acórdão tc 474/2013 (novo modelo de requalificação dos funcionários públicos)

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  • 8/22/2019 Acrdo TC 474/2013 (Novo modelo de requalificao dos funcionrios pblicos)

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    [ TC > Jur ispr udncia > Acor dos > Acrdo 474/2013 ]

    ACRDO N. 474/2013

    Processo n. 754/13Plenrio

    Relator: Conselheiro Fernando Ventura

    Acordam, em Plenrio, no Tribunal Constitucional

    I - Relatrio

    1. O Presidente da Repblica requereu, nos termos do n. 1 do artigo 278. daConstituio, bem como do n. 1 do artigo 51. e do n. 1 do artigo 57. da Lei n. 28/82,de 15 de novembro, da Lei de Organizao, Funcionamento e Processo do TribunalConstitucional (LTC), a apreciao preventiva da constitucionalidade das seguintesnormas do Decreto n. 177/XII da Assembleia da Repblica:

    a) A norma constante do n. 2 do artigo 18., em conjugao com asegunda, terceira e quarta partes do disposto no n. 2 do artigo 4. domesmo diploma;

    b) A norma prevista no n. 1 do artigo 4. e a norma contida [n]a al neab) do artigo 47. do diploma, enquanto conjugada com a primeira e naparte em que revoga o n. 4 do artigo 88. da Lei n. 12-A/2008, de 27de fevereiro, na medida em que tornam aplicveis as normas do artigo4., com relevo para as que foram sindicadas na alnea anterior, aosfuncionrios pblicos com nomeao definitiva ao tempo de entradaem vigor desta ltima lei.

    O pedido do Presidente da Repblica do seguinte teor:

    (...)

    I. Da inobservncia do critrio da justa causa na cessao do vnculolaboral

    1

    O Decreto em exame alarga os motivos de cessao do vnculo laboraldos trabalhadores em funes pblicas, com fundamento em razesobjetivas.

    2

    De acordo com o sentido da evoluo registada na lei e najurisprudncia constitucional, resulta ser admissvel que o conceito dejusta causa na cessao do contrato de trabalho com fundamento em razes deordem objetiva seja aplicvel tanto aos trabalhadores do regime geral

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    como aos trabalhadores do setor pblico, tendo, a ttulo de exemplo, aLei n 12-A/2008 consagrado essa possibilidade para os trabalhadorescom contrato de trabalho em funes pblicas admitidos aps a suaentrada em vigor.

    3

    A mesma jurisprudncia reconhece a especificidade do estatuto deempregabilidade da funo pblica, assente numa relao entre um

    particular e o Estado adstrita satisfao das necessidades de pessoal daAdministrao para prossecuo do interesse pblico (Ac. 683/99), masadmite que (...) causas objetivas ligadas reestruturao () dos servios eorganismos pblicos podem levar compresso do estatuto jurdico dosfuncionrios pblicos sem que da resulte forosamente violada a segurana noemprego protegida constitucionalmente (Ac. 285/92).

    4

    Reconhecendo a consagrao de uma reserva constitucional em favor doestatuto especfico da funo pblica (Ac 154/2010), o Tribunal

    Constitucional no extrai desse estatuto um qualquer carcter absolutodo direito do trabalhador ao lugar, destacando que:

    a) () a nossa Constituio no afirma qualquer garantia de vitalicidade dovnculo laboral da Funo Pblica (Ac. 4/2003);

    b) () o regime de vnculos, remuneraes e carreiras da Administrao Pblicapoder restringir a segurana do emprego pblico em vista da qualidade daatividade administrativa pblica. () (Ac. n. 154/2010).

    5

    Sem embargo, os pressupostos da cessao do vnculo laboral dos

    trabalhadores em funes pblicas, fundados em razes objetivas,devem estar constitucionalmente justificados luz do conceito dejusta causa de despedimento, enunciado no artigo 53 da CRP e, nasua qualidade de restries ao direito segurana no emprego, devemsubmeter-se ao princpio do carcter restritivo das restries de direitos,liberdades e garantias dos trabalhadores, extrado dos ns 2 e 3 doartigo 18 da CRP.

    6

    Trs razes de ordem objetiva passveis de virem a justificar a cessao

    do vnculo laboral, enunciadas na segunda, terceira e quarta partes don 2 do artigo 4 do Decreto, radicam em frmulas indeterminadas queintentam habilitar, sem que estejam necessariamente reunidas garantiasde preciso e certeza normativas, bem como de salvaguarda do devidoprocesso, a colocao unilateral de trabalhadores em funes pblicasnuma situao de requalificao, da qual pode resultar, nos termos do n2 do artigo 18, a cessao do contrato de trabalho para aqueles queno reiniciem funes aps o termo dessa situao.

    7

    Tal parece ser o caso do motivo atinente reduo de oramento do rgoou servio decorrente da diminuio das transferncias do Estado ou de receitasprprias (segunda parte do n 2 do artigo 4), o qual exibe dificuldadesde enquadramento no conceito de justa causa na cessao do vnculoe de harmonia com o princpio da proporcionalidade na restrio dodireito segurana no emprego, dado que:

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    a) A cessao da relao de emprego de um trabalhador no podedepender, luz do artigo 53 da CRP, de eventos to imponderveis,ocasionais e fortuitos, como o facto de a unidade orgnica onde laborasofrer uma contrao oramental num certo e determinado ano,associado a uma simples ausncia de deciso da Administrao emreafect-lo a outros servios, volvido o perodo de 12 meses em que colocado em situao de requalificao;

    b) A relao sistemtica de factos, atos e virtuais omisses quepredicam a cessao do vnculo laboral nos termos das normasimpugnadas permite ao Estado dispor dos seus funcionrios edispens-los com um grau de liberdade que, de acordo com ajurisprudncia constitucional (Ac. n. 117/2001), dificilmentecompatvel com o conceito de justa causa, o qual exclui despedimentossustentados em motivaes injustificadas, potencialmente arbitrrias ecarentes de preciso;

    c) Parece existir, luz do princpio da proporcionalidade, um dfice dejustificao da norma, pois no possvel demonstrar, luz do n 2 do

    artigo 18 da CRP, que o princpio de boa gesto administrativa (Acn. 154/2010), que fundamentaria a dispensa de pessoal por razesoramentais num dado ano econmico, possa assumir um maior pesodo que o ncleo essencial da segurana no emprego dos trabalhadorescontratados para a prossecuo do interesse pblico;

    d) No que tange ao risco de ecloso de decises arbitrrias daAdministrao que afetem negativamente a esfera dos direitos egarantias dos trabalhadores, cumpre acrescentar que uma reduooramental aprovada para uma unidade orgnica no decurso de umdeterminado ano econmico poder ser decidida na base de

    motivaes de ordem poltica, destinadas a gerar despedimentosespecialmente orientados para determinados servios;

    e) Na verdade, as normas sindicadas no evitam que reduo dedotaes oramentais num dado ano possa corresponder, nos anossubsequentes, a reposio dos mesmos montantes e do anterior nvelde emprego sem que se verifique qualquer consequncia na vida dosque entretanto foram despedidos, deixando de ser necessria a claraidentificao das funes que se extinguem ou transitam (e que a Lei n12-A/2008 hoje acautela), bastando para o efeito a lista comparada depessoal (antes e depois da reduo oramental), o que cria uma

    diferenciao em relao s regras do Cdigo de Trabalho para asempresas que procedam a despedimentos coletivos ou extingam postosde trabalho;

    f) Por fim, em termos de uma indispensvel preciso normativa na restriode direitos, tanto o motivo mediato de cessao do vnculo laboral porrazes oramentais (assente numa mera deciso poltica), como a causaimediata dessa cessao derivada da ocorrncia de uma simplessituao no materialmente fundamentada (o no reincio dotrabalhador em funes transcorridos doze meses) sodesacompanhados de critrios objetivose seguros (Ac. n 117/2001)

    que permitam aos tribunais controlar a legalidade das condutas daAdministrao que conduzam ao despedimento, gerando um dficegarantstico lesivo do princpio da proporcionalidade.

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    Por maioria de razo, a mesma ordem de argumentos permitequestionar nas terceira e quarta partes da norma do n 2 do art. 4, arelao de cabimento no conceito de justa causa dos dois motivos decessao do vnculo laboral, radicados nas frmulas indeterminadas danecessidade de requalificao dos respetivos trabalhadores, para a sua adequaos atribuies ou objetivos definidos e de cumprimento da estratgiaestabelecida quando associadas ausncia de reincio de funes dotrabalhador em requalificao, volvido o prazo de 12 meses, dado que:

    a) As atribuies ou objetivos definidos e a estratgia estabelecida,relativamente aos quais os trabalhadores se deveriam adequar no socritrios suficientemente explcitos e determinados para nortearem adiscricionariedade da Administrao num processo de requalificaodos mesmos trabalhadores, do qual pode resultar a cessao dorespetivo contrato de trabalho;

    b) De acordo com a jurisprudncia Constitucional () o grau deexigncia de determinabilidade e preciso da lei h-de ser tal que garanta aosdestinatrios da normao um conhecimento preciso, exato e atempado dos critrios

    legais que a Administrao h-de usar (); e que fornea Administraoregras de conduta dotadas de critrios que, sem jugularem a sua liberdade deescolha, salvaguardem o ncleo essencial da garantia dos direitos (Ac. n.285/92);

    c) Ora, a textura vaga e imprecisa das normas sindicadas no lhespermite superar o teste de proporcionalidade ao qual, luz do conceitode justa causa, o n 2 do artigo 18 da CRP os submete em sede deadequao e dejusta medida;

    d) Isto, porque as mesmas disposies no fornecem um suportenormativo suficiente nem so acompanhadas por procedimentos deordem garantstica que permitam aos tribunais escrutinar, comobjetividade e certeza, a motivao dos atos da Administrao quedeterminam a ocorrncia da situao de requalificao, a comprovaoda existncia de postos de trabalho dispensveis (que passa a dependerda simples elaborao de um mapa comparativo aprovado por um actodificilmente controlvel, como um despacho) e, sobretudo, a cessaodo contrato, caso inexista um ato de reafectao.

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    Existem, assim, dvidas fundadas sobre a conformidade da norma do

    n 2 do artigo 18, em conjugao com as normas do n 2 do artigo 4do Decreto sindicado, com o conceito de justa causa (artigo 53 daCRP), e com princpio do carter restritivo das restries a direitos,liberdades e garantias (n 2 do artigo 18 da CRP).

    II. Da inobservncia do princpio da proteo da confiana

    10

    A norma nsita no n 1 do artigo 4, assim como a norma contida naalnea b) do artigo 47 do Decreto, na parte em que a mesma revoga on 4 do artigo 88 da Lei n 12-A/2008 determinam, conjugadamente,a aplicao das normas do n 2 do artigo 4 do mesmo Decreto, aostrabalhadores em funes pblicas com nomeao definitiva ao tempoda entrada em vigor daquela lei.

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    Com efeito, a norma do n 4 do artigo 88 da Lei n 12-A/2008conferiu aos referidos funcionrios pblicos com nomeao definitiva agarantia de que, pese o facto de transitarem para a modalidade decontrato por tempo indeterminado, no poderiam ser objeto dedespedimento por razes objetivas.

