sutra coracao e comentarios dalai lama2

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Sutra Coração e Comentários Baseado no livro “A Essência do Sutra Coração” do 14º Dalai Lama Sutra Coração (Sutra Coração da Sabedoria) (Sutra Coração do Maha Prajnaparamita) e Comentários Diversos com base no Livro Essence of the Heart Sutraconforme o Dalai Lama’s Heart of Wisdom Teachings Por Tenzin Gyatso, Décimo Quarto Dalai Lama Traduzido e editado por Geshe Thupten Jinpa Traduzido para o português por Fausto Lyra de Aguiar para o Templo Zu Lai, Cotia, SP, Brasil, 2006 24/8/2022 1

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Tradução do Sutra do Coração

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Sutra Coração e ComentáriosBaseado no livro “A Essência do Sutra Coração” do 14º Dalai Lama

Sutra Coração(Sutra Coração da Sabedoria)

(Sutra Coração do Maha Prajnaparamita)

e

Comentários Diversoscom base no Livro

“Essence of the Heart Sutra”

conforme o

Dalai Lama’s Heart of Wisdom TeachingsPor

Tenzin Gyatso,Décimo Quarto Dalai Lama

Traduzido e editado porGeshe Thupten Jinpa

Traduzido para o português porFausto Lyra de Aguiar

para oTemplo Zu Lai, Cotia, SP, Brasil, 2006

Rev. 20/03/2006

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Sutra Coração e ComentáriosBaseado no livro “A Essência do Sutra Coração” do 14º Dalai Lama

O texto doSutra Coração

Bhagavati Prajna Paramita Hridaya‘A Abençoada Mãe, o Coração da Perfeita Sabedoria’

Isso uma vez eu ouvi:

O Abençoado estava em Rajgriha no Pico do Abutre junto com a uma grande comunidade de monges e uma grande comunidade de bodhisattvas, e naquele momento, O Abençoado entrou em absorção meditativa sobre as variedades de fenômenos chamada de aparecimento do profundo (appearence of the profound). Naquele mesmo momento, o nobre Avalokiteshvara, o bodhisattva, o grande ser, observou claramente a prática da profunda perfeição da sabedoria e viu que mesmo os cinco agregados são vazios de existência intrínseca.

Nisso, pela inspiração do Buda, o venerável Shariputra falou para o nobre Avalokiteshvara, o bodhisattva, o grande ser, e disse: “Como deveria treinar qualquer filho nobre ou filha nobre que deseje se engajar na prática da perfeição profunda da sabedoria?”

Quando isso foi dito, o sagrado Avalokiteshvara, o bodhisattva, o grande ser, falou para o venerável Shariputra e disse:

Shariputra, qualquer filho nobre ou filha nobre que deseje se engajar na prática da perfeição profunda da sabedoria deveria ver claramente dessa maneira: eles deveriam ver perfeitamente que mesmo os cinco agregados são vazios de existência intrínseca. Forma é vazio, vazio é forma; vazio não é outro que forma; forma também não é outro que vazio. Da mesma forma, sentimentos, percepções, formações mentais e consciência são todos vazios.

Portanto, Shariputra, todos os fenômenos são vazios; eles são sem características definidoras; eles não nascem; eles não cessam; eles não são aviltados; eles não são não aviltados; eles não são deficientes; e eles não são completos.

Por isso, Shariputra, no vazio não há forma, nem sentimentos, nem percepções, nem formações mentais, e nem consciência. Não há olho, nem ouvido, nem nariz, nem língua, nem corpo, e nem mente. Não há forma, nem som, nem cheiro, nem sabor, nem textura, e nem

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Sutra Coração e ComentáriosBaseado no livro “A Essência do Sutra Coração” do 14º Dalai Lama

objetos mentais. Não há elemento de olho, e assim por diante até não haver elemento da mente incluindo até nenhum elemento de consciência mental. Não há ignorância, não há extinção de ignorância, e assim por diante até não haver envelhecimento e morte e nem extinção de envelhecimento e morte. Da mesma forma, não há sofrimento, origem, cessação ou caminho; não á sabedoria, não há realização, e mesmo não há não realização.

Portanto, Shariputra, desde que bodhisattvas não têm realização, eles confiam nessa perfeição de sabedoria e permanecem nela. Não tendo obscurecimento em suas mentes, eles não têm medo, e ao irem absolutamente além do erro, eles irão atingir o fim do nirvana. Também todos os Budas que residem nos três tempos atingiram o acordar completo da inexcedível, perfeita iluminação ao confiar nessa profunda e perfeita sabedoria.

