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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL FACULDADE DE BIBLIOTECONOMIA E COMUNICAO DEPARTAMENTO DE CINCIAS DA INFORMAO CURSO DE ARQUIVOLOGIA

CLO BELICIO LOPES

DESCRIO ARQUIVSTICADIFERENAS E DIVERGNCIAS TERMINOLGICAS SOBRE OS INSTRUMENTOS DE PESQUISA

PORTO ALEGRE 2009

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CLO BELICIO LOPES

DESCRIO ARQUIVSTICADIFERENAS E DIVERGNCIAS TERMINOLGICAS SOBRE OS INSTRUMENTOS DE PESQUISA

Trabalho de concluso de curso, realizado no Departamento de Cincias da Informao da Faculdade de Biblioteconomia e Comunicao da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, apresentado como requisito parcial para obteno do ttulo de Bacharel em Arquivologia. Orientadora: Profa. Ana Regina Berwanger Co-orientador: Prof. Jorge Eduardo Enrquez Vivar

PORTO ALEGRE 2009

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL Reitor: Prof. Dr. Carlos Alexandre Netto Vice-Reitor: Prof. Dr. Rui Vicente Oppermann

FACULDADE DE BIBLIOTECONOMIA E COMUNICAO Diretor: Prof. MS. Ricardo Schneiders da Silva Vice-Diretora: Prof. Dr. Regina Helena Van deer Lann

DEPARTAMENTO DE CINCIAS DA INFORMAO Chefe: Prof. Dr. Ana Maria Mielniczuk de Moura Chefe substituta: Prof. Dr. Helen Beatriz Frota Rozados

COMISSO DE GRADUAO DO CURSO DE ARQUIVOLOGIA Coordenadora: Prof. Ms. Maria do Rocio Fontoura Teixeira Coordenadora Substituta: Prof. Dr. Iara Conceio Bitencourt Neves

DADOS INTERNACIONAIS DE CATALOGAO NA PUBLICAO (CIP) L864d Lopes, Clo Belicio Descrio Arquivstica: diferenas e divergncias terminolgicas sobre os Instrumentos de Pesquisa / Clo Belicio Lopes; Orientadora Ana Regina Berwanger; Co-orientador Jorge Eduardo Enrquez Vivar. Porto Alegre, 2009. 175 f. : il. Monografia (Graduao) Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Faculdade de Biblioteconomia e Comunicao, Departamento de Cincias da Informao, Curso de Arquivologia, 2009. 1. Arquivologia. 2. Terminologia. 3. Descrio Arquivstica. 4. Instrumentos de Pesquisa. I. Berwanger, Ana Regina. II. Vivar, Jorge Eduardo Enrquez. III. Ttulo. CDU 930.251

Departamento de Cincias da Informao Rua Ramiro Barcelos, 2705 - Bairro Santana - Porto Alegre/RS Brasil. CEP 90035-007 Tel.: 51 3316-5146 Fax: 51 3316-5435 E-mail: [email protected]

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL Faculdade de Biblioteconomia e Comunicao Departamento de Cincias da Informao Curso de Arquivologia

A Banca Examinadora, abaixo assinada, aprova o Trabalho de Concluso de Curso intitulado: Descrio Arquivstica: diferenas e divergncias terminolgicas sobre os instrumentos de pesquisa, elaborado por Clo Belicio Lopes, como requisito parcial para a obteno do grau de Bacharel em Arquivologia.

Banca Examinadora:

__________________________________________________________________________ Professora Ana Regina Berwanger - DCI/FABICO/UFRGS

__________________________________________________________________________ Professor Jorge Eduardo Enrquez Vivar - DCI/FABICO/UFRGS

__________________________________________________________________________ Professora Ms. Marlise Maria Giovanaz - DCI/FABICO/UFRGS

__________________________________________________________________________ Arquivista Medianeira Pereira Goulart - Arquivo Histrico/IA/UFRGS

Porto Alegre, dezembro de 2009.

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DEDICATRIA

Aos meus pais, Joneval Antonio Belicio Lopes e Ereny de Ftima dos Passos Lopes, pela coragem de desembarcarem na Estao Rodoviria de Porto Alegre, vindos do interior do Estado, com um saco de roupa e outro com cobertores, e comigo, quando eu tinha cinco anos. Toda a honestidade, fora de trabalho e persistncia no que acreditam e sabem que, sempre trilhando o caminho correto, o que h de bom nos acontece e o que esperamos da vida, cedo ou tarde, h de vir. minha noiva, Camila Lacerda Couto, com quem tenho realizado e dividido meus sonhos. E, com quem tenho muitos projetos a realizar, a curto, mdio, longo e infinito prazos. E, principalmente, dedico este trabalho a meu v, Antonio Ereny dos Passos. Ele sempre me perguntava quando eu iria me casar e concluir o curso de graduao. Estou bem prximo de concretizar ambos. Contudo, no conseguirei dividir estas alegrias com ele. Ao menos, no em uma mesma dimenso!

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AGRADECIMENTOS

existncia de uma Universidade pblica, de qualidade e com pessoas que a qualificam ainda mais, a cada dia. minha orientadora, professora Ana Regina Berwanger. ajuda especial e co-orientao do professor Jorge Eduardo Enrquez Vivar. s revises e auxlios da Mila. Sem eles, no vivo mais... pessoa repleta de luz e alegria de viver, que se chama, simples e especialmente, Medi. professora Marlise, por ter aceitado meu convite para integrar a banca de defesa de minha monografia. Aos meus ex-colegas de trabalho, com quem pude contar em muitas oportunidades, mesmo depois de no compartilharmos mais o dia-a-dia. Ao meu primeiro chefe, Rogrio, quem sempre repetia uma frase, a qual procuro buscar todos os dias em minha memria: "podemos no conseguir fazer tudo o que gostamos, mas, o que fazemos, tem que ser feito com muito amor!".

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O objeto do conhecimento produto da atividade humana e como tal - no como mero objeto da contemplao - conhecido pelo homem. A. S. Vsquez [...] as palavras no nascem por acaso; elas so criadas pela prpria lngua, que uma verdadeira mquina de formar palavras, para atender a finalidades especficas. Quando se cria um verbo a partir de um substantivo, ou um substantivo a partir de um verbo (e assim por diante), para permitir a insero do mesmo conceito em um outro ponto da estrutura sinttica. [...] espantoso como h um grande nmero de brasileiros letrados, sinceramente interessados no estudo do idioma, que se arrepiam assim que vem uma palavra nova aparecer na esquina! No fundo, devemos tratar essas novatas com a mesma humanidade que tratamos uma pessoa desconhecida que nos apresentam: vamos observ-las com interesse, tolerncia e curiosidade para ver se elas merecem fazer parte de nossa memria ou se vo engrossar o exrcito daquelas que j esquecemos. Cludio Moreno Atravs do arquivo podemos construir inmeras sries de pensamentos, pois o contato com o mesmo se d de mltiplas maneiras, cada crtico realiza ao seu modo a investigao pretendida, pois a manipulao desses materiais oferece condies de montar uma cadeia de fragmentos. O crtico pode, assim, visitar e revisitar todo o material, observando-o com cautela e critrio, como leitor desconfiado, para dali extrair o que ainda est inacabado, sempre propenso a nova configurao. No existem apenas a mo do arquivista em ato, mas, ao contrrio, existem infinitas mos que mexem o arquivo, e esta comunho no se faz por acaso, j que o gesto circular que se realiza tanto do arquivista que constri o arquivo quanto do arquivo que vai delineando o arquivista. Os fragmentos comeam a montar uma srie infinita, e esta se torna objeto de investigao e reflexo. Davi Pessoa

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RESUMO

Este estudo apresenta um levantamento bibliogrfico sobre Descrio Arquivstica, analisando suas questes terminolgicas, quanto a diferentes e divergentes conceitos sobre a atividade de descrever documentos de arquivo e sobre seus instrumentos de pesquisa. Apresenta uma contextualizao a respeito da terminologia arquivstica, das origens e processos da Descrio Arquivstica e de sua normalizao. Utiliza o mtodo de abordagem indutiva e o mtodo de procedimento histrico. Apresenta os resultados obtidos nos idiomas portugus, ingls e espanhol, localizados em treze pases. Apresenta e analisa os termos coletados, conforme a metodologia estabelecida. Considera que existem diferenas e divergncias terminolgicas relacionadas a questes geogrficas e culturais.

PALAVRA-CHAVE: Arquivologia. Descrio Arquivstica. Instrumento de Pesquisa. Terminologia Arquivstica.

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ABSTRACT

This study presents a literature review on Archival Description and analyzes the issues in terminology about the distinct and divergent concepts to the activity of describe records and its finding aids. Presents a context about Archival Terminology, the origins and processes of Archival Description and its normalization. Uses the method of inductive approach and the method of procedure history. Presents the results obtained in Portuguese, English and Spanish, located in thirteen countries. Presents and analyzes the collected terms, according to the methodology established. Considers that there are differences in terminology related to geographical and cultural issues.

KEY WORDS: Archival. Archival Description. Finding Aid. Archival Terminology.

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LISTA DE FIGURASGRFICO 1 DISTRIBUIO DOS RESULTADOS DA PESQUISA POR PASES.-------------------------------71 GRFICO 2 DISTRIBUIO DOS RESULTADOS DA PESQUISA POR LNGUAS. ---------------------------72 GRFICO 3 DISTRIBUIO DOS RESULTADOS DA PESQUISA POR CONTINENTES. ---------------------72 QUADRO 1 - EQUIVALNCIAS IDIOMTICAS PARA OS TERMOS PRINCIPAIS DA PESQUISA -------------69 QUADRO 2 - EQUIVALNCIAS IDIOMTICAS PARA OS TERMOS DO PROCESSO DE DESCRIO ARQUIVSTICA -------------------------------------------------------------------------------------------69 QUADRO 3 - EQUIVALNCIAS IDIOMTICAS PARA OS INSTRUMENTOS DE PESQUISA ------------------69 QUADRO 4 - PALAVRAS-CHAVE UTILIZADAS PARA A PESQUISA POR DICIONRIOS, GLOSSRIOS E TESAUROS DA REA DA ARQUIVOLOGIA --------------------------------------------------------------71 QUADRO 5 PASES ONDE H GRUPOS SIGNIFICATIVOS DE FALANTES DA LNGUAS ESPANHOLA, INGLESA E PORTUGUESA. -------------------------------------------------------------------------------74 QUADRO 6 CONCEITOS PARA O TERMO DESCRIO ARQUIVSTICA EM LNGUA PORTUGUSA-----75 QUADRO 7 - CONCEITOS PARA O TERMO DESCRIO ARQUIVSTICA EM LNGUA ESPANHOLA -------77 QUADRO 8 - CONCEITOS PARA O TERMO DESCRIO ARQUIVSTICA EM LNGUA INGLESA -----------78 QUADRO 9 - CONCEITOS PARA O TERMO INSTRUMENTO DE PESQUISA EM LNGUA PORTUGUESA ----80 QUADRO 10 - CONCEITOS PARA O TERMO INSTRUMENTO DE PESQUISA EM LNGUA ESPANHOLA ----81 QUADRO 11 - CONCEITOS PARA O TERMO INSTRUMENTO DE PESQUISA EM LNGUA INGLESA --------82 QUADRO 12 - CONCEITOS PARA O TERMO NVEL DE DESCRIO EM LNGUA PORTUGUESA ----------84 QUADRO 13 - CONCEITOS PARA O TERMO NVEL DE DESCRIO EM LNGUA ESPANHOLA ------------84 QUADRO 14 - CONCEITOS PARA O TERMO NVEL DE DESCRIO EM LNGUA INGLESA ----------------84 QUADRO 15 - CONCEITOS PARA O INSTRUMENTO DE PESQUISA GUIA EM LNGUA PORTUGUESA -----86 QUADRO 16 - CONCEITOS PARA O INSTRUMENTO DE PESQUISA GUIA EM LNGUA ESPANHOLA ------88 QUADRO 17 - CONCEITOS PARA O INSTRUMENTO DE PESQUISA GUIA EM LNGUA INGLESA ----------89 QUADRO 18 - CONCEITOS PARA O INSTRUMENTO DE PESQUISA INVENTRIO EM LNGUA PORTUGUESA ------------------------------------------------------------------------------------------------------------92 QUADRO 19 - CONCEITOS PARA O INSTRUMENTO DE PESQUISA INVENTRIO EM LNGUA ESPANHOLA ------------------------------------------------------------------------------------------------------------94 QUADRO 20 - CONCEITOS PARA O INSTRUMENTO DE PESQUISA INVENTRIO EM LNGUA INGLESA --96 QUADRO 21 - CONCEITOS PARA O INSTRUMENTO DE PESQUISA CATLOGO EM LNGUA PORTUGUESA ------------------------------------------------------------------------------------------------------------99 QUADRO 22 - CONCEITOS PARA O INSTRUMENTO DE PESQUISA CATLOGO EM LNGUA ESPANHOLA ---------------------------------------------------------------------------------------------------------- 101 QUADRO 23 - CONCEITOS PARA O INSTRUMENTO DE PESQUISA CATLOGO EM LNGUA INGLESA - 102 QUADRO 24 - CONCEITOS PARA O INSTRUMENTO DE PESQUISA REPERTRIO EM LNGUA PORTUGUESA ------------------------------------------------------------------------------------------- 103 QUADRO 25 - CONCEITOS PARA O INSTRUMENTO DE PESQUISA REPERTRIO EM LNGUA ESPANHOLA ---------------------------------------------------------------------------------------------------------- 104 QUADRO 26 - CONCEITOS PARA O INSTRUMENTO DE PESQUISA REPERTRIO EM LNGUA INGLESA 105 TABELA 1 AS DEZ LNGUAS MAIS FALADOS NO MUNDO - 2009----------------------------------------73

