lngua de partida, na traduo, por se tratar de outra comunidade cultural, so explicitados. No quinto captulo, veremos um exemplo de explicitao acompanhada de um emprstimo caracterizando, assim, uma modalidade hbrida.

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2.1.4. Traduo Literal

Ocorre traduo literal quando o segmento textual original reproduzido no texto traduzido mantendo uma fidelidade semntica estrita e adequando a morfossintaxe s normas gramaticais da lngua de chegada. Barbosa (1990, p. 27) afirma que enquanto muitos autores parecem repudiar esse tipo de traduo, outros, como Aubert e Newmark, vem a traduo literal como necessria e em alguns casos, na traduo juramentada, por exemplo, como obrigatria. Para Newmark, , na verdade, o procedimento recomendvel sempre que possvel. Ex.: [O] If it doesnt have Encyclopedia Brown in the title, that narrows it down a lot. [L] [D] Se no tiver Enciclopdia Brown no ttulo, fica difcil. Se o ttulo no for Enciclopdia Brown, vai ser muito mais fcil.

2.1.5. Modulao

A modulao consiste em substituir um segmento textual da lngua de partida por outro na lngua de chegada sob um ponto de vista diferente, visto que a interpretao da experincia do real pode ser diferente em lnguas e culturas distintas. Na modulao, segundo Saussure (apud AUBERT, 1998), os significados so parcial ou totalmente distintos, mas mantm-se, em termos genricos, o mesmo sentido. Ex.: [O] [L] [D] The C&H Pure Cane Sugar dancers? Os danarinos daquela marca de acar? Danarinos da pura cana de acar?

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2.1.5.1. Modulao por Hipernimo

Ao colhermos exemplos para comporem nosso corpus, notamos o uso da modulao por meio da substituio da palavra do texto original por seu hipernimo. Acreditamos que essa ocorrncia possa ser considerada uma ramificao independente dentro da modalidade em questo, e a inclumos em nossa anlise. Ex.: [O] [L] [D] I wonder if Laura Mercier makes Demerol. A indstria de cosmticos tambm faz sedativos? Ser que existe sedativo de grife?

2.1.6. Adaptao

A adaptao aplicada em casos em que a situao do texto original no existe na realidade extralingstica dos falantes da lngua de chegada, e deve ser estabelecida uma equivalncia parcial de sentido; uma assimilao cultural. Os contextos so diferentes em cada cultura, porm a situao equivalente. Ex.: [O] [L] [D] From mine, it was an Evening at the Improv. Para mim, foi melhor do que uma noite no circo. Pra mim foi uma tarde memorvel.

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2.1.7. Traduo Livre4

aquela em que o tradutor procura transmitir mais o pensamento e as idias do autor, sem se restringir s palavras textuais do original, por vezes abandonando por completo o sentido original. Nessa modalidade, o tradutor est mais livre para fazer escolhas.

No momento em que se chega significncia das palavras, ou seja, ao seu modo de significar, o tradutor se embate nos seus limites: de fato, a cada palavra est associado um modo de significar e, para manter essa significncia, deve-se escolher a forma mais apropriada na lngua de chegada. (ROMANELLI, 2003)

Observe diferentes exemplos de traduo livre na legenda e na dublagem: Ex.: [O] [D] See if you can steal me something off of Tom Daschles fruit plate. V se consegue roubar alguma coisa do prato de frutas do buf.

[O] [D]

Sure, its been taken over by the J. Crew catalog. Claro, fui indicado por um guia de restaurantes.

2.2. Demais modalidades propostas por Francis Aubert

As demais modalidades da reformulao do modelo de Vinay e Darbelnet por Aubert, e que no sero verificadas em nosso trabalho, so as seguintes:

4

No presente trabalho, o uso da modalidade em questo est dissociado do conceito generalista de Catford sobre traduo livre.

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Transcrio considerada pelo autor o verdadeiro grau zero da traduo. So considerados como transcrio os algarismos, as unidades lingsticas universais, as frmulas e os smbolos matemticos, ou segmentos que no pertenam a nenhuma das lnguas em questo. Decalque Como vimos anteriormente, existe um conflito em torno da definio dessa modalidade. Porm, para Helosa Barbosa (1990, p. 27), decalque no vem a ser a aclimatao de um emprstimo lingstico, e sim um caso de emprstimo que se estende aos sintagmas. Transposio Ocorre sempre que h rearranjos morfossintticos. Por exemplo, se duas ou mais palavras do texto de partida forem fundidas em uma nica na traduo, e vice-versa; se a ordem das palavras for alterada no texto de chegada; ou se houver uma modificao da classe gramatical de elementos que constituem o segmento original. Erro Essa modalidade somente utilizada em casos onde os erros estiverem evidentes, seja por uso inadequado de determinada modalidade ou por m interpretao do texto original. Correo Ocorre quando, ao detectar erros, inadequaes e gafes no texto original, o tradutor opta por melhorar o texto traduzido em comparao ao da lngua de partida. Acrscimo Trata-se de qualquer fragmento textual includo pelo tradutor,

introduzindo uma informao suplementar, no explicitada nem implicitada no original. Pode aparecer tambm como Nota do Tradutor. Para Aubert, o acrscimo difere da explicitao por se tratar de qualquer segmento textual que seja includo no texto traduzido por conta prpria do tradutor, sem que haja

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qualquer motivao no contedo explcito ou implcito do texto (apud BERSCOLA, 2006, p. 57). Traduo Intersemitica Consiste na reproduo escrita no texto traduzido de um elemento simblico ou icnico do texto original, por exemplo a indicao da existncia de figuras, logomarcas, selos, brases etc., sendo mais comumente adotada na traduo juramentada.

As duas ltimas modalidades citadas so inviveis no caso da traduo audiovisual, j que no h espao, seja na dublagem ou na legendagem, para notas explicativas. Apresentaremos, no captulo seguinte, todo o processo que envolve esses dois tipos de traduo.

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III. A Traduo Audiovisual

Antes de darmos incio exposio dos tipos de traduo audiovisual e de sua importncia para a comunicao entre culturas de todo o mundo, veremos o que significa audiovisual. Segundo o dicionrio (FERREIRA, 2007), o termo utilizado para designar recursos de comunicao que atingem o indivduo-receptor atravs dos canais auditivo e visual. A traduo audiovisual , portanto, aquela aplicada a filmes, seriados, documentrios, entrevistas, notcias, debates, espetculos etc., veiculados por meio da televiso, do cinema, da Internet, de DVD e de VHS, sendo tambm conhecida como traduo de multimdia. Traduzir para esses veculos ter nas mos um poderoso instrumento de difuso das culturas no mundo. ter o controle de como a cultura de um pas ser vista por outra e ter a responsabilidade de fazer essa transio de maneira natural e adequada. Por essa razo, o profissional envolvido nessa atividade precisa estar sempre bem informado, deve ter um bom conhecimento da cultura da lngua de partida, bem como a da lngua de chegada, e ter sensibilidade e bom-senso no momento de fazer essa passagem. Cabe a ele o encargo de transmitir a mesma mensagem, independentemente do grau de divergncia entre a cultura dos emissores da lngua original e a dos receptores da traduo. Ao assistir a um filme ou um programa na televiso, seja ele dublado ou legendado, o espectador procura certo grau de identificao ou afinidade com o contedo, por isso h a importncia de se estabelecer uma correspondncia cultural e tentar aproximar ao mximo o produto original de sua verso traduzida, sem prejudicar o entendimento do receptor. Para isso, fundamental que o tradutor se informe sobre os interesses dos clientes5, o pblico-alvo do meio para o qual est traduzindo e a cultura desse pblico. Na traduo5

No caso da traduo audiovisual, os clientes so as produtoras ou canais de televiso. Os estdios de dublagem e os laboratrios de legendao seguem as normas de cada cliente.

