acÓrdÃo tc n.º 572/2014 (normas relativas à nova configuração da ces e à destinação dos...

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  • 8/12/2019 ACRDO TC N. 572/2014 (Normas relativas nova configurao da CES e destinao dos descontos para a A

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    [ TC > Jurisprudncia > Acordos > Acrdo 572/2014 ]

    ACRDO N. 572/2014

    Processo n. 386/2014 e 389/2014

    Plenrio

    Relator: Conselheiro Lino Rodrigues Ribeiro

    Acordam, em Plenrio, no Tribunal Constitucional

    IRelatrio

    1. Pedido formulado no mbito do processo n. 386/2014

    1. Um Grupo de deputados Assembleia da Repblica eleitos pelo Partido Socialistaveio requerer, ao abrigo do disposto na alnea a) do n. 1 e na alnea f) do n. 2 do artigo281. da Constituio da Repblica Portuguesa (CRP) e no n. 1 dos artigos 51. e 62.da Lei n. 28/82, de 15 de novembro, a declarao de inconstitucionalidade, com foraobrigatria geral, das normas contidas no artigo 76. da Lei n. 83-C/2013, de 31 dedezembro (Oramento do Estado para 2014), na redao que lhe foi dada pela Lei n.13/2014, de 14 de maro (Primeira Alterao Lei n. 83-C/2013, de 31 de dezembro).

    Fundamentam o pedido nos seguintes termos:

    1. Atravs da proposta de lei n. 193/XII, o Governo remeteu Assembleia daRepblica a primeira alterao Lei que aprovou o Oramento do Estado para 2014,visando, nos termos da respetiva exposio de motivos, acautelar os efeitos oramentaisdecorrentes da pronncia pela inconstitucionalidade das medidas tendentes a assegurar aconvergncia dos sistemas de penses, atravs do alargamento da incidncia daContribuio Extraordinria de Solidariedade (CES).

    2. Efetivamente, a exposio de motivos da referida iniciativa legislativa sublinhaexpressamente que a sua aprovao decorre dos efeitos na programao oramental para2014 da deciso do Tribunal Constitucional, no seu Acrdo 862/2013, em que se

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    pronunciou pela inconstitucionalidade de um conjunto de normas destinadas aestabelecer mecanismos de convergncia da proteo social.

    3. Importa, pois, atenta a anterior jurisprudncia do Tribunal Constitucional sobre amatria, aferir se as alteraes introduzidas se afiguram conformes ao texto da Lei

    Fundamental ou se o seu novo mbito de aplicao e fundamentao colocam em xequea subsistncia do instituto, tal qual analisado pelo Tribunal no Acrdo n. 187/2013.

    4. Nessa ocasio, o Tribunal Constitucional estabeleceu que um contexto excecional deemergncia econmica e financeira pode sustentar determinadas medidas de cartertransitrio, que convoquem os beneficirios do sistema previdencial, com penses j a

    pagamento, a suportar contribuies adicionais.

    O Tribunal foi, no entanto, claro ao sublinhar que o juzo de no inconstitucionalidadeda medida assentava em dois pressupostos fundamentais: o seu carter no permanentee o facto de a medida se no revelar excessiva, uma vez que salvaguardava a sua no

    aplicabilidade a rendimentos inferiores a 1350. Cumprir, pois, em especial, analisar areviso encetada da referida Contribuio Extraordinria de Solidariedade luz deste

    parmetro interpretativo.

    5. No que concerne ao carter extraordinrio e transitrio da medida, elementosidentificados, conforme referido, pela jurisprudncia do Tribunal Constitucional comoindispensveis conformidade constitucional da medida, a prpria fundamentao

    patente na exposio de motivos da iniciativa legislativa que permite chegar a conclusoinversa.

    6. Para l da conjuntura econmico-financeira que justifica a medida, o Governoexpressamente acrescenta que a medida reflete a situao de insustentabilidade dosistema de segurana social, quer num plano de complementaridade s reformas emcurso, quer como antecipadora de outras reformas duradouras, confessando o seucarter apenas aparentemente transitrio. Trata-se, alis, nesse sentido, de um resultadoque acaba por se revelar ainda menos conforme necessidade de uma reviso global dosistema apontada pelo Tribunal Constitucional como indispensvel a uma formulaoconforme Constituio.

    7. Noutra passagem da Exposio de Motivos, o legislador igualmente claro quanto aocarter estrutural e no pontual da CES, ao assumir que esta constitui ainda uma

    medida de ajustamento destinada a responder significativa eroso dos pressupostoseconmicos, financeiros e demogrficos que o sistema de segurana social tem sofrido,com riscos profundos para a sustentabilidade de todo o sistema. Esses pressupostosabrangem, designadamente, o aumento da esperana mdia de vida, o crescimentoeconmico, a situao do mercado laboral interno. Perante esta fundamentao, torna -se patente que os riscos que se procuram corrigir no so mera decorrncia de umasituao pontual de dificuldade oramental provocada por uma conjuntura adversa,antes traduzindo uma opo poltica com carter reformador e permanente por parte dosautores da medida.

    8. A interveno ablativa das penses a pagamento e que se constituram luz da lei

    vigente no momento em que decorriam as respetivas carreiras contributivas, ainda queatravs da imposio da referida Contribuio Extraordinria de Solidariedade,

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    configura uma medida que, na ausncia de fundamentao constitucionalmentesuficiente, na linha da jurisprudncia do Tribunal Constitucional, se afigura suscetvelde ferir gravemente a confiana no Estado de Direito. Efetivamente, apesar de operaratravs de um tributo parafiscal, o resultado produzido em todo equivalente ao nocumprimento dos compromissos estabelecidos pelo Estado, no quadro do sistema de

    proteo social em causa, constitucionalmente tutelado por via do artigo 63 da LeiFundamental, quebrando o sinalagma existente perante os beneficirios.

    9. 0s beneficirios so acrescidamente colocados numa situao de especial fragilidade,uma vez que no podem, na fase da vida em que se encontram, reprogramar a sua gestofinanceira para fazer frente s necessidades da sua etapa de vida no ativa

    profissionalmente.

    10. Analisado o regime institudo pelas normas cuja fiscalizao se requer, bem como afundamentao para o alargamento do seu mbito, como veremos, constata-se que noteve o legislador como fundamentar adequadamente e, de forma a obviar a uma violao

    do princpio constitucional da proteo da confiana, o regime que pretendeimplementar.

    11. Por seu turno, a configurao da medida ainda reveladora de uma violao doprincpio constitucional da proibio do excesso, como se demonstra seguidamente, avrios nveis.

    12. Em primeiro lugar, atento o contexto em que o prprio autor da iniciativa legislativareconhece o carter substitutivo da medida com vista realizao do programaoramental a que se prope, atenta a pronncia pela inconstitucionalidade das medidasdesenhadas inicialmente para determinar a convergncia dos sistemas de penses, nose pode deixar de identificar uma contradio insanvel na sua argumentao

    justificativa da medida quanto adequao da mesma: partindo-se de uma linha deraciocnio que continua a identificar o problema como sendo estrutural, o legisladorcontinua a oferecer uma resposta meramente episdica, distinta da soluo exigida nostermos do Memorando de Entendimento ao qual visa dar cumprimento, e distintatambm da metodologia identificada pelo prprio Tribunal Constitucional como capazde assegurar a adequao de qualquer medida a implementar, e que tem de passar pelaconstruo de um sistema marcado pela sustentabilidade e equidade interna, que

    permita conferir sentido aos sacrifcios impostos aos respetivos beneficirios, dessemodo justificando-os e legitimando-os luz do princpio da tutela da confiana

    (Acrdo n. 862/2013).13. Sublinhe-se ainda que a fundamentao apresentada pelo Governo na exposio demotivos do diploma no se mostra capaz de revelar uma indispensabilidade de umainterveno com a dimenso ablativa e gravemente penalizadora dos rendimentos deuma categoria de cidados mais desprotegidos que a medida em anlise apresenta:haveria, pois, que assegurar a demonstrao efetiva da ausncia de um quadro dealternativas de poltica oramental que no penalizassem reiteradamente os mesmosrendimentos e nesta nova escala, agora agravada ou, mesmo, alternativamente, asustentao da impossibilidade de conformao distinta da forma de execuo doPrograma de Assistncia Econmica e Financeira assinado entre as trs instituies

    externas (Comisso Europeia, Banco Central Europeu e Fundo Monetrio Internacional)e a Repblica Portuguesa, na linha das sucessivas revises e adaptaes realidade

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    econmica e constitucional que tiveram lugar no decurso da execuo do Memorandode Entendimento.

    14. Por seu turno, e no obstante o carter progressivo das taxas a aplicar, o alargamentoda contribuio a rendimentos superiores a 1000, passando a afetar de forma inovadora

    um conjunto significativo de rendimentos at aqui excludos da referida contribuio(cujo limiar inferior se estabelecia nos 1350 na verso em vigor da referida medida),de forma especialmente penalizadora para uma categoria de cidados que, naesmagadora maioria dos casos, atenta a fase da sua vida e carreira contributiva, no

    podem adequadamente compensar ou programar meios de obteno de rendimentos quelhes permitam assegurar um limiar de existncia condigno.

    15. Recorde-se a este respeito, uma vez mais, que a doutrina vertida no Acrdo doTribunal Constitucional n. 187/2013 assentou a sua anlise e a sua concluso quanto no inconstitucionalidade do diploma na presena de uma medida que apresentava umlimiar de 1350 como patamar inicial de incidncia, concluindo nesse contexto que as

    novas contribuies no se revelam excessivamente diferenciadores, face s razes quese admitiram como justificativas da imposio desta medida penalizadora dos

    pensionistas, sendo as percentagens relativas ao montante das penses [...], similares sdas redues das remuneraes de quem aufere por verbas pblicas, o quemanifestamente no se verifica com a nova medida.

    16. Paralelamente, cumpre igualmente ter em conta que, se certo que o TribunalConstitucional considerou encontrar-se a CES constante do Oramento do Estado para2013 ainda dentro dos limites do sacrifcio exigvel, tal sucedeu apenas na medida emque dela se excluram todos aqueles que auferem penses inferiores a 1350, o quemais uma vez no ocorre com a norma em anlise, impondo-se uma concluso distintaquanto desproporo do sacrifcio exigido aos pensionistas.

    17. Em suma, torna-se patente que a medida agora analisada e constante da primeiraalterao ao Oramento do Estado para 2014 se afigura claramente violadora do

    princpio da proibio do excesso, impondo um sacrifcio a uma escala inovadora face verso originria das normas que instituram a CES e que nos permite concluir pelaultrapassagem da zona de conformidade constitucional anteriormente traada peloTribunal Constitucional.

    2.Pedido formulado no mbito do processo n. 389/2014

    Um Grupo de deputados Assembleia da Repblica eleitos pelo PCP, BE e PEV, aoabrigo das mesmas normas, veio requerer a declarao de inconstitucionalidade, comfora obrigatria geral, das alteraes efetuadas aos artigos 14. e 76. da Lei n. 83-C/2013, de 31 de dezembro (Oramento do Estado para 2014) pelo artigo 2. da Lei n.13/2014, de 14 de maro.

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    Relativamente ao pedido de declarao de inconstitucionalidade da norma do artigo14. da Lei n. 83-C/2013, invocam os seguintes fundamentos:

    1. A ADSE, enquanto organismo e sistema, foi criada em 1963 com a denominao deAssistncia na Doena dos Servidores Civis do Estado. Atualmente corresponde Direo-Geral de Proteo Social aos Trabalhadores em Funes Pblicas, sendo umservio integrado do Ministrio das Finanas, dotado de autonomia administrativa, quetem a responsabilidade de gerir o sistema de proteo social aos trabalhadores do setor

    pblico administrativo.

    2. O seu principal propsito garantir o acesso efetivo dos trabalhadores daAdministrao Pblica e alguns dos seus familiares proteo social no mbito doscuidados de sade e prestar o apoio devido aos beneficirios, especialmente num quadrode grave e continuada carncia econmica.

    3. As alteraes introduzidas pela modificao da redao do art. 14. da Lei n. 83-C/2013, de 31 de dezembro, procedem inscrio no Oramento do Estado para 2014,da reverso para os cofres do Estado de 50% da receita da entidade empregadora

    pblica prevista no artigo n. 47.-A do Decreto-Lei n. 118/83, de 25 de fevereiro.

    4. Na exposio de motivos apresentada juntamente com a proposta de lei que deuorigem presente lei (proposta de lei n. 193/XII) no adiantada nenhuma justificaoindividualizada para esta alterao ao artigo 14. da Lei n. 83-C/2013, de 31 dedezembro, a no ser a suposta necessidade de proceder em conformidade com odecidido no Acrdo do Tribunal Constitucional n. 862/2013, de 19 de dezembro.

    5. No entanto, o artigo 47.-A do Decreto-Lei n. 118/83, de 25 de fevereiro, determinaque a contribuio das entidades pblicas empregadoras para a ADSE de 1,25% dasremuneraes dos trabalhadores e que A receita prevista no nmero anterior receita

    prpria da ADSE e destina-se ao financiamento do sistema de benefcios asseguradospela ADSE, incluindo os regimes livres e convencionados.

    6. Tambm o artigo 48. do referido Decreto-Lei estabelece que: As importnciasdescontadas nos termos dos artigos anteriores constituem receita da Direo-Geral deProteo Social aos Funcionrios e Agentes da Administrao Pblica, afeta ao

    financiamento dos benefcios do presente diploma.7. Pode, consequentemente, afirmar-se que no regime legal vigente, as contribuiesdos trabalhadores e da entidade empregadora para os regimes de proteo social setratam de verdadeiras contribuies, cuja receita se encontra consignada ao fimespecfico em nome do qual foi criada.

    8. No entanto, na situao que ora se coloca, tudo leva a crer que estamos fora do campodas demais contribuies financeiras a favor das entidades pblicas, previsto na alnea i)do n. 1 do art. 165. de Constituio da Repblica Portuguesa e que estamos mais

    prximos da figura do imposto.

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    9. Pela sua construo, as demais contribuies financeiras a favor das entidadespblicas, correspondem a impostos especiais, que apresentam especificidade de sebasearem numa contraprestao de natureza grupal, funcionando de forma maisprxima das taxas, como um preo pblico. Encontram-se sujeitas, portanto, ao teste daproporcionalidade, entre o preo a pagar e a contraprestao especfica, desde que se

    mantenha uma estrutura sinalagmtica.

    10. Quanto aos impostos, estes podem ser definidos com recurso a determinadascaractersticas uma prestao pecuniria, unilateral, definitiva e coativa, exigida adetentores de capacidade contributiva, a favor de entidades que exeram funes

    pblicas, destinando-se concretizao ou realizao dessas mesmas funes pblicas.

    11. Enquanto no Acrdo n. 187/2013, o Tribunal Constitucional entendeu que a CESno poderia ser considerada um imposto, na medida em que estava estreitamenteassociada aos fins da segurana social, beneficiando os pensionistas da solvabilidade dosistema, nesta situao encontramos a situao inversa, de uma receita obtida por via da

    contribuio dos trabalhadores para a ADSE e destinada a esse fim especfico, serconvertida em receita geral do Estado, suscetvel de ser mobilizada para os seus finsgerais.

    12. Acresce ainda que, a referncia que se fazia no referido Acrdo unilateralidadeenquanto elemento caracterizador do imposto, apenas vem confirmar a converso destacontribuio num imposto pois, na presente situao e fruto do destino de parte dacontribuio dos trabalhadores, posta em causa a relao sinalagmtica intrnseca scontribuies.

    13. Contudo, esta alterao tem de ser analisada conjuntamente com a Proposta de Lein. 211/XII, que deu entrada na Assembleia da Repblica aps o veto presidencial doDecreto do Governo, mantendo o mesmo contedo, na qual so avanadas algumasexplicaes.

    14. Na verdade, apenas com este aumento da taxa de contribuio dos beneficirios e acorrespondente reviso em alta das receitas provenientes da ADSE possvel oestabelecimento da entrega de metade da contribuio da entidade empregadora aoscofres do Estado, daqui se percebendo que o efeito til em termos oramentais estdependente da aprovao conjunta de ambas as normas que, ainda que juridicamenteautnomas, so estruturalmente dependentes.

    15. Assim, o aumento da contribuio dos trabalhadores justificado, em primeiralinha, como uma forma de preencher o problema oramental criado sem baixar dos 1.000 na aplicao da referida CES.

    16. Em segunda linha, referido o objetivo do autofinanciamento dos subsistemas deproteo social no mbito dos cuidados de sade, assentando exclusivamente nascontribuies dos beneficirios e visando, no mdio e longo prazo, a suaautossustentabilidade.

    17. Quanto a estes argumentos, cumpre realar a inaptido e desadequao desta medida

    ao cumprimento dos objetivos a que se prope, uma vez que, a determinado nvel, so

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    contraditrios. Se a pretenso caminhar no sentido da autossustentabilidade de umsubsistema, no se pode desorament-lo, de forma a financiar o Oramento do Estado.

    18. A considerao destes dois elementos, ou seja, o efeito conjugado da alterao aoOramento de Estado e da emisso de um diploma com aquele aumento da contribuio

    dos beneficirios, corresponde repercusso sobre os trabalhadores de maioresencargos e despesas com o financiamento do Estado, cosmeticamente mascarado decontribuio para os subsistemas de proteo social.

    19. De uma maneira geral, significa que a comparticipao do beneficirio passar acorresponder a 3,5%, ou seja, mais 1 ponto percentual relativamente previso inicialinscrita na Lei n. 83-C/2013. Importa ainda recordar os sucessivos aumentos dacontribuio dos trabalhadores para a ADSE, que passaram de 1% para 1,5% em 2006,de 1,5% para 2,25% em agosto de 2013, de 2,25% para 2,5% no Oramento do Estado

    para 2014 e, finalmente, de 2,5% para 3,5%, no Oramento Retificativo, aprovado pelaLei n. Lei n. 13/2014, de 14 de maro.

    20. A traduo oramental do aumento da taxa de contribuio dos trabalhadores de2,5% para 3,5% determina um aumento de 133 milhes de euros de receita face ao

    previsto na verso inicial do Oramento do Estado para 2014. Relativamente ao 1.semestre de 2013, portanto em cerca de 8 meses, verifica-se uma subida de 133%contribuio dos trabalhadores e dos aposentados da Funo Pblica para a ADSE.

    21. Segundo dados constantes do Plano de Atividades da ADSE para 2013, possvelverificar que em 2011 os beneficirios suportavam 39,6% do financiamento da ADSE,enquanto o Estado suportava 60,4% mas, em 2013 os beneficirios suportavam j 63%do financiamento, contra os 37% suportados pelo Estado.

    22. Se no primeiro semestre de 2013 e com uma taxa de contribuio de 1,5%, osbeneficirios assumiam 63% do financiamento fcil concluir que um aumento de133%, para uma taxa de 3,5%, claramente excessivo. Seno, vejamos: em 2013 aADSE j teve um excedente de 55,2 milhes de euros; em 2014 prev-se que esseexcedente seja de 284,7 milhes de euros, sendo desses 140,7 milhes de euros frutodas contribuies excessivas dos beneficirios, trabalhadores e aposentados da FunoPblica.

    23. Com este aumento da taxa de contribuio para 3,5%, a ADSE obtm 579 milhes

    de euros de receita, sendo esse valor 140,7 milhes de euros superior despesaoramentada para o ano de 2014, que se cifra em 438,3 milhes de euros.

    24. Quanto ao grau de adequao ou aptido h que ter em considerao que o efeitodecorrente destas medidas envolve um elevado grau de incerteza, na medida da eventualajustabilidade do comportamento dos beneficirios, nomeadamente pela possibilidadede sadas voluntrias, o que implicar um acrscimo das despesas do SNS, para o qualestes beneficirios tambm contriburam por via do IRS.

    25. Assim, lcito concluir que desde logo posta em causa a adequao, idoneidade eaptido desta medida realizao do fim a que se prope, ou que pelo menos h um

    determinado grau de incerteza na medida do seu contributo para o alcanar.

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    26. No entanto, do efeito conjugado destas medidas possvel extrair outro tipo deafetao constitucional, desta senda de natureza tributria.

    27. O aumento de 1 ponto percentual da contribuio dos trabalhadores tem,supostamente, como destino o financiamento do subsistema de proteo social (ADSE,

    ADM e SAD).

    28. Ao mesmo tempo, 50% da contribuio da entidade empregadora, calculada em1,25% da remunerao dos trabalhadores, tem como destino os cofres do Estado.

    29. Parece, ento, lcito concluir que 0,625% da contribuio dos trabalhadores quepassa a dar entrada nos cofres da ADSE est a ser retirada por outra via, pela via datransferncia de metade da contribuio da entidade empregadora pblica para os cofresgerais do Estado.

    30. Assim, do aumento de 1 ponto percentual dos trabalhadores, 0,625% tem como

    objetivo colmatar a retirada, para os cofres do Estado, de 50% da contribuio daentidade empregadora pblica, ou seja, 0,625% da remunerao dos trabalhadores, esta ser utilizada, por esta via, para o financiamento geral do Estado.

    31. Face a esta percentagem, estamos em face de um imposto sobre o rendimentopessoal diverso do IRS, que atinge apenas uma categoria de pessoas, os beneficiriosdestes subsistemas de proteo social, o que se mostra violador do princpio da unidadefiscal, previsto no artigo 104. da Constituio da Repblica, que afirma que os cidadosso tributados sobre o seu rendimento pessoal atravs de um imposto nico e

    progressivo, que ter necessariamente em conta as necessidades e os rendimentos doagregado familiar, e nunca constitudo em funo das categorias sociais ou funcionaisem que o sujeito passivo se insere.

    32. Faz-se assim repercutir a incidncia subjetiva deste imposto, que visa ofinanciamento geral do Estado, ainda que de forma indireta, sobre os trabalhadores eaposentados.

    33. Estando perante um imposto que incide sobre o rendimento pessoal, distinto do IRSe que atinge apenas uma categoria de pessoas violado o princpio da unidadetributria, previsto no art. 104./1 da Constituio da Republica, bem como o princpioda igualdade inscrito no art. 13./2 da Constituio da Republica Portuguesa, a respeito

    do qual se recupera a seguinte considerao tecida pelo Tribunal Constitucional no seuAcrdo n. 353/2012:

    0 princpio da igualdade na repartio dos encargos pblicos, enquanto manifestaoespecfica do princpio da igualdade, constitui um necessrio parmetro de atuao dolegislador. Este princpio deve ser considerado quando o legislador decide reduzir odfice pblico para salvaguardar a solvabilidade do Estado. Tal como recai sobretodos os cidados o dever de suportar os custos do Estado, segundo as suascapacidades, o recurso excecional a uma medida de reduo dos rendimentos daquelesque auferem por verbas pblicas, para evitar uma situao de ameaa deincumprimento, tambm no poder ignorar os limites impostos pelo princpio da

    igualdade na repartio dos inerentes sacrifcios. Interessando a sustentabilidade das

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    contas pblicas a todos, todos devem contribuir, na medida das suas capacidades, parasuportar os reajustamentos indispensveis a esse fim.

    34. Conclui-se assim, pela violao do princpio da igualdade, consagrado no art. 13./2da Constituio da Repblica Portuguesa.

    E em relao ao pedido de declarao de inconstitucionalidade da norma do artigo76. da Lei n. 83-C/2013, invocam os seguintes fundamentos:

    1. Na parte que se refere alterao da redao do art. 76. da Lei n. 83-C/2013,cumpre tecer um conjunto de consideraes acerca da matria em causa, a ContribuioExtraordinria de Solidariedade, e do seu alcance e extenso.

    2. Assim, o que est aqui fundamentalmente em causa uma alterao que sematerializa no acrscimo da sua base de incidncia e a redefinio dos limites dosescales superiores. Alargando-se a base de incidncia, passa-se a atingir um conjuntode pensionistas que anteriormente ficava excludo da aplicao desta medida, pelo quese mostra ser necessrio efetuar um novo confronto constitucional, na medida em que ouniverso dos sujeitos afetados pela medida restritiva sofreu uma alterao considervel.

    3. O alargamento da base de incidncia da Contribuio Extraordinria de Solidariedadepassa a atingir cerca de mais 110 mil pensionistas, o que representa um alargamento de406% do universo dos sujeitos afetados.

    4. Avana ainda o Governo, enquanto proponente das normas, motivos relacionadoscom a sustentabilidade e funcionamento do prprio Estado, bem como a ameaa derotura do sistema previdencial (...) num contexto de emergncia social e econmica,colocando ainda a necessidade de satisfao dos compromissos assumidos pelo prprioEstado.

    5. Partindo do pressuposto de que o alargamento da base de incidncia da contribuioextraordinria de solidariedade no altera o seu figurino ou a sua fisionomiaconstitucional e de que assegurada a garantia do mnimo a uma existncia condigna, o

    Governo concluiu pela adequao, necessidade e proporcionalidade desta medida e,assim, pela sua adequao proporcional.

    6. Os requerentes no creem que assim seja pelo que pretendem proceder ao confrontoda norma com a Constituio e dos seus princpios estruturantes, de forma a concluir

    pela sua desconformidade com estes e, portanto, pela sua inconstitucionalidade.

    7. Vejamos, ento, qual a afetao do direito fundamental segurana social,nomeadamente na sua vertente de direito penso.

    8. O Direito segurana social corresponde a um direito social de natureza positiva,

    podendo ser reconduzido ao direito que os indivduos e as famlias tm seguranaeconmica e concretizando-se fundamentalmente em prestaes pecunirias que visam

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    garantir as necessidades de subsistncia que derivam da interrupo dos rendimentos dotrabalho, tentando garantir de modo e de forma o mais aproximada possvel,rendimentos de substituio dos rendimentos do trabalho perdidos.

    9. A sucessiva jurisprudncia constitucional tem considerado o direito proteo na

    reforma como um direito ao repouso (alternativa de repouso com garantia de umsucedneo da retribuio, antes percebida pela prestao de trabalho), como umdireito segurana econmica das pessoas idosas (como estabelecido no art. 72./1 daConstituio da Repblica Portuguesa e no sentido do Acrdo do TribunalConstitucional n. 435/98) e como uma manifestao do direito segurana socialradicada no princpio da dignidade da pessoa humana (visando assegurar,designadamente queles que terminaram a sua vida laboral ativa, uma existnciahumanamente condigna).

    10. Tambm para as penses de invalidez e de sobrevivncia se aplica esta ideia deproteo e da garantia de rendimentos substitutivos dos rendimentos do trabalho, para

    aqueles que deixaram de ter capacidade de trabalho, na primeira situao e paraassegurar a proteo dos familiares sobrevivos face a uma diminuio dos rendimentosdo agregado, na segunda situao.

    11. O Tribunal Constitucional, no seu mais recente Acrdo sobre a matria afirmouque caberia ao legislador ordinrio em funo das disponibilidades financeiras e dasmargens de avaliao e opes polticas decorrentes do princpio democrtico,modelar especificamente esses elementos de contedo das penses.

    12. Assim, o legislador possui margem para conformar o contedo concreto do direito penso desde que respeitados os limites constitucionais, pelo que afirmar o direitoconstitucional penso no o mesmo que afirmar o direito constitucional quele valorde penso. O direito a determinado valor de penso determinado atravs de leiordinria, sendo ento a sua vinculatividade jurdica de valor infraconstitucional.

    13. No entanto, como acima se afirmou, a partir do momento em que o legisladorordinrio fixou, com elevado grau de preciso e certeza, o contedo desse direito, este

    passa a assumir-se na ordem jurdica como plenamente densificado e definitivo,constituindo-se na conscincia jurdica geral com um determinado grau desedimentao, conferindo-lhe o estatuto de direito materialmente constitucional.

    14. Ainda que o Tribunal Constitucional opte por no aderir ao entendimento, defendidopor alguma doutrina nacional, de que essa mesma concretizao passa a integrar anorma de direito fundamental, visto como um todo, passando a estar abrangida pela

    proteo especfica atribuda aos direitos fundamentais, considerar necessria a suasubmisso ao respeito pelos limites constitucionalmente impostos, nomeadamente osque derivam do princpio do Estado de Direito Democrtico.

    15. Convoca-se assim a confrontao desta norma com os princpios da proibio doexcesso (ou proporcionalidade em sentido amplo) e da proteo da confiana.

    16. Relativamente ao princpio da proibio do excesso, este reconduz-se generalidade

    dos controlos e parmetros constitucionais relacionados com a adequao substancial deuma medida restritiva da liberdade ou de direitos constitucionalmente garantidos,

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    assumindo-se como referncia fundamentai na fiscalizao da atuao dos poderespblicos num Estado de Direito e como principal instrumento de controlo da atuaorestritiva de direitos fundamentais e da liberdade individual.

    17. Este princpio decorre inquestionavelmente da prpria ideia de Estado de Direito,

    nsita na nossa Constituio, que ainda que no se refira expressamente proporcionalidade como parmetro de controlo, passou a incluir, a partir da revisoconstitucional de 1982, a ideia de proibio do excesso, no seu art. 18./2: A lei s

    pode restringir os direitos, liberdades e garantias nos casos expressamente previstos naConstituio, devendo as restries limitar-se ao necessrio para salvaguardar outrosdireitos ou interesses constitucionalmente protegidos.

    18. A qualidade de idoso e/ou de portador de invalidez implica, em regra, limitaes enecessidades especficas, inerentes quela qualidade, nomeadamente uma menorautonomia e uma maior dependncia de terceiros. Estas necessidades especficas e oscuidados de sade imprescindveis correspondem a despesas, usualmente avultadas, que

    se somam s necessidades bsicas de sobrevivncia, como as despesas com a habitao(renda, gua, gs, eletricidade, etc...) e com a alimentao, ou seja, este conjunto desujeitos tem, normalmente, o seu rendimento consignado a uma leque de despesasmensais fixas, que incidem sobre uma nica fonte de rendimentoa penso.

    19. Recorda-se que segundo dados disponveis relativos aos valores de referncia paraefeitos de comparticipao familiar em lar de idosos, estabelecidos nos sucessivos

    protocolos de Cooperao celebrados entre o Ministro da Solidariedade, Emprego eSegurana Social e a Confederao Nacional das Instituies de Solidariedade ou entreeste e a Unio das Mutualidades Portuguesas, em 2013 o valor de referncia era de938,43. H assim, uma assuno tcita por parte do Ministro da Solidariedade,Emprego e Segurana Social, que o valor de referncia para a sobrevivncia de umidoso com determinadas necessidades de acompanhamento e apoio de terceiros se cifraacima dos 900.

    20. O alargamento da base de incidncia da Contribuio Extraordinria deSolidariedade tem impactos significativos na capacidade do titular de uma penso, emespecial quando estiverem em causa penses de valor mais reduzido, poder desenvolver

    prticas vivenciais compatveis com uma existncia condigna e independente, bemcomo dificulta as suas condies econmicas de fazer face a um conjunto de encargos,gerais e especficos, da sua condio.

    21. Assim, traduzir-se- num sacrifcio especialmente intenso, que ultrapassa em largamedida os limites da proporcionalidade, mostrando-se desrazovel e excessivo noquadro dos sujeitos afetados, que so precisamente aqueles que convocam os valores dasolidariedade e da proteo social.

    22. Quanto aplicabilidade do princpio da proteo da confiana, este princpio aindaque no expressamente referido na Constituio da Repblica Portuguesa, correspondea um princpio essencial na Constituio material do Estado de Direito, retirando-se doart. 2. da Constituio e consubstanciando-se na ideia de estabilidade e segurana

    jurdica.

    23. De acordo com o Acrdo n. 128/2009, do Tribunal Constitucional:

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    Para que haja lugar tutela jurdico-constitucional da confiana necessrio, emprimeiro lugar, que o Estado (mormente o legislador) tenha encetado comportamentoscapazes de gerar nos privados expectativas de continuidade; depois, devem taisexpectativas ser legtimas, justificadas e fundadas em boas razes; em terceiro lugar,devem os privados ter feito planos de vida tendo em conta a perspetiva de continuidade

    do comportamento estadual; por ltimo, ainda necessrio que no ocorram razesde interesse pblico que justifiquem, em ponderao, a no continuidade docomportamento que gerou a situao de expectativa.

    Este princpio postula, pois, uma ideia de proteo da confiana dos cidados e dacomunidade na estabilidade da ordem jurdica e na constncia da atuao do Estado.Todavia, a confiana, aqui, no uma confiana qualquer: se ela no reunir os quatrorequisitos que acima ficaram formulados a Constituio no lhe atribui proteo.

    24. As expectativas dos particulares na continuidade do quadro normativo, no mbitodos regimes de penses, so especialmente intensas, na medida em que so expectativas

    que se aliceraram com o decurso do tempo e com a sucessiva entrega de contribuies,apoiando-se em atividades e atitudes incentivadoras do prprio Estado, atravs documprimento, pelos particulares, da obrigao contributiva. Ainda que o TribunalConstitucional j tenha afirmado que o direito penso no significa o direito adeterminado montante de penso, h que ter em conta que o pensionista efetuadescontos percentuais legalmente determinados sobre os seus rendimentos do trabalho,

    para que adiante, possa usufruir duma penso que pretende refletir as remuneraes queauferia quando no ativo e substituir os rendimentos do trabalho.

    25. A partir do momento em que o sujeito se torna titular do direito penso, este entrana sua esfera jurdica com a natureza de um verdadeiro direito subjetivo, um direitoadquirido que pode ser exigido nos termos exatos em que foi reconhecido.

    26. Os sujeitos a quem se dirige a presente norma fizeram, efetivamente, planos de vidacom base na expectativa de continuidade do quadro normativo, mesmo que esses planosde vida, em concreto, apenas se traduzissem na sobrevivncia e na manuteno de umaexistncia condigna.

    27. Quanto ao interesse pblico subjacente emisso da norma, este corresponde,aproximadamente, ao arrecadar de cerca de 174 milhes de euros, como forma de,atravs da repercusso sobre a mesma categoria de sujeitos (reformados, aposentados e

    pensionistas) da necessidade de ultrapassar os efeitos da declarao deinconstitucionalidade proferida pelo Acrdo n. 862/2013 do Tribunal Constitucional.

    28. Ainda que se possa considerar a relevncia do interesse pblico subjacente diminuio do dfice, este no poder ser feito custa das condies de sobrevivncia edignidade dos pensionistas, nem do atropelar da confiana que estes foram depositandona atuao do Estado.

    29. Acresce a este argumento o facto de, no ano fiscal de 2013, o Governo ter omitidodas contas pblicas 1.045 milhes de euros, no tendo revelado a totalidade domontante atribudo s SGPS (Sociedades Gestores Participaes Sociais) a ttulo de

    benefcios fiscais, o que comprova que uma ligeira reduo dos benefcios fiscaisatribudos em sede de IRC seria suficiente para que o Estado obtivesse a mesma receita

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    esperada pelo agravamento da CES, sendo assim demonstrado que esta violao dosdireitos dos pensionistas desnecessria e, portanto, inconstitucional.

    3. Notificada para responder, a Presidente da Assembleia da Repblica ofereceu omerecimento dos autos.

    Por despacho do Presidente do Tribunal Constitucional, de 31 de maro de 2014, foi,nos termos do artigo 64., n. 1, da LTC, determinada a incorporao do processo n.389/2014 no processo n. 386/2014.

    O Governo, na qualidade de proponente da Lei n. 13/2014, requereu a juno aos autosde uma Nota Explicativa sobre as questes a apreciar.

    Elaborado o memorando a que alude o artigo 63., n 1 da Lei do Tribunal

    Constitucional e fixada a orientao do Tribunal, cabe decidir.

    II. Fundamentao.

    A. Delimitao dos pedidos.

    4. Os dois pedidos formulados pelos requerentes, embora coincidentes quanto a um dospreceitos normativos que contm as normas impugnadaso artigo 76 da Lei n. 83-C/2013, de 31 de dezembro delimitam de forma aparentemente diferente o objeto do

    pedido de fiscalizao de constitucionalidade.

    Na verdade, o pedido formulado pelos deputados do Partido Socialista, incide sobre asnormas do artigo 76. da Lei n. 83-C/2013, de 31 de dezembro (Oramento do Estado

    para 2014) na redao que lhe foi dada pela Lei n. 13/2014; j o pedido subscrito por

    deputados do PCP/PEV/BE, tal como formulado na parte inicial do requerimento, tempor objeto a norma contida no artigo 2. da Lei n. 13/2014, de 14 de maro, queprocede primeira alterao Lei n. 83-C/2013, de 31 de dezembro (Oramento doEstado para 2014).

    A formulao deste segundo pedido parece dar-lhe uma amplitude que excede asquestes de constitucionalidade atinentes s alteraes nos artigos 14. e 76., uma vezque a norma contida no artigo 2. da Lei n. 13/2014 introduz alteraes, no snaqueles artigos, mas tambm nos artigos 77. e 117. da Lei n. 83-C/2013.

    Todavia, dos fundamentos ou razes invocadas pelo autor do pedido e da menoexpressa nas concluses do requerimento inicial, resulta claro que se questiona apenasas alteraes que foram efetuadas aos artigos 14. e 76. daquela Lei. Por isso, o seu

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    pedido tem por objeto as normas do n. 2, do artigo 14 da Lei n 83-C/2013, de 31 dedezembro, na redao dada pela Lei n. 13/2014, de 14 de maro, relativas ao regime

    jurdico das contribuies para a ADSE e as normas do n. 1, alnea a) e do n 2, alneasa) e b), do artigo 76. da mesma Lei, relativas Contribuio Extraordinria deSolidariedade (CES).

    Ainda assim, no que respeita a esta ltima matria, o pedido apresentado no mbito doprocesso n. 389/2014 pode levantar dvidas quanto sua exata coincidncia com opedido constante do processo n. 386/2014, na medida em que este, ao tomar comoobjeto de impugnao as normas do artigo 76., parece apontar para a totalidadedos

    preceitos normativos relativos CES e includos no artigo 76. da LOE de 2014, e noapenas para as alteraes introduzidas neste artigo pelo artigo 2. da Lei n. 13/2014.

    Mas uma anlise mais atenta da fundamentao revela, porm, que o Grupo dedeputados do Partido Socialista apenas tem em vista a fiscalizao daconstitucionalidade da reconfigurao a que este artigo submeteu o regime da CES, em

    particular do novo mbito de incidncia. Do contedo do requerimento facilmente sededuz que os requerentes, apesar de indicarem como objeto de controlo as normas doartigo 76, limitam-se a questionar o alargamento da CES na alterao ao OE 2014,(cfr. pontos 1., 10., 13, 14. e 17.), ou seja, as alteraes que foram introduzidas aoartigo 76. pelo artigo 2. da Lei n. 13/2014, de 14 de maro. Neste sentido,

    particularmente elucidativo o que se diz no ponto 3.: (I) importa, pois, atenta aanterior jurisprudncia do Tribunal Constitucional sobre a matria, aferir se asalteraes introduzidas se afiguram conformes ao texto da Lei Fundamental ou se o seunovo mbito de aplicao e fundamentao colocam em xeque a subsistncia doinstituto, tal como analisado pelo Tribunal no Acrdo n. 183/2013. Emconformidade, toda a argumentao expendida tende, em boa medida, a demonstrar queos pressupostos em que assentou o juzo de no inconstitucionalidade emitido nesteAcrdo deixaram de verificar-se com a nova conformao legislativa.

    No se ignora, certo, que em ambos os pedidos se fazem consideraes de naturezagenrica acerca da CES, e sobre o seu alcance e extenso, analisando essa medida noquadro do direito fundamental segurana social, do qual decorre um direitoconstitucional penso. Mas so sobretudo as diferenas face soluo apreciada poreste Tribunal em 2013, designadamente, a ampliao do mbito de incidncia que, naopinio dos requerentes, justificam um juzo distinto do ento adotado.

    Conclui-se, assim, que o problema de constitucionalidade que os requerentes pretendemver apreciado pelo Tribunal Constitucional , no que toca ao artigo 76. da LOE de2014, o mesmo em ambos os pedidos, e refere-se sujeio das penses, durante o anode 2014, a uma contribuio extraordinria de solidariedade, nos montantes queresultam da redao que o artigo 2. da Lei n. 13/2014 deu quele artigo. No sereferem, pois, s normas da CES na verso originria da LOE de 2014 ou a uma novaCES, mas apenas aoselementosnovos introduzidos por aquele artigo.

    De modo que o objeto do pedido abrange as alteraes introduzidas pelo artigo 2. daLei n. 13/2014, quer quanto ao alargamento da base de incidncia, quer quanto aoaumento da afetao dos rendimentos de pensionistas e aposentados. Ou seja: a

    apreciao de constitucionalidade recai sobre o abaixamento do limite de iseno

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    (alnea a) do n. 1 do artigo 76.) e sobre a reduo dos valores da penso a partir dosquais se aplicam as taxas de 15% e 40% (alneas a) e b) do n. 2 do mesmo artigo).

    o que resulta expressamente do pedido apresentado no processo n. 389/2014, onde seaponta como objeto uma alterao que se materializa no acrscimo da sua base de

    incidncia e [n]a redefinio dos limites dos escales superiores (ponto 2). Mastambm no pedido apresentado pelo Grupo de deputados do Partido Socialista, aindaque no se faa meno especfica s alteraes introduzidas nas alneas a) e b) do n. 2do artigo 76. da LOE de 2014, questiona-se genericamente o agravamento da

    penalizao a que se sujeitam os pensionistas (ponto 13) e alega-se que a alterao aoOramento do Estado para 2014 se afigura claramente violadora do princpio da

    proibio do excesso, impondo um sacrifcio a uma escala inovadora face versooriginria das normas que instituram a CES (ponto 17). Ora, como para esseacrscimo de sacrifcio contribui tambm a redefinio dos escales de penso a que seaplicam as taxas de 15% e de 40%, no h qualquer razo para se excluir do objeto do

    pedido as normas das alneas a) e b) do n 2 do mencionado artigo 76, at porque o

    pedido indica como seu objeto as normas do artigo 76. da Lei n. 83-C/2013.

    De fora dos pedidos, atendendo sua fundamentao e sentido impugnatrio, s fica aalterao ao n. 12. A nova redao acrescenta a salvaguarda das "pensesindemnizatrias auferidas pelos deficientes militares ao abrigo do Estatuto daAposentao, aprovado pelo Decreto -Lei n. 498/72, de 9 de dezembro, (d)as pensesde preo de sangue auferidas ao abrigo do Decreto-Lei n. 466/99, de 6 de novembro, e(d)a transmissibilidade de penso dos deficientes militares ao cnjuge sobrevivo oumembro sobrevivo de unio de facto, que segue o regime das penses de sobrevivnciaauferidas ao abrigo do artigo 8. do Decreto-Lei n. 240/98, de 7 de agosto". Este regimeacresce anteriormente prevista (e mantida) exceo das prestaes indemnizatriasatribudas aos deficientes militares, pelo que a inovao tem um alcance garantstico daintangibilidade de certas penses.

    Quanto ao pedido de fiscalizao das normas doartigo 14. da Lei n. 83-C/2013, de 31de dezembro, apresentado pelo PCP/PEV/BE, da fundamentao do respetivorequerimento resulta que os requerentes no questionam todas as normas desse artigo,mas apenas a alterao que nele foi introduzida pela Lei n. 13/2014, de 14 de maro.Assim, objeto do presente processo a norma do n. 2 do artigo 14. da Lei n. 83-C/2013, de 31 de dezembro, que aprova o Oramento do Estado para o ano de 2014, naredao dada pelo artigo 2. da Lei n. 13/2014, de 14 de maro, o qual determina que

    50% da receita da contribuio da entidade empregadora prevista no artigo 47.-A doDecreto-Lei n. 118/83, de 25 de fevereiro, reverte a favor dos cofres do Estado.

    Por outro lado, nos fundamentos desse recurso, os requerentes argumentam que aquelaalterao legislativa tem que ser analisada conjuntamente com a Proposta de lei n.211/XII, que veio dar origem Lei n. 30/2014, de 19 de maio, onde se props oaumento de 1% das contribuies dos beneficirios para a ADSE. S que, quando foiapresentado o pedido de fiscalizao de constitucionalidade, aquela Lei n 30/2014ainda no havia sido aprovada e por isso mesmo a norma relativa ao aumento dacontribuio dos trabalhadores para a ADSE de 2,5% para 3,5% no pode fazer parte do

    pedido, seja em si mesma ou em conjugao com os preceitos que suportam as normas

    impugnadas.

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    B. Alteraes introduzidas no artigo 76. da LOE para 2014

    1. Normas impugnadas: justificao, configurao, efeitos e mbito temporal devigncia

    5. O artigo 76. da LOE de 2014, onde foram introduzidas, pelo artigo 2. da Lei n.13/2014, de 14 de maro, as alteraes questionadas, na parte que aqui mais releva, temo seguinte teor:

    Artigo 76.

    Contribuio extraordinria de solidariedade

    1 - Durante o ano de 2014 as penses pagas a um nico titular so sujeitas a umacontribuio extraordinria de solidariedade (CES), nos seguintes termos:

    a) 3,5 % sobre a totalidade das penses de valor mensal entre 1000 e 1800;

    b) 3,5 % sobre o valor de 1800 e 16 % sobre o remanescente das penses de valor

    mensal entre 1800 e 3750, perfazendo uma taxa global que varia entre 3,5 % e 10%;

    c) 10 % sobre a totalidade das penses de valor mensal superior a 3750.

    2 - Quando as penses tiverem valor superior a 3750 so aplicadas, em acumulaocom a referida na alnea c) do nmero anterior, as seguintes percentagens:

    a) 15 % sobre o montante que exceda 11 vezes o valor do IAS mas que no ultrapasse

    17 vezes aquele valor;

    b) 40 % sobre o montante que ultrapasse 17 vezes o valor do IAS.

    3 -

    4 - O disposto nos nmeros anteriores no aplicvel ao reembolso de capital erespetivo rendimento, quer adotem a forma de penso ou prestao pecuniria vitalciaou a de resgate, de produto de poupana individual facultativa subscrito e financiadoem exclusivo por pessoa singular.

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    5 - Para efeitos de aplicao do disposto nos n.os 1 a 3, considera -se a soma de todas asprestaes percebidas pelo mesmo titular, independentemente do ato, facto oufundamento subjacente sua concesso.

    6 - Nos casos em que, da aplicao do disposto no presente artigo, resulte uma

    prestao mensal total ilquida inferior a 1 000, o valor da CES devida apenas onecessrio para assegurar a perceo do referido valor.

    7 - Na determinao da taxa da CES, o 14. ms ou equivalente e o subsdio de Natalso considerados mensalidades autnomas.

    8 - A CES reverte a favor do IGFSS, I. P., no caso das penses atribudas pelo sistemade segurana social e pela CPAS, e a favor da CGA, I. P., nas restantes situaes,competindo s entidades processadoras proceder deduo e entrega da contribuioat ao dia 15 do ms seguinte quele em que sejam devidas as prestaes em causa.

    9 - (Revogado).

    10 -

    11 -

    12 -

    6. Na Exposio de Motivos da Proposta de lei n 193/XII que deu origem Lei n.13/2014, de 14 de maro, o Governo enunciou as razes ou motivos que odeterminaram a propor alteraes ao regime da CES estabelecido no artigo 76 da LOEde 2014.

    Comeando por indicar a circunstncia que impulsionou a atuao legislativa adeciso do Tribunal Constitucional constante do Acrdo n 862/2013 fez umaexposio enunciadora das razes que justificaram a criao da CES na LOE de 2011 ea sua manuteno nas leis oramentais posteriores, com referncia especial para o nvelincomportvel de despesa pblica atualmente suportado pelo Estado com o sistema

    pblico de penses, o qual, em 2013, atingiu quase 15% do PIB, o correspondente a

    30,1% da despesa pblica, situao essa que ameaa de rutura o sistema previdencial,com os consequentes custos intrageracionais e intergeracionais, ameaa essa agravada

    pelo contexto de excecionalidade econmica e financeira em que o Pas vive.

    Seguidamente, o proponente da lei procura responder a eventuais dvidas deconstitucionalidade com base na argumentao adotada pelo Tribunal Constitucional noAcrdo 187/2013, aludindo validade jurdica da CES, por se tratar de um tributo

    parafiscal, o qual pode incidir sobre os prprios beneficirios ativos, fazendo-oscontribuir para o financiamento do sistema. Nesse sentido, declara que sendo a CESuma medida conjuntural de carter transitrio, concebida para assegurar o

    financiamento do sistema previdencial num contexto de emergncia econmica efinanceira e a satisfao dos compromissos sociais assumidos pelo Estado, a condiode pensionistas (que so os beneficirios diretos e imediatos da solvabilidade do

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    sistema) constitui fundamento material bastante para que sejam convocados paraassegurar a sua participao no financiamento do sistema de segurana social, numcontexto extraordinrio de exigncias de financiamento que, de outra forma,

    sobrecarregariam o Oramento do Estado ou se transfeririam para as geraesfuturas.

    Aps concluir que a CES consiste numa medida transitria, de natureza excecional,cuja manuteno no ordenamento jurdico se encontra dependente da verificao dos

    pressupostos de facto e de direito que inicialmente justificaram a sua criao,

    explicitando que o reajustamento proposto no altera, todavia, o seu perfil nem, to-pouco, a sua fisionomia constitucional,justifica as alteraes ao artigo 76 da LOE de2014 do seguinte modo:

    Com efeito, continuando a verificar-se integralmente os pressupostos deexcecionalidade econmica e financeira que estiveram na origem da necessidade da

    sua previso nas trs ltimas leis oramentais, a CES mantm o objetivo especfico de

    reforo financeiro dos sistemas de proteo social, sendo o acrscimo da sua base deincidncia e a redefinio dos limites dos escales superiores que agora se aprovamresultados da necessidade imperiosa de garantir uma interveno corretiva urgente nosacentuadssimos desequilbrios de que padecem hoje em dia os sistemas de penses

    pblicos, procurando-se, por esta via, contribuir para a sua sustentabilidade esolvabilidade a mdio e longo prazo.

    A proposta de lei em apreo materializa, pois, a opo poltica de alargar o mbitoobjetivo da atual CES a penses de montante inferior (a partir de 1000), reajustando-

    se, em face desse alargamento, o respetivo mbito de aplicao no que se refere aouniverso de pensionistas abrangidos. No entanto, o alargamento do mbito objetivo damedida, nos termos constantes do presente diploma, permite garantir que mais de 87%dos pensionistas dos sistemas da Segurana Social e da Caixa Geral de Aposentaes

    sejam isentos da aplicao da CES.

    Como j foi referido, o presente diploma surge ainda em resposta necessidade de darcumprimento ao Acrdo do Tribunal Constitucional n. 862/2013, o qual, tendoinviabilizado o diploma que estabelecia um conjunto de mecanismos de convergnciade proteo social, impediu o Estado de obter uma poupana significativa dos seusencargos com prestaes sociais, colocando, assim, em risco o cumprimento das metasoramentais para 2014, num contexto em que se reveste de enorme importncia o

    cumprimento dos objetivos e compromissos acordados com as instnciasinternacionais, em face da aproximao do final do Programa de AjustamentoEconmico, da recuperao da autonomia financeira do Estado e da expectativa derecuperar e manter o acesso pleno ao financiamento de mercado.

    Este alargamento da CES constitui uma medida que deve, pois, prima facie ser vista noquadro de excecionalidade econmico-financeira decorrente da aplicao do

    Programa de Ajustamento Econmico, o qual j justificou a aplicao de medidas deidntico teor. Assume-se nesse contexto como uma medida transitria e ancorada scondicionantes financeiras em que o Pas est ainda inserido.

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    7.No obstante o fim imediato do reforo financeiro dos sistemas de proteo social, demodo a assegurar o cumprimento das metas oramentais para 2014, a CES apareceagora referenciada tambm como indcio de uma eventual reforma estrutural do sistemade penses. Alm de se continuar a afirmar que a CES constitui uma medida transitriade carter conjuntural, concebida para assegurar o financiamento do sistema

    previdencial num contexto de emergncia econmica e financeira e a satisfao doscompromissos sociais assumidos pelo Estado, tambm se sustenta que, em certamedida, a contribuio pode assumir um carter estrutural,complementar s reformasde natureza definitiva j em curso no sistema, entre as quais se contam o ajustamento daidade da reforma e a alterao da frmula de clculo do fator de sustentabilidade.

    Desta forma, a CES viria antecipar novas alteraes de regime jurdico, duradouras,com vista proteo do interesse pblico na sustentabilidade do sistema pblico de

    penses, configurando-se como uma medida de ajustamento destinada a responder significativa eroso dos pressupostos econmicos, financeiros e demogrficos que osistema de segurana social tem sofrido, com riscos profundos para a sustentabilidade

    de todo o sistema.

    Como pode ler-se na j mencionada Exposio de Motivos:

    Mas a CES constitui ainda uma medida de ajustamento destinada a responder significativa eroso dos pressupostos econmicos, financeiros e demogrficos que osistema de segurana social tem sofrido, com riscos profundos para a sustentabilidadede todo o sistema. Esses pressupostos abrangem, designadamente, o aumento daesperana mdia de vida, o crescimento econmico, a situao do mercado laboralinterno.

    por isso que a CES foi corretamente configurada, em aresto anterior do TribunalConstitucional, como uma contribuio para a segurana social, que tem em vista,como se escreveu no Acrdo n. 187/2013, contrariar a tendncia deficitria da

    segurana social e permitir satisfazer os compromissos assumidos com as prestaesda segurana social e de proteo social da funo pblica.

    Nesse sentido, importante referir que, pese embora a CES permanea como umamedida extraordinria atendendo presente conjuntura econmico-financeira, ela nodeixa de refletir a situao de insustentabilidade do sistema de segurana social,assumindo-se por isso quer como uma medida complementar s reformas estruturais j

    em curso no sistema (designadamente, o ajustamento da idade da reforma, a alteraoda frmula de clculo do fator de sustentabilidade, e o percurso de convergncia entreo regime da CGA e do regime geral da segurana social que tem vindo a ser feito),quer como antecipadora de outras reformas duradouras no sentido de proteger osinteresses pblicos da sustentabilidade do sistema pblico de penses, da justiaintergeracional e intrageracional entre pensionistas.

    8. Cumpre registar que a CES, que agora objeto de fiscalizao judicial, no seapresenta como medida inovatria, pois os rendimentos de penses so objeto dessacontribuio desde 2011, ano em que foi instituda pelo artigo 162. da Lei n 55-A/2010, de 31/12 (LOE de 2011).

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    Todavia, o seu concreto recorte jurdico tem vindo a sofrer alteraes significativas deano para ano. Assim: (i) em 2011, a CES resultava da aplicao de uma taxa de 10 %,sobre o montante da penso que excedia 5000 euros, por fora do artigo 162 da Lei n.55-A/2010, de 31 de dezembro (LOE de 2011); (ii) em 2012, a medida foi agravada, emtermos mais prximos aos agora previstos, atravs do n. 15 do artigo 20. da Lei n. 64-

    B/2011, de 30 de dezembro (LOE de 2012), que dispunha que as penses, subvenese outras prestaes pecunirias de idntica natureza, pagas a um nico titular, sosujeitas a uma contribuio extraordinria de solidariedade, nos seguintes termos: a) 25% sobre o montante que exceda 12 vezes o valor do indexante dos apoios sociais (IAS)mas que no ultrapasse 18 vezes aquele valor; b) 50 % sobre o montante que ultrapasse18 vezes o IAS; (iii) e em 2013, foi novamente reformulada, atravs do artigo 78. daLei n. 66-B/2012, de 31/12, que alargou a base contributiva aos regimescomplementares de iniciativa privada e acentuou o seu carter progressivo.

    Em 2014 tem uma estrutura idntica vigente no ano econmico de 2013, sendo omodo de apuramento, de acordo com a frmula inicial, o seguinte:

    i) as penses inferiores a 1350 encontravam-se isentas de contribuio;

    ii) ao conjunto das penses situado entre os 1350 e os 1800 aplicava-se uma taxa de3,5% (garantindo uma penso mnima de 1350);

    iii) as penses entre 1800 e 3750, combinavam uma tributao linear de 3,5% sobe ovalor de 1800, acrescida de 16% para o montante que exceda este valor;

    iv) as penses de valor superior a 3750 contribuem com 10%, sendo esta contribuioagravada em mais 15% para os valores que se situem entre 5030,64 e 7545,96, e emmais 40% para os valores superiores a este ltimo valor.

    No entanto, no que respeita aos pensionistas da Caixa Geral de Aposentaes (CGA.IP),esta contribuio encontrava-se articulada com as alneas a), b), c) e d) do n 1 do artigo7 do Decreto da Assembleia da Repblica n 187/XII sobre as quais houve uma

    pronncia de inconstitucionalidade no Acrdo n 862/2013 , as quais instituamregras de convergnciada frmula de clculo das penses da CGA.IP com as regras declculo do regime geral de segurana social. O artigo 76 continha uma normao n 9,revogado pela Lei n. 13/2014, de 14 de maro que impedia a acumulao da CEScom a reduo das penses operada no quadro daquela convergncia, evitando assim

    que os pensionistas abrangidos por esse regime fossem duplamente penalizados. Ouseja, a CES s produziria efeito na parte em que excedesse o valor da reduo resultanteda aplicao do regime de convergncia.

    Por fim, o artigo 2. da Lei n. 13/2014, aqui em anlise, deu nova redao ao artigo 76.da LOE 2014, introduzindo vrias alteraes relevantes em relao ao anterior regime

    jurdico, nomeadamente, o alargamento da base de incidncia e o aumento da taxaefetiva para as penses mais elevadas.

    O novo quadro legal pode resumir-se nos seguintes termos:

    i) os titulares de rendimentos de penses entre 1000 e 1350 euros passam agora aintegrar o mbito da aplicao da CES;

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    ii) as penses situadas entre 1350 e 4611,42 euros (11 vezes o IAS) mantm o mesmonvel de contribuio que decorria do OE/2014 (entre 3,5% e 10%);

    iii) para as penses superiores a este valor (4611,42 euros) a reformulao da CESconduz a um aumento da taxa efetiva, o qual mais acentuado para as penses acima

    dos 7126,74 euros (17 vezes o IAS);

    iv) houve uma alterao da clusula de salvaguarda que garante um valor final dapenso nunca inferior a 1000 euros, aps a aplicao da CES.

    9.A nova configurao, atravs do alargamento da base de incidncia e do aumento dataxa efetiva para as penses mais elevadas, apresentada como uma medida oramentalcompensadora do acrscimo de despesa com as penses da CGA.IP decorrente da

    pronncia de inconstitucionalidade das normas das alneas a), b), c) e d) do Decreto da

    Assembleia da Repblica n 187/XII, que estabeleciam mecanismos de convergncia depenses entre o sistema geral de segurana social e o da proteo social dosfuncionrios da Administrao Pblica (cfr. Acrdo n 862/2013), a qual projetouefeitos jurdico-materiais no n 9 do artigo 76 da LOE de 2014, que articulava aquelasnormas com a CES.

    Como se explica no relatrio da Unidade Tcnica de Apoio Oramental da Assembleiada Repblica (Parecer Tcnico n. 1/2014, Anlise da 1. alterao ao Oramento doEstado para 2014), a pronncia de inconstitucionalidade das normas sobre o regime deconvergncia de proteo social implicou um aumento de previso de despesa com

    penses e outros abonos da CGA.IP em 735M.

    A reformulao da CES, nos moldes definidos pelo artigo 2 da Lei n 13/2014, tem emvista financiar parcialmente esse acrscimo de despesa, apontando as estimativasoficiais para que o montante da contribuio que reverte para a CGA.IP seja de cerca de644 milhes de euros. Relativamente frmula inicialmente prevista na LOE de 2014,h um aumento de 514 milhes de euros, aumento este que resulta, por um lado, dareposio integral da CES sobre os indivduos antes sujeitos ao regime jurdico daconvergncia de penses (estimado em 340M, segundo o Relatrio do OE/2014) e poroutro lado, do alargamento da base de incidncia (174M).

    Efetivamente, comparando as alteraes relevantes na nova configurao da CES comas redues que decorreriam do regime de convergncia de penses, verifica-se que elatem (i) subjacente um desagravamento da taxa efetiva para as penses da CGA.IP denvel mais reduzido, nomeadamente para os titulares de penses situadas entre 600 e3750 euros, (ii) que as penses situadas entre 3750 e 4611,42 euros mantm o mesmonvel de reduo - 10% - que decorria do OE de 2014, (iii) e que relativamente s

    penses brutas superiores a 4611,42 euros, a reformulao da CES conduziu a umaumento da sua taxa efetiva, em particular a partir das penses acima do valor de

    7126,74.

    Ainda segundo o Parecer n 1/2014 da UTAO, verifica-se que o acrscimo de 735M na

    despesa em penses e outros abonos da responsabilidade da CGA.IP compensado,para alm dos 514,2M decorrente da reformulao da CES, com transferncias do

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    Oramento de Estado, no valor de 220,8M. E que o impacto dessa reformulao nooramento da segurana social representa um receita adicional de 61M, a quecorresponde uma reduo de igual valor das transferncias correntes do Estado para esseoramento.

    Quanto ao nmero de pensionistas atingidos pela CES, na reformulao prevista nooramento retificativo, constata-se que ela passou a abranger 165.497 novospensionistas, sendo 85.635 da CGA.IP e 79.863 da segurana social, verificando-se umaelevada concentrao no primeiro intervalo de rendimentosentre 1000 e 1800 euros,o qual inclui cerca de 51,3% e 70,5% do total dos pensionistas cuja contribuio receita da CGA.IP e da segurana social, respetivamente.

    10. No que respeita ao mbito temporal de vigncia da CES, com a remodelaooperada pelas normas impugnadas, h que determinar, em face dos dados objetivos ao

    dispor do Tribunal, se esta ainda uma medida temporria, ou se, pelo contrrio, talcomo sustentam os requerentes, essa transitoriedade meramente aparente, uma vez queo prprio Governo d indcios de que o atual regime jurdico incorporar o quadro dereforma permanente do sistema de penses, ainda que sofrendo alteraes e,eventualmente, com nova denominao.

    A vigncia anual da CES no pode ser posta em dvida, pois, alm do mais, o n. 1 doartigo 76. contm uma explcita e precisa clusula de temporalidade, estabelecendo um

    perodo de vigncia correspondente ao ano econmico de 2014. E as alteraesefetuadas a essa disposio pela Lei n. 13/2014, de 14 de maroalargamento da basede incidncia e o aumento da taxa efetiva nas penses mais elevadas s produzemefeitos aps 15 de maro de 2014, data da entrada em vigor daquela lei (cfr. art. 7),

    pelo que a nova reconfigurao s tem efeitos oramentais em cerca de nove meses doano de 2014.

    Simplesmente, estes dados podem no ser por si s conclusivos, no sentido datransitoriedade, pois o artigo 76. da LOE de 2014, na redao dada pelo artigo 2. daLei n. 13/2014, reitera pelo quarto ano consecutivo, ainda que com as alteraes jmencionadas, a imposio de uma contribuio extraordinria de solidariedade sobre osrendimentos das penses, bem como sobre todas as prestaes pecunirias vitalciasdevidas a qualquer ttulo a aposentados, reformados, pr-aposentados ou equiparados,

    que importa uma reduo das prestaes ilquidas mensais percebidas por tais categoriasde cidados.

    Acresce que tal contribuio afetar todos os rendimentos deste tipo auferidos durante oano de 2014, apesar de ter terminado em maio de 2014 o Programa de AssistnciaEconmica e Financeira (PAEF) que impunha objetivos concretos de consolidaooramental a que se autovinculou o Estado Portugus.

    Esta sucessiva reedio de medidas impositivas de contribuies aos beneficirios dosrendimentos de penses, associada agora a indicaes programticas que parecemromper com o horizonte de temporalidade pr-definido por uma situao conjuntural de

    excecionalidade, num contexto de emergncia econmica e financeira, suscita fundadasinterrogaes quanto sua transitoriedade. A regra da anualidade, que o carter

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    oramental e o prprio teor da previso normativa impem, no contraria, s por si, aperdurao indefinida da medida, exigindo apenas a sua renovao anual. E h quereconhecer que a reiterao da medida no pode deixar de atenuar o carter transitrio etemporalmente limitado com que foi avaliada anteriormente.

    Suscita-se, assim, em relao CES, a mesma dvida que no Acrdo n. 413/2014 selevantou em relao s redues remuneratrias dos trabalhadores em funes pblicas,quanto a saber se possvel manter o mesmo juzo de transitoriedade anteriormenteemitido. Pode perguntar-se se a componente inovatria da fundamentao da medida,que levou o Governo a assumi-la tambm como uma medida complementar sreformas estruturais j em curso e antecipadora de outras reformas duradouras no

    sentido de proteger os interesses pblicos da sustentabilidade do sistema pblico depenses, tem o alcance de obstar configurao da CES como uma medidaextraordinria, de resposta atual conjuntura econmico-financeira.

    A resposta deve ser, porm, negativa.

    Efetivamente, apesar do proponente da medida ter dado indicaes de que a CES podeservir de embrio a medidas enquadradas no mbito de uma futura reforma sistmica ouestrutural do sistema pblico de penses, a verdade que esse objetivo mais alargadono impeditivo de que a contribuio possa ser assumida, prima facie, como umamedida transitria e ancorada s condicionantes financeiras em que o Pas estinserido. que esta proclamada natureza encontra traduo normativa imediata nafixao de um prazo de vigncia que no ultrapassa o ano oramental. Ora, no quadroestrito de um processo de fiscalizao de constitucionalidade, no pode deixar deentender-se que com base nos elementos fornecidos pela conformao normativa damedida a apreciar, e no atravs de juzos de prognose quanto ao desenvolvimentofuturo, por bem fundados que eles se apresentem, que deve ser emitida uma pronnciaquanto sua vigncia temporal.

    A circunstncia da CES tambm refletir a situao de insustentabilidade financeira dosistema de segurana social e de ter virtualidade para ulteriormente ser convertida emfator de sustentabilidade, fora de um quadro econmico-financeiro de crise como o quese vive, no lhe retira a natureza de medida extraordinriae transitria, consagrada emnorma oramental, e por conseguinte sujeita regra da anualidade oramental (cfr. n. 1do artigo 106 da CRP). Quer a Exposio de Motivos da Proposta de lei que esteve naorigem da Lei n. 13/2014, quer a Nota Explicativa do Governo, junta aos autos, so

    bem explcitas no sentido de que a CES para 2014, incluindo a reconfigurao ditadapelas normas impugnadas, continua a ter o propsito que guiou a sua criao: acorrer auma situao excecional de emergncia financeira, que exige o reforo dofinanciamento do sistema de penses, o qual no pode ser realizado apenas comtransferncias do Oramento de Estado.

    Sobre a questo da temporalidade da CES, o autor da Proposta de lei, na referida NotaExplicativa diz o seguinte: Evidentemente, a soluo agora encontrada visa respondera um quadro de excecionalidade econmico-financeira e tem uma naturezacomprovadamente transitria, uma vez que, para alm de estar inscrita numa Lei devigncia anual, o Governo j anunciou a sua substituio por uma medida de carter

    estrutural. Na verdade, prev-se no Documento de Estratgia Oramental 2014-2018,apresentado em abril de 2014, que a CES ser substituda, a partir de 2015, por "uma

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    medida duradoura dirigida ao sistema geral de penses, respeitando as orientaesavanadas pelo Tribunal Constitucional, no Acrdo de 19 de dezembro de 2013.

    Assim sendo, no pode deixar de se reconhecer que, na forma segundo a qual seencontra normativamente concretizada isto , enquanto medida de natureza

    oramental destinada a vigorar durante o ano de 2014 a CES assume, efetivamente,um carter excecional e transitrio, diretamente relacionado com os objetivosimediatos de equilbrio oramental e sustentabilidade das finanas pblicas que olegislador afirma querer prosseguir. Por isso, sobre a CES, em si mesma, tal comonormativamente configurada, pela sua natureza prpria, sem levar em conta a naturezadiferente de eventuais posteriores medidas funcionalmente substitutivas, que deve recairo juzo quanto temporalidade.

    Podemos, assim concluir que lcito ao Tribunal Constitucional, na sequncia da suaanterior jurisprudncia, entender que o artigo 76. da Lei n. 83-C/2013, na redao quelhe foi dada pela Lei n. 13/2014, institui ainda uma medida de natureza transitria ou

    temporria, fator que dever ser levado em conta na ponderao subjacente ao juzo deconstitucionalidade.

    2. Violao do princpio da proteo da confiana

    11.Ambos os requerentes impugnaram a validade das normas do artigo 76 da Lei n.83-C/2013, de 31 de dezembro, na redao que lhe foi dada pela Lei n. 13/2014, de 14de maro, convocando como parmetro constitucional o princpio da proteo daconfiana, decorrente do princpio do Estado de Direito contemplado no artigo 2. daCRP.

    No essencial, alegam que as normas impugnadas reeditam um tributo parafiscal que temcomo resultado prtico a ablao de uma parcela significativa dos rendimentos de

    penses, o que equivale ao no cumprimento dos compromissos estabelecidos peloEstado, no quadro do sistema de proteo social, constitucionalmente previsto e

    protegido no artigo 63., n. 2, da Lei Fundamental. Uma situao que prolonga notempo a reduo de parte dos rendimentos de uma categoria de cidados que se encontra

    em situao de especial fragilidade, face impossibilidade de redefinio dos planos devida e grande dificuldade em encontrar fontes alternativas de rendimento.

    E que o simples facto de se prolongar, pelo segundo ano seguido, uma medida destadimenso e gravidade representa uma leso das legtimas expectativas dos particularesna continuidade do quadro normativo, no mbito dos regimes de penses. Estasexpectativas no podem deixar de ser consideradas como particularmente intensas, namedida em que se aliceraram com o decurso do tempo e com a sucessiva entrega decontribuies, apoiando-se em atividades e atitudes incentivadoras do prprio Estado,atravs do cumprimento, pelos particulares, da obrigao contributiva.

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    12. evidente que os pensionistas so titulares de posies jurdicas subjetivasindividuais que resultam diretamente da lei, em termos de poderem exigir do Estado a

    prestao que lhes devida. O reconhecimento dessa posio, com um contedo precisoe definido, deposita nos pensionistas a confiana na estabilidade, continuidade eregularidade dessa posio, nos exatos termos em que a mesma foi constituda. Assim, e

    desde logo, o Tribunal admite que os pensionistas so titulares de uma posiojurdica especialmente tutelada, no que respeita, em particular, ao princpio daproteo da confiana () Chegado o momento em que cessou a vida ativa e se tornou

    exigvel o direito s prestaes, o pensionista j no dispe de mecanismos deautotutela e de adaptao da sua prpria conduta s novas circunstncias, o que gerauma situao de confiana reforada na estabilidade da ordem jurdica e namanuteno das regras que, a seu tempo, serviram para definir o contedo do direito

    penso (Acrdo n. 187/2013).

    No entanto, apesar do direito penso, enquanto direito adquirido, ter maior proteorelativamente a modificaes legislativas posteriores, o que est confirmado nos artigos

    20. e 66. da Lei de Bases gerais do sistema de segurana social (cfr. Lei n. 4/2007, de16 de janeiro), a necessidade de salvaguardar direitos ou interesses constitucionalmente

    protegidos que devam considerar-se prevalecentes pode legitimar afetaes dos direitose expectativas legitimamente fundadas dos pensionistas. De facto, mesmo que severifiquem os demais requisitos concretizadores do princpio da proteo da confiana,razes de interesse pblico podem justificar, em ponderao, a no continuidade docomportamento que gerou a situao de expectativas.

    Ora, no que respeita CES, essa ponderao j foi feita pelo Tribunal Constitucional noAcrdo n 187/2013, que confrontou o regime jurdico da CES, previsto no artigo 78da LOE de 2013 Lei n. 66-B/2012, de 31 de dezembro , com o princpio daconfiana, concluindo pela inexistncia de inconstitucionalidade.

    Depois de verificar a evoluo do regime previdencial da segurana social e de terconcludo que a evoluo de poltica legislativa aponta j para uma gradualadaptao do quadro legal das penses aos novos condicionalismos sociais, de modo a

    garantir-se a maior equidade e justia social na sua concretizao, o Tribunalanalisou as razes que determinaram a criao da contribuio extraordinria desolidariedade, afirmando o seguinte:

    A(a)s normas ora impugnadas surgem impulsionadas por uma necessidade conjuntural

    e emergente de reduo da afetao de verbas pblicas manuteno do sistema desegurana social.

    A CES foi, na realidade, concebida exclusivamente para fazer face, juntamente comoutras medidas, situao de crise econmico-financeira, que ter transitoriamentetambm exigido, no quadro das opes de base feitas pelo poder poltico, um urgentereforo do financiamento do sistema de segurana social, custa dos prprios

    beneficirios.

    Perante a conjugao de uma diminuio das receitas do sistema de segurana social,face ao forte aumento do desemprego, reduo dos salrios e s novas tendncias

    migratrias, com um aumento das despesas com o apoio ao desemprego e s situaesde pobreza, e consequente necessidade do Estado subsidiar o sistema de segurana

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    social, agravando desse modo o dfice pblico, o legislador, a ttulo excecional e numasituao de emergncia, optou por estender aos pensionistas o pagamento decontribuies do sistema de segurana social do qual so direta ou indiretamente

    beneficirios, apenas durante o presente ano oramental.

    , pois, atendendo natureza excecional e temporria desta medida, tendo porfinalidade a satisfao das metas do dfice pblico exigidas pelo Programa deAssistncia Econmica e Financeira, que a sua conformidade com os princpiosestruturantes do Estado de direito democrtico deve ser avaliada.

    E aps ter reconhecido que os pensionistas tm expectativas legtimas na continuidadedo quadro legislativo e na manuteno da posio jurdica de que so titulares, no lhessendo sequer exigvel que tivessem feito planos de vida alternativos em relao a um

    possvel desenvolvimento da atuao dos poderes pblicos suscetvel de se repercutir nasua esfera jurdica, o Tribunal confrontou a situao de confiana dos pensionistas queforam afetados pela CES com o interesse pblico por ela visado, concluindo o seguinte:

    Em face do condicionalismo que rodeou a implementao da contribuioextraordinria de solidariedade, no s as expectativas de estabilidade na ordem

    jurdica surgem mais atenuadas, como so sobretudo atendveis relevantes razes deinteresse pblico que justificam, em ponderao, uma excecional e transitriadescontinuidade do comportamento estadual.

    Como j resulta da ponderao efetuada noutro local, a propsito deste princpio, ointeresse pblico a salvaguardar, no s se encontra aqui perfeitamente identificado,como reveste uma importncia fulcral e um carter de premncia que lhe confere umamanifesta prevalncia, ainda que no se ignore a intensidade do sacrifcio causado sesferas particulares atingidas pela nova contribuio.

    ()

    No h, pois, nenhuma evidncia, em todo este contexto, de uma infrao ao princpioda proteo da confiana.

    Tendo isto em conta, o que cumpre apreciar se, no caso em anlise, se divisam razessuficientes para divergir da ponderao valorativa acima explanada. Cabe, pois,determinar, no presente processo, se a replicao da medida na LOE de 2014, com um

    alargamento da respetiva base de incidncia e a alterao das taxas efetivas aplicadasem alguns dos escales legalmente definidos, se encontra ainda dentro dos limitestraados pelo princpio jurdico-constitucional, tal como tem vindo a ser densificado em

    jurisprudncia constante e reiterada deste Tribunal.

    13. Antes de mais, recorde-se que se est perante uma situao de confianaconstitucionalmente tutelada to-s nos casos em que se verifiquem cumulativamentetrs pressupostos: i) que as expectativas de estabilidade do regime jurdico em causatenham sido induzidas ou alimentadas por comportamentos dos poderes pblicos; ii)

    que tais expectativas sejam legtimas, fundadas em boas razes, a avaliar no quadroaxiolgico jurdico-constitucional; iii) por ltimo, que o cidado tenha orientado a sua

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    vida e feito opes decisivas, precisamente, com base em expectativas de manutenode um determinado regime jurdico (Acrdos ns 287/90 e 128/2009).

    Verificados estes requisitos ou testes, dever igualmente ter-se em conta oindispensvel contraplo valorativo, que no caso sub judice constitudo pela

    relevncia do interesse pblico que fundamentou a instituio da CES: a necessidade deequilbrio oramental e de diminuio do dfice pblico num espao de temporelativamente curto. Esta ponderao, a levar a cabo de acordo com os critrios do

    princpio da proibio do excesso, permitir avaliar da eventual razoabilidade oujustificao da leso da confiana invocada.

    Como se afirma no Acrdo n 862/2013, a aplicao do princpio da confiana implicasempre uma ponderao de interesses contrapostos: de um lado, as expectativas dos particulares nacontinuidade do quadro legislativo vigente; do outro, as razes de interesse pblico que justificam ano continuidade das solues legislativas. Os particulares tm interesse na estabilidade da ordemjurdica e das situaes jurdicas constitudas, a fim de organizarem os seus planos de vida e deevitar o mais possvel a frustrao das suas expectativas fundadas; mas a esse interesse contrape-se o interesse pblico na transformao da ordem jurdica e na sua adaptao s novas ideias deordenao social. Como os dois grupos de interesses e valores so reconhecidos na Constituio emcondies de igualdade, impe-se em relao a eles o necessrio exerccio de confronto eponderao para concluir, com base no peso varivel de cada um, qual o que deve prevalecer. Omtodo do juzo de avaliao e ponderao dos interesses relacionados com a proteo daconfiana igual ao que se segue quando se julga sobre a proporcionalidade ou adequaosubstancial de uma medida restritiva de direitos. Mesmo que se conclua pela premncia do interessepblico na mudana e adaptao do quadro legislativo vigente, ainda assim necessrio aferir, luz de parmetros materiais e axiolgicos, se a medida do sacrifcio inadmissvel, arbitrria edemasiado onerosa.

    14.No caso em apreo, observe-se que a reconfigurao da CES levada a efeito peloartigo 2 da Lei n. 13/2014, de 14 de maro, atingiu pensionistas que j estavamabrangidos por essa contribuio e pensionistas que a ela nunca foram sujeitos. Comefeito, enquanto a alterao ocorrida nas alneas a) e b) do n 2 do artigo 76 da LOE de2014 afetou pensionistas j cobertos pela CES os que tm penses superiores a 3750

    e cuja taxa efetiva foi aumentada, a alterao constante da alnea a) do n. 1 do mesmopreceito alargou o mbito subjetivo da CES, passando a atingir tambm os pensionistastitulares de penses superiores a 1000.

    Naturalmente que as expectativas dos pensionistas a quem liquidado e cobrado otributo tm uma dimenso diferente das expectativas daqueles a quem o mesmo nuncafoi exigido. A situao de confiana na continuidade do regime legal diferente, pois,estando a CES ligada a um elemento temporal um ano econmico , a confianadepositada por quem j est temporariamente abrangido s pode ser que a mesma novenha a ser renovada no ano seguinte; j quem nunca foi afetado, no deixa de verfrustrada a expectativa de que o rendimento da sua penso no seria atingido pelacontribuio.

    Ora, para os pensionistas includos na base de incidncia subjetiva da CES desde 2013aqueles que agora vem agravada a taxa efetiva, por serem titulares de penses de valorsuperiores a 3750 pode defender-se que no existem verdadeiras expectativas de noreposio da CES para o ano em curso, nem que se tenha gerado uma situao de

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    confiana tutelvel de que tal regime no seria alterado, in pejus, quanto s taxasaplicveis. Na verdade, situando-se ainda, pelo menos parcialmente, dentro do perodode vigncia do PAEF e integralmente dentro do perodo de observncia de metas dereduo do dfice oramental por este programa fixadas, lcito sustentar que a decisode renovar ou alterar a CES, no constitui um facto imprevisvel ou, pelo menos,

    contrrio s expectativas legtimas e razoveis que o Estado tenha criado nos cidados.

    J a situao de confiana de quem foi pela primeira vez afetado pela CES - osabrangidos pela alnea a) do n. 1 do artigo 76 - pode ser de maior consistncia, umavez que a excluso do mbito subjetivo do tributo, na configurao que a medida tevenas leis oramentais anteriores, parece induzir uma condio de previsibilidade e deconfiana na continuidade da iseno do tributo e consequentemente na estabilidade doquantumda penso.

    Todavia, tal como se verificou com os pensionistas que pela primeira vez foramafetados pela CES em 2013, quando o limiar de iseno baixou para os 1350,

    relativamente aos quais o Tribunal considerou que as expectativas de estabilidade naordem jurdica se encontravam mais atenuadas em face das circunstncias excecionaisque rodearam a sua implementao, tambm em relao aos pensionistas que agora soatingidos pela alterao daquele limiar pode considerar-se que as expectativas nacontinuidade da posio jurdica em que se encontram esto enfraquecidas, j que semantm o contexto de excecionalidade econmica que justificou a criao daqueletributo e as suas sucessivas alteraes. Na verdade, como se reconhece no Acrdo n187/2013, a situao de confiana legtima imputvel ao Estado no se forma com amesma consistncia relativamente a uma medida de carter extraordinrio e transitrio,que justifica uma excecional e transitria descontinuidade do comportamentoestadual. Perante a excecionalidade da situao de facto que propulsionou anecessidade da contribuio situao de emergncia econmico-financeira que fezdiminuir as transferncias do Oramento de Estado para os sistemas de proteo social, mais atenuadas surgem as expectativas daqueles que por ela foram afetados.

    Acresce que, aps o legislador ter reformulado a CES na LOE de 2013, alargando abase de incidncia contributiva e o universo das penses atingidas passando a estarabrangidas penses de montante significativamente inferior (1350) e estendendo-se otributo aos regimes complementares de iniciativa coletiva privada as expectativas dequem nessa altura no foi afetado tambm se atenuaram, uma vez que a reformatio in

    pejusdo tributo no suscetvel de despertar a confiana de que a iseno se continuar

    a manter. Ou seja, a reconfigurao da CES efetuada em 2013 no um dado queestimule a confiana que os pensionistas inicialmente isentos de contribuiodepositavam na inalterabilidade da sua situao, antes pelo contrrio um facto queindicia reduzida previsibilidade e estabilidade da relao desses pensionistas para com oEstado.

    Assim sendo, parece ser de seguir, quanto a esta questo, o entendimento do TribunalConstitucional plasmado nos Acrdos n. 396/2011 e 187/2013, nos quais, a propsitodas redues remuneratrias que atingiram os trabalhadores em funes pblicas, seafirmou que numa conjuntura de absoluta excecionalidade, do ponto de vista da

    gesto financeira dos recursos pblicos (...) pode pr-se em dvida (...) se, no momento

    em que as redues entraram em vigor, persistiam ainda as boas razes que, numasituao de normalidade, levam a atribuir justificadamente consistncia e legitimidade

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    s expectativas de intangibilidade de vencimentos (Acrdo n. 396/2011). Estaargumentao foi reiterada no Acrdo n. 187/2013, no qual o Tribunal entendeu quea relativizao das expectativas que podem legitimamente criar-se em torno dairredutibilidade das remuneraes a pagar por verbas pblicas era, em 2013, por

    fora da manuteno da situao de excecionalidade financeira, mais acentuada e

    evidente.

    Mas, independentemente da avaliao que se faa da relevncia dos interesses dospensionistas atingidos pelas normas impugnadas e da intensidade da sua afetao, hque ter em conta que o interesse pblico prosseguido com o alargamento da base deincidncia subjetiva da CES de importncia fulcral e com carter de premncia quelhe confere uma manifesta prevalncia, tal como se avaliou e ponderou no Acrdo n.187/2013. As expectativas dos pensionistas afetados pela alterao legislativa noresistem necessidade de financiamento da segurana social no ano econmico de2014, na situao excecional invocada pelo legislador. Se est em risco o cumprimentodas metas oramentais para o ano de 2014, justifica-se alguma frustrao daquelas

    expectativas, especialmente num contexto em que se reveste de enorme importncia ocumprimento dos objetivos e compromissos acordados com as instnciasinternacionais, em face da aproximao do final do Programa de Ajustamento

    Econmico, da recuperao da autonomia financeira do Estado, e da expectativa derecuperar e manter o acesso pleno ao financiamento de mercado.

    Anote-se, porm, que a posio dos pensionistas perante a CES e as sucessivasreformulaes no tem comparao com a confiana por eles depositada na manutenoda frmula de clculo da penso estatutria que foi apreciada no Acrdo n 862/2013,onde se declarou a inconstitucionalidade, por violao do princpio da confiana, dasnormas que pretendiam alterar a frmula de clculo das penses pagas pela CGA.IP,visando a convergncia com o regime geral da segurana social. Enquanto a CES uma medida excepcional e transitria, consagrada em norma oramental, destinada afazer face a uma situao de emergncia econmica e financeira e de desequilbriooramental, a convergncia foi apresentada como uma medida estruturalalterao dataxa de substituio , inserida num diploma prprio regulador do regime dasegurana social, tendo em vista a sustentabilidade do sistema pblico de penses e a

    justia intergeracional. obvi