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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO INSTITUTO DE BIOFÍSICA CARLOS CHAGAS FILHO NOTAS DE AULA - FUNDAMENTOS DE BIOFÍSICA II FISICO-QUÍMICA DE BIOMEMBRANASç EQUILÍBRIO ELETROQUÍMICO E TRANSPORTE Gilberto Weissmuller Nice Maria Americano Costa Paulo Mascarello Bisch INTRODUÇÃO No âmbito da célula, um dos processos mais importantes para a vida é o transporte de matéria através das membranas celulares e daquelas intracelulares. A membrana plasmática, por exemplo, funciona como uma barreira seletivamente permeável entre o meio intracelular e o extracelular, assegurando que moléculas e íons essenciais, tais como glicose, aminoácidos, lipídios, K + , Na + e Ca 2+ , penetrem na célula, que compostos metabólicos permaneçam no seu interior e, também, que o produto tóxico do metabolismo seja expelido. Através da membrana interna da mitocôndria, são transportados prótons, para a região intermembranar, (íons H + ), imprescindíveis na síntese do ATP, bem como as próprias moléculas de ATP recém sintetizadas. Pela carioteca – membrana que envolve o núcleo da célula – atravessam moléculas vitais: nucleotídeos, RNA, ATP e proteínas. Os transportes transmembranares controlam tudo aquilo que pode passar entre células e entre compartimentos dentro de uma célula, garantindo com isso que o metabolismo seja regulado e dirigido. Em síntese, os transportes existem para garantir o 1

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIROINSTITUTO DE BIOFÍSICA CARLOS CHAGAS FILHO

NOTAS DE AULA - FUNDAMENTOS DE BIOFÍSICA II

FISICO-QUÍMICA DE BIOMEMBRANASçEQUILÍBRIO ELETROQUÍMICO E TRANSPORTE

Gilberto WeissmullerNice Maria Americano Costa

Paulo Mascarello Bisch

INTRODUÇÃO

No âmbito da célula, um dos processos mais importantes para a vida é o

transporte de matéria através das membranas celulares e daquelas intracelulares.

A membrana plasmática, por exemplo, funciona como uma barreira

seletivamente permeável entre o meio intracelular e o extracelular, assegurando que

moléculas e íons essenciais, tais como glicose, aminoácidos, lipídios, K+, Na+ e Ca2+,

penetrem na célula, que compostos metabólicos permaneçam no seu interior e,

também, que o produto tóxico do metabolismo seja expelido.

Através da membrana interna da mitocôndria, são transportados prótons, para

a região intermembranar, (íons H+), imprescindíveis na síntese do ATP, bem como as

próprias moléculas de ATP recém sintetizadas.

Pela carioteca – membrana que envolve o núcleo da célula – atravessam

moléculas vitais: nucleotídeos, RNA, ATP e proteínas.

Os transportes transmembranares controlam tudo aquilo que pode passar entre

células e entre compartimentos dentro de uma célula, garantindo com isso que o

metabolismo seja regulado e dirigido. Em síntese, os transportes existem para garantir

o funcionamento de nossas “usinas”, controlando o fluxo de seus “insumos” e também

de seus “dejetos” e ainda para criar condições de armazenamento de energia

necessária para realização de muitos processos celulares.

À luz de fenômenos físico-químicos, aqui, vamos dedicar nossa atenção à

análise das possibilidades e das condições de transporte de matéria e de

armazenamento de energia através de membranas.

Preliminarmente, faremos uma revisão de alguns conceitos básicos de

Eletricidade, indispensáveis à compreensão da origem biológica dos fenômenos

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elétricos constatados na célula e de como eles interferem nos processos vitais de

transporte transmembranar.

Em seguida, discutiremos como o equilíbrio químico se estabelece quando os

solutos são eletricamente carregados e quando a própria membrana semipermeável é

carregada, tal como ocorre para membranas celulares. Estas, constituídas por lipídios,

podem ter a cabeça polar eletricamente carregada, separando soluções iônicas de

diferentes concentrações. Neste tópico, analisaremos como a difusão de íons através

de membranas semipermeáveis provoca o aparecimento de um potencial elétrico

através da membrana.

Finalmente, no terceiro tópico, serão discutidos os conceitos de transporte

passivo e do transporte ativo, sob a perspectiva termodinâmica do equilíbrio

eletroquímico (equilíbrio químico entre espécies carregadas eletricamente).

REVISÃO DE ELETRICIDADE

Lei de CoulombExistem dois tipos de carga elétrica: positiva e negativa. As partículas

elementares que possuem carga são os elétrons (negativos) e os prótons (positivos).

Quando uma partícula – composta por muitos átomos ou moléculas –, inicialmente

neutra, torna-se eletricamente carregada, é porque ela recebeu ou perdeu elétrons.

Partículas carregadas – até mesmo elétrons e prótons – são chamadas íons. Os

positivos são chamados cátions e os negativos, ânions.