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audiovisual, a partir do momento que o produto distribudo, no h espao para retratao, notas do tradutor, ou outras formas de explicao. Existem inmeros tipos de traduo audiovisual. Dentre eles, os mais conhecidos em nossa cultura so a legendagem, a dublagem, o voice-over6, o closed caption7, a legendagem para surdos8 e a descrio em udio para cegos. A legendagem e a dublagem so as vertentes mais difundidas no Brasil e sero os objetos de nosso trabalho. A seguir, apresentaremos seus procedimentos tcnicos, suas caractersticas especficas e algumas

consideraes relevantes sobre cada uma delas.

3.1. A Traduo para Legendas

A produo de legendas considerada uma das categorias mais complexas da traduo. As restries tcnicas atribudas pelo processo de insero de legendas, alm das normas impostas por cada cliente, muitas vezes impedem que o profissional traduza tudo o que est sendo dito no filme e acarretam uma srie de adaptaes obrigatrias. O tradutor precisa usar toda sua imaginao e criatividade para dizer o essencial no mnimo tempo, pois a legenda deve estar inserida no instante exato da fala do personagem, no tempo que ele leva para transmiti-la. A fim de ser capaz de, mesmo com todas as restries de espao e tempo, traduzir a maior parte das informaes do material original, o tradutor precisa utilizar tcnicas de simplificao de sintaxe (LANZETTI, 2008). Tais tcnicas, tanto nos casos de DVD e TV por assinatura, quanto no cinema, envolvem o uso de oraes coordenadas, verbos simples, elipses, perguntas6 7

Categoria em que a voz de um intrprete se sobrepe ao udio original, sem apag-lo. Categoria em que h a insero de legendas, com a descrio das falas e qualquer outro som presente na cena, visando auxiliar deficientes auditivos ou pessoas com dificuldade de compreenso da lngua oral. 8 Categoria em que, alm de indicar rudos relevantes no texto da legenda (como no closed caption), facilita a compreenso de quem est falando por meio de cdigos de cores e/ou mudana de posio das legendas (CARVALHO, 2005).

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diretas, imperativos, alm da omisso de vocativos, onomatopias, marcadores de discurso, hesitaes, entre outros. As normas definidas por cada cliente incluem as convenes tipogrficas (itlico, aspas, caixa alta), o uso de siglas e abreviaes e o grau de tolerncia a palavras de baixo calo e linguagem coloquial. O comportamento da legenda se difere dependendo do meio no qual est sendo aplicada. De acordo com o padro comum no mercado, uma legenda feita para TV por assinatura deve conter no mximo duas linhas digitadas de at 32 caracteres, incluindo sinais de pontuao e espaamento, podendo ficar na tela no mnimo um segundo e no mximo seis, dependendo do seu tamanho. J os filmes em DVD, geralmente, utilizam formato de tela Widescreen (com 16 unidades de comprimento por 9 unidades de altura), o que permite um nmero maior de caracteres por linha de legenda, se comparado TV por assinatura; porm, esse nmero jamais ultrapassa 35 caracteres. A cor da legenda nesses meios , em geral, amarela por ser melhor visualizada pelo olho humano e, conseqentemente, por cansar menos na hora da leitura. A legenda no cinema tem um sistema diferente de gravao, portanto, possui padres diferenciados. Segundo informaes obtidas pelo website do SINTRA9, a unidade padro de medida desse meio o p (aproximadamente 30 cm), e a velocidade com que o rolo exibido de 24 quadros por segundo, o que equivale a 1,5 ps (45,7 centmetros). O nmero mximo de caracteres por linha de 32 a 40, dependendo do tipo de letra e da configurao da tela. Na maioria das vezes, a cor da legenda nos cinemas branca, pois o processo de legendagem para esse meio feito por meio de um sistema tico ou a laser, em que as letras so queimadas diretamente nos negativos enviados pelo estdio, e o Brasil ainda no dispe da tecnologia existente para colorir as letras. Esse fator acaba causando eventuais estranhamentos, pois filmes que se passam em um cenrio muito claro (o desenho animado Era do Gelo, por exemplo) dificultam a leitura da legenda branca. Adicionada a essas restries, em qualquer meio que a legenda seja aplicada, existe a questo da exposio do trabalho do tradutor avaliao do9

Sindicato Nacional dos Tradutores.

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espectador, uma vez que o material audiovisual original est sempre acompanhado da traduo. Pessoas leigas, ou at profissionais menos preparados, no tm conhecimento das barreiras que o tradutor da legenda enfrenta at a entrega do produto final e, no raro, criticam a ausncia de uma traduo excessivamente fiel ao original. A tradutora Carolina Alfaro de Carvalho, em sua Dissertao de Mestrado, discorre sobre essa vulnerabilidade da legendagem:

(...) ainda que para a maioria dos espectadores a compreenso [do texto na lngua original] fique restrita a palavras soltas e frases simples, a comparao entre o texto das legendas e os enunciados ouvidos praticamente inevitvel. (2005, p. 144)

No quarto captulo, em nosso estudo de corpus, abordaremos as implicaes geradas por essa comparao, e o impacto no espectador quando este se depara com uma traduo livre na legenda e julga ter detectado um erro. Com a alta rotatividade do mercado cinematogrfico e do

entretenimento, o tradutor tem prazos cada vez mais curtos para concluir um trabalho. O acmulo de funes tambm passa a ser um elemento agravante para a qualidade das legendas. No caso de documentrios, filmes e seriados de fico cientfica ou com temas especficos (medicina, direito, poltica etc.), o tradutor se depara com termos tcnicos muitas vezes desconhecidos que devem ser pesquisados ou consultados com profissionais de cada rea fatores que consomem tempo do tradutor. A necessidade do prprio profissional da traduo fazer a insero das legendas no filme por meio de softwares (como o Systimes, Transpotting ou Subtitle Workshop) especificamente criados para esse trabalho , em alguns casos10, sua tarefa final. Ao inserir as legendas, ele pode garantir a qualidade de seu trabalho e impede que o tcnico de legendao que no precisa ter conhecimento da lngua original do udio faa cortes ou adaptaes (no raro inadequadas) nas tradues.Algumas empresas como a Drei Mark no Rio de Janeiro pagam a mais para que os tradutores utilizem os softwares e entreguem o material de udio e vdeo com as legendas j inseridas.10