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SUMRIO 1 INTRODUO ------------------------------------------------------------------------------------- 12 2 CONTEXTUALIZAO DO ESTUDO ------------------------------------------------------- 16 2.1 O TERMO ARQUIVO ----------------------------------------------------------------------------- 16 2.2 OS ARQUIVOS E SUAS ORIGENS ---------------------------------------------------------------- 17 2.3 SURGIMENTO E EVOLUO DA ARQUIVOLOGIA ---------------------------------------------- 22 2.4 A TEORIA ARQUIVSTICA ----------------------------------------------------------------------- 26 2.5 A TERMINOLOGIA ARQUIVSTICA -------------------------------------------------------------- 29 3 A DESCRIO ARQUIVSTICA -------------------------------------------------------------- 33 3.1 ORIGENS ------------------------------------------------------------------------------------------ 33 3.2 PROCESSOS --------------------------------------------------------------------------------------- 37 3.3 OS INSTRUMENTOS DE PESQUISA EM ARQUIVO----------------------------------------------- 41 4 A NORMALIZAO DA DESCRIO ARQUIVSTICA ------------------------------- 46 4.1 O PROCESSO DE NORMALIZAO -------------------------------------------------------------- 47 4.2 AS PRIMEIRAS INICIATIVAS PARA A CRIAO DE NORMAS DE DESCRIO ARQUIVSTICA --------------------------------------------------------------------------------------------------------- 49 4.3 AS NORMAS INTERNACIONAIS DE DESCRIO ARQUIVSTICA ----------------------------- 54 4.3.1 Manual of Archival Description (MAD) ------------------------------------------------ 57 4.3.2 Describing Archives : A Content Standard (DACS) e Rules for Archival Description(RAD2) ------------------------------------------------------------------------------- 57 4.3.3 Norma Espaola de Descripcin Archivstica (NEDA1) ----------------------------- 58 4.3.4 As Normas de Descrio Arquivstica em outros Pases ----------------------------- 60 4.4 A NORMA NACIONAL: NORMA BRASILEIRA DE DESCRIO ARQUIVSTICA (NOBRADE) --------------------------------------------------------------------------------------------------------- 60 5 METODOLOGIA----------------------------------------------------------------------------------- 64 5.1 MTODO DE ABORDAGEM ---------------------------------------------------------------------5.2 MTODO DE PROCEDIMENTO ------------------------------------------------------------------5.3 TCNICAS E INSTRUMENTOS DE PESQUISA ---------------------------------------------------5.4 DELIMITAO DO UNIVERSO DE ESTUDO ----------------------------------------------------5.5 LIMITAES DO ESTUDO -----------------------------------------------------------------------64 65 65 66 66

6 APRESENTAO DOS DADOS E SUA ANLISE E INTERPRETAO ---------- 68 6.1 COLETA DE DADOS ------------------------------------------------------------------------------ 68 6.2 CENRIO DOS RESULTADOS OBTIDOS --------------------------------------------------------- 71 6.3 APRESENTAO E ANLISE DOS TERMOS PESQUISADOS ------------------------------------ 74 6.3.1 Descrio Arquivstica -------------------------------------------------------------------- 74 6.2.2 Instrumentos de Pesquisa ----------------------------------------------------------------- 79 6.2.3 Nvel de Descrio------------------------------------------------------------------------- 83 6.2.4 Guia------------------------------------------------------------------------------------------ 85 6.2.5 Inventrio ----------------------------------------------------------------------------------- 90 6.2.6 Catlogo------------------------------------------------------------------------------------- 97 6.2.7 Repertrio---------------------------------------------------------------------------------- 103 7 CONCLUSES------------------------------------------------------------------------------------- 106 REFERNCIAS -------------------------------------------------------------------------------------- 108

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APNDICE A QUADRO DE ASSUNTOS PARA COLETA DE DADOS------------- 111 ANEXO A FICHA BIBLIOGRFICA-------------------------------------------------------- 113 ANEXO B QUADRO DE CONCEITOS SOBRE DESCRIO ARQUIVSTICA - 115 ANEXO C QUADRO DE CONCEITOS SOBRE INSTRUMENTOS DE PESQUISA EM ARQUIVO --------------------------------------------------------------------------------------- 129 ANEXO D REFERNCIAS UTILIZADAS PARA A COLETA DE TERMOS ------ 174

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1 INTRODUO

Tomando por princpio que nosso tempo, nosso dinheiro, nossas vidas precisam ser administradas, o que pode ser dito de um arquivo? Local criado para ser um repositrio do acmulo produtivo do intelecto humano, registrado sobre um suporte fsico, palpvel, que pode servir como prova e testemunho da existncia de uma instituio. E, conta ainda com a agravante de que as informaes no so facilmente visveis, localizveis. Portanto, h a necessidade da adoo de mtodos e instrumentos1 que possibilitem descrever as informaes armazenadas nos documentos sem que haja a necessidade de ser feita a procura direta na documentao. Assim sendo, organizar um arquivo suprir duas necessidades: organizao metdica da documentao e facilitar a localizao e o acesso aos documentos. J, a pesquisa, por sua vez, a materializao da vontade de construir conhecimento. Nos arquivos, principalmente os histricos, o objetivo pelo qual existem vem da necessidade de organizao e de disponibilizao de seus acervos pesquisa, quer com fins administrativos, jurdicos, histricos, sociolgicos, etc. Portanto, quanto menos tempo se leva para localizar o que se quer, o que se necessita, mais tempo h para que se construa mais conhecimento e que este seja mais complexo, mais profundo; um resultado de uma maior absoro de outros conhecimentos j existentes. Os instrumentos de pesquisa so o meio de dinamizao da pesquisa em acervos de arquivos, sendo referncia e meio de comunicao da existncia e da localizao de uma determinada informao2 ou conjuntos delas. A Descrio Arquivstica, objeto desta atividade, tem sua fundamental importncia, tanto para a difuso do acervo quanto para as demais atividades de um arquivo, como para a gesto da unidade de arquivamento. A terminologia sobre Descrio Arquivstica um tema rico para ser explorado, pois, as normas internacionais e as poucas referncias nacionais sobre o assunto, podem causar confuses conceituais. Muitas foram as obras diretamente traduzidas de outros

Considerando instrumento de pesquisa um meio que permite a identificao, localizao ou consulta a documentos ou a informaes neles contidas (ARQUIVO NACIONAL, 2005, p. 102), por exemplo: catlogo, guia, ndice, inventrio, listagem descritiva do acervo, repertrio e tabela de equivalncia, entre outros. 2 Entende-se por informao um elemento referencial, noo, idia ou mensagem contidos num documento (ARQUIVO NACIONAL, 2005, p. 107).

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idiomas, sem a correta adequao ao contexto brasileiro; e, tantos outros casos de repetio de experincias estrangeiras sem reflexo sobre as diferenas de um pas para o outro. Esta pesquisa limita-se, quanto ao tema, a tratar sobre os conceitos essenciais e delimitadores, dentro da estrutura da teoria arquivstica, quanto s definies para a atividade de descrio de documentos arquivsticos e para seus instrumentos de pesquisa e a normalizao da Descrio Arquivstica. Restringe-se aos aspectos tericos sobre questes terminolgicas e conceituais relativas a esta atividade arquivstica. No aborda questes como a neutralidade, quanto intencionalidade e ideologias que incluem ou excluem o que se enfatiza e o que ignora nas descries de documentos de arquivo. O levantamento histrico e evolutivo dos Arquivos, da Arquivologia e da prpria Descrio Arquivstica no possui carter de investigao exaustiva, visto a realizao do levantamento destas questes ser realizado luz da contextualizao do tema estudado. Como referncia temporal, restringe-se a elaborao do Manual de Arranjo e Descrio de Arquivos3, de 1898, e a redao da primeira edio da Norma Internacional para Descrio de Instituies com Acervos Arquivsticos (ISDIAH4), de maro de 2008. Geograficamente, a proposio aqui apresentada relaciona-se a comparaes entre diferentes realidades de distintas regies do mundo. Com o objetivo principal de investigar questes que possam influenciar a terminologia referente aos instrumentos de pesquisa elaborados a partir da atividade de descrio de documentos arquivsticos, este estudo pretendeu, de forma especfica, pesquisar as origens e a evoluo da Arquivologia e de seu campo terico; levantar termos relacionados Descrio Arquivstica e aos instrumentos de pesquisa, de pases de distintas tradies culturais, principalmente administrativa e juridicamente, pois esses dois fatores so os de maior influncia documentao de arquivo; analisar e determinar comparaes entre os dados localizados; identificar a existncia de fatores que levaram a alteraes da terminologia relacionada s atividades descrio e aos seus instrumentos de pesquisa; e identificar diferentes denominaes de instrumentos de pesquisa. Esta atividade investigativa parte da necessidade de fundamentao terica e prtica para suprir a falta de entendimento sobre as mudanas terminolgicas possveis de serem encontradas nos arquivos, na bibliografia e no campo do saber da Arquivologia, fatores

MULLER, S.; FEITH, J. A.; FRUIN, R. - Handleiding voor het ordenen en beschrijven van de vereniging van archivarissen. Groningen : Erven B. van der Kamp., 1898. (Trad. Manoel Adolpho Wanderley, sob o ttulo: Manual de arranjo e descrio de arquivos. 2a ed. Rio de Janeiro: Ministrio da Justia, Arquivo Nacional, 1973). 4 INTERNATIONAL COUNCIL ON ARCHIVES. Norma Internacional para descrio de instituies com acervos arquivsticos - ISDIAH. Trad. Vitor Manoel Marques da Fonseca. Paris: ICA, 2008.

