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Tribunal de Contas da União GRUPO II CLASSE VII - Plenário TC-010.688/1999-4 – c/ 06 volumes Natureza: Incidente de Uniformização de Jurisprudência. Órgão: Tribunal Regional do Trabalho – 24ª Região/MS Interessados: Ana Luiza Lazzarini Lemos (CPF não consta), Catarina Alves Arantes (CPF 220.350.521-49), Ynes da Silva Félix (CPF nº 294.294.711-04), Alcides Ribeiro Alves (CPF nº 033.686.614-34), Hugo Cleon de Melo Coutinho (CPF 025.176.478-87), Moacir Scândola (CPF 024.574.151-87), Oswaldo Barbosa de Almeida (CPF nº 075.243.151-04), Paulo Augusto Vaz (CPF nº 176.043.207-59), Rudenir de Andrade Nogueira (CPF nº 070.508.361-68). Advogado: Alexandre Matsuda Nagel (OAB/DF n.º 19.917 e OAB/SP n.º 197.304). Sumário: Incidente de Uniformização de Jurisprudência. Divergência entre deliberações do TCU no tocante à dispensa de devolução de parcelas da Gratificação Extraordinária percebidas indevidamente por servidores de boa-fé, com base em interpretação equivocada realizada por autoridade competente da Justiça do Trabalho. Uniformização da Jurisprudência. Firmar entendimento no sentido de dispensar a devolução de valores recebidos indevidamente até a edição da Lei n.º 9.421/96, concomitante ou retroativamente. Considerações acerca da conveniência de sobrestar os processos afins, quando da instauração de incidente de uniformização. Considerações acerca da necessidade de realizar audiência dos responsáveis por pagamentos indevidos a servidores públicos, bem como de determinar aos gestores que comuniquem aos interessados acerca da deliberação 1

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Tribunal de Contas da União

GRUPO II – CLASSE VII - Plenário TC-010.688/1999-4 – c/ 06 volumesNatureza: Incidente de Uniformização de Jurisprudência.Órgão: Tribunal Regional do Trabalho – 24ª Região/MSInteressados: Ana Luiza Lazzarini Lemos (CPF não consta), Catarina Alves Arantes (CPF nº 220.350.521-49), Ynes da Silva Félix (CPF nº 294.294.711-04), Alcides Ribeiro Alves (CPF nº 033.686.614-34), Hugo Cleon de Melo Coutinho (CPF 025.176.478-87), Moacir Scândola (CPF nº 024.574.151-87), Oswaldo Barbosa de Almeida (CPF nº 075.243.151-04), Paulo Augusto Vaz (CPF nº 176.043.207-59), Rudenir de Andrade Nogueira (CPF nº 070.508.361-68).Advogado: Alexandre Matsuda Nagel (OAB/DF n.º 19.917 e OAB/SP n.º 197.304).

Sumário: Incidente de Uniformização de Jurisprudência. Divergência entre deliberações do TCU no tocante à dispensa de devolução de parcelas da Gratificação Extraordinária percebidas indevidamente por servidores de boa-fé, com base em interpretação equivocada realizada por autoridade competente da Justiça do Trabalho. Uniformização da Jurisprudência. Firmar entendimento no sentido de dispensar a devolução de valores recebidos indevidamente até a edição da Lei n.º 9.421/96, concomitante ou retroativamente. Considerações acerca da conveniência de sobrestar os processos afins, quando da instauração de incidente de uniformização. Considerações acerca da necessidade de realizar audiência dos responsáveis por pagamentos indevidos a servidores públicos, bem como de determinar aos gestores que comuniquem aos interessados acerca da deliberação do Tribunal, alertando-os que o efeito suspensivo proveniente da interposição de eventuais recursos não os exime da devolução dos valores percebidos indevidamente após a respectiva notificação. Encaminhamento de cópia do Acórdão à Comissão de Jurisprudência. Ciência aos interessados.

RELATÓRIO

Cuidam os autos de Incidente de Uniformização de Jurisprudência acolhido por este e. Plenário na Sessão de 19/05/2004, quando da prolação do Acórdão n.º 586/2004 – Plenário, em face do dissenso suscitado entre as deliberações desta Corte, no tocante à dispensa de devolução da gratificação extraordinária percebida indevidamente por ocupantes de cargos em comissão no âmbito da Justiça Trabalhista não detentores de cargo efetivo, nos termos do seguinte excerto do Voto condutor da referida deliberação:

“3. O pleito dos embargantes está centrado no reconhecimento de omissão e contradição no acórdão embargado, que resultaria, por via transversa, na dispensa de recolhimento dos valores percebidos indevidamente, a título de Gratificação Extraordinária, em desrespeito ao art. 2º da Lei nº 7.758/89, no que concerne aos ocupantes de cargo comissionado não detentores de cargos efetivos ou empregos permanentes.

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4. Verifico que a jurisprudência do Tribunal sempre foi pacífica no sentido de que é ilegal o pagamento de Gratificação Extraordinária a Servidores ocupantes de cargos em comissão não optantes pela remuneração do cargo efetivo ou não-ocupantes de cargo efetivo, o que ensejou diversas determinações com vistas ao ressarcimento dos valores pagos indevidamente, nos termos da Decisão n.º 250/1999 – Plenário (alterada pela Decisão Plenária n.º 891, de 25.10.2000).

5. Entretanto, a partir da Decisão Plenária n.º 463, de 07.06.2000, passou-se a dispensar o ressarcimento dos valores percebidos indevidamente pelos servidores não optantes pela remuneração do cargo efetivo, em face da presunção de boa-fé e de legitimidade de valores pagos com base em resolução administrativa.

6. Em razão disso, tratamento isonômico passou a ser conferido aos servidores não-ocupantes de cargo efetivo uma vez que, apesar de ambas as situações serem ilegais, os pressupostos utilizados para dispensar o ressarcimento de valores recebidos por não optantes também se verificam no caso dos servidores sem vínculo efetivo, haja vista a natureza do ato administrativo praticado pela autoridade competente.

7. Nessa linha, sucederam-se as seguintes deliberações:

I - Decisão n.º 671/2000 – Plenário, de 23.08.2000 - Representação.

- Relator: Ministro Marcos Vinicios Vilaça.

- Obs: dispensou o ressarcimento da Gratificação Extraordinária percebida por servidores não-ocupantes de cargo efetivo, conferindo tratamento idêntico ao adotado para os servidores não optantes, com fundamento nas Decisões Plenárias n.ºs 463/2000, 520/2000 e 521/2000.

II - Decisão n.º 672/2000 – Plenário, de 23.08.2000 - Representação.

- Relator: Ministro Marcos Vinicios Vilaça.

- Obs: dispensou o ressarcimento da Gratificação Extraordinária percebida por servidores não-ocupantes de cargo efetivo, conferindo tratamento idêntico ao adotado para os servidores não optantes, com fundamento nas Decisões Plenárias n.ºs 463/2000, 520/2000 e 521/2000.

III - Acórdão n.º 224/2001 – Plenário, de 24.09.2001 – Recurso de Reconsideração

- Relator: Ministro-Substituto Lincoln Magalhães da Rocha.

- Obs: tornou insubsistente o item da decisão recorrida que determinou o ressarcimento da Gratificação Extraordinária percebida por servidores não-ocupantes de cargo efetivo, citando como precedentes as Decisões Plenárias n.ºs 671/2000, 672/2000 e 891/2000.

IV - Decisão n.º 1.127/2002 – Plenário, de 13.09.2002 – Embargos de Declaração.

- Relator: Ministro Adylson Motta.

- Obs: tornou insubsistente o item da decisão embargada que determinou o ressarcimento da Gratificação Extraordinária percebida por servidores não-ocupantes de cargo efetivo, citando como precedente o Acórdão n.º 224/2001 – Plenário.

V - Decisão n.º 1.212/2002 – Plenário, de 27.09.2002 – Embargos de Declaração.

- Relator: Ministro Walton Alencar Rodrigues.

- Obs: tornou insubsistente o item da decisão embargada que determinou o ressarcimento da Gratificação Extraordinária percebida por servidores não-ocupantes de cargo efetivo, citando como precedente a Decisão n.º 463/2001 – Plenário.

VI - Decisão n.º 1.444/2002 – Plenário, de 11.11.2002 – Embargos de Declaração.

- Relator: Ministro Marcos Vinicios Vilaça.

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Tribunal de Contas da União

- Obs: tornou insubsistente o item da decisão embargada que determinou o ressarcimento da Gratificação Extraordinária percebida por servidores não-ocupantes de cargo efetivo, citando como precedente a Decisão n.º 1.212/2002 – Plenário.

8. Não obstante isso, verifico a existência do recente Acórdão n.º 203/2004 – Plenário, em sentido contrário, que em grau de Pedido de Reexame, manteve a determinação de ressarcimento dos recursos percebidos indevidamente, a título de gratificação extraordinária, pelos servidores não-ocupantes de cargo efetivo.

9. Diante disso, acolho o Incidente de Uniformização de Jurisprudência suscitado pelos embargantes, em observância ao disposto no art. 91 do Regimento Interno/TCU.”.

2. Diante disso, nos termos do art. 91, § 1º do Regimento Interno, e em atendimento ao item 9.3 do Acórdão n.º 586/2004 – Plenário, o Representante do Parquet especializado emitiu Parecer nos seguintes termos:

“Por meio da Decisão nº 581/2001, o Plenário/TCU considerou indevidos todos os pagamentos de Gratificação Extraordinária efetuados pelo TRT – 24ª Região, em favor de servidores não ocupantes de cargos efetivos ou empregos permanentes, inclusive aqueles detentores de cargo do grupo DAS, de quaisquer níveis; bem como determinou a adoção, nos termos dos artigos 46 e 47 da Lei nº 8.112/90, de providências necessárias ao recolhimento, pelos respectivos beneficiários, das importâncias recebidas a partir de 22/08/94, data de republicação da Decisão nº 444/94 no Boletim do Tribunal de Contas da União (fls. 135/138 do vol. principal).

2. Contra a citada Decisão, os interessados interpuseram pedido de reexame, alegando, primordialmente, que o TCU tem dispensado, em casos semelhantes, o ressarcimento da Gratificação Extraordinária. O Pleno do TCU, ao apreciar o pedido de reexame, em Sessão Plenária de 26/03/2003, decidiu negar-lhe provimento, nos termos do Acórdão nº 213/2003 (fls. 158/171 do vol. 4).