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3.2. A Traduo para Dublagem

A traduo voltada para a dublagem , no mnimo, to complexa quanto a traduo para legendas. Nesse caso, os canais de udio com os dilogos ou as narraes originais so substitudos por tradues interpretadas por atores dubladores11 que procuram respeitar os movimentos labiais, a durao, a entonao e a emotividade das falas. Segundo a professora Erclia Hough (1999, p. 3), traduzir para dublagem produzir, em outro idioma, um texto fiel ao roteiro original do filme, [documentrio, ou srie televisiva] obedecendo s peculiaridades da lngua e s caractersticas do produto. O tradutor da dublagem deve ter um cuidado especial com a mtrica do filme. Em outras palavras, deve dosar o volume de texto em portugus necessrio para preencher o tempo da fala em questo, alm de sincronizar os movimentos labiais dos atores originais. Em dublagem, costuma-se traduzir tudo o que est sendo dito, desde que no exceda o espao ocupado pelo texto original (ibid., p. 10). A principal crtica feita dublagem que ela priva o espectador do acesso ao texto e voz dos atores originais. Alm disso, sem esse acesso, o telespectador no consegue acompanhar as alteraes feitas pelos tradutores, ou mesmo pelos atores e diretores de dublagem. Porm, nesse sentido, o tradutor tem maior liberdade de interpretao e pode tentar expor em outras palavras uma expresso que entenda ser inadequada para a compreenso da cultura de chegada. Ao contrrio da legendagem, neste tipo de traduo todo e qualquer som provocado pelo aparelho fonador das personagens (espirros, tosses, suspiros, gemidos, gritos, beijo, assobio etc.) deve ser indicado no texto com a palavra reao, ou simplesmente a letra r entre parnteses. J nas duas vertentes, as placas ou letreiros que sejam relevantes ao roteiro tambm devem ser11

Profissionais da dublagem devem ser credenciados junto DRT (Delegacia Regional do Trabalho) como atores. No existe a profisso "dublador". Este um termo comumente usado, mas a terminologia tcnica "ator em dublagem" (CASA DA DUBLAGEM, 2008).

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traduzidos e, na dublagem, devem ser indicados como tal no texto enviado aos estdios. Quanto parte tcnica, as exigncias da dublagem so referentes formatao desse texto. Normalmente, emprega-se um editor de textos no computador, como o Word, e segue-se a padronizao visual determinada pelo estdio de dublagem que ir receber o material. As exigncias so feitas em funo de oferecer ao ator um texto limpo e fcil de ser lido. comum que o contedo seja digitado em letras maisculas com margens de dois centmetros justificadas e pginas numeradas. A fonte pode ser Arial ou Verdana, tamanho 12, com espaamento de 1,5 centmetros ou duplo. Para garantir a qualidade do produto final, importante que o tradutor informe o cliente sobre a ocorrncia de possveis sotaques, problemas de dico e vcios de linguagem apresentados pelos personagens do filme ou seriado, para que o ator responsvel pela dublagem possa (tentar) manter, ou mesmo adaptar essa caracterstica. Quando as caractersticas da verso original so mantidas ou adaptadas na verso dublada, a qualidade do produto final da traduo melhora indiscutivelmente.

3.3. Consideraes sobre a Legendagem e a Dublagem

A traduo para legendas apresenta prticas e parmetros muito distintos da traduo para a dublagem, de modo que o especialista em um desses nichos no tem necessariamente familiaridade com a outra vertente. mais comum que os tradutores se especializem em apenas uma das modalidades do que trabalhem com as duas simultaneamente. As diferenas entre as tcnicas so notveis.

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3.3.1. A Linguagem

Ao compararmos a legenda e a dublagem de um mesmo produto do meio audiovisual, no raro nos deparamos com textos diferenciados, apesar de carregarem o mesmo sentido. Convencionou-se utilizar uma linguagem coloquial nesses dois tipos de traduo. Contudo, enquanto a legenda est mais subordinada s normas gramaticais da lngua por se tratar de um registro escrito , na dublagem, uma vez que o dilogo original ser substitudo, preciso levar em considerao o estilo do filme (de poca, infantil, documentrio etc.) e, portanto, sua linguagem caracterstica. Vimos previamente que, ao traduzir para dublagem, o profissional deve indicar um eventual sotaque, vcio de linguagem ou problemas de dico das personagens nas notas do tradutor que so voltadas aos diretores de dublagem; assim os atores responsveis pela voz de cada personagem podem manter essas caractersticas. J na legenda, a linguagem deve ser mantida e a percepo dessas peculiaridades fica por conta do som original. Observe alguns exemplos de falas retiradas de episdios da srie Gilmore Girls. Veremos a diferena de linguagem entre as tradues: Em uma cena que a protagonista Rory12 est conversando com seu av, ele diz fazer parte de um grupo que se rene para cantar e a menina diz que nunca havia ouvido o av cantar: [O] [L] [D] Ive never heard you sing. Nunca o ouvi cantar. Nunca ouvi voc cantar.

Na legenda, o que se pode notar a norma culta no emprego do pronome oblquo o, enquanto a dublagem, por representar a lngua falada, faz uso do tratamento voc, evitando a ambigidade que pronomes pessoais e possessivos podem causar. vlido lembrar que os pronomes no constituem12

Para saber mais sobre os personagens da srie mencionados nessa seo, vide seo 2 do quarto captulo do presente trabalho.

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uma classe unitria, mas espcies diferentes de acordo com o modo de linguagem da qual eles so os signos, pertencendo uns sintaxe da lngua e outros ao que se convencionou chamar ocorrncias de discurso

(BENVENISTE, 1991). Outro exemplo do uso de norma culta se d quando, em um sonho de Lorelai, Luke diz a ela que voltar cedo para casa. Aqui, o uso do verbo no futuro do presente do indicativo, chegarei, atende s regras gramaticais; j vou chegar, dando a idia de futuro, uma construo prpria da lngua falada. Veja: [O] [L] [D] Ill be home early Chegarei cedo em casa. Eu vou chegar cedo.

A elipse, uma das tcnicas de simplificao de sintaxe exigidas para uma melhor qualidade da legenda, pode ser demonstrada pela seguinte fala de Lorelai: [O] [L] [D] Im a success. Sou um sucesso. Eu sou um sucesso.

A omisso do pronome pessoal eu garante mais espao na legenda para outras informaes relevantes. Nesse sentido, a lngua portuguesa est em vantagem, j que os verbos em nossa lngua so flexionados e no tm a necessidade de estarem acompanhados pelo pronome. Um ltimo exemplo ilustra a flexibilidade da dublagem por se tratar de um registro oral quanto a vcios de linguagem: [O] [L] [D] Yeah, the place is packed. Est lotado. , t lotado aqui.

Na dublagem, a sociolingstica (faixa etria, profisso, escolaridade) de grande importncia, e, ao contrrio da legenda, a gramtica no

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primordial, sendo permitida a ocorrncia de vcios de linguagem (como t, n, t), erros gramaticais, e expresses prprias da lngua falada.

