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A Capoeira No Jornal O Republicano De Sergipe Em 1890: Reflexões Sobre Um Dos
Atos Do Governador Felisbelo Freire
Tatiane Trindade Machado1
Simone Silveira Amorim2
INTRODUÇÃO
Este trabalho objetivou relatar como os capoeiras foram descritos no final do
século XIX, em Sergipe, no jornal O Republicano de 1890, tentando compreender a relação
da capoeira, notadamente reprimida na capital federal, com a sua aparição em outros estados
do Brasil Republicano a partir das impressões do jornal o Republicano de Sergipe, no final do
século XIX.
A capoeira é uma luta que se camuflou através da ginga em dança e resistiu aos
vários momentos da nossa sociedade, pois, essa manifestação cultural passou por
ressignificações em todo processo de repressão que sofreu, transformando-se em objeto de
estudo. A capoeira, enquanto manifestação cultural, surgiu em um contexto marcado pela
escravidão negra no Brasil, portanto, a tendência é que o nosso país seja o cenário onde
emerge esta manifestação. Nesse sentido, existem muitas discussões sobre a História da
Capoeira, assim como na História do Brasil, principalmente com relação ao período da
escravidão. No entanto, as atrocidades cometidas pelas elites sempre foram acobertadas, deste
modo, documentos significativos relativos à época da escravidão foram queimados, desviados
ou desapareceram.
Antes mesmo da República, os capoeiras, como eram chamados os indivíduos que
praticavam essa luta, sofriam repressão. Mesmo sem ter nenhuma Lei especifica para tal fato,
todo indivíduo preso praticando, suspeito ou em atos que lembrassem a capoeira levavam
chibatadas e muitas vezes eram presos. Com o advento da República surgiu o código penal de
1890, quando a capoeira passou ser crime previsto no código penal, no capitulo XIII,
intitulado dos Vadios e Capoeiras, Artigos de 402 a 404:
1Mestranda em Educação da Universidade Tiradentes (UNIT). Integrante TÉCNICA da LEPEL (Linha de
Estudo e Pesquisa em Educação Física & Esporte e Lazer) CNPQ/UFAL, integrante discente do Grupo de
Pesquisa Educação e Sociedade: sujeitos e práticas educativas (GPES) - CNPQ/UNIT e do GEPECS (Grupo de
Estudos Em Educação Cultura e Subjetividades) - CNPQ/UFS. E-mail: [email protected] 2 Profa. Dra. em Educação pela Universidade Federal de Sergipe. Professora do Programa de Pós-Graduação em
Educação da Universidade Tiradentes. Lidera o Grupo de Pesquisa Educação e Sociedade: sujeitos e práticas
educativas (GPES) e é integrante dos Grupos de Pesquisa História das Práticas Educacionais/CNPq e do Núcleo
de Estudos de Cultura da UFS/NECUFS. E-mail: [email protected]
Art. 402. Fazer nas ruas e praças publicas exercicios de agilidade e destreza
corporal conhecidos pela denominação capoeiragem; andar em correrias,
com armas ou instrumentos capazes de produzir uma lesão corporal,
provocando tumultos ou desordens, ameaçando pessoa certa ou incerta, ou
incutindo temor de algum mal: Pena ? de prisão cellular por dous a seis
mezes. Paragrapho unico. E? considerado circumstancia aggravante
pertencer o capoeira a alguma banda ou malta. Aos chefes, ou cabeças, se
imporá a pena em dobro. Art. 403. No caso de reincidencia, será applicada
ao capoeira, no gráo maximo, a pena do art. 400. Paragrapho unico. Si for
estrangeiro, será deportado depois de cumprida a pena. Art. 404. Si nesses
exercicios de capoeiragem perpetrar homicidio, praticar alguma lesão
corporal, ultrajar o pudor publico e particular, perturbar a ordem, a
tranquilidade ou segurança publica, ou for encontrado com armas, incorrerá
cumulativamente nas penas comminadas para taes crimes. (Código Penal de
1890)
Este fato legitimou que em todo país houvesse repressão e criminalização desses
indivíduos. Mesmo antes da aprovação do código, quando ainda era projeto, os governantes já
utilizavam o que ainda iria vigorar. É significativo mencionar que até o presente momento só
havia estudos sobre a capoeira referentes a esse período nos estados do Rio de Janeiro, Bahia,
Pará, São Paulo, Maranhão e Pernambuco.
Em Sergipe, todos os estudos datam do século XX, na verdade, a única
dissertação produzida na UFS sobre o tema foi a de José Álvaro Machado Junior no Mestrado
de Sociologia3. No entanto, outras pessoas praticantes de capoeira, movidos pela curiosidade,
pesquisaram e encontraram capoeira em Sergipe na década de 50 do século XX. Assim, a
nossa curiosidade foi aguçada e decidimos percorrer o caminho feito pelos pesquisadores dos
Estados citados onde foram realizadas pesquisas sobre capoeira no século XIX.
A Primeira parte da caminhada foi no arquivo do poder judiciário à procura de
algum processo crime que evidenciasse a presença da capoeira em Sergipe, no século XIX.
Depois de ler vários processos e abrir uma dezena de caixas e pacotilhas, nada foi encontrado.