    12

    Sucede, porm, que as normas questionadas no apenas removem amencionada garantia consagrada no artigo 88 da Lei n 12-A/2008,como sujeitam tambm um largo espetro de trabalhadores, que nopodiam ser despedidos com fundamento em razes objetivas, a umnovo regime jurdico que permite cessar o seu vnculo laboral com basenessas razes.

    13

    Estar-se- perante uma lei nova que, aplicando a factos novos normasrestritivas de direitos, liberdades e garantias dos trabalhadores, afeta

    desfavoravelmente situaes jurdicas criadas e salvaguardadas nopassado que criaram expectativas jurdicas de estabilidade de empregoa um dado universo de trabalhadores, importando aferir, luz doprincpio da tutela da confiana, se a referida afetao retrospetiva:

    a) Foi ou no inadmissvel, por envolver uma mutao na ordemjurdica com a qual os destinatrios no poderiam contar;

    b) Foi ditada para salvaguardar outros direitos ou interessesconstitucionalmente protegidos que devam considerar-seprevalecentes.

    14No respeitante questo da admissibilidade constitucional da mutao legalpretendida, sem prejuzo da liberdade conformadora de que goza olegislador para dispor para o futuro, verifica-se no caso vertente que:

    a) Parece ser incontornvel que o Estado desenvolveu, ao longo dotempo, condutas suscetveis de gerar naqueles que, no passado,optaram pelo funcionalismo pblico, expectativas de continuidade deum quadro jurdico pautado por uma estabilidade reforada noemprego, afastando pressupostos de cessao do contrato de trabalho

    por razes objetivas;b) Esse comportamento foi, em primeiro lugar, imputvel ao legisladorque, nomeadamente, quando, por fora da Lei n 12-A/2008, admitiuo despedimento justificado em razes objetivas de trabalhadores comrelao de emprego pblico que correspondiam aos clssicosfuncionrios pblicos, excetuou do novo regime os trabalhadoresnomeados definitivamente antes da sua entrada em vigor ecircunscreveu, para os restantes trabalhadores, os motivos de cessaodo contrato, acompanhando-os de garantias substanciais e precisas;

    c) Poder at afirmar-se que a alterao introduzida pela Lei n 12-

    A/2008, no sentido de os trabalhadores com nomeao definitivatransitarem para um regime de contrato por tempo indeterminado, noteria sido poltica e constitucionalmente possvel sem a garantiaprevista no n 4 do artigo 88 da mesma Lei n 12-A/2008, j queimplicaria uma profunda mutao do quadro jurdico que sustentava a

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    relao jurdica de emprego pblico, com efeitos retroativos lesivos dedireitos e interesses juridicamente protegidos;

    d) Pelo seu lado, o prprio Tribunal Constitucional, atenta aespecificidade do estatuto constitucional da funo pblica, no spermitiu alguma consolidao da noo de maior estabilidade narelao de emprego pblico, por comparao com a relao jurdica

    privada

    [1]

    (cfr. Ac. n. 154/86. Ac. n. 285/92, Ac. n. 683/99, Ac. n.117/2001, e Ac. n. 154/2010), como tambm, a propsito da Lei n12-A/2008, no deixou de valorar a garantia expressa no n. 4 do seuartigo 88;

    e) Quanto esta ltima questo, o Tribunal Constitucional, no Ac. n.154/2010, sublinhou que se verifica uma excluso expressa do regime decessao da relao jurdica de emprego pblico e de mobilidade que, no fosse talexcluso, a esses trabalhadores seria aplicvel, constante do artigo 33. dodiploma, a se salvaguardando ser-lhes aplicvel o regime de cessao da relaojurdica de emprego pblico e de reorganizao de servios e colocao de pessoal em

    situao de mobilidade especial prprios da nomeao definitiva,f) Pode assim constatar-se que o Estado sustentou at ao presente,pela sua conduta, a salvaguarda de um contedo nuclear deestabilidade dos funcionrios pblicos nomeados definitivamente e queacederam aos seus cargos na funo pblica e nela se mantiveram no

    pressuposto da estabilidade do seu vnculo laboral

    [2]

    , tendo transitadopara um regime de contrato de trabalho por tempo indeterminado emfunes pblicas com expectativas legtimas de manuteno docontedo fundamental da garantia legal que salvaguardava essaestabilidade;

    g) As normas impugnadas, ao removerem de forma abrupta essagarantia contra o despedimento por razes objetivas e ao permitiremat a introduo de novos fundamentos mais geis de despedimentosassentes nessa ordem de razes (cuja constitucionalidade foiquestionada nos ns 1 a 9 deste requerimento), determinam umaalterao no previsvel e desfavorvel na ordem jurdica que podecolidir, luz do princpio da proteo da confiana, com expectativaslegtimas dos referidos trabalhadores, quanto subsistncia do ncleoda garantia constante do n 4 do artigo 88 da mesma Lei n 12-A/2008.

    15

    Quanto necessidade de as normas questionadas deverem, luz do n2 do artigo 18 e no respeito de um critrio de proporcionalidade,salvaguardar outros direitos ou interesses prevalecentesconstitucionalmente protegidos, cumpre referir que:

    a) No parece que as normas impugnadas se destinem a salvaguardarquaisquer outros direitos, liberdades e garantias;

    b) Podendo, em tese, o princpio da boa Administrao, j invocadopelo Tribunal Constitucional, prevalecer sobre fundadas expectativasdos trabalhadores afetados pela revogao do n 4 do artigo 88 da Lein 12-A/2008, cumpre destacar que o mesmo princpio no pode serconvocado como uma medida vazia de valor e contendo uma

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    habilitao indeterminada, importando exigir que implique umafundamentao no concreto, que permita aferir os termos em que areduo de efetivos essencial ou indispensvel para promover essaboa Administrao e at que ponto os hipotticos benefciosintroduzidos so mais valiosos do que a preservao de uma dimensonuclear da segurana jurdica dos referidos trabalhadores;

    c) essa virtual prevalncia de interesses constitucionalmente

    qualificados que levanta dvidas quanto sua existncia e pertinnciae quanto conformidade das normas em crise com o princpio da tutelade confiana.

    16

    Suscita-se, por conseguinte, a necessidade da apreciao conjugada daconformidade com o princpio da proteo de confiana (artigo 2 daCRP) da norma prevista no n 1 do artigo 4 e da norma contida daalnea b) do artigo 47 do diploma, na parte em que a mesma revoga on 4 do artigo 88 da Lei n 12- A/2008 de 27 de Fevereiro.

    II. O Pedido

    17

    Atentos os argumentos expostos, requeiro a apreciao preventiva daconstitucionalidade:

    a) Da norma constante do n 2 do artigo 18 do Decreto n 177/XII,enquanto conjugada com a segunda, terceira e quarta partes do

    disposto no n 2 do artigo 4 do mesmo diploma, na medida em que amesma, como norma restritiva de direitos, liberdades e garantias detrabalhadores em funes pblicas, afronte o conceito constitucionalde justa causa no despedimento, previsto no artigo 53 da CRP, bemcomo a dimenso de proporcionalidade do princpio do carterrestritivo das restries a esses direitos, contido no n 2 do artigo 18da CRP;

    b) Da norma constante no n 1 do artigo 4, bem como da normaprevista alnea b) do artigo 47 do mesmo Decreto, na parte em querevoga o n 4 do artigo 88 da Lei n 12-A/2008 de 27 de Fevereiro,

    com fundamento em violao do princpio da tutela da confiana nsitono artigo 2 da CRP, na medida em que impem, conjugadamente, aaplicao do n 2 do artigo 4 do mesmo Decreto, com relevo para asnormas sindicadas na alnea anterior, aos trabalhadores em funespblicas com nomeao definitiva ao tempo da entrada em vigordaquela lei.

    2. Notificada para o efeito previsto nos artigos 54. e 56., n.s 1 e 2, da LTC, aPresidente da Assembleia da Repblica respondeu, oferecendo o merecimento dos autos.

    3. Elaborado o memorando a que alude o artigo 59. da LTC e sujeito a debate,foi fixada a orientao do Tribunal. Cumpre, assim, decidir de harmonia com o que a seestabeleceu.

    4. Foram apensos por linha uma ntula explicativa sobre as questes suscitadas

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    no presente processo e um parecer de jurisconsulto, enviados ao Tribunal por iniciativado proponente da norma.

    II Fundamentao

    A) Delimitao das questes de constitucionalidade

    5. Os preceitos em que se alojam as normas cuja apreciao daconstitucionalidade vem requerida, inscritos no Decreto n. 177/XII, apresentam oseguinte teor:

    Artigo 4.

    Procedimentos

    1 Aos trabalhadores em funes pblicas de rgos e servios ousubunidades orgnicas que sejam objeto de reorganizao ou de

    racionalizao de efetivos previstos no Decreto-Lei n. 200/2006, de25 de outubro, aplicam-se os procedimentos previstos nos artigosseguintes.

    2 A racionalizao de efetivos realizada nas situaes a que serefere o n. 4 do artigo 3. e o artigo 7. do Decreto-Lei n. 200/2006,de 25 de outubro, bem como por motivos de reduo de oramento dorgo ou servio decorrente da diminuio das transferncias doOramento do Estado ou de receitas prprias, de necessidade derequalificao dos respetivos trabalhadores, para a sua adequao satribuies ou objetivos definidos, e de cumprimento da estratgia

    estabelecida, sem prejuzo da garantia de prossecuo das suasatribuies.

    Artigo 18.

    Prazo do processo de requalificao

    1 A situao de requalificao decorre durante o prazo de 12 meses,seguidos ou interpolados, aps a colocao do trabalhador nessasituao.

    2 Findo o prazo referido no nmero anterior sem que haja reincio defunes, praticado o ato de cessao do contrato de trabalho emfunes pblicas.

    3 A situao de requalificao decorre durante prazo indefinidoquando se trate de trabalhador nomeado a que se refere o artigo 10. daLei n. 12-A/2008, de 27 de fevereiro, alterada pelas Leis n.s 64-A/2008, de 31 de dezembro, 3-B/2010, de 28 de abril, 34/2010, de 2de setembro, 55-A/2010, de 31 de dezembro, 64-B/2010, de 31 dedezembro, e pelo Decreto-Lei n. 47/2013, de 5 de abril.

    Artigo 47.

    Norma revogatria

    So revogados:

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    a) (...);

    b) Os n.s 8 a 10 do artigo 33. e o n. 4 do artigo 88. da Lei n. 12-A/2008, de 27 de fevereiro, alterada pelas Leis n.s 64-A/2008, de 31de dezembro, 3-B/2010, de 28 de abril, 34/2010, de 2 de setembro,55-A/2010, de 31 de dezembro, 64-B/2010, de 31 de dezembro, epelo Decreto-Lei n. 47/2013, de 5 de abril;

    c) (...);

    d) (...).

    Tendo em ateno que se encontra em questo a norma revogatria do n. 4 do

    artigo 88. da Lei n. 12-A/2008, de 27 de fevereiro, mostra-se til, para maior perceodo contedo material que se procura afastar, enunciar tambm esse preceito:

    Artigo 88.