3.3.2. As Crticas

Alm das restries tcnicas que acabamos de ver, o tradutor do meio audiovisual tambm sofre com as crticas. Como comentamos anteriormente, as tradues para filmes e programas de TV e, conseqentemente, os tradutores so, inevitavelmente, alvos de crticas por vezes severas. Portanto, valido lembrar que nem sempre o profissional da traduo o responsvel final pelo que se apresenta na tela. Os revisores de traduo nos estdios, ou mesmo os marcadores das legendas quando essas no so inseridas no filme pelo prprio tradutor podem, eventualmente, fazer alteraes nas legendas sem que o tradutor tome cincia. No caso da dublagem, essas alteraes posteriores podem ser efetuadas pelos diretores de dublagem ou pelos prprios atores, que, com a inteno de melhorar a qualidade do produto final, acabam modificando trechos do texto e, acidentalmente, tirando o sentido das falas. Outra crtica bastante comum refere-se ao ttulo traduzido dos filmes estrangeiros veiculados no Brasil. O que muitas pessoas no sabem que no o tradutor que faz esse trabalho. Quando os distribuidores recebem o filme, o departamento de marketing dessas empresas se rene para assisti-lo e decidir qual ser o melhor ttulo. Muitas vezes, essa escolha se baseia em trechos do filme, ou idias contidas nele, sem levar em considerao o nome original. O que determina a capacidade de penetrao de um filme no mercado seu ttulo, por isso, esse no ficar condicionado apenas a fatores meramente lingsticos

(VASCONCELOS, 2008). O apelo comercial um fator predominante nessa

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escolha e, geralmente, quando o tradutor recebe a cpia do filme, esse ttulo j est escolhido e a divulgao do produto j est em andamento. Somado a essas questes ainda h o fator do envio de legendas, que muitas vezes sofre problemas tcnicos. Erclia Hough, no curso de traduo para legendas, ministrado em julho deste ano, explicou:

Hoje, os canais que transmitem os filmes via satlite so vrios. O filme traduzido em formato de legenda, em So Paulo. O arquivo das legendas enviado para a Venezuela, Caracas, onde fica a HBO Ol. De l o filme e as legendas so transmitidas e o nosso satlite capta as imagens. As legendas so sobrepostas ao filme e, assim, ns assistimos ao filme legendado. As legendas normalmente devem ficar 15 frames a mais de tempo no ar (mnimo 1 segundo e meio) para chegarem ao mesmo tempo que a imagem do filme.

A etapa final do trabalho dos tradutores para legendas ou dublagem e talvez um ltimo recurso para eliminar erros e evitar demasiadas crticas a reviso. Assim como em todas as outras categorias de traduo, a reviso do texto final de suma importncia, seja ela executada pelo prprio tradutor ou, mais comumente, por um revisor profissional, que tem profundos

conhecimentos das lnguas em questo.

3.3.3. A Preferncia

As duas tcnicas de traduo audiovisual abordadas no presente trabalho caminham lado a lado na questo de preferncia. Em nosso pas, no h ainda uma predominncia clara de uma tcnica sobre a outra. Enquanto o cinema e a televiso por assinatura oferecem a maioria dos filmes e programas legendados, na televiso aberta o que predomina a programao dublada13.

13

Em 1962, um decreto do presidente Jnio Quadros determinou que todos os filmes transmitidos pela televiso aberta devessem ser dublados (CARVALHO, 2005, p. 94).

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Cada vertente atende a pblicos muitas vezes diferenciados. A grande maioria dos cinfilos, apreciadores de cinema, faz questo de assistir a filmes com udio original. Pessoas que preferem assistir a um filme ou programa legendado, com freqncia, costumam no se interessar por programas dublados, porque conhecem um pouco da lngua original e pretendem treinar o entendimento, ou acreditam que as vozes dos dubladores soam artificiais ou at mesmo caricatas. Vale ressaltar que a legenda uma importante ferramenta para o ensino de lnguas estrangeiras, uma vez que permite a comparao entre os idiomas envolvidos. As distribuidoras de filmes alegam a preferncia de seus clientes por obras que se atenham o mais possvel ao original, inclusive no som. A dublagem, de fato, afeta toda a ambientao sonora do filme. No entanto, no Brasil, como mostrou a reportagem de Leandro Fortino (2007) para a Folha de So Paulo, diversos distribuidores de filmes e exibidores de cinema acreditam que a dublagem est ganhando mais espao na preferncia nacional. E no s no cinema. Na televiso, alguns canais pagos dedicados exibio de filmes legendados recentemente vm abrindo mais espao para a dublagem a pedido dos assinantes. A possvel razo desse pedido o fato de que, com a dublagem, os espectadores conseguem prestar mais ateno nas cenas do filme e no tm a tarefa de ler o texto. Muitas pessoas, sobretudo crianas ou adultos com baixa escolaridade, consideram trabalhoso o acompanhamento do filme por legendas. A dublagem vista como o tipo de traduo mais acessvel aos iletrados por no envolver escrita e leitura. Alm disso, com o passar do tempo, as tcnicas de dublagens esto ganhando mais ateno e a qualidade das dublagens tem melhorado consideravelmente. O que se pode observar hoje em todo o mundo uma preocupao maior por parte dos fornecedores de produtos audiovisuais em oferecer aos espectadores uma gama maior de opes. O efeito disso que algumas sociedades que tinham uma ampla preferncia por uma modalidade esto dando mais abertura outra (CARVALHO, 2005, p. 94).

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3.3.3.1. Pesquisa quantitativa14

A ttulo de ilustrao, realizamos, nos meses de setembro e outubro de 2008, uma pesquisa quantitativa da preferncia entre dublagem e legendagem, envolvendo 100 pessoas de 12 a 70 anos, com diferentes nveis de escolaridade. Os dados foram colhidos por meio de um questionrio estruturado com perguntas objetivas sobre o fato de assistirem a filmes e programas de televiso dublados ou legendados. A distribuio dos entrevistados foi feita da seguinte maneira: 33 pessoas que tm ensino fundamental completo, 34 pessoas com ensino mdio completo e 33 com ensino superior completo. Dentre essas pessoas, 38 tm idade entre 12 e 30 anos; 29 de 31 a 50 anos; e 33 de 51 a 70 anos. A pesquisa tinha como objetivo descobrir a preferncia dessas pessoas quanto a assistir a filmes e seriados de televiso legendados ou dublados e os motivos dessa opo. Nas pesquisas nos referimos somente a programas em que a lngua original o ingls. De forma geral, 48% das pessoas entrevistadas disseram preferir filmes ou programas dublados, e 52% alegaram preferir as legendas. Os motivos declarados foram os mais variados. No primeiro caso, boa parte das pessoas respondeu que tm preguia de ler as legendas e preferem ouvir o udio em sua lngua j que no tm conhecimento do idioma original. No segundo, os motivos foram: preferncia pelo som original, principalmente por aqueles que pretendem treinar o idioma estrangeiro, e crena de que as dublagens so de m qualidade ou que no so fiis aos atores originais. Levando-se em considerao a faixa etria de 12 a 30 anos, constatamos que 61% dos jovens espectadores de filmes e seriados preferem a legenda. Entre os entrevistados de 31 a 50 anos de idade a diferena foi menor: 52% alegaram assistir produtos legendados. J na faixa etria de 51 a

14

Confira no apndice C do presente trabalho a distribuio da pesquisa em grficos comparativos.

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70 anos, h uma preferncia de 58% pela dublagem. Os motivos citados por essa ltima parcela foram, entre outros, a dificuldade para enxergar as legendas e a falta de conhecimento da lngua inglesa. Quanto escolaridade, 64% dos entrevistados que tm somente o ensino fundamental completo afirmaram a preferncia pela dublagem. As pessoas que disseram optar por legendas concentram-se, em sua maioria, entre as que tm ensino mdio (56% de preferncia pela legendagem), e ensino superior (58%) completos. Entendemos que 100 pessoas representam uma parcela muito pequena da populao que tem acesso a filmes e seriados na televiso ou cinema. No entanto, a pesquisa confirmou a divergncia entre preferncias no Brasil e serviu como uma amostra da importncia de se desenvolver tcnicas de aprimoramento desses dois tipos de traduo audiovisual.