No entanto, alguns indícios nos levaram a continuar a busca e identificamos um processo
crime de 20 de fevereiro de 1894, arrolado no artigo 304 do código penal de 1890 :
Art. 304. Si da lesão corporal resultar mutilação ou amputação, deformidade
ou privação permanente do uso de um orgão ou membro, ou qualquer
enfermidade incuravel e que prive para sempre o offendido de poder exercer
3 Junior (2005) é o Mestre de capoeira Alvinho sucuri e sua dissertação foi sobre a reafricanização da capoeira
termo que ele deu para a tentativa da capoeira buscar suas raízes africanas. Mas não fez pesquisa histórica e sim
com depoimentos de Mestres de seu tempo. Em 2001 quando o autor defendeu o seu TCC abordou a questão
histórica, foi um dos pioneiros, mas só encontrou capoeira em Sergipe na década de 50 do século XX.
o seu trabalho: Pena ? de prisão cellular por dous a seis annos. Paragrapho
unico. Si produzir incommodo de saude que inhabilite o paciente do serviço
activo por mais de 30 dias: Pena ? de prisão cellular por um a quatro annos.
Esse processo que encontramos no arquivo nos chamou atenção por conta da forma
com que foi cometida a lesão corporal. Os ferimentos foram realizados por faca de ponta,
arma que era atribuída no século XIX aos capoeiras do Rio de Janeiro e de outros estados4.
Era um indício, mas muito pouco para nossa pesquisa. Então resolvemos pesquisar nos jornais
Sergipanos daquele período. Segundo Silva:
Os impressos representam significativos mananciais de informações sobre o
repertório de uma época e sobre os usos que dele faziam seus colaboradores.
Neles se fazem presentes projetos, opiniões, conflitos e debates, que
apontam a complexidade dos interesses e experiência dos indivíduos e dos
contextos em que se inscrevem. (2011, p. 2).
Assim, procuramos por vestígios da capoeira em Sergipe, no século XIX, bem como
entender as configurações da sociedade sergipana daquele período nos jornais por eles serem
uma fonte frequentemente utilizada em várias pesquisas, quando se trata do período histórico
em questão.
Pesquisamos nos jornais digitalizados do acervo da biblioteca nacional, pela
palavra capoeira e apareceu em quase todos capoeira como sinônimo de mato, roça, campo. A
frustração continuava, até quando nos deparamos com o jornal O Republicano, onde
identificamos 3 notícias, dentre elas a edição 131 de 07 de maio de 1890, na página 2, coluna,
5. Com a manchete intitulada Os deportados de Sergipe foi descrita a deportação de 52
vagabundos, ladrões de cavalos e capoeiras. Encontramos ali o primeiro indício de que
existiram capoeiras em Sergipe, no século XIX.
Ainda assim continuamos as buscas, mas agora com outras palavras-chave. Na
busca por capoeiras, surgiram 14 notícias, na busca por faquistas e navalhistas, 1 notícia cada.
Quando resolvemos buscar por desordeiros, mais 14 notícias foram identificadas. Esse
procedimento de buscar por esse vocabulário vem dos trabalhos realizados em outros
4 Carlos Eugênio Libano Soares historiador é professor da UFBA e fez pesquisas com a capoeira no século XIX
no Rio de Janeiro, e muito do vocabulário utilizado nessa pesquisa vem do trabalho dele que consiste na
dissertação e tese ambas apresentadas ao programa de pós graduação em história da UNICAMP que teve como
marco temporal de 1808 a 1889.
Estados5, diante desses fatos resolvemos realizar esta pesquisa. A análise foi feita a partir das
notícias, mas principalmente do cruzamento de vários indícios e pistas que o jornal O
Republicano foi nos indicando.
Esta pesquisa justifica-se pela carência de pesquisa sobre a capoeira no Estado de
Sergipe no século XIX e para que essa manifestação e o fato da repressão à pratica não
passasse despercebido naquele momento histórico do Estado. O presente trabalho é de caráter
qualitativo e está inserido no paradigma da Nova história Cultural. O método utilizado é o
Indiciário de Carlo Ginzburg (1989, 2004) que nos ajudou a buscar fatos históricos relativos
aos capoeiras através de pistas e indícios. O referencial teórico foi baseado nas obras de
Nobert Elias (1994, 2001), mais especificamente os conceitos de habitus e configuração.
A composição deste trabalho consiste em um primeiro momento desvelar a
história da capoeira para que o leitor não fique deslocado e entenda que essa prática fazia
parte do cotidiano das cidades. No segundo, mostraremos o habitus do capoeira no século
XIX e as configurações dessa prática em Sergipe. E, por fim, relataremos e analisaremos a
capoeira no Jornal O Republicano de Sergipe, através do agravo político que a deportação dos
52 capoeiras causou para o governo de Felisbelo Freire.
AS ORIGENS DA ARTE DA CAPOEIRAGEM
A capoeira é uma manifestação que só foi possível no contexto sócio-histórico e
cultural do Brasil. Suas origens exatas são incertas, mas suas raízes estão encravadas no
período da escravidão negra. Neste sentido, faremos um breve histórico sobre os primórdios
da capoeiragem6 e como ficou conhecida a prática, para que o leitor entenda os processos
políticos existentes nesse movimento cultural.
