tc _ jurisprudência _ acordãos _ acórdão 575_2014

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[ TC > Jurisprudência > Acordãos > Acórdão 575/2014 ] ACÓRDÃO Nº 575/2014 Processo n.º 819/2014 Plenário Relator: Conselheiro Carlos Fernandes Cadilha (Conselheira Maria Lúcia Amaral) . Acordam, em Plenário, no Tribunal Constitucional I – Relatório 1. O Presidente da República requereu, nos termos do n.º 1 do artigo 278.º da Constituição da República Portuguesa e dos artigos 51.º, n.º 1, e 57.º, n.º 1, da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional, que o Tribunal Constitucional aprecie a conformidade com a Constituição das normas constantes dos n.ºs 1 e 2 do artigo 2.º, dos n.ºs 1 a 5 do artigo 4.º e dos n.ºs 1 a 4 do artigo 6.º do Decreto n.º 262/XII da Assembleia da República, recebido na Presidência da República no dia 30 de julho de 2014 para ser promulgado como lei. O pedido de fiscalização de constitucionalidade apresenta a seguinte fundamentação: Pelo Decreto n.º 262/XII, a Assembleia da República aprovou o regime que cria a contribuição de sustentabilidade. Independentemente do juízo quanto ao mérito das soluções contidas no Decreto em apreciação, importa garantir que da sua aplicação não resulte incerteza jurídica numa matéria de tão grande importância para a economia nacional. Com efeito, o Decreto em apreciação visa aprovar medidas destinadas ao cumprimento das obrigações internacionais do Estado, sobretudo no contexto da União Europeia, resultantes, em particular, do Pacto de Estabilidade e Crescimento e do Tratado de Estabilidade, Coordenação e Governação da União Económica e Monetária (Tratado Orçamental). Sem prejuízo do que antecede, as normas em causa são suscetíveis de violar princípios e normas constitucionais como o princípio da igualdade, previsto no artigo 13º da Constituição e o princípio da proteção da confiança, ínsito ao princípio do Estado de direito constante do artigo 2º da Constituição, tal como resulta da interpretação que destes princípios vem sendo feita pela jurisprudência do Tribunal Constitucional, em especial nos acórdãos n.º 353/2012, n.º 187/2013, n.º 862/2013 e n.º 413/2014. O presente pedido não visa pôr em causa a necessidade e urgência da adoção de medidas que garantam o cumprimento das obrigações internacionais assumidas pelo Estado Português mas, tão-só, assegurar que, em face da existência das dúvidas de constitucionalidade mencionadas no número anterior, tais medidas passam o crivo da conformidade com a Lei Fundamental, de modo a instilar a necessária confiança nos agentes económicos e sociais destinatários destas normas e preservar a credibilidade externa do País. O Presidente da República requer o pedido de fiscalização de constitucionalidade nos

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TC _ Jurisprudência _ Acordãos _ Acórdão 575_2014

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  • [TC>Jurisprudncia>Acordos>Acrdo575/2014]

    ACRDO N 575/2014

    Processo n. 819/2014PlenrioRelator: Conselheiro Carlos Fernandes Cadilha (Conselheira Maria Lcia Amaral).

    Acordam, em Plenrio, no Tribunal ConstitucionalI Relatrio1. O Presidente da Repblica requereu, nos termos do n. 1 do artigo 278. da

    Constituio da Repblica Portuguesa e dos artigos 51., n. 1, e 57., n. 1, da Lei deOrganizao, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional, que o TribunalConstitucional aprecie a conformidade com a Constituio das normas constantes dos n.s1 e 2 do artigo 2., dos n.s 1 a 5 do artigo 4. e dos n.s 1 a 4 do artigo 6. do Decreto n.262/XII da Assembleia da Repblica, recebido na Presidncia da Repblica no dia 30 dejulho de 2014 para ser promulgado como lei.

    O pedido de fiscalizao de constitucionalidade apresenta a seguinte fundamentao:1Pelo Decreto n. 262/XII, a Assembleia da Repblica aprovou o regime que cria a

    contribuio de sustentabilidade.2Independentemente do juzo quanto ao mrito das solues contidas no Decreto em

    apreciao, importa garantir que da sua aplicao no resulte incerteza jurdica numa matria deto grande importncia para a economia nacional.

    3Com efeito, o Decreto em apreciao visa aprovar medidas destinadas ao cumprimento

    das obrigaes internacionais do Estado, sobretudo no contexto da Unio Europeia,resultantes, em particular, do Pacto de Estabilidade e Crescimento e do Tratado deEstabilidade, Coordenao e Governao da Unio Econmica e Monetria (TratadoOramental).

    4Sem prejuzo do que antecede, as normas em causa so suscetveis de violar princpios e

    normas constitucionais como o princpio da igualdade, previsto no artigo 13 da Constituio eo princpio da proteo da confiana, nsito ao princpio do Estado de direito constante doartigo 2 da Constituio, tal como resulta da interpretao que destes princpios vem sendofeita pela jurisprudncia do Tribunal Constitucional, em especial nos acrdos n. 353/2012, n.187/2013, n. 862/2013 e n. 413/2014.

    5O presente pedido no visa pr em causa a necessidade e urgncia da adoo de medidas

    que garantam o cumprimento das obrigaes internacionais assumidas pelo Estado Portugusmas, to-s, assegurar que, em face da existncia das dvidas de constitucionalidademencionadas no nmero anterior, tais medidas passam o crivo da conformidade com a LeiFundamental, de modo a instilar a necessria confiana nos agentes econmicos e sociaisdestinatrios destas normas e preservar a credibilidade externa do Pas.

    O Presidente da Repblica requer o pedido de fiscalizao de constitucionalidade nos

  • seguintes termos:

    Ante o exposto, e no deixando de ponderar a solicitao do Governo nesta matria,requeiro, nos termos do n. 1 do artigo 278 da Constituio, bem como do n. 1 do artigo 51e n. 1 do artigo 57 da Lei n. 28/82, de 15 de novembro, a fiscalizao preventiva daconstitucionalidade das referidas normas do artigo 2, do artigo 4 e do artigo 6 do Decreto n.262/XII da Assembleia da Repblica, por violao dos artigos 2 e 13 da Constituio.

    2. O requerimento deu entrada neste Tribunal no dia 31 de julho de 2014 e o pedido

    foi admitido na mesma data.3. Notificada para o efeito previsto no artigo 54. da Lei do Tribunal Constitucional, a

    Presidente da Assembleia da Repblica veio apresentar resposta na qual ofereceu omerecimento dos autos.

    4. Atravs de requerimento que deu entrada no Tribunal Constitucional no dia 4 deagosto de 2014, o Governo de Portugal, na qualidade de proponente do Decreto n.262/XII e orientado pelo princpio da colaborao veio requerer a juno aos autos deuma nota explicativa sobre as questes suscitadas no presente processo de apreciao deconstitucionalidade, tendo, na mesma data, o requerimento sido admitido e junto aosautos.

    5. Discutido o memorando apresentado pela relatora originria, cumpre formular adeciso em conformidade com a orientao definida.

    II FundamentaoA. O objeto do pedido6. So objeto do pedido de fiscalizao preventiva de constitucionalidade as

    disposies constantes dos n.s 1 e 2 do artigo 2., dos n.s 1 a 5 do artigo 4. e dos n.s 1 a4 do artigo 6. do Decreto n. 262/XII da Assembleia da Repblica.

    As referidas disposies tm o seguinte teor:

    Artigo 2.mbito de aplicao da contribuio de sustentabilidade1 - A CS incide sobre todas as penses pagas por um sistema pblico de proteo social a

    um nico titular independentemente do fundamento subjacente sua concesso.2 - Para efeitos do disposto no nmero anterior, entende-se por penses, para alm das

    penses pagas ao abrigo dos diferentes regimes pblicos de proteo social, todas as prestaespecunirias vitalcias devidas a pensionistas, aposentados ou reformados no mbito de regimescomplementares, independentemente da designao das mesmas, nomeadamente, penses,subvenes, subsdios, rendas, seguros, bem como as prestaes vitalcias devidas por fora decessao de atividade, processadas e postas a pagamento pelas seguintes entidades:

    a) Instituto da Segurana Social, I.P. - Centro Nacional de Penses (ISS, I.P./CNP) noquadro do sistema previdencial da segurana social

    b) CGA, I.P.c) Caixa de Previdncia dos Advogados e Solicitadores (CPAS) no quadro do regime de

    proteo social prprio.Artigo 4.Clculo da contribuio de sustentabilidade1 - A CS incide sobre o valor das penses mensais definidas no artigo 2..2 - Para a determinao do valor da penso mensal, considera-se o somatrio das penses

    pagas a um nico titular pelas entidades referidas no n. 2 do artigo 2..3 - A aplicao da CS obedece s seguintes regras:a) 2% sobre a totalidade das penses de valor mensal at 2 000b) 2% sobre o valor de 2 000 e 5,5 % sobre o remanescente das penses de valor mensal

  • at 3 500c) 3,5% sobre a totalidade das penses de valor mensal superior a 3 500.4 - Nos casos em que da aplicao da CS resulte uma penso mensal total ilquida inferior

    a 1 000, o valor da penso em pagamento mantido nos seguintes termos:a) Pela atribuio de um diferencial compensatrio, a cargo do sistema pblico de penses

    responsvel pelo pagamento da penso, quando estejam em causa penses de montante ilquidosuperior aos valores mnimos legalmente garantidos e igual ou inferior a 1 000

    b) Pela atribuio do complemento social quando estejam em causa penses mnimas doregime geral de segurana social.

    5 - Na determinao da taxa de CS aplicvel, o 14. ms ou equivalente e o subsdio deNatal so considerados mensalidades autnomas.

    Artigo 6.Atualizao das penses1 - O Governo em articulao com os parceiros sociais procede reviso da forma de

    atualizao anual das penses do sistema previdencial e do regime de proteo socialconvergente, tendo por base indicadores de natureza econmica, demogrfica e definanciamento das penses do sistema previdencial e do regime de proteo social convergente,designadamente:

    a) O crescimento real do produto interno brutob) A variao mdia anual do ndice de preos no consumidor, sem habitaoc) A evoluo da populao em idade ativa e dos beneficiriosd) A evoluo da populao idosa e dos reformados e pensionistase) Outros fatores que contribuam para a sustentabilidade dos sistemas pblicos de

    penses.2 - Da aplicao das regras de atualizao anual das penses no pode resultar uma

    reduo do valor nominal das penses.3 - Sempre que em determinado ano a atualizao das penses seja negativa, o valor das

    penses mantm-se, sendo o seu valor corrigido em futura atualizao positiva por deduo doefeito negativo acumulado em anos anteriores.

    4 - As penses mnimas e as penses e outras prestaes do subsistema de solidariedade edo regime de proteo social convergente de natureza no contributiva podem ficar sujeitas aoutras regras de atualizao que garantam adequados meios de subsistncia.

    Entende o Requerente que estas disposies so suscetveis de violar princpios e

    normas constitucionais como o princpio da igualdade, previsto no artigo 13. daConstituio e o princpio da proteo da confiana, nsito ao princpio do Estado dedireito constante do artigo 2. da Constituio, tal como resulta da interpretao que destesprincpios vem sendo feita pela jurisprudncia do Tribunal Constitucional, em especial nosAcrdos n.s 353/2012, 187/2013, 862/2013 e 413/2014.

