sustentabilidade econÔmica e social em face À … · programas, garantindo maior transparência e...

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2014 Curitiba Coleção CONPEDI/UNICURITIBA Organizadores PROF. DR. ORIDES MEZZAROBA PROF. DR. RAYMUNDO JULIANO REGO FEITOSA PROF. DR. VLADMIR OLIVEIRA DA SILVEIRA PROFª. DRª. VIVIANE COÊLHO DE SÉLLOS-KNOERR Vol. 36 SUSTENTABILIDADE ECONÔMICA E SOCIAL EM FACE À ÉTICA E AO DIREITO Coordenadores PROFª. DRª. SANDRA MARA MACIEL DE LIMA PROF. DR. FERNANDO ANTONIO DE CARVALHO DANTAS PROFª. DRª. LÍDIA MARIA RIBAS 2014 Curitiba

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2014 Curitiba

Coleção CONPEDI/UNICURITIBA

Organizadores

Prof. Dr. oriDes Mezzaroba

Prof. Dr. rayMunDo Juliano rego feitosa

Prof. Dr. VlaDMir oliVeira Da silVeira

Profª. Drª. ViViane Coêlho De séllos-Knoerr

Vol. 36

SUSTENTABILIDADE ECONÔMICA E SOCIAL EM FACE À ÉTICA E AO DIREITO

Coordenadores

Profª. Drª. sanDra Mara Maciel De liMa

Prof. Dr. fernanDo antonio De carvalho Dantas

Profª. Drª. líDia Maria riBas

2014 Curitiba

Nossos Contatos

São Paulo Rua José Bonifácio, n. 209, cj. 603, Centro, São Paulo – SP CEP: 01.003-001 Acesse: www. editoraclassica.com.brRedes Sociais Facebook: http://www.facebook.com/EditoraClassica Twittter: https://twitter.com/EditoraClassica

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO-NA-FONTE

Equipe Editorial

EDITORA CLÁSSICA

Allessandra Neves FerreiraAlexandre Walmott Borges Daniel Ferreira Elizabeth Accioly Everton Gonçalves Fernando Knoerr Francisco Cardozo de Oliveira Francisval Mendes Ilton Garcia da Costa Ivan Motta Ivo Dantas Jonathan Barros VitaJosé Edmilson Lima Juliana Cristina Busnardo de Araujo Lafayete PozzoliLeonardo Rabelo Lívia Gaigher Bósio Campello Lucimeiry Galvão

Luiz Eduardo GuntherLuisa Moura Mara Darcanchy Massako Shirai Mateus Eduardo Nunes Bertoncini Nilson Araújo de Souza Norma Padilha Paulo Ricardo Opuszka Roberto Genofre Salim Reis Valesca Raizer Borges Moschen Vanessa Caporlingua Viviane Coelho de Séllos-Knoerr Vladmir Silveira Wagner Ginotti Wagner Menezes Willians Franklin Lira dos Santos

Conselho Editorial

S964Sustentabilidade econômica e social

em face à ética e ao direito Coleção Conpedi/Unicuritiba.

Organizadores : Orides Mezzaroba / Raymundo Juliano Rego Feitosa / Vladmir Oliveira da Silveira / Viviane Coêlho Séllos-Knoerr.Coordenadores : Sandra Mara Maciel de Lima/Fernando Antonio de Carvalho Dantas/ Lídia Maria Ribas.Título independente - Curitiba - PR . : vol.36 - 1ª ed. Clássica Editora, 2014.250p. :

ISBN 978-85-8433-024-9

1. Responsabilidade civil - estado. 2. Desenvolvimentosustentável. I. Título. CDD 341

Editora Responsável: Verônica GottgtroyCapa: Editora Clássica

MEMBROS DA DIRETORIA Vladmir Oliveira da Silveira

Presidente Cesar Augusto de Castro Fiuza

Vice-Presidente Aires José Rover

Secretário Executivo Gina Vidal Marcílio Pompeu

Secretário-Adjunto

Conselho Fiscal Valesca Borges Raizer Moschen

Maria Luiza Pereira de Alencar Mayer Feitosa João Marcelo Assafim

Antonio Carlos Diniz Murta (suplente) Felipe Chiarello de Souza Pinto (suplente)

Representante Discente Ilton Norberto Robl Filho (titular)

Pablo Malheiros da Cunha Frota (suplente)

Colaboradores

Elisangela Pruencio Graduanda em Administração - Faculdade Decisão

Maria Eduarda Basilio de Araujo Oliveira Graduada em Administração - UFSC

Rafaela Goulart de Andrade Graduanda em Ciências da Computação – UFSC

DiagramadorMarcus Souza Rodrigues

XXII ENCONTRO NACIONAL DO CONPEDI/ UNICURITIBACentro Universitário Curitiba / Curitiba – PR

Sumário

APRESENTAÇÃO ........................................................................................................................................

A DESVIRTUAÇÃO DA POLÍTICA PELA RACIONALIDADE ECONÔMICA GLOBAL E SEUS REFLEXOS NA (DES)HUMANIDADE (Mercia Miranda Vasconcellos e Guilherme Barbosa da Silva) ...............................

CONSIDERAÇÕES INICIAIS ........................................................................................................................

FORMAÇÃO E EXPANSÃO DO ESTADO: GUERRA, IDENTIDADE NACIONAL, INTERESSES ECONÔ-MICOS, MITIGAÇÃO DE DIREITOS ...........................................................................................................

ESTADO E CAPITALISMO: IMBRICAÇÃO DOS SISTEMAS POLÍTICO E ECONÔMICO ...............................

SISTEMA ECONÔMICO, SOBERANIA, DEMOCRACIA E GLOBALIZAÇÃO ................................................

PERDA DO PODER POLÍTICO DO ESTADO, DECLÍNIO DA PARTICIPAÇÃO POLÍTICA ...............................

CONSIDERAÇÕES FINAIS ..........................................................................................................................

REFERÊNCIAS ............................................................................................................................................

ECONOMIA E MEIO AMBIENTE: CONTRIBUIÇÕES DE AMARTYA SEN À ÉTICA DO DESENVOLVI-MENTO E SUSTENTABILIDADE (Sérgio Rodrigo Martinez e Danielle de Ouro Mamed) ..........................

INTRODUÇÃO ............................................................................................................................................

ECONOMIA E MEIO AMBIENTE: CONSTRUÇÕES E RECONSTRUÇÕES A PARTIR DOS DIREITOS HUMANOS .................................................................................................................................................

DESENVOLVIMENTO, CONDIÇÃO HUMANA O EXERCÍCIO DA LIBERDADE PELA CONDIÇÃO DE AGENTE: GOVERNANÇA AMBIENTAL PARA A EFETIVAÇÃO DA SUSTENTABILIDADE ...............................

CONSIDERAÇÕES FINAIS ..........................................................................................................................

REFERÊNCIAS ............................................................................................................................................

PLANEJAMENTO SUSTENTÁVEL DA ATIVIDADE ECONÔMICA: A PARTICIPAÇÃO SOCIAL COMO CONDIÇÃO DE PROSSEGUIBILIDADE (Mariane Yuri Shiohara e Leandro Ferreira Bernardo) .....................

INTRODUÇÃO ............................................................................................................................................

ATUAÇÃO DO ESTADO NA ORDEM ECONÔMICA ....................................................................................

PLANEJAMENTO E LEGITIMAÇÃO SOCIAL ..............................................................................................

SUSTENTABILIDADE E DESENVOLVIMENTO ............................................................................................

CONCLUSÕES ............................................................................................................................................

REFERÊNCIAS ............................................................................................................................................

A DIMENSÃO CONSTITUCIONAL DA ATIVIDADE EMPRESARIAL (Josilene Hernandes Ortolan De Pietro) .........................................................................................................................................................

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INTRODUÇÃO ............................................................................................................................................

O DIREITO EMPRESARIAL CONSTITUCIONAL .........................................................................................

A EMPRESA E A ORDEM ECONÔMICA CONSTITUCIONAL ......................................................................

FUNDAMENTOS CONSTITUCIONAIS DA ORDEM ECONÔMICA .............................................................

A FUNÇÃO SOCIAL DA EMPRESA ..............................................................................................................

CONSIDERAÇÕES FINAIS ..........................................................................................................................

REFERÊNCIAS ............................................................................................................................................

APRECIAÇÃO JURÍDICA SOBRE A MULTIDISCIPLINAR RESPONSABILIDADE SOCIAL EMPRESARIAL (Júlio Henrique Santos Kasper) ...................................................................................................................

INTRODUÇÃO ............................................................................................................................................

A RESPONSABILIDADE SOCIAL EMPRESARIAL ........................................................................................

DESENVOLVIMENTO .................................................................................................................................

A RESPONSABILIDADE SOCIAL EMPRESARIAL, A FUNÇÃO SOCIAL DA EMPRESA E A ABORDAGEM JURÍDICA ....................................................................................................................................................

CONCLUSÕES ............................................................................................................................................

REFERÊNCIAS ............................................................................................................................................

O “PLANO INOVA EMPRESA” COMO ATUAÇÃO PRÓ-ATIVA DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA PARA O DESENVOLVIMENTO (José Osório do Nascimento Neto) ......................................................................

INTRODUÇÃO ............................................................................................................................................

O RECÉM-CRIADO “PLANO INOVA EMPRESA” DO GOVERNO FEDERAL ................................................

O “PLANO INOVA EMPRESA” NO SETOR DE ENERGIA COMO EXEMPLO DE SUSTENTABILIDADE ECONÔMICA E SOCIAL ..............................................................................................................................

A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA COMO ATORA SOCIAL PRÓ-ATIVA DO “PLANO INOVA EMPRESA” ........

A RESPONSABILIDADE SOCIAL ENERGÉTICA NA CONCRETIZAÇÃO DOS OBJETIVOS DA REPÚBLICA .

CONSIDERAÇÕES FINAIS ..........................................................................................................................

REFERÊNCIAS ............................................................................................................................................

RESPONSABILIDADE JURÍDICA SOCIAL EMPRESARIAL (RJSE): ÉTICA EMPRESARIAL E DEONTO-LOGIA, NO DIÁLOGO ENTRE AS NORMAS DE MERCADO E AS NORMAS JURÍDICAS (Ana Cecília Parodi e Viviane Coêlho de Séllos Knoerr) .................................................................................................

INTRODUÇÃO ............................................................................................................................................

DA ESTRUTURA À FUNÇÃO SOCIAL – O PERSONALISMO/SOLIDARISMO E SEU EFEITO TRANSFORMADOR SOBRE AS RELAÇÕES JURÍDICAS CONTEMPORÂNEAS: APONTAMENTOS CONSTITUCIONAIS DEONTOLÓGICOS .....................................................................................................

A CULTURA ÉTICA NAS RELAÇÕES NEGOCIAIS E A DEONTOLOGIA CONTEMPORÂNEA DO

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DESENVOLVIMENTO E NO MERCADO .....................................................................................................

RESPONSABILIDADE JURÍDICA SOCIAL EMPRESARIAL (RJSE): EFETIVIDADE E DEONTOLOGIA NO DIÁLOGO ENTRE AS NORMAS DE MERCADO E AS NORMAS JURÍDICAS ...............................................

CONSIDERAÇÕES FINAIS ..........................................................................................................................

REFERÊNCIAS ............................................................................................................................................

A RENDIÇÃO DOS DIREITOS SOCIAIS (Mauricio Galeb e Paulo Ricardo Opuszka) ...................................

HISTÓRIA E A RELAÇÃO ENTRE ECONOMIA E ESTADO ...........................................................................

ESTADO E DIREITOS SOCIAIS ....................................................................................................................

A PRECARIZAÇÃO DOS DIREITOS SOCIAIS DO TRABALHO NO BRASIL ..................................................

REFERÊNCIAS ............................................................................................................................................

ÉTICA EMPRESARIAL GARANTIDORA DA SUSTENTABILIDADE: FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE RURAL E O PARADOXO TRABALHO ESCRAVO CONTEMPORÂNEO (Henrico César Tamiozzo e Marlene Kempfer) .....................................................................................................................................................

INTRODUÇÃO ............................................................................................................................................

O DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL NO ASPECTO SOCIAL E A PARTICIPAÇÃO DAS EMPRESAS .......

CONCEITO JURÍDICO CONTEMPORÂNEO DE TRABALHO ESCRAVO ......................................................

VALORIZAÇÃO DO TRABALHO HUMANO E PARÂMETROS DO TRABALHO DECENTE ...............................

FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE RURAL E A VALORIZAÇÃO DO TRABALHO HUMANO ......................

A FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE RURAL, A VALORIZAÇÃO DO TRABALHO HUMANO E A PEC Nº 438/01 ...................................................................................................................................................

O TRABALHO ESCRAVO E AS REFERÊNCIAS DO JUDICIÁRIO BRASILEIRO .............................................

UMA REDE EMPRESARIAL ÉTICA E DE SOLIDARIEDADE PARA REDUZIR O TRABALHO ESCRAVO NO BRASIL ........................................................................................................................................................ CONCLUSÃO ..............................................................................................................................................

REFERÊNCIAS ............................................................................................................................................

A AUDIÊNCIA PÚBLICA AMBIENTAL E A SUA (INTER) RELAÇÃO COM A ORDEM ECONÔMICA À LUZ DE UM CAPITALISMO SUSTENTÁVEL (Karlla Maria Martini e Patrícia Dittrich Ferreira Diniz) .................

INTRODUÇÃO ............................................................................................................................................

AUDIÊNCIA PÚBLICA AMBIENTAL E A CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL ........

A DEFESA DO MEIO AMBIENTE COMO PRINCÍPIO DA ORDEM ECONÔMICA .......................................

A CONSTRUÇÃO DE UM CAPITALISMO SUSTENTÁVEL PARA A REALIZAÇÃO DOS OBJETIVOS FUNDAMENTAIS DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL .....................................................................

CONSIDERAÇÕES FINAIS ..........................................................................................................................

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REFERÊNCIAS ............................................................................................................................................

CONSIDERAÇÕES DE UM DEBATE CRÍTICO SOBRE O DIREITO DO TERCEIRO SETOR BRASILEIRO (Isabella Cristina Lunelli) .............................................................................................................................

INTRODUÇÃO ............................................................................................................................................

CONTEXTUALIZAÇÃO DO DEBATE SOBRE O DIREITO DO TERCEIRO SETOR BRASILEIRO ........................

A CRÍTICA DA CRÍTICA AO TERCEIRO SETOR: UM ESPAÇO PARA A SUPERAÇÃO DOS LIMITES DA CULTURA JURÍDICA DOMINANTE ............................................................................................................

CONTRIBUIÇÕES PARA UMA CRÍTICA JURÍDICA EMANCIPADORA .......................................................

CONSIDERAÇÕES FINAIS ..........................................................................................................................

REFERÊNCIAS ............................................................................................................................................

ATIVIDADE DE FOMENTO PARA AS MICRO E PEQUENAS EMPRESAS E O PRINCÍPIO DA ISONOMIA (Marco Antonio Lorga e Paulo Sérgio Nowacki) ..........................................................................................

INTRODUÇÃO ............................................................................................................................................

A ATIVIDADE DE FOMENTO E SEU REGIME JURÍDICO ............................................................................

O PRINCÍPIO DA IGUALDADE E O LIMITE À ATIVIDADE DE FOMENTO ..................................................

MARCOS INSTITUCIONAIS DA ATIVIDADE DE FOMENTO ÀS MICRO E PEQUENAS EMPRESAS NO BRASIL ........................................................................................................................................................

CONSIDERAÇÕES FINAIS ..........................................................................................................................

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Caríssimo(a) Associado(a),

Apresento o livro do Grupo de Trabalho Sustentabilidade Econômica e Social em

Face à Ética e ao Direito, do XXII Encontro Nacional do Conselho Nacional de Pesquisa e

Pós-graduação em Direito (CONPEDI), realizado no Centro Universitário Curitiba

(UNICURUTIBA/PR), entre os dias 29 de maio e 1º de junho de 2013.

O evento propôs uma análise da atual Constituição brasileira e ocorreu num ambiente

de balanço dos programas, dada a iminência da trienal CAPES-MEC. Passados quase 25 anos

da promulgação da Carta Magna de 1988, a chamada Constituição Cidadã necessita uma

reavaliação. Desde seus objetivos e desafios até novos mecanismos e concepções do direito,

nossa Constituição demanda reflexões. Se o acesso à Justiça foi conquistado por parcela

tradicionalmente excluída da cidadania, esses e outros brasileiros exigem hoje o ponto final do

processo. Para tanto, basta observar as recorrentes emendas e consequentes novos

parcelamentos das dívidas dos entes federativos, bem como o julgamento da chamada ADIN

do calote dos precatórios. Cito apenas um dentre inúmeros casos que expõem os limites da

Constituição de 1988. Sem dúvida, muitos debates e mesas realizados no XXII Encontro

Nacional já antecipavam demandas que semanas mais tarde levariam milhões às ruas.

Com relação ao CONPEDI, consolidamos a marca de mais de 1.500 artigos submetidos,

tanto nos encontros como em nossos congressos. Nesse sentido é evidente o aumento da

produção na área, comprovável inclusive por outros indicadores. Vale salientar que apenas no

âmbito desse encontro serão publicados 36 livros, num total de 784 artigos. Definimos a

mudança dos Anais do CONPEDI para os atuais livros dos GTs – o que tem contribuído não

apenas para o propósito de aumentar a pontuação dos programas, mas de reforçar as

especificidades de nossa área, conforme amplamente debatido nos eventos.

Por outro lado, com o crescimento do número de artigos, surgem novos desafios a

enfrentar, como o de (1) estudar novos modelos de apresentação dos trabalhos e o de (2)

aumentar o número de avaliadores, comprometidos e pontuais. Nesse passo, quero agradecer a

todos os 186 avaliadores que participaram deste processo e que, com competência, permitiram-

nos entregar no prazo a avaliação aos associados. Também gostaria de parabenizar os autores

COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 36 - Sustentabilidade Econômica e Social em Face à Ética e ao Direito

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selecionados para apresentar seus trabalhos nos 36 GTs, pois a cada evento a escolha tem sido

mais difícil.

Nosso PUBLICA DIREITO é uma ferramenta importante que vem sendo aperfeiçoada

em pleno funcionamento, haja vista os raros momentos de que dispomos, ao longo do ano, para

seu desenvolvimento. Não obstante, já está em fase de testes uma nova versão, melhorada, e

que possibilitará sua utilização por nossos associados institucionais, tanto para revistas quanto

para eventos.

O INDEXA é outra solução que será muito útil no futuro, na medida em que nosso

comitê de área na CAPES/MEC já sinaliza a relevância do impacto nos critérios da trienal de

2016, assim como do Qualis 2013/2015. Sendo assim, seus benefícios para os programas serão

sentidos já nesta avaliação, uma vez que implicará maior pontuação aos programas que

inserirem seus dados.

Futuramente, o INDEXA permitirá estudos próprios e comparativos entre os

programas, garantindo maior transparência e previsibilidade – em resumo, uma melhor

fotografia da área do Direito. Destarte, tenho certeza de que será compensador o amplo esforço

no preenchimento dos dados dos últimos três anos – principalmente dos grandes programas –,

mesmo porque as falhas já foram catalogadas e sua correção será fundamental na elaboração da

segunda versão, disponível em 2014.

Com relação ao segundo balanço, após inúmeras viagens e visitas a dezenas de

programas neste triênio, estou convicto de que o expressivo resultado alcançado trará

importantes conquistas. Dentre elas pode-se citar o aumento de programas com nota 04 e 05,

além da grande possibilidade dos primeiros programas com nota 07. Em que pese as

dificuldades, não é possível imaginar outro cenário que não o da valorização dos programas do

Direito. Nesse sentido, importa registrar a grande liderança do professor Martônio, que soube

conduzir a área com grande competência, diálogo, presença e honestidade. Com tal conjunto de

elementos, já podemos comparar nossos números e critérios aos das demais áreas, o que será

fundamental para a avaliação dos programas 06 e 07.

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Com relação ao IPEA, cumpre ainda ressaltar que participamos, em Brasília, da III

Conferência do Desenvolvimento (CODE), na qual o CONPEDI promoveu uma Mesa sobre o

estado da arte do Direito e Desenvolvimento, além da apresentação de artigos de pesquisadores

do Direito, criteriosamente selecionados. Sendo assim, em São Paulo lançaremos um novo

livro com o resultado deste projeto, além de prosseguir o diálogo com o IPEA para futuras

parcerias e editais para a área do Direito.

Não poderia concluir sem destacar o grande esforço da professora Viviane Coêlho de

Séllos Knoerr e da equipe de organização do programa de Mestrado em Direito do

UNICURITIBA, que por mais de um ano planejaram e executaram um grandioso encontro.

Não foram poucos os desafios enfrentados e vencidos para a realização de um evento que

agregou tantas pessoas em um cenário de tão elevado padrão de qualidade e sofisticada

logística – e isso tudo sempre com enorme simpatia e procurando avançar ainda mais.

Curitiba, inverno de 2013.

Vladmir Oliveira da Silveira

Presidente do CONPEDI

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Apresentação

A discussão sobre a sustentabilidade ganhou importância incontestável nos ambientes

universitários, nos centros de pesquisa e também no discurso dos gestores e empreendedores,

públicos e privados. Discutir, portanto, a sustentabilidade implica em considerar uma

transformação econômica, social, cultural e ética, reconhecendo os limites impostos pelos

ecossistemas.

Neste sentido, a presente coletânea visa contribuir com estas discussões, apresentando

uma reflexão crítica sobre a construção e reconstrução da ideia de ética econômica, liberdade e

proteção do meio ambiente enquanto fatores fundamentais para o desenvolvimento sustentável.

As discussões suscitadas se apresentam como forma de renovação e reflexão do saber jurídico,

construído pela pesquisa acadêmica, demonstrando preocupação com temáticas de base,

filosóficas, de teoria geral do direito, dogmática jurídica, bem como de perspectivas e

projeções que se apresentam em programas de pós-graduação.

Os trabalhos apresentados enfatizam a importância de redefinição de conceitos, do

compartilhamento de responsabilidades entre sociedade civil e Estado e da participação

popular como condição para o desenvolvimento sustentável.

Esta contribuição é o resultado de artigos defendidos no âmbito do Conselho Nacional

de Pesquisa e Pós-Graduação em Direito - CONPEDI e pode interessar a

professores/pesquisadores e discentes da graduação e pós-graduação.

Boa leitura!

Coordenadores do Grupo de Trabalho

Professora Doutora Sandra Mara Maciel de Lima – UNICURITIBA

Professor Doutor Fernando Antonio de Carvalho Dantas – UFG

Professora Doutora Lídia Maria Ribas – UFMS

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A DESVIRTUAÇÃO DA POLÍTICA PELA RACIONALIDADE

ECONÔMICA GLOBAL E SEUS REFLEXOS NA (DES)HUMANIDADE

THE POLITICS DEFORMATION BY GLOBAL ECONOMIC

RACIONALITY AND THE CONSEQUENCES OF (IN)HUMANITY

SUMÁRIO: Considerações iniciais. 1. Formação e expansão do Estado: guerra, identidade nacional, interesses econômicos, mitigação de direitos; 2. Estado e capitalismo: imbricação dos sistemas político e econômico; 3. Soberania, democracia, neoliberalismo e globalização; 4. Perda do poder político do Estado, declínio da participação política; 4.1. A apatia política; 4.2. O silêncio dos políticos, a despolitização do público, a política espetáculo. Considerações finais. Referências. Anexo I.

RESUMO: O presente trabalho propõe uma reflexão crítica sobre a racionalidade econômica neoliberal e subjugadora que, por intermédio da globalização, desvirtua a Política, transformando-a em política de mercado, produzindo desumanidade e marginalização, criando “cidadãos mercadoria” cujo valor se pondera economicamente. A política contemporânea é fruto da racionalidade instrumental econômica e essa vontade de poder econômico distorce a essência do campo político, oculta e inverte a realidade, operando transformações injustas, produzindo condições subumanas e marginalidade social, além de apatia política da população e políticos profissionais dependentes de uma estrutura na qual vale mais quem “ganha” mais.

ABSTRACT: This research proposes a critical reflection of the neoliberal economic rationality that subjugates through globalization and depreciates politics, transforming all the politics relations into a political market and producing inhumanity and marginalization. Therefore creating "goods citizens" whose value is weighted economically. The contemporary politics is the result of economic and instrumental rationality of economic power that changes the political essence into a hidden reality and unjust, inhumane conditions, producing social marginalization and population politically apathy depending on “professionals politicians” into a structure that worths more who "wins" more economically. All this context increases money, but gets death instead of life.

Palavras-chave: globalização; política; apatia; cidadania; democracia.

Key words: globalization; politics; politics; apathy; citizenship; democracy.

CONSIDERAÇÕES INICIAIS

Política é um assunto recorrente em nossas vidas, embora refletir sobre ela tenha se

tornado prática estigmatizada em nossa sociedade. O ditado popular diz que política não se

discute. Não obstante, as relações de poder estão presentes nas inúmeras relações humanas.

Mercia Miranda VasconcellosGuilherme Barbosa da Silva

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Há relação de poder nas relações familiares, nas de trabalho, na escola, entre cônjuges, na

linguagem, na comunicação, enfim, o poder permeia a vida dos seres humanos em

comunidade.

O assunto é instigante, despertando, por isso, interesse em intelectuais, pesquisadores

e na própria sociedade. De fato, a política deve ser refletida por todos, para que amadureça e

liberte o atuar político e a própria comunidade política. Muitos intelectuais refletem sobre as

relações de poder: Foucault, Bobbio, Marx, dentre tantos outros. Não obstante, as reflexões

insertas neste trabalho pautam-se no horizonte crítico que tem como base o pensamento

político inovador, apresentado pelo filósofo Enrique Dussel, um dos principais articuladores

das reflexões sobre a Filosofia política na vertente da Filosofia da Libertação que, a partir do

fim da década de 60 e início da década de 70 constrói um pensamento libertário formulado

desde a realidade de exclusão, de marginalidade de grande parte da humanidade, de negação à

democracia, aos direitos humanos, de negação à vida em todas as suas manifestações.

Nessa esteia, as reflexões não partem de premissas sistêmicas, mas de um “mais

além”, ou seja, das fissuras internas e externas do próprio sistema, buscando um diálogo

crítico com as concepções tradicionais de política, globalização, neoliberalismo. O método

adotado, portanto, na orientação do pensamento do filósofo Enrique Dussel, acrescenta ao

método dialético, momentos anteriores ou exteriores ao sistema, ou seja, ao método dialético,

inclui-se o momento analético, consistente na afirmação da alteridade, da lógica do sistema

vigorante. A construção do raciocínio científico parte de questões não abordadas pela lógica

dos sistemas vigorantes, de negatividades consideradas normais na sistemática da

racionalidade econômica global.

A ação política é essencial para o desenvolvimento da vida em sociedade, não

obstante, o agir totalitário, fundamentado em uma racionalidade instrumental econômica

como essência do poder, acaba por fetichizar o poder, desnaturando-o, vinculando-o a poucas

pessoas distorce a essência do campo político e, por isso, passou a ser um problema de vida e

de morte para a maioria da humanidade. É a vontade de poder – econômico, para o presente

estudo - que distorce a pureza do campo político, oculta a realidade e a inverte, transformando

o povo de servido a servidor e produz condições subumanas em que sobrevive uma boa

parcela da humanidade.

A manifestação do poder – potestas – tem-se mostrado manifestação de dominação,

sem qualquer compromisso com a comunidade política. Os atores políticos usurpam o

exercício do poder, corrompendo-o e instalam um poder autoritário e excludente que se fecha

COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 36 - Sustentabilidade Econômica e Social em Face à Ética e ao Direito

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em si mesmo, bastando-se a si próprio. A vontade de poder é o imperativo categórico para a

dominação, para a alienação que as práticas políticas corrompidas culminam.

A política, embora tenha avançado com conquistas formais, ainda padece de

máculas, idolatria, fetichização do poder, ainda mantém os políticos como intocáveis, donos

do poder, que não precisam responder à comunidade, não precisam se preocupar com as reais

necessidades da comunidade. O Estado torna-se onipresente na figura do seu governante,

como se este fosse fonte da soberania, e usa o poder como dominação. Tal situação cria e

reproduz morte e não vida, além de impedir a construção e vivência de uma cultura política

impeditiva de exercer a cidadania plena.

O Século XXI é o século em que o homem terá de se superar, ser criativo e renovar

suas práticas na sociedade para continuar vivendo. Esse é o desafio do presente trabalho:

instigar a reflexão sob um novo olhar, a partir de fissuras sistêmicas, internas e externas, a fim

de possibilitar novas respostas para as velhas perguntas e problemas da humanidade.

1. Formação e expansão do Estado: guerra, identidade nacional, interesses econômicos, mitigação de direitos

A consolidação do Estado moderno teve a guerra como importante mediação. Os Es-

tados deveriam estar preparados para a guerra a fim de garantir a segurança e soberania. En-

tão, armavam-se, militarizavam-se para aumentar a própria seguridade. Entretanto, ao fazer

isso aumentavam a insegurança dos outros Estados, que também recorriam a armamentos –

inseguridade. Assim, os Estados aptos a dispor recursos para financiar a guerra, bem como

para desenvolver tecnologias bélicas converteram-se em potências políticas, estabelecendo as

regras do jogo político de todo o planeta. Quanto maior os custos e as exigências da guerra,

maior a necessidade dos governantes de negociar com a população e obter o seu apoio.

À medida que a população era envolvida nos preparativos da guerra, começavam a

tomar consciência de pertencer a uma comunidade política e dos direitos e das obrigações que

esse pertencimento poderia implicar. A construção da identidade nacional nasceu do projeto

de aglomerar a gente no interior de um território delimitado, com o propósito de afirmar ou

aumentar o poder do Estado. A guerra, assim, acabou por impulsionar a democracia dentro de

certos países, os direitos, assim como foi um importante instrumento de coerção para negar

não só a democracia, como direitos e princípios democráticos aos países conquistados, coloni-

zados e explorados pelos Estados poderosos.

COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 36 - Sustentabilidade Econômica e Social em Face à Ética e ao Direito

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David Held (1997) afirma que os objetivos da guerra converteram-se gradualmente

em objetivos econômicos, as empresas e conquistas militares conectaram-se com a busca por

vantagens econômicas. A partir do século XVII, as conquistas militares estiveram diretamente

vinculadas ao êxito das empresas econômicas, visto que, para os Estados efetivarem a atuação

militar necessitavam de meios financeiros e quanto maiores fossem as atividades econômicas

desenvolvidas em seus territórios, maiores possibilidades teriam de obter recursos mediante

tarifas, impostos e outros. Assim, durante os séculos XVII e XVIII os Estados absolutistas e

constitucionais foram cimentando firmes ingerências nas atividades da sociedade civil, sendo

que esse impulso provinha, quase sempre, dos compromissos militares.

Subliminarmente a esse processo militar, operava-se a necessidade de regular a eco-

nomia capitalista em desenvolvimento, para que a base econômica do Estado não fosse vulne-

rada. As novas classes sociais surgidas, com o seu poder econômico, aliaram-se aos grupos

políticos dominantes e impulsionaram mudanças no Estado. Assim, no século XIX buscaram

condensar a luta por uma esfera econômica independente e a luta por um governo representa-

tivo. Assim, a luta pelos direitos civis e políticos foi reconstituindo a natureza do Estado –

conduzido ao sistema político democrático liberal - e da economia – conduzido ao sistema de

mercado capitalista.

Os Estados modernos alcançaram a supremacia porque triunfaram na guerra, foram

exitosos economicamente e obtiveram um grau de legitimidade perante sua comunidade e os

demais Estados. Mobilizaram-se de forma efetiva para a guerra, para impulsionar a atividade

econômica – expansão capitalista – e para legitimarem-se.

2. Estado e capitalismo: imbricação dos sistemas político e econômico

O processo de consolidação do Estado e conquista da efetivação da soberania estatal

acabou por criar novos processos históricos a ele imbricados, propiciando novas situações

históricas, tais como o desenvolvimento do mercantilismo em capitalismo e este com suas

várias nuances, trazendo, com isso, novas situações complexas, com reflexos na sociedade e

na política. O capital passou a dominar as relações políticas, sociais e até humanas e a análise

e reflexão econômica passou a comandar a partir de então.

Adam Przeworsky (1995) afirma que o Estado é fundamental para a reprodução do

capitalismo, sistema que exige duas condições para o seu desenvolvimento: acumulação

continuada e legitimação – apoio popular, exigido pelas regras da democracia ou o

consentimento, necessário para evitar ameaças revolucionárias. Entretanto, tais condições/pré-

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requisitos não são mais geradas espontaneamente pelas economias capitalistas. Se não há

condições necessárias para a reprodução do capitalismo e mesmo assim ele se reproduz, é

porque algumas instituições externas ao sistema de produção e troca, portanto, não-

econômicas, geraram as condições necessárias para a manutenção do sistema capitalista -

acumulação e legitimação. Por várias razões, diz Przeworsky, entende que tais instituições são

identificadas como o Estado, afirmando, ainda, que o capitalismo contemporâneo é, de uma

forma ou de outra, “capitalismo de Estado”.

O autor afirma que toda política pública constitui uma tentativa de implementar os

dois requisitos: acumulação e legitimação. O objetivo das instituições estatais é promover a

acumulação e legitimação, e o fazem mediante políticas públicas. As atividades do Estado

estabilizam o sistema capitalista como um todo. Assim, as políticas públicas constituem

“funções”. Quando algumas condições para a acumulação e legitimação estão ausentes e a

reprodução do capitalismo é ameaçada, o Estado desempenha funções pra fornecer as

condições necessárias. “Os capitalistas são dotados de poder público, poder que não pode ser

subjugado por nenhuma instituição formal.” (PRZEWORSKY, 1995, p 57). Assim, a

capacidade do governo estatal passou a circunscrição do capitalismo. Se o mercado gera

“hiatos funcionais”- incapacidade de o mercado garantir a acumulação -, o Estado precisa

intervir; ao intervir, o Estado politiza as relações econômicas: relações de poder substituem

relações de troca – para garantir a acumulação; a politização das relações econômicas leva a

novas crises – de racionalidade, legitimação e motivação.

Quando a estrutura de poder legalmente construída, fundada para a promoção e

realização dos direitos individuais, da dignidade do ser humano, passa a assumir tarefa de

gerenciamento da economia, fica permeada por interesses externos que acabam por conflitar

com os interesses baseados em valores universais fundamento da instituição, exerce funções

contraditórias, pois a necessidade de retirar recursos das relações de mercado conflita com a

de tomar decisões segundo critérios não mercantis, essencial ao Estado.

3. Sistema econômico, soberania, democracia e globalização

Para a continuidade da construção do raciocínio, mister apresentar reflexões sobre a

ingerência do sistema econômico na atualidade em que impera o sistema global no qual o fe-

nômeno da globalização, movimento complexo de difusão, intercâmbio cultural, ampliação de

fronteiras políticas, econômicas, sociais, mudou as estruturas de toda a sociedade, projetando-

se por sobre os mais variados aspectos da vida. Não é um fenômeno exclusivamente econômi-

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co, embora seja clara e inconteste a hipertrofia da dimensão financeira, ou processo único,

mas um processo complexo, contraditório que se reflete na sociedade e até nas relações pesso-

ais de experiência social, irradiando efeitos além do campo econômico, no campo político,

cultural, tecnológico, social, jurídico e até militar, dentre outros. Aliás, praticamente não há

aspecto da vida humana que não seja atingido, de uma forma ou de outra, por esse intercâm-

bio além-fronteiras, de idéias e de bens, causador de crescente interdependência entre os paí-

ses. Favorece uma ruptura da tradição, dentro e fora das fronteiras dos países, cada vez mais

unidos por redes eletrônicas e de comunicação.

Sob o aspecto econômico, a humanidade assiste a uma revolução tecnológica com

aumento de produtividade, com demanda de menor trabalho vivo para um mesmo volume de

mercadoria. Além disso, o capital internacionalizou-se, forçando as economias dependentes a

uma inserção subordinada no mercado internacional. Conglomerados e empresas

transnacionais dominam a maioria da produção, do comércio, da tecnologia e das finanças

internacionais. O mundo dividiu-se em capitalismo avançado e capitalismo dependente,

gerando concentração de renda, pobreza e exclusão.

Para José Eduardo Faria (2002, p. 59) a globalização não é um conceito unívoco, mas

plurívoco e entre os processos mais importantes destacam-se, por exemplo, a crescente

autonomia adquirida pela economia em relação à política; a emergência de novas estruturas

decisórias atuando em tempo real e com alcance planetário; as alterações em andamento nas

condições de competitividade de empresas, setores, regiões, países e continentes; a

transformação do padrão de comércio internacional; a “desnacionalização” dos direitos; a

desterritorialização das formas institucionais e a descentralização das formas políticas do

capitalismo; a uniformização e a padronização das práticas comerciais no plano mundial; a

desregulamentação dos mercados de capitais, a interconexão dos sistemas financeiro e

securitário em escala global; a realocação geográfica dos investimentos produtivos e a

volatilidade dos investimentos especulativos; a unificação dos espaços de reprodução social,

as mudanças ocorridas na divisão internacional do trabalho.

As consequências ultimadas pela globalização são, dentre outras: incorporações de

empresas de capital nacional por empresas transnacionais, devido ao fato daquelas não

suportarem a concorrência destas; contratação de empresas de capital nacional de forma

terceirizada, como forma de estratégia das grandes empresas; pressão de déficits na balança

comercial de países periféricos; dependência de tecnologia de ponta, notadamente a tecnologia

de informação; dependência dos fluxos de capitais voláteis; acentuada penetração de capital

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internacional na economia nacional enfraquecendo o controle da economia nacional pelo

governo federal, desemprego em massa, resultado do processo de modernização dos setores

produtivos que ampliam os níveis de produtividade, com novas tecnologias e sistemas de

gerenciamento, necessitando, cada vez menos, de trabalho humano; economia informal e de

práticas econômicas consideradas crimes; aumento da violência e criminalidade, diante das

tensões sociais em decorrência da crescente exclusão econômica.

Na medida em que a interpenetração das estruturas empresariais, a interconexão dos

sistemas financeiros e a formação dos grandes blocos comerciais regionais convertem-se em

efetivos centros de poder, o sistema político deixa de ser organização da sociedade por ela

própria e, em vez de uma ordem soberanamente produzida, passa-se a ter ordens

crescentemente recebidas dos agentes econômicos. (FARIA, 2002, p. 35). Tais relações

hegemônicas globais são articuladas por um bloco histórico, uma constelação social e política

de forças materiais, institucionais e ideológicas. Esse bloco histórico articula-se em conjunto

de idéias hegemônicas que dão coerência estratégica a seus elementos constitutivos – suas

bases materiais, políticas e ideológicas de articulação. Segundo Alejandro Médici (2004, p.

184):

A globalização sobredetermina todas as áreas de produção e reprodução da vida e, ao fazer isso hierarquiza autoritariamente as necessidades. Sob o véu da ideologia neoliberal hegemônica estão as necessidades da acumulação mundial de capital que subsumem os povos, grupos e classes oprimidas. Os meios, formas e ambientes de vida e satisfação das necessidades, até agora considerados comum, tais como água e a terra, os bens e espaços públicos, como saúde, educação, locais públicos, o conhecimento ancestral das populações indígenas e tradicionais estão submetidos a um processo expansivo que os subsume cada vez mais como mercadorías.1

No entender de José Maria Seco Martinez (2004, p. 157), o sistema econômico

capitalista é um aparato de opressão e dominação:

Certamente o sistema econômico capitalista transforma-se assim em um aparato desproporcional de opressão e de dominação, cujos meios de transmissão são hoje os bancos, os mercados de renda e em geral quantos mecanismos financeiros se estabelecem para asegurar efetivamente a rendabilidade não produtiva. É um sistema opaco, pois, não é transparente, é

1 La globalización sobredetermina todos los espacios de producción y reproducción de la vida y al hacerlo, jerarquiza autoritariamente las necesidades. Bajo el velo de la ideología neoliberal hegemónica se hallan las necesidades de la acumulación mundial de capital a las que se subsumen las de los pueblos, grupos y clases oprimidas. Los medios, formas y entornos de vida y satisfacción de necesidades, hasta ahora considerados comunes, como por ejemplo el agua y la tierra, los bienes y espacios públicos, como la salud, la educación, los lugares públicos, los conocimientos ancestrales de los poblaciones indígenas y tradicionales, están sometidos a um proceso expansivo que los subsume cada vez más como mercancías. (tradução livre - texto original)

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fechado, porque não é livre, que se apropria do imaginário submetendo-o às suas próprias regras, modos e princípios, isto é, o preço, à dívida, à segurança, certeza psicológica, à falsa necessidade e às armadilhas especulativas. E ao desvirtuar ostensivamente a finalidade natural da economía submete a ação dos poderes públicos aos desígnios de uma gestão nebulosa do bem-estar.2

No entender de Alejandro Médici (2004, p. 187-189), a competitividade no mercado

mundial é o critério último da política estatal que justifica o ataque às conquistas sociais. As

pautas de valoração do capital transnacional refletem nas políticas de governo, nas políticas

econômicas. As corporações multinacionais valorizam as liberdades jurídicas, os custos de

produção, a estabilidade política e também o crescimento potencial do mercado de um país.

No que tange às relações internacionais, as organizações internacionais, na medida em que

acertam o marco de pensamento que convém aos interesses do capital exercem influência,

pressão e coação econômica através da gestão do crédito internacional sobre os Estados

nacionais. Podem ser compreendidas, segundo o autor, como “aparatos de hegemonia”,

produto de uma ordem mundial estabelecida que produzem e reproduzem a mesma ordem,

agindo de forma a normatizar, legitimar ideologicamente, cooptar elites dos Estados

periféricos, absorver e funcionalizar as idéias contra-hegemônicas.

As novas forças que operam na ordem mundial são dominadas pela economia

capitalista de cunho neoliberal. As nações formam blocos geopolíticos e celebram acordos,

estabelecendo normas, sobre a organização internacional. A nova economia mundial

dominada pelo sistema financeiro e pelos investimentos à escala global mantém a dependência

econômica: a dependência comercial ocorrida nas importações de produtos de ponta e

exportações de produtos de base, ambas em direção ao capital central; a dependência

financeira materializada pela vinculação ao FMI – Fundo Monetário Internacional –; a

dependência tecnológica ou industrial ensejada na produção de bens não necessários para o

real desenvolvimento, mas que passam a ser necessários pela propaganda massiva vinda do

centro, em outras palavras, por pseudo-necessidades dos países periféricos criadas pelo

capitalismo central.

Na dimensão política da globalização, tem-se a mercantilização das relações sociais

que o mundo vivencia, o processo de modernização que mantém as clássicas estruturas

2 Ciertamente el sistema económico capitalista deviene así em um aparato desproporcionado de opresión y de dominación, cuya correa de transmisión son hoy la banca, los mercados de renta y em general cuantos mecanismos financieros se establecen para el aseguramiento efectivo de la rentabilidad no productiva. Es un sistema opaco,pues no es transparente, y cerrado, porque no es libre, que se apropria del imaginario sometiéndolo a sus propias reglas, modos y principios, esto es, al precio, a la deuda, a la seguridad, a la certidumbre psicológica, a la falsa necesidad y a la trampa especulativa. Y al desvirtuar ostensiblemente la finalidad natural de la economia pliega la acción de los poderes públicos a los designios de una gestión nefeloide del bienestar. (tradução libre – texto original)

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capitalistas da organização estatal, reproduzindo as desigualdades econômicas existentes. O

Neoliberalismo justifica reformas políticas e econômicas que aparentemente visam promover

a liberdade da sociedade civil, mas que, na realidade, ampliam a liberdade dos grandes

agentes internacionais, ao mesmo tempo em que restringem as liberdades públicas em sua

dimensão material, seja pela extrema dificuldade de o Estado conseguir realizar políticas

efetivas, seja pela grande parcela da sociedade, desempregada e marginalizada. (MANCE,

1999, p. 03)

A dinâmica histórica mostra que o Neoliberalismo, politicamente, enfraquece a

capacidade dos governos, principalmente nos países de economia dependente, promovendo

políticas públicas efetivas, enquanto prioriza e assegura a estabilidade das moedas nacionais,

adotando políticas de juro e câmbio que culminam por remunerar o capital financeiro. Agindo

assim, suportam a hegemonia política do Neoliberalismo, causadora de exclusão e vitimação.

Nesse sentido, José Eduardo Faria observa (2002, p. 23):

Nesse novo contexto sócio-econômico, embora em termos formais os Estados continuem a exercer soberanamente sua autoridade nos limites de seu território, em termos substantivos muitos deles já não mais conseguem estabelecer e realizar seus objetivos exclusivamente por si e para si próprios. Em outras palavras, descobrem-se materialmente limitados em sua autonomia decisória. E, conforme o peso relativo de suas respectivas economias nacionais na economia globalizada, a dimensão de seu mercado consumidor, a capacidade de investimento dos capitais privados nacionais, o controle da tecnologia produtiva, a especificidade de suas bases industriais, o grau de modernidade de sua infra-estrutura básica e os níveis de escolaridade e de informação de suas sociedades, já não mais dispõem de condições efetivas para implementar políticas monetária, fiscal, cambial e previdenciária de modo independente, nem para controlar todos os eventos possíveis dentro de sua jurisdição territorial.

As interações mundiais corroem a capacidade do Estado-nação para conduzir com

centralidade a vida política, social e econômica da nação. A soberania dos Estados mais fracos

está ameaçada pelos Estados mais fortes e poderosos, mas, sobretudo, por agências financeiras

internacionais e outros transnacionais privados como empresas multinacionais, impingindo

uma pressão coesa e poderosa. No que diz respeito a países periféricos e semiperiféricos, tais

políticas provocam turbulências nos quadros legais e institucionais como a liberalização do

mercado, privatização de serviços, desregulação do mercado de trabalho, flexibilização

salarial, redução e privatização, ao menos parcial, dos serviços de bem-estar social, reformas

educacionais dirigidas para a formação profissional, mais do que para a construção da

cidadania.

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Todas essas mudanças de retraimento do Estado só podem ser obtidas mediante uma

forte intervenção estatal capaz de por fim à própria regulamentação estatal e criar as normas e

instituições que presidirão ao novo modelo de regulação social. “O Estado tem de intervir para

deixar de intervir, ou seja, tem de regular a sua própria desregulação”. (SANTOS, 2005, p.

38). Diante desse quadro, há uma clara redefinição do Estado, fragilização de sua autoridade,

submissão à pressão dos setores vinculados ao sistema capitalista transnacional para melhorar

e ampliar as condições de competitividade sistêmica no universo global. Há uma clara atuação

de forças impessoais do mercado atuando e afirmando-se sobre as jurisdições territoriais,

tornando, por sua vez, o direito social implausível.

Sob a perspectiva ética, a globalização propõe a iniciativa dos agentes privados em

função de seu interesse particular como conduta que contribui para o bem da coletividade,

diante do fato que o mercado contribui para o indivíduo realizar o seu bem privado e,

realizando esse bem privado, realiza o bem comum. Esse raciocínio permite constatar que,

para o Neoliberalismo, o bem comum é entendido tão somente como a soma de bens

individuais. Entretanto, o individualismo exacerbado, afirmado cada vez mais pela política

neoliberal, acaba por culminar massacre de subjetividades que vão ficando insensíveis ao

sofrimento alheio, por desobrigar os indivíduos de se preocupar com transformações sociais

que visem garantir a cada pessoa as mediações materiais, políticas, educativas que lhe

permitam exercer eticamente sua liberdade e viver com dignidade.

Diante desse quadro, novas formas de associações políticas administram áreas da ativi-

dade transnacional e problemas políticos coletivos, culminando uma clara penetração da polí-

tica externa a realidade interna dos Estados. A globalização mudou as bases de poder, com

uma grande variedade de organizações não governamentais, grupos de pressão transnacionais,

e as características econômicas do sistema internacional, o que afetou a estrutura de elabora-

ção de decisões internas. As questões políticas internas são afetadas pela condicionalidade do

FMI e do Banco mundial, por exemplo. As diretrizes políticas e econômicas impostas por es-

sas organizações solapam a soberania dos Estados e, ainda, podem causar conflitos internos

sérios a ponto de contribuir para a queda de um governo.

Boaventura de Sousa Santos (2010, p.270) afirma a existência da democracia de mer-

cado que tem como suporte o método competitivo e seleção de elites políticas - e as institui-

ções necessárias para o funcionamento desse método. Álvaro de Vita (2004, p. 8/79) aduz que

líderes políticos auto-interessados vêem-se obrigados, em virtude da disputa competitiva do

voto popular, a levar em conta as preferências e interesses de não-líderes, sob pena de não se

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elegerem ou reelegerem. Na democracia competitiva, os interesses políticos dos cidadãos têm

por base o interesse próprio de cada um, assim, o eleitor “compra” ao votar um pacote político

oferecido pelos líderes e partidos políticos com base na “renda de utilidade” – cálculo de

“custo-benefício” - que isso lhe assegurará. Entretanto, tal conduta de escolha é apropriada a

consumidor e não a escolha política, uma vez que as consequências afetam a outros além da-

queles que a fizeram.

A democracia de mercado fica muito longe de realizar a norma de igual proteção de

interesses e preferências individuais e não se justifica moralmente. Para a emancipação seria

necessária uma nova teoria democrática com o objetivo de alargar e aprofundar o campo polí-

tico em todos os espaços estruturais da interação social, ou seja, maior participação política

dos cidadãos na vivência e construção do processo político.

Tomando por base a interessantíssima metáfora do cientista político Joseph Nye, cita-

do por Luciano Martins (2008, p. 190), o cenário atual político seria como um jogo tridimen-

sional de xadrez que consistiria de 03 tabuleiros superpostos, nos quais jogam atores dotados

de recursos de natureza diferente e que apresentam graus variados de concentração ou disper-

são de poder. No tabuleiro de cima (top board) estaria o poder militar, monopolizado pelos

países que possuem armas nucleares e forças convencionais dotadas de armas cada vez mais

sofisticadas. No tabuleiro do meio (middle board) estariam os organismos internacionais, os

centros mundiais de poder – FMI, Banco Mundial, OMC, dentre outros. No tabuleiro de baixo

(botton board) estaria o poder econômico disperso, fora do controle de governos como empre-

sas transnacionais, dentre outros. Nesse jogo tridimensional o jogador deve observar todos os

três tabuleiros, sem deixar de considerar nenhum. Nesse jogo a representação equitativa de-

mocrática não prevalece nas arenas decisórias mundiais, nem locais.

Nessa linha de raciocínio, medidas tomadas pelos governos nacionais não mais afetam

somente a seus cidadãos. As decisões, embora pertençam ao domínio legítimo da autoridade

de um Estado-nação soberano, deve levar em conta a interconexão global e questionar-se

acerca da coerência, da viabilidade e da accountability – responsabilidade – na tomada de de-

cisões. Ainda, quando as decisões são tomadas por organizações como a Comunidade Euro-

peia (CE) e a Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) ou Fundo Monetário Inter-

nacional (FMI) diminuem a presença de decisões ao alcance das maiorias nacionais.

A teoria e a prática democráticas enfrentam, na atualidade, um enorme desafio. A es-

sência da democracia vem sendo desafiada por práticas importantes desenvolvidas ao longo

da história, dentre elas a dinâmica de uma economia mundial que provoca a instabilidade e di-

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ficuldade dentro dos Estados e entre eles e escapa do controle de qualquer comunidade políti-

ca. A teoria democrática esboça-se um complexo quadro de contradições: a economia mundi-

al e o tecido de relações e redes que atravessam as fronteiras nacionais x divergência existente

entre a totalidade daqueles que são afetados pelas decisões políticas e dos que participam para

a sua elaboração – ao menos indiretamente – dentro de um Estado democrático.

4. Perda do poder político do Estado, declínio da participação política

Todas as transformações e ingerências ocasionadas pela racionalidade econômica e

global delineada acima permite afirmar que, no sistema global contemporâneo, os sistemas de

autoridades manifestam-se no interior e além das fronteiras do Estado. O Estado converteu-se

numa arena fragmentada de elaboração de políticas, permeado pelos grupos internacionais –

governamentais e não governamentais - o que implica perda de poder do Estado de definir

suas políticas, de determinar o próprio destino.

Com o vetor do poder direcionado ao sentido econômico, os cidadãos estão perdendo

o espaço da participação política e para conquista e defesa dos direitos inerentes à cidadania.

O poder que, de fato, comanda não é legitimado pela comunidade política. O poder das

autoridades representativas não presta contas a seus representados e sim ao poder de fato ao

qual se submete. Agora sendo a “economia a lei do mundo”, há necessidade de uma

homogeneização das práticas e dos comportamentos. Não há lugar para dissensos, assim, a

divergência da minoria fica sufocada pelo “pensamento único”. A diversidade de opinião não

prevalece e nem é encorajada ante ao ordenamento e unicidade do comando econômico.

A influência decisiva do neoliberalismo na política tem por consequência uma

atuação totalmente antidemocrática em países de regimes democráticos; coloca em risco as

conquistas políticas e jurídicas, em prol do livre mercado. Na medida em que os governos

seguem as diretrizes econômicas da globalização econômica e das políticas neoliberais –

emanadas das empresas transnacionais e organismos internacionais – há o prejuízo para a

democracia, solapando a participação política dos cidadãos e configurando a perda das

conquistas de vários anos de lutas e conquistas sociais.

Em vez de os representantes agirem em nome do povo, com o consentimento dos

governados, agem sem o consentimento desses, ou melhor, agem com o consentimento sem

consentimento, em consequência da restrição à participação popular na esfera pública, face à

globalização e ao Neoliberalismo conforme ensina Noam Chomsky (2002). Democracia e

livre mercado não combinam. As grandes empresas apresentam-se como salvadoras dos

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lugares, como indispensáveis porque aportes da modernidade e do emprego e ameaçam ir

embora quando o poder público não atende aos seus reclamos. Há o esvaziamento do poder,

há a mitigação da democracia, eis que os cidadãos são tolhidos de sua participação no destino

da sociedade que se “afina” com os interesses privados e exigências dos grandes organismos

internacionais ou de empresas transnacionais.

Milton Santos (2001, p. 68/69), nessa mesma linha de pensamento, afirma:

“Assim, o poder público passa a ser subordinado, compelido, arrastado. À medida que se impõe esse nexo das grandes empresas, instala-se a semente da ingovernabilidade (...). À medida que os institutos encarregados de cuidar do interesse geral são enfraquecidos, com o abandono da noção de prática de solidariedade, estamos, pelo menos a médio prazo, produzindo precondições da fragmentação e da desordem (...) ”.

O altíssimo custo social decorrente dessa prática nefasta não pode ser legitimado em

qualquer democracia. A participação, em vez de ser da comunidade política é da esfera

privada. A esfera pública sujeita-se à privada, esvaziando-se,sucumbindo aos interesses de

uma racionalidade econômica selvagem e perniciosa. As novas elites orgânicas formam

verdadeiros “governos privados”, ilegítimos e antidemocráticos.

Esse sistema de perversidade inclui a morte da Política, uma vez que a condução do

processo político passa a ser atributo das grandes empresas. Acrescido a isso, o processo de

conformação da opinião pelas mídias e a formação do pensamento único, em substituição do

debate político. O resultado é uma ação hegemônico perversa, irresponsável, com a produção

“natural” da desordem e a construção de uma democracia de mercado. “A vida normal de

todos os dias está sujeita a uma violência estrutural, mãe de todas as outras violências”

(Milton Santos, 2001, p. 60-61).

4.1. A apatia política

O declínio da Política imposto pelo sistema fundado na racionalidade econômica que

cria uma política conduzida por interesses econômicos acaba por solapar a cidadania e todos

os direitos políticos conquistados, regulamentados e exercidos pelos cidadãos de um

determinado espaço geográfico. Quando surge o cidadão? Basicamente, quando indivíduos

vinculados por múltiplos laços de interdependência supõem que suas prerrogativas políticas

estão incorporadas na normatividade estatal e as pratica segundo seu entendimento. Trata-se

de uma eficiência entre a vida civil e a maneira de projetá-la como vida política, como vida

compartilhada e gerida com outros (LINERA, 2010, p. 99).

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Entretanto, o princípio da cidadania, no contexto político atual, reside

exclusivamente no exercício do voto. Qualquer outra forma de participação política é excluída

ou desencorajada. A participação política do cidadão reduz-se ao exercício do direito do voto,

cuja realização restringe-se a escassos minutos. Durante o resto dos meses ou anos entre um

voto e outro o votante não tem faculdades políticas para gerir ou mudar a decisão tomada.

“Nesse caso, temos o que o tempo democrático da vida social se restringe a sua mínima

expressão, ao passo que o tempo da arbitrariedade estatal se amplia em termos absolutos

(LINERA, 2010, p. 110).

Boaventura de Sousa Santos (2010, p. 240-250) afirma que no capitalismo há uma

forma de associação “especial” segundo a qual a formação da vontade assenta-se na exclusão

da participação da esmagadora maioria dos da associação “participam”. Assim, a sociedade

civil converte-se em “domínio privado”. “A representação democrática perdeu o contato com

os anseios e necessidades da população representada e fez-se refém dos interesses

corporativos poderosos. Com isto, os cidadãos alhearam-se da representação sem, no entanto,

terem desenvolvidos novas formas de participação política, exercitáveis em áreas políticas

novas e mais amplas.

Nesse contexto, os cidadãos alijados de seu direito fundamental de cidadania e

vendo-se ultrajados em suas necessidades e aspirações, constatando a usurpação do poder

político pelos interesses privados do mercado, com um profundo sentimento de “impotência”

no plano político-participativo, conscientes das poderosas forças globais de poder tornam-se

apáticos politicamente. A cidadania fica essencialmente esquecida, sustentada por uma casca

formal do direito/obrigação ao voto e nada mais. Não há participação, não há

responsabilização das ações de seus representantes perante o povo soberano. As decisões

políticas são tomadas em função do apelo consumista do mundo globalizado.

Numa época de crise de confiança no Estado e no bem público, há duas

consequências: entre os dirigentes – corrupção e desrespeito a coisa pública e entre os

dominados – repulsão ao Estado que também acaba não pedindo nada, além de contribuições

materiais obrigatórias. Não há devotamento e tampouco entusiasmo. Essa apatia favorece a

visão de que os cidadãos são meros consumidores, a opinião pública pode se transformar em

consumo de programas e a defesa dos indivíduos pode se transformar em meros

particularismos, sem a mínima preocupação com o bem-estar social.

O resultado é uma sociedade fragmentada com indivíduos desengajados, que aceitam

o engajamento motivados por interesses escusos e particulares. Essa condição de consumidor,

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internalizada pelo cidadão, é uma subversão a muitas conquistas políticas obtidas no decorrer

do evoluir histórico. Perdem-se os sentimentos de solidariedade, de pertencimento a uma

nação, identidade dentro de um espaço territorial, solidificam-se comportamentos

individualistas, egoístas e de apatia política, o que acaba por permitir as “mazelas” como

“fenômeno natural” sem o devido debate político, isso porque a apatia permite a formação de

um pensamento único, dominante, porém definido pelo interesse de um conjunto de forças

econômicas, especialmente a do capital internacional e imposto a toda uma coletividade, sem

o devido consentimento e debate.

O isolamento do cidadão destrói a capacidade política e a faculdade de agir. A

ruptura da vida pública ocorrida pelo isolamento promove desolação e exacerba o

desenraizamento do homem e seus relacionamentos sociais, dificultando o pensamento e a

ação. Os cidadãos não adquirem a autonomia necessária para atuarem de forma consciente na

construção política da sociedade em que vivem. No entender de Alvaro Garcia Linera(2010,

p. 112):

A moderna cidadania é, descaradamente, uma cidadania irresponsável, na medida em que o exercício dos direitos políticos é simplesmente uma cerimônia de renúncia da vontade política, da vontade de governar, para depositá-la nas mãos de uma nova casta de proprietários privados da política, que se atribui o conhecimento das sofisticadas e impenetráveis técnicas do mando e do governo (...) Assim, o que se tenta chamar de cidadão é uma individualidade abstrata, uma consciência submissa guiada pelos preceitos mercantis do regateio monetário de sua soberania.

As formas de participação são impulsionadas, basicamente, por dois recursos políticos:

intensidade de preferência e dinheiro. A minoria privilegiada, com preferências intensas com

respeito às decisões políticas, dispõem-se a pagar o custo da comunicação política que podem

ter êxito em convencer os eleitores insuficientemente informados de que as propostas - da

minoria - são aquelas que melhor correspondem às preferências desses eleitores. “Eleitores

desinformados podem adotar crenças que favorecem, não seus próprios interesses,e sim os

interesses de lobbies e minorias politicamente ativas” (de VITA, 2004, p. 83)

4.2. O silêncio dos políticos, a despolitização do público, a política espetáculo

A profissionalização da política e as condições exigidas daqueles que querem fazer

carreira nos partidos excluem personalidades inspiradas. Pierre Bordieu (2010) faz menção ao

“silêncio dos políticos” que carecem de ideais mobilizadores. Em acréscimo a isso, tem-se a

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política entendida sob a racionalidade econômica, com uma visão de gestão e autogestão,

aprendida nas escolas de ciências políticas. Política economicamente legitimada é a que se

busca fazer.

Dentre vários resultados que se podem extrair da globalização e da racionalidade

econômica que permeia todo o substrato global, um dos mais notáveis e tristes é o

encerramento dos cidadãos na intimidade individual, enquanto a iniciativa política é

monopolizada por políticos profissionais. O público despolitiza-se até converter-se em um

imenso mercado que, dentre suas mercadorias, oferece “personalidades” políticas com as

quais as massas podem identificar-se e, por isso, votar, conservando o controle privado do

poder. Ao mesmo tempo, a profissionalização transforma a política em uma “política-

espetáculo” que se perfaz em uma sociedade domesticada pela propaganda do espectador-

mercado (DUSSEL, 2011, p.135/136).

“A política agora é feita no mercado” (SANTOS, 2010, p. 255) sendo que o mercado

não é ator, mas um símbolo, uma ideologia, é um ente quase metafísico. Os atores são as

grandes empresas, empresas globais que não têm preocupações éticas nem finalísticas. A

Política transforma-se em um mercado político, no qual os consumidores procuram os

produtos que lhes convêm.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Após a reflexão acima, resta claro que a racionalidade econômica está inserida em

todas as dimensões do poder e do viver da (des)humanidade global. A ignorância da popula-

ção sobre a realidade atual, histórica e econômica enfraquece a luta contra esse imperialismo

global e econômico absolutamente desumano. O monopólio do dinheiro mediante a hegemo-

nia do capital financeiro produz todos os outros monopólios, inclusive o político. Cidadãos

foram expropriados de seu poder político, ao passo que seus representantes tornaram-se “pro-

fissionais da democracia de mercado”. Ainda, os Estados sucumbem às pressões das institui-

ções particulares produzindo políticas particulares, deixando a comunidade política em situa-

ções precárias.

Não se acredita mais na política, a desesperança reina nos corações e mentes dos ci-

dadãos que se sentem impotentes diante de tanta desvirtuação e irresponsabilidade politiquei-

ra. Os cidadãos já não se mobilizam mais e são tomados pela apatia, ao passo que os políticos,

agora profissionais, sem espaço para aqueles que realmente sejam comprometidos, fazem a

política do “quem dá mais” e quem ganha mais, sem comprometer-se com a comunidade polí-

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tica, fonte real do poder político. O sistema de oferta e procura é dissimulado em demandas

sociais.

As ações no campo político subsumem-se a princípios econômicos e não éticos, a de-

mocracia é movida por uma racionalidade econômica instrumental, sustentada por um ordena-

mento político corrompido e por um ordenamento jurídico garantidor dos interesses de uma

minoria representada pelo poder econômico.A política “de mercado” massacra a cidadania,

convertida em mercadoria.

É preciso encontrar alternativas positivas a partir dessa situação de negatividade, a

partir da não-factibilidade3, da impossibilidade de realização positiva do sistema, é necessário

destruir o que limita a dignidade e intervir criativa e qualitativamente na história da

humanidade, negando o que exclui e anunciando a libertação – utopia possível a partir da

construção da consciência crítica e do exercício da racionalidade ético-crítica, em substituição

a racionalidade instrumental.

A mudança necessária não é somente o rompimento de cadeias, a readequação de

discursos pré-existentes, a exigência de abertura no sistema, a reestruturação de instituições

políticas consolidadas, mas ruptura com a desumanização e a esta se deve seguir o

desenvolvimento de possibilidades positivas da vida humana – transformação.

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3 Termo que indica o contrário da factibilidade, categoria ética utilizada por Enrique Dusse para indicar um dos três momentos de fundamento da Ética da Libertação: material, formal, factível, e que sugere a escolha de mediações adequadas e eficazes para a realização de determinados fins.

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ECONOMIA E MEIO AMBIENTE: CONTRIBUIÇÕES DE AMARTYA SEN À

ÉTICA DO DESENVOLVIMENTO E SUSTENTABILIDADE

ECONOMIA Y MEDIO AMBIENTE: CONTRIBUCIONES DE AMARTYA SEN A

LA ÉTICA DEL DESARROLLO Y SUSTENTABILIDAD

Sérgio Rodrigo Martinez1 Danielle de Ouro Mamed2

RESUMO: Amartya Sen, ao analisar assuntos relacionados à economia do bem-estar, estabeleceu novos aportes interdisciplinares para a noção de desenvolvimento e sustentabilidade. Tais aportes acabam por refletirem-se em diversos campos do saber, interessando, para o presente trabalho, as influências de seu pensamento sobre os direitos humanos, economia, desenvolvimento sustentável e liberdade. Trazer o conhecimento de Amartya Sen (de forma amparada por outros autores que trabalham na mesma linha) para os ambientes de pesquisa do Direito poderá permitir transcender as esferas de compreensão do fenômeno do Estado Social e sua produção do bem-estar coletivo. O presente ensaio busca destacar em quais pontos a contribuição de Amartya Sen colabora para tanto, associando-se ao seu pensamento à construção e reconstrução da ideia da ética econômica, liberdade e proteção do meio ambiente enquanto fatores fundamentais para o desenvolvimento e sustentabilidade.

PALAVRAS-CHAVE: Direitos Humanos; Meio ambiente; Economia; Ética do desenvolvimento e sustentabilidade; Amartya Sen.

RESUMEN: Amartya Sen, analizando a los temas relacionados a la economía del bienestar, ha establecido nuevos paradigmas interdisciplinarios para la noción de desarrollo y sustentabilidad. Dichos paradigmas terminan por reflejarse en diversos ámbitos del saber, interesando para el presente trabajo las influencias de su pensamiento sobre los derechos humanos, economía, desarrollo sostenible y libertad. Llevar el conocimiento de Amartya Sen (de forma basada por otros autores que trabajan en la misma idea) para los ambientes de investigación del Derecho podrá permitir trascender a las esferas de comprensión del fenómeno del Estado Social y su producción del bienestar colectivo. El presente artículo busca destacar en cuales puntos la contribución de Amartya Sen colabora, asociándose a su pensamiento la construcción y reconstrucción de la idea ética economica, libertad y protección del medioambiente como elementos fundamentales para el desarrollo y sustentabilidad.

PALABRAS-CLAVE: Derechos humanos; Medio ambiente; Economía; Ética del desarrollo y sustentabilidad; Amartya Sen.

1 Estágio Pós-doutoral pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR). Doutor em Direito das Relações Sociais pela Universidade Federal do Paraná (UFPR). Professor Associado da Universidade Estadual do Oeste do Paraná (UNIOESTE) e Professor Especial Stricto Sensu da UNOCHAPECÓ. 2 Doutoranda em Direito Econômico e Socioambiental pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR) com bolsa pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Amazonas (FAPEAM). Mestre em Direito Ambiental e Graduada em Direito pela Universidade do Estado do Amazonas (UEA).

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INTRODUÇÃO

O indiano Amartya Sen, ao trabalhar as questões de desenvolvimento, relacionando-as

à economia do bem-estar, estabeleceu novos aportes interdisciplinares para as questões do

desenvolvimento social, com reflexos latentes em matéria de direitos humanos,

sustentabilidade e meio ambiente.

O marco teórico em estudo norteará, no presente artigo, a discussão que se pretende

problematizar a respeito da reformulação conceitual, contida em suas obras, referida ao ideal

em torno da ética do desenvolvimento, de forma a que seja possível trabalhar com a interface

entre direitos (sob uma perspectiva crítica), economia e desenvolvimento sustentável,

concomitantemente com seu diálogo com outros autores, que possuem bases ideológicas e

criticidade análogas às de Amartya Sen.

Como será possível observar, o pensamento de Amartya Sen pauta-se na ideia central

de que o desenvolvimento deva ser medido segundo o nível de liberdades qualificadas, das

quais as pessoas desfrutam, enriquecendo, por via de consequência, a discussão sobre o

conceito de sustentabilidade. Nesse sentido, buscar-se-á demonstrar os benefícios de

introduzir o pensamento de Amartya Sen ao Direito e, especialmente, em áreas tão ligadas às

questões desenvolvimentistas, transcendendo as esferas de compreensão tradicional do papel

econômico do Estado e inovando na busca pela produção do bem-estar coletivo, ao destacar

conceitos de ética e liberdade enquanto fatores fundamentais para o desenvolvimento. Assim,

será possível observar a relevância do papel da ética e da liberdade na construção da

sustentabilidade, a partir das necessidades das pessoas, permitindo que estas atinjam o que

Sen chama de “condição de agente”.

É, portanto, sob a ótica do autor, que pretende caminhar o presente artigo, de forma a

contribuir com a temática da economia e meio ambiente na construção do ideal do

desenvolvimento sustentável, em prol da construção de uma racionalidade que preze pela

consideração da complexidade das relações do ser humano para com a natureza.

O artigo é dividido em dois capítulos, sendo o primeiro voltado à construção da

evolução histórica do conceito de direitos humanos e sua relação com a ética e a economia; e

o segundo capítulo voltado ao enfrentamento das contribuições de Amartya Sen ao tema do

desenvolvimento e da sustentabilidade.

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1 ECONOMIA E MEIO AMBIENTE: construções e reconstruções a partir dos direitos

humanos

Para tratar as questões relacionadas aos direitos humanos e à proteção ambiental,

primeiramente, importa explicitar como tais conquistas foram acontecendo nos âmbitos

sociais e jurídicos, a fim de que seja possível, posteriormente, relacionar tais direitos à

construção dos conceitos de desenvolvimento sustentável e governança ambiental pelo

exercício da condição de agente, na perspectiva de Amartya Sen.

A evolução dos sistemas jurídicos para o paulatino reconhecimento de direitos

acompanhou a racionalidade científica que norteou o desenvolvimento do Estado

Constitucional, garantidor de direitos e deveres em face do Estado. Especificamente, nesta

evolução, importa ao presente estudo, a construção paralela de duas categorias de direitos: os

direitos humanos e os direitos relacionados à proteção do meio ambiente, sendo que estes dois

eixos possuem a peculiaridade de disporem de um acentuado destaque nas discussões no

campo internacional (TRINDADE, 1993, p. 39), refletindo a gigante proporção que estas

questões tomaram.

Loureiro (2005, p. 136-139) explica que esse processo de reconhecimento dos direitos

humanos se deu juntamente com a evolução do Estado Constitucional Moderno, que pode ser

atribuída a três fases principais: Estado Liberal, Estado Social Liberal e Estado Neoliberal.

Em relação à primeira fase, há que se salientar que a mesma foi constituindo-se em

oposição ao Estado Absolutista, encabeçada pelos movimentos de independência norte-

americanos e pelas revoluções burguesas, momento no qual se notou um severo combate à

ausência dos limites do poder estatal em face das pessoas. Este momento possui grande

relevância, uma vez que deflagrou o reconhecimento paulatino de direitos e garantias

individuais (LOUREIRO, 2005, p. 137). Inclusive, o foco neste tipo de direito, segundo

Carlos Frederico Marés de Souza Filho, propiciou com que o sistema jurídico brasileiro fosse

precipuamente embasado na tradição civilista que tem como objetivo o protecionismo da

propriedade privada, fundado no contrato e nos direitos individuais (SOUZA FILHO, 2009).

Por sua vez, durante a segunda fase de evolução do Estado Constitucional, nota-se que

o parâmetro de direitos puramente individuais defendidos na primeira fase (liberdade e

propriedade, precipuamente), passa a ser acompanhado pela ideia de igualdade jurídica,

combatendo-se os problemas de desigualdades sociais. Essa segunda fase, corresponde à

superação do modelo econômico liberal que, ao invés de trazer igualdade de oportunidades,

gerou a acumulação de capitais nas mãos de uma pequena minoria com a consolidação da

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Revolução Industrial, o que acabou culminando os movimentos sociais que se apoiaram nas

ideias marxistas, prenunciadas na segunda fase, para contrapor os males ocasionados pela

forma de produção econômica excludente do período (LOUREIRO, 2005, p. 137-138).

Esses movimentos e a crise econômica mundial de 1929 contribuíram para provocar

mudanças no modelo econômico e estatal, de forma que o modelo de Estado foi evoluindo até

o advento do chamado Estado Social, que se estruturou após a Primeira Guerra, quando foram

introduzidos dois novos grupos de direitos fundamentais: os sociais e os econômicos.

Nota-se então, que em meados do século XX, o Estado Liberal Clássico dá lugar ao

modelo do Estado de Bem-Estar Social, por meio da assunção estatal da garantia dos direitos

socioeconômicos, observando-se que tais direitos deveriam apresentar-se indissolúveis e

deveriam ser assegurados. Novos valores econômicos, sociais e culturais passariam a compor

as bases desse modelo de Estado e representariam o alargamento da noção de direitos

humanos no período.

Esse modelo sofre um viés na década de 80 do século XX, pela égide do Estado

Neoliberal, que repagina as forças ainda presentes do Estado Liberal Clássico e preconizava a

acumulação de riquezas para posterior distribuição, além de prever a diminuição da estrutura

estatal, por meio das privatizações e da redução da assistência social, em prol do capital

privado: O que desejam e pretendem (os neoliberais), em face da crise contemporânea da ordem do capital, é erradicar mecanismos reguladores que contenham qualquer componente democrática de controle do movimento de capital. O que desejam e pretendem não é reduzir a intervenção do Estado, mas encontrar as condições ótimas (hoje só possíveis com o estreitamento das instituições democráticas) para direcioná-la segundo seus interesses particulares de classe (NETTO, 2001, p. 81).

O impacto social desse modelo se fez mais intenso nos países periféricos, haja vista a

redução das funções do Estado que ocorreu na contramão das necessidades sociais que

careciam de tutela estatal.

Nesse sentido, ao se observar a evolução do Estado ocorrida no século XX, há que se

ressaltar que a consolidação da noção de direitos humanos (em termos internacionais) esteve

nitidamente voltada à questão econômica do papel do Estado, com o predomínio da lógica do

social centrada no período posterior à Segunda Guerra Mundial (PIOVESAN, 2012, p. 183).

Essa construção histórica denota um movimento diametralmente oposto à manutenção

do modelo que propiciou os horrores verificados durante a guerra. O Estado Social, portanto,

acaba surgindo enquanto resposta aos tempos de guerra, em que o mesmo ente (cuja

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construção se dava no sentido de tornar possível a convivência humana) aparecia como o

maior violador da condição do ser humano (PIOVESAN, 2012, p. 184).

Assim, na aura do pós-guerra que nasce a tentativa de uma nova racionalidade,

pautada no ideal social de reconstrução dos direitos humanos, agregando-se, juntamente, a

ideia de que tais direitos não estão adstritos a um só Estado, mas que possuem interesse

internacional (PIOVESAN, 2010, p. 185).

No entanto, com a nova inversão que iria ocorrer ao final do século XX, quando

começa a tomar forma a lógica neoliberal, os direitos humanos perdem destaque em face do

apelo econômico internacional. Nesse momento, ganha força o desenvolvimento da

globalização do capital, em busca de condições adequadas à maximização internacional de

lucros, o que se reflete diretamente na acentuação das violações dos direitos humanos e da

degradação ambiental mundial.

Sanchez Rubio (2011, p. 124-125), pelo viés da teoria crítica dos direitos humanos

comprova como “em nome da eficiência, da obtenção do máximo benefício ou de riqueza, do

respeito absoluto à propriedade privada e etc., se está destruindo sistematicamente aos seres

humanos e às bases da vida de todo o planeta, como a máxima frieza e, inclusive, com

consciência” (tradução livre). Um exemplo citado pelo autor, nesse sentido, remete ao

sistemático aniquilamento de povos e de muitas vidas humanas, utilizando-se como

justificativa a necessidade de sempre conseguir novos níveis de "desenvolvimento

econômico".

É a partir desses pressupostos, de estruturação econômica e social, construídos

historicamente que se situa inicialmente o pensamento crítico de Amartya Sen, quando trata

das contradições do Estado Neoliberal, como garantidor de direitos e ao mesmo tempo

incentivador da acumulação de capitais. Sobre o tema, Sen e Kliksberg (2010, p. 155) citam o

exemplo da América Latina, defendendo que a desigualdade na região é agravada pela má

distribuição de renda, o que explicaria, inclusive, estas contradições a que o autor se refere,

pois, se a pobreza fosse diminuída pela metade, o mercado duplicaria de tamanho. Para

subsidiar esta constatação, o autor cita estudos da CEPAL, IPEA e PNUD que demonstram o

impacto econômico positivo que ocorre quando a ação estatal é dirigida à diminuição da

desigualdade.

Nesse sentido, economia e direitos humanos e sociais seriam polos complementares,

não opostos, como acentua o Neoliberalismo. Ao serem observados na mesma linha de

possibilidades, permitiriam a substituição do ideal desenvolvimentista acumulativo.

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Surge então, uma nova racionalidade na busca pelo equilíbrio entre direitos humanos e

economia, Sen defende a dimensão ética como norteadora do estabelecimento de direitos. O

autor, em sua obra “Sobre ética e economia” (1999), diagnostica a crise havida em

decorrência da evidente separação da economia em face das questões éticas. Do conjunto da

obra de Amartya Sem depreende-se que a influência da ética na economia e a consideração

dos fatores econômicos nas discussões éticas são fundamentais para o desenvolvimento da

sociedade e dos indivíduos que a compõem.

Isso não quer dizer que nos embates entre direitos humanos, meio ambiente e

desenvolvimento, não haverá questões em que economia e ética entrarão em conflito, mas

uma nova racionalidade para as soluções é que demandarão dos profissionais um novo olhar

para questão da sustentabilidade humana.

Sen (1999, p. 32) critica, veementemente, a forma de pensamento unicamente

autointeressada, a nortear as atividades econômicas e constituir a chamada economia do bem-

estar voltada, ao hedonismo individualista somente. Trata-se de um grande erro da lógica

econômica neoliberal: ainda que não seja possível uma sociedade que somente preze pelos

interesses individuais, tampouco se aceitaria que os interesses individuais se sobrepusessem

às necessidades coletivas.

Deve-se reconhecer essas dicotomias entre ética e economia, que oscilam nos campos

do individualismo contra o coletivismo, evitando-se o sofisma da vitória hegemônica da

racionalidade autointeressada: “o egoísmo universal como uma realidade pode muito bem ser

falso, mas o egoísmo universal como um requisito da racionalidade é patentemente um

absurdo” (SEN, 1999, p. 32).

As saídas apontadas, contra o ideal individualista enaltecido, como se observará, terão

reflexos diretos nas questões humanas e ambientais. Uma delas é o fundamento na ética, que

deveria reger as escolhas humanas e as questões logísticas, ou seja, seria a dimensão ética

quem deveria determinar como as necessidades/utilidades humanas deveriam ser satisfeitas. A

outra saída apontada é a econômica, que deverá ser aquela pautada na logística sustentável das

coisas, considerando-se a ordem humanitária pela qual se deve valorizar as atividades

econômicas (SEN, 1999, p. 20).

Mostra-se patente na obra de Sen o destaque que assume essas saídas para a

sustentabilidade na teoria econômica. Não se pode deixar de lado os aspectos éticos, sob pena

de cair-se no reducionismo da noção utilitarista e autointeressada das relações humanas, que,

em nome do lucro máximo da racionalidade capitalista, acaba por desconsiderar a primazia

pela qualidade de vida, saúde humana e sua relação direta com a questão ambiental.

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Portanto, analogamente a outros pensamentos críticos dos conceitos de

desenvolvimento, economia, ética e sustentabilidade, Amartya Sen busca desenhar caminhos

alternativos para pensá-los, de forma mais coerente em relação às reais necessidades humanas

e sua consequente relação com o meio.

O que se nota nesta racionalidade é uma tentativa de resgate da importância da

condição humana na realidade econômica que a cerca, utilizando-se do paradigma da

complexidade para o tratamento das questões socioambientais. Essa mudança de paradigma e

reconstrução de conceitos sugeridas por Sen é bem explicitada por Sanchez Rubio:

Atualmente estamos experimentando processos sociopolíticos e socioeconômicos de transformação e reestruturação do capitalismo dentro de um contexto de globalidade do mundo estruturado por diferentes expressões que lhes dão distintos conteúdos [...]. Esta realidade afeta radicalmente o papel, a funcionalidade e o alcance do direito positivo tanto em seu âmbito interno, quanto em sua relação externa com outras manifestações de exercício do poder, de construir realidades e de criar normatividades (fenômenos de pluralidade normativa). (RUBIO, 2011, p. 26) [tradução livre].

A necessidade de reconstrução de conceitos, no que tange aos direitos humanos,

conforme destaca Rubio, advém de seus aspectos negativos no que se refere à construção

conceitual de forte dimensão e carga cultural “eurocêntrica”: a ideia de direitos humanos

oficialmente aceita, além de provocar certa passividade e indolência, consolida a separação

entre teoria e prática, parte de um imaginário circunscrito ao imaginário ocidental, que pode

mostrar-se individualista e excludente (RUBIO, 2011, p. 45).

Nesse sentido, a construção do conceito de sustentabilidade segue historicamente a

lógica da sociedade ocidental de construção da inviolabilidade individual do sujeito, num

contexto a posteriori dos nefastos efeitos das Guerras Mundiais. Não se pretende dizer que

esta construção individual dos direitos humanos é negativa, pelo contrário, ela representa um

grande avanço para a salvaguarda da vida. O que se pretende destacar é que essa noção

individual, muita afeita ao lema da autointeressado do viver não é suficiente para a

complexidade do alcance do conceito de sustentabilidade, já que quando se trata de qualidade

de vida e interesses difusos, requer-se uma racionalidade para além do mero alcance da

temática do indivíduo.

Para esse fim holístico do conceito de sustentabilidade, a racionalidade moderna e

“eurocêntrica” predominante é insuficiente. Daí a observável cultura do desrespeito às

peculiaridades ambientais que, em certos círculos jurídicos de pensamento individualista,

ainda considera como coisas de ninguém (res nullius) o ambiente.

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Com observa Cançado Trindade (1993, p. 23), tradicionalmente, essas duas

problemáticas (direitos humanos e meio ambiente), foram estudadas de forma separada,

quando, na verdade, urge o seu tratamento conjunto, tendo em vista que esses dois eixos,

constituem o grande desafio do tempo presente, o que seria patentemente atestado pela grande

mobilização internacional que os envolve (TRINDADE, 1993, p. 23).

A preocupação generalizada com a questão da sustentabilidade é tamanha que é

possível observar, no que tange à globalização das relações humanas e seus direitos, a

tendência ao intenso debate sobre os efeitos econômicos futuros dos problemas

socioambientais mundiais, pois a crise do meio ambiente não está mais restrita a determinado

país ou região, ao contrário, “há que se pensar no alcance maior, no planeta Terra, nos danos e

soluções passíveis de atingir a tudo o que é vivo e que viverá futuramente, daí, a proposição

de Estado Ambiental Mundial” (MARTINEZ, 2009, p. 20).

Saliente-se que a globalização do debate e da preocupação econômica e ambiental não

deve significar a homogeneização ou redução da questão, de modo que se torna necessário

tratar com a devida complexidade os temas relacionados a direitos humanos, meio ambiente e

ética do desenvolvimento, uma vez que estão intrinsecamente relacionados:

Reduzir o conhecimento do complexo ao de um de seus elementos, considerado como o mais significativo, tem consequências piores em ética do que em conhecimento físico. Entretanto, tanto é o modo de pensar dominante, redutor e simplificador, aliado aos mecanismos de incompreensão, que termina a redução da personalidade, múltipla por natureza, a um único de seus traços. (MORIN, 2002, p. 98)

A complexidade demonstra que a contextualização sistêmica é o caminho mais

adequado à ética das coisas. Logo, a questão da sustentabilidade não pode ser pensada sobre

focos reducionistas, sob pena de que sejam cometidos verdadeiros genocídios socioculturais,

como aqueles citados por Diegues (1999), ao comentar os modelos reducionistas norte-

americanos de espaços naturais sem seres humanos, para construir-se um “paraíso intocado”.

Desta forma, o pensamento de Sen parece ser o caminho adequado, ao reconhecer a

interdependência entre os temas da economia e da ética; a necessidade de observância das

peculiaridades do contexto analisado e o compromisso de respeitar as nuances diversas da

vida e da condição de ser humano. Observar tais aspectos não constitui uma tarefa fácil, mas

mostra-se necessária essa tentativa a fim de minimizar os malefícios desenvolvidos no tempo

presente por conta de uma ótica distorcida a respeito do desenvolvimento, das pessoas e da

sustentabilidade.

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2 DESENVOLVIMENTO, CONDIÇÃO HUMANA O EXERCÍCIO DA LIBERDADE

PELA CONDIÇÃO DE AGENTE: governança ambiental para a efetivação da

sustentabilidade

A crise ambiental, a exemplo do que sustentam estudiosos do tema numa perspectiva

holística3, reflete além das degradações ao meio ambiente natural, a falência da forma de

conduta econômica em face dos recursos naturais. Enrique Leff, a esse respeito, sustenta que,

pela primeira vez, a crise ecológica não é resultado de uma transformação natural, pois

envolve transformações de natureza metafísica, filosófica, ética, científica e tecnológica. Para

o autor, a solução para referida crise passa pelo questionamento epistemológico do

pensamento pautado nos pilares da uniformidade e homogeneidade. Trata-se de um repensar

das transformações do meio ambiente numa perspectiva complexa, considerando os

conhecimentos e saberes arraigados também nas cosmologias, mitologias, ideologias e

saberes práticos que compõem a civilização contemporânea (LEFF, 2002, p. 194-196).

Seguindo a mesma linha, François Ost argumenta em torno da “crise de vínculo e a

crise do limite: uma crise de paradigma, sem dúvida. Por um lado, a crise do vínculo

consistiria em que o ser humano já não consegue discernir o que o liga ao animal, ao que tem

vida, à natureza. Por outro lado, a crise do limite prenunciaria que já não se consegue

discernir o ser humano da própria natureza, além da identificação da capacidade do planeta

para recompor-se da ação entrópica (OST, 1985, p. 8-9). A ideia do autor inspira a reflexão

sobre o tratamento do ser humano para com seu meio natural deva voltar-se à introspecção, no

sentido de discernir na racionalidade humana o seu lugar no planeta e sua função para a

possibilidade de uma existência saudável.

Em face das proporções dessa crise ambiental nota-se o surgimento de algumas

alternativas para combatê-la e para resgatar valores relacionados à defesa da vida. Dentre tais

alternativas, domina a via do chamado desenvolvimento sustentável.4 Essa via defende a

necessidade de se buscar formas de efetivar, compatibilizar as relações entre o ser humano

econômico e a manutenção de seu meio, de modo a combater o conjunto de negatividades

ocasionadas pelo modo de produção atualmente vigente. É justamente essa ideia trazida pelo

3 A esse respeito, conferir as contribuições de Leff (2002), Boff (2009), Ost (1995) e Sen (2010). 4 O conceito de desenvolvimento sustentável ganhou uma dimensão global através do Relatório Brundtland, de 1987 da Comissão Mundial sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento. Esse Relatório, conhecido como “Nosso Futuro Comum” determinou que da expressão “desenvolvimento sustentável” depreende-se que a fruição dos recursos naturais pela presente geração, não deve prejudicar o mesmo direito das gerações futuras. A ideia de sustentabilidade a ser empregada remeterá à “noção de uma gestão ambiental não apenas no espaço, mas também no tempo (SILVA, 2004, p. 81).

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desenvolvimento sustentável que pauta a atual instituição de políticas socioambientais. Nesse

sentido, o termo (socioambiental) aponta para a “inevitável necessidade de procurar

compatibilizar as atividades humanas em geral – e o crescimento econômico em particular –

com a manutenção de suas bases naturais, particularmente com a conservação ecossistêmica”

(VEIGA, 2007, p. 91). Com isso, a construção de políticas com viés socioambiental deverá

levar em conta as atividades humanas de forma que sejam incluídos os distintos modos de

vida existentes sob o mesmo ordenamento jurídico, incluindo as condutas econômicas

voltadas à construção do desenvolvimento.

Ao citar as diversas conotações que foram atribuídas ao termo “desenvolvimento”,

José Eli da Veiga as divide em três tipos básicos: a) o tratamento do desenvolvimento como

mero crescimento econômico; b) desenvolvimento como algo inalcançável, um mito que

nunca chegaria a concretizar-se; ou c) desenvolvimento que não seria quimérico, mas também

não seria amesquinhado como mero crescimento econômico, o que seria constituído pela via

de um “caminho do meio”, bem mais difícil de trilhar (VEIGA, 2010, p. 17-18).

Em senso comum, o termo desenvolvimento acabava sendo pensado no sentido do

mero crescimento econômico, sem que as condições humanas qualitativas tenham qualquer

tratamento. Esse modelo de pensamento é superado pela ideia do desenvolvimento enquanto

liberdade, conforme denota Amartya Sen, que, ao participar da formulação do Índice de

Desenvolvimento Humano (IDH), agrega ao desenvolvimento dados para além da renda per

capita ou do Produto Interno Bruto (PIB), fugindo da medição da qualidade de vida, apenas

por meio de indicadores puramente econômicos (incluindo o fator expectativa de vida e

escolarização).

A contribuição de Ignacy Sachs (2004, p. 15-16), segue a mesma linha sistêmica, no

sentido de defender que desenvolvimento deve ser pautado num contexto e não em um fator

isolado, que para ele está observado em cinco pilares: a) social; b) ambiental; c) territorial; d)

econômico e c) político, fornecendo ao conceito de desenvolvimento uma maior

complexidade e possibilidade de observar as peculiaridades atinentes à realidade

socioambiental diversa. Segundo suas contribuições teóricas, a dimensão social deve servir a

evitar o desmoronamento social que ameaça os lugares mais problemáticos do planeta. Por

outro lado, a dimensão ambiental deveria ser levada em conta tendo em vista que o meio

ambiente representa muito mais do que provisão de recursos e disposição de resíduos.

Outrossim, a dimensão territorial se apresenta tendo em vista a problemática da distribuição

espacial dos recursos, relacionada diretamente à questão das terras. Já a dimensão econômica,

seria justificada simplesmente por ser condição básica para que as coisas aconteçam no

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sistema de trocas. Por fim, a dimensão política, que corresponderia à preocupação em que

seja estabelecida uma governança democrática da vida em sociedade.

Nesse sentido, em razão da complexidade inerente às relações econômicas, sociais,

políticas, culturais e econômicas, não é possível considerar a ideia de desenvolvimento

sustentável por uma concepção reducionista, pois os problemas atuais da humanidade,

mormente os problemas socioambientais, atingem um feixe extenso de valores humanos a

serem protegidos. Parece ser o caminho da complexidade e da aplicabilidade conjuntural, a

saída indicada por Boaventura de Souza Santos (2000, p.81) para essa problemática: um

conhecimento prudente para uma vida decente.

Quando se observa a breve análise das crises postas à humanidade, bem como as

respostas ofertadas a elas, é possível notar alguns pontos de convergência como a necessidade

da revisão do modo do produção e consumo vigentes, bem como das bases éticas que

sustentam as relações das sociedades entre si mesmas e com o entorno. Tendo em vista as

consequências insustentáveis dessas bases, que acabavam atendendo aos interesses voltados

para a simples subsistência do sistema através do trabalho/lucro/consumo, nota-se a premente

necessidade de retorno à consideração do bem-estar da sociedade por meio de um consenso de

limites, a que Leonardo Boff (2009) se refere, na obra “Ethos mundial: um consenso mínimo

entre os humanos”. Nesse sentido, cabe destacar a construção desse Ethos estaria na

racionalidade sobre o alcance máximo no modo de lidar com a natureza e com a utilização

dos recursos naturais (liberdade).

O desenvolvimento sustentável, hoje, tende a mostrar-se como seria possível essa

racionalidade sobre limites a ser adotada, muito além do que garantir às futuras gerações o

direito de disporem dos recursos de forma suficiente a atenderem suas necessidades. O centro

da discussão está na forma prudente de viver, combatendo-se a perda do sentido do ser

humano, em face do ambiente em que vive, uma redescoberta dos valores inerentes ao valor

do meio e de sua contribuição para a construção dos territórios sociais.

Assim, a cultura desenvolvimentista que se presencia primordialmente num ideal de

crescimento econômico infinito, é incompatível com a realidade fática das sociedades e dos

recursos que poderiam ser disponibilizados para tanto. Lutzenberger (2000, p. 10) bem

exemplifica a questão ao sustentar que “o simples dogma básico do pensamento

predominante, que diz que uma economia tem que crescer sempre, já é um absurdo. Nada

pode crescer sempre, muito menos num espaço limitado”. Guyton & Hall (2011, p. 20)

exemplificam bem isso comparativamente em Fisiologia Médica, ao demonstrar que a única

coisa que cresce sem limites são as neoplasias, dirigindo-se à destruição do ser humano.

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No Brasil, essa corrida incessante ao desenvolvimento enquanto crescimento sem

limites produziu e produz uma reprovável desconsideração das diversidades humanas e

ambientais, conforme corrobora o geógrafo Aziz Nacib Ab’Saber, ao citar o exemplo

amazônico:

Por dezenas de anos, a partir da década de 60, a Amazônia foi apresentada ao mundo ocidental como uma região uniforme e desprovida de diversidade fisiográfica e ecológica. Enfim, um espaço sem gente e sem história, passível de qualquer manipulação por meio de planejamentos feitos à distância, ou sujeito a propostas de obras faraônicas, vinculadas a um muito falso conceito de desenvolvimento. (AB'SABER, 2004, p.131).

Na política brasileira, é observável diariamente na mídia o embate direto entre esse

ideal desenvolvimentista e a preservação de direitos humanos e ambientais. Tal ocorre

atualmente na emblemática questão da construção da Usina Hidroelétrica de Belo Monte5, em

que, apesar das pressões sociais pela manutenção das condições de existência dos povos do

Rio Xingu, a opção estatal foi pelo potencial hidroelétrico da região.

É justamente pela inaplicabilidade desse atual modelo de ética desenvolvimentista, em

face à condição humana, que Amartya Sen, em sua obra “Desenvolvimento como Liberdade”

propõe o estabelecimento de uma nova racionalidade do desenvolvimento, voltada ao

atendimento das necessidades humanas por uma nova via:

[...] atenta-se particularmente para a expansão das “capacidades” das pessoas de levar o tipo de vida que elas valorizam – e com razão. Essas capacidades podem ser aumentadas pela política pública, mas também, por outro lado, a direção da política pública pode ser influenciada pelo uso efetivo das capacidades participativas do povo. Essa relação de mão dupla é central na análise aqui apresentada. [...]. O êxito de uma sociedade deve ser avaliado, nesta visão, primordialmente, segundo as liberdades substantivas que os membros dessa sociedade desfrutam [...]. Ter mais liberdade melhora o potencial das pessoas para cuidar de si mesmas e para influenciar o mundo, questões centrais para o processo de desenvolvimento (SEN, 2010, p. 33).

Sen oferece uma alternativa coerente rumo a uma nova concepção de sustentabilidade

à humanidade. Mais do que pensar a questão do desenvolvimento como o aumento do

desempenho econômico, é preciso pensar, antes, no oferecimento de oportunidades e

qualidade de vida às pessoas, para desenvolverem adequadamente suas capacidades não só

sob o prisma econômico e de renda.

5 O Complexo Hidrelétrico de Belo Monte é uma obra de grande impacto socioambiental no município de Altamira (Pará): “A polêmica em torno da construção da usina de Belo Monte na Bacia do Rio Xingu, em sua parte paraense, já dura mais de 20 anos. Entre muitas idas e vindas, a hidrelétrica de Belo Monte, hoje considerada a maior obra do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), do governo federal, vem sendo alvo de intensos debates na região, desde 2009, quando foi apresentado o novo Estudo de Impacto Ambiental (EIA) intensificando-se a partir de fevereiro de 2010, quando o MMA concedeu a licença ambiental prévia para sua construção” (ISA, 2012).

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Especificamente, ao pensar no trato do ser humano para com o meio ambiente, deve-se

buscar a observância de primar pela oportunidade de oferecer qualidade de vida às pessoas.

Uma vez que seja recuperado o sentido do vinculo e do limite, o ambiente passa a ser visto

como algo inseparável da essência humana e, portanto, necessário à plena realização de suas

capacidades (SEN, 2010, p. 33).

Após tecer críticas a respeito da noção de desenvolvimento meramente enquanto

crescimento econômico, Sen critica, ainda, as concepções individualistas a respeito do

desenvolvimento sustentável que se têm criado. O autor defende que ser sustentável não

deveria somente remeter ao conceito do relatório Brundtland6 que alude à ideia de “atender as

necessidades atuais sem comprometer as mesmas necessidades das gerações futuras de

indivíduos. Segundo ele, esta visão é um tanto quanto “acanhada” a respeito da humanidade,

pois “não somos somente pacientes, cujas necessidades exigem atenção, mas também agentes,

cuja liberdade de decidir quais são seus valores e como buscá-los pode estender-se muito

além da satisfação de nossas necessidades” (SEN e KLINGSBERG, 2010, p. 65).

A exemplo do caso de Belo Monte, é possível inferir que, no embate entre a alegada

necessidade de desenvolvimento econômico e a manutenção das condições dos povos

indígenas e comunidades tradicionais, deveria ser considerado primordialmente as

necessidades reais de qualidade de vida daquelas pessoas em face do "desterramento" que

sofreram. Ou seja, não se trata apenas das gerações futuras e seu acesso aos recursos

preservados, mas das condições de qualidade de vida com as quais seus ascendentes

vivenciaram perante tais recursos.

Se há críticas contundentes à noção de desenvolvimento vigente e de sua relação com

os direitos humanos e à salubridade ambiental, há também quem as defenda, pensando no

conjunto maior de beneficiados pela futura produção de energia ou uso de qualquer outro

recurso natural necessário ao crescimento da economia.

Sempre haverá opções sobre o que se quer desenvolver e qual o custo para tanto, mas

há que se reconhecer que qualquer forma e alteração do meio também implica perdas,

conforme demonstra Viana: [...] desenvolver significa tirar o invólucro, descobrir o que estava encoberto; envolver significa meter-se num invólucro, comprometer-se. Desta forma, poderíamos dizer que desenvolver uma pessoa ou comunidade significa retirá-la do seu invólucro ou contexto ambiental; descomprometê-la com o seu ambiente (VIANA, 2006, p. 43).

6 O conceito de desenvolvimento sustentável foi difundido a partir do Relatório Brundtland, de 1987 da

Comissão Mundial sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento.

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Viana, nesse sentido, demonstra, assim como Sen, que o desenvolvimento deve

equilibrar o meio e a própria inserção do indivíduo em sua realidade, implicando-se assim,

num tratamento adequado para com o ambiente que lhe circunda, não prejudicial as

sociedades em sua relação originária com o meio ambiente e sua qualidade de vida.

O essencial, no pensamento de Sen, está no fato de que o desenvolvimento, para gerar

qualidade de vida, requer do Estado a concessão de algo mais de liberdade às pessoas. Para

Sen, as oportunidades libertárias são condição fundamental ao desenvolvimento (2010). Na

visão do autor, liberdade é daqueles conceitos que no Direito exigem outra contextualização

para que sua aplicabilidade seja satisfatória.

Para isso, há que se superar o conceito de liberdade tradicional, contratual. Conforme

explica Canotilho (1995, p. 539), o conceito de liberdade tradicionalmente adota uma

“natureza defensiva”, de abstenção da ação do Estado perante as liberdades pessoais. No

entanto, de forma diversa, na análise econômica realizada por Sen, o componente diretivo a

ser analisado propõe uma vertente pró-ativa da liberdade (enquanto gênero), ao orientar a

ação do Estado na geração de espaços positivos para a realização humana, nos quais as

liberdades qualificadas sejam ampliadas. “Com oportunidades sociais adequadas, os

indivíduos podem efetivamente moldar seu próprio destino e ajudar uns aos outros. Não

precisam ser vistos sobretudo como beneficiários passivos de engenhosos programas de

desenvolvimento”. (SEN, 2010, p.26)

May (1993, p.11) entende que “liberdade é a maneira com que nos relacionamos com

nosso destino que só é significativo porque temos liberdade”. Liberdade, nesse sentido, é,

portanto, uma prerrogativa econômica existencial do desenvolvimento sustentável. Sua

presença é perceptível pela ação dirigida do Estado, em garantir oportunidades e escolhas

genuínas às pessoas, por meio da suficiência especialmente nas áreas da educação, saúde e

segurança pública. “Ter mais liberdade melhora o potencial das pessoas para cuidar de si

mesmas e para influenciar o mundo, questões cruciais para o desenvolvimento” (SEN, 2010,

p.33). É do exercício da condição do agente dos cidadãos, a participar das decisões relativas a

seus direitos e ao desenvolvimento, que se muda sua realidade.

Se o Estado puder assegurar a criação de oportunidades qualitativas estará, de forma

inequívoca, ampliando o rol de liberdades de escolha de que as pessoas desfrutam.

Igualmente, o mesmo cuidado deve ser observado quando se pense nos direitos que serão

estabelecidos, de forma que estes sejam pensados sempre no sentido da ampliação das

liberdades para que a proteção dos Direitos Humanos e Meio ambiente sejam elementos que

COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 36 - Sustentabilidade Econômica e Social em Face à Ética e ao Direito

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efetivamente decorram das demandas sociais que tem orbitado nesses dois eixos, a exemplo

do que defende Cançado Trindade (1993, p. 23).

Logo, esse Estado pró-ativo, para Sen (2008, p.57), permite não somente o progresso

econômico, mas também essa “condição do agente”, em que “uma pessoa pode dar valor à

promoção ética de determinadas causas e à ocorrência de certos eventos mesmo que a

importância atribuída a esses fatos não se relacione com uma melhora em seu próprio bem-

estar.” No caso de Belo Monte, isso implicaria na oportunidade da população fazer suas

próprias escolhas, debatendo e determinando mitigações ambientais necessárias para que, em

seu ponto de vista, ocorresse a melhoria de sua qualidade de vida.

O valor maior para a liberdade é a possibilidade do exercício dessa “condição do

agente”, porque isso implica numa realidade em que a condição de vida das pessoas possa

lhes permitir a transcendência da esfera da busca pela sobrevivência, adentrando ao campo da

emancipação social e das decisões sobre sua existência: Estou usando o termo agente não nesse sentido, mas em sua concepção mais antiga – e “mais grandiosa” – de alguém que age e ocasiona mudança e cujas realizações podem ser julgadas de acordo com seus próprios valores e objetivos, independentemente de as avaliarmos ou não também segundo algum critério externo. Este estudo ocupa-se particularmente do papel da condição do agente do indivíduo como membro de público e como participante das ações econômicas, sociais e políticas (interagindo no mercado e até mesmo envolvendo-se, direta ou indiretamente, em atividades individuais ou conjuntas na esfera política ou em outras esferas). (SEN, 2010, p.33)

Essa nuance da ideia de Sen a respeito da liberdade e da condição de agente, possui

importância fundamental para subsidiar o noção de governança ambiental e o conceito de

sustentabilidade.

A condição do agente permite a ocorrência da governança ambiental que, segundo

Paulo Afonso Leme Machado (2009, p. 109), parte do entendimento de que o Poder Público

deve adotar uma gestão compartilhada com a sociedade civil para o enfrentamento da

problemática ambiental.

A noção de governança ambiental traz em si mesma a discussão a respeito da

cidadania ambiental. Nesse sentido, defende o Programa das Nações Unidas para o Meio

Ambiente (PNUMA) que o cidadão ambiental é aquele “cidadão crítico e consciente que

compreende, se interessa, reclama e exige seus direitos ambientais e que, por sua vez, está

disposto a exercer sua própria responsabilidade ambiental” (PNUMA, 2005). Essa nova

categoria de cidadãos pode ser observada a partir de novos comportamentos sociais, como a

preferência do consumidor por produtos ambientalmente corretos e a consequente adaptação

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das grandes corporações a tecnologias de produção mais limpas (oportunizadas também, pelo

crescente estabelecimento de leis ambientais que as incentivam).

Quando se observa a urgência que a crise ambiental tem representado, reconhecer a

pauta da governança ambiental, aumenta a importância do papel econômico do indivíduo e da

sociedade civil sobre a questão da sustentabilidade. Isso ocorre pois a sociedade civil tem a

liberdade qualificada de transcender ao papel do Estado no regulamento das relações entre

particulares. Sua maior efetividade decorre da capacidade de auto-regulamentação das

atividades econômicas privadas, que permitem a indivíduos atuar sobre as externalidades das

relações de consumo, para as quais o Direito Ambiental não pode e não tem o dever de atuar.

É este tipo de participação que, aos olhos de Amartya Sen, poderia corresponder à

efetivação da condição de agente, uma vez que seria dada a oportunidade aos indivíduos de

livremente participar dos processos de tomada de decisão pela governança ambiental, sendo

possível, portanto, a participação na discussão e deliberação do destino das pessoas e de seus

habitats.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

As questões econômicas e ambientais caminham de forma indissociável. Qualquer

tentativa de separá-las estaria fadada ao insucesso. É certo que grandes avanços foram

conseguidos devido à construção teórica ocidental dos direitos humanos, no entanto, sua

reconstrução diária é necessária para que tais avanços não redundem na legitimação da

exclusão social ou no tratamento do meio ambiente como um elemento dissociado do ser

humano.

Pensar em sustentabilidade, seguindo-se o paradigma da complexidade, importa

pensá-la de forma a considerar a diversidade socioambiental que enriquece o mundo e suas

relações sociais. A racionalidade reducionista herdada da constituição tradicional do Estado e

de sua evolução até o Estado influenciado pelos valores neoliberais é posta em cheque. A

economia, por sua vez, mostra-se carente de um tratamento que se volte às questões do bem-

estar humano, como defende Amartya Sen, em detrimento de sua função meramente

desenvolvimentista.

É possível observar que a grande contribuição da obra de Sen para a reestruturação de

valores consiste nessa (re)valorização da economia para o bem-estar humano e na adoção da

definição de “Desenvolvimento como Liberdade”, numa perspectiva humanista, que permita o

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tratamento da questão da sustentabilidade humana pela ótica subjetiva, considerando os

valores que cada cultura preconiza como importantes para si e para sua coletividade, na

consolidação de sua “condição de agente”.

Da mesma forma, Sen infere a necessidade de que o conceito de desenvolvimento

sustentável não caminhe somente pela órbita das necessidades humanas, de forma egoísta,

mas instiga a pensar o meio ambiente como algo maior, intrínseco aos territórios essenciais à

realização da vida, remetendo-se à ideia de Ost de resgatar os sentidos do vínculo e do limite

nas relações entre humanidade e natureza.

Sen, juntamente com outros de mesma linha de criticidade, levam à constatação de que

o conceito de desenvolvimento deve voltar-se à humanidade, de forma a dotá-la da “condição

de agente”, a fim de que as pessoas possam interferir em prol da salvaguarda desses valores

perante o Estado, bem como para que lhes seja possível atuar de forma mais incisiva e efetiva

nas questões relativas à qualidade de vida, condição fundamental para uma vida digna.

Ao final, cumpre salientar que a adoção dos conceitos de governança ambiental, no

compartilhamento de responsabilidades entre sociedade civil e Estado podem fornecer uma

construção plural, não reducionista e que trabalhe com o poder auto-regulamentar da

sociedade em prol da sustentabilidade.

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PLANEJAMENTO SUSTENTÁVEL DA ATIVIDADE ECONÔMICA:

A PARTICIPAÇÃO SOCIAL COMO CONDIÇÃO DE PROSSEGUIBILIDADE

SUSTAINABLE PLANNING OF ECONOMIC ACTIVITY:

THE SOCIAL CONTROL AS A CONDITION OF CONTINUATION

Mariane Yuri Shiohara1

Leandro Ferreira Bernardo2

RESUMO A Constituição Federal de 1988 deferiu ao Estado a função de planejamento da atividade econômica, de caráter vinculatório ao setor público e indicativo para o setor privado. À luz do Estado Democrático de Direito, atualmente o planejamento da atividade econômica não dispensa a participação da população, seja por meio da realização de audiências públicas, consultas e outros instrumentos que privilegiem o controle social da atividade estatal. Assim, a participação social no planejamento estatal confere legitimidade a este e dá condições de que os rumos do Estado e da economia possam ser discutidos e debatidos pela sociedade, numa conjugação de esforços para o desenvolvimento de atividades econômicas sustentáveis. Aumentando-se o controle social, aumenta-se a efetivação da democracia. PALAVRAS-CHAVES Planejamento; atividade econômica; participação social. ABSTRACT The 1988´s Constitution granted to the State the function of planning the economic activity, compulsory to the public sector and indicative to the private sector. In the context of Rule of Law, nowdays, the planning of the economic activity requires social participation in public hearings, queries and other instruments that privilegies the social control of the state activity. So, the social participation in state planning confers legitimacy and gives conditions to discuss the direction of the State and the economy with the society, in a combination of efforts for the development of sustainable economic activities. Increasing social control, is possible to increase democratic sentiment. KEY-WORDS Planning; economic activity; social participation. 1. INTRODUÇÃO

A presente pesquisa acadêmica se propõe a analisar a questão do planejamento

1 Coordenadora dos cursos de especialização em Direito Eleitoral e Processo Eleitoral e MBA em Gestão Pública no UNICURITIBA-PR; Mestra em Direito Socioambiental e Econômico pela PUCPR; 2 Mestre em Direito Econômico e Socioambiental pela PUC-PR (2012), especialista em Direito Ambiental pela UNB (2010), especialista em Direito Constitucional pela PUC-PR (2008), graduado em DIREITO pela Universidade Estadual de Maringá (2004). Atualmente é procurador federal em Maringá/PR, na Procuradoria Seccional Federal em Maringá/PR e professor em cursos de graduação e pós graduação.

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estatal da atividade econômica no Brasil, sob a ótica da sustentabilidade e da participação

popular como verdadeira condição de prosseguibilidade na tomada das decisões que ditarão o

desenvolvimento nacional em longo prazo, inclusive, alcançando as futuras gerações.

É da tradição política do Brasil, que a cada quadriênio, quando da eleição dos novos

governantes municipais, estaduais ou do Presidente da República, os planos de governo sejam

positivados por meio do Plano Plurianual e executados no decorrer dos anos pela

especificação da lei de diretrizes orçamentárias e dos orçamentos anuais.

No entanto, a soma da execução dos planos de governo quadrienais,

necessariamente, não reflete que o Estado possua um plano de desenvolvimento. Isto porque,

segundo Cardoso Junior, “um plano, ou política de longo prazo diz respeito à evolução, no

decurso de extenso horizonte de tempo, de vários aspectos centrais da economia e da

sociedade”.

Na recente história brasileira, vários foram as experiências de planejamento no

Brasil, sintetizadas por Rezende3:

a) O Plano Especial de Obras Públicas e Aparelhamento da Defesa Nacional – Plano

Especial (1939): voltado para a implantação de indústrias, expansão da infraestrutura de

transportes e comunicações e provimento dos recursos materiais necessários à defesa nacional

e à ordem interna;

b) O Plano Salte (1946): atenção do Estado nas áreas de saúde, alimentação,

transportes e energia, por meio da intervenção direta do Estado na economia para estimular a

participação do setor privado no mercado;

c) O Plano de Reaparelhamento e Fomento da Economia Nacional (1951):

priorizava os investimentos em infraestrutura e a promoção das indústrias de base;

d) O Programa de Metas (1956): compreendia a consecução de 30 metas reunidas

em 5 setores: energia, transporte, agricultura e alimentação, indústrias de base e educação;

e) O Plano Trienal de Desenvolvimento Econômico e Social (1962): voltado à

buscar soluções para os problemas estruturais, inclusive reformas administrativas;

f) O Plano de Ação Econômica do Governo (PAEG - 1964): tinha como objetivo o

combate à inflação e a retomada do crescimento econômico;

g) O Plano Decenal de Desenvolvimento Econômico e Social – Plano Decenal

(1967): primeiro plano brasileiro de longo prazo e tinha como objetivo estabelecer diretrizes

3 REZENDE, Fernando. Planejamento no Brasil: auge, declínio e caminhos para a reconstrução. In: A reinvenção do planejamento governamental no Brasil. José CARDOSO JR, Celso (Org). Brasília: Ipea, 2011, Disponível em: www.ipea.gov.br. Acesso em 15.10.2012. p 217-228.

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para o desenvolvimento nacional, demarcando as frentes de atuação do Estado para sua

implementação;

h) O Programa Estratégico de Desenvolvimento (PED - 1968): pretendia-se alcançar

a aceleração do crescimento e a contenção da inflação;

i) O Plano de Metas e Bases para a Ação do Governo (1970): visava inserir o Brasil

no mundo desenvolvido durante as três décadas seguintes a sua apresentação, por meio de

estímulos para o crescimento do PIB e da renda per capita, a ser alcançada por meio da

atividade industrial e da substituição de importações;

j) O I Plano Nacional de Desenvolvimento – I PND (1971): primeiro de uma série de

planos qüinqüenais, tinha os mesmos objetivos do Plano de Metas, ou seja, elevar o Brasil à

condição de potência mundial;

l) O II Plano Nacional de Desenvolvimento – II PND (1975):ainda baseado na

política de substituição de importações, o plano buscava medidas adicionais para o

crescimento, como o estímulo às exportações e a ampliação do mercado interno; forte atuação

do Estado com suas empresas estatais;

m) O III Plano Nacional de Desenvolvimento – III PND (1980): o plano tinha como

estratégia aumentar a competitividade da indústria e da agricultura brasileira, com foco

especial na área de infraestrutura e energia;

n) O I Plano Nacional de Desenvolvimento da Nova República (1986): primeiro

plano realizado sob a ótica do Estado Democrático, com ênfase na necessidade de mudanças

sociais, associando o crescimento econômico à distribuição de renda, riqueza e erradicação da

pobreza.

Após as experiências históricas e jurídicas vividas no período ditatorial, a

Constituição Federal de 1988 trouxe, além do plano plurianual como instrumento de

planejamento dos entes federados de maneira isolada e de curto prazo, a previsão de

competência da União para “elaborar e executar planos nacionais e regionais de ordenação do

território e de desenvolvimento econômico e social...” (CF, art. 21, IX).

E ainda, como agente normativo e regulador da atividade econômica, cabe ao Estado

a função do planejamento, sendo este determinante para o setor público e indicativo para o

setor privado (CF, art. 174), afastando-se a possibilidade de dirigismo estatal na economia,

segundo as ponderações de Calixto Salomão Filho4.

4 SALOMÃO FILHO, Calixto. Regulação da atividade econômica: princípios e fundamentos jurídicos. São Paulo: Malheiros, 2001. p. 132

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Em que pese o caráter meramente indicativo do planejamento ao setor privado, o

Estado encontra-se adstrito a planejar a atividade econômica voltada não só ao atendimento de

seus próprios fins (finalidade pública), devendo compatibilizá-los com as necessidades e

expectativas da iniciativa privada e da própria sociedade.

Assim, ao lado do planejamento realizado de maneira isolada por cada ente

federativo positivado nos planos plurianuais, o Estado deve implementar um planejamento

global da atividade econômica, ou seja, a elaboração de um plano (de longo prazo) que

necessariamente deve ter como premissas básicas as opções eleitas pelo legislador constituinte

de 1988 como fundantes ao pleno desenvolvimento da Nação.

Atualmente, as premissas para um bom planejamento sobejam o viés econômico:

novos ingredientes devem ser adicionados, tais como critérios de sustentabilidade para a

construção desenvolvimento nacional ou regional, bem como a possibilidade de participação

social no processo de planejar como condição de sua prosseguibilidade.

Aliás, sublinha Freitas5 que o desenvolvimento é valor constitucional supremo

insculpido no preâmbulo da Constituição, e só se esclarece se conjugado à sustentabilidade.

Logo, todos os planos somente poderão ser considerados legais (constitucionais) se

observados os critérios mínimos de sustentabilidade econômica, social e ambiental para a

consecução do desenvolvimento nacional e regional. E mais, tais planos só poderão ser

considerados legítimos se produzidos sob o crivo democrático.

Sob o aspecto da legitimidade, é necessário garantir o acesso e participação da

população ao planejamento estatal; e mais, como assegurar que as reflexões e conclusões

obtidas através nas instâncias de debate social realmente se efetivem, vinculando os rumos do

planejamento, de modo que a participação não seja meramente formal, mas sim, que traga

resultados materiais benéficos?

Tais perguntas se fazem necessárias na medida em que o ato de planejar foi

constitucionalmente deferido ao Estado que adota o modelo capitalista, porém também se

reveste de configuração solidária e tem como dos objetivos fundamentais a construção de uma

sociedade livre, justa e solidária (CF, art. 3º, I), visando garantir o desenvolvimento nacional

(CF, art. 3º, II), a erradicação da pobreza e da marginalização, a redução das desigualdades

sociais e regionais (CF, art. 3º, III) e a promoção do bem de todos.

Portanto, o planejamento da atividade econômica, no âmbito do Estado Solidário,

tem como objetivo o desenvolvimento sustentável nacional e regional e como condição de

5 FREITAS, Juarez de. Sustentabilidade, direito ao futuro. Belo Horizonte: Fórum, 2011, p. 113-118.

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prosseguibilidade a participação social.

2. ATUAÇÃO DO ESTADO NA ORDEM ECONÔMICA

A Constituição Federal de 1988 reserva espaço para tratar da ordem econômica

brasileira a partir do art. 170, disciplinando qual o papel do Estado na ordem econômica: em

que medida pode intervir, regular, sancionar, quais princípios a ordem econômica deve

obedecer, etc. Como ressalta Cristiani Derani6 “o Direito é a instituição e o instrumento por

meio do qual Estado e mercado servem-se mutuamente para a reprodução do sistema em que

estão inseridos”.

As relações entre o Estado, o mercado e os particulares estão intimamente ligadas e

devem ser tratadas pela Constituição. No sentir de Justen Filho7, com o advento do

neoliberalismo, as práticas empresariais passam a modelar a atividade estatal, tal como a

aplicação de parâmetros empresarias na administração pública direta e autárquica, obrigando

o Estado a recorrer à experiência empresarial para desenvolver sua própria gestão.

Mostra-se crescente assunção pela empresa privada de tarefas de interesse público. E

ainda, surge a necessidade de compatibilizar-se as competências estatais com a consecução

dos interesses privados, surgindo a importância da função regulatória do Estado.

Surge, então, o termo “constituição econômica” que compreende “o conjunto de

normas fundamentais, os princípios constituintes da ordem econômica, isto é: que a

estruturam num todo, num sistema8”. E, portanto, dela fazem parte: os institutos que definem

a propriedade dos meios de produção, a delimitação da esfera de competência do estado e dos

sujeitos econômicos privados, as formas de organização dos sujeitos econômicos entre si, etc.

É esta “constituição econômica” que irá ditar o regramento jurídico da atividade

econômica, delimitando qual será o papel do Estado e quais são seus limites de atuação na

atividade econômica, seja como empresário (atuação direta no modelo concorrencial e

monopolista); seja como agente normativo e regulador, executando as funções de fiscalização,

incentivo e planejamento (atuação disciplinadora das práticas de mercado e concorrência entre

os agentes privados, e, entre estes e o setor público); e como limitador dos excessos

decorrentes da atividade econômica, na função sancionatória.

6 DERANI, Cristiane. Direito ambiental econômico. São Paulo: Sariava, 2008. p. 75). 7 JUSTEN FILHO, Marçal. Empresa, Ordem econômica e Constituição. Revista de Direito Administrativo , Rio de Janeiro, n.212, p. 109-133, abr./jun. 1998. p. 120. 8 MOREIRA, Vital. A ordem jurídica no capitalismo. 3 ed., Coimbra: Centelho, 1975. p. 176.

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Seguindo a linha de raciocínio referente à atuação do Estado na atividade

econômica, Eros Grau9 apregoa que “atividade econômica” em sentido amplo é gênero, cujas

espécies são o serviço público (ligado ao interesse social da atividade econômica em sentido

amplo e de titularidade exclusiva do Estado) e a atividade econômica em sentido estrito (cuja

titularidade é do setor privado, podendo o Estado explorá-la de maneira direta, quando a

atividade se mostrar necessária aos imperativos da segurança nacional ou relevante interesse

coletivo ou nos casos elencados pela própria Constituição).

Grau10 ainda diferencia atuação e intervenção do Estado na atividade econômica.

Intervenção indica a atuação estatal em área de titularidade do setor privado; já a atuação

estatal ocorre quando há ação do Estado tanto na área de titularidade própria quanto em área

de titularidade do setor privado.

Seja qual for a forma de atuação/intervenção do Estado na atividade econômica, esta

sempre deverá ser precedida de planejamento, o qual, para ser legítimo, deve ter como

requisito de prosseguibilidade, a participação social.

3. PLANEJAMENTO E LEGITIMAÇÃO SOCIAL

Para imprimir racionalidade e eficiência da atuação do Estado na atividade

econômica, seja por meio da atividade interventiva, reguladora ou sancionatória, é preciso que

tal atuação seja previamente planejada.

Isto porque, muito embora a Constituição Federal tenha tratado o planejamento da

atividade econômica do Estado como meramente indicativo para o setor privado, não há como

se planejar a atividade econômica estatal sem que sejam colocados necessariamente neste

cenário os demais atores da ordem econômica: a sociedade e o setor privado.

Atualmente, o Estado brasileiro adota como objetivo fundamental da República o

princípio da solidariedade: através dela, a democracia se põe a serviço da sociedade e o

Estado encontra sua missão social. E esse ideal de solidariedade deve também estar voltado ao

9 GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica na Constituição de 1998. 14 ed. São Paulo: Malheiros, 2010. p. 101. 10 GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica na Constituição de 1998. 14 ed. São Paulo: Malheiros, 2010. p. 92.

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planejamento da ordem econômica, visando o desenvolvimento do Estado11.

Em acepção comum, planejamento significa a seleção de objetivos, fixação de metas

e os caminhos e meios para efetivá-las12. Para fins do presente estudo, o planejamento merece

ser visto de um ponto de vista mais profundo, envolvendo tanto as questões econômicas –

atividade econômica estatal – quanto às relações jurídicas dela decorrentes, a serem tuteladas

pelo Estado, avalizadas pela necessária legitimação social, como condição de

prosseguibilidade do planejamento.

Sob a ótica jurídica, o planejamento da atividade econômica pelo Estado envolve a

normatização e positivação de objetivos e metas (elaboração de um plano) que aperfeiçoe a

atividade estatal na ordem econômica e social, de caráter vinculante e obrigatório ao setor

público, com vistas ao alcance do bem estar de todos.

Entretanto, como aponta Costa-Filho13, sem mecanismos políticos que permitam

assegurar legitimidade social do planejamento, seu valor intrínseco não será muito distante de

zero, posto que, em que pese caber ao Estado às decisões de longo prazo em nome de todos os

seus administrados, tais decisões não deve ser tomadas de maneira exclusiva pela burocracia

dominante da esfera pública (governo), mas também por meio da abertura de espaços

institucionais onde a população possa conviver, interagir, solidarizar-se com o planejamento

estatal.

A Constituição Federal de 1988 em várias passagens avaliza a construção de um

direito administrativo participativo. Na área da saúde, as ações e serviços de saúde devem ter

como diretriz a participação da comunidade (art. 197 e 198, III); as ações governamentais na

área de assistência social também deverão ter a participação da população, tanto na

formulação das políticas como no controle das ações (art. 204, II); a organização do sistema

nacional de seguridade social deve possuir caráter democrático e contemplar, dentro de sua

gestão, a participação dos trabalhadores, empregados, aposentados, além do Governo (art.

194, VII); o planejamento e execução da política agrícola devem contemplar a participação

efetiva de produtores e trabalhadores rurais (art. 187); a educação deverá ser promovida e

incentivada com a colaboração da sociedade (art. 205); a comunidade é co-responsável pela

proteção do patrimônio cultural brasileiro (art. 216, § 1º); a tutela do meio ambiente também 11 CASTRO, José Fernando de. A origem do direito de solidariedade. Rio de Janeiro: Renovar, 1998. p. 210. 12 MARQUES NETO, Floriano de Azevedo e QUEIROZ, João Eduardo Lopes. Planejamento. In: Curso de Direito Administrativo Econômico. v. II. Organizadores: José Eduardo Martins Cardozo, João Eduardo Lopes Queiroz e Márcia Walquíria Batista dos Santos. São Paulo: Malheiros, 2006. p. 46. 13 COSTA-FILHO, Alfredo. Estado -Nação e construção do futuro. In: A reinvenção do planejamento governamental no Brasil. JCARDOSO JR, Celso (Org). Brasília: Ipea, 2011, Disponível em: www.ipea.gov.br. Acesso em 15.10.2012. p. 296.

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foi conferida a coletividade, com o dever de defesa e proteção para as presentes e futuras

gerações (art. 225); admite-se a participação de entidades não governamentais em programas

de assistência à criança, adolescente e do jovem (art. 227, §1º); a iniciativa popular de leis

(art. 61, § 2º), e a previsão de realização de audiências públicas com entidades da sociedade

civil na apreciação de projetos de lei pelas comissões do Congresso Nacional (art. 58, § 2º,

II).

Entretanto, a simples previsão constitucional não garante efetividade ao direito

administrativo participativo. Para que a participação seja efetiva e não meramente formal, a

Administração deve primar pela consecução de dois princípios: a transparência, para que os

atos passíveis de participação ou controle social cheguem ao conhecimento dos interessados, e

o da consensualidade, a fim de que as decisões tomadas em conjunto se sobreponham a

decisões autoritárias e unilaterais da administração.

Ainda que de maneira tímida, a legislação vigente prevê mecanismos de legitimação

social para a questão do planejamento estatal. Por exemplo, no tema gestão democrática da

cidade, a Constituição Federal prevê no art. 29, X, a “cooperação das associações

representativas no planejamento municipal”, o que se reflete no Estatuto da Cidade – Lei

10.257/2001 -, que, em seu art. 44, prevê como condição obrigatória para aprovação na

Câmara Municipal das propostas do plano plurianual, da lei de diretrizes orçamentárias e do

orçamento anual, a realização de debates e audiências públicas. Ou seja, é condição de

prosseguibilidade do processo de planejamento orçamentário municipal, a realização de

consulta pública sobre o seu conteúdo.

Justamente porque a audiência pública é:

um instituto de participação administrativa aberta a indivíduos e a grupos sociais determinados, visando à legitimidade da ação administrativa, formalmente disciplinada em lei, pela qual se exerce o direito de expor tendências, preferências e opções que possam conduzir o Poder Público a uma decisão de maior aceitação consensual14.

Como bem pondera Oliveira15, se determinada lei obriga a realização de consulta

pública sobre a tomada de determinada decisão administrativa, a não observância legal vicia o

processo e a decisão administrativa correspondente será inválida. 14 MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Dir eito à participação política: legislativa, administrativa, judicial: fundamentos e técnicas constitucionais da democracia. Rio de Janeiro: Renovar, 1992. p. 129. 15 OLIVEIRA, Gustavo Henrique Justino de. Direito Administrativo Democrático. Belo Horizonte: Fórum, 2010. p. 29.

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Entretanto, a lei não nos é clara quanto ao caráter de tais audiências: seriam elas

obrigatórias nas decisões em sede de planejamento estatal da atividade econômica, como

condição de legitimação das decisões administrativas em prol do interesse público? Ou,

simplesmente quando legalmente previstas no procedimento de tomada da decisão

administrativa sobre planejamento (condição de prosseguibilidade) constituem-se instâncias

meramente consultivas; ou, muito pelo contrário, possuem caráter deliberativo, vinculando as

decisões tomadas em sede popular à atuação do Poder Executivo e Legislativo?

A dúvida se mostra relevante na medida em que a legitimação social do

planejamento realizado pelo Estado não deve ser meramente formal, ou seja, a

audiência/consulta pública desprovida de qualquer caráter vinculatório das opiniões públicas à

conduta administrativa. Caso tal procedimento ocorra, a eficácia da consulta pública será

meramente informativa, mas não de legitimação social do planejamento.

Ao contrário, caso sejam previstos mecanismos legitimação material das decisões

obtidas em sede de controle social por meio de sua vinculação às decisões administrativas,

estar-se-á realmente se efetivando os postulados da democracia aplicados à gestão da

administração pública.

Oliveira entende que, de maneira geral, se a audiência/consulta pública é realizada

na fase instrutória do processo administrativo, o objetivo da Administração é meramente

informativo ou de consulta, não havendo vinculação das opiniões colhidas em sede de

audiência às decisões a serem tomadas pela Administração. Contudo, “se inserida na fase

processual de decisão, o resultado da audiência pública será vinculante para a

Administração”16.

Entretanto, estando o planejamento da atividade econômica intimamente ligada à

questão do desenvolvimento do Estado e, por conseqüência, da iniciativa privada e da

população, é necessário que se insiram mecanismos no processo administrativo do

planejamento que permitam a participação de todos os atores envolvidos neste cenário, e

mais, que a participação não seja meramente formal, mas efetiva, legitimando-se socialmente

as decisões administrativas.

A sustentação teórica para a inclusão da participação popular nas decisões de

planejamento estatal está fundada em Habermas, o qual afirma que pelo princípio da

democracia, as leis jurídicas só possuem validade legítima se capaz de encontrar assentimento

de todos dentro de um sistema de direitos que garanta a cada um “igual participação num

16 OLIVEIRA, Gustavo Henrique Justino de. Direito Administrativo Democrático. Belo Horizonte: Fórum, 2010. p. 28-29.

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processo de normatização jurídica, já garantido em seus pressupostos comunicativos17”.

Por analogia, o princípio democrático também deve ser respeitado no âmbito do

processo administrativo do planejamento da atividade econômica, de modo a garantir igual

participação das partes envolvidas –Estado e sociedade – na tomada de decisões que

repercutem tanto na esfera estatal como na esfera individual de cada cidadão.

A necessidade de legitimação social da atividade estatal também pode ser

interpretada a partir da teoria do discurso, de Habermas18, que defende a validade das normas

poderiam encontrar o assentimento em todos os potencialmente atingidos, por participarem de

discursos racionais. Assim, como decorrência dos direitos políticos, deve-se garantir a

participação de todos nos processos de decisão e deliberação relevantes para a legislação,

exercitando a liberdade comunicativa de cada indivíduo.

Um dos desafios a ser enfrentado pelo Estado é dotar a função de planejamento de

forte componente participativo, posto que “qualquer iniciativa ou atividade de planejamento

governamental que se pretenda eficaz precisa contar com certo nível de engajamento público

dos atores diretamente envolvidos com a questão, sejam estes da burocracia estatal, políticos e

acadêmicos, sejam os próprios beneficiários da ação que se pretende realizar19” Aliás, já na

década de 60, Furtado20 (1968, p. 14-15) apregoava que, “quanto mais ampla a frente de ação,

mais importante se torna o apoio da opinião pública e mais necessária a participação efetiva

da população ali onde seus interesses estão em causa de uma forma direta”.

No contexto do Estado Democrático de Direito inaugurado com a Constituição

Federal de 1988, não se pode olvidar o forte papel da sociedade como

4. SUSTENTABILIDADE E DESENVOLVIMENTO

O planejamento estatal da atividade econômica, além da imperiosa participação

social, também deve ser realizado no contexto da sustentabilidade, visando à consecução do

17 HABERMAS, Jüngen. Dir eito e Democracia. Entre a facticidade e validade. v. I. Rio de Janeiro: Tempo Basileiro, 2003. p. 146. 18 HABERMAS, Jüngen. Dir eito e Democracia. Entre a facticidade e validade. v. I. Rio de Janeiro: Tempo Basileiro, 2003. p. 157. 19 MATOS, Franco de e CARDOSO JR, Celso e. Elementos para a organização de um sistema federal de planejamento governamental e gestão pública no Brasil: Reflexões preliminares a partir de entrevistas com dirigentes do alto escalão do Governo Federal em 2009. In: A reinvenção do planejamento governamental no Brasil. José CARDOSO JR, Celso (Org). Brasília: Ipea, 2011, Disponível em: www.ipea.gov.br. Acesso em 15.10.2012. 20 FURTADO, C. Um projeto para Brasil. São Paulo: Saga, 1968. p. 14-15.

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valor de dimensão constitucional: o desenvolvimento.

Não é diferente o entendimento de Freitas para quem, “o desenvolvimento, um dos

valores constitucionais supremos, apenas se esclarece se conjugado à sustentabilidade. Em

razão disso, a sustentabilidade, ela própria, passa a ser valor supremo e princípio

constitucional-síntese21”.

Nota-se que o desenvolvimento sustentável tem uma grande vertente relacionada à

proteção do meio ambiente versus o desenvolvimento econômico, almejando a proteção não

somente para presentes quanto para as futuras gerações, tendo-se como parâmetro a utilização

de recursos naturais não renováveis22.

Edis Milaré ressalta que, para compatibilizar o meio ambiente e desenvolvimento, há

que se inserir os problemas ambientais dentro de um processo contínuo de planejamento,

“atendendo-se adequadamente às exigências de ambos e observando-se as suas inter-relações

particulares a cada contexto sociocultural, político e econômico e ecológico, dentre de uma

dimensão tempo/espaço23”.

A sustentabilidade ora apregoada refere-se ao desenvolvimento da nação de maneira

global e não apenas nos aspectos ambientais. Desenvolvimento, segundo texto da

Organização das Nações Unidas, na Declaração sobre o direito ao desenvolvimento tem a

seguinte conotação:

O desenvolvimento é um processo econômico, social, cultural e político abrangente, que visa ao constante incremento do bem-estar de toda população e de todos os indivíduos com base em sua participação ativa, livre e significativa no desenvolvimento e na distribuição justa dos benefícios daí resultantes24.

Sem a pretensão de se consolidar um possível conceito de desenvolvimento na

Constituição Federal de 1988, é possível se extrair dos excertos citados que o Texto

Constitucional contempla e harmoniza os elementos e princípios necessários ao

desenvolvimento tal como visto pela ONU: o Estado Democrático de Direito, que garanta o

exercício da cidadania, do pluralismo político e da soberania popular; a existência e garantia

de efetivação de Direitos Sociais; de uma Ordem Econômica fundada na valorização do

trabalho humano e na livre iniciativa, aliando-se, ainda, o dever constitucional de preservação

21 FREITAS, Juarez de. Sustentabilidade, direito ao futuro. Belo Horizonte: Fórum, 2011. p. 116. 22 SIRVINSKAS, Luís Paulo. Manual de Direito Ambiental. 3 ed. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 35. 23 MILARÉ, Edis. Dir eito ao Ambiente. 3ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004. p.51. 24 Resolução 41/128 da Assembléia Geral das Nações Unidas, em 04 de dezembro de 1986.

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do meio ambiente para as presentes e futuras gerações. A partir desses quatro elementos

interpretados harmonicamente (e não de maneira segmentada), baseiam-se os pilares do

desenvolvimento sustentável do Estado.

Outra importante distinção a ser realizada diz respeito às diferença entre os conceitos

de desenvolvimento e crescimento. A diferenciação realizada por Bercovici25 entre os dois

institutos reside no fato de que o desenvolvimento só ocorre quando há mudança nas

estruturas sociais, não bastando apenas a implementação de políticas visando o

desenvolvimento econômico, visto que esses dois aspectos são indissociáveis.

Quando não há qualquer política de desenvolvimento social, não podemos sustentar

que estamos diante do processo de desenvolvimento, mas sim pelo processo de modernização,

agravado, ainda, pela concentração de renda e aumento das desigualdades sociais que será

gerado pelo fomento segmentado ao desenvolvimento econômico, sem a preocupação com o

aspecto social.

Ao Estado, portanto, foi deferido o dever de contemplar eventuais problemas

ambientais, sociais e econômicos no contexto do processo contínuo de planejamento, a fim de

que sua atividade normativa e reguladora absorva regras e condutas tendentes a disciplinar os

limites e deveres do setor público e privado em relação ao exercício de atividade econômica

em sentido lato, sem produção de prejuízo do meio ambiente e à sociedade, conduzindo o

Estado Brasileiro ao desenvolvimento nacional almejado pela Constituição.

A partir do panorama apresentado, é imperioso se chegar a conclusão que todo o

planejamento estatal da atividade econômica deve incluir como premissa a sustentabilidade,

de modo a alcançar o cumprimentos de suas metas e objetivos, nunca desacompanhada da

efetiva participação e fiscalização social em todas as etapas deste processo, alcançando-se,

desta maneira, o valor constitucional do desenvolvimento.

5. CONCLUSÕES

Constata-se, contudo, que para além da representatividade do cidadão concentrada

nas mãos dos detentores de mandatos eletivos no nosso modelo de democracia representativa,

o cidadão também pode e deve participar – deveres de cidadania - das atividades de

25 BERCOVICI, Gilberto. Desenvolvimento, Estado e Administração Pública. In: CARDOZO, José Eduardo Martins; QUEIROZ, João Eduardo Lopes e SANTOS, Márcia Walquiria Batista dos. Curso de Direito Administrativo Econômico, v. II. São Paulo, Malheiros, 2006. p. 29.

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planejamento e fiscalização da atividade econômica, no que se incluem, por exemplo, os

serviços públicos.

Aliás, mais forte do que o poder do cidadão participar de atividades de

planejamento, regulação e prestação de serviços públicos, é o dever da administração pública

em dar publicidade de seus atos de planejamento e regulação, dando ciência à população de

que é garantida a possibilidade de opinar, ser consultada, ser informada e até decidir questões

que lhe são postas sobre determinadas atividades estatais, compartilhando responsabilidades

com o Estado.

A participação efetiva do cidadão no dia a dia da administração pública,

principalmente nas de caráter de planejamento engrandece a democracia, não apenas num

discurso demagógico, mas em aspectos práticos e palpáveis: quanto maior for o conhecimento

do cidadão em relação aos atos praticados pela administração pública ou por quem lhe faça as

vezes, menor será o grau de discricionariedade e arbitrariedade administrativa de seu gestor.

O cidadão pode e deve exigir a motivação dos atos praticados, que, em última análise, deve

sempre visar à consecução do bem comum.

A legislação vigente é farta em garantir ao cidadão instrumentos hábeis ao controle

social da atividade pública. Tão nítida é a preocupação do legislador com esse aspecto que

leis recentes incluem conceitos operacionais de “controle social” no seu bojo, com a intenção

de se reafirmar o direito a um “conjunto de mecanismos e procedimentos que garantem à

sociedade informações, representações técnicas e participações nos processos de formulação

de políticas, de planejamento e de avaliação relacionados aos serviços públicos” (art. 3º, IV,

da Lei 11.445/2.007).

Mas a reflexão deve ir além, pois a simples previsão legal de mecanismos de

participação e controle social na atividade de planejamento não garante que seja efetiva a

participação do cidadão. Isto porque, por vezes, essa participação e controle será meramente

formal, resumindo-se a meia dúzia de assinaturas que comprovam a realização de uma

audiência pública que se constitui requisito para aprovação de determinado projeto de lei, por

exemplo. Ou ainda, a administração pode querer dificultar o direito de informação,

participação e controle da sociedade sobre sua própria atividade, por meio da utilização de

uma linguagem demasiadamente técnica, inacessível ao entendimento de pessoas não

especializadas em determinadas áreas de conhecimento.

Inicialmente, para que a participação efetivamente ocorra, a legislação deve prever

mecanismos que imponham ao Estado o dever de consultar a população em determinados

assuntos, como condição prévia de realização de determinado ato, como verdadeira etapa de

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62

um processo administrativo.

Ao depois, é preciso conferir ampla publicidade sobre as datas e assuntos das

consultas, debates e audiências públicas, para que haja efetiva convocação da população e não

apenas o preenchimento formal dos requisitos legais.

Por fim, mas não menos importante, é necessário que o Estado fomente a cultura

participativa como decorrência do exercício da democracia e da cidadania. Para tanto, o

Estado deve estabelecer um diálogo menos formal, mais próximo da realidade vivida pela

população, com a finalidade de que esta realmente compreenda os assuntos que estão postos a

discussão ou deliberação, para que haja uma participação qualitativa e não meramente

quantitativa nas decisões de planejamento da atividade estatal.

Destarte, o controle social, para ser eficaz, deve estar inserido no contexto dos

processos administrativos de planejamento como efetiva condição de sua prosseguibilidade. A

percepção da população sobre seus direitos e deveres deve caminhar para o sentido da efetiva

necessidade de participação da população na tomada de decisões futuras, fazendo com que o

controle não incida somente para eventual correção do ato administrativo, atuando de maneira

na fase anterior deste processo: o planejamento.

6. REFERÊNCIAS

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A DIMENSÃO CONSTITUCIONAL DA ATIVIDADE EMPRESARIAL

THE DIMENSION CONSTITUTIONAL OF CORPORATE ACTIVITY

Josilene Hernandes Ortolan De Pietro

RESUMO

O Código Civil de 2002 (Lei nº 10.406/2002) destacou a funcionalização do direito, tema

introduzido pela Constituição Federal de 1988, por meio do princípio da função social dos

institutos jurídicos. As relações privadas foram redefinidas sob a ótica constitucional, a fim de

se promover a dignidade da pessoa humana, superando os fundamentos do dogmatismo

tradicional. Nesse sentido, a empresa, inserida na ordem pública constitucional-econômica,

deve atender aos princípios constitucionais, e, dessa forma, cumprir sua função social. O

presente artigo analisa a atividade empresarial contemporânea, redelineada a partir da

interpretação jurídica da realidade empresarial, informada pelos valores constitucionais,

inspirando uma mudança de paradigma ao comportamento empresarial, pautado num agir

ético e socialmente responsável.

PALAVRAS-CHAVE: Empresa; Função Social da Empresa; Direitos Fundamentais; Ordem

Econômica.

ABSTRACT

The 2002 Civil Code (Law nº 10.406/2002) emphasized the functionalization of duty theme

introduced by the 1988 Federal Constitution, through the principle of the social function of

legal institutions. The private relations have been redefined under the constitutional

perspective, in order to promote human dignity, overcoming the traditional foundations of

dogmatism. Accordingly, the company, part of the constitutional order and economic, must

meet the constitutional principles, and thus fulfill its social function. This article analyzes the

contemporary business activity, redefine from the legal interpretation of the business reality,

informed by constitutional values, inspiring a paradigm shift in corporate behavior, based on

ethical and socially responsible act.

KEYWORDS: Enterprise; Role of Social Enterprise; Fundamental Rights; Economic Order.

1 Doutoranda em Direito Político e Econômico pela Universidade Presbiteriana Mackenzie –SP. Mestre em Teoria do Direito e Teoria do Estado pelo Centro Universitário Eurípides de Marília-SP. Advogada e Professora Universitária.

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INTRODUÇÃO

Com a funcionalização do direito privado, tema introduzido pela Constituição

Federal de 1988, por meio do princípio da função social, as relações privadas foram

redefinidas sob a ótica constitucional, a fim de se promover a dignidade da pessoa humana.

Nesta ótica, há predomínio e sobreposição dos valores sociais sobre os individuais.

Os institutos de Direito Privado, entre eles o Direito de Empresa, devem estar relacionados e

subordinados aos preceitos constitucionais. E esta inter-relação decorre do fato do direito

privado desenvolver as relações e âmbitos reservados e protegidos pelos direitos

fundamentais. Lança-se um novo olhar sobre os institutos que devem permear as relações

privadas.

1 O DIREITO EMPRESARIAL CONSTITUCIONAL

Hodiernamente, destaca-se a nova concepção da atividade empresarial, voltada à

elaboração, interpretação e aplicação do direito dentro do contexto social no qual se encontra

inserido, em atendimento às novas exigências econômicas, face à dinamização da produção

capitalista. A empresa deixa de ser puramente um instrumento à realização da autonomia

privada, para desempenhar uma função social.

Para Bessa (2006, p. 97), A empresa – concebida de forma absoluta num mundo construído sobre o

pensamento filosófico individualista e liberal – persiste em sua estrutura até os dias de hoje, numa sociedade marcada por duas guerras mundiais e por perspectivas sociais, políticas e filosóficas absolutamente diversas daquelas presentes quando de sua origem.

A atividade empresarial não pode estar dissociada da realidade social e deverá ser

exercida em consonância com os interesses sociais e informada pelos princípios

constitucionais, a partir de ajustes às distorções de uma vontade que não mais corresponde à

visão tradicional dos ideais de uma sociedade individualista e liberal. Eis o reflexo da

preocupação com a reconstrução do ordenamento jurídico, mais sensível aos problemas e

desafios da sociedade contemporânea. Trata-se da constitucionalização do direito privado, que

busca redelinear o direito na pós-modernidade, primando pela interpretação da legislação

infraconstitucional sob a ótica das disposições constitucionais. Não se resume em consagrar

normas públicas em regras de relações privadas. A essência da constitucionalização do

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direito privado está na interpretação destas regras à luz dos dispositivos constitucionais.

Como sintetizado por Barroso (2004, p.39):

A ideia de constitucionalização do Direito aqui explorada está associada a um efeito expansivo das normas constitucionais, cujo conteúdo material e axiológico se irradia, com força normativa, por todo o sistema jurídico. Os valores, os fins públicos e os comportamentos contemplados nos princípios e regras da Constituição passam a condicionar a validade e o sentido de todas as normas do direito infraconstitucional. Como intuitivo, a constitucionalização repercute sobre a atuação dos três Poderes, inclusive e notadamente nas suas relações com os particulares. Porém, mais original ainda: repercute, também, nas relações entre particulares.

Assim, a constitucionalização do direito privado promove a “migração, para o âmbito

privado, de valores constitucionais, dente os quais, como verdadeiro primus inter paris, o

princípio da dignidade da pessoa humana” (FACCHINI NETO, 2003, p. 32).

A empresa necessita, portanto, ser funcionalizada a partir dos valores existenciais,

como o é a dignidade da pessoa humana, para que possa contemplar seus fins sociais. E

funcionalizar, “sobretudo em nosso contexto, é atribuir ao instituto jurídico uma utilidade ou

impor-lhe um papel social” (NALIN, 2001, p. 217).

Na sociedade cosmopolita já não há mais espaços para sistemas jurídicos

irredutíveis, razão pela qual a atividade empresarial necessita ser redelineada a partir da

interpretação jurídica da realidade empresarial informada pelos valores constitucionais. Como

se manifesta Requião (2003, p.76):

Hoje o conceito social de empresa, como o exercício de uma atividade organizada, destinada à produção ou circulação de bens ou de serviços, na qual se refletem expressivos interesses coletivos, faz com que o empresário comercial não seja mais o empreendedor egoísta, divorciado daqueles interesses gerais, mas um produtor impulsionado pela persecução de lucro, é verdade, mas consciente de que constitui uma peça importante no mecanismo da sociedade humana. Não é ele, enfim, um homem isolado, divorciado dos anseios gerais da sociedade em que vive.

2 A EMPRESA E A ORDEM ECONÔMICA CONSTITUCIONAL

A Constituição Federal de 1988 é a base de todo o ordenamento jurídico brasileiro.

Como ensina Barroso (2005, p.39):

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a Constituição figura hoje no centro do sistema jurídico, de onde irradia sua força normativa, dotada de supremacia formal e material. Funciona, assim, não apenas como parâmetro de validade para a ordem infraconstitucional, mas também como vetor de interpretação de todas as normas do sistema.

Desse modo, a Constituição Federal de 1988 é o instrumento normativo que organiza

juridicamente o Estado Social Democrático de Direito. E nos dizeres de Mattietto (2000, p.

167):

As Constituições, por mais extensas que sejam, não encerram todo o complexo de relações jurídicas da vida social, mas seus valores e princípios hão de aplicar-se a todos os setores do ordenamento. Tal aplicação deve ocorrer nas relações entre o Estado e os indivíduos, bem como nas relações interindividuais, abrigadas no campo civilístico. Os valores e princípios constitucionais devem ter a sua eficácia reconhecida, ademais, não somente quando assimilados pelo legislador ordinário, que os tenha transposto para a legislação infraconstitucional, mas também diretamente às relações entre os indivíduos (a denominada eficácia direta), inclusive em virtude da determinação segundo a qual “as normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata” (Constituição, art. 5º, §1º).

Apresentam-se no Título I da Carta Magna os princípios constitucionais

fundamentais, que são “normas-matriz, que explicitam as valorações políticas fundamentais

do legislador constituinte, normas que contém as decisões políticas” (SILVA, 1998, p. 99).

Dentre eles, destacam-se os incisos III e IV do art. 1º, que elencam como fundamentos da

República Federativa do Brasil, sob o regime político do Estado Social Democrático de

Direito a dignidade da pessoa humana, os valores sociais do trabalho e a livre iniciativa.

Esses postulados são também fundamentos da ordem constitucional econômica, que

se encontra prevista e regulamentada no art. 170: “A ordem econômica, fundada na

valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência

digna, conforme os ditames da justiça social”. Este novo tratamento conferido à ordem

econômica demonstrou a preocupação com o equilíbrio entre a exploração da atividade

econômica e a proteção dos direitos e garantias constitucionalmente assegurados. Apresentou-

se mais adequado à realização da justiça social.

O legislador constituinte, de maneira categórica, pretende evitar que a iniciativa econômica privada possa ser desenvolvida de maneira prejudicial à promoção da dignidade da pessoa humana e à justiça social. Rejeita, igualmente, que os espaços privados, como a família, a empresa e a propriedade, possam representar uma espécie de zona franca para a violação do projeto constitucional (TEPEDINO, 2003, p.118).

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Para compreensão das normas constitucionais que regulamentam a ordem econômica,

necessário se faz a conexão com os demais dispositivos constitucionais, uma vez que se a

ordem constitucional econômica não se apresenta como ilha normativa destacada da Carta

Magna. Trata-se de fração constitucional, que se integra no conjunto das normas

constitucionais, razão pela qual a interpretação, aplicação e execução dos seus preceitos

requerem o constante ajustamento dessas regras às disposições constitucionais que se

encontram por toda Constituição (HORTA, 2003, p.265).

A Constituição Federal de 1988 contempla um sistema econômico capitalista, no

qual são detentores dos meios de produção os agentes econômicos privados, que podem se

utilizar destes para fins lucrativos, porém, sempre voltados à promoção da dignidade da

pessoa humana. Por meio da liberdade de iniciativa econômica – livre iniciativa – o Estado

atribuiu aos particulares a exploração dos meios de produção. Os agentes econômicos

usufruem de autonomia no exercício da atividade empresarial.

Ao Estado incumbe fazer-se presente em determinadas circunstâncias para

restabelecer o equilíbrio das relações, uma vez que “a Carta Magna não consagra o

liberalismo infenso à justiça social, mas sim o social-liberalismo, segundo o qual o Estado

também atua como agente normativo e regulador da atividade econômica” (REALE, 1999,

p.45).

A incidência dos princípios e valores constitucionais nas relações privadas, sobretudo

no tocante à atividade econômica privada, destina-se à construção de uma ordem jurídica

voltada aos problemas e desafios da sociedade hodierna, como aliar o desenvolvimento

econômico à promoção da dignidade da pessoa humana. Isto é, o desenvolvimento

econômico deve assentar-se na dignidade da pessoa humana, da mesma forma que o

desenvolvimento social deve contemplar a produção e o progresso. É o ensinamento de

Theodoro Júnior (2004, p.34)

A ordem constitucional de nossos tempos, por isso, evita o intervencionismo gerencial público no processo econômico; deixa de atribuir ao Estado a exploração direta dos empreendimentos de ordem econômica; mas também não pode permitir que em nome da liberdade negocial a força econômica privada seja desviada para empreendimentos abusivos, incompatíveis com o bem estar social e com valores éticos cultivados pela comunidade.

A função social da empresa deriva da função social atribuída à propriedade privada,

com a promulgação da Constituição Federal de 1988, momento em que tal instituto foi

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contemplado como direito e garantia fundamental, inserido no rol do artigo 5º da Carta

Magna2.

O Estado contemporâneo absorve as pautas axiológicas das Constituições,

igualmente contemporâneas, para constituir os tecidos sociais em camadas espessas e alcançando também os direitos privados. O Estado Democrático de Direito e Social recepciona os novos princípios constitucionais que, a um só tempo, orientam e delimitam diversas estruturas jurídicas. A intervenção na ordem econômica, funcionaliza institutos clássicos do direito privado. A livre iniciativa permanece assegurada, mas com limitações à autonomia privada. Por via de consequência, são limitadas as funções dos negócios jurídicos, destacando-se o âmbito dos contratos e das empresas. Define-se a função social da propriedade (FERREIRA, 2004, p.37 e 38).

Ao assegurar o direito de propriedade e a livre iniciativa, a Constituição Federal de

1988, ao mesmo, contemplou a função social desta propriedade, a dignidade da pessoa

humana, a busca do pleno emprego e a valorização do trabalho humano. Conquanto

conflitantes, estes postulados não se excluem, ao revés, se complementam.

À empresa é garantido o desenvolvimento com base na livre iniciativa desde que

atenda uma função social, uma vez que toda finalidade individual deve reverenciar uma

finalidade social. Como se encontra inserida no espaço social, necessita contribuir para

harmonização deste. Assim, a empresa pode exercer livremente suas atividades, porém

atendo-se aos princípios constitucionais limítrofes existentes. A instituição jurídica

empresarial contemporânea é, antes mesmo, instituição social. “A tendência constitucional é

pela função social dos institutos jurídicos, do que se precisa incluir a empresa como operadora

de um mercado socialmente socializado” (COMPARATO, 1986, p.76).

Verifica-se, por conseguinte, que a atividade econômica é impulsionada pela livre

iniciativa, que, todavia, deve atender aos princípios gerais da ordem constitucional

econômica, previstos nos incisos de I a IX do art. 170 e imprescindíveis à organização e

funcionamento da economia. Preleciona referido artigo:

Art.170 (...) observados os seguintes princípios: I - soberania nacional; I - propriedade privada; III - função social da propriedade; IV - livre concorrência; V - defesa do consumidor; VI - defesa do meio ambiente, inclusive mediante tratamento diferenciado conforme o impacto ambiental dos produtos e serviços e de seus processos de elaboração e prestação; VII - redução das desigualdades regionais e sociais; VIII - busca do pleno

2 Dispões o art. 5º da Constituição Federal: “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: XXII – é garantido o direito de propriedade; XXIII- a propriedade atenderá a sua função social’.

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emprego; IX - tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sua sede e administração no País.

Por tal razão, o art. 170 da Constituição Federal, limita a atuação da atividade

econômica à realização dos interesses sociais. Trata-se da prevalência da pessoa humana

sobre os valores patrimoniais e individualistas. E a empresa encontra-se inserida nesta ordem

econômica constitucional, cujos princípios possibilitam ao proprietário usufruir de sua

propriedade e exercer a liberdade de iniciativa, aspectos característicos do Estado Social

Democrático de Direito que privilegia ideais capitalistas, ao mesmo tempo em que

determinada o cumprimento da função social como condição para tutela estatal, consagrando

a expressiva contemplação do social em detrimento das ações individualistas.

3 FUNDAMENTOS CONSTITUCIONAIS DA ORDEM ECONÔMICA

A livre iniciativa representa estímulo à atividade econômica e é fator determinante

das relações de mercado, todavia a autonomia da empresa deve observar os princípios da

ordem econômica constitucional. Tal maneira que a Constituição Federal vigente, ao

enumerar aleatoriamente tais princípios no art. 170, instituiu a necessária relação de

complementação entre eles, já que a ordem econômica não pode ser considerada como fato,

mas somente como uma construção normativa (FARAH, 2002, p.674).

Destarte, princípios constitucionais informadores da ordem econômica vigente

apresentam-se como norte para a atividade empresarial e devem estar em harmonia com as

relevantes diretrizes constitucionais estabelecidas nos art. 1º e 3º. O primeiro elenca como

fundamentos do Estado Democrático de Direito a dignidade da pessoa humana, os valores

sociais do trabalho e da livre iniciativa. Por sua vez, o segundo, apresenta os objetivos

fundamentais da República Federativa do Brasil, destacando-se a garantia do

desenvolvimento nacional, a construção de uma sociedade livre, justa e solidária, a

erradicação da pobreza e da marginalização, bem como a promoção do bem coletivo, imune a

todas as formas de discriminação. A finalidade precípua é proporcionar a todos existência

digna, em conformidade com os ditames da justiça social. A dignidade da pessoa humana

deve ser privilegiada em todas as relações.

“Quando a Constituição prevê que na ordem econômica, um dos princípios básicos é

a função social, o legislador constituinte funcionaliza a ordem econômica. E quem

funcionaliza, limita, porque lhe dá uma direção” (FACHIN, 2000, p. 208 e 209). Eis o motivo

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pelo qual a Carta Magna ao mesmo tempo assegurou a inviolabilidade, garantiu e restringiu o

direito à propriedade privada, impondo-lhe uma função social. E assim, a empresa, analisada

nos quadros da ordem econômica, fundamenta-se, por conseguinte, na valorização do trabalho

humano e na livre iniciativa.

Sustenta Farah (2002, p. 676):

Fundamentada no princípio da livre iniciativa, a Carta Magna brasileira reconhece a propriedade privada e a reserva da atividade econômica aos particulares, porém condiciona-as à dignidade da pessoa humana e à valorização do trabalho, e as dirige à construção de uma sociedade livre, justa e solidária. Isso deve ocorrer porque propriedade e livre iniciativa são apenas princípios-meios, e desta forma devem estar balizados no reconhecimento do valor da pessoa humana como fim.

A livre iniciativa é expressão do direito de liberdade, valor consagrado

constitucionalmente e que constitui fundamento da República Federativa do Brasil. Na ordem

econômica, compreende a liberdade de instalação e investimento, competição e

administração. Ressalta-se que a liberdade de iniciativa não é absoluta, sofrendo limitações

jurídicas e socioeconômicas.

Releva destacar que a liberdade de iniciativa desdobra-se em postulados

constitucionais que possibilitam a funcionalização do princípio. Assim, segundo Barroso

(2008, p.04),

O princípio da livre iniciativa, por sua vez, pode ser decomposto em alguns elementos que lhe dão conteúdo, todos eles desdobrados no texto constitucional. Pressupõe ele, em primeiro lugar, a existência da propriedade privada, isto é, de apropriação particular dos bens e dos meios de produção (CF, art 5º, XXII e 170, II). De parte isto, integra, igualmente, o núcleo da idéia da livre iniciativa a liberdade de empresa, conceito materializado no parágrafo único do art.170, que assegura a todos o livre exercício de qualquer atividade econômica, independentemente de autorização, salvo nos casos previstos em lei. Em terceiro lugar situa-se a livre concorrência, lastro para a faculdade e o empreendedor estabelecer os seus preços, que hão de ser determinados pelo mercado, em ambiente competitivo (CF, art. 170, IV). Por fim, é da essência do regime da livre iniciativa a liberdade de contratar, decorrência lógica do princípio da legalidade, fundamento das demais liberdades, pelo qual ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei (CF, art. 5º, II).

Como todos os princípios, a livre iniciativa não deve ser aplicada de forma absoluta.

Sua efetividade apresenta-se vinculada à ponderação com os demais princípios e valores

constitucionalmente previstos. Incumbe ao Estado a intervenção na ordem econômica para

regular e normatizar a atividade econômica toda vez que excessos forem cometidos pela

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iniciativa privada, pois a liberdade de iniciativa não é absoluta, uma vez que está

condicionada a prover justiça social. Assim, somente será legítima quando conciliar os meios

utilizados para buscar o lucro com a função social que deve desempenhar.

Por essa razão, para que o exercício da atividade privada, possibilitado pela livre

iniciativa, assegure os ditames da justiça social e promova a existência digna a todos, Moreira

Neto (1989, p.28), sintetizando as funções dos demais princípios da ordem econômica expõe

que, O princípio da liberdade de iniciativa tempera-se pelo da iniciativa suplementar do Estado; o princípio da liberdade de empresa corrige-se com o da definição da função social da empresa; o princípio da liberdade de lucro, bem como o da liberdade de competição, moderam-se com o da repressão e do abuso de poder econômico; o princípio da liberdade de contratação limita-se pela aplicação dos princípios de valorização do trabalho e da harmonia da solidariedade entre as categorias sociais de produção; e finalmente, o princípio da propriedade privada restringe-se como o princípio da função social da propriedade.

4 A FUNÇÃO SOCIAL DA EMPRESA

A empresa contemporânea prima pela convivência harmônica entre os interesses da

empresa e os interesses da sociedade. Não mais se volta somente ao interesse econômico e aos

fins puramente lucrativos. Apresenta uma função social a desempenhar. E esta função social

da empresa deriva da função social da propriedade, uma vez que o exercício da atividade

empresarial deriva do exercício do direito de propriedade do indivíduo. Como observa Bessa

(2006, p. 101),

A empresa é o núcleo de múltiplas manifestações do direito de propriedade:

produz bens, gera riqueza, estabelece – por meio dos negócios jurídicos – relações de aquisição e alienação de propriedade tecendo um intrincado conjunto de obrigações jurídicas e interagindo com o meio político, com os consumidores, com os trabalhadores, com as populações vizinhas, com a natureza.

A Ordem Econômica na Constituição Federal de 1988 concilia a livre iniciativa à

justiça social, por meio de dispositivos constitucionais referentes à propriedade e à livre

iniciativa, sem perder de vista a função social da empresa, que aparece como princípio

informador da Ordem Econômica na Constituição vigente. A partir dos fundamentos

constitucionais, verifica-se que há determinação na vinculação e na destinação de seus bens

de produção à realização dos fins objetivados na ordem econômica.

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Com surgimento do Estado Social Democrático de Direito, instituído pela

Constituição Federal de 19883, destinado a assegurar o exercício de valores supremos, obteve

destaque a questão da função social dos institutos jurídicos, ressaltando até mesmo a

finalidade social da própria Ciência do Direito. Derani (2001, p.58) explica que,

O direito é sempre fruto de uma determinada cultura. Ele é nível da própria realidade, é elemento constitutivo do modo de produção social. Logo, no modo de produção capitalista, tal qual em qualquer outro modo de produção, o direito atua também como instrumento de mudança social, interagindo em relação a todos os demais níveis – ou estruturas regionais – da sociedade global.

Como sintetizado por Gomes (1986, p. 16),

ao longo do processo de consolidação dessas transformações do capitalismo,

legitimou-se a intervenção do Estado na vida econômica como forma de limitar a propriedade privada e a liberdade de contratar, realizando-se, assim, a nova ideia de uma função social do Direito.

À propriedade quase sempre foi atribuída proteção jurídica. Com a evolução

socioeconômica, ela continua resguardada, mas tal proteção foi redelineada e somente se faz

válida se voltada à realização do interesse coletivo, e não apenas, do interesse individual. De

fato, o proprietário é responsável em atribuir uma finalidade coletiva aos bens particulares. Ao

explorar a propriedade privada, o proprietário não pode fazê-la em prejuízo do bem coletivo.

Ao revés, deve pautar-se na consecução e promoção da dignidade da pessoa humana e

solidariedade social. Com as transformações advindas com a globalização econômica, além de

instrumento de exercício da liberdade individual, a propriedade passou adquiriu a função de

instrumento de realização da igualdade social e solidariedade social.

Desse modo, a relação existente entre o empresário e os meios de produção para

exploração da atividade empresarial deve cumprir uma função social, ou seja, atender aos fins

sociais da empresa.

A empresa se manifesta sob várias formas no direito de propriedade, seja na

produção de bens, circulação de riquezas, realização de negócios jurídicos, forma pela qual

interage com a política, com os consumidores, trabalhadores, com a natureza. Trabalhar a

função social da empresa é situá-la face à função social da propriedade, da livre-iniciativa

3A nova ordem jurídica, instituída pela Constituição Federal de 1988, “concebe o Estado brasileiro não simplesmente como um ‘Estado de Direito’, mas como um ‘Estado Democrático de Direito’, que pressupõe a incorporação dos valores próprios do Estado Social (solidariedade, igualdade, liberdade positiva) aos valores do Estado de Direito (igualdade e legalidade formal, liberdade negativa, proteção à propriedade)” (GRECO, 1998, p. 126).

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(empreendedorismo) e da proporcionalidade (harmonia dos interesses individuais e

necessidades sociais) (BESSA, 2006, p. 101-102).

Há previsão na legislação constitucional e infraconstitucional brasileira sobre a

função social (da propriedade, da empresa e do contrato). Destacam-se: art.5º, XXIII; art. 170,

III; art. 173, §1º, I; art 182, §2º, art, 184, caput; art. 185, parágrafo único, todos da

Constituição Federal de 1988; no Código Civil de 2002 (Lei nº 10.406/2002) apresenta-se no

art. 421 e igualmente está previsto no Direito Empresarial, nas legislações especiais: art. 116,

parágrafo único da Lei nº 6404/76 (Lei das Sociedades Anônimas) e ainda, regras no Código

de Defesa do Consumidor (Lei nº 8078/90) e no Estatuto da Cidade (Lei nº 10.257/01).

A Constituição Federal de 1988 prevê conjunto de princípios e regras destinados à

regulamentar as relações entre o Estado e os agentes econômicos, disciplinando a intervenção

estatal no mercado capitalista. Trata-se da ordem constitucional econômica, que regulamenta

os princípios gerais da atividade econômica. E a propriedade e a função social encontram-se

consagradas nesta ordem. Tal previsão decorre do fato do Estado Social Democrático de

Direito hodierno ter deixado de explorar diretamente as atividades econômicas de produção e

circulação de bens e ter concedido espaço à livre iniciativa, possibilitando o desenvolvimento

econômico.

Em consonância com os preceitos da ordem constitucional econômica, a empresa

apresenta-se voltada não apenas na busca de seus valores individuais, mas destinada

igualmente à realização dos interesses coletivos. É esta a concepção contemporânea da

finalidade da empresa: consolidar o exercício do direito de propriedade e a efetividade do fim

social da atividade econômica. Preleciona Comparato (1986, p.44): a empresa atua para atender não somente os interesses dos sócios, mas também os da coletividade: Função, em direito, é um poder de agir sobre a esfera jurídica alheia, no interesse de outrem, jamais em proveito do próprio titular. Algumas vezes, interessados no exercício da função são pessoas indeterminadas e, portanto, não legitimadas a exercer pretensões pessoais e exclusivas contra o titular do poder. É nessas hipóteses, precisamente, que se deve falar em função social ou coletiva. (...) Em se tratando de bens de produção, o poder-dever do proprietário de dar à coisa uma destinação compatível com o interesse da coletividade transmuda-se, quando tais bens são incorporados a uma exploração empresarial, em poder-dever do titular do controle de dirigir a empresa para a realização dos interesses coletivos.

Os princípios informadores específicos da função social da empresa são

preconizados por Ferreira (2004, p. 45 e 46). Primeiramente, destaca o princípio da dignidade

empresarial, que se traduz no exercício equilibrado da atividade econômica, atingindo sua

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finalidade social e econômica, adstrita aos princípios constitucionais. A autora ressalta que, se

na observância da relação custo versus benefício for incluída a dimensão do beneficio social,

estar-se-á observando a ética empresarial. Em seguida, enumera o princípio da moralidade

empresarial, que compreende a proteção ao nome da empresa, qualidade na produção,

serviços, atendimento e tratamento adequado ao consumidor, dentro das formalidades

impostas pela legislação. Em análise última, enfatiza o princípio da boa-fé empresarial, que

evidencia a boa-fé objetiva, traduzida como regra de conduta, um comportamento exigido

para que as partes atuem dentro de padrões sociais estabelecidos e reconhecidos, cooperando

para a realização dos interesses das partes.

Dessa forma, a qualidade e desempenho da atividade empresarial exercem papel de

fundamental importância para o desenvolvimento econômico, visto que para coadunar os

princípios da ordem pública econômica constitucional é fundamental à empresa cumprir sua

função social, já que no seu exercício, devem ser respeitados os interesses dos indivíduos que

integram a estrutura da empresa e se interligam a ela, direta ou indiretamente, e os interesses

da coletividade na qual se encontra inserida.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A dimensão constitucional da atividade empresarial implica uma responsabilidade

social da empresa na exploração da atividade econômica, como forma de tutelar os interesses

coletivos, tutela esta que deriva da ordem econômica, que relativizou dogmas como a livre

iniciativa e a autonomia privada. Desse modo, a atividade empresarial lança-se além da

concepção privatista, cujo núcleo era o individualismo, para concretizar as necessidades e

interesses coletivos, socializando as relações privadas. Trata-se da inclusão dos interesses

individuais na realidade socioeconômica.

Uma empresa socialmente responsável é aquela cuja atitude ética permeia toda sua

atividade. Padrões éticos de condutas devem ser adotados pelas organizações, representados

pela prática efetiva de valores como respeito aos trabalhadores, preservação do meio

ambiente, qualidade de produção, eficiência na prestação de serviços, prestígio das relações

consumeristas, ponderação das decisões, demonstração de real consciência participativa e

compromisso social da empresa, tudo em busca do bem-estar coletivo.

Estes paradigmas direcionam a atividade empresarial à defesa dos direitos coletivos,

sem deixar de agir na busca e preservação dos valores puramente empresariais, como o é o

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lucro. Refere-se a uma nova visão dos seus objetivos e da sua função na sociedade, que deve

ser ativo e dinamizador.

É no próprio mercado no qual se encontra inserida a empresa que insurge sua

responsabilidade social. A existência e permanência da empresa na sociedade demanda

ponderação na tomada de decisão, capacidade de avaliar as consequências e responsabilização

pelas ações praticadas. Em síntese, “liberdade (livre-iniciativa) que tem como pressuposto a

responsabilidade” (BESSA, 2006, p. 103). O comportamento empresarial ético e socialmente

responsável, no mundo globalizado e em constante transformação, apresenta-se como meio de

progresso e desenvolvimento econômico.

Os princípios constitucionais devem coordenar e orientar a atividade empresarial,

cuja atuação deve estar voltada à promoção do bem-estar da sociedade na qual está inserida.

A atividade não fica adstrita à obtenção pura e simples do lucro, mas sim ao exercício

socioeconômico, cuja finalidade é promover e valorizar a dignidade da pessoa humana,

atingindo os objetivos da ordem jurídica e econômica constitucional.

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APRECIAÇÃO JURÍDICA SOBRE A MULTIDISCIPLINAR RESPONSABILIDADE

SOCIAL EMPRESARIAL

LEGAL APPRECIATION UPON THE MULTIDISCIPLINARY CORPORATE SOCIAL

RESPONSIBILITY

Júlio Henrique Santos Kasper1

RESUMO

Com base em literatura técnica especializada nas áreas do Direito, da Administração e da Economia, o presente artigo aborda inicialmente a definição de desenvolvimento relacionando-o com a responsabilidade social empresarial, sem ignorar seu caráter includente, sustentável e sustentado e a sua íntima conexão com a liberdade. Em seguida, assinala-se e comenta-se a Responsabilidade Social Empresarial abordada por Milton Friedman, consubstanciando suas críticas acerca da ilegitimidade da empresa em promover ações socialmente responsáveis, bem como a sua inefetividade, diante da falta de preparo de quem for exercer este papel, dentre outros argumentos mais. Contrapondo a posição de Friedman, expõem-se as concepções de responsabilidade social empresarial trazidas por Archie B. Carroll no período de 1979 a 2003. Por fim, sob parâmetros jurídicos, critica-se a abordagem de desenvolvimento, responsabilidade social empresarial e função social da empresa com o fim de melhor denotá-los, sem olvidar da essencialidade da discussão acerca do dever e sanção jurídicos para tanto. PALAVRAS-CHAVE: Desenvolvimento Nacional Sustentável; Responsabilidade Social

Empresarial; Função Social da Empresa; Sustentabilidade.

ABSTRACT

Based on specialized technical literature in Law, Administration and Economy, the present article initially approaches the definition of development relating it with corporate social responsibility, without ignoring its inclusive, sustainable and sustained characteristics and its intimate connection with freedom. Following, the Corporate Social Responsibility approached by Milton Friedman are pointed out and commented, consubstantiating his critiques involving the company’s illegitimacy in promoting socially responsible actions, as well as its inefficiency, due to the lack of grounding of whoever is going to exercise this role, among many others arguments. Against Friedman’s position, it’s exposed Archie B. Carroll’s conceptions of corporate social responsibility brought between 1979 and 2003. Finally, under the legal parameters, the approaches of development, corporate social responsibility and corporate social function are criticized with the end to better acknowledge them, without forgetting the essentiality of the discussion over law duty and sanction to perform it.

KEYWORDS: Sustainable National Development; Corporate Social Responsibility; Corporate Social Function; Sustainability.

1 Graduando em Direito pelo Centro Universitário Curitiba - UNICURITIBA, Bolsista do CNPq e integrante do Grupo de Pesquisa “Atividade Empresarial e Administração Pública - Fomento ao desenvolvimento nacional socialmente responsável pela via das licitações e dos contratos administrativos”.

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1 INTRODUÇÃO

Os últimos cento e cinquenta anos foram marcados por grandes transformações

sociais, ambientais e econômicas que nos trouxeram ao presente momento e causaram à

humanidade aflição com relação a certos assuntos.

Um deles concerne ao modo de vida humano e a sua possibilidade de bem estar no

mundo sem que se deixe de viabilizar as mesmas (ou mais) chances para as gerações futuras.

Tal aflição promove o discurso da sustentabilidade.

Diante disso, o papel dos cidadãos, do Estado e do Mercado se amplia, bem como

sua responsabilidade.

Outrossim, passam a ser criados institutos, leis e normas de âmbitos moral que, aos

poucos e visivelmente, vão se instalando na sociedade com o intuito de satisfazer os fins

propostos pelo Desenvolvimento.

Em razão disso, as empresas, agentes econômicos, imbuídas em grande parte pelo

papel de sustentação do modo de vida das pessoas, recebe ainda mais ricas atribuições:

produzir e gerar riquezas, atendendo aos anseios da sociedade.

2 A RESPONSABILIDADE SOCIAL EMPRESARIAL

A discussão acerca da Responsabilidade Social Empresarial pode ser mais recente,

no entanto, fazendo retrospectiva ao século XIX é possível perceber a existência de

preocupações e ações voltadas ao social no seio da atividade econômica, que hoje seriam

rotuladas como Responsabilidade Social.

Neste caminho, quem se destacou foi Robert Owen, industrial do século em

referência que, preocupado com o bem-estar social de seus empregados, principalmente

inspirado por ideais socialistas, praticou condutas tendentes a melhorar o bem-estar de seus

empregados.

Uma delas, talvez a de maior expressão para a época, foi a de reduzir a jornada de

seus trabalhadores de 14 a 16 horas diárias, como comumente se praticava na época, para 10

horas, além de oferecer-lhes educação escolar (DIAS, 2012, p. 25).

Ademais, Owen foi o precursor dos atuais sindicatos, na medida em que, à época,

pleiteou a criação de trade unions, associações estabelecidas com o propósito, segundo ele, de

enfraquecer o modo de produção capitalista.

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No entanto, seus membros incorporaram ideais distintos, com o principal objetivo de

receber maiores salários de seus empregadores (BLOY, 2011).

Nesta esteira e no mesmo século, muitos outros “empresários destinaram parte de

seus lucros para investi-los em planos de moradia, saúde, educação e desenvolvimento

comunitário” (DIAS, 2012, p. 24-25).

Enfim, a partir do século XIX, algumas pessoas com poderio econômico avantajado,

ocupantes de posições sociais relevantes, passaram a contribuir com a sociedade sob a égide

empresarial muitas vezes.

Embora a constatação desta realidade, apenas na segunda metade do século passado,

pelo que majoritariamente é defendido, é que se passa a sistematizar o que nesta ocasião se

denomina Responsabilidade Social Empresarial (CARROLL, 1979, p. 497).

Para Davis e Backman ela significa ir além do auferimento de lucro; para Mcguire: ir

além dos requerimentos econômicos e legais; para Manne: atividades voluntárias; para

Steiner: atividades econômicas, legais e voluntárias; para CED, Davis e Blomstrom: círculos

concêntricos que só fazem expandir; para Eells e Walton: Preocupação com um sistema social

mais amplo (CARROLL, 1979, p. 499).

Em que pese a disparidade autoral na elaboração de teorias e verificações acerca do

tema, os autores que trataram do assunto neste período (1950-1970), exceto Friedman,

concordaram em um aspecto: a Responsabilidade Social abrange ações empresariais que

suplantam a obtenção de lucro tão somente, livre de reflexos voltados ao bem-estar da

sociedade.

2.1 A REAÇÃO DE MILTON FRIEDMAN

Na década de 60, após o início da proliferação dos ideais acerca da Responsabilidade

Social Empresarial, Milton Friedman, calcado nos princípios de uma sociedade livre e na livre

iniciativa, contrapôs-se ferozmente.

Pautado na reputação que lhe é conferida, posicionou-se de forma desfavorável a

aceitação da Responsabilidade Social Empresarial sob os parâmetros de um sistema liberal,

pois, segundo ele, incompatíveis.

Neste sentido, em 1962, fez publicar nos Estados Unidos livro intitulado

“Capitalismo e Liberdade”, ocasião em que disserta contra a proliferação da RSE entre

Empresários utilizando vários argumentos.

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Em primeiro lugar, contrapõe-se, em especial, a ideia de que “os altos funcionários

das grandes empresas e os líderes trabalhistas têm uma responsabilidade social para além dos

serviços que devem prestar aos interesses de seus acionistas ou de seus membros”

(FRIEDMAN, 1962, p. 69).

Os argumentos que utiliza contra isso, de modo geral, orbitam a noção de que tal

doutrina é fundamentalmente subversiva e vai contra as bases de uma sociedade livre

(FRIEDMAN, 1962, p. 69).

Isto posto, para ele há um defeito de legitimidade quanto ao exercício de funções

sociais em âmbito privado, na medida em que os administradores, responsáveis pelo

destinação social do capital investido pelos acionistas, e que, portanto, em determinada

análise, tratar-se-iam de nada mais que empregados destes últimos, são escolhidos na forma

de contratação privada.

Neste sentido, ele questiona:

Se homens de negócios têm outra responsabilidade social que não a de obter o máximo de lucro para seus acionistas, como poderão eles saber qual seria ela? Podem os indivíduos decidir o que constitui o interesse social? Podem eles decidir que carga impor a si próprios e a seus acionistas para servir ao interesse social? É tolerável que funções públicas, como imposição de impostos, despesas e controle, sejam exercidas pelas pessoas que estão no momento dirigindo empresas particulares, escolhidas para estes postos por grupos estritamente privados? (FRIEDMAN, 1962, p.69).

Sob tais premissas, de forma talvez jocosa, prevê a possibilidade de no futuro haver

eleições públicas para a ocupação de tais cargos em empresas privadas (FRIEDMAN, 1962,

p. 69-70).

À época, a bandeira da RSE preconizava também o controle de preços com o intento

de “segurar” a inflação. Quanto a isso, argumenta da seguinte forma:

O controle de preços, quer legal ou voluntário, se posto efetivamente em prática, provocará, afinal, a destruição do sistema de economia livre e sua substituição por um sistema de controle central. E também não seria efetivo na prevenção da inflação. A história oferece ampla evidência de que o determinante do nível médio de preços e salários é o volume de dinheiro existente na economia, e não a voracidade dos homens de negócios ou dos trabalhadores. O governo solicita o autocontrole ao capital e ao trabalho devido à incapacidade do poder público de gerir seus próprios negócios - o que inclui o controle do dinheiro - e à tendência humana natural de passar a responsabilidade a outrem (FRIEDMAN, 1962, p. 70).

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Por fim, revela guiar seu pensamento com base no de Adam Smith, visto que,

intentando promover seu próprio interesse, fazer dinheiro com a venda de pães, é que o

padeiro promove o interesse da sociedade, saciar a fome.

Com isso, assume não saber de “grandes benefícios feitos por aqueles que pretendem

estar trabalhando para o bem público” (FRIEDMAN, 1962, p. 69).

Anos depois, em 1970, Friedman escreveu artigo para a New York Times Magazine,

ocasião em que reforçou e ampliou seu ponto de vista acerca da responsabilidade social.

O título “The social responsibility of business is to increase its profits” de imediato

remete (e relembra) ao tema. No entanto, salta aos olhos a presença da palavra business.

Isso é importante na medida em que as traduções para o português das obras em

inglês tratam com indiferença a utilização das expressões corporation e business. Nesse

sentido, Corporate Social Responsibility e Social Responsibility of Business são ambas

traduzidas como Responsabilidade Social Empresarial.

Com vistas a adequar o uso das expressões, tem-se que o vocábulo business significa

negócio; ocupação; comércio; empresa; atividade (MELLO, 2006, p. 562). Ao passo que

corporation é melhor relacionado aos conceitos de pessoa jurídica; pessoa artificial; sociedade

comercial de capital; sociedade anônima; entidade legal; corporação (MELLO, 2006, p. 614).

Seria irrelevante tal diferenciação, não fosse a própria abordagem de Friedman neste

sentido:

The discussions of the "social responsibilities of business" are notable for their analytical looseness and lack of rigor. What does it mean to say that "business" has responsibilities? Only people have responsibilities. A corporation is an artificial person and in this sense may have artificial responsibilities, but "business" as a whole cannot be said to have responsibilities, even in this vague sense (FRIEDMAN, 1970, p. 1).

A utilidade destas asserções reside o fato de que aqueles que exercem a empresa

(business) são empregados dos donos da atividade (business) e, pela razão de estarem

subordinados tanto hierárquica como financeiramente aos acionistas, é que devem admitir os

desejos de seu empregadores, quais sejam, geralmente, “to make as much money as possible

while conforming to their basic rules of the society, both those embodied in law and those

embodied in ethical custom” (FRIEDMAN, 1970, p. 1).2

2 Quanto à análise de Friedman acerca do exercício da empresa e seus interesses, cumpre advertir que, embora tenha feito referência ao Empresário Individual, desprezou-o em especial ao que toca a sua responsabilidade social, devido ao fato de que “most of the discussion of social responsibility is directed at corporations, so in

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Igualmente, se, em vez de cumprir com os anseios dos acionistas, o administrador

utilizar do tempo, salário e energia que lhe foram dispostos para a prática de supostos deveres

imbuídos a ele pela chamada Responsabilidade Social Empresarial, dar-se-ia o que Friedman

considera como ilegitimidade (FRIEDMAN, 1970, p. 2).

Em contrapartida, caso o administrador, distante de suas tarefas profissionais,

munido de sentimentos quais forem, religiosos, morais ou pessoais, praticar atos de cunho

social, gastando seu próprio dinheiro, energia e tempo, nada haveria de ilegítimo

(FRIEDMAN, 1970, p. 2).

Ademais, como exemplifica o autor, exercer a responsabilidade social representaria

dentre outras coisas “segurar” o preço do produto com o intuito de refrear a inflação, emitir

poluentes a níveis abaixo do desejado pelos acionistas e exigido em lei, ou, intentando reduzir

a pobreza, contratar trabalhadores desqualificados (FRIEDMAN, 1970, p.2).

Nestes termos,

In each of these cases, the corporate executive would be spending someone else's money for a general social interest. Insofar as his actions in accord with his "social responsibility" reduce returns to stockholders, he is spending their money. Insofar as his actions raise the price to customers, he is spending the customers' money. Insofar as his actions lower the wages of some employees, he is spending their money (FRIEDMAN, 1970, p. 2).

Para o autor, as consequências disso jazem a ideia de que tal realidade igualar-se-ia

às funções estatais de implementação de tributos e decisão de como estes serão gastos

(FRIEDMAN, 1970, p. 2.).

Neste contexto, o administrador, contratado pelas regras de Direito Privado,

usurparia as funções dos três poderes Estatais: Legislativo, Executivo e Judiciário, na medida

em que:

He is to decide whom to tax by how much and for what purpose, and he is to spend the proceeds--all this guided only by general exhortations from on high to restrain inflation, improve the environment, fight poverty and so on and on (FRIEDMAN, 1970, p. 3.)

Com isso, critica o autor, reconhecendo o que seria um revestimento de funcionário

público em torno do administrador e, que, portanto, para exercer o munus publico da

what follows I shall mostly neglect the individual proprietors and speak of corporate executives” (FRIEDMAN, 1970, p. 1).

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responsabilidade social, deveria ter seu cargo alcançado pela via de eleições públicas

(FRIEDMAN, 1970, p. 3).

Além disso, sob tais circunstâncias revela a dúvida a respeito de quais ações a serem

tomadas ensejam o melhor resultado esperado pela doutrina da responsabilidade social, e,

mesmo que o administrador saiba quais decisões tomar, haveria incerteza quanto a sua aptidão

para o assunto.

Pois, no caso aludido em seu artigo: diante do controle da inflação como ação

empresarial socialmente responsável, o administrador “is presumably an expert in running his

company--in producing a product or selling it or financing it. But nothing about his selection

makes him an expert on inflation” (FRIEDMAN, 1970, p. 3).

Deste modo, o autor faz inferir a provável falta de efetividade no trato da matéria

social pelas empresas e, principalmente pelos administradores.

Em sequência, passa a aduzir que, mesmo na possibilidade de o administrador ser um

perito nestas questões, muito provavelmente não duraria muito tempo em seu posto, tanto por

desagradar seus empregadores, como os consumidores que abandonariam a marca em favor

de outra mais inescrupulosa. (FRIEDMAN, 1970, p. 3-4).3

Encerrando suas apreciações a respeito do administrador de Sociedades Anônimas no

contexto da responsabilidade social, considera inofensiva a investida do Empresário

Individual em decisões socialmente responsáveis, pois

The situation of the individual proprietor is somewhat different. If he acts to reduce the returns of his enterprise in order to exercise his "social responsibility," he is spending his own money, not someone else's. If he wishes to spend his money on such purposes, that is his right and I cannot see that there is any objection to his doing so. In the process, he, too, may impose costs on employees and customers. However, because he is far less likely than a large corporation or union to have monopolistic power, any such side effects will tend to be minor (FRIEDMAN, 1970, p. 4-5).

Além do mais, a bandeira da Responsabilidade Social Empresarial pode, e

normalmente é, na opinião de Friedman, ser usada como máscara ou véu que encobre a

satisfação de outros fins (FRIEDMAN, 1970, p. 5).

2.2 AS CONCEPÇÕES DE CARROLL 3 A proliferação de ideais, ofertas publicitárias e “jogadas” de marketing no sentido da sustentabilidade fizeram crer na existência de consumidores mais exigentes quanto ao processo de produção do produto que está adquirindo, entretanto, tal asserção deve ser vista com cautela na medida em que facilmente se observa o desprezo da maior parte dos consumidores quanto a isso.

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Em que pesem os argumentos propostos por Milton Friedman, a realidade mostra que

muitos doutrinadores ignoraram suas advertências e mantiveram ou iniciaram seu estudo

acerca da Responsabilidade Social Empresarial.

Não é pelo fato de se tratarem de argumentos contrários à doutrina em investigação

que devem se encontrar livre de referência, pois são as contraposições que enriquecem o

trabalho.

Neste sentido, fazem-se presentes as críticas assinaladas, para o sentido de completar

o pensamento acerca das implicações da expressão e a atividade empresarial.

Igualmente, quase duas décadas após a publicação do livro que deu origem aos

contrapontos evidenciados por Friedman, Archie B. Carroll elaborou sua primeira tentativa

em sistematizar a RSE.

Sem dúvida, a concepção de Carroll é a mais utilizada pela doutrina e, portanto,

merece a devida atenção. Quanto a isso,

A definição de Responsabilidade Social Empresarial que Carroll fez em um artigo de 1979 continua sendo uma das mais citadas e o modelo conceitual que ele desenvolveu tornou-se a base de muitos programas e modelos de gestão da responsabilidade social (BARBIERI; CAJAZEIRA, 2009, p.53).

Inobstante, “talvez o modelo de responsabilidade social empresarial mais citado pela

literatura seja o desenvolvido por Archie Carroll na década de 1970” (OLIVEIRA, 2008, p.

71).

Embora tenha sido o autor de maior destaque neste cenário, não é necessariamente o

seu primeiro modelo o mais apurado, tanto isso é verdade, que o próprio autor o aperfeiçoou

em 1991 e o reformulou em 2003, sem que com isso deixasse de ser largamente utilizado.

Além disso, críticas são possivelmente a ele direcionadas na medida em que se situa

sob a perspectiva de um cientista da Administração, negligenciando características da mais

alta relevância para o Direito e para o instituto.

Sem mais delongas, passa-se às considerações acerca da Responsabilidade Social

Empresarial formuladas pelo próprio autor.

Partindo de definições pré-existentes ao tempo de elaboração de sua própria, Carroll

creu na necessidade de englobar quatro espécies do que ele denomina business performance:

Econômica, Legal, Ética e Discricionária (CARROLL, 1979, p. 499).

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Nesta etapa, Carroll utiliza a figura de uma coluna dividida em quatro seções de

tamanho decrescente da base ao cume; cada seção representa uma business performance, ou

Responsabilidade, partindo da Econômica, passando pela Legal e Ética e finalizando com a

Discricionária.

Com o pertinente destaque de que:

Any given responsibility or action of business could have economic, legal, ethical, or discretionary motives embodied in it. The four classes are simply to remind us that motives or actions can be categorized as primarily on or another of these four kinds (CARROLL, 1979, p. 500).

A primeira delas, a econômica, diz respeito ao papel da empresa na sociedade e na

história, visto que, como unidade econômica, produz bens e fornece serviços com vistas a

auferir lucro. Ademais, é base para a observância das demais (CARROLL, 1979, p. 500).

Em segundo lugar, salta aos olhos a responsabilidade legal, consubstanciando as

regras básicas a que as empresas devem observar e a sociedade espera que as façam

(CARROLL, 1979, p. 500).

Em que pese a expectativa social do cumprimento destes deveres, Carroll deixou de

mencionar a característica sancionatória diante de sua inobservância, podendo ser

juridicamente exigido o seu cumprimento. Irrelevante, portanto, a expectativa social neste

quesito.

O penúltimo lugar da coluna é ocupado pela responsabilidade ética, englobando as

anteriores, mas ao mesmo tempo é mais ampla e deficientemente definida, portanto, mais

difícil de cumprir, até por não estarem positivadas em lei. É pautada no fato de que a

sociedade espera mais do que o mero cumprimento da lei (CARROLL, 1979, p. 500).

Por fim, há no topo da coluna a Responsabilidade Discricionária.

Com isso, quer o autor evidenciar as ações que, embora não seja considerada

antiética a sua ausência, são desejadas pela sociedade, portanto, dependem tão somente da

“vontade” da empresa. Ademais, não estão ligadas a sua atividade normal (CARROLL, 1979,

p. 500), conforme se aduz do trecho a seguir: Examples of voluntary activities might be making philanthropic contributions, conducting inhouse programs for drug abusers, training the hardcore unemployed, or providing day-care centers for working mothers. The essence of these activities is that if a business does not participate in them it is not considered unethical per se (CARROLL, 1979, p. 500).

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A apreciação deste modelo é encerrada pelo autor, por meio da declaração de que um

ato empresarial pode ao mesmo tempo englobar várias espécies das Responsabilidades

propostas, como exemplo utiliza o produtor de brinquedos que os faz mais seguros; ao mesmo

tempo é econômica, legal e eticamente responsável. (CARROLL, 1979, p. 500-501).

Em sequência, Carroll faz considerações acerca das questões que estariam imanentes

a cada Responsabilidade e que pudessem de forma precisa identificar quais seriam as decisões

empresariais que a elas concernem.

Pela impossibilidade, não elaborou um rol exaustivo que dispusesse cada questão, no

entanto, ponderou a variação de tais questões com relação à atividade da empresa

(CARROLL, 1979, p. 501), ao qual podemos incluir também o fator ambiental e do contexto

social em que se instala.

Em que pese tal fato, Many factors come into play as a manager attempts to get a fix on what social issues should be of most interest to the organization. A recent survey by Sandra Holmes illustrates this point quite well. In her survey of managers of large firms, she asked what factors are prominent in selecting areas of social involvement by their firms (HOLMES apud CARROLL, 1979, p. 501). The top five factors were: 1. Matching a social need to corporate need or ability to help; 2. Seriousness of social need; 3. Interest of top executives; 4. Public relations value of social action; 5. Government pressure (CARROLL, 1979, p. 501).

Deste modo é possível aferir claramente as prioridades das decisões empresariais no

contexto americano, mas que, no entanto, podem ser transportadas para a realidade brasileira,

principalmente no que toca o primeiro fator.

Parece plausível que as empresas intentem combinar as suas necessidades com as

sociais, pois assim satisfazem dois anseios com uma só ação. Talvez seja uma realidade

universal.

Anos depois da concepção deste modelo, Carroll reinventa-o na ilustração de uma

pirâmide que carrega as mesmas quatro seções ou camadas, mas que agora deixa de possuir a

Responsabilidade Discricionária no topo para dar lugar a Responsabilidade Filantrópica.

Não foram feitas considerações além do que já havia sido feito no trabalho de 1979

no que se refere às Responsabilidade Econômica e Legal.

Entretanto, quanto à Responsabilidade Ética, para começar, adicionou as seguintes

ponderações:

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[…] it must be constantly recognized that it is in dynamic interplay with the legal responsibility category. That is, it is constantly pushing the legal responsibility category to broaden or expand while at the same time placing ever higher expectations on businesspersons to operate at levels above that required by law

(CARROLL, 1991, p. 6, sem grifos no original).

Essa talvez seja a afirmativa de maior importância, pois classifica com bastante

precisão aquilo que no Direito é comumente chamado de “Função Social da Empresa”, apesar

disso, considerações acerca do tema serão oportunamente elaboradas.

O que vale assinalar no momento é característica da chamada Responsabilidade Ética

em consubstanciar ações que vão além do mandamento legal.

Em sequência, o autor passa a trabalhar com a ora chamada Responsabilidade

Filantrópica, já intitulada Discricionária.

De fato, não há nada que justifique a mudança nos termos, visto que não há mudança

substancial em seu conteúdo de um artigo para outro. Para o autor tal Responsabilidade

continua sendo voluntária.

Além de englobar as ações que são socialmente desejadas, vale ressaltar o fato de

que, para diferenciar estas das ações eticamente responsáveis, é preciso entender que as

últimas causam algum tipo de gravame social quando inobservadas, ao passo que a

Responsabilidade Filantrópica vai além das ações socialmente exigidas, mas não positivadas

em lei, de modo a não causar nenhum tipo de gravame (podendo ser até imperceptíveis)

quando descumpridas.

Normalmente são relacionadas a ações não concernentes de forma direta à atividade

da empresa. Nas palavras do autor: The distinguishing feature between philanthropy and ethical responsibilities is that the former are not expected in an ethical or moral sense. Communities desire firms to contribute their money, facilities, and employee time to humanitarian programs or purposes, but they do not regard the firms as unethical if they do not provide the desired level. Therefore, philanthropy is more discretionary or voluntary on the part of businesses even though there is always the societal expectation that businesses provide it (CARROLL, 1991, p. 7).

Irresignado, em 2003, Carroll retorna ao seu modelo com o intento de aperfeiçoá-lo,

já com a devida incorporação das críticas que recebera ao longo destes anos.

A primeira mudança e a de maior expressão diz respeito ao descarte do modelo de

pirâmide para a utilização de um diagrama de Venn.

O desuso da pirâmide se deu porque, “to some, the pyramid framework suggests a

hierarchy of CSR domains” (CARROLL; SCHWARZT, 2003, p. 505).

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Tal fato poderia induzir o leitor a acreditar que a Responsabilidade Filantrópica, por

sobrepor-se ao demais, seria a mais relevante. Do mesmo jeito, a Responsabilidade

Econômica poderia ser interpretada como a menos importante.

Em segundo lugar, o modelo da pirâmide não retrata com precisão o aspecto de

sobreposição das Responsabilidades (CARROLL; SCHWARZT, 2003, p. 505), o que quer

dizer que o modelo antigo faz crer que a empresa pratica uma Responsabilidade por decisão

ou ação, pois Carroll’s use of dotted lines separating the domains does not fully capture the non-mutually exclusive nature of the domains, nor does it denote two of the critical tension points among them, the tension between the economic and ethical and economic and philanthropic domains (CARROLL apud CARROLL; SCHWARZT, 2003, p. 505).

Outro problema relacionado aos modelos de 79 e 91 diz respeito à última camada ou

seção das ilustrações: a Responsabilidade Discricionária/Filantrópica.

As críticas que vieram imediatamente estão relacionadas à escolha da palavra

responsabilidade, visto que, se discricionária, não há que se falar em responsabilidade ou

dever.

Esta crítica já fora prevista por Carroll, de qualquer maneira, seus novos

apontamentos são os seguintes: The new model proposes that such a category, if it were believed to exist, would better be subsumed under ethical and/or economic responsibilities. The central reasons for this placement are that, first, it is sometimes difficult to distinguish between “philanthropic” and “ethical” activities on both a theoretical and practical level, and second, philanthropic activities might simply be based on economic interests (CARROLL; SCHWARZT, 2003, p. 506).

No nível teórico, é possível que se infira que as ações supostamente insertas no que

se chamou de Responsabilidade Filantrópica seriam tão somente outros exemplos de ações da

Responsabilidade Ética (CARROLL; SCHWARZT, 2003, p. 506).

No âmbito prático, a utilização do termo parece ter gerado dúvida na aplicação entre

as empresas, além de, por vezes, terem causado confusão com relação à Responsabilidade

Econômica (CARROLL; SCHWARZT, 2003, p. 507).

As empresas passaram a maquiar as ações para fazerem as vezes de filantropia,

quando na verdade intentavam atingir maiores lucros, melhor percepção social da atividade,

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visibilidade ou incrementar o moral dos trabalhadores (CARROLL; SCHWARZT, 2003, p.

507).

Quando isso acontece, as empresas na verdade estão exercendo a sua

Responsabilidade Econômica, daí a confusão.

Por fim, a reinvenção do modelo se deu, como já mencionado, na formulação de um

diagrama de Venn em que são utilizados três círculos que representam cada Responsabilidade.

Estes círculos se justapõem de modo a nas extremidades encontrarem-se as

representação isolada de cada Responsabilidade, desta maneira, intentou-se ilustrar as ações

puramente econômicas, legais e éticas.

Inobstante, o encontro de dois círculos faz a representação das ações econômicas e

éticas, econômicas e legais e as legais e éticas.

Por último, no centro do diagrama, se encontram as ações sustentáveis, que são tanto

econômicas, como legais e éticas.

3 DESENVOLVIMENTO

Como sustenta Reinaldo Dias (p. 46, 2012), A Responsabilidade Social está

intimamente ligada ao Desenvolvimento.

A conexão entre os dois institutos se dá na medida em que se percebe haver

semelhanças quanto ao conteúdo das ações praticadas sob a égide de cada instituto.

De tal forma, cumpre tecer algumas considerações acerca do Desenvolvimento.4

Desenvolvimento pressupõe crescimento econômico, no entanto, dado o caráter

geralmente excludente e predatório deste, é que se reclama pelo acréscimo de medidas

adjacentes, tanto Estatais quanto Privadas, que visem suprir os mandamentos ou o conteúdo

do “Desenvolvimento”. Conforme acrescenta Daniel Ferreira: 4 A título de complementação da compreensão acerca da relação entre os dois institutos, impende dizer que em 2010 houve alteração na Lei de Licitações pela via da publicação da Lei 12.349/2010 que converteu em lei a Medida Provisória 495/2010 e, além de outras inserções, incluiu como nova (e terceira) finalidade legal das licitações a promoção do desenvolvimento nacional sustentável. A partir de então, evidenciou-se a ideia de que a Administração Pública deveria contratar empresas socialmente responsáveis para promover o desenvolvimento nacional sustentável. A esse respeito, entretanto, não há pioneirismo na experiência brasileira, o México há mais de dez anos antes, percebeu a possibilidade de promover o desenvolvimento pela instrumentalização das compras públicas, utilizando-as para satisfazer políticas públicas: 22. La discutida instrumentalización. Partiendo de la postura intervencionista de la administración nacional, tendente al aprovechamiento de masas ingentes de capital capaces de transformar horizontal y verticalmente resortes determinantes del mercado, de la sociedad y de la economía de un país, de ha planteado y aún se discute la posibilidad de instrumentalización de las compras del Estado. Así, destinando ingresos, por ejemplo, para la adquisición o promoción de empresas en zonas deprimidas, para lucha contra la contaminación, para el fomento del pleno empleo de las mujeres en el mercado de trabajo, (…) (CORTIÑAS-PELÁEZ, 1999, p. XXXIII-XXXIV).

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Hoje, parece de razoável consenso que o crescimento econômico esteja diretamente ligado ao PIB (Produto Interno Bruto) ou ao PNB (Produto Nacional Bruto) – que representa a soma de todos os bens e serviços finais produzidos em determinado espaço geográfico e de tempo. Crescendo o PIB (e, pois, a disponibilidade objetiva desses bens e serviços finais) há crescimento da economia. Todavia, isso não revela, necessariamente, melhoria subjetiva, qualitativa, das condições de vida da população em geral. Há que se considerar, para tanto e no mínimo, a melhor ou a pior distribuição de riqueza decorrente e, ainda, os impactos gerados ao meio ambiente (FERREIRA, 2012, p. 48).

E Amartya Sen (2000, p. 18), “a despeito de aumentos sem precedentes na opulência

global, o mundo atual nega liberdades elementares a um grande número de pessoas – talvez

até mesmo à maioria”.

Diante disso, preconiza Ignacy Sachs que falar em “Desenvolvimento” faz pressupor

a existência de três outros sentidos que o acompanham e que, em sua falta não há que se falar

em “Desenvolvimento”.

Deste modo, Desenvolvimento é includente, sustentável e sustentado.

O caráter includente é facilmente definido pelo seu antagônico, “excludente”. Pois

visa evitar a exclusão do mercado de trabalho e a concentração de renda e riquezas (SACHS,

2008, p. 38-39).

Quanto ao sustentável, implica em uma dupla solidariedade, ao passo que engloba a

solidariedade com a geração atual, permitindo e proporcionando vida digna à sociedade, sem

que se comprometa a mesma possibilidade para as gerações futuras (SACHS, 2008, p. 15-16).

Por fim, o caráter sustentado diz respeito ao controle das forças produtivas de modo a

gerar a possibilidade de manter-se constante e perene, sem que sofra pausas abruptas e

duradouras.

Pela complexidade, talvez seja o caso de exemplificar com o caso do agricultor que

pratica a rotação de culturas: A rotação de culturas envolve o cultivo de diferentes espécies numa mesma safra e, portanto, aumenta o número e a complexidade de tarefas na propriedade. Exige o planejamento do uso do solo segundo princípios básicos, onde deve ser considerada a aptidão agrícola de cada gleba. A área destinada à implantação dos sistemas de rotação deve ser dividida em tantas glebas, ou piquetes, quantos forem os anos de rotação. Após essa definição, estabelecer o processo de implantação sucessivamente, ano após ano, nos diferentes talhões, previamente, determinados. A execução do planejamento deve ser gradativa para não causar transtornos organizacionais ou econômicos ao produtor, devendo ser iniciada em uma parte da propriedade e ir anexando novas glebas até que toda a área esteja incluída no esquema de rotação (EMBRAPA).

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Isso nada mais significa do que racionalizar o uso do solo, dividindo-o e utilizando-o

na medida em que recupera seus nutrientes para o ano seguinte, desta forma o agricultor se

priva de produzir em maiores montas de imediato, mas garante a perenização da produção.

Somado a isso, O desenvolvimento requer que se removam as principais fontes de privação de liberdade: pobreza e tirania, carência de oportunidades econômicas e destituição social sistemática, negligência dos serviços públicos e intolerância ou interferência excessiva de Estados repressivos (SEN, 2000, p. 18).

Igualmente, a liberdade no acesso aos bens da vida é um meio de se buscar o

desenvolvimento e também eminente fim a ser almejado.

Ao lado disso, assinala-se que o desenvolvimento é caracterizado pela liberdade de

forma na sua implementação, ou seja, traz uma noção geral de atitudes e ações a serem

assumidas a fim de melhor estabelecer um trato com determinados setores: social, ambiental e

econômico, por exemplo, no entanto, amplia a sua incidência atingindo todas as pessoas e

todas as situações, independentemente de sua cogência jurídica.

Neste sentido, qualquer ação humana pode ser revista sob a perspectiva do

desenvolvimento, com a ressalva de que apenas algumas ações prescritas em lei ou pelo

Direito podem ser juridicamente exigidas, o que não ocorre com a Administração Pública em

sede de licitações, visto que a lei a comanda de modo geral à promoção do desenvolvimento

nacional sustentável, como bem encerram Fernando Paulo da Silva Maciel Filho e Daniel

Ferreira (2012, p. 22-23): Pelo exposto, a promoção do desenvolvimento nacional sustentável como nova finalidade das licitações deve ser considerada em todas as suas esferas (social, ambiental e econômica, ao menos), não podendo tê-la como mera faculdade do administrador. Nesse sentido, todas as medidas possíveis e necessárias à sua promoção devem ser realizadas, sob pena de caracterização de infração disciplinar e de ato de improbidade, no mínimo.

4 A RESPONSABILIDADE SOCIAL EMPRESARIAL, A FUNÇÃO SOCIAL DA

EMPRESA E A ABORDAGEM JURÍDICA

Cumpre se diga são quase que cabalmente baseados em literatura estranha ao Direito,

oriundos de autores da Administração e da Economia.

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Para que se torne completa a pretensão proposta nesta ocasião, cumpre revelar as

fontes do Direito que dissertam sobre o tema, com a ressalva de que nesta área o conteúdo não

é tão vasto quanto nas demais apresentadas.

Embora com a denominação de Função Social da Empresa, autores como Fábio

Ulhoa Coelho apregoam conteúdo similar ao que se estabeleceu acima como

Responsabilidade Social da Empresa: A empresa cumpre a função social ao gerar empregos, tributos e riqueza, ao contribuir para o desenvolvimento econômico, social e cultural da comunidade em que atua, de sua região ou do país, ao adotar práticas empresariais sustentáveis visando à proteção do meio ambiente e ao respeitar os direitos dos consumidores, desde que com estrita obediência às leis a que se encontra sujeita (COELHO, 2012, p. 76)

A bem da verdade, o autor não dedica mais do que uma página para tratar do assunto,

portanto, dispensa mencionar a sua superficialidade e generalidade.

Talvez algo que deva ser mencionado é que o Princípio da Função Social da Empresa

é extraído do Princípio da Função Social da Propriedade plasmado na Constituição Federal.

Portanto, trata-se de Princípio implícito que visa promover a garantia dos interesses

da sociedade ou da parcela mais afetada pela atividade na utilização dos bens de produção

(COELHO, 2012, p. 75).

Isso tudo representa uma adequação ao Direito de Empresa e, não uma exceção a um

direito absoluto.

No entanto, e aí reside o problema, com apoio das palavras de Fábio Tokars

utilizadas em ocasião que critica justamente este Princípio, não basta a pronunciação de um

Princípio para que ele seja na realidade seguido ou cumprido: Qual seria a finalidade de uma norma que declarasse, por exemplo, que todos os cidadãos de nosso país são pessoas felizes e realizadas? Um intérprete menos atento à realidade social provavelmente escreveria odes à modernidade de nosso direito e de nossa sociedade. Mas ninguém sorriria em razão de tal norma, ou de todas as suas interpretações doutrinárias (TOKARS, 2008, p. 12).

Este exemplo é facilmente transportado para a questão da Função Social, pois trata

de Princípio formalmente enunciado e doutrinariamente estudado que não possui caráter

cogente, ao menos, não é possível provocar o Poder Judiciário pleiteando a observância de

uma determinada empresa a este princípio e ter seu pedido julgado procedente, a não ser em

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casos especificamente tutelados pela lei, mas aí deixaria de ser função para se tornar

responsabilidade.

Isso quer dizer que, na prática, as empresas exercem sua Responsabilidade Social,

cumprindo a lei, visto que há inúmeras leis de conteúdo social, como a Lei 8.213/91: Art. 93. A empresa com 100 (cem) ou mais empregados está obrigada a preencher de 2% (dois por cento) a 5% (cinco por cento) dos seus cargos com beneficiários reabilitados ou pessoas portadoras de deficiência, habilitadas, na seguinte proporção: I - até 200 empregados ......................................................................................... 2%; II - de 201 a 500 ................................................................................................... 3%; III - de 501 a 1.000 ............................................................................................... 4%; IV - de 1.001 em diante ........................................................................................ 5%. (BRASIL, 1991).

A diferença é que sob tais mandamentos legais a empresa que os descumpre pode

(deve) ser sancionada por meio de multas administrativas: MULTA ADMINISTRATIVA. AUTO DE INFRAÇÃO. DESATENDIMENTO AO DISPOSTO NO ART. 93 E § 1º DA LEI 8.213/91.938.213. Diante da não-contratação de empregados substitutos a portadores de deficiência habilitados e de reabilitados, bem como do não-preenchimento do percentual de vagas reservadas a cotas, nos termos do art. 93 e § 1º da Lei 8.213/91, estão respaldados os autos de infração lavrados pela autoridade administrativa competente. (...)938.21 (BRASIL, 2011).

O que na realidade acontece é que as expressões Função Social, Responsabilidade

Social e até mesmo Desenvolvimento preconizam, dentre outras coisas que lhes são

peculiares, um bônus a favor da sociedade, um agir metaindividual.

É neste sentido que os autores têm procedido seus estudos, visto que é perceptível a

similitude dos conteúdos de tais termos. As diferenças residem no contexto em que incidem

estes termos.

“Responsabilidade Social Empresarial” é utilizado pelos estudiosos da Ciência da

Administração, “Função Social da Empresa” já tem maior respaldo nos escritos de juristas e,

por fim, autores da Economia utilizam em maior escala o termo “Desenvolvimento”.

Em razão disso, por óbvio, as noções que lhes dizem respeito foram reunindo

peculiaridades.

Deste modo, ao falar em Responsabilidade Social Empresarial, adequando

oportunamente aos parâmetros jurídicos, sem que se percam as lições dos demais âmbitos, há

referência a deveres empresariais direcionados ao bem estar da sociedade, sendo seu conteúdo

extraído da Lei e do Direito (visto o caráter cogente de Negociações Coletivas e Contratos).

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Combinando isso com as considerações de Archie B. Carroll, a Responsabilidade

Social Empresarial estaria consubstanciada tão somente no que ele denomina

Responsabilidade Legal no que tange, em especial, leis de espírito e escopo social.

Já no que concerne à Função Social da Empresa, englobam-se todas as ações

empresariais que vão além dos mandamentos legais, seja para maximizar suas diretrizes, ou

inovar, desde que fique demonstrada a finalidade de estirpe social lato sensu

(ecossocioambiental).

Maximizar, na medida em que amplia objetivamente o mínimo exigido para se

enquadrar na lei, se a lei “pede” 5% de empregados deficientes para empresas que possuem

mais de mil empregados, a empresa cumpre sua função social ao contratar 10%.

Inovar, ao passo que a empresa começa a praticar ações que não estão previstas sob

nenhuma forma na lei. Como exemplo, poder-se-ia conjecturar uma empresa que não

utilizasse amianto na sua produção anos antes de se ter iniciado qualquer discussão legal

sobre seu caráter nocivo.

Transportando a noção de Função Social da Empresa para os ensinamentos de

Carroll, considerar-se-ia sua inserção nos conceitos de Responsabilidade Ética e no de uma

categoria da Responsabilidade Legal: anticipation of the Law (CARROLL; SCHWARZT,

2003, p. 511).5

Por fim, “Desenvolvimento” possui o conceito mais amplo de todos. Em primeiro

lugar, não tem apenas as empresas como destinatárias, ou agentes de suas prescrições, e, sim,

todas as pessoas.

O direito ao desenvolvimento é um direito fundamental, portanto, dever de todos: Dentre as definições do direito ao desenvolvimento é um processo no pelos (sic) qual os direitos fundamentais e liberdades fundamentais possam ser plenamente realizados e que todas as pessoas humanas e todos os povos devem participar

deste processo, uma vez que participação é um dos pontos centrais do direito ao desenvolvimento. (PEIXINHO; FERRARO, 2007, p. 6971).

Desta forma, é capaz de englobar todos os atos da vida humana, mesmo que na sua

maior parte não possua caráter cogente.

5 Quanto à categoria anticipation of the Law não houve sequer uma menção no presente artigo, portanto: the third legal category consists of the antecipation of changes to legislation. The legal process is often slow in nature, and corporations may wish to engage in activities that will result in immediate compliance upon the legislation’s eventual enactment. Changes to legislation in other jurisdictions often serve as an indication of forthcoming similar legislation in one’s own jurisdiction. If laws are anticipates, companies may engage in voluntary activities to help prevent, modify, or slow down the pace of new legislation being enacted, and are thus acting based on a consideration of the legal system (CARROLL; SCHWARZT, 2003, p. 511).

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Além do mais, como visto, o seu conteúdo abrange a sustentabilidade nos setores

econômico, social e ambiental.

5 CONCLUSÕES

A pretensão de estabelecer com precisão um rol exaustivo que contenha todas as

ações e decisões empresariais que se adéquam aos ideais do Desenvolvimento pode ser um

trabalho de uma vida inteira, mas, a bem da verdade, é impossível.

Impossível, na medida em que nunca se alcançará o Desenvolvimento, pois

pressupõe um eterno buscar sem nunca descansar.

As necessidades sociais e coletivas, o contexto empresarial, estarão sempre em

mutação. O aspecto dinâmico é uma característica da vida, quem dirá com relação à vida

coletiva.

Neste sentido, os esforços serão sempre direcionados a uma conceituação genérica

que dê conta de abranger as ações e decisões num processo dialético, vendo e revendo,

acertando e errando, cumprindo e tentando, preocupando-se precipuamente no auferimento de

resultados em que as pessoas são um fim em si mesmas.

Além do mais, e de ordem mais prática, a distinção entre Responsabilidade Social

Empresarial e Função Social da Empresa tem importância para o correto proceder da

sociedade e do Estado em sua promoção.

As ações e decisões que se amoldam no conteúdo da Responsabilidade devem

pressupor sanção que impinja o cumprimento do dever.

Já no que tange as ações e decisões insertas no conteúdo da Função Social, nada mais

“obrigatória” do que a atividade de fomento, estimulando a sua boa e frequente prática.

Em verdade, a utilização da classificação dos institutos abordados nesta ocasião

exerce peculiar importância na aplicação da Lei de Licitações, em especial no que tange a

efetividade da promoção do desenvolvimento nacional sustentável.

Diz-se isso, haja vista que a Administração Pública promove melhor o

Desenvolvimento se contrata com empresas que vão além da Responsabilidade Social,

cumprindo a lei, e exercem a sua Função Social.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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O “PLANO INOVA EMPRESA” COMO ATUAÇÃO PRÓ-ATIVA

DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA PARA O DESENVOLVIMENTO

“INNOVATION COMPANY PLAN” AS PRO-ACTIVE PRACTICE OF

PUBLIC ADMINISTRATION FOR DEVELOPMENT

José Osório do Nascimento Neto∗∗∗∗

SUMÁRIO: 1. Introdução; 2. O recém-criado “Plano Inova Empresa” do Governo Federal; 3. O “Plano Inova Empresa” no setor de energia como exemplo de sustentabilidade econômica e social; 4. Administração Pública como atora social pró-ativa do “Plano Inova Empresa”; 5. A responsabilidade social energética na concretização dos objetivos da República; 6. Considerações finais; Referências.

RESUMO

Sob a ótica da Sustentabilidade Econômica e Social em face ao Direito, a presente pesquisa acadêmica tem por objetivo apresentar criticamente os principais pontos do recém-criado “Plano Inova Empresa” como instrumento de atuação pró-ativa da Administração Pública para o desenvolvimento, objetivo da República Federativa do Brasil. O “Inova Empresa” é um plano de investimento em inovação do Governo Federal, lançado em março de 2013, que prevê a articulação de diferentes atores sociais e a disponibilização de apoio financeiro por meio de crédito, subvenção econômica, investimento e financiamento a instituições de pesquisas. Os recursos são destinados a empresas brasileiras de todos os portes que tenham projetos inovadores. O plano apoia setores como saúde, petróleo e gás, tecnologia e energia, que, por sinal, servirá de exemplo-base de sustentabilidade econômica e social para esta pesquisa, cuja justificativa se insere na identificação da Administração Pública como atora social pró-ativa e da responsabilidade social como parte da concretização sustentável dos objetivos da República. PALAVRAS-CHAVE: INOVAÇÃO NAS EMPRESAS; ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA PRÓ-ATIVA; ENERGIA, SUSTENTABILIDADE ECONÔMICA E SOCIAL; DESENVOLVIMENTO.

∗ Professor das Faculdades Integradas do Brasil (UniBrasil) e da Faculdade Cenecista de Campo Largo. Doutorando e Mestre em Direito Econômico e Socioambiental pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná. Especialista em Direito Contemporâneo com ênfase em Direito Público pela Universidade Candido Mendes. Graduado em Direito também pela PUCPR. Realizou aperfeiçoamento de EaD Docência: Metodologia do Ensino Superior e Metodologia de Pesquisa Científica, pela Fundação Getúlio Vargas do Rio de Janeiro. Membro da Comissão de Direito da Infraestrutura e Estudo das concessões públicas – OAB/PR. Membro da Associação Paranaense de Direito e Economia – ADEPAR. Advogado.

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ABSTRACT

From the viewpoint of Economic and Social Sustainability in the face to law, this academic research aims to present the main points of critically newly created "Innovation Company Plan" as an instrument of action proactive public administration for development, the goal Federative Republic of Brazil. The "Enterprise Innovation" is a plan for investment in innovation by the Federal Government, released in March 2013, which provides for the articulation of different social actors and the availability of financial assistance through loans, grants economic, investment and funding to research institutions. The funds are intended to Brazilian companies of all sizes that have innovative designs. The plan supports industries such as healthcare, oil and gas, technology and energy, which, incidentally, will provide a model-based economic and social sustainability for this research, which is part of justification in identifying Public Administration as social actor proactive and social responsibility as part of the sustainable achievement of the goals of the Republic.

KEY WORDS: INNOVATION IN BUSINESS, GOVERNMENT PRO-ACTIVE; ENERGY, ECONOMIC AND SOCIAL SUSTAINABILITY, DEVELOPMENT.

1. INTRODUÇÃO

Sob a ótica da Sustentabilidade Econômica e Social em face ao Direito, a

presente pesquisa acadêmica tem por objetivo apresentar criticamente os principais pontos do

recém-criado “Plano Inova Empresa” como instrumento de atuação pró-ativa da

Administração Pública para o desenvolvimento, objetivo da República Federativa do Brasil. O

“Inova Empresa” é um plano de investimento, lançado em março de 2013, que prevê a

articulação de diferentes atores sociais e a disponibilização de apoio financeiro por meio de

crédito, subvenção econômica, investimento e financiamento a instituições de pesquisas.

Os recursos são destinados a empresas brasileiras de todos os portes que

tenham projetos inovadores. O plano apoia, entre outros setores, a temática das energias

alternativas, que servirá de exemplo-base de sustentabilidade econômica e social do estudo,

cuja justificativa se insere na identificação da Administração Pública como atora social pró-

ativa e da responsabilidade social como parte da concretização sustentável dos objetivos da

República.

Assim, alcançando a qualidade de orientações teórico-empíricas necessárias,

este estudo poderá se tornar não apenas uma contribuição para o avanço do conhecimento

científico no campo da Sustentabilidade Econômica e Social, como, também, uma crítica

construtiva necessária ao debate Responsabilidade Social da Empresa, a partir de

instrumentos de fomento por parte de uma Administração Pública pró-ativa.

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2. O RECÉM-CRIADO “PLANO INOVA EMPRESA” DO GOVERNO FEDERAL

O Plano, lançado pelo Governo Federal, contém quatro linhas de

financiamento a atividades de Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação (P,D&I): (i) subvenção

econômica a empresas; fomento para projetos em parceria entre instituições de pesquisa e

empresas; participação acionária em empresas de base tecnológica e crédito para empresas.

Os agentes executores são a FINEP, vinculada ao Ministério da Ciência, Tecnologia e

Inovação (MCTI) e o Banco Nacional Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).

O Plano Inova Empresa terá um comitê gestor formado pela Casa Civil da

Presidência da República, pelos ministérios da Ciência, Tecnologia e Inovação, da Indústria,

Desenvolvimento e Comércio Exterior, e da Fazenda, além da recém-criada Secretaria da

Micro e Pequena Empresa e tem, ainda, a participação ainda de outros oito ministérios: Saúde,

Defesa, Agricultura, Pecuária e Abastecimento, Educação, Trabalho e Emprego,

Comunicações, Minas e Energia e Meio Ambiente.

Entre as ações a serem incentivadas nos sete eixos estratégicos estão:

(i) Agropecuária e Agroindústria: insumos; mecanização e agricultura de

precisão; genética; rastreabilidade, planejamento e controle de produção agropecuária;

sanidade agropecuária e bem-estar animal; equipamentos, tecnologia de alimentos e

embalagens com novas funcionalidades;

(ii) Energia: redes elétricas inteligentes; veículos híbridos e eficiência

energética veicular; tecnologias para gaseificação da biomassa;

(iii) Petróleo e gás: tecnologias para a cadeia do pré-sal e para a exploração

do gás não convencional;

(iv) Saúde: investimentos em oncologia e biotecnologia; equipamentos e

dispositivos médicos;

(v) Defesa: propulsão espacial, satélites e plataformas especiais; sensores

de comando e controle;

(vi) Tecnologia da Informação e Comunicação: computação em nuvem,

mobilidade e internet; semicondutores e displays; softwares; banda larga e conteúdos digitais;

e,

(vii) Sustentabilidade socioambiental: combate aos efeitos de mudanças

climáticas, efeito estufa e poluentes; tratamento de resíduos, águas e solos contaminados;

redução do desmatamento da Amazônia; mobilidade e transportes sustentáveis; saneamento

ambiental.

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3. O “PLANO INOVA EMPRESA” NO SETOR DE ENERGIA COMO EXEMPLO

DE SUSTENTABILIDADE ECONÔMICA E SOCIAL

O Plano de Ação Conjunta Inova Energia é uma das espécies do gênero

“Inova Empresa”, iniciativa destinada à coordenação das ações de fomento à inovação e ao

aprimoramento da integração dos instrumentos de apoio disponibilizados pelo BNDES, pela

Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL), e pela Financiadora de Estudos e Projetos

(FINEP) com as seguintes finalidades:

(i) apoiar o desenvolvimento e a difusão de dispositivos eletrônicos,

microeletrônicos, sistemas, soluções integradas e padrões para implementação de redes

elétricas inteligentes (smart grids) no Brasil; (ii) apoiar as empresas brasileiras no

desenvolvimento e domínio tecnológico das cadeias produtivas das seguintes energias

renováveis alternativas: solar fotovoltaica, termossolar e eólica para geração de energia

elétrica; (iii) apoiar iniciativas que promovam o desenvolvimento de integradores e

adensamento da cadeia de componentes na produção de veículos híbridos/elétricos,

preferencialmente a etanol, e melhoria de eficiência energética de veículos automotores no

País; e, (iv) aumentar a coordenação das ações de fomento e aprimorar a integração dos

instrumentos de apoio financeiro disponíveis.

O fomento, como modalidade de intervenção incentivadora do Estado na

Ordem Econômica, aliado à seleção de Planos de Negócio no âmbito do “Inova Energia” se

destinará a cadeias produtivas ligadas às três linhas temáticas a seguir: (a) Redes Elétricas

Inteligentes (Smart Grids); (b) Veículos Híbridos e Eficiência Energética Veicular; e, (c)

Geração de Energia através de Fontes Alternativas.

As fontes “alternativas”, referencia deste trabalho, referem-se, em geral,

àquelas formas de energia fora do padrão dominante, distintas das ligadas aos combustíveis

fósseis (petróleo, carvão, gás natural e urânio), sem indicar, necessariamente, que serão

renováveis; afinal, há combustíveis fósseis alternativos, como o xisto, o gás de carvão, a turfa

e as areias oleosas. Além disso, uma energia alternativa, quando não renovável, pode ter

tantos problemas quanto as tradicionais. São os casos do xisto betuminoso, das areias oleosas

e dos combustíveis sintéticos a partir de carvão e do gás natural, que são combustíveis fósseis,

porém, pouco utilizados. (SIMIONI, 2006, p. 92).

Assim, a partir deste contexto das fontes “alternativas”, pode-se notar a

sustentabilidade como um princípio–instrumento da ordem econômica, que busca alternativas

e meios à guisa da redução da degradação ambiental. A imposição legal impõe a busca de

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soluções alternativas aos empreendedores que minimizem os impactos negativos ao meio

ambiente. Em outros termos, a sustentabilidade é um princípio válido para todos os recursos

renováveis, não se aplicando a recursos não renováveis ou a atividades capazes de produzir

danos irreversíveis (RISTER, 2007, p. 297).

4. A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA COMO ATORA SOCIAL PRÓ-ATIVA DO

“PLANO INOVA EMPRESA”

A busca racional de um modelo de gestão de Ciência & Tecnologia (C&T)

para o setor energético exige a investigação de uma arquitetura especial, cujo domínio de

conhecimento é essencialmente acadêmico. A questão da complementaridade é complexa,

fortemente interdisciplinar e, por conseguinte, deverá exigir a articulação das instituições de

pesquisa nacionais. A existência dos fundos setoriais por si somente, configura apenas a

condição inicial necessária, todavia mais que insuficiente para equacionar racionalmente o

papel das energias renováveis no desenvolvimento sustentável do país.

Relacionada à temática das energias renováveis, o Ministério de Minas e

Energia (MME), criado pela Lei de nº 3.782, de 22 de julho de 1960, possui, em sua estrutura:

a Secretaria de Energia Elétrica (SEE), a Secretaria de Planejamento e Desenvolvimento

Energético (SPE) e o Departamento de Planejamento Energético (DPE), responsável, entre

outras funções, pela elaboração do Plano Decenal de Expansão de Energia (PDE),1 do Plano

Nacional de Energia (PNE)2 e da Matriz Energética Brasileira,3 atividades desenvolvidas com

suporte da Empresa de Pesquisa Energética (EPE).4

1 O Plano Decenal de Expansão de energia 2019 apresenta o panorama da expansão da oferta de energia no Brasil e os investimentos previstos para os próximos dez anos (iniciando em 2009). Cf.: BRASIL. Ministério de Minas e Energia. Secretaria de Planejamento e Desenvolvimento Energético. Plano decenal de expansão de energia 2019. Rio de Janeiro: Empresa de Pesquisa Energética, 2010. Disponível em: <http://epe.gov.br/PDEE/20101129_1.pdf>. Acesso em: 5 dez. 2010. 2 O Plano Nacional de Energia (PNE 2030) tem como objetivo o planejamento de longo prazo do setor energético do país, orientando tendências e balizando as alternativas de expansão desse segmento nas próximas décadas. Ele é composto por uma série de estudos que buscam fornecer insumos para a formulação de políticas energéticas segundo uma perspectiva integrada dos recursos disponíveis. Estes estudos estão divididos em volumes, cujo conjunto forma o PNE 2030. Cf.: BRASIL. Ministério de Minas e Energia. Secretaria de Planejamento e Desenvolvimento Energético. Plano nacional de energia 2030: geração hidrelétrica. Brasília: MME e Empresa de Pesquisa Energética, v. 3, 2007. Disponível em: <http://www.mme.gov.br/mme/galerias/arquivos/publicacoes/pne_2030/3_GeracaoHidreletrica.pdf>. Acesso em: 5 dez. 2011. 3 A Matriz Energética Brasileira 2030 compõe, com o Plano Nacional de Energia 2030 (PNE 2030), o par de relatórios principais que consolidam os estudos desenvolvidos sobre a expansão da oferta e da demanda de energia no Brasil nos próximos 25 anos (iniciando em 2005). Cf.: BRASIL. Ministério de Minas e Energia. Secretaria de Planejamento e Desenvolvimento Energético. Matriz energética nacional 2030. Brasília: MME e Empresa de Pesquisa Energética, 2007. Disponível em:

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A Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL), autarquia em regime

especial, vinculada ao Ministério de Minas e Energia (MME), foi criada pela Lei nº 9.427, 26

de dezembro de 1996. O artigo 2º desta Lei diz que a Agência tem por finalidade regular e

fiscalizar a produção, transmissão, distribuição e comercialização de energia elétrica, em

conformidade com as políticas e diretrizes do Governo Federal. Assim, considerando-se a

política energética nacional, pode-se afirmar que é de sua competência, por exemplo:

incentivar o combate ao desperdício de energia no que diz respeito a todas as formas de

produção, transmissão, distribuição, comercialização e uso da energia elétrica; estimular e

participar das atividades de pesquisa e desenvolvimento tecnológico, necessárias ao setor de

energia elétrica; estimular e participar de ações ambientais voltadas para o benefício da

sociedade, bem como interagir com o Sistema Nacional de Meio Ambiente, em conformidade

com a legislação vigente, atuando de forma harmônica com a Política Nacional de Meio

Ambiente.

A ANEEL é a responsável pela análise, aprovação, acompanhamento e

fiscalização dos programas de P&D (Pesquisa e Desenvolvimento) das empresas do setor,

podendo inclusive delegar estas tarefas para consultores ad hoc, empresas pré-qualificadas,

órgão de fomento à pesquisa e agências estaduais de regulação, por meio de contratos ou

convênios de cooperação. As empresas proponentes dos projetos de P&D podem desenvolver

as pesquisas sozinhas ou em conjunto com organizações de pesquisa, universidades, empresas

de consultoria ou fabricantes de equipamentos ou materiais do setor elétrico. Além do envio

dos projetos principais, as empresas proponentes podem enviar projetos-reserva, contanto que

não exceda a 20% do limite mínimo de recursos estabelecido para seus respectivos programas

de P&D.

O Fundo Setorial de Energia (CT-Energ), administrado pela Financiadora de

Estudos e Projetos (FINEP)5 e alocado no Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e

<http://www.mme.gov.br/spe/galerias/arquivos/Publicacoes/matriz_energetica_nacional_2030/MatrizEnergeticaNacional2030.pdf>. Acesso em: 27 nov. 2011. 4 A Empresa de Pesquisa Energética (EPE), empresa pública federal, vinculada ao Ministério de Minas e Energia, criada pelo Decreto nº 5.184, de 16 de agosto de 2004, tem por finalidade prestar serviços na área de estudos e pesquisas destinadas a subsidiar o planejamento do setor energético, tais como energia elétrica, petróleo e gás natural e seus derivados, carvão mineral, fontes energéticas renováveis e eficiência energética, dentre outras. Cf.: artigo 2º da Lei nº 10.847, de 15 de março de 2004. 5 A Financiadora de Estudos e Projetos (FINEP), empresa pública, vinculada ao Ministério de Ciência e Tecnologia (MCT), nos termos do Decreto nº 1.361, de 1º de janeiro de 1995, foi criada em 24 de julho de 1967, para institucionalizar o Fundo de Financiamento de Estudos de Projetos e Programas, criado em 1965. Tem como missão promover e financiar a inovação e a pesquisa científica e tecnológica em empresas, universidades, institutos tecnológicos, centros de pesquisa e outras instituições públicas ou privadas, mobilizando recursos financeiros e integrando instrumentos para o desenvolvimento econômico e social do país. Disponível em: < http://www.finep.gov.br/estatuto/estatuto.asp>. Acesso em: 29 dez. 2011.

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Tecnológico (FNDCT),6 é destinado a estimular a pesquisa e inovação voltadas à busca de

novas alternativas de geração de energia, com menores custos e melhor qualidade; ao

desenvolvimento e aumento da competitividade da tecnologia industrial nacional, com

aumento do intercâmbio internacional no setor de pesquisa e desenvolvimento; ao fomento à

capacitação tecnológica nacional, que tenham projetos na área de energia, especialmente na

área de eficiência energética. A ênfase é dada na definição de programas de fontes de energia,

capazes de enfrentar desafios de longo prazo, com redução do desperdício. 7 Tem como

principal fonte de financiamento o montante mínimo de 0,50% (cinqüenta centésimos por

cento) sobre a receita operacional líquida (ROL) das concessionárias e permissionárias de

serviços públicos de distribuição de energia elétrica.8

A atuação da FINEP tem mobilizado instrumentos financeiros de distintas

naturezas: aporte de recursos financeiros não reembolsáveis para instituições de pesquisa e

organizações públicas e privadas sem fins lucrativos;9 financiamento, em condições mais

favoráveis que as de mercado, para empresas emergentes de base tecnológica; e, aporte de

capital de risco, no qual a agência participa do risco do empreendimento. Legislação recente

veio acrescentar a esses mecanismos a possibilidade de subvenção econômica a empresas

brasileiras (GUIMARÃES, 2006, p. 46).

No que diz respeito à integração de instrumentos e de descentralização, por meio

dos programas e editais com participação da FINEP, já é possível se candidatar a uma parcela

dos R$ 30 bilhões anunciados pelo Governo Federal. Para facilitar o alcance dos recursos e

desenvolver potencialidades locais, a FINEP redesenhou sua política de financiamento e está

6 Instituído em 31 de julho de 1969, o Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT) é destinado a financiar a expansão do sistema de Ciência & Tecnologia (C&T), tendo a FINEP como sua secretaria executiva desde 1971. Disponível em: <http://www.finep.gov.br/o_que_e_a_finep/a_empresa.asp?codSessaoOqueeFINEP=2>. Acesso em: 29 dez. 2011. 7 Para informações detalhadas sobre o CT-Energ, ver diretrizes estratégicas, disponíveis em: <http://www.mct.gov.br/upd_blob/0006/6292.pdf>. Acesso em: 28 dez. 2010. 8 Conforme inciso I do artigo 1º da Lei nº 12.212, de 20 de janeiro de 2010, que dispõe sobre a Tarifa Social de Energia Elétrica; altera as Leis nº 9.991, de 24 de julho de 2000; 10.925, de 23 de julho de 2004; 10.438, de 26 de abril de 2002; e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, DF, seção 1, 21 jan. 2010. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil/_Ato2007-2010/2010/Lei/L12212.htm#art11>. Acesso em: 24 nov. 2010. 9 A Lei nº 10.973, de 02 de dezembro de 2004, que dispõe sobre incentivos à inovação e à pesquisa científica e tecnológica no ambiente produtivo, também regulou a categoria jurídica de subvenção econômica para projetos de inovação em empresas, que consiste na concessão de recursos financeiros não reembolsáveis diretamente às empresas para financiamento de despesas de custeio de projetos de Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação (P&D&I). Cf.: MATTOS, Paulo Todescan Lessa. O sistema jurídico-institucional de investimentos público-privados em inovação no Brasil. Biblioteca Digital Revista de Direito Público da Economia (RDPE), Belo Horizonte, ano 7, nº 28, out./dez. 2009. Disponível em: <http://www.editoraforum.com.br/bid/bidConteudoShow.aspx?idConteudo=64266>. Acesso em: 21 nov. 2010.

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apostando na integração de instrumentos (próprios e com outras instituições) e na

descentralização da aplicação financeira.

Uma das novas ações é o Inova Energia – iniciativa conjunta da FINEP, BNDES

e ANEEL com R$ 3 bilhões em recursos totais. O objetivo é selecionar planos de negócios de

empresas brasileiras que contemplem projetos de inovação ligados ao setor energético.

(ANEEL, Plano de Ação Conjunta Inova Energia, 2013, p. 6).

Já a política de descentralização empreendida pela Financiadora ganhou

mais um componente com o lançamento do INOVACRED. Por meio desse programa, a

FINEP está selecionando agentes financeiros (Bancos de Desenvolvimento, Agências

Estaduais de Fomento e Bancos Estaduais Comerciais com carteira de desenvolvimento),

descentralizando a atividade de crédito. Cada agente terá recursos disponibilizados no valor

de até R$ 30 milhões para o financiamento de empresas com receita operacional bruta de até

R$ 90 milhões. A meta é, em cinco anos, financiar quase duas mil empresas inovadoras

(FINEP, 2013, p. 2).

Uma ação de integração de instrumentos e instituições já acontece no Inova

Petro, programa que envolve recursos da FINEP (nas modalidades de crédito, subvenção

econômica e cooperativo ICT-Empresa) e do BNDES, e conta com apoio técnico da

Petrobras. Já o TECNOVA, também lançado em setembro de 2012, conta com R$ 190

milhões (recursos da subvenção econômica) para aplicação em micro e pequenas empresas.

Ele irá possibilitar o desenvolvimento de novos produtos, serviços e processos que agreguem

valor aos negócios e ampliem seus diferenciais competitivos. O programa será operado por

parceiros descentralizados em cada estado da Federação a partir de uma carta convite da

FINEP (2013, p. 4).

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5. A RESPONSABILIDADE SOCIAL ENERGÉTICA NA CONCRETIZAÇÃO DOS

OBJETIVOS DA REPÚBLICA

Resultados negativos das relações, que se estabelecem entre a exploração da

atividade econômica irresponsável e os processos de expansão dos mercados, contribuem

decisivamente para a exposição da capacidade de regulação à uma particular qualidade de

conflito, tipicamente associado a contextos de insegurança e incompreensão. A capacidade e a

eficácia regulatória do Estado convivem cotidianamente com a difícil tarefa de modificar,

adequar e compatibilizar as próprias condições de governabilidade, perante a necessidade de

conciliar e garantir a proteção do desenvolvimento econômico e da capacidade de inovação

tecnológica, com a proteção do ambiente (AYALA, 2010, p. p. 323-324).

Assim, embora seja costumeira a alusão à “regulação econômica”, isso não

significa que a regulação seja dotada de uma única dimensão. Isso significa que a regulação

(notadamente por indução – como modalidade de intervenção indireta do Estado) não só pode

como deve corresponder, também, à promoção de valores socioais.

Nesse sentido, o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado,

exposto no artigo 225 da CF/88, se faz presente como princípio a ser respeitado pela atividade

econômica, no inciso VI do artigo 170, também da CF/88.10 A positivação deste princípio

ilumina o desenvolver da ordem econômica, impondo sua sustentabilidade (DERANI, 2008, p.

277).

Neste ponto, Fabiane Lopes Bueno Netto BESSA observa que se a regulação é

importante, as estratégias de regulação não são menos fundamentais, pois elas dependem dos

resultados pretendidos com a atividade reguladora. E a própria definição de estratégias deve

levar em conta a capacidade financeira e institucional dos Estados e a capacidade de

congregar esforços da sociedade civil e do próprio mercado para conciliar e otimizar técnicas,

recursos e o empenho coletivo, necessário à implementação. Tais estratégias, segundo a

mesma autora, “variam conforme o tipo de estímulo, desestímulo ou repressão utilizados na

tentativa de orientar o comportamento dos mercados” (2006, p. 189-190).

Na mesma direção sobre a responsabilidade social da empresa, Antônio Augusto

Cançado TRINDADE (1993, p. 172) refere-se à dimensão temporal da sustentabilidade. Com

10 Artigo 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: VI - defesa do meio ambiente, inclusive mediante tratamento diferenciado conforme o impacto ambiental dos produtos e serviços e de seus processos de elaboração e prestação; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 42, de 19.12.2003). Cf.: BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Promulgada em 05 de outubro de 1988.

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efeito, um de seus elementos essenciais é a obrigação geral básica de se voltar para o futuro.

No reconhecimento e na asserção das exigências da sobrevivência e dos princípios e valores

comuns superiores e das responsabilidades comuns, poder-se-ia testemunhar a noção em

evolução no direito internacional contemporâneo, segundo a qual as obrigações e as

capacitações não são mais atributos únicos dos Estados, mas são atinentes em primeiro lugar e

sobretudo aos seres humanos e aos povo (RISTER, 2007, p. 297).

Consequentemente, pode-se dizer, também, trata-se de uma norma que deve ser

observada tanto pelo Poder Público, quanto pela coletividade, instituindo o constituinte um

sistema de responsabilidades compartilhadas que pode ser visualizado tanto sob a ótica do

dever fundamental de proteção ambiental (dever dos cidadãos) como sob a perspectiva do agir

integrativo da administração (dever dos cidadãos e tarefa estatal). Com a previsão

constitucional de participação pública, destacam José Rubens Morato LEITE e Heline Sivini

FERREIRA (2010, p. 24) que se desenvolve, por meio deste canal da sustentabilidade

econômica e social em face do Direito, uma nova concepção de cidadania, pautada na

responsabilidade e distinta daquela que se exercia passivamente por uma sociedade

condicionada a processos centralizadores.

6. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Em resposta à problemática apresentada, podem ser extraídas algumas

conclusões articuladas, com as quais se pretende contribuir para o debate desse importante

tema da atualidade:

- o caráter diferencial do direito ao desenvolvimento, entre outros aspectos,

se concentra na singularidade do fenômeno da constitucionalização dos ordenamentos

jurídicos contemporâneos, promovido ante uma Constituição Cidadã que, nestes 25 anos,

reforça seu caráter principiológico, pautado pela defesa da dignidade da pessoa humana, da

busca da igualdade social, da livre iniciativa, da função social da empresa e, também, da

sustentabilidade econômica e social;

- suporte do princípio do desenvolvimento com sustentabilidade, decorre do

caput do art. 225 da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, segundo o qual

“todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo

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e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever

de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações”;

- identifica-se o fomento público como um grande canal entre a

Administração Pública pró-ativa e empresas responsáveis, levando-se em conta a

concretização de metas econômicas e sociais;

- a busca de um modelo de investimento para o setor energético exige a

investigação de uma arquitetura especial, cujo domínio de conhecimento perpassa pela crítica

acadêmica; e, também, pelos pontos de formação dos planos, objetos de execução tanto de

empresas responsáveis quanto da chamada Administração Pública pró-ativa;

- a existência de investimento em inovação para elevar a produtividade e a

competitividade da economia brasileira, por meio da ampliação do patamar de investimentos,

como maior apoio para projetos de risco tecnológico e, principalmente, com o fortalecimento

das relações entre empresas, ICTs e Administração Pública;

- como concepção e definição de áreas estratégicas para o desenvolvimento,

objetivo da República Federativa do Brasil, destacam-se: fomento a planos de inovação

empresariais; descentralização do crédito e da subvenção econômica para médias e pequenas

empresas; e, novo modelo de fomento à inovação com a articulação de programas de diversas

instituições públicas, uso coordenado dos instrumentos: crédito, subvenção, renda variável e

não-reembolsável, bem como gestão integrada para todas as modalidades de participação no

programa;

- a título de exemplo empírico, pode-se observar o Plano Inova Energia,

para o desenvolvimento de redes elétricas inteligentes, transmissão de energia em ultra alta

tensão, energias alternativas (fotovoltaica e heliotérmica), destaque desta pesquisa e veículos

híbridos e eficiência energética veicular, todos relacionados ao contexto da sustentabilidade

econômica e social para o desenvolvimento.

Por fim, vale notar que o mesmo contexto do “Plano Inova Empresa” pode

promover estratégias de inovação, decorrentes das demandas empresariais, fortalecendo a

produtividade e a competitividade da indústria, estimulando instituições de PD&I a realizar

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112

prospecção de projetos empresariais e arranjos cooperativos para inovação, estabelecendo,

também um ambiente favorável à formação e capacitação de recursos humanos por meio da

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RESPONSABILIDADE JURÍDICA SOCIAL EMPRESARIAL (RJSE): ÉTICA EMPRESARIAL E DEONTOLOGIA, NO DIÁLOGO ENTRE AS NORMAS DE

MERCADO E AS NORMAS JURÍDICAS

CORPORATE SOCIAL RESPONSIBILITY LEGAL (CSRE): BUSINESS ETHICS AND DEONTOLOGY ON THE DIALOGUE BETWEEN THE RULES MARKET AND

LEGAL STANDARDS

“Ele [HILEL] costumava dizer: Se eu não for por mim, quem será por mim?

Mas se eu for apenas por mim mesmo, o que eu sou? E se não agora, quando?” Pirkei Avot, 2:17

Ana Cecília Parodi1

Viviane Coêlho de Séllos Knoerr2

RESUMO

Responsabilidade jurídica social empresarial designa uma metodologia de estudos que coliga as normas de mercado e as normas jurídicas, estabelecendo diálogos pró-efetividade cogente da deontologia de condutas administrativas e consensuais. Consiste em um campo de estudos que congrega a métrica da responsabilidade social empresarial e do desenvolvimento sustentável com o marco jurídico regulatório, na busca por conferir maior efetividade para as normas consensuais, que por natureza não possuem cunho legislativo e, portanto, não podem ser reclamadas judicialmente. O princípio constitucional da dignidade da pessoa humana e o solidarismo ético são a base para esse cotejo; contudo, maior utilidade é prospectada quando a regra de mercado encontra consonância com um dispositivo de lei regulamentar, para que a generalidade de um preceito não o torne impraticável e desprovido de efetividade no cotidiano das relações jurídicas. Essas novas demandas deontológicas são próprias da Contemporaneidade, opondo-se a uma visão individualista e instrumentalista da Modernidade. Empresas são formadas por pessoas; agir de modo responsável é um dever de cada cidadão. PALAVRAS-CHAVE: Responsabilidade jurídica social empresarial. Deontologia. Dignidade da Pessoa Humana.

ABSTRACT Corporate social legal responsibility designates a methodology of studies that connects the rules of market and legal norms, establishing dialogues pro-effectiveness of the cogency of ethics conduct administrative and consensual. It consists in a field of studies that brings the metric of corporate social responsibility and sustainable development with the regulatory legal framework, seeking to confer greater effectiveness for consensual norms, which by nature have no stamp legislature and therefore not may be claimed in court. The constitutional principle of human dignity and ethical solidarism are the basis for this collation, however, there is greater utility when the market rule is consistent with a legal standard in order that the generality of a legal precept not make him become impractical and lacking in daily effectiveness of legal relations. These new demands are peculiar conduct of contemporary times, as

1 Doutoranda em Direito Civil (USP). Membro externo do Grupo de Pesquisa “Direito Empresarial e Cidadania no Século XXI”, liderado pela Professora Dra. Viv iane Coêlho de Séllos Knoerr, no UNICURITIBA, onde cursa disciplina na qualidade de aluna especial. Mestre em Direito Econômico e Social (PUCPR). Especialista em Direito Civil e Empresarial (PUCPR) e em Direito Aplicado (EMAP-PR). Advogada. E-mail: [email protected]

2 Doutora em Direito do Estado / Direito Constitucional (PUC/SP). Líder do Grupo de Pesquisa “Direito Empresarial e Cidadania no Século XXI”, registrado no CNPQ. Mestre em Direito das Relações Sociais/Direito das Relações de Consumo (PUC/SP). Especialista em Direito Processual Civil (PUCCAMP). Advogada. Professora e atual Coordenadora do Programa de Mestrado em Direito Empresarial e Cidadania do UNICURITIBA. E-mail: [email protected]

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opposed to an individualistic and instrumentalist of Modernity. Enterprises are made up of people; act responsibly is a duty of every citizen. KEY WORDS: Corporate social legal responsibility. Deontology. Human dignity.

1 INTRODUÇÃO

Responsabilidade jurídica social empresarial é uma terminologia cunhada na dissertação

intitulada “A função profilática da responsabilização civil consumerista e desenvolvimento

sustentável”, tendo ganhado relevo acadêmico através das pesquisas desenvolvidas a partir de 2008,

no Projeto CAPES “Livre Iniciativa e Dignidade Humana”, do Programa de Mestrado em Direito do

Centro Universitário de Curitiba – UniCuritiba.

Designa uma metodologia de estudos que coliga as normas de mercado e as normas jurídicas,

estabelecendo diálogos pró-efetividade cogente da deontologia de condutas

administrativas/consensuais.

A Constituição Federal de 1988, denominada Constituição Cidadã, pelo deputado

constituinte Ulysses Guimarães (como é de notório conhecimento), foi elaborada com base em

sólidos fundamentos éticos, resumíveis, em última instância, na proteção da dignidade da pessoa

humana. O personalismo ético positivado constitucionalmente determina o rumo social prospectado,

os caminhos que devem ser trilhados para o atingimento e manutenção de uma sociedade livre, justa

e solidária.

Esse paradigma ético jurídico afeta, direta e hermeneuticamente, a todas as relações jurídicas,

impondo o seu exercício de maneira socialmente funcionalizada, na esteira de Norberto Bobbio.

Além das delimitações impostas pelo artigo 170 da Constituição Federal, a ideologia do

personalismo ético, posto que positivada, obriga a um exercício funcionalizado (pela promoção da

dignidade da pessoa humana) do direito à livre iniciativa.

Responsabilidade social empresarial não é uma tendência de marketing ou simplesmente a

“nova onda mercadológica”; assim como o desenvolvimento sustentável, consolida modos éticos e

eficientes de gestão e de condutas, que são medidos em vários tipos de normas estabelecidas pelos

setores econômicos, com a intenção de pacificar os processos de produção e transação. Contudo, por

não se tratarem de produtos legiferados, por mais virtude que contenham, a violação dessas normas

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118

não são, em regra, passíveis de questionamento judicial. Contudo, é fato que o Direito tem

acompanhado, ainda que com sua própria dicção, o anseio social por uma correção de parâmetros,

como proposta de solucionamento para as contemporâneas demandas das caóticas urgências da

sócio-ambientalidade. É neste ponto que emerge a intersecção entre os marcos regulatórios, alçando

ao plano da efetividade jurídica a norma consensual, ainda que tal união se dê pelo conteúdo

regulado (redução das desigualdades no meio ambiente laboral, a proteção do funcionário em fase de

aposentadoria, por exemplo). O fundamental é a consciência ética que impulsiona a criação dessas

normas, contudo não se contentando com o delineamento ético, mas efetivamente regulando a praxis

dos problemas pontuais.

São os objetivos deste artigo registrar o marco teórico das contemporâneas demandas éticas

que afetam ao exercício do direito à livre iniciativa, tanto no aspecto do personalismo constitucional,

quanto nas exigências sociais e de mercado, bem como registrar da racionalidade metodológica

proposta, nomeada “Responsabilidade Jurídica Social Empresarial”, adotando como metodologia a

revisão bibliográfica.

2 DA ESTRUTURA À FUNÇÃO SOCIAL – O PERSONALISMO/SOLIDARISMO E SEU EFEITO TRANSFORMADOR SOBRE AS RELAÇÕES JURÍDICAS CONTEMPORÂNEAS: APONTAMENTOS CONSTITUCIONAIS DEONTOLÓGICOS

Os documentos mais remotos testificam que a sociedade antiga valorizava, na essência, o

mesmo conteúdo ético que hoje remanesce valorizado, guardadas, por certas, as necessárias ressalvas

evolutivas, tanto de interesses, quanto de métodos. Afinal, se o Homem sempre almejou as mesmas

garantias, é certo que grandes foram as lutas pela igualdade entre os sujeitos de direito, a fim de que

todos pudessem ter acesso ao mesmo “mínimo jurídico” (ROSANVALLON, 1997) – ainda que

formalmente –, derrubando ao máximo as categorizações que, injustamente, distinguissem as

pessoas. Batalhou-se pelo firmar dos valores, na Revolução Gloriosa; pela abolição da escravatura e

do comércio de seres humanos; pelo sufrágio universal; pela proteção dos trabalhadores; pela

autonomia feminina; pela defesa da propriedade privada; pela efetividade das garantias

fundamentais.

E ainda que muitas investidas sociais mereçam destaque, de toda sorte é mister que se

estabeleça um marco histórico, divisor de águas não apenas temporal, mas notadamente social e

jurídico, a saber, a Revolução Francesa, donde emerge o tripé assecuratório – Liberdade, Igualdade e

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Fraternidade – constituto da Declaração de Direitos do Homem e do Cidadão. Tríade esta que é o

fundamento teórico de outras relevantes declarações internacionais, vindo a embasar tratados e cartas

políticas em geral.

Norberto Bobbio (1992, p. 6), na Era dos Direitos, afirma que os direitos fundamentais são

históricos, nascidos das circunstâncias sociais, associando-os, ab initio, a denominadas três gerações,

correlacionadas ao referido tripé francês3.

Assim, tem-se a primeira geração – liberté – associada aos direitos garantidores da liberdade

individual dos sujeitos de direito e um não agir do Estado; a segunda geração – égalité – direitos

sociais, contemplados nas cartas políticas democráticas, portanto, correspondendo a uma ação

positiva estatal; e, por fim, quanto à terceira geração – fraternité – diz o autor ainda ser uma categoria

heterogênea, em pleno desenvolvimento conceitual, sendo composta por garantias diferenciadas, de

natureza difusa ou coletiva, denominadas também de “direitos solidários”4, havendo a necessidade da

gestão jurídica da comunidade, em prol do estabelecimento de boas condições gerais de vida, mas

igualmente repartindo, entre todos, a responsabilidade por tal atingimento5.

As lutas sociais também se enquadram nestas mesmas três categorias, pois, evolutivamente,

muitas dessas batalhas se repetem, ainda que com tônica diversa: da conquistada liberdade para

formação e dissolução de família, busca-se a igualdade do exercício de símile direito a casais

homoafetivos; da garantia de aquisição de propriedade privada, passa-se ao debate tanto de seu

exercício regular desprovido de ofensa às comunidades excluídas, quanto à legitimidade de

apropriação e do uso dos recursos naturais. Dantes se conquistou a plena liberdade de contratar; hoje,

o Estado opera em intervenção legítima sobre a vontade dos particulares, delimitando-a em função

do interesse coletivo. Ou seja, na dicção de Bobbio (2007, p.53/113), caminha-se da estrutura para a

função.

As necessidades éticas se adéquam às demandas impostas pelas características da

sociedade no tempo, impulsionando o revisionismo legislativo, assim como o surgimento de

3 O autor também menciona a quarta geração de direitos e já existem estudos doutrinários ligando uma quinta geração aos direitos digitais. Lorenzetti, por seu turno, aduz a existência dos direitos de 5ª geração, associando-os ao direito digital e contratos eletrônicos. A esse respeito: LORENZETTI, Ricardo Luis. Comércio Eletrônico. Ed. Revista dos Tribunais. 2004. 4 A doutrina tem reconhecido que o princípio da solidariedade nada mais é do que uma versão atualizada da ideia francesa de fraternidade. A respeito do assunto v., por todos, Michel BORGETTO, La notion de fraternité em droit public français. LGDJ, Paris, 1993. 5 A exemplo do direito de se habitar em um mundo não poluído, com o correlato dever de não poluir, extensível, ambos, aos particulares e pessoas públicas, indivíduos e coletividades.

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novas doutrinas jurídicas e a inovação nos demais campos do Conhecimento1. Ademais,

fenomenologicamente, presencia-se o fim das dicotomias extremadas no Direito, fazendo cair no

obsoleto as distinções solidificadas em “Direito Público e Privado”.

Nos antecedentes fáticos, tem-se que a autonomia da vontade6 se tornou a vedete das

figuras jurídicas a partir de Napoleão, consagrando-se sobre a ingerência do Estado. Mas a

Revolução Francesa deu lugar à Revolução Industrial, e uma brusca alteração nos regimes de

trabalho afetou, perenemente, até a estrutura da célula familiar, desvirtuando a ideologia da

igualdade formal entre os indivíduos, por ter sido posta a serviço do lucro exorbitante,

avassalando a necessária liberdade real entre os partícipes da relação negocial e requerendo do

Estado uma “flexibilização” da ideia de abstencionismo estatal, ou seja, a percepção de Estado

Liberal. Como é notório, dizia Lacordaire (1802-1861), “entre o forte e o fraco, é a lei que liberta

e a liberdade que escraviza”. Inicia-se, a partir destas circunstâncias históricas – inauguradas por

ocasião da Revolução Industrial e consolidadas a partir da 1ª Grande Guerra – o agonizar do

papel do Estado assistente, no sentido de mero expectador.

O Século XX seria construído sobre a carcaça do modelo humanista, guardando as

sombras do Iluminismo. Do lucro vil às guerras, vê-se que o exercício irrefreado das liberdades

individuais havia levado a sociedade mundial a graves desequilíbrios, notadamente porque

prevalecera a Liberdade sobre a Igualdade – o conferimento de privilégios e oportunidades mais

benéficos aos mais poderosos, regando a semente da injustiça social, que, no fim do dia, é ainda

mais prejudicial para a própria classe dominante, em um ciclo vicioso.

O retrocesso do desenvolvimento humano precisou ser bruscamente freado por corajosos

movimentos sociais, inconformistas do status quo, no enfrentamento dos poderosos gigantes

estatais e privados, com destaque para as feministas, os trabalhistas, os pacifistas e defensores

dos direitos humanos, dentre outros; além do nascimento de importantes entidades, como a Cruz

Vermelha Internacional. A coroação das vitórias se dá em 1948, pela aprovação das já

mencionadas Declarações que, na porção em que cominam preceitos idênticos aos napoleônicos,

na verdade reafirmam as garantias básicas, dantes conquistadas a preço de sangue, mas abafadas

pelo suor dos trabalhadores nas fábricas e pelo totalitarismo dos Estados.

6 Atualmente a melhor expressão para explicar tal instituto é a de ‘autonomia privada’, visto que aquela expressão designava um valor excessivo à vontade, como se fosse, o que a história demonstrou que não era, verdadeira fonte do direito. A expressão ‘’autonomia da vontade’’ contudo, é a que melhor expressa a visão de mundo existente por ocasião do estado liberal.

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121

A queda das dicotomias extremadas entre o Direito Público e o Privado foram, de certa

forma, uma resposta aos efeitos jurídicos decorrentes da Revolução Industrial, gerando focos de

intervencionismo estatal – a fim de equilibrar as desigualdades –, fruto de reclames sociais, de

forma a limitar o poder coercitivo dos fortes, impedindo, como diria João Calvão da Silva (2006,

p. 50) “que os mais fracos sejam obrigados a querer o que os mais fortes são livres de lhes

impor”. Por outro lado, a esta socialização do Direito Privado7 mais à frente, já no final do

Século XX, contrapõe-se uma privatização do Direito Público.

De quem é a necessidade da ética? De acordo com a Constituição Federal, de toda a

Sociedade. Para que a ética é necessária? Para a realização do desenvolvimento em sentido

amplo (ONU, 1986). Eis alguns objetivos constitucionais específicos.

PREÂMBULO: Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembléia Nacional Constituinte para instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias, promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL. TÍTULO I - Dos Princípios Fundamentais - Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: [...] II - a cidadania; III - a dignidade da pessoa humana; [...] Art. 3º Constituem OBJETIVOS FUNDAMENTAIS da República Federativa do Brasil: I - construir uma sociedade livre, justa e solidária; II - garantir o desenvolvimento nacional; III - erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação. (g.n.)

Esse compêndio ético afeta diretamente ao exercício do direito à livre iniciativa:

TÍTULO VII - Da Ordem Econômica e Financeira - CAPÍTULO I - DOS PRINCÍPIOS GERAIS DA ATIVIDADE ECONÔMICA - Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: I - soberania nacional; II - propriedade privada; III - função social da propriedade; IV - livre concorrência; V - defesa do consumidor; VI - defesa do meio ambiente, inclusive mediante tratamento diferenciado conforme o impacto ambiental dos produtos e serviços e de seus processos de elaboração e prestação; VII - redução das desigualdades regionais e sociais; VIII - busca do pleno emprego; IX - tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sua sede e administração no País. Parágrafo único. É assegurado a todos o livre exercício de qualquer atividade econômica, independentemente de autorização de órgãos públicos, salvo nos casos previstos em lei.

7 Expressão criticada por João Calvão da Silva (2006, p. 46).

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E afeta todas as relações jurídicas, por meio da funcionalização hermenêutica das figuras

jurídicas, na busca por sua adequação ao pilar da Fraternidade jurídica, também conhecida como

solidarismo ético, valor fundante de toda a Constituição Federal e que se espraia por todo o

“sistema” jurídico, de modo a afetar e conduzir a interpretação prática de todas as leis

positivadas, de todas as figuras jurídicas reguladas, visando à consecução da efetividade do

princípio da dignidade da pessoa humana.

É louvável que a Constituição de 1988 tenha materializado, ao menos no alcance parcial

legislativo, o contrato de uma sociedade preocupada mais com o ser do que com o ter, onde seja

reconhecida efetivamente a dignidade humana. Em suma, nas palavras de Delpérée (1999, p. 162)

“[...] o respeito que merece o homem. A dignidade não se reclama, nem tampouco se negocia. Ela se

impõe, [...] absoluta, para que a vida seja digna de ser vivida”. Mas continua a enfrentar desafios,

notadamente representados pela busca da efetividade de suas garantias fundamentais e pela

concretização de uma técnica hermenêutica constitucionalizada, que alcance a operação do Direito

como um todo, unificando-o em torno do ideal do solidarismo ético.

2.2 DA ESTRUTURA À FUNÇÃO SOCIAL.

A nomeação deste item faz menção ao título da obra de Norberto Bobbio, o magister

italiano que marcou época com sua produção sobre a função social das figuras jurídicas. A

função social é tema coligado à operacionalização da hermenêutica constitucionalizada, devendo

ser prospectada em cada relação jurídica praticada concretamente.

Fixando marco teórico, Bobbio (2007, p. 85-137) ensina que, por função se entende a

prestação continuada que um determinado órgão dá à conservação e ao desenvolvimento,

conforme um ritmo de nascimento, crescimento e morte, do organismo inteiro, isto é, do

organismo considerado como um todo. E entende que o escasso interesse pela função social, na

(então) prevalente teoria geral do Direito resta(va) vinculada ao destaque que os grandes juristas

deram às Ciências Jurídicas como um instrumento “cuja especificidade não deriva dos fins a que

serve, mas do modo pelo qual os fins, quaisquer que sejam, são perseguidos e alcançados”.

A razão positivista implica no estudo e aplicação do Direito a partir de sua estrutura,

visando a uma compreensão de sua formação, a desprezo da serventia de seu conteúdo; ou,

privilegiando a estrutura sobre a função. E para muitos autores, a exemplo de Kelsen, a análise

funcional estaria restrita à produção científica de sociólogos e filósofos, cuja visão do Direito é

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exteriorizada; o jurista por sua vez, analisaria o Direito como meio e não como fim,

compreendendo-o como mecanismo de consecução da paz social, ou da segurança coletiva.

Bobbio desafia a visão kelseniana de um ordenamento coativo, passando ao entendimento

do Direito promocional, que não elide a concepção da juridicidade como um meio coativo, mas o

expande para um meio de estímulo e promoção das boas condutas, direcionando os

comportamentos para determinados objetivos preestabelecidos, cuja obtenção pode ser

prospectada de técnica legiferante que coaduna com as sanções positivas e os incentivos.

E afirma que a função do Direito – em relação à sociedade como totalidade ou em relação

aos indivíduos que dela fazem parte – não teria sentido revolucionário, se o termo “Direito” for

entendido como meio de coação, adquirindo sentido apenas se pretende falar das mudanças

sociais, que, na conformidade do mecanismo podem ser produzidas, e, portanto, dos conteúdos

políticos, econômicos e sociais que, um a um, possam vir a ser reduzidos àquela forma. Eis aí a

função social em sentido amplo, podendo se revestir de seu aspecto – ou fim – social estrito,

econômico, político, dentre outras expressões8. E assevera, ainda, o autor que as modificações

funcionais e estruturais devem ser, igualmente, alimentadas, de maneira proporcional.

A função social é um mecanismo interpretativo pré e/ou pós-efetividade, em sentido

revisional, modificando seu conteúdo classicamente conhecido ou limitando seu campo de

atuação. Busca uma nova paradigmática hermenêutica, promovendo uma travessia dos

significados modernos para os significantes contemporâneos, ancorando no solidarismo ético.

Ensina Paulo Nalin (2001, p. 125-200) que o solidarismo é um espírito, um princípio de justiça, e

não um simples regramento. Generalismo consistente, que permite, inclusive, o tutelamento das

questões genéticas; a dignidade da pessoa humana é um princípio fonte, que influencia, de modo

irrevogável, todas as relações9. Inclusive, do personalismo ético emanam novos princípios

orientadores das relações privadas, de acordo com o Código Civil Brasileiro de 2002, a saber, a

Boa-Fé (objetiva) Negocial, o Equilíbrio das Prestações, a Transparência, entre outros. Tudo se

resumindo na solidariedade, fruto do espírito ético, apregoado nesta era. Novos princípios? Nem

tanto. Mais valorizados e explicitados no ordenamento? Sem dúvida.

8 E assim, elide qualquer argumento que vise a desmerecer a existência de uma função social da empresa, como se a mesma existisse unicamente com a missão de dar lucro para o empreendedor, visto que a concepção da função social parte do gênero, que em si abarca a espécie social estrita e a econômica. 9 A este respeito POPP, Carlyle. O Direito em Movimento. Curitiba : Juruá, 2007. p. 62.

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A salutar intervenção estatal interessa à sociedade, para que sejam regulados os limites

básicos das relações, em prol de que o equilíbrio material e moral entre as pessoas seja

preservado, visando ao atingimento do ideário ético humanista: a construção de uma sociedade

livre, justa e solidária e a promoção do bem de todos. Estimula-se o comportamento solidário,

ajustado o conteúdo dos institutos à sua finalidade constitucional. O contrato deixa de ser um

mecanismo de troca, para significar um instrumento de consolidação socialmente responsável de

direitos materiais, o que equivale a dizer que a transação é efetuada sem lesão financeira ou

moral para ambas as partes, desequilíbrio que refletiria, inevitavelmente, em toda a comunidade,

a qual é natural e mecanicamente interdependente.

Solidarismo não é perfumaria, servindo a Carta Constitucional como patamar teórico

inclusive das relações privadas, donde se extraem os valores que embalam o sistema jurídico.

Para a dignificação contratual do Homem, é eleito o valor da solidariedade, como fio condutor

que refunda um contrato. A nova paradigmática atinge a todos os conceitos jurídicos, inclusive os

clássicos, impondo-lhes nova leitura.

A função social leva ao tratamento, por exemplo, do Consumo de acordo com sua

contribuição para o desenvolvimento – econômico e social, considerando a relevância vital das

transações comerciais, para o ciclo produtivo; individual e social, dada a realização pessoal que

vem associada à aquisição de utilidades ou recebimento da prestação de serviço e o valor

comunitário da socialização includente, que é inerente ao ter; e cientifico, haja vista que estimula

às novas descobertas e aperfeiçoamento tecnológico. Também se relaciona, ilustrativamente, com

a Responsabilidade Civil – porque impõe à sua essência o caráter antecedente preventivo, além do

posterior reparatório – e com a responsabilidade social e ambiental.

3 A CULTURA ÉTICA NAS RELAÇÕES NEGOCIAIS E A DEONTOLOGIA CONTEMPORÂNEA DO DESENVOLVIMENTO E NO MERCADO

De acordo com a Declaração sobre o Direito ao Desenvolvimento (Organização das

Nações Unidas, 1986), desenvolvimento é um direito humano inalienável, realizado, assim,

como garantia coletiva, mas também como direito próprio individual:

Reconhecendo que o desenvolvimento é um processo econômico, social, cultural e político abrangente, que visa ao constante incremento do bem-estar de toda a população e de todos os indivíduos com base em sua participação ativa, livre e significativa no desenvolvimento e na distribuição justa dos benefícios daí resultantes; [...] 1. O direito

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ao desenvolvimento é um direito humano inalienável em virtude do qual toda pessoa humana e todos os povos estão habilitados a participar do desenvolvimento econômico, social, cultural e político, a ele contribuir e dele desfrutar, no qual todos os direitos humanos e liberdades fundamentais possam ser plenamente realizados. 2. O direito humano ao desenvolvimento também implica a plena realização do direito dos povos de autodeterminação, que inclui, sujeito às disposições relevantes de ambos os Pactos Internacionais sobre Direitos Humanos, o exercício de seu direito inalienável de soberania plena sobre todas as suas riquezas e recursos naturais.

Bernardo Kliksberg (2010, p. 7-8) informa: “os problemas de saneamento básico do

mundo inteiro seriam reduzidos à metade com a quantia equivalente a 5 dias do orçamento

militar anual”, conforme A ética do desenvolvimento e os problemas do mundo globalizado.

Na desproporção dos valores sociais evidenciada nas práticas governamentais e de

governança empresarial se percebe que a cultura ética pessoal ou de uma comunidade não é

suficiente para dar atendimento aos problemas caóticos mundiais. Mais uma vez se retorna à

necessidade de um conteúdo ético mínimo comum. Mas como mensurá-lo, delimitá-lo ou até

mesmo impô-lo e exigi-lo, na sociedade contemporânea?

O Século XIX registrou um importante fenômeno conhecido como o retorno à laicização

social e do Estado. Se até então era possível balizar o comportamento mínimo do cidadão pelos

princípios cristãos fraternos, a partir dessa emancipação, Estado e cidadãos estão “liberados”

para agir de acordo com a sua própria consciência e autodeterminação, ainda que o elemento

volitivo levasse ao distanciamento do ideário mínimo cristão, realizando o sonho liberalista.

3.1 LIBERDADE E IGUALDADE: A LACUNA ÉTICA E O DÉBITO ESTATAL

No universo jurídico, a laicização no Estado Liberal é melhor caracterizada pelo

abstencionismo estatal da regulação dos chamados “grandes temas da vida” (aborto,

desarmamento, etc), delegando tais decisões aos instrumentos democráticos diretos, a exemplo

do referendum popular.

Neste sentido, Pierre Rosanvallon (1995) comenta a importância que a laicização operou

sobre as políticas públicas nos Estados Modernos e a relação destes com seus cidadãos, que

agora deveriam deixar de esperar a providência divina, para esperar a providência estatal. Como

anota Sacks (2008), também se operou um rompimento social com o padrão ético mínimo do

“bom samaritano” e “fazer ao próximo o que deseja para si”, deixando-se os cidadãos à vontade

para construírem seu próprio norteamento ético individuado, o que acaba por afetar a sociedade

com maior individualismo, egoísmo e consciências cauterizadas.

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Sobre os efeitos da crise ética sobre o caos social e ambiental, Altvater (1992, p. 142):

Há sempre questões éticas básicas em causa (Gutwirth, 1993), nas quais uma compreensão (discursiva) ainda tem que ser gerada. As respostas para as questões éticas básicas vão da abordagem da ‘ecologia radical’, segundo a qual ‘mesmo as pedras têm direitos’ (Nash, 1977; Gutwirth, 1995; Martinez-Alier e Guha, 1997), à premissa neoclássica de que cada geração tem sua própria capacidade de resolver os problemas ambientais e de recursos que herdou.

De Rosanvallon (1995, p. 22) lê-se:

É preciso, finalmente, voltar a situar essa questão no grande movimento de laicização política moderna. A própria expressão Estado-Providência [...] começa a aparecer por volta de meados do século XIX, com sentido de reprovação [...] da ‘economia política cristã’. [...] finaliza sua secularização [...] ele se dá por tarefa resgatar hic et nunc as desigualdades de ‘natureza’ ou os infortúnios da sorte. O Estado-Providência é a última palavra do estado leigo [...].

Jonathan Sacks (2008, p. 159-161) pontua sob a ótica do mínimo ético exigível dos

indivíduos e seus reflexos sobre a sociedade:

Os primeiros teóricos do contrato social dispunham de uma premissa segura para articular seu raciocínio: uma cultura comum – o cristianismo – que habilitava as pessoas a compreenderem suas obrigações morais. No século 17, a batalha se restringia apenas à forma de cristianismo que deveria prevalecer. A política podia servir de arena a interesses pessoais, mas tinha por contrapeso uma tradição ética que se expressava num idioma totalmente diferente, o idioma do altruísmo e do auxílio ao próximo. A premissa não existe mais. As sociedades pós-modernas são marcadas pela falta de consenso moral. Contêm em si pessoas de religiões radicalmente distintas. A cultura secular, por sua vez, praticamente abandonou o projeto de moralidade como um empreendimento da sociedade ampla. Em vez disso, ele se tornou o exercício da autonomia – a moralidade como escolha íntima e pessoal.

Sacks continua seu discurso, demonstrando que há diferença entre contrato e pacto social,

sendo que no primeiro, se forma um Estado e, no segundo, uma Sociedade.

Uma rápida síntese das ideias apresentadas por Mark Rowlands (2008, p. 15-19), filósofo

essencial para os estudos de diálogos entre “Direito e Artes”, traduz fundamentos do

individualismo imposto como dever, e não mais como opção, pela chamada Modernidade:

A primeira grande ideia sobre a qual se sustenta a modernidade é o que normalmente se conhece por individualismo [...] basicamente uma ideia moral: uma ideia a respeito do melhor tipo de vida para viver [...] aquele que compreende o autodesenvolvimento, a auto-realização, a auto-satisfação. Por ser considerado o melhor tipo de vida, você tem o dever ou a obrigação moral: uma obrigação para com você mesmo de viver essa vida. [...] Em Hamlet, por exemplo, Shakespeare faz com que Polonius, depois de passar por todas as preliminares do tipo “não empreste nem tome emprestado”, ofereça este conselho ao filho que parte: isto acima de tudo, que teu próprio eu seja verdadeiro. [...] As pessoas colocam seu próprio desenvolvimento, realização e satisfação em primeiro lugar desde tempos imemoriais. O que diferencia a idade moderna, entretanto, é que as pessoas não se sentem mais culpadas por isso. Pelo contrário [...] a auto-satisfação

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deixou de ser a descrição de como as pessoas realmente vivem suas vidas para tornar-se uma prescrição sobre como deveriam vivê-las.

Lado-a-lado com o individualismo anda o relativismo, segundo o qual “outras pessoas

têm a obrigação de não interferir” (ROWLANDS, 2008, p. 17), para que o indivíduo possa

cumprir com a sua “obrigação” de autorrealização. Atinge-se, então, o aparente ponto de

equilíbrio: a tolerância.

Você faz o que tem que fazer, e deixa que todo mundo faça o que tem que fazer. E a única razão para que haja interferência na vida dos outros é se o que eles tiverem que fazer para se satisfazerem impedir que você faça o que tem que fazer para se satisfazer. Aí, é claro, você tem um problema. Mas, tirando isso, a ideia é basicamente, viver e deixar viver. (ROWLANDS, 2008, p. 17)

É provável que a principal demanda ética trazida pela Modernidade, esteja contida em

seu quarto componente, denominado oportunamente de instrumentalismo.

A racionalidade instrumental é a argumentação que leva em conta os meios e os fins. Você quer alguma coisa. Qual é a melhor forma de consegui-la? A racionalidade instrumental é o que vai lhe dizer como conseguir o que você quer. Os meios são instrumentos – ferramentas – para alcançar os fins. A redução de todas as decisões da vida ao cálculo dos meios e dos fins é também um traço característico da modernidade. As outras pessoas da sua vida são avaliadas de acordo com o que trazem para a sua vida em relação ao que você tem que colocar na vida delas para mantê-las em sua vida. Elas são reservas – financeiras, sexuais, emocionais ou de entretenimento [...] os relacionamentos se reduzem ao que você tem em relação ao que você dá – um tipo clássico de cálculo dos meios e dos fins. E isso não apenas em relação às pessoas. Uma característica da idade da modernidade é fazer da própria natureza uma reserva. O mundo se transforma num acúmulo de reservas naturais, e o que fazemos pelo mundo se transforma numa questão do que o mundo pode fazer por nós. (ROWLANDS, 2005, p. 17-18)

Em esteira concludente, o mundo moderno e o contemporâneo romperam formalmente

com o mínimo ético-moral do passado, fator que também gera novas demandas sociais de

padronização de condutas, implicando em debates que afetam tanto os limites da

responsabilidade social, quanto das funções sociais das figuras jurídicas, porque atingem a

construção do pacto social, pela distribuição de obrigações – a entes de toda natureza – dentro do

discurso do contrato social.

3.2 FRATERNIDADE: AS DEMANDAS DO DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL E DA RESPONSABILIDADE SOCIAL EMPRESARIAL (RSE)

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Visto que o individualismo e o instrumentalismo são marcos da modernidade fulcrada na

Liberdade e na Igualdade, por seu turno a Contemporaneidade traz a urgência pela

implementação da sociedade fraterna.

Os modelos econômicos moderno e contemporâneo afetaram não apenas os modos de

produção e de circulação de produtos, assim como de prestação de serviços, mas também

modificaram as urgências e o caos reflexos da insustentabilidade inerente a esses modelos.

Logicamente, à internacionalização do caos segue-se a necessidade da

internacionalização da abordagem e de soluções, panorama constatado por lideranças e

organismos internacionais há mais de 05 décadas. Uma das diversas formas de se verificar esse

fato são as cooperações para o estabelecimento de conceitos e de metas atinentes ao

desenvolvimento sustentável e à responsabilidade social empresarial.

Desde a década de 1960, iniciam-se estudos científicos implementados ao redor do

mundo, inclusive sob patrocínio e/ou cooperação da ONU, com o objetivo de investigar e debater

as principais causas do problema ecológico e a questão do desenvolvimento em si, surgindo uma

visão critica do modelo instaurado desde a Revolução Industrial.

Como principais resultados de produção intelectual, destacam-se o relatório “Os Limites

do Crescimento” – elaborado pelo MIT10, para o tradicional Clube de Roma11, abordando

problemas cruciais para o desenvolvimento da humanidade – e a adoção, em 1973, do termo

“ecodesenvolvimento”12, por Maurice Strong, Secretário-Geral da Estocolmo-72, sede da

Primeira Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, registrando

ácida crítica às imposições capitalistas e demandas requisitadas pelo modelo produtivo das

nações industrializadas e “em desenvolvimento”, haja vista que frontalmente contrários aos

interesses da natureza, por escassos que são os seus recursos. Dessa conferência originou-se o

PNUMA – Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente. Maurice Strong utiliza tal

10 Massachusetts Institute of Technology, instalado no estado que nomeia ao centro, na cidade de Cambridge, EUA. 11 Página oficial do Clube de Roma: http://www.clubofrome.org. Fundado por Aurélio Peccei – industrial e acadêmico italiano – e Alexander King – cientista escocês –, tem por meta reunir pessoas e mentes ilustres, de âmbito internacional, a fim de promover debates acerca de questões ligadas à política, economia, meio ambiente e desenvolvimento sustentável. Informações institucionais, produções e metas podem ser encontradas em seu site oficial. 12 O ecodesenvolvimento se define como “o desenvolvimento socialmente desejável, economicamente viável e ecologicamente prudente” (SACHS, 1986).

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129

expressão13, pela primeira vez, caracterizando uma concepção alternativa de política do

desenvolvimento. Contudo, Ignacy Sachs14 é quem formula os princípios básicos deste novo

paradigma desenvolvimentista (BRÜSEKE, 1998).

Em 1987, como consequência de mais uma série de estudos produzidos durante toda a

década de 1980 acerca do desenvolvimento, é editado o Relatório Brundtland, também

conhecido como o documento Nosso Futuro Comum, elaborado pela CMMAD – Comissão

Mundial sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento –, o qual é responsável por assim

conceituar o desenvolvimento sustentável: “o desenvolvimento que satisfaz as necessidades

presentes, sem comprometer a capacidade das gerações futuras de suprir suas próprias

necessidades” (NOSSO FUTURO COMUM, 1987).

A propósito da interdependência social, Luciana Ribeiro comenta a lição de Luis Renato

Ferreira da Silva, acerca da função social do contrato no novo Código Civil e sua conexão com a

solidariedade social, (2007, p. 434), quem propõe aprofundar o conceito de solidariedade

constitucional pela análise da teoria de Durkheim:

Remetendo às sociedades mais simples, nas quais a noção de solidariedade é quase natural, dada a inter-relação entre as partes, evidencia-se o que se poderia denominar uma ‘solidariedade mecânica’. Nas sociedades complexas, há uma especialização em razão da função e esta noção de solidariedade é abandonada. Não há uma consciência da dependência recíproca. Mas a dependência em verdade permanece, desta vez entre os órgãos com funções autônomas. Há uma ‘solidariedade orgânica’.

Conclui Altvater (1999, p. 147):

A globalização e a crise ecológica são desafios paradigmáticos para as abordagens dominantes do final do século. Para enfrentar seriamente essa crise de paradigmas é necessário desenvolver novos conceitos, estimular novos discursos sobre espaços e tempos de regulamentação política em condições de globalização econômica e fronteiras ambientais. Os velhos paradigmas, especialmente os neoliberais, não são capazes de trazer as respostas satisfatórias para os desafios do século que se aproxima. (...) no contexto dos velhos paradigmas, torna-se quase impossível fazer as perguntas certas.

13 Ensina Gisela Maria Bester (2008): “Porém, a idéia contida no vocábulo ecodesenvolvimento foi mal-aceita pelas potências industrializadas, maiores poluidoras do planeta, lideradas pelos dirigentes dos EUA, e também por outros países com altos índices de emissão de gases poluentes; por isso teve seus dias contados, em face do uso alternativo da expressão ‘desenvolvimento sustentável’, a partir de 1979, nos mais importantes simpósios internacionais. O termo ‘desenvolvimento sustentável’ (DS) entrou definitivamente na agenda internacional a partir de 1987, com a publicação, pelas Nações Unidas, do Relatório denominado ‘Nosso Futuro Comum’, elaborado pela Comissão Brundtland, criada em 1983 como decorrência da Conferência de Estocolmo, para pesquisar o estado ecológico da Terra”. 14 São eles: a) satisfação das necessidades básicas; b) solidariedade com as gerações futuras; c) participação das populações envolvidas; d) preservação dos recursos naturais e do meio ambiente; e) elaboração de um sistema social que garanta emprego, segurança social e respeito a outras culturas; e f) programas de educação.

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A globalização impõe novos paradigmas de produção, comercialização e

competitividade, e é dessa realidade de mercado que emerge a necessidade de afastar os

ineficientes e os antiéticos, pelo estabelecimento de mecanismos de padronização das relações

empresariais, in casu, conforme José Eduardo Faria (1999, p. 36), pela “uniformização e

padronização das práticas comerciais no plano mundial”. Normas e indicadores que vêm a

compor sistemas de gestão da qualidade, da conformidade ambiental e, atualmente, até mesmo

da responsabilidade social (ISSO 16:000), denotando que o mercado já se apercebe da

necessidade de afastar os empresários social e ambientalmente irresponsáveis, pois sua conduta

perniciosa prejudica ao equilíbrio da sustentabilidade do sistema.

Tais exigências consensuais, que emergem do próprio mercado, em critério

autorregulatório, são uma resposta às demandas levantadas pela questão social e ambiental,

especialmente causando uma obrigatoriedade não coercitiva, desde os tempos em que os Estados

nacionais agiam deveras timidamente, para legislar no mesmo sentido. Segundo o Instituto Ethos

(2010, p. 78), Responsabilidade Social Empresarial é:

A forma de gestão que se define pela relação ética e transparente da empresa com todos os públicos com os quais ela se relaciona e pelo estabelecimento de metas empresariais compatíveis com o desenvolvimento sustentável da sociedade, preservando recursos ambientais e culturais para as gerações futuras, respeitando a diversidade e promovendo a redução das desigualdades sociais.

Vale também destacar que stakeholder, ou público de interesse, é o termo inglês que

designa cada indivíduo ou grupo que possa afetar a empresa, seja por meio de suas ações ou

opiniões, variando entre governos, corpo funcional, fornecedores, consumidores, mapeando os

pontos de atuação do marco regulatório/dentológico.

Conceitualmente, Responsabilidade Social Empresarial supera o mero interesse

filantrópico ou mesmo do marketing verde. Sobre a dimensão ética da Responsabilidade Social

nas Organizações, Maria de Fátima Araújo Frazão (2011)15:

A sociedade contemporânea tem exigido das organizações um comportamento ético não somente nos aspectos do cumprimento de suas obrigações legais, do respeito aos consumidores e aos concorrentes, ao não uso de suas influências para benefício próprio, entre outros. Ao gerir seus negócios pautados em padrões éticos que agreguem valor para a sociedade e que contribuam para o desenvolvimento e o bem-estar social, ela assume um papel mais amplo, transcende sua vocação que é gerar lucros e indica ser socialmente responsável. [...] Abordar o tema Responsabilidade Social nas organizações remete à definição de Ética, pois ambas estão intrinsecamente ligadas. A Ética ilumina o

15 Disponível em http://www.fbb.br/downloads/maieutica_v1_n23_a4.pdf. Acesso em: 21 dez 2011

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ser humano, norteia a conduta individual e social e pode-se dizer que é a base da Responsabilidade Social, expressa através dos princípios e valores adotados pela organização, na condução dos seus negócios. A Ética e a Responsabilidade Social têm despertado o interesse das organizações passando a ser uma variável importante na relação destas com os seus diversos públicos, funcionários, fornecedores, clientes, sociedade, governo, dentre outros, que participam direta ou indiretamente do ambiente de negócios e de suas atividades. Ao longo dos tempos, vem-se percebendo uma mudança significativa nas práticas empresariais, pois, proprietários e dirigentes têm ampliado a visão a respeito da atuação, tanto com a sociedade quanto com seus empregados. Os cuidados com a comunidade local e o ambiente onde estão inseridas, deixam de ser apenas manifestações de consciência social e passa pelo envolvimento nas questões sociais. Por outro lado, tem-se cada vez mais uma sociedade consciente, articulada e engajada na fiscalização de práticas empresariais pautadas pela Ética. As organizações que administram suas relações, sem ética com os públicos internos e externos e sem os devidos cuidados com as necessidades da sociedade e do ambiente, podem cometer erros, significando riscos de sobrevivência no mercado e pouca atenção aos problemas sociais. A Responsabilidade Social está diretamente relacionada à consciência social e a ética, ao respeito com as partes integrantes da sociedade, com seu desenvolvimento e consequentemente a capacidade de sobrevivência das futuras gerações. A Ética é uma ciência prática, com caráter filosófico, que norteia os atos do homem na sociedade e diz respeito à conduta moral nas relações pessoais, comerciais, ou qualquer outra. No mundo empresarial, surgem questionamentos, decorrentes da adoção e das práticas dos conceitos de Responsabilidade Social e Ética, levando à indagação: como as organizações podem contribuir para a solução dos problemas da sociedade, gerar lucros e desenvolver produtos ecologicamente corretos conduzindo seus negócios com Ética?

O atendimento dessas indagações éticas pode ser dado pela deontologia que emerge das

autorregulação do mercado. E novamente trazendo à tona a ideia do “mínimo exigível”, as

sociedade setorialmente organizadas cuidam da consolidação de normas de qualidade e de

parâmetros de conduta, a fim de pacificar as relações de mercado em um patamar mínimo

desejado. Como ensina Carla Haesbaert (2008, p. 31), “o mercado agora é todo o planeta e, por

isso, a força e poder dos Estados se enfraquecem, abrindo espaço para uma nova ordem ditada

pelos agentes econômicos que cada vez mais passam a regular as relações empresariais”. José

Eduardo Faria analisa (1999, p. 36):

Por operar sob a forma de redes formais e informais de interesses, envolvendo um número variado de atores empresariais com distintos graus de influência e poder, e preocupados apenas em negociar acordos específicos sobre matérias determinadas, esta ordem tende a transcender os limites e controles impostos pelo Estado, a substituir a política pelo mercado como instância máxima de regulação social, a adotar regras flexíveis da lex mercatoria no lugar das normas de direito positivo, a condicionar cada vez mais o princípio do pacta sunt servanda à cláusula rebus sic stantibus.

As ferramentas de gestão empresarial social e ambientalmente responsável são de várias

espécies, tantas vezes estabelecidas por um organismo internacional de normalização para

aplicação em âmbito mundial, em campos específicos. Mesmo desprovidas de cunho legislativo,

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favorecem a competitividade, desconhecendo fronteiras, a exemplo das normas IEC (área

elétrica e eletrônica), ITU (telecomunicações), ISO e recomendações da Organização

Internacional do Trabalho, que é apoiada, tecnicamente, pela SA 8000.

No Brasil, os trabalhos da ISO – assim como os da IEC e ITU – se dão através da ABNT

– Associação Brasileira de Normas Técnicas, entidade não-governamental, sem fins lucrativos e

de utilidade pública, que atua para além da representação da ISO/IEC/ITU, como agente privado

de políticas públicas, tendo como missão e premissas, também:

Prover a sociedade brasileira de conhecimento sistematizado, por meio de documentos normativos, que permita a produção, a comercialização e uso de bens e serviços de forma competitiva e sustentável nos mercados interno e externo, contribuindo para o desenvolvimento científico e tecnológico, proteção do meio ambiente e defesa do consumidor. [...] [responder] com eficiência às demandas do mercado e da sociedade, comprometida com o desenvolvimento brasileiro, de forma sustentável, nas dimensões econômica, social e ambiental.

Dos sistemas empresariais de gestão social e ambiental merecem destaque a ABNT NBR

9000 e 9001 – sistemas de gestão da qualidade; 14000 e 14001 – sistemas de gestão ambiental; e,

notadamente, 16001 – sistema de gestão da responsabilidade social, apta a demonstrar “ao

mercado que a organização não existe apenas para explorar os recursos econômicos e humanos”,

mas também “para contribuir com o desenvolvimento social, por meio da realização profissional

de seus colaboradores e da promoção de benefícios ao meio ambiente e às partes interessadas”

(SIEVETER; TUBINO, 200716). O Instituto Ethos (2010, p. 3) explica porque o mercado

requisita a existência dessas ferramentas:

Com relação às ferramentas de gestão empresarial, uma demanda recorrente das empresas tem sido pelo estabelecimento da comparabilidade entre o que elas vêm diagnosticando, implementando e relatando de um período para o outro. Com o aprimoramento dos investimentos e das execuções das ações com critérios socioambientais, cada vez mais é necessário acompanhar os resultados para medir até que ponto os esforços da empresa estão atendendo seu objetivo de contribuir com o desenvolvimento sustentável.

Diz-se que as ferramentas são relevantes instrumentos de competitividade no mercado,

porque trazem produtos e serviços ao mesmo patamar e desde este ponto de partida avaliando-os,

conforme padrões e requisitos internacionais de qualidade, redução de impacto socioambiental e

promoção do bem social, certificando, por fim, positivamente, a sua conformidade e,

16 TUBINO, Flavio Ribeiro; SIEVETER, Marilde. Marketing Social: um diferencial competitivo para as empresas socialmente responsáveis. Via6. Disponível em: http://www.via6.com/artigo.php?aid=6539. Acesso em: 07 mar. 2013.

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negativamente, a inadequação presumida dos produtos e serviços que não gozem das mesmas

garantias auditadas.

A importância das normalizações para as transações internacionais já foi tratada pela

OMC – Organização Mundial do Comércio17 –, que excluiu dessas autorregulações caráter de

barreira técnica18. O Acordo Sobre Barreiras Técnicas ao Comércio (2008)19 reconhece a

“importante contribuição que as normas internacionais e os sistemas de avaliação de

conformidade” conferem, “por meio do aumento da eficiência da produção e por facilitar o curso

do comércio internacional”, e visa a “encorajar o desenvolvimento de normas internacionais e

sistemas de avaliação de conformidade”, porém, assegurando que os regulamentos técnicos e as

normas “e procedimentos para avaliação de conformidade com regulamentos técnicos e normas

não criem obstáculos desnecessários ao comércio internacional”. Reconhece, ainda:

Que não se deve impedir nenhum país de tomar medidas necessárias a assegurar a qualidade de suas exportações, ou para a proteção da vida ou saúde humana, animal ou vegetal, do meio ambiente ou para a prevenção de práticas enganosas, nos níveis que considere apropriados, à condição de que não sejam aplicadas de maneira que constitua discriminação arbitrária ou injustificável entre países onde prevaleçam as mesmas condições ou uma restrição disfarçada ao comércio internacional, e que estejam no mais de acordo com as disposições deste Acordo; [...] não se deve impedir nenhum país de tomar medidas necessárias para a proteção de seus interesses essenciais em matéria de segurança; [...] a contribuição que a normalização internacional pode dar à transferência de tecnologia dos países desenvolvidos aos países em desenvolvimento; [...] os países em desenvolvimento podem encontrar dificuldades especiais na formulação e aplicação de regulamentos técnicos, normas e procedimentos para avaliação de conformidade com regulamentos técnicos e normas, e desejando auxiliá-los em seus esforços neste campo;

Especificamente no que diz com a Responsabilidade Social Empresarial, a partir de

1960 começam a ser esboçados os balanços e relatórios sociais. Conceitualmente:

Balanço social é um instrumento de gestão e de informações que visa a evidenciar, de forma mais transparente possível, informações financeiras, econômicas, ambientais e sociais, do desempenho das entidades, aos mais diferenciados usuários, seus parceiros sociais. (TINOCO E KRAMER, 2004, p. 32).

Sobre estas ferramentas se falará mais amiúde, no terceiro capítulo.

17 Ou WTO – World Trade Organization, no original. Maiores informações constam no site oficial: http://www.wto.org/indexsp.htm. 18 Embora a questão seja discutível, mas não será objeto de análise. 19 RODADA URUGUAI DE NEGOCIAÇÕES COMERCIAIS MULTILATERAIS. Acordo sobre Barreiras Técnicas ao Comércio. Ministério das Relações Exteriores. Disponível em: http://www2.mre.gov.br/dai/omc_ata012.htm. Acesso em: 07 mar. 2013. A Rodada do Uruguai ocorreu de 1986 a 1994.

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4 RESPONSABILIDADE JURÍDICA SOCIAL EMPRESARIAL (RJSE): EFETIVIDADE E DEONTOLOGIA NO DIÁLOGO ENTRE AS NORMAS DE MERCADO E AS NORMAS JURÍDICAS

Carlos Roberto Menosso, (2007, p. 73), a respeito do empresário e da ética do mercado,

afirma que “os códigos de ética, normalmente, são transformados em normas jurídicas e refletem

princípios morais e usos e costumes de um determinado povo ou de uma determinada categoria

profissional em determinado lapso de tempo e espaço territorial”. Mas essa não é uma regra de

mercado absoluta. O descumprimento de algumas normas de cunho administrativo se torna

passível de reclamação judicial, quando a “norma de mercado” ou também chamada

“consensual”, se converte em lei (federal, estadual, ou municipal), por meio do devido processo

legiferante.

Dito que as normas de mercado são desprovidas, via de regra, de cunho legislativo,

portanto são exigíveis apenas na esfera extrajudicial. Para que se alcance a máxima efetividade, é

de mister importância que as regras consensuais encontrem, se não regulação direta, ao menos

um paralelo correlato em uma norma legiferada, para que o seu escopo, seu conteúdo normativo

geral, possa ser exigido na via judiciária.

É então que nasce o campo de estudos da Responsabilidade Jurídica Social Empresarial,

expressão cunhada na dissertação intitulada “A função profilática da responsabilização

civil consumerista e desenvolvimento sustentável”, tendo ganhado relevo acadêmico através das

pesquisas desenvolvidas a partir de 2008, no Projeto CAPES “Livre Iniciativa e Dignidade

Humana”, do Programa de Mestrado em Direito do Centro Universitário de Curitiba – UniCuritiba,

visando a identificar os elos comuns já existentes e, proativamente, formular proposições de

revisão ou de criação de normas.

4.1 O DISCURSO JURÍDICO DA RESPONSABILIDADE SOCIAL OU “RESPONSABILIDADE JURÍDICA SOCIAL” E O DIREITO NA PROMOÇÃO DO DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL

Conforme Daniele Kretski Bordignon (2009, p. 33), “prestar serviços de qualidade,

promover a proteção ao meio ambiente, valorizar o trabalho humano, são ações da empresa [...]

de eminente interesse social”.

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Quando se trata de direito à livre iniciativa20, a empresa não detém o monopólio

exclusivo de seu exercício, mas, certamente é quem exerce o papel de maior relevância no

mercado e, assim, há de desenvolver suas atividades baseada nos ditames da ordem

constitucional. A esse respeito, Justen Filho (1999, p. 122-129):

Esse é o novo contexto em que se insere o instituto da empresa. As modificações políticas vivenciadas no final do século XX e as mudanças constitucionais ocorridas na Constituição brasileira de 1988 exigem considerações mais profundas sobre o novo modelo estatal consagrado. O tema da empresa adquire maior relevo do que no passado, em face da ampliação dos limites de sua atuação e da transferência para o setor privado de encargos até então assumidos pelo Estado. Em síntese, a reforma constitucional alterou o panorama original e propõe novos temas à consideração jurídica. [...] A vitória das concepções neoliberais [...] não autoriza negar que os objetivos consagrados no art. 3º sejam um dever assumido pela Nação brasileira. É indubitável que o Estado está constrangido a adotar todas as providências para realização daqueles objetivos. Mas se afirma que a implementação de tais ideais não se fará através da atuação exclusiva do Estado. Dependerá da tomada de posição de cada brasileiro, no âmbito de sua vida pessoal e social. É um compromisso nacional, sob esse ângulo. Mas o instrumento mais relevante para a implementação de tais ideais é a atividade empresarial. O sucesso no desempenho da atividade economicamente organizada propiciará o desenvolvimento nacional, a construção de uma sociedade livre, justa e solidária e a erradicação da pobreza e da marginalização e a redução das desigualdades sociais e regionais.

Logo, cidadãos, empresa e Estado possuem sua função social e parcela de direitos e

responsabilidades. Garante o artigo 5º, inciso II, da Constituição Federal, que “ ninguém será

obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”. Emerge dessa tutela

fundamental a necessidade de um discurso jurídico, formando uma obrigação legal de zelo pela

sustentabilidade, uma responsabilidade jurídica social e ambiental, para que o Estado não seja

conivente com as condutas prejudiciais, dotando-as, desta forma, de caráter de ilicitude frente à

lei e, portanto, passíveis de questionamento e condenação judicial e não apenas expostas a

penalidades administrativas ou à consensualidade da autorregulação do mercado.

Conquanto não se questionem os bons resultados produzidos na esfera administrativa, é

vital que o Estado-Lei assuma sua função legislativa e a sua própria parcela de responsabilidade

social, consistente em criar caminhos para a realização da nova paradigmática social e ambiental,

também por fornecer mecanismos legítimos de coerção de condutas, mas, especialmente, porque

revela o compromisso do Estado com a realização de um mundo sustentável, enviando uma sadia

mensagem a todos os cidadãos brasileiros e, com isso, estimulando condutas espontâneas de

mesma índole. Afinal, não basta falar em sustentabilidade no Direito, é preciso agir.

20 De acordo com Carlyle Popp (2001, p. 60-71), o direito à livre iniciativa é o gênero, do qual são espécies as garantias de liberdade de empresa e liberdade negocial.

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4.1.1 Direito e sustentabilidade

Direito e sustentabilidade se encontram, em duas interfaces principais. Primeiramente, o

dever do Estado e dos agentes autorreguladores, de editarem leis coerentes com a promoção do

desenvolvimento, considerado este como processo abrangente. Então, se está perante uma

norma sustentável.

Contudo, por via reversa, se pode dizer que uma norma é insustentável quando eivada

de mortificação da sua efetividade, seja por não condizer com um discurso concatenado com o

bem comum – a exemplo da ABNT NBR 14724-2005, que previa o uso exclusivo de anversos

de papel branco, na produção acadêmica, abdicando da prescrição do inciso VI, do artigo 170,

CF –, seja por não receber do Poder Público a viabilização de sua realização plena.

A expressão do compromisso do Direito com a sustentabilidade resta expressado no

contrato e no pacto social21, passando pelas normas cogentes e sociais, notadamente, no diálogo

entre a regulação geral da Ordem Econômica e da Teoria do Abuso de Direito, onde

Sustentabilidade e Responsabilidade Social se encontram, em interação funcionalizada, com o

peso técnico da lei maior e da cláusula geral.

O âmbito constitucional recebeu dedicada atenção nos tópicos anteriores, ao se tratar do

solidarismo ético e da constitucionalização hermenêutica, que vêm a fornecer bases para a

funcionalização de toda norma no sentido da sustentabilidade e responsabilidade social e

ambiental, merecendo destaque, ainda, o compromisso preambular e os valores reafirmados pelo

Título I e Capítulos I e II do Título II, nos quais se acham preceitos de realização pontuada dos

princípios basilares da Dignidade da Pessoa Humana e da Promoção do Bem Comum. Tudo bem

consolidado pelo artigo 170 e incisos, que, em outras palavras, finalizam a obtenção do lucro e o

desenvolvimento econômico em razão do asseguramento a todos de uma existência digna,

conforme os ditames da justiça social, notadamente salientando os seus incisos V e VI, haja vista

que afetam a função social e ambiental do exercício da livre iniciativa em razão da defesa do

consumidor e do meio ambiente, “inclusive mediante tratamento diferenciado conforme o

impacto ambiental dos produtos e serviços e de seus processos de elaboração e prestação”. Por

21 Relembrando a distinção operada por Jonathan Sacks.

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fim, o artigo 225 que trata da proteção ao meio ambiente, destacando em seu caput o

compromisso com as gerações futuras.

Delimitando, agora, o exemplo nas esferas cível e consumerista, tem-se do Código Civil

de 2002, especialmente: a função social das figuras jurídicas; as cláusulas gerais, que permitem a

realização do compromisso com a sustentabilidade; a limitação da propriedade e da liberdade de

contratar ao atendimento de sua função social; a obrigação indenizatória, em si considerada,

como mecanismo de apaziguamento social e freio inibitório das condutas ilícitas; as novas

trajetórias da responsabilidade civil dos administradores e das empresas limitadas, que implicam

em maiores e mais claras obrigações para estes agentes. Especialmente, a “novíssima22” Teoria

do Abuso de Direito, a qual consiste em uma verdadeira expressão normatizada da

responsabilidade jurídica social, estabelecendo parâmetros de conduta lícita – manifesto excesso

da finalidade social e econômica, boa-fé e bons costumes – para o exercício de um direito

regular, estabelecendo não limites, antes um “delimite”, um espaço sadio para que os cidadãos,

dentro dessa esfera de permissibilidade e não ferimento de interesses de ordem geral, escrevam

sua própria história de vida, no livre exercício da autonomia privada.

Do Código de Defesa do Consumidor, além das tutelas de responsabilidade, vale salientar

que sua proteção decorre de previsão constitucional, na ADCT 48. A própria Política Nacional

de Consumo – artigos 4º e 50, CDC – é expressão do compromisso jurídico com a

responsabilidade social e a sustentabilidade, em caráter expressamente preventivo e efetivo, dado

que contempla até mesmo a criação de órgãos judiciários apropriados; assim como andam na

mesma faina, os direitos básicos do consumidor – artigos 6º e 7º, CDC – e todas as disposições

do referido microssistema, que por todas as suas linhas demonstra que o Direito escrito está

absolutamente ligado com a prevenção de riscos à sociedade e que deve, sim, enfrentar as

hipóteses de lesão, antecipando-se à sua ocorrência e regulando a conduta lícita não abusiva

pertinente à matéria.

Existem outros casos, cada vez mais frequentes, em que a legislação vem ao encontro das

determinações autorregulatórias. A Lei 11.638/2007 prova o diálogo entre a normalização

consensual do mercado e a legislação coercitiva, ao tornar obrigatória a declaração do patrimônio

intangível ativo, nos relatórios de resultados anuais das corporações estabelecidas em regime

jurídico S/A, o que acaba por se caracterizar em um indicador do balanço social.

22 Nova, no sentido da inovação legislativa civil codificada.

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Porém, há pontos de intersecção, em que imposições de mercado se encontram com a

esfera jurídica. Destacando dois exemplos pontuados, primeiramente, o artigo 39, inciso VII, do

Código de Defesa do Consumidor, que regula as práticas abusivas, enumerando, dentre elas, a

colocação:

no mercado de consumo, [de] qualquer produto ou serviço em desacordo com as normas expedidas pelos órgãos oficiais competentes ou, se normas específicas não existirem, pela Associação Brasileira de Normas Técnicas ou outra entidade credenciada pelo Conselho Nacional de Metrologia, Normalização e Qualidade Industrial (Conmetro);

Perceba-se a importância de que órgãos como a ABNT mantenham e promovam – em

todas as suas normas – o compromisso com a visão constitucional de sustentabilidade e

responsabilidade social e ambiental, dado que recebe do legislador uma função subsidiária de

promover a normalização cogente, esta sim exigível, por força de lei, de todo produtor do bem

específico, sob pena de repressão judicante e judicial, da violação da conformidade.

Por sua vez, a Lei 4.728/1965, que regula o mercado de capitais, a Lei 6.404/1976, que

regula as Sociedades Anônimas e a Lei 11.638/2007, que altera a Lei das S/As, são também

exemplos de legislação que, sem prejuízo de sua data de edição, contemplam discursos jurídicos

coadunantes com as exigências da transparência na demonstração dos dados e resultados

patrimoniais exatos, visando a conferir segurança negocial, especialmente para os shareholders

e, por via indireta, para toda a sociedade, que se ressente das fraudes cometidas para artificializar

os resultados financeiros, não apenas pelas perdas suportadas pelos investidores, mas pela

consequente interrupção das atividades da empresa, demissões, dentre outros impactos sócio-

econômicos. Além de reconhecer a própria função social da empresa e seu compromisso com

diferentes públicos, segundo o parágrafo único do artigo 116, valendo a leitura:

O acionista controlador deve usar o poder com o fim de fazer a companhia realizar o seu objeto e cumprir sua função social, e tem deveres e responsabilidades para com os demais acionistas da empresa, os que nela trabalham e para com a comunidade em que atua, cujos direitos e interesses deve lealmente respeitar e atender.

4.2 BALANÇOS SOCIAIS E RELATÓRIOS DE SUSTENTABILIDADE. Duas importantes ferramentas de promoção da segurança e transparência negocial e do

diálogo da empresa com os públicos de interesse são os balanços sociais e o relatórios de

sustentabilidade, os quais surgem no contexto internacional por volta da década de 1960, com os

movimentos sociais de repúdio às corporações que davam suporte à Guerra do Vietnã, passando

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a cobrar uma postura ética empresarial; demandas estas que foram atendidas por uma prestação

de contas informativa, das metas e condutas sociais das organizações, que, a partir dos anos

1980, derivaram no que hoje se conhece por balanço social. No Brasil, a maior visibilidade

temática vem desde junho de 1997, quando o emblemático sociólogo Herbert de Souza – o

Betinho – conseguiu emplacar um importante movimento pela divulgação voluntária dos

balanços sociais corporativos, tornando-se co-fundador do IBASE23, em 1981.

Em 1977, na França, foi decretada uma lei determinando que empresas com mais de 750 funcionários publicassem um balanço anual relatando suas práticas trabalhistas. Em 1978, o Brasil entrou no debate, por iniciativa do Instituto de Desenvolvimento Empresarial, hoje chamado Fundação Instituto de Desenvolvimento Empresarial e Social (Fides). Após uma série de discussões sobre o papel das empresas no desenvolvimento da sociedade, a entidade iniciou a promoção desse tipo de relatório, realizando dois anos depois um seminário internacional pioneiro nesse tema. (Ethos, 2010, p. 9)

Os principais modelos de balanços sociais mais preenchidos no cenário mundial e

brasileiro são o GRI (Global Report Initiative), Ibase (Instituto Brasileiro de Análises Sociais e

Econômicas) e o modelo Ethos.

Todas essas plataformas consolidam padrões de conduta para as diversas relações

jurídicas mantidas entre a empresa e seus variados públicos de interesse, abrangendo Governo e

Meio Ambiente, inclusão as ditas minorias e públicos vulneráveis, atendimento ao consumidor e

aos fornecedores, e verticalizando temas como o suporte à aposentadoria do colaborador.

Com esta estruturação abrangente e símile tempo verticalizada, os indicadores oferecem

métrica pacificada das condutas empresariais socialmente responsáveis em praticamente todos os

campos de atuação e de afetação da empresa (ainda que o efeito seja reflexo). E assim também

oferece cobertura para muitas das relações definidas constitucionalmente como garantias

fundamentais ou sociais. Contudo, é uma cobertura mais especializada, pontuando, sem cunho

legislativo, por certo, mas com “aparência” de regulamentar, os aspectos mais detalhados da

aplicação prática hodierna da inclusão social do portador de necessidade especial, por exemplo.

Nessa esteira, o relatório é um parâmetro de conduta, de efetividade prática regulamentar,

dos direitos fundamentais, justamente pelo seu viés prático e delimitado. Porém, enfrenta-se a

problemática da sua inexigibilidade específica, por não se tratar de um produto legiferado.

23 Maiores informações podem ser obtidas na homepage do IBASE: http://www.ibase.br/index.php. Acesso em: 07 mar. 2013.

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140

Afinal, no caso concreto, a empresa poderia alegar regularidade LEGAL, ainda que incorra em

inconformidade com as plataformas. Urge a necessidade de um diálogo permanente entre ambas

as esferas, notadamente para que o Direito passe a acompanhar mais a par e passo as virtuosas

exigências de mercado, regulamentando-as conforme o devido processo legislativo e,

contribuindo, assim, para a maior efetividade das normas, notadamente as constitucionais.

O balanço social é elaborado pelas próprias empresas, preferencialmente com a

participação de alguns de seus stakeholders fundamentais, razão pela qual favorece o diálogo

interno e o processo de autoconhecimento, colaborando para a identificação dos focos de

problemas a serem corrigidos e das metas alcançadas, para fins de planejamento e correção de

rumos. Concretamente, consiste em uma espécie de relatório de informações referentes à atuação

da empresa, no curso do ano-base, acerca de seu relacionamento com os públicos de interesse –

fornecedores, empregados e consumidores –, de acordo, especialmente, com três modelos

principais: GRI, ETHOS e IBASE. No capítulo a seguir, serão analisados alguns dos principais

indicadores que dialogam com a esfera das obrigações legais, colaborando para a realização da

responsabilidade jurídica social.

Algumas legislações já contemplam a exigência dos balanços sociais, a exemplo, da Lei

Estadual nº 2.843/2003, a qual criou o Certificado de Responsabilidade Social para empresas

estabelecidas no âmbito do Estado do Amazonas; Lei nº 7.687/2002, que lançou o Certificado de

Responsabilidade Social no Estado de Mato Grosso e a Lei nº 11.440/2000, que instituiu o

Balanço Social para empresas estabelecidas no Estado do Rio Grande do Sul, a ser assinado por

Contador ou Técnico em Contabilidade devidamente habilitado perante o CRC-RS ao exercício

profissional.

4.3 DIGNIDADE HUMANA E O PODER DE MUDAR TUDO: A REVOLUÇÃO TRANSFORMADORA AO ALCANCE DO PRÓPRIO INDIVÍDUO.

A quem pertence a responsabilidade pela concretização de valores éticos? Eis aí uma

indagação intrincada de meios de terceirização de titularidade. Com uma pequena dose de

sofisma, é possível respondê-la, de maneira a sobrecarregar os ombros de toda uma coletividade

pública ou privada, sem que restem encargos para os ombros dos supostos observadores

externos. A verdade é que, em plena Contemporaneidade, no que diz com o desenvolvimento e

com o solidarismo ético, já não importa averiguar apenas de quem é a culpa; importa saber que

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somos todos responsáveis pelo solucionamento emergente dos danos e pela implementação de

uma nova consciência, por meio da transformação pessoal e coletiva.

Desenvolvimento e responsabilidade social só se concretizam quando os indivíduos

assumem a sua parcela de responsabilidade social, pessoalmente. Imperioso, neste sentido,

registrar algumas ideias extraídas da obra O Poder de Mudar Tudo, de Yehuda Berg (2011, p.

119). O autor extrai do notório relato bíblico de Moisés e a Revelação da Torah (as Tábuas dos

10 Pronunciamentos e as demais leis judaicas) no Monte Sinai, o compromisso que Moisés

solicitou ao povo israelita que fosse ali firmado: tratar a todos com dignidade humana; e salienta

que, por “povo israelita”, deve-se compreender simbolicamente a todas as almas humanas. Sem o

cumprimento dessa valiosa promessa, as tão profundas revelações divinas não poderiam ser

experimentadas pelo Homem. “Eles se comprometeram a satisfazer as necessidades uns dos

outros como se fossem as próprias. Nesse momento, todos se tornaram responsáveis uns pelos

outros para sempre” (BERG, 2011, p. 119).

E comenta sobre os ensinamentos de Rav Yehuda Ashlag24, sobre os sistemas sociais em

relação às massas: “A consciência das massas cria mudança. Em outras palavras, temos dentro de

nós um poder transformador quando trabalhamos juntos como um todo”. Mas adverte: “Isso

pode servir a nosso favor ou contra nós” (BERG, 2011, p. 120). Salienta o autor que todos fazem

parte de diversas comunidades, ainda que de maneira aparentemente involuntária, e que o

pensamento coletivo do grupo tende a influenciar as condutas do indivíduo, razão pela qual se

deve ter uma atitude criteriosa antes de se ingressar em qualquer grupo. Da mesma maneira, a

participação e o engajamento em um grupo que compartilhe uma ideologia “favorável”,

beneficiará o integrante na conquista de resultados positivos, não apenas para a sua vida, mas em

ainda maior escala. Como assevera o autor, a inserção em um grupo adequado é determinante

para a própria transformação pessoal, destacando que mesmo as pessoas mais comprometidas

com sua evolução individual, experimentarão maiores dificuldades para alcançar seus objetivos

24 Rav Yehuda Ashlag (1885-1954) foi um dos mais respeitados Rabinos do Século XX. Reputado por toda a comunidade judaica mundial como um dos 3 maiores kabbalistas da Era Moderna, foi sem dúvida alguma, o maior comentarista do Sefer HaZohar (Livro do Esplendor, obra máxima do “misticismo” judaico), um livro de alto rigor teórico e científico, mas de intrincada simbologia. Além da inerente formação religiosa e de sua sabedoria talmúdica, Yehuda Ashlag recebeu da comunidade o destacado título de “Rav” (professor, em hebraico/aramaico), por ser um profícuo estudioso e conhecedor dos mais diversos campos do Conhecimento e das Ciências, mantendo diálogos com as mais notórias personalidades do meio científico do começo e de meados do Século XX.

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se estiverem cercadas por uma coletividade comprometida com os comportamentos deletérios.

(BERG, 2011, p. 120)

Eis aí se vê a importância do aprimoramento pessoal, mas também da busca pelo

engajamento, ou mesmo pela formação e manutenção de grupos compostos por “semelhantes”,

de acordo com as teorias de integração social de Durkheim.

Por via reversa, relembre-se que o grupo é reflexo da coletividade de seus membros. Daí

a necessidade de se trabalhar também e principalmente na transformação da própria consciência,

para influenciar positivamente todo o planeta. Por isso, convocando à responsabilidade pessoal,

afirma o autor, categoricamente:

O que acontece ao nosso redor é causado por nossas próprias ações – e por quem nós somos. [...] quando vivenciamos catástrofes, quando vemos os recursos do nosso mundo se esgotando, temos que olhar para nós mesmos. Nossa sina é resultado direto de não amarmos ao próximo como amamos a nós mesmos. Temos retirado bem mais do que temos dado. Não precisamos olhar além de nós mesmos para consertamos o mundo ao nosso redor. As respostas se revelarão no momento em que começarmos a nos consertar por dentro. Quando alinhamos nossa vida com soluções ao invés de problemas, podemos trazer essa força a uma comunidade com pensamento semelhante ao nosso e que nos ofereça apoio. Nesse momento [...] a resposta nunca parecerá tão pesada quanto o problema; a solução parecerá simples! É assim que o Universo funciona. A escuridão é complicada; a Luz é simples. (BERG, 2011, p. 120)

E mais uma vez se retorna aos básicos princípios éticos da Humanidade, bem resumidos

por Ulpiano: "Tais são os preceitos do direito: viver honestamente (honeste vivere), não ofender

ninguém (neminem laedere), dar a cada um o que lhe pertence (suum cuique tribuere)". Em

outras palavras, tudo se resume na DIGNIDADE HUMANA.

Todos somos responsáveis. Mas seriam uns mais responsáveis por reverter o caos do que

os outros? Sem dúvida alguma, na proporção do caos gerado por seus atos e na exata medida de

suas forças (independente da culpa ou de responsabilidade direta para com a geração do caos).

Desta forma, (para o caos ou para a cura) um Estado possui maiores e melhores condições do que

um único cidadão. Mas isto não isenta ao cidadão de assumir sua própria parcela de deveres, em

favor da “cura de um mundo fraturado”, parafraseando o título da citada obra de Jonathan Sacks.

O novo paradigma proposto pela sustentabilidade e em prol do crescimento socialmente

responsável, compartilhando, entre todos, direitos e deveres atinentes, é justamente uma das

premissas fundantes da Constituição Federal de 1988. Portanto, tratar desses temas, que

aparentemente competem ao campo das normas de mercado e da autorregulação, consiste em

trabalhar com um compromisso do próprio contrato social, veia de realização da dignidade da

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pessoa humana e da promoção do bem comum. E dado que o compromisso pelo estabelecimento

de uma sociedade livre, justa e solidária é dever de todos, também a regulação da ordem

econômica é diretamente atingida pelo novo paradigma, conforme o artigo 170, CF, o qual

preceitua que a ordem econômica é fundada justamente, em principiologia afinada com a

sustentabilidade e responsabilidade social.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A dignidade da pessoa humana é o valor e a meta fundantes de uma sociedade fraterna,

livre, justa e solidária. E para tal consecução, é imperioso delimitar o exercício responsável do

direito à livre iniciativa.

A Responsabilidade Social aplicada às relações negociais é uma diretriz de gestão

empresarial. Percebe-se clara a sua função social, de prevenção e redução dos impactos

socioambientais, demandas estas provocadas pelo exercício da livre iniciativa, considerando que

os agentes econômicos não apenas se relacionam meramente com o meio ambiente e com a

sociedade, mas além de interagir, esgarçam o tecido social e efetivamente o modificam e

depredam, sendo mister que respondam pelos impactos da atividade e, preferencialmente, os

evitem ou minimizem.

Conquanto o dever de promoção do bem comum seja, via de regra, associado às pessoas

coletivas públicas ou privadas, em verdade, toda pluralidade é composta de indivíduos

igualmente responsáveis, do ponto de vista ético, se não absolutamente jurídico.

Afinal, que pessoa jurídica ou letra composta há que possam ser responsabilizadas

exclusivamente, sem que se pense nos indivíduos representantes da coletividade ou compositores

da norma? Seres humanos são responsáveis. E, ao identificar os focos caóticos, de pouca valia

será o debate se esvaziado de uma investida pró-ativa.

Resta evidenciado que o ordenamento jurídico, a partir do contrato social e a atingir o

próprio pacto social, confere discurso legal para a responsabilidade social – ainda que não se

repute por completada a obra legislativa neste sentido –, seja por normas regulamentadoras, ou

por incentivos fiscais, dentre outras espécies. Contudo, o Direito e também o Mercado não

confunde responsabilidade social com “caridade” ou subterfúgios demagógicos paternalistas,

tendentes a mascarar a efetiva obrigação – jurídica e consensual – empresarial social, a qual

certamente não consiste em meramente prolongar a miséria, por meio de “práticas de placebo”,

inócuas em efeito de longo prazo, ou seja, sustentáveis, como se o empresário pudesse mitigar os

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impactos negativos de sua atividade com a prestação de “bolsas-comunidade”. Responsabilidade

social é um modo de gestão para as empresas, modo de vida para os cidadãos. Ajudar ao

próximo é dever religioso, moral, humano. Mas não é Responsabilidade Social Empresarial.

Conquanto pareça lógico que a gestão responsável seja o eixo fundamental deste

planejamento, tendo em vista o referido acúmulo de poder, o enfrentamento, pela estrutura

jurídico-acadêmica, da persecução da efetividade do cumprimento da função social das

empresas, se concretiza, igualmente, em virtuoso fator para que se proporcionem caminhos e

efetivamente se alcance a prática constante de condutas sustentáveis, em práticas inclusivas,

promotoras da dignidade da pessoa humana, ainda que ao sacrifício do valor econômico.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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A RENDIÇÃO DOS DIREITOS SOCIAIS THE SURRENDER OF SOCIAL RIGHTS

Mauricio Galeb

Paulo Ricardo Opuszka

RESUMO

Ao longo da chamada Modernidade foi criada uma intrincada relação entre o sistema

econômico e o poder político. Em outros termos, é possível afirmar sem hesitação que

as alterações produzidas na esfera econômica se refletiram de maneira marcante no

modelo conformado pelo Estado. Essa relação simbiótica oscilou em diversos

momentos do processo histórico, propiciando relações divergentes, quiçá, antagônicas

entre o poder político organizado e as suas funções em relação ao conjunto da

sociedade. Por outro lado, é neste contexto que marca a modernidade, que o Estado

capturou o Direito na sua essência, moldando-o, fixando-lhe rígidos limites a partir de

premissas que lhe são externas. Ou seja, a inadvertida união entre o poder político e o

Direito levou a um esgotamento das fontes jurídicas criativas, criando um Direito que

avançou em termos de conteúdo social muito a duras penas.O neoliberalismo, como

uma espécie de retorno de velhas fórmulas testadas e executadas no século XIX, a

globalização e a crise econômica dele decorrente parece ter imobilizado o denominado

“estado social de direito”. Este, batido e combalido,demonstra ser incapaz em

resguardar as conquistas históricas dos hipossuficientes.

Palavras-chave: Modo de Produção, formas de Estado, poder político, dimensão

jurídica, ordem econômica, direitos sociais.

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ABSTRACT

Throughout the era called Modernity was created an intricate relationship between the

economic system and political power. In other words, we can say without hesitation that

the changes produced in the economic sphere were reflected markedly in model shaped

by the state. This symbiotic relationship has fluctuated at various times of the historical

process, providing divergent relations, perhaps, between antagonistic political power

organized and its functions in relation to the whole of society. On the other hand, is in

this context that marks modernity, which captured the state law in essence, shaping it,

setting strict limits him from premises that are external. That is, the inadvertent union

between political power and the law led to a depletion of creative legal sources, creating

a law that advanced in terms of social content punishments.The neoliberalism, as a kind

of return to old formulas was tested and implemented in the nineteenth century,

globalization and the economic crisis it caused seems to have fixed the so-called "social

state of law." This, beaten and battered, proves unable to protect the historic

achievements of inapt.

Keywords: Ways of Production, state forms, political, legal dimension, economic,

social rights.

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1. HISTÓRIA E A RELAÇÃO ENTRE ECONOMIA E ESTADO

O surgimento do Estado Moderno não pode ser desvinculado do nascimento do

próprio sistema econômico capitalista.

Neste sentido, já no prefácio à Contribuição à crítica da Economia Política,

Marx havia consolidado sua fórmula clássica e, de maneira categórica, afirmado que:

“O Modo de produção da vida material condiciona o processo de vida social, política e

intelectual.”

Ou seja, o Estado é a expressão, de forma reflexa, das relações de produção

travadas na infraestrutura da sociedade – que foram gradualmente hegemonizadas pela

burguesia – portanto encontra-se na superestrutura, fazendo parte das instâncias

imateriais.

O contexto histórico em que tal processo se forjou na Europa Ocidental é aquele

que nos remete à segunda metade do século XV e XVI em diante, de maneira bastante

irregular. É neste momento que inúmeros eventos históricos ocorrem

concomitantemente, a saber: um lento, prolongado, mas inexorável “êxodo urbano”,

com a “retomada” gradual do espaço urbano (“proletarização do campesinato”); o

nascimento da ciência moderna (invenção da imprensa, heliocentrismo); as conquistas

ultramarinas (as riquezas retiradas das Américas); a reforma protestante; o clima

personalista do renascimento.

O professor Antônio Avelãs Nunes, na sua obra clássica intitulada “Os sistemas

econômicos” detecta ainda o surgimento de uma nova classe urbana, comerciante,

especuladora e financeira inicia os primeiros passos do sistema capitalista sob a forma

mercantil (burguesia comercial).

O prof. português afirmou que a colonização das “novas terras” tornou-se a

primeira grande empresa capitalista organizada com tentáculos para além dos limites da

Europa. Sobretudo a partir da exploração da mão-de-obra escrava. Nesta fase da

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acumulação do capital, percebe-se o gradual declínio econômico da nobreza, vez que a

terra, enquanto valor econômico deixa de ser a força matriz do sistema produtivo.

A indústria artesanal estava representada nas pequenas oficinas dentro do espaço

urbano. Ali, os meios de produção eram compartilhados com a família, companheiros e

aprendizes, em uma unidade produtiva. Eram pequenos produtores autônomos que

viviam de suas manufaturas, sem intermediários.

Rapidamente, o artesão perdeu o controle sobre o mercado e sobre o produto que

produz, já que os meios de produção e a matéria prima lhe serão fornecidos pelo

comerciante capitalista (de produtor autônomo a produtor assalariado).

As “manufaturas” representam a antessala da indústria capitalista, pois ali, já se

reuniam dezenas de operários organizados por um comando, sob o mesmo teto, e

realizando tarefas distintas, o que levou a um aumento da produtividade (subdivisão do

processo produtivo).

É com muita argúcia que o professor Avelãs Nunes aponta para um fato que não

pode ser desprezado: o estado teve papel importante como agente facilitador na

acumulação do capital, e na gênese do próprio sistema capitalista. O protecionismo, o

monopólio, a garantia de produtos e mercados, a conquista de novas colônias - o que

inclui a matéria prima - tudo isto em prol de uma indústria nascente, e da classe

emergente, a burguesia.

As claríssimas considerações históricas do professor português Avelãs nos

ajudam a entender a premissa maior formulada no início deste texto, segundo a qual, há

uma conexão umbilical entre o sistema econômico capitalista e o poder político

moderno.

O contexto histórico da revolução industrial se dá a partir da segunda metade do

século XVIII (1780) e o fenômeno propriamente dito foi meticulosamente observado e

estudado por Marx e Engels. O historiador Francisco Iglésias, em seu livro chamado “A

Revolução Industrial” observou que ao que tudo indica teria sido Friedrich Engels o

primeiro a utilizar a expressão “Revolução Industrial” em sua obra intitulada “Situação

da Classe Trabalhadora na Inglaterra”, sendo que Marx captou seu exato sentido,

tratando-se de uma análise completa e profunda.

O impacto da Revolução Industrial sobre as relações sociais, sobretudo, as

relações de produção foi assombroso. A divisão técnica do trabalho, ou de funções, se

impôs e a partir daí um objeto qualquer simples ou complexo pode implicar em dezenas

ou centenas de tarefas. É a racionalização do trabalho, efeito inevitável deste processo.

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Na obra “Sistemas Econômicos”, de maneira perspicaz, o prof. Antônio Avelãs

lembra, assim como Marx e Engels já haviam definido, que talvez o traço mais

marcante desta fase do capitalismo tenha sido o surgimento das fábricas, como unidade

de produção, que resultou na separação total e definitiva entre o produtor e os meios da

produção. Esta revolução aconteceu geograficamente nas cidades, em torno das

fábricas, para onde afluíram hordas de pobres, miseráveis, marginalizados, muitos

expulsos das atividades agrícolas. É este contingente imenso de pessoas, é essa massa

incontável de indivíduos deserdados que vai constituir uma nova classe social, no seio

da Revolução Industrial, o Proletariado.

Outro estudioso do mesmo fenômeno, o historiador inglês Eric Hobsbawm, em

sua obra intitulada “A Era das Revoluções”, afirma que a Revolução Industrial, dada a

sua magnitude, não pode ser enquadrada em termos rígidos, com marcos de início de

maneira inflexível. Neste sentido, a Inglaterra foi o terreno fértil para o

desenvolvimento original do capitalismo industrial (economia feudal desarticulada,

manufatura, disseminada, mão-de-obra abundante e “homens de negócio”).

Ainda segundo o historiador inglês, nas primeiras décadas o que se percebe é um

capitalismo monopolista que se utiliza do aparelho de estado para conquistar mercados

para seus produtos industrializados.

Uma vez consolidado o modo de produção capitalista do tipo industrial, emerge

com toda a força a chamada “ordem burguesa”. Esta só foi possível se legitimar

ideológica e juridicamente através do Estado Liberal. Novamente, é o professor Avelãs

Nunes, em sua obra de fôlego, intitulada “Os sistemas Econômicos” que vai chamar

atenção para o pensamento de Adam Smith. O economista escocês – contemporâneo

dos primeiros passos da Revolução Industrial e um dos mentores da nova ordem

burguesa – asseverava, de maneira muito lúcida, que o novo contrato estabelecido entre

capitalistas e trabalhadores era altamente desvantajoso para os segundos, dado o

desequilíbrio entre as partes. Não é só, reconhece textualmente que o Estado, e,

portanto, a lei, favorece amplamente a classe patronal.

Mais do que isso, o liberalismo burguês, a partir de ideias também de David

Ricardo e Stuart Mill, constitui um conjunto de valores que forjou o século XIX, quais

sejam: liberdade de empresa, liberdade de concorrência, liberdade individual, a não

intervenção estatal nos negócios, iniciativa privada e o lucro como valor supremo.

Em suma, tivemos um período de longa hegemonia da ideologia do liberalismo

burguês, aqui entendido como o reino das liberdades econômicas, públicas, políticas, da

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igualdade jurídica e da liberdade contratual, tudo sob um prisma estritamente subjetivo,

abstrato e individual.

A questão é que o capitalismo demonstrou-se, desde muito cedo, ser um sistema

econômico altamente volátil, e, por consequência, fortemente suscetível às crises

cíclicas e estruturais.

É nesta perspectiva que o professor Vital Moreira, na profunda análise de sua

obra “A Ordem Jurídica do Capitalismo”, revela que a incapacidade do sistema para

responder por si as perturbações do aparelho econômico provocadas por crises cada vez

mais agudas, obrigou o estado a procurar disciplinar e economia no seu conjunto.

Vital Moreira passa a tratar a expressão “intervenção econômica do Estado”.

Desde há muito tempo que o espaço da economia não é independente da atuação estatal.

Há na realidade uma interdependência entre as esferas mencionadas. A vetusta

separação estado-sociedade pertence ao já definhado Estado liberal. De outro lado, é da

essência do sistema capitalista, ver o Estado como algo intruso, indevido quando esta

opera na ordem econômica. Entretanto, há uma mediação correta que afirma que “o

estado e a ordem jurídica são pressupostos inerentes à economia”. O Estado Gendarme

foi sepultado no século XIX, período no qual se assinala o ponto zero da intervenção

econômica.

O autor sustenta a ideia de que o sistema capitalista e o estado sempre

mantiveram algum tipo de relação, nos mais variados períodos históricos. Portanto, a

suposta fronteira que separaria as duas esferas (público/privada) jamais existiu. Tanto

no Estado liberal, quanto no Estado social, o político e o econômico são inseparáveis. O

Estado liberal é a expressão da supremacia da infraestrutura (economia), já o estado

social, é a supremacia da política (superestrutura).

E qual seria o contexto histórico deste período de transição?

O professor português afirma que é a guerra de 1914 que melhor representa o

marco de passagem para uma nova forma econômica. A primeira guerra mundial quebra

a tradição do liberalismo econômico, evidenciando a necessidade do controle integral e

coativo da vida econômica, constituindo uma experiência concreta de total disciplina

pública da economia.

No entendimento de Vital Moreira, a separação de princípio entre o estado e a

economia deu lugar à interpretação recíproca, num processo de politização do

econômico ou de economização do político, em uma relação dialética. Do Estado de

guarda noturno, abstencionista e negativo, passa-se ao estado afirmativo ou positivo.

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Enfim noutra perspectiva que inclui ambos os aspectos da questão, ao capitalismo de

concorrência liberal e privado, substitui-se o capitalismo monopolista de estado.

O professor Emerson Gabardo completa a descrição deste modelo de estado que

deu lugar ao estado “providência” com suas marcantes características, senão vejamos:

redistribuição de renda; fixação de preços e controle do mercado.

O ordenamento jurídico deste período (pós 2ª guerra) teve que adequar-se, o que

seria a “ordem pública econômica”. É o que o referido jurista chama de “Constituição

Econômica”. A constituição mexicana (1.917) e a de Weimar (1.919) são predecessoras

deste paradigma.

O “Estado Social” seria uma espécie de terceira via, nem liberal, nem “estado

forte” – que conjuga a intervenção a partir normas democráticas que não violem os

valores da cidadania, nem suprima direitos individuais. De outro lado, esta

metamorfoseestatal define a supremacia do interesse coletivo sobre o individual.É a

troca da “mão invisível” do mercado, como um dado natural, pelo controle estatal na

correção das falhas do modelo liberal.

Na esteira deste raciocínio, o professor Antônio Avelãs Nunes, em sua obra “Do

capitalismo e do Socialismo”, em tom crítico, ao citar o prêmio Nobel de Economia de

1969, o economista Jan Tinbergen, afirma o equívoco deste de considerar uma tentativa

de “convergência dos sistemas”. Para o economista holandês, o Estado Social seria um

“sistema híbrido”, intermediário entre o capitalismo e o socialismo. Na visão de

Tinbergen, o modelo de que ressurgiu no pós-II guerra mundial – de forte intervenção e

controle estatal – seria uma forma de “capitalismo social” ou “economia social de

mercado”.

É no quadro dos anos 70 que o discurso liberal – que hibernou ao longo de três

décadas – encontrou solo fértil para se reapresentar como projeto de oposição ao

“WellfareState”. Dos dois lados do atlântico, governos ultraconservadores (do ponto de

vista político) e neoliberais (do ponto de vista econômico) – M.Thatcher e R.Reagan –

foram os arautos da nova/velha ordem, imbuídos do ideário do século XIX. O consenso

de Washington (1989) é o ápice deste retorno aos cânones liberais. A “indisciplina

fiscal” é a grande vilã do estado gastador, perdulário e ineficiente. Em outros termos, a

ideologia neoliberal advogou o desmonte do estado de bem-estar social, já que, este

seria um empecilho ao crescimento e desenvolvimento econômicos.

O capitalismo, como sistema econômico, é composto por períodos históricos e

segue uma sucessão de “crises”. A globalização, dentro da História do Capitalismo, é,

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ao mesmo tempo, um período e uma crise. Como período, o sistema capitalista é global,

pois funciona em todas as partes e tudo influencia. Como crise é uma crise persistente

com efeitos duradouros, aquilo que se pode chamar de “crise estrutural”. A globalização

gera a tirania do dinheiro e da informação (controle dos “espíritos”). A crise financeira

gera outras crises: econômica, social, moral, política.

Todos estes problemas foram agravados pela diminuição do Estado. Esta

perversidade sistêmica gera ainda a corrupção e a morte da política, já que esta passa a

ter como protagonista os interesses das grandes corporações que passaram a ser

parceiras do Estado, conforme percuciente avaliação do pensador e geógrafo brasileiro

Milton Santos.

Já para o sociólogo português Boaventura de Souza Santos, a Globalização é um

fenômeno multifacetado, pois afeta mais visivelmente a Economia, mas atinge a

Política, as relações sociais e o próprio Direito. O fenômeno da Globalização

aprofundou-se a partir do chamado “consenso neoliberal” que afirma o fim dos

paradigmas tradicionais (Revolução ou Reforma), a morte das Ideologias

(fascismo/comunismo), a hegemonia absoluta da Democracia Liberal e da Economia de

Mercado (regulação estatal mínima), programas de ajustamento estrutural,

protagonismo das agências financeiras de “rating” e das grandes corporações.

Por outro lado,o declínio do Estado-nação – que significa uma crise de soberania

– como consequência mais visível do avanço da globalização e do neoliberalismo

implicaram efeitos nefastos na esfera política e na dimensão jurídica, como bem

assinalou o prof. Abili Castro de Lima. A assumir, ainda que parcialmente, o espaço

deixado pelo Estado, há o protagonismo das grandes corporações multinacionais.

Segundo Abili, a transnacionalização da economia seria o motor para esta inversão de

papéis, numa reconfiguração das fronteiras políticas e econômicas. Os efeitos sociais

deste movimento em escala global serão negativamente incalculáveis, atingindo a todos

os países. Todavia, a sua incidência será mais contundente sobre as nações mais pobres,

em desenvolvimento, àquelas que têm que se posicionar segundo a nova/velha divisão

social do trabalho.

Por fim, o professor português José Manuel Pureza,em um artigo intitulado

“Para um Internacionalismo Pós-Westfaliano”, inserido na obra “A Globalização e as

Ciências Sociais” (organizada por Boaventura de Souza Santos), reforça a ideia

apresentada pelo professor brasileiro naquilo que chamou de redirecionamento do

Estado, o que admite uma evidente fragilização do ente estatal, sobretudo na garantia do

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chamado “contrato social” quanto à preservação de políticas de inclusão. Ainda,

segundo Manuel Pureza, a globalização assim conduzida atribui toda a prioridade à

complementaridade entre autonomia dos mercados e “Estados facilitadores”, orientada

para a liberalização, a privatização, a desregulamentação da economia, a retratação dos

gastos com bens públicos e dos encargos com o bem-estar social, a plena mobilidade

dos capitais e a sujeição do mercado de trabalho em simultâneo com um estrito controlo

internacional e uma total flexibilidade nacional.

2. ESTADO E DIREITOS SOCIAIS.

É indene de dúvida de que, ao lado da Revolução Industrial, a Revolução

Francesa marca de maneira indelével a modernidade política e jurídica, bem como as

relações em um novo espaço social. Na realidade, a Revolução Francesa é a

consolidação do poder e da ideologia burgueses por toda a Europa Ocidental.

A Revolução Francesa (1.789) distingue-se das demais revoluções por duas

características que lhe são essenciais: a) a sua universalidade, pois seus valores

transcendem as fronteiras europeias; b) a importância dos movimentos populares, seja

na cidade (sansculottes), seja no meio rural (camponeses), fato que a tornará

inigualável, pois tais segmentos foram a vanguarda num processe de demanda e

alargamento de direitos.

A despeito destas características, a Revolução Francesa acentuou o aspecto da

conquista do poder político por uma classe que já era detentora do poder econômico. A

Revolução Francesa se constitui na destruição do “Antigo Regime”, sobretudo dos elos

e dos privilégios medievais da nobreza e do clero. O chamado 3º Estado (burguesia e

classes populares, no campo/cidade) é a vanguarda do processo revolucionário,

evidentemente que o setor dirigente deste movimento foi a culta burguesia francesa.

Some-se a tudo isso, o ideário iluminista que solidificou os princípios

ideológicos da Revolução: as potencialidades da razão contra o obscurantismo do

absolutismo e sua defesa inconteste do direito natural (vida, liberdade, propriedade).Por

outro lado, o processo francês é revolucionário porque do confronto direto entre as

classes, emergiu um grupo social vencedor e o outro derrotado.

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No plano econômico, todos os privilégios feudais e corporativos foram abolidos.

No plano jurídico, foi proclamada a igualdade civil e jurídica.Nada obstante a retórica

da igualdade cidadã, há que se esclarecer que a nova ordem burguesa, ao mesmo tempo

em que assegurava serem os homens “livres e iguais”, assegurava também o direito de

propriedade como “inviolável e sagrado” (Declaração dos Direitos do Homem e do

Cidadão).

A mesma ordem burguesa, no plano político, adotou o sufrágio censitário que

dividiu os homens em duas categorias, a saber: cidadãos ativos e passivos. Com base na

renda econômica, os últimos estavam excluídos do direito de votar e de ser eleito. Já os

cidadãos ativos, em função do critério da renda, eram cidadãos completos, com todos os

direitos.

No plano das relações sociais de produção (trabalho), a nova ordem burguesa foi

igualmente conservadora e excludente, pois a assembleia constituinte formulou a Lei de

Chapelier (1.791), (Le Chapelier, advogado constituinte), que vedava o direito de

associação/sindicalização (organização) dos trabalhadores e proibia o direito de greve.

Os limites e as contradições do projeto burguês revolucionário são flagrantes,

máxime, se confrontados o discurso (pró-direitos) e a prática (excludente de direitos).

Concretamente, o que prevaleceu foi o individualismo, marca do liberalismo burguês e

as tesesdo contratualismo que formarão a ideologia hegemônica no século XIX.

Poderíamos sintetizar que, além do direito inalienável e sagrado da propriedade,

estariam asseguradas a Igualdade Jurídica (Civil) e a liberdade contratual, como

pressuposto teórico, segundo o qual todos os indivíduos (racionais) são livres para

estabelecer contratos, para firmar contratos, fundados na autonomia da vontade

individual. Tudo sob um prisma profundamente individualista.

Como o próprio historiador inglês Eric Hobsbawm observou o movimento

revolucionário francês nada tinha de democrático ou igualitário. Como bem destacou

Hobsbawm, o burguês revolucionário do período é um devoto do constitucionalismo, a

favor de um Estado secular e de garantias para a livre empresa e os proprietários.

Por outro lado, o fenômeno da industrialização acirrou sobremaneira a luta de

classes, como assinalou Marx no Manifesto Comunista: “a História de toda a sociedade

até os nossos dias é a História da luta de classes”. Um fenômeno histórico antigo

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atingiu seu paroxismo já que a indústria aumentou sensivelmente a distância entre ricos

e pobres. Aliás, a ascensão burguesa foi fulminante.

A crítica marxista ao conceito de “igualdade jurídica”, sobretudo se considerada

a relação entre “burgueses e proletários”, não tardou a emergir, conforme bem observou

Luciano Gruppi, na obra intitulada “Tudo começou com Maquiavel” (“As concepções

de Estado em Marx, Engels, Lênin e Gramsci) que à revolução jurídica (igualdade

formal) deveria desencadear-se Uma revolução econômica e social a caminho de uma

igualdade material, fato que os limites da revolução burguesa não possibilitaram

Na ótica de Marx a Igualdade Jurídica teria a função de ocultar as

desigualdades sociais. O caráter generalizante e abstracionista (generalidade e

abstração) da LEI oculta que, na realidade concreta, os indivíduos são radicalmente

desiguais e convivem em um meio social fortemente hierarquizado (econômica e

politicamente).

No prefácio à Contribuição à crítica da Economia Política, Marx já havia

asseverado categoricamente que“ omodo de produção da vida material condiciona o

processo de vida social, política e intelectual.” Ou seja, o Estado e a Lei são expressões

(reflexos) das relações de produção travadas na infraestrutura da sociedade –

hegemonizadas pela burguesia – portanto encontram-se na superestrutura, representando

as instâncias imateriais.

Esta perspectiva da filosofia materialista permite a Marx também questionar qual

o significado da categoria “trabalhadores não proprietários” na sociedade burguesa. Qual

o papel do Estado e do Direito Privado nas relações sociais de produção.

De qualquer sorte, há um legado das duas revoluções sob comento

(industrial/econômica e francesa/política) a ser defendido, qual seja: ideias morais que

sustentaram serem os indivíduos os responsáveis pela riqueza coletiva das nações por

intermédio de um Estado democrático e social, isto, já no século XX.

Os direitos sociais nasceram no contexto histórico do período entreguerras, e não

tinha antecedentes nem no jusnaturalismo, nem no positivismo jurídico. Decorrem do

novo Estado social, e passam a ser a coluna cervical das modernas constituições do

século XX. O Direito ao trabalho e ao salário justo seriam dois bons exemplos deste

modelo. Aparentemente o direito ao trabalho é incompatível com o caráter volátil e

transitório da economia capitalista. O “pleno emprego” seria uma utopia. O direito ao

trabalho exigiria uma intervenção do Estado sobre o mercado de trabalho, subsidiando-o,

COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 36 - Sustentabilidade Econômica e Social em Face à Ética e ao Direito

158

estimulando-o fiscalmente, paraefetivação de tal direito. É, na realidade, uma diretiva

constitucional. Já o direito ao salário justo, trata de início, de estabelecer seu significado.

Ou o salário justo tem esta qualidade porque responde a todos os requisitos de

um bom padrão de vida, ou é justo porque ele é uma contribuição adequada ao trabalho

realizado. Nas duas situações, há graves dificuldades quanto a sua definição. Os limites

da economia capitalista acabam por frustrar a implementação desses dois direitos. Aqui

temos outra “diretiva constitucional”. Em outros termos, há “um débil alcance

normativo dos direitos sociais”. O sistema econômico tem sido o limite implacável

destes direitos.

Por outro lado, contemporaneamente os direitos fundamentais da propriedade e

da liberdade de empresa já não se restringem a esfera individual, mas estariam

subordinadas ao bem comum. É a partir daí, que se pode falar em “função social” destes

institutos previstos na constituição, ou seja, o interesse geral e o bem comum

prevaleceriam sobre o individual na ordem econômica.

O “sujeito econômico” seria a grande corporação, na realidade uma portentosa

instituição, fundamentos econômicos fixados na constituição, daí a propalada

“responsabilidade social”. Diante dos seus trabalhadores, consumidores e a própria

sociedade. Todavia, argumentos de ordem mais pragmática – “a intocabilidade do

direito econômico” – acabam por soterrar muitos dos direitos sociais. Vital Moreira

questiona qual é o real significado da expressão “estado social”, previsto em tantas

constituições europeias. O Prof.º português chega a conclusão que a adversidade

conceitual já é uma amostra das limitações deste modelo no que tocaà efetividade dos

direitos sociais.

O “sujeito econômico” seria a grande corporação, na realidade uma portentosa

instituição, fundamentos econômicos fixados na constituição, daí a propalada

“responsabilidade social”. Diante dos seus trabalhadores, consumidores e a própria

sociedade. Todavia, argumentos de ordem mais pragmática – “a intocabilidade do

direito econômico” – acabam por soterrar muitos dos direitos sociais. Vital Moreira

questiona qual é o real significado da expressão “estado social”, previsto em tantas

constituições europeias. O Prof.º português chega a conclusão que a adversidade

conceitual já é uma amostra das limitações deste modelo no que tocaà efetividade dos

direitos sociais.

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A estes óbices de ordem econômico/jurídico, acresça-se a brutal investida da

globalização na desconstrução de inúmeros direitos sociais, sobretudo, os direitos

trabalhistas.

Nesta seara, o professor Abili Castro com muita propriedade fala de “dissipação

dos direitos sociais” através da flexibilização e desregulamentação dos direitos

trabalhistas. É bom que se afirme que tais conceitos se transformaram em verdadeiras

palavras de ordem ao longo da década de noventa, adentrando este século.

Resta claro que na sua origem os direitos sociais surgiram a partir de uma

concepção cidadã nos textos constitucionais dos assim chamados Estados de Bem-Estar

social. Portanto, tais direitos, o que inclui o direito ao trabalho, estão umbilicalmente

ligados à própria ideia de cidadania e “padrões dignos de existência na persecução de um

equilíbrio social”, nas sábias palavras do professor brasileiro.

AbiliCastro não tem qualquer dúvida quanto a ameaça que o processo de

globalização representa no campo jurídico ao emascular os direitos sociais, abrindo as

portas para um deletério retrocesso em termos histórico e civilizatório. Neste sentido, o

Estado não teria mais a missão primordial de minorar as abissais diferenças sociais

inscritas na comunidade. Antes ao contrário, o papel do Estado seria garantir a liberdade

da ordem econômica, inclusive, a partir dos textos constitucionais. O resultado disso é a

“dissipação dos direitos sociais”, em um momento em que a economia se sobrepõe à

política e ao próprio direito, incluindo-se aqueles de índole trabalhista.

Por óbvio que a relações de trabalho contemporâneas devem ser pensadas no

marco do modo de produção capitalista e, mais precisamente, em sua fase atual

(neoliberalismo e globalização).

A globalização modificou profundamente a relação entre capital e trabalho. Para

o sociólogo Boaventura de Souza Santos as consequências sociais decorrentes da

globalização são conhecidas e independem em que continente ou país em que são

produzidas. Mesmo no país que pode ser considerado o carro-chefe deste sistema

dominante, os E.U.A., passa por um processo de degradação social nunca antes visto, já

que 1% das famílias americanas detinha 40% da riqueza do país e as 20% mais ricas

detinham 80% desta mesma riqueza (dados do FED, para o final da década de 80).

No plano das relações de trabalho, a visão de Boaventura Santos não é menos

realista quanto aos efeitos nefastos da globalização:

COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 36 - Sustentabilidade Econômica e Social em Face à Ética e ao Direito

160

“No domínio da globalização social, o consenso neoliberal é o de que o crescimento e a

estabilidade econômicos assentam na redução dos custos salariais, para o que é necessário

liberalizar o mercado de trabalho, reduzindo os direitos laborais, proibindo a indexação dos

salários aos ganhos de produtividade e os ajustamentos em relação ao custo de vida e

eliminando a prazo a legislação sobre salário mínimo. O objetivo é impedir “o impacto

inflacionário dos aumentos salariais.”

Na linguagem da tecnocracia econômica dominante é o chamado “custo país”,

na visão fundamentalista do discurso globalizante trata-se de um sério entrave ao

crescimento econômico.

Por evidente que o enfraquecimento do fator “trabalho” tem relação direta com a

desarticulação do Estado, seu esvaziamento, a anemia funcional a que foi submetido a

partir dos anos oitenta. É o consenso do “Estado fraco”. Ainda segundo o prof.

Boaventura sugere-se que o “Estado é o oposto da sociedade civil e potencialmente seu

inimigo. Daí que o Estado fraco seja também tendencialmente o Estado mínimo. O

consenso do Estado fraco visa repor a ideia do estado liberal original.”

No quadro da globalização e suas consequências, o sociólogo português não

deixa de assinalar o papel do Direito:

“Muito diferente deste processo é o que, na mesma área da justiça e do direito, tem

vindo a ser protagonizado pelos países centrais, através de suas agências de cooperação e

assistência internacional, e pelo Banco Mundial, FMI e Banco Interamericano para o

Desenvolvimento, no sentido de promover nos países semiperiféricos e periféricos profundas

reformas jurídicas e judiciais que tornem possível a criação de uma institucionalidade jurídica e

judicial eficiente e adaptada ao novo modelo de desenvolvimento, assente na prioridade do

mercado e das relações mercantis entre cidadãos e agentes econômicos”.

3. A PRECARIZAÇÃO DOSDIREITOS SOCIAIS DO TRABALHO NO

BRASIL

Para delimitarmos temporalmente este trabalho, faremos uma abordagem da

relação entre o Estado Brasileiro e os Direitos sociais, sobretudo os de natureza

trabalhista, enfocando exclusivamente o período republicano.

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Na chamada República Velha ou República Oligárquica (1889/1930), a

Constituição de 1891 assegurava exclusivamente direitos de natureza individual, tais

como as liberdades individuais, a propriedade, a segurança. O primeiro texto

constitucional da república é absolutamente silente quanto aos direitos denominados

sociais. Prevaleceu ao longo do período a IDEOLOGIA LIBERAL, adotando-se no

Brasil o princípio do “laissez-faire”, em uma versão extremada do LIBERALISMO

INDIVIDUALISTA .Ou seja: O ESTADO não deve interferir nas atividades

produtivas, nas relações sociais, nas relações de propriedade.

Ainda no campo do direito, há uma forte influência do modelo norte-americano

na cultura jurídica do Brasil, especialmente no campo constitucional.

O que isto significa? O Estado, logo, a lei não deve interferir em questões privadas. Não dever regular a “Autonomia das vontades individuais”, nem a “liberdade dos particulares”. Em outros termos, ointeresse individual se sobrepõe ao interesse coletivo. O Ordenamento Jurídico privilegia direitos individuais. É a prevalência da tão propalada LIBERDADE CONTRATUAL, o que vale, inclusive, para as relações de trabalho.

A crise do capitalismo liberal de 1929 vai transformar este quadro de forma dramática, não só nos países do capitalismo central, mas também nos países periféricos, inclua-se aí o Brasil.

A chamada “Era Vargas” uma profunda alteração da estrutura estatal, que passa a cumprir um modelo progressivamente intervencionista, senão vejamos: a) MEDIADOR (Árbitro) dos conflitos entre as classes; b) REGULADOR de setores da Economia, inclusive das atividades patronais e da organização da mão-de-obra. Controlador dos “contratos”; c) INTERVENTOR no campo do Direito e na edição de LEIS.

No campo constitucional, o texto de 1934, de maneira progressista, instituiu: voto Secreto/Voto Feminino;a Justiça do Trabalho (ainda na esfera administrativa);algunsDireitos Sociais, pela primeira vez; direitos trabalhistas (salário mínimo, jornada de 8 horas, assistência médica, legislação sobre acidente de trabalho; direito à educação (Ensino Básico, como uma obrigação do ESTADO).

Tais direitos sociais se mantiveram nos textos constitucionais subsequentes, mesmo durante a ditadura militar (1964/1985).

O fato novo com efeitos colossais sobre os direitos sociais que se verificou a partir de meados dos anos 80 no Brasil foi o processo de globalização, de escala mundial e a ideologia neoliberal.

O professor Abili Castro assevera textualmente que, dentre os diversos direitos

sociais historicamente construídos, são os direitos decorrentes da relação de trabalho

que mais sofreram com este processo de erosão e tentativa de supressão. E a explicação

para este descomunal esforço em retirar ou tornar precários os direitos trabalhistas

decorre do fato de que, desde o surgimento do modo de produção capitalista industrial,

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162

é histórica a super-exploração do trabalho humano, bem como a busca desenfreada pelo

lucro fácil (mais-valia).

Ainda, segudoAbili Castro, este duplo movimento (superexploração e mais-

valia) é facilitado pela “transnacionalização da produção”, vez que o Estado associado

aos interesses das grandes corporações, terá seu poder de intervenção bastante mitigado

e facilitará a desregulamentação de direitos fundamentais. Na visão do professor acima

citado, a desregulamentação e a flexibilização significam a supressão das garantias

sociais dos trabalhadores.

Ainda, é de se questionar se não estaríamos diante de uma insegurança jurídica

dos direitos trabalhistas. Aliás, é o próprio artigo 7º., da C.F. de 1988 – consagrado

aos direitos dos trabalhadores – que em vários dos seus incisos garante direitos não

efetivos, pois dependem dos “termos de lei complementar”. Aliás, é o próprio artigo

ora mencionado que permite as partes contratantes livremente disporem de direitos, em

tese, indisponíveis, como os exemplos dos incisos VI, VXIII e VIX (irredutibilidade

salarial e jornada de trabalho, respectivamente).

Não raras vezes nos defrontamos com a ideia segundo a qual a legislação

trabalhista e as normas do Direito do Trabalho são o sempre indesejável “custo Brasil”.

No caso específico do Brasil, a lição deixada pelo prof. Boaventura nos ajuda a

desvelar o que está dissolvido na tão propalada “reforma trabalhista” que os extratos

dominantes, com o auxílio inestimável da grande mídia, chamam de “urgente”. Não

paira dúvida que, mesmo antes da sobredita reforma legal, existem os espaços que

possibilitam a flexibilização de alguns direitos dos trabalhadores, bem como, a própria

precarização das relações laborais. O sistema de terceirização da mão-de-obra é o mais

eloquente exemplo desta empreitada.

No que podemos denominar, segundo o prof. Antônio Casimiro Ferreira, de

“capitalismo desorganizado”, a situação acima descrita muda radicalmente e num

sentido claramente negativo se considerados os interesses da classe trabalhadora:

Ao contribuírem (normas laborais) para a precarização dos vínculos contratuais e para a segmentação e dualização dos mercados de trabalho este tipo de normas laborais aprofundam os desequilíbrios estruturais associados às relações de trabalho, provocam maior insegurança ontológica e jurídica e põem em causa o modo como o trabalho se constitui em vínculo de integração social. Para além dos exemplos associados à precariedade e atipicidade legais geradoras de insegurança sócio-jurídica é igualmente de referir o “uso perverso” das normas

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laborais, como sucede nas situações de falsos despedimentos coletivos, de constrangimentos nos processos de reformas antecipadas e rescisões de contratos por mútuo acordo, de falências fraudulentas, de salários em atraso, de eficácia real das sentenças judiciais, de violação da privacidade no local de trabalho, de discriminação em razão do sexo, raça, etnia ou deficiência, de violação das normas respeitantes à duração do trabalho, etc.

É da lavra do mesmo autor a análise jurídica que bem demonstra este ponto de

inflexão das normas trabalhistas decorrentes da mudança do cenário econômico:

Em suma, a especificidade do direito do trabalho, que sempre

reconheceu na sua estrutura nomológica a proteção à parte mais

desprotegida, cauciona agora padrões de emprego flexíveis e

desregulados. A desregulamentação e flexibilização, como resposta

à juridificação das relações laborais, traduz-se na redução dos

padrões de proteção legal dos trabalhadores, tendendo os seus

defensores, apoiados em políticas econômicas neoclássicas e

liberais, a criticar as normas de proteção do emprego, os direitos de

consulta, participação e negociação dos trabalhadores e seus

representantes, e a intervenção da administração, dos tribunais de

trabalho e das organizações internacionais como a OIT.

Em outros termos, considerando o enfoque da relação entre capital e trabalho,

pode-se dizer que certos aspectos supostamente sepultados historicamente,

reapareceram no quadro da chamada globalização, da era dos “consensos” e do

“discurso único”, tais como: a fragilização do papel do Estado e, em certa medida, a sua

retirada de cena para determinados fins; a flexibilização das normas que regem as

relações de trabalho, e isto inclui, sobretudo, o sistema de terceirização da produção; em

face disso, a suposição de que as partes (patrões e empregados) estão em igualdade de

condições para “negociar direitos” – a volta da autonomia das vontades; enfim, a

propalada precarização que significa tornar inseguras as condições de trabalho as quais

o obreiro está submetido.

Na prática, os defensores dos hipossuficientes estariam impotentes, diante da

supremacia da ordem econômica (mercado) sobre o Direito, máxime sobre a ordem

sócia e as garantias dos direitos dos trabalhadores, numa leitura às avessas do espírito da

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Constituição de 1988. Seria a rendição do Direito social frente ao irresistível poder

econômico e a pusilânime instância política.

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166

* Mestrando em Direito Negocial pela Universidade Estadual de Londrina – UEL/PR, na linha de pesquisa Relações Internacionais e Empresariais, bolsista CAPES/DS. Especialista em Ministério Público, Estado Democrático de Direito pela Fundação Escola do Ministério Público do Estado do Paraná – FEMPAR. Especialista em Direito do Trabalho e Previdenciário pelo Instituto de Direito Constitucional e Cidadania – IDCC. Professor da Universidade Norte do Paraná – UNOPAR/Londrina. Advogado. Email: [email protected] ** Mestre e Doutora em Direito do Estado pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC/SP, área de concentração de Direito Tributário, Coordenadora do Programa de Mestrado em Direito Negocial da Universidade Estadual de Londrina – UEL/PR, Professora de Graduação e Mestrado da Universidade Estadual de Londrina – UEL/PR, e da Graduação da Pontifícia Universidade Católica do Paraná, campus Londrina – PUC/Londrina. Email: [email protected]

ÉTICA EMPRESARIAL GARANTIDORA DA SUSTENTABILIDADE: FUNÇÃO

SOCIAL DA PROPRIEDADE RURAL E O PARADOXO TRABALHO ESCRAVO

CONTEMPORÂNEO.

SUSTAINABILITY ENSURE BY THE ETHICAL BUSINESS: SOCIAL FUNCTION

OF RURAL PROPERTY AND THE PARADOX SLAVE LABOR TODAY.

Henrico César Tamiozzo* Marlene Kempfer**

Resumo: Na atualidade a temática da sustentabilidade avança para estudos nos campos da economia, do ambiente e social. Este tripé reúne a participação do Estado, dos agentes econômicos e da Sociedade Civil, que devem atuar em conjunto para que seja alcançada a efetividade dos direitos que este conceito traz. Nesta pesquisa, o enfoque será para a sustentabilidade nas relações sociais do trabalho, em face do importante Projeto de Emenda à Constituição nº 438/2001, que pretende alterar o Art. 243 da CF/88 para incluir a modalidade de expropriação de glebas rurais onde for flagrada mão de obra escrava destinando-as à reforma agrária ou ao uso social. Após mais de 120 anos da abolição da escravatura no Brasil, segundo o Ministério do Trabalho e Emprego e a jurisprudência nacional, ainda não está extirpada a conduta de tratar as pessoas à condição de escravo. Embora tenha previsão do crime no Art. 149 do atual Código Penal Brasileiro, as estatísticas comprovam que a punição penal não é suficiente para inibir esta conduta imoral e antijurídica que persiste há milênios. A PEC acima referida está em trâmite por 12 anos, demonstrando a dificuldade em obter apoio parlamentar. No entanto, mesmo sem a aprovação da emenda constitucional, a atual ordem jurídica possibilita construir um conceito de função social da propriedade rural e de trabalho escravo a partir da CF/88 em seu Art. 186, da Lei nº 8.629/93 (reforma agrária), das Convenções da OIT das quais o Brasil é signatário e do Código Penal referido. Além deste aspecto jurídico é possível às empresas, que têm a cultura da sustentabilidade, participar de movimento em rede por meio dos seus stakeholders, internalizando o respeito ao trabalho humano como estratégia dos negócios e do seu código de conduta. Ou seja, buscar em cadastros públicos (jurisprudências e cadastro de Empregadores que tenham submetido trabalhadores a condições análogas à de escravo) e de organizações não-governamentais (terceiro setor), informações sobre proprietários rurais que tenham tal condenação para excluir da condição de fornecedor. Esta atitude terá repercussão econômica imediata e, à luz da relação de consumo, o reconhecimento de empresa socialmente responsável, partícipe de uma corrente cívica que contribui para demonstrar que a ética empresarial é suporte da sustentabilidade. Palavras-chave: Sustentabilidade social; Escravidão contemporânea; Função social propriedade rural; Ética Empresarial.

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Abstract: At present, the theme of sustainability advances to studies in the fields of economy, environment and social. This tripod brings together the state's participation, economic agents and civil society, who must work together in order to reach the realization of the rights in this concept. In this research, the focus will be for sustainability in social work, given the important Amendment to the Constitution Project No. 438/2001, which seeks to amend Article 243 of CF/88 to include a mode where expropriating rural properties caught for slave labor, allocating them land reform or social use. After more than 120 years of the abolition of slavery in Brazil, according to the Ministry of Labor and jurisprudence, is not yet eradicated the conduct of treating people to slave status. Although predicting the crime in Article 149 of the Brazilian Penal Code today, statistics show that criminal punishment is not sufficient to inhibit this immoral and anti-juridical that persists for million years. The PEC above is being processed for 12 years, demonstrating the difficulty in obtaining parliamentary support. However, even without the approval of the constitutional amendment, the current law allows constructing a concept of the social function of rural property and slave labor from CF/88 in its Article 186 of Law No. 8.629/93 (agrarian reform ), of the OIT Conventions of which Brazil is a signatory and the Penal Code. Beyond this legal aspect is possible for companies that have a culture of sustainability, participate in movement network through its stakeholders, internalizing respect for human labor as business strategy and its code of conduct. That is, in seeking public records (case law and registration of Employers who have subjected workers to conditions analogous to slavery) and nongovernmental organizations (third sector), information about landowners who have such condemnation to delete the condition supplier. This attitude will have immediate economic impact and, in light of the consumer relationship, the recognition of a socially responsible company, a current participant of contributing to civic demonstrate that business ethics is supported sustainability. Key-words: Social sustainability; Contemporary Slavery; Social function rural property; Ethical Business. INTRODUÇÃO

Considera-se que o desenvolvimento sustentável denota especial importância nos

dias de hoje e está pautado em diversas áreas do conhecimento, portanto, é multi e

interdisciplinar.

Poder-se-á ver adiante que tal desenvolvimento é objeto de discussão em diversas

reuniões e conferências de âmbito mundiais, como por exemplo, Conferência Mundial de

Meio Ambiente de Estocolmo e Conferência Nacional das Nações Unidas sobre Meio

Ambiente e Desenvolvimento (Rio 92). O envolvimento nacional, regional e internacional, ou

seja, a união dos povos, é condição para alcançar a sustentabilidade.

Deve-se compreender que este conceito não mais está limitado ao aspecto ambiental

e, sim, envolve a economia e o bem-estar social. Nesta pesquisa os destaques serão para a

sustentabilidade econômica e social a partir da diretriz constitucional do Art. 170 que

determina à ordem econômica considerar, a valorização do trabalho humano para viver o

valor da dignidade e justiça social.

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O estímulo para este estudo está em face da constatação de que ainda há focos de

escravidão humana em várias partes do mundo, incluindo o Brasil. Apesar de fugir um pouco

do modelo da Antiguidade, continua o núcleo de desrespeito às condições mínimas para o

trabalho humano. Dados do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE),1 reunidos no cadastro

de empregadores de mão de obra semiescrava, indicam que no ano de 2012, havia em torno

de 346 empregadores e dentre eles constam políticos, multinacionais e famílias de expressivo

poder econômico.

No Brasil, desde o século XVI há registro de tráfico de escravos, ocasião em que esta

mão de obra foi utilizada na produção de açúcar. A abolição formal da escravidão ocorreu no

século XIX, em 13 de maio de 1888 com a promulgação da Lei Áurea. Mas, desde então a

luta continua, tendo sido necessário criminalizar a conduta que submete outro ser humano à

condição análoga de escravo, conforme está no Art. 149 do Código Penal, Decreto-Lei n.

2.848 de 1940 (BRASIL, Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940), introduzido por

meio da Lei nº 10.803, de 11 de dezembro de 2003.

Esta intervenção estatal punindo com a privação de liberdade, não foi suficiente para

abolir a escravidão. Seguiu-se para incluir no conceito de função social da propriedade rural

(Art. 186 CF/88), além do dever de aproveitamento racional e adequado (aspecto econômico),

respeitar as normas que tutelam as relações do trabalho e promover exploração que favoreça o

bem-estar dos proprietários e dos trabalhadores (aspecto social).

Defende-se que estas referências constitucionais permitem delimitar o que seja

trabalho decente e, em contraposição, o que seja trabalho escravo. Este posicionamento

constitucional coloca o Brasil em consonância com as normatizações da Organização

Internacional do Trabalho (OIT), da Declaração Universal dos Direitos Humanos e do Pacto

de San Jose da Costa Rica, entre outros tratados internacionais, que buscam consolidar um

pacto universal pela tutela do trabalho humano.

No Brasil, a punição para o desrespeito à função social da propriedade rural é a

desapropriação e destinação da área para a reforma agrária. No entanto, nem mesmo mediante

esta forte intervenção estatal as condutas de exploração do homem em seu trabalho acabaram.

A tentativa atual é aprovar da PEC Nº 438/01, em tramitação no Senado Federal, que se

aprovada, a propriedade privada poderá sofrer outra limitação importante: haverá pena de

perdimento da gleba, onde for constatada a exploração de trabalho escravo, uma vez que

considera-se ser impossível o cumprimento da função social se a propriedade estiver acoplada

à condições degradantes de trabalho. Outra expectativa de atuação estatal está novo Código

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Penal (Projeto de Lei do Senado nº 236, de 2012), que amplia a lista dos chamados crimes

hediondos e inclui o trabalho escravo como tal.

Ressalte-se, por fim, que a atuação privada, em concomitância a do Estado e da

sociedade civil, é fundamental. É preciso que as empresas formem uma corrente ética e

selecionem seus parceiros em negócios dentre aqueles que ainda não constem no cadastro de

empregadores autuados pela fiscalização por explorarem trabalhadores em condições análogas

às de escravo (Portaria n° 540/2004 - MTE), ou mesmo condenados judicialmente por tal

conduta.

O DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL NO ASPECTO SOCIAL E A

PARTICIPAÇÃO DAS EMPRESAS

A terminologia desenvolvimento sustentável, empregada pela primeira vez na

Conferência Mundial do Meio Ambiente em Estocolmo, no ano de 1972, tomou conta do

cenário mundial nas últimas décadas. O conceito de sustentabilidade, nesta concepção, não foi

esquecido pelo legislador constituinte, que o almejou a princípio fundamental, esculpindo-o

no caput do Art. 225 da Constituição Federal (BRASIL, 1988), quando menciona que é dever

de todos defender e preservar o meio ambiente ecologicamente equilibrado para as presentes e

futuras gerações.

A ideia de um mundo melhor para todas as gerações sem prejudicar o meio ambiente

foi notoriamente defendida na Conferência Nacional das Nações Unidas sobre Meio

Ambiente e Desenvolvimento, popularmente conhecida como Rio-92. Entretanto, sobreveio

um novo conceito de desenvolvimento sustentável, ampliando-o à missão de desenvolver a

economia e reduzir a dívida social de modo simultâneo, sempre com vistas à preservação e

proteção do meio ambiente (ESTIGARA; PEREIRA; LEWIS, 2009, p. 19-20).

Os elementos constitutivos do desenvolvimento sustentável no ensinamento de

Ignacy Sachs compõem cinco pilares: social, econômico, ecológico, espacial e cultural

(BARBIERI; CAJAZEIRA, 2009, p. 66-67). Essa ampliação de ações, no entanto, não alterou

a proposta básica da necessidade de atuação concorrente do Estado, dos agentes econômicos e

da Sociedade Civil.

Ao ser analisada a participação empresarial neste esforço coletivo, doutrinadores da

Ciência da Administração, destacam que as empresas cumprem papel central, pois, será a

oportunidade para resgatar os prejuízos socioambientais foram produzidos ou estimulados por

suas atividades.

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170

No entanto, nem todos cientistas desta área de conhecimento assim tratam o papel da

empresa nas questões da sustentabilidade ou da ética empresarial.

De toda sorte, na citação de Carroll (apud GARCÍA-MARZÁ, 2008, p. 167 e 172),

“a maioria desses trabalhos têm referente comum com a concepção de M. Friedman”.

O texto de Friedman apresentará três importantes críticas que, uma vez resolvidas,

proporcionarão o marco ético que define a responsabilidade social empresarial. A primeira

delas é que há uma clara confusão entre privado e público. A segunda delas se trata do

problema da falta de critérios intersubjetivos no momento de se definir em que consiste esta

responsabilidade. E a terceira se refere a uma fraude da responsabilidade social, ou seja, que a

responsabilidade social é utilizada como meio de maquiar o verdadeiro motivo de alcançar

maiores benefícios econômicos. Talvez quem mais designou esforços para enfrentar tais

questões, na opinião de Domingo García-Marzá (2008, p. 173-182), tenha ido o professor

Archie B. Carroll.

À segunda crítica de Friedman – mais interessante do ponto de vista da presente

pesquisa – se traduz na seguinte pergunta: o que é de responsabilidade da empresa?

No modelo proposto por Carroll identifica-se quatro categorias distintas que juntas

compõe aquilo que a sociedade espera da empresa, ou seja, a responsabilidade social

corporativa. São elas, responsabilidade: econômica, legal, ética e filantrópica. Outros

estudiosos também buscaram responder essa indagação, contudo, sem muita evolução prática

ou aplicabilidade (GARCÍA-MARZÁ, 2008, p. 181-185).

Até que chegou-se à afirmação atual, onde, segundo José Carlos Barbieri e Jorge

Emanuel Reis Cajazeira (2009, p. 69), “no âmbito das organizações em geral, o núcleo duro

de sua contribuição para com o desenvolvimento sustentável passou a consistir em três

dimensões: a econômica, a social e a ambiental.” E completam:

Uma organização sustentável seria, portanto, a que orienta suas atividades segundo as dimensões da sustentabilidade que lhe são específicas. Em outras palavras, é uma organização que busca alcançar seus objetivos atendendo simultaneamente os seguintes critérios: equidade social, prudência ecológica e eficiência econômica. Desse modo, os movimentos da responsabilidade social e do desenvolvimento sustentável, cada qual com suas características próprias e campos de estudos específicos, convergem para o conceito de empresa sustentável.

Nesse sentido, empresa sustentável é aquela que gera lucro para os acionistas, ao

mesmo tempo em que protege o meio ambiente e melhora a vida das pessoas com quem

mantém interações.

COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 36 - Sustentabilidade Econômica e Social em Face à Ética e ao Direito

171

Este sentido também deve ser estendido ao uso de todas as formas do capital para

que sejam socialmente legitimados. Ou seja, o uso da propriedade urbana ou rural enquanto

bem de produção do bem-estar material e acumulação de patrimônio, será lícito e legítimo se

for utilizado na acepção ora em análise.

A atuação sustentável do bem propriedade (com fins econômicos), que será foco

desta pesquisa, será a dimensão social. Esta compreende o respeito à diversidade de pessoas, a

eliminação das discriminações em todas as suas formas (gênero, opção sexual, etnia, raça, cor,

idade, religião), a inclusão de grupos minoritários, incentivo à resolução pacífica de conflitos,

condições dignas de trabalho, boa relação e tratamento justo de seus superiores, ambiente

laboral adequado, remuneração condizente, enfim, uma vida que proporcione ambiente para a

dignidade humana.

Vivenciar todo este ambiente na relação do capital com o trabalho é ainda um difícil

desafio. Milênios se passaram e a luta por condições que valorizem o trabalhador ainda não

são efetivas. Ainda há constantes denúncias de indivíduos submetidos a trabalhos forçados,

em condições extremamente precárias e em situações análogas à de escravo.

CONCEITO JURÍDICO CONTEMPORÂNEO DE TRABALHO ESCRAVO

A origem da escravidão, prática que se perde nos tempos, aproximando-se das

origens da própria civilização humana, constantemente empregada nos povos da Antiguidade,

desde os assírios, os egípcios, os judeus negros e romanos, submetendo o ser humano à

condição de mercadoria e a sofrimentos inenarráveis.

No Brasil a questão iniciou-se com o mercantilismo da era colonial, quando grandes

embarcações aportavam na então colônia de Portugal trazendo negros africanos que seriam

utilizados como mão-de-obra escrava. A escravidão perdurou oficialmente por quase três

séculos, sendo abolida pela Lei Áurea no dia 13 de maio de 1888.

No em tanto, esta Lei não foi suficiente para extirpar esta prática que persiste na

atualidade no meio rural e urbano. Ela ainda se manifesta na clandestinidade e é marcada pelo

autoritarismo, corrupção, segregação social, racismo, clientelismo, e desrespeito aos direitos

humanos.

Principalmente no final da década de 60 tornou-se mais visível a chamada escravidão

contemporânea, momento em que o país vivia o início do seu milagre econômico e a região

amazônica tornava-se alvo de vultuosos projetos de infraestrutura visando a implantação de

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172

empreendimentos econômicos assentados na utilização predatória dos recursos naturais e da

força de trabalho.

Para Neide Esterci (1994, p. 22) a construção do conceito do trabalho escravo

contemporâneo se dá a partir da publicização do problema, com denúncias à Delegacia da

Polícia Federal, entre meados de 1960 e a década de 70. As condutas apresentadas eram de

superexploração do trabalho em condições degradante, submissão da mão de obra ao

pagamento de dívidas, a coerção e a violência de agenciadores, fazendeiros e chamados

jagunços.

Com o advento da Lei nº 10.803, de 11 de dezembro de 2003, foi alterado o Código

Penal (BRASIL, Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940), para incluir o Art. 149

que prevê a pena de reclusão de dois a oito anos, e multa, além da pena correspondente à

violência, aplicada aos indivíduos que reduzirem alguém a condição análoga à de escravo: i),

submetendo-o a trabalhos forçados ou a jornada exaustiva; ii), sujeitando-o a condições

degradantes de trabalho; iii) restringindo, por qualquer meio, sua locomoção em razão de

dívida contraída com o empregador ou preposto.

Apesar desta lei e da punição de privação de liberdade, segundo bem jurídico mais

valioso do sistema normativo brasileiro, casos de escravidão contemporânea ainda persistem,

sendo que é na área rural onde se concentram tais condutas. Nesse sentido, a afirmação de

Flávia de Almeida Moura (2009, p. 23), “a escravidão contemporânea se apresenta

principalmente em regiões de fronteira agrícola, envolvendo trabalhadores que migram em

busca de promessas de ocupação para outros estados brasileiros”. De igual forma assevera a

escritora inglesa Binka Le Breton (2002):

Existem no Brasil de hoje, milhares de Josés, peões do trecho, migrantes, trabalhadores escravos. Escravizados pela pobreza, pela falta de alternativa, pela dívida. Pelo medo. Pela própria honra – que dita que quem deve tem que pagar. A maior parte deles trabalha na ‘nova fronteira’ agrícola, no Sul do Pará, norte do Mato Grosso e no Maranhão. Trabalham na derrubada – quase sempre ilegal – no roço de pasto, no aceiro, na limpeza de cercas. Trabalham também na colheita da pimenta do reino, nos canaviais e nos cafezais. Nas carvoarias. Saem do interior, dos estados mais pobres – Piauí, Bahia, norte de Minas, Pernambuco, Tocantins, Alagoas e Ceará. Saem, mas não voltam.

Apontar o número exato de trabalhadores escravos no Brasil é tarefa muito difícil,

em face de vários fatores, entre eles a dimensão continental e a mudança das culturas

agrícolas de região para região. Flávia Piovesan (2006, p. 151) assinala que há, no mínimo,

25.000 pessoas vítimas de trabalho escravo no Brasil atualmente.

COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 36 - Sustentabilidade Econômica e Social em Face à Ética e ao Direito

173

No sítio da internet da Organização Internacional do Trabalho no Brasil encontra-se

um trabalho feito pela própria OIT, pela Secretaria Especial de Direitos Humanos, e em

parceria com a agência LOWE, chamado “Campanha Nacional para Erradicação do Trabalho

Escravo” (2003). Nele é possível aferir diversos dados relativos ao trabalho escravo, a

exemplo das atividades econômicas com maior incidência dessa modalidade de trabalho, em

primeiro a pecuária com 43%, seguida do desmatamento com 28%, e da Agricultura com 24%

do total.

Esta realidade exige tomada de posição mais interventora do Estado conforme

autoriza o caput Art. 170 da CF/88, a participação das empresas e das organizações da

sociedade civil, uma vez que o trabalho humano decente é um processo que possibilita a

emancipação em seu sentido mais amplo, incluindo a liberdade e a satisfação das

necessidades materiais.

VALORIZAÇÃO DO TRABALHO HUMANO E PARÂMETROS DO TRABALHO

DECENTE

A Constituição Federal inseriu no inciso IV, do Art. 1°,2 como um dos fundamentos

do Estado Democrático de Direito, a tutela aos valores sociais do trabalho, como expressão

básica da proteção à personalidade humana e como forma de buscar o equilíbrio social e

econômico, haja vista a inegável inferioridade do trabalhador frente ao modelo de produção

instaurado dentro de uma economia globalizada.

Ao passo que pela dicção do Art. 170,3 da CF/88, fixa-se que a ordem econômica

tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social e é

fundada na valorização do trabalho humano e da livre iniciativa. No mais, o Art. 1934 do

mesmo Códex é firme ao trazer que a ordem social tem por base o primado do trabalho,

objetivando o bem-estar e a justiça sociais.

Apenas com as referências acima já é possível afirmar que a ordem jurídica brasileira

reúne os princípios para defesa do trabalho humano em condições dignas. Sendo assim, para

as empresas ou empregadores em geral, não há outra alternativa ética e moralmente aceitável.

Têm responsabilidade de criar um ambiente de respeito à lei e que os trabalhadores possam

desenvolver suas potencialidades, virtudes e conhecimentos.

Além das previsões na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988

acima referidas e demais normas infraconstitucionais, o Estado brasileiro é signatário de

inúmeros Tratados e Acordos Internacionais que são verdadeiras conquistas e que exigem dos

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174

Estados atuação para promover ambiente público ou privado para um trabalho decente. Tais

regramentos internacionais não reconhecem a sobreposição de interesses econômicos em

detrimento dos direitos sociais e da dignidade humana.

A Organização Internacional do Trabalho (OIT), entidade vinculada à ONU, realiza

papel fundamental na criação das normas internacionais do trabalho e está diretamente ligada

às conquistas emanadas no século XX. Foi criada em 1919, e é responsável pela formulação e

aplicação das normas internacionais do trabalho, convenções e recomendações. Tem como

missão promover oportunidades para que homens e mulheres possam ter acesso a um trabalho

decente e produtivo, em condições de liberdade, equidade, segurança e dignidade.

Tais vitórias consagram direitos que compõem a Declaração Universal dos Direitos

Humanos (1948), que proclama o direito de acesso ao trabalho, à livre escolha de emprego, às

condições justas e favoráveis de trabalho (Art. XXIII),5 bem como, direito ao repouso, ao

lazer (Art. XXIV),6 e a um satisfatório padrão de vida (Art. XXV).7 Esta Declaração reflete as

bases éticas e morais para a construção de uma sociedade fundamentada na liberdade, na paz

e na justiça.

No encalço deste trabalho destaca-se o Art. 4º da mesma Declaração, que rege no

seguinte sentido: “Ninguém será mantido em escravidão ou servidão, a escravidão e o tráfico

de escravos serão proibidos em todas as suas formas”.

Outro documento que marcou fortemente o desenvolvimento das normas trabalhistas

foi o Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (PIDESC) adotado

pela Assembleia Geral da ONU no dia 16 de dezembro de 1966, que entrou em vigor na

ordem internacional no dia 03 de janeiro de 1976, e foi internalizado no Brasil por meio do

Decreto n° 591, de 6 de julho de 1992.

Destaque-se, também, no contexto latino-americano a Convenção Americana de

Direitos Humanos de 1969 – Pacto de San José da Costa Rica – e do Protocolo Adicional à

Convenção Americana Sobre Direitos Humanos em Matéria de Direitos Econômicos, Sociais

e Culturais – Protocolo de San Salvador – firmado pelo Brasil em 17 de novembro de 1988,

mas que entrou em vigor no território nacional pelo Decreto 3.321, de 30 de dezembro de

1999.

O Pacto de San José da Costa Rica tem o propósito de consolidar no continente

Americano um regime de liberdade pessoal e de justiça social, fundado no respeito aos

direitos humanos, entre eles, a valorização do trabalho humano e o combate à escravidão,

vistos no Art. 6° do documento. Este princípio amplia sua força para países onde existem

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175

penas privativas de liberdade acompanhada de trabalhos forçados ou obrigatório de modo

que não poderão afetar a dignidade, nem a capacidade física e intelectual do recluso.

Em se tratando do Protocolo de San Salvador, ficam elencados no Arts. 6° a 8°,8 os

direitos ao trabalho, condições justas, equitativas e satisfatórias de trabalho e direitos

sindicais. Tal rol normativo é bem completo e desde 1999 trouxe efeitos positivos ao

ordenamento jurídico pátrio.

Com vistas a este compendio de disposições mencionadas verifica-se não ser mais

admissível que a propriedade (inclusive a empresarial) busque a maximização do lucro alheio

aos princípios basilares trabalhistas. Agir em contrariamente a estas referências nacionais e

internacionais estar-se-á em rota de colisão com o ordenamento jurídico.

Para a Organização Internacional do Trabalho (O QUE É..., 2013), trabalho decente é

aquele que converge em quatro objetivos estratégicos, que primam pelo respeito aos direitos

do trabalho, segundo a Declaração Relativa aos Direitos e Princípios Fundamentais no

Trabalho. São eles: a) liberdade sindical e reconhecimento efetivo do direito de negociação

coletiva; b) eliminação de todas as formas de trabalho forçado; c) abolição efetiva do trabalho

infantil, e; d) eliminação de todas as formas de discriminação em matéria de emprego e

ocupação, a promoção do emprego produtivo e de qualidade, a extensão da prestação social e

o fortalecimento do diálogo social.

Avaliando a ordem jurídica brasileira é possível afirmar que a proteção em vigor está

de acordo com os parâmetros da OIT. Com a assinatura do Governo brasileiro com a OIT do

Memorando de Entendimento, estabeleceu-se a Agenda Nacional de Trabalho Decente com a

criação de um Comitê Executivo, composto pelos diversos Ministérios e Secretarias de Estado

envolvidos com os temas aludidos pela OIT e coordenado pelo Ministério do Trabalho e

Emprego (AGENDA..., 2013).

Com este acordo, deu-se o surgimento do Plano Nacional de Emprego e Trabalho

Decente, com o objetivo de fortalecimento da capacidade do Estado brasileiro para avançar no

enfrentamento dos principais problemas estruturais da sociedade e do mercado de trabalho,

entre os quais: o desemprego e a informalidade, a liberdade sindical, o combate ao trabalho

infantil, as desigualdades de gênero e raça/etnia e a extinção dos trabalhos compulsórios

(AGENDA..., 2013).

O trabalho infantil no Brasil esta em declínio. É o que indica estudos do IBGE que

entre 2004 e 2009, o número de trabalhadores de 5 a 17 anos de idade caiu de 5,3 milhões

para 4,3 milhões. Contudo, este último dado ainda representa 9,8% da população de crianças e

adolescentes do país, o que indica a necessidade de continuação das políticas de combate ao

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trabalho infantil à cargo do Ministério do Desenvolvimento e Combate à Fome (MDS),

responsável pelo Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (Peti) (DIREITOS DO

CIDADÃO..., 2013).

Em alusão à vedação do trabalho infantil, foi sancionado pelo Presidente da

República o Decreto nº 6.481/08 (BRASIL. Decreto nº 6.481, de 12 de junho de 2008) que

regulamenta os artigos 3º, alínea “d”, e 4º da Convenção 182 da OIT, trazendo a Lista das

Piores Formas de Trabalho Infantil (Lista TIP). A lista relaciona quase uma centena de

atividades em que torna-se proibido o trabalho dos menores de dezoito anos de idade.

Entre os dias 8 a 11 de agosto de 2012 foi realizada em Brasília a I Conferência

Nacional de Emprego e Trabalho Decente, com apoio de atores da sociedade civil, inclusive

da OIT que segundo o correspondente do Diretor-geral desta última “é uma experiência única

de diálogo tripartite, baseada no reconhecimento do papel fundamental do trabalho decente

para a justiça social e o desenvolvimento sustentável e uma evidência mais do compromisso

que o Brasil vem assumindo com o trabalho decente desde 2003” (CONFERÊNCIA..., 2012).

São com feitos deste porte, de diálogo entre governo, as organizações de

empregadores e de trabalhadores e da sociedade civil é que se fortalecem os vínculos e

enraíza-se o acesso ao trabalho decente, sendo este um dos principais vínculos entre o

desenvolvimento econômico e social.

Um trabalho exemplar foi desenvolvido pelo Departamento de Qualificação da

Secretaria de Políticas Públicas de Emprego do Ministério do Trabalho e Emprego

(DEQ/SPPE/MTE) com a publicação de artigos que versam sobre as políticas públicas de

qualificação dos trabalhadores, como inclusão social, combate à pobreza e desigualdades

regionais, promoção do diálogo com ênfase na participação e no controle social (LIMA, 2005,

p. 7-8).

Um dos assuntos versa sobre o Programa Inter Empregados (negociação bipartite

entre sindicatos e empresas), o PSQ/PNQ (negociação tripartite desde o âmbito local até o

âmbito nacional) e as discussões tripartites no âmbito do MERCOSUL, embora iniciais, são

auspiciosas para superar as diferenças dos modelos que excluem a participação dos

trabalhadores, demonstrando inerente valor às negociações coletivas (LIMA, 2005, p. 33).

O Estado da Bahia se encontra em estágio avançado quando o assunto é trabalho

decente atinente à responsabilidade social. Isto se mostra pela aprovação pela Assembléia

Legislativa da Lei nº 11.479/09, que institui restrições à concessão e à manutenção de

financiamentos e incentivos fiscais estaduais a empregadores que não adotem práticas de

trabalho decente não atendam à legislação que trata de cotas para pessoas portadoras de

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deficiência e jovens aprendizes (BRASIL, Lei do Estado da Bahia nº 11.479, de 01 de julho

de 2009).

São iniciativas deste porte, vindas do Poder Público, da iniciativa privada e das

entidades civis, que darão projeção e concretização ao ideal de trabalho decente perseguido

pela OIT e tomado por compromisso do Estado brasileiro nos últimos anos.

FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE RURAL E A VALORIZAÇÃO DO

TRABALHO HUMANO

O Art. 170, II, do texto constitucional brasileiro tem-se a tutela constitucional da

propriedade privada conceituado, nos termos do Direito Civil, como o direito de usar, gozar e

dispor de uma determinada bem de conteúdo econômico ou patrimonial agregando, nos

termos do inciso III, a exigência para seu exercício pleno, a função social. É neste sentido a

exigência prevista nos arts. 5º, XXIII e 186 da Constituição Federal.

A função social comporta um dever negativo (não prejudicar ninguém), mas também

impõe um dever positivo, um agir para beneficiar outras pessoas. Assim também pensa

Eduardo Novoa Monreal (1988, p. 134) quando dita que a função social da propriedade

objetiva que: [...] seu exercício respeite às exigências dos interesses gerais do Estado, à utilidade pública e às necessidades coletivas, por considerar-se que o proprietário tem a coisa em nome da sociedade, e pode servir-se e dela dispor, enquanto seu direito seja exercido em forma concordante com os interesses gerais, o proprietário, enquanto tal, tem a obrigação de exercitar seu direito de modo a contribuir para o bem coletivo [...].

Reforça a interpretação de que o Estado continua com atribuição de tutelar a

propriedade privadas, mas, se atende aos parâmetros constitucionais. Ao individualismo se

sobrepôs a estruturação de uma ordem social e econômica intensamente preocupada com a

justiça social e dignidade da pessoa humana (DA SILVA, 2007, p. 813).

A Lei Maior procurou assegurar a inviolabilidade do direito do proprietário, mas, ao

mesmo tempo firmou limites ao seu exercício, limites esses perpetrados pelo princípio da

função social da propriedade, conexo à Ordem Econômica (MARQUESI, 2006, p. 96).

As condições atuais para o cumprimento da função social dos imóveis rurais foram

positivadas no § 1º, do art. 2º, do Estatuto da Terra (BRASIL. Lei nº 4.504, de 30 de

novembro de 1964), quais sejam: favorecimento do bem-estar do proprietário, dos

trabalhadores e de sua família; observância de níveis satisfatórios de produtividade;

COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 36 - Sustentabilidade Econômica e Social em Face à Ética e ao Direito

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conservação dos recursos naturais e observância das relações jurídicas de trabalho entre

proprietário e exploradores da terra. É a reunião da sustentabilidade, traduzida por Marquesi

(2006, p. 99) como: o fator econômico, o fator econômico-ambiental, o fator social e o fator

humano-social.

No campo deste estudo, e a partir das referências de Marquesi (2006, p. 105-108)

interessa o fator social e o fator humano-social. O primeiro regula as relações de trabalho,

lembrando que a força braçal é de extrema relevância na política agrícola, na medida em que a

exploração direta da terra geralmente se dá via terceiros e não pelo próprio dono. O segundo

atende as necessidades básicas dos que trabalham com a terra, bem como, se refere à

segurança do trabalho e se há ou não exploração.

No âmbito infraconstitucional, ainda outro regramento faz menção à função social da

propriedade rural, qual seja, a Lei da Reforma Agrária (BRASIL. Lei nº 8.629, de 25 de

fevereiro de 1993), que nos quatro incisos do artigo 9º, reitera os requisitos informados no

Estatuto da Terra a serem cumpridos simultaneamente. Indica que a sanção pelo

descumprimento da função social será a desapropriação, com finalidade de destinar a

propriedade para a reforma agrária.

Muitas são as possibilidades de uso adequado da propriedade, mas, em qualquer uma

delas é indispensável o respeito ao trabalho humano. Em cada uma das fases que podem ser

demarcadas no uso da propriedade rural a mão de obra se faz presente, tais como a rudimentar

de baixa subsistência e produtividade, a pós-revolução industrial e a da atualidade que se

caracteriza pela alta tecnologia, mecanização, produtividade. Constata-se que as inovações

científicas têm contribuído para que o trabalhador tenha melhores condições de trabalho. No

entanto, nem todos os Estado têm este grau de desenvolvimento ou não intervêm em prol da

proteção daqueles excluídos deste conhecimento e, assim, são presas fáceis da cultura da

exploração.

A FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE RURAL, A VALORIZAÇÃO DO

TRABALHO HUMANO E A PEC Nº 438/01

No Brasil afronta aos paradigmas jurídicos da função social da propriedade já

referidos, em especial no caso de desvalorização do trabalho humano submetendo à condição

de escravo, tem punição prevista na Constituição Federal regulamentada pela Lei da Reforma

Agrária que é a desapropriação, além a de caráter penal, nos termos do Art. 149 do Código

Penal.

COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 36 - Sustentabilidade Econômica e Social em Face à Ética e ao Direito

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No entanto, não obstante todas essas previsões inseridas não raro é flagrada a

exploração do trabalho escravo. Na Fazenda Castanhal, por exemplo, propriedade de 9,9 mil

hectares no estado do Pará, o grupo móvel do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE)

flagrou a exploração de trabalho escravo por três vezes: 22 pessoas foram libertadas em

agosto de 2002, 47 foram encontradas em situação semelhante em setembro de 2003 e outras

13 ganharam a liberdade em fevereiro de 2004 (AVANÇA..., 2008).

Os proprietários de terra acusados de manterem trabalhadores escravizados

defendem-se argumentando que não tinham conhecimento da situação. Conforme Ricardo

Rezende (2002, p. 16), “há indícios de que boa parte dos proprietários sabe do que se passa

em seus imóveis, mesmo quando não participam diretamente do aliciamento dos funcionários

temporários”. E continua:

Por exemplo, diversas das 24 fazendas denunciadas no sul do Pará, em 2001, são reincidentes (Documentos CPT/Mará, 2002). As fazendas Cinco Irmãos e Rio Vermelho, são quatro vezes reincidentes; a Forkilha, de Jairo Andrade, nove vezes; a Primavera e a Alvorada, cinco vezes, sendo que o proprietário desta última foi condenado pelo crime em 1999. Isso demonstra que penalidades leves não impedem que se incorra no mesmo crime.

Em matéria veiculada pela equipe do Repórter Brasil (GRUPO..., 2008) lê-se que

fiscais flagram pessoas submetidas à escravidão sob responsabilidade de reincidentes em três

áreas no Maranhão. Na Fazenda Eldorado, no Município de Açailândia, 14 trabalhadores

eram explorados em situação análoga à de escravos, sendo que dentre eles 4 eram

adolescentes.

Tais constatações demonstram a inefetividade da atuação do Estado tanto em sentido

regulatório quanto de fiscalização justificando a proposta de Emenda Constitucional nº 438,

do Senador Ademir Andrade, popularmente conhecida como “PEC do trabalho escravo”. A

proposta pretende alterar o Art. 243, caput e parágrafo único da Constituição Federal de 1988,

estabelecendo a pena de perdimento da gleba onde for constatada a exploração de trabalho

escravo (expropriação de terras), revertendo a área ao assentamento de colonos que já

trabalhavam na respectiva gleba (CÂMARA DOS DEPUTADOS, 2001):

Art. 243. As glebas de qualquer região do País onde forem localizadas culturas ilegais de plantas psicotrópicas ou a exploração de trabalho escravo serão imediatamente expropriadas e especificamente destinadas à reforma agrária, com o assentamento prioritário aos colonos que já trabalhavam na respectiva gleba, sem qualquer indenização ao proprietário e sem prejuízo de outras sanções previstas em lei.

COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 36 - Sustentabilidade Econômica e Social em Face à Ética e ao Direito

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Parágrafo único. Todo e qualquer bem de valor econômico apreendido em decorrência do tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins e da exploração de trabalho escravo será confiscado e se reverterá, conforme o caso, em benefício de instituições e pessoal especializado no tratamento e recuperação de viciados, nos assentamento dos colonos que foram escravizados, no aparelhamento e custeio de atividades de fiscalização, controle, prevenção e repressão ao crime de tráfico ou do trabalho escravo.

A expropriação de bens é a retirada definitiva de bens particulares da posse de seus

proprietários, executada pelo Poder Público, sem indenização. Neste caso fala-se em Confisco

da gleba autorizada em nível constitucional. Diferencia-se da desapropriação que poderá ser

feita mediante indenização justa e razoável.

A Proposta de Emenda Constitucional 438/2011 foi aprovada em 22 de maio de 2012

por 360 votos em segundo turno na Câmara dos Deputados, sendo que o texto voltou para o

Senado por ter sofrido uma alteração para inclusão de propriedades urbanas na votação em

primeiro turno na Câmara, realizada em 2004. A bancada dos ruralistas tentou por diversas

vezes derrubar tal proposta, chegando à tentativa de esvaziar o plenário para evitar o quórum

necessário para aprovação da medida, mas sem obter sucesso (PROPOSTA DE..., 2012).

Vitória histórica dos que lutam em defesa dos direitos humanos, a aprovação na

Câmara dos Deputados já foi um grande passo dado no combate ao trabalho escravo

contemporâneo. Vários embates levam à demora na aprovação deste projeto de emenda à

constituição, o principal deles é a exigência de vincular a aprovação da PEC a legislação

infraconstitucional a fim de definir claramente o que é trabalho escravo e o que é jornada de

trabalho excessivo. Em oposição a este discurso, se encontram parlamentares a favor da

aprovação imediata da proposta, ao lado do Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais do

Trabalho, o Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), bem como a Comissão Nacional para

a Erradicação do Trabalho Escravo, entre outras ONGs (BANCADA..., 2013).

O TRABALHO ESCRAVO E AS REFERÊNCIAS DO JUDICIÁRIO BRASILEIRO

Avaliando jurisprudências produzidas pelos tribunais superiores é possível ter-se

uma ideia de como vem sendo tratada a questão do trabalho escravo na prática brasileira

contemporânea.

Na decisão da Reclamação Trabalhista nº 00322-2004.661.05.00-2 da Vara do

Trabalho de Barreiras – BA,9 foi julgado procedente o pedido de indenização por danos

COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 36 - Sustentabilidade Econômica e Social em Face à Ética e ao Direito

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morais decorrentes da sujeição de cerca de 800 (oitocentos) trabalhadores submetidos

condições desumanas e degradantes, análogo a escravo.

Neste julgamento ficou esclarecido pelo depoimento das testemunhas, a

caracterização do trabalho degradante, pois os trabalhadores dormiam em barracos de lona

com cobertura de palha, com instalações sanitárias inadequadas já que nem banheiro havia,

bebiam água de carro pipa ou de reservatórios e não se utilizam de equipamentos de proteção

individual (EPIs), condicionante à indenização pelos danos morais causados a cada um dos

trabalhadores, mesmo sem prova do cerceamento de liberdade, conforme trecho a seguir

transcrito:

Em nosso entendimento, é o que basta para a caracterização do trabalho degradante. Sem razão os Reclamados, que procuram afastar a caracterização do trabalho análogo a escravo pela ausência de privação da liberdade dos Reclamantes. Esta de fato não se comprovou, demonstrando a instrução processual que não houve cerceio do direito de ir e vir dos Autores. [...] A norma legal não diferencia como gêneros distintos o trabalho escravo e o trabalho degradante, considerando este uma espécie daquele. E o trabalho degradante restou sobejamente provado no caso em tela. [...] Ante a tudo exposto, defere-se o pedido de indenização por dano moral, na razão de R$9.275,00 (nove mil, duzentos e setenta e cinco reais), para cada Reclamante.

Noutro exemplo, no julgamento do Recurso Ordinário 4453/2003 da 1ª Turma do

Tribunal Regional do Trabalho da 8ª Região10 os desembargadores, por unanimidade,

entenderam pela manutenção de decisão do Juiz a quo e condenaram o réu ao pagamento de

indenização por danos morais coletivos no valor de cinquenta mil reais a ser revertido em

favor do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT).

Tal decisão teve embasamento nas condições subumanas a que os trabalhadores eram

submetidos, como mantê-los em prisão por dívida, trabalhadores invalidados forçados a

trabalhar, falta de higiene, banheiros e sanitários, ausência de EPIs e até de água potável,

concluindo que o réu recorrente não só descumpriu as disposições da CLT, como também das

Normas Regulamentares Rurais de Saúde, Higiene e Segurança, restando incólume o Art. 5º,

inciso II, da CF/88.

Em um terceiro caso, julgado pelo Tribunal Regional Federal da 1ª Região, negou-se

provimento ao HC 5110 PA11, nos autos nº 005110-92.2012.4.01.0000 por entender que não

se exige para configuração do tipo penal do Art. 149 do CP estarem presentes,

concomitantemente, a segregação da liberdade de locomoção e a utilização da violência ou

grave ameaça para impedir a saída do trabalhador. Para criminalização da conduta, basta

COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 36 - Sustentabilidade Econômica e Social em Face à Ética e ao Direito

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sujeitar o trabalhador (ele permitir-se ser tratado assim, conformar-se com a situação) a

condições degradantes, infamantes, aviltantes de trabalho.

No julgamento do Recurso de Revista nº 2437-21.2010.5.08.0000,12 em 15 de agosto

de 2012, o Relator Ministro Guilherme Augusto Caputo Bastos da 2ª Turma do TST, manteve

a decisão de primeiro grau que condenou a empresa reclamada a pagamento de vinte e cinco

mil reais a título de indenização por dano moral. O magistrado consignou que o empregado,

no desempenho das atividades de colheita de frutos de dendê, laborou em condições

degradantes, análogas à de escravo, no período de 01.03.2005 a 11.12.2007. Neste caso a

denúncia indicava que não disponibilizava abrigos suficientes em campo, instalações

sanitárias e EPI's adequados, sendo que tais condições de trabalho causaram sofrimento,

angústia e males à saúde do obreiro, com desrespeito à dignidade humana.

Por último, no julgamento do Recurso Ordinário nos autos nº 01353-2004-001-16-

00-8 MA13, em que discutia-se a indenização por danos morais causados a um grupo de 41

trabalhadores encontrados pelo Grupo Móvel de Fiscalização do Ministério do Trabalho em

situações degradantes, submetidos às piores condições de vida e trabalho, além de elementos

que revelavam a existência de trabalho análogo à escravidão como dependência econômica,

agravada pelo não pagamento de salários e pelo laborem troca apenas de cada e comida.

Ficou-se entendido que restaram violados os direitos humanos desses trabalhadores, ficando

evidenciado o aliciamento de trabalhadores e a dependência econômica, pelo que o Réu foi

condenado a vultoso pagamento indenizatório a cada uma das vítimas.

No direito dos tribunais, portanto, considera-se para efeitos de caracterização da

escravização contemporânea o constrangimento do trabalhador a condições degradantes,

infamantes e aviltantes de trabalho, mesmo que não haja cerceamento da liberdade. A título

de exemplo cite-se a dependência econômica impossibilitando a demissão do trabalhador

conhecida como escravidão por dívida, a ausência severa de higiene no ambiente de trabalho

como falta de banheiros e água potável, a omissão no pagamento dos salários e demais verbas

trabalhistas ou seu pagamento exclusivamente in natura, a completa ausência de

equipamentos de proteção individual (EPIs), e ainda, a submissão de pessoas totalmente

inválidas ao trabalho.

UMA REDE EMPRESARIAL ÉTICA E DE SOLIDARIEDADE PARA REDUZIR O

TRABALHO ESCRAVO NO BRASIL

COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 36 - Sustentabilidade Econômica e Social em Face à Ética e ao Direito

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O ingresso da empresa em um ambiente sustentável exige dela a adoção de

estratégias que a coloquem em posição paradigmática de ética empresarial. Para tanto, além

de cumprir os deveres jurídicos, deve participar de uma rede em favor da sustentabilidade em

sentido econômico, ambiental e social.

Tal postura é possível na medida em que poderá tomar atitudes com seus

stakeholders, inclusive formando a rede para a eliminação do trabalho escravo no Brasil.

Faz sentido recordar que o termo stakeholder, ou detentor de interesses, foi cunhado

pelo professor R. Edward Freeman, na obra Strategic management: a stakeholder approach

de 1984, que o definiu como qualquer pessoa que seja afetada, ou possa ser afetada, pelo

desempenho de uma organização. (2007, p. 65). É de bom tom explicar que stakeholder é

termo mais amplo que shareholder, que faz alusão somente aos sócios e acionistas da

empresa.

Atualmente o judiciário brasileiro possui uma ferramenta eficaz para o combate ao

trabalho escravo. Trata-se do cadastro de empregadores que mantiveram trabalhadores em

condições análogas às de escravo. Cumulam casos da aplicação desse cadastro no campo

prático, a exemplo cita-se o RO n° 38000-59.2007.5.16.0000,14 publicado em 25/02/2011 pelo

Relator Ministro Luiz Philippe Vieira de Mello Filho, e o RR n° 87200-64.2005.5.16.0013,15

publicado em 26/11/2010 pelo Relator Ministro Horácio Raymundo de Senna Pires.

Assim, a Portaria n° 540/2004 do Ministério do Trabalho e Emprego, determinou a

criação e divulgação do cadastro com o nome dos empregadores autuados pela fiscalização

daquele órgão, por explorarem trabalhadores em condições análogas às de escravo.

Na última atualização do cadastro, realizada em 28 de dezembro de 2012, constavam

410 nomes, tanto de pessoas físicas como de pessoas jurídicas, indicando 56 inclusões e 31

exclusões. Os procedimentos de inclusão e exclusão são determinados pela Portaria

Interministerial nº 2/2011, a qual impõe a inclusão do nome do infrator no cadastro após

decisão administrativa final relativa ao auto de infração. Por sua vez, as exclusões derivam do

monitoramento, direito ou indireto, pelo período de 2 (dois) anos da data da inclusão do nome

do infrator no cadastro, a fim de verificar ou não a reincidência na prática de “trabalho

escravo” e do pagamento de multas resultantes da ação fiscal (PORTARIA..., 2013).

Um relatório publicado no mês de julho de 2012, pelo Escritório da OIT no Brasil

(ORGANIZAÇÃO INTERNAC..., 2012), nomeado “Perfil do Trabalho Decente no Brasil”,

registrou avanços significativos em diversas áreas do trabalho decente nos anos recentes, mas

ressalta que ainda persistem inúmeros desafios, como o caso da conduta de tratar as pessoas à

condição de escravo.

COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 36 - Sustentabilidade Econômica e Social em Face à Ética e ao Direito

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Neste relatório verificam-se dados concretos entre os anos de 2008 e 2011, em que

13.841 trabalhadores foram resgatados de situações de trabalho análogo ao de escravo pelo

Grupo Especial Móvel de Fiscalização. A região Centro-Oeste respondia pelo maior número

de pessoas libertadas (3.592) nesse período (26% do total nacional). Quatro estados

concentravam quase a metade (6.454 ou 46,6%) do total de pessoas libertadas: Pará (1.929 ou

13,9%), Goiás (1.848, ou 13,4%), Minas Gerais (1.578, ou 11,4%) e Mato Grosso (1.099, ou

7,9%).

Diante dos julgados dos tribunais, de dados do relatório da OIT, da legislação acerca

da matéria e dos demais dados e informações acima colacionados, não há justificativa para

que as empresas não se posicionem diante de tal cenário. Devem elas, além de tratar seu

público interno com dignidade e no percalço da legislação trabalhista, expurgar a conduta de

submissão de pessoas ao trabalho escravo, agindo da melhor maneira que estiver ao seu

alcance, utilizando-se do poder econômico, de compra e venda e negociação.

Nesse diapasão, as empresas unificar-se-iam ao movimento em rede por meio dos

stakeholders, ou seja, as pessoas que se interagem com ela, para fomentar a cultura da

sustentabilidade, internalizando o respeito e a valorização do trabalho humano. Ademais, se

abster-se-iam de realizar transações econômicas e negociações com aqueles que estiverem no

cadastro do MTE ou que de qualquer forma tenham submetido trabalhadores a condições

análogas à de escravo.

As empresas que assim agem contribuem para consolidar uma nova postura

empresarial, comandada pela Responsabilidade Social, conceituada por Estigara, Pereira e

Lewis (2009, p. 10), como:

A postura da empresa, norteada por ações que contribuem para a melhoria da qualidade de vida da sociedade, realizadas em decorrência da atenção proporcionada aos interesses das partes com as quais interage (stakeholders), como acionistas, funcionários, prestadores de serviços, fornecedores, consumidores, comunidade, governo, a fim de, por meio de sua atividade, satisfazê-los.

O World Business Council for Sustainable Development (WBCSD),16 em português,

Conselho Empresarial Mundial para o Desenvolvimento Sustentável, é uma associação global

liderada por dirigentes de cerca de 200 empresas, que atua exclusivamente na relação entre

empresas e desenvolvimento sustentável. O Conselho oferece uma plataforma para que as

empresas explorem o desenvolvimento sustentável, compartilhem conhecimento, experiências

e as melhores práticas, e advoga posições empresariais sobre essas questões em uma

COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 36 - Sustentabilidade Econômica e Social em Face à Ética e ao Direito

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variedade de fóruns, trabalhando junto a governos e a organizações não-governamentais e

intergovernamentais.

De modo conceitual, para Patrícia Almeida Ashley (2005, p. 6-7):

[...] a responsabilidade social pode ser definida como o compromisso que uma organização deve ter com a sociedade, expresso por meio de atos e atitudes que a afetem positivamente, de modo amplo, ou a alguma comunidade, de modo específico, agindo proativamente e coerentemente no quer tange a seu papel específico na sociedade e a sua prestação de contas para com ela. A organização, nesse sentido, assume obrigações de caráter moral, além das estabelecidas em lei, mesmo que não diretamente vinculadas a suas atividades, mas que possam contribuir para o desenvolvimento sustentável dos povos. Assim, numa visão expandida, a responsabilidade social é toda e qualquer ação que possa contribuir para a melhoria da qualidade de vida da sociedade.

Na visão de Fábio Risério Moura de Oliveira (2002, p. 204):

É a inserção da empresa na sociedade como agente social e não somente econômico. Ter responsabilidade social é ser uma empresa que cumpre seus deveres, busca seus direitos e divide com o Estado a função de promover o desenvolvimento da comunidade; enfim, é ser uma empresa cidadã que se preocupa com a qualidade de vida do homem em sua totalidade.

Além da geração de riquezas, insta salientar que as empresas devem voluntariamente

aceitar suas responsabilidades para com a sociedade, conforme preleciona Domingo García-

Marzá (GARCÍA-MARZÁ, 2004). Para ele a empresa deve reconhecer que não é um

instrumento neutro, ditada somente a atuar em conformidade com a lei em benefícios

especificamente privados, mas uma realidade social que responde à consecução de

determinadas tarefas e objetivos sociais, devendo assumir a responsabilidade pelo

cumprimento de tais fins.

CONCLUSÃO

O desenvolvimento sustentável hoje deve ser considerado em três três dimensões, a

econômica, a ambiental e a social. Nesta pesquisa o enfoque foi para enaltecer a importância

da sustentabilidade social nas relações de trabalho. Ou seja, garantir aos trabalhadores

condições dignas de trabalho que compreende, entre outros aspectos, ambiente laboral

adequado, respeito à Constituição, aos Tratados Internacionais e às leis do trabalho.

COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 36 - Sustentabilidade Econômica e Social em Face à Ética e ao Direito

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A ordem normativa brasileira, adequando-se aos paradigmas internacionais, filia-se à

defesa do trabalho decente conceituado pela OIT, que condena o trabalho escravo. Neste

sentido as sanções são de ordem constitucional com a desapropriação de propriedade (Art.

184 e seguintes, da CF/88), além da punição de natureza penal (Art. 149, do CP), para quem

recorrer a imposição de conduta análoga à condição de escravo.

Infelizmente, tais sanções não são suficientes para intimar as pessoas que

insistentemente, são atores da milenar conduta de escravizar o próximo. São inúmeras as

denúncias e constatações, no Brasil, conforme julgamentos judiciais que indicam apenas

formas diferente de escravizar, entre elas a escravidão por dívida, a ausência severa de higiene

no ambiente de trabalho com falta de banheiros e água potável, a omissão no pagamento dos

salários e demais verbas trabalhistas ou seu pagamento exclusivamente in natura, a completa

ausência de equipamentos de proteção individual (EPIs), e ainda, a submissão de pessoas

totalmente inválidas ao trabalho e a agressividade dos agenciadores.

Na função fiscalizadora, o Ministério do Trabalho e do Emprego, apontam que o

trabalho escravo é recorrente nas propriedades rurais. Nos termos da atuação do Ministério do

Trabalho e do Emprego (MTE), no período de 2008-2011, Centro-Oeste respondia pelo maior

número de pessoas libertadas 3.592 trabalhadores, 26% do total nacional. Outros quatro

Estados concentravam quase a metade (6.454 ou 46,6%) do total de pessoas libertadas: Pará

(1.929 ou 13,9%), Goiás (1.848, ou 13,4%), Minas Gerais (1.578, ou 11,4%) e Mato Grosso

(1.099, ou 7,9%). No entanto, a imprensa nacional noticia este tipo de mão de obra, também,

nas atividades econômicas urbanas, demonstrando a importância desta temática.

Além da atual atuação estatal intervindo no domínio econômico, inclusive na

propriedade rural, por meio da legislação, da fiscalização e da atuação jurisidicional, uma

proposta de Emenda Constitucional (PEC 248/01) que propõe a punição de expropriação da

propriedade no local onde for constatada a exploração de trabalho escravo (expropriação de

terras), revertendo a área ao assentamento dos colonos que já trabalhavam na respectiva gleba.

A esta forte intervenção estatal defende-se que as empresas sejam atores sociais na

luta pela erradicação da mão de obra escrava. Elas podem contribuir formando redes de

contatos (stakeholders), para organização de um movimento cívico no objetivo não mais

negociar ou eliminar da condição de fornecedores os proprietários de terras rurais que já

sofreram condenação ou mesmo que se encontrem no cadastro de pessoas físicas ou jurídicas

autuadas por exploração do trabalho escravo.

Uma das fontes de informação sobre escravidão é cadastro com o nome dos

empregadores autuados pela fiscalização do MTE, por explorarem trabalhadores em

COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 36 - Sustentabilidade Econômica e Social em Face à Ética e ao Direito

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condições análogas às de escravo. Em 28 de dezembro de 2012, constavam 410 nomes, tanto

de pessoas físicas como de pessoas jurídicas, indicando 56 inclusões e 31 exclusões. Os

procedimentos de inclusão e exclusão são determinados pela Portaria Interministerial nº

2/2011.

Em convergência com a questão debatida neste trabalho, a empresa será garantidora

da sustentabilidade se: i) internalizar conceitos éticos por meio da promoção de trabalho

decente ao seu próprio público interno (trabalhadores); e, sobretudo se: ii) dialogar com as

demais partes interessadas (stakeholders), criando-se uma verdadeira rede de contato

conforme exposto fazendo parte desta união imprescindível para alcançar a efetividade

jurídica e moral de respeito humano.

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1 A notícia traz, entre outras informações, que o MTE resgatou 2.271 pessoas submetidas a trabalho escravo até o

dia 29 de dezembro, em 158 operações em 2011. Foram pagos mais de R$ 5,4 milhões em indenizações trabalhistas, e inspecionados 320 estabelecimentos. Desde 1995 a 2011, já foram resgatados 41.451 trabalhadores em todo o país num total de 1.240 operações. Os setores que mais utilizam mão de obra escrava são o de produção de commodities, desmatamento, usinas de cana de açúcar, no setor têxtil e mineração. O estado do Pará e o do Mato grosso são os campeões em trabalho escravo e semiescravo, que é muito utilizado no desmatamento dessas regiões. Disponível em <http://www.portogente.com.br/texto.php?cod=60928>. Acesso em 16.mar.2013.

2 Art. 1º. A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: I - a soberania; II - a cidadania; III - a dignidade da pessoa humana; IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa; V - o pluralismo político.

3 Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:

4 Art. 193. A ordem social tem como base o primado do trabalho, e como objetivo o bem-estar e a justiça sociais. 5 Artigo XXIII - 1.Toda pessoa tem direito ao trabalho, à livre escolha de emprego, a condições justas e

favoráveis de trabalho e à proteção contra o desemprego. 2. Toda pessoa, sem qualquer distinção, tem direito a igual remuneração por igual trabalho. 3. Toda pessoa que trabalhe tem direito a uma remuneração justa e satisfatória, que lhe assegure, assim como à sua família, uma existência compatível com a dignidade humana, e a que se acrescentarão, se necessário, outros meios de proteção social. 4. Toda pessoa tem direito a organizar sindicatos e neles ingressar para proteção de seus interesses.

6 Artigo XXIV - Toda pessoa tem direito a repouso e lazer, inclusive a limitação razoável das horas de trabalho e férias periódicas remuneradas.

7 Artigo XXV - 1. Toda pessoa tem direito a um padrão de vida capaz de assegurar a si e a sua família saúde e bem estar, inclusive alimentação, vestuário, habitação, cuidados médicos e os serviços sociais indispensáveis, e direito à segurança em caso de desemprego, doença, invalidez, viuvez, velhice ou outros casos de perda dos meios de subsistência fora de seu controle. 2. A maternidade e a infância têm direito a cuidados e assistência especiais. Todas as crianças nascidas dentro ou fora do matrimônio, gozarão da mesma proteção social.

8 ARTIGO 6 - Direito ao Trabalho. 1. Toda pessoa tem direito ao trabalho, o que inclui a oportunidade de obter os meios para levar uma vida digna e decorosa através do desempenho de atividade lícita, livremente escolhida ou aceita. 2. Os Estados-Partes comprometem-se a adotar medidas que garantam plena efetividade do direito ao trabalho, especialmente as referentes à consecução do pleno emprego, à orientação vocacional e ao desenvolvimento de projetos de treinamento técnico-profissional, particularmente os destinados aos deficientes. Os Estados-Partes comprometem-se também a executar e a fortalecer programas que coadjuvem o adequado atendimento da família, a fim de que a mulher tenha real possibilidade de exercer o direito ao trabalho. ARTIGO 7 - Condições Justas, Eqüitativas e Satisfatórias de Trabalho. Os Estados-Partes neste Protocolo reconhecem que o direito ao trabalho, a que se refere o artigo anterior, pressupõe que toda pessoa goze desse direito em condições justas, eqüitativas e satisfatórias, para que esses Estados garantirão em suas legislações internas, de maneira particular: a) remuneração que assegure, no mínimo, a todos os trabalhadores condições de subsistência digna e decorosa para eles e para suas famílias e salário eqüitativo e igual por trabalho igual, sem nenhuma distinção; b) o direito de todo o trabalhador de seguir sua vocação e de dedicar-se à atividade que melhor atenda a suas expectativas, e a trocar de emprego, de acordo com regulamentação nacional pertinente; c) o direito do trabalhador a promoção ou avanço no trabalho, para o qual serão levados em conta suas qualificações, competência, probidade e tempo de serviço; d) estabilidade dos trabalhadores em seus empregos, de acordo com as características das industrias e profissões e com as causas de justa dispensa. Nos casos de demissão injustificada, o trabalhador terá direito a indenização ou a readmissão no emprego, ou a quaisquer outros benefícios previstos pela legislação nacional; e) segurança e higiene no trabalho; f) proibição de trabalho noturno ou em atividades insalubres ou perigosas para os menores de 18 anos e, em geral, de todo o trabalho que possa pôr em perigo sua saúde, segurança ou moral. No caso dos menores de 16 anos, a jornada de trabalho deverá subordinar-se às disposições sobre ensino obrigatório e, em nenhum caso, poderá constituir impedimento à assistência escolar ou limitação para beneficiar-se da instrução recebida; g) limitação razoável das horas de trabalho, tanto diárias quanto semanais. As jornadas serão de menor duração quando se tratar de trabalhos perigosos, insalubres ou noturnos; h) repouso, gozo do tempo livre, férias remuneradas, bem como pagamento de salários nos dias feriados nacionais. ARTIGO 8 Direitos Sindicais 1. Os Estados-Partes garantirão: a) o direito dos trabalhadores de organizar sindicatos e de filiar-se ao de sua escolha, para proteger e promover seus interesses. Como projeção deste direito, os Estados-Partes permitirão aos sindicatos formar federações e confederações nacionais e associar-se às já existentes, bem como formar organizações sindicais internacionais e associar-se à de sua escolha. Os Estados-Partes também permitirão que os sindicatos, federações e confederações funcionem livremente; b) o direito de greve. 2. O exercício dos direitos enunciados

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acima só pode estar sujeito às limitações e restrições previstas pela lei, que sejam próprias de uma sociedade democráticas e necessárias para salvaguardar a ordem pública e proteger a saúde ou a moral públicas, e os direitos ou liberdades dos demais. Os membros das forças armadas e da polícia, bem como de outros serviços públicos essenciais, estarão sujeitos às limitações e restrições impostas pela lei. 3. Ninguém poderá ser obrigado a pertencer a sindicato.

9 Íntegra do Acórdão disponível em: < http://www.oit.org.br/sites/all/forced_labour/brasil/documentos/sentenca_trabalho_escravo.pdf>. Acesso em 16.mar.2013.

10 Íntegra do Acórdão disponível em < http://www.oit.org.br/sites/all/forced_labour/brasil/documentos/proc_ro_4453_2003.pdf>. Acesso em 16.mar.2013.

11 Íntegra do Acórdão disponível em: <http://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/21591274/habeas-corpus-hc-5110-pa-0005110-9220124010000-trf1>. Acesso em: 16.mar.2013.

12 Disponível em: < https://aplicacao5.tst.jus.br/consultaProcessual/resumoForm.do?consulta=1&numeroInt=214487&anoInt=2010>. Acesso em 16.mar.2013.

13 Disponível em: < http://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/7441249/1353200400116008-ma-01353-2004-001-16-00-8-trt-16/inteiro-teor>. Acesso em 16.mar.2013.

14 Disponível em: < https://aplicacao5.tst.jus.br/consultaProcessual/consultaTstNumUnica.do?consulta=Consultar&conscsjt=&numeroTst=38000&digitoTst=59&anoTst=2007&orgaoTst=5&tribunalTst=16&varaTst=0000>. Acesso em 16.mar.2013.

15 Disponível em: < https://aplicacao5.tst.jus.br/consultaProcessual/consultaTstNumUnica.do?consulta=Consultar&conscsjt=&numeroTst=87200&digitoTst=64&anoTst=2005&orgaoTst=5&tribunalTst=16&varaTst=0013>. Acesso em: 16.mar.2013.

16 Informações colhidas do sítio eletrônico. Disponível em: < http://www.wbcsd.org/home.aspx>. Acesso em 16.mar.2013.

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A AUDIÊNCIA PÚBLICA AMBIENTAL E A SUA (INTER) RELAÇÃO COM A ORDEM ECONÔMICA À LUZ DE UM CAPITALISMO SUSTENTÁVEL

THE PUBLIC HEARINGS CONCERNING ENVIRONMENTAL ISSUES AND ITS (INTER) RELATIONSHIP WITH THE ECONOMIC ORDER THROUGH

THE SUSTAINABLE CAPITALISM PRISM

Karlla Maria Martini1

Patrícia Dittrich Ferreira Diniz2

RESUMO O presente artigo analisa o conceito, o desenvolvimento e as implicações da audiência pública, bem como, a sua (inter) relação com a ordem econômica à luz de um capitalismo sustentável. O capitalismo por si só já é extremamente degradante desde o seu surgimento, mas contextualizado na modernidade, coloca a sociedade em alerta máximo, pois na sua atual formação é insustentável e teria de ser reestruturado desde as suas bases para compatibilizar os direitos econômicos e socioambientais. Dessa forma, faz-se necessário e é possível, a construção de um capitalismo sustentável, através da releitura do princípio da ordem econômica, encontrando um ponto de equilíbrio na tensão dialética entre a proteção ambiental e o desenvolvimento econômico, e, a utilização da audiência pública com a participação concreta da sociedade civil organizada. A reestruturação do capitalismo no contexto do desenvolvimento sustentável será o fundamento da realização dos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil, previstos no artigo 3ºda Carta Magna. Palavras-chave: Audiência pública; ordem econômica; Capitalismo sustentável. ABSTRACT This article analyzes the concept, development and implication of public hearing and its (inter) relationship with the economic order through the sustainable capitalism prism. Capitalism in itself is extremely degrading since its inception, but contextualized in modernity, the society puts on high alert, because in its current formation it is unsustainable and would have to be restructured since their bases to reconcile economic and environmental rights. It’s necessary and it’s possible to build a sustainable capitalism through the reinterpretation of the principle of economic order, finding a balance in dialectical tension between environmental protection and economic development, and the use of public hearing with the participation the civil society organizations. The restructuring of capitalism in the context of sustainable development will be foundation for achieving the fundamental objectives of the Federal Republic of Brazil, under article 3 of the Constitution. Keywords: Public hearings; economic order; sustainable Capitalism.

1 Advogada, Especialista em Direito Processual Civil, Mestranda em Direito Empresarial e Cidadania no UNICURITIBA. E-mail: [email protected] 2 Advogada, Membro da Comissão de Assédio Moral e Conselho de Orientação e Ética, todos na Companhia Paranaense de Energia - Copel, Especialista em Direito Tributário e Direito do Trabalho, Mestranda em Direito Econômico e Socioambiental na PUC/PR. E-mail: [email protected].

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INTRODUÇÃO

O artigo 225 caput da Carta Magna dispõe que é obrigação tanto do Poder Público

como dos cidadãos a preservação do meio ambiente, para as presentes e futuras gerações,

sendo a audiência pública um instrumento viabilizador da participação da sociedade civil

organizada nas discussões sobre o meio ambiente.

A audiência pública é realizada no processo administrativo de licenciamento

ambiental de empreendimentos de significativo impacto ambiental e retrata a consagração do

princípio da participação popular ou princípio democrático delineado no artigo 1º, § 1º único

da Constituição da República Federativa do Brasil, além de ir ao encontro direto do objetivo

perseguido pelo artigo 225 da referida Constituição.

Para que o dito instrumento participativo seja efetivo, resta necessária a aplicação do

princípio da publicidade, ou seja, seja anunciado em editais e pela imprensa, e seja realizado

em local de fácil acesso, possibilitando uma participação expressiva.

Entretanto, a publicidade por si só, não é suficiente para alcançar o resultado

esperado pelo artigo 225 da Carta Magna, é preciso ainda que todas as contribuições recebidas

na audiência pública sejam analisadas, e se possível atendidas, apesar da sua natureza apenas

consultiva e não deliberativa.

Tal contribuição popular é essencial e colabora para a defesa do meio ambiente como

princípio da ordem econômica, eis que a Carta Política confere atributos econômicos, mas de

igual forma ecológicos e sociais como princípios gerais que deverão nortear toda e qualquer

atividade econômica.

O inter-relacionamento entre o contido no artigo 225 e 170 da Constituição Federal,

embora pareça óbvio, dada a necessidade de compreensão do sistema constitucional em seu

conjunto e não por meio de normas isoladas, é preciso ir além da intranormatividade,

enxergando-se uma relação entre os elementos do “mundo da vida” que compõem cada uma

destas normas.

E é exatamente sob este prisma que há a necessidade da construção de um

Capitalismo sustentável para a realização dos objetivos fundamentais da República Federativa

do Brasil, previstos no artigo 3º da Carta Magna.

Diante desta explanação, o presente artigo tem por finalidade apresentar o conceito, o

desenvolvimento e as implicações da audiência pública, bem como, a sua (inter) relação com

a ordem econômica à luz de um capitalismo sustentável, e, para tanto, far-se-á uma análise

bibliográfica, através do estudo de livros, legislações, normas e tratados internacionais,

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doutrinas, artigos, teses, e, após, a coleta de todos os dados, exibir-se-á os posicionamentos

diversos, tanto de autores nacionais e internacionais, como de legislações brasileiras e normas

internacionais, verificando a possibilidade da construção de um capitalismo sustentável e a

utilização da audiência pública e de uma releitura do princípio da ordem econômica neste

contexto, para a concreta defesa do meio ambiente.

1 AUDIÊNCIA PÚBLICA AMBIENTAL E A CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA

FEDERATIVA DO BRASIL

O artigo 225 caput da Carta Magna dispõe que é obrigação tanto do Poder Público

como dos cidadãos a preservação do meio ambiente, para as presentes e futuras gerações.

O direito constitucional a um ambiente ecologicamente equilibrado constitui-se como

um direito típico de terceira dimensão, portanto, um direito difuso e metaindividual.

É irrefutável, pois, que o meio ambiente sadio tem natureza de direito fundamental, a

despeito de não estar contemplado no rol dos direitos fundamentais previstos no Título II da

Constituição da República.

Como bem observado por TESSLER:

Como pressuposto para a sadia qualidade de vida humana, ganha outra importância: passa a ser reconhecido como direito fundamental, condição para que o indivíduo se realize como “ser humano”. Busca-se um resgate de valores. A dignidade da pessoa humana transforma-se na razão de existência de todos os demais valores. Anuncia-se um novo senso moral a nortear a sociedade. (...) A configuração do direito ao meio ambiente como direito fundamental tem como justificativa viabilizar sua utilização como instrumento de consagração do direito à vida. (2004, p. 76)

Assim, a possibilidade de sua concretização, na qualidade de um direito difuso, exige

uma nova forma de cooperação e integração dos responsáveis pela sua implementação. Nesse

sentido, a participação da sociedade civil organizada deve ser vista como um complemento à

necessária atuação dos órgãos públicos em relação ao meio ambiente. (PADILHA, 2012, p.

54).

Como exemplo de instrumentos que buscam viabilizar esta participação da sociedade

civil organizada nas discussões sobre o meio ambiente está a audiência pública, realizada no

processo administrativo de licenciamento ambiental de empreendimentos de significativo

impacto ambiental.

Não é outro o entendimento de DERANI:

O ordenamento jurídico tem se aprimorado, estabelecendo instâncias específicas para maior comunicação da base administrativa (Estado) com seus administrados. Não tem outra aspiração o preceito do art. 225, ao impor ao Poder Público e à coletividade o dever de preservar e defender o meio ambiente para as presentes e

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futuras gerações. O desdobramento deste dever comum de preenchimento do mandamento explicitado no art. 225 pode ser vivenciado, por exemplo, nos conselhos nacionais e estaduais do meio ambiente, também com a previsão de audiência pública para tratar de decisões da administração, ou através do exercício do direito de representação e do direito à informação dos procedimentos administrativos. (2008, p. 213).

Além disso, tal dispositivo indica expressamente a existência de um dever do Poder

Público adotar medidas administrativas com vistas à proteção do meio ambiente.

Isso é reforçado pelo contido no artigo 23 da Magna Carta, o qual disciplina a

competência comum da União, dos Estados e do Distrito Federal e dos Municípios para

proteger o meio ambiente e combater a poluição em qualquer de suas formas, consoante

disposto em seu inciso V, assim como preservar as florestas, faunas e a flora nos exatos

termos do inciso VII.

Ao promover a análise do artigo 225 da Constituição FIORILLO (2011, p. 58-65)

aponta a existência de quatro aspectos fundamentais no que se refere ao conteúdo de tal

preceito constitucional. Dentre eles destaca a defesa e a preservação do direito ao meio

ambiente ecologicamente equilibrado para as presentes e futuras gerações. Quanto a tal

aspecto assim manifesta-se o autor:

A Carta de 1988, ao garantir pela primeira vez na história constitucional brasileira um direito direcionado às presentes e às futuras gerações, apontou para a necessidade de se assegurar a tutela jurídica do meio ambiente, não só em decorrência da extensão de tempo médio entre o nascimento de uma pessoa humana e o nascimento de seu descendente (dentro de sua estrutura jurídica, fundamentada na dignidade da pessoa humana), mas também em razão da concepção de geração como grupo de organismos que têm os mesmos pais ou, ainda, como grau ou nível simples numa linha de descendência direta, ocupada por indivíduos de uma espécie, que têm um ancestral em comum e que estão afastados pelo mesmo número de crias de seu ancestral. (2011, p. 64).

Contudo, o artigo 225, caput da Constituição além de consagrar o direito ao meio

ambiente ecologicamente equilibrado a todos os cidadãos, impõe também à coletividade o

dever de defender e preservar o meio ambiente para as presentes e futuras gerações.

Isto nada mais é do que a consagração do princípio da participação popular ou

princípio democrático, o qual encontra salvaguarda no artigo 1°, § único da Carta de 1988.

ANTUNES muito bem discorre acerca do princípio democrático e sua escorreita

relação com as causas ambientais:

O princípio democrático assegura aos cidadãos o direito de, na forma da lei ou regulamento, participar das discussões para a elaboração das políticas públicas ambientais e de obter informações dos órgãos públicos sobre matéria referente à defesa do meio ambiente e de empreendimentos utilizadores de recursos ambientais e que tenham significativas repercussões sobre o ambiente, resguardado o sigilo

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industrial. No sistema constitucional brasileiro, tal participação faz-se por várias maneiras diferentes, das quais merecem destaque: (i) o dever jurídico de proteger e preservar o meio ambiente; (ii) o direito de opinar sobre as políticas públicas, através de: a) participação em audiências públicas, integrando os colegiados etc; b) participação mediante a utilização de mecanismos judiciais e administrativos de controle dos diferentes atos praticados pelo Executivo, tais como as ações populares, as representações e outros. c) as iniciativas legislativas que podem ser patrocinadas pelos cidadãos. A materialização do princípio democrático faz-se através de diversos instrumentos processuais e procedimentais. (2012, p. 27)

A audiência pública constitui-se como um dos principais instrumentos de

participação popular. Ela vem, portanto, ao encontro direto ao objetivo perseguido pelo

Constituinte no artigo 225 da Constituição da República, pois como parte integrante do

processo de licenciamento ambiental é o momento no qual se fará os esclarecimentos à

população sobre uma atividade potencialmente poluidora e será oportunizado à sociedade

discutir, questionar e encaminhar sugestões e dúvidas acerca do projeto ali apresentado.

No que se refere à participação popular na proteção ao meio foi editada a Resolução

CONAMA 001 de 23.01.1986, sendo que em seu artigo 11, § 2° dispôs:

Art. 11 (...)

§ 2° - Ao determinar a execução do estudo de impacto ambiental e apresentação do RIMA, o órgão estadual competente ou o IBAMA ou, quando couber, o Município, determinará o prazo para recebimento dos comentários a serem feitos pelos órgãos públicos e demais interessados e, sempre que julgar necessário, promoverá a realização de audiência pública para informação sobre o projeto e seus impactos ambientais e discussão do RIMA.

Ademais, a realização da audiência pública é disciplinada pela Resolução CONAMA

009 de 03.12. 1987. Segundo tal normativa embora a audiência pública não seja obrigatória

em todos os casos de licenciamento ambiental, ela poderá ser requerida pelos órgãos

ambientais sempre que julgue necessária, por entidades civis, pelo Ministério Público ou por

cinquenta ou mais cidadãos.

Outro princípio norteador de toda e qualquer audiência pública ambiental é o da

publicidade, previsto no artigo 225, § 1°, IV da Constituição da República, assim como nos

artigos 3° e 10 e da Resolução Conama 237/97.

Art. 3°. A licença ambiental para empreendimentos e atividades consideradas efetiva ou potencialmente causadoras de significativa degradação do meio ambiente dependerá de prévio estudo de impacto ambiental e respectivo relatório de impacto sobre o meio ambiente (EIA/RIMA), ao qual dar-se-á publicidade, garantida a realização de audiências públicas, quando couber, de acordo com a regulamentação.

Art. 10. O procedimento de licenciamento ambiental obedecerá às seguintes etapas: (...) V – Audiência Pública, quando couber, de acordo com a regulamentação pertinente.

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O fundamento está na tentativa de promover a participação do maior número de

pessoas, razão pela qual a realização da audiência pública deverá ser anunciada em editais e

pela imprensa, além do que o local escolhido para tanto deverá ser de fácil acesso.

Imperioso, ainda, que a mesma seja gravada em áudio e vídeo, bem como todas as

contribuições da população que sejam recebidas passem a integrar o processo de

licenciamento ambiental do projeto para posterior análise e, se possível, atendimento, mesmo

sendo a sua natureza consultiva e não deliberativa. Dependendo da localização geográfica ou

da complexidade do projeto, poderá ser realizada mais de uma audiência pública.

Para MOREIRA NETO (2001, p. 211) as vantagens da audiência pública são:

evidencia a intenção da Administração Pública de produzir a melhor decisão, galvaniza o

consenso em reforço da decisão que vier a ser tomada, manifesta o cuidado com a

transparência dos processos administrativos, renova permanentemente o diálogo entre agentes

eleitos e seus eleitores, presença de um forte conteúdo pedagógico, como técnica social de

acesso ao poder e ao exercício do poder.

Portanto, a tutela do meio ambiente pelo Poder Público erigida à preceito

constitucional fundamental, é irrenunciável. Constitui-se, à luz da Constituição da República,

um verdadeiro poder-dever atribuído não somente ao Estado, mas a cada um de nós.

Daí a importância da participação popular nas audiências públicas ambientais, pois, é

o momento em que a população contribuirá para a proteção e defesa do meio ambiente e para

a construção de políticas públicas sustentáveis e eficazes, exercendo a cidadania em sua

plenitude.

2 A DEFESA DO MEIO AMBIENTE COMO PRINCÍPIO DA ORDEM ECONÔMICA

Para que se possa trazer à baila o tema proposto, faz-se necessário compreender o

novo significado dado pela Constituição da República de 1988 à ordem econômica em

detrimento da clássica noção de Constituição Econômica, pois atribui a ela outros objetivos,

além daqueles meramente econômicos.

Para Vital Moreira a Constituição Econômica é:

Conjunto de preceitos e instituições jurídicas que, garantindo os elementos definidores de um determinado sistema econômico, instituem uma determinada forma de organização de funcionamento da economia e constituem, por isso mesmo, uma determinada ordem econômica, ou, de outro modo, aquelas normas ou instituições jurídicas, que, dentro de um determinado sistema e forma econômicos, garantem e (ou) instauram, realizam, uma determinada ordem econômica concreta. (1978, p. 41)

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Além disso, é preciso que se entenda o significado da expressão “ordem econômica”

empregada na Constituição de 1988.

DERANI (2008) ressalta que da análise do texto constitucional é possível depreender

duas abordagens para tal expressão: a primeira é de que a ordem econômica refere-se ao

conjunto de prescrições normativas que moldam e conforma as relações econômicas (mundo

do dever ser) e outra como um conjunto de práticas realizadas (mundo do ser).

Tal compreensão nada mais é do que aquela trazida por Eros Grau:

A expressão “ordem econômica” é incorporada à linguagem dos juristas, sobretudo – mas também do Direito – a partir da primeira metade deste século. Sob esse uso, de expressão nova, repousa, indiscutida – e como se fora indiscutível – a afirmação de que a ordem econômica (mundo do ser) do capitalismo foi rompida. Para tanto contribui, com enorme eficácia, a Constituição de Weimar, de 1919. Entre nós a referência a uma “ordem econômica e social”, nas Constituições de 1934 até a de 1967, com a Emenda n. 01, de 1969 – salvo a de 1937, que apenas menciona a “ordem econômica” – e a duas ordens, uma “econômica” e outra “social”, na Constituição de 1988, reflete de modo bastante nítido a afetação ideológica da expressão. O que se extrai da leitura despedida de senso crítico, dos textos constitucionais, é a indicação de que o capitalismo se transforma na medida em que assume um novo caráter, social. (2012, p. 64).

Este novo significado conferido à ordem econômica pela Constituição têm inúmeros

rebatimentos, inclusive no que respeita às formas de apropriação dos recursos naturais.

Segundo AYALA:

Esse novo significado proposto pela Constituição à ordem econômica define-a nos termos de uma economia social e ecológica de mercado. Nesta, o sentido das relações de produção e de apropriação sobre os recursos naturais passa a ser orientado por um conjunto de regras que complementam um sistema que vigia, até então, baseado na proteção da propriedade privada sobre os bens. (2008, p. 269)

Constata-se, portanto, que a Carta Política confere atributos econômicos, mas de

igual forma ecológicos e sociais como princípios gerais que deverão nortear toda e qualquer

atividade econômica, os quais são de indiscutível relevância para a finalidade de se atribuir

valor a determinado bem.

Neste sentido, o artigo 170 da Constituição ao definir a livre iniciativa como

fundamento da Ordem Econômica, impõe limites à mesma ao determinar a obrigação da

defesa do meio ambiente e a função social da propriedade como condicionantes à forma de

valoração dos bens que serão apropriados.

Estes princípios são os que definem uma modalidade diversa de apropriação dos bens

ao exigir que, ao tradicional sentido econômico, sejam incorporadas as dimensão ecológica e

social . Isso ocorre de maneira especial, com os bens ambientais.

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Apesar disso, é incontroversa a existência de uma tensão dialética permanente entre a

proteção ambiental e o desenvolvimento econômico, ou seja, na relação travada entre o meio

ambiente e a economia. Senão vejamos:

(...) a opção por uma perspectiva integrada – socioambiental – implica ainda maior (e mais complexa e tensionada) articulação com uma concepção de Constituição Econômica, que, portanto, não pode ser concebida como um núcleo isolado no contexto mais amplo da ordem constitucional. Em razão do forte conteúdo econômico inerente à utilização dos recursos naturais e, consequentemente, das pressões de natureza político-econômicas que permeiam, na grande maioria das vezes, as medidas protetivas do ambiente, Bessa Antunes pontua que não se pode entender a natureza econômica da proteção jurídica do ambiente como um tipo de relação jurídica que privilegie a atividade produtiva em detrimento de um padrão de vida mínimo que deve ser assegurado aos seres humanos, mas que a preservação e a utilização sustentável e racional dos recursos ambientais devem ser encaradas de modo a assegurar um padrão constante de elevação da qualidade de vida, sendo, portanto, o fator econômico encarado como desenvolvimento, e não como crescimento. (SARLET e FENTERSEIFER, 2011, p. 103).

A afirmação de que o fator econômico deverá ser visto como desenvolvimento e não

crescimento significa que o primeiro vai muito além do segundo.

Quanto a isso, valemo-nos das palavras de VEIGA:

Diz-se que uma geração inteira nunca viu o Brasil se desenvolver, pois já lá se vão mais de 25 anos, desde que a renda nacional por habitante parou de progredir. Essa é uma avaliação que desfruta de quase unanimidade entre analistas. E que foi até escolhida para abrir o manifesto “Por que Heloísa”, lançado na campanha eleitoral de 2006 por uma dúzia de personalidades, entre as quais vários dos melhores economistas inconformados. Mas é crucial que seja contestada, pois se apoia em ingenuidade sobre a relação que o desenvolvimento mantém com o crescimento econômico. (2007, p. 19).

Aliás, o direito ao desenvolvimento foi consagrado em 1986 pela ONU, através da

Declaração sobre o Direito ao Desenvolvimento, que em seu artigo 1° dispõe:

O direito ao desenvolvimento é um direito humano inalienável em virtude do qual toda pessoa humana e todos os povos estão habilitados a participar do desenvolvimento econômico, social, cultural e político, a ele contribuir e dele desfrutar, no qual todos os direitos humanos e liberdades fundamentais possam ser plenamente realizados.

Isto posto, verifica-se que o crescimento econômico por si só é insuficiente. Trata-se

tão somente de um dos elementos do desenvolvimento.

Tal entendimento também está presente no pensamento de Amartya Sen, citado por

Sarlet e Fenterseifer (2011, p. 104) ao identificar o desenvolvimento como expressão da

própria liberdade do indivíduo, de tal sorte que o mesmo deve necessariamente resultar na

eliminação da privação de liberdades substantivas (leia-se: bens sociais básicos, como, por

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exemplo, alimentação, tratamento médico, educação, água tratada ou saneamento básico), rol

que deve ser acrescido da qualidade do ambiente.

A maioria dos problemas socioambientais estão relacionados diretamente com o

crescimento da atividade econômica, de maneira indiscriminada, em escala mundial. Isso vem

sendo apontado por inúmeros estudiosos, em especial a partir de meados do século XX.

Portanto, pode-se afirmar que as ligações entre a economia e o meio ambiente são inúmeras,

além de bastante complexas e importantes.

FIORILLO, ao analisar criticamente os sistemas de avaliação ambiental

preconizados pela legislação pátria o faz sob a perspectiva da economia, concluindo que:

Na sua expressão mais simples, o meio ambiente e a produção estão relacionados porque a atividade econômica é dependente dos ativos ambientais, que é a fonte dos insumos de produção, tais como metais, minerais, solo, floresta e pesca e de energia, que processo todos os insumos. É o meio ambiente também que recebe todos os resíduos da atividade econômica que, por sua vez, deve dar-lhes destinação adequada e compatível com a capacidade de suporte do meio. (2011, p. 176).

Cabe aqui considerar que o modo de produção definido pela Carta da República de

1988 é o capitalista, baseado em relações de mercado. Por outro lado, o desenvolvimento

deste mercado está condicionado à garantia de um mínimo de serviços sociais e respeito ao

meio ambiente.

Trata-se, nas palavras de Derani (2008, p. 229) de uma “economia social de

mercado”. Ou, para Sarlet e Fensterseifer (2011, p. 105) um “capitalismo socioambiental” ou

“economia socioambiental de mercado”, expressão esta que nos filiamos no presente estudo,

considerando ser aquela que melhor representa a busca pela compatibilização da livre

iniciativa, autonomia e propriedade privada com proteção ambiental e a justiça social.

Para Derani (2008) a realização desta “economia social de mercado” responde pela

consecução dos princípios que norteiam a sociedade moderna e que estão previstos na

Constituição de 1988. Procura-se, assim, não privilegiar a liberdade em detrimento da

igualdade e fraternidade, respeitando-se a liberdade da iniciativa econômica privada mas sem

abdicar da busca pela diminuição das desigualdades sociais, valorização da dignidade

humana, justiça social e uso racional dos recursos naturais.

Já para SARLET e FENSTERSEIFER:

Com relação à pedra estruturante do sistema capitalista, ou seja, a propriedade privada, os interesses do seu titular devem ajustar-se aos interesses da sociedade e do Estado, na esteira das funções social e ecológica que lhe são inerentes. A ordem econômica constitucionalizada a partir (e essencialmente, no que diz com seus princípios diretivos) do art.170 da CF88, com base também nos demais fundamentos e objetivos constitucionais que a informam (por exemplo, os objetivos fundamentais

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da República elencados no artigo 3° da CF88), expressa uma opção pelo que se poderia designar de um capitalismo socioambiental (ou economia socioambiental de mercado) capaz de compatibilizar a livre iniciativa, a autonomia e a propriedade privada com a proteção ambiental e a justiça social (ou socioambiental!), tendo como norte normativo, “nada menos” do que a proteção e promoção de uma vida humana digna e saudável (e, portanto, com qualidade ambiental) para todos os membros da comunidade estatal. (2011, p. 104-105)

É importante observar que, como resposta às pressões ocorridas a partir de meados

do século passado, a expressão “economia social de mercado” passou a ser substituída por

“economia ecológica social de mercado” e é aplicada por respeitáveis autores alemães. Esta

última expressão nada mais é do que a economia socioambiental de mercado, pela qual busca-

se a integração de componentes ambientais à ordem econômica social a fim de diminuir a

oposição que muitos insistem em fazer entre economia, ecologia e direitos sociais.

STOBER citado por DERANI aponta algumas orientações para uma economia de

mercado que seja compatível com a proteção dos recursos naturais.

- precaução contra danos ecológicos: orientar uma prática econômica que tenha como pressuposto uma atitude de precaução concentrada numa prática de avaliação e planejamento, de modo a garantir a integridade do ambiente onde necessariamente terá de influir; - efetividade ecológica: a avaliação e o planejamento devem ser de tal forma realizados, de modo a trazer um verdadeiro efeito positivo ao equilíbrio dos ambientes naturais e uma melhora efetiva da qualidade de vida da sociedade (...); - reversibilidade e flexibilidade: os danos que eventualmente ocorram ou os prejuízo advindos ao ambiente pela prática econômica, devem ser reversíveis, ou seja, passíveis de reparação; - praticabilidade: é indispensável ao início de determinadas atividades econômicas uma avaliação de custo-benefício social, onde se relaciona o grau de impacto ambiental de uma atividade com os seus benefícios sociais, trazendo à discussão a própria necessidade e utilidade social de uma determinada prática econômica; - eficiência econômica: os custos das atitudes preventivas e minimizadoras de impactos ambientais não devem retirar da atividade a sua lucratividade; - conformidade ao sistema: todas as medidas a serem adotadas não devem levar a uma modificação estrutural do sistema de produção capitalista; - justiça distributiva (para as presentes e futuras gerações): a proteção dos recursos naturais é indissociável e, mesmo, é parte do objetivo de bem-estar dos integrantes de uma sociedade. As vantagens advindas com a modificação do modo de agir das atividades econômicas devem aproveitar a todos; Os benefícios sociais devem ser justamente distribuídos. (2008, p. 230-232)

É necessária uma abordagem e implementação destes tópicos, pois constituem a base

para o atendimento dos princípios constitucionais contidos no capítulo da Ordem Econômica

e no capítulo do Meio Ambiente, além dos objetivos da República Federativa do Brasil, nos

termos do artigo 3° da Constituição. Estes princípios deverão obrigatoriamente vincular as

condutas públicas e privadas quando na atuação econômica.

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Por isso, na linha defendida por DERANI (2008) não é possível enxergar o modo de

produção expresso na Constituição da República como simplesmente o modo de produção

capitalista adotado pelos demais Estados. O capitalismo nacional é reelaborado com

contornos próprios, constituindo-se como um “capitalismo social” ou para além disso, um

verdadeiro “capitalismo socioambiental”, pois inserto em um Estado de Direito

Socioambiental, no qual o desenvolvimento econômico encontra limites no interesse coletivo.

Diante do exposto, faz-se possível afirmar que o Estado de Direito Socioambiental

delineado pela Carta da República trouxe consigo, para além de um capitalismo social, um

capitalismo socioambiental orientado por uma economia de mercado voltada igualmente aos

preceitos socioambientais.

Não é outro o entendimento de SARLET e FENSTERSEIFER (2011) para quem a

proteção constitucional do meio ambiente deverá ser tomada a partir dos eixos econômico,

social e ambiental, os quais necessitam de aplicação isonômica e equilibrada.

Isto posto, pelo contido no artigo 170, VI a Constituição da República declara o

caráter integrativo entre a ordem econômica e o meio ambiente e reconhece a escorreita

relação entre direito econômico e direito ambiental.

Segundo DERANI (2008), os dois princípios – da livre iniciativa e do meio ambiente

ecologicamente equilibrado – são igualmente importantes para o atingimento da finalidade

essencial buscada pelo Constituinte: a da realização de uma existência digna.

Como muito bem apontado pela Autora:

Mesmo que intencionalmente o agente econômico não tenha em vista a consecução dos objetivos constitucionais, a manutenção da sua atividade econômica só se concebe à medida que garanta uma base natural de apropriação de seu investimento, bem como, mais extensivamente, reconheça a necessária satisfação do mercado consumidor decorrente de uma qualidade de vida mais elevada. Os princípios fundados na liberdade de agir econômico e na liberdade de dispor de um meio ambiente ecologicamente equilibrado exprimem a mesma força imperativa na Constituição Federal. Estes princípios se revelam, na realidade, não em contradição, como o simplismo imperante sugere, mas constituem inseparáveis aspectos de uma realidade que perece sem a manutenção do tensionamento entre tais valores. A liberdade não conhece limites. Estes são a sua negação. Entretanto, a atividade humana não se desenvolve num único interesse. Esta multiplicidade de tendências provoca um relacionamento tensionado entre as paixões. Disto decorre que as paixões só se transformam em ato, pela atividade de incorporação dos antagonismos, resolvendo-se em equilíbrio. Do contrário, o exercício de uma liberdade sem a necessária consideração do leque de faculdades aberto pela vida faz dessa paixão (pathos) uma patologia, e por isso destrói. (2008, p. 221-222).

Neste sentido, CARVALHO afirma que:

O Direito Ambiental propõe uma abordagem sistêmica na qual economia é vista não apenas como geradora de riqueza e a ecológica como mera proteção da natureza. Ao contrário, ambas, de igual modo, passam a ser essenciais para uma nova perspectiva

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da humanidade: a qualidade de vida (vida como saúde, física, mental e espiritual) como um dos direitos humanos fundamentais. (2000, p. 132)

É indubitável que o meio ambiente não pode ser entendido à parte das relações

sociais e humanas, além do que não se caracteriza como escopo das normas ambientais

impedir as transformações feitas pelo homem, sob a premissa da intocabilidade dos recursos

naturais. O que se pretende é disciplinar a forma e o grau de utilização dos bens ambientais,

regulando a tesão existente entre a livre iniciativa e a conservação do meio ambiente.

A Constituição Federal – não por outro motivo – define como princípio da Ordem

Econômica a defesa do meio ambiente, pois a sua implementação caracteriza-se como

condição indispensável para a própria continuidade das atividades econômicas e processos

produtivos delas decorrentes, mas, de maneira sustentável.

Ao lado dela, está a consagração constitucional do direito ao meio ambiente

ecologicamente equilibrado, o que, em uma análise hermenêutica significa o reconhecimento

da existência de limites às atividades e intervenções humanas no meio ambiente, atuando, as

normas ambientais, como reguladoras a fim de atenuar e disciplinar a relação entre utilização

dos recursos naturais e proteção dos direitos socioambientais.

DERANI, ao tratar da ordem econômica, da defesa do meio ambiente e do

desenvolvimento econômico bem pontua que:

Não se pode pensar em desenvolvimento da atividade econômica sem o uso adequado dos recursos naturais, posto que esta atividade é dependente do uso da natureza, para sintetizar de maneira mais elementar. Destarte, a elaboração de políticas visando ao desenvolvimento econômico sustentável, razoavelmente garantido das crises cíclicas, esta diretamente relacionada à manutenção do fator natureza da produção (defesa do meio ambiente) , na mesma razão da proteção do fator capital (ordem econômica fundada na livre iniciativa) e da manutenção do fator trabalho (ordem econômica fundada na valorização do trabalho humano). A consideração conjunta destes três fatores garante a possibilidade de atingir os fins colimados pela ordem econômica constitucional: assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social. É o que dispõe textualmente o caput do art. 170 (2008, p. 228-229).

Conclui a autora que o inter-relacionamento entre o contido no artigo 225 e 170 da

Constituição Federal, embora pareça óbvio dada a necessidade de compreensão do sistema

constitucional em seu conjunto e não por meio de normas isoladas, é preciso ir além da

intranormatividade, enxergando-se uma relação entre os elementos do “mundo da vida” que

compõem cada uma destas normas.

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3 A CONSTRUÇÃO DE UM CAPITALISMO SUSTENTÁVEL PARA A

REALIZAÇÃO DOS OBJETIVOS FUNDAMENTAIS DA REPÚBLICA

FEDERATIVA DO BRASIL.

A revolução científica nos séculos XVI e XVII intensificou a separação entre homem

e natureza, afirmando a racionalidade absoluta e a exclusão das impressões subjetivas nas

análises de qualquer estudo e pensamento, fator que ajudou a adormecer o anima mundi na

consciência dos indivíduos, mas o mesmo jamais poderia ser erradicado, pois faz parte da

nossa psique, e aos poucos, através da evolução da ciência holística e da involução do

reducionismo e do pensamento sistêmico, o sentimento do indivíduo como integrador de Gaia

será restaurado e haverá uma verdadeira concretização da transformação social e ambiental

que já começou a ocorrer. (HARDING, 2008, p. 33-41 e 66)

E é exatamente em razão desta separação entre homem e natureza, por não haver este

entendimento de que também fazíamos parte dela, é que por muito tempo a sociedade deixou

de se preocupar com os impactos do sistema capitalista na natureza, pois a visão era de que

esta nos servia e que a sua utilização, independente do modo, nos levaria ao pleno progresso

econômico.

Tal evolução deste pensamento deve-se à mudança de paradigma da sociedade,

principalmente quanto à concepção da física, ou seja, altera-se a visão mecanicista defendida

por Descartes e Newton, a qual modelou a sociedade moderna ocidental, passando para uma

visão holística ou ecológica. (CAPRA, 2004, p. 15-16)

Através desta nova visão de mundo não há mais como separar o homem da natureza,

muito menos mantê-lo num patamar mais elevado, pois a palavra de ordem agora é a

integração de ambos, conforme dita a filosofia moderna através do conceito de ecologia

profunda fundada por Arne Naess, sendo, portanto, o ser humano mais um “fio particular na

teia da vida”, nem mais, nem menos. (CAPRA, 2004, p. 16-17)

Destaca-se que a transformação social é perene, sendo tanto consciente quanto

inconsciente, e, quanto mais consciência a sociedade tiver da práxis, maior será a autonomia e

o controle crítico para impulsionar tais alterações, principalmente na sua relação integradora

com a natureza (MARTINI e DINIZ, 2012):

Nos termos de nosso modelo, podemos tomá-lo como indicadores de que um novo modo de transformação social está surgindo lentamente, dotando a sociedade de maior autonomia e controle autoconsciente, crítico e realista sobre o seu próprio destino. Parece ser a próxima mutação no eterno caminho que vai da existência cega, inteiramente objetivada dos povos primitivos, passando pela ingênua megalomania

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do poder e da razão humana, até a existência totalmente criativa e desperta da sociedade futura esperada, que viva em harmonia com a natureza, reconciliada com os limites do pensamento. Este é o caminho da emancipação história da agência humana. (SZTOMPKA, 1998, p. 390-391)

Enrique Leff sustenta que as transformações sociais não são decorrentes do acaso, e

no momento em que a coletividade tiver consciência que as suas próprias decisões podem

gerar mudanças significativas na história do planeta, haverá a verdadeira mutação social

(MARTINI e DINIZ, 2012):

A temporalidade é o ser dos processos e está na essência das coisas. A mudança de época é uma mutação histórica: a mudança, a transformação, já não são acidentes, mas a essência da determinação – mutações genéticas, emergência sistêmica, mudança social. A constante é a mudança. Hoje, estar no tempo não se define pela constância do objeto e o fim da história, mas pela mobilização do ser no tempo. O real estoura no limite das inércias de um mundo insustentável, reabrindo os potenciais da história. (LEFF, 2001, p. 415)

Por certo que “a expansão ilimitada num planeta finito só pode levar a

catástrofe”. Dessa forma o capitalismo causou uma enorme degradação ambiental, “não só

pelo aumento do impacto de suas operações sobre os ecossistemas do mundo, mas também

pela eliminação das leis de proteção ao meio ambiente e países e mais países. Em outras

palavras, a destruição ambiental não é somente um efeito colateral, mas um elemento

essencial da concepção do capitalismo global.” (CAPRA, 2006, p. 141-167)

E nesse contexto de modernidade a cidadania ambiental efetivamente exercida pelos

cidadãos, através da escolha de governantes atuantes e preocupados com a concretização do

Estado Socioambiental é que pode alterar e minimizar os impactos do sistema capitalista

sobre a natureza:

A cidadania só poderá ser exercida com a participação efetiva de cada indivíduo se o mesmo conhecer seus direitos, se tiver a conscientização da importância de sua participação, se tiver as informações necessárias para seu juízo de valor. A ignorância, o desconhecimento, leva à alienação e como conseqüência a inexistência de cidadania e isto, empobrece a democracia de uma nação. (BACELLAR, 2006, p. 389)

A educação ambiental exercida de maneira ampla e realista, divulgando exatamente

os riscos da manutenção das práticas atuais pela sociedade também possuem papel relevante,

principalmente como formador de opinião e transformadores de atitudes.

O Estado deve desempenhar uma verdadeira política ambiental avaliando os limites

econômicos e ecológicos de forma a preservar a vida na Terra. Não se pode esquecer que “a

escassez de recursos naturais é uma escassez social, fruto de uma específica forma de

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relação com a natureza. A sociedade, ou mais especificamente, o modo de produção social,

impõe seus próprios limites.” (DERANI, 2008, p. 144)

A opção entre manter o sistema de produção que temos atualmente, mesmo que

ultrapassando os limites ecológicos e sociais, e a aquisição de qualidade de vida, com a

diminuição de consumo e desperdício, cabe somente a cada indivíduo, e com o incentivo

constante do Estado, sendo esta a única forma de minimizar os impactos sobre a natureza

causados pelo capitalismo.

Dessa forma, para resguardar a vida no planeta terra é preciso extinguir ou

reestruturar o capitalismo? Para responder a tal questionamento devemos analisar a nossa

história nos seguintes moldes:

Devemos ser cuidadosos com o modo de entender a historicidade. Ela pode ser definida como o uso do passado para ajudar a moldar o presente, mas não depende de um respeito pelo passado. Pelo contrário, historicidade significa o conhecimento sobre o passado como um meio de romper com ele – ou, ao menos, manter apenas o que pode ser justificado de uma maneira proba. (GIDDENS, 1991, p. 49)

O fato é que o trabalho industrial em larga escala, fruto do capitalismo devorador,

gerou consequências desastrosas para a sociedade, tanto no aspecto social quanto no

ambiental, só que inicialmente houve uma grande preocupação com os trabalhadores, sendo

inexistente a apreensão com a questão ambiental, que foi surgir somente quando a degradação

já estava bastante acentuada.

Na verdade a destruição social e ambiental causada pelo capitalismo sempre andaram

juntas, mas por uma visão meramente progressista a maior parte da sociedade não observou as

consequências dos seus atos, ou então preferiu fechar os olhos para privilegiar o progresso,

sem se dar conta que estava causando a sua própria destruição.

Muitos autores como Serge Latouche e Pior Sztompka afirmam que poderíamos

viver fora do sistema capitalista, mas seria inimaginável, pois possuímos uma racionalidade

capitalista e não conseguimos nos imaginar vivendo fora deste sistema. (LATOUCHE, 2009 e

SZTOMPKA, 1998)

Para que tal hipótese fosse factível tal mudança deveria se dar de forma gradual e

espontânea, sob pena de criar um colapso. Na verdade a mudança deve ocorrer de dentro para

fora, e jamais ser imposta, as pessoas devem compreender e buscar o real motivo da saída do

sistema capitalista e querer arcar com a nova realidade, como uma verdadeira transformação.

David Harvey afirma que o mundo não consegue lidar com uma economia estática,

porque o homem não consegue viver num mundo sem transformação, ele está sempre

buscando a novidade, mas pode viver com uma economia de crescimento zero, pois o

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importante é o desenvolvimento e não o crescimento. Crescimento zero não significa ausência

de mudança, mas apenas alteração de foco para outros objetivos que não somente a economia,

e foi exatamente a ausência dessa liberdade de buscar a transformação que impediu o

crescimento e a manutenção do comunismo. (HARVEY – ENTREVISTA ACESSADA EM

2012)

Serge Latouche defende o decrescimento que em resumo é uma crítica a lógica do

crescimento pelo crescimento, da acumulação pela acumulação, ao consumo exacerbado que

nos é imposto através da publicidade e que nos faz trabalhar cada vez mais, correndo contra o

tempo, muitas vezes degradando a natureza, enquanto deveríamos trabalhar, consumir e

acumular menos, e contemplar mais a natureza, as artes, aproveitar melhor o nosso tempo

para adquirir e trocar conhecimento, conviver mais com a família e com os amigos, sempre

respeitando a diversidade. (LATOUCHE, 2009)

De qualquer forma, o capitalismo na sua atual formação é insustentável e teria de ser

reestruturado desde as suas bases para compatibilizar os direitos econômicos e

socioambientais. (CAPRA, 2006, p. 141-167)

O passo inicial para uma transformação concreta é o efetivo exercício da democracia,

através da eleição apropriada de governantes, pois eles podem operar como um arquiteto de

escolhas, que “tem a responsabilidade de organizar o contexto no qual as pessoas tomam

decisões”, é o denominado empurrão para a escolha certa. (THALER, 2009, p. 3 e 4)

Tal pensamento decorre do paternalismo libertário3, espécie de paternalismo brando

e não-instrusivo, consistente em orientação e jamais em ordem, pois tal tende a alterar “o

comportamento das pessoas de maneira previsível sem proibir nenhuma opção nem mudar

significativamente seus incentivos econômicos. (...) Ao utilizar adequadamente tanto

incentivos quanto cutucadas, podemos aprimorar nossa capacidade de melhorar a vida das

pessoas, e ajudar a resolver muitos dos principais problemas da sociedade. E podemos fazer

isso insistindo, ao mesmo tempo, na liberdade de escolha de todos.” (THALER, 2009, p. 6 e

9)

Essa orientação correta é essencial, pois pode inclusive trazer uma mudança cultural

e/ou política:

3 “Em suma o paternalismo libertário não é nem de direita nem de esquerda, nem democrata nem republicano. Em muitas áreas, os democratas mais criteriosos estão superando seu entusiasmo por programas que eliminam opções. Em muitas áreas, os republicanos mais criteriosos estão abandonando sua oposição automática a iniciativas governamentais construtivas. Apesar de todas as suas diferenças, esperamos que os dois lados estejam dispostos a convergir no apoio a algumas leves cutucadas.” In THALER, Richard H. NUDGE: o empurrão para a escolha certa. Aprimore suas decisões sobre saúde, riqueza e felicidade. Tradução de Marcello Lino. Rio de Janeiro: Elsevier, 2009, p. 15.

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O quadro que emerge é o de pessoas estão ocupadas tentando dar conta de um mundo complexo, em que não podem se dar ao luxo de pensar profundamente sobre todas as escolhas que têm de fazer (...) elas aceitam as perguntas da maneira como são feitas, em vez de tentar determinar se suas respostas seriam diferentes com formulações alternativas. (THALER, 2009, p. 40)

É importante mencionar que as pessoas tendem a copiar o comportamento de outras

pessoas, sem muitos questionamentos, e, se um determinado comportamento gerar degradação

ambiental e social, ele não será um, mas em pouco tempo, vários, por isso é necessário fazer

as perguntas corretas e informar o que os outros estão fazendo com o intuito de obter um

resultado satisfatório, podemos ver este exemplo bem claro em Curitiba - Paraná, conhecida

como uma das cidades mais limpas do Brasil, e, o motivo de tal prêmio foram escolhas

realizadas no passado que incutiu no curitibano o orgulho de viverem numa cidade limpa,

verde, planejada e que separa o lixo que não é lixo, sentimento perene até hoje.4

O segundo passo para realizar uma verdadeira reestruturação no sistema capitalista é

focar no conceito de “desenvolvimento como liberdade” proposto por Amartya Sen, no qual

4 “ Coleta do Lixo que não é Lixo aumenta 192% em 5 anos Publicado em: 17/11/2010 14:29:00 De 7.662 toneladas em 2005, os caminhões do Lixo que não é Lixo fecharão 2010 com 22.419 toneladas de lixo reciclável recolhidas. A coleta de lixo reciclável em Curitiba aumentou 192% nos últimos cinco anos. De 7.662 toneladas em 2005, os caminhões do programa Lixo que não é Lixo, da Prefeitura, coletaram 22.419 toneladas em 2009, número que vem se mantendo em 2010. A coleta seletiva voltou a aumentar em Curitiba depois do lançamento da campanha SE-PA-RE, na primeira metade de 2006, e que permanece até hoje nos ônibus e mobiliário urbano da cidade. "A campanha motiva os curitibanos a separar mais o lixo, e faz com que as pessoas se lembrem que também tem responsabilidades com o meio ambiente e com a cidade”, destaca o secretário municipal do Meio Ambiente, José Antonio Andreguetto. O Lixo que não é Lixo faz a coleta seletiva porta a porta em 100% do território da cidade, numa frequência que varia de uma a três vezes por semana, dependendo da região. A Prefeitura tem ainda outros programas de incentivo à separação de lixo, como o Câmbio Verde, que faz a troca de lixo reciclável por hortifrutigranjeiros nas áreas mais periféricas da cidade. O Câmbio Verde também aumentou a coleta depois que a Prefeitura acrescentou 36 novos pontos, somando atualmente 90 locais com a participação média de 7.259 pessoas, e coleta de aproximadamente 310 toneladas de resíduos recicláveis por mês, e entrega de 77.500 quilos de alimentos. “A cidade cresceu e os programas já consolidados devem se expandir para atender a demanda”, explica Andreguetto. Outro saldo positivo foi a coleta de óleo de cozinha usado, serviço de coleta seletiva lançado em fevereiro de 2007 pela Secretaria Municipal do Meio Ambiente. O serviço é oferecido nos 24 terminais de ônibus, junto com a coleta de resíduos especiais, e também no Câmbio Verde. Nos terminais, a Prefeitura recolhe 4.500 litros por ano, e no Câmbio Verde, cerca de 14 mil litros. Além de evitar que o óleo usado seja descartado de forma inadequada e contamine o meio ambiente, o novo serviço da Prefeitura beneficia famílias cadastradas no Câmbio Verde, programa de recolhimento de lixo reciclável. Todo material é encaminhado à Usina de Valorização de Rejeitos, administrada e mantida pelo Instituto Pró-Cidadania de Curitiba. Depois de separado por tipo, os materiais são vendidos para indústrias que transformam o lixo em matéria prima e novos produtos. A renda é revertida para ações sociais. O papel é campeão de separação, 37% de todo o lixo reciclável que segue para a Usina. Depois, 23% de plástico, 20% de vidro, 14% metais e 4% de embalagens longa vida (tetra pack), entre outros.” Matéria extraída do site: http://www.curitiba.pr.gov.br/noticias/coleta-do-lixo-que-nao-e-lixo-aumenta-192-em-5-anos/21104. Acessada em 18/11/2012.

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especifica cinco liberdades instrumentais essenciais, são elas: “(1) liberdade políticas; (2)

facilidades econômicas; (3) oportunidades sociais; (4) garantias de transparência e (5)

segurança protetora.” (SEN, 2000, p. 25)

Através da garantia destas liberdades pretende-se que as pessoas tenham melhor

qualidade de vida, com saúde e educação adequadas, para que possam buscar melhores

condições de trabalho, e, principalmente saibam apreciar e utilizar a liberdade política através

do debate e escolha de valores essenciais à sociedade, inclusive quanto ao rumo da própria

sociedade capitalista.

É importante ainda que as pessoas saibam distinguir os políticos corretos, com boas

intenções, dos políticos que apenas discursam, mas não atuam conforme seus dizeres, e esta é

uma dificuldade encontrada nas redes do capitalismo global:

Com a crescente confusão entre os noticiários e os programas de entretenimento, entre a informação e a publicidade, a política começa a parecer-se cada vez mais com um teatro. Os políticos mais bem-sucedidos já não são os que têm as plataformas mais populares, mas sim os que "ficam bem" na televisão e sabem manipular os símbolos e códigos culturais. A associação dos candidatos com uma "marca" - ou seja, o ato de tornar o nome e a imagem deles atraentes para o público mediante uma associação firme de nome e imagem com símbolos sedutores para os telespectadores - tornou-se tão importante na política quanto é na publicidade empresarial. Num nível muito básico, o poder político esta ligado à capacidade de usar eficientemente os símbolos e códigos culturais para estruturar um discurso nos meios de comunicação. (CAPRA, 2006, p. 141-167)

Deve-se ainda acrescentar a estas liberdades, à qualidade de vida analisada sob o

aspecto econômico e ambiental, sempre ressaltando que os dois conceitos devem caminhar

lado a lado, “acatando o fato de que um mínimo material é sempre necessário para o deleite

espiritual, bem como, para afastar o espectro de que a luta pela preservação dos direitos

ambientais vedaria o processo econômico, bem como, de que este processo de crescimento

seria inviável com o respeito a tais direitos. Esse é o entendimento de Cristiane Derani:

A aceitação de que qualidade de vida corresponde tanto a um objetivo do processo econômico como uma preocupação da política ambiental afasta a visão parcial de que as normas de proteção do meio ambiente seriam servas da obstrução de processos econômicos e tecnológicos. A partir deste enfoque, tais normas buscam uma compatibilidade desses processos com as novas e sempre crescentes exigências do meio ambiente. (DERANI, 1997, p. 78)

Como diz James Lovelock somos inteligentes o bastante para começar a expandir

nossas mentes e tomar uma atitude que preserve o planeta Terra, pois sem ele todo o resto

perde o sentido de discussão:

Nada que li em minha longa vida explica melhor nosso estado agonizante – temos a inteligência para começar a expandir nossas mentes para entender a vida, o universo

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e a nós mesmos; podemos nos comunicar e trocar nossos pensamentos profundos e mantê-los fora das nossas mentes como um registro permanente. Temos tudo isso, mas somos inteiramente incapazes de viver uns com os outros ou com o nosso planeta vivo. Nosso impulso hereditário de sermos férteis e nos multiplicarmos e de garantir que nossa própria tribo domine a Terra frustra nossas melhores intenções. (LOVELOCK, 2010, p. 228)

A realização de audiências públicas efetivas, ou seja, com preocupações, discussões

e tomadas de decisões concretas, podem servir de ambiente propício para que cada cidadão,

de forma consciente, haja em prol da coletividade, exercendo a cidadania e democracia que

lhe são inerentes.

Entendo que ainda é possível equilibrar os direitos econômicos, ambientais e sociais,

mas somente através de uma reestruturação profunda do sistema capitalista e da

conscientização e mudança de atitude de toda a sociedade, sob pena de chegarmos a um

estágio irreversível ou a própria extinção forçada do capitalismo.

Portanto, somente a existência de um capitalismo sustentável pode servir de base

para a construção de uma sociedade livre, justa e solidária; garantir o desenvolvimento

nacional; erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais, e, por

fim, promover o bem de todos, conforme preceitua o artigo 3º da Constituição das República

Federativa do Brasil.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

É fato que os impactos do capitalismo sobre a Natureza são visíveis e preocupantes e,

portanto, precisam ser urgentemente minimizados para que haja a preservação da vida no

Planeta Terra.

O capitalismo por si só já é extremamente degradante desde o seu surgimento, mas

contextualizado na modernidade, coloca a sociedade em alerta máximo, pois na sua atual

formação é insustentável e teria de ser reestruturado desde as suas bases para compatibilizar

os direitos econômicos e socioambientais, ou seja, se faz necessário e é possível a construção

de um capitalismo sustentável.

É preciso que a cidadania ambiental seja efetivamente exercida, através da escolha de

governantes atuantes e preocupados com a concretização do Estado Socioambiental, além do

exercício da educação ambiental ampla e realista com formadores de opinião e

transformadores de atitudes, para que se possa alterar e minimizar os impactos do sistema

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capitalista sobre a natureza, ressaltando sempre que o modo de produção social impõe seus

próprios limites.

Destaca-se que a própria sociedade, através da conscientização de que o sistema

capitalista gera desigualdades sociais e prejuízos advindos da degradação da natureza, poderia

colocar um limite no sistema capitalista, tornando-o mais sustentável, seja através de um

empurrão decorrente do paternalismo libertário, seja através da concretização do conceito do

“desenvolvimento como liberdade”.

Esse limite pode ser trabalhado com a releitura do princípio da ordem econômica

através do encontro de equilíbrio na tensão dialética entre a proteção ambiental e o

desenvolvimento econômico, pois o Estado de Direito Socioambiental delineado pela Carta da

República trouxe consigo, para além de um capitalismo social, um capitalismo socioambiental

orientado para uma economia de mercado voltada igualmente aos preceitos ambientais.

E, ainda, o dito equilíbrio pode ser visualizado na utilização da audiência pública

aqui explanada, com a participação concreta da sociedade civil organizada, ou seja, a

contribuição da população deve ser recebida, analisada e se possível atendida, apesar da sua

natureza deliberativa, pois apenas com decisões conscientes de cada cidadão em prol da

coletividade é que se poderá construir um capitalismo sustentável.

De qualquer forma, somos inteligentes o bastante para começar a expandir nossas

mentes e tomar uma atitude que preserve o planeta Terra, pois sem ele todo o resto perde o

sentido de discussão.

REFERÊNCIAS

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CONSIDERAÇÕES DE UM DEBATE CRÍTICO SOBRE O DIREITO DO

TERCEIRO SETOR BRASILEIRO

(CONSIDERACIONES DE UN DEBATE CRÍTICO SOBRE EL DERECHO DEL

TERCER SECTOR BRASILEÑO)

Isabella Cristina Lunelli1

RESUMO – RESÚMEN – INTRODUÇÃO – 1 CONTEXTUALIZAÇÃO DO DEBATE

SOBRE O DIREITO DO TERCEIRO SETOR BRASILEIRO – 2 A CRÍTICA DA CRÍTICA

AO DIREITO DO TERCEIRO SETOR: UM ESPAÇO PARA A SUPERAÇÃO DOS

LIMITES DA CULTURA JURÍDICA DOMINANTE – 3 CONTRIBUIÇÕES PARA UMA

CRÍTICA JURÍDICA EMANCIPADORA – CONSIDERAÇÕES FINAIS – REFERÊNCIAS

RESUMO

Em meios às críticas neoliberais tecidas acerca do Terceiro Setor, o número de

entidades representativas deste é cada vez maior. Concomitantemente, o Direito do Terceiro

Setor expressa-se em um único sentido: a normatividade.

A crítica desconstrói um espaço antes de luta. Aponta a expansão do Terceiro Setor

como fenômeno derivado de intenções políticas-econômicas capitalistas: tentativas de

desresponsabilização estatal ante os direitos sociais e ante a prestação dos serviços públicos.

Estigmatizam toda e qualquer ação plural como colonizada e mantenedora da ordem

hegemônica e dominante.

Trazida ao pensamento jurídico crítico, atribuindo um viés plural e emancipadora à

crítica é possível adquirir outra feição, outros contornos. É sobre as possibilidades de romper

com os limites impostos pelo discurso jurídico dominante e o papel a ser delineado ao Direito

do terceiro Setor que o presente artigo encontra-se.

Palavras-chaves: Direito, Terceiro Setor, Crítica Jurídica, Emancipação.

1 Advogada, graduada pela Universidade Positivo (UP), especialista em Direito Administrativo pelo Centro Universitário Curitiba (UniCuritiba), mestranda em Teoria, Filosofia e História do Direito na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) – [email protected]

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RESÚMEN

En medios a la crítica neoliberal hecha al Tercer Sector, el número de entidades que

representan ha aumentado. Al mismo tiempo, el “Derecho del Tercer Sector” se expresa en

una sola dirección: la normatividad.

La crítica deconstruye un espacio previamente de luchas e logros. Señala la

expansión del Tercer Sector como un fenómeno derivado de intenciones políticas económicas

capitalistas: la los intentos de negación de la responsabilidad estatal ante los derechos sociales

y la prestación de los servicios públicos. Imponen toda y qualquiera ación plural como

colonizada y mantenedora del orden dominante y hegemónica.

Puesta la realidad del discurso jurídico sobre el pensamiento jurídico crítico, bajo um

sesgo plural y emancipador a la crítica, es possible que el discurso adquiere otra característica,

otros contornos. Se trata de las posibilidades de romper los límites impuestos por el discurso

jurídico dominante y el papel que se resumirá al Derecho del Tercero Sector que este artículo

se sitúa.

Palabras-claves: Derecho, Tercero Sector, Critica Jurídica, emancipación.

INTRODUÇÃO

O discurso jurídico sobre o Terceiro Setor no Brasil ainda caminha a passos lentos,

sendo recente a denominação “Direito do Terceiro Setor” e raro o ensino deste nas escolas de

direito. Dado as informações sobre o Direito do Terceiro Setor, a denominação tem início a

partir da instauração de uma comissão na Ordem dos Advogados do Brasil-Paraná em maio

de 2006, seguido de palestras, congressos, obras doutrinária, cursos de aperfeiçoamento e

especialização.

Em meios às críticas neoliberais tecidas acerca do Terceiro Setor, o número de

entidades representativas deste é cada vez maior. Concomitantemente, o Direito do Terceiro

Setor expressa-se em um único sentido: a normatividade. A contextualização do debate atual

sobre o Terceiro Setor e o discurso jurídico permeia a legalidade: legislações aplicáveis,

termos de parcerias, relações Estado-ONGs.

A materialização histórica do Terceiro Setor aponta como conseqüência da adoção de

políticas neoliberais, desconstruindo, pela crítica, um espaço antes de luta. Aponta a expansão

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do Terceiro Setor como fenômeno derivado de intenções políticas-econômicas capitalistas:

tentativas de desresponsabilização estatal ante os direitos sociais e ante a prestação dos

serviços públicos. Estigmatizam toda e qualquer ação plural como colonizada e mantenedora

da ordem hegemônica e dominante.

Trazida ao pensamento jurídico crítico, atribuindo um viés plural e emancipador à

crítica é possível adquirir outra feição, outros contornos. É sobre as possibilidades de romper

com os limites impostos pelo discurso jurídico dominante e o papel a ser delineado ao Direito

do Terceiro Setor que o presente artigo encontra-se. Ao final, tecem-se algumas perspectivas a

serem exploradas por um Direito crítico do Terceiro Setor.

1 CONTEXTUALIZAÇÃO DO DEBATE SOBRE O DIREITO DO TERCEIRO

SETOR BRASILEIRO

Organizando-se de tal forma e institucionalizando-se sob tais condições, a sociedade

civil passa a constituir-se como ente coletivo, reconhecida legalmente como apta a receber

recursos públicos e a desempenhar serviços de natureza pública dentro de um espaço não-

estatal.

Compondo um ‘Terceiro Setor’ – em referencia à terminologia norte-americana,

Third Sector –, tem-se caracterizado por entidades de direito privado sem fins lucrativos que,

não se encerrada exclusivamente no regime jurídico de direito público, tampouco no direito

privado, apresenta particularidades que inovam em sua natureza jurídica e no regime jurídico

ao qual são submetidas, principalmente, quando prestadoras de serviço de relevância publica.

Na definição de OLIVEIRA (TALAMINI, 2005, p. 86), “o Terceiro Setor pode ser

concebido como o conjunto de atividades voluntárias, desenvolvidas por organizações

privadas não-governamentais e sem ânimo de lucro (associações ou fundações), realizadas em

prol da sociedade, independentemente dos demais setores (Estado e mercado), embora com

eles possa receber investimentos (públicos e privados)”.

CASTRO (OLIVEIRA, 2008, p. 167), expressa que “a definição de Terceiro Setor

pode ser melhor compreendida na lição de Ruben César Fernandes, quando o define como a

combinação resultante de agentes privados orientando sua ação para o atingimento de

finalidades publicas, portanto, “um conjunto de organizações e iniciativas privadas que visam

a produção de bens e serviços púbicos”, concebidos como não geradores de lucro e que

respondam a necessidades coletivas”.

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De fato, são as associações e as fundações possuidoras de qualificações (de OSCIP

/Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público ou OS/Organizações Sociais),

titulações (UPM/Utilidade Pública Municipal, UPE/Utilidade Pública Estadual e

UPF/Utilidade Pública Federal) e/ou certificações (CEBAS/Certificado de Entidade

Beneficente de Assistência Social), que ao receber recursos públicos e tê-los de administrar,

submetem-se, dentre muitos os deveres, aos princípios jurídicos administrativos

constitucionais e ao contrato de gestão e termo de parceria. 2

As formulações do saber jurídico atinentes ao Terceiro Setor – correlacionados,

quase que exclusivamente, ao Direito Administrativo – produzem pesquisas sobre a aplicação

de preceitos e legislação sobre a relação “Estado-Sociedade”, sendo expressivas as produções

quanto às parcerias público-privada e as implicações financeiras, tributárias, civis e penais

advindas desta relação.

No tocante à ordem normativa atinente ao Terceiro Setor, que no final do século XX

passou a se denominar “Direito do Terceiro Setor”, inequívoco é o discurso de que a prática

anda à frente da produção legislativa. Adequações legislativas para fiscalizações, discussões

há mais de uma década sobre o denominado Marco Regulatório do Terceiro Setor (ou

Estatuto Jurídico do Terceiro Setor) e ausência, ainda, de consenso no uso do termo Terceiro

Setor, demonstram que a discussão legislativa está longe de consentimentos pacificados.

Conclusões como estas são constantemente embasadas por declarações tal como “No Brasil,

as normas atinentes ao Terceiro Setor carecem de sistematização; a legislação é esparsa e, em

alguns aspectos, conflitante” (RAMPOSO, 2010, p. 25).

Em meio às discussões e pesquisas jurídicas produzidas, tendem a retratar

inconscientemente um cenário característico no processo de historicidade na América Latina:

cingem-se, em sua maioria, ora em contextualizar o surgimento das ONGs e do Terceiro Setor

(remetendo em sua grande maioria às origens institucionais norteamericanas e européias no

contínuo processo de dominação interna), ora em tecer críticas à submissão externa de

políticas neoliberais intrínsecas à emergência do próprio Terceiro Setor. Na opinião de

SOARES (MONTAÑO, 2010):

[...], ao invés de evoluirmos para um conceito e uma estratégia no sentido de

constituir uma rede universal de proteção social que explicite o dever do

Estado na garantia de direitos sociais, retrocedemos a uma concepção de que

o bem-estar pertence ao âmbito privado, ou seja, as famílias, as

2 E referência ao art. 4º, I, da Lei 9790/99.

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comunidades, as instituições religiosas e filantrópicas, devem

responsabilizar-se por ele, numa rede de “solidariedade” que possa proteger

os mais pobres.

A versão mais “sofisticada dessa concepção é o chamado “Terceiro Setor”,

dominado por organizações não-governamentais (as famosas ONGs),

devidamente bancadas por recursos públicos, na medida em que a maioria

dessas organizações é financiada por governos. [...]. É justamente esse

caráter “substitutivo”e não complementar que desmascara as supostas

“parcerias” entre o “Estado e a Sociedade.

Ainda, encontram-se estudos sobre o reconhecimento pelos organismos

internacionais (ONU, Fundos internacionais) como cooperadoras na promoção e defesa de

direitos humanos, a institucionalização dos movimentos sociais, a receptividade e

normatização constitucional e as ideologias políticas que norteiam as “intenções” estatais.

Sobre estas “intenções”, normalmente é posto em pauta a responsabilidade estatal sobre os

serviços públicos prestados por entidades representativas do Terceiro Setor, ou melhor, as

tentativas neoliberais de desresponsabilização estatal. MONTAÑO (2008, p. 48) ressalta que:

[...], “o projeto político da grande burguesia brasileira [...] não exclui a

vigência de políticas sociais. O que ele exclui é uma articulação de política

social, publica e imperativa, cujo formato tenha como suposto um Estado

que ponha limites políticos democráticos à lógica do capital [...] que tenha

por eixo uma função democrática-reguladora em face do mercado”. É neste

terreno que se inserem as “organizações sociais”, o “voluntariado”, enfim, o

“terceiro setor”, como fenômeno promovido pelos (e/ou funcional aos planos

dos) governos neoliberais, orientados para América Latina no Consenso de

Washington.

Neste sentido, também, expressa-se COUTINHO (2011, p. 13), ao afirmar que “o

“terceiro setor” integra a lógica da atual reestruturação do capitalismo, atendendo às

exigências gerais e complementares do capitalismo neoliberal: privatizar empresas estatais e

serviços públicos; “desregulamentar” ou criar novas regulamentações para um novo quadro

legal que diminua a interferência dos poderes públicos sobre empreendimentos privados’.

Contudo, conquanto as normas constitucionais e infraconstitucionais brasileiras

existentes e aplicáveis ao Terceiro Setor são amplamente criticadas – em referência a

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legislação esparsa, como também a discussão sobre a dificuldade conceitual, excessiva

burocratização e necessidade de mão-de-obra especializada –, crescente é o número de

associações e fundações privadas na realidade brasileira e cada vez mais freqüente são as

relações destas com o Estado na implementação, consecução, execução e gestão de políticas

públicas voltadas ao acesso de direitos de saúde, educação, cultura, entre outras áreas

legitimadas para transferência de recursos públicos.3

Atrelado à proliferação das entidades representativas do Terceiro Setor a nível não

apenas brasileiro, mas global e à contra-senso das críticas tecidas; constata-se, principalmente,

um coro crescente sobre a retórica do processo de empawerment das organizações da

sociedade civil como promotor do direito fundamental ao desenvolvimento nacional através

do fomento e ampliação do exercício da liberdade de associação. Para COELHO

(COUTINHO, 2011), “o terceiro setor é o caminho encontrado pelos analistas que investiam e

avaliam novas possibilidades para o desenvolvimento social, propondo a realocação e a

transformação de funções dos diferentes atores”.

Para uma efetiva participação política através do aumento do protagonismo social e a

promoção dos cidadãos, a defesa das organizações da sociedade civil como agente autônomo,

capaz de mudar uma realidade de constante aprofundamento das desigualdades e

marginalidades – ao qual o fenômeno da globalização tem elevado –, conduz o Direito do

Terceiro Setor como um instrumento de proteção e defesa destas entidades, na busca de

garantias para sua afirmação, amadurecimento e desenvolvimento.

É esta dualidade que permeia o debate atual sobre o Terceiro Setor que tem

influenciado a produção do saber jurídico brasileiro.

2 A CRÍTICA DA CRÍTICA AO TERCEIRO SETOR: UM ESPAÇO PARA A

SUPERAÇÃO DOS LIMITES DA CULTURA JURÍDICA DOMINANTE

Ao considerar as críticas neoliberais ao Terceiro Setor, opiniões que elevem as

possibilidades da ação e emancipação do Terceiro Setor tendem a soar retrógradas ou

alienadas.

Na doutrina jurídica até há pouco, é possível encontrar textos que exaltem as

associações, como sujeitos plurais capazes de mudar uma realidade apolítica e social-

3 A exemplo disto, toma-se como base de dados estatísticos a pesquisa GIFE.

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opressora. ANDRADE (1993, p. 73) ao discursar sobre uma resignificação jurídica da

cidadania, afirmar que:

[...], os protagonistas da luta através da qual o conteúdo da cidadania

vem historicamente se ampliando não são apenas os agentes

tradicionais da política, ou seja, os partidos e, a seguir, as

organizações sindicais. Paralelamente a estes, movimentos sociais ou

comunitários de base, organizações profissionais, comitês de bairro,

associações de moradores e de defesa dos direitos humanos,

comunidades eclesiais de base, organizações de auxilio mútuo,

organizações não-governamentais (e sua articulação em redes, em

nível, local ou planetário) fazem parte de uma longa lista de

organizações que tem encontrado, na micropolítica, uma nova forma

de politizar o tratamento das questões sociais.

Contudo, a confirmação das intenções neoliberais de mundialização da economia e

de alastro incombatível do capitalismo, catalogaram qualquer opinião otimista como alienada.

Àqueles que outrora a expressaram estão desacreditados.

A crítica é utilizada perfazendo uma constante deteriorização do Terceiro Setor;

pouco se constrói acerca de possibilidades de insurgência contra ao sistema a qual integra.

Interdisciplinarmente, estigmatizam as entidades que compõe o Terceiro Setor ao atribuir à

elas a manutenção da ordem capitalista neoliberal.

O cenário demonstrado pela evolução de um capitalismo comercial e liberal para um

capitalismo globalizado e neoliberal, no qual o mercado é absoluto nas relações sociais,

econômicas, políticas e jurídicas, apontou que a concentração maciça da riqueza mundial e a

centralização do capital nas mãos da elite burguesa e financeira apenas aumento do abismo

divisor entre exploradores e dominados. Sendo um instrumento de manutenção da ordem, as

ONGs passam a ser rechaçadas como qualquer meio de perpetuação da política-economica

neoliberal.

Paralelamente, ao considerar o aumento significativo das entidades que venham a

compor o terceiro setor, o que se demanda juridicamente são as competências legislativas do

poder estatal; responsáveis em disciplinar a organização e funcionamento das organizações da

sociedade civil. Traçam, assim, ao Direito do Terceiro Setor Brasileiro uma via de insaciável

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segurança jurídica e de anseio legislativo calcado no excessivo conhecimento dogmático e

monista. Esta é a cultura jurídica dominante aqui.

O Direito do Terceiro Setor deve ser mais do que análises normativas; pois ao

declarar-se em sua normatividade, tão somente, revela sua epistemologia positivista.

ANDRADE (1993, p. 39), ao analisar a cultura jurídica dominante, afirma que:

[...], enquanto discurso auto-suficiente, que pretende extrair sua significação

a partir do marco do ordenamento jurídico, sem nenhum apelo a elementos

extranormativos, revela subsídios para se afirmar com segurança sua

vinculação aos pressupostos epistemológicos do positivismo em sua versão

normativista.

A autora, expressando o viés epistemológico positivista que fundamenta a dogmática

jurídica, delineia esta o como pensamento jurídico e uma cultura jurídica de legalismo

liberal.4 A cultura jurídica dominante, calcada numa matriz ideológica liberal e uma

epistemologia positivista, traduz a produção do conhecimento jurídico e, consequentemente, o

pensamento jurídico como fator legitimador da atual dominação social e política exercida

pelas classes hegemônicas.

Compreendendo o debate atual sobre o Terceiro Setor e o discurso jurídico atinente,

à de se concluir que a atribuição de ‘vilão neoliberal” ao Terceiro Setor (principalmente, as

entidades que compõe o Terceiro Setor) não pode encerrar o papel da crítica. Qual seria a

contribuição de uma crítica emancipadora ao discurso jurídico dominante?

O ato crítico, então, passa a ser verificado nas tentativas de superação dos limites

impostos pela cultura jurídica dominante; encontrando dentro de um discurso contra-

hegemônico a resignificação do Terceiro Setor enquanto matriz emancipadora.

Sobre o papel da crítica na reformulação do pensamento jurídico e, por consequente,

na cultura jurídica, WARAT (ANDRADE, 1993) afirmou:

As tarefas de pesquisa, no fundo, não são outra coisa senão práticas de abalo,

um sismelogia que desnuda faltas, que se reconhece o direito de dizer não ao

instituído, à claridade enganosa de um efeito totalitário de legalidade; que se

reconhece o direito de dizer não ao misoneísmo estabelecido.

4 ANDRADE, 1993, p. 38.

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Numa compreensão mais abrangente do direito, que distancia-se do reducionismo

estatal ao criticar o formalismo positivista e o centralismo, projeta-se a crítica pluralista e

emancipadora.

O discurso jurídico liberal-individualista – calcado numa cultura monolítica,

racionalizada e universalista – percebe o esgotamento de seu modelo de cientificidade do

direito e de suas formas de legitimação dogmática. No plano do conhecimento, do discurso e

do comportamento, o exercício reflexivo de questionar o que está normatizado e oficialmente

consagrado, as práticas alienantes e excludentes, passou-se a se expressar como crítica

jurídica, pensamento crítico e/ou teoria crítica jurídica. No desenvolvimento de um

pensamento jurídico critico, pode ser encontrada na obra de TORRE RANGEL (2002) que

venha a refletir a necessidade de transformação deste paradigma monista. Como resposta à

crise do paradigma monista, o jusfilósofo WOLKMER (2002), ao descrever a crise da

racionalidade da cultura liberal buguesa e a importância do desenvolvimento de uma teoria

crítica do direito, propõe como alternativa à superação do paradigma monista estatal um novo

paradigma social de produção normativa: um paradigma normativo capaz de conceber

determinadas condições básicas para o desenvolvimento de uma nova cultura jurídica no

direito, plural e participativa.

Dentro de um sistema normativo comumente excludente e totalizante constata-se um

atropelo às bases jusfilosóficas plurais e emancipadoras passíveis de fazer-se incluir neste

debate. Uma ampliação do debate jusfilosófico plural, crítico e emancipador ao Direito do

Terceiro Setor, cuja situação atual encontra-se dentro dos limites da cultura jurídica

dominante que o molda, reconhecendo-o como realidade fática e expressiva, pode contribuir

para a reconstrução de sua significação enquanto espaço de emancipação e de uma outra

relação da Sociedade Civil, agora plural, com o Estado e o Mercado.

Como outrora afirmou ANDRADE (1993, p.11), é preciso “romper com a herança da

cultura jurídica tradicional, discutindo as dimensões político-ideológicas dos discursos

jurídicos e abrindo novos caminhos para sua superação, [...].”

3 CONTRIBUIÇÕES PARA UMA CRÍTICA JURÍDICA EMANCIPADORA

No desenvolvimento de um discurso plural e emancipador, a crítica jurídica contribui

para a formulação de um pensamento interdisciplinar no Direito, fomentando uma discussão

social-jurídica no Direito do Terceiro Setor.

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Refletindo sobre as contribuições que um pensamento jurídico crítico pode dar às

reflexões atinentes às entidades que compõe o Terceiro Setor e ao próprio Terceiro Setor,

insere-se a necessidade de reavaliar a constituição histórica-política-jurídica da formação das

primeiras entidades do terceiro setor que, obviamente, refletem uma realidade distinta,

apresentada em contraposição à realidade dos países periféricos e, neste caso, a realidade

brasileira.

Numa perspectiva histórico-crítico combatente, WOLKMER (2012, p. 34) convida à

uma “compreensão de cultura como instrumental de significações capaz de reconhecer a

historicidade das contradições entre ausências/ colonialidade/ resistências/ liberação, quer no

que se refere à ação insurgente de sujeitos, quer no que se refere aos processos que envolvam

as instituições sociais”.

Ainda, nas contribuições acerca da crítica jurídica, alguns debates são passíveis de

serem postulados, tal como a ampliação do conceito de liberdade - aqui tratada como a

liberdade de associação –, a práxis e os fatos atrelados à produção normativa e a inclusão dos

“usuários” dos serviços prestados pelas entidades do Terceiro Setor no discurso atinente ao

Direito do Terceiro Setor.

É preciso, para a consecução da sublevação social e a inserção de um discurso em

defesa da identidade do Terceiro Setor, que a liberdade não se restrinja ao simples exercício

de liberdade de associação.

As normas jurídicas aplicáveis mostram-se “recortadas” da realidade social a qual se

inserem, constituindo uma “realidade’ autônoma e altamente abstrata. A intenção da alta

carga de normatividade prevista pode atribuir a uma perda da funcionalidade da instituição

que, incapaz de responder às demandas legislativas e de fiscalizações executadas pelos

Tribunais de Contas, acabam sendo taxadas de “pilatrópicas”. Considerar “pilantropia” toda e

qualquer organização que se apresente como representativa do Terceiro Setor é fechar-se para

a exterioridade, não conseguindo enxergar além de uma universalidade massificadora.

No atual contexto em que direitos e liberdades estão incluídas pelo Estado Brasileiro

em seu discurso acerca de um sistema normativo do Terceiro Setor, são as organizações da

sociedade civil e as entidades através das quais são representadas que despontam como sujeito

de direitos nesta discussão. Há que se levar em conta que o que se mostrou ineficiente não foi

o modelo social, mas o Estado calcado em idealizações iluministas, universal, totalizantes e,

por conseqüente, excludente.

Aquém da discussão pela responsabilidade, eficiência dos serviços prestados e

governabilidade no Terceiro Setor, este discurso tem-se olvidado de integralizar outros

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sujeitos igualmente prioritários e complementares para a realidade ao qual se insere, sem fazer

muita alusão: àqueles a que se destina os serviços públicos prestados pelas entidades do

Terceiro Setor:

Dos “esquecidos” na retórica, quase que insignificantes são as discussões acerca

daqueles que justificam a promoção, a defesa e as garantias necessárias para a sua própria

consecução: as vítimas do próprio sistema, os chamados “excluídos” que pouco ou quase nulo

foram os acessos aos direitos fundamentais e políticas públicas que conduziram à própria crise

do Estado Providência – que elucidou uma reforma neoliberal em meados na década de 90 e

admitiu no sistema normativo brasileiro o debate sobre a regulação do próprio Terceiro Setor.

A necessidade de aproximação do debate sobre o Direito do Terceiro Setor para com

o excluído, que sem acesso aos direitos e garantias constitucionais tornam-se sem voz perante

as injustiças sociais praticadas pelo próprio sistema, é indiscutível num projeto de

sustentabilidade social. Entretanto, poucos são lembrados em meio às discussões e

construções abstratas e universais que circundam tal discussão.

Na construção de um pensamento crítico ao Direito do Terceiro Setor, o objetivo

destas entidades não seria a busca pela prestação dos serviços e atividades desenvolvidas com

maior agilidade e eficácia, mas sim um alcance social-jurídico maior. Um alcance não

atingido pelo Estado preso em sua burocratização; um alcance não atingido pelas políticas

públicas presa a conceitos excludentes de cidadania.

WOLKMER (2001) aponta que o cenário atual neoliberal reflete um processo de

mundialização do espaço não nacional, intensificando os processos de dominação e exclusão.

Na América Latina, a economia dependente às grandes forças capitalistas, predominou e

reproduziu o modelo legal de Estado positivista, tendo como conseqüência grande parcela da

população sistematicamente ignorada e marginalizada. Integrar o excluídos neste debate,

tornando-o efetivamente plural, parece ser a primeira atitude crítica e emancipadora a ser

adotado na construção do saber jurídico atinente ao Terceiro Setor.

A questão é de que, além da motivação e vontade do “fazer acontecer” no espaço

público não-estatal é preciso construir bases ideológicas sólidas, retóricas adequadas acerca

da violação e a dissimulação dos direitos (aqui incluindo os sociais, da saúde, etc.) e, acima de

tudo, construir um imperativo de ‘olhar para o outro”.

Uma vez considerado que “o Terceiro Setor corresponde a uma esfera de entidades e

de atividades que tem sua origem e destino na própria sociedade civil” (OLIVEIRA, 2001, p.

25); o Direito do Terceiro Setor deve expressar a sua origem. Ou seja, deve destinar a práxis

transformadora, de sobremaneira, aos próprios cidadãos e não, unicamente, ao sistema

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225

jurídico ao qual passa a se inserir. É imperioso o acolhimento dos excluídos na construção do

conceito de sociedade civil plural.

Na luta pelo desenvolvimento da pessoa humana, para elevar a condição do homem

na sociedade não basta trazer o indivíduo marginalizado e excluído para o seio da discussão

social e jurídica enquanto fim do trabalho desenvolvido pelas entidades do Terceiro Setor. O

fim destas entidades não pode ser visto como um ato de caridade.

É necessário dar aos ‘esquecidos” um sentimento de pertença na atividade

desenvolvida no Terceiro Setor enquanto sujeito de direitos, pois se não se sente pertencente

ao Setor que está emergido, continuará sentido-se excluído. É o sentimento de pertença que

dotará o então excluído de emancipação, reconhecendo-o como cidadão dotado de direitos e

deveres.

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A universalidade determinante da cultura liberal-individualista na sociedade moderna

europeia fora disseminada ao mundo colonial, que acabou imprimindo uma possessão de sua

cultura aos colonizados. Estes, destituídos de sua cultura originária, condenados como

incivilizados, não tiveram outra opção senão civilizar-se ao modelo moderno europeu. Ao

civilizar-se, adotam a visão de mundo burguesa como sua, consagram como seus os valores

liberais-individualistas e, contam como sendo sua a historiografia tradicional. Sem perceber,

fomentam uma ficção ideológica que regula a hegemonia do capitalismo e afirmam-se

constantemente colonizado, dominado e alienado. É tempo de descolonizar.

A universalidade da cultura eurocêntrica produziu uma forma específica de

racionalização do mundo moderno, que alienou e coisificou o homem colonizado. A

descolonização, consequentemente, vem significar não somente a desmistificação desta

cultura imposta, como também vem expressar a insatisfação sobre esta inadequação do

modelo cultural tradicional e da historiografia convencional.

Descolonizar, por conseqüência, não significar negar toda e qualquer prática incutida

pelos colonizadores. O tempo não volta. A atitude emancipadora e descolonizadora – contra

uma herança calcada no dogmatismo e no legalismo-liberal – começa a partir do momento

que se volta para a práxis.

O rompimento com os formalismos técnicos e abstrações metafísicas possibilitará

uma expressão jurídica autêntica dos valores culturais e das condições históricas e materiais

COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 36 - Sustentabilidade Econômica e Social em Face à Ética e ao Direito

226

relevantes à superação de um saber jurídico que deterioriza pluralidades e quaisquer

superações de limites impostos pela ordem dominante.

A desmistificação da cultura moderna, como algo pretensamente direcionado à

regulação do capitalismo e da elite burguesa na hegemonia política e ideológica é essencial na

construção de uma identidade cultura juridica; mas não deve encerrar-se aí.

O rompimento com a trajetória característica do processo de historicidade na

América Latina significa a libertação de velhas práticas de saber e de poder, de amarras para o

desenvolvimento de um novo conhecimento. A crítica jurídica ao ajudar a compreender a

realidade de dominação e colonialidade, possibilita a busca da originalidade histórica e,

consequentemente, a transformação da realidade concreta. Só a partir desta reconstrução será

possível visualizar uma efetiva sustentabilidade social correlacionada ao Direito e à uma ética

da alteridade.

COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 36 - Sustentabilidade Econômica e Social em Face à Ética e ao Direito

227

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ATIVIDADE DE FOMENTO PARA AS MICRO E PEQUENAS EMPRESAS

E O PRINCÍPIO DA ISONOMIA

DEVELOPMENT ACTIVITY FOR MICRO AND SMALL ENTERPRISES

AND PRINCIPLE OF EQUALITY

Marco Antonio Lorga1

Co-autoria Paulo Sérgio Nowacki2

RESUMO

Este artigo tem por objetivo apresentar a importante papel do Estado na atividade de

fomento para as micro e pequenas empresas e os suas dimensões de sujeição quanto ao

princípio da isonomia a luz da obra do Prof. Celso Antônio Bandeira de Mello. Buscamos

analisar a importância econômica do instituto do “fomento” como instrumento de política

pública do Estado com vista à igualdade entre os portes das empresas e de estímulo ao

micro e pequeno empreendedorismo no Brasil. Com o objetivo do presente estudo

estabelecido, foi necessário mantermos o foco de nossa preocupação na atividade estatal de

fomento dando ênfase a necessária observância do regime jurídico administrativo e a sua

dimensão de sujeição ao princípio da isonomia. Esperamos com esse artigo contribuir ao

debate sobre a necessária aplicação do instituto na atividade de fomento às micro e

pequenas empresas nas esferas Federal, Estadual e Municipal por todo nosso Brasil.

PALAVRAS-CHAVE: Micro e pequenas empresas, Fomento, Igualdade, Políticas Públicas.

ABSTRACT

This article aims to present the important role of the state in promoting activity for micro

and small enterprises and dimensions of subjection to the principle of equality to light the

works of Professor Celso Antonio Bandeira de Mello. We seek to analyze the economic

importance of the institute's "promotion" as an instrument of public politic of the State to

ensure equal between the sizes of the companies and to stimulate micro and small

entrepreneurship in Brazil. With the objective of this study established, it was necessary to

1 Endereço para acessar este CV Lattes: http://lattes.cnpq.br/8845506061853001 2 Endereço para acessar este CV Lattes: http://lattes.cnpq.br/1002230264906731

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keep the focus of our concern in the development of state activity emphasizing proper

compliance with the legal and administrative dimension of their subjection to the principle

of equality. Hopefully with this article contribute to the debate about the necessary

application of the institute in the activity of promoting micro and small businesses in

Federal, State and Municipal throughout our Brazil.

KEYWORDS: Micro and small enterprises, Development, Equality, Public Politic.

INTRODUÇÃO

A evolução do Estado Moderno a partir do século XVIII revela que a atuação do

Estado no domínio econômico se fez de diferentes graus de intensidade. O primeiro

momento caracteriza-se pelo afastamento do Estado da área econômica, limitando-se a

realizar tarefas básicas como a preservação da liberdade e da segurança dos cidadãos, o

Estado Liberal. Em um segundo período, observa-se o oposto, um Estado com grande

presença e intervenção no que diz respeito à exploração direita de atividades econômicas

quanto à prestação de serviços aos cidadãos, o Estado Social. Em um terceiro momento, o

Estado das últimas décadas do século XX, verificasse um retraimento da sua atuação direta

na economia, enfraquecendo o modelo de Estado empresário e o fortalecimento da

atividade reguladora com o objetivo de execução de políticas públicas. Por óbvio, que essa

é uma visão simplificada, já que esses fatos não ocorreram de forma linear e nem

exatamente nessa sequência na formação de diversos Estados.

O Surgimento do Estado Regulador sobre o Estado Provedor indica

comportamentos em destaque como a desestatização da economia e a implementação dos

programas de privatização no sentido da transferência para o setor privado de empresas

estatais por meio de venda de seus ativos em bolsa. Isso ocorre por uma série de fatores,

primordialmente econômicos, o Estado deixa a atividade empresarial que desempenhava

em vários setores produtivos e passa a agir de forma indireta, contando com a participação

da iniciativa privada na busca do bem comum, não alterando a sua marca intervencionista

de Estado Social.

No Brasil, a Constituição Federal de 1988, mostra-se receptível a essas

tendências, abrindo para iniciativa privada e limitando a atuação do Estado na economia,

porém, permanece uma forte presença do Estado, como agente normativo, regulador e

COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 36 - Sustentabilidade Econômica e Social em Face à Ética e ao Direito

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fomentador da atividade econômica. Nas palavras extraídas da lição de Luís Cabral de

Moncada: “... a intervenção do Estado na economia foi a via através da qual a noção de

Estado de Direito se foi modificando”. (MONCADA, 2003, p. 28)

Dentre as maneiras de intervenção estatal na ordem econômica, a atividade de

fomento é o que percebemos haver menor destaque pela doutrina nacional em comparação

os outros modos de intervenção estatal. Talvez, porque a marca da atividade de fomento

pelo seu caráter positivo não atente a maiores preocupações, pois é fonte de incentivos,

estímulos e benefícios, não de sanções negativas.

Contudo, não se deve compreender dessa forma, pois a atividade de fomento não

pode afastar as preocupações acerca dos seus limites jurídicos de sua utilização, ou não,

pela Administração Pública em detrimento da sociedade ou de particulares não

contemplados por tal medida. Para Luís Jordana de Pozas:

“[...] a atividade administrativa de fomento pode ser definida como a ação da Administração com vista a proteger ou promover as atividades, estabelecimentos ou riquezas dos particulares que satisfaçam necessidades públicas ou consideradas de utilidade coletiva, sem o uso da coação e sem a prestação de serviços públicos, ou, mais concretamente, a atividade administrativa que se destina a satisfazer indiretamente certas necessidades consideradas de caráter público, protegendo ou promovendo as atividades dos participantes, sem empregar a coação.” (POZAS, 1949, p. 44)

Sobre o estudo sistematizado da atividade de fomento como forma de intervenção

estatal, Célia Cunha Mello destaca em sua obra que isso somente ocorreu a partir do estudo

do Professor Espanhol Luís Jordana de Pozas em 1949, que define como:

“[...] la acción de la Administración encaminhada a proteger o promover aquellas atividades, estabelecimentos o riquezas debidos a los particulares y que satisfazem necessidades públicas o se estiman de utilidade geral, sin usar de la coacción ni crear servicios públicos”. (MELLO C. C., 2003, p. 20)

A proposta desse estudo vem analisar a importância econômica do instituto do

“fomento” como instrumento de política pública do Estado com vista à igualdade entre os

portes das empresas e de estímulo ao micro e pequeno empreendedorismo no Brasil.

Com o objetivo do presente estudo estabelecido, foi necessário mantermos o foco

de nossa preocupação na atividade estatal de fomento às micro e pequenas empresas dando

ênfase a necessária observância do regime jurídico administrativo e a sua dimensão de

COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 36 - Sustentabilidade Econômica e Social em Face à Ética e ao Direito

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sujeição ao princípio da isonomia, à luz das obras tão respeitadas e estudadas pela doutrina

nacional do Professor Doutor Celso Antônio Bandeira de Mello, com a nossa sincera

homenagem pelos seus ensinamentos.

2. A ATIVIDADE DE FOMENTO E SEU REGIME JURÍDICO

2.1. INTERVENÇÃO ESTATAL NA ORDEM ECONÔMICA

Há três formas distintas para a intervenção estatal na ordem econômica, a saber: i)

por meio da atuação direta do Estado na prestação de serviços ou produção de serviços; ii)

por meio da edição de normas jurídicas que disciplinem e limitem a atuação econômica dos

particulares, sejam elas gerais e abstratas, sejam individuais e concretas; iii) por meio da

atividade de fomento, através da qual o ente estatal procura incentivar o comportamento

dos particulares, oferecendo a esses estímulos ou benefícios.

Professor Celso Antônio Bandeira de Mello, quando trata da intervenção estatal

na ordem econômica, faz menção ao poder de polícia como “a atividade reguladora da

ordem econômica”, aos incentivos à iniciativa privada como “os estímulos com favores

fiscais ou financiamentos, até mesmo a fundo perdido” e a quanto à atuação empresarial

do Estado, a ação do “Poder Público que propõe-se a agir como protagonista da

exploração econômica”, em suma, a intervenção do Estado na atividade econômica pode

ocorrer “disciplinando, fomentando e assumindo” a atividade empresarial. (MELLO,

2011, p. 810)

Mesma concepção possui Eros Roberto Grau quando identifica três maneiras de

intervenção do Estado no domínio econômico, a intervenção por absorção (em regime de

monopólio) ou participação (em regime de competição) quando o Estado age diretamente

na produção de bens e serviços, a intervenção por direção quando o estado age na edição

de normas de observação obrigatória por todos os agentes que exerçam certa atividade

econômica e a intervenção por indução quando o Estado age através de incentivos aos

particulares, a atividade de fomento propriamente dita. (GRAU, A Ordem Econômica na

Constituição de 1988, 2010, pp. 146-147)

Em nossa Constituição Federal essa concepção de intervenção do Estado no

domínio econômico é semelhante, bastando analisarmos o artigo 173 que autoriza a

COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 36 - Sustentabilidade Econômica e Social em Face à Ética e ao Direito

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atuação direta do Estado como empresário em casos excepcionais e no artigo 174 que

autoriza a atuação indireta do Estado quando age como agente normativo e regulador,

exercendo as funções de fiscalização, incentivo e planejamento como o objetivo de

influenciar o comportamento da iniciativa privada e dos particulares. Na dicção de Eros

Roberto Grau a “intervenção indireta se dá sobre o domínio econômico, enquanto a direta

se dá no domínio econômico”. (grifo nosso) (GRAU, A Ordem Econômica na Constituição

de 1988, 2010, p. 147)

Nesse último dispositivo constitucional, objeto de nosso estudo, a atuação

intervencionista do estado no domínio econômico é indireta, através da sua atividade

reguladora ou da atividade fomentadora, caracterizado pelo comportamento do Estado que

“limita-se a condicionar, a partir de fora, a atividade económica privada, sem que assuma

a posição de sujeito económico activo”. (MONCADA, 2003, p. 43)

2.2. CONCEITO DE ATIVIDADE DE FOMENTO E A SUBMISSÃO AO REGIME

JURÍDICO ADMINISTRATIVO

O Estado tem na atividade de fomento uma importante ferramenta de desempenho

e efetivação das suas políticas públicas e por esse motivo a atividade de fomento é uma

atividade administrativa. Essa atividade administrativa busca direcionar comportamentos

da iniciativa privada por meio da oferta de estímulos, incentivos e benefícios não os

impondo, mas induzindo ao desempenho de atividades que o Estado tem como necessárias

ao interesse público.

O professor Celso Antônio Bandeira de Mello em uma brevíssima menção sobre a

atividade de fomento na sua obra nos explica que: “o poder Público pode, com fulcro no

art. 149 da Constituição Federal, instituir “contribuições de intervenção no domínio

econômico” e que “esta se exerce ora por meio de incentivos fiscais, ora por meio de

financiamentos.” (MELLO C. B., 2011, p. 827)

A atividade administrativa do fomento tem como característica não o desempenho

direto pelo Estado do que se pretende a realizar e sim pela iniciativa privada que são

estimulados a realiza-la, daí tratar-se de uma forma de intervenção indireta do Estado na

ordem econômica. Nas palavras de Cassagne:

COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 36 - Sustentabilidade Econômica e Social em Face à Ética e ao Direito

235

“[...] La utilización de la técnica de fomento, enunciada como tal a partir del siglo XVIII, implica la aplicación adecuada del princípio de la subsidiariedade, en cuanto el Estado, frente a una situación de insulficiencia, estimula la realización de las actividades faltantes, em lugar de realizarlas por su própria cuenta [...]”. (CASSAGNE, 1987, p. 158)

Ao particular é livre para aderir ou não a tarefa proposta e desejada pelo Estado,

isso porque, através do fomento o Estado não impõe o dever de observar certa conduta,

mas apenas estimula sua adoção. Se não aceita, não cria qualquer vinculação jurídica com

o Estado e muito menos qualquer sanção negativa, porém, quando aceita, cria o vínculo

jurídico, uma obrigação fazer, ou melhor, de desempenhá-la nos ditames estabelecidos no

planejamento Estatal para que possa atingir a fruição dos benefícios na medida de fomento.

Nos ensinamentos de Diogo Moreira Neto, “não é imposto à sociedade, o Estado não

obriga ninguém, indivíduo ou empresa, valer-se dos instrumentos jurídicos de incentivo:

relaciona-se com o Estado, nesse campo, quem o desejar.” (MOREIRA NETO, 1990, p.

467)

Na Lei Complementar 123/2006 que institui o “Estatuto Nacional da

Microempresa e da Empresa de Pequeno Porte” podemos observar claramente essa

condição sobre a adesão voluntária ao regime diferenciado tributário:

Art. 16. A opção pelo Simples Nacional da pessoa jurídica enquadrada na condição de microempresa e empresa de pequeno porte dar-se-á na forma a ser estabelecida em ato do Comitê Gestor, sendo irretratável para todo o ano-calendário. § 1º Para efeito de enquadramento no Simples Nacional, considerar-se-á microempresa ou empresa de pequeno porte aquela cuja receita bruta no ano-calendário anterior ao da opção esteja compreendida dentro dos limites previstos no art. 3º desta Lei Complementar.

Quando a iniciativa privada “aceita” o fomento proposto pelo Estado cria uma

vinculação jurídica com a administração, obrigando-se a realizar o comportamento

desejado. Contudo, se aceitou e não o realizou, rompendo o contrato, sujeitará as sanções

negativas cabíveis. Como averba Eros Roberto Grau:

“[...] Ao destinatário da norma resta aberta a alternativa de não se deixar por ela seduzir, deixando de aderir à prescrição nela veiculada. Se adesão a ela manifestar, no entanto, resultará juridicamente vinculado por prescrições que correspondem aos benefícios usufruídos em decorrência dessa adesão.” (GRAU, A Ordem Econômica na Constituição de 1988, 2010, pp. 148-149)

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O fomento é um instrumento de grande importância às políticas públicas do

Estado tendo como destinatário a satisfação do interesse público. Este é o seu caráter

instrumental como atividade administrativa em espécie, e sendo como tal, deve ser prevista

em lei e visar à satisfação do interesse público. A Administração Pública se submete a um

regime jurídico administrativo quando utiliza a atividade estatal de fomento. Por esse

motivo, devem ser respeitadas as normas jurídicas que encontram suas bases em dois

princípios importantes à atividade estatal, segundo o professor Celso Antônio Bandeira de

Mello: o princípio da indisponibilidade do interesse público e o princípio da supremacia do

interesse público.

Assim, a atividade de fomento submete-se a todos os princípios da administração

pública como da: legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade, eficiência,

motivação, da isonomia, da finalidade, da razoabilidade, da proporcionalidade, do devido

processo legal e da ampla defesa, da moralidade administrativa, do controle judicial dos

atos administrativos, da responsabilidade estatal por atos administrativos, da boa

administração e da segurança jurídica. (MELLO C. B., 2011, pp. 98-126)

Desta feita, as medidas administrativas tomadas obrigatoriamente devem haver a

chancela legal e a concessão de benefícios para atender a finalidade que a lei instituiu, na

melhor lição de Gaspar Arino Ortiz:

“[...] Como toda actividad de la Administración, la acción de fomento se halla sometida al princípio da legalidade. Sin embargo, historicamente se consideraba uma actividad benéfica de los poderes públicos, por lo que no regía el princípio de reserva de ley em esta matéria. Por el contrario hoy se considera que el otorgamiento de medidas económicas de fomento debe someterse al principio de legalidade (aunque sea difícil em la prática), com varias peculiaridades”. (ORTIZ, 2004, p. 349)

Por óbvio, que um benefício apresentado à iniciativa privada que não tenha por

finalidade única o atendimento a uma necessidade coletiva nada justificaria a atuação da

administração pública. Nas palavras do professor Sílvio Luís Ferreira da Rocha:

“O fomento legítimo e justificado é aquele que visa a promover ou a estimular atividades que tendem a favorecer o bem estar geral. Se o interesse geral não é detectável com clareza, a atividade de fomento apresenta-se como ilegítima, injustificável e discriminatória” (ROCHA, 2003, p. 31)

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237

A atividade de fomento não pode ser exercida com o propósito de beneficiar os

amigos e prejudicar os inimigos de quem detém o poder de exercê-lo. A este deve a

observância da impessoalidade e da igualdade que se espera dos atos da administração

pública.

O Estado recebe poderes para cumprir a sua finalidade ínsita, sendo que esses

poderes têm limites quanto a sua estruturação funcional dos deveres-poderes

administrativos promocionais, melhor dizendo, “poderes-deveres” na lição de Celso

Antônio Bandeira de Mello. Daí a razão que a atividade de fomento deve ser determinada

em lei, como se preconiza o Estatuto Nacional da Microempresa e da Empresa de Pequeno

Porte na Lei Complementar 123/2006, não se admitindo a estipulação por regulamento ou

ato administrativo, a esse respeito Hely Lopes Meirelles:

“A administração pública só pode ser exercida na conformidade da lei; é atividade sublegal, infralegal, consistente na expedição de comandos complementares à lei. A função da atividade administrativa só poderá ser a de agregar à lei nível de concreção; nunca lhe assistirá instaurar originariamente qualquer cerceio a direitos de terceiros. É a tradução jurídica de um propósito político: o de submeter os exercentes do poder em concreto – o administrativo – a um quadro normativo que embarque favoritismos, perseguições ou desmandos.” (MEIRELLES, p. 87)

Além dos princípios já citados, outro princípio que se coaduna à atividade de

fomento é o princípio da repartição de riscos. Na interpretação desse princípio, dada pelo

professor Sílvio Luís Ferreira da Rocha:

“[...] o que impede considerar a atividade de fomento como mero ato de liberalidade administrativa, que exonere o beneficiário de todo risco ou da obrigatoriedade de aportar recursos próprios para a atividade fomentada. Logo a atividade promocional empreendida pela Administração Pública não pode prescindir do investimento de recursos pelos particulares em favor da atividade que se quer incentivar ou promover”. (ROCHA, 2003, p. 33)

No momento que o Estado sinaliza a pretensão de deixar de ser Estado Provedor

para ser Estado Regulador, existe a redescoberta natural da atividade de fomento, porém

não é porque esta atividade administrativa estatal durante anos foi relegada à segundo

plano que os princípios não devem ser obedecidos. Na indignação de Sílvio Luís Ferreira

da Rocha: “... há natural redescoberta da atividade de fomento, sem que se dê a devida

COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 36 - Sustentabilidade Econômica e Social em Face à Ética e ao Direito

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conta que esta também deve obedecer aos princípios que regem toda a atividade

administrativa”. (ROCHA, 2003, p. 34)

Como poderemos observar adiante, que dentre tantas violações pelos agentes

públicos aos princípios ensejadores do regime jurídico administrativo, uma se destaca: o

princípio da isonomia.

2.3. MEIOS DE FOMENTO UTILIZADOS PELA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

A Administração Pública ao exercer a atividade de fomento utiliza diversos meios

e formas que variam de ordenamento jurídico para outro. Esses diversos meios e formas

têm sido objeto de estudo e classificações pela Doutrina. Os critérios utilizados levam em

conta a atuação do Estado sobre a vontade da iniciativa privada e tipos de vantagens que se

outorgam para a promoção ou proteção das atividades.

O fomento quanto ao critério forma de atuação do Estado sobre a vontade da

iniciativa privada pode ser: fomento negativo e fomento positivo. O primeiro, objetiva a

obstaculizar ou desalentar o desenvolvimento pela iniciativa privada, onerando por meio da

tributação excessiva por considera-las contrárias ao interesse público, possuindo como

exemplo clássico, as bebidas e os cigarros. A segunda, foco de nosso estudo, objetiva o

estímulo ou a promoção ao desenvolvimento pela inciativa privada de determinada

atividade, subsidiando, incentivando, oferecendo vantagens, prestações ou até bens pela

Administração Pública.

Na Lei Complementar 123/2006 na Seção II – Das Vedações ao Ingresso no

Simples Nacional temos um claro exemplo de fomento negativo ao excluir seguimentos de

atividades empresarial independente do porte da empresa:

Art. 17. Não poderão recolher os impostos e contribuições na forma do Simples Nacional a microempresa ou a empresa de pequeno porte: I - que explore atividade de prestação cumulativa e contínua de serviços de assessoria creditícia, gestão de crédito, seleção e riscos, administração de contas a pagar e a receber, gerenciamento de ativos (asset management), compras de direitos creditórios resultantes de vendas mercantis a prazo ou de prestação de serviços (factoring); II - que tenha sócio domiciliado no exterior; III - de cujo capital participe entidade da administração pública, direta ou indireta, federal, estadual ou municipal; IV - (REVOGADO); V - que possua débito com o Instituto Nacional do Seguro Social - INSS, ou com as Fazendas Públicas Federal, Estadual ou Municipal, cuja exigibilidade não esteja suspensa; VI - que preste serviço de transporte intermunicipal e interestadual de passageiros;

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VII - que seja geradora, transmissora, distribuidora ou comercializadora de energia elétrica; VIII - que exerça atividade de importação ou fabricação de automóveis e motocicletas; IX - que exerça atividade de importação de combustíveis; X - que exerça atividade de produção ou venda no atacado de: a) cigarros, cigarrilhas, charutos, filtros para cigarros, armas de fogo, munições e pólvoras, explosivos e detonantes; b) bebidas a seguir descritas: 1 - alcoólicas; 2 - refrigerantes, inclusive águas saborizadas gaseificadas; 3 - preparações compostas, não alcoólicas (extratos concentrados ou sabores concentrados), para elaboração de bebida refrigerante, com capacidade de diluição de até 10 (dez) partes da bebida para cada parte do concentrado; 4 - cervejas sem álcool; XI - que tenha por finalidade a prestação de serviços decorrentes do exercício de atividade intelectual, de natureza técnica, científica, desportiva, artística ou cultural, que constitua profissão regulamentada ou não, bem como a que preste serviços de instrutor, de corretor, de despachante ou de qualquer tipo de intermediação de negócios; XII - que realize cessão ou locação de mão-de-obra; XIII - que realize atividade de consultoria; XIV - que se dedique ao loteamento e à incorporação de imóveis. XV - que realize atividade de locação de imóveis próprios, exceto quando se referir a prestação de serviços tributados pelo ISS; XVI - com ausência de inscrição ou com irregularidade em cadastro fiscal federal, municipal ou estadual, quando exigível. § 1º As vedações relativas a exercício de atividades previstas no caput deste artigo não se aplicam às pessoas jurídicas que se dediquem exclusivamente às atividades referidas nos §§ 5º-B a 5º-E do art. 18 desta Lei Complementar, ou as exerçam em conjunto com outras atividades que não tenham sido objeto de vedação no caput deste artigo.

O professor Celso Antônio Bandeira de Mello utiliza no seu critério de

classificação, os tipos de vantagens que se outorgam para a promoção ou proteção das

atividades, são eles: i) honoríficos, ii) jurídicos e iii) econômicos. O professor Sílvio Luís

Ferreira da Rocha critica essa classificação quando entende que “a atribuição das

vantagens honoríficas e econômicas está prevista em normas, essa espécie de fomento não

deixa de ser jurídica.”, porém não as deixa de utilizar na sua obra. (ROCHA, 2003, p. 35)

Por meios honoríficos compreende-se a atividade administrativa que busca

fomentar atividades que a sociedade reconhece como relevante, por meio de concessão de

títulos, prêmios, condecorações, estimulando a atuação da iniciativa privada, como destaca

a professora Célia Cunha de Mello ao citar as palavras da lição de Garrido Falla: “(...)

aquellos médios de fomento que tienen su base fundamental en el sentimiento del honor y

la natural tendência humana hacia la diferenciación y distinción” (MELLO C. C., 2003)

Os meios jurídicos compreende-se a atividade administrativa que objetiva

fomentar certos indivíduos ou categorias de particulares lhes concedendo um status

jurídico excepcional e favorecido. Esses indivíduos ou categorias de particulares sujeitam-

se a um regime jurídico especial que a Administração Pública lhes outorga algum tipo de

privilégio. É o caso das Micro e Pequenas Empresas nos termos da Lei Complementar

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123/2006, o Estatuto Nacional das Microempresas e Empresas de Pequeno Porte, onde

possuem um regime jurídico privilegiado e favorecido quanto ao seu tratamento em

comparação as empresas de porte superior. Na lição de Sílvio Luís Ferreira da Rocha:

“Os meios jurídicos de fomento atuam sobre a condição jurídica dos particulares fomentados e consistem em situações de vantagens ou privilégios desse caráter, que dão lugar a que o particular chegue a beneficiar-se pela utilização ou emprego de meios jurídicos excepcionais”. (ROCHA, 2003, p. 37)

Por derradeiro, os meios econômicos, consistem no objetivo da administração

pública conceder vantagens de natureza patrimonial a inciativa privada que exerça

atividade que se deseja fomentar. Essas vantagens podem ser reais, fiscais, creditícios e

econômicos no sentido estrito. A primeira quando a Administração Pública cede o uso de

bens públicos aos particulares, na segunda, quando conferem isenções, imunidades

tributárias, redução de alíquotas, remissão, anistia, diferimentos e fixação de prazos

excepcionais para o recolhimento de tributos, na terceira, se conferem aos particulares

linhas de crédito ou financiamentos privilegiados ou subsidiados, e por último, quando se

conferem ajuda aos particulares por meio de subvenções ou auxílios.

3. O PRINCÍPIO DA IGUALDADE E O LIMITE À ATIVIDADE DE FOMENTO

3.1. A OBRA DO PROFESSOR CELSO ANTONIO BANDEIRA DE MELLO

A precisão com que o Professor Celso Antônio Bandeira de Mello trata em sua

obra, “O Conteúdo Jurídico do Princípio da Igualdade”, tem motivado inúmeros autores a

momentos de reflexão e análise correlacionados com diferentes áreas e temas jurídicos do

nosso ordenamento jurídico. Essa “grande obra” de conteúdo inigualável com quarenta e

oito páginas demonstra que a genialidade de um homem está na simplicidade com que

enxerga o mundo e sua habilidade em saber responder os questionamentos por ele

propostos.

O autor desvenda com precisão cirúrgica o princípio constitucional da isonomia,

ultrapassando os limites da técnica Aristotélica nos seus questionamentos: Se a igualdade

consiste em tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais,

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“[...] quem são os iguais e quem são os desiguais?”; “[...] qual o critério legitimamente manipulável – sem agravos à isonomia – que autoriza distinguir pessoas e situações em grupos apartados para fins de tratamentos jurídicos diversos?”; “[...] que espécie de igualdade veda e que tipo de desigualdade faculta a discriminação de situações de pessoas, sem quebra e agressão aos objetivos transfundidos no princípio da isonomia?” (MELLO C. A., 2011, p. 11)

Na busca pela resposta de tais questionamentos, o Professor Celso Antônio,

consegue estabelecer um delineamento lógico para a adequada interpretação ao princípio

da igualdade, consagrando a sua genialidade jurídica. Em resumidíssima síntese, sem

pretender distorcer a profundidade do tema estudado pelo Professor, a ideia de

compatibilidade do princípio da igualdade com o tratamento desigual deve ser fundado em

critério diferencial que não particularize de modo absoluto o indivíduo que será tratado de

forma peculiar, pois caso contrário, “corresponderia ou à imposição de um gravame

incidente sobre um só indivíduo ou atribuição de um benefício a uma única pessoa, sem

ensanchar sujeição ou oportunidade aos demais”. (MELLO C. A., 2011, p. 24)

O Professor na sua análise nos ensina que o critério diferencial dever ser inerente

à pessoa, à coisa ou à situação a que se pretende dar um tratamento diferenciado, ou seja,

“o que autoriza discriminar é a diferença que as coisas possuam em si e a correlação

entre o tratamento desequiparador e os dados diferenciais radicados nas coisas.”

(MELLO C. A., 2011, p. 34).

Sobre essa orientação, o aprendiz poderia chegar a uma conclusão precipitada de

que qualquer traço diferencial poderia ser invocado com motivo de ser de um tratamento

jurídico desigual. Isso não legitima que tal tratamento desigual seja válido à luz do

princípio da isonomia.

Para que o tratamento jurídico desigual seja compatível com o princípio da

isonomia, é necessária que seja proveniente uma decorrência lógica do fator de

diferenciação escolhido e exista a promoção de valores protegidos pelo texto

constitucional. Nas palavras do Professor Celso Antonio:

“As discriminações são recebidas como compatíveis com cláusula igualitária apenas e tão somente quando existe um vínculo de correção lógica entre a peculiaridade diferencial acolhida por residente no objeto e a desigualdade de tratamento em função dela conferida, desde que tal correlação não seja incompatível com interesses prestigiados na Constituição.” (MELLO C. A., 2011, p. 17)

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242

Por isso, que entre o elemento eleito como fator de diferenciação e tratamento

jurídico administrativo deve haver uma correlação lógica, não sendo possível com o

princípio da igualdade que a discriminação se realize de forma fortuita ou arbitrária, pelo

contrário, deve se fundar na relação da relação de pertinência lógica com a diferenciação

que dele resulta. (MELLO C. A., 2011, pp. 38-39)

O Legislador inquinado pelos novos rumos trazidos por nossa Constituição

Federal achou por bem garantir às Micro e Pequenas Empresas, em razão da relevância

socioeconômica que apresentam um tratamento jurídico diferenciado, consignado sob duas

formas: a) norma-princípio (artigo 170, inciso IX), e b) norma constitucional programática

(artigo 179).

As Micro e Pequenas Empresas dependem desses discrímens legais que lhe são

concedidos para terem condições de concorrer com as médias e grandes empresas, tendo o

Estado, ciente de sua função administrativa de fomento ao desenvolvimento e tendo em

vista os ditames da Justiça Social e os princípios norteadores da Ordem Econômica, a

obrigação de lhes assegurarem tal tratamento.

Seguindo os ensinamentos do Professor Celso Antônio na sua obra, esse

tratamento jurídico discriminatório concedido às Micro e Pequenas Empresas guarda uma

lógica com o fator de diferenciação eleito, já que, a compatibilidade com o princípio da

isonomia, nesse caso, promove valores tutelados pela Constituição que servem de

parâmetro para aferir a legitimidade do regime jurídico diferenciado. No dizer do

Professor, aqui o que:

“[...] importa, consoante salientado, que haja correlação lógica entre o critério desigualador e a desigualdade de tratamento” [...] “Sobre existir nexo lógico, é mister que este retrate concretamente um bem – e não um desvalor – absorvido no sistema normativo constitucional.” (MELLO C. A., 2011, p. 42)

Desta feita, não há que falar em desigualdade entre as Micro e Pequenas

Empresas em relação às empresas dos demais portes, pois o legislador constitucional

sabiamente vislumbrou que somente seria possível uma igualdade entre as empresas

quanto o tratamento às primeiras fossem de forma diferenciada e favorecida.

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3.2. OS LIMITES À (DES)IGUALDADE NA ATIVIDADE DE FOMENTO

A Administração Pública quando na prática da atividade de fomento caminha

sobre uma linha divisória tênue entre atuar ou não atuar contra o princípio constitucional

da isonomia, entre praticar ou não a Justiça Social, ou mesmo, entre ultrapassar ou não os

limites dos princípios norteadores da Ordem Econômica.

A Atividade de Fomento oferece um campo vasto e fértil à produção de

desigualdades, marcada pela concessão de benefícios e vantagens aos particulares que

tenham um comportamento dentro do desejado pelo Estado, pois do contrário, por conta da

sua escolha em não desejar o tratamento especial, pode eventualmente ser prejudicial ao

desempenho da sua atividade empresarial.

Está aí o perigo de o Estado saber utilizar esse importante instrumento de forma

consciente, pois da mesma forma que pode privilegiar a Justiça Social diminuindo as

desigualdades, pode produzi-las e potencializá-las concentrando as vantagens e os

benefícios desproporcionais nas mãos de poucos ou para os “amigos do rei”. Eros Roberto

Grau sobre o comportamento do Estado alerta:

“A sedução à adesão ao comportamento sugerido é, todavia, extremamente vigorosa, dado que os agentes econômicos por ela não tangidos passam a ocupar posição desprivilegiada nos mercados. Seus concorrentes gozam, porque aderiram a esse comportamento, de uma situação de donatário de determinado bem (redução ou isenção de tributo, preferência à obtenção de crédito, subsídio, v.g.), o que lhes confere melhores condições de participação naqueles mercados.” (GRAU, A Ordem Econômica na Constituição de 1988, 2010, p. 149)

A atividade de fomento é essencialmente discriminatória, já que propõe dar

vantagens e benefícios a alguns particulares e não a todos, restando o questionamento: o

tratamento discriminatório ofende ao princípio da igualdade? Haveria desigualdade entre

tratamentos diferenciados considerando o porte das empresas?

Nos ensinamentos do Professor Celso Antônio, a Atividade de Fomento para

compatibilizar-se com o princípio da igualdade deve ser exercida de forma que as

vantagens e benefícios sejam disponibilizados apenas ao particular que efetivamente se

destacar, sendo possível a todos os que se destacarem pela prática da atividade tida como

necessária ao interesse do Estado e na satisfação do interesse público, e, além disso, a

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concessão das vantagens e tratamento diferenciado voltado à promoção de valores

compatíveis com o texto constitucional.

Por isso, podemos dizer que o tratamento diferenciado e favorecido às Micro e

Pequenas Empresas enquanto norma constitucional prevista no artigo 170, inciso IX, não

ofende o princípio da igualdade quanto ao porte das empresas.

O grande risco ao princípio da igualdade são as vantagens e benefícios quando

distribuídos sem qualquer critério de razoabilidade e proporcionalidade que justifique o

tratamento diferenciado, ou mesmo, exclua não sendo possível a todos os que se

destacarem pela prática da atividade tenham o acesso.

Na primeira situação, os particulares beneficiados são escolhidos não porque se

distinguem dos demais pela sua atuação numa atividade cuja promoção é de interesse

coletivo como definido em lei, mas sim porque possui meios de exercer pressão política ou

mesmo pelo simples apadrinhamento político.

No Estado de Mato Grosso os incentivos fiscais quando originalmente criados na

gestão do então Governador Dante de Oliveira, particularizava-se a atividade produtiva que

o Estado desejava fomentar como os Programas de PRÓARROZ, PRÓCAFÉ,

PROALMAT, PRÓMINERAÇÃO e outros mais. A esse conjunto de programas

fomentadores deu-se o nome “Mato Grosso é Hora de Investir”. Esses programas partiam

da premissa que identificada uma cadeia produtiva que o Estado pretendia estimular a sua

verticalização, desde a produção primária até a produção acabada, renunciava parte

significativa da receita tributária (ICMS) na condição de o empresário na sua contrapartida,

ou melhor retribuição, demonstrasse o investimento realizado na atividade proporcional à

renuncia concedida.

Norberto Bobbio também identifica essa situação de retribuição empresarial na

sua obra “Dalla Struttura ala funzione” no trecho que faz referência:

“[...] às medidas indiretas, ao contrário, o comportamento não desejado ou

desejado continua sendo possível, mas se torna mais difícil ou mais fácil, ou,

então, uma vez praticado, é seguido por medidas que pretendem sua retribuição

ou reparação. (BOBBIO, 2007, p. 31)

Já quando na gestão seguinte à Governador, o empresário, Blairo Maggi,

estabeleceu não mais particularizar as atividades produtivas e estendeu indistintamente a

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todas as atividades produtivas, inclusive ao comércio dando o nome a esse Programa de

PRODEIC – Programa de Desenvolvimento Industrial e Comercial do Estado de Mato

Grosso tendo como critério subjetivo o percentual de renúncia fiscal e a aprovação pelo

Conselho de Desenvolvimento do Estado de Mato Grosso, composto por políticos e

representantes das Federações de Classes. Verdadeiras fortunas se formaram à custa da

evasão fiscal legalizada e da desigualdade social, a exemplo, do próprio Governador que

recebeu merecidamente o prêmio “Motosserra de Ouro” de um programa nacional de

humor e do atual prefeito de Cuiabá, o empresário, Mauro Mendes que em pouco mais de

cinco anos partiu de uma atividade microempresária de serralheria de fundo de quintal para

um patrimônio de milhões de reais. Registra-se Mauro Mendes foi presidente da FIEMT –

Federação das Indústrias no Estado de Mato Grosso e apadrinhado político do atual

Senador da República Blairo Maggi.

Por óbvio, que o princípio da igualdade na segunda gestão passa longe da sua

função constitucional da Justiça Social comparativamente a primeira gestão. Enquanto a

primeira particulariza para estimular somente aqueles setores necessários ao

desenvolvimento regional e cria critérios objetivos para a adesão ao incentivo, a segunda

generaliza e cria critérios subjetivos proporcionando desigualdades distributivas de renda,

social e regional contribuindo para um Estado endividado tanto no aspecto econômico

como no social.

Não se ignoram que muitas das subvenções são concedidas às organizações não-

governamentais pela única razão de serem ligadas a grupos políticos que se encontram no

exercício do poder estatal, ou como vimos no exemplo apresentado, benefícios fiscais

outorgados a setores empresariais não porque sejam os mais necessitados ou que gerem

empregos e renda, mas infelizmente, porque são dotados de maior poderio de influência

política.

Essa configuração não é apresentada somente como um problema do Estado de

Mato Grosso, ou Nacional e sim é um fenômeno de preocupação Global, nas palavras de

Ariño Ortiz analisando a Espanha: “[...] las subvenciones generan um nuevo caciquismo,

practicado com dinero público.” (ORTIZ, 2004, pp. 370-371). O perigo do não controle da

atividade de fomento é a instituição do “Estado de Amiguismo”, onde somente os amigos

do rei tem acesso ao banquete.

COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 36 - Sustentabilidade Econômica e Social em Face à Ética e ao Direito

246

Na segunda situação de risco ao princípio da igualdade é a exclusão de alguns em

detrimento de outros da mesma particularização setorial, não sendo possível o acesso ao

fomento para todos os que se destacam pela prática ou atividade.

Isso pode ser identificado na Lei Complementar 123/2006, o Estatuto Geral da

Micro e Pequena Empresa, no seu artigo 17, em alguns incisos, quando proíbe o acesso ao

“Simples Nacional” de certas atividades que exerçam o transporte intermunicipal e

interestadual de passageiros; importadora ou fábrica de automóveis e motocicletas;

atividade de produção ou venda no atacado de cigarros, cigarrilhas, charutos, filtros para

cigarros, armas de fogo, munições e pólvoras, explosivos e detonantes; bebidas alcoólicas,

refrigerantes, inclusive águas saborizadas gaseificadas, preparações compostas, cervejas

sem álcool, prestadores de serviços de cessão ou locação de mão-de-obra, atividade de

consultoria, como destaque para nossa análise.

Não desejando aqui discutir quanto ao critério imposto pelo Estado Brasileiro para

criar o fator de discriminação dentro da própria lei discriminadora das Micro e Pequenas

Empresas, nos surpreende outra questão quanto ao acesso aos Juizados Especiais dessas

empresas descriminadas prevista no artigo 74. Alguns magistrados impõem a apresentação

de Certidão de Regularidade Fiscal da Receita Federal para acesso a essa Justiça

Especializada. Com todo respeito ao entendimento, me parece que existe um equívoco na

interpretação da norma. A condição de estar ou não no regime especial tributário ou no rol

de atividades empresárias discriminadas, ou mesmo, a inadimplência junto a Receita não

excluem a condição de Micro e Pequena Empresa prevista no artigo 3º, e por

consequência, o seu direito de acesso a essa Justiça Especializada.

Também podem ocorrer outros tratamentos discriminatórios em que se consiste na

medida do fomento outorgado em critérios lógicos, com base no traço diferenciado dos

beneficiados, mas com ofensa ao princípio da igualdade, em razão de valores

incompatíveis com o texto constitucional. Nas situações de, a concessão de benefícios

fiscais para determinado grupo de empresas que acabem por fim prejudicando a livre

concorrência prevista no artigo 170, IV da Constituição Federal, ou mesmo, a concessão de

financiamentos públicos subsidiados para fomentar operações societárias que produzam

como resultado a concentração de mercado, prejudicando os consumidores confrontando o

dispositivo constitucional do Artigo 170, V. Nas palavras conclusivas do Professor Celso

Antonio:

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“[...] fica sublinhado que não basta a exigência de pressupostos fáticos diversos para que a lei distinga situação sem ofensa à isonomia. Também não é suficiente o poder-se arguir fundamento racional, pois não é qualquer fundamento lógico que autoriza desequilibrar, mas tão-só aquele que se orienta na linha de interesses prestigiados na ordenação jurídica máxima. Fora daí ocorrerá incompatibilidade com o preceito igualitário.” (MELLO C. A., 2011, p. 43)

Isso significa que não basta existir a prática da atividade destacada tida como

necessária ao interesse do Estado e na satisfação do interesse público, bem como, previsão

constitucional ao favorecimento, mas também, a consonância da sua viabilidade com toda

a estrutura do ordenamento constitucional.

3.3. A DIMENSÃO DE SUJEIÇÃO DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA NA

ATIVIDADE DE FOMENTO

A Administração Pública na margem da sua discricionariedade possui o poder de

utilizar ou não a Atividade de Fomento como forma de planejamento e realização dos seus

objetivos propostos pela sua gestão. O Professor Celso Antonio conceitua a

discricionariedade como:

“[...] a margem de “liberdade” que remanesça ao administrador para eleger, segundo critérios consistentes de razoabilidade, um, dentre pelo menos dois comportamentos, cabíveis perante cada caso concreto, a fim de cumprir o dever de adotar a solução mais adequada à satisfação da finalidade legal, quando, por força da fluidez das expressões da lei ou da liberdade conferida no mandamento, dela não se possa extrair objetivamente uma solução unívoca para a situação vertente.” (MELLO C. B., 2011, pp. 988-989)

Não é fácil determinar na discricionariedade do administrador público quando há

ou não a observância ao princípio da isonomia, porém é possível estabelecer limites e

alguns critérios para sua sujeição estabelecendo comportamentos que, caso observado,

poderá reduzir bastante os riscos apontados anteriormente.

Eros Roberto Grau sobre o planejamento não o considera como forma de

intervenção estatal, pois verdadeiramente não o é, mas necessário na identificação do fim

que se pretende. Nas palavras dele:

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“[...] note-se que tanto intervenção no quanto intervenção sobre o domínio econômico podem ser praticadas ad hoc ou, alternativamente, de modo planejado – mas, simplesmente, um método a qualificá-la, por torna-la sistematicamente racional.” (GRAU, A Ordem Econômica na Constituição de 1988, 2010, p. 150)

Mesmo havendo ou não o planejamento pela Administração Pública a realização

da intervenção estatal através das medidas de fomento primordialmente deve ocorrer no

privilégio do princípio da razoabilidade e da transparência. A definição de critérios

objetivos e claros a serem cumpridos pelos interessados a se candidatar ao fomento

apresentado pela Administração Pública é o primeiro passo para a obediência ao princípio

da isonomia. A ideia de fomentar o particular no exercício de qualquer que seja a

atividade, parte do cumprimento de uma finalidade de interesse geral, específica e

determinada. Nos ensinamentos do Professor Celso Antonio:

“[...] se fez menção aos elementos básicos que permitem localizar os confins da discricionariedade. São os próprios pressupostos legais justificadores do ato, a finalidade normativa – ainda que expressos mediante conceitos algo imprecisos – e a causa do ato que determinam os limites da discrição.” (MELLO C. B., 2011, p. 989)

A atividade fomentada possui antes de tudo uma finalidade que se deseja alcançar,

não pode estar perdida no tempo e no espaço sem qualquer objetivo ou causa a ser

alcançada. O fim que se destina o fomento também deve estar vinculado ao interesse geral,

pois se for interesse individual fere não só o princípio da isonomia como os próprios da

Administração Pública fixados no artigo 37 da Carta Magna. Silvio Luís Ferreira Rocha

nos explica que: “A atividade de fomento deve sempre buscar a incentivar ou preservar

uma atividade privada que satisfaça necessariamente um interesse geral. A atividade de

fomento que não persiga um fim de interesse geral, não é lícita.” (ROCHA, 2003, p. 31)

O interesse individual da média e grande empresa quanto ao auferir os lucros de

sua atividade é legítimo, porém esse não deve prejudicar os interesses da coletividade

sucumbidos pela concorrência de mercado. Por este motivo, o Legislador garantiu as Micro

e Pequenas Empresas tratamento diferenciado como forma de a sobrevivência dessas no

livre mercado e garantia a dignidade das gerações futuras, a estabilidade econômica e

social.

Os critérios para participação da atividade fomentada pela Administração Pública

devem ser objetivos e serão utilizados para escolha dos beneficiários. Pelo princípio da

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249

isonomia todos aqueles que atingirem as condições estabelecidas pela Administração

Pública devem ser beneficiados pela medida fomentadora. Caso isso não seja possível,

numa situação de escassez de recurso, a escolha deverá ser também na objetividade, mas

por um processo competitivo a luz da Lei 8.666/1993.

A licitação pública também pode ser um forte instrumento de fomento nas

políticas públicas, como o citado pela Mestra Aline Cristina Koladicz na sua dissertação de

conclusão de curso pela UNICURITIBA, ao relatar o Guia de Compras Públicas

Sustentáveis, promovido pela FGV – Fundação Getúlio Vargas, para “o atendimento das

necessidades por meio de uma compra que ofereça um maior número de benefícios ao

ambiente e à sociedade”:

“A licitação sustentável é uma solução para integrar considerações ambientais e

sociais em todos os estágios do processo da compra e contratação dos agentes

públicos (de governo) com o objetivo de reduzir impactos à saúde humana, ao

meio ambiente e aos direitos humanos. A licitação sustentável permite o

atendimento das necessidades específicas dos consumidores finais por meio da

compra do produto que oferece o maior número de benefícios para o ambiente e

a sociedade. A licitação sustentável é também conhecida como “compras

sustentáveis”, “eco aquisição”, “compras verdes”, “compra ambientalmente

amigável”, e “licitação positiva”. (KOLADICZ, 2009, pp. 107-108)

Além de tudo já falado, não podemos esquecer de que todos os atos

administrativos, há a exigência da observância ao princípio da isonomia para viabilizar a

atividade administrativa fomentadora. Essa obriga o administrador público a explicitar suas

razões motivadoras de fato e de direito que levaram a conceder tal vantagem ou benefício a

esse ou aquele particular. A motivação dificulta a concessão de vantagens arbitrárias sem a

razoabilidade e proporcionalidade.

4. MARCOS INSTITUCIONAIS DA ATIVIDADE DE FOMENTO ÀS MICRO E

PEQUENAS EMPRESAS NO BRASIL

A formulação e implementação de políticas para desenvolver a Atividade de

Fomento às Micro e Pequenas Empresas no Brasil é uma experiência recente. Durante o

século XX, a industrialização esteve fortemente baseada no Fomento do Estado ao

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desenvolvimento da estrutura produtiva das grandes empresas. As iniciativas de fomento

ao universo das empresas de menor porte constituíam um tema de menor agenda no

Governo Brasileiro.

Podemos destacar dois importantes marcos institucionais e legais que provocaram

o início de um processo de construção à atividade de fomento das Micro e Pequenas

Empresas. O primeiro foi a criação na década de setenta, de um Centro de Negócios para

as Micro e Pequenas Empresas que resultou depois no Serviço de Apoio às Micro e

Pequenas Empresas –SEBRAE. O segundo foi a criação na década de noventa da primeira

legislação específica para o setor a Lei 9.317/1996 – Lei das Micro e Pequenas Empresas e

a Lei 9.841/1999 - Estatuto das Micro e Pequenas Empresas.

Estas legislações possuíam no seu cerne a Atividade Fomentadora do Estado

Brasileiro às Micro e Pequenas Empresas em cumprimento à determinação no texto

constitucional de 1988 dos artigos 149, 170, IX e 179.

Porém, o reconhecimento dos mecanismos de políticas e instrumentos ocorreu de

forma muito lenta causados por um período marcado por uma forte orientação de políticas

macroeconômicas, em detrimento de políticas industriais e tecnológicas, que dificultou a

implementação de políticas de fomento das Micro e Pequenas Empresas.

As Ausências dessas políticas são resultado de uma grande dificuldade para

incluir questões de fomento destinado a essa classe empresarial de menor porte na

planificação do Governo e também no âmbito de prioridades governamentais. Isso ocorria

a tal ponto que as Micro e Pequenas Empresas não eram um tema relevante da agenda

governamental e as políticas de apoio ocorriam fora do governo federal, com as atividades

do SEBRAE e das administrações estaduais e municipais.

Apesar das políticas de fomento não serem consideradas na agenda

governamental, na esfera executiva do governo federal, haviam visíveis ações e esforços de

alguns ministérios. Porém, não havia efetividade na aplicação das políticas, porque as

iniciativas colidiam com os objetivos das políticas macroeconômicas desenvolvidas nos

anos noventa.

Nesse cenário, os micro e pequenos empresários tinham enormes dificuldades

para financiar seus negócios e muitos optavam por fechar seus estabelecimentos e trabalhar

na informalidade. As restrições de ordem macroeconômica contribuíram para neutralizar

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251

os esforços de uma implementação de políticas industriais e tecnológicas, bem como, a

reformulação de linhas de financiamento voltadas para às Micro e Pequenas Empresas.

Esse período caracteriza-se por uma relativa ausência de consenso na formulação

de políticas públicas com vistas à prioridade do fomento que deveria ser dada para estas

questões. O governo federal, sobretudo, priorizava as políticas de estabilização monetária,

desestatização, a privatização, a desregulamentação da economia, seguindo os preceitos

neoliberais dos anos noventa.

Ao final dessa década, as reformas geraram impactos negativos sobre diversos

segmentos econômicos e em especial nas Micro e Pequenas Empresas. Muitas ações

buscaram mitigar esses efeitos danosos como ações para aumentar o nível de produção e

emprego, eliminar o déficit da balança comercial e intensificação do ritmo das inovações

tecnológicas. Estas iniciativas foram de curta duração, pois as restrições macroeconômicas

tinham uma fraca articulação entre os distintos programas e os organismos responsáveis

pela sua execução.

A partir do primeiro Governo Lula (2003-2006) o cenário modifica-se e se

introduz importantes inciativas de fomento as Micro e Pequenas Empresas. Observa-se que

pela primeira vez, a política de fomento às Micro e Pequenas Empresas passa a ser parte da

estratégia mais ampla do Estado brasileiro, buscando ampliar o fomento da

competitividade da estrutura produtiva e o desenvolvimento regional do país.

A Lei Complementar 123/2006 que instituiu o Estatuto Nacional da

Microempresa e da Empresa de Pequeno Porte e muitas outras inciativas foram

consolidadas e ampliadas ao longo do segundo Governo Lula (2007-2010), período que se

apresentou propício para impulsionar o plano de políticas industriais e de inovação com

uma perspectiva de desenvolvimento à longo prazo.

As perspectivas do governo Dilma que se apresenta na atual gestão, em grande

parte apresenta-se como uma extensão das diretrizes gerais que já vinham guiando a gestão

do Governo Lula. Enfatiza-se cada vez mais a relevância das Micro e Pequenas Empresas,

não só como geradoras de empregos e renda, mas também como elementos dinâmicos de

desenvolvimento do sistema produtivo, seja nas atividades tradicionais como em áreas

intensivas no conhecimento e alto conteúdo tecnológico.

Nesse último tempo não se têm indicado rumos muito diferentes na política de

fomento para as Micro e Pequenas Empresas. A opção tem sido a consolidação e

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ampliação das atividades fomentadoras com êxito recentes. Desta forma, se observa uma

contínuo esforço para estender a participação das Micro e Pequenas Empresas como

beneficiárias de linhas de financiamento, incentivos a inovação, programas de capacitação

e de fomento as exportações.

Um critério central do atual programa de governo é dar continuidade ao projeto de

desenvolvimento que assegure um grande e sustentável desenvolvimento na transformação

produtiva do Brasil. Nesse contexto, as Micro e Pequenas empresas sobressaem como

elemento impulsionador da economia. Tanto assim, que as diretrizes gerais destacam a

importância de conciliar desenvolvimento das grandes e médias empresas com das micro e

pequenas empresas e de fomentar o espírito empresarial.

A referência atribuída as Micro e Pequenas Empresas trazem consigo a discussão

a respeito da necessidade de promover mudanças no marco institucional de apoio. Disso se

desprende ao debate da pertinência da proposta de criação de um Ministério ou Secretaria

de Estado exclusivamente dedicada as Micro e Pequenas Empresas para a Atividade de

Fomento Estatal no cumprimento das políticas públicas.

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Enfim, após esse momento de estudo e análise da importância econômica do

instituto do “fomento” como instrumento de política pública do Estado com vista à

igualdade entre os portes das empresas e de estímulo ao micro e pequeno

empreendedorismo no Brasil, à luz da obra, “O Conteúdo Jurídico do Princípio da

Igualdade”, do Professor Doutor Celso Antônio Bandeira de Mello, apresentamos nossas

considerações.

1. O Estado Moderno a partir do século XVIII busca atuar no domínio econômico

com diferentes graus de intensidade. Na atualidade o Estado Social age de forma indireta,

demandando a participação da iniciativa privada na busca do bem comum. Isso é um

campo fértil para a promoção positiva e a prática da atividade de fomento pelo Estado. No

Brasil a nossa Constituição de 1988 mostra-se receptível a essa tendência.

2. A atividade de fomento não pode afastar as preocupações acerca dos limites

jurídicos de sua utilização, pois da mesma forma que pode ser considerada um importante

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instrumento para o desenvolvimento de políticas públicas, também pode produzir

desigualdades quando não observados pelo administrador público os princípios norteadores

da administração pública.

3. A atividade de fomento enseja a livre inciativa do particular em participar,

porém no momento que adere às vantagens fomentadas pelo Estado, cria uma

contraprestação que lhe impõe a observar certa conduta estabelecida.

4. As políticas públicas de fomento tem como destinatário o interesse público

devendo ser prevista em lei, pois do contrário é ilegítima, injustificável e discriminatória.

5. As Micro e Pequenas Empresa dependem da discriminação legal que lhe são

concedidas para terem condições de concorrer com as médias e grandes empresas, pois

dessa forma, o Estado cumpre mediante a atividade de fomento com o desenvolvimento

nos ditames da Justiça Social.

6. Na salva guarda dos ensinamentos do Professor Celso Antônio Bandeira de

Mello o tratamento jurídico discriminatório concedido às Micro e Pequenas Empresas

possui lógica como fator de diferenciação quanto ao porte e compatibilidade com o

princípio da igualdade.

7. A atividade de fomento é discriminatória na sua essência, porém não ofende o

princípio da isonomia quando oferecidas ao particular que se destacar, sendo possível a

todos os que se destacarem pela prática da atividade tida como interesse público, bem

como, as vantagens e tratamento à promoção de valores que sejam compatíveis com o

texto constitucional.

8. O interesse individual da média e grande empresa quanto ao auferir lucros de

sua atividade é legítimo, mas esse não deve prejudicar os interesses da coletividade pela

concorrência desproporcional com as Micro e Pequenas Empresas. Por esse motivo,

justifica o tratamento favorecido e diferenciado a sobrevivência dessas no livre mercado, a

dignidade das gerações futuras e a estabilidade econômica e social.

9. A administração pública na margem da sua discricionariedade não pode perder

de vista a observância do princípio da igualdade para viabilizar a atividade fomentadora

por meio de critérios objetivos, razoáveis e proporcionais aos motivos ensejadores.

10. O Estado brasileiro demorou em reagir e efetivar os mandamentos

constitucionais previstos nos artigos 170, IX e 179 da Carta Magna. A história da política

de fomento às Micro e Pequenas Empresas tem pouco mais de vinte anos de aplicação. No

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atual Governo as políticas públicas para as Micro e Pequenas Empresas tem concentrado

esforços na manutenção e na ampliação das atividades de fomento implementas pelo

Governo Lula. Isso nos traz a esperança pela continuidade do cumprimento da ordem

constitucional de fomentar a atividade empresarial nas Micro e Pequenas Empresas com o

objetivo da construção de uma sociedade livre, justa e solidária, que garante o

desenvolvimento nacional para erradicar a pobreza e a marginalização na busca da redução

das desigualdades sociais e regionais.

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