suplemento especial caricatura-2007

36
Jornal da ABI Órgão oficial da Associação Brasileira de Imprensa 322 OUTUBRO 2007 EDIÇÃO EXTRA À direita, Getúlio Vargas no traço de Guevara; abaixo, Niemeyer, por Mariano. Roberto Benigni, no destaque, deu a Baptistão o Prêmio da Caricautura no World Press Cartoon de Sintra, Portugal. O Médico e o Monstro, de Carlos Estêvão. Embaixo, Henfil desenhado por Laerte. Dois personagens marcantes da caricatura brasileira: o Corvo Lacerda, de Lan, e Juca Pato (à direita), de Belmonte. Uma das musas de Jaguar. À esquerda, a graça da melindrosa de J.Carlos; ao lado, os zeróis de Ziraldo e à direita, Jânio Quadros, retratado por Nassara.

Upload: matheus-almeida

Post on 31-Jul-2015

135 views

Category:

Documents


9 download

TRANSCRIPT

Page 1: Suplemento Especial Caricatura-2007

Jornal da ABIÓrgão oficial da Associação Brasileira de Imprensa

322

OUTUBRO2007

EDIÇÃOEXTRA

À direita, Getúlio Vargas notraço de Guevara; abaixo,Niemeyer, por Mariano.Roberto Benigni, nodestaque, deu a Baptistãoo Prêmio da Caricauturano World Press Cartoonde Sintra, Portugal.

O Médico eo Monstro,de CarlosEstêvão.Embaixo,Henfildesenhadopor Laerte.

Dois personagensmarcantes dacaricatura brasileira:o Corvo Lacerda,de Lan, e JucaPato (à direita),de Belmonte.

Uma dasmusas deJaguar.

À esquerda, a graça damelindrosa de J.Carlos; aolado, os zeróis de Ziraldoe à direita, Jânio Quadros,retratado por Nassara.

Page 2: Suplemento Especial Caricatura-2007

2 Jornal da ABI Jornal da ABI Jornal da ABI Jornal da ABI Jornal da ABI 322 Outubro de 2007

EditorialEditorial

ESTA EDIÇÃO ESPECIAL DO JORNAL DAABI celebra uma das mais fecundas vertentesdo jornalismo brasileiro, a criaçãode charges e caricaturas, renden-do homenagem aos autores que háquase dois séculos, desde o pio-neirismo de Araújo Porto-Alegre,têm inundado a vida nacional coma sua arte, a sua irreverência e oseu senso de oportunidade em re-lação ao que de relevante e dignode registro marcou a vida políticae os costumes do País.Um forte traço – sem trocadilho

– dessa prodigiosa criação é aconsciência com que os chargis-tas e caricaturistas se debruçamsobre a vida no País e no mundo,aliando um agudo sentido crítico ao alto ní-vel estético de suas criações, à qualidade téc-nica e à criatividade admirável que imprimemaos seus trabalhos. Isto importa em dizer comclareza: não há chargista ou caricaturista ali-enado, indiferente às mazelas e injustiças davida social. Por isso esses artistas gran-jearam popularidade e o res-peito e a admiração dos seuscontemporâneos.É com orgulho que a ABI ex-

põe e proclama esse conceito,porque exaltar esses artistas,esses criadores, é tambémenaltecer o papel que a impren-sa tem desempenhado entre nósdesde o aparecimento da primeirapublicação reconhecida como marco da im-prensa no País, o Correio Braziliense de Hi-pólito da Costa, editado em Londres a partirde 1808 até 1822, após a Independência, agrande aspiração que inspirou o seu nascimen-to. Com todas as insuficiências que tenha apre-sentado, a imprensa, mais do que qualquer

outro sistema do País, incluído o de educaçãoformal, foi a plasmadora dos avanços que,

como nação, temos alcançado emprogresso material e espiritual.Nessa missão desempenhada

pela imprensa foi fundamentala colaboração oferecida por char-gistas e caricaturistas que ocupa-ram suas páginas. Eles revelaramum vigor crítico que alcançou di-mensão especial a partir do tra-balho de Ângelo Agostini, noséculo XIX; da arte e da sensibi-lidade de J. Carlos e seus contem-porâneos, nas primeiras décadase na primeira metade do séculoXX; de quantos lhes sucederamnas décadas seguintes, quando a

imprensa ultrapassou a fase artesanal e ga-nhou perfil empresarial, até aos dias presen-tes. Ao celebrar esses criadores, esta ediçãofaz justiça aos responsáveis por criações queintegram o que de melhor se fez e se faz entrenós com arte e consciência.

Jornal da ABI

Associação Brasileira de ImprensaDIRETORIA – MANDATO 2007/2010Presidente: Maurício AzêdoVice-Presidente: Audálio DantasDiretor Administrativo: Estanislau Alves de OliveiraDiretor Econômico-Financeiro: Domingos MeirellesDiretor de Cultura e Lazer: Jesus ChediakDiretor de Assistência Social: Paulo Jerônimo de Sousa (Pajê)Diretor de Jornalismo: Benício Medeiros

CONSELHO CONSULTIVOChico Caruso, Ferreira Gullar, José Aparecido de Oliveira (in memorian),Miro Teixeira, Teixeira Heizer, Ziraldo e Zuenir Ventura.

CONSELHO FISCALLuiz Carlos de Oliveira Chesther, Presidente; Argemiro Lopes doNascimento, Secretário; Arthur Auto Nery Cabral, Geraldo Pereira dosSantos, Jorge Saldanha e Manolo Epelbaum.

CONSELHO DELIBERATIVO (2007-2008)Presidente: Fernando Barbosa Lima1º Secretário: Lênin Novaes2º Secretário: Zilmar Borges Basílio

Conselheiros efetivos (2005-2008)Alberto Dines, Amicucci Gallo, Ana Maria Costábile,Araquém Moura Rouliex, Arthur José Poerner, Audálio Dantas,Carlos Arthur Pitombeira, Conrado Pereira (in memoriam),Ely Moreira, Fernando Barbosa Lima, Joseti Marques, Mário Barata (inmemorian), Maurício Azêdo, Milton Coelho da Graça e Ricardo Kotscho.

Conselheiros efetivos (2006-2009)Antônio Roberto Salgado da Cunha, Arnaldo César Ricci Jacob,Arthur Cantalice, Aziz Ahmed, Cecília Costa, Domingos Augusto Xistoda Cunha, Domingos Meirelles, Fernando Segismundo, Glória SuelyAlvarez Campos, Heloneida Studart, Jorge Miranda Jordão,Lênin Novaes de Araújo, Márcia Guimarães, Nacif Elias Hidd Sobrinhoe Pery de Araújo Cotta.

Conselheiros efetivos (2007-2010)Artur da Távola, Carlos Rodrigues, Estanislau Alves de Oliveira, FernandoFoch, Flávio Tavares, Fritz Utzeri, Jesus Chediak, José Gomes Talarico, JoséRezende Neto, Marcelo Tognozzi, Mário Augusto Jakobskind, OrpheuSalles, Paulo Jerônimo de Sousa, Sérgio Cabral e Terezinha Santos.

Conselheiros suplentes (2005-2008)Anísio Félix dos Santos (in memoriam), Edgard Catoira, FranciscoPaula Freitas, Geraldo Lopes (in memoriam), Itamar Guerreiro,Jarbas Domingos Vaz, José Amaral Argolo, José Pereira da Silva,Lêda Acquarone, Manolo Epelbaum, Maria do Perpétuo Socorro Vitarelli, Pedro do Coutto, Sidney Rezende, Sílvio Paixão e Wilson S. J. Magalhães.

Conselheiros suplentes (2006-2009)Antônio Avellar, Antônio Calegari, Antônio Carlos Austregésilode Athayde, Antônio Henrique Lago, Carlos Eduard Rzezak Ulup,Estanislau Alves de Oliveira, Hildeberto Lopes Aleluia, Jorge Freitas,Luiz Carlos Bittencourt, Marco Aurélio Barrandon Guimarães,Marcus Miranda, Mauro dos Santos Viana, Oséas de Carvalho,Rogério Marques Gomes e Yeda Octaviano de Souza.

Conselheiros suplentes (2007-2010)Adalberto Diniz, André Moreau Louzeiro, Arcírio Gouvêa Neto, BenícioMedeiros, Germando de Oliveira Gonçalves, Ilma Martins da Silva, JoséSilvestre Gorgulho, Luarlindo Ernesto, Luiz Sérgio Caldieri, Marceu Vieira,Maurício Cândido Ferreira, Yacy Nunes e Zilmar Borges Basílio.

COMISSÃO DE SINDICÂNCIAEly Moreira, Presidente; Carlos di Paola, Jarbas Domingos Vaz,Maria Ignez Duque Estrada Bastos e Maurílio Cândido Ferreira.

COMISSÃO DE ÉTICA DOS MEIOS DE COMUNICAÇÃOAlberto Dines, Artur José Poerner, Cícero Sandroni, Ivan Alves Filhoe Paulo Totti.

COMISSÃO DE LIBERDADE DE IMPRENSA E DIREITOS HUMANOSAudálio Dantas, Presidente; Arthur Cantalice, Secretário; Arcírio GouvêaNeto, Daniel de Castro, Germando Oliveira Gonçalves,Gilberto Magalhães, Lucy Mary Carneiro, Maria Cecília Ribas Carneiro,Mário Augusto Jakobskind, Martha Arruda de Paiva, Orpheu SantosSalles, Wilson de Carvalho, Wilson S. J. Magalhães e Yaci Nunes.

Esta edição foi finalizada e impressa na segunda quinzena de dezembro de 2007, quando começou a circular nacionalmente.

Rua Araújo Porto Alegre, 71, 7º andarTelefone: (21) 2220-3222/2282-1292 Cep: 20.030-012Rio de Janeiro - RJ ([email protected])Editores: Francisco Ucha, Maurício Azêdo e Otacílio D’Assunção.Textos: Carlos Amorim, Isabel Lustosa, Luís Pimentel, Nani,Octávio Aragão, Tárik de SouzaProjeto gráfico, diagramaçãoe editoração eletrônica: Francisco UchaApoio à produção editorial: Ana Paula Aguiar,Fernando Luiz Baptista Martins, Guilherme Povill Vianna.Diretor responsável: Maurício AzêdoImpressão: Taiga Gráfica Editora LtdaAvenida Dr. Alberto Jackson Byington, 1808 Osasco, SP(11) 3693-8027

As reportagens e artigos assinados não refletemnecessariamente a opinião do Jornal da ABI.

ARTE & CONSCIÊNCIA

À direita, charge de Angeli para a Folha deS.Paulo; abaixo, o humor de Luscar no Pasquim;embaixo, caricatura de Fernando Henrique , porPaulo Caruso, publicada no Bar Brasil da revista

IstoÉ; mais embaixo, charge inédita de Adail.