    Transio de modalidade de constituio da relao jurdica de

    emprego pblico por tempo indeterminado1 - (...);

    2 - (...);

    3 - (...);

    4 - Os actuais trabalhadores nomeados definitivamente que exercemfunes em condies diferentes das referidas no artigo 10. mantm osregimes de cessao da relao jurdica e de emprego pblico e dereorganizao de servios e colocao de pessoal em situao demobilidade especial prprios da nomeao definitiva e transitam, semoutras formalidades, para a modalidade de contrato por tempoindeterminado, com o contedo decorrente da presente lei.

    6. O pedido apresentado pelo Presidente da Repblica elenca duas questes deconstitucionalidade, denotando-se o propsito de conexo da sua apreciao em atenoa planos comuns.

    Essa formulao suscita, porm, algum espao de dvida sobre a exata dimensonormativa contida em cada uma das questes, o que impe, para o efeito de fixao doobjeto do pedido e dos poderes de cognio do Tribunal, esforo prvio de delimitao.

    6.1. A primeira questo de constitucionalidade formulada dirige-se a normaextrada do n. 2 do artigo 18. do Decreto n. 177/XII, na sua conjugao com asegunda, terceira e quarta partes do disposto no n. 2 do artigo 4. do mesmo diploma. Orequerente afirma a existncia de dvidas fundadas sobre a conformidade constitucionaldessa normao, face ao princpio constitucional da proibio do despedimento sem justacausa (artigo 53. da Constituio) e da proporcionalidade (artigo 18., n. 2 daConstituio), a partir do entendimento de que a norma - ou normas se considerarmosindividualmente cada um dos segmentos do n. 2 do artigo 4. referidos no pedido -

    introduz no regime dos trabalhadores com relao de emprego pblico trs novas razesde ndole objetiva, motivadoras, mesmo que mediata e incertamente, da cessao darelao jurdica de emprego pblico.

    Para tanto, o requerente considera que a relao jurdica de emprego pblico fica

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    vulnerada com a normao especificada no pedido, em termos que colocam em crise asua legitimidade constitucional, na medida em que, assentes em frmulas indeterminadas,tais razes habilitam a colocao gestionria de trabalhadores em situao derequalificao com dfice de garantia de preciso e certeza normativas, bem como desalvaguarda do devido processo. Pondera-se que, por fora do n. 2 do artigo 18. doDecreto n. 177/XII, decorrido o prazo de um ano em situao de requalificao semreincio de funes por tempo indeterminado, o contrato de trabalho em funes pblicasdo trabalhador em causa cessado pelo empregador pblico, o que convoca a apreciao

    da conformidade com a Lei Fundamental da interveno legislativa, por um lado com oconceito de justa causa no despedimento constitucionalmente acolhido e, por outro, como princpio da proporcionalidade na restrio do direito fundamental do trabalhador aoemprego.

    Assim, o problema colocado pelo requerente remete, do ponto de vista daposio jurdica afetada, para o plano da salvaguarda substantiva que deve revestir afixao pelo legislador de causas de despedimento por razes de natureza objetiva.

    Acontece que, no desenvolvimento argumentativo que se segue, o requerente

    alude, tanto aos pressupostos da colocao do trabalhador em situao de requalificao,como ao decurso do prazo de 12 meses sem reincio de funes por tempoindeterminado, que qualifica de simples situao no materialmente fundamentada(artigo 7., alneas a) e f) do requerimento), e a que se associa o ato de cessao docontrato de trabalho em funes pblicas.

    Coloca-se, ento, interrogao, no sentido de saber se o requerente interpela, nombito da primeira questo de constitucionalidade, a fixao de um prazo certo (e a suadurao) para o processo de requalificao, bem como o nexo causal estabelecido entre oseu transcurso e a cessao unilateral da relao juslaboral.

    A resposta a essas interrogaes deve ser negativa.

    Na verdade, a norma que estabelece prazo certo para o processo derequalificao, fixa a sua durao e estipula a respetiva contagem contnua ouinterpolada, encontra-se alojada no n. 1 do artigo 18. do Decreto n. 177/X, que no seencontra referido no pedido. Do mesmo jeito, tambm no se questiona a necessriaarticulao entre esse preceito e a nova redao que o diploma vem conferir ao artigo33. da Lei n. 12-A/2008, de 27 de fevereiro (artigo 37.), onde se passa a dizer no n. 5:[a] confirmao da necessidade de cessao do contrato decorre do no reincio defunes do trabalhador colocado em situao de requalificao no termo do prazo

    previsto na lei.E, decisivamente, decorre da circunscrio do pedido a trs dos quatro

    fundamentos da deciso de requalificao, que se pretendeu excluir do campo deapreciao o primeiro fundamento e a sua articulao com os n.s 1 e 2 do artigo 18. doDecreto n. 177/XII. Ou seja, no se encontra questionado o pressuposto darequalificao e, no final de uma sequncia de atos intermdios (positivos e negativos), aconsequente prolao do ato de cessao do contrato de trabalho decorridos que estejam12 meses (seguidos ou interpolados) sem reincio de funes por tempo indeterminadonas situaes de racionalizao de efetivos, previstas no n. 4 do artigo 3. e no artigo 7. doDecreto-Lei n. 200/2006, de 25 de outubro. A que se juntam, por fora do n. 1 do

    artigo 4. do Decreto n. 177/XII, tambm ausente da formulao da primeira questo deconstitucionalidade, as modalidades de reorganizao de servios, previstas no referidoDecreto-Lei n. 200/2006, de 25 de outubro.

    Assim sendo, afigura-se-nos seguro concluir que o requerente pretende ver

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    apreciada a conformidade constitucional de algunsdos pressupostos objetivos da decisogestionria de racionalizao de efetivos, na perspetiva em que comporta habilitaopara, mais tarde, decorrida uma cadeia de atos e de procedimentos correlacionais (cujanormao no se indica no pedido, destacando-se aqui o elo relativo elaborao,fundamentao e aprovao do mapa comparativo a que aludem os n.s 2 a 5 do artigo9. do Decreto n. 177/XII, a que o requerente tambm faz aluso argumentativa), vir aser proferido o ato de cessao do contrato de trabalho em funes pblicas.

    Ou seja, no se trata de questionar o regime de requalificao de trabalhadoresem funes pblicas em si mesmo, nas suas vrias componentes e mltiplos graus deafetao de posies jurdicas subjetivas que comporta, ou enquanto elemento de umprocesso de racionalizao de efetivos, mas sim, e apenas, enquanto regime predicativodo despedimento por razes objetivas, que adquire novas componentes na relao jurdica deemprego pblico com a normao apontada na primeira questo de constitucionalidade.

    6.2. A segunda questo de constitucionalidade dirige-se primacialmente aombito de aplicao subjetiva do regime que se procura instituir. Interpela a suaaplicao a todos os abrangidos pela norma de salvaguarda do n. 4 do artigo 88. da Lei

    n. 12-A/2008, de 27 de fevereiro, nos termos da qual os sujeitos de relao de empregopblico, cujo estatuto decorria da titularidade de vnculo de nomeao definitiva nomomento da entrada em vigor daquele diploma, transitaram ope legis para vnculocontratual, pese embora mantendo duas componentes essenciais estatutrias: os regimesde cessao da relao laboral e de reorganizao e colocao em mobilidade especial.

    A sua formulao incorpora a expresso com relevo para as que foramsindicadas na alnea anterior, o que aponta no sentido de que o requerente considera,singularizando esses trabalhadores, o mesmo ponto de vista da primeira questo. Porm,o seu alcance objetivo mais vasto. A pretenso de controlo formulada dirigida, noapenas a parte do n. 2 do artigo 4. do Decreto n. 177/XII, mas igualmente ao n. 1 e a

    todo o n. 2, o que significa que se pretende ver sindicadas todasas razes objetivas quepodem conduzir a cessao da relao de emprego pblico desse conjunto detrabalhadores.

    Nesses termos, e novamente, a afronta ao princpio da tutela da confianalegtima, nsito no artigo 2. da Constituio, encontra-se referida expectativa desegurana e estabilidade do emprego, e suscetibilidade de cessao da relao jurdicade emprego pblico, na sequncia de colocao em situao de requalificao, quepermanece vedada para os trabalhadores com vnculo de nomeao definitiva.

    No se trata, nem o requerente argumenta por qualquer forma nesse sentido, dever apreciada a sujeio desses trabalhadores ao regime de requalificao, na parte emque tambm aplicvel aos trabalhadores com vnculo de nomeao definitiva (cfr. n. 3do artigo 18. do Decreto n. 177/XII).

    Feito este percurso, verificamos que as duas questes colocadas encontramidentidade no seu ncleo essencial, a saber, o alargamento trazido pelo Decreto n.177/XII dos motivos de cessao do vnculo contratual de emprego pblico decorrentede razes objetivas: primeiro, na sua compatibilidade com o conceito constitucional dejusta causa e com o teste da proporcionalidade imposto pelo n. 2 do artigo 18. daConstituio; depois, na sua aplicabilidade aos trabalhadores cujo vnculo de nomeao

    definitiva foi convertido em vnculo contratual pela Lei n. 12-A/2008, de 27 defevereiro, perante o princpio da tutela da confiana legtima.

    B) Enquadramento das normas questionadas

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    7. Para cabal compreenso do mbito e alcance da normao questionada, foroso proceder a uma viso mais geral do diploma e do quadro legislativo em que seinscreve.

    7.1. O primeiro dos diplomas relevantes para esse efeito corresponde ao Decreto-Lei n. 200/2006, de 25 de outubro, a que j fizemos referncia, pelo qual se estabeleceo regime geral relativo extino, fuso e restruturao de servios da AdministraoPblica e racionalizao de efetivos, aplicvel a todos os servios da administrao

    direta e indireta do Estado, com exceo das entidades pblicas empresariais e serviosperifricos externos do Estado (n. 1 do artigo 2.). A sua teleologia encontra-se nasubstituio e sistematizao das regras e procedimentos que se encontravam dispersospor dois diplomas as Leis n.s 3/2004, de 15 de janeiro, e 4/2004, de 15 de janeiro etambm em acrescentar-lhes uma nova valncia, dirigida especificamente intervenono plano da organizao e gesto de recursos humanos da Administrao Pblica: oprocedimento de racionalizao de efetivos.

    Nos termos do seu artigo 3., a extino e fuso de servios exige a prolao dediploma prprio, e implica, respetivamente, a cessao, sem transferncia de atribuies

    e competncia, e a transferncia total das atribuies e competncias de um ou maisservios, que se extinguem, para um ou mais servios existentes ou a criar (n.s 1 e 2).Por seu turno, a reestruturao de servios tem lugar por determinao de ato prprio,tendo, porm, como pressuposto, a reorganizao de servios, por efeito de alterao dasua natureza jurdica ou das suas atribuies, competncias ou estrutura orgnica interna(n. 3). Encontra-se, assim, em comum aos referidos campos de atuao, a intervenono plano orgnico e funcional, surgindo o plano da gesto de recursos humanos onmero de postos de trabalho a manter e a sua distribuio - como vertente necessria,mas secundria, da reorganizao operada pela extino ou fuso do rgo ou servio, oude modificaes estruturais na sua conformao estatutria e definio de atribuies ecompetncias. Pode bem acontecer que a lgica organizativa que preside ao impulso dereorganizao no tenha na sua base a identificao e avaliao de redundncias ouentropias nos recursos humanos, geradoras de ineficincias, resultando, por exemplo, depolticas pblicas de parceria em sectores antes assegurados pela Administrao Pblica.