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IV. O Corpus e a sua elaborao

Com o objetivo de abordar a problemtica da traduo dos aspectos culturais de uma lngua para outra, decidimos analisar a transposio da lngua inglesa para a lngua portuguesa presente na legendagem e na dublagem de um programa de televiso tipicamente norte-americano. Aps assistir a 22 captulos, que compem a terceira temporada da srie, tnhamos em mos um material riqussimo, composto por diversos outros termos, nomes prprios e expresses culturalmente marcadas que no podero ser, aqui discutidos, em vista das limitaes de tempo e de espao compatveis com uma pesquisa desse porte. Buscamos selecionar apenas alguns exemplos para a exposio e exemplificao dos contedos tericos antes apresentados. Nosso objetivo analisar como os tradutores do seriado escolhido solucionaram a questo da traduo de nomes caractersticos da cultura norteamericana.

4.1. O Seriado: Gilmore Girls

Gilmore Girls um seriado criado por Amy Sherman-Palladino, que retrata o cotidiano de Lorelai (Lauren Grahan) e Rory Gilmore (Alexis Bledel), me e filha, que vivem na pequena cidade fictcia de Stars Hollow, no estado de Connecticut, nos Estados Unidos.

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Lanado em outubro de 2000 pelo canal de televiso Warner Channel15, teve sua estria no Brasil em novembro do mesmo ano, sendo transmitido em verso legendada pelo canal por assinatura Warner Channel, e dublado, sob o ttulo Tal Me, Tal Filha, em TV aberta pelo SBT. A fim de situar o leitor no contexto de nosso corpus, discorreremos brevemente sobre o enredo da srie e suas personagens principais, bem como algumas secundrias cujas falas sero utilizadas em nosso estudo.

4.2. Enredo e Personagens

Lorelai Gilmore (Lauren Graham) uma garota rica que engravida aos 16 anos e, indo contra o desejo de seus pais, Emily e Richard, interpretados por Kelly Bishop e Edward Herrmann, decide ter a criana e cri-la sozinha. A srie se inicia 15 anos mais tarde, quando Lorelai e sua filha Rory (Alexis Bledel) esto morando na pequena Stars Hallow, e juntas esto aprendendo o verdadeiro sentido da vida, atravs de relacionamentos amorosos e novos desafios. O pai de Rory Christopher Hayden, interpretado por David Sutcliffe. Ele foi namorado de Lorelai na adolescncia, porm ela preferiu fugir a se casar com ele. Christopher aparece em diversos episdios, mas no figura muito presente na vida das garotas Gilmore. Sookie (Melissa McCarthy) a chefe de cozinha da pousada Independence Inn, onde Lorelai trabalha como gerente-geral. Sookie, que namora Jackson Melville, fornecedor de alimentos do estabelecimento, interpretado por Jackson Douglas, extremamente desastrada, porm muito cautelosa quando o assunto comida, e sonha em abrir, com Lorelai, sua prpria pousada.15

A partir da stima, e ltima, temporada passou a ser transmitido pelo canal The CW, rede de televiso americana resultante de uma fuso da United Paramount Network com a Warner Bros.

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Quem assiste ao programa pode ter a sensao de que os papis de me e filha muitas vezes so trocados. Enquanto Lorelai impulsiva, fala sem pensar e no consegue se organizar; Rory, que adora ler, educada, estudiosa e responsvel, nunca foi motivo de preocupao para a me. Apesar de considerar a me sua melhor amiga, Rory faz diversas amizades ao longo da srie. A mais presente a de Lane (Keiko Agena), com quem Rory estudava em Stars Hollow High antes de entrar para o colgio Chilton. Lane uma garota de origem coreana que sofre constantes represses da me conservadora e por isso mantm escondido em seu armrio tudo aquilo que seus pais no a deixariam ter em casa. Ela toca bateria na banda de rock de Dave (Adam Brody) e Zach (Todd Lowe). Em seu novo colgio, Rory alimenta um caso de amizade e inimizade com Paris (Liza Weil), garota determinada que no mede esforos para alcanar seu objetivo: estudar em Harvard, o mesmo que Rory. A ruiva Francie, interpretada por Emily Bergl, um desafeto comum das duas. Scott Patterson Luke Danes, dono de uma lanchonete em Stars Hollow. Apesar de aparentar ser um homem rude, Luke est sempre querendo ajudar os outros. grande amigo de Lorelai e tem enorme carinho e preocupao com Rory. Enquanto Luke nutre uma paixo secreta por Lorelai h anos, seu sobrinho, o bad-boy Jess (Milo Ventimiglia), imediatamente conquista o corao de Rory, que, ao se envolver com ele, termina o relacionamento com seu primeiro namorado, Dean, vivido por Jared Padalecki. Podemos ainda destacar algumas personagens secundrias cujas falas sero tambm analisadas em nosso trabalho. So elas: Trix (Marion Ross), a me de Richard; Michel (Yanic Truesdale), o recepcionista da Independence Inn; e os moradores de Stars Hollow, Kirk (Sean Gunn), Shane (Jessica Kiper), Miss Paty (Liz Torres), Taylor (Michael Winters) e Gypsy (Rose Abdoo). No captulo seguinte, realizaremos nossa anlise baseada em dilogos entre as personagens listadas acima. A seguir, discorreremos sobre as particularidades de nosso corpus e os motivos de sua escolha como nosso objeto de trabalho.

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4.3. Caractersticas do Seriado

Com uma sutil combinao de comdia e drama, Gilmore Girls considerada por alguns crticos como a melhor srie de televiso norteamericana no que se refere a dilogos bem elaborados e referncias cultura popular. O dilogo indiscutivelmente a caracterstica mais marcante de Gilmore Girls. O ritmo acelerado, prprio das protagonistas e bastante comum entre personagens secundrias, somado s inmeras referncias culturais, fazem da srie um desafio para os tradutores para legendagem e dublagem. As citaes, que variam entre nomes de livros, filmes, seriados, programas de TV, canes, musicais, personagens (fictcios e reais), autores, atores, cantores e celebridades, so, com certa freqncia, codificadas de forma conotativa e por esse motivo parecem fazer sentido apenas aos personagens da trama. De acordo com o dicionrio Aurlio (FERREIRA, 2007), conotao o sentido translato, ou subjacente, s vezes de teor subjetivo, que uma palavra ou expresso pode apresentar paralelamente acepo em que empregada. O uso de nomes de pessoas famosas como uma aluso s caractersticas que representam um mecanismo bastante comum nas falas do seriado Gilmore Girls. A fim de proporcionar ao espectador maior clareza e entendimento dos dilogos do seriado, a Warner Bros. lanou livretos com a lista de diversos nomes de personalidades e referncias da cultura popular mencionados pelos personagens. O guia, que recebeu o nome em ingls de Guide to Gilmoreisms16, explica as citaes e ainda traz alguns comentrios dos criadores da srie sobre as escolhas feitas. importante lembrar que o presente trabalho j estava em pleno desenvolvimento quando descobrimos a existncia do livreto, que distribudo16

Em portugus, Guia dos Guilmorismos.

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com os DVDs vendidos somente nos Estados Unidos e recentemente passaram a ser disponibilizados para download na Internet (YOUR GUIDE TO GILMORE-ISMS, 2008). Notamos que boa parte das referncias coletadas por meio de observao no est listada no guia17 (por motivo desconhecido). Dos 100 exemplos que compem nosso corpus, apenas 63 se encontram no livreto da terceira temporada. Para os tradutores da srie, o guia pode servir como um grande aliado. Alm de agilizar a pesquisa, as explicaes de cada referncia facilitam o trabalho do tradutor quando uma adaptao, explicitao ou at mesmo modulao necessria. Como mencionamos anteriormente, entende-se que cabe ao tradutor, seja ele do meio audiovisual ou no, pesquisar a origem dos nomes mencionados e entender se o uso destes na converso da lngua de partida para a lngua de chegada ir produzir o mesmo entendimento que o de um nativo ou bom conhecedor da lngua original.