Page 3: Suplemento Especial Caricatura-2007

3Jornal da ABI Jornal da ABI Jornal da ABI Jornal da ABI Jornal da ABI 322 Outubro de 2007

A CARICATURA BRASILEIRA

170 ANOS ZOMBANDODOS PODEROSOS

A CAMPAINHA E O CUJO

� �

����

Em setembro de 1837, Diogo Antônio Feijó renunciava ao seu desacreditado mandato como primeiro

Regente Uno do Império. Eram tempos difíceis e o País estava mergulhado numa crise com um Imperador

ainda criança e sinais de revolta que se espalhavam pelas províncias. Mas, apenas três meses depois de sua

renúncia, uma novidade chegaria ao Império para espelhar as mazelas políticas do País. Em dezembro, o

Jornal do Commercio do Rio de Janeiro – que acabara de completar 10 anos de existência em outubro –

inovaria ao publicar pela primeira vez no Brasil “uma Nova Invenção Artística, gravada sobre magnífico papel,

representando uma admirável cena brasileira”, conforme foi publicado em exultante editorial daquela edição.

A novidade era o desenho de Araújo Porto-Alegre que satirizava um destacado político da época (imagem

acima). “A bela invenção das caricaturas” finalmente chegava aos leitores dos jornais brasileiros e sua fama só

fez crescer, desde então. Esta Edição Especial do Jornal da ABI comemora os 170 anos de caricaturas e charges

no Brasil. Selecionamos trabalhos de alguns dos mais destacados artistas que desenharam a História do Brasil.

Page 4: Suplemento Especial Caricatura-2007

4 Jornal da ABI Jornal da ABI Jornal da ABI Jornal da ABI Jornal da ABI 322 Outubro de 2007

Gaúcho de Rio Pardo, Manuel deAraújo Porto-Alegre nasceu em 1806e veio aos dezoito anos para o Rio,onde cursou a Escola Militar. Fasci-nado pelos desenhos de Debret, dequem foi aluno, e de outros artistasda época, interessou-se pela pinturae já no início da década de 1830 suasobras eram conhecidas na Corte.

Em 1837 produziu o que é reco-nhecido como a primeira caricaturabrasileira: A campainha e o cujo, lito-grafia com o desenho de um notávelda Corte recebendo suborno. Comoas caricaturas ainda não haviam che-gado aos periódicos, elas eram vendi-das de maneira avulsa nas ruas daentão capital do Império.

A chegada desses desenhos à im-prensa só aconteceu sete anos maistarde, graças ao próprio Araújo Por-to-Alegre, também pioneiro na his-tória da caricatura da imprensa bra-sileira: foi ele que lançou a LanternaMágica,”periódico plástico-filosófi-co”, cujos 23 números circularamentre 1844 e 1845. Não foi o primei-

O PIONEIRISMO DEARAÚJO PORTO-ALEGRE

HENRIQUE FLEUISS, A SEMANA ILLUSTRADAE O ADVENTO DA CARICATURA POLÍTICA

POR OCTAVIO ARAGÃO

Quando o alemão Henrique Fleuiss inaugu-rou, no Rio de Janeiro, a revista Semana Ilustra-da (1860/1876), provavelmente não fazia idéiade que estava iniciando um estilo de publicaçãoaté então inexistente no Brasil. Fleuiss criou nãoapenas o formato que todas as revistas seme-lhantes seguiriam como também inovou ao in-troduzir um personagem central que comenta-va as notícias na capa da revista: o Dr. Semana.Sempre acompanhado por um menino negrocom quem contracenava, o Dr Semana logocaiu no gosto popular.

Outro grande ponto a favor da SemanaIllustrada foi a constante publicação de cari-caturas de personalidades em suas páginas,geralmente inseridas num contexto críticoou ridículo. Apesar de não ser o primeiro aefetivamente publicar esse tipo de trabalhono Brasil, Henrique Fleuiss o fez com umaregularidade ímpar, num veículo de bomalcance e com periodicidade inconteste.

Informado a respeito dos últimos sucessoseuropeus em termos de ilustrações, no afã de al-

O QUE DEVERIA FAZER A HUMANIDADE

ro dos vários periódicos que lançou,mas foi o primeiro ilustrado com ca-ricaturas.

Além de ser o pioneiro da carica-tura no Brasil, que em 2008 comple-ta 171 anos de existência, Araújo foimuito mais: poeta, arquiteto, urba-nista, teatrólogo, professor de dese-nho, crítico e historiador de arte, ve-reador, diplomata e patrono da cadeiranº 32 da Academia Brasileira de Le-trás. Acabou virando nome de rua,por coincidência a mesma onde ficaa sede da ABI. Uma de suas filhas veioa tornar-se esposa do consagrado pin-tor Pedro Américo, que também eracaricaturista (veja desenho ao lado) eem 1874 recebeu do Imperador D. Pe-dro II o título de Barão de Santo Ân-gelo. Faleceu em Lisboa, em 29 de de-zembro de 1879, no último degraude sua carreira diplomática.

Embora não fosse excelente – éconsiderado apenas um caricaturistamediano –, foi ele quem abriu cami-nho na imprensa brasileira para umaarte que dura até hoje.

cançar popularidade, Fleuiss não hesitava emadaptar e até copiar caricaturas estrangeiras, parahorror de seus colegas. Ângelo Agostini deu-seao trabalho de desenhar uma página dupla – AsApoquentações do Dr Semana – satirizando a fal-ta de originalidade do colega, publicando-a naVida Fluminense. Agostini subtitulou a saga doDr Semana, como Desenho Para Crianças, PorAngelo (Que Não Copiou de Nenhum Jornal Alle-mão) fazendo alusão direta ao gosto de Fleuisspelas criações de Willhelm Busch, autor dos per-sonagens Max und Moritz (Juca e Chico).

Outro grande atrapalho para a continuidadeda Semana Illustrada e de publicações subseqüen-tes, como a Ilustração Brasileira (1876-1878) e aNova Semana Ilustrada, em 1881, foi sua incon-testável admiração pela figura do Imperador Pe-dro II, a quem defendia sob qualquer circunstân-cia. Com a queda da apreciação do Imperador nogosto popular, Fleuiss entrou em ostracismo,jamais retomando a popularidade dos primeirosnúmeros da Semana Illustrada, mas não sem an-tes ter aberto uma senda por onde passariam to-dos os outros grandes ilustradores, chargistas eprotocartunistas brasileiros do fim do século XIX.

���

� �

Um dos mais importantes pintores brasileiros, autor do famoso quadro Independênciaou Morte, que mostra o momento em que, às margens do Rio Ipiranga, D. Pedro Iproclama a independência do Brasil, também foi um exímio caricaturista. O paraibanoPEDRO AMÉRICO publicou seus desenhos na revista A Comédia Social, que ele dirigiuentre 1870 e 71. A ilustração acima saiu na edição de 29 de setembro e mostra ostrês protagonistas dos acontecimentos que culminaram com a Guerra Franco-Prussiana de 1870 – Bismarck, Guilherme I e Napoleão III –, e uma frase que nãodeixa dúvidas ao que deveria acontecer com os promotores da guerra.

OS DESBRAVADORES

Page 5: Suplemento Especial Caricatura-2007

5Jornal da ABI Jornal da ABI Jornal da ABI Jornal da ABI Jornal da ABI 322 Outubro de 2007

Os primeiros anos de vida daqueleque é considerado como o primeiro qua-drinista do Brasil são difíceis de situar,pois os fatos conhecidos são os maisbásicos possíveis. Segundo HermanLima, “esse meridional do Piemonte,nascido em Farcelle – Itália – , a 8 de abrilde 1843, neto materno de uma senhoraparisiense, tendo passado a infância e aadolescência em Paris, onde estudoupintura, aportara ao Brasil, com a famí-lia, em 1859”.

Antônio Pedro Marques de Almeida,padrasto de Agostini, foi o responsávelpela iniciação do enteado nas artes grá-ficas e no jornalismo. Como proprietá-rio da revista A Vida Fluminense, Almei-da abrigou em sua publicação a série ilus-trada que poderia ser chamada de histó-ria em quadrinhos: As Aventuras de NhôQuim, Ou Impressões de Uma Viagem àCorte, de Agostini.

Originariamente residindo no Rio deJaneiro, Agostini logo mudou-se paraSão Paulo, onde, em 1864, inaugurariaaquele que é considerado o primeiro dosjornais ilustrados da cidade: O DiaboCoxo (1864-65), baseado nas publicaçõeseuropéias de cunho artístico, tais como,a Le Charivari francesa e a Semana Illus-

POR OCTAVIO ARAGÃO

ÂNGELO AGOSTINI, ABOLICIONISMO ECRÍTICA SOCIAL NA VIRADA DO SÉCULO

trada, de Henrique Fleuiss. Essas revis-tas foram celeiro e campo de trabalhode uma geração de artistas ansiosos porexperimentar todas as técnicas gráficase narrativas visuais que viam em publi-cações alemãs, francesas e holandesas.

Segundo o Correio Paulistano de 9 deoutubro de 1864, “o Diabo Côxo apareceem forma de jornal e promete não cair(pelo seu primeiro número) na enchar-cada vereda dos pasquins. Ainda bem, jáé um progresso para a nossa terra pos-suir uma folha do gosto da Semana Illus-trada, uma folha dedicada à caricatura,ao gracejo digno e comedido”.

Se Ângelo Agostini gostou da com-paração à publicação de HenriqueFleuiss, não se sabe. Mas, sem sombrade dúvida, havia um abismo de inten-ções a separar as duas revistas. O queFleuiss tinha de doce ironia, Agostinitinha de agressivo e ferino.

Com apenas oito páginas e medin-do 18 centímetros de largura por 26centímetros de altura, consistia dequatro páginas de textos e quatro dedesenhos inaugurando o formatoque todas as outras publicações deÂngelo Agostini seguiriam até oD. Quixote, de 1895.

Nada nem ninguém escapavada visão crítica de Agostini ou de

Em apenas um ano de existência, osemanário tratou de assuntos dos maisvariados, desde a Guerra do Paraguai atéacontecimentos prosaicos do dia-a-diapaulistanos sempre com o humor áci-do, o que fez do jornal alvo de seus ad-versários políticos, que depredaram aredação diversas vezes.

Perseguido por inúmeros inimigosque o ameaçavam com processos de in-

júria e até de ameaças físicas, Ân-gelo Agostini fechou as por-tas do Cabrião em 29 de se-tembro de 1867, já ilustradopor outro artista, após sofreruma vergonhosa invasão naredação do periódico. Diante daviolência de seus detratores, oartista mudou-se de São Paulopara nunca mais voltar, e retor-nou para o Rio de Janeiro. Masisso não significava que sua guer-ra pessoal contra a intolerância es-tava terminada.

Graças às suas boas relações nomeio, menos de um mês depois desua mudança, o artista volta a apa-recer com suas caricaturas na pági-nas de O Arlequim, em 26 de outubrode 1867. Logo depois seus trabalhosseriam publicados no Mosquito e, emseguida, na Vida Fluminense. De 1867

seus colaboradores. Com o fim do DiaboCôxo em 31 de dezembro de 1865, o du-blê de jornalista e ilustrador partiu paraa confecção do Cabrião, lançado em 30de setembro de 1866, periódico humorís-tico impresso na Tipografia Imparcial, deJoaquim Roberto de Azevedo Marques,fundador do Correio Paulistano.