A primeira discussão passa pela origem da capoeira, pois durante muito tempo
não houve consenso sobre esse tema: uns diziam ser brasileira, outros, africana e há os que
afirmavam que seria afro-brasileira. Porém, atualmente, poucos duvidam da origem brasileira
5Até o presente momento temos pesquisas nesse período histórico do século XIX, nos Estados do Rio de Janeiro,
Bahia, Pernambuco, Maranhão e São Paulo. 6 Capoeiragem foi como a capoeira foi denominada em um primeiro momento de sua história, pois como era
uma manifestação concebida nas ruas, confundia-se com vadiagem, libertinagem, a pratica dos capoeiras, ficou
conhecida como capoeiragem.
da capoeira. Uma das evidências é que estudos foram realizados na África e em outros países
onde houve a escravidão negra e nada igual foi encontrado, a não ser levada por algum
brasileiro7.
No que consta da derivação da palavra capoeira, não há consenso entre os
etimologistas. A origem é tupi, mas os significados se divergem. Para grande parte dos
estudiosos, capoeira seria mato ralo, rasteiro. No entanto, Morales de Los Rios refuta este
conceito e traz a sua versão:
A guarida nas ‘capoeiras’ desses escravos contraria os dizeres usuais das
crônicas, que a elas não me consta que nunca, senão acidentalmente, se
referissem a tal abrigo. Para esses fujões o valhacouto habitual foram as
grandes matas fechadas, quase virgens, bem como os altiplanos de penoso e
difícil acesso e as grutas e cavernas, sobretudo. (DE LOS RIOS Apud.
SOARES, 2004, p. 50)
De acordo com esse etimologista, capoeira não teria como derivar desse mato
rasteiro, já que ficaria difícil se defender em campo aberto. Ele defende que o nome é de
origem tupi e significa “cesto de palha”. Soares (2004) comunga dessa versão, pois, durante a
sua pesquisa documental encontrou relatos idênticos, onde os negros se utilizavam desses
cestos na cabeça para vender mercadorias que poderiam ser ou não de seus senhores e que as
defendiam com cabeçadas e pontapés, por isso, a princípio, esses negros foram denominados
capoeiras. Para o autor:
Um registro que merece um comentário à parte é o de um cativo preso com
uma ‘capoeira’ onde estavam aves roubadas. Ao mesmo tempo que se
firmava solidamente o termo capoeira como um jogo atlético, luta nacional
característica de escravos, ele ainda era usado para descrever cesto de palha,
muito comum entre os negros carregadores, retratados por todos os pintores
viajantes do Rio das primeiras décadas do século XIX (SOARES, 2004, p.
84)
Encontramos, também, no jornal O Republicano, em uma das edições de 1889,
capoeira como sendo uma gaiola de ferro, fato que nos intrigou ainda mais. A notícia era
sobre um naufrágio no interior da Bahia, onde uma mãe utiliza-se da capoeira (gaiola) para
salvar sua filha.
7 Fala-se que na África foram encontradas algumas danças “Uma delas é o ritual de passagem chamado N’golo
(Dança da zebra), ainda hoje praticada em algumas tribos africanas. Nesse ritual, rapazes enfileirados se
enfrentam em uma luta de pernadas semelhante à capoeira”. (ESTEVES, 2004, p. 46)
A mãe D. Anastacia, que era uma excelente nadadora atirou-se à àgua e
aproximou-se da filha, agarrando-se para descansar à capoeira. Conhecendo
depois que a gaiola não podia com o peso das duas deitou-se novamente a
água e com o pé impediu a carreira em direção à costa. (O Republicano, 23
de junho de 1889, Sergipe, Anno I, p. 2, Col. 5).
Com tantas definições para o mesmo nome é importante salientar que as
denominações partem da elite, ou seja, aqueles que eram letrados e que deixaram escritos,
principalmente, nas páginas dos diversos jornais que circulavam nos oitocentos. O imaginário
social era aguçado nas páginas dos jornais e, no período republicano, esses periódicos eram
utilizados para realizar o que eles chamavam de “Educação Cívica”. Por vezes encontramos
no Jornal O Republicano de Sergipe, relatos que a população precisava ser educada
civicamente.
Esse passeio etimológico torna-se necessário para entendermos o conceito de
capoeira. Concordarmos com o pensamento de Gilberto Freyre (2013), quando ele sustenta
que a formação do povo brasileiro é hibrida. Ao mesmo tempo em que o referido autor exalta
as características do português, principalmente a capacidade deste de miscibilidade, ele nos
fala que o povo brasileiro é híbrido, primeiro de branco com índio e, depois, com negro. Para
Freyre:
A singular predisposição do português para a colonização híbrida e
escravocrata dos trópicos, explica-a em grande parte o seu passado étnico, ou
antes, cultural, de povo indefinido entre a Europa e a África. Nem
intransigentemente de uma nem de outra, mas das duas. A influência
africana fervendo sob a europeia e dando um acre requeime à vida sexual, à
alimentação, à religião; o sangue mouro ou negro correndo por uma grande
população brancarana quando não predominando em regiões ainda hoje de
gente escura. (2013, p. 66)
Assim, a capoeira pode ser também considerada uma manifestação híbrida, bem
como outras manifestações culturais brasileiras.
De acordo com o dicionário Aurélio, versão online, capoeira tem cinco definições.
Ela pode ser tanto “área de mata que foi roçada ou queimada” ou “mato que cresce em terreno
roçado ou queimado”, quanto “Arte Marcial com origem em crioulos brasileiros”, “Praticante
de capoeira”; “Indivíduo, geralmente munido de arma branca, que, com meneios rápidos e
característicos, praticava atos criminosos no Brasil do século XIX”8.
8 Cf. Dicionário Aurélio versão online: Disponível em: <http://dicionariodoaurelio.com/capoeira> Acesso em:
12 fev. 2016.
Essas definições dadas pelo dicionário nos mostram como a capoeira foi divulgada e,
mais uma vez, percebemos o dissenso nas informações. Morales de Los Rios nos indica que
há controvérsias sobre o mato rasteiro, entretanto, encontramos, em vários jornais de Sergipe
do final do século XIX, a capoeira como sinônimo de mato, campo etc.
Não temos como identificar capoeira como Arte Marcial porque é uma cultura
popular que em seu nascedouro não havia sistema e, atualmente, não temos como generalizar
por conta da diferença dos estilos existentes, a saber: Capoeira Angola e Capoeira Regional.
Na quinta definição dada pelo dicionário, vemos uma difusão do preconceito.
Não podemos definir o indivíduo capoeira somente como praticante de crimes no
século XIX. Imagem essa veiculada na imprensa do período não somente em Sergipe, mas em
vários estados do Brasil. Essas ideias foram difundidas na sociedade através dos jornais e da
literatura. Romances como “O Cortiço”, de Aluísio de Azevedo, e “Memórias de um Sargento
de Milícias”, de Manuel Antônio de Almeida, estimularam o imaginário social com relação à
capoeira, necessitando de esclarecimentos.
Não podemos deixar de lembrar que o indivíduo capoeira no século XIX era da
classe subalterna e que os estudos que dão voz às minorias são muito recentes. Assim,
utilizamos os pressupostos teórico-metodológicos da Nova História Cultural, a qual traz a
[...] historia escrita como uma reação deliberada contra o ‘paradigma’
tradicional, aquele termo útil, embora impreciso, posto em circulação pelo
historiador de ciência americano Thomas Kuhn. Será conveniente descrever
este paradigma tradicional como ‘historia rankeana’ , conforme o grande
historiador alemão Leopold von Ranke (1795-1886), embora este estivesse
menos limitado por ele que seus seguidores. (Assim como Marx não era um
marxista, Ranke não era um rankeano.) Poderíamos também chamar este
paradigma de a visão do senso comum da história, não para enaltece-lo, mas
para assinalar que - ele tem sido com frequência - com muita frequência -
considerado a maneira de se fazer história, ao invés de ser percebido como
uma dentre várias abordagens possíveis do passado. (BURKE, 2011, p. 10).
Burke (2011) nos mostra contrapontos entre a história tradicional e a Nova
História. Uma nova forma de realizar pesquisa, utilizando outras fontes e novos métodos.
Conforme o mesmo autor, “A idéia de Cultura implica a idéia de tradição, de certos tipos de
conhecimentos e habilidades legados de uma geração para a seguinte.” (2004, p.39). Os novos
paradigmas traçados pela nova história nos dá maior liberdade de escrever sobre as minorias.
É nesta perspectiva que a capoeira se insere, pois ela configura-se como cultura popular e uma
tradição passada de geração em geração. A nossa intenção não é de operacionalizar os
conceitos de cultura e de tradição, mas de compreender como se deu, a partir desses
processos, os ensinamentos da capoeiragem passados de geração à geração. Os capoeiras
precisavam ser tomados como sujeitos de uma época e não simples personagens secundários
de um período histórico.
Não obstante, apesar de ainda não ter resultados conclusivos sobre a pesquisa em
Sergipe, os indícios nos levam a levantar a hipótese de que possa ter existido na área rural,
pois uma dúvida foi levantada em uma das notícias encontradas no Jornal O Republicano, no
dia 01 de maio de 1890. Nela, o jornal salienta que os proprietários não tinham mais sossego e
que a atitude do Governador de deportar os 52 vagabundos, ladrões de cavalos e capoeiras, foi
nobre no sentindo de retomar a paz em terras Sergipanas. Lá constava
[...] a administração do Estado de Sergipe, encontrou os gatunos e capoeiras
de collo alçados9. O transito nas estradas era difícil, os proprietários
desanimados, não tinha meios de resistência a oppor aos ladrões de cavallos:
os assassinatos erão frequentes e q’ só depois de uma excursão q’ o chefe de
policia em pessoa fez pelo estado foi que a segurança publica restabeleceu-se
a confiança e tranquilidade publicas firmarão-se [...] (Estado de Sergipe.
Jornal O Republicano, anno II, nº 127, 01 de maio de 1890. p. 2. col. 4-5).
A notícia em questão não deixa claro se esses proprietários são da zona rural, mas
o fato de os capoeiras estarem próximos a ladrões de cavalos nos leva a supor que poderia se
tratar de área não urbanizada. Porém, somente a partir deste fato, não temos como confirmar
essa origem, nem mesmo em Sergipe, que era um Estado considerado rural no século XIX,
mas apenas indicar os indícios dessa origem.
O HABITUS DO CAPOEIRA NO SÉCULO XIX E A CONFIGURAÇÃO SOCIAL DESSA
PRÁTICA EM SERGIPE
Como vimos a capoeira passou por vários processos de repressão, mesmo antes da
criminalização. No entanto, no período Republicano a repressão ficou evidente pois, passando
a figurar no código penal de 1890 como crime, o objetivo era mesmo exterminar a prática.
9 Alçado. adj (part de alçar) 1 Alteado, erguido, levantado. 2 Que fugiu para lugares ermos; alongado,
abagualado: Gado alçado. Sm. Fonte: http://www.dicio.com.br/ acesso em 13-04-2016.
Não obstante, essa manifestação sofreu várias ressignificações e sobreviveu.
Acreditamos que a resistência se deu a partir do habitus do indivíduo capoeira. Entendendo,
como Elias, que habitus é a inter-relação entre indivíduo e sociedade, podemos afirmar que a
capoeira está intrinsicamente ligada a esse contexto sócio-histórico-cultural do Brasil. De
acordo com ELIAS (1994):
Esse habitus, a composição social dos indivíduos, como que constitui o solo
de que brotam as características pessoais mediante as quais um indivíduo
difere dos outros membros de sua sociedade. Dessa maneira, alguma coisa
brota da linguagem comum que o indivíduo compartilha com os outros e que
é, certamente, um componente do habitus social_ um estilo mais ou menos
individual, algo que poderia ser chamado de grafia individual inconfundível
que brota da escrita social. ( ELIAS, 1994, p. 150)
Caracterizaremos o indivíduo capoeira segundo este conceito entendendo o
caminho percorrido por essa manifestação cultural na história da capoeira desde o que se
tem registro, inclusive na literatura, onde o indivíduo praticante da capoeiragem era o
capoeira. Assim, compreendemos que esses indivíduos foram formados a partir do habitus
social em cada momento histórico.
Ainda segundo Elias (1994), o indivíduo não pode ser analisado fora de seu
contexto social e, para salientar a crítica àqueles que tentam separar os conceitos, o autor
nos dá a sua versão:
“Dispomos dos conhecidos conceitos de ‘indivíduo’ e ‘sociedade’, o
primeiro dos quais se refere ao ser humano singular [...] existindo em
completo isolamento, enquanto o segundo costuma oscilar entre duas ideias
opostas, mas igualmente enganosas. [...] as palavras de que dispomos, os
conceitos que influenciam decisivamente o pensamento e os atos das pessoas
que crescem na esfera delas, fazem com que o [...] indivíduo e a [...]
sociedade, pareçam ser duas entidades ontologicamente diferentes. ”
(ELIAS. 1994. p.7)
Na verdade, em muitos dos trabalhos realizados sobre a capoeira, percebemos
essa dicotomia entre os conceitos, no entanto, compreendemos que é impossível
descontextualizar o indivíduo capoeira da sociedade em que ele foi produzido. Do habitus
do indivíduo capoeira faziam parte as contendas e a vadiagem pelas ruas. Neste sentido,
esse indivíduo estava imbuído no cotidiano dessa sociedade, estabelecendo uma rede de
relações que, de acordo com Elias irá fazer com que os indivíduos desenvolvam os seus
papeis e desempenhem suas funções.
E é essa rede de funções que as pessoas desempenham uma em relação as
outras, a ela e nada mais, que chamamos ‘sociedade’. Ela representa um tipo
social da esfera. Suas estruturas é o que denominamos ‘estruturas sociais’. E,
ao falarmos em ‘leis sociais’ ou ‘regularidades sociais’, não nos referimos a
outra coisa senão isto: às leis autônomas da relação entre as pessoas
individualmente consideradas. (ELIAS, 1994, p. 23)
Refletimos a partir do pensamento de Elias que o indivíduo capoeira
desempenhava uma função na sociedade e que fazia parte da rede de relações existentes no
século XIX. Em trabalhos realizados em outros estados como por exemplo no Estado da
Bahia, percebemos como esses indivíduos estavam presentes no cotidiano das cidades, e
também no Rio de Janeiro, que era a capital Federal. Os outros estados seguiam Leis que já
vinham prontas. Em Sergipe, não poderia ser diferente, na verdade, o que se tinha era um
reflexo das ordenações que vigiam na então capital Federal.
A configuração social proposta a partir do período republicano fez com que os
capoeiras entrassem nesse jogo como partes integrantes do processo, mas do lado oposto da
elite dominante. No entanto, eram peças importantes para consolidar o monopólio da
violência pelo Estado.
Dai segue-se que não é difícil de compreender que, com esta monopolização
da violência física como ponto de intersecção de grande número de
interconexões sociais, são radicalmente mudados todo o aparelho que
modela o indivíduo, o modo de operação das exigências e proibições sociais
que lhe moldam a constituição social e acima de tudo, os tipos de medos que
desempenham um papel em sua vida. (ELIAS, 1994, p. 17)
Para este autor, as mudanças psíquicas dos indivíduos também acontecem a partir
das mudanças sociais. De acordo com ele, nenhum indivíduo pode modificar qualquer
processo social sozinho, ou seja, individualmente.
Percebemos a partir de notícias do jornal O Republicano de 1890 que existiram
movimentos de capoeira em Sergipe naquele período, mas que também esse fato gerou um
embate político entre os jornais locais. Na verdade, o fato da deportação dos capoeiras gerou
várias notícias e desencadeou uma série de ataques ao então governador Felibelo Freire, por
outros periódicos tanto do Rio de Janeiro como de Sergipe.
Neste trabalho, só foram analisadas as notícias do Jornal O Republicano, porém,
este nos dá pistas e indícios de que outros periódicos falavam desse assunto. Encontramos em
O Republicano um defensor do Governador Felisbelo Freire, por isso temos que direcionar
nosso olhar para as entrelinhas. Assim, a pesquisa necessita avançar no sentido de buscar
outras fontes, através das pistas deixadas no jornal O Republicano, pois acreditamos que o
cruzamento das fontes nos dará um embasamento para a consistência de trabalhos futuros.
No Rio de Janeiro, por exemplo, onde esse trabalho já foi feito por alguns
historiadores, percebemos que a capoeira fazia parte do cotidiano da cidade e acontecia
livremente pelo meio urbano. De acordo com Soares:
A capoeira foi um fenômeno que marcou fortemente a vida social da cidade
do Rio de Janeiro do Século passado (XIX-grifo nosso). Grupos de negros,
homens pobres de todas as origens, portando facas navalhas, atravessando as
ruas em ‘correrias’, ou indivíduos isolados, igualmente temidos,
conhecedores de hábeis golpes de corpo que passaram a tradição como
“capoeira”, “os capoeiras”, como eram chamados, faziam parte integrante da
cultura popular de rua de então. (SOARES, 1999, p. 08)
Carlos Eugênio Libano Soares foi um dos pioneiros sobre os estudos relacionados
à capoeira no Rio de Janeiro: sua dissertação e sua tese de Mestrado e doutorado em História
Social, defendidas na UNICAMP, versaram sobre o tema e nos revelaram a força da capoeira
no século XIX, na corte e no período republicano na capital federal.
Em Sergipe, até o momento não se registrou trabalhos com esse fenômeno no
século XIX. No entanto, os indícios que estamos encontrando nos levam a crer que esses
indivíduos encontrados em terras sergipanas tinham uma prática bem parecida com as de
outros estados. As pistas deixadas pelo jornal O Republicano nos indica que existia capoeira
em terras sergipanas no século XIX, um desses indícios podemos encontrar no referido jornal
na edição do dia 01 de maio de 1890.
Nao admira que os pseudo sergipanos a quem o venerado marechal
veneralissimo estigmatizou com o ferreto da calumnia, proindo-se de
ternuras inconfessáveis, botassem tanto aranzel10 e descompostura contra o
integerrineo governador d’este estado, por ter deportado os turbulentos,
gatunos e faquistas que ahi exercião seu officio quasi de público e impunes.(
Jornal O Republicano, anno II, Sergipe, 01 de maio de 1890. P. 2.col.4-5).
Esse indício deixado pelo jornal O Republicano nos leva a crer que mesmo antes
do fato da deportação, existia capoeira em Sergipe. O trabalho de Soares (1999) nos indica
esse vocabulário usado na época e que estavam relacionados com essa prática: turbulentos,
faquistas, navalhistas todos eram sinônimos de capoeiras.
10 s.m. Discurso, conversa, escrito, muito prolixos, confusos e enfadonhos; lengalenga. Fonte:
http://www.dicio.com.br/ acesso em 13-04-2016.
A pesquisa ainda se encontra em andamento e os resultados ainda não são
conclusivos. Não obstante, o que se tem até o momento nos leva a pensar que esses indivíduos
também tinham um habitus que foi desenvolvido a partir das relações cotidianas e que essa
rede de relações produziram o que hoje conhecemos como o fenômeno capoeira sendo que
essa rede compõe a configuração da sociedade.
A DEPORTAÇÃO DOS CAPOEIRAS: ANÁLISES SOBRE O ATO DO
GOVERNADOR FELISBELO FREIRE
“Os capoeiras” eram figuras carimbadas em jornais da capital federal e em
Sergipe, muitas das notícias sobre a capoeiragem no Rio de Janeiro eram reproduzidas nos
jornais locais. Quando estávamos na busca por indícios da prática da capoeira no século XIX
em Sergipe, encontramos algumas dessas reproduções no jornal O Republicano. Chamou-nos
a atenção o fato de que muitas dessas notícias tinham o intuito de defender o Governador
Felisbelo Freire. Segundo Ibarê Dantas:
[...] Felisbelo Freire, o primeiro indicado para governar o Estado, tendo
administrado de 12.12.1889 a 17.08.1890. Intelectual versátil e desenvolto
como músico, estudioso de nossa história e jornalista dos mais envolvidos
nas campanhas abolicionista e republicana. (DANTAS, 2004, p. 24-25)
Freire teve um governo de curta duração e foi questionado por muitas de suas
atitudes. Mas um dos atos que mais causou repercussão na imprensa foi sua atitude de
deportação dos capoeiras encontrados em Sergipe. Encontramos várias reportagens/artigos
escritos pelo jornalista que se denominava como Japaratuba, certamente um codinome, mas
que defendia veementemente, como ele dizia, ilustríssimo Governador Felisbello Freire.
Com as características listadas por Ibarê Dantas na citação acima, em um primeiro
momento chegamos a pensar que o jornalista Japaratuba poderia até ser o próprio Felisbello.
Não obstante, com o andamento da pesquisa, deparamo-nos com uma nota no jornal o
Republicano, destacando que o Dr. Joviniano foi chamado pelo Dr. João Jose Montes, por
conta de um artigo que ele escreveu para a gazeta de notícias de Niterói no Rio de Janeiro.
Resolvemos pesquisar o referido artigo e, Biblioteca Nacional, encontramos o texto de
Joviniano. O texto longo intitulado A Republica em Sergipe, mas que nos revelou a
identidade do Japaratuba que tanto nos intrigava pela quantidade de notícias em defesa do
governador Felisbello Freire.
[...] emquanto eu, ao lado de toda colônia sergipana, lamento o acto violento,
deshumano, vandálico mesmo da deportação de 52 infelizes, conterrâneos,
que ali, na desgraça pátria, deixaram filhos na orfandade, mulheres na viuvez
a percorrem esquálidas, famintas, andajosas nas ruas da capital de Sergipe,
mendigando um pedaço de pao para saciar a fome!... O Drº João Jose Monte,
sob o pseudonymo de Japaratuba, defende aquelle acto. (Jornal A Gazeta de
Noticias. Nieteroy .ANNO XVI, 19 de abril de 1890. P.3.col.1).
De fato encontramos várias notícias no jornal O Republicano, escritas e assinadas
como Japaratuba defendendo o Governador Felisbello e esse ato da deportação, sempre com a
desculpa de que outros estados, a exemplo de Pernambuco, deportavam os seus capoeiras e só
em Sergipe isso causou desconforto, segundo o jornal. O que foi desvelado até aqui é que a
imprensa sergipana atacava o governador e O Republicano o defendia.
O Fato é que o então governador, recém chegado do Rio de Janeiro, presenciou as
maltas11 de capoeira por lá e viu de perto as dificuldades de enfrentar esses indivíduos, que as
autoridades consideravam um problema. A repressão à capoeiragem por lá era muito intensa e
no período Republicano, como já vimos, foi inserida no código Penal. Quando Felisbello
Freire percebeu que no interior do Estado existia a possibilidade de a capoeira se espalhar,
autorizou o chefe de polícia a ir à caça, pessoalmente, dos desordeiros. Assim capturados, o
governador, que segundo a Lei deveria abrir um processo, julgar e somente depois disso os
indivíduos serem condenados ou não. No entanto, ele preferiu exportar o problema,
deportando os 52 vagabundos e capoeiras, como aparece em outra notícia de O Republicano.
Outro fato que nos chamou atenção é que o código penal só foi aprovado em
outubro de 1890, mas a atitude da deportação por parte de Freire foi em março 1890. Mas
entendemos que em muitos estados isso já acontecia, as autoridades utilizavam o texto do
código penal mesmo antes dele ser aprovado. Encontramos fragmentos do código penal, antes
de sua aprovação em várias edições do jornal O Republicano, justamente em uma tentativa de
legitimar o ato do então governador. E o próprio periódico indicava que em outros estados os
governos locais já utilizavam o referido código.
11 As Maltas eram organizações de caráter marginal composto por capoeiristas. “A habilidade no jogo, a perícia
no manejo, prudência, força física e liderança inatas eram qualidades valorizadas para se ter prestigio e assumir
postos mais graduados”. (ESTEVES, 2004, p. 72)
O fato da deportação dos sergipanos causou um desconforto para o governador
que logo foi condenado por seu ato. O Jornal O Republicano por diversas vezes saio em favor
do governo e do Regime republicano. Por vezes elogiava o senhor Sampaio Ferraz, intendente
de polícia do Rio de janeiro, que foi o maior responsável pela repressão aos capoeiras na
capital da República recém formada.
Uma das defesas utilizadas para defender o ilustre governador, como o periódico
o tratava, é a atitude do Intendente do Rio e mais, que outros governadores já haviam tomado
tal atitude.
A nossa impressão geral deste percurso, ainda inicial, é que o jornal O
Republicano era sempre a favor do governo e tratava os capoeiras como indivíduos da pior
espécie. Em alguns exemplares o referido periódico noticia outras manchetes de jornais
cariocas com os feitos contra os capoeiras. Essa reprodução de notícias de jornais da capital
federal e também de trechos do projeto de código penal, servia para legitimar a atitude do
governador que, segundo O Republicano, só estava limpando o estado daqueles que eram a
escória, no caso os capoeiras.
É significativo salientar que com o advento do código penal de 1890 a repressão
aos capoeiras se intensificou e, ao que parece, em Sergipe também. O próprio jornal O
Republicano, em defesa do governador, afirmou não ter milícias de capoeiras em Sergipe que
esse foi um fato isolado. Mas que existiam muitas maltas de ladrões de cavalos. Isso ainda é
um mistério para nós, pois estamos ligando os fatos, tentando encontrar essa relação que por
vezes nos parece óbvia e em outras nem tanto. Como os capoeiras eram desordeiros, gatunos,
faquistas, navalhistas e outros adjetivos podemos supor através das inúmeras notícias sobre os
ladrões de cavalos que poderia ser mais um adjetivo dado aos capoeiras. Pois, Sergipe nesse
período era um estado considerado quase em sua totalidade como rural.
Os questionamentos vão surgindo e são muitos, como por exemplo, porque as
Maltas no Rio de Janeiro eram de Capoeiras e em Sergipe Maltas era sinônimo de ladrões de
cavalos? Maltas como sendo grupos organizados, milícias, gangues, agrupamento de
indivíduos com o propósito de causar desordem. Novamente nos deparamos com o
vocabulário que podemos supor se tratar dos mesmos indivíduos, tendo em vista que
desordeiros também era sinônimo de capoeiras. Ainda são insipientes os indícios, mas os
sinais que estamos encontrando nos levam à hipótese de que já existia capoeira no Estado
antes do fato da deportação dos 52 vagabundos e capoeiras.
Porque o jornal O Republicano noticiava com frequência a perseguição aos
capoeiras no Rio de Janeiro e em outros jornais do mesmo período só relatava a capoeira
como mato, como sinônimo de roça? Esses são silêncios na história que ainda precisam ser
melhor investigados. Ainda não temos resultados conclusivos, mas percebemos que o jornal O
Republicano tinha uma contenda maior com o jornal A Gazeta de Sergipe, outro jornal
sergipano do mesmo período e também de circulação diária, por vezes o primeiro tratava de
defender Felisbello Freire dos ataques do segundo.
É no mínimo instigante a pesquisa no jornal O Republicano que, ao que tudo
indica, tinha o mesmo lema da República: o de limpar o país dos pobres e das minorias. O
Jornal também colocava trechos do projeto do código penal que estava sendo elaborado neste
ano de 1890 dentre eles os capoeiras mandados para trabalhos forçados em colônias agrícolas.
No próprio jornal O Republicano aparecia capoeira ou capoeiras como sinônimo
de mato, de campo, de roça. Essa é uma denominação que podemos verificar em vários
dicionários. E alguns historiadores já tentaram explicar esse fato, mas que não é nossa
pretensão aqui.
Existia, um esforço em manter o governo Provisório de Felisbello Freire. Apesar
de ter ficado pouco tempo como governador do Estado ( de Dezembro de 1889 a Agosto de
1890), foi uma presença marcante, não só por ser o primeiro governante Republicano de
Sergipe, mas também por suas atitudes. Segundo Ibarê Dantas (2004):
Os descontentamentos aumentaram quando diminuiu consideravelmente a
força policial e reduziu o corpo do funcionalismo com o fim de equilibrar as
contas públicas. Entretanto maiores reações ocorreram ao tomar medidas
moralizantes, anulando concessões, privilégios fiscais e explorações
monopolistas que beneficiavam empresários. A imprensa desenvolveu contra
seu governo campanha vigorosa. Como se isso não bastasse, o fato de haver
autorizado a deportação de supostos criminosos contribuiu para ampliar seu
desgaste. (DANTAS, 2004, p. 25).
Continuamos a perseguir as respostas que envolvem a capoeira em Sergipe no
século XIX, mas por hora compreendemos que, além do fato da deportação dos 52
desordeiros, vagabundos, ladrões de cavalo e capoeiras, houve uma ação forte contra o
governo de Felisbello Freire e esse ato de deportar sergipanos foi o estopim. No entanto, as
pistas, deixadas nas folhas dos jornais fazem com que a nossa curiosidade de pesquisadoras
continue cada vez mais aguçada na tentativa de compreender o que está nas entrelinhas e
“escutar” os silêncios da história.
CONSIDERAÇÕES FINAIS:
Nessas últimas linhas descrevemos as nossas conclusões que de fato, estão longe
de serem conclusivas, mas que por hora satisfazem e cumprem o objetivo proposto no
presente trabalho. Como pudemos notar, a capoeira que hoje se apresenta com esporte e como
patrimônio Imaterial do povo brasileiro e mais recentemente patrimônio da humanidade,
revelou-nos, através de pesquisas já realizadas, que foi uma luta de resistência. Resistiu a toda
opressão sofrida, reprimida e de fato criminalizada a partir de 1890, passou a ser mais do que
isso.
Os adeptos da capoeiragem foram perseguidos no período republicano, diríamos
até caçados com o intuito de extinção da prática. Não nos causou espanto a questão da
autorização do governador de Sergipe, Felisbello Freire, para a deportação dos capoeiras
sergipanos. Pois, ele, como Republicano que era, certamente teria nas suas práticas os
preceitos da República.
O que nos instigou a pesquisar cada vez mais foi o fato dessa atitude ter
desencadeado uma perseguição política ao próprio governador e que culminou com a
exoneração do cargo, como vimos, por uma série de fatores. No entanto, o fato da deportação,
configurou-se como uma atitude autoritária, de acordo com os oposicionistas da época.
Não obstante, percebemos também através das notícias do jornal O Republicano
que a capoeira era uma prática marginal que já existia no Estado de Sergipe mesmo antes de
Felisbello assumir como governador e que ele veio com a experiência de ter visto de perto no
Rio de janeiro a repressão aos capoeiras.
Por fim compreendemos a prática da capoeiragem, no século XIX, em Sergipe,
como sinônimo de vagabundagem e desordem, não muito diferente dos capoeiras de outros
estados. Assim os estudos devem continuar no intuito de preservação da memória do país e de
nossas manifestações culturais.
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