17

Os guias impressos contm 411 referncias culturais citadas em quatro das sete temporadas do programa.

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V. A Anlise do Corpus

Para fins de anlise, primeiramente, foram selecionados trechos das legendas e dublagens do seriado que contenham termos culturalmente marcados, como nomes de personalidades, msicas, e elementos da cultura popular dos Estados Unidos. A partir dessa seleo, analisaremos quais

procedimentos tcnicos de traduo foram adotados pelos tradutores, baseando-nos nos conceitos inicialmente propostos por Vinay e Dalbernet e posteriormente reformulados por Francis Aubert, alm de alguns conceitos adicionais mencionados no primeiro captulo. Devido extenso de nosso corpus, optamos por selecionar e discorrer sobre alguns exemplos que acreditamos ser completos e bastante ilustrativos. Os demais itens de nosso corpus esto dispostos para observao no Apndice A. O levantamento de dados mostrou que a modalidade emprstimo a que apresenta maior nmero de ocorrncias nos dois tipos de traduo audiovisual, com 63% na legenda e 37% na dublagem. O possvel motivo da preferncia pelo emprstimo na traduo audiovisual, alm do respeito forma original, a semelhana sonora (no caso da legenda) e sincronicidade labial (no caso da dublagem) que essa modalidade oferece. Observe o exemplo de um dilogo entre Lorelai e Sookie em uma loja de antigidades. Sookie mostra amiga um peixe empalhado e pergunta se parece masculino. Lorelai responde: [O] [L] [D] In an Oscar Wilde sort of way, absolutely. De um jeito Oscar Wilde, com certeza. Meio Oscar Wilde, mas com certeza.

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A opo dos tradutores (profissionais distintos fazem a traduo para a legenda e a dublagem do mesmo episdio) de manter o nome Oscar Wilde permitiu uma correspondncia entre o original e as tradues. No entanto, o sentido que a personagem quis dar ao comentrio pode ter se perdido nessa escolha. Wilde foi um poeta irlands que sofreu enormes problemas por ser homossexual, sendo preso e humilhado perante a sociedade inglesa do sculo XIX. Lorelai citou seu nome para fazer uma aluso idia de algo delicado e no masculino. Esse um caso de nome arquetpico18, situao em que nomes prprios [...] se tornam designaes de um arqutipo de certos traos [e qualidades] pessoais (NATIONAL MASTER ENCYCLOPEDIA, 2008, traduo nossa)19. A sutileza desse comentrio possivelmente no foi captada pela maioria dos receptores da traduo que no tm um conhecimento to profundo da vida do poeta, ao contrrio dos norte-americanos que estudam sua vida e obra no colgio. O tradutor, nesse caso, tambm poderia ter se valido de uma modulao ou adaptao. Outro exemplo do uso de emprstimo se d quando Lorelai e Rory esto conversando sobre seus programas de TV favoritos e a me cita dois nomes: [O] [L] [D] Yeah, right after Holmes and Yoyo and Hee Haw Honeys. Logo depois de Holmes and Yoyo e Hee Haw Honeys. Logo depois de Holmes e Yoyo e Hee Haw Honeys.

Nesse caso, o emprstimo praticamente inevitvel, j que os programas no so transmitidos no Brasil, e, portanto, no tm uma traduo consagrada para o portugus. Holmes and Yoyo um seriado sobre um policial e seu parceiro rob, e Hee-Haw Honeys um programa de variedades, ambos originalmente americanos. Alguns tradutores menos preparados para esse tipo de trabalho poderiam optar por substituir os nomes dos programas por um possvel18

Traduo nossa para archetypal name. No h no portugus uma nomenclatura para essa ocorrncia. 19 [...] personal names [] have become designations for archetypes of certain personal traits.

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equivalente brasileiro. No entanto, tradutores de legendas experientes, como Flvia Fusaro, Mrcia Villamarin e Erclia Hough, aconselham a fidelidade nesses casos. Vinculada ao emprstimo est a aclimatao, que, como vimos anteriormente, chamada tambm de estrangeirismo aclimatado. Apesar de encontrarmos em nosso corpus apenas duas ocorrncias dessa forma de emprstimo, um importante mecanismo de enriquecimento das lnguas, considerando que promove a insero de palavras estrangeiras no vocabulrio de um determinado povo. Observe as ocorrncias: A primeira uma fala de Rory, que adverte Lane sobre o namorado ciumento da amiga: [O] [L] [D] Just remember, theres cute jealous and theres Othello. Lembre-se, h o cime bonitinho e h o Otelo. Mas lembra, tem o cime legal e tem o Otelo.

A segunda ocorrncia se d quando Sookie avisa Lorelai que sua me est entrando na cozinha do restaurante em que trabalham. Lorelai no acredita e ainda faz uma piada com a amiga: [O] [L] [D] You know whos behind you? Its Joseph Stalin, my good friend. Sabe quem est atrs de voc? Josef Stalin, meu bom amigo. Sabe quem t atrs de voc? Senhor Josef Stalin, meu bom

amigo. possvel verificar no primeiro caso a excluso das letras h depois do t e do segundo l; j no segundo, a juno das letras p e h, comum no ingls, foi substituda pela letra f para se adequar ao som em portugus. As adaptaes no foram uma mera opo dos tradutores da srie, uma vez que Otelo e Josef Stalin so cones consideravelmente conhecidos no Brasil e, portanto, j aclimatados. Comumente vinculada ao emprstimo est a explicitao. Por vezes, com a finalidade de dar ao receptor da lngua de chegada uma idia

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equivalente do que seja o termo na lngua de partida, o tradutor utiliza um processo hbrido de emprstimo + explicitao. Observe: Ex.: [O] Thats Brad. I found him at Nordstroms. [L] o Brad. Encontrei-o na loja Nordstrom. A presena da palavra loja na legenda funciona como uma explicao rpida e direta do que vem a ser Nordstrom: uma sofisticada rede de lojas de departamento dos Estados Unidos. Essa insero de uma simples palavra como forma de explicitar a mensagem que o texto original teve a inteno de passar possibilita ao espectador brasileiro entender o contexto. A segunda maior incidncia a da modulao, com 11% de emprego na traduo para as legendas e 16% na traduo para a dublagem. Na modulao ocorre uma mudana de ponto de vista sem que seja prejudicado o sentido do que o original quis expressar. O primeiro exemplo que selecionamos acontece em uma cena em que Lorelai tenta convencer a filha Rory a dormir na casa de sua me Emily: [O] And youre guaranteed a great Norma Desmond style breakfast

the next morning. [L] [D] E voc garante um caf da manh de diva do cinema. E com certeza vai ter um caf da manh ao estilo londrino.