Page 6: Suplemento Especial Caricatura-2007

6 Jornal da ABI Jornal da ABI Jornal da ABI Jornal da ABI Jornal da ABI 322 Outubro de 2007

RAFAEL BORDALOPINHEIRO, O NÊMESIS

De origem portuguesa, esse talento-so ilustrador boêmio foi protagonista deum famoso duelo com Ângelo Agosti-ni nas páginas das revistas Psit! (de suapropriedade) e Revista Illustrada (deÂngelo Agostini). Originalmente bonsamigos, a animosidade logo cresceuentre esses exímios ilustradores a pon-to de promoverem um verdadeiro com-

a 1876, Agostini preparou-se para aque-la que seria sua publicação mais famosae que marcaria o auge de sua carreira, aRevista Illustrada, e o panorama sócio-cultural que se desfraldava na cidade doRio de Janeiro não poderia ser mais pro-pício para os desenhos ferinos do mestre.

No início de 1871, as críticas a DomPedro deixaram de ser exceção e passa-ram a regra. Prenúncio de um triste fimpara aquele que já foi retratado ao ladoda Rainha Vitória da Inglaterra comoum dos Soberanos do Mundo. Ironica-mente, tanto Ângelo Agostini quanto

o imperador, seu alvo preferido, exila-ram-se na Europa logo depois do fim doImpério. O primeiro, mais uma vez pres-sionado por ameaças, viajou para Paris,em 1888; e o segundo optou por se tor-nar um itinerante na Europa, um cida-dão Pedro de Alcântara,vivendo às cus-tas dos amigos, ansioso para deixar paratrás as responsabilidades e os críticos.

Logo após a virada do século, em1903, já de volta ao Brasil, o veteranoartista trabalhou para a Gazeta de Notí-cias; no ano de 1905, transferiu-se paraO Malho para cuidar de uma página denotícias internacionais – que muitasvezes era ilustrada em quadrinhos – e,logo em seguida, em 11 de outubro de1905, testemunhou o lançamento de OTico-tico pela mesma empresa.

Em 22 de janeiro de 1910, foi vistocaminhando pelas ruas do Rio, passan-do em frente ao jornal O Paiz e indo emdireção ao Jornal do Commércio, parauma reunião de antigos abolicionistas,de luto pelo passamento de JoaquimNabuco, em Washington.

No dia seguinte, com a neta Laura Al-vim nos braços, Ângelo Agostini faleceu.

Num campo onde 99% são ho-mens, mulheres sempre chamam aatenção. Nair de Teffé (1886-1981) foia primeira-dama da caricatura brasi-leira. Nem tanto pela qualidade – con-siderada por alguns discutível – maspor ter sido a primeira mulher carica-turista brasileira e também... a primei-ra-dama da República. Nair foi casa-da com o Marechal Hermes da Fonse-ca, que governou o País entre 1910 e1914. Hermes, que ficou viúvo logoque assumiu a presidência, logo co-nheceu e se casou com Nair de Teffé,30 anos mais jovem do que ele. Foiquando ela interrompeu a carreira decaricaturista iniciada em 1909 na re-vista Fon-Fon, e que continuou em pe-riódicos como Careta e O Malho e atéem revistas francesas, onde usava opseudônimo Rian (Nair ao contrário).

Ela sempre será mais lembradacomo a primeira-dama que revolucio-nou o Palácio do Catete: foi lá que que-brou as regras convidando Chiquinha

bate impresso que durou, com interreg-nos, de 22 de setembro de 1877 a 21 dedezembro de 1878, com a aparente de-sistência de Bordalo, que fechou a revis-ta O Besouro quatro meses depois.

A carreira de Bordalo, porém, nãocomeçara com suas publicações brasilei-ras (O Mosquito, O Besouro e Psit!). Elesó chegou ao Brasil em 1875, mas em

Portugal desenhou e escreveu sé-ries ilustradas que o fariam serconsiderado como um dos maio-res expoentes da caricatura e arteseqüencial daquele país.

No trabalho de Bordalo, a viru-lência e a excelência gráfica cami-nham de mãos dadas, como pode-mos comprovar numa página doBesouro, na qual, respondendo auma piada de Ângelo Agostini, oartista desenha o colega em rou-pas de engraxate no canto da man-cha gráfica, como que sendo ex-pulso da página por um enormebesouro, símbolo da publicação(ao lado). Como resposta, Agosti-ni costumava recortar desenhosdo rival e reimprimí-los alteradosou com intervenções de própriopunho nas páginas da RevistaIllustrada. Tais recursos metalin-güísticos foram amplamente uti-lizados nos anos seguintes, masainda eram relativamente raros naépoca em que Bordalo e Agostiniduelavam. (Octavio Aragão)

A princípio amigos, Bordalo Pinheiro e Ângelo Agostini tornaram-se inimigos ferozes, que seatacavam com virulência em seus desenhos. Neste, Bordalo expulsa Agostini da faixa de impressão.

A PRIMEIRA-DAMADA CARICATURA

Gonzaga para tocar o Cor-ta-Jaca num sarau em 1914– fato que rendeu um es-cândalo, pois a oposição(leia-se Rui Barbosa) nãoperdoou o atrevimentode quebrar o protocoloda residência oficialdo primeiro manda-tário da República, onde “se de-veria dar o exemplo das manei-ras mais distintas e dos costu-mes mais reservados”. Numaépoca em que os salões da elitesó tocavam valsas, maxixeera um escândalo.

Deprimida com aperseguição ao Ma-rechal, que ficouseis meses preso emdecorrência de seuenvolvimento noepisódio dos 18 do Forte, em 1922, eveio a falecer doente alguns mesesdepois de ser solto, em 1923, Nair nãoencontrou forças para voltar plena-mente à caricatura, apesar de ter pu-blicado ainda mais alguns trabalhos apartir de 1926. Ela viveu até os 95anos. Faleceu em 1981.

O poeta AfonsoCelso retratado

pelo traço deNair de Teffé,

ou Rian.

���

Page 7: Suplemento Especial Caricatura-2007

7Jornal da ABI Jornal da ABI Jornal da ABI Jornal da ABI Jornal da ABI 322 Outubro de 2007

Raul Paranhos Pederneiras foi umbrasileiro maior. Dizem que não existiu,em sua época, alguém mais popular naCapital Federal do que ele. Era o maisvelho da tríade composta por ele, K.Lix-to Cordeiro e J. Carlos, considerados osmaiores caricaturistas da primeira me-tade do Século 20 que enfeitaram as pá-ginas das principais revistas humorísti-cas da época e circularam com elegân-cia pelas ruas do Rio de Janeiro.

Intelectual de prestígio, nasceu noRio de Janeiro no ano da graça de 1874.Multitarefa, foi pintor, escultor, compo-sitor e poeta; no teatro, foi figurinista ecenógrafo, autor de diversas revistasteatrais e fundador da Sociedade Brasi-leira de Autores Teatrais–Sbat; profes-sor, lecionou Anatomia e Fisiologia Ar-tística na Escola Nacional de Belas-Ar-tes e Direito Interacional na Faculdadede Direito da antiga Universidade doBrasil (UNB).

Mas Raul é mais conhecido por suaextensa atividade jornalística. Em maisde meio século de atuação, passou porpublicações importantes como O Paiz,Correio da Manhã, O Globo, Jornal doBrasil e Revista da Semana. Ele foi umdos primeiros sócios da ABI e ocupou apresidência da Casa em duas ocasiões.Vice na gestão de Belisário de Souza,assumiu a presidência quando este re-

RAUL, O PRESIDENTE CARICATURISTAnunciou, quatro meses antes do térmi-no de seu segundo mandato, em 1916;concorreu e foi eleito Presidente para omandato de 1916-1917 e voltou depoispara uma nova gestão, de 1920 a 1926,passando a seguir o cargo para BarbosaLima Sobrinho (cuja primeira gestão foide 1926 a 1927).

A caricatura lhe trouxe ainda maisnotoriedade. Seu primeiro desenho foipublicado em 1898 em O Mercúrio, quepor ser totalmente colorido era umarevolução para a época. Depois sua famasó fez aumentar com a publicação deseus trabalhos em periódicos como OTagarela, D. Quixote, Fon-Fon e O Malho.E não só esses. Ele emprestava seu traçoa qualquer publicação humorística novaque surgisse.

Entre suas criações de mais sucessoestavam as Cenas da Vida Carioca – sá-tiras aos usos e costumes da classe mé-dia de então – e os Onomatogramas – re-presentações gráficas de nomes. Estesconquistaram aplausos até no exterior.

Querido por todos, principalmentepela classe média, seu principal público,tratava de tudo com tanta elegância quejamais ganhou um desafeto por causade suas charges políticas. Só pegava pe-sado contra a emancipação feminina –em muitas de suas caricaturas batia natecla da falta de aptidão da mulher para

outras atividades que não as domésticas.Quanto aos ambientes que freqüen-

tava, trocava a alta burguesia pela boe-mia carioca, junto de figuras importan-tes da época, como Lima Barreto, OlavoBilac e, é claro, seu inseparável compa-nheiro de traço K.Lixto Cordeiro.

Raul encerrou a carreira em 1948,com a saúde debilitada. Morreu em1953, aos 78 anos, deixando saudades.

Uma foto histórica com refinado elenco de jornalistas das primeiras décadas do século passado. No centro da primeira fila, Raul Pederneiras, Presidente da ABI em 1916-17 e 1920-26.

Ao lado de J. Carlos,Raul Pederneiras e

K.Lixto compunhama grande

trindade dodesenho e da

charge no começodo século XX. AquiRaul e K.Lixto são

retratados comhumor que ressalta

suas diferenças.

Auto-retrato deRaul Pederneiras

Page 8: Suplemento Especial Caricatura-2007

8 Jornal da ABI Jornal da ABI Jornal da ABI Jornal da ABI Jornal da ABI 322 Outubro de 2007

Ele foi o caricaturista mais impor-tante de seu tempo. Sua obra tem sidoresgatada graças aos esforços de pesqui-sadores obstinados, como o tambémcaricaturista Cássio Loredano, mas hámuito que pesquisar, pois sua produçãode desenhos chega à casa dos seis dígi-tos, em seus quase 50 anos de carreira.

José Carlos de Britto e Cunha nasceuno bairro de Botafogo no Rio de Janei-ro, então Capital Federal, em 18 de ju-nho de 1884. Ainda bem jovem, foi apa-drinhado por Raul Pedeneiras e K. LixtoCordeiro, que lhe abriram seu primeiroespaço na imprensa, em 1902, em OTagarela. A partir daí não parou mais esuperou todos os seus colegas, tanto empopularidade como em perfeição do tra-ço. Participou de todas as publicaçõesimportantes da época, como O Cruzei-ro, Fon-Fon, Paratodos, O Malho e Care-ta, e fez até mesmo histórias em quadri-nhos: em O Tico-Tico, criou Lamparina,Jujuba, Carrapicho e Goiabada (assina-do como Nicoláo).

Em 1922, assumiu a direção de artede O Malho e O Tico-Tico, quando a

J. CARLOS, O PAI DE TODOSempresa passou poruma reforma. Poucosanos depois, construiua casa na qual morariapor quase 25 anos, numarua no Jardim Botânico quehoje leva o seu nome.

Sua obra é uma crôni-ca visual da época. Elecriou os tipos da melin-drosa e do almofadinha,que se tornaram recor-rentes em seus dese-nhos. Mais importante,criou um estilo inconfundível, reconhe-cido imediatamente por qualquer um.Daí as encomendas incessantes de todasas publicações.