As partículas carregadas interagem por meio de forças atrativas ou repulsivas

de acordo com a regra: cargas iguais se repelem e opostas se atraem. A intensidade

da força elétrica é dada pela lei de Coulomb: a força entre duas cargas elétricas é

proporcional ao produto das cargas e inversamente proporcional ao quadrado da

distância entre elas. Formalmente, esta lei se expressa por:

,

onde, k é a constante de Coulomb, que vale k = 9 × 109 , Q1 e Q2 são as cargas e

d é a distância entre elas.

As forças elétricas são forças intensas; na presença destas, as forças

gravitacionais podem ser desconsideradas; um número relativamente pequeno de

elétrons gera forças enormes. Um exemplo simples ilustra esse fato.

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Considere duas pequenas esferas de ferro, com raio de 1 cm, cada uma

contendo, inicialmente cerca de um mol de ferro (6,02 x 1023 átomos), entre as quais

ocorre uma transferência de elétrons. Suponha que um número de elétrons, muito

menor que 1023, tenha sido transferido de uma esfera para a outra: um elétron a cada

bilhão de átomos (1ppb). Se a distância entre as esferas for 10 cm, pela lei de

Coulomb, calculamos que o valor desta força é equivalente ao peso de 0,8 toneladas.

Esse exemplo é útil para mostrar como uma pequena alteração entre cargas

provoca o surgimento de uma força muito grande.

Em uma solução eletrolítica, os íons podem se mover de um ponto ao outro

facilmente; quando um íon se distancia relativamente dos outros, a força eletrostática

que surge por esta separação de cargas atuará de modo a anulá-la, mantendo a

solução eletricamente neutra em todos os pontos a todo instante.

Campo elétrico e potencial elétricoToda carga Q elétrica modifica as propriedades do espaço a sua volta de tal

forma que uma outra carga q trazida a um ponto desse espaço experimenta uma força

elétrica. Diz-se então que a carga Q cria um campo elétrico a sua volta.

Com este conceito de campo elétrico, podemos considerar que a força que a

carga q experimenta é devida a ele, tornando-se desnecessário nos referirmos

diretamente à carga Q. Dizemos que

A força é o produto da carga q pelo campo elétrico na posição da carga onde

ela se encontra. Claramente, o valor do campo deve ser tal que reproduza exatamente

o valor da força calculada pela lei de Coulomb.

Trabalhar com o conceito de campo elétrico é vantajoso. Uma noção de campo

análoga, e, em particular, uma situação onde o campo é constante, é o campo

gravitacional. Para este campo, dizemos que a força peso de um corpo é igual a sua

massa multiplicada pela aceleração da gravidade,

P = mg

onde g = 10 m/s2 (nas proximidades da superfície da terra); estamos fazendo o mesmo

raciocínio: a terra gera nas proximidades de sua superfície um campo gravitacional e a

força é a massa multiplicada pela intensidade do campo (g).

A analogia com a situação gravitacional pode ainda ser usada para entender

uma outra grandeza elétrica importante: o potencial elétrico. Para tanto, vamos lançar

mão da noção de trabalho realizado por uma força.

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O trabalho W realizado por uma força F, ao longo de uma distância x é W = F

x. Se pensarmos no trabalho realizado pela força peso sobre um corpo caindo de uma

altura h da superfície da terra, calculamos que este trabalho será W = m g h. Desta

relação, podemos então concluir que o campo gravitacional cria, em relação à

superfície da Terra, uma nova propriedade: uma capacidade potencial de realizar

trabalho a partir de cada altura h. Esta capacidade potencial vale gh, que multiplicada

pela massa m, resultará no trabalho realizado. Note que a capacidade de realizar

trabalho depende apenas do campo gravitacional e da altura, propriedades do espaço.

Vamos utilizar estas noções para analisar a situação de uma configuração de

cargas, como a da Figura 1: duas superfícies condutoras paralelas carregadas com

cargas contrárias. Ela será importante para a discussão de fenômenos elétricos nas

células.

Figura 1 Superfícies condutoras paralelas carregadas com cargas opostas.

A atração eletrostática entre as cargas opostas, numa placa e noutra, e a

repulsão entre as cargas iguais na mesma placa levará a uma distribuição uniforme

dessas cargas nas superfícies condutoras, expressa pela densidade superficial de

cargas (unidades em Coulomb por metros quadrados). Pode-se mostrar que tal

distribuição gera um campo elétrico constante e confinado à região entre as placas

onde k é a constante de Coulomb, já citada.

Uma carga q colocada entre as placas sofre a ação de uma força devido ao

campo elétrico E, dada por F = q E. O trabalho desta força, ao longo de uma distância

será, portanto,

,

medido em N x m = Joule.

E

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Usando a analogia discutida anteriormente para o campo gravitacional,

podemos concluir que o campo elétrico E também cria, em relação a uma posição de

referência, uma capacidade de realizar trabalho, agora, de origem elétrica. Esta

capacidade potencial que o campo elétrico tem de realizar trabalho por unidade de

carga é chamada de potencial elétrico. Como ela é sempre medida em relação a um

ponto de referência, ela é dada por

onde é o potencial no ponto de referência. Novamente, assim como para o campo,

esta é uma propriedade atribuída ao espaço. O sinal negativo indica que o potencial

elétrico cresce no sentido contrário ao sentido do campo elétrico.

Observe que este valor é apenas uma capacidade de realizar trabalho e não o

trabalho realizado, o qual depende da carga que será deslocada pelo campo (note que

a acepção da palavra potencial indica exatamente que não seja um trabalho, mas uma

possibilidade dele).

Com estas noções, vamos analisar a situação para a distribuição de cargas em

placas paralelas da Figura 1, por meio da Figura 2.

Figura 2 Perfil do potencial elétrico através de placas carregadas. A distância entre as

placas é l.

Entre os pontos a e b, o campo elétrico é nulo. Portanto a capacidade de

realizar trabalho entre estes dois pontos também é nula. Pela relação anterior,

escrevemos então , o que significa que o potencial não se altera, .

Entre os pontos c e d, como o campo elétrico também é zero, ocorre o mesmo,

. Entretanto, no trecho bc, isto é, entre as placas,o campo tem um valor

constante E, e a diferença de potencial será , onde é a distância entre

Va= Vb

E

x

V

la b dc

Vc= Vd

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as placas. Como se vê, a diferença de potencial em um campo elétrico constante,

como no caso das placas paralelas, varia linearmente com a distância, como mostra a

Figura 2. Em síntese, o potencial elétrico permanece constante fora das placas, onde

o campo elétrico é nulo (o campo está confinado entre as placas) e varia linearmente

entre as placas devido ao campo constante.

Um íon positivo (cátion) tenderá a se mover espontaneamente de uma região

de maior para uma região de menor potencial elétrico. Retomando a analogia

mecânica, é o que ocorre quando um corpo cai de uma altura h.

Não se deve ser confundir potencial elétrico com a energia potencial elétrica.

Em casa dispomos de tomadas que disponibilizam 120 Volts. A energia elétrica

consumida dependerá do aparelho que se liga na tomada. No mesmo intervalo de

tempo, uma lâmpada de 100 Watts consome mais energia do que uma lâmpada de 40

Watts mas, é claro, ilumina mais.

Campos elétricos podem ser gerados na natureza por dois mecanismos

diferentes: separação de cargas e variação de campo magnético. Em uma

hidroelétrica, a força da água é usada para movimentar grandes magnetos próximos a

fios. O movimento dos ímãs gera campos elétricos e a diferença de potencial que

chega até a sua casa pelos fios. Como vimos no estudo das reações de oxi-redução,

em pilhas e baterias, reações químicas provocam a separação de cargas entre os dois

pólos gerando a diferença de potencial.

Veremos, a seguir, que nas células o potencial é principalmente resultado da

separação de cargas provocado pelo processo de difusão. Proteínas que transportam

carga líquida para um dos lados da membrana, como a Na/K-ATPase, também

causam separação de cargas através da membrana – elas também contribuem para o

surgimento do potencial elétrico.

Corrente elétricaCorrentes elétricas são cargas em movimento; ou seja, um fluxo de cargas

elétricas que pode se dar pelo deslocamento de elétrons livres, as correntes elétricas

em um metal e, também, pelo movimento de íons, em uma solução. A água pura é má

condutora de eletricidade, porém, íons dissolvidos na água a tornam boa condutora.

EQUILÍOBRIO QUÍMICO EM SOLUÇÕES ELETROLÍTICAS

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A difusão promove o processo de homogeneização dos solutos em uma

solução aquosa. O mesmo processo ocorre para solutos carregados eletricamente.

Como discutido anteriormente, um número relativamente pequeno de cargas gera

grandes forças; os íons em uma solução se distribuem de forma que

macroscopicamente o líquido seja neutro; quaisquer separações de cargas no líquido

causadas pelo movimento aleatório são compensadas por forças de atração e/ou

repulsão eletrostática. Portanto, ao colocarmos sal em um copo de água, em qualquer

região do líquido, o sódio e o cloro estarão presentes em iguais concentrações.

O que acontece quando a solução é posta em contato com uma distribuição de

cargas: por exemplo, quando uma superfície plana carregada negativamente é

mergulhada na solução?

Os íons positivos serão atraídos pela superfície e os negativos serão repelidos

e, portanto, a solução ficará com uma fina camada de cargas nas proximidades da

superfície, de espessura da ordem de 10Å.

Eletro-osmose e a origem do potencial de membrana através de uma membrana semipermeável

Vamos discutir agora como uma membrana semipermeável neutra ao separar

duas soluções iônicas (também inicialmente neutras), porém de diferentes

concentrações, leva ao surgimento de uma diferença de potencial elétrico entre as

duas soluções.

Na Figura 3, está delineado um experimento simples, no qual uma membrana

semipermeável leva ao aparecimento de uma diferença de potencial entre dois

compartimentos.

Uma cuba com água é dividida ao meio por uma membrana permeável apenas

ao íon potássio (K+). No compartimento esquerdo, colocamos uma grande quantidade

de cloreto de potássio (KCl), e, no da direita, apenas uma pequena quantidade,

levando, portanto, a uma grande diferença de concentração – digamos 10 para 1. Esta

situação simula a diferença de concentração entre os meios intra- e extra-celular.

K+ K+

Cl- Cl-

Alta concentraçã

o

Baixa concentraçã

o

i e

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Figura 3 Origem do potencial elétrico em membranas semipermeáveis. A membrana é permeável apenas

ao íons K+. No lado esquerdo da membrana (i) temos uma maior concentração de KCl, simulando o meio

intracelular e o lado direito simula o meio extracelular (e).

Nesta situação, o sistema não está em equilíbrio. O potássio, por existir em

muito maior concentração do lado esquerdo, difundirá pela membrana em busca do

equilíbrio. O cloro não atravessa porque a membrana não lhe é permeável.

Entretanto, quando os íons K+ atravessam a membrana, deixam

desemparelhados os contra-íons Cl- do lado esquerdo, fazendo surgir aí uma carga

líquida negativa e, no lado direito, uma carga positiva de mesmo valor. Lembrando que

existe a atração entre os pares de cargas contrárias através da membrana, podemos

também concluir que as cargas permanecem próximas à superfície da membrana; as

negativas na face esquerda e as positivas na face direita. A membrana carrega-se,

então, de forma análoga às placas metálicas paralelas discutidas anteriormente. Tal

distribuição de cargas cria uma diferença de potencial elétrico através da membrana –

o potencial de membrana – similar à apresentada na Figura 2.

Nessas circunstâncias, íons K+ que estão do lado esquerdo experimentarão a

ação competitiva de duas forças opostas: i) a tendência à difusão pela diferença de

concentração e ii) a atração eletrostática pela carga líquida negativa.

Quando estas duas forças se compensarem, o sistema estará no equilíbrio

eletroquímico.

Como visto no início, uma pequena separação de cargas leva ao surgimento de

grandes forças eletrostáticas. No equilíbrio eletroquímico, apenas uma pequena fração

dos íons K+ terá atravessado a membrana, o que é insuficiente para alterar

significativamente as concentrações dos compartimentos da Figura 3, mas o bastante

para gerar uma diferença de potencial mensurável através da membrana.

Observe que quanto maior a diferença inicial entre as concentrações dos

compartimentos, maior será a diferença de potencial estabelecida ao fim do processo,

pois maior será o efeito da difusão, levando a uma maior separação de cargas.

As células animais apresentam uma diferença de potencial elétrico através da

membrana plasmática, que surge pela difusão de K+ por seus canais seletivos. O

modelo do nosso experimento simples descreve bem o fenômeno.

Em 1890, o físico-químico alemão Wilhelm Ostwald mostrou que a relação

entre a diferença de potencial e a concentração, no equilíbrio eletroquímico, tem a

forma

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onde, os índices i e e indicam os compartimentos intra e extracelular, V é o

potencial elétrico, C é a concentração, R é a constante dos gases, T é a temperatura

absoluta (medida em Kelvin), z é a valência do íon (+1 para o íon potássio) e F é a

constante de Faraday. Essa equação é um caso particular, para a situação de

equilíbrio, da equação de Nernst.

Existem duas possíveis maneiras de se interpretar tal equação:

1. Se, de alguma maneira, mantemos uma diferença de concentração de uma

espécie de íon através da membrana , surgirá, através dela, uma

diferença de potencial elétrico, , cujo valor é calculado pela equação de

Nernst;

2. Se, de alguma maneira, uma diferença de potencial elétrico é imposta entre

os lados da membrana, o íon em questão assumirá uma diferença de

concentração entre os lados da membrana.

Como um exemplo, podemos calcular a diferença de potencial que surgirá

através da membrana, caso o meio intracelular seja 10 vezes mais concentrado que o

extracelular. À temperatura ambiente, T=298K, R=8.314 Jmol-1K-1 e a constante de

Faraday F=96 492C mol-1, portanto, a 25 °C, para um íon monovalente, calculamos,

para o potencial de membrana:

Potencial eletroquímico

A equação de Nernst pode ser deduzida a partir do potencial químico, se na

sua definição considerarmos o efeito produzido pela presença de cargas elétricas.

Como vimos anteriormente, o potencial químico, para uma solução diluída foi

definido por

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onde, é o potencial químico padrão e a concentração da espécie . Lembrando que o potencial químico mede a variação da energia livre de Gibbs

de um sistema, por mol de substância acrescida (ou retirada), mantidas constantes as

demais variáveis termodinâmicas, sendo as espécies carregadas, ele deve ser

acrescido de um termo que responda pelo comportamento da espécie suscetível a

estímulos elétricos. O potencial químico, chamado agora potencial eletroquímico,

passa a ser expresso, então, como

onde z é a carga do íon da espécie , F a constante de Faraday e V o potencial

elétrico medido em relação a um nível de referência.

Considerando, que nas condições do nosso modelo da Figura 3, o potencial

eletroquímico dos dois lados da membrana não é o mesmo devido à diferença de

concentrações e também à dos potenciais elétricos, eles são dados:

no lado interno (i), por

e, no externo (e), por

O equilíbrio eletroquímico, então, se expressará por

.

ou

que nos leva ao resultado encontrado por Ostwald:

Tal resultado nos leva a concluir que o equilíbrio eletroquímico de íons para os

quais a membrana lhe seja permeável não se caracteriza pela sua homogeneização,

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como no caso das moléculas neutras, mas sim, pelo surgimento de um potencial

elétrico que contrabalança a difusão.

Em outras palavras, se o soluto porta uma carga líquida, tanto seu gradiente de

concentração, quanto o potencial de membrana, influencia seu transporte, como

veremos a seguir.

TRANSPORTE ATRAVÉS DA MEMBRANA

Transporte passivo A difusão é um fenômeno que promove o movimento de moléculas de solutos

em soluções. Ela está intimamente relacionada com a diferença de concentração do

soluto em duas regiões do solvente. Um fluxo líquido de moléculas surge na presença

de um gradiente de concentração. Logo, se na natureza verificam-se situações nas

quais existe um gradiente de concentração para uma substância, nelas, estão criadas

as condições para que ocorra a difusão das moléculas desta substância, ou, o

transporte dessas moléculas da região de maior concentração para a de menor

concentração. A difusão é, portanto, potencialmente, um primeiro mecanismo de

transporte a considerar aqui.

No nível celular, a existência de gradientes de concentração através das

membranas é fato para inúmeras espécies químicas (tanto íons, quanto moléculas

neutras), como sabemos.

Conhecemos a situação, por exemplo, para o O2, cuja concentração no meio

externo é maior que no citoplasma, onde é consumido, e para o CO2, que,

inversamente, tem a concentração maior no citoplasma, onde é produzido, que no

meio extracelular. Tais moléculas são transportadas diretamente através da

membrana por difusão no sentido do gradiente de concentração correspondente como

mostrado na Figura 4(a). Outras espécies químicas mantêm gradientes de

concentração entre os meios intra e extra celulares, mas dado ao seu tamanho ou

natureza hidrofílica, não conseguem atravessar a membrana. Nesse caso, o processo

de sua difusão é mediado por uma proteína que facilita a passagem da molécula. Na

Figura 4 (b) e (c), você pode ver a ilustração de duas dessas situações: difusão

facilitada por um canal e por uma proteína transportadora.

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citosol

Meio extracelular

O2

CO2

a) b)

citosol

Meio extracelular

O2

CO2

a) b)

Glut-1 é uma proteína de membrana, mostrando seu sítio de ligação voltado para a parte extracelular.

A glicose liga-se a glut-1 vinda do lado extracelular.

Ocorre uma mudança conformacional, expondo o sítio de ligação para o citosol.

A glicose é liberada para o citosol. Finalmente, uma nova mudança conformacional, leva a proteína para sua conformação inicial.

c)

Glut-1 é uma proteína de membrana, mostrando seu sítio de ligação voltado para a parte extracelular.

A glicose liga-se a glut-1 vinda do lado extracelular.

Ocorre uma mudança conformacional, expondo o sítio de ligação para o citosol.

A glicose é liberada para o citosol. Finalmente, uma nova mudança conformacional, leva a proteína para sua conformação inicial.

c)Figura 4 Transporte passivo. a) transporte direto; b) transporte facilitado por proteínas canais e c) transporte facilitado por canais transportadores.

Observe que o transporte de matéria nesses casos se deu por difusão (direta

ou facilitada por proteínas) às expensas da energia armazenada no gradiente de

concentração. Tal energia armazenada (energia potencial) é devida à distribuição

espacial da massa; um gradiente de concentração diferente de zero expressa

justamente uma situação com acúmulo de massa numa região frente a uma escassez

em outra. Por isso falamos de uma energia de configuração; uma energia armazenada

em virtude da configuração do sistema, que é medida em termos da diferença de

potencial químico.

Para analisarmos o transporte de espécies químicas carregadas, íons, através

da membrana, temos que levar em conta, além da presença do gradiente de

concentração, a existência do potencial elétrico que surge, como visto antes, quando

há a seletividade da membrana. Para analisar o transporte dos íons Na+ e K+ através

da membrana plasmática, vamos considerar uma situação mais complexa que a

discutida na Figura 3, mas mais próxima do que ocorre nas células: uma cuba

contendo dois tipos diferentes de íons positivos, como mostrado na Figura 5.

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Figura 5 A membrana é permeável apenas aos íons K+ e Na+. A concentração

iônica é agora idêntica em ambos os lados da membrana. O meio de alta

concentração de potássio simula o meio intracelular (i) e o de alta

concentração de sódio, o meio extracelular (e).

Suponha que ambos os íons passam por canais que podem estar fechados ou

abertos. Se o canal de sódio estiver fechado inicialmente, o equilíbrio se estabelece

exatamente como na Figura 3 e o perfil de potencial fica como mostrado na Figura 2.

Imagine agora que o canal de potássio seja fechado e o de sódio seja aberto. Neste

caso, a concentração do íon Na+ é maior fora da célula e o potencial elétrico também é

maior fora, como mostrado nas Figuras 2 e 5.

Sob tais circunstâncias, se olhássemos só sob o aspecto do gradiente de

concentração, diríamos que um íon Na+ seria compelido a entrar na célula, levado pela

difusão. Se olhássemos só sob o aspecto do potencial elétrico, diríamos que, sendo

um íon positivo, o campo elétrico criado na membrana compeliria o íon a entrar na

célula, levado pela força elétrica. Como tais forças são independentes uma da outra e

agem no mesmo sentido, o efeito resultante é de cooperação, ou da soma das duas.

Logo, o íon Na+ penetra no citoplasma levado pelas duas forças. Em outras palavras, o

transporte se dá às expensas da energia armazenada no gradiente de concentração

do Na+, mas também da energia armazenada no campo elétrico, o qual foi criado

anteriormente pelo transporte do K+. Observe que agora a energia de configuração do

sistema, além daquela da massa, engloba também a configuração das cargas elétricas

nele existentes; a do íon (a ser transportado) frente àquelas devidas ao potencial

elétrico. Isso implicou em ampliar o conceito de potencial químico antes referido

(associado apenas à configuração de massa) para que ele englobe também a

contribuição de origem elétrica.

Os casos discutidos até aqui são exemplos do tipo de transporte chamado

passivo. O transporte passivo é aquele que ocorre pela tendência espontânea de uma

K+ K+

Cl- Cl-

100 mM

10 mM Na+ Na+

10 mM

100 mM

i e

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espécie química se mover de uma posição onde a energia armazenada é mais alta

para outra mais baixa. Nos casos discutidos para moléculas neutras, uma tal situação

fica determinada pelo sentido da região de concentração mais alta para a mais baixa,

ou a favor do gradiente de potencial químico, que, nestes casos, se expressa pelo

gradiente de concentração. No caso de íons, a situação energeticamente favorável fica

definida levando-se em consideração tanto o gradiente de concentração como o do

potencial elétrico; ou o gradiente do potencial eletroquímico. A situação

energeticamente favorável, nesses casos, é aquela no sentido do potencial

eletroquímico mais alto para o mais baixo. Lembrando que o potencial eletroquímico

tem duas contribuições que se somam, sendo que uma delas, a elétrica, pode ser

negativa, é possível verificar que teremos três possibilidades: a) quando o gradiente

de concentração e o gradiente do potencial elétrico têm o mesmo sentido, como é o

caso discutido para o Na+; b) quando o gradiente de concentração e o do potencial

elétrico têm efeitos em sentidos contrários, e a contribuição da diferença da

concentração sobrepuja a do potencial elétrico; c) quando o gradiente de concentração

e o do potencial elétrico têm efeitos em sentidos contrários, e a contribuição elétrica

sobrepuja a diferença de concentração.

Estas três possibilidades são mostradas na Figura 6.

Figura 6 O sentido e a intensidade do transporte passivo são determinados pelo gradiente de concentração e pelo gradiente de potencial elétrico. a) ambos no mesmo sentido levam a um intenso transporte (flecha grande); b) se em sentidos opostos, mas com o gradiente de concentração dominando, o transporte ocorre no sentido de maior para menor concentração; c) se em sentidos opostos, mas com o gradiente de potencial elétrico dominando, o transporte ocorre contra o gradiente de concentração.

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O transporte passivo ocorrerá sempre em todo sistema no qual a distribuição

da espécie, entre os meios extra e intracelular, difira daquela verificada no equilíbrio

termodinâmico.

Transporte ativoVoltemos agora ao nosso exemplo do Na+ entrando na célula impelido pelas

forças dos dois gradientes (de concentração e de potencial elétrico) para analisar o

outro tipo de transporte. Se o único transporte do Na+ através da membrana se desse

como discutido anteriormente, isto é, fosse apenas o passivo, com passar do tempo, a

concentração do Na+ no interior da célula tenderia a se igualar à concentração do meio

extracelular, fazendo desaparecer o seu gradiente de concentração e cessando o

transporte. Entretanto, o gradiente de concentração do Na+ se mantém à razão

maiores que de 1 para 10 – para células mamárias de animais, a concentração de Na+

no citosol é de 12 mM, enquanto no sangue a concentração é de 145mM. Surge então

a questão: como tal gradiente é mantido, se tanto o gradiente de concentração quanto

o potencial de membrana – da ordem de -70mV – favorecem a homogeneização do

íon nos dois meios? Em termos de energia, esta questão se coloca: como um íon de

Na+ consegue energia para sair da célula movendo-se contra seu gradiente de

potencial eletroquímico? Fazendo uma analogia com o potencial gravitacional, seria

equivalente a perguntar: como uma pessoa faz para conseguir energia para ser levada

do térreo aos andares superiores de um prédio? Se a resposta é “ora, usa

simplesmente o elevador”, estamos na pista certa para entender o transporte ativo.

Lembramos, no entanto, que todo elevador exige necessariamente uma fonte de

energia para subir.

O transporte ativo de moléculas ou íons através das membranas da célula é

aquele que se verifica contra seus gradientes do potencial eletroquímico às custas de

uma energia extra fornecida a essas partículas.

De uma maneira geral, o transporte ativo ocorre mediado por uma proteína que

funciona como uma bomba. Ele está sempre acoplado com uma “fonte” que fornece a

energia necessária para acionar a bomba. Freqüentemente, essa fonte de energia é a

reação química da hidrólise do ATP.

Um exemplo de transporte ativo conhecido é o realizado pela bomba K/Na-

ATPase, que é justamente o responsável pela manutenção dos gradientes de

concentração destes íons através da membrana plasmática. É por esse transporte

realizado pela bomba que os íons de Na+ saem e os de K+ entram na célula, movendo-

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se, respectivamente, contra seus gradientes de potencial eletroquímico. Na Figura 7

você pode ver um esquema do transporte ativo realizado pela bomba K+/Na+.

.

Figura 7 Transporte ativo da bomba Na/K-ATPase.

Do ponto de vista termodinâmico, podemos analisar os fenômenos de

transporte através da membrana, calculando a variação da energia livre de Gibbs.

Para o transporte passivo de substância neutra, a variação da energia livre de

Gibbs por mol, é dada pela diferença entre os potenciais químicos nas soluções de

diferentes concentrações, em cada lado da membrana:

onde é a diferença entre o potencial químico da espécie no lado externo e o

seu valor no lado interno da membrana. Para que tenhamos , isto é, para

que a difusão espontânea se dê de fora para dentro, é necessário que tenhamos

, isto é, a concentração da espécie do lado externo seja maior que do

interno. Dito de outra forma, havendo um gradiente de potencial químico, a difusão

ocorrerá a favor deste gradiente.

Se, ao contrário, , o transporte da espécie de fora para dentro não será

espontâneo; ele só ocorrerá se alguma energia for fornecida à molécula; teremos

então o transporte ativo.

Para o caso da espécie ser um íon, temos que levar em conta na nossa análise

o potencial eletroquímico.

Na+

K+

Na+Na+

K+ATP

ADP

citosol

Concentraçãode Na+

Concentraçãode K+

membrana meio extracelular

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Consideremos a situação específica da bomba de Na/K, focando nossa

atenção no íon Na+, cuja concentração fora é da ordem de 10 vezes a de dentro.

Verifiquemos agora qual é a variação da energia livre de Gibbs por mol no transporte

deste íon do meio interno para o externo, ou seja, calculemos .

Usando a definição do potencial eletroquímico, temos

Para a temperatura de 37ºC e levando em conta que a diferença de potencial

elétrico do meio externo para o interno é de 70mV, a equação acima fornece

, um valor positivo, mostrando que o transporte nesta direção,

contra o gradiente do potencial eletroquímico, não é espontâneo, necessitando

portanto de um aporte de energia.

Essa energia necessária pode ser provida por uma reação química, com

, suficiente para tornar negativo.

O movimento do íon para fora da célula pode então ser representado por

Sabemos que, para a hidrólise de um mol de ATP, . Se

portanto, a reação acoplada ao processo for a hidrólise do ATP, o para o será

-17kJ/mol, mostrando que, nessas condições, esse transporte ocorrerá. Observe que,

para o Na+, o transporte ativo ocorre contra o gradiente de concentração e,

simultaneamente, contra o gradiente de potencial elétrico. Já para o K+, o transporte

ativo ocorre contra o gradiente de concentração, mas a favor do gradiente de potencial

elétrico.

Na Figura 8, está mostrado um interessante exemplo de transporte ativo que

consegue a energia para ir contra seu gradiente de potencial eletroquímico

aproveitando o transporte passivo de outra espécie. Trata-se da bomba Na+/glicose

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que ocorre, por exemplo, nas células epiteliais do intestino para absorção da glicose e

nas células renais para a reabsorção. Note que o Na+ está sendo transportado

passivamente – a favor de seu gradiente de potencial eletroquímico – enquanto a

molécula de glicose é transportada ativamente contra seu gradiente de potencial

eletroquímico (no caso só de concentração, pois a molécula é neutra) as custas da

energia liberada pelo transporte passivo do sódio.

Figura 8 Transporte ativo da glicose impulsionado pelo transporte passivo do sódio.

O gradiente de potencial eletroquímico é um mecanismo importante do qual a

célula se vale para armazenar energia. Nas mitocôndrias, a energia química da glicose

é armazenada na forma de um gradiente eletroquímico de H+ antes de ser finalmente

transferida às moléculas de ATP. Na fotossíntese, também ocorre a produção de ATP

por um gradiente de prótons, com a diferença que o gradiente acumula energia

proveniente da luz absorvida. A energia acumulada no ATP volta a ser convertida em

gradientes eletroquímicos por bombas que realizam transporte ativo, Na/K-ATPase,

por exemplo. Esse gradiente é agora utilizado para, por exemplo, transportar

moléculas necessárias à célula, como a glicose.

Além disso, nas células excitáveis, como as nervosas e musculares, a

existência de gradientes permite outro processo biológico importante: a sinalização por

impulsos elétricos. Parte da energia armazenada nos gradientes é dissipada cada vez

que um sinal elétrico é enviado, portanto, o gradiente requer constante regeneração

por parte da Na/K-ATPase.

O ATP é a “moeda” energética das células. Aqui pode-se perceber que as

células trabalham com um complexo sistema “financeiro”.

Na+

citosol

Concentraçãode Na+

Concentraçãode glicose

membranameio

extracelular

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Os fenômenos elétro(químicos) na célula têm, em síntese, as seguintes

funções:

1. armazenamento de energia – para processos de transporte como o da glicose

entrando com o sódio;

2. manutenção da diferença de concentração de solutos para manter o equilíbrio

osmótico;

3. produção do ATP nas membranas da mitocôndria e dos cloroplastos servindo como

uma forma intermediária de armazenamento de energia nas células;

4. produção de sinais elétricos através de células excitáveis – células nervosas e

musculares.

CONCLUSÃO

A bioeletricidade é uma característica de todos os tecidos vivos, animal e

vegetal. Luigi Galvani, professor de Anatomia na Universidade de Bolonha fez tal

constatação, em 1780, quando, verificou uma contração do músculo dissecado da

perna de um sapo ao ser tocado pelo pólo de uma máquina de eletricidade estática; a

perna do sapo movimentou-se como se estivesse viva. Galvani, com suas

experiências, concluiu que eletricidade era também gerada por corpos de animais,

existindo uma íntima relação entre a vida e ela; denominou-a de “eletricidade animal”

ou “força vital”, considerando-a similar, mas algo distinta da eletricidade natural de

raios e máquinas de eletricidade. Alessandro Volta, um físico também italiano e amigo

de Galvani, apaixonado pela eletricidade, repetiu as experiências, confirmou os

resultados obtidos, mas discordou da interpretação dada por Galvani; para ele a

eletricidade observada originava-se não do tecido animal, mas teria sido gerada pelo

contato entre dois tipos de metal manipulados por Galvani em suas experiências,

funcionando o músculo do sapo apenas como um detector de pequenas diferenças de

potencial. Uma contenda científica entre os dois estabeleceu-se por muitos anos, ao

longo dos quais inúmeras experiências foram feitas por ambos com diferentes animais,

cujos músculos ou nervos eram submetidos a cargas elétricas; cada qual queria provar

a sua tese. Foi no bojo dessa “briga” científica, que, em 1800, Volta, para provar que

Galvani estava errado, construiu a pilha elétrica, ou bateria, constituída de uma série

de discos metálicos de dois metais diferentes, separados por papelão embebido em

soluções acidas ou salinas. A pilha ou bateria de Volta constitui uma das mais

importantes descobertas ou invenções científicas, uma vez que se trata do primeiro

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método criado para armazenar energia elétrica, possibilitando a geração e

manutenção de corrente elétrica.

Podemos observar então que pesquisas em Biologia, no século XVIII,

desencadearam importantes avanços no conhecimento da Física sobre a natureza dos

fenômenos elétricos, que, uma vez desenvolvidos e bem compreendidos, permitiram,

mais modernamente, identificar o papel central que a bioeletricidade desempenha nos

fenômenos vitais.

A bioeletricidade responde pelos processos de transporte através das

membranas celulares, que controlam a formação e dissipação de gradientes de

concentração de íons e de gradientes de potencial elétrico. Estes gradientes, tal como

a pilha ou bateria de Volta, armazenam energia eletroquímica, a qual pode ser

convertida e disponibilizada em outras formas que são usadas pelos organismos em

inúmeros processos.

O debate Galvani versus Volta foi um dos episódios mais importantes da

História da Ciência, principalmente, pelo elevado espírito científico com que se travou.

Galvanismo foi o termo, generosamente, cunhado por Volta, que disse sobre o

trabalho de Galvani: “ele contém uma das mais belas e surpreendentes descobertas”.

Ambos estavam certos. Havia dois importantíssimos fenômenos: a eletrogênese

bimetal e a bioeletrogênese animal.

REFERÊNCIAS

Alberts, Bruce - Biologia Molecular da Célula, Quarta Edição, Artmed Editora – 2004.

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