3. Os recorrentes, irresignados, opuseram Embargos de Declaração contra o Acórdão/Plenário nº 213/2003, ao qual foi negado provimento, conforme Acórdão/Plenário nº 1.103/2003 (fls. 51/54 do vol. 7).

4. Em Embargos de Declaração opostos contra o Acórdão nº 1.103/2003, os recorrentes centram o seu inconformismo no tratamento não isonômico dado pelo TCU a casos semelhantes, em relação à restituição de valores recebidos à título de Gratificação Extraordinária por servidores não detentores de cargos efetivos ou empregos permanentes.

5. Diante dos precedentes citados pelos embargantes, o Tribunal Pleno acolheu o Incidente de Uniformização de Jurisprudência suscitado e proferiu o Acórdão nº 586/2004, nos seguintes termos, in verbis (fls. 29/32 do vol. 8):

“9.1 - preliminarmente à apreciação do mérito dos presentes Embargos de Declaração, instaurar o Incidente de Uniformização de Jurisprudência, com supedâneo no artigo 91 do Regimento Interno desta e. Corte;

9.2 - determinar a constituição de volume anexo aos presentes autos, para que seja examinado o Incidente de Uniformização ora suscitado;

9.3 - encaminhar os autos ao Ministério Público junto ao Tribunal, a fim de que se manifeste acerca da divergência jurisprudencial existente no âmbito desta e. Corte, no tocante à dispensa de ressarcimento de valores pagos indevidamente, a título de Gratificação Extraordinária, a servidores ocupantes de cargos em comissão sem vínculo efetivo, nos termos do art. 91, § 1º, do Regimento Interno/TCU;”

6. No tocante à questão preliminar suscitada, cumpre ressaltar que as recentes deliberações do TCU têm mantido a determinação para ressarcimento das quantias recebidas indevidamente à título

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de Gratificação Extraordinária pelos servidores não detentores de cargos efetivos ou empregos permanentes, a exemplo dos Acórdãos/Plenário nºs 203/2004, 332/2004, 866/2004 e 1.529/2004.

7. Nota-se que os precedentes, citados por Vossa Excelência no Voto condutor do Acórdão nº 586/2004 (fls. 30/31 do vol. 8), reportam-se ou à Decisão nº 463/2000 do Plenário ou a Decisões e Acórdãos que se fundamentaram nessa Decisão; contudo, a Decisão nº 463/2000 não poderia ter sido adotada como paradigma, já que tratou de matéria diversa.

8. Argumentos de todo semelhantes aos ora apresentados pelos embargantes foram apreciados pelo Exmº Ministro-Relator do Voto condutor do Acórdão/Plenário nº 866/2004, in verbis:

“A obrigatoriedade da restituição dos valores indevidamente percebidos por servidores não titulares de cargos efetivos do Judiciário trabalhista, à conta de gratificação extraordinária, deriva dos termos expressos do art. 2º da Lei 7.758/89, ‘in verbis’:

‘Art. 2º Somente farão jus ao pagamento da gratificação instituída no art. 1º desta Lei os servidores que se encontrem no exercício dos respectivos cargos efetivos ou empregos permanentes, observadas as disposições contidas nos arts. 2º, parágrafo único, 3º, parágrafo único, e 5º, parágrafo único, do Decreto-Lei nº 2.173, de 19 de novembro de 1984.’

Já foi reconhecido, em outras ocasiões, que as Decisões Plenárias nºs 1.212/2002 e 1.444/2002 fundamentaram-se em premissas equivocadas, para a dispensa do recolhimento da vantagem. Ambas as deliberações remetem à Decisão nº 463/2001 – Plenário (sic!), em que este Tribunal tornou insubsistentes os itens 8.1 e 8.2 da anterior Decisão nº 26/2000 – Plenário.

Por sua vez, as determinações contidas nesta Decisão nº 26/2000 – Plenário cuidaram de matéria inteiramente diversa da tratada nos presentes autos, qual seja, a restituição das importâncias pagas a título de gratificações judiciária e extraordinária, instituídas pelo Decreto-lei nº 2.173/84 e Lei nº 7.758/89, aos servidores do Tribunal Superior Eleitoral ocupantes dos cargos do Grupo DAS, níveis 4, 5 e 6 (transformados em FC-08, FC-09 e FC-10, respectivamente), não-optantes pela remuneração do cargo efetivo (na forma do artigo 2º da Lei nº 8.911/94), após a edição da Lei nº 9.030/95, bem como seus reflexos na remuneração atual dos mesmos servidores, estabelecida pela Lei nº 9.421/96.

Portanto, naquele caso específico, foi essa a restituição dispensada e não a relativa ao pagamento da Gratificação Extraordinária a servidores sem vínculo com a Justiça Trabalhista.

Evidente que este equívoco não justifica outros. Por tal razão, o Ministério Público interpôs recurso de revisão contra o Acórdão nº 224/2001 - Plenário, o qual se encontra na Secretaria de Recursos para exame de mérito. A mesma solução não pôde ser adotada em relação às Decisões Plenárias nºs 1.212/2002 e 1.444/2002, uma vez que, contra essas deliberações, operou-se a preclusão temporal para interposição de pedidos de reexame ou embargos de declaração pelo Parquet especializado.

Nos exatos termos do artigo 2º da Lei nº 7.758/89, legislação aplicável aos Tribunais do Trabalho, o TCU sempre considerou indevido pagamentos a título de gratificação extraordinária, determinando, em inúmeros casos, a sua devolução. Eventuais discrepâncias da pacífica jurisprudência do TCU estão, como visto, ainda sujeitas a correção. Desta forma, os servidores não titulares de cargo efetivo da Justiça do Trabalho não fazem jus à vantagem.

A propósito, a recente orientação normativa do Plenário desta Corte, acerca das condições necessárias à dispensa de reposição ao Erário de importâncias indevidamente recebidas, conforme Acórdão nº 1.909/2003, decorrente de consulta (TC nº 002.176/2000-3, Ata nº 29/2003, Sessão do dia 10/12/2003).

De acordo com o citado aresto, a reposição ao erário é obrigatória, nos termos preconizados no Enunciado 235 da Súmula deste Tribunal e na forma dos artigos 46 e 47 da Lei nº 8.112/90, quando não atendidas a totalidade das condições enunciadas a seguir:

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a) presença de boa-fé do servidor;

b) ausência, por parte do servidor, de influência ou interferência para a concessão da vantagem impugnada;

c) existência de dúvida plausível sobre a interpretação, validade ou incidência da norma infringida, no momento da edição do ato que autorizou o pagamento da vantagem impugnada;

d) interpretação razoável, embora errônea, da lei pela Administração.

À luz dessa orientação, o caso em análise não preenche todos os requisitos necessários a autorizar a dispensa de recolhimento pleiteada. Não obstante a boa-fé dos beneficiários e a ausência de indícios de que houvessem interferido no recebimento da gratificação extraordinária, não vejo como admitir a existência de dúvida plausível sobre a interpretação, validade ou incidência da lei nº 7.758/89, muito menos o fato de a aplicação do dispositivo legal ter sido precedida de exegese razoável.

Por fim, o fato de o Acórdão nº 1.296/2003 – Segunda Câmara haver determinado a restituição da vantagem impugnada, a partir de 05/05/98, não é suficiente para alterar a firme jurisprudência deste Tribunal, consolidada em reiteradas decisões do Plenário, quanto à obrigatoriedade da devolução de pagamento indevido de gratificação extraordinária, deferido a servidores não-ocupantes de cargo efetivo ou de emprego permanente no âmbito Justiça do Trabalho, a contar de 22/08/94 (data da republicação da Decisão nº 444/94 no Boletim Interno do Tribunal de Contas da União). Nesse sentido, alinham-se, dentre outras, as seguintes deliberações do Plenário: Decisões nºs 1.014/2000, 359/2001, 564/2002, 642/2002, 863/2002; Acórdãos nºs 96/98, 213/2003, 373/2003, 1.103/2003, 203/2004, 332/2004.” (grifos acrescidos).

9. Finalizando, cabe ressaltar que o Pleno do TCU, no Acórdão nº 1.529/2004, acolhendo Recurso de Revisão interposto pelo Ministério Público/TCU, decidiu alterar a redação do Acórdão nº 224/2001 – Plenário, de modo a retirar a deliberação pela insubsistência do subitem 8.2.1 do Acórdão nº 96/98 – Plenário e os “considerando” que a fundamentaram, restabelecendo, assim, a obrigatoriedade de ressarcimento das quantias recebidas indevidamente.

10. Pelo exposto, este representante do Ministério Público opina por que seja ratificada a orientação do TCU no sentido da obrigatoriedade de ressarcimento das quantias recebidas indevidamente, à título de Gratificação Extraordinária, por servidores não detentores de cargos efetivos ou empregos permanentes.”.

É o relatório.

VOTO

Examina-se o incidente de uniformização de jurisprudência acolhido por este e. Plenário na Sessão de 19/05/2004, quando da prolação do Acórdão n.º 586/2004 – Plenário, em face do dissenso entre as deliberações desta Corte, no tocante à dispensa de devolução da gratificação extraordinária percebida indevidamente por ocupantes de cargos em comissão no âmbito da Justiça Trabalhista não detentores de cargo efetivo.

I

2. Inicialmente é importante suscitar uma Questão de Ordem que reclama deliberação deste Tribunal, em razão da prejudicialidade ao instituto da uniformização de jurisprudência.

3. Nestes termos, verifiquei que após a instauração do presente incidente de uniformização foram relatados alguns processos tratando do mesmo assunto, por meio do Acórdão n.º 866/2004 – Plenário, na Sessão de 07/07/2004 e do Acórdão n.º 1.529/2004 – Plenário, na Sessão de 06/10/2004.

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4. Ocorre que, uma vez acolhido pelo Plenário o incidente de uniformização, há o reconhecimento expresso da divergência jurisprudencial e da intenção de solver o dissenso previamente à apreciação de demandas futuras. Tanto que o processo em que foi suscitado o incidente permaneceu automaticamente sobrestado. Se assim não o fosse admitiríamos a possibilidade de se relatar o processo principal e ainda assim instaurar o incidente de uniformização, o que acabaria por fazer letra morta o art. 91 do Regimento Interno.