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constitudos a partir de lacuna existente na formao do autor. Esta investigao busca esclarecer o entendimento dos conceitos atribudos Descrio Arquivstica e aos seus instrumentos de pesquisa. Embora no possa ser eficazmente resolvido por meio desta pesquisa, o tema extremamente relevante para a Arquivologia, uma vez que busca a reflexo sobre os novos paradigmas desta rea, frente aos novos tempos e ao seu futuro. No possui um carter empreendedor para traar solues a adversidades; contudo, busca uma adequao ao atual estgio evolutivo da Arquivologia. Sua exeqibilidade no visa concluso e sim um entendimento de mudanas que geraram o estgio terico no qual vivemos. As sees seguintes deste trabalho consistem em um meio para ampliar a reflexo o objeto desta pesquisa luz da seguinte questo indagadora: as diferenas e divergncias terminolgicas sobre os instrumentos de pesquisa refletem as diversidades scio-culturais de cada localidade ou h carncias quanto a um entendimento comum sobre os conceitos envolvidos nesta atividade? A hiptese bsica trabalhada, para a interpelao apresentada, de que os instrumentos de pesquisa possuem diferenas e divergncias regionais quanto s suas nomenclaturas e conceituaes. Trabalhou-se supondo que estas diferenas podem surgir pelas caractersticas especficas de cada arquivo, pelas diversidades de culturas jurdicas e administrativas, ou por problemas terminolgicos, dentro da rea da Arquivologia. O tema surgiu em decorrncia de dvidas e questionamentos das ltimas disciplinas do Curso de Arquivologia. Trabalhando h anos com fotografias, material especial que urge por representaes textuais para o entendimento da informao registrada nas imagens e sua contextualizao, v-se diariamente o quo necessria esta atividade de Descrio Arquivstica para a recuperao de uma determinada informao armazenada em um acervo de arquivo, o qual geralmente composto por muitos metros lineares de documentos. As representaes das quais os contedos dos documentos carecem, contudo, so expostas e conceituadas de distintas formas pela bibliografia qual se teve acesso durante o curso de graduao. E tentar entender o porqu dos diferentes termos que os autores da rea utilizam, foi o que motivou esta pesquisa. Iniciou-se uma pesquisa de levantamento da bibliografia existente para a estruturao da pesquisa. As principais obras, que eram acessveis, foram indicadas pela professora-orientadora e, a partir destas, as demais foram localizadas por buscadores na Internet e no catlogo da biblioteca da Faculdade de Biblioteconomia e Comunicao da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.

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Dessa forma, utilizou-se para a realizao desta investigao terica a pesquisa bibliogrfica na literatura especializada e em dicionrios, glossrios e tesauros do mbito da Arquivologia; alm de documentos normativos que buscam a padronizao da Descrio Arquivstica. Na seqncia, o captulo 2 traz uma contextualizao do estudo, falando sobre o tema arquivo e suas origens, como tambm das origens e da evoluo da Arquivologia, a teoria e a terminologia arquivsticas. O captulo 3 apresenta a Descrio Arquivstica, suas origens, seus processos e seus instrumentos de pesquisa. O captulo 4 versa sobre a normalizao da Descrio Arquivstica, o processo de normalizao e as primeiras normas de Descrio de documentos de arquivo, as normas internacionais, sobre a Norma Brasileira de Descrio Arquivstica (NOBRADE) e outras normas nacionais. O captulo 5 constitui-se da metodologia empregada na pesquisa. Finalmente, no captulo 6 est a apresentao dos dados coletados na pesquisa, sua anlise e interpretao. O captulo 7 consiste nas concluses desta atividade de pesquisa.

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2 CONTEXTUALIZAO DO ESTUDO

Segundo Marilena Leite Paes, a documentao desempenha papel de memria das instituies e, como acontece com um indivduo, quanto mais pronta, fiel e abrangente for a gesto da documentao, mais eficiente, rpido e seguro ser o desempenho das atividades da instituio (PAES, 1978, p.11). Bellotto (2002, p. 78) escreve que documento de arquivo o testemunho da vida de uma instituio, quer esta seja pblica ou privada, compreendendo registros do estabelecimento, competncias, atribuies, funes, operaes e atuaes desempenhadas no decurso de sua existncia. Demonstram, em mbito externo e interno, as relaes administrativas, econmicas, polticas e sociais mantidas por uma entidade.

2.1 O TERMO ARQUIVO

A origem do termo arquivo incerta: h quem afirme que se derive do termo grego arch, atribudo ao palcio dos magistrados, que teria evoludo para archeiom, local de guarda e depsito dos documentos5 (PAES, 2006); j Galvo (19096 apud PAES, 2006) afirma que o termo arquivo deriva de archivum, palavra latina relativa a um lugar de guarda de documentos e outros ttulos. Souza apresenta um conceito moderno para arquivo. Segundo o autor (SOUZA, 1950 apud PAES, 2006, p. 19), arquivo o conjunto de documentos oficialmente produzidos e recebidos por um governo, organizao ou firma, no decorrer de suas atividades, arquivados e conservados por si e seus sucessores para efeitos futuros (SOUZA 19508 apud PAES, 2006, p. 19).7

Entende-se por documento a unidade de registro de informaes, qualquer que seja o suporte ou formato (ARQUIVO NACIONAL, 2005, p. 73). 6 GALVO, Ramis. Vocabulrio etimolgico e prosdico das palavras portuguesas. Rio de Janeiro, 1909. 7 SOUZA, Maria de Lourdes da Costa et al. Apostilas do Curso de Organizao e Administrao de Arquivos. Rio de Janeiro: DASP, 1950 - (Ponto I), citando a conceituao de Solon Buck, arquivista norte-americano do Arquivo Nacional deste seu pas. 8 SOUZA, Maria de Lourdes da Costa et al. Apostilas do Curso de Organizao e Administrao de Arquivos. Rio de Janeiro: DASP, 1950 - (Ponto I), citando a conceituao de Solon Buck, arquivista norte-americano do Arquivo Nacional deste seu pas.

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O termo arquivo tambm designa:

a) b) c) d) e)

conjunto de documentos; mvel para guarda de documentos; local onde o acervo documental dever ser conservado; rgo governamental ou institucional cujo objetivo seja o de guardar e conservar a documentao; ttulo de peridicos - geralmente no plural, devido influncia inglesa e francesa. (PAES, 2006, p. 20)

Bellotto descreve arquivos como:

[...] conjuntos orgnicos de documentos produzidos/recebidos/acumulados por um rgo pblico, uma organizao privada ou uma pessoa, e que, passada sua utilizao ligada s razes pelas quais foram criadas, podem ser preservados, por seu valor informativo, para fins de pesquisa cientfica ou testemunho sociocultural. (BELLOTTO, 2002, p. 18) [...] so arsenal da administrao e celeiro da histria. Servem ao processo decisrio e ao funcionamento das instituies e pesquisa cientfica e memria social. (BELLOTTO, 2002, p. 19)

Lodolini, referncia italiana da Arquivologia, considera arquivo como

[...] a sedimentao documentria das atividades administrativas, cujos documentos esto ligados por um vnculo original, necessrio e determinado. (LODOLINI, 19919 apud BELLOTTO, 2002, p. 18)

2.2 OS ARQUIVOS E SUAS ORIGENS

Sendo a escrita um conjunto de smbolos que no representam somente a linguagem falada, mas tambm um meio de acesso e de materializao do mundo das idias, ela nos permite, alm da reproduo de o que falamos, a apreenso de nossas mensagens, de forma que estas transcendam o tempo e o espao. Estes smbolos, conforme Paes, evoluram da seguinte forma:

O homem primitivo, tendo necessidade de um meio de expresso permanente, recorreu a uma engenhosa disposio de objetos simblicos ou mais materiais (ns, entalhes, desenhos), que constituram a base dos primeiros sistemas de escrita.

LODOLINI, Elio. El problema fundamental de la archivstica: la natureza y el ordenamiento del archivo. In: GUTIERREZ MUOZ, Cesar, ed.. Archivstica. Lima: Pontifcia Universidade Catlica, 1991. P. 30-51.

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Esses sistemas, ainda rudimentares, evoluram na medida em que os povos atingiam graus elevados de cultura ou absorviam o que havia de bom nas civilizaes mais adiantadas com quem mantinham relaes comerciais. (PAES, 2006, p. 15)

Os documentos comearam a surgir com a evoluo das sociedades, com as necessidades advindas desta evoluo, e com a evoluo dos processos de escrita. As atividades polticas, sociais, econmicas, religiosas e da vida particular passaram a necessitar de registros que comprovassem aes e decises tomadas nestes mbitos. Ribeiro explica que:

A inveno da escrita veio permitir registar num suporte exterior mente e voz humanas a informao que o Homem produzia desde que comeou a existir e a comunicar. Este registo ocorre, pode-se dizer, de forma espontnea, apenas porque a informao tem um uso recorrente e a memorizao em suporte exterior ao ser humano, seu produtor, constitui uma garantia mais eficaz da sua perdurabilidade e potencia um uso repetido e dilatado no tempo. A conservao da informao (ou dos documentos, querendo este termo significar informao registada num suporte fsico) como memria surge, pois, como uma necessidade e no como um objectivo em si mesmo. (RIBEIRO, 2005, p.01)

A documentao, por sua vez, passou a tomar grandes volumes que exigiram formas sistematizadas para sua organizao. Os arquivos guardavam tanto documentos que atestavam a legalidade de certos atos, como tesouros culturais. De acordo com Carol Couture e Jean-Yves Rousseau (198710 apud BELLOTO, 2002, p. 13), a histria dos arquivos principia a antiguidade oriental (3000 a 500 a.C.), quando povos sumrios, egpcios, assrios e babilnios possuam ser arquivos, os quais serviam suas autoridades reais, religiosas ou diplomticas, nos quais eram custodiados documentos pblicos, como leis, tratados, normas e preceitos, e documentos privados, como contas, receitas teraputicas, etc. Na antiguidade clssica (gregos, de 1500 a.C a 146 d.C., e romanos, de 753 a.C. a 476 d.C.), os arquivos, ainda a servio das autoridades, passaram a ter acesso por cidados, em busca de registros notariais. Os romanos elevaram a produo de atos escritos, consequentemente, ampliaram a importncia dos arquivos (BELLOTTO, 2002). Em Roma, de acordo com RICHTER (1988, p. 98), em 78 a.C., o Cnsul Lutatis Catulus empreendeu a construo o Tabularium, um arquivo oficial, cujas runas ainda

COUTURE, Carol; ROUSSEAU, Jean-Yves. Les archives au 20me sicle: une repones aux besoins de ladministration et de la recherche. Montreal: LUniversit de Montreal, 1987.