Suas capas são belíssimas e de designavançado para a época. Criava logoti-pos para as revistas, que se confundi-am com os desenhos e foi até publici-tário: manteve, por mais de dez anos,um estúdio de onde saíram alguns dosnossos mais belos cartazes de propagan-da, além da ilustraçãode vários livros.

Morreu no cum-primento do deverno dia 30 de setem-bro de 1950: estavana redação da Ca-reta, na Rua FreiCaneca, olhando asprovas das capas daspróximas revistas.Em outro canto, à suaespera estava o compo-sitor Braguinha, que ialhe encomendar capaspara seus discos infantis.De repente, J. Carlos teveum acidente vascular-ce-

rebral-avc. Levadoao hospital, não recobrou mais aconsciência, falecendo dois diasdepois, num sábado, 2 de outu-bro de 1950, véspera das elei-ções presidenciais. Por isso suamorte não teve tanta repercus-são imediata, pois o noticiário

estava totalmente ocupado coma iminente eleição de Getúlio Var-gas e, como se temia que houves-se um quebra-quebra generaliza-do, seu enterro foi marcado parao mesmo dia.

Os amigos Raul, K. Lixto e Al-varus estavam presentes no

enterro, mas o povo custouum pouco a perceber sua per-da, pois durante três sema-nas ainda foram publicadas

capas suas na revista – as mes-mas que ele estava aprovan-do na Redação no dia 30. Sua

última capa foi publicada nodia 21 de outubro na Careta núme-

ro 2.208 e marcou o fim de uma época.

Sob este desenho de Getúlio Vargas, lê-se o seguinte texto: LÁ NO PALÁCIO DAS ÁGUIASPara que arame farpado, se é possível arranjar tudo com as habituais cascas?

A caricatura de Raul Pederneiras(à direita) foi usada num selo

comemorativo do Centenário deNascimento do ex-presidente da ABI,

em 1974. Acima, Lindolfo Collor.À esquerda uma de suas marcas

registradas: a graça com que desenhavaas mulheres, suas melindrosas.

Page 9: Suplemento Especial Caricatura-2007

9Jornal da ABI Jornal da ABI Jornal da ABI Jornal da ABI Jornal da ABI 322 Outubro de 2007

J.Carlos fez trabalhos para asprincipais revistas da época:

Fon Fon, Paratodos, Caretae O Cruzeiro, revista que

lançou e popularizou grandesnomes do traço brasileiro.

O artistacostumava

retratar, comfina ironia,problemas

que pessoascomuns

enfrentavam,como esta fila

do ônibus.

Page 10: Suplemento Especial Caricatura-2007

10 Jornal da ABI Jornal da ABI Jornal da ABI Jornal da ABI Jornal da ABI 322 Outubro de 2007

Durante pelo menos 20 anos, nas dé-cadas de 1930 e 1940, um dos persona-gens mais populares no dia-a-dia dospaulistanos não era de carne e osso. Erauma figura de páginas impressas, mor-daz, gentil e defensor dos fracos. Era o

Ele fazia parte dos 3 Amigos da época: ao lado de Raul Peder-neiras e J. Carlos, K.Lixto foi o terceiro caricaturista mais im-portante da primeira metade do Século XX, com uma prolíficaobra (calcula-se que tenha feito cerca de 150 mil desenhos). Suacarreira foi paralela aos outros dois, e a trinca era presença cons-tante em todas as publicações de humor da época.

O genial K. Lixto Cordeiro nasceu Calixto (com C) em 1877,em Niterói, RJ, mas logo que começou a publicar trocou o C eo A do seu nome por um K com ponto para compor o pseudô-nimo. Sua carreira também começou em 1898 no Mercúrio, al-guns dias depois da estréia de Raul. Seu primeiro desenho mos-trava um bêbado com um copo na mão, de pernas bambas, coma legenda: “Dizem que um copo de vinho dá força e conforto...e... mas eu já bebi uns 15, e nem me posso ter de pé”. Algunsanos depois, K. Lixto já dividia a direção artística de O Malho eFon-Fon com Raul. Em agosto de 1908 lançou a revista O Degas,que apesar de ter durado menos de um ano é considerada umadas graficamente mais belas do gênero, no Brasil. E foi lá queK.Lixto fez alguns de seus melhores desenhos.

Também ajudou a fundar as revistas O Avança, O Tagarelae a própria O Malho. K.Lixto atuou ainda em dezenas de ou-tras revistas, entre elas Kosmos, O Cruzeiro, Careta e O Século.

Além das caricaturas, K. Lixto também foi professor de de-senho, pintor, cartazista, poeta, teatrólogo, escritor e até pro-pagandista: ele é o criador dos clássicos anúncios de Bromil,Lugolina e Saúde da Mulher e dos slogans “seu dia chegará”,“insista, não desista” e “até que enfim” da Loteria Federal, ondetrabalhou durante vinte anos.

K.LIXTO, ARTISTA COMPLETO

JUCA PATO, A CRIAÇÃOIMORTAL DE BELMONTE

Juca Pato, criação imortal do jornalista,cartunista, chargista e caricaturista Bel-monte (Benedito Bastos Barreto, 1896-1947). Belmonte publicou seu primei-ro desenho em 1914, aos 17 anos, na re-vista Rio Branco e começou uma promis-

sora carreira colaborando para diversaspublicações. Foi nas páginas da Folha daNoite (hoje Folha de S. Paulo), para a qualhavia sido contratado como ilustrador,que criou sua imortal obra.

Juca Pato era careca, segundo o seuautor, de “tanto levar na cabeça”, e ado-tava o lema conformista “podia serpior”, que virou bordão na cidade de SãoPaulo e atravessou fronteiras. Belmon-te também escrevia reportagens e ilus-trava livros. Durante a Segunda GuerraMundial publicou charges que corre-

ram o mundo e teria despertado a ira doministro da propaganda nazista. Dian-te de um desenho seu, ridicularizandoos alemães, Goebbels teria desabafado:“Esse artista deve ter sido pago pelos ali-ados ingleses e norte-americanos”.

Juca Pato hoje é nome de prêmio li-terário, conferido anualmente pelaUnião Brasileira de Escritores ao inte-lectual do ano. Já foi conferido, entreoutros, a Érico Veríssimo, Cassiano Ri-cardo, Alceu Amoroso Lima e JorgeAmado.

Juca Pato segueGetúlio Vargas

depois que o Brasildeclara guerra à

Alemanha de Hitler.

Truman e Stalin brincam com fogo em charge publicada em setembro de 1946

Autocaricatura deK.Lixto invisível.

À direita, primeirapágina de D.Quixote

com desenho desua autoria.

Page 11: Suplemento Especial Caricatura-2007

11Jornal da ABI Jornal da ABI Jornal da ABI Jornal da ABI Jornal da ABI 322 Outubro de 2007

Nascido em 27 de dezembro de 1904, noentão Distrito Federal, Álvaro Cotrim pu-blicou seu primeiro boneco no pequenojornal clandestino A Bola, de quatro pági-nas, em 1923. A partir de 1925 começou apublicar profissionalmente em A Pátria. De-pois, não parou mais: A Noite, A Manhã,A Platéia, Diário de Notícias, O Radical,A Maçã, Shimmy e muitos outrosjornais e revistas do Brasil e do ex-terior tiveram o privilégio de con-tar com o traço refinado e o humorsutil de Alvarus.

Influenciado pelo paraguaio Guevara, o me-xicano Figueroa e os argentinos Valdivia e Alva-rez, ele ajudou a arejar a caricatura brasileira, nessaépoca ainda presa à sua irmã francesa. Apesar de cul-tor declarado de Daumier e Charles Leandré, Alva-rus se inspirava no grande J.Carlos: “Sou e semprefui seu admirador impenitente” – declarou certa vez.

Estudioso e autor de numerosas crônicas, ensai-os e palestras sobre o trabalho dos cartunistas, pos-suía provavelmente uma das mais completas bibli-otecas especializadas sobre o tema no mundo. In-clui-se aí também uma riquíssima coleção de ori-ginais de Daumier, Charles Leandré, Willete, Ga-varni, Sem e J. Carlos, entre outros.

Em novembro de 1978, em entrevista ao Jornaldo Brasil, afirmou que não havia na história da ca-ricatura no Brasil o registro da prisão de nenhumartista da pena, “mesmo dos mais violentos, por per-petrar o retrato de algum membro do governo”. Istona época em que o Pasquim estava sendo processa-do por alegadas ofensas à dignidade do Presidenteda República e de vários ministros de Estado, carica-turados na edição 486, de 20 de outubro daquele ano.O pedido de processo era do então Chefe da Casa

Definido por Humberto de Camposcomo “o único paraguaio que venceu oBrasil”, o cartunista Andrés Guevaradeixou sua marca no Brasil desde 1923,primeira vez em que aqui aportou, aosdezenove anos. Colaborou, entre outrosperiódicos, em A Maçã e O Paiz, mas suaoportunidade chegou quando MárioRodrigues lançou o jornal A Manhã noano de 1925. Foi por essa época que co-nheceu seu melhor parceiro, AparicioTorelly, o Barão de Itararé, que mais tar-de lançaria uma sátira a esse jor-nal suprimindo um til e trans-formando A Manhã em AManha. Guevara criou a ca-ricatura do Barão de Itararéantes mesmo que o persona-gem fosse inventado – tor-nando-se o primeiro caso dea caricatura vir antes do ca-ricaturado – e mais tardeTorelly adaptou seu pró-prio aspecto físico à carica-

ALVARUS E SEUS BONECOS DE HUMOR SUTIL

GUEVARA, UM PARAGUAIOBRASILEIRO

tura, quando assumiu o personagem.Guevara passou por quase todas as

publicações importantes da época e fezum vasto grupo de amigos brasileiros, atéà Revolução de 1930, quando foi para aArgentina. Mas voltou em 1943, paraassumir a função de diretor de arte daFolha Carioca, e seu trabalho é conside-rado um marco na história do design bra-sileiro. Sua obra durante o período daguerra é memorável. Mas Guevara fezmais do que isso: influenciou toda uma

geração de caricaturistas brasileiros.Alternando-se entre ilustrador ediretor de arte, também partici-pou do projeto da Última Hora,de Samuel Wainer. Depois reto-mou a parceria com o Barão, cui-

dando da parte gráfica dos Al-manhaques da Manha, jána década de 50.

Guevara faleceu emagosto de 1964, aos 60anos, em Buenos Aires.

Civil, o General Golbery do Couto e Silva:“Quando a turma do Pasquim foi mandada

para a cadeia em 1969”, recordou, “lá esta-vam o admirável Ziraldo e o não menor Fortu-

na. Mas não foram presos por serem cari-caturistas e sim porque faziam parte do

corpo redacional do semanário. Esseprocesso abre um precedente na Histó-ria do País, pois não havia até agoranenhum exemplo semelhante no pas-sado”, afirmou Alvarus.

Alvarus publicou álbuns de suas ca-ricaturas produzidas em mais de 50anos de jornalismo, como Hoje tem Es-

petáculo e Alvarus e seus bonecos. Mas não esqueceuoutros artistas, e escreveu Pedro Américo e a Carica-tura e J.Carlos – época, vida e obra. Este não chegoua ver publicado; viu apenas suaboneca antes de ser impresso.