Por isso, a pessoa deveria saber que o mantra da perfeição da sabedoria – o mantra do grande conhecimento, o mantra inexcedível, o mantra igual ao sem igual, o mantra que suprime todos os sofrimentos – é verdadeiro porque não conduz ao engano. O mantra da perfeição da sabedoria é proclamado:

tadyatha gaté gaté paragaté parasamgaté bodhi svaha!

Shariputra, os bodhisattvas, os grandes seres, deveriam treinar a na perfeição da sabedoria dessa maneira.

Assim, O Abençoado levantou-se de sua absorção meditativa e elogiou o sagrado Avalokiteshvara, o bodhisattva, o grande ser, dizendo isso é excelente.

“Excelente! Excelente! Ó nobre criança, é assim mesmo; isso deveria ser exatamente assim. A pessoa deve praticar a profunda perfeição da sabedoria exatamente como você revelou. Para eles, mesmo os Tathagatas irão se regozijar.”

Assim que O Abençoado proferiu essas palavras, o venerável Shariputra, o sagrado Avalokiteshvara, o bodhisattva, o grande ser, junto com a assembléia inteira, incluindo os mundos dos deuses, humanos, asuras e gandharvas, todos se regozijaram e saudaram o que O Abençoado havia dito.

Fim do Sutra

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Sutra Coração e ComentáriosBaseado no livro “A Essência do Sutra Coração” do 14º Dalai Lama

Comentários Diversos 1

Resumo preparado pelo tradutor a partir dos comentários feitos no livro

‘A Essência do Sutra Coração’,por Sua Santidade Tenzin Gyatso, Décimo Quarto Dalai Lama.

1 – A Questão do Vazio

“Shariputra, qualquer filho nobre ou filha nobre que deseje se engajar na prática da perfeição profunda da sabedoria deveria ver claramente dessa maneira: eles deveriam ver perfeitamente que mesmo os cinco agregados são vazios de existência intrínseca. Forma é vazio, vazio é forma; vazio não é outro que forma; forma também não é outro que vazio. Da mesma forma, sentimentos, percepções, formações mentais e consciência são todos vazios.”

O vazio2 aqui se refere a ausência de natureza intrínseca de todas as coisas e eventos externos e internos..

2 – O Lugar do Sutra Coração no Cânone Budista:

O Sutra segue: “Portanto, Shariputra, como bodhisattvas não têm realizações, eles confiam nessa perfeição da sabedoria e permanecem nela”.

(1) De modo a entender completamente o Sutra Coração, é preciso entender seu lugar dentro do cânone Budista. O Sutra Coração é parte da literatura referente a Sabedoria da Perfeição, que se compõe distintamente de textos Mahayana (Grande Veículo). Estes textos Mahayana formam o centro do “Segundo Giro da Roda do Dharma”.(2) Os ensinamentos Mahayana têm sua raiz nos sermões que o Buda ensinou primariamente no Pico do Abutre. Enquanto os ensinamentos do “Primeiro Giro da Roda do Dharma” enfatizam o sofrimento e sua cessação, os ensinamentos do “Segundo Giro” enfatizam o vazio.

1 NT: Esses comentários foram escolhidos – dentre muitos outros significantes - pelo tradutor para ajudar na compreensão do Sutra Coração com um mínimo de palavras e conceitos. Outras explicações de Sua Santidade, como os fundamentos do Budismo serão apresentados em outra ocasião.2 Vazio (shunyata): ausência de natureza intrínseca nos fenômenos; ausência de qualquer aspecto absoluto ou permanente; todos os fenômenos somente podem existir ou vir a existir na dependência de causas e condições; ausência de essência ou de qualquer aspecto permanente; todos os dharmas – fenômenos e eventos, internos ou externos - são vazios; o domínio da realidade; representa: um estado de ser destituído de caráter específico, em puro contato com a Mente Única, onde todas as distinções se sintetizaram na não dualidade; o absoluto.