    B. Enquadramento do objeto do pedido no regime institudo pelo Decreto n.262/XII

    7. As normas objeto de fiscalizao so relativas a duas das medidas estabelecidas peloDecreto n. 262/XII: tanto as normas constantes dos n.s 1 e 2 do artigo 2. como asnormas constantes dos n.s 1 a 5 do artigo 4. dizem respeito medida que estabelece acontribuio de sustentabilidade por sua vez, as normas constantes dos n.s 1 a 4 do artigo6. referem-se medida relativa reviso da forma de atualizao anual das penses dosistema previdencial e do regime de proteo social convergente.

    No que se refere ao primeiro grupo de normas, o alcance prescritivo das mesmas s determinvel no quadro do regime da contribuio de sustentabilidade no seu conjunto(artigos 1. a 5. do Decreto n. 262/XII). Porque assim , comeamos pela caracterizaodo regime normativo da contribuio de sustentabilidade (cfr., infra 8 a 13), de seguida,procedemos anlise do segundo grupo de normas, as quais se referem medida relativa reviso da forma de atualizao anual das penses do sistema previdencial e do regime de

  • proteo social convergente (cfr., infra 13 a 15) e, uma vez examinadas, em separado, asnormas relativas a cada uma das medidas, passaremos ao enquadramento de cada umadelas no regime institudo pelo Decreto n. 262/XII (cfr., infra 16-17).

    A medida que estabelece a contribuio de sustentabilidade8. Atravs da norma constante do artigo 1. do Decreto n. 262/XII criada a

    contribuio de sustentabilidade e o primeiro aspeto a dilucidar a delimitao dorespetivo mbito de aplicao.

    Nos termos do disposto nos n.s 1 e 2 do artigo 2., a contribuio de sustentabilidadeincide sobre todas as penses pagas por um sistema pblico de proteo social a um nicotitular independentemente do fundamento subjacente sua concesso, entendendo-secomo tal, para alm das penses pagas ao abrigo dos diferentes regimes pblicos deproteo social, todas as prestaes pecunirias vitalcias devidas a pensionistas,aposentados ou reformados no mbito de regimes complementares, independentementeda sua designao, nomeadamente, penses, subvenes, subsdios, rendas, seguros, bemcomo as prestaes vitalcias devidas por fora de cessao de atividade.

    Nos termos do disposto no n. 2 do artigo 4., para a determinao do valor da pensomensal, considera-se o somatrio das penses pagas a um nico titular pelas entidadesreferidas no n. 2 do artigo 2., ou seja, o Centro Nacional de Penses do Instituto daSegurana Social, I.P., no quadro do sistema previdencial da Segurana Social, a CaixaGeral de Aposentaes, I.P., e a Caixa de Previdncia dos Advogados e Solicitadores.

    Do teor dos n.s 1 e 2 do artigo 2. decorre que so abrangidas penses pagas por umsistema pblico de proteo social, ou seja:

    a) penses do sistema previdencial, o qual, nos termos do disposto no artigo 53. da Lei

    n. 4/2007, de 16 de janeiro (alterada pela Lei n. 83-A/2013, de 30 de dezembro), que aprovaas bases gerais do sistema de segurana social, abrange o regime geral de segurana socialaplicvel generalidade dos trabalhadores por conta de outrem e aos trabalhadoresindependentes, os regimes especiais, bem como os regimes de inscrio facultativa abrangidospelo n. 2 do artigo 51. desse diploma legal

    b) penses do regime de proteo social convergente (Lei n. 4/2009, de 29 de janeiro,alterada pela Lei n. 10/2009, de 10 de maro)

    c) penses do regime pblico de capitalizao do sistema complementar (artigo 82. daLei n. 4/2007, de 16 de janeiro, e Decreto-Lei n. 26/2008, de 22 de fevereiro)

    d) penses do regime da Caixa de Previdncia dos Advogados e Solicitadores (CPAS)(Regulamento da Caixa de Previdncia dos Advogados e Solicitadores, aprovado pela Portarian. 487/83, de 27 de abril, e alterado pelas Portarias n.s 623/88, de 8 de setembro, e 884/94,de 1 de outubro, e pelo Despacho n. 22.665/2007, de 7 de setembro de 2007, dos Ministros daJustia e do Trabalho e da Solidariedade Social, publicado no Dirio da Repblica, 2. Srie, n.188, de 28 de setembro de 2007).

    9. Atendendo amplitude da formulao do n. 1 do artigo 2., bem como do corpodo n. 2 desse mesmo preceito, poder-se-ia questionar se seriam ainda abrangidas pensesdo subsistema de solidariedade do sistema de proteo social de cidadania da seguranasocial, o qual, nos termos do disposto no artigo 39. da Lei n. 4/2007, de 16 de janeiro,abrange o regime no contributivo, o regime especial de segurana social das atividadesagrcolas e os regimes transitrios ou outros formalmente equiparados a no contributivos.

    Porm, tendo em conta o inciso final da alnea a) do n. 2 do artigo 2. ([] noquadro do sistema previdencial da segurana social), pode concluir-se que, no que respeitaao sistema de segurana social, apenas so abrangidas penses do sistema previdencial.Essa interpretao ainda confirmada pelo teor da Exposio de Motivos queacompanhou a Proposta de Lei n. 236/XII, na parte em que caracteriza o sistema pblicode penses portugus como sendo composto [] pelo sistema previdencial e pelo regimede proteo social convergente, abrangendo ainda o regime gerido pela Caixa de

  • Previdncia dos Advogados e Solicitadores (DAR II, Srie-A n. 130/XII/3, de 16 dejunho de 2014, pg. 37). Embora se trate de uma caracterizao imprecisa, ela deixa claroque se no visou incluir no mbito da contribuio de sustentabilidade penses dosubsistema de solidariedade do sistema de proteo social de cidadania da segurana social.

    10. Com esta preciso, apenas ficam includas no mbito aplicativo da norma do artigo2. prestaes processadas e postas a pagamento por trs entidades pblicas (aquiincluindo, dada a sua natureza de pessoa coletiva de direito pblico, a Caixa de Previdnciados Advogados e Solicitadores). Desde logo, esto excludas prestaes processadas epostas a pagamento por quaisquer outras entidades pblicas. Alm disso, esto aindaexcludas prestaes pagas por pessoas coletivas de direito privado ou cooperativo, comoso os casos, por exemplo, das instituies de crdito, atravs dos respetivos fundos depenses, ou das companhias de seguros e entidades gestoras de fundos de penses. Talsignifica que, na medida em que, alm das prestaes a cargo do designado primeiro pilar,engloba apenas prestaes do regime pblico de capitalizao, a medida de contribuio desustentabilidade no abrange de forma integral o designado segundo pilar do sistema desegurana social, nomeadamente as prestaes associadas a planos de penses criados porregimes previdenciais de natureza complementar de iniciativa empresarial ou coletiva (cfr.artigos 81., n. 1, e 83. da Lei n. 4/2007, de 16 de janeiro).

    11. Em ordem a delimitar rigorosamente o mbito de aplicao da contribuio desustentabilidade, importa ainda conjugar o disposto no artigo 2. com o disposto no artigo3. do Decreto n. 262/XII, o qual vem afastar do mbito de aplicao da medida certasprestaes que, de outro modo, seriam abrangidas pelo disposto no artigo 2..

    Nos termos desse artigo 3., ficam excludas as seguintes prestaes:a) Indemnizaes compensatrias correspondentes atribudas aos deficientes

    militares, abrangidos pelo Decreto-Lei n. 43/76, de 20 de janeiro, alterado pelosDecretos-Leis n.s 93/83, de 17 de fevereiro, 203/87, de 16 de maio, 224/90, de 10 dejulho, 183/91, de 17 de maio, e 259/93, de 22 de julho, e pelas Leis n.s 46/99, de 16 dejunho, e 26/2009, de 18 de junho, pelo Decreto-Lei n. 314/90, de 13 de outubro, alteradopelos Decretos-Leis n.s 146/92, de 21 de julho, e 248/98, de 11 de agosto, e peloDecreto-Lei n. 250/99, de 7 de julho

    b) Penses indemnizatrias auferidas pelos deficientes militares ao abrigo do Estatutoda Aposentao, aprovado pelo Decreto-Lei n. 498/72, de 9 de dezembro

    c) Penses de preo de sangue auferidas ao abrigo do Decreto-Lei n. 466/99, de 6 denovembro, alterado pelo Decreto-Lei n. 161/2001, de 22 de maio

    d) Penses dos deficientes militares transmitidas ao cnjuge sobrevivo ou membrosobrevivo de unio de facto, que seguem o regime das penses de sobrevivncia auferidasao abrigo do artigo 8. do Decreto-Lei n. 240/98, de 7 de agosto

    e) Rendas vitalcias, resgates e transferncias pagas no mbito do Decreto-Lei n.26/2008, de 22 de fevereiro

    f) Penses relativas a grupos fechados de beneficirios cujos encargos so suportadosatravs de provises transferidas para os sistemas pblicos de penses, bem como aspenses e subvenes automaticamente atualizadas por indexao remunerao detrabalhadores no ativo.

    12. sobre o valor das penses mensais definidas no artigo 2. do Decreto n.262/XII, com a delimitao j efetuada, que vai incidir a contribuio de sustentabilidade(artigo 4., n. 1, do Decreto n. 262/XII), sendo que, para a determinao do valor dapenso mensal, considera-se o somatrio das penses pagas a um nico titular pelasentidades referidas no n. 2 do artigo 2. (artigo 4., n. 2, do Decreto n. 262/XII).

    A taxa efetiva de 2% para penses at 2000 de 2% a 3,5% para penses entre 2000 e 3500 (2% sobre o valor de 2000 e 5,5 % sobre o remanescente at 3 500), e de3,5% para penses acima de 3500.

  • Desde logo, importa observar que, conjugando o teor da alnea a) do n. 3 do artigo4., segundo o qual se encontram sujeitas a uma taxa de 2% a totalidade das penses devalor mensal at 2 000, com o disposto no n. 4 desse preceito, no claro como seoperacionaliza tecnicamente a clusula de salvaguarda, nos termos da qual se garante queda aplicao da contribuio de sustentabilidade o beneficirio que aufira uma pensosuperior a 1000 no v a sua penso ser reduzida para baixo desse limiar. Faz-sereferncia atribuio de um diferencial compensatrio (artigo 4., n. 4, alnea a)) ou deum complemento social (artigo 4., n. 4, alnea b)), no estando, no entanto, essesinstrumentos normativamente caracterizados nem no Decreto n. 262/XII nem porremisso para outros diplomas legais. No obstante a referida indeterminao sobre omodus operandi da clusula de salvaguarda, tal no obsta a que se retire do regime legal afixao de um limiar mnimo inultrapassvel, por referncia ao montante de 1000, porefeito da aplicao da contribuio de sustentabilidade.

    O que parece certo que se est perante uma clusula de salvaguarda e no peranteum limiar mnimo de iseno ou, na terminologia da Exposio de Motivos queacompanhou a Proposta de Lei n. 236/XII, um patamar de iseno. E isso poderexplicar-se por estar em causa uma taxa que, de acordo com o regime estabelecido noartigo 4., incide sobre o valor total das penses auferidas, e no apenas sobre o montanteda penso que exceda o valor de 1000.

    Independentemente desse aspeto, e recapitulando, a taxa efetiva de 2% para pensesat 2000 de 2% a 3,5% para penses entre 2000 e 3500 (2% sobre o valor de 2000e 5,5 % sobre o remanescente at 3 500), e de 3,5% para penses acima de 3500. Talsignifica que o escalo superior de 3500, a partir do qual se aplica uma taxa fixa de3,5%. A este respeito, importa considerar que, segundo a Exposio de Motivos queacompanhou a Proposta de Lei n. 236/XII, cumulativamente contribuio desustentabilidade, prev-se que s penses superiores a 3500 venham ainda a ser aplicadascontribuies de 15% sobre o montante que exceda 11 vezes o valor do indexante aosapoios sociais (IAS) mas que no ultrapasse 17 vezes aquele valor, e de 40% sobre omontante que ultrapasse 17 vezes o valor do IAS. Trata-se, porm, de uma sobretaxa que,eventualmente, ser regulada em diploma autnomo e que, supostamente, apenas vigorarintegralmente em 2015, uma vez que se prope a reduo das referidas taxas em 50% noano de 2016 e a sua extino no ano de 2017.