Em 1979, passou Al-varus a ser responsávelpela última página doJornal da ABI, abrilhantan-do esse espaço até 1985,quando as Parcas,como diziamseus contem-porâneos, cha-maram-no paraconversar. Cer-tamente umaconversa bemhumorada so-bre caricatura,tema de que as ditas senhoras não entendem bu-lhufas e que Alvarus dava um show à parte. (Car-los Amorim)

Alvarus fez caricaturas de outros desenhistas, como J.Carlos (acima)e Mendez (à esquerda). No meio do texto, o ex-presidente da ABI,

jornalista Herbert Moses. Abaixo, Guevara retratou Uma tardeinesquecível no Jóquei Clube: aparecem, em cima, da esquerda

para a direita: Salgado Filho; Gerona, Vice-Presidente do Uruguai;Getúlio Vargas; Osvaldo Aranha e Herbert Moses; embaixo, Roberto

Seabra; Peixoto de Castro; Nélson Seabra e Carlos Palhares. Nodesenho menor, no meio do texto, o ditador Mussolini.

11

Page 12: Suplemento Especial Caricatura-2007

12 Jornal da ABI Jornal da ABI Jornal da ABI Jornal da ABI Jornal da ABI 322 Outubro de 2007

Antônio Gabriel Nássara nasceu noRio de Janeiro em 1 de novembro de1910. Carioca de Vila Isabel, foi amigode infância de Noel Rosa. Aos 18 anosfoi trabalhar na redação do jornal A Crí-tica, dirigido por Mário Rodrigues, paide um clã de vários jornalistas, entre osquais Mário Filho, que dá nome ao Es-tádio do Maracanã, e Nélson Rodrigues.Nássara passou também pelos periódi-cos Carioca, O Globo, Vamos Ler e Mun-do Ilustrado, entre outros, mas foi nadécada de 40, quando seu trabalho pas-sou a ser publicado na revista O Cruzei-ro, que se notabilizou nacionalmente.

Nássara produziu igualmente exten-sa obra como compositor.Seu maior su-cesso foi a marcha Alá-lá-ô, de 1941, emparceria com Haroldo Lobo. Também éautor de Formosa, com Jota Rui; Periqui-tinho Verde, com Sá Róris, lançada porDircinha Batista no Carnaval de 1938;Florisbela, com Eratóstenes Frazão; doantológico Mundo de Zinco, com WilsonBatista; Meu Consolo É Você, com Rober-to Martins; Retiro da Saudade, com NoelRosa. Ele é tido também como o autordo primeiro jingle comercial do Brasil,ao criar um anúncio de uma padariaquando trabalhava no Programa Casé, naRádio Philips, em 1932.

Mário Mendez nasceu em Baturité,Ceará, a zero hora do dia 25 de dezem-bro de 1907. Apreciador dos desenhosde J. Carlos e outros notáveis da época,começou a fazer seus prórios desenhos.Autodidata, aos 17 veio para o Rio deJaneiro e aos vinte já estava fazendoilustrações de carnaval para o jornal AManhã, as quais fizeram grande suces-so. Também colaborava em A Batalha,A Esquerda, Vanguarda e O Ra-dical e era estimulado porpapas como Raul Peder-neiras.

Em 1936, depois deestrear na revista OCruzeiro, seus dese-nhos chamaram aatenção de Belmonte,um dos grandes artis-tas da época, e isto lherendeu um convitepara trabalharjunto com omestre na Folhada Manhã, emSão Paulo. Doisanos depois,Mendez voltou

O TRAÇO PROVOCANTE DE MENDEZ

NÁSSARA, ENTREO LÁPIS E A LIRA

Nássara manteve uma carreira regu-lar até à década de 50 nos jornais ÚltimaHora e Flan, ambos pertencentes a Sa-muel Wainer. Depois disso fez apenasilustrações esparsas, até que, em 1974,ao conceder uma entrevista ao Pasquim,foi convidado por Jaguar a se tornarcolaborador efetivo do jornal. Essa se-gunda fase de sua carreira durou prati-camente até o fim de sua vida. Morreucelebrado como brasileiro maior em 11de novembro de 1996.

ao Rio para trabalhar no jornal A Noite.O traço de Mendez incomodava a

quem era retratado: Dalva de Oliveirachorou durante uma semana quandoviu sua caricatura na revista Carioca.Orlando Silva ficou furioso porter sido caricaturado com cabeçade carneiro. Mas também haviaquem gostasse: o PTB se aproprioude um desenho seu para a campanha

pela eleição de Getúlio Vargas emoutubro de 1950.

O sempre sorridenteMendez se aposentou dacaricatura e nos anos 60 já

não publicava maiscom regularidade. Tro-cou o desenho pelamúsica e pela pintura,mas continuava sen-

do lembrado. Foio grande ho-

menageadopelo Salão de

Humor de Piracicabaem 1996. Mendez teveuma longa vida: fale-ceu aos 90 anos, emdezembro de 1997.

Abaixo, ProcópioFerreira no traço de

Mendez. No meio dotexto, Eça de Queiroz.

O GETÚLIO DE THEOGetúlio Vargas era figurinha fácil

entre os caricaturistas. Mas, foi notraço inconfundível de Theo, queele ganhou contornos de persona-gem de tiras cômicas. Não raro, odesenhista inseria Getúlio – que eraseu alvo preferido – em pequenashistorietas que satirizavam determi-nado momento político.

Nascido em 1901, Djalma PiresFerreira, o Theo, era baiano e che-gou com 21 anos ao Rio, onde pas-sou a colaborar em O Malho, Care-ta e O Globo. Neste jornal, era au-tor de uma charge diária sob o títu-lo de A bola do dia, seção que setornou muito popular na época.�

Acima,Nássara mostra o encontro d o Barão deItararé e Sérgio Porto numa mesa de bar, no

céu. Acima à esquerda, Noel Rosa; logo abaixo,Di Cavalcanti em visita à Lapa; ao lado, Jânio

Quadros.

Page 13: Suplemento Especial Caricatura-2007

13Jornal da ABI Jornal da ABI Jornal da ABI Jornal da ABI Jornal da ABI 322 Outubro de 2007

ANOS DOURADOS

Numa época em que os salões de bar-bearia viviam cheios, os fregueses espe-ravam pacientemente a sua vez, masnão tinham do que se queixar, pois ha-via pilhas e pilhas de exemplares velhosde O Cruzeiro para folhear. E a seção maislida era O Amigo da Onça, a “imortalcriação de Péricles”, que surgiu em 1943,durante uma reforma na revista, e de lánunca mais saiu. Péricles ganhou famanacional mas não é exatamente o cria-dor do personagem. O Amigo da Onçafoi decalcado de um personagem argen-tino, El Inimigo del Hombre. A encomen-da partiu do diretor da revista, LeãoGondim, que queria uma atração regu-lar para a publicação, mas com uma caramais carioca. A expressão “amigo daonça” surgiu numa piada muito popu-lar na época (ver boxe) que reproduzia odiálogo entre dois caçadores e virou onome do personagem, que sempreaprontava alguma sacanagem com al-guém. Após a morte de Péricles, no fimde 1961, o personagem foi retomadopelo colega e amigo Carlos Estêvão; apósa morte deste, teve diversos continua-dores. Mas certamente a fase de CarlosEstêvão foi a melhor de todas.

O genial Carlos Estêvão já tinha umaseção fixa com seu nome na qual foca-lizava cenas do cotidiano, notadamen-te as relações entre homens e mulheres.Estêvão também criou outro persona-gem: o Dr. Macarra, incialmente Dr. Ma-carrão, que seguia a linha de outro per-sonagem argentino, El Otro Yo del Doc-tor Merengue. Mas a sua criação mais ge-nial era As aparências enganam, onde eramostrada uma cena em silhueta que apa-rentava ser uma cena horrível, mas quan-do se mostrava o desenho completo erauma situação completamente inocente.

Só o Amigo da Onça e a seção de Estê-vão já garantiam o sucesso de O Cruzei-ro, mas humor era o que não faltava.Millôr Fernandes, na época em que ain-da assinava Vão Gogo, mantinha umaseção fixa chamada O Pif-Paf. Demitidoda revista após a publicação de um arti-go que desagradou a Igreja, Millôr ten-tou levar seu Pif-Paf adiante como umapublicação independente. Foi tambémem O Cruzeiro que se popularizou Ziral-

do, e também nessa revista que surgiupela primeira vez o Pererê, personagemque ganhou uma revista em quadrinhosem 1960. E os apreciadores de desenhosde mulheres bonitas não tinham do quese queixar, pois podiam apreciar as deli-ciosas, porém recatadas, Garotas do Al-ceu, criadas em 1938 por Alceu Penna epublicadas durante quase três décadas.

O Amigo da Onça era o grande suces-so, e não só nas barbearias: suas piadasvolta e meia apareciam penduradas nasparedes de oficinas mecânicas e outrosestabelecimentos populares e não haviaquem não folheasse a revista para acom-panhar a presepada da semana.

O desaparecimen-to do Amigo da Onçaveio junto com a deca-dência de O Cruzeiro etambém pela falta dealguém para substi-tuir Carlos Estêvão àaltura. Com a mortede Estêvão em 1972,inúmeros artistas assu-miram a tarefa, masnenhum se sobressaiu;em seu triste final, arevista nem era maisfigurinha fácil em bar-bearias, que por suavez ficavam às moscascom a moda dos cabe-los compridos.

Todo o clima dosbastidores da redaçãode O Cruzeiro nosanos áureos foi bri-lhantemente trans-posto para o teatro napeça O Amigo da Onça,de Chico Caruso, em1988. Uma outra ten-tativa de ressuscitar opersonagem sob for-ma de tiras diáriaspara jornais, na déca-da de 90, tambémnão deu certo.

AS ESTRELAS DE O CRUZEIRO

PÉRICLESPéricles Maranhão nasceuem Recife, em 1924. Veiobem jovem para o Rio, ondefoi apresentado a Chateau-briand, nos Diários Associ-ados. Primeiro criou o en-graçadíssimo Oliveira Tra-palhão, publicado em OGuri, e em 1943 ganhoufama nacional ao criar oAmigo da Onça, persona-gem que acabou virandomarca registrada da revistaO Cruzeiro e lhe deu famainstantânea. Péricles, entre-tanto, detestava a sua cria-ção, embora tenha desenha-do o personagem por 17anos. Ele se ressentia do fatode a criatura ser mais valo-rizada que o criador. Périclestinha uma personalidadeinstável e atormentada eacabou suicidando-se na vi-rada do ano novo de 1961para 1962. Ele abriu o gás emseu apartamento; teve ocuidado de colocar um car-taz na porta onde se lia “nãorisquem fósforos”.

�A PIADA ORIGINAL QUEINSPIROU O AMIGO DA ONÇADois caçadores dividem uma barraca.Um deles pergunta:– E se aparecesse uma onça agora?– Eu dava um tiro nela.– E se você estivesse sem arma?– Eu usava o facão.– E se você estivesse sem facão?– Eu subia numa árvore.– E se não tivesse árvore?– Eu corria.– E se você estivesse paralisado de medo?– Afinal.... você é meu amigo ou amigo da onça?