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Sutra Coração e ComentáriosBaseado no livro “A Essência do Sutra Coração” do 14º Dalai Lama

Dentro desses ensinamentos, pode-se falar de duas categorias de escrituras: (i) aquelas que apresentam leitura interpretativa dos Sutras da Perfeição da Sabedoria e (ii) aquelas que apresentam a teoria da natureza Búdica (tathagathagarbha).(3) Na escola Mahayana ainda há ensinamentos que vêm do “Terceiro Giro da Roda do Dharma”. Porque a literatura da Perfeição da Sabedoria enfatiza o vazio as leituras interpretativas do Terceiro Giro da Roda foram ensinados primariamente para o beneficio dos praticantes espirituais que, se bem que inclinados para o caminho Mahayana, não estavam ainda adequadamente preparados para fazer uso dos ensinamentos de Buda sobre o vazio inerente da existência. Se, tais praticantes em treinamento, abraçarem o significado literal aparente dos Sutras da Perfeição da Sabedoria antes de perceberem o verdadeiro significado do Buda para os mesmos, eles ficariam em perigo de cair em niilismo extremado. É importante saber que os ensinamentos de Buda são com certeza não niilistas como entendidos pelos filósofos, nem os ensinamentos de Buda sobre o vazio de existência intrínseca implica em mera não existência.

3 – Entendimento do Vazio; Interpretações Provisórias e Definitivas

(1)A Escola Mente Apenas entende como vazios somente os dharmas externos, coisas e eventos externos e não os internos como serenidade, por exemplo. Para então ter o entendimento entre interpretações provisórias e definitivas, é preciso saber que uma das principais características do ensino do Buda é que ele falava de acordo com as necessidades e talentos dos aprendizes.

(2)Por isso existem critérios para definir se determinado ensinamento é provisório ou definitivo, que se relaciona com possível inconsistência entre a declaração e a racionalidade contextual envolvida na declaração.

(3)Buda sugere que façamos uma pesquisa aprofundada sobre a verdade de suas palavras e verificá-las e só então “aceitá-las, mas não apenas por reverencia”. Daí vem ‘método das quatro dependências’ (four reliances):

1. Não se baseie meramente na pessoa, mas nas palavras;2. Não se baseie meramente nas palavras, mas no significado;3. Não se baseie meramente nas significado provisório, mas no

significado definitivo; e4. Não se baseie meramente no entendimento intelectual, mas

na experiência direta .(4) Apesar de cada escola ter seu critério o apresentado acima tem base similar em todas elas.

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Sutra Coração e ComentáriosBaseado no livro “A Essência do Sutra Coração” do 14º Dalai Lama

5 – A Interpretação do Caminho do Meio

(1)A Escola do Caminho do Meio entende literalmente que “todas as coisas e eventos são destituídos de qualquer existência intrínseca”, também não discrimina entre os estados existenciais de sujeito e objeto – entre mente e o mundo.

(2)“Os Cem Mil Versos sobre a Perfeição da Sabedoria”, explicita que no nível fundamental, todos os fenômenos não existem , ou seja, por essa visão, o vazio de todos os fenômenos é definitivo.

(3) Existe uma diferença importante entre as escolas Mente Apenas e Caminho do Meio. A Mente Apenas aceita o vazio dos fenômenos do mundo externo, com isso auxiliando eliminar os apegos e aversões aos fenômenos externos. Mas isso não é suficiente.(4) A menos que se reconheça também o vazio do mundo interno – não discriminando entre interno e externo, mente e mundo – nós podemos nos tornar apegados a sensações como tranqüilidade, felicidade ou êxtase e ter aversão experiências como medo e tristeza.(5) Entendendo isso por completo , inclusive com insight meditativo , ficamos capazes de ficar completamente livres da escravidão das aflições em todas as circunstâncias ; isso é a natureza última da realidade ou domínio da realidade, como apresentado no Sutra Avatamsaka.

6 – Vazio, Forma e Realidade

(1) Vazio não implica em não existência, mas sim no vazio de existência intrínseca, o que deriva de originação dependente. Dependência e interdependência é a natureza de todas as coisas; coisas e eventos nascem (vêem a ser) como resultado de causas e condições. (2) Todas as coisas se originam dependentemente, por isso podemos observar causa e efeito; que somente pode existir num mundo que seja dependentemente originado, o que só é possível num mundo destituído de natureza intrínseca; ou seja num mundo que é vazio!(3) Por isso, podemos dizer que vazio é forma, ou seja, o vazio é a base que permite a originação da forma. Assim, o mundo da forma é uma manifestação do vazio.(4) O vazio – como realidade fundamental - é entendido em relação aos fenômenos individuais, coisas e eventos, se fenômenos deixam de existir também seu vazio também deixa de existir.

“Vazio não é outro que forma e forma não é outra que vazio”;

(5) Precisa ser esclarecido através das duas verdades do Buda:(1) a verdade convencional do dia a dia;

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Sutra Coração e ComentáriosBaseado no livro “A Essência do Sutra Coração” do 14º Dalai Lama

(2) a verdade fundamental é a verdade alcançada através de analise do modo final de ser das coisas.”(6) Nagarjuna diz no “Fundamentos do Caminho do Meio”:

Os ensinamentos revelados pelos BudasSão apresentados em termos de duas verdades –A verdade convencional do mundoE a verdade fundamenta l (ultimate).