    Diferentemente, a racionalizao de efetivos dirige-se primariamente maximizao gestionria dos recursos humanos, como resposta corretiva de quadrosdisfuncionais em rgo ou servios cuja estrutura e misso no sofre modificaes. Tomacomo pressuposto o desajustamento do rgo ou servio para a prossecuo das suasatribuies e competncias, desajustamento que apresenta nexo causal com os meioshumanos que tem ao seu dispor. Finalmente, estabelece procedimentos destinados, num

    primeiro momento, avaliao dessa distonia e, em seguida, interveno adequadorados efetivos aos objetivos, atribuies, atividades e necessidades de funcionamento doservio.

    Importa ainda referir que, distintamente das restantes modalidades dereorganizao de rgos ou servios previstas no artigo 1. do Decreto-Lei n 200/2006,de 25 de outubro, que se iniciam com o diploma que determina a extino oureestruturao, ou com a entrada em vigor do diploma orgnico do servio integrador emcaso de fuso, o procedimento de racionalizao de efetivos depende de decisofundamentada em avaliao prvia.

    Com efeito, nos termos do n. 4 do artigo 3. do Decreto-Lei n. 200/2006, de 25de outubro, a racionalizao de efetivos ocorre quando, por deciso do dirigente mximodo servio ou do membro do Governo de que dependa, se procede a alteraes no seunmero ou nas carreiras ou reas funcionais dos recursos humanos necessrios aoadequado funcionamento de um servio, necessariamente precedida de processo de

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    avaliao e atravs de ato motivado, impondo-se a demonstrao de que o pessoal afetoao servio desajustado face s suas necessidades permanentes ou prossecuo deobjetivos. Adicionalmente, no n. 3 do artigo 7., o legislador admite que essafundamentao seja feita por referncia a concluses e recomendaes de relatrios deauditoria ou de estudos de avaliao organizacional ou em resultado de aes deracionalizao e simplificao administrativas, o que denota a preocupao de fazerrevestir tal deciso de densidade tcnico-gestionria e assim informar adequado controlode legalidade.

    Qualquer das modalidades operativas de reorganizao da Administrao Pblicasuprareferidas e que continuam em vigor extino, fuso, reestruturao de servios eracionalizao de efetivos - permite expressamente a colocao de trabalhadores emsituao de mobilidade especial (artigos 4., n. 1, 5., n. 1, 6., n. 1 e 7., n. 1 doDecreto-Lei n. 200/2006, de 25 de outubro).

    7.2. O regime contido no Decreto n. 177/XII procura substituir inteiramente oregime da mobilidade especial, incluindo, como se disse, no campo de ao delimitadopelo Decreto-Lei n. 200/2006, de 25 de outubro.

    O regime da mobilidade especial encontra-se presentemente na Lei n. 53/2006,de 7 de dezembro (alterada pelas Leis n.s. 11/2008, de 20 de fevereiro, 64-A/2008, de31 de dezembro, e 64-B/2011, de 30 de dezembro), complementada por outros diplomassectoriais. Nos termos do seu n. 2, aplica-se a todos os servios da administrao diretae indireta (com excluso das entidades pblicas empresariais, o que tambm acontececom o Decreto-Lei n. 200/2006, de 25 de outubro), aos servios perifricos do Estado(apenas na mobilidade geral) e aos servios das administraes regionais e autrquica(diretamente quanto ao reincio de funes de trabalhadores colocados em situao demobilidade especial e atravs de diplomas de adaptao, constantes na Regio Autnomada Madeira, do Decreto Legislativo Regional n. 9/2008/M, de 27 de maro, na Regio

    Autnoma dos Aores, do Decreto Legislativo Regional n. 27/2012/M, de 3 desetembro, e para as autarquias locais, do Decreto-Lei n. 209/2009, de 3 de setembro).

    Contempla, nos seus artigos 11. e seguintes, a colocao de trabalhadores emsituao de mobilidade especial, nas mesmas modalidades de reorganizao de serviosprevistas no Decreto-Lei n. 200/2006, de 25 de outubro: extino, fuso ereestruturao de servios e racionalizao de efetivos. Porm, o seu mbito objetivopode comportar subunidades orgnicas que se integrem em servio ou dele dependam,estabelecimentos pblicos perifricos sem personalidade jurdica e, em caso deracionalizao de efetivos, os recursos humanos integrados no mesmo grupo de pessoal,

    na mesma carreira ou na mesma rea funcional.A fuso e a reestruturao de servios implicam, de acordo com os artigos 13. e

    14. da Lei n. 53/2006, de 7 de dezembro, a fixao em diploma de critrios gerais eabstratos de seleo do pessoal necessrio prossecuo das atribuies ou ao exercciodas competncias, aplicando-se a segunda, tanto aos casos em que no ocorretransferncia de atribuies ou competncias (artigo 14., n.s 2 a 6), como quando temlugar a transferncia de atribuies ou competncias para servios diferentes (artigo 14.,n.s 7 a 14). Segue-se a elaborao pelo dirigente mximo (do servio integrador em casode fuso, ouvido o dirigente mximo do servio extinto) de duas listas e um mapa: i) listade atividades e procedimentos que devem ser assegurados para a prossecuo e oexerccio de atribuies e competncias a transferir para a realizao de objetivos, emconformidade com as disponibilidades oramentais existentes; ii) lista de postos detrabalho necessrios para assegurar as atividades e procedimentos na lista anterior, porsubunidade orgnica ou estabelecimento pblico perifrico sem personalidade jurdica,quando se justifique, identificando a carreira e as reas funcional, habilitacional e

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    geogrfica, quando necessrias, com a respetiva fundamentao e em conformidade comas disponibilidades oramentais existentes; iii) mapa comparativo entre o nmero deefetivos existentes no servio extinto ou reestruturado e o nmero de postos de trabalhoindicados na segunda lista como necessrios. Essas listas e mapa so apresentados, paraaprovao, ao membro do Governo de que dependa o servio (servio integrador no casode fuso), bem como aos membros do Governo responsveis pelas finanas e pelaAdministrao Pblica.

    A racionalizao de efetivos, por seu turno, rege-se pelo disposto no artigo 15.da Lei n. 53/2006, de 7 de dezembro. Inicia-se com deciso de racionalizao deefetivos, a que se segue a elaborao pelo dirigente mximo dos servios de listas e mapacomparativo de contedo similar ao que decorre do diploma para as situaes deextino, fuso ou reestruturao de servios, igualmente sujeitos a aprovao pelomembro do Governo de que dependa o servio, bem como pelos membros do Governoresponsveis pelas finanas e pela Administrao Pblica. Quando o nmero de postosde trabalho seja inferior aos efetivos existentes, h lugar colocao de pessoal emsituao de mobilidade (n. 4 do artigo 15.), caso em que a aprovao das listas e mapaequivale ao reconhecimento de que o pessoal que est afeto ao servio desajustado face

    s suas necessidades permanentes ou prossecuo de objetivos (n. 6 do artigo 15.).Da conjugao desses preceitos resulta que, em bom rigor, a deciso de

    racionalizao de efetivos no constitui o ato que determina a reduo de pessoal equantifica a colocao de trabalhadores em situao de mobilidade especial. Esse sentidomaterial da deciso gestionria primria s se concretiza aps a elaborao e aprovaodo mapa comparativo. Pode acontecer, embora se admita que o regime no se encontrapensado para essa situao, que da elaborao desse mapa comparativo resulte que onmero de trabalhadores em funes no exceda o determinado pelas necessidadespermanentes ou o mnimo indispensvel para assegurar a prossecuo de objetivos; o quetambm acontece com o procedimento de reestruturao, pois tambm nesses casos acolocao de pessoal em regime de mobilidade especial tem como requisito que onmero de efetivos existentes no servio seja desajustado, por excesso (n. 4 do artigo14.).

    A Lei n. 53/2006, de 7 de dezembro, estabelece igualmente os mtodos ecritrios de seleo dos trabalhadores a reafetar ou colocar em situao de mobilidadeespecial, em termos comuns a todas as modalidades de reorganizao de servios,podendo haver recurso a avaliao de desempenho ou a avaliao profissional de acordocom critrio fixado pelo legislador.

    O trajeto que acabamos de fazer pelas principais caractersticas do sistemacomposto pelo Decreto-Lei n. 200/2006, de 25 de outubro, e pela Lei n. 53/2006, de 7de dezembro, permite concluir que a Administrao Pblica dispe hoje de vriosinstrumentos de organizao e alocao racional dos trabalhadores em funes pblicas,seja por interveno reformadora, seja por imperativos de reao corretiva dedesajustamento funcional de recursos humanos, e que podem envolver modificaesprofundas da relao jurdica de emprego pblico, no plano dos sujeitos - mudana doente pblico empregador - e do objeto afastamento do posto de trabalho, colocao,primeiro, em situao de inatividade e depois a sua reafetao a outro lugar.

    Nessas fases, que o legislador da Lei n. 53/2006, de 7 de dezembro, configuracomo componentes do processo de enquadramento do pessoal em situao de mobilidadeespecial, encontra-se uma primeira fase de transio, durante 60 dias, em que o trabalhadormantm a remunerao base mensal, a que se segue uma fase de requalif icao, durante oprazo de 10 meses, seguidos ou interpolados, destinada a reforar as capacidadesprofissionais do trabalhador e criar melhores condio de empregabilidadee de reincio de

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    funes, durante a qual o trabalhador sofre a reduo da sua remunerao para doisteros da remunerao base mensal. A terceira e ltima fase, denominada fase decompensao, decorre aps o decurso do prazo da fase de requalificao, prolongando-sepor tempo indeterminado at que ocorra o reincio de funes em qualquer servio portempo indeterminado, aposentao, desvinculao ou pena disciplinar expulsiva. Aremunerao reduz-se, durante toda esta fase de compensao, para metade daremunerao base mensal (no podendo, em qualquer caso, ser inferior ao salrio mnimonacional), pese embora seja permitido ao trabalhador acumular esse rendimento com a

    remunerao auferida noutra atividade profissional.

    Como afirma Ana Fernanda Neves, embora essas contingnciasou vicissitudes noponham em causa a subsistncia da relao jurdica de emprego pblico, situam-se j forada dinmica regular da relao de emprego (cfr. O Direito da Funo Pblica, Tratado deDireito Administrativo Especial, Vol. IV, 2010, pg. 492) e comportam afetaoimportante de posies jurdicas subjetivas no mbito de relao juslaboral.