A primeiraaparição de O Amigo da Onça aconteceu em O Cruzeiro em 23 de outubro de 1943

OOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOO

Uma das Garotas do Alceu.

Page 14: Suplemento Especial Caricatura-2007

14 Jornal da ABI Jornal da ABI Jornal da ABI Jornal da ABI Jornal da ABI 322 Outubro de 2007

ADAILAdail José de Paula nasceu em1930, em São Paulo. Iniciou suacarreira com apenas 17 anos,como cartunista no Jornal Humo-rístico e nos semanários O Gover-nador, de circulação nacional, e AMarmita. Em 1955 mudou-separa o Rio, e dois anos depois es-tava no Diário de Notícias, ondepermaneceu por 20 anos. Traba-lhou ainda no Jornal do Sports eem Ultima Hora – publicaçõesonde criou e desenvolveu a engra-çadíssima tira diária Aristeu, oJuiz. Seu humor popular tam-bém abrilhantou as páginas darevista O Cruzeiro. Colaborouainda em diversas publicações,

como Correio da Manhã eO Dia. Adail é tambémcompositor.

APPEAppe nasceu em Sena Madureira, noAcre, em 1920, com o nome de batismoAnilde Pedrosa – nome que ele odiava,por causa dos trocadilhos com “anil”que os colegas faziam na escola. Por isso,dizia que se chamava Amilde, nomeemprestado de um irmão que morreracedo. Mas gostava mesmo era de serchamado pelo pseudônimo que adotouquando se profissionalizou.

Após fazer uma exposição na Ama-zônia em 1945, usou a receita para com-prar uma passagem para o Rio de Janei-ro, onde se estabeleceu, começando atrabalhar pelo Diário da Noite. Mas foia partir de 1953 que conquistou famanacional ao entrar para a redação deO Cruzeiro, fazendo caricaturaspolíticas. Na década de 70 criou aseção Blow-Appe (trocadilho como filme de Antonioni, famoso naépoca), que manteve praticamen-te até o fechamento da revista, em1975. Viveu um curto período naFrança (de 1978 a 80), depois retor-nou ao Brasil, estabelecendo-se emTeresópolis, RJ. Em 2004, por pro-blemas de saúde, trocou o frio daserra pelo clima mais ameno de SãoPedro da Aldeia, onde ficou até mor-rer, em 4 de agosto de 2006. Appe era ca-sado com Dona Neusa, que tinha sidoa primeira esposa de Carlos Estêvão.Quando estes se divorciaram, Appe con-fessou que sempre fora apaixonado secre-tamente por ela e pediu a sua mão. Ocasal ficou junto até o fim da vida.

CARLOS ESTEVÃOCarlos Estêvão nasceu em Recife, em 16de setembro de 1921. Em 1946, radicou-se no Rio de Janeiro e logo estava traba-lhando no Diário da Noite, jornal per-

tencente aos Diários Asso-ciados. Logo migrou para OCruzeiro, na qual permane-ceu como colaborador atéo fim da vida. Em O Cru-zeiro mantinha uma co-laboração permanente– uma seção assinadacom seu nome, onde reve-zava suas criações como AsAparências Enganam, Ser Mu-lher, Perguntas Inocentes e Acredite Que-rendo, entre outras. Também desenhavainterinamente o Amigo da Onça quandoPéricles atrasava. Com a morte deste em1961, a direção da revista o tornou o dese-nhista oficial da série (5), que fez mais su-cesso ainda sob suas mãos.

Embora fizesse também excelentescaricaturas e até charges políticas, Car-los Estêvão é mais lembrado por suascolunas em O Cruzeiro, de cunho maispopular e enfocando costumes. Entre ospersonagens que criou está o Dr. Macar-ra, que chegou até a ter revista própriapublicada pela editora O Cruzeiro em1962. Morreu prematuramente aos 50anos, em 1972, na cidade de Belo Hori-zonte, para onde se mudara em 1960.Foi casado duas vezes, primeiro porquinze anos com Neusa e depois comHelena, com a qual viveria os últimosonze anos de sua vida.

OOOOOOOOOOOOOOOOOO

Jânio Quadros dançacom Lacerda

General Figueiredoe Delfim Neto.

Á esquerda,Millor Fernandes.

Castelo Brancoe seus amigos,

MagalhãesPinto e

Adhemar deBarros. À direita,outro desenho deMagalhães Pinto.

Desenhos de Appeem O Cruzeiro

Acima à esquerda, Adail desenhou Agostinho dos Santos. Abaixo, a tira de Aristeu, o juiz. À direita, Adoriram Barbosa e seu trem das onze.

Page 15: Suplemento Especial Caricatura-2007

15Jornal da ABI Jornal da ABI Jornal da ABI Jornal da ABI Jornal da ABI 322 Outubro de 2007

Carlos Estêvão, o criador do Dr. Ma-carra, durante quase 30 anos assinouduas páginas de legítimo humor brasi-leiro naquela que foi a mais importan-te revista do País nas décadas de 40 a 60:a O Cruzeiro. Estêvão, que chegou ao Rioem 1941, com vinte anos, vindo de Per-nambuco, encontrou abrigo aqui, porindicação de Augusto Rodrigues, pri-meiro no Diário da Noite, depois em OJornal e finalmente na O Cruzeiro.

Seu traço logo libertou-se da influ-ência de Rodrigues para ganhar vôo pró-prio. À caricatura política preferiu a decostumes e foi para esta o avesso deJ.Carlos, cuja sombra se erguera sobera-na por toda a primeira metade desse sé-culo. Se em J. Carlos predominava ohumor delicado, quase ingênuo, aliadoao desenho limpissimo, que num úni-co movimento definia toda a figura, emCarlos Estêvão era o jogo de sombras, odesenho carregado, do nanquim em tra-ço grosso sobre o papel. Gostava dassombras e jogava com elas na textuali-dade de seu trabalho. Uma das suas maisnotáveis criações foi a série As aparên-cias enganam, onde cenas em silhuetassugerem situações terríveis que são logodesmentidas no quadro seguinte.

Carlos Estêvão foi o avesso de J.Carlostambém na forma como o seu humorapreendia e tratava a realidade. Em J.Carlos, o povo era visto de fora atravésdo olhar do homem distinto e civiliza-do, que não se confundia jamais com ele.Carlos Estêvão, ao contrário, encontranas relações entre o homem e a mulhercomuns o seu elemento. O homem quechama a mulher de patroa, nega, benzi-nho, etc. que algumas vezes é o bruto, odominador e noutras é o dominado, otraído. Seus desenhos caíram no gosto

POR ISABEL LUSTOSA

O TRAÇO POPULAR DE CARLOS ESTÊVÃO

Isabel Lustosa é historiadora e pesquisadora daFundação Casa de Rui Barbosa.

popular e eram freqüentemente fixadosnas paredes das barbearias em cenascomo aquela em que uma secretária dizao chefe pelo interfone diante do su-jeito furioso que distingue, atravésda porta de vidro, uma silhuetade mulher aos beijos com o talchefe: Já falei que o senhor estáocupado!... Mas ele insiste di-zendo que é o marido da suaocupação!

Estêvão é o que se cha-maria hoje “política-mente incorreto”. Elese compraz em repro-duzir todas aquelas situ-ações clássicas do anedotáriomachista brasileiro. Pode-se di-zer a seu favor, no entanto, que a formacomo o seu quadro “Ser Mulher” apre-sentava o papel feminino na relaçãoconjugal era tão radicalmente caricatu-ral que talvez funcionasse como umacrítica ao machismo então reinante.

Sem dúvida, o seu personagem favo-rito foi o Dr. Macarra, tipode mandrião sempre a con-tar vantagens em situaçõesque lembram o já citadoquadro As aparências enga-nam. Em geral, seu tema sãoas memórias do Dr. Macar-

ra, versão livre narrada por elemesmo a uma interlocutora embeveci-da. Um exemplo é a série Dr. Macarraem Cuba. Num dos quadros ele se gabade que em Cuba servia de exemplo à ju-ventude. No quadro seguinte, em flashback, ele está caido numa calçada, com-pletamente bebado, enquanto uma mãeo mostra ao filho: Myra, hijo, los hom-bres que beben tequilla acaban así, cahi-dos en las calles. Dr. Macarra chegou ater em 1962 uma revista própria, que,como toda revista do gênero no Brasil,teve vida curta: foram lançados apenasnove números.

Quando a O Cruzeiro resolveu criara versão brasileira do L’amigo del hombre,que fazia grande sucesso na Argentina,e que aqui ganhou o nome de O Amigoda Onça, Nássara e Augusto Rodriguesnão toparam, achavam que não ia colar.Enganaram-se e quem se deu bem foi otímido Péricles (tão delicado, tão gentilque, ao suicidar-se com gás, deixou ape-nas um bilhete: “favor não risquem fós-foros”). O sucesso do Amigo da Onçacontinuou, após a morte precoce de Pé-ricles, com Carlos Estêvão, que foi o res-ponsável pela página até o melancólicodesaparecimento de O Cruzeiro.

Como figura do humor nacional,Carlos Estêvão deve ser lembrado aindaporque, depois dele, a caricatura de cos-tumes praticamente desapareceu das

��

grandes revis-tas e jornais brasilei-ros, suplantada pela caricatura política.Teve uma sobrevida nas páginas de O Pas-quim, com Ziraldo, Jaguar e Henfil. Res-surgiu nos últimos anos através da beminspirada Radical Chique e seu corres-pondente masculino, o Gatão de MeiaIdade, de Miguel Paiva, e nas geniais tiri-nhas que Angeli e Laerte, de São Paulo,mandam para alguns jornais do País. Aconcepção gráfica do primeiro, aliada aotexto agressivo, muito o aproxima deEstêvão. Angeli pertence à geração de de-senhistas e ilustradores que sofreu níti-da influência de Robert Crumb. E, decerta forma, Carlos Estêvão, guardadas asdiferenças de tempo e de lugar, compar-tilha com o americano Crumb algumaspeculiaridades: o traço grosso; o gosto pe-las sombras; a representação agressivadas relações interpessoais, notadamenteas entre homens e mulheres.

Enquanto isso, seus originais perma-necem adormecidos lá em Belo Hori-zonte, depositados nos arquivos do jor-nal Estado de Minas. Lá onde, ao queparece, foi parar toda a memória de OCruzeiro, dos Diários Associados e, comela, boa parte da memória do Brasil.

Maysa àesquerda e

DorivalCaymmi à

direita.

A seção Ser Mulher,publicada em O Cruzeiro e a

revista do Dr. Macarra

A versão deCarlos Estêvãopara O Amigo

da Onça.À direita, Pelé.

Page 16: Suplemento Especial Caricatura-2007

16 Jornal da ABI Jornal da ABI Jornal da ABI Jornal da ABI Jornal da ABI 322 Outubro de 2007

O carioca do Méier Milton Fernan-des (o nome Millôr não passa de um errodo funcionário do cartório de registrosde nascimento, que ele adotou como as-sinatura e grife) nasceu em 1924. Ficouórfão de pai com menos de um ano devida, e com menos de dez perdeu a mãe.Ambos (pai e mãe) morreram com ape-nas 36 anos de idade. Estudou a vidainteira em escolas públicas e é formado,como ele mesmo já escreveu, “pela uni-versidade do Méier”.