(7) Nós percebemos a verdade convencional, o mundo relativo com todas as suas diversidades. Entretanto, somente através de analise penetrante que somos capazes de perceber a verdade fundamental, a verdadeira natureza das coisas e eventos.(8) Perceber o isso (suchness ) de todos os fenômenos , seus modos últimos de ser, o que é a verdade fundamental sobre a natureza da realidade.(9) Na verdade, com entendimento mais sutil e aprofundado, essas duas verdades (convencional e fundamental) são dois aspectos de uma única realidade.

7 - Sentimentos, Percepções, Formações Mentais e Consciência

(1) Entendendo o vazio das formas precisamos estender o conceito para os demais agregados (skhandas): sentimentos, percepções, formações mentais (atividade) e consciência:

“Da mesma maneira, sentimentos, percepções, formações mentais (atividades) e consciência são todos vazios”.

(2) Aqui o melhor é o meditador compreender o vazio diretamente. Essa pessoa percebe diretamente a ausência completa de realidade independente em todas as coisas e eventos, percebendo o vazio só e direto. Em tal estado, nenhuma multiplicidade é experimentada: não há formas, nem sentimentos, nem sensações, nem percepção, nem formações mentais – ou seja, nada mesmo (nor nothing at all).(3)Enquanto a mente percebe o vazio diretamente, ela não percebe

qualquer outra coisa e, dentro de tal perspectiva, não mais existe sujeito e objeto. Não há mais dualidade.

(4)A natureza fundamental da forma é o vazio e a forma é a realidade convencional sobre a qual vazio se estabelece.

(6) Por isso, uma maneira de ler essa declaração: não existem formas, nem sentimentos, nem sensações, nem percepção, nem formações mentais, no vazio – é o da perspectiva de um meditador imerso na realização direta do vazio.

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8 – Os Oito Aspectos do Vazio ou Os Oito Aspectos do Profundo

O Sutra diz: “Por isso, Shariputra, (1) todos os fenômenos são vazios; (2) eles não têm características definidoras; (3) eles não nascem; (4) eles não cessam; (5) eles não são corrompidos (defiled); (6) eles não são não corrompidos; (7) eles não são deficientes, (8) eles não são completos.”(1) Características definidoras, se referem as qualidades universais de todos os fenômenos, tais como impermanência e vazio e, as características especificas de qualquer fenômeno dado. (2) Ambos os tipos de características existem em nível relativo e definimos todas as coisas e eventos por meio de tais características, mas elas não existem em sentido absoluto como naturezas fundamentais ( ultimate ) de coisas e eventos .(3) O texto segue, “eles não nascem; eles não cessam”, mas é importante entender que coisas e eventos realmente não vêm a ser e nem têm originação;(4) Surgimento e cessação devem sua existência a serem características de todos os fenômenos, mas essas características não existem como natureza fundamental de todas as coisas; elas não pertencem às coisas num sentido fundamental. (5) Entretanto, a partir da perspectiva de uma pessoa imersa na realização direta do vazio, características como originação e cessação não são encontradas.(6) Essas oito características somente existem como qualidades das coisas e eventos no nível convencional, mas essas características não existem nas coisas e eventos no nível último (fundamental). Nesse nível só existe a ausência dessas características – nominalmente, ausência de natureza intrínseca, ausência de características definidoras; ausência de originação; ausência de cessação; ausência de corrupção; ausência de não corrupção; ausência de decréscimo, ausência de aumento.(7) As oito características podem ser reduzidas a três diferentes perspectivas, chamadas “as três portas de liberação”: (1) porta do vazio – olhando o vazio do ponto de vista da própria coisa; (2) porta da não marca - olhando o vazio do ponto de vista de sua causa; (3) porta do não desejo - olhando o vazio do ponto de vista de seus efeitos. Essas três portas são três maneiras de entender a mesma coisa, o vazio.(8) As escrituras dizem que a sabedoria que compreende o vazio é a verdadeira e única porta, a única maneira de nos tornarmos completamente livres do apego da ignorância e do sofrimento que ela causa.