5. Dessa forma, o pressuposto para o acolhimento do incidente de uniformização é o de que todos os demais processos que tratam do mesmo assunto devam ser sobrestados até a apreciação final do incidente. Isso porque a matéria requer um exame mais aprofundado a fim de posicionar os julgadores quanto a alternativa a ser adotada para processos similares, evitando assim uma enxurrada de demandas desnecessárias e até mesmo instabilidade nas decisões do Tribunal.

6. Diante disso, julgo que seja de bom alvitre o sobrestamento de processos afins até o julgamento final do dissenso jurisprudencial suscitado, quando o Plenário acolher o incidente de uniformização de jurisprudência previsto no art. 91 do Regimento Interno.

II

7. No tocante ao mérito do processo exsurgem os seguintes aspectos imprescindíveis ao exame do feito:

a) identificação das questões de fato e de direito;

b) obrigatoriedade de reposição ao erário;

c) eficiência da atuação do Tribunal no sentido de apenar os responsáveis por pagamentos indevidos.

III

8. A matéria em apreço teve origem na Decisão n.º 250/1999 – Plenário, que considerou indevidos os pagamentos das Gratificações Judiciária e Extraordinária, instituídas pelo Decreto-lei n.º 2.173/84 e Lei n.º 7.758/89 aos servidores ocupantes de cargos em comissão não optantes pela remuneração do cargo efetivo, bem como o pagamento de Gratificação Extraordinária a servidores ocupantes de cargo em comissão não detentores de cargo efetivo, determinando ao TRT 16ª Região – MA, o desconto das importâncias recebidas pelos beneficiários, nos termos do art. 46 da Lei n.º 8.112/90.

9. Por conseguinte, ao examinar o Pedido de Reexame contra a deliberação supra, por meio da Decisão n.º 891/2000 – Plenário, de 25/10/2000, esta Corte reafirmou seu posicionamento quanto à ilegalidade dos aludidos pagamentos efetuados com base em interpretação equivocada da Administração.

10. Entretanto, acatou o pedido alternativo do TRT 16ª Região, no sentido de dispensar o ressarcimento das Gratificações Judiciária e Extraordinária, instituídas pelo Decreto-lei n.º 2.173/84 e Lei n.º 7.758/89 aos servidores ocupantes de cargos em comissão não optantes pela remuneração do cargo efetivo, acolhendo os fundamentos expendidos no Voto condutor da Decisão n.º 463/2000 – Plenário, de 07/06/2000, no sentido de que os respectivos pagamentos foram efetuados com base em interpretação legal procedida por autoridade competente antes de decisão definitiva do Tribunal acerca do assunto, senão vejamos:

'Parece-me, de fato, mais justo, em situações dessa natureza, que a devolução dos valores indevidamente pagos deva ocorrer após manifestação definitiva desta Corte acerca da ilegalidade do ato.

Como bem observou a Unidade Técnica, o pagamento indevido observou interpretação legal procedida por autoridade investida de competência para tanto e até que fosse declarada ilegal pelo

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TCU, órgão encarregado da fiscalização de atos dessa natureza, seria de se presumir sua legitimidade.'

11. Oportuno esclarecer que tanto a Decisão n.º 463 – Plenário quanto a Decisão n.º 891/2000 – Plenário manifestaram expressamente que o posicionamento do Tribunal está em consonância com o Parecer da Consultoria-Geral da República, conforme se verifica do item 21.6 deste último decisum, ao diferenciar o erro operacional (Decisão/TCU n.º 444/1994 – Plenário) do erro de interpretação da Administração Pública, a saber:

“21.6 - Diverso é o conceito de 'errônea interpretação da lei', que é o caso de um ato de aposentação, como tratado na Súmula n. 106, ou de uma resolução de um tribunal, como no caso presente. Sobre esses tratou a Advocacia Geral da União no Parecer n. AGU/MF-05/98, (...). No mesmo sentido já havia se pronunciado a Consultoria-Geral da República nos seguintes termos:

'O servidor público que, de presumida boa fé, venha a receber alguma vantagem financeira, em decorrência da errada interpretação ou aplicação da norma legal, por parte da Administração, sem ter influenciado ou interferido na sua concessão, independente de havê-lo pleiteado ou não, jamais poderá vir a ser compelido, depois, a devolver aquelas importâncias, tidas como indevidamente pagas, porquanto descaracterizada a figura do indébito, em tais casos, nos quais o ato respectivo, embora vitimado de vício insanável, mesmo insuscetível de gerar direitos, goza de presunção da legalidade, até advir-lhe a nulificação, declarada pela autoridade, para tanto competente.' (Parecer CGR/CR n. 021/88, publicado no DOU de 18/08/88, referente ao Processo n. 8.200-024349/85, aprovado pelo Secretário da Administração Federal, Dr. Carlos Moreira Garcia; sublinhamos).”.

12. Diferentemente, com relação ao pagamento de Gratificação Extraordinária aos servidores ocupantes de cargo em comissão não detentores de cargo efetivo, apesar de estar respaldada em fundamento idêntico, qual seja, interpretação da Administração, o Tribunal resolveu manter a determinação para devolução dos valores recebidos pelos servidores beneficiados, considerando que afronta o art. 2º da Lei n.º 7.758/89 e que esta Corte já vem se pronunciando acerca da ilegalidade de tais pagamentos desde a Decisão de 15/09/1992 – 1ª Câmara (Relação n.º 40/92, Ata n.º 32/92, TC-475.127/1992-7).

13. Não obstante isso, é importante esclarecer que a publicidade do posicionamento do Tribunal no âmbito do TC-475.127/1992-7, externado por meio da Relação n.º 40/92, operou efeito tão-somente em relação ao TRT da 13ª Região – PB, haja vista que a determinação no sentido de suspender os pagamentos indevidos alcançou apenas aquele órgão. Além disso, ainda que a determinação tivesse sido publicada no Diário Oficial da União não constituiria de imediato decisão definitiva acerca do assunto, em face da possibilidade de recurso.

14. Observe-se que a Gratificação Extraordinária foi paga aos servidores não ocupantes de cargo efetivo da Justiça do Trabalho em um cenário jurídico controverso, tendo em vista que a legislação aplicável aos demais órgãos do poder judiciário não proibia tal pagamento.

15. Nesses termos, as Leis n.ºs 7.757/89 (Tribunal Federal de Recursos e Justiça Federal de Primeira Instância), 7.759/89 (Justiça Eleitoral), 7.760/89 (Superior Tribunal Militar) dispunham em seus arts. 2º que:

Art. 2º Farão jus ao pagamento da gratificação instituída no artigo anterior os servidores que se encontrem no efetivo exercício dos respectivos cargos ou empregos, observadas as disposições contidas nos artigos 2º, parágrafo único, e 5º, parágrafo único, do Decreto-Lei nº 2.173, de 19 de novembro de 1984.(Grifei).

16. De outro modo o art. 2º da Lei n.º 7.758/89 acabou provocando tratamento discriminatório aos servidores da Justiça do Trabalho que se encontravam em idêntica situação, verbis:

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Art. 2º Somente farão jus ao pagamento da gratificação instituída no art. 1º desta Lei os servidores que se encontrem no exercício dos respectivos cargos efetivos ou empregos permanentes, observadas as disposições contidas nos arts. 2º, parágrafo único, 3º, parágrafo único, e 5º, parágrafo único, do Decreto-Lei nº 2.173, de 19 de novembro de 1984.(Grifei).

17. Em que pese não ter sido questionada a constitucionalidade do dispositivo supra junto ao Supremo Tribunal Federal em razão da ofensa ao princípio constitucional da isonomia, deve ser considerada a boa-fé dos beneficiários pelo fato de terem percebido a referida vantagem com base na presunção de legitimidade dos atos praticados pela própria Justiça Trabalhista, em sede de Resoluções Administrativas, em um cenário legislativo controverso.

18. Além disso, com a edição da Lei n.º 9.421, de 24.12.96, dispondo sobre o plano de carreira do Poder Judiciário, a aludida Gratificação Extraordinária foi transformada na Gratificação de Atividade Judiciária – GAJ, e, por conseguinte, estendida em definitivo aos ocupantes de cargos em comissão sem vínculo efetivo com a Administração Pública, conforme se depreende dos arts. 13 e 14, inciso III, a seguir transcritos:

“Art. 13. A Gratificação Extraordinária instituída pelas Leis n°s 7.753, de 14 de abril de 1989, e n° 7.757, n° 7.758, n° 7.759 e n° 7.760, todas de 24 de abril de 1989, para os servidores do Poder Judiciário da União e do Distrito Federal e Territórios, passa a denominar-se Gratificação de Atividade Judiciária - GAJ, calculando-se o seu valor mediante aplicação dos fatores de ajuste fixados no Anexo V.

Art. 14. A remuneração das Funções Comissionadas, inclusive para os ocupantes sem vínculo efetivo com a Administração Pública, compõe-se das seguintes parcelas:

(...)

III - GAJ, calculada na conformidade do Anexo V.” (Grifei).

19. Diante disso, forçoso é admitir que o novo regulamento ratificou tacitamente a existência da prefalada inconstitucionalidade, restaurando a isonomia no âmbito do Poder Judiciário de forma a conferir tratamento idêntico aos servidores não ocupantes de cargo efetivo.

20. Com efeito, ainda que não se admita a retroação do novel estatuto legal como pressuposto para a convalidação dos respectivos pagamentos indevidos, não é demais reconhecer a boa-fé dos beneficiários ante inusitado imbróglio jurídico.

21. Não estou a defender que o Tribunal releve a ilegalidade praticada pelos gestores da Justiça do Trabalho, pois entendo que os responsáveis pelo pagamento deveriam ter sido ouvidos em audiência para efeito de apenação. Entretanto, os valores foram percebidos pelos beneficiários sob o manto da presunção de legitimidade a título de remuneração, a qual tem caráter alimentar. Portanto, não vejo como exigir de servidor que prestou efetivos serviços à Administração Pública a devolução de verbas utilizadas para sua subsistência.

22. Observo também que o pressuposto utilizado para não mais dispensar o ressarcimento de valores percebidos de boa-fé (Decisão/TCU n.º 444/1994 – Plenário) não se aplica ao caso vertente, haja vista não se tratar de erro operacional.

23. No tocante às deliberações mencionadas no incidente de uniformização e sobejamente rechaçadas pelo Ministério Público junto ao Tribunal, registro que apesar de a “situação de fato” ser distinta, a “situação de direito” guarda similitude, não havendo, portanto, óbice em reconhecer a divergência jurisprudencial, com a finalidade de conferir tratamento idêntico aos servidores que, de boa-fé, perceberam remuneração indevida com base em ato interpretativo da Administração, sob o pálio da presunção de legitimidade, levando em consideração as circunstâncias excepcionais que alcançam o caso sub examine.