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resistem ao tempo. Aps a queda do Imprio Romano, muitos arquivos foram destrudos por aes de batalhas traadas com outros povos, denominados brbaros11. Nos primeiros tempos da Era Crist, conforme Bellotto (2002), os poucos documentos produzidos eram predominantemente por influncia do clero, sob a forma de aes culturais e divulgadoras da f.Estes documentos eram salvaguardados em mosteiros, sobre a tutela de monges. Na Idade Mdia (476 a 1453), povos denominados brbaros migraram para a Europa ocidental. O direito romano e as autoridades centralizadas decaram. Os arquivos foram transferidos para as autoridades feudais (BELLOTTO, 2002). No sculo XII, segundo Bellotto (2002), o Direito Romano renasceu, reascendendo a importncia da escrita, com o surgimento de ttulos e registros, principalmente de propriedades de terras. Bellotto (2002) conta que o fortalecimento do Poder Monrquico gerou construes de arquivos centrais de Estado por vrios pases da Europa. O Absolutismo Monrquico considerava os arquivos um "arsenal de armas jurdicas servio da Coroa". A evoluo dos estados modernos na Europa, na Idade Moderna (1453 a 1889), faz que o poder centralize-se e surgem, com isso, os arquivos reais, tambm chamados de tesouros do rei, e arquivos notariais. At a Idade Moderna, os arquivos eram de uso predominantemente jurdicoadministrativo. Nos pases europeus ocidentais, que originaram a arquivstica americana, como Frana, Itlia, Espanha, Portugal, Vaticano, Alemanha, Holanda, e outros, j contavam, nesta poca, com legislaes e estruturas arquivsticas organizadas (BELLOTTO, 2002). Por muitos anos, as noes de arquivo, biblioteca e museu eram determinadas a um mesmo espao fsico, com um mesmo fim, alocando em seus depsitos documentos de qualquer espcie. A evoluo histrica, os fatores culturais e os fatores tecnolgicos que foram os delineadores dos conceitos de cada tipo de instituio. Paes (2006) justifica como sendo um fator preponderante para esta mudana o surgimento da imprensa e a massificao da reproduo de obras literrias e informativas. Segundo a autora, podemos conceituar as instituies como:

a)

Arquivo - a acumulao ordenada dos documentos, em sua maioria textuais, criados por uma instituio ou pessoa, no curso de sua atividade, e preservados

Os romanos denominaram povos brbaros aqueles vindos da Europa Oriental, que no contam com registros documentais, contando apenas com registros orais. (RICHTER, 1988, p. 98)

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para a consecuo de seus objetivos, visando utilidade que podero oferecer no futuro. b) Biblioteca - o conjunto de material, em sua maioria impresso, disposto ordenadamente para estudo, pesquisa e consulta. c) Museu - uma instituio de interesse pblico, criada com a finalidade de conservar, estudar e colocar disposio do pblico conjuntos de peas e objetos de valor cultural. (PAES, 2006, p. 16)

Logo, museus e bibliotecas tm fins culturais, enquanto arquivos possuem objetivos funcionais, embora o valor cultural tambm exista nos arquivos, como fonte histrica. Paes (2006, p. 18) explicita mais uma distino entre bibliotecas e arquivos, quanto s formas de tratamento de seus objetos: [...] a Biblioteconomia trata de documentos individuais e a Arquivologia, de conjuntos de documentos12. A Idade Contempornea, iniciada com a Revoluo Francesa destaca-se na histria dos arquivos. Isso porque, a partir de ento, a documentao dos arquivos pblicos passara a ser acessada tambm pelo cidado, e os documentos oficiais dispersos so reunidos em Paris, criando-se um arquivo nacional (BELLOTTO, 2002). O desenvolvimento conceitual sobre a importncia dos Arquivos como uma forma de preservao cultural sofreu um significativo abalo na sua estrutura aps a Revoluo Francesa, por influncias do Racionalismo e do Iluminismo. A idia de Nao, e a preocupao em nacionalizar os bens das classes que dominavam o poder poltico na Frana, romperam com paradigmas histricos. A conservao da documentao produzida e armazenada por ou para fins pblicos, passou a constituir um objetivo de uma nova ordem liberal, mas agora com a finalidade de servir outros interesses historiogrficos, culturais, etc., e no apenas aos respectivos produtores, como era at ento. O uso dos arquivos continuou sendo jurdico-administrativo. Mas, segundo Bellotto (2002), j sendo testemunho de relaes Estado-cidado, de forma multilateral. Somente na segunda metade do sculo XIX surge a pesquisa histrico-cientfica, com uso e valorizao de informaes contidas em documentos de arquivos. Bellotto (2002) relata que ao longo do sculo XIX, foram sendo criados arquivos nacionais em diversos pases, inclusive o Arquivo Nacional brasileiro, em 1828, ento imperial. Todos estes arquivos destinavam-se guarda permanente de documentos em inatividade jurdicoadministrativa.

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Segundo Harworth (2001 apud ANDRADE, 2008), os documentos arquivsticos so produtos de uma ao ou de um aparelho burocrtico, considerados meios de prova e evidncia de um fenmeno administrativo, jurdico ou algum outro ligado s atividades de seu produtor. HAWORTH, Kent M. Archival description: content and context: in search of structure. In: PITTI, David V.; Wendy M. (Org.). Encoded Archival Description on the Internet. New York: The Haworth Information Press, 2001.

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No sculo XX, os arquivos vo se estruturando. "Arquivos administrativos, correntes, ligados administrao pblica e privada, e os arquivos histricos, ligados pesquisa" (BELLOTO, 2002, p. 14). Nos ltimos sculos, como relata PAES (2006, p. 16), [...] a rpida mudana dos limites de vrios campos do conhecimento e as diversas relaes estabelecidas entre eles, o aparecimento de novas especializaes e profisses, a criao de vrios tipos de organizaes [...], entre outros fatores, foram determinantes para o aumento da complexidade da sociedade e, por conseqncia, dos documentos. So aumentos da quantidade de informao, de tipos suportes e de meios de acesso informao. Atualmente, a produo dos registros humanos ainda predominantemente feita em suporte papel, mas com uma ascenso da substituio e migrao para o formato digital. Esta crescente adoo dos documentos eletrnicos efeito, por mais incrvel que possa parecer, da j longnqua Revoluo Tecnolgica, iniciada do sculo XIX, quando surgiram, entre vrios outros inventos, o telgrafo, o telefone, a fotografia, a rdio, o cinema, etc. Estas tecnologias foram superadas em uma velocidade surpreendente aps a II Guerra Mundial, com o surgimento e drstico desenvolvimento das Tecnologias da Informao e Comunicao, o aparecimento, frente populao, da televiso e do computador. Estas duas tecnologias tiveram seu auge nas duas ltimas duas dcadas do sculo XX, com a difuso cada vez maior das tecnologias digitais e da Internet. O constante crescimento qualitativo e quantitativo, pelas facilidades de acesso e difuso da informao, chamado de exploso da informao, vem provocando, de forma cada vez mais rpida, o aperfeioamento de tcnicas de registro e de suportes de informao, [...] a fim de poupar ao estudioso a perda de tempo e o esforo intil de, por carncia de informaes, resolver problemas j solucionados ou repetir experincias que foram testadas anteriormente" (CENTRO INTERNACIONAL DE PESQUISA E DOCUMENTAO EM FORMAO PROFISSIONAL, 197013 apud PAES, 2006, p.17). As novas formas de suportes documentais, com suas caractersticas fsicas e valorativas, quanto ao seu contedo, necessitam de tratamentos distintos e, conforme Paes (2006, p. 17) salienta: adequados a cada caso. A cada novo suporte documental que surge, exigido da Arquivologia um novo conjunto de metodologias de tratamento documental.

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CENTRO INTERAMERICANO DE PESQUISA E DOCUMENTAO EM FORMAO PROFISSIONAL. Curso para o pessoal dos servios de documentao. Montevidu: Curso Cinterfor, 1970.

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2.3 SURGIMENTO E EVOLUO DA ARQUIVOLOGIA

O surgimento da Arquivologia indissocivel s finalidades de um arquivo, que no so apenas tornar as informaes contidas em seu acervo disponveis, mas tambm "[...] preservar a memria das instituies como prova de suas atividades no tempo e no espao [...] (PAES, 2006, p. 96). Para realizar a finalidade de sua existncia e tornar-se indispensvel, o arquivo deve manter a documentao disposta e [...] fornecer aos usurios do arquivo informaes precisas, completas e no mais curto espao de tempo (PAES, 2006, p. 96). Portanto, a misso de um arquivo nunca poder ser outra seno recuperar rapidamente a informao devidamente organizada. Quando o tratamento de massas documentais no realizado por um arquivista, conforme Paes (2006, p. 96), "[...] o resultado que o objetivo dos arquivos se perde na malha da burocracia, transformando-os em meros depsitos de papelrios, ou exposio permanente de equipamentos sofisticados". A Arquivologia retrata, atravs dos documentos de seus acervos, as ordens poltico-sociais. Um exemplo a cidade de Atenas, onde no sculo V a.C., foi criado um arquivo de estado, o Metroon, onde vigorava o princpio da acessibilidade, para a elite intelectual (RICHTER, 1988, P. 98). Bellotto (2002, p. 14) expe que em 1946, nos Estados Unidos, os valores primrio, documentos na fase de uso administrativo, e valor secundrio, documentos de uso como fonte de pesquisa, foram aproximados aos documentos j sem valor jurdico. Encarregou-se dessa aproximao a Comisso Hoover, atravs da definio de duas reas de atuao para a organizao dos documentos: os records management, encarregados da gesto de documentos correntes, de sua criao, planificao, controle, organizao, enquanto classificao, arquivamento e armazenamento, e a utilizao primria, pela administrao, alm da destinao, como avaliao, eliminao e/ou transferncia e recolhimentos aos arquivos intermedirios e/ou histricos; e os archives administration, incumbidos da administrao dos arquivos histricos, atravs das atividades de arranjo, descrio, difuso e utilizao para a pesquisa, dos documentos permanentes. At a Segunda Guerra Mundial, final da primeira metade do sculo XX, a tradio arquivstica clssica considerava que a documentao dos arquivos tinha apenas duas idades: a administrativa e a histrica. Os documentos passavam diretamente de um estgio para o outro. Segundo Paes (2006, p.96), "quando as instituies contavam com espao,

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conservavam os seus documentos por longo tempo [...]; outras, por falta de espao, recolhiam precocemente documentos ainda em uso corrente [...]". Desconsideram-se aquelas que descartavam a documentao, com vistas a ganhar espao fsico para outros documentos. Com o aumento da quantidade de documentos produzidos, devido s novas tecnologias desenvolvidas em tempos de guerra, a situao dos depsitos dos arquivos passou a agravar-se exponencialmente. De acordo com Paes (2006, p.96) "foi ento que, na busca de uma soluo, surgiu a teoria da 'idade intermediria' e com ela a noo de depsitos intermedirios, cujo acervo constitudo de papis que no esto mais em uso corrente". Os norte-americanos possibilitaram a aproximao dos documentos correntes aos documentos histricos com a criao dos arquivos intermedirios, que passaram a ter a funo de gerir o fluxo entre os arquivos administrativos, records managements, e os arquivos histricos, archives administrations (BELLOTTO, 2002). Esta novidade, tambm alterou os cursos de Arquivologia, pois, os arquivistas, que tinham formaes especficas ao tipo de documentao com qual trabalhariam, se correntes ou permanentes. Com a criao dos arquivos intermedirios, passaram a ter instrues para atuarem de forma indiferente fase na qual a documentao estivesse (BELLOTTO, 2002). Segundo esta nova teoria das trs idades, os arquivos puderam contar com a seguinte forma de estruturao:

Arquivo de primeira idade ou corrente, constitudo de documentos em curso ou consultados frequentemente, conservados nos escritrios ou nas reparties que os receberam e os produziram ou em dependncias prximas de fcil acesso. b) Arquivo de segunda idade ou intermedirio, constitudo de documentos que deixaram de ser frequentemente consultados, mas cujos rgos que os receberam e os produziram pode inda solicit-los, para tratar de assuntos idnticos ou retomar novamente focalizado. No h necessidade de serem conservados prximos aos escritrios. A permanncia dos documentos nesses arquivos transitria. Por isso, so tambm chamados de 'limbo' ou purgatrio. c) Arquivo de terceira idade ou permanente, constitudo de documentos que perderam todo valor de natureza administrativa, que conservam em razo de seu valor histrico ou documental e que constituem os meios de conhecer o passado e sua evoluo. Estes so os arquivos propriamente ditos. (PAES, 2006, p. 2122)

a)

Cada uma destas idades corresponde a um conjunto de metodologias e tcnicas de tratamento distintas umas das outras.

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Quanto estruturao dos arquivos em um sistema, estes podem ser: a) Setoriais: estabelecidos junto aos rgos operacionais, cumprindo funes de arquivo corrente (PAES, 2006, p. 22). b) Gerais ou Centrais: se destinam a receber os documentos correntes provenientes dos diversos rgos que integram a estrutura de uma instituio, centralizando, portanto, as atividades de arquivo corrente (PAES, 2006, p. 22). Em relao natureza dos documentos, os arquivos podem ser: a) Arquivo especial tem sob guarda documentos de formas fsicas diversas (fotografias, discos, fitas, clichs, microformas, slides, disquetes, CD-ROM), e que [...] merecem tratamento especial quanto ao seu armazenamento, registro, controle e conservao, entre outros cuidados (PAES, 2006, p. 22). b) Arquivos especializados tem sob sua guarda documentos resultantes de um campo profissional especfico, indiferente do tipo de suporte (PAES, 2006, p. 23). Quanto parte tcnicas das atividades executadas em um arquivo, Bellotto (2002) escreve que estas se constituem em: registrar, classificar, avaliar, eliminar, quando o documento avaliado como de desnecessria guarda permanente, descrever, disponibilizar consulta e divulgar. Quanto s funes cientficas e sociais, compreende ao arquivo preservar a memria social, atender aos direitos constitucionais dos cidados e facilitar a investigao cientfica (BELLOTTO, 2002). Para Bellotto (2002, p. 21), a Arquivologia, enquanto uma cincia, tem por seus princpios: a) Provenincia os documentos so identificados ao seu produtor e sua organizao deve obedecer s atividades da instituio ou pessoa responsvel por sua produo, individualizando-os a outros de origens distintas; b) Organicidade os documentos documentais devem refletir as relaes administrativas e a estruturas de sua entidade produtora; c) Unicidade os documentos de arquivo detm carter de nicos, no contexto de sua produo; d) Indivisibilidade ou integralidade os grupos documentais devem ser preservados como so, sem disperses, mutilaes, alienaes, adies ou destruies no autorizadas; e

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e) Cumulatividade um conjunto de documentos arquivsticos uma formao progressiva, natural e orgnica. Os documentos possuem qualidades, que lhes conferem fora probatria, as quais so, de acordo com Bellotto (2002, p. 24): a) imparcialidade em sua criao, documentos no visam dar contas a posteridade, limitando-se a determinadas aes, funes; b) autenticidade nos procedimentos, os documentos seguem formalidades quanto a sua criao, tramitao, uso e guarda; c) naturalidade na acumulao, os documentos no so colecionados e sim, naturalmente, acumulam-se no curso das aes institucionais, de forma progressiva e contnua; d) organicidade em seu relacionamento com outros documentos de um mesmo conjunto, h interdependncia entre estas relaes e o contexto de produo; e) unicidade no conjunto, cada documento possui seu lugar nico na estrutura ao qual pertence. A teoria arquivstica no admite arquivos temticos, segundo Bellotto (2002), contudo, h expresses como arquivos militares, religiosas, de artes, etc; utilizados para denominar vrios arquivos de diversas entidades militares, religiosas ou de artes, etc. Ainda no final da primeira metade do sculo XX, em 1948, foi criado, pela Organizao das Naes Unidas para a Educao, a Cincia e a Cultura (UNESCO), o Conselho Internacional de Arquivos (CIA), com o encargo de promover a universalizao da prtica e da formao do arquivista, atravs do fomento de de projetos, eventos e publicaes, desenvolvidos por seus comits. O CIA, a partir de uma reunio de especialistas, foi instalado com o objetivo de apoiar, normalizar, congregar arquivos e arquivistas (BELLOTTO, 2002, p. 17). A Arquivologia, ainda busca seu reconhecimento e sua autonomia. Seus problemas ainda so muitos, mas, sua necessidade scio-cultural grande. Runa (2007) expe questes extradas de sua anlise da experincia que passou na implantao das Orientaes para a Descrio Arquivstica (ODA) no Instituto dos Arquivos Nacionais/Torre do Tombo. Os principais problemas relatados pela autora (RUNA, 2007, p. 4), de forma geral, so relacionados metodologia de trabalho do arquivista, desempenhada de forma tradicional e isolada, resultante da ausncia de comunicao, de debate e trocas de experincias sobre os projetos desenvolvidos nos arquivos. Falta sistematizao na realizao das atividades de planejamento e gesto, como levantamento de problemas e

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dificuldades encontradas, definio de forma de resoluo e respectivas justificativas, uniformizao de procedimentos, anlise crtica dos resultados e sua divulgao, falta de compartilhamento de instrumentos de trabalho, que muitas vezes, so produzidos com o objetivo de facilitar a organizao da documentao. A autora (RUNA, 2007, p. 4) conta que poucas vezes se v trabalhos desenvolvidos nos arquivos, com registros sistemticos dos processos de sua elaborao e interdisciplinares. Um aspecto relevante quanto s dificuldades de avano da Arquivologia o fato de uma instituio ser distinta da outra, no havendo um conjunto de regras que possam ser determinadas para tipos especficos de conjuntos documentais. Cada arquivista organiza a documentao segundo seu entender, tendo um leque de possibilidades aceitveis. Esta falta de delimitao de critrios na aplicao da arquivstica permite uma maior liberdade intelectual, porm, obstrui a padronizao.

2.4 A TEORIA ARQUIVSTICA

Segundo Lopes (1998), a Arquivologia conta, atualmente, com trs grandes correntes de pensamento: a tradicional, ligada aos arquivos permanentes, a qual se mantm como referncia internacional, tanto com relao s suas questes tericas quanto s prticas; a dos records management, identificada com os arquivos ativos e semi-ativos, que se sobressai com arquivos administrativos; e a corrente da arquivstica integrada, que ainda emergente, preocupa-se com o ciclo vital dos documentos e busca consolidar-se. As origens destas correntes so bem determinadas: a primeira de procedncias francesa, italiana e espanhola; a segunda, norte-americana e a terceira canadense. Estes grupos esto presentes em todas as partes do mundo. H muitas outras correntes variantes, que no se enquadram totalmente em alguma das trs, pois estas so as principais, por serem as mais estudadas e adotadas. Contudo, para o autor, a fragmentao do pensamento arquivstico um problema internacional. A ausncia de metodologias e de concepes bem estabelecidas e utilizadas de modo regular recorrente em escala mundial. Por toda parte, mesmo onde reina a hegemonia de uma ou de outra corrente, previsvel a coexistncia em um mesmo meio de trabalho, gerando vrias vises e prticas. Existe tambm, em mbito mundial, uma arquivstica espontnea ou de sobrevivncia, formada por prticas e fragmentos tericos das correntes principais, no

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havendo, portanto, uma estrutura terica de subsistncia, sendo desenvolvida a partir do senso comum, impossibilitando ou dificultando solues sistemticas. Este tipo de arquivstica dominante em pases sitos fora da Amrica do Norte e da Europa Central. A Amrica Latina, a Oceania, a frica e a sia tiveram somente influncias destas correntes tericas predominantes, sendo apenas coadjuvantes. O records management constitui-se em uma arquivstica baseada em regras prticas, eficazes, mas sem a existncia de fundamentos cientficos e por vezes recorrendo improvisao, desconsiderando o conhecimento construdo e acumulado pela arquivstica tradicional. Por sua vez, a arquivstica integrada a nica a propor a transformao da disciplina arquivstica, baseada em tcnicas, em uma disciplina cientfica, com um arcabouo definido e comunista. A arquivstica, hoje, celebra cento e onze anos da publicao do Manual dos Arquivistas Holandeses14. Anteriores a esta obra h muitas outras, porm, inda utilizamos este Manual como referncia, mesmo no tendo mais valor prtico, por seu pioneirismo em sistematizar e difundir em vrios pases e lnguas as prticas de organizao de documentos arquivsticos. Outro fator determinante para as mudanas tericas de qualquer cincia a evoluo natural das idias ao passar dos anos. A Arquivologia teve seu desenvolvimento de forma acidentada enquanto uma disciplina, adequando-se s tradies de cada pas e organizao, no contando com princpios globais. O autor salienta que:

A eterna dicotomia comum a todas a disciplinas do conhecimento humano entre o senso comum e a reflexo cientfica est longe de ter encontrado o seu equilbrio em todas as correntes da arquivstica. O tino comum est presente em diversos graus de penetrao, sobretudo na arquivstica tradicional e no records management. A arquivstica espontnea ou de sobrevivncia a mais fragmentria. Ela no existe como pensamento estruturado e no descrita em obras especficas. A tradicional uma construo contraditria. A primeira contradio, do ponto de vista que aqui se defende, consiste em manter os princpios e teorias fundamentais da arquivstica como um conjunto e de recusar, sistematicamente, o papel de uma disciplina independente. (LOPES, 1998, p. 61)

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MULLER, S.; FEITH, J. A.; FRUIN, R. - Handleiding voor het ordenen en beschrijven van de vereniging van archivarissen. Groningen : Erven B. van der Kamp., 1898. (Trad. brasileira de Manoel Adolpho Wanderley, sob o ttulo: Manual de arranjo e descrio de arquivos. 2a ed. Rio de Janeiro: Ministrio da Justia, Arquivo Nacional, 1973).

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As instituies arquivsticas mantm-se isoladas ou subordinadas a instituies oriundas de outros campos do saber e ideologias, que impem outras interpretaes e descaracterizam a prtica ou sobrepem-se teoria arquivstica. Lopes (1998, p. 62) define esta submisso como fraquezas tericas. Esta fraqueza reduz o valor natural das atividades desenvolvidas por arquivistas. Profissionais estes que desfrutam de seu vocabulrio prprio, especfico para suas atividades e instrumentos de trabalho. No entanto, alguns termos prprios da Arquivologia tomam sentidos variados. O exemplo dado por Rousseau e Couture (1998, p.130) o termo documento, que utilizado tambm pela Biblioteconomia e pela Informtica, porm com significados distintos. Os autores tambm evidenciam que:

Uma compreenso comum das mesmas unidades de trabalho viria favorecer um uso uniforme, modulado em funo da informao visada e das necessidades expressas ajudaria a reforar a disciplina arquivstica, dotada de uma abordagem global, que se inscreve harmoniosamente no actual movimento de mundializao das actividades humanas. (ROUSSEAU; COUTURE, 1998, p.129)

Para tomar conhecimento sobre a teoria arquivstica e suas correntes, o meio conhecer o que expressam ou expressaram seus pensadores. Ver as obras consolidadas como referncias da teoria arquivstica, elaboradas nas mais distintas pocas, que, conforme Lopes, (1998, p. 66) so uma viso do mesmo problema, que teve um nico elemento de ligao comum: o tratamento dos documentos de arquivo. Os principais autores da Arquivologia, cronologicamente, segundo Lopes so:

a)

b) c) d)

e) f) g) h) i)

MULLER, S.; FEITH, J. A.; FRUIN, R. - Handleiding voor het ordenen en beschrijven van de vereniging van archivarissen. Groningen : Erven B. van der Kamp., 1898. (Trad. brasileira de Manoel Adolpho Wanderley, sob o ttulo: Manual de arranjo e descrio de arquivos. 2a ed. Rio de Janeiro: Ministrio da Justia, Arquivo Nacional, 1973). JENKINSON, Hilary. A Manual of Archive Administration. London: Percy Lund, Humphries and Co., 1965. (first published 1922). SCHELLENBERG, Theodore R. Modern archives: principles and techniques. Chicago: University of Chicago Press, 1956. SCHELLENBERG, T. R. Documentos pblicos e privados: arranjo e descrio (Trad. Manoel A. Wanderley). Rio de Janeiro: Arquivo Nacional, 1963. (Publicaes tcnicas, 27). BENEDON, William. Records Management. Los Angeles: Trident Shop, 1969. ASSOCIATION DES ARCHIVISTES FRANAIS. Manuel darchivistique. Paris: AAF, 1970. COOK, Michael. Archives administration: a manual for intermediate and smaller organizations and for local government. Kent: Dawson, 1977. COOK, Michael. The management of information from Archives. Aldershot: Gower, 1986. COUTURE, Carol; ROUSSEAU, Jean-Yves. Les archives au XX sicle. Montreal: Universite de Montreal. 1982.