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Sutra Coração e ComentáriosBaseado no livro “A Essência do Sutra Coração” do 14º Dalai Lama

9 – O Vazio de Todos os Fenômenos

O Sutra segue: “Por isso, Shariputra, no vazio não há forma, nem sentimentos, nem percepções, nem formações mentais, e nem consciência. Não há olho, nem ouvido, nem nariz, nem língua, nem corpo, e nem mente. Não há forma, nem som, nem cheiro, nem sabor, nem textura, e nem objetos mentais. Não há elemento de olho, e assim por diante até não haver elemento da mente incluindo até nenhum elemento de consciência mental”.

(1) A primeira parte da sentença reafirma o vazio dos cinco agregados, enquanto a seguinte estende esse vazio as seis faculdades – as cinco faculdades sensoriais e a faculdade mental.(2) Em seguida procede estendendo vazio aos objetos externos – as bases sensoriais de forma, som, cheiro, sabor, textura e objetos mentais.(3) A sentença final estende vazio para os dezoito elementos3, culminando com não haver nenhum elemento de consciência mental. (4) Todas as coisas e eventos, incluindo fenômenos não compostos, tais como o espaço, estão incluídos nessa categoria; assim todos os fenômenos são destituídos de existência intrínseca .

10 – A Negação da Corrente dos Doze Elos

O Sutra segue: “Não há ignorância, não há extinção de ignorância, e assim por diante até não haver envelhecimento e morte e nem extinção de envelhecimento e morte”.

(1) Isso é uma negação sumária dos doze elos da originação dependente (ou gênese condicionada), de acordo com sua seqüência de evolução dentro da cadeia da existência não iluminada . Se bem que apenas dois elos são mencionados, a implicação de “e assim por diante até” implica na negação de cada um dos doze elos da cadeia – ignorância, ação escolhida, consciência, nome e forma, fontes dos sentidos, contato, sentimentos, apego, desejo, vir a ser ( tornar-se, becoming ), nascimento e morte . A negação dos doze descreve o processo para alcançar o nirvana.(2) O processo de nascer no ciclo da existência e o processo ganhar a liberdade deste ciclo somente existe no nível convencional, como não existe no nível fundamental (ultimate) é aqui negado.

11 – O Vazio Completo3 Dezoito Elementos – as seis faculdades dos sentidos, as seis associadas com o sentido de consciência, e os seis campos de dados dos sentidos – em combinação estes são os elementos da experiência.

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Sutra Coração e ComentáriosBaseado no livro “A Essência do Sutra Coração” do 14º Dalai Lama

O Sutra segue: “Da mesma forma, não há sofrimento, origem, cessação ou caminho; não há sabedoria, não há realização, e mesmo não há não realização.”

(1)Começando agora da perspectiva de um vazio completamente realizado com respeito ao Primeiro Giro da Roda do Darma – as quatro nobres verdades – a verdade do sofrimento, sua origem, sua cessação e o caminho para sua cessação. Com isso a pratica meditativa é negada.

(2)Em seguida o fruto da prática é negado – “não existe sabedoria, nem realização”; ao afirmar o vazio da experiência subjetiva.

(3)Finalmente, mesmo a negação é negada – “não há não realização”.(4)Mesmo o estado de clareza que surge da penetração na perfeição

da sabedoria (prajna) é, ela mesma, vazia de existência intrínseca.(5)Todas as qualidades da mente de alguém que tenha atingido

nirvana ou alcançado os poderes supra-naturais de um Buda, também são vazios e aqui negados.

12 – Nirvana

Em seguida o Sutra diz: “Portanto, Shariputra, desde que bodhisattvas não têm realização, eles confiam nessa perfeição de sabedoria e permanecem nela. Não tendo obscurecimento em suas mentes, eles não têm medo, e ao irem absolutamente além do erro, eles irão atingir o fim do nirvana.”

(1) No contexto do Sutra Coração, nirvana é entendido como sendo a natureza última (ou fundamental) da mente da pessoa, no estágio quando a mente se tornou totalmente limpa de todas as aflições.(2) Porque a mente pura é inata, implica que ela tem natureza Búdica e, por isso, simplesmente ao remover as obscuridades à clareza (poeiras), a iluminação aparece.(3) Assim, o vazio da mente é chamado de nirvana natural e, é a base do nirvana.(4) Quando a pessoa passa pelo processo de purificação da mente, aplicando os antídotos as aflições mentais, com o tempo, a mente torna-se livre de todas as obscuridades.(5) O vazio dessa mente não poluída ( undefiled ) é o verdadeiro nirvana ou liberação.(6) Assim, a pessoa pode alcançar liberação – verdadeiro nirvana – somente através da realização da natureza fundamental da mente em seu estado perfeito, sem aflições.

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Sutra Coração e ComentáriosBaseado no livro “A Essência do Sutra Coração” do 14º Dalai Lama

(7) Nagarjuna explica em Fundamentos do Caminho do Meio que o vazio é tanto o meio para eliminar as aflições mentais quanto o estado mental resultante dessa eliminação. Ele escreve:

“Através de cessação de carma e aflições a pessoa se libera.Carma, aflições e conceitualização4 (conceptulization5),Todos surgem de elaboração6 (elaboration7); e é por meio do

vazioQue elaboração é eliminada.”

(8) Como o nirvana natural é comum a todos, e todos os elementos do Caminho são destituídos de existência intrínseca, a pessoa ao cultivar insight nesse nirvana natural será capaz de fazer dissipar e superar os sofrimentos resultantes de entendimentos errôneos de coisas e eventos , que resultam da ignorância fundamental .(9) Da mesma maneira, a propensão para o apego à ignorância8 e rastros deixados por ações errôneas do passado podem ser removidos.(10) Ao transcender toda ignorância a pessoa torna-se livre de medo e permanece no final e não-permanente nirvana do Buda.

12 – Budas e Bodhisattvas

O Sutra segue com: “Também todos os Budas que residem nos três tempos atingiram o acordar completo da inexcedível, perfeita iluminação ao confiar nessa profunda e perfeita sabedoria.”

(1) Aqui o termo budas se refere a bodhisattvas do mais elevado nível de realização espiritual, justamente antes de alcançarem a Budeidade; esse é o Nível Búdico.

4 Conceituar: formular conceito de, ou acerca de; formar conceito acerca de; julgar, avaliar; concorrer para o bom ou mau conceito; fazer conceito; formar opinião de; classificar; avaliar, ajuizar.5 Conceptualize (verb): interpret observations with a concept: to arrive at a concept or generalization as a result of things seen, experienced, or believed.6 Elaboração: ato ou efeito de elaborar ; laboração; preparo esmerado; trabalho do espírito que conduz a uma idéia, a um conceito, etc.; processo mental inconsciente de aumento e de aformoseamento de pormenor, em especial de símbolo ou de representação em sonho. 7 Elaboration (noun): amplification, embellishment, explanation, expansion.8 Ignorância (Avidya): um dos três venenos (ganância, raiva e ignorância ); também insensatez, ou ilusão; ignorância de causa e efeito, pela qual a pessoa cai em círculos viciosos sem saber como escapar; falta de atenção para a natureza condicional dos fenômenos; ignorância da natureza real das coisas, do vazio de todos os dharmas; ignorância é também a noção de que existe alguma coisa para ganhar ou possuir; é a base para o desejo, o qual em sua forma compulsiva é o veneno da ganância, da inveja e finalmente da raiva e ressentimento, cuja soma de aflições consiste no inferno dos titãs; a ignorância é obstrução para ganhar insight no Dharma; no vazio de todas as coisas e eventos, externos e internos e na necessidade criara raízes de bondade; a ignorância obstrui a entrada no domínio da realidade.

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Sutra Coração e ComentáriosBaseado no livro “A Essência do Sutra Coração” do 14º Dalai Lama

(2) Um bodhisattva nesse nível permanece focado e absorto na meditação chamada Meditação Adamantina, assim possuindo atributos similares aos de um buda.

(3) Permanecendo nessa absorção meditativa, o bodhisattva em estado de Prajna, na dependência da perfeição da sabedoria, alcançará o acordar final do Buda.

13 – O Mantra da Perfeição da Sabedoria

A aqui o texto do Sutra faz uma apresentação concisa do vazio em forma de mantra (visando aqueles de aptidão excepcional):

“Portanto, a pessoa deveria saber que o mantra da perfeição da sabedoria – o mantra do grande conhecimento, o mantra inexcedível, o mantra igual ao inigualável, o mantra que suprime todos os sofrimentos – é verdadeiro porque não conduz à engano.”

(1)A perfeição da sabedoria, prajnaparamita , é aqui referida como um mantra. O significado etimológico de mantra é “para proteger a mente”. Assim, por atingir a perfeição da sabedoria, a pessoa estará completamente protegida contra visões errôneas e das aflições mentais que daí surgem e, dos sofrimentos conseqüentes.

(2)A perfeição da sabedoria é chamada de o “mantra do grande conhecimento”, porque entender seu significado elimina os três venenos – raiva, ganância e ignorância.

(3)Também é chamada de “mantra inexcedível” porque não há melhor método do que a perfeição da sabedoria.

(4)É chamada de “mantra igual ao inigualável” porque o estado de iluminação do Buda é inigualável e através da profunda compreensão desse mantra, pode-se alcançar estado igual.