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24. Nessa seara é que as Decisões n.ºs 1.212/2002 e 1.444/2002, ambas do Plenário, reconheceram que o pleito dos servidores ocupantes de cargo em comissão sem vínculo efetivo é similar ao dos ocupantes de cargo efetivo, objeto da Decisão n.º 463/2001 – Plenário, no que tange ao reconhecimento da boa-fé em relação aos recebimentos de parcelas indevidas com base em interpretação equivocada de autoridade competente da Administração Pública para dispensar a devolução.

25. As demais deliberações suscitadas (Decisões n.ºs 671/2000, 672/2000, 224/2001 e 1.127/2002, Plenárias), apesar de terem feito a distinção objetiva entre as duas situações de fato (cargos com vínculo e sem vínculo efetivo), fundamentaram expressamente na Decisão n.º 463/2001 – Plenário como se tratasse da mesma situação, o que pode ter emergido da identidade da prefalada situação de direito.

26. Com efeito, o fato de o Tribunal ter decidido ou não em definitivo sobre a matéria não altera a boa-fé do servidor beneficiário, veja-se que a situação é idêntica, pois ficou assente que em ambos os casos os pagamentos foram efetuados com base em ato da Administração que interpretou equivocadamente a legislação vigente, diferentemente do que ocorrera no âmbito da Decisão 444/1994 – Plenário, em que houve o pagamento de abono pecuniário a servidor afastado para o exercício de mandato classista por ter a decisão denegatória sido proferida após o fechamento da folha de pagamento, o que configura um procedimento meramente operacional equiparado ao erro administrativo.

IV

27. No que concerne à obrigatoriedade de reposição ao erário, permito-me transcrever excerto do percuciente trabalho técnico elaborado pelo então Analista de Controle Externo, Renato Monteiro de Rezende, o qual foi adotado como fundamento quando da prolação da Decisão n.º 446/2002 – 2ª Câmara, por entender que bem ilustra a discussão em voga.

I. Das reposições ao erário

13. Conforme evidenciado, o ponto de discussão gravita em torno da necessidade de devolução de importâncias indevidamente percebidas, posto que de boa-fé, por servidores públicos. Nesta feita, impende traçar um escorço histórico acerca do tema.

14.Esta Corte adotou, até a primeira metade da década de 1990, o entendimento de aplicar a situações quejandas a disciplina da Súmula nº 106. De feito, mesmo quando não se tratasse de aposentadorias julgadas ilegais, estando presente a boa-fé, o servidor que recebesse quantias indevidas ficava dispensado de efetuar a correspondente devolução. Todavia, já em 1992, o entendimento então reinante recebia os primeiros ataques. Constituída comissão para estudo sobre a aplicação da Súmula 106 em face do estatuído no art. 46 da Lei nº 8.112/90, o grupo de estudos assim se pronunciou:

'À vista das abalizadas ponderações esposadas, que refletem o pensamento da Legislação e Jurisprudência, entende esta Comissão ser descabida a devolução de importâncias recebidas de boa-fé presumida, considerando que de sua argüição não cuidou a Lei nº 8.112/90, sugerindo na oportunidade que, por questão de eqüidade, sejam dispensados das restituições inclusive os casos ocorridos após a vigência do prefalado Regime Jurídico Único'. (TC 020.056/1992-3)

15.Submetidas as conclusões ao descortino do Plenário, foram acatadas (Decisão nº 597/92 - Plenário, de 09.12.92), não obstante haver se manifestado contrariamente o Ministério Público, considerando que o art. 46 da Lei nº 8.112/90, ao prever as reposições e indenizações ao erário, havia imposto nova disciplina, mesmo quando se tratasse de quantias recebidas de boa-fé.

16.Novamente suscitada a questão, nos autos do TC 005.190/93-2, o Plenário da Corte, respondendo a consulta formulada pelo TRE de Santa Catarina, reafirmou a subsistência da Súmula nº 106, mesmo após a Lei nº 8.112/90, mas infirmou a extensão analógica do Enunciado a casos outros de recebimento indevido de importâncias por servidores:

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'(...) 1.1. Ante o que dispõe a legislação em vigor, que regula a matéria, todos os funcionários ATIVOS e INATIVOS, sem qualquer distinção, encontram-se, em princípio, obrigados, por força da Lei que os rege e disciplina, a restituir, com a devida correção, o que indevidamente lhes for pago, a teor dos já citados arts. 46 da Lei nº 8.112/90 e 1º e 4º da Lei nº 8.383/91.

1.2. No que se refere, ainda, aos servidores inativos, o entendimento é de que o julgamento, pela ilegalidade, das concessões de reforma, aposentadoria e pensão, não implica por si só a obrigatoriedade de reposição das importâncias já recebidas de boa-fé, até a data do conhecimento da decisão pelo órgão competente; (...)' (Decisão nº 403/93 - Plenário, Sessão de 08.09.93)

17.E, consagrando o novo posicionamento, nos autos do TC 005.961/94-7, o Tribunal resolveu:

'(...) 2. Firmar nova orientação no Plenário do Tribunal de Contas da União, no sentido de afirmar que, para os pagamentos indevidos de vantagem aos servidores públicos, mesmo reconhecendo-se a boa-fé, o dano há de ser ressarcido ao Erário, em valores atualizados, nos termos do art. 46 da Lei nº 8.112/90, deixando-se doravante, de se aplicar a esses casos, por analogia, o Enunciado nº 106 da Súmula de jurisprudência predominante nesta Corte de Contas, que deverá ater-se apenas aos casos nela especificados, de julgamento, pela ilegalidade, das concessões de reforma, aposentadoria e pensão, não devendo, portanto, elastecer-se sua exegese;(...)' (Decisão nº 444/94 - Plenário, Sessão de 06.07.94)

18.A nova compreensão dos dispositivos normativos redundou na Súmula nº 235, a qual soa:

'Os servidores ativos e inativos, e os pensionistas, estão obrigados, por força de lei, a restituir ao Erário, em valores atualizados, as importâncias que lhes forem pagas indevidamente, mesmo que reconhecida a boa-fé, ressalvados apenas os casos previstos na Súmula nº 106 da Jurisprudência deste Tribunal.' (DOU de 03.01.95)

19.A rijeza espartana plasmada no referido enunciado foi, com o tempo, ganhando abrandamentos. De feito, a partir de 1996, surgiram decisa nos quais eram dispensadas reposições de importâncias pagas em obediência a interpretação de ato normativo realizada por autoridade legalmente investida em função de orientação e supervisão. No voto que deu origem à Decisão nº 101/96 - 2ª Câmara, o Ministro Adhemar Ghisi asseriu:

'(...) não se pode desconsiderar que os responsáveis no âmbito do Poder Executivo ficam em posição pouco confortável quando conflitos dessa natureza se instalam, e é precisamente pela compreensão desse fato que este Tribunal tem se mostrado tolerante ao julgar a gestão dos administradores quando constatadas irregularidades praticadas em cumprimento à orientação proveniente de autoridade a quem devem subordinação normativa. Ora, se o administrador não é apenado pelo ato praticado, como tratar de forma diferente terceiros beneficiados por tais atos, no caso o servidor ou pensionsista? Se assim proceder ficará configurada uma apenação ao beneficiário que, além de deixar de receber uma parcela de seus vencimento ou pensão, pagas e recebidas com a presunção de legalidade, passará a devolver os valores recebidos, descontados de futuros pagamentos, já reduzidos pela ausência da parcela impugnada'. (Decisão nº 101/96 - 2ª Câmara, Sessão de 25.04.96)

20.Tal exegese ganhou força nos últimos cinco anos, e a hipótese excepcional de dispensa de ressarcimento nela contemplada (obediência a interpretação de ato normativo realizada por autoridade legalmente investida em função de orientação e supervisão, como a AGU, o Conselho da Justiça Federal ou a antiga SAF) foi elastecida, para abranger casos em que a interpretação equivocada de dispositivos legais partisse do próprio órgão ou entidade onde ocorressem os pagamentos indevidos, como na apreciação da legalidade de aposentadoria de servidora do TRT da 4ª Região, no TC 14.695/1984-7:

“2.A percepção cumulativa da Gratificação de Atividade pelo Desempenho de Função (GADF) com os quintos e a Gratificação de Representação de Gabinete (GRG) não tem amparo legal, conforme jurisprudência pacífica desta Corte sobre a matéria. No entanto, deixo de acompanhar a

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proposta da Unidade Técnica no sentido de determinar a devolução das quantias recebidas indevidamente a esse título, tendo em vista que tal concessão decorreu de interpretação equivocada dos dispositivos legais no âmbito do órgão, conforme se verifica dos pareceres constantes do volume I dos autos.” (fragmento do voto do Ministro Adhemar Ghisi, Decisão n.º 338/2000 - 2ª Câmara, Sessão de 14.07.2000)

21.Significativos foram os votos do Ministro Marcos Vilaça, delineando os elementos a serem considerados para a dispensa de ressarcimento ao erário, nos casos de pagamento indevido:

“9. Quanto aos valores, acima referidos, percebidos de boa-fé pelos servidores e inativos, em virtude de equivocadas interpretações que a instituição deu aos dispositivos legais que regulamentavam as matérias, penso que no presente caso, excepcionalmente, deve-se dar prevalência ao princípio da segurança jurídica em detrimento do princípio da legalidade.

10. Necessário observar que este entendimento tem sido adotado pelo Tribunal em situações análogas, ante a presunção de legalidade dos atos administrativos que ensejaram tais pagamentos, aliada à boa-fé dos servidores e ao caráter alimentar das parcelas salariais (Decisão nº 046/96 Plenário - Ata nº 06/96; Decisão nº 101/96 2ª Câmara - Ata nº 14/96; Decisão nº 316/96 - Plenário - Ata 22/96; Decisão 412/97 - Plenário - Ata 27/97).