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______ . Fundamentos da Disciplina Arquivstica. Lisboa: Publicaes Dom Quixote. 1994. k) NATIONAL ARCHIVES AND RECORDS SERVICE. A modern archives reader: basic readings on archival theory and practice. Washington: U.S. General Services Administration, 1984. l) HEREDIA HERRERA, Antonia. Archivstica general: teora y prctica. Sevilla: Diputacin Provincial, 1984. m) LODOLINI, Elio. Archivistica: principi e problemi. Milo: Franco Angeli, 1984. n) DIRECTION DES ARCHIVES DE FRANCE. La pratique archivistique franaise. Paris: Archives Nationales, 1993. (LOPES, 1998, p. 65)

j)

A Arquivologia ainda prescinde de definies mais consistentes sobre seus conceitos. Ela ainda encontra-se na fase de justificar-se como cincia e sua estrutura metodolgica , a todo instante, posta prova. Seus pensadores, em sua grande maioria, ao elaborarem seus projetos, tentam criar uma forma de marcarem sua existncia na histria desta rea com maior nfase, alterando alguns conceitos e prticas e apresentando-os como novidades. Contudo, questes terminolgicas esto presentes em todas as reas do conhecimento. Todavia, nosso trabalho foca-se na anlise conceitual, quando executadas as descries de documentos.

2.5 A TERMINOLOGIA ARQUIVSTICA

A terminologia o meio de expresso e de comunicao tcnicas (BELLOTTO, 2002, p. 12), restringindo-se a determinadas profisses ou a determinadas reas de trabalho. expresso por meio de glossrios e dicionrios terminolgicos. Os termos so definidos por o uso de palavras extradas do senso comum, traduzindo os termos tcnicos e cientficos para uma linguagem corrente. Seu uso amplia o entendimento entre profissionais, estabelecendo uniformidade e harmonia no enunciado dos conceitos de uma determinada seara, quer em esfera nacional ou internacional (BELLOTTO, 2002). Segundo o professor Rolf Nagel, o problema de comunicao no obviamente s um problema da lngua. O prprio termo arquivodesigna em alemo unicamente o depsito histrico e mais o edifcio mas no o arquivo corrente que Registratur [...] (NAGEL, 1988, p. 9-10). No Dicionrio de termos arquivsticos, Nagel (1991, p. 9) descreve sua experincia ao ministrar a disciplina de Introduo Arquivstica, na Escola de Biblioteconomia e Documentao da Universidade Federal da Bahia, quando pde observar

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problemas terminolgicos, classificados pelo autor como bsicos, entre os especialistas alemes que l estavam e os brasileiros e, at mesmo, entre os brasileiros, ao serem utilizados alguns termos arquivsticos e os entendimentos serem distintos. Ainda nos anos 60, poucos autores empreenderam aes em vistas de fortalecer a bibliografia da rea da Arquivologia em lngua portuguesa. A literatura arquivstica conta com muitos relatos sobre as dificuldades existentes sobre sua terminologia. Marilena Leite Paes relata (2006, p. 23) ser a terminologia arquivstica um dos aspectos mais preocupantes, por ser este o determinante para racionalizaes, prover intercmbios, disseminao e recuperar a informao. Em 1977, a Associao dos Arquivistas Brasileiros (AAB), criou um comit para definir conceitos de termos comumente utilizados na Arquivologia, e elaborar um vocabulrio uniforme e um glossrio arquivstico. Aps esta iniciativa da AAB, muitas outras surgiram. Contudo, ainda h vrias discordncias e uma aparente longa distncia a ser percorrida at se chegar ao estabelecimento de uma uniformidade (PAES, 2006, p. 23). No Brasil, conta Bellotto (2002, p. 13), as tentativas de uma terminologia arquivstica nacional tiveram seu incio no final dos anos de 1980, materializadas em propostas apresentadas ao Arquivo Nacional pela Universidade Federal do Bahia e pelo, ento, ncleo de So Paulo da Associao dos Arquivistas Brasileiros. Juntamente com o dicionrio publicado pela Associao dos Bibliotecrios e Arquivistas de Portugal, o dicionrio produzido pelo Arquivo Nacional divulga a terminologia em lngua portuguesa nos pases lusfonos (BELLOTTO, 2002). Segundo Belloto (2002), a terminologia arquivstica brasileira tem como herana, principalmente, termos das lnguas inglesa e francesa, que muitas vezes receberam ou ainda recebem tradues distintas para um mesmo vocbulo. O Dicionrio de Terminologia Arquivstica do Conselho Internacional de Arquivos (CIA) busca, atravs de tradues de equivalncia para diversas lnguas, sendo sua edio original em ingls e francs, as duas lnguas nas quais so publicados os trabalhos desenvolvidos pelo CIA, estabelecer uma terminologia bsica para um entendimento conceitual mnimo entre todos os pases (BELLOTTO, 2002). Tanta importncia tem este tema, que Rousseau e Couture (1998) defendem que a terminologia seja difundida para outras reas do saber. Mais ainda com as reas correlatas, como a Administrao, o Direito, a Histria, a Sociologia e as Cincias Polticas. Criticam que, mesmo dentro dos arquivos, entre a equipe tcnica, no h uma harmonia de vocabulrio. Eles defendem tambm que a terminologia seja mais prxima da linguagem dos usurios dos

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arquivos, pois com isso, os tempos de atendimento aos usurios e o tempo de pesquisa sero reduzidos e os profissionais que trabalham nos arquivos podero dedicar-se mais elaborao e aperfeioamento dos instrumentos de pesquisa. Heredia Herrera (1991, p. 313, traduo nossa) exemplifica as questes terminolgicas, ao falar sobre termos como classificao e ordenao que, por certos profissionais, era entendida como uma nica operao de ordenao, na qual se inclua classificar. Assim como h grupos na Arquivologia que tm mesclado o conceito de descrio com o conceito de catalogao. A mesma autora tambm trata sobre os instrumentos de pesquisa, que recebem variadas denominaes:

a) Catlogos, pelos norte-americanos; b) Auxiliares descritivos, pela Escuela de Archiveros de Crdoba (Argentina); c) Instrumentos de localizao, de informao, de descrio, de trabalho ou de consultas, na Espanha; d) Instrumentos de investigao, em alguns trabalhos da Unesco. e) Instrumentos arquivsticos, instrumentos de divulgao de material arquivstico, em outros pases; e f) Instrumentos de recuperao, nos arquivos correntes, e de investigao, nos arquivos histricos canadenses. g) Alm de finding aids, pelos anglo-saxes. (HEREDIA HERRERA, 1991, p. 313-314, traduo nossa)

Mais um exemplo das inconsistncias terminolgicas da Arquivologia a denominao instruments de recherche, elaborada pelos franceses teve na Espanha sua adaptao para instrumentos de bsqueda ou de localizacin. Antonia Heredia Herrera (1991, p. 314, traduo nossa) defende ser a denominao instrumentos de descripcin a melhor nomenclatura para tais instrumentos. Alguns autores como Yakel, denominam a descrio como representao arquivstica. Yakel (200315 apud ANDRADE, 2008) considera que esta atividade composta pelos processos de arranjo documental, descrio arquivstica e a criao de instrumentos de pesquisa. No V Congresso Internacional de Arquivos, realizado em Bruxelas, em 1964, foi exposta a constatao de que no existia critrio fixo para precisar o que era um guia, um inventrio e um catlogo (HEREDIA HERRERA, 1991, p. 315, traduo nossa). No havia uma ordem hierrquica dos instrumentos, em relao os agrupamentos de documentos, dos fundos aos itens documentais.

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YAKEL, Elizabeth. Archival representation. Archival Science, v. 3, n. 1, p. 1-25, 2003.

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Um benefcio trazido com a normalizao para a Arquivologia seria padronizao terminolgica. Falta esta que compromete significativamente vrias atividades em um arquivo, principalmente, a de descrio. A adoo de uma norma internacional inviabilizada, ou dificultada em muito, quando se depara com os termos tcnicos empregados nesta rea.

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3 A DESCRIO ARQUIVSTICA

Segundo CRUZ MUNDET (1994, traduo nossa), a descrio constitui a parte culminante do trabalho arquivstico por concretizar os objetivos da Arquivologia: organizar e dar acesso aos contedos dos documentos. Migueis acrescenta que:

O trabalho de um arquivo s se completa com a elaborao de instrumentos de pesquisa, que consistem na descrio e localizao dos documentos no acervo, 'e se destinam a orientar os usurios nas diversas modalidades de abordagem a um acervo documental. (MIGUEIS, 197616 apud PAES, 2006, p. 122)

Conforme Cruz Mundet (1994, p. 256, traduo nossa) a respeito dos objetivos e princpios da descrio, h unanimidade; o que no ocorre quanto aos instrumentos de pesquisa e sua elaborao. No Manual do Arquivistas Holandeses (MULLER, 1898), est escrito que o objetivo da Descrio Arquivstica

[...] que o inventrio sirva simplesmente como um guia. Deve, portanto, fornecer um esquema do contedo do arquivo e no o contedo dos documentos. (MULLER, 1898, p. 67)

3.1 ORIGENS

A necessidade da existncia da fase de Descrio17 Arquivstica, advinda da Arquivologia tradicional, baseia-se na impossibilidade de um usurio ter acesso fsico aos documentos de um arquivo, na procura de um documento especfico de seu interesse (SANTAMARA GALLO, 2006). Para o auxlio ao usurio, sempre houve a necessidade de

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MIGUEIS, Maria Amlia Porto. Roteiro para elaborao de instrumentos de pesquisa em arquivos de custdia. Arquivo & Administrao, v. 5, n. 2, 7-20, ago. 1976. 17 Segundo Antonia Heredia Herrera, a palavra descrio, em termos amplos, a enumerao das qualidades e elementos fundamentais de uma pessoa ou de um objeto, de tal forma que a pessoa que a efetue ponha em conhecimento dos outros os traos determinantes que identificam o que se descreve. Traduo nossa. Cf. em: HEREDIA HERRERA, Antonia. La descripcin. In: _____. Archivstica general: teora y prctica. Sevilla: Servicio de Publicaciones de la Diputacin de Sevilla, 1991.