    Ainda sobre os limites, inferior e superior, da penso sobre os quais incide acontribuio de sustentabilidade, bem como sobre o grau de progressividade da taxaefetiva aplicvel, importa fazer uma ltima observao.

    Na apresentao da Proposta de Lei n. 236/XII que est na origem do Decreto n.262/XII, a Ministra de Estado e das Finanas afirmou que [...] cerca de 95% dospensionistas da segurana social ficam isentos e, no conjunto dos sistemas, ficamtotalmente isentos de qualquer contribuio mais de 87% dos pensionistas (DAR, I Srien. 101/XII/3, de 27 de junho de 2014, pg. 36).

    De acordo com o Parecer Tcnico n. 2/2014 sobre o Documento de EstratgiaOramental: 2014-2018, emitido em 21 de maio de 2014, pela Unidade Tcnica de ApoioOramental da Assembleia da Repblica, [o] impacto decorrente da substituio da CESpela Contribuio de Sustentabilidade positivo para todos os pensionistas, sendo aspenses mensais entre 3750 e 4611,42 as mais beneficiadas em termos relativos.Quando comparada com a CES, a contribuio de sustentabilidade tem subjacente umdesagravamento da taxa efetiva para todas as penses [] sobre as quais incide. Odesagravamento das taxas efetivas superior para as penses situadas no intervalo entre 3750 e 4611,42 (11 vezes o valor do Indexante de Apoios Sociais), e que decorre dadiminuio da taxa efetiva de 10% para 3,5%, o que representa uma reduo de 65% nomontante de contribuio paga pelo CES []. Relativamente s penses brutas entre 1000 e 1800, a reduo do montante de 42,9% (e resulta da passagem de uma taxa de3,5 para 2,0%).

  • Mesmo no se tratando aqui ainda da apreciao da constitucionalidade da medida(cfr., infra, Parte C.), importa desde j observar que, sem prejuzo de, no plano da polticalegislativa, ser legtimo que se apresente o impacto da medida ora em apreciao porreferncia a e em comparao com outras medidas com as quais, porventura, a primeiraapresente afinidades, a verdade que, no plano do Direito, a afetao de posies jurdicassubjetivas pela medida da contribuio de sustentabilidade correspondendo ao impactoda medida s pode aferir-se atendendo ao contedo das posies jurdicas afetadas.

    No tem assim cabimento a considerao segundo a qual as pessoas afetadas pelacontribuio de sustentabilidade ficam todas numa situao melhor do que aquela em quese encontravam na vigncia da chamada contribuio extraordinria de solidariedade(CES). que a CES, dado o seu carter transitrio o que, entre outros aspetos, implicavaa necessidade da sua renovao em cada lei oramental jamais produziu qualquer efeitojurdico modelador do contedo das posies jurdicas subjetivas relativas a prestaes dosistema pblico de segurana social sobre as quais incidia. O contedo dessas posiesjurdicas manteve-se, pois, nos termos da prpria lei, inalterado.

    Face ao que foi dito, no plano estritamente jurdico, inequvoco que a contribuiode sustentabilidade vem afetar negativamente, com carter duradouro, posies jurdicas deque so titulares os atuais beneficirios do sistema pblico de segurana social.

    Com efeito, conforme decorre do mbito de aplicao da medida e dos demais aspetosdo seu regime jurdico, estamos perante uma deciso, com carter duradouro, de reduoda despesa com prestaes sociais penses e equivalente a cargo de determinadasentidades pblicas que integram o sistema pblico de penses.

    No obstante o nomen juris contribuio poder sugerir que se estaria peranteuma medida do lado da receita, o que se verifica que, em rigor, a mesma consubstanciauma reduo do valor nominal da penso. Tal qualificao decorre, alm do mbito deaplicao da medida, do prprio regime relativo ao modo de processamento da aplicaoda taxa penso e da sua afetao, porquanto opera atravs da deduo ao valor da pensodo montante devido a ttulo de contribuio de sustentabilidade, determinado poraplicao da taxa sobre aquela, competindo respetiva entidade processadora efetuar essaoperao (cfr. n.s 1 e 2 do artigo 5. do Decreto n. 262/XII).

    Assim, de rejeitar a interpretao defendida pelo Governo (pg. 49 da NotaTcnica), segundo a qual [a] medida da Contribuio de Sustentabilidade assume anatureza de uma contribuio para a segurana social, nos mesmos termos em que estanoo foi aplicada e desenvolvida pelo TC tanto no Acrdo n. 187/2013 como noAcrdo n. 862/2013 relativamente Contribuio Extraordinria de Solidariedade(CES), tal como configurada na Lei do Oramento do Estado para 2013. Trata-se de umacontribuio exigida aos atuais beneficirios das penses a pagamento, o que coerentecom a permisso geral de o financiamento dos sistemas pblicos poder ser feito tambmatravs da participao dos prprios titulares (cfr. Acrdo n. 187/2013).

    certo que no Acrdo n. 187/2013, embora considerando que a incidncia, emgeral, de uma obrigao contributiva sobre os prprios beneficirios ativos representariaum desvio ao funcionamento do sistema na medida em que introduz uma novamodalidade de financiamento da segurana social que abarca os prprios beneficirios dasprestaes sociais, pondo em causa, de algum modo, o princpio da contributividade(artigo 54. da Lei n. 4/2007, de 16 de janeiro) o Tribunal no deixou de entender que acircunstncia de o sistema previdencial assentar fundamentalmente no autofinanciamento,atravs das quotizaes dos trabalhadores e das contribuies das entidades empregadoras,no obstaria a que se pudesse recorrer a outras fontes de financiamento, incluindo outrasreceitas fiscais legalmente previstas, como decorre do artigo 92. da Lei n. 4/2007.

    Simplesmente, nesse aresto estava em causa uma medida que, alm de incidir sobreprestaes relativas ao sistema pblico de penses, incidia globalmente sobre prestaesprivadas de proteo social, exteriores ao sistema pblico de segurana social, sendo esse

  • aspeto do regime, relativo ao mbito de aplicao da medida, determinante para oentendimento segundo o qual se no estava a perante uma simples reduo do valor dapenso.

    Ora, no que respeita medida de contribuio de sustentabilidade, como j se disse,relevantes aspetos do seu regime jurdico, como sejam o seu mbito de aplicao(determinadas entidades pblicas que integram o sistema pblico de penses) ou o modode processamento da aplicao da taxa penso e da sua afetao (deduo do montantedevido a ttulo de contribuio de sustentabilidade) sugerem que se est antes perante umaverdadeira reduo do valor da penso.

    Alm disso, e fundamentalmente, no sustentvel o entendimento segundo o qual seest perante uma medida que consubstancia o recurso a uma outra fonte de financiamentodo sistema da segurana social, porquanto inexiste qualquer transferncia de meios de forapara dentro do sistema pblico de penses. Do que se trata de uma medida interna aosistema pblico de penses que, cortando na despesa, visa repor o equilbrio do saldo decada regime por ela abrangido.

    A medida relativa reviso da forma de atualizao anual das penses do sistemaprevidencial e do regime de proteo social convergente

    13. Integram ainda o objeto do pedido de fiscalizao de constitucionalidade asnormas constantes dos n.s 1 a 4 do artigo 6..

    A norma constante do n. 1 desse preceito legal determina que o Governo emarticulao com os parceiros sociais deve proceder reviso da forma de atualizao anualdas penses do sistema previdencial e do regime de proteo social convergente, tendo porbase indicadores de natureza econmica, demogrfica e de financiamento das penses dosistema previdencial e do regime de proteo social convergente, indicadores esses que, attulo exemplificativo, vm enunciados nas alneas a) a e) dessa mesma disposio e que soos seguintes: o crescimento real do produto interno bruto a variao mdia anual dondice de preos no consumidor, sem habitao a evoluo da populao em idade ativae dos beneficirios a evoluo da populao idosa e dos reformados e pensionistas e,por ltimo, outros fatores que contribuam para a sustentabilidade dos sistemas pblicosde penses.

    A norma constante do n. 2 do artigo 6. estabelece uma salvaguarda no sentido deassegurar que da aplicao das regras de atualizao anual das penses no pode resultaruma reduo do valor nominal das penses.

    No n. 3 prev-se que a atualizao das penses seja feita na base de uma espcie deconta corrente, nos termos da qual, conforme j decorre do n. 2 desse preceito legal,embora da aplicao das regras de atualizao anual das penses no possa resultar umareduo do valor nominal das penses, a evoluo negativa da penso verificada no ano n descontada de uma eventual atualizao positiva que venha a ocorrer no ano n+1.

    Por ltimo, o n. 4 vem esclarecer que as penses mnimas e as penses e outrasprestaes do subsistema de solidariedade e do regime de proteo social convergente denatureza no contributiva podem ficar sujeitas a outras regras de atualizao que garantamadequados meios de subsistncia.

    14. Relativamente a esta medida coloca-se, no entanto, uma questo prvia relativa prpria apreciao da conformidade constitucional.

    Independentemente da questo de saber se a medida se encontra diretamenteassociada contribuio de sustentabilidade ou constitui um mecanismo autnomo decarter geral atinente atualizao de penses, o certo que o pedido no suficientemente explcito quanto s razes por que se justifica a apreciao da suaconformidade constitucional em fiscalizao preventiva.

    O pedido considera que as normas em causa incluindo as faladas disposies doartigo 6. - so suscetveis de violar princpios e normas constitucionais como o princpioda igualdade, previsto no artigo 13. da Constituio e o princpio da proteo da

  • confiana, nsito ao princpio do Estado de direito constante do artigo 2. da Constituio,tal como resulta da interpretao que destes princpios vem sendo feita pela jurisprudnciado Tribunal Constitucional, em especial nos Acrdos n.s 353/2012, 187/2013, 862/2013e 413/2014.

    Parece assim admitir que se possam suscitar dvidas de constitucionalidade, com basena anterior jurisprudncia do Tribunal, tambm quanto matria da atualizao daspenses.

    Porm, nenhum desses arestos, que se pronunciaram sobre redues remuneratriasou ainda sobre a contribuio extraordinria de solidariedade consignadas nas leis dooramento de Estado para 2012, 2013 e 2014, ou, no caso do acrdo n. 862/13, sobreum mecanismo de convergncia de penses, abordou concomitantemente qualquerquesto referente atualizao de penses ou aplicou nessa perspetiva os princpios daigualdade e da proteo da confiana.

    Neste condicionalismo, o Tribunal no dispe de elementos que lhe permitam, comsegurana, caracterizar os fundamentos do pedido, pelo que, nesta parte, dele no podetomar conhecimento.

    Enquadramento da contribuio de sustentabilidade no regime institudo pelo Decreton. 262/XII

    15. Nos antecedentes pontos ocupmo-nos da caracterizao do regime normativo dacontribuio de sustentabilidade, no pressuposto segundo o qual o sentido das normasobjeto de fiscalizao s determinvel no mbito do regime da contribuio desustentabilidade no seu conjunto (artigos 1. a 5. do Decreto n. 262/XII).

    Importa agora proceder ao enquadramento dessa medida no regime institudo peloDecreto n. 262/XII.