    7.3. O enquadramento do regime em vigor no fica completo, no campovalorativo relevante para o pedido em apreo, sem referncia s Leis n.s 23/2004, de 22

    de junho, 12-A/2008, de 27 de fevereiro e 59/2008, de 11 de setembro.7.3.1.A Lei n. 23/2004, de 22 de junho, aprovou o regime jurdico do Contrato

    Individual de Trabalho na Administrao Pblica, consentindo a utilizao generalizadado contrato de trabalho por tempo indeterminado para atividades que no impliquem oexerccio de poderes de autoridade ou funes de soberania, podendo a entidade pblicaempregadora, fora desses domnios, recorrer modalidade contratual de constituio darelao laboral em alternativa de nomeao ou ao contrato administrativo deprovimento (cfr. Vera Antunes, O Contrato de Trabalho na Administrao Pblica, 2010, pg.200). Acolheram-se, assim, na Administrao Pblica vnculos laborais at a especficosdo contrato de trabalho de natureza privada, sem conferir aos trabalhadores contratados

    a condio defuncionrio ou agente administrativo. Como referiu Ana Fernanda Neves, abriucaminho substituio da figura arquetpica do funcionrio pblico dada pelo regime denomeao (cfr. O Contrato de Trabalho na Administrao Pblica, in Estudos emHomenagem ao Professor Doutor Marcello Caetano, 2006, vol. I, pg. 126) e acentuou omovimento de atrao da relao de emprego pblico pelo regime laboral privado, deacordo com dinmica de interseo de regimes que h muito se vinha sentindo (cfr. Mariado Rosrio Ramalho, Interseco entre o Regime da Funo Pblica e o Regime Laboral, Estudosde Direito do Trabalho, vol. I, 2003, pgs. 69 e segs.; Cludia Viana, A Laboralizao doDireito da Funo Pblica, Sciencia Iuridica, Tomo LI, 2002, pgs. 81 e segs.; e AnaFernanda Neves, Os Desassossegos de Regime da Funo Pblica, Revista da Faculdade de

    Direito de Lisboa, 2000, pg. 49 e segs.). Movimento este que encontrou manifestaesnoutros pases europeus com estrutura de emprego pblico similar (cfr. Paulo Veiga eMoura, A privatizao da funo pblica, 2004, pgs. 334 e segs. e Vera Antunes, ob. cit.,pg. 59).

    Encontrou-se nesse regime a previso de causas de cessao do contrato detrabalho por razes objetivas, o que j era reclamado como necessrio, de forma acontrariar um sentimento exagerado de estabilidade, que pode ter efeitos perversossobre a rentabilidade e produtividade dos funcionrios e agentes (Paulo Veiga e Moura,ob. cit., pg. 418). Acolheu-se o despedimento por reduo de atividade, nas modalidadesde despedimento coletivo e por extino de posto de trabalho, com remissoprocedimental para o Cdigo do Trabalho. Os pressupostos substantivos de tais causasde cessao estabeleceram que as pessoas coletivas pblicas podiam promover odespedimento coletivo ou a extino de postos de trabalho por razes de economia,eficcia e eficincia na prossecuo das respetivas atribuies quando ocorresse cessao

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    parcial da atividade da pessoa coletiva pblica determinada nos termos da lei (artigo18.).

    Esse regime de cessao encontrou articulao com o disposto na Lei n.53/2006, de 7 de dezembro, atravs da Lei n. 11/2008, de 20 de fevereiro. Os seusartigos 2. e 3. definem, respetivamente, um regime transitrio e a aplicao do regimede mobilidade especial a trabalhadores pblicos com contrato individual de trabalho.Assim, a identificao dos trabalhadores da Administrao Pblica vinculados por

    contrato individual de trabalho a termo indeterminado que deva cessar por despedimentocoletivo ou por despedimento por extino do posto de trabalho passou a operar-se nostermos da referida Lei n. 53/2006, de 7 de dezembro, aplicando-se, a partir dessaidentificao, os restantes procedimentos previstos no Cdigo do Trabalho. Noobstante, o trabalhador pblico em regime de contrato individual de trabalho passou a sernotificado para, querendo, ser colocado em regime de mobilidade especial pelo prazo deum ano. Caso no o solicitasse, ou decorrido o prazo de um ano sem reincio de funespor tempo indeterminado, estipulou-se a prtica do ato de cessao do contrato. Nostermos do n. 7 do artigo 3. da Lei n. 11/2008, de 20 de fevereiro, estipulou-se aindaque a inexistncia de alternativa cessao do contrato ou de outros postos de trabalho

    compatveis com a categoria ou com a qualificao profissional do trabalhador, seriajustificada, para os efeitos previstos no Cdigo do Trabalho atravs de declarao emitidapela entidade gestora da mobilidade.

    Como veremos adiante, embora a Lei n. 23/2004, de 22 de junho, tenha sidoobjeto de revogao, persistem em vigor algumas das suas disposies, precisamente nodomnio da cessao do contrato individual de trabalho.

    7.3.2. Em 2008, publicada a Lei n. 12-A/2008, de 27 de fevereiro, que definee regula os regimes de vinculao, de carreiras e de remuneraes dos trabalhadores queexercem funes pblicas (retificada pela declarao n. 22-A/2008, de 24 de abril e

    alterada pelas Leis n.s 64-A/2008, de 31 de dezembro, 3-B/2010, de 28 de abril,34/2010, de 2 de Setembro, 55-A/2010, de 31 de dezembro, 64-B/2011, de 30 dedezembro, 66/2012, de 31 de dezembro, e 66-B/2012, de 31 de dezembro, e peloDecreto-Lei n. 47/2013, de 5 de abril).

    Esse diploma abandona na sua terminologia as noes de funcionrio e de agenteadministrativo (que no mais so utilizadas e permanecem hoje como definiesconceptuais) e afasta a nomeao como regime-regra da constituio da relao deemprego pblico, colocando nesse lugar o contrato de trabalho. Deu dessa forma novoimpulso ao movimento de laboralizao da relao de emprego pblico, mesmo que

    continuando relao laboral especfica, apenas aplicvel na Administrao Pblica (cfr.Alda Martins, A laboralizao da funo pblica e o direito constitucional segurana no emprego,Julgar, n. 7, 2009, pg. 169). A constituio do vnculo de nomeao passou a serreservada aos trabalhadores cuja carreira esteja diretamente adstrita ao exerccio depoderes de autoridade ou de soberania, i.e., ao que j se designou de ncleo duro da funopblica (cfr. Paulo Veiga e Moura e Ctia Arrimar, Os Novos Regimes de Carreiras e deRemuneraes dos Trabalhadores da Funo Pblica, 2010, pg. 57 e Miguel Lucas Pires, OsRegimes de Vinculao e a Extino das Relaes Jurdicas dos Trabalhadores da AdministraoPblica, 2013, pg. 57).

    Entre a modificao profunda que se operou nas relaes de emprego pblico,cabe aqui atentar particularmente no disposto no artigo 33. da Lei n. 12-A/2008, de 27de fevereiro (cuja redao o Decreto n. 177/XII altera profundamente no seu artigo37.). Nos n.s 3 a 8 do artigo 33. da Lei n. 12-A/2008, de 27 de fevereiro, em simetriacom a supra referida Lei n. 11/2008, de 20 de fevereiro, estipula-se que quando ocontrato por termo indeterminado deva cessar por despedimento coletivo ou por

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    despedimento por extino de posto de trabalho, e uma vez identificados ostrabalhadores, de acordo com os procedimentos previstos na lei em caso dereorganizao de servio, o trabalhador notificado para informar se deseja ser colocadoem situao de mobilidade especial pelo prazo de um ano (n. 5). Na ausncia demanifestao de vontade nesse sentido, ou decorrido o prazo de um ano sem reincio defunes, praticado o ato de cessao do contrato (n.s 6 e 8). Novamente, a certificaoda inexistncia de alternativas cessao do contrato ou de outros postos de trabalhocompatveis com a categoria ou com a qualificao profissional do trabalhador feita

    atravs de declarao justificativa emitida pela entidade gestora da mobilidade (n. 10).

    7.3.3. O quadro normativo dessa alterao de paradigma completa-se mesesdepois, com a publicao da Lei n. 59/2008, de 11 de setembro, que aprovou o Regimedo Contrato de Trabalho em Funes Pblicas, com aproximao ainda mais marcada aoregime do Cdigo do Trabalho, mesmo que convivendo com a qualificao dessa relaode trabalho subordinado como de natureza administrativa (artigo 9., n. 3).

    Pese embora esse diploma no contenha disposies similares ou aproximadas sque se encontram no Cdigo de Trabalho para o despedimento coletivo e por extino de

    posto de trabalho, importa referir que os artigos 7. e 18., alnea f) do diploma,mantiveram em vigor os artigos 16., 17. e 18. (o n. 1, pois o n. 2 havia sido revogado)da Lei n. 23/2004, de 22 de junho (revogando essa Lei em todas as outras disposies),estipulando a sua aplicao excecional em caso de reorganizao de rgo ou servio,sendo a racionalizao de efetivos determinada, sob proposta do dirigente mximo doservio, por despacho conjunto dos membros do Governo da tutela e da AdministraoPblica (n. 2 do artigo 7.).

    Esses fundamentos de cessao da relao de emprego pblico aplicam-se apenasaos trabalhadores com vnculo contratual por tempo indeterminado, com exceo, porfora da salvaguarda decorrente do n. 4 do artigo 88. da Lei n. 12-A/2008, de 27 de

    fevereiro, a que fizemos referncia supra, dos titulares de relao de emprego pblico comestatuto correspondente ao vnculo de nomeao definitiva no momento da entrada emvigor daquele diploma.

    7.4. O Decreto n. 177/XII tem na sua origem a Proposta de Lei n. 154/XII/2,em cuja exposio de motivos encontramos enunciado o propsito de ultrapassardificuldades e resistncia aplicao da Lei n. 53/2006, de 7 de dezembro, que seassocia complexidade dos mecanismos previstos na referida lei e ao diminuto contributoque a mesma deu aos processos de reforma e de racionalizao da AdministraoPblica, impedindo que funcionem como catalisadores privilegiados dos processos de

    reforma e racionalizao atualmente impostos s Administraes Pblicas.A exposio de motivos da Proposta de Lei n. 155/XII/2 refere igualmente o

    Memorando de Entendimento sobre as Condicionantes da Poltica Econmica celebradoentre o Estado Portugus e a Comisso Europeia, o Banco Central Europeu e o FundoMonetrio Internacional. Esse documento, na sua 7 atualizao, datada de maio de2013, passou a prever a reviso da lei de mobilidade especial, no sentido da suasimplificao, reduo superior ao longo do tempo da remunerao dos trabalhadores quese encontrem nessa situao e a sua durao (no idioma oficial: to adress thecompensation that would be set to decline further over time and its duration), bemcomo a aplicao do regime a professores e profissionais de sade (cfr. Ponto 3.32,documento acessvel emwww.portugal.gov.pt).

    No que interessa especialmente s questes colocadas pelo requerente cujoponto focal, repete-se, reside nas alteraes do regime de cessao da relao jurdica deemprego pblico aponta-se como fator crtico do sistema de mobilidade especial a

    http://www.portugal.gov.pt/
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    ausncia de limite temporal mximo para o reincio de funo, o que leva em muitoscasos a que os trabalhadores permaneam nessa situao durante vrios anos, muitasvezes at ocorrncia da aposentao ou reforma, sem qualquer tipo de ligao ou deapelo para o regresso ao exerccio de funes na Administrao Pblica.

    Apresenta-se, ento, o novo regime como uma mudana de paradigma, capazde proteger de forma mais intensa o seu direito fundamental ao trabalho, sem nunca prem causa o seu direito fundamental segurana no emprego, no sem invocar o

    reconhecimento pela jurisprudncia constitucional de que quando estejam envolvidascausas objetivas ligadas reestruturao e racionalizao dos servios e organismospblicos (desde logo, por razes de dificuldades financeiras do Estado) pode levar compresso do estatuto jurdico dos trabalhadores em funes pblicas sem que resulteviolada a segurana no emprego protegida constitucionalmente.

    Releva ainda, no que diz respeito aos pressupostos objetivos de aplicao doregime, a inteno de harmonizao das regras aplicveis no mbito dos diferentesprocedimentos de reorganizao abrangidos pelo Decreto-Lei n. 200/2006, de 25 deoutubro, incluindo um reforo dos motivos oramental e econmico para efeitos de

    fundamento para o incio de procedimentos de reorganizao e aplicao do sistema derequalificao.

    7.5. O Decreto em apreo comporta mbito objetivo transversal, abarcandotodos os rgos e servios da administrao direta e indireta do Estado, as instituies deensino superior pblicas, os servios de administrao autrquica e os rgos e serviosda administrao regional, estes com adaptao por diploma prprio (artigo 3.).

    Tambm o seu mbito de aplicao subjetiva vasto, abrangendo todos ostrabalhadores que exeram funes pblicas, independentemente da modalidade daconstituio da relao de emprego pblico ao abrigo da qual exercem funes, incluindo

    os trabalhadores cujo regime aplicvel conste de lei especial. Apenas os trabalhadoresque j haviam visto ser-lhes excluda a aplicao da Lei n. 12-A/2008, de 27 defevereiro militares das Foras Armadas e da Guarda Nacional Republicana seencontram igualmente excecionados da aplicao do diploma (artigo 2., n.s 1 e 2).

    No elenco dos fundamentos da deciso inicial do processo de requalificao,constantes do artigo 4., encontramos remisso para o quadro de aplicao do Decreto-Lei n. 200/2006, de 25 de outubro. Refere-se, no n. 1, a reorganizao de rgos,servios ou subunidades orgnicas (categoria que, como se viu, abrange naquele diplomaquatro modalidades), que se coloca a par da racionalizao de efetivos . Por seu turno, no

    n. 2, estipula-se, quanto racionalizao de efetivos, agora como modalidade do sistemade requalificao, que se pode realizar no quadro de aplicao definido pelo referidoDecreto-Lei n. 4 do artigo 3. e artigo 7. - ou seja, aps reconhecimento, em actofundamentado, na sequncia de processo de avaliao, de que o pessoal que () estafecto [a um servio] desajustado face s suas necessidades permanentes ou prossecuo de objectivos, e junta-se-lhe trs novos fundamentos (cuja fiscalizao daconstitucionalidade se peticiona): i) reduo de oramento do rgo ou serviodecorrente da diminuio de transferncias do Oramento do Estado ou de receitasprprias; ii) necessidade de requalificao dos respetivos trabalhadores, para a suaadequao s atribuies ou objetivos definidos; e iii) cumprimento da estratgiaestabelecida.

    Seguem-se regras atinentes mobilidade voluntria, em caso de extino do rgoou servio (artigo 5.), situao de trabalhadores em situao transitria e em situaode licena (artigos 6. e 7.) e estipulao de critrios gerais e abstratos de identificaode trabalhadores a reafetar em caso de fuso ou de reestruturao com transferncia de

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    atribuies ou competncias (artigo 8.).

    Uma vez iniciado o procedimento, o dirigente mximo do servio elabora ummapa comparativo entre o nmero de efetivos existentes no rgo ou servio e o nmerode postos de trabalho necessrios para assegurar a prossecuo e o exerccio dasatribuies e competncias e para a realizao de objetivos (n. 2 do artigo 9.), o que definido de forma fundamentada e em conformidade com as disponibilidadesoramentais existentes (n. 3 do artigo 9.). Esse mapa aprovado nos mesmos termos

    do mapa de pessoal (ou seja, nos termos do artigo 5. da Lei n. 12-A/2008, de 27 defevereiro) e, em caso de excesso de nmero de trabalhadores em funes, determinaprioritariamente a cessao das relaes jurdicas constitudas por tempo determinado oudeterminvel de que o rgo ou servio no carea (n. 9 do artigo 9.) e, se tal no forsuficiente, a colocao de trabalhadores com relaes jurdicas por tempo indeterminadoem situao de requalificao (n. 8 do artigo 9.).

    De acordo com o n. 6 do artigo 13., no procedimento em caso de racionalizaode efetivos a aprovao pelos membros do Governo competentes dos mapas atrsreferidos equivale ao reconhecimento de que os trabalhadores que esto afetos ao

    servio so desajustados face s suas necessidades permanentes ou prossecuo deobjetivos. Cabe notar que j se encontra no n. 5 do artigo 5. da Lei n. 12-A/2008, de27 de fevereiro, previso de que a alterao dos mapas de pessoal que implique reduode postos de trabalho se fundamenta em reorganizao do rgo ou servio, suscetvel defiscalizao judicial pela jurisdio administrativa (cfr. Acrdo do Supremo TribunalAdministrativo de 25 de Janeiro de 2011, Processo n. 538/10, proferido em processo emque estavam em causa trabalhadores colocados em mobilidade especial, acessvel emwww.dgsi.pt. Crtico quando a essa norma, que considera demasiado vaga e imprecisa,cfr. Miguel Lucas Pires, ob. cit., pgs. 124 e 125).

    Os mtodos de seleo e a sua aplicao encontram-se previstos nos artigos 10.

    a 12. do Decreto, podendo envolver, por deciso do dirigente responsvel peloprocedimento, a avaliao de desempenho ou a avaliao de competncias profissionaise, concluda essa escolha dos trabalhadores afetados, bem como ultrapassadoprocedimento prvio (artigo 13.), segue-se a colocao dos trabalhadores sempossibilidade (imediata) de recolocao em situao de requalificao, atravs de listanominativa a publicar em Dirio da Repblica (artigo 15.).

    O processo de requalificao envolve a frequncia de programa de formaodirigido promoo e ao reforo das suas competncias profissionais, que se estipulaindividualizado e orientado profissionalmente, a cargo de uma entidade gestora qual o

    trabalhador afeto - a Direo-Geral da Qualificao dos Trabalhadores em FunesPblica (INA) e a que o legislador comete a tarefa central de acompanhamento e dedinamizao do processo relativo aos trabalhadores em situao de requalificao (artigo17.).

    Durante esse processo, o trabalhador em requalificao goza de preferncias e deprioridades de vria ordem no recrutamento e na oposio a concursos, mantendo-se adecorrente da alnea d) do n. 1 do artigo 54. e do n. 7 do artigo 106. da Lei n. 12-A/2008, de 27 de fevereiro (artigo 24.).

    O trabalhador em requalificao mantm o direito remunerao durante o

    respetivo perodo, a subsdios de Natal e de frias, a frias e licenas, proteo social,sendo o tempo de permanncia nessa situao considerado para efeitos de aposentaoou reforma e bem assim para efeitos de antiguidade no exerccio de funes pblicas.Sofre, no entanto, e desde logo com a colocao na situao de requalificao, reduoda remunerao para 66,7% da remunerao base e durante os primeiros seis meses, que

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    passa a ser reduzida para metade da remunerao base ultrapassado esse prazo. Como namobilidade especial, a remunerao no pode ser inferior retribuio mnima mensalgarantida e admite-se, nos termos da lei e dispensando autorizao, que o trabalhadorexera outra atividade remunerada (artigos 19. e 22.).

    No plano dos deveres, para alm daqueles inerentes condio de trabalhador emfunes pblicas, inscreve-se agora a oposio obrigatria a postos de trabalhos objeto derecrutamento em categoria no inferior e com respeito das regras de aplicao de

    mobilidade funcional pertinentes, a apresentao a aes de formao profissional eainda o dever de aceitar o reincio de funes, verificadas certas condies. A faltainjustificada a aes de formao ou a recusa no fundamentada de reincio de funes,entre outras, constituem infraes graves punveis com pena de demisso (artigo 23.).

    Cabe ainda referir que se encontra previsto o reincio de funes em outraspessoas coletivas de direito pblico (artigo 27.) ou em instituies particulares desolidariedade social que celebrem para tanto protocolo com o Estado (artigo 28.).

    Este regime complexo, de densidade procedimental e previso de investimento

    formativo superior quele que vem substituir, comporta, porm, horizonte temporallimitado no que respeita a trabalhadores com estatuto contratual, pois, como se dissesupra, uma vez decorrido o prazo de 12 meses, seguidos ou interpolados, aps acolocao do trabalhador em situao de requalificao sem que tenha ocorrido o reinciode funes em qualquer rgo ou servio por tempo indeterminado, tal processo cessa esegue-se inexoravelmente o ato terminal, de cessao do contrato de trabalho em funespblicas (artigos 18., n.s 1 e 2). Assim, ainda que no sejam causa direta e imediata doato de cessao do contrato de trabalho, os segmentos normativos do n. 2 do artigo 4.em crise, constituem um pressuposto sem o qual no possvel chegar ao ato dedespedimento, pelo que assumem uma importncia fundamental.

    Saliente-se que o Decreto n. 177/XII comporta ainda a alterao de umapluralidade de diplomas, de que se destaca a nova redao do artigo 33. da Lei n. 12-A/2008, de 27 de fevereiro, a que se fez j referncia, onde se passa a estipular, no n. 4,que a necessidade de cessao do contrato decorre da no reafetao do trabalhadorenvolvido em procedimentos de reorganizao de servios e racionalizao de efetivose, no nmero seguinte, que a confirmao da necessidade de cessao do contratodecorre do no reincio de funes do trabalhador colocado em situao de requalificaono termo do prazo previsto na lei. Paralelamente, estabelece-se que o ato de cessaodo contrato segue os termos do artigo 366. do Cdigo do Trabalho, em remisso para opreceito que regula a compensao por despedimento coletivo e por extino de posto de

    trabalho (n. 7 da nova redao).Posto isto, passemos a dar resposta s duas questes de constitucionalidade

    colocadas.C)Da norma constante do n. 2 do artigo 18. do Decreto n. 177/XII, em

    conjugao com a segunda, terceira e quarta partes do disposto no n. 2 do artigo4. do diploma e a justa causa de despedimento

    8. Como se disse supra, a primeira questo colocada dirige-se aos novos motivossubstantivos que habilitam a entidade empregadora a encetar regime de mobilidade

    funcional, na nova modalidade de requalificao, enquanto pressuposto de cessao darelao de emprego pblico.

    Na sua dimenso de instrumento de mobilidade funcional, dirigido promoo daqualidade do desempenho da Administrao Pblica, visa atingir uma melhor distribuio

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    da fora de trabalho e, nessa medida, gesto mais eficiente e racional de recursoshumanos, bem como dos recursos financeiros ao dispor do Estado, em prol da eficcia naprossecuo do interesse pblico.

    No se distingue, nessa dimenso, do regime que substitui. Como a mobilidadeespecial, a requalificao passa a integrar modalidade da mobilidade funcional na relaode emprego pblico, a par da mobilidade geral, com a possibilidade de modificaoobjetiva e subjetiva da relao laboral. O que a distingue fundamentalmente do regime

    pregresso reside na inscrio no seu seio de uma causa de cessao da relao jurdica deemprego pblico e, assim, na maior contundncia da posio jurdico subjetiva dotrabalhador envolvido, que passa a encontrar no novo regime dois nveisde afetao darelao jurdica de emprego pblico: no primeiro nvel, o afastamento do seu posto detrabalho do lugar e a colocao em inatividade, caso no logre obter de imediato areafetao, com consequncias no direito retribuio; num segundo nvel, oprolongamento dessa situao para alm de um ano intensifica o grau de afetao atatingir o grau mximo de compresso do direito segurana no emprego: motiva odespedimento (objetivo). Elevam-se, ento, a contundncia e a gravidade da intervenorestritiva do legislador trazida pela normao do n. 2 do artigo 18., agora dirigida ao

    ncleo essencial do bem jusfundamental, o que faz subir a par as exigncias de controlo.Como se viu, a eventualidade da cessao da relao de emprego pblico

    motivada por razes objetivaspara os trabalhadores cujo vnculo se constituiu de acordocom contrato por tempo indeterminado j existe, mormente por efeito de reorganizaode servios, no mbito de processo de despedimento coletivo ou despedimento porextino de posto de trabalho, embora em condies de disperso normativa e suscitandocrticas quanto ausncia de previso especfica relativamente aos critrios de seleo e compensao pelo despedimento (cfr. Miguel Lucas Pires, ob. cit., pg. 216).

    O requerente no questiona que essa possibilidade exista, nem a compatibilidade

    constitucional da cessao da relao juslaboral pblica por razes no imputveis aqualquer dos sujeitos, de ndole objetiva. Pelo contrrio, afirma expressamente oacolhimento pela jurisprudncia constitucional de tais fundamentos no domnio daempregabilidade da funo pblica, o que ilustra com referncia aos Acrdos n.s 285/92,683/99 e 154/2010 (todos acessveis em www.tribunalconstitucional.pt, como osdemais referidos).

    A questo de constitucionalidade afasta-se, pois, da admissibilidade de cessaoda relao contratual de emprego pblico que o regime do Decreto n. 177/XII encerraem virtude de inatividade por um ano, em perodo contnuo ou por perodos

    interpolados, permanecendo o trabalhador em procura (ativa) de reincio de funes nombito de requalificao. Atinge, sim, trs novos fundamentos substanciais dodespedimento por razes objetivasque o Decreto n. 177/XII acolhe, no confronto com oprincpio da proibio da justa causa de despedimento (artigo 53. da Constituio) etambm com o princpio da proporcionalidade na restrio do direito fundamental segurana no emprego que acarreta (artigo 18., n. 2 da Constituio).

    Na verdade, os segmentos normativos em crise no se esgotam na especificaoou concretizao de conceitos j presentes no Decreto-Lei n. 200/2006, de 25 deoutubro, diploma que permanece aplicvel, como decorre desde logo da exposio demotivos da Proposta de Lei n. 154/XII/2, que os qualifica de reforo de motivos. Aautonomizao operada pelo legislador de trs segmentos normativos, colocados a par deremisso para uma das modalidade de reorganizao previstas no referido Decreto-Lei,significa que se procurou aduzir novas valncias substantivas ao regime e tambm isent-las da vinculao procedimental decorrente daquele diploma, em especial da precednciade processo de avaliao. essa trplice via expedita (por confronto com as estipulaes

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    do Decreto-Lei n. 200/2006, de 25 de outubro) do despedimento por razes objetivasquese encontra colocada em crise pelo requerente.

    9. O artigo 53. da Constituio consagra o direito segurana no emprego, emque se inscreve, como direito negativo ou de defesa, a proibio dos despedimentos sem justacausa ou por motivos polticos ou ideolgicos. Como elemento central da arquiteturaconstitucional dos direitos fundamentais prprios dos trabalhadores que a reviso de1982 reuniu em captulo prprio e transferiu para o elenco dos direitos, liberdades e

    garantias-, constitui agarantia da garantia (Acrdo n. 581/95). A importncia primordialdesta proibio decorre igualmente da sua condio de princpio de direito pblico europeu,com expresso no artigo 24. da Carta Social Europeia (revista) e no artigo 30. da Cartados Direitos Fundamentais da Unio Europeia.

    No preenchimento do conceito de justa causa, no determinadoconstitucionalmente, evoluiu a jurisprudncia constitucional no sentido do acolhimentode causas objetivas da cessao da relao laboral, para alm daquelas imputveis aossujeitos, desde que tornem praticamente impossvel a subsistncia do vnculo laboral.Esse momento de afirmao (dando seguimento ao que se questionara no Acrdo n.

    107/88) teve lugar com a prolao do Acrdo n. 64/91, onde se l:Este Tribunal perfilha o entendimento de que no constitucionalmenteilegtima esta nova figura de cessao de contrato de trabalho, nos precisostermos em que est regulada no Decreto em apreciao, desenvolvendoassim a problemtica que se deixara em aberto no Acrdo n. 107/88, isto, a questo da admissibilidade de despedimentos individuais fundados emcausas objectivas no imputveis a culpa do empregador que, em cada casoconcreto, tornem praticamente impossvel a subsistncia da relao detrabalho.

    Em abono da constitucionalidade da figura agora prevista no diploma subjudicio poder desde logo argumentar-se, num primeiro entendimento, que oconceito constitucional dejusta causa susceptvel de cobrirfactos, situaes oucircunstncias objectivas, no se limitando noo de justa causa disciplinar queest aceite no nosso Direito do Trabalho desde 1976 (artigo 10. do Decreto-Lei n. 372-A/75, na redaco do Decreto-Lei n. 841-C/76:comportamento culposo do trabalhador que, pela sua gravidade econsequncias, torne imediata e praticamente impossvel a subsistncia darelao de trabalho; noo esta repetida no artigo 9., n. 1, da nova Lei dosDespedimentosde 1989, aprovada pelo Decreto-Lei 64-A/89).

    Partindo da ideia de que a Constituio, quando probe os despedimentossem justa causa, coloca-se noutra perspectiva: a da defesa do emprego e danecessidade de no consentir denncias imotivadas. No fez apelo aos casosexcepcionais da antiga justa causa que legitimava uma resciso imediatasem indemnizaes; a proibio constitucional tem uma explicao diversa,pois pretende atingir os despedimentos arbitrrios, isto , sem motivojustificado (Bernardo da Gama Lobo Xavier, A recente legislao dosdespedimentos, in Revista de Direito e de Estudos Sociais, ano XXIII,1976, p. 161, passo transcrito na declarao de voto conjunta dosConselheiros Cardoso da Costa e Messias Bento, anexa ao Acrdo n.107/88), assim possvel defender que a Constituio no veda formas de

    despedimento do trabalhador com fundamento em motivos objectivos, taiscomo o despedimento tecnolgico ou por absolutas necessidades daempresa. Isto sem prejuzo de o despedimento por estes ltimos motivosdever obedecer a uma regulamentao especfica, rodeada de adequadasgarantias.

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    Essa linha de orientao - mais restritiva da proteo conferida pelo conceitoconstitucional de justa causa - foi sendo sucessivamente reiterada em ulteriorespronncias, de que so exemplo os Acrdos n.s 581/95, 117/2001 e 550/2001.

    Dela se retira que incidem sobre as causas de cessao da relao de trabalho pormotivos objetivos requisitos no menos exigentes que aqueles incidentes sobre osdespedimentos por justa causa subjetiva, mormente, como apontam Gomes Canotilho eVital Moreira: definio legal quanto aos pressupostos de facto e de direito que

    constituem justa causa de despedimento; inadmissibilidade de causas absolutas dedespedimento, na medida em que, estando em causa direitos, liberdades e garantias, alicitude do despedimento s pode aferir-se no confronto com as circunstncias concretasde cada caso, devendo, ento, assegurar a suscetibilidade de controlo judicial;proporcionalidade (proibio do excesso), com observncia das dimenses danecessidade, adequao e proporcionalidade; garantias procedimentais, permitindo adefesa do trabalhador; e controlo das prognoses, aferindo da subsistncias das razes deultima ratio que conduzem ao despedimento (cfr. Constituio da Repblica PortuguesaAnotada, vol. I, 4 edio, 2007, pgs. 709 e 710). Ao invs, a garantia do empregosempre condicionar de forma muito exigente, por maioria de razo, a admissibilidade de

    despedimentos por motivos objetivos, sendo incumbncia do Estado assegurar pelo menosdois pressupostos: a) a existncia de situaes no imputveis ao prprio empregadorque, pela sua prpria natureza, tornem inexigvel ao mesmo a continuao da relao detrabalho; b) a adequada compensao ao trabalhador pela rutura da relao de trabalhopor facto que no lhe imputvel (ibid.).

    Novamente nas palavras do Acrdo n. 64/91, para ser constitucionalmentelegtima a cessao do contrato de trabalho fundada em razes objetivas:

    H-de considerar-se que tem de verificar-se uma prtica impossibilidadeobjectivae que tais despedimentos ho-de ter uma regulamentao substantiva

    e processual distinta da dos despedimentos porjusta causa (disciplinar), de talforma que fiquem devidamente acauteladas as exigncias decorrentes doprincpio da proporcionalidade, no podendo atravs desse meio conseguir-se, em caso algum, uma transfigurao da regulamentao que redunde napossibilidade, mais ou menos encapotada, de despedimentos imotivados ouad nutumou de despedimentos com base na mera convenincia da empresa.

    Na mesma linha, sublinhou posteriormente o Acrdo n. 581/95: entre essasgarantias esto a de determinao das causas (com suficiente concretizao dos conceitosda lei), da controlabilidade das situaes de impossibilidade objectiva, e doasseguramento ao trabalhador de uma indemnizao.

    10. A relao jurdica de emprego pblico no se encontra excluda do campo deproteo constitucional do direito segurana no emprego e da proibio dodespedimento sem justa causa, com abrangncia do despedimento por razes objetivas, quetambm admissvel neste campo de ao. Este Tribunal j teve oportunidade de dizerque, pese embora a relao de emprego pblico seja especialmente estvel e duradoura,por confronto com a relao de emprego privada, a vitaliciedade do vnculo laboralpblico no encontra assento constitucional (Acrdos n.s 154/86, 285/92, 4/2003 e154/2010). Tal significa que, semelhana dos restantes direitos fundamentais, o direito

    segurana no emprego pblico admite limites e restries luz de outros direitos evalores constitucionalmente protegidos (artigo 18., n. 2 da Constituio).

    Dito isto, o problema aqui colocado no encontra identidade com qualquer dasdecises do Tribunal Constitucional proferidas neste domnio, pois em nenhum momento

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    esteve em controlo a constitucionalidade de normas integrantes de regime quecomportasse a cessao da relao jurdica de emprego por razes objetivase o parmetroda proibio do despedimento semjusta causa. O que convive com a distinta ponderaodo estatuto da funo pblica que as alteraes legislativas ditaram, em especial o novoparadigma introduzido pela reforma de 2008. Todavia, mantm-se inteiramentepertinentes algumas das consideraes desses arestos.