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serem criadas representaes18 ou descries de entidades arquivsticas, onde so gravadas informaes sobre atributos e relaes registradas nos documentos. Santamara Gallo (2006) tambm destaca que, tradicionalmente, existem duas grandes classes de representao arquivstica: a) Forma simples ou composta - a relao topogrfica, datas, contedo, etc., classificadas hierarquicamente (fundo19, srie20, seo21...), por nveis correspondentes a unidades de descrio (SANTAMARA GALLO, 2006, p. 4); e b) Descries de instituies, pessoas, famlias, lugares, temas, etc., que so ndices. Estes ndices tm inmeros pontos de acesso que remetem s fichas descritivas (SANTAMARA GALLO, 2006, p. 4). Heredia Herrera (1991, p. 300, traduo nossa) define a descrio como uma ponte que comunica o documento com os usurios. Alm do fato de os instrumentos descritivos aumentarem a durabilidade das fontes documentais, pelo desnecessrio contato direto com o documento, a autora (HEREDIA HERRERA, 1991, p. 304) traz seu exemplo do aumento da demanda de pesquisas em documentao primria, para a qual, os instrumentos servem tambm para o atendimento de um maior nmero de usurios. Para a autora, a descrio compreende no s a anlise da documentao, e seus distintos fatores, como tambm a localizao dos documentos. O processo evolutivo da sociedade e das tecnologias corre de maneira contnua, progressiva e gradual. Concomitantemente a ele, ocorreu, e ainda ocorre, a evoluo dos suportes de registro das informaes. Os registros mais antigos sobre Descrio Arquivstica so os repertrios de documentos registrados em tabletes de argila, encontrados na cidade de Nuzi, atual Yorgan Tepe, na Mesopotmia, de 1500 a.C. (DURANTI22, 1993 apud ANDRADE, 2008, p. 16).

Segundo Cruz Mundet (1994), os tipos de linguagens empregadas para refletir o contedo dos documentos so: linguagens codificadas, numricas ou alfanumricas, como as empregadas na classificao; linguagens livres; linguagens controladas; e lngua humana. 19 Entende-se por fundo o conjunto de documentos de uma mesma provenincia. Termo que equivale a arquivo (ARQUIVO NACIONAL, 2005, p. 97). 20 Entende-se por srie a subdiviso do quadro de arranjo que corresponde a uma seqncia de documentos relativos a uma mesma funo, atividade, tipo documental ou assunto (ibidem, p. 153). 21 Entende-se por seo a subdiviso do quadro de arranjo que corresponde a uma primeira frao lgica do fundo, em geral reunindo documentos produzidos e acumulados por unidade(s) administrativa(s) com competncias especficas. Tambm chamada subfundo (ibidem, p. 151). 22 DURANTI, Luciana. Origin and development of the concept of archival description. In: Archivaria, 35, 1993. Disponvel em: . Acesso em: 05 abr. 2008.

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Curiosamente, em uma pesquisa realizada por Duranti23, a autora aponta que a primeira definio de archival description foi publicada em 1974, no glossrio da Society of American Archivists. J Antonia Heredia Herrera (1991, p. 299, traduo nossa) aponta que o primeiro registro do termo descrio, designando a tarefa que [...] engloba as diversas e variadas atividades do arquivista, para elaborar os instrumentos que facilitam o acesso aos fundos, no geral, e aos documentos, em particular, data de 1961, publicado por Theodore Schellenberg24. Leo (200625 apud ANDRADE, 2008) expe que o objetivo inicial da descrio era o controle do acervo. Este propsito perdurou at as reformas administrativas francesas, luz da Revoluo principal daquele pas. Nesta ocasio, os fundos foram fechados e o sistema burocrtico foi reestruturado. As instituies de guarda de documentos passaram a assumir funes culturais. A autora (LEO, 2006 apud ANDRADE, 2008) tambm conta que, a partir desta transformao das instituies arquivsticas, a atividade de descrio da documentao se tornou soluo para a metodologia temtica, que passou a ser adotada por historiadores contratados para a organizao dos documentos, a qual descaracterizou o que era a identidade que vinculava a documentao com seus respectivos produtores. Esta situao foi solucionada com a adoo de representaes da ordem original dos fundos, produzidas pelo processo de Descrio Arquivstica (LEO, 2006 apud ANDRADE, 2008). A partir do incio do sculo XX, a Descrio passou a distanciar-se do objetivo de ser instrumento de controle dos acervos para ser, como escreve Leo (2006 apud ANDRADE, 2008) instrumento facilitador da recuperao dos documentos. O Manual dos Arquivistas Holandeses, de 1898, tido por muitos autores como o marco inicial da Arquivologia moderna. Esta obra apresenta, pela primeira vez, regras para as atividades de arranjo e descrio prprias dos arquivistas e uma primitiva normalizao do processo descritivo da documentao de arquivos: o Manual acentua a necessidade de que a

Ibidem. SCHELLENBERG, Theodore. Tcnicas descriptivas de archivos. Crdoba: Universidad Nacional de Crdoba, 1961. 25 LEO, Flvia Carneiro. A representao da informao arquivstica permanente: a normalizao descritiva e a ISAD (G). 81 f. 2006. Dissertao (Mestrado em Cincias da Informao) Escola de Comunicao e Artes, Universidade de So Paulo, So Paulo.24

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documentao seja descrita uniformemente, sem privilegiar este ou aquele documento [...] (FONSECA, 200526 apud ANDRADE, 2008). O Manual, por sua importncia e ineditismo de sua poca, foi traduzido para diversos idiomas, como para o alemo (em 1905), para o ingls e para o italiano (em 1908), para o francs (em 1910) e para o portugus (em 1960), como tambm, nesse mesmo ano, para o chins e outras lnguas (BRUEBACH, 200327; FONSECA, 2005 apud ANDRADE, 2008). Desde o Manual dos Arquivistas Holandeses, a descrio arquivstica passou a ter destaque nas discusses da rea. Recentemente, as abordagens desse tema focaram-se na preocupao como a contextualizao da produo dos documentos. Discorre-se sobre a necessidade de descries relacionadas histria administrativa ou biogrfica, contendo definies quanto ao escopo e ao contedo da documentao, com complexidades diversas e relacionamentos entre o produtor e a documentao (HAWORTH, 200128 apud ANDRADE, 2008). A primeira publicao normativa sobre descrio na Alemanha foi, como aponta Bruebach (2003 apud ANDRADE, 2008), em 1954. Conforme Heredia Herrera (1991) relata, a descrio Arquivstica parte fundamental da Arquivologia:

Sem uma descrio adequada, os arquivos so como uma cidade desconhecida, sem plano, como um cofre de um tesouro sem chave, ou ainda pior: como um viajante com um mapa inexato, correndo o risco de perder-se; assim, um instrumento de descrio errneo ou imperfeito pode enganar gravemente o investigador; seja por falsa interpretao de outros dados, seja por falta de informaes referentes origem e histria dos documentos. (DUCHEIN, 198229 apud HEREDIA HERRERA, 1991, p. 301, traduo nossa).

O professor Aurlio Tanodi acrescenta ao que Heredia Herrera escreveu, esclarecendo que ordenados bem ou mal, os documentos de arquivos so praticamente incontveis e inacessveis, ou de consulta extremamente difcil se no contam com

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FONSECA, Maria Odila. Arquivologia e Cincia da Informao. Rio de Janeiro: FGV, 2005. BRUEBACH, Nils. Archival Science in Germany. Archival Science, v. 3, n. 4, p. 379-399, 2003. 28 HAWORTH, Kent M. Archival description: content and context: in search of structure. In: PITTI, David V.; Wendy M. (Org.). Encoded Archival Description on the Internet. New York: The Haworth Information Press, 2001. 29 DUCHEIN, Michel. Prlogo. In: HEREDIA HERRERA, Antonia. Manual de instrumentos de descripcin documental. Sevilla: Diputacin Provincial, 1982. 212p.

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instrumentos auxiliares de controle, de consulta e de investigao (TANODI, 197830 apud HEREDIA HERRERA, 1991, p. 301).

3.2 PROCESSOS

O arquivista deve apreender, compreender, estruturar, classificar, arrumar e descrever a informao orgnica e registrada de modo global antes de detalh-la (ROUSSEAU; COUTURE, 1998, p. 130). Este um conceito para o processo de descrio dos documentos arquivsticos. Mas, este apenas um entre tantos, de vrios tempos. Esta anlise realizada sobre os fundos e sobre os documentos de arquivo, agrupados natural ou artificialmente, visando sintetizar e condensar a informao neles contidas (HEREDIA HERRERA, 1991). Ainda, segundo esta autora, o que no se pode considerar como descrio a reproduo do documento, sem o mnimo de identificaes. A descrio dos documentos deve ser desenvolvida analisando, em relao sua entidade produtora, os aspectos substanciais: unidade de organizao, funes, atividades, operaes, assuntos; e estruturais: classificao/arranjo/ordenao, unidade de arquivamento, datas, tipologia documental e quantidade (PAES, 2006, p. 127). Ou seja, trata-se do processo no qual o arquivista analisa aspectos fsicos e do contedo dos documentos e contextualiza-o no conjunto documental, em relao s suas funes e ligaes com outros documentos do mesmo acervo ou de outros fundos documentais, criando representaes para as informaes extradas desta anlise. Heredia Herrera expe que a descrio deve ser:

1. 2. 3.

Exata enquanto que os documentos no so algo impreciso, seno testemunhos nicos e concretos; Suficiente para a unidade que se est informando (arquivo, fundo, srie ou documento), sem oferecer mais do que o necessrio, por excesso ou por defeito. Oportuna enquanto que h de refletir uma programao que marque uma hierarquia da informao. (HEREDIA HERRERA, 1991, p. 301, traduo nossa).

MacNeil relaciona outros propsitos e aspectos a serem observados para a descrio de um conjunto documental:

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TANODI, Aurlio. Inventario, catlogos e indices. CIDA, Crdoba, 1978. P. 6.

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a)

promover o acesso aos documentos arquivsticos por meio de uma descrio que permita a recuperao, pelo menos, por meio da provenincia; b) permitir o entendimento da documentao por meio do registro de seu contexto, estrutura e contedo; c) estabelecer indcios que permitam a presuno da autenticidade do acervo, por meio do registro da cadeia de custdia, seu arranjo e as circunstncias de sua produo e uso. (MacNEIL, 200531 apud ANDRADE, 2008)

De acordo com a ISAD (G) (CONSELHO INTERNACIONAL DE ARQUIVOS, 2001, p. 1), a descrio pode ter seu incio na produo do documento, ou ainda, anterior a ela, e continua durante todo seu ciclo vital. Assim, o processo permite o estabelecimento de controle intelectual necessrio para garantir a confiabilidade, a autenticidade e a clareza das atividades realizadas e a acessibilidade da informao, mesmo sendo o foco da descrio documental, o documento j avaliado e classificado como permanente. Rousseau e Couture (1998) reforam essa viso destacando a independncia de fatores como idade, natureza ou suporte dos documentos. Para Heredia Herrera (1991), tanto na fase administrativa como na permanente, a descrio sempre desenvolvida com o foco na recuperao da informao pelo usurio de forma eficiente e eficaz. Para Paes, (206), a descrio atividade do arquivo permanente. Este arquivo, sendo uma unidade da estrutura de uma organizao, que recolhe a documentao a ser preservada para uso investigativo histrico, resultante da reunio de arquivos correntes, que recebe documentos originrios de diversos arquivos correntes (PAES, 2006, p. 122). A funo do arquivo permanente : reunir, conservar, arranjar, descrever e facilitar a consulta dos documentos [...] (PAES, 2006, p. 121) sob sua custdia. Para dotar-se de organicidade condizente com suas responsabilidades, as atividades do arquivo permanente dividem-se em quatro grupos:

Arranjo - reunio e ordenao adequada dos documentos. Descrio e publicao - acesso aos documentos para consulta e divulgao do acervo. Conservao medidas de proteo aos documentos e, consequentemente, do local de sua guarda, visando a impedir sua destruio. Referncia - poltica de acesso e uso dos documentos. (PAES, 2006, p. 122)

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MacNEIL, Heather. Pinking our text: archival description, authenticity, and the archivist as editor. The American Archivist, v. 68, n. 2, 2005.