Aqui, a idia conotativa da fala original era exatamente a de usar o nome da personagem do filme Sunset Boulevard, Norma Desmond, como um sinnimo de algo glamoroso. Norma, no filme, era uma estrela do cinema mudo, o que justifica a escolha do tradutor da legenda. J na dublagem, apesar da referncia a um caf da manh ao estilo londrino no ter ligao com a personagem mencionada, tambm soa como algo elegante, de uma mesa farta e chique, embora algumas pessoas no consigam captar essa idia. Na segunda passagem que selecionamos, a modulao foi utilizada somente pelo tradutor da dublagem. Quando Lorelai cita o nome de Al Hirschfeld, um caricaturista americano que trabalha para grandes jornais como o New York Times, na dublagem observamos a substituio de seu nome para o cara do Times. Veja:

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[O]

But I had made little doodles with my name hidden in them on

each one of the old ones just like Hirschfeld. [D] Eu rabisquei o meu nome escondido em todos os cardpios

velhos, como o cara do Times. A provvel justificativa para essa escolha que o espectador brasileiro no tem familiaridade com o caricaturista, mas conhece o famoso jornal norteamericano. Aqui, o significado diferente, porm o sentido o mesmo, denota a mesma pessoa. O emprego da modulao por meio da substituio da palavra por seu hipernimo uma modalidade proposta por ns no presente trabalho. Segundo o dicionrio Aurlio (FERREIRA, 2007), hipernimo uma palavra que pertence ao mesmo campo semntico de outra, mas com o sentido mais abrangente. Ao fazermos a pesquisa de nosso corpus, notamos a vasta ocorrncia da modulao por hipernimo e optamos por apresentar alguns desses casos de forma separada da modulao: [O] [L] [D] No one, including the Amazing Kreskin, couldve predicted. Nem o maior vidente do planeta poderia prever. Ningum que no fosse adivinho teria previsto.

Amazing Kreskin o nome artstico de George Kresge, um profeta que se tornou popular nos Estados Unidos nos anos 1970 e atualmente ainda faz previses de ano novo no canal de televiso americano CNN. Como o pblico brasileiro no tem familiaridade com o vidente, os tradutores optaram por usar a atividade de Kreskin, um hipernimo do que ele representa, para substituir seu nome, que, se fosse emprestado na traduo, no produziria a mesma reao que provavelmente ocasionou no pblico original. Note a mesma soluo em outras tradues: [O] [L] Its just root beer and ice cream. refrigerante com sorvete.

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Root Beer um refrigerante muito popular nos Estados Unidos, porm no vendido no Brasil. Por essa razo, o tradutor da legenda optou por usar a modulao por meio do hipernimo refrigerante, para que o receptor da traduo pudesse entender o que estava sendo dito. A presena da modulao e, por conseguinte, da modulao por hipernimo no corpus analisado, demonstra a presena de marcadores de viso de mundo especficos de cada complexo lngua/cultura. A omisso foi a terceira modalidade mais empregada no corpus em anlise, com uma ocorrncia total de 8%. Como o nome j diz, esse procedimento consiste em omitir elementos do texto original que sejam considerados desnecessrios pelo tradutor. No caso da traduo audiovisual, a omisso pode ocorrer por limitaes fsicas ou por irrelevncia do segmento textual, j que as imagens so fortes aliadas das legendas ou dublagens e podem explicitar algo falado sem que precise ser transcrito. Vale lembrar que na legenda vocativos, onomatopias e marcadores de discurso so naturalmente omitidos, portanto no so elementos relevantes para nossa anlise. Observe o exemplo em que Jess diz a Luke que no quer falar com Rory ao telefone: [O] [L] Get a clue, Columbo. I dont wanna talk to her. Se manca, no quero falar com ela.

Columbo o nome de um detetive de uma srie de televiso americana dos anos 70; e get a clue, Columbo uma expresso tpica dessa personagem. O nome, na fala de Jess, no um vocativo, e sim mais uma ocorrncia de nome arquetpico que foi ignorada. O que significa que, de maneira irnica, o nome foi utilizado no sentido de fazer uma aluso s caractersticas que Columbo possui; porm, como poucas pessoas no Brasil sabem que Columbo era um detetive fictcio, o tradutor pode ter considerado que o emprstimo do nome, e, conseqentemente, da expresso, poderia no fazer sentido para a maioria dos receptores da traduo. Note a seguinte ocorrncia de omisso:

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[O] [D]

Some of those extra legs Heather Mills is sending over to Croatia. Umas pernas novas se for possvel.

Aqui, houve no somente a omisso do nome de Heather Mills, mas tambm de toda a idia de que a ex-mulher de Paul McCartney faz caridade enviando prteses para pessoas carentes na Crocia. Vale lembrar que ambos os casos de omisso aqui descritos foram aplicados a segmentos que no afetam o entendimento da trama. A omisso uma importante estratgia para a traduo audiovisual devido a todas as restries j comentadas. No entanto, a tradutora Erclia Hough (1998, p. 12) aconselha: Nunca deixe espaos em branco. Se no conseguir entender o que est sendo dito e o script no esclarece, use a imaginao e a criatividade. A polmica acerca dessa idia grande, j que, como em qualquer tipo de traduo, as legendas e dublagens precisam ser razoavelmente fiis ao que est sendo transmitido no original. Acreditamos que para tentar encontrar uma soluo para casos como esse, em que o tradutor no consegue decifrar o que foi dito, pode-se recorrer ao auxlio de um nativo do pas da lngua original, ou um colega de trabalho que pode ter uma outra viso da situao. preciso levar em considerao tambm a presena da imagem nos produtos audiovisuais, que muitas vezes transmite a idia sem que essa tenha que ser explicitada em forma de texto. Alm disso, no raro o tradutor tem prazos que o impossibilitam fazer maiores pesquisas ou consultar outros profissionais. Seguindo a ordem das ocorrncias de modalidades tradutrias, temos a adaptao com um total de 14 casos computados. A adaptao um dos principais recursos ao alcance do tradutor na traduo dos termos referentes s realidades especficas, portanto sem equivalncia tradutria na [lngua de chegada] (GEHRING, 2003, p. 144). No primeiro caso que apresentaremos, houve uma adaptao do nome prprio mencionado:

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[O] [D] Jackson.

Cotton balls, world peace, Connie Chungs original face back. Bolas de algodo, paz mundial, o rosto original do Michael

Uma vez que a jornalista americana Connie Chung no conhecida no Brasil, o tradutor da dublagem substituiu seu nome pelo cantor mundialmente famoso Michael Jackson. A graa do texto original estava no fato de a jornalista ter o rosto desfigurado devido a demasiadas cirurgias plsticas, o que tambm o caso do cantor. O segundo caso uma adaptao do ttulo Ivy League, dado associao de oito universidades privadas de alto nvel dos Estados Unidos. Como ns brasileiros no somos familiarizados com esse termo, os tradutores optaram por utilizar expresses mais conhecidas em nossa lngua: [O] [L] ponta. [D] Voc no fez faculdade, no conhece as melhores. You never went to college, let alone an Ivy League college. Voc no foi para a faculdade, quanto mais uma faculdade de

Tendo em vista a natureza da traduo para o meio audiovisual, isto , um tipo de texto que no pode ser relido e que desprovido de maiores explicaes, as adaptaes se fazem necessrias. Com um total de 12 ocorrncias, a traduo livre definitivamente a modalidade mais polmica das apresentadas no presente trabalho. Por se tratar de uma traduo em que se procura transmitir mais o pensamento e as idias do autor, sem se cingir s palavras textuais do original, ocasionamente no preservando nem mesmo as idias originais. Por isso, a presena dessa modalidade na traduo audiovisual est mais vulnervel s crticas. Observe o primeiro exemplo de traduo livre: [O] [D] I thought Id do it like Nell. Eu pensei em dizer como se diz por a.

Nessa fala, Lorelai diz a Sookie que precisa contar a seus pais que no vai mais se casar. Para isso, ela faz referncia Nell, personagem do filme de

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mesmo nome que nasceu em uma floresta e inventou uma lingua prpria que ningum mais compreende. O tradutor da dublagem, possivelmente, entendeu que essa referncia no seria percebida pelos receptores da srie traduzida e tomou a deciso de substitu-la por uma expresso mais natural no portugus. Porm, no carrega o mesmo sentido da aluso que feita no original, o que pode ser equivocadamente considerado, por crticos ou leigos, como um erro. Podemos ainda mencionar que esse um caso de nome arquetpico que no recebeu a devida ateno. O que difere a traduo livre da adaptao, no presente trabalho, o fato de, na primeira, haver possveis equivalentes tradutrios, mas que, por opo do tradutor, no foram empregados. Ambos os procedimentos atingem os limites do que se considera traduo, porm a traduo livre foge completamente do contexto original. Veja: [O] [L] Dude, Lawrence Welk cranked louder than this. Cara, o Exrcito da Salvao toca mais alto do que isso.

Nessa fala, Zach, companheiro de banda da Lane, reclama que o som dos instrumentos musicais est com um volume muito baixo. No original, ele diz que Lawrence Welk, um msico americano dos anos 60, conhecido por tocar um estilo de msica leve, toca mais alto do que eles. A traduo para a legenda substitui Lawrence pelo Exrcito da Salvao, o que no estabelece absolutamente nenhuma relao com o original. A traduo livre o correspondente da imitao de Dryden (apud MILTON, 1993, p. 27). Para o terico, o tradutor assume a liberdade no somente de variar as palavras e o sentido, mas de abandon-los quando achar oportuno, retirando somente a idia geral do original, atuando de maneira livre, a seu bel-prazer. O conceito das belles infidles francesas tambm se encaixa nesse contexto. Encontramos em nosso corpus 12 casos de traduo livre, sendo dois deles na legenda e dez na dublagem. possvel associar o fato de haver um menor nmero de ocorrncias na legendagem com a inevitvel comparao entre o original e a traduo que os produtos legendados proporcionam. Os tradutores, na dublagem, tm uma maior liberdade, ainda que pequena, de

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abandonar o sentido da fala original e se ater, por vezes, ao contexto ou imagem. Em oposio ao conceito da traduo livre est a traduo literal, por revelar uma opo do tradutor por uma maior fidelidade ao idioma do autor. Alm de manter a fidelidade semntica, a traduo literal tambm satisfaz pelo menos um dos seguintes critrios: (a) mantm o mesmo nmero de palavras do segmento original; (b) as palavras pertencem mesma categoria gramatical da palavra correspondente no original; (c) contm as opes lexicais mais provveis na traduo (as primeiras opes do dicionrio); (d) cada palavra do segmento encontra-se na mesma ordem sinttica do original. Devemos esclarecer que alguns tericos, como Helosa Barbosa (1990), preferem chamar esse ltimo critrio, em que cada palavra do segmento traduzido encontra-se na mesma ordem do original, como um caso independente: a traduo palavra-por-palavra. Entretanto, em Aubert (1998), trabalho no qual est embasada a maioria das consideraes de nossa pesquisa, esse fato no mencionado e o autor trata a traduo literal como um sinnimo da traduo palavra-por-palavra. Veja um caso de traduo literal em um trecho da mensagem da secretria eletrnica das garotas Gilmore: [O] Dont commit Rock and Roll suicide just crank a message with

some feedback. [D] No cometa suicdio roqueiro, deixe uma mensagem aps o sinal.

A expresso utilizada no original , na verdade, o nome de uma msica do cantor norte-americano David Bowie; porm, a opo do tradutor da dublagem foi ignorar esse fato. H aqui uma mudana de ordem sinttica devido estrutura da lngua portuguesa, que difere da lngua inglesa. O mesmo acontece na fala a seguir, quando Rory conversa com Jess sobre um livro que est lendo:

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[O] [D]

The Holy Barbarians. I mean, what a title. Os Brbaros Sagrados. Que ttulo, n?

Voltando ao conceito de Dryden, as tradues acima constituem exemplos de metfrase, tipo de traduo que ele prprio afirmava ser quase impossvel. Esse procedimento tambm defendido pelos tericos alemes vistos no primeiro captulo. Escolhemos aqui apenas algumas das ocorrncias computadas em nosso trabalho com o intuito de ilustrar as modalidades identificadas. Esperamos ter atingindo nosso objetivo de promover uma anlise sobre o processo de escolha dos tradutores ao produzirem um texto para ser veiculado por meio de legendas ou dublagens. Gostaramos de concluir o presente captulo com as palavras do pesquisador Paulo Fernandes Zanotto que traduzem a essncia do que traduzir uma lngua/cultura para outra:

Traduzir, como interpretar, tambm constitui um processo criativo em que o tradutor, simultaneamente receptor do texto LP e emissor do texto LC, funciona como mediador ou intrprete da mensagem: as pressuposies contextuais do texto LP so reelaboradas no ato tradutrio na busca de uma equivalncia textual mais condizente com as pressuposies referenciais do receptor do texto LC. (1993, p. 22)

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Consideraes Finais

O presente trabalho teve como propsito observar se houve ou no perda de elementos culturais na traduo para o meio audiovisual de Gilmore Girls, um seriado de televiso norte-americano rico em referncias populares, alm de verificar os procedimentos que mais se destacam no processo de traduo para o meio audiovisual. Por meio da comparao do material disposto no corpus, nossa anlise fundamentou-se no estudo de seis das treze modalidades da reformulao de Francis Aubert para o modelo precedente de Vinay e Darbelnet; alm de trs modalidades adicionais: o processo de aclimatao, a modulao por meio de um hipernimo e a traduo livre. Foi registrada tambm uma ocorrncia de modulao hbrida: emprstimo + explicitao. Verificou-se claramente, nessa anlise, a predominncia de emprstimo. Levando-se em considerao que, no caso da dublagem, essa modalidade permite uma sincronia perfeita com o movimento labial do ator original, e, no caso da legendagem, no causa estranhamento para o espectador da traduo que l um nome na legenda e ouve esse mesmo nome no dilogo original. A modulao foi um processo amplamente utilizado nos dilogos traduzidos, seja na legenda ou na dublagem, uma vez que ocorre quando o tradutor obrigado a realizar uma reestruturao na legenda a fim de no ultrapassar os limites de tempo e espao permitidos. A omisso tambm apresenta um nmero considervel de ocorrncias. H casos em que a omisso obrigatria, dependendo da velocidade e do tamanho do dilogo, e h casos em que facultativa. Na traduo de filmes e sries, a omisso vai alm de apenas eliminar elementos. Ela consiste na verdadeira reduo, ou seja, na sntese da idia empregada na legenda ou na dublagem.

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Com relao s diversas teorias explicitadas aqui, vimos que, embora os estudos da traduo tenham avanado de maneira notvel, ainda existem concepes que no atentam para o fato de que a traduo um processo complexo que exige, alm de conhecimento lingstico, conhecimento cultural por parte do tradutor. Defendemos, portanto, que a traduo au