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Maio 2014 | www.toposeclassicos.pt | 65 64 | www.toposeclassicos.pt | Maio 2014 NOTICIAS NOTICIAS Entre uma moto e um carro Este tricicarro é uma estranha máquina com três rodas, a meio caminho entre a moto e o automóvel cujo design remonta ao início do século 20. F oi no Salão da Moto, em Londres, em 1909, que Henry Fre- derick Stanley Morgan pioneiro nesta actividade, revelou a sua "Runabout" (que poderia ser traduzido literalmente como "carro pequeno"). Os tricicarros eram geralmente alimentados por motores bici- lindricos em V ou de 4 cilindros em linha refrigerados a ar ou água. O motor podia variar entre os 750 e os 1.100 cc. A carroça- ria era feita de madeira e de metal e era montada num chassis tubular. Em 1922 aparece o primeiro catálogo publicitário da Darmont. Os Darmont eram dois irmãos, André (o piloto) e Roger (o empre- sário). O Morgan Runabout foi construído e vendido sob licença na fábrica Darmont localizada no número 27 da Rue Jules Ferry, em Courbevoie, perto de Paris. Naquela época, a França estava a recuperar lentamente da herança da Primeira Guerra Mundial, época em que o automóvel começa timidamente a democratizar- -se, mas ainda assim estava fora do alcance de uma grande parte da população. Neste contexto, o principal argumento comercial do tricicarro era o seu preço de venda: "O preço de uma motoci- cleta, a segurança e o conforto de um automóvel" podia ler-se na publicidade da época. O preço de um Morgan desportivo variava entre os 6.950 Francos, para a versão básica, e 7.500 Francos para veículos equipados com pára-brisas, luz e buzina. Em 1927, surge um novo modelo no catálogo da marca, o tipo DS - para Darmont Spécial. É um modelo desportivo com um chassis reforçada e motor de 1.100 cc capaz de atingir uma velocidade máxima de 150 km/h! Vinha equipado com travão de mão à fren- te, que se faz funcionar com uma grande alavanca externa e que vem complementar o travão traseiro que é comandado pelo pé. Foram postas à venda duas variantes do Darmont Spécial: a série Normal por 8.900 Francos e a série Luxe por 10.400 Francos, o que é quase o dobro do preço de um modelo Sport sem acessórios. O tricicarro que ilustra este artigo é um Darmont Spécial de 1928. Este modelo único foi uma encomenda especial de um ex-piloto de aviões da Primeira Guerra Mundial, que queria usá-lo para transportar a família. Para dizer a verdade, o banco apenas tem espaço para o motorista e o passageiro, desde que não tenha as dimensões de um jogador de rugby, já quanto ao “famoso” ter- Texto e fotos: Thierry Lesparre Darmont Spécial

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Maio 2014 | www.toposeclassicos.pt | 65 64 | www.toposeclassicos.pt | Maio 2014

NOTICIAS NOTICIAS

Entre uma motoe um carro

Este tricicarro é uma estranha máquina com três rodas, a meio caminho entre a moto e o automóvel cujo design remonta ao início do século 20.

Foi no Salão da Moto, em Londres, em 1909, que Henry Fre-derick Stanley Morgan pioneiro nesta actividade, revelou a sua "Runabout" (que poderia ser traduzido literalmente como "carro pequeno").

Os tricicarros eram geralmente alimentados por motores bici-lindricos em V ou de 4 cilindros em linha refrigerados a ar ou água. O motor podia variar entre os 750 e os 1.100 cc. A carroça-ria era feita de madeira e de metal e era montada num chassis tubular.

Em 1922 aparece o primeiro catálogo publicitário da Darmont. Os Darmont eram dois irmãos, André (o piloto) e Roger (o empre-sário). O Morgan Runabout foi construído e vendido sob licença na fábrica Darmont localizada no número 27 da Rue Jules Ferry, em Courbevoie, perto de Paris. Naquela época, a França estava a recuperar lentamente da herança da Primeira Guerra Mundial, época em que o automóvel começa timidamente a democratizar--se, mas ainda assim estava fora do alcance de uma grande parte da população. Neste contexto, o principal argumento comercial do tricicarro era o seu preço de venda: "O preço de uma motoci-cleta, a segurança e o conforto de um automóvel" podia ler-se na

publicidade da época. O preço de um Morgan desportivo variava entre os 6.950 Francos, para a versão básica, e 7.500 Francos para veículos equipados com pára-brisas, luz e buzina.

Em 1927, surge um novo modelo no catálogo da marca, o tipo DS - para Darmont Spécial. É um modelo desportivo com um chassis reforçada e motor de 1.100 cc capaz de atingir uma velocidade máxima de 150 km/h! Vinha equipado com travão de mão à fren-te, que se faz funcionar com uma grande alavanca externa e que vem complementar o travão traseiro que é comandado pelo pé. Foram postas à venda duas variantes do Darmont Spécial: a série Normal por 8.900 Francos e a série Luxe por 10.400 Francos, o que é quase o dobro do preço de um modelo Sport sem acessórios.

O tricicarro que ilustra este artigo é um Darmont Spécial de 1928. Este modelo único foi uma encomenda especial de um ex-piloto de aviões da Primeira Guerra Mundial, que queria usá-lo para transportar a família. Para dizer a verdade, o banco apenas tem espaço para o motorista e o passageiro, desde que não tenha as dimensões de um jogador de rugby, já quanto ao “famoso” ter-

Texto e fotos: Thierry Lesparre

Darmont Spécial

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ceiro lugar, é muito simbólico e só pode acomodar quanto muito uma criança. Após a morte do seu proprietário, a viúva deixou o Darmont guardado num armazém durante muitos anos. Foi o seu filho, que com a morte da mãe decidiu, após longas negocia-ções vender o Darmont Spécial ao seu proprietário atual.

Apesar de ter uma concepção bastante robusta o Darmont dá, mesmo assim, a impressão de ser um veículo fraco e frágil. Mesmo parado o conjunto já parece pouco estável e é difícil ima-ginar que o Darmont Spécial tenha sido anunciado como capaz de atingir uma velocidade máxima de 150 km/h. Como a maioria dos "tricicarristas" (é assim que os motoristas destes tricicarros eram e são conhecidos), o proprietário do "nosso" Darmont Spé-cial é uma pessoa bem disposta e com sentido de humor. Na ver-dade, afixados no painel de madeira estão uma medalha de São Cristóvão e uma pequena placa onde se pode ler: "O dono deste carro só aceita transportar passageiros gratuitamente. Portanto, não pode ser responsabilizado em caso de acidente". Tudo isto não é muito animador, mas eu precisaria de algo mais para me convencer a subir para bordo desta engenho incrível.

Antes de se poder instalar o passageiro deve seguir um proce-dimento especial ou seja, deixar o motorista sentar-se primeiro

atrás do grande volante de madeira antes de embarcar. Saúdo daqui o falecido Jacques Potherat, jornalista do mundo automó-vel e profundo conhecedor dos tricicarros que assinou os seus artigos sob o pseudónimo de "l'entonnoir masqué (funil masca-rado)", o nosso piloto enfia o seu funil antes de iniciar o processo de arranque. Abertura da entrada de combustível e do óleo - o motor é lubrificado por um sistema de gota a gota. O arranque do motor faz-se com o auxilio de uma pequena bateria fixada no lado esquerdo do tricicarro - acessório que, evidentemente, não é de época e que foi adicionado pelo actual proprietário por motivos de comodidade. É com um barulho ensurdecedor que arrancamos no nosso veículo de três rodas, escusado será dizer que não passamos despercebidos quando nos deslocamos no tricicarro, especialmente no meio do trânsito parisiense. Basta apenas alguns metros para perceber que o conforto não é a prin-cipal qualidade do Darmont. Os passageiros, para além de serem agitados por todos os lados, estão sentados numa banqueta de couro pouco mais espessa do que uma almofada desfrutando assim de todas as irregularidades da estrada. Não deixa de ser divertido durante o espaço em que decorre o ensaio, mas deve ser cansativo numa viagem longa, especialmente porque o Darmont

não perdoa nenhum erro e obriga o motorista a estar vigilan-te permanentemente. A aceleração é impressionante, uma vez que atinge os 90 ou 100 km/h em poucos segundos. Nem quero imaginar o que deve ser a 130 km/h. Com uma direcção ultra-di-reta, comportamento desportivo e posição de condução próxima do chão, pode-se comparar o Darmont Spécial a uma espécie de Kart de antes da guerra.

Em resumo o Darmont Spécial um verdadeiro concentrado de sensações. Entendo melhor agora porque é que os proprietários dos tricicarros são tão apegados às suas incríveis máquinas.

*Um grande obrigado a Frédéric Viginier pela sua ajuda na ela-boração deste artigo. Autor de um livro de referência sobre os Darmont Morgan, Frédéric é também presidente da Associação de Tricicarristas de França. Esta associação foi criada em 1990 por vários entusiastas de tricicarros e reúne principalmente tricicarros, ciclocarros e carros desportivos construídos antes de 1940. Os seus membros estão espalhados por toda a França e Europa. A Associação permite manter os carros a rolar, a troca de informações técnicas e auxilia ainda no restauro e manutenção, nomeadamente através da reconstrução de peças.<