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Estes quatro conjuntos de atividade unem-se pelo fim de preservar a documentao e de torn-la acessvel, atravs do arranjo, da descrio e com a prestao do servio de referncia da documentao arquivada. A Descrio Arquivstica, no tendo um momento definido para ser iniciado o seu processamento, por existir divergncias na literatura especializada, pode comear durante a classificao ou nas etapas posteriores ao processo de organizao arquivstica da documentao, desde que j existam condies de levantamento de dados como datas-limite, tipos documentais, ordenamento e a classificao dos documentos. a partir da classificao que, segundo Lopez (2002), ser possvel prever qual(is) instrumento(s) de pesquisa ser(o) produzido(s), considerando os nveis adotados na organizao do acervo. Os diferentes instrumentos de pesquisa so definidos atravs do maior ou menor detalhamento com o qual se quer disponibilizar o contedo de um fundo documental (LOPEZ, 2002). Em pases onde a descrio derivou da Diplomtica, como na Alemanha e na Frana, a descrio segue uma abordagem do particular para o geral. Assim, foram produzidas, nestes pases, segundo Bruebach (2007), descries de alta qualidade para um nmero muito pequeno de documentos e fundos, o que levou ao acmulo de descries a fazer e defasagem das condies de acesso. Heredia Herrera (1991) orienta que a descrio condiciona-se por diferentes nveis de informao, determinados pelos agrupamentos documentais, que denotam um instrumento especfico. Estes nveis obedecem a escalas hierrquicas, do maior para o menor, nas quais, cada agrupamento definido atravs de suas relaes diretas com suas naturezas estruturais, ou seja, com a estruturao orgnica na qual foram produzidos, e com as necessidades de informao dos usurios. As normas do CONSELHO INTERNACIONAL DE ARQUIVOS (2001 e 2003) seguem regras e recomendaes para descries multinvel, nos quais se devem utilizar as informaes relevantes para cada nvel da descrio, no havendo repeties e havendo a identificao destes nveis. A Norma Geral de Descrio Arquivstica (CONSELHO INTERNACIONAL DE ARQUIVOS, 2001) possui sete reas, s quais correspondem aos seus respectivos elementos e esto divididas da seguinte forma: rea de identificao, de contextualizao, de contedo e estrutura, de condies de acesso e uso, de fontes relacionadas, de notas e de controle e descrio.

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A

Norma

de

Registros

de

Autoridade

Arquivstica

(CONSELHO

INTERNACIONAL DE ARQUIVOS, 2003) a norma na qual os guias podem ser baseados. Esta norma usa o registro de autoridade como um instrumento para descrio no nvel de fundo, com um conjunto de quatro reas: identificao, descrio, relacionamento e controle. Com o elemento "recursos relacionados", novas capacidades tornaram-se possveis pela tecnologia de rede - isto pode ser usado em caso de um fundo dividido ou espalhado por diferentes arquivos. Assim, os arquivistas de cada instituio descrevem "seu" fundo com seu contedo especfico. Se os registros de autoridade estiverem de acordo com a ISAAR (CPF), basta construir conexes entre os registros de autoridade como um todo e seus elementos. O usurio pode, ento, identificar onde cada documento pode ser encontrado, e ter uma viso mais transparente da estrutura de um sistema arquivstico. A ISAAR (CPF) mostra-se um poderoso instrumento para descrever o contexto arquivstico: as circunstncias sob as quais os documentos foram criados e utilizados, o que inclui a identificao e a caracterizao das pessoas, organizaes ou famlias produtoras. A contextualizao da produo documental no serve apenas para a melhor organizao da documentao e para atestar fatores diplomticos, como tambm para a interpretao e compreenso das mensagens contidas nos documentos (MARCONDES, 200132 apud ANDRADE, 2008). Cruz Mundet (1994, p. 271, traduo nossa) evidencia que um plano descritivo, imprescindvel ao incio da atividade de descrio da documentao, deve observar os seguintes princpios: a) O objetivo da atividade descritiva tornar, eficazmente, acessveis os fundos documentais do arquivo; b) Deve ser formulado um programa descritivo a fim de proporcionar com prontido certos dados referentes a todos os documentos do arquivo, por mnimos que sejam. Posteriormente, o arquivista decidir a profundidade com que necessrio descrever cada grupo documental e, em consequncia, o tipo de procedimento para lev-lo a cabo; c) Os instrumentos devem revelar o contedo e o carter dos documentos e facilitar sua localizao. Alm disso, devem responder s demandas imprevisveis de um pblico indeterminado e heterogneo, de modo que

MARCONDES, Carlos Henrique. Representao e economia da informao. Cincia da Informao. Braslia, v. 30, n. 1, p. 61-70, jan./abr. 2001.

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abram amplas possibilidades objetivas de acesso aos documentos. d) Pr-lhes ao alcance do usurio. Para Yakel (200333 apud ANDRADE, 2008), os arquivistas devem prescindir de processos simples, definitivos e estticos de arranjo e descrio, adotando mtodos fludos, contnuos e relativos. A autora exemplifica utilizando-se dos documentos eletrnicos, para os quais a descrio, deve ter incio na sua criao e ser mantida durante toda sua tramitao, acrescentando-se metadados ao documento a qualquer alterao deste. MacNeil salienta o fato da

[...] impossibilidade de se alcanar a completude em um processo de representao. Assim, considera o fato de que, por meio da descrio arquivstica, no se pode perceber todo o acervo no tempo presente ,abrangendo-o totalmente, nem mesmo apontar previamente o porvir. (MacNEIL, 2005 apud ANDRADE, 2008, p. 23).

Heredia Herrera chama a ateno para o seguinte questionamento: qual instrumento para qual usurio?. A resposta para o mesmo deve anteceder o desenvolvimento de um processo descritivo e a conseqente produo de instrumentos de pesquisa. Desconsiderando-se os instrumentos a serem produzidos sobre o primeiro e o segundo nveis, que correspondem ao guia e ao inventrio, por serem estes inevitveis (HEREDIA HERRERA, 1991, p. 309).

3.3 OS INSTRUMENTOS DE PESQUISA EM ARQUIVO

As funes de um arquivo so guardar a documentao e, principalmente, fornecer aos interessados as informaes contidas em seu acervo de maneira rpida e eficiente. Por conseguinte, todo conjunto de informaes, a fim de uma gesto34 eficaz e disseminvel, deve ter uma forma de acesso s mesmas sem a necessidade do contato direto e de divulgao, para o conhecimento e o acesso documentao de um arquivo (HEREDIA HERRERA, 1991, traduo nossa). Os instrumentos de pesquisa desenvolvidos na Arquivologia, resultantes da descrio dos documentos de arquivo, tm esta funo: serem um

33 34

YAKEL, Elizabeth, Archival representation. Archival Science, v. 3, n. 1, p. 1-25, 2003. Entende-se por gesto de documentos o conjunto de procedimentos e operaes tcnicas referentes produo, tramitao, uso, avaliao e arquivamento de documentos em fase corrente e intermediria, visando sua eliminao ou recolhimento (ARQUIVO NACIONAL, 2005, p. 100).

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meio representativo do contedo de um acervo documental arquivstico, no seu todo (todo o acervo) ou parte dele (certos conjuntos de documentos selecionados), ou ainda pormenorizar determinados conjuntos documentais que o compem, descrevendo tanto os itens quanto os contedos destes (informaes contidas no corpo dos documentos). Existem vrios tipos de instrumentos, cujas diferenas residem nos grupos

documentais e no grau de detalhe com que so descritos (CRUZ MUNDET, 1994, p. 272, traduo nossa). Em 1977, a AAB definiu um grupo bsico de instrumentos de pesquisa. Durante a pesquisa para estes instrumentos, verificaram-se, j naquela poca, imprecises entre termos e expresses utilizadas para diferentes acepes. Considerando que a maioria dos arquivos do Brasil no contava com instrumentos de pesquisa, tampouco de conhecimentos para elaborlos, os pesquisadores da AAB definiram quatro tipos bsicos: guia, inventrio, catlogo e repertrio (PAES, 2006). Segundo recomendaes expostas no I Encontro de Bibliotecrios e Arquivistas Portugueses, realizado em Coimbra de 1 a 3 de abril de 1965, por diversos especialistas e organizaes internacionais, a elaborao dos instrumentos de pesquisa deve ser desenvolvida levando-se em conta os seguintes fatores:Nenhum ncleo documental deve estar privado dos indispensveis elementos e pesquisa b) Se isso acontecer, deve-se primeiramente elaborar os meios de pesquisa para aqueles ncleos que no disponham de nenhum instrumento antes de refazer-se os j existentes, embora deficientes. c) Em igualdade de circunstncias, deve-se dar preferncia aos ncleos mais consultados pelo seu valor intrnseco ou interesse pblico e no aos que so mais do agrado do arquivista. d) Colocar os instrumentos de trabalho disposio dos pesquisadores em salas e fichrios, publicando, ou pelo menos duplicando, os que disserem respeito aos ncleos mais importantes e consultados. e) Para facilitar a consulta deve haver um guia de todos os instrumentos de trabalho disposio do usurio. f) Todos os instrumentos de trabalho devem ter os respectivos ndices e uma introduo sobre a instituio e seus ncleos documentais' (COSTA, 1966, p. 276-26835 apud PAES, 2006, p. 140-141) a)

Estes instrumentos so compostos por representaes relativas :

a)

Entidade custodiadora

COSTA, Avelino de Jesus da. Princpios gerais da elaborao de instrumentos de trabalho em Arquivologia (arquivos pblicos e arquivos eclesisticos). In: I Encontro dos Bibliotecrios e Arquivistas Portugueses. Coimbra, 1965. Actas, Coimbra, 1966.

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b) Aos documentos, que so conjuntos agregados (unidades documentais simples e compostas, fraes de sries, subsries, diviso de fundos, fundo, coleo, grupos de fundos, etc) c) Unidade de instalao d) Instituio produtora e) Pessoa f) Famlia g) Funo ou atividade h) Local i) Tema j) Tipo documental k) Tipo de material l) Etc. (SANTAMARA GALLO, 2006, p. 3, traduo nossa)

Cada um dos itens acima possui seus atributos, propriedades e caractersticas especficas. Alm destes itens, tambm existem as relaes entre os produtores da documentao, expressas por correspondncias, certides e muitas outras tipologias documentais, que formam uma rede de interligaes, fundamentais para o entendimento do contexto da produo dos documentos. Curiosamente, segundo Rousseau e Couture (1998), dadas as divergncias lingsticas, em Portugal, as unidades de trabalho e princpios da universalidade e seus respectivos instrumentos de pesquisa estruturam-se na seguinte organizao hierrquica, conforme a ordem apresentada, do maior ou global, para o especfico: Patrimnio arquivstico comum: guia; Arquivos de Estado: guia e catlogo do arquivo; Arquivos de um organismo: catlogo dos fundos, estado geral dos fundos e guia de servio de arquivo; Grupo de arquivo (conjunto de fundos/arquivos):