11. Mais evidente se mostra a boa-fé e a incidência do equívoco, quando se verifica que os referidos pagamentos já foram suspensos pela entidade.” (Acórdão nº 55/98 - Plenário, Sessão de 22.04.98)

22.Tratava-se de critérios equivocados de cálculo de gratificações concedidas a servidores da Universidade Federal de Ouro Preto. Como se nota, são arrolados alguns elementos justificadores da dispensa de reposição: boa-fé de quem recebeu, erro de intepretação da lei pelo órgão ou entidade, presunção de legalidade do ato administrativo, caráter alimentar dos estipêndios, bem assim o princípio da segurança jurídica. Em muitos outros processos símiles, acolhendo votos do Ministro Marcos Vilaça com o mesmo teor, o Tribunal dispensou o ressarcimento de quantias por servidores (Acórdão n.º 307/98 - 1ª Câmara, Acórdão nº 29/99 - Plenário, Acórdão nº 63/99 - Plenário, Acórdão nº 64/99 - Plenário, Acórdão nº 178/99 - Plenário).

23.A nova interpretação tem logrado acolhida tanto no âmbito das duas Câmaras, quanto no Plenário da Corte. Outros casos ilustrativos podem ser encontrados: nas Decisões nº 412/97 - Plenário (Rel. Ministro Adhemar Ghisi) e nº 463/2000 (Rel. Ministro Guilherme Palmeira), como também nos Acórdãos nº 191/2000 - Plenário (Rel. Ministro Adhemar Ghisi), nº 112/2000 (Rel. Ministro Adhemar Ghisi).

24.Feita essa exposição, convém retornar aos fundamentos da Súmula nº 235. Como já narrado, o leading case da exegese consagrada naquela Súmula foi a Decisão nº 403/93 - Plenário, seguindo-lhe a Decisão Administrativa nº 444/94 - Plenário. Da leitura do primeiro julgado, depreende-se que o argumento norteador da mudança de postura que engendrou o citado Enunciado foi o disposto no art. 46 da Lei nº 8.112/90, cuja redação, à época, era esta:

“Art. 46. As reposições e indenizações ao erário serão descontadas em parcelas mensais, não excedentes à décima parte da remuneração ou provento, em valores atualizados.”

25.Entendeu-se, naquela oportunidade, que a Lei nº 8.112/90 tinha inaugurado novo regime com relação às reposições ao erário, o que colidia com a prática anteriormente adotada de estender a aplicação da Súmula nº 106 a situações de recebimento indevido, mas de boa-fé, de valores, mesmo quando não se tratasse de aposentadorias julgadas ilegais. Aliás, rememorando o exposto acima, tal posição fora defendida de antanho pelo Ministério Público, não sendo adotada pela Corte quando do julgamento do TC 20.056/92-3 (Decisão nº 597/92).

26.Permissa venia, não parece estar a Súmula nº 235 erigida sobre sólido baldrame. Pode-se mesmo entender que as reposições ao erário são em princípio obrigatórias a todos os servidores, mas

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não com base na dicção do art. 46 da Lei nº 8.112/90. Se assim fosse, as reposições (inclusive de quantias percebidas de boa-fé) seriam imperativas antes do Estatuto de 1990. Sim, porque a Lei nº 1.711/52 previa comando em tudo e por tudo semelhante ao retrotranscrito:

“Art. 125. As reposições e indenizações à Fazenda Pública serão descontadas em parcelas mensais não excedentes da décima parte do vencimento ou remuneração.”

27.O único distintivo refere-se à correção monetária, inserta no texto do diploma legal de 1990. Poder-se-ia estribar a Súmula nº 235 no art. 964 do Código Civil, verbis:

“Art. 964. Todo aquele que recebeu o que não lhe era devido fica obrigado a restituir. A mesma obrigação incumbe ao que recebe dívida condicional antes de cumprida a condição.”

28.Com efeito, tal regra consagra um princípio comezinho em Direito, o da proibição do enriquecimento sem causa. É de se observar, no entanto, que o ditame do art. 964 do CC admite temperamentos. O próprio Código contempla alguns deles:

“Art. 221. Embora anulável, ou mesmo nulo, se contraído de boa-fé, por ambos os cônjuges, o casamento, em relação a estes como aos filhos, produz todos os efeitos civis até o dia da sentença anulatória.”

29.Ora, se o casamento era nulo, em princípio não teria o varão a obrigação de prover o sustento da virago. Entretanto, não se cogita de se pedir indenização ou ressarcimento, in casu, tendo em vista a boa-fé dos contraentes.

30.É jurisprudência consagrada a de que os alimentos, uma vez percebidos, são irrepetíveis:

“A jurisprudência e a doutrina assentaram entendimento no sentido de que os valores atinentes à pensão alimentícia são incompensáveis e irrepetíveis, porque restituí-los seria privar o alimentado dos recursos indispensáveis à própria mantença, condenando-o assim a inaceitável perecimento. Daí que o credor da pessoa alimentada não pode opor seu crédito, quando exigida a pensão.” (REsp nº 5.730-3/SP, 3ª Turma do STJ, Rel. Ministro Waldemar Zveiter, DJ de 01.03.93)

31.Naquele aresto, discutia-se a possibilidade de repetição de valores pagos a maior pelo devedor de pensão, em virtude de lhe ter sido reconhecido o direito à redução da verba devida a esse título.

32.Longe de estabelecer a obrigatoriedade irrestrita de repetição de valores indevidamente recebidos, o art. 46 da Lei nº 8.112/90 somente fixou a forma como se deveria processar tal devolução. Se apenas o aspecto objetivo fosse determinante para a configuração do dever de ressarcimento, se a simples constatação de que a quantia foi recebida ao arrepio da lei bastasse para gerar a necessidade de reposição, a própria Súmula nº 106 estaria albergando interpretação contra legem. Dessarte, o mero registro do recebimento indevido não é suficiente para fazer nascer a referida obrigação, quando se tratar de verba de natureza alimentícia. Há de se perquirir a respeito da boa-fé na percepção das importâncias.

33.Disto não resta dúvida: entender que o art. 46 da Lei nº 8.112/90 estabeleceu a obrigatoriedade de devolução de todo e qualquer valor indevidamente percebido por servidores, mesmo de boa-fé, significa fazer tabula rasa daquele próprio Estatuto. De feito, a Lei nº 8.112/90, em seu art. 185, § 2º, previu:

“Art. 185 (...)

§ 2º. O recebimento indevido de benefícios havidos por fraude, dolo ou má-fé, implicará devolução ao erário do total auferido, sem prejuízo da ação penal cabível.

34.Legítima, em relação ao texto citado, a interpretação a contrario sensu. Ora, se o recebimento indevido decorrente de fraude, dolo ou má-fé implica a devolução, é razoável pensar que o recebimento de boa-fé não importaria a devolução. Todavia, ainda que se descarte o mencionado

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recurso interpretativo, outros artigos da lei corroboram o posicionamento pela dispensa de reposição. Veja-se o parágrafo único do art. 219:

Art. 219 (...)

Parágrafo único. Concedida a pensão, qualquer prova posterior ou habilitação tardia que implique exclusão de beneficiário ou redução de pensão só produzirá efeitos a partir da data em que for oferecida.

35.Exempli gratia, se posteriormente à concessão do benefício é proferida sentença anulatória de casamento, nem por isso a beneficiária da pensão deixada pelo servidor, em princípio, terá de devolver o que recebeu sob aquele título. Similarmente, se se descobre serodiamente que o instituidor deixou filho menor, nem por isso as quantias recebidas pelo irmão do servidor, órfão e menor de 21 anos, que se habilitara com base no art. 217, inciso II, alínea c, da Lei nº 8.112/90, terão de ser devolvidas ao erário ou revertidas ao novo beneficiário. Não obstante o direito do filho do servidor existir desde o falecimento deste e importar a exclusão do direito do irmão do instituidor, nos termos do art. 217, inciso II, § 2º, da Lei nº 8.112/90, o ato que concedeu a pensão a este último, dotado de presunção de legalidade, efetivamente produziu efeito válido - o pagamento da pensão - o qual não pode ser desconstituído.

36.E, se todos os dispositivos citados não forem suficientes para coroar o entendimento de que a Lei nº 8.112/90 custodiou a percepção de verbas de natureza alimentar, presente a boa-fé, a leitura do art. 133 da multicitada lei se encarregará de desfazer quaisquer dúvidas a esse respeito. Com efeito, a acumulação ilícita de cargos públicos é objeto de proibição constitucional. Mais do que ilegal, a acumulação ilícita é inconstitucional. A rigor, a nomeação para um segundo cargo, quando se configurou a acumulação, deveria ser declarada nula de pleno direito. Entretanto, a lei determina que a opção por um dos cargos até o último dia para defesa no processo administrativo no qual se analisa dita acumulação implica a exoneração do servidor do outro cargo. O § 5º do art. 133 vai além: estabelece uma boa-fé ficta, uma presunção legal de boa-fé, no caso da opção. E a lei não manda que deva haver qualquer reposição ao erário, ainda que tenha se comprovado, por exemplo, a incompatibilidade de horários no exercício dos dois cargos. Analisando situação dessa natureza, a Advocacia-Geral da União se pronunciou:

“22. A exemplo do disposto no parágrafo único do art. 193 da Lei n. 1.711, de 1952, havia, na redação original do art. 133 da Lei n. 8.112, o comando determinante da reposição da importância auferida indevidamente, na hipótese de comprovação do acúmulo ilegítimo e de apuração do elemento subjetivo da má fé com que tiver se havido o servidor nessa investidura irregular.

23. Com o objetivo maior de estabelecer rito processual permissivo da apuração deveras ágil dos casos de acumulação de cargos, o art. 1° da Lei n. 9.527, de 1997, inovou a ordem disciplinar e, no tópico relativo à acumulação (art. 133 da Lei n. 8.112), quanto ao detentor da titularidade inconstitucional de cargos, empregos e funções, dentre outros ângulos:

a) facultou a escolha por um dos cargos, a fim de proporcionar a regularização da situação funcional com a agilidade desejada e independentemente da instauração de processo disciplinar; e

b) silenciou no respeitante à devolução da importância percebida durante a comprovada acumulação de má fé, assim tornando-a inexigível, em face da conseqüência imediata do princípio da legalidade, que restringe a atuação do administrador público de modo a somente fazer o que a lei permite. Houve evolução legislativa no regramento do instituto, elidindo a reposição dos estipêndios pagos, às vezes por longos anos, em virtude da prestação de serviços, com o que o Estado fica impedido de locupletar-se com o trabalho de seus agentes administrativos.

IV

24. Tem-se como ilícita a acumulação de cargos ou empregos em razão da qual o servidor ficaria submetido a dois regimes de quarenta horas semanais, considerados isoladamente, pois não há

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possibilidade fática de harmonização dos horários, de maneira a permitir condições normais de trabalho e de vida do servidor.