(5)Também é chamado de “mantra que suprime todo sofrimento” porque suprime os sofrimentos manifestos presentes e futuros.

(6)A perfeição da sabedoria é a verdade última, por isso a afirmação, “é verdadeiro”. No domínio da verdade fundamental, não há diferenças (disparity9) como há na realidade convencional, entre aparência e realidade; daí “não conduz à engano”.

14 – A Proclamação do Mantra

“O mantra da perfeição da sabedoria é proclamado: tadyatha gaté gaté paragaté parasamgaté bodhi svaha! Shariputra, os bodhisattvas, os grandes seres, deveriam treinar a na perfeição da sabedoria dessa maneira.”

9 Disparity (noun): difference, inequality, discrepancy, disproportion, gap, inconsistency, incongruence.

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Sutra Coração e ComentáriosBaseado no livro “A Essência do Sutra Coração” do 14º Dalai Lama

(1) Em sânscrito, tadyatha significa literalmente “é isso” (it is thus) e prepara o caminho para o que se segue; gaté gaté significa “vá vá ” (go go); paragaté significa “ir além”; parasamgaté significa “ir totalmente além”; bodhi svaha pode ser lido como “estar enraizado no terreno da iluminação”.(2) Por isso, esse mantra pode ser traduzido como “Vá, vá, vá além, vá totalmente além, enraíze-se no terreno da iluminação”. Pode-se interpretar esse mantra metaforicamente como “vá para a outra margem”, o que quer dizer abandone essa margem do samsara, da existência não iluminada, a qual tem sido sua casa desde tempos sem fim, e cruze para a outra margem do nirvana final e da completa liberação.

15 – O Significado Implícito do Sutra Coração:

(1)O mantra contem o significado implícito (ou escondido) do Sutra Coração, revelando como o entendimento do vazio está relacionado com aos cinco estágios do caminho para a Budeidade.

(2)Nele podemos ler o primeiro “ vá ” como uma exortação a entrar no caminho de

acumulação de méritos; o segundo ( vá ) como uma exortação para o caminho da

preparação da mente para uma percepção profunda do vazio;

“Vá além” (terceiro) se refere ao caminho para ver a realidade, a direta e imediata realização do vazio;

“Vá totalmente além” (quarto) indica o caminho da meditação (gom em tibetano, literalmente habituação), onde a pessoa se torna profundamente familiar com o vazio através da pratica constante;

A parte final, “bodhi svaha”, é uma exortação a se estabelecer firmemente no terreno da iluminação, o que quer dizer, entrar nirvana final.

(3) Nós podemos relacionar esses cinco estágios do caminho da Budeidade – acumulação, preparação, ver, meditação e não mais aprendizagem – as diferentes partes do corpo principal do Sutra Lótus.(4) A apresentação quádrupla do vazio no começo do Sutra – “forma é vazio; vazio é forma; vazio não é outro que não forma; forma não é outro que não vazio – apresenta o caminho para praticar vazio nos dois primeiros estágios – acumulação e preparação.(5) O vazio dos oito aspectos dos fenômenos – “todos os fenômenos são vazio, eles não têm características definidoras” e assim por diante – apresenta o modo de geração de insight no vazio, no estágio de ver.

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Sutra Coração e ComentáriosBaseado no livro “A Essência do Sutra Coração” do 14º Dalai Lama

A frase “não há ignorância, não há extinção de ignorância” e assim por diante, explica o modo de praticar vazio no estágio da meditação.

16 – Vazio Final e Onisciência

A secção seguinte do Sutra, “Portanto, Shariputra, desde que bodhisattvas não têm realização, eles confiam nessa perfeição de sabedoria e permanecem nela.”

(1) Explica a prática do vazio no último nível de bodhisattva, onde os bodhisattvas permanecem na absorção meditativa adamantina.(2) A transição entre os estágios ocorre quando o praticante está imerso em equilíbrio meditativo:

No estágio inicial, quando o praticante está no caminho da acumulação, seu entendimento do vazio é derivado do entendimento intelectual do vazio e da natureza dos fenômenos.

Praticantes bodhisattvas com intelecto entusiástico (keen) podem alcançar entendimento significativo do vazio, antes mesmo da geração de atitudes altruísticas de bodhichitta10.

Aqueles menos inclinados à abstração (intellection11) podem desenvolver primeiro a aspiração por liberar todos os seres.

Em ambos os casos, um profundo entendimento do vazio irá impactar poderosamente outras áreas da prática, as reforçando e complementando.