    10.1. No Acrdo n. 154/86, estava em discusso o rompimento pelo Estado da

    relao de emprego e a retirada do vnculo funo pblica a funcionrios e agentes quese encontravam requisitados em empresas pblicas e nacionalizadas. O que sequestionou ento foi a perda de um estatuto funcional e a adstrio forada dostrabalhadores a outro, de direito privado, nas empresas (pblicas) em quedesempenhavam funes. A essas duas questes respondeu o Tribunal Constitucional nosentido da desconformidade constitucional, pela seguinte ordem de razes:

    a) Pode o Estado, unilateralmente, romper a relao de emprego com osseus funcionrios?

    b) Em qualquer caso, pode ele, unilateralmente, retirar-lhes o estatuto de

    funcionrio pblico?A primeira questo envolve directamente o artigo 53 da Constituio, quegarante a segurana no emprego, proibindo expressamente os despedimentossem justa causa. Com efeito, em relao aos adidos que foram transferidospara as empresas pblicas, o Estado desfez-se deles, rompeu o vnculojurdico com eles. Em certo sentido, despediu-os. certo que, do mesmopasso, transferiu-os para as empresas pblicas onde se encontravamrequisitados, mas a verdade que as empresas pblicas so entidadesdiversas do Estado e, embora entes pblicos, no pertencem AdministraoPblica em sentido prprio. Juridicamente, a questo clara: o Estado

    dispensou esses funcionrios. Estes estavam vinculados ao Estado edeixaram de o estar por vontade unilateral deste.

    Ora, essa dispensa ope legis afronta directamente o direito segurana noemprego. O Estado no pode dispensar livremente os seus funcionrios.Nem a extino ou remodelao de servios podem constituir motivoadequado para isso. Podem dar lugar transferncia para outros servios ouorganismos pblicos, criao de excedentes inactivos, etc, mas no podemjustificar de modo algum a dispensa dos atingidos, fora dos processosconstitucionalmente admitidos.

    No podendo dispensar livremente os seus funcionrios, o Estado tambmno pode livremente retirar-lhes o seu estatuto especfico.

    A questo foi, ento, analisada no confronto da normao com o direito funopblica, enquanto garantia especfica de estabilidade e de segurana no emprego quantoaos funcionrios pblicos, e no perante o acolhimento de razes objetivas para odespedimento, que s mais tarde, com o referido Acrdo n. 64/91, viram a suainscrio no conceito constitucional dejusta causaadmitida pelo Tribunal Constitucional.

    Persiste, ainda assim, a afirmao da proibio constitucional da cessao livre

    pelo empregador da relao jurdica de emprego pblico, cujo estatuto configuradocomo dotado de garantias especficas de estabilidade, mesmo que no vitalcio.

    10.2. O Acrdo n. 285/92 volta a defrontar um problema relacionado com arelao jurdica de emprego pblico. Apreciou a conformidade constitucional de normas

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    inscritas em diploma votado ao descongestionamento na Funo Pblicae racionalizao deefetivos, atravs da transferncia e integrao de trabalhadores pblicos no Quadro deEfetivos Interdepartamentais (Quadro de Excedente), em resposta a pedido defiscalizao preventiva da constitucionalidade de um conjunto de normas, porconflituarem com o princpio da preciso ou determinabilidade das leis e com o princpioda segurana no emprego, e bem assim com o princpio da tutela da confiana legtima.

    Considerou o Tribunal que o diploma em questo no envolvia uma autntica

    cessao do vnculo funo pblica - ao contrrio do que acontece nestes autos mas,no obstante, que a medida em apreo era, por si s, idnea a convocar a proteo doartigo 53. da Constituio, na dimenso ampla do princpio da segurana no empregoque acolhe, sem necessidade de considerar a dimenso, mais intensa, da proibio dodespedimento sem justa causa. A sua ponderao sobre o quadro constitucional protetorreleva ento e por maioria de razo - para a deciso das questes sub judicio.

    Afirmou ento o Tribunal:

    (...), insofismvel que a garantia constitucional da segurana no empregoabrange, tambm, os funcionrios pblicos, pelo que o Estado no pode

    dispensar livremente os seus funcionrios, tal como a extino oureformulao dos seus servios ou organismos no pode constituir, por si s,razo suficiente que leve livre e total disponibilidade dos funcionrios emcausa. Pelo que a reorganizao da Administrao sempre ter que atenderaos princpios e regras constitucionais que consagram e garantem os direitosdos funcionrios pblicos.

    Assim sendo, importa reconhecer que, num primeiro momento, o princpioda segurana no emprego compreende o direito dos trabalhadores manuteno do seu emprego. Mas, com este alcance, e invocando oparalelismo com a relao laboral de direito privado, podem efectivamente

    ocorrer situaes onde a extino ou reorganizao dos servios e organismosda Administrao determinem a impossibilidade de manuteno, por parte dofuncionrio, do concreto lugar que desempenha. A resoluo de taissituaes poder compreender, em tese geral, a necessidade de adoptarsolues que determinem alterao das condies de desempenhoprofissional dos funcionrios pblicos.

    Ora, importa deixar claro, pelas razes j aduzidas, que as alteraesestatutrias que o legislador entenda dever introduzir no ordenamento emnome do interesse geral prosseguido pela Administrao e que afectem asaludidas condies de desempenho profissional dos funcionrios pblicos,porque se podem traduzir na compresso de direitos desses funcionrios,devero estar inelutavelmente subordinadas aos limites que a Constituiopostula para as restries aos direitos, liberdades e garantias dostrabalhadores.

    E, mais adiante:

    (...) a necessidade de modernizao da Administrao Pblica, decorrentedo normal alargamento da prpria actividade administrativa, da progressivaampliao das prestaes de ordem social que lhe cabem num Estado dedireito democrtico e da necessidade de responder a novos desafios que selhe colocam nos espaos geo-polticos mais amplos em que o Pas se insere,podem constituir relevantes interesses de ordem pblica que, ao projetaremas suas sequelas no mbito do funcionamento e da estrutura daAdministrao Pblica, determinem a introduo de mecanismos de

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    mobilidade dos seus funcionrios e agentes, em termos que comportem acompresso ou restrio da garantia subjectiva decorrente do princpio dasegurana no emprego. Mas, no sendo, por isso, a relao de empregopblico imodificvel em todos os seus elementos, os limites de talcompresso ou restrio no podem deixar de constituir, na sua traduonormativa, objecto de controlo de constitucionalidade, em funo daconcreta modulao das solues adotadas pelo Decreto em apreo.

    semelhana de causas objectivas que podem determinar a cessao doscontratos de trabalho privados (cfr., neste sentido, v. g., o Acrdo n. 64/91deste Tribunal, publicado no Dirio da Repblica, I Srie-A, de 11 de Abril de1991), tambm no mbito da Administrao Pblica causas objectivasligadas reestruturao e racionalizao dos servios e organismos pblicospodem levar compresso do estatuto jurdico dos funcionrios pblicos semque da resulte forosamente violada a segurana no emprego protegidaconstitucionalmente. Mas, luz do artigo 18., tal compresso deveconformar-se segundo o critrio da restrio das restries (devendo, porisso, limitar-se ao necessrio para salvaguardar outros direitos ou interessesconstitucionalmente protegidos), deve revestir carcter geral e abstracto,no poder ter efeitos retroactivos nem diminuir a extenso e o alcance docontedo essencial dos preceitos constitucionais em causa. Em suma, acompresso da garantia constitucional da segurana no emprego deve sernecessria, adequada e proporcional e respeitar o ncleo essencial docorrespondente direito segurana no emprego de que beneficiam osfuncionrios pblicos.

    Como se v, o Tribunal admite claramente que a prossecuo do interesse

    pblico pela Administrao Pblica implica constante esforo de modernizao; e este, areorganizao de servios e a racionalizao de efetivos, o que pode implicar compresso

    da garantia de segurana no emprego contida no artigo 53. da Constituio e a cessaoda relao laboral por causas objetivas. Ponto que a modulao normativa dessa rutura,independentemente da margem de discricionariedadeque assista ao empregador pblico,respeite o programa constitucional relativo aos direitos fundamentais dos trabalhadores.

    10.3. O Acrdo n. 340/92 apreciou pedido de fiscalizao preventiva denormas inseridas em diploma que extinguiu a auditoria jurdica da Presidncia doConselho de Ministros e colocou o pessoal a em funes no quadro de excedentes.Nessa passagem no se encontrava implicada a cessao do vnculo funo pblica masapenas o direito ao lugar. O Tribunal reiterou o entendimento constante do Acrdo n.

    295/92e considerou que no ocorria violao do artigo 53. da Constituio porquantoas normas em apreo apenas envolviam a modificao e no a extino da relaojurdica de emprego pblico, refletindo-se to somente na situao profissional.

    10.4. J o Acrdo n. 233/97 teve em ateno a resciso de contratoadministrativo de provimento relativo ao desempenho de funes de tcnico auxiliar noSistema de Informaes de Segurana (SIS), com fundamento em manifesta inadaptaofuncional. Em questo encontrava-se norma que previa a possibilidade de resciso docontrato por mera convenincia de servio, sem aviso prvio e sem indemnizao.

    L-se nesse acrdo:

    (...) o direito segurana no emprego no impede que, havendo interesses comrelevo constitucional que tal justifiquem, a relao jurdica de emprego naAdministrao Pblica assuma uma certa precariedade, como sucede com aque se constitui por contrato pessoal. Tal acha-se, de resto, consagrado na lei

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    geral, onde se prev essa forma de constituio da relao jurdica deemprego pblico, na modalidade de contrato administrativo de provimento e na decontrato de trabalho a termo certo (cf. Artigos 3. e 14. a 21. do Decreto-Lei n427/89, de 7 de Dezembro).

    De facto, embora a relao jurdica de emprego na Administrao Pblicatenha uma certa vocaopara a vitaliciedade (cf., hoje, o artigo 5. do citadoDecreto-Lei n. 427/89), no existe (para quem acede funo pblica) uma

    garantia constitucional de exercer vitaliciamente as respectivas funes.E prosseguiu, reiterando o que havia sido dito no Acrdo n. 285/92:

    () a estabilidade que exigida pela garantia da segurana no emprego noimpede a compresso do estatuto jurdico dos funcionrios pblicos, quandoocorram causas objectivas ligadas reestruturao e racionalizao dosservios e organismos pblicos. Questo que frisou-se ento essacompresso seja necessria, adequada e proporcional e que respeite oncleo essencial do correspondente direito segurana no emprego de quebeneficiam os funcionrios pblicos .

    10.5. Por seu turno,o Acrdo n. 4/2003 apreciou a aplicao a trabalhadorespblicos de instrumentos de reafetao, flexibilizao dos mecanismos de reclassificaoe reconverso, no mbito dos quais era comportada a reduo de vencimento e apassagem situao de licena sem vencimento de longa durao. Depois de salientarque no estava em ap