25. Entretanto, nos casos em exame, os interessados já passaram a cumprir sessenta horas semanais, de segunda-feira a sexta-feira, em vista dos cargos técnicos ou científicos e de magistério. Desnecessária, assim, a verificação do acúmulo relativo ao período em que os servidores cumpriam a carga de trabalho de quarenta horas e, se fosse o caso, a opção corretiva da acumulação irregular a que se refere o art. 133 da Lei n. 8.112, 1990, na redação dada pela Lei n. 9.527, de 1997, a qual resultaria na modificação do regime de serviço, no magistério, de quarenta para vinte horas, pois as declarações de horários constantes dos processos indicam a viabilidade da compatibilização.

26. O período em que esses cargos foram desempenhados com carga total de oitenta horas, por semana, não implica restituição da correspondente remuneração, dado o entendimento exposto nos itens 22 e 23 deste Parecer e considerando que:

a) não se apuraram a ilicitude da acumulação e a má fé;

b) houve efetiva prestação de serviços ao Estado; e

c) não se afigura despropositada a assertiva de que a Exposição de Motivos n. 9/89 teria oferecido amparo à situação funcional dos interessados, mesmo que aparentemente.” (Parecer nº GQ 145/98, aprovado por Despacho do Presidente da República, publicado no DOU de 01.04.98)

37.Quando a percepção indevida de importâncias por servidores resulta de interpretação equivocada de lei por parte da Administração, a tendência histórica tem sido, no âmbito dos órgãos consultivos do Poder Executivo, a de entender dispensável o ressarcimento ao erário. No tocante à caracterização da boa-fé dispensadora de reposição, exsurge rutilante o magistério do legendário administrativista Themístocles Brandão Cavalcanti. Enquanto Consultor-Geral da República, predicou no Parecer nº 29 - X, publicado no DOU de 17.06.55 e trazido à baila na Informação nº 40/DDD da FMTM (fl. 56 do Volume 1), que as quantias auferidas de boa-fé por servidores, em virtude de interpretação equivocada de lei, não estão sujeitas a devolução. Tratava-se de vantagem financeira concedida com base em Decreto interpretativo de Lei, o qual, ao exame do Tribunal de Contas da União, mostrou-se não consentâneo com os propósitos da lei interpretada. Naquela ocasião, manifestou-se o ex-Ministro do STF:

'19. Estou assim, pela nulidade dessas averbações, mesmo que tenham produzido efeitos patrimoniais.

20. Quanto a esses efeitos, isto é, quanto à reposição das vantagens recebidas em conseqüência da interpretação errônea dada à lei, parece-me que ela não ela não se justifica, de momento que se incorporaram ao patrimônio dos beneficiários, que apenas se beneficiaram com o erro da administração, de acordo com interpretação dada através de decreto executivo. Houve boa-fé presumida, não se trata, portanto, de restituição do indébito, de momento que foi aplicado o Decreto vigente ao tempo do pagamento.'

38.Na essência, o exemplo colacionado não difere dos casos atuais nos quais há Parecer da SAF ou da AGU (este com força de Decreto, quando aprovado pelo Presidente da República) que se revela equivocado à luz de decisões deste Tribunal. É importante atentar para a referência feita à boa-fé presumida. Ora, o servidor que recebe uma gratificação com base em parecer jurídico de seu órgão, presumivelmente a está recebendo de boa-fé. Não se pode pretender exigir do servidor comum o domínio de todos os conceitos jurídicos e o conhecimento de uma legislação muitas vezes inextricável até para os estudiosos mais versados em regime jurídico de servidores. Não é razoável, decerto. Aliás, o supratranscrito posicionamento da Consultoria-Geral da República tem historicamente sido a tônica naquele órgão, bem assim na sua sucessora, a Advocacia-Geral da União, conforme evidenciado nos Pareceres Z-260/57 (DOU de 21.05.57), H-180/65 (DOU de 27.05.65), SR-18/86 (DOU de 24.12.86), SR-38/87 (DOU de 30.10.87), SA-21/88 (DOU de 18.08.88), GQ-114 (DOU de 26.11.96), GQ-161 (DOU de 09.09.98), muitos deles, diga-se en passant, mencionados na Informação

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nº 40/DDD da FMTM (fls. 56/57 do Volume 1). Dignas de menção as palavras do Dr. Sebastião Baptista Affonso, em aguda análise do tema:

'O servidor público que, de presumida boa-fé, venha a receber alguma vantagem financeira, em decorrência da errada interpretação ou aplicação de norma legal, por parte da Administração, sem ter influenciado ou interferido na sua concessão, independente de havê-la pleiteado ou não, jamais poderá vir a ser compelido, depois, a devolver aquelas importâncias, tidas por indevidamente pagas, porquanto descaracterizada a figura do indébito, em tais casos, nos quais o ato respectivo, embora vitimado de vício insanável, mesmo insuscetível de gerar direitos, goza da presunção de legalidade, até advir-lhe a nulificação, declarada pela autoridade, para tanto competente.' (fragmento do Parecer nº SA 21/88 - DOU de 18.08.88)

39.Tudo depende, em verdade, das circunstâncias dos casos concretos. A boa-fé que se presume do servidor comum não pode ser atribuída, sem maior exame, por exemplo, a um procurador de órgão que emita parecer com vistas a estender a si e a outros integrantes da carreira determinada vantagem que, por força de seu ofício, sabia ter sido considerada ilegal pelo TCU ou pelo Poder Judiciário.

40.Por outro lado, quando o recebimento indevido decorre de simples erro no processamento da folha de pagamentos do órgão, não é de se impor uma presunção de boa-fé por parte do servidor que não informa o setor competente a respeito do ocorrido. Ora, se o servidor exerceu um cargo em comissão por 30 dias e foi remunerado por 45, tem todas as condições de perceber o equívoco e solicitar a correção. Da mesma forma se determinada parcela de sua remuneração sofre um acréscimo abrupto em certo mês e sem motivo aparente. Nesses casos, a reposição justifica-se plenamente. Foi isso o que preconizou a Advocacia-Geral da União, no Parecer nº GQ - 161, aprovado pelo Presidente da República em 01.09.98 (DOU de 09.09.98):

' (...)13. Do raciocínio lógico e do que se depreende dos pareceres citados, pode-se afirmar: a efetiva prestação de serviço, a boa-fé no recebimento da vantagem ou vencimento, a errônea interpretação da lei e a mudança de orientação jurídica são requisitos indispensáveis para que possa ser dispensada a "restituição de quantia recebida indevidamente". São cumulativos e não alternativos.

14. A efetiva prestação de serviço é essencial. Se o servidor não se enquadra na norma, se não presta efetivamente o serviço ao qual é destinada a vantagem e, ainda assim, a recebe, o pagamento é indevido e está sujeito à reposição.

15. A boa fé é a intenção pura, isenta de dolo, de engano, de malícia, de esperteza com que a pessoa recebe o pagamento "indevido", certo de que está agindo de acordo com o direito. Se um decreto, interpretando erroneamente um dispositivo legal, mandasse pagar determinada vantagem a certos servidores, é evidente que estes a receberiam de boa fé, desde que se enquadrassem na situação nele descrita. Por outro lado, não se poderá dizer que há boa-fé se, por exemplo, um servidor, exercendo um só cargo em um Ministério, tivesse, por erro no sistema SIAPE, seu nome incluído duas vezes na lista da mesma Secretaria de Estado ou na listagem de dois Ministérios e recebesse a mesma importância duas vezes. Não haveria, neste caso, interpretação errônea da Administração e posterior mudança de orientação. Não haveria a efetiva prestação de serviço referente aos dois vencimentos recebidos. Não haveria lisura no comportamento do servidor que, mesmo sabendo ser titular de um só cargo, recebesse duas vezes pelo mesmo serviço executado. Não agiria da mesma forma, isto é não permaneceria calado se a Administração lhe fizesse corte em seus vencimentos, se lhe deixasse de creditar a remuneração de um ou mais meses.

16. A errônea interpretação da lei deve estar expressa em um ato qualquer da Administração: uma norma legal de hierarquia inferior à lei (decreto, portaria, instrução normativa), um despacho administrativo, um parecer jurídico que tenha força normativa. Da mesma forma, a mudança de orientação, após constatado o equívoco.

17. O conceito de pagamento indevido é muito simples, é óbvio, é cristalino: é aquele que não era devido à época em que foi feito. Ora, se o pagamento foi feito com base em um decreto, em uma

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portaria, em uma instrução normativa, em um parecer com força normativa, é evidente que estava lastreado em algum instrumento, até, então, válido. Não era então indevido; ao contrário, era devido em virtude da orientação adotada. Só com a nulificação, após verificado o equívoco, deixou a orientação de ser obrigatória para a Administração. Foi, por exemplo, a hipótese de que cuidou o Parecer n° CGR/CR/SA-21/88, citado na peça vestibular destes autos. O pagamento feito e, posteriormente discutido, estava baseado em um Decreto. Por isso, considerou-se que não era caso nem mesmo de repetição do indébito e não se determinou a restituição porque o pagamento foi lícito durante a vigência do decreto.

18. A posterior mudança de orientação, o equívoco verificado não invalida o pagamento feito, se o servidor se enquadrava na situação, se o recebeu de boa-fé. O equívoco verificado tem dois efeitos: a) estancar o pagamento que vinha sendo efetuado; b) negá-lo a quem, na mesma situação, não o tenha ainda recebido. Isto foi claramente demonstrado no Parecer GQ-114-97 (sic), da lavra do Dr. Geraldo Quintão.'

41.Como observou com percuciência o parecerista, a dispensa de reposição depende da concomitância dos seguintes fatores: a efetiva prestação de serviço, a boa-fé no recebimento da vantagem ou vencimento, a errônea interpretação da lei e a mudança de orientação jurídica. Poder-se-ia contrapor tal postura com o seguinte julgado do Superior Tribunal de Justiça:

'Constitucional. Administrativo. Recebimento, por funcionários, de vantagens indevidas. Reconhecimento da ilicitude do auferimento de gratificações em ação popular. Devolução das quantias acrescidas da correção monetária a partir do recebimento indevido. O servidor público - inclusive os conselheiros dos Tribunais de Contas dos Estados - estão obrigados a devolver quantias recebidas, da Administração, ilegalmente, a título de gratificação, devidamente atualizadas. Uma vez que a ilegalidade do auferimento das vantagens pecuniárias foi declarada em ação popular, a correção monetária deve incidir a partir do recebimento indevido, ainda que anterior ao advento da Lei nº 6.899/91. Embargos de divergência rejeitados. Decisão por maioria de votos.' (ERESP nº 1831/SC, STJ - 1ª Seção, DJ de 22.04.96)

42.É de se salientar, no entanto, que a devolução dos valores se deu em decorrência de ação popular contra Resolução do Tribunal de Contas do Estado de Santa Catarina, que estendeu a seus membros uma gratificação indevida, situação análoga à descrita no parágrafo 39 da presente instrução, na qual não é de bom alvedrio dispensar-se a devolução.

43.Ademais, o antigo Tribunal Federal de Recursos se pronunciou repetidas vezes no sentido da dispensa de reposição quando o pagamento decorresse de errônea interpretação da lei, como no seguinte aresto:

'Administrativo. Funcionário Público. Reposição de quantias indevidamente pagas.

I - Não se aplica o disposto no art. 125 da Lei nº 1.711/52 na hipótese de o pagamento indevido decorrer de errônea interpretação da lei.

II - A devolução de quantias já descontadas, no entanto, é de discussão incomportável na via do “mandamus”, ante os termos da Súmula 269, do Supremo Tribunal Federal.

III - Apelação e remessa oficial não providas. Sentença confirmada.' (AMS nº 0101211/RJ, DJ de 09.05.85)

44.É certo que a Administração pode legitimamente se valer de seu poder de autotutela para anular os seus atos, quando considerados ilegais. A Súmula nº 473 do Supremo Tribunal Federal o apregoa. Contudo, é sempre importante ter em conta as implicações advindas do procedimento anulatório. Como noticia o Professor Gilmar Ferreira Mendes a respeito do hodierno Direito alienígena, em Parecer lavrado nos autos do Recurso Extraordinário nº 108.182-1/SP:

'Inicialmente, considerava a doutrina européia que os atos administrativos ilegais favoráveis (rechtswidriger begünstigender Verwaltungsakte) eram passíveis de revisão independentemente de

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qualquer providência. Discutia-se apenas sobre a eficácia ex tunc ou ex nunc do ato anulatório (Hans-Uwe Erichsen e Wolfgang Martens, Allgemeines Vewaltungsrecht, Berlin, 1983, p. 239; Laudabère Traité de Droit Administratif, vol. I, Paris, 1973, pp. 326/327; Miguel Reale, Revogação e Anulamento do Ato Administrativo, 1980, pp. 71/72; Hely Lopes Meirelles, Estudos e Pareceres de Direito Público, vol. VIII, 1984, p. 361/365).

Passou-se a entender, posteriormente, que a simples ilegalidade do ato administrativo não se mostrava suficiente para justificar a declaração de nulidade do ato administrativo, devendo levar-se em conta a aparência de legalidade e a convicção na sua legitimidade. (...)

A confiança na legitimidade das providências administrativas e a necessidade de segurança das relações jurídicas acabaram por impor condições ao exercício do poder-dever de autotutela. Nesse sentido, prelecionam Erichsen e Martens que:

‘O princípio da legalidade da administração constitui apenas um dos elementos do postulado do Estado de Direito. Tal postulado contém igualmente os princípios da segurança jurídica (Rechtssicherheit) e da paz jurídica (Rechtsfrieden), dos quais decorre o respeito ao princípio da boa-fé do favorecido. Legalidade e segurança jurídica constituem dupla manifestação do Estado de Direito, tendo, por isso, o mesmo valor e a mesma hierarquia. Daí resulta que a solução para um conflito concreto entre matéria jurídica (Rechtsgüter) e interesses há de levar em conta todas as circunstâncias que o caso possa eventualmente ter’.' (integrou o relatório do Ministro Oscar Correa, no RE nº 108.182-1/SP, DJ de 24.10.86)

45.Depreende-se, pois, que a questão da possibilidade de se conceder efeito ex nunc para a declaração de nulidade de atos administrativos, segundo a doutrina citada, já está ultrapassada, dando lugar ao questionamento sobre a própria desconstituição do ato em si e, não simplesmente aos seus efeitos. Situações haveria nas quais o princípios da legalidade e da segurança jurídica colidiriam, fazendo-se mister uma opção por parte do aplicador do Direito ou, o tanto quanto fosse possível, uma tentativa de conciliação, com condicionamento parcial de cada um dos postulados. Em outras palavras, a aplicação do princípio da concordância prática de que fala J. J. Gomes Canotilho. A propósito, o constitucionalista português assevera ser uma das manifestações dos princípios da segurança jurídica e da proteção da confiança a 'tendencial irrevogabilidade dos actos administrativos constitutivos de direito' (Direito Constitucional, p. 377, 5ª ed, 1992, Almedina). Repita-se: mais do que a simples garantia de intocabilidade dos efeitos já produzidos pelos atos inquinados de ilegais, a moderna doutrina européia tem se inclinado a prestigiar fórmulas preclusivas do poder de autotutela da Administração, em homenagem à boa-fé dos administrados e à segurança jurídica.

46.Os ventos da nova doutrina que, diga-se de passagem, já não podem ser considerados novidade, traduziram-se no Direito pátrio na Lei nº 9.784/99, que estabeleceu, em seu art. 54:

'Art. 54. O direito da Administração de anular os atos administrativos de que decorram efeitos favoráveis para os destinatários decai em cinco anos, contados da data em que foram praticados, salvo comprovada má-fé.'

47.Reflexos daquelas contribuições doutrinárias também se irradiaram pelo Direito Constitucional brasileiro, mais especificamente na Lei nº 9.868/99, que estabeleceu em seu art. 27, quanto às decisões do STF proferidas em sede de processo objetivo de controle de constitucionalidade:

'Art. 27. Ao declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo, e tendo em vista razões de segurança jurídica ou de excepcional interesse social, poderá o Supremo Tribunal Federal, por maioria de dois terços de seus membros, restringir os efeitos daquela declaração ou decidir que ela só tenha eficácia a partir de seu trânsito em julgado ou de outro momento que venha a ser fixado.'

48.Ora, é intuitivo que, se a própria lei acoimada de inconstitucional poderá gerar efeitos válidos, quando o STF decidir por restringir a amplitude temporal da declaração de

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inconstitucionalidade, os atos praticados sob a égide daquela lei, no período em que ela gerou efeitos, também deverão ser reputados válidos. Tem-se, portanto, mais uma homenagem ao princípio da segurança jurídica. De resto, releva observar que o artigo transcrito não fez mais do que positivar uma concessão parcial à teoria kelseniana de validade da norma que norteou o modelo de controle de constitucionalidade da Oktoberverfassung austríaca de 1920.

49.Aliás, o Supremo Tribunal Federal, bem antes de se cogitar da positivação, na Lei nº 9.868/99, do entendimento exposto supra, teve oportunidade de enfrentar, no RE nº 122.202-6/MG, a problemática da devolução de valores recebidos por magistrados com base em lei que veio a ser declarada inconstitucional via controle abstrato. Naquele julgado, o STF, prestigiando os princípios da boa-fé e da segurança jurídica, considerou dispensável o ressarcimento, nos termos do voto do Ministro Francisco Rezek:

'Esta Corte tem jurisprudência - mostrou-a o parecer da Dra. Anadyr - no sentido de prestigiar a irredutibilidade judiciária poupando os seus detentores de restituir ao erário montante inconstitucionalmente pago. Vá lá que assim seja, e, portanto, ainda que declarada a inconstitucionalidade de retribuição ou acréscimo de índole vária - e, mais, sendo erga omnes os efeitos desta declaração - , não se devolve seu valor pecuniário já ingresso no patrimônio do assalariado, que é o juiz, e em geral já despendido.

Essa idéia, provavelmente erigida sobre pilares como o da boa-fé e o da estabilidade das relações jurídicas, só se vê justificar enquanto se supõe válida a lei determinante de tais benefícios, porque ainda não apreciada em juízo de constitucionalidade pelo Supremo. Pretender vê-la subsistir mesmo após a declaração de inconstitucionalidade da lei por esta Casa é um despropósito.' (RE nº 122.202-6/MG, Rel. Ministro Francisco Rezek, DJ de 08.04.94)

50.Se é certo que, na esteira da Súmula 473 do STF e do princípio da legalidade, a doutrina tradicional perfilhou a tese de que os atos administrativos ilegais são nulos, não podendo gerar quaisquer efeitos, certo também é que parte da doutrina tem se insurgido contra essa inteligência. Em parecer exarado no TC 6.854/96-6, assim se manifestou o Dr. Lucas Rocha Furtado, atual Procurador-Geral do MP junto ao TCU:

'Diversos doutrinadores, dentre os quais citamos Celso Antônio Bandeira de Mello, Maria Sylvia Zanella di Pietro e Seabra Fagundes, admitem no âmbito do direito público a mesma gradação que é feita no direito privado em que os atos inválidos podem ser classificados em atos nulos ou anuláveis. Dessa distinção resulta a conclusão que alguns efeitos decorrentes de terminado ato, ainda que praticado em violação ao ordenamento jurídico, possam ser aproveitados. (cf. Decisão nº 39/99 - 2ª Câmara, DOU de 09.04.99)

51.Naquela oportunidade, o Tribunal, anuindo aos pareceres da Unidade Técnica e do Ministério Público, deu provimento parcial a pedido de reexame de servidora que acumulara ilegalmente dois cargos públicos (embora houvesse se licenciado sem vencimentos do primeiro cargo ao tomar posse no segundo). Embora tenha reafirmado a ilegalidade da nova admissão, recusando-lhe o registro, a Corte determinou fosse considerado o tempo de serviço prestado no segundo cargo para os efeitos legalmente previstos, em flagrante reconhecimento de que podem subsistir, em determinadas circunstâncias, efeitos de atos contrários à lei.

52.Não obstante os copiosos exemplos colacionados de decisões deste Tribunal de Contas, consagrando a tese de que as quantias recebidas indevidamente em virtude de má-interpretação de dispositivos legais não precisam ser ressarcidas pelos servidores, ainda são encontrados julgados nos quais tal tese não foi acolhida (Acórdão nº 451/2000 - 2ª Câmara, Decisão nº 5/99 - 1ª Câmara). O fato é que a jurisprudência parece ainda não ter se consolidado, gerando decisões conflitantes, inclusive em casos praticamente idênticos (cotejem-se os Acórdãos nº 451/2000 - 2ª Câmara e nº 213/2000 - 1ª Câmara). Imperiosa se torna, portanto, uma manifestação da Corte dirigida a fixar os efetivos limites da dispensa de devoluções ao erário. Não há como negar que, mais do que uma

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simples relativização da Súmula nº 235, o Tribunal está negando aplicação ao Enunciado em inúmeros casos.

53.De acordo com o art. 479 do Código de Processo Civil, a razão de ser de uma Súmula é a uniformização de jurisprudência. Segundo o art. 270 do Regimento Interno deste Tribunal, a Súmula de Jurisprudência deve constituir-se de princípios ou enunciados que resumem teses, soluções e precedentes adotados reiteradamente pela Corte. Desse modo, uma Súmula só se justifica enquanto veículo de manifestação de um entendimento consolidado, cristalizado do órgão judicante. Se pululam os casos de não-aplicação de uma Súmula, ela perde sua qüididade e a razão de existir ou, no mínimo, reclama nova redação para excepcionar as hipóteses dos julgados que conflitam com a redação vigente. Em razão disso, s.m.j, não há como subsistir a Súmula nº 235 com a redação atual.

54.Relativamente aos valores recebidos a maior pelos recorrentes, à luz de tudo o quanto se disse, presente a boa-fé e outros requisitos ensejadores da dispensa de devolução, essa última se justifica em relação ao Sr. Wandir Ferreira de Souza, e mesmo à Sra. Vilma Pinto Gonçalves, conquanto ela não tenha interposto recurso. Ora, o só fato de não ser recorrente não pode obstaculizar a extensão dos efeitos da deliberação da Corte à servidora aposentada. Com efeito, ela se encontra em situação equivalente à do Sr. Wandir Ferreira de Souza. E se o Tribunal resolver mudar de posicionamento e dispensar o recorrente da devolução, será forçoso dar idêntico tratamento à Sra. Vilma. Ainda que se diga não tratar-se de litisconsórcio unitário, que se invoque o bom senso, bem assim os princípios da isonomia e da economia processual. Por que esperar que a servidora interponha recurso junto ao TCU ou se valha do Poder Judiciário? A professora Maria Sylvia Zanella di Pietro entende que o TCU possa reformar ex officio suas decisões, a despeito mesmo da coisa julgada administrativa:

'Com relação ao primeiro aspecto, sabe-se que existe todo um procedimento administrativo perante o Tribunal de Contas, disciplinado pela respectiva lei orgânica, de tal modo que, uma vez exauridos todos os recursos, a decisão final não tem mais como ser impugnada pelos interessados, senão perante o Poder Judiciário. É cabível, aqui, pelos mesmos fundamentos, a mesma ressalva feita com relação à coisa julgada formal na esfera administrativa: embora preclusa a via administrativa para o interessado, isto não impede que o Tribunal, se reconhecer a ilegalidade de sua decisão a reforme ex officio, em respeito ao princípio da legalidade e para evitar os ônus de uma demanda judicial que lhe será certamente desfavorável.' (Coisa Julgada: Aplicabilidade a decisões do Tribunal de Contas da União, in Revista do TCU, nº 70, out/dez 1996, p. 34)

55.Ainda que não se possa dizer ser ilegal a decisão anterior do TCU, será no mínimo antiisonômico conceder a dispensa de devolução ao recorrente e, presentes os mesmos requisitos que dão azo à dispensa no caso de servidora que figura nos mesmos autos, não lhe dar tratamento análogo.

56.Quanto ao outro recorrente, o Sr. Carlos Antonio Gomes, não há nos autos elementos suficientes para se concluir a respeito da presença dos requisitos autorizadores da dispensa de devolução. De feito, o prodrômico relatório de auditoria remete ao Relatório de Auditoria Operacional n.º 17/95 da CISET, quando comenta os pagamentos indevidos que justificaram a posterior determinação do TCU que atingiu o recorrente. Entretanto, não consta dos autos esse relatório da CISET, razão por que fica prejudicado exame do atendimento, in casu, dos pressupostos para a dispensa de devolução.” (Grifei).

V

28. Em relação às parcelas pagas por gestores públicos a servidores, sem amparo legal, historicamente o Tribunal não tem se cercado das medidas suficientes para apenar os responsáveis, o que acaba por incentivar a prática de atos ilegais na certeza da impunidade.

29. Em regra, esta Corte tem apenas determinado a suspensão dos pagamentos indevidos, sem realizar audiência dos gestores com vistas à aplicação de multa ou à responsabilização solidária, conforme o caso.

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30. Impende registrar minha preocupação quanto à necessidade de realizar audiência dos responsáveis por pagamentos indevidos a servidores públicos, bem como de determinar aos gestores que comuniquem aos interessados acerca da deliberação do Tribunal, alertando-os que o efeito suspensivo proveniente da interposição de eventuais recursos não os exime da devolução dos valores percebidos indevidamente após a respectiva notificação.

VI

31. Destarte, proponho o acolhimento da questão de ordem suscitada e, no mérito, a uniformização do tratamento a ser conferido aos servidores ocupantes de cargo em comissão não detentores de cargo efetivo, no âmbito da Justiça do Trabalho, de modo a dispensar a devolução dos valores percebidos indevidamente a título de Gratificação Extraordinária até a edição da Lei n.º 9.421, de 24.12.96, concomitante ou retroativamente.

32. Observo que as considerações expendidas no Relatório da Decisão n.º 446/2002 – 2ª Câmara, com fundamento na jurisprudência desta e. Corte (Decisão n.º 101/96 - 2ª Câmara, Decisão n.º 338/2000 - 2ª Câmara, Decisão n.º 046/96 Plenário; Decisão n.º 101/96 - 2ª Câmara, Decisão n.º 316/96 – Plenário, Decisão n.º 412/97 – Plenário, Acórdão n.º 55/98 - Plenário, Acórdão n.º 307/98 - 1ª Câmara, Acórdão n.º 29/99 - Plenário, Acórdão n.º 63/99 - Plenário, Acórdão n.º 64/99 - Plenário, Acórdão n.º 178/99 – Plenário; Decisão n.º 412/97 – Plenário, Decisão n.º 463/2000 - Plenário, Acórdão n.º 191/2000 – Plenário e Acórdão n.º 112/2000 - Plenário), já seriam suficientes per se para ensejar a revisão da Súmula n.º 235, a fim de contemplar a possibilidade de dispensa de devolução de valores recebidos de boa-fé, fundada em interpretação de ato normativo realizada por autoridade legalmente investida da função de orientação e supervisão ou até mesmo em interpretação equivocada, considerando inclusive o caráter alimentar das parcelas remuneratórias.

Ante o exposto, VOTO no sentido de que o Tribunal adote a deliberação que ora submeto ao Colegiado.

TCU, Sala das Sessões Ministro Luciano Brandão Alves de Souza, em 08 de dezembro de 2004.

UBIRATAN AGUIARMinistro-relator

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ACÓRDÃO Nº 1.999/2004 -TCU - Plenário

1. Processo TC-010.688/1999-4 – c/06 volumes2. Grupo II - Classe VII: Incidente de Uniformização de Jurisprudência.3. Interessados: Ana Luiza Lazzarini Lemos (CPF não consta), Catarina Alves Arantes (CPF nº 220.350.521-49), Ynes da Silva Félix (CPF nº 294.294.711-04), Alcides Ribeiro Alves (CPF nº 033.686.614-34), Hugo Cleon de Melo Coutinho (CPF 025.176.478-87), Moacir Scândola (CPF nº 024.574.151-87), Oswaldo Barbosa de Almeida (CPF nº 075.243.151-04), Paulo Augusto Vaz (CPF nº 176.043.207-59), Rudenir de Andrade Nogueira (CPF nº 070.508.361-68).4. Órgão: Tribunal Regional do Trabalho – 24ª Região/MS.5. Relator: MINISTRO UBIRATAN AGUIAR6. Representante do Ministério Público: Subprocurador-Geral Paulo Soares Bugarin. 7. Unidades Técnicas: Secex-MS e Serur.8. Advogado constituído nos autos: Alexandre Matsuda Nagel (OAB/DF n.º 19.917 e OAB/SP n.º 197.304).9. Acórdão:

VISTOS, relatados e discutidos estes autos que tratam de Incidente de Uniformização de Jurisprudência acolhido por este e. Plenário na Sessão de 19/05/2004, quando da prolação do Acórdão n.º 586/2004 – Plenário, em face do dissenso suscitado entre as deliberações desta Corte, no tocante à dispensa de devolução da gratificação extraordinária percebida indevidamente por ocupantes de cargos em comissão no âmbito da Justiça Trabalhista não detentores de cargo efetivo.

ACORDAM os Ministros do Tribunal de Contas da União, reunidos em Sessão Plenária, nos termos do art. 91 do Regimento Interno/TCU, ante as razões expostas pelo Relator, em:

9.1. firmar o entendimento no sentido de dispensar a devolução dos valores percebidos indevidamente de boa-fé, concomitante ou retroativamente, com base em interpretação equivocada da autoridade competente, a título de Gratificação Extraordinária por servidores ocupantes de cargo em comissão sem vínculo efetivo com a Justiça do Trabalho, até a edição da Lei n.º 9.421, de 24.12.96;

9.2. encaminhar, com fulcro no art. 91, § 3º, do Regimento Interno/TCU, cópia deste Acórdão à Comissão de Jurisprudência, visando a oportuna apreciação da necessidade de elaboração de enunciado de Súmula sobre a matéria apreciada ou da reformulação da Súmula/TCU n.º 235;

9.3. dar ciência deste Acórdão, bem como do Relatório e Voto que o fundamentam, aos interessados e aos dirigentes máximos dos órgãos vinculados à Justiça do Trabalho.

10. Ata nº 48/2004 – Plenário11. Data da Sessão: 8/12/2004 – Extraordinária12. Especificação do quórum:12.1. Ministros presentes: Valmir Campelo (Presidente), Marcos Vinicios Vilaça, Adylson Motta, Walton Alencar Rodrigues, Guilherme Palmeira, Ubiratan Aguiar (Relator), Benjamin Zymler e os Ministros-Substitutos Lincoln Magalhães da Rocha e Augusto Sherman Cavalcanti.12.2. Auditor presente: Marcos Bemquerer Costa.

VALMIR CAMPELO UBIRATAN AGUIARPresidente Ministro-Relator

Fui presente:

LUCAS ROCHA FURTADOProcurador-Geral

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