Millôr teve infância das mais difíceisao lado de seus três irmãos – um deles, otambém jornalista Hélio Fernandes,hoje diretor do jornal Tribuna da Impren-sa – e estreou na profissão com 14, narevista O Cruzeiro, onde fez de tudo oque se pode imaginar dentro de umaredação. Começou como contínuo e, aodeixar a publicação, homem feito e jor-nalista dos mais respeitados, deixara nahistória da revista criações marcantescomo a coluna do Vão Gogo, pseudôni-mo inventado por ele e que veio a ser,provavelmente, o espaço autoral maislido nas páginas de O Cruzeiro entre1948-1950, e a coluna Pif-Paf, embriãoda revista quinzenal com o mesmonome, lançada no dia 15 de maio de1964, um mês e meio depois do golpe, efechada quatro meses depois. Totalmen-te informal, ela não tinha redação e fun-cionava no estúdio do Millôr, que, cer-ta vez, ao ser perguntado sobre os moti-vos que o levaram a lançar a revista OPif Paf, respondeu: “Sei lá por que eu fizisso, não tenho noção, não estava pre-tendendo ficar rico. Eu tenho horror demandar em gente”.

Autodidata e genial, o artista queconstruiu uma das mais belas e respei-tadas carreiras na imprensa de humor eidéias do País sempre foi elogiado pelosseus pares pelo desprendimento e a co-ragem, além da invejável erudição.

MILLÔR, O FAZ-TUDO DO HUMOR E DA CULTURAfoi vítima da prepotência e falsidade pa-tronal. O filósofo do Méier escreverauma história chamada A verdadeira his-tória do Paraíso, em que, entre outras al-finetadas na igreja e nos radicalismos dafé, encerrava com um versinho-indaga-ção ao Criador do Universo:Essa pressa, leviana,Essa pressa, leviana,Essa pressa, leviana,Essa pressa, leviana,Essa pressa, leviana,demonstra o incompetente.demonstra o incompetente.demonstra o incompetente.demonstra o incompetente.demonstra o incompetente.PPPPPor que fazer o mundo em sete dias,or que fazer o mundo em sete dias,or que fazer o mundo em sete dias,or que fazer o mundo em sete dias,or que fazer o mundo em sete dias,se tinha a eternidade pela frente?se tinha a eternidade pela frente?se tinha a eternidade pela frente?se tinha a eternidade pela frente?se tinha a eternidade pela frente?

Com o autor da historinha de férias,passeando em Portugal, os donos da re-vista escreveram um artigo de primeirapágina, chamado-o de traidor, entreoutros tantos “elogios”.

“Fazer o quê? Não voltei lá. O escân-dalo foi tal que a solidariedade que mo-

tivou, comigo,não pode mais serepetir. Um jan-tar de desagravopara mim em quecomparecerammais de duzentosjornalistas. To-dos contra a mai-or revista do País.Afirmação pro-fissional”.

Nos últimosanos da década de1960, Millôr par-ticipa de duas ex-periências mar-cantes na impren-sa brasileira: a cri-ação do Pasquim,em 1969, e umano antes a honrade ocupar uma

página na revista Veja, a convite do edi-tor-geral Mino Carta. Começou a pu-blicar em O Pasquim logo nos primeirosnúmeros, e durante um período dirigiua redação do semanário. As duas experi-ências lhe trouxeram aborrecimentospolíticos, como a quase prisão junto comos demais editores do Pasca e o processopela Lei de Segurança Nacional, por contade um desenho publicado em Veja – empágina inteira, um cara com um marte-lo, pregando um caixão com a palavra de-mocracia. O cara era o General NewtonCruz, na época o todo-poderoso chefe doSNI, que o processou.

Além da coluna fixa em Veja (revistaà qual retornou e em que mantém umespaço semanal), Millôr ocupou espaçosnobres também na IstoÉ, O Dia e noJornal do Brasil, sempre escrevendo edesenhando. Autor teatral e tradutordos mais respeitados, tem mais de 50livros publicados e lançou em 1994 umaobra definitva, A Bíblia do caos, reunin-do mais de 5 mil registros em texto dogenial e “irritante guru do Meyer”.

As declarações de Millôr foram retiradas do volumeem sua homenagem lançado pela Coleção Gente, daEditora Rio e Universidade Estácio de Sá.

“Não tinha pai, não tinha mãe, nãotinha nada, não tinha dinheiro, ganha-va cem qualquer coisa – cem réis ou cemmil réis, alguma coisa assim. Mesmosem nenhum lugar pra onde ir no mun-do, depois de trabalhar quatro, cincomeses, eu cheguei lá na gerência de OCruzeiro e disse: ́ Eu não fico mais aquiporque eu quero ganhar trezentos`.Trezentos, numa época de moeda fixa,é uma proporção inimaginável, sobre-tudo pra um garoto de 14 anos pedir umnegócio desses. `Está maluco?´ E elesme deram”.

Assim como mãe só muda de ende-reço, patrão só muda de razão social.Depois de décadas de labuta em O Cru-zeiro, tendo sido um dos maiores respon-sáveis pelo prestígio da revista, Millôr

Desenhos deMillôr publicadosnas revistas Veja,

em 2006 (acima eà direita), e IstoÉ,

20 anos antes.

Page 17: Suplemento Especial Caricatura-2007

17Jornal da ABI Jornal da ABI Jornal da ABI Jornal da ABI Jornal da ABI 322 Outubro de 2007

REPRESSÃO E CENSURA

Pif-Paf era uma seção fixa na revista OCruzeiro, criada por Millôr Fernandes emantida durante anos, até que, com a pu-blicação de um especial Esta é a verdadeirahistória do Paraíso, a reação da Igreja foi tãoforte que a direção da revista simplesmen-te colocou Millôr no olho da rua para colo-car panos quentes. Mas ele não se deu porvencido e adotou o lema: “agora diretamen-te do produtor ao consumidor”. Um mêsdepois do golpe de Estado de 1º de abril de1964, o Pif-Paf virou revista quinzenal im-pressa em rotogravura, no formato tablói-de, e era vendida nas bancas. A redação fun-cionava no estúdio do próprio Millôr.

Em seus quatro meses de existência, a pu-blicação reuniu o melhor time da época. Oprimeiro número foi para as bancas no dia21 de maio, com um jato de nanquim es-parramado no meio da capa, um carimboque anunciava “EU SOU O 1º NÚMERODO PIF-PAF” e uma frase-símbolo espeta-cular: “Cada número é exemplar. Cadaexemplar é um número”. O expediente ga-rantia que Millôr Fernandes era o diretor,Yllen Kerr, o diretor-comercial e EugênioHirsch, o diretor de arte.

No miolo de Pif-Paf, além do diretor, edi-tor e fundador (usando também algunspseudônimos, como o famoso Emanuel VãoGogo), brilhavam Stanislaw Ponte Preta,Fortuna, Marcos Vasconcelos, Ziraldo, Ja-guar, Cláudius e João Bethencourt (ele mes-mo, o dramaturgo e diretor teatral).

Nas edições seguintes, a publicação foiabrindo espaço para outros colaboradores.Passaram por lá ainda Rubem Braga, Antô-nio Maria, Reinaldo Jardim, Don Rossé Ca-vaca, Vilmar Rodrigues, Adail, Santiago(não o cartunista gaúcho, mas um homô-nimo piauiense) e Leon Eliachar.

Mas é claro que o Pif-Paf era basicamenteMillôr, que inovava até com fotopotocas(numa delas, pegaram fotos de uma brigade mulheres e substituíram as caras por

PIF-PAF: A VEIA GENIOSADE UM CRIADOR GENIAL

POR LUÍS PIMENTEL*

políticos da época, fazendo a cobertura do“concurso Miss Alvorada”). Fotos ocupa-vam uma boa parte do jornal; havia até umaseção fixa de strip-tease, onde as beldades deentão mostravam o máximo que se podiamostrar na época, isto é, quase nada.

O Pif-Paf lançou ainda o concurso 500Contos Por Uma Piada, para estimular o apa-recimento de novos humoristas. Uma for-tuna, correspondente a mais ou menos R$10 mil. A redação foi atolada de colabora-ções, e as melhores eram publicadas em cadanúmero, mas ao que consta ninguém levouo prêmio, que seria dado ao melhor traba-lho publicado a cada dez números da revis-ta. E ela não chegou a tanto. Não por causada ditadura, que na época ainda não estavapegando pesado, mas principalmente porproblemas administrativos. Após oito nú-meros de existência, o Pif-Paf parou de cir-cular. Cinco anos depois, quase todo essemesmo time estaria reunido no semanárioO Pasquim. (*com Otacílio D’Assunção)

Ao lado, à

direita, desenhopublicado em

O Cruzeiro,quando

assinava acoluna Pif Paf

como VãoGogo. Em

baixo, oprimeiro

número da PifPaf e, mais

abaixo, umapágina da

revista. Millortambém

publicou noPasquim

(abaixo, àesquerda)

Page 18: Suplemento Especial Caricatura-2007
Page 19: Suplemento Especial Caricatura-2007
Page 20: Suplemento Especial Caricatura-2007

20 Jornal da ABI Jornal da ABI Jornal da ABI Jornal da ABI Jornal da ABI 322 Outubro de 2007

Um dos mais sofisticados traços da caricatura mundial, Lanfran-co Aldo Ricardo Vaselli Cortellini Rossi Rossini, ou simplesmenteLan, é italiano da Toscana e nasceu em 1925. Desde 1952 mora noBrasil. Quando chegou foi logo contratado pelo jornal Ultima Hora,do jornalista Samuel Wainer. Ali criou o emblemático personagemO Corvo, satirizando Carlos Lacerda, político dos mais influentes edesafeto do dono do jornal.

Na década de 60, depois de passar por diversos jornais da cadeiados Diários Associados, Lan fixou-se por mais de trinta anos no Jor-nal do Brasil, onde fazia charges no nobre espaço dos editoriais dojornal, e depois ilustrações, sempre focando suas mulatas. Mais tar-de transferiu-se para O Globo, onde publica semanalmente suas de-liciosas Cariocaturas e é presença constante no Carnaval do Rio deJaneiro – seja no desfile de sua querida Portela ou juntamente comos membros dos blocos de ruas, para os quais já desenhou inúmerascamisetas. Torcedor apaixonado do Flamen-go, Lan revelou em entrevista ao Jornal daABI, quando a Casa o homenageou por seus80 anos, que uma das razões fortes parase radicar no Brasil foi o fascínio que ascores do clube exerceram sobre ele.

O sempre jovem Lan mora atual-mente em Petrópolis, RJ. Autor de traço in-confundível e humor sutil, sempre foi apai-xonado pela mulher brasileira – suasinconfundíveis mulatas são verdadei-ras grifes de beleza e sensualidade. Lan,a quem o humor deve muito, é uma dasfiguras mais queridas da nossa imprensa.