(3)No estágio de acumulação o entendimento vem primariamente por aprendizado, reflexão e entendimento intelectual;

(4)Mas é através da meditação sobre o que foi aprendido, que seu entendimento irá tornar-se cada vez mais profundo, até que finalmente ganhe clareza total de insight ; neste ponto a pessoa entra no estágio de preparação; aqui o insight no vazio é experimental12 e não é mais intelectual ou conceitual.

(5)Ao aprofundar o entendimento do vazio, o uso de conceitos na meditação gradualmente vai desaparecendo.

(6)Quando toda percepção dualística de sujeito e objeto, da realidade convencional e da existência intrínseca, desaparece a pessoa entra no ‘caminho de ver’. Não há mais sujeito e objeto, é como água jogada na água e a meditação sobre o vazio é imediata e direta.

10 Bodhichitta (bodhi – iluminado e chitta – mente): um estado mental iluminado que é dotado de bom, ainda que incompleto, entendimento da realidade e que compreende claramente as metas e métodos da prática budista.11 Intellection (formal): abstraction; concept, idea, thought, notion, construct, generalization, perception.12 Experimental: Relativo a experiência; experiencial; fundado na experiência, ou em experiências.

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Sutra Coração e ComentáriosBaseado no livro “A Essência do Sutra Coração” do 14º Dalai Lama

(7)Quando a experiência direta no vazio se aprofunda, a pessoa sistematicamente torna menos efetivas ( counters 13 ) às várias aflições mentais durante o estágio de meditação, ou familiarização.

(8)Nesse estágio a pessoa progride através dos sete níveis impuros de bodhisattva; são chamados impuros porque as aflições não estão completamente erradicadas até o oitavo nível.

(9)Nos níveis oito, nove e dez a pessoa se opõe mesmo as propensões e marcas deixadas pelas aflições.

(10) Finalmente, quando a pessoa remove as obscuridades que impedem a percepção simultânea das verdades fundamental e convencional (ambas) num único evento cognitivo, acontece a aurora da mente onisciente de um Buda.

17- A Expressão de Regozijo

São palavras faladas diretamente pelo Buda:

“Assim, O Abençoado levantou-se de sua absorção meditativa e elogiou o sagrado Avalokiteshvara, o bodhisattva, o grande ser, dizendo isso é excelente. “Excelente! Excelente! Ó nobre criança, é assim mesmo; isso deveria ser exatamente assim. A pessoa deve praticar a profunda perfeição da sabedoria exatamente como você revelou. Para eles, mesmo os Tathagatas irão se regozijar.”

(1) Quando o dialogo entre Avalokiteshvara e Shariputra se conclui, Buda o recomenda e reafirma.

(2) Essa afirmação indica que a absorção meditativa do Buda é de fato a fusão de meditação equilibrada sobre o vazio – a verdade última – e completo conhecimento (cognizance14) do mundo dos fenômenos continuamente se desdobrando – a verdade convencional.

18 – Conclusão

O Sutra Coração conclui com: “Assim que O Abençoado proferiu essas palavras, o venerável Shariputra, o sagrado Avalokiteshvara, o bodhisattva, o grande ser, junto com a assembléia inteira, incluindo os mundos dos deuses, humanos, asuras e gandharvas, todos se regozijaram e saudaram o que O Abençoado havia dito.”

13 Counter - 3rd person present singular counters - contradict or oppose: to say something that contradicts or opposes what somebody has said; do something in opposition: to do something in opposition to what somebody is doing, to make it less effective.14 Cognizance (noun): knowledge, awareness, grasp, perception, understanding, acquaintance, appreciation

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Sutra Coração e ComentáriosBaseado no livro “A Essência do Sutra Coração” do 14º Dalai Lama

(1)Quando lemos e procuramos pegar o significado profundo da escritura, nós podemos apreciar os sentimentos de homenagem ao Buda.

(2)Tsongkhapa, grande intelectual e meditador do 14º século, escreveu expressando admiração e gratidão pelos ensinamentos o Buda sobre a verdade do vazio:

‘E ainda, quando contemplo suas palavras,O pensamento surge em mim:“Ah, esse mestre, envolto num halo de luzE brilhante com suas marcas maiores e menoresEnsinou isso em sua perfeita melodia Brahma” Ó Buda, quando sua imagem reflete em minha mente,Ela trás conforto (solace15) ao meu coração cansado,Como os raios frescos da lua para quem está atormentado pelo

calor.’

15 Solace (noun): comfort, consolation, support, relief, succour (literary), help.

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