    Nos termos da Exposio de Motivos que acompanhou a Proposta de Lei n.236/XII que est na origem do Decreto n. 262/XII, a proposta de lei, alm deenquadrada pela importncia da disciplina oramental, dirige-se em concreto propostade uma soluo para o desafio mais importante que se coloca ao sistema pblico desegurana social o da sua sustentabilidade mormente no que diz respeito aos regimesde penses.

    Dessa exposio de motivos resulta ainda que a contribuio de sustentabilidade uma medida que deve ser perspetivada em conjunto com outras medidas estruturais, noquadro de uma reforma com vista a garantir, em observncia da equidade intra eintergeracional, a sustentabilidade do sistema pblico de penses.

    Seria expresso dessa intencionalidade o facto de, juntamente com a contribuio desustentabilidade, o Decreto n. 262/XII, estender, atravs das alteraes marginais contribuio do trabalhador para os sistemas de previdncia social (artigos 7. e 8.) e taxa normal do Imposto sobre o Valor Acrescentado (artigos 10. e 11.), aos trabalhadoresno ativo e sociedade em geral o esforo exigido com vista a garantir a sustentabilidade dosistema pblico de penses, o que poderia ser entendido como uma preocupao deassegurar a equidade intra e intergeracional, indo assim ao encontro das exigncias que, emmatria de reforma do sistema pblico de penses, decorrem do acrdo do TribunalConstitucional n. 862/2013.

    Deste modo, a razo de ser do regime institudo pelo Decreto n. 262/XII parece sero de assegurar que o esforo de contribuio para a sustentabilidade do sistema pblico desegurana social seja repartido de um modo equilibrado por todos os portugueses. A pardos atuais beneficirios do sistema, a quem exigida uma parte desse esforo atravs dacontribuio de sustentabilidade, so tambm chamados a contribuir os futurosbeneficirios do sistema, atravs do aumento das contribuies dos trabalhadores para ossistemas de previdncia social, bem como a sociedade em geral, atravs do aumento dataxa normal do IVA.

    Nesse sentido depe o facto de tanto a receita da contribuio de sustentabilidade,

  • como a receita do aumento da taxa contributiva, como a receita proveniente do aumentoda taxa normal do IVA serem, respetivamente, afetadas, imputadas ou consignadas aosistema pblico de penses (cfr. artigos 5., 9. e 12. do Decreto n. 262/XII).

    16. Como foi referido, nos termos da mesma Exposio de Motivos, alm deconcretamente dirigido a assegurar a sustentabilidade do sistema pblico de seguranasocial mormente no que diz respeito ao regime pblico de penses, o regime institudo poreste diploma no deixa de ser enquadrado pela importncia da disciplina oramental,pretendendo contribuir para a sustentabilidade das finanas pblicas, com vista a asseguraro cumprimento das obrigaes decorrentes da participao de Portugal na Unio Europeiae na rea do euro, bem como para a transio para o crescimento econmico sustentado.

    No que se refere ao cumprimento de compromissos europeus em matria oramental,alm das obrigaes da Repblica Portuguesa decorrentes do direito da Unio Europeia Tratado sobre o Funcionamento da Unio Europeia, protocolo e regulamentos queintegram o quadro normativo de coordenao e governao da Unio Econmica eMonetria feita referncia ao Tratado sobre Estabilidade, Coordenao e Governaona Unio Econmica e Monetria (Tratado Oramental), assinado em Bruxelas em 2 demaro de 2012, aprovado pela Resoluo da Assembleia da Repblica n. 84/2012, em 13de abril de 2012, e ratificado pelo Decreto do Presidente da Repblica n. 99/2012, de 3 dejulho (DAR, I Srie n. 127/XII, de 3 de julho de 2012).

    Ainda segundo a exposio de motivos que acompanhou a Proposta de Lei n.236/XII, [e]stes compromissos europeus estabelecem, em particular, o respeito dosvalores mximos de referncia de 3% do Produto Interno Bruto (PIB) para o dficeoramental e de 60% do PIB para o rcio de dvida pblica, bem como a obrigao deassegurar uma situao oramental equilibrada ou excedentria. No perodo de transiopara estes objetivos, o Estado Portugus deve ainda definir e executar uma trajetria deconsolidao que assegure a convergncia do saldo oramental estrutural para o objetivode mdio prazo, sob pena de ativao de mecanismos de correo automticos. Oscompromissos de sustentabilidade das finanas pblicas esto j incorporados na Lei deEnquadramento Oramental (Lei n. 91/2001, de 20 de agosto), atravs da stimaalterao a essa lei (Lei n. 37/2013, de 14 de junho) aprovada pelos partidos do arco dagovernao, que de resto tambm confirmaram a ratificao do Tratado sobre aEstabilidade, Coordenao e Governao na Unio Econmica e Monetria.

    C. Os parmetros constitucionais17. O sentido e alcance do direito penso e da incumbncia imposta ao Estado de

    organizar e manter um sistema de segurana social, como decorrncia do direito segurana social consagrado no artigo 63. da Constituio, tem sido clarificado peloTribunal Constitucional em diversa jurisprudncia (Acrdos n.s 349/91, 318/99,188/2009, 3/2010 e 187/13) e, por ltimo, no acrdo n. 862/2013.

    No h motivo para deixar de seguir, na linha dessa anterior jurisprudncia, oentendimento expresso neste mais recente aresto.

    A Constituio no fixa, com carter de regra suscetvel de aplicao direta e imediata,o sistema de penses e demais prestaes do sistema de segurana social, assim como oscritrios da sua concesso e valor pecunirio. Caber assim ao legislador ordinrio, emfuno das disponibilidades financeiras e das margens de avaliao e opes polticasdecorrentes do princpio democrtico, modelar especificamente esses elementos decontedo das penses.

    Tambm aqui a liberdade de deciso do legislador varivel, consoante a maior oumenor determinabilidade das regras constitucionais.

    Em certas situaes, a margem de conformao do legislador ser necessariamentemenor. o que se verifica com a norma do n. 4 do artigo 63., que garante o princpio conhecido como princpio da totalizao que impe a contagem de todo tempo detrabalho realizado para o clculo do montante das prestaes: todo o tempo de trabalho

  • contribui, nos termos da lei, para o clculo das penses de velhice e invalidez,independentemente do setor de atividade em que tiver sido prestado.

    Todavia, tem sido afirmado que desse princpio no decorre que o legislador ordinrioesteja constitucionalmente vinculado a garantir ao pensionista uma penso rigorosamentecorrespondente ao das remuneraes registadas durante o perodo contributivo, no sepodendo falar num princpio da equivalncia entre contribuies e montantes daprestao, j que o sistema previdencial assenta em mecanismos de repartio e no decapitalizao (cfr. Acrdo n. 99/99). No mesmo sentido, afirmou-se num outro acrdoque a Constituio da Repblica Portuguesa no consagra em qualquer das suas normasou princpios a exigncia de que se tenha em considerao, como critrio para o clculo domontante das penses de reforma, o montante da retribuio efetivamente auferida pelotrabalhador no ativo. Pode e, numa certa perspetiva, haver mesmo que distinguir-seentre a necessria considerao de todo o tempo de trabalho e uma (inexistente) imposiode utilizao, como critrio de clculo do valor da penso, do montante dos rendimentosrealmente auferidos (cfr. Acrdo n. 675/2005).

    18. Neste condicionalismo, o legislador possui margem de manobra para delinear ocontedo concreto ou final do direito penso, respeitados os limites constitucionaispertinentes. Assim, afirmar o reconhecimento, autnoma e imediatamente decorrente dotexto constitucional, do direito penso, no significa que se possa afirmar o direito a umadeterminada penso. O direito a uma determinada penso s adquire contedo precisoatravs da legislao ordinria. Pelo que a sua vinculatividade jurdica uma criaoinfraconstitucional. Apenas a partir do momento em que o legislador ordinrio fixa, comelevado grau de preciso e de certeza, o contedo do direito exigvel do Estado, o direito penso adquire na ordem jurdica um grau pleno de definitividade e densidade (cfr.JORGE REIS NOVAIS, Direitos Sociais, teoria jurdica dos direitos sociais enquantodireitos fundamentais, Coimbra Editora, 2010, pg. 148).

    Alguns autores defendem que, a partir do momento que seja levada a cabo aconcretizao legislativa do direito, ela passar a integrar a norma de direitofundamental, correspondendo a faculdades, pretenses ou direitos particulares integrveisno direito fundamental como um todo. No obstante, isso no significa uma absolutaintangibilidade do direito penso, mas sim que o referido direito passa a beneficiar daproteo especfica correspondente, nomeadamente dos princpios estruturantes doEstado de Direito, como a proteo da confiana ou da proporcionalidade, apenaspodendo ser suprimidos ou diminudos com observncia desses mesmos princpios.

    O direito penso est, alis, particularmente dependente das disponibilidadesfinanceiras do Estado, sendo, nesse sentido, mais permevel presso da conjuntura,sobretudo, nos perodos mais crticos de dificuldades econmicas. Essa especialvulnerabilidade justifica-se no apenas com o facto de o direito penso alocar recursosfinanceiros imediatos, mas tambm devido prpria estrutura do direito. O direito penso tem na sua formao uma estrutura temporal de mdia e longa durao, pelo que,durante a vida da prestao, os contextos socio-econmicos que enquadram a atividadelegislativa podem alterar-se radicalmente.

    Por outro lado, para alm da sua durao prolongada, as penses so aindaparticularmente dependentes dessa reserva do possvel, pelo simples facto da suainsero no sistema solidrio de prestao do contrato geracional. Ora, num sistemaprevidencial de repartio, os beneficirios no podem ignorar os riscos envolvidos, com apossibilidade de alterao dos direitos em formao, no se podendo defender que sereconhece, sem excees, um princpio da intangibilidade no que toca ao quantum daspenses (JOO CARLOS LOUREIRO, Adeus ao Estado Social?, Coimbra Editora,2010, pgs. 166, 170 e 379). E quanto aos direitos j consolidados, no Acrdo n.187/2013 considerou-se o seguinte: o reconhecimento do direito penso e a tutelaespecfica de que ele goza no afastam, partida, a possibilidade de reduo do montanteconcreto da penso. O que est constitucionalmente garantido o direito penso, no o

  • direito a um certo montante, a ttulo de penso.No entanto, importa reafirmar que o legislador, na conformao que faz, em cada

    momento histrico, do direito penso est juridicamente vinculado pelas normas eprincpios constitucionais. Assim, apesar de um inequvoco reconhecimento de que olegislador possui liberdade para alterar as condies e requisitos de fruio e clculo daspenses, mesmo em sentido mais exigente, ele tem de respeitar vrios limitesconstitucionalmente impostos, nomeadamente os que derivam do princpio do Estado deDireito. Deste modo, as alteraes que o legislador pretenda levar a cabo tm de se fundarem motivos justificados designadamente a sustentabilidade financeira do sistema , nopodendo afetar o mnimo social, os princpios da igualdade e da dignidade da pessoahumana, e da proteo da confiana.

    19. O Estado portugus cumpriu a incumbncia que lhe foi atribuda pelo artigo63. da CRP definindo um sistema de segurana social que inclui, enquanto uma da suascomponentes, o sistema previdencial. De acordo com a Lei de Bases da Segurana Social(Lei n. 4/2007, de 16 de janeiro) este sistema visa garantir prestaes pecuniriassubstitutivas do rendimento do trabalho perdido em consequncia de certaseventualidades, nas quais se inclui, entre outras, a invalidez, a doena e a velhice (artigos50. e 51. da Lei de Bases). O sistema estruturado em torno de alguns princpiosfundamentais, princpios esses que so a expresso da livre escolha que o legisladorordinrio fez, na sua necessria tarefa de concretizar o programa aberto do artigo 63. daCRP.

    Assim, entre ns, o direito penso adquire-se, de acordo com o princpio dacontributividade (artigo 54. da Lei de Bases), mediante o cumprimento, por parte do seutitular e de outras entidades, de certas e determinadas obrigaes (artigos 55. a 57. damesma lei), que sendo devidas ao longo do tempo, so o pressuposto necessrio daformao, tambm ao longo do tempo, do direito a vir a perceber, terminada a vida ativa, aprestao pecuniria substitutiva do rendimento do trabalho. Tal o resultado de umaoutra opo do legislador, expressa num outro princpio estruturante do sistema, desta vezrelativo ao seu prprio modo de financiamento: na verdade, e de acordo com o dispostono artigo 90. da Lei de Bases, as prestaes substitutivas dos rendimentos do trabalhodevem ser financiadas por quotizaes dos trabalhadores e por contribuies das entidadesempregadoras. Finalmente, cumpridos estes requisitos, que so portanto o pressupostocausal do direito a perceber a prestao correspondente penso, a partir do certo perodode tempo que definido em outros lugares do sistema - o montante da prestao a que setem direito corresponde a um quantum que, alm de ser definido (princpio do benefciodefinido), determinado em funo das quotizaes feitas e das contribuies realizadas(artigos 57. e 62.).

    Em cumprimento do princpio da complementaridade (artigo 15.), a esta forma deproteo social pblica podem associar-se formas de proteo social, cooperativas,mutualistas e privadas, que devem ser articuladas entre si de forma a melhorar a coberturadas situaes abrangidas e promover a partilha das responsabilidades nos diferentespatamares da proteo [social]. Este princpio da complementaridade tem traduo noregime estabelecido a partir do artigo 81. da Lei de Bases, onde se definem as modalidadesde que pode revestir esta componente do sistema de segurana social, designada comosistema complementar. A definio surge como necessria, no s face indeclinveltarefa estadual de articulao entre as vrias formas, pblicas e no pblicas, de proteosocial (artigo 15.), como face ao princpio do primado da responsabilidade pblica, que,nos termos do artigo 14. da Lei de Bases, consiste no dever do Estado de criar ascondies necessrias efetivao do direito segurana social e de organizar, coordenar esubsidiar o [seu] sistema.

    Estas so pois as linhas gerais que definem o modo atravs do qual o legisladorordinrio cumpriu a incumbncia que lhe devolvida nos termos do artigo 63. da CRP.

    20. Face a estes dados, a medida agora em juzo, ao implicar essencialmente a reduo,

  • a ttulo definitivo, de penses j em pagamento, surge, no contexto do sistema queacabmos de descrever, e que foi modelado pela lei em cumprimento de uma injunoconstitucional, como uma limitao de dois princpios estruturantes desse mesmo sistema,a saber, o da contributividade e o do benefcio definido. Na verdade, uma vez redefinido inpejus, pelo legislador, o montante de uma penso de que j se beneficia, no s deixa deser garantida a tendencial correspondncia entre esse montante e a carreira contributivaque foi o pressuposto causal da aquisio do direito penso (princpio contributivo),como sobretudo, posto em causa o princpio segundo o qual esse montante seria certo(princpio do benefcio definido).

    Tal no contudo suficiente para que se considere constitucionalmente proibida amedida legislativa de reduo definitiva de penses.

    S seria assim se se admitisse uma proibio geral de retrocesso social, em matria dedireitos sociais, no sentido de que nunca poderia ser criado um novo regime legal quepudesse afetar qualquer situao jurdica que se encontrasse abrangida pela lei anterior.

    Este princpio no pode ser aceite, no entanto, com esta amplitude, sob pena dedestruir a autonomia da funo legislativa, cujas caractersticas tpicas, como a liberdadeconstitutiva e a autorrevisibilidade, seriam praticamente eliminadas se, em matrias tovastas como os direitos sociais, o legislador fosse obrigado a manter integralmente o nvelde realizao e a respeitar em todos os casos os direitos por ele criados.

    Torna-se assim necessrio harmonizar a estabilidade da concretizao legislativa jalcanada no domnio dos direitos sociais com a liberdade de conformao do legislador. Eessa harmonizao implica que se distingam as situaes onde a Constituio contenhauma ordem de legislar suficientemente precisa e concreta, em que a margem de liberdadedo legislador para retroceder no grau de proteo j atingido necessariamente mnima,daquelas outras em que a proibio do retrocesso social est limitada pelo princpio daalternncia democrtica e opera apenas quando a alterao redutora do contedo do direitosocial afete a garantia da realizao do contedo mnimo imperativo do preceitoconstitucional ou implique, pelo arbtrio ou desrazoabilidade manifesta do retrocesso, aviolao da proteo da confiana (cfr. Acrdos n.s 509/2002 e 188/2009).

    21. Contudo, tal no significa que o poder de autorrevisibilidade das leis seja um poderilimitado. O exerccio do poder de autorrevisibilidade, embora assente num princpio que matricial para a conformao da ordem constitucional portuguesa o que determina queessa ordem se funda antes do mais nos procedimentos que so prprios de umademocracia pluralista h de conhecer limites, e esses decorrero da necessriacoexistncia entre o princpio do pluralismo democrtico e outros princpiosconstitucionais.

    O Estado de direito um estado de segurana jurdica. E a segurana exige que oscidados saibam com o que podem contar, sobretudo nas suas relaes com os poderespblicos. Saber com o que se pode contar em relao aos atos da funo legislativa doEstado coisa incerta ou vaga, precisamente porque o que conatural a essa funo apossibilidade, que detm o legislador, de rever ou alterar, de acordo com as diferentesexigncias histricas, opes outrora tomadas. Contudo, a possibilidade de alterao dessasopes, se irrestrita (uma vez cumpridas as demais normas constitucionais que sejamaplicveis) quando as novas solues legislativas so pensadas para valer apenas para ofuturo, no pode deixar de ter limites sempre que o legislador decide que os efeitos dassuas escolhas ho de ter, por alguma forma, certa repercusso sobre o passado.

    A Constituio no probe, em geral, que as novas escolhas legislativas tomadas pelolegislador ordinrio no quadro da sua estrutural habilitao para rever opes antestomadas por outros legisladores histricos faam repercutir os seus efeitos sobre opassado. Mas, para alm disso, no probe nem pode proibir genericamente que olegislador recorra a uma tcnica de modelao da repercusso dos efeitos das suasescolhas em face da variabilidade dos graus de intensidade de que ela pode revestir. Na

  • verdade, a repercusso sobre o passado [das novas escolhas legislativas] pode assumir umaintensidade forte ou mxima, sempre que a lei nova faa repercutir os seus efeitos sobrefactos pretritos, praticados ao abrigo de lei anterior, redefinindo assim a sua disciplinajurdica. Mas pode tambm assumir uma intensidade fraca, mnima ou de grau intermdio,sempre que a lei nova, pretendendo embora valer sobre o futuro, redefina a disciplina derelaes jurdicas constitudas ao abrigo de um (diverso) Direito anterior. Neste ltimocaso, designa-se este especial grau de repercusso dos efeitos das novas deciseslegislativas como sendo de retroatividade fraca, imprpria ou inautntica, ou ainda, maissimplesmente, de retrospetividade. Como quer que seja, e no sendo o recurso por partedo legislador a qualquer uma destas formas de retroao da eficcia dos seus atosgenericamente proibida pela Constituio, a convocao legislativa de qualquer uma destastcnicas no deixa de colocar problemas constitucionais, face justamente ao imperativo desegurana jurdica que decorre do princpio do Estado de direito.

    , com efeito, evidente que a repercusso sobre o passado das novas escolhaslegislativas, qualquer que seja a forma ou o grau de que se revista, diminui ou fragiliza afaculdade, que os cidados de um Estado de direito devem ter, de poder saber com o quecontam, nas relaes que estabelecem com os rgos de poder estadual. Precisamente porisso, a Constituio proibiu expressamente o recurso, por parte do legislador, retroatividade forte, sempre que a medida legislativa que a ela recorre implicar intervenesgravosas na liberdade e (ou) no patrimnio das pessoas, assim sucedendo quando estejamem causa restries a direitos, liberdades e garantias (artigo 18., n. 3), a definio decomportamentos criminalmente punveis (artigo 29., n. 1), ou a criao de impostos oudefinio dos seus elementos essenciais (artigo 103., n. 3). A razo pela qual aConstituio exclui a possibilidade de existncia de leis retroativas nesses casos resideprecisamente na intensidade da condio de insegurana pessoal que do contrrio resultariano quadro de um Estado de direito democrtico como aquele que o artigo 2. institui.

    Dito isto, resta concluir que o facto de no haver uma proibio constitucionalexplcita de, noutros casos, se recorrer s formas graduais e muito variveis deretroatividade prpria ou imprpria no significa que o recurso a qualquer uma destasformas esteja sempre e em qualquer circunstncia disposio do legislador ordinrio. Oprincpio segundo o qual o poder legislativo est genericamente habilitado pelaConstituio a atribuir s suas decises, por diferentes formas e em diferentes graus,eficcia para o passado, conhece limites. E estes decorrem da necessria convivncia entreeste princpio e o princpio do Estado de direito, na sua dimenso de segurana jurdica.

    22. O mtodo a adotar na resoluo deste especfico problema constitucional,decorrente da necessria conciliao entre o princpio democrtico, que sustenta aautorrevisibilidade das leis, e o princpio do Estado de direito, que sustenta os limitesimpostos a esta autorrevisibilidade por exigncias de segurana jurdica, foi explicitado peloTribunal Constitucional no Acrdo n. 287/90. A se disse que, especialmente nos casosem que o problema se apresenta com contornos mais delicados e que so aqueles em queocorre a chamada retroatividade imprpria ou inautntica, tambm designada comoretrospetividade, nos quais a norma jurdica nova, conquanto pretenda ter efeitos s parao futuro, incide sobre relaes jurdicas j existentes, constitudas ao abrigo de Direitoanterior haveria que ponderar. E que a ponderao deveria ser feita entre o peso a dar confiana e boa-f dos cidados, que legitimamente contavam ou esperavam amanuteno da disciplina jurdica ao abrigo da qual a sua situao, perante o Direito, foraanteriormente definida, e o peso a dar s razes pelas quais as alteraes legislativasvinham afetar as suas expectativas legtimas. Mais se concluiu que o resultado daponderao s poderia ser favorvel a estas ltimas expectativas, reconhecendo-lhes umasuperior consistncia ou um maior peso relativamente ao segundo ndice a ponderar,naqueles casos em que a sua afetao se mostrasse inadmissvel, arbitrria ou demasiadoonerosa. O significado dado a estes ltimos termos foi tambm explicitado:

    Em que se traduz esta inadmissibilidade, arbitrariedade ou onerosidade excessiva.

  • A ideia geral de inadmissibilidade poder ser aferida, nomeadamente, pelos dois seguintescritrios:

    a) afetao de expectativas, em sentido desfavorvel, ser inadmissvel, quando constituauma mudana da ordem jurdica com que, razoavelmente, os destinatrios das normas delaconstantes no possam contar e ainda

    b) quando no for ditada pela necessidade de salvaguardar direitos ou interessesconstitucionalmente protegidos que devam considerar-se prevalecentes (deve recorrer-se, aqui,ai princpio da proporcionalidade, explicitamente consagrado, a propsito dos direitos,liberdades e garantias, no n 2 do artigo 18. da Constituio, desde a 1 reviso.

    Posteriormente, o Acrdo n. 128/2009, e depois dele, entre outros, os Acrdos n.s188/2009, 187/2013 e 862/2013, vieram desenvolver um modelo de testes. De acordocom este modelo, para que haja lugar tutela jurdico-constitucional da confiana necessrio, em primeiro lugar, que o Estado (mormente o legislador) tenha encetadocomportamentos capazes de gerarem nos privados expectativas de continuidade depois,devem tais expectativas ser legtimas, justificadas e fundadas em boas razes em terceirolugar, devem os privados ter feito planos de vida tendo em conta a perspetiva decontinuidade do comportamento estadual por ltimo, ainda necessrio que noocorram razes de interesse pblico que justifiquem, em ponderao, a no continuaodo comportamento que gerou a situao de expectativa.

    A aplicao deste mtodo, assim explicitado pelo Tribunal, a um caso concretopressupe antes do mais que se determine, com preciso, se, nesse caso, a norma sob juzofez protrair os seus efeitos sobre o passado e com que grau de intensidade o fez. Nacircunstncia de ser positiva a resposta a esta questo, haver ainda que valorar luz daConstituio as expectativas dos particulares, que confiaram na inexistncia da projeosobre o passado dos efeitos das novas decises legislativas. E essa valorao s podeincidir sobre a consistncia das posies jurdicas subjetivas definidas luz do Direitoanterior, e que vm agora, pela lei nova, a ser afetadas. Na verdade, as expectativas dosparticulares na continuidade, e na no disrupo, da ordem jurdica, no so realidadesaferveis ou avaliveis no plano emprico dos factos. A sua densidade no advm de umaqualquer pr-disposio, anmica ou psicolgica, para antecipar mentalmente a iminnciaou o risco das alteraes legislativas a sua densidade advm do tipo de direitos de que sotitulares as pessoas afetadas e o modo pelo qual a Constituio os valora. O ponto importante. que, como se disse no Acrdo n. 862/2013, quanto mais consistente for odireito do particular, mais exigente dever ser o controlo da proteo da confiana.

    23. No presente caso, esto em juzo medidas contidas num decreto da Assembleia daRepblica (Decreto n. 262/XII) que visam essencialmente reduzir, a ttulo definitivo, omontante de penses j em pagamento, e que, nos termos do seu artigo 14., dever entrarem vigor a partir de 1 de janeiro de 2015.

    Contudo, no obstante a nova disciplina jurdica das penses pretender produzirefeitos apenas para o futuro, a verdade que ela se repercute sobre o passado, na medidaem que vem redefinir posies jurdico-subjetivas constitudas ao abrigo de lei anterior.

    Como j se viu, o direito ao recebimento de uma penso, a ttulo de prestaosubstitutiva dos rendimentos de um trabalho que antes se realizou, constitui-se mediante ocumprimento de certas e determinadas obrigaes que a lei determina, e que so, noapenas o pressuposto necessrio da aquisio do direito (no momento igualmente definidopelo sistema legal) mas tambm a medida do benefcio que, chegado o momento certo, sepassar a receber. Quer isto dizer que, se verdade que o direito penso um direitolquido e certo nos termos da lei, tambm verdade que a sua formao implicou umprocesso longo, que se foi protraindo no tempo. Para cada uma das fases desse processohouve direito aplicvel, que determinava o regime e o quantum das obrigaes que sedeveriam cumprir, a idade a partir da qual o direito a receber o benefcio se constituiria naesfera jurdica do contribuinte-beneficirio, e o montante definido em que ele se traduziria.Assim, qualquer alterao legislativa que viesse a incidir sobre a redefinio de uma

  • qualquer destas fases antes da aquisio final do direito penso seria, para os quadrosconceituais das relaes das leis no tempo, sempre retrospetiva ou impropriamenteretroativa, na exata medida em que vinha redefinir a disciplina jurdica de uma relao quese estabelecera entre o contribuinte-beneficirio e a comunidade no seu todo (atravs dosistema de segurana social) a partir do momento em que aquele iniciara a sua carreiracontributiva. Disto mesmo se deu alis conta o Tribunal nos exemplos dos Acrdos n.s302/2006, 188/2009 e 3/2010, quando estavam em juzo, precisamente, novos regimeslegais que alteravam regras preexistentes sobre o processo, j iniciado mas ainda noconcludo, de formao do direito ao recebimento de penses. Em todas estas situaes oTribunal invocou o parmetro da proteo da confiana para poder sustentar o seujulgamento que em nenhum destes casos foi de acolhimento da inconstitucionalidade precisamente porque considerou que a lei nova, se bem que fixando os seus efeitos apenaspara o futuro, no deixava de redefinir o passado em termos jurdico-constitucionalmenterelevantes.

    Contudo, se assim para as situaes em que a lei nova vem redefinir os termos emque deve decorrer o processo de formao do direito penso, por maioria de razo o sernas situaes em que, como no presente caso, a mudana legislativa se traduz numaalterao in pejus do montante de uma penso j em pagamento. Nestas circunstncias, alei nova, se bem que no formalmente aplicvel a factos pretritos, opera uma acentuadaredefinio jurdica do passado, alterando os termos de exerccio de um direito jcompletamente formado, que a Lei de Bases da Segurana Social qualifica apropriadamentecomo direito adquirido.

    Assim, se, no caso de alterao das regras de formao das penses antes de estasexistirem como direitos fechados para os seus beneficirios, j se mostrava adequadoconvocar o parmetro da proteo da confiana para medir da admissibilidade da mutaolegislativa, por maioria de razo o ser nos casos em que o que est em causa umaalterao que incide sobre o montante de uma penso que j se recebe. que, nestes casos,e como se disse no Acrdo n. 862/2013, o beneficirio viu entrar na sua esfera jurdicaum direito subjetivo com contornos exatos, estando em situao de exigir do Estado aprestao que lhe devida, pelo que se encontrar partida numa situao que carece deuma tutela ainda mais reforada do que [a de algum] que est ainda a formar a sua carreiracontributiva. Tanto mais que o contedo exato, lquido e certo que esse direito hoje tem funo das regras jurdicas vigentes aplicveis ao tempo em que o mesmo [direito] entrouna esfera jurdica do seu titular. A consistncia da posio jurdica que afetada pelaentrada em vigor da lei nova parece ser assim, nestas circunstncias, de grau mximo, paraefeitos de um controlo de proteo da confiana.

    A verificao da consistncia dos direitos aqui afetados, e em funo da qual deve sermedida a intensidade das expectativas legtimas dos seus titulares sua no afetao, ainda reforada se tivermos em conta a forma como estes direitos so valorados pelaConstituio.

    Na verdade, se, como vimos, a CRP no deixou livre disposio do legisladorordinrio a deciso sobre a existncia ou no existncia de uma qualquer forma social ousolidria (regulada e coordenada pela comunidade poltica no seu todo) de proteo daspessoas na velhice, quando a obteno de rendimentos provenientes do trabalho j no existencialmente possvel se ao legislador compete a determinao do como da obtenoda penso, mas j no a deciso quanto ao seu se , ento, haver que concluir que amesma CRP no valorativamente neutra quanto ao modo pelo qual o direito penso jrecebida afetado. No obstante se tratar de um direito criado por lei ordinria, e, por issomesmo, por lei ordinria revisvel, a forma da sua afetao no se pode processar numquadro de indiferena constitucional: esto em causa, neste domnio, as mesmas opes devalor que justificam a previso, pela CRP, da necessria existncia de um sistema desegurana social que incumbe ao Estado organizar as mesmas opes de valor que estopresentes nas normas que definem os programas e tarefas estaduais (artigo 9.) as mesmas

  • opes de valor que so inerentes a uma Repblica que se empenha na construo de umasociedade solidria (artigo 1.).

    , pois, no contexto destas valoraes que se deve medir e avaliar a densidade dasexpectativas legtimas dos particulares no afetao dos direitos de que so titulares. E,nesse contexto, no pode deixar de concluir-se que, sendo densas tais expectativas, anecessidade de tutela da confiana na sua no frustrao o igualmente.

    A este ponto acresce um outro.No domnio de um sistema previdencial como o nosso, que, como vimos, se financia

    (artigo 90. da Lei de Bases da Segurana Social), quanto a prestaes substitutivas dosrendimentos do trabalho, atravs de quotizaes dos trabalhadores e de contribuiesdas entidades patronais, a confiana, para alm da dimenso estritamente subjetiva comque at agora foi tratada, adquire ainda uma dimenso objetiva, que se associa sua prprialegitimidade enquanto sistema que implica um contrato entre geraes. Se para aspresentes geraes da populao ativa portuguesa as que financiam o sistemaprevidencial atravs das suas quotizaes a frustrao da confiana das geraes maisvelhas, beneficirias atuais do sistema que financiam, puder aparecer como questoconstitucionalmente neutra, indiferente ou irrelevante, nenhuma razo tero elas prprias(as geraes presentes de contribuintes) para confiar na subsistncia do modelo para o qualcontribuem. Ainda por este motivo, a inexistncia de uma tutela forte das expectativaslegtimas dos pensionistas no reduo do montante das suas penses parece no ser deaceitar.

    24. A reduo definitiva do montante de penses em pagamento justificada, naexposio de motivos que acompanhou a proposta de lei apresentada Assembleia daRepblica, precisamente pelas exigncias decorrentes do contrato entre geraes. E -o aum triplo ttulo: primeiro, porque, diz-se, esse contrato no ser cumprido se a disciplinaoramental a que est obrigado o Estado portugus no for satisfeita segundo, porque,diz-se, esse contrato no ser cumprido se a questo da sustentabilidade do sistema desegurana social no for, no presente, resolvida terceiro, porque, diz-se, esse contrato noser cumprido se a gerao presentemente beneficiria do sistema (os atuais pensionistas)no contribuir ela prpria, no momento atual, para o financiamento do sistema. Assim sefundamenta portanto que a medida de reduo definitiva das penses j em pagamentoseja tida pelo legislador como uma contribuio de sustentabilidade.

    O Tribunal no pode deixar de reconhecer o relevante peso que, luz da Constituio,detm cada um destes fundamentos. Se a consistncia dos direitos afetados , nos termosdos parmetros aplicveis, acentuada, no o ser menos a consistncia da necessidade dasua afetao, dada a relevncia dos direitos ou interesses, tambm eles constitucionalmenteprotegidos, que, de acordo com a exposio de motivos apresentada Assembleia daRepblica, a justificam. O ponto determinante, uma vez que o mtodo da ponderao,atrs explicitado, no pode ser com rigor aplicado se se no tiver em linha de conta o pesoespecfico que possui cada uma dos elementos a ponderar. Sendo intenso o grau de nosatisfao de um princpio constitucional (neste caso, o princpio segundo o qual devemser protegidas as legtimas expectativas dos pensionistas ao recebimento de um benefciodefinido e adquirido ao abrigo de Direito anterior), mais intensa ter ainda que ser a razoque justifica essa no satisfao. Quer isto dizer que a afetao dos direitos dospensionistas s poder, neste caso e luz da Constituio, ser desconsiderada, se semostrar que ela necessria para satisfazer direitos e interesses constitucionalmenteprotegidos que se devam considerar prevalecentes.

    E no h dvidas quanto relevncia constitucional que assume a imperatividade derealizao de polticas pblicas que assegurem a disciplina oramental, tal como esta ltima imposta Repblica, desde logo, pelo Tratado sobre o Funcionamento da UnioEuropeia e pelo Tratado sobre Estabilidade, Coordenao e Governao na UnioEconmica e Monetria, bem como pelas demais normas de direito externo ao Estadoportugus e de direito interno que concretizam as obrigaes implcitas referida

  • disciplina. Est em causa, neste domnio, no apenas o cumprimento leal do dever,constitucionalmente assumido, de empenhamento de Portugal no reforo da identidadeeuropeia (artigo 7., n. 5, da CRP), mas ainda o cumprimento leal do dever que asgeraes presentes assumem perante as geraes futuras, dever esse que se traduz emimpedir a existncia de uma dvida pblica que, onerando e pr-determinando as suasescolhas, diminua a capacidade que no podem deixar de ter essas mesmas geraes de seconduzir nos termos prescritos, desde logo, pelos artigos 1. e 2. da Constituio.

    As exigncias decorrentes deste ltimo ponto, que diz respeito ao cumprimento leal docontrato entre geraes que a subsistncia da ordem constitucional portuguesa (como a dequalquer outra) pressupe, fazem-se sentir de forma ainda mais premente na necessidade,tambm invocada na exposio de motivos da proposta apresentada Assembleia, deencontrar solues para o problema da sustentabilidade do sistema de segurana social,sobretudo na sua vertente de sistema previdencial.

    Na verdade, um modelo jurdico que rigidamente mantenha, neste domnio, assolues pensadas pelo Direito definido no passado, pode traduzir-se num trato injustoentre as geraes atuais de beneficirios do sistema previdencial e as geraes quecompem, no presente, a populao ativa portuguesa, e que, atravs das suasquotizaes e contribuies, garantem na atualidade o financiamento do modeloprevidencial tal como ele existe. Numa circunstncia histrica em que constrangimentos deordem econmica (a perda de receitas desse mesmo sistema, causada pelo aumento dodesemprego e pelos fluxos migratrios) e constrangimentos de ordem demogrfica (oaumento de esperana mdia de vida e a diminuio da natalidade) determinam odesequilbrio financeiro de um sistema que foi concebido, enquanto sistema harmonioso ejusto, num diferente contexto, h que ter em linha de conta que a proteo da confianadaqueles que modelaram os seus planos de vida em funo de um Direito em certomomento vigente se no pode fazer a qualquer preo. Sobretudo, no pode deixar de sercontrabalanada com as incertas expectativas que, pela natureza das coisas, detm asgeraes presentes de trabalhadores e contribuintes em virem mais tarde a beneficiar domesmo sistema. Tanto bastaria para que, prima facie, se justificasse que, atravs daconsiderao da sustentabilidade, se exigisse aos atuais pensionistas um acrscimo deesforo para a manuteno do modelo de solidariedade social do qual beneficiam, modeloesse que no pode deixar de conter equilbrios justos no trato entre as diferentes geraes.

    A este argumento, que revela s por si o peso dos direitos e interessesconstitucionalmente protegidos que so contrapostos aos direitos lesados, justificandoportanto, na tica do autor da norma, a sua afetao, acresce um outro.

    Como vimos, no se encontra na disponibilidade do legislador ordinrio determinar seexiste ou no existe um sistema de segurana social que proteja os cidados na velhice eem outras situaes de falta ou diminuio de meios de subsistncia ou de capacidadepara o trabalho. Como lhe no cabe determinar se incumbe ou no ao Estado organizar ecoordenar esse sistema, enquanto primeiro responsvel pelo, e garante ltimo do, seufuncionamento. Estas decises no se encontram disposio do legislador ordinrioporque foram j tomadas pela Constituio no seu artigo 63..

    Daqui decorre que, perante os desequilbrios to manifestos de um sistema desegurana social que, a manter-se tal como est, poder obrigar a Repblica a incumprir asobrigaes de disciplina oramental que assumiu face aos seus parceiros na UnioEuropeia o que, por seu turno, poder implicar que os interesses e os direitosconstitucionalmente protegidos das geraes futuras sejam sacrificados satisfao dosdireitos e interesses (tambm constitucionalmente protegidos) das geraes presentes , olegislador ordinrio tem, face Constituio, o poder de modificar o sistema, adequando-os presentes exigncias histricas. o que resulta do artigo 63. da CRP, na medida em quea se determina que no poder deixar de existir entre ns uma qualquer forma sistmica epblica de organizao da segurana e solidariedade social.

    Na perspetiva apresentada pelo proponente do decreto da Assembleia da Repblica,

  • na sua exposio de motivos, a medida de reduo definitiva de penses cumpre esteltimo desiderato, imposto pela CRP.

    Por isso, e voltando ao contexto prprio do mtodo da ponderao atrs enunciado efixado pelo Tribunal desde o Acrdo n. 287/90, desde j se deixa ficar claro que amedida no arbitrria e mostra-se antes como uma medida inteligvel. Resta porm saber pois que esta a especfica tarefa que, nos termos do artigo 221. da CRP, competeindeclinavelmente ao Tribunal Constitucional se no ser ela excessivamente onerosapara as pessoas afetadas, ao ponto de, por isso, se no poder concluir que sejam no casoprevalecentes os direitos e interesses constitucionalmente protegidos que justificam aafetao.

    D. A pronncia sobre as disposies do Decreto n. 262/XII da Assembleia daRepblica

    25. Segundo a exposio de motivos da Proposta de Lei n. 239/XII, a participaode Portugal na Unio Europeia e na rea do euro obriga ao cumprimento de requisitosexigentes em matria oramental, plasmados no TFUE, no protocolo, e nos regulamentosque desenvolvem o Pacto de Estabilidade e Crescimento e ainda no Tratado sobreEstabilidade, Coordenao e Governao na Unio Econmica e Monetria.

    Com efeito, o Tratado da Unio Europeia estabelece, no seu artigo 3., n. 4, a unioeconmica e monetria cuja moeda o euro como um dos objetivos da Unio, objetivoque vai ser desenvolvido, nos artigos 119. e seguintes do Tratado sobre o Funcionamentoda Unio Europeia, bem como nos Protocolos n. 4 relativo ao Sistema Europeu deBancos Centrais e n. 12 sobre o procedimento de dfices excessivos, assim como emdisposies de direito derivado da Unio Europeia.

    Ora, uma das principais obrigaes dos Estados-membros neste domnio a de evitardfices oramentais excessivos (artigo 126., n. 1, do TFUE), competindo UnioEuropeia, atravs da Comisso, acompanhar a evoluo da situao oramental e domontante da dvida pblica nos Estados-membros, a fim de identificar desviosimportantes. Nos termos do artigo 1. do mencionado Protocolo n. 12, o dficeoramental deve respeitar os valores mximos de referncia de 3% do Produto InternoBruto a preos de mercado e 60% para a relao entre a dvida pblica e o PIB a preos demercado.

    Estas normas de direito originrio tm vindo a ser desenvolvidas e concretizadasatravs de regras de direito derivado, designadamente, regulamentos, dos quais se devemdestacar, desde logo, os Regulamentos que integram o Pacto de Estabilidade eCrescimento que prev medidas de superviso e coordenao das polticas econmicas, emparticular o artigo 2.-A, da Seco 1-A, do Regulamento CE n. 1466/97 do Conselho, de7 de julho, que previa como objetivo econmico de mdio prazo um rcio mximo de 3%do PIB para o dfice oramental e o Regulamento CE n. 1467/97 do Conselho, de 7 dejulho, sobre o procedimento relativo aos dfices excessivos.

    Estas normas foram alteradas e completadas, na sequncia da crise das dvidassoberanas, por um conjunto de diplomas que integram o chamado Sixpack, pacotelegislativo europeu de 2011 sobre matria oramental. A estas normas somou-se odenominado Twopack que integra dois regulamentos de 2013.

    Tratando-se de normas de Direito da Unio Europeia quer sejam de direito originrioou de direito derivado, vinculam o Estado Portugus, nos termos do artigo 8., n. 4, daConstituio.

    J a natureza do Tratado sobre Estabilidade, Coordenao e Governao na UnioEconmica e Monetria (vulgarmente designado como Tratado Oramental), assinado, em2 de maro de 2012, pelos Chefes de Estado e de Governo dos Estados-membros daUnio Europeia (com exceo do Reino Unido e da Repblica Checa) diferente. Tendoentrado em vigor em 1 de janeiro de 2013, aps a ratificao por 16 Estados-membros, 12dos quais pertencentes rea do euro, este Tratado visa, essencialmente, reforar a

  • disciplina oramental atravs da introduo de medidas que garantam uma maiorfiscalizao e uma resposta mais eficaz face emergncia de desequilbrios. O seu principalobjetivo, como se afirma no prembulo, a adoo, com a maior celeridade possvel, porparte dos Estados- membros da rea do euro, de regras especficas, de natureza econmicae oramental, incluindo uma "regra de equilbrio oramental" e um mecanismo automticopara a adoo de medidas corretivas, que conduzam a um cumprimento mais estrito doscritrios quantitativos introduzidos pelo Tratado de Maastricht, nomeadamente, osrespeitantes ao dfice mximo e ao limite de 60% do PIB para a dvida pblica.

    No sendo este o local prprio para uma anlise detalhada daquele Tratado, deve,todavia, notar-se o seguinte:

    i) vrias disposies do Tratado tm origem em normas de direito derivado da Unio

    Europeia ou, entretanto, passaram a fazer parte dessas normasii) o Tratado Oramental no integra o ordenamento jurdico da Unio, pelo que no

    beneficia do estatuto que o n. 4 do artigo 8. da CRP confere ao direito da Unio Europeiaiii) o Tratado aplicvel na medida em que for compatvel com o Direito originrio e

    derivado da Unio Europeiaiv) as regras relativas ao Pacto Oramental foram integradas no direito interno

    portugus atravs da Lei n. 37/2013, de 14 de junho, que introduziu alteraes Lei deEnquadramento Oramental.

    Acrescente-se ainda que Portugal se encontra sujeito a um procedimento de dfice

    excessivo (cfr. artigo 126., n. 7, do TFUE), ao abrigo do qual foram aprovadas vriasrecomendaes por parte do Conselho, tendo-lhe sido estabelecida uma meta precisa dereduo do dfice para 2,5 % do PIB em 2015.

    Independentemente da vinculatividade ou no destas recomendaes, a verdade queelas no impem a Portugal medidas concretas e determinadas para controlo da despesapblica e/ou para reduo do dfice, antes se limitando a enunciar os objetivos ou metas,que, esses sim, devem ser obrigatoriamente cumpridos, por fora das normasindubitavelmente vinculativas da Unio Europeia, quais sejam as de direito originrio e dedireito derivado, acima citados. Dito por outras palavras, a vinculatividade do Direito daUnio Europeia neste domnio no se refere aos meios que os Estados-membros utilizampara atingir os objetivos ou as metas que lhe so impostos.

    Assim sendo, o facto de se admitir que as normas adotadas e a adotar pelo legisladornacional com vista a prosseguir os objetivos acima referidos se devem conformar com asnormas da Unio Europeia no tem consequncias do ponto de vista da aplicao dasnormas constitucionais. Pelo contrrio, num sistema constitucional multinvel, no qualinteragem vrias ordens jurdicas, as normas legislativas internas devem necessariamenteconformar-se com a Constituio (competindo ao Tribunal Constitucional, de acordo coma Constituio Portuguesa, administrar a justia em matrias jurdico-constitucionais (cfr.artigo 221. da CRP)). Alis, o prprio direito da Unio Europeia estabelece que a Uniorespeita a identidade nacional dos seus Estados-membros, refletida nas estruturas polticase constitucionais fundamentais de cada um deles (cfr. artigo 4., n. 2, do TUE).

    Sublinhe-se, por ltimo, que neste domnio no h sequer divergncia entre o Direitoda Unio Europeia e o Direito Constitucional Portugus. Efetivamente os princpiosconstitucionais da igualdade, da proporcionalidade e da proteo da confiana que tmservido de parmetro ao Tribunal Constitucional para aferir da constitucionalidade dasnormas internas relativas a matrias conexas com as que se apreciam nos presentes autosfazem parte do ncleo duro do Estado de Direito, integrando o patrimnio jurdicocomum europeu, a que a Unio tambm est vinculada.

    Dito isto, h que voltar a realar que tarefa indeclinvel do Tribunal Constitucionalportugus exercer a competncia que o artigo 221. da Constituio lhe confere.

  • 26. A medida contida no Decreto n. 262/XII da Assembleia da Repblica implicauma alterao significativa na configurao do sistema previdencial da segurana socialportuguesa, sobretudo no ponto em que determina, no seu artigo 4., sob a epgrafe[c]lculo da contribuio de sustentabilidade, uma reduo do montante de penses jem pagamento, a ttulo definitivo, e, portanto, sem qualquer perspetiva de temporalidade.

    Trata-se, por outro lado, de uma limitao do princpio do benefcio definido,enquanto princpio estruturante do modelo de formao do direito penso, depois de eleter sido legitimamente adquirido pelo seu titular.

    certo que essa medida no aparece isolada. Como j se referiu, o decreto daAssembleia institui um regime que completado por outros mecanismos, constantes dosartigos 7., 8., 10. e 11. do decreto, que pretendem estender o esforo desustentabilidade do sistema, no apenas aos seus contribuintes atuais (atravs dasalteraes marginais contribuio dos trabalhadores para os sistemas de previdnciasocial), mas ainda sociedade no seu todo (atravs das alteraes marginais taxa normaldo Imposto sobre o Valor Acrescentado). O que aparentemente poderia demonstrar apreocupao do legislador por exigncias de justia intergeracional.

    Todavia, poder dizer-se que o essencial da escolha poltica que o decreto contm secifra na fixao das taxas correspondentes contribuio de sustentabilidade fixadas noartigo 4.. E essa fixao equivale indiscutivelmente a uma medida definitiva de reduodas penses j em pagamento.

    O carter fortemente retrospetivo desta medida j foi antes salientado. Por issomesmo, salientada tambm foi a consistncia particular que no caso adquire a necessriatutela da confiana das pessoas afetadas, titulares de direitos j formados, e valorados nos termos j descritos pela Constituio.

    A intensidade com que esta confiana merece ser protegida no pode ser tida, peloDireito, como algo de meramente instrumental face defesa de certos e determinadosdireitos subjetivos. No est em causa um mero instrumento que sirva apenas para aafirmao de posies jurdicas detidas por um certo grupo da sociedade portuguesa. Estem causa, mais do que isso, o cumprimento de um princpio objetivo, decorrente deescolhas de valor que estruturam toda a ordem constitucional (artigos 2. e 63.) e, que porisso mesmo, interessam comunidade no seu todo. Nessa medida, qualquer alteraolegislativa que se pretenda introduzir no modelo previdencial portugus no pode deixar deter em conta esse elemento de ponderao, que objetivamente vincula o legislador.

    Note-se, por outro lado, que a alterao legislativa apresentada num quadro de umaacentuada incerteza. Desde logo porque a medida, em si mesma, pe em causa emtermos que sero melhor desenvolvidos adiante - o princpio da contributividade e atendencial correspetividade entre as contribuies que o beneficirio efetua e o montantede penso de que poder usufruir aps a passagem situao de reforma, o que tornaparticularmente difcil que as pessoas saibam com o que podem contar relativamente aodestino que ir ser dado s contribuies que, por imposio da lei, presentementerealizam para sustentar o sistema da previdncia social.

    27. Perante os quadros gerais do atual sistema previdencial de segurana social, que foidefinido num outro contexto histrico, e cuja subsistncia no presente momento, semqualquer modificao, poder suscitar dificuldades de sustentabilidade das finanaspblicas e do prprio sistema de penses e colocar a Repblica em situao deincumprimento perante as suas obrigaes europeias e das suas obrigaes perantegeraes futuras, no pode deixar de reconhecer-se a necessidade de uma reforma dosistema.

    O cumprimento desta necessria tarefa no tem, evidentemente, que ser levado a cabopor um s ato ou de uma s vez. , no entanto, dificilmente compreensvel que aimplementao de medidas como as previstas no Decreto da Assembleia da Repblica n.262/XII, implicando uma mitigao radical do princpio do benefcio definido e um forte

  • impacto nas posies jurdicas subjetivas dos pensionistas ainda que deva ser completadapor outras iniciativas legislativas tenha sido adotada no mbito de um procedimentoparlamentar prioritrio e urgente, de tal modo que a proposta de lei, tendo sidoapresentada ao parlamento em 12 de junho, foi aprovada na generalidade no dia 27seguinte - a que se seguiu um escasso perodo de audies pblicas que decorreram apenasdurante 21 dias -, e culminou com a aprovao final em 25 de julho.

    Poder reconhecer-se que, sendo de interesse vital para a sociedade portuguesa aresoluo do problema que o Decreto n. 262/XII procurou [aparentemente] comear asolucionar, ele mereceria um debate exigente, dificilmente compatvel com a celeridade quese imprimiu ao procedimento legislativo mas, ainda que tal acontea, o reconhecimento dodfice procedimental no pode ser objeto de censura jurdico-constitucional. Por outrolado, o Tribunal no dispe de meios que lhe permitam afirmar prima facie que olegislador no prosseguiu, ainda que atravs de um processo excessivamente clere, os finsde interesse pblico que visava realizar, nem poder pronunciar-se sobre a futuracalendarizao (e efetiva realizao) de outras iniciativas legislativas que se venham a incluirna reforma do sistema de segurana social.

    28. No restam dvidas face a todo o anterior percurso argumentativo que aescolha poltica essencial contida nos artigos 2. e 4. do Decreto n. 262/XII daAssembleia, implicando a reduo do montante de penses em pagamento, afetafortemente posies jurdicas subjetivas dotadas de intensa tutela constitucional. E ficouainda claro que a necessidade de tal tutela, determinada pelo valor de segurana jurdicacontida no artigo 2. da CRP, no igualmente satisfeita pela incerteza decorrente doregime contido nesses artigos (artigo 2. e 4).

    A questo , porm, a de saber se o Tribunal, tendo em conta a intensidade grave comque so lesadas exigncias de segurana jurdica e de tutela da confiana legtima daspessoas [na continuidade do Direito], est contudo em condies de afirmar que osdireitos e interesses tambm constitucionalmente consagrados, e invocados para justificartal leso, no prevalecem sobre os direitos e interesses sacrificados.

    Para dar resposta a esta questo o tribunal entende formular as seguintes ponderaes.29. A contribuio de sustentabilidade agora instituda como uma medida estrutural de

    reforma do sistema de segurana social - e, por isso mesmo, caracterizada como umareduo definitiva do montante de penses j atribudas - uma medida similar antigacontribuio extraordinria de solidariedade (CES) prevista no artigo 78. da Lei doOramento de Estado para 2013 (Lei n. 66-B/2012, de 31 de dezembro), e reproduzidano artigo 76. da Lei do Oramento de Estado para 2014 (Lei n. 83-C/2013, de 31 dedezembro), entretanto reformulada pela primeira alterao a essa lei (Lei n. 13/2014, de14 de maro), e que provinha j, ainda que com diferente base de incidncia quanto taxaaplicvel e ao universo dos destinatrios, das leis que aprovaram os oramentos do Estadopara 2011 e 2012 (artigos 162, n. 1, da Lei n. 55-A/2010, de 31 de dezembro, e 20., n.1, da Lei n. 64-B/2011, de 30 de dezembro).

    O Tribunal Constitucional, chamado a pronunciar-se sobre a constitucionalidade dacontribuio extraordinria de solidariedade, tal como se encontrava configurada na Lei doOramento de Estado para 2013 e no Oramento Retificativo para 2014 (Lei n. 13/2014),considerou que, em qualquer dos casos, essa era uma medida de natureza oramentaldestinada a vigorar durante um ano e revestia uma natureza excecional e transitriadiretamente relacionada com os objetivos imediatos de equilbrio oramental esustentabilidade das finanas pblicas, e apenas nesse pressuposto que legitimou a suaconformidade constitucional luz dos parmetros decorrentes do princpio da proteo daconfiana e do princpio da proporcionalidade (Acrdos n.s 187/13 e 572/14).

    A diferena especfica que pode detetar-se entre a contribuio de sustentabilidade e acontribuio extraordinria de solidariedade, para alm do j referido aspeto atinente aoseu mbito material e temporal, reside no desagravamento das taxas de reduo da penso,

  • o que levou o proponente da norma a declarar, na exposio de motivos que acompanhoua correspondente proposta de lei, que os pensionistas tero um rendimento superiorquele que resultava da aplicao da CES, recuperando, assim, substancialmente, poder decompra.

    De facto, como j foi assinalado, na contribuio de sustentabilidade, a taxa efetiva de 2% para penses at 2000, de 2% a 3,5% para penses entre 2000 e 3500, e de3,5% para penses acima de 3500, ao passo que na CES, na parte que agora interessaconsiderar (isto , nas penses de montante inferior a 11 vezes o IAS), a taxa era de 3,5%sobre as penses de valor mensal entre 1350 e 1800 (que passou a incidir posteriormentesobre penses a partir de 1000), de 3,5% a 10% sobre penses de valor mensal entre 1800,01 e 3750, e de 10% sobre as penses de valor mensal superior a 3750.

    Simplesmente, no o mero desagravamento das taxas aplicveis que transforma umamedida tpica de disciplina oramental destinada a obter no imediato uma poupana nadespesa pblica (como era o caso da CES) numa medida estrutural que vise assegurar asustentabilidade do sistema pblico de penses a mdio e longo prazo. Alm de que nadagarante que o legislador como sucedeu no passado recente relativamente CES venhaa alterar a base de incidncia da contribuio de sustentabilidade, mediante a alterao dataxa aplicvel ou do limiar mnimo a partir do qual h lugar reduo da penso.

    30. Acresce que no pela articulao de uma medida de reduo de despesa comoutras medidas paralelas de aumento de receita como o caso do adicional quotizaodos trabalhadores para os sistemas de previdncia social e do adicional taxa normal doImposto sobre o Valor Acrescentado (IVA), previstas nos artigos 7., 8. e 10. do Decreto que possvel conferir contribuio de sustentabilidade o sentido de uma medidadiretamente vocacionada para a sustentabilidade do sistema de penses.

    O aumento do IVA e das contribuies dos trabalhadores no ativo so, por natureza,medidas conjunturais que o legislador poder reverter numa qualquer outra oportunidade,de acordo com critrios econmicos que respeitem especificamente poltica tributria ou poltica de emprego, e que apenas se mantero consignadas segurana social ou CaixaGeral de Aposentaes enquanto puderem subsistir no ordenamento jurdico como fontesespecficas de financiamento do sistema. As quotizaes dos trabalhadores e as receitasfiscais legalmente previstas so expressamente mencionadas na Lei de Bases da SeguranaSocial como fontes de financiamento do sistema se segurana social (artigo 92., alneas a)e d), da Lei n. 4/2007) e no representam mais do que uma forma de ampliao dosrecursos financeiros que devam ser alocados s despesas de funcionamento da seguranasocial, possuindo, por isso, apenas, um efeito oramental.

    Por seu turno, a contribuio de sustentabilidade haveria de revestir a natureza de umamedida estrutural dirigida sustentabilidade do sistema de penses em funo dos termosem que ela prpria se encontrasse concebida e no apenas por mera associao amecanismos de diversificao de fontes de financiamento, quando certo que essadiversificao, por qualquer das formas possveis, constitui em si mesma a meraconcretizao de um princpio geral de obteno de recursos financeiros para a seguranasocial que tem expressa consagrao legal (artigo 88. da Lei de Bases da Seg