A CARIOQUICE DOGRANDE LAN

As montanhas do Rio com forma de mulhersensual numa das Cariocaturas de Lan (à

esquerda), que produziu um marcante desenhode Carlos Lacerda (à direita), uma suave

evocação de Sérgio Porto (à esquerda) e umfestival de hipocrisia de líderes mundiais e locais

Page 21: Suplemento Especial Caricatura-2007

21Jornal da ABI Jornal da ABI Jornal da ABI Jornal da ABI Jornal da ABI 322 Outubro de 2007

Celebrado como o Cabecinhade Ouro, o atacante corintianoBaltazar mereceu de Lan um

desenho que deu relevoplástico à sua elasticidade. O

futebol foi pintado com mestriapor Lan, como neste desenhoem que Fluminense, Vasco eBotafogo se engalfinham por

causa do Primeito Turno,representado por uma mulata.

Esta tem forte ́presença naobra e na vida do rubro-negroLan, que se casou com uma,

Olívia Marinho.

Lan dá às caracterizaçõesdos políticos uma graça que

se estampa na forma dorosto, no olhar, no gesto.

Aqui o Presidente Figueiredoe o aspirante Tancredo Neves

fazem reflexões, tal comoUlisses e Sarney,

preocupados com a ascensãode Leonel Brizola.

Page 22: Suplemento Especial Caricatura-2007

22 Jornal da ABI Jornal da ABI Jornal da ABI Jornal da ABI Jornal da ABI 322 Outubro de 2007

Quem teve o achado brilhante parao nome do mais brilhante jornal dehumor que o País já teve? Segundo Ja-guar, em entrevista, teria sido ele mes-mo: “Por que a gente não chama de Pas-quim? Logo que ele sair, as pessoas séri-as vão chamar o jornal de Pasquim, vãodizer – isso é um pasquim – e assim agente já corta o barato delas”.

Em junho de 1969, em plena vigên-cia do AI-5, a imprensa falava baixo, apolícia interrompia carreiras de peçasteatrais e censurava livros, quando umgrupo de jornalistas dos mais criativos(Jaguar, Tarso de Castro, Sérgio Cabral,Claudius e Carlos Prosperi à frente, naprimeira hora) resolveu lançar um ta-blóide de idéias, humor, entrevistas ediscussões. No dia 26 daquele mês, che-gou às bancas de todo o País O Pasquim,uma das mais revolucionárias experiên-cias do jornalismo brasileiro.

Já no primeiro número, entre os maisilustres articulistas convidados estavaMillôr Fernandes, então já um humo-rista, teatrólogo, tradutor e escritor res-peitado, dando a cara do jornal com o ar-tigo que tinha o seguinte título: “Inde-pendente, é? Vocês me matam de rir”. Fe-chava o tex-to com estapraga e/ouconstatação:“Se esta re-vista for mes-mo indepen-dente, nãodura três me-ses. Se durartrês mesesnão é inde-pendente .Longa vida aesta revista”.

Revista?! Assim ele chamou. Mas ojornal durou mais de 20 anos, circulan-do (nos últimos anos já mal das pernas)até meados de 1992.

Além do time de fundadores incor-porou-se à equipe o genial Henfil, quejá fazia um certo sucesso na imprensaesportiva carioca, mas ficou nacional-mente famoso ao lançar os seus Fradi-nhos no Pasquim. Estes se tornaram amaior atração do jornal, que ainda ino-vava nas entrevistas, que não eram edi-tadas, e sim transcritas em linguagemcoloquial, exatamente do jeito que osentrevistados falavam. A mais famosae bombástica entrevista foi a de LeilaDiniz, onde substituíram as dezenas depalavrões que ela falou por asteriscos, oque virou também uma marca do jor-nal. Isso, mais os cartuns, fotopotocas,as Dicas e os textos contestatórios, eraexatamente a válvula de escape de queo povo (ainda sob o impacto do AI-5)precisava, o que deu ao Pasquim um su-cesso instantâneo: a tiragem não para-va de subir e chegou aos 200 mil exem-plares semanais.

Mas, é claro, a reação das autoridadesnão tardou. O Pasquim incomodava osmilitares, que obrigaram o jornal a sersubmetido à censura prévia. Seus edito-res e colaboradores eram obrigados a pro-

POR LUÍS PIMENTEL*

Além de expoentes como Ziraldo eJaguar, que começaram a brilhar na dé-cada de 50, e do quase “veterano” Millôr,três outros chargistas importantes sur-giram na década de 50 e começaram a sedestacar, tornando-se estrelas também.

Mauro Borja Lopes, o Borjalo, nasceuem 1925 em Pitangui,MG, e começoua publicar no Diário de Minas, de BeloHorizonte, e também no legendáriojornal de resistência mineiro O Binô-mio. Migrando para o Rio de Janeiro,encontrou espaço para seu traço refina-do nas páginas da revista Manchete. Bor-jalo deixou de lado sua carreira comoprofissional do traço quando assumiu adireção artística da TV Globo, na déca-da de 70. Ainda criou os Bonecos Falan-tes de Borjalo, animação de pouca tec-nologia, que consistia apenas em mexeras bocas dos personagens desenhados empapelão usando pequenos truques. Massua criação mais conhecida é a Zebrinha,que anunciava os resultados da LoteriaEsportiva. Borjalo trabalhou na RedeGlobo até se aposentar. Morreu de cân-cer em 2004, aos 79 anos.

Reginaldo José Azevedo Fortuna nas-ceu em São Luís do Maranhão, em 1931,e começou a carreira de desenhista aos15 anos, no Rio de Janeiro, na revistaSesinho, uma publicação infantil doSesi, assinando seus trabalhos com opseudônimo de Ricardo Forte. Humo-rista dos mais combativos, publicoucharges políticas antológicas no jornalCorreio da Manhã, no início da ditadu-ra militar. Também teve trabalhos pu-blicados em A Cigarra, O Cruzeiro e Re-vista da Semana, nas quais criou car-tuns, ilustrações, quadrinhos e frases dehumor, antes de brilhar nas páginas dePif-Paf e de O Pasquim.

No início de 1975 lançou e dirigiu OBicho, revista de quadrinhos. Depois defi-niu o projeto gráfico do histórico suple-mento da Folha de S. Paulo, Folhetim, edi-tado por Tarso de Castro, com quem tam-

UMA TRINCA DE ASESbém dividiu o comandoda revista Careta, numatentativa de relançá-lanos anos 1980.

Fortuna morreu emSão Paulo, vítima de in-farto, em 1995.

O gaúcho ClaudiusSeccon nasceu em Gari-baldi, em 1937. Che-gou ao Rio de Janeirocom quatro anos de ida-de e aqui passou toda asua vida – descontandoapenas o tempo em que viveu exiladona Europa. Com 16 anos foi trabalharcomo auxiliar de paginação na revistaO Cruzeiro, onde publicou seus primei-ros desenhos assinados. Aos 19 anos foilevado ao Jornal do Brasil por Amilcarde Castro. Um mês depois foi dispensa-do, mas Odilo Costa, Filho havia gosta-do de seu desenho e o apresentou a Al-berto Dines, editor da Manchete. Aí co-meçou na revista uma colaboração re-gular que durou treze anos. Foi inter-rompida quando Claudius assumiu, em1969, um posto em uma organização in-

ternacional, sediada em Genebra. Clau-dius teve durante toda a carreira inten-sa atividade como chargista de políticanacional e internacional em pratica-mente todos os grandes órgãos de im-prensa do Rio e de São Paulo.

Atualmente dirige a organização não-governamental Centro de Criação deImagem Popular–Cecip, que produzvídeos e publicações nas áreas de direi-tos humanos e cidadania, meio ambien-te e saúde, colabora regularmente narevista Caros Amigos e ilustra livros parao público infanto-juvenil.

Page 23: Suplemento Especial Caricatura-2007

23Jornal da ABI Jornal da ABI Jornal da ABI Jornal da ABI Jornal da ABI 322 Outubro de 2007

Esta tira do personagem Rango, de Edgar Vasques, publicada na Semana da Pátria em 1976, causou aapreensão imediata do Pasquim. O motivo: na época não se podia brincar com as cores da bandeira brasileira

NUNCA HOUVE UM JORNAL COMO O PASQUIMduzir um número maior decartuns, matérias e ilustra-ções para substituir eventu-ais vetos. Originais segui-am para a censura e volta-vam danificados, comenorme XXXXX feito pela irascí-vel caneta Pilot.

A gripe queassolou o PasquimEm 1970, quase toda a

equipe do jornal foi obriga-da a tirar férias forçadas. Nodia primeiro de novembro(naquele momento, saía aedição 72), um a um todosforam apanhados e levadospara a Vila Militar: Sérgio Cabral, Tarsode Castro, Ziraldo, Fortuna, Paulo Fran-cis, Luiz Carlos Maciel e Flávio Rangel.Os únicos a escapar foram Millôr e Hen-fil, que, até o retorno da tropa, se encar-regaram de tocar o jornal, com a ajudade outros colaboradores. O jornal nãodeixou de circular uma semana sequer.

O Pasquim ficou sob o regime de cen-sura prévia até 1975, quando receberama informação de que estavam dispensa-dos de submeter o material à “aprecia-ção” dos censores.

– A responsabilidade agora é de vocês– disse o encarregado da mensagem“abolicionista”.

– A responsabilidade sempre foi nos-sa – teria respondido Millôr Fernandes,então editor-responsável pelo jornal.

Dias depois, estava nas bancas a edi-ção comemorativa do número 300 elogo, logo se entendeu o recado, quan-to à responsabilidade. Consideradaagressiva e abusiva, a edição 300 foiimediatamente apreendida. Justo em1975, ano em que a repressão políticaandou recrudescendo, com aumento donúmero de prisões sem mandado e as-sassinatos nos quartéis (o jornalista Vla-dimir Herzog e o operário Manuel FielFilho entre eles).

Foram inúmeras as edições apreendi-das durante o período de ditadura mili-tar. Mesmo com a “abertura lenta e gra-dual” e a volta dos anistiados, o jornalnão dava sossego aos militares e estesem contrapartida faziam o impossívelpara acabar com o jornal. No início dosanos 80, grupos paramilitares promovi-

am ataquesterroristas ex-plodindo ban-cas que expu-nham em des-taque os jor-nais da im-prensa nanica.Mesmo assim,

o jornal resistia.O Pasquim hospedou em suas fileiras,

durante anos e anos, a maior seleção dohumor brasileiro. A definição é endos-sada por Jaguar, um de seus principaiseditores, em depoimento à escritoraNorma Pereira Rego, para o livro Pas-quim – Gargalhantes pelejas(Relume Dumará, 1996):

– O dia-a-dia do Pasquim eracomo se fosse o do Santos Fu-tebol Clube. Era Millôr, era Zi-raldo, era Fortuna, era LuizCarlos Maciel, era Ivan Lessa,era Flávio Rangel, era Henfil,pqp... então um cara dava umaidéia, o outro botava outra coi-sa em cima, outro botava ou-tra coisa e saíam coisas geniais.

Além dos já citados, em-prestaram o seu talento às pá-ginas do Pasquim, nas mais di-ferentes fases, entre outros(prevenindo-se para eventuaisomissões), os seguintes cartu-nistas, chargistas, fotógrafos eredatores: Ivan Lessa, AldirBlanc, Fortuna, Sérgio Augus-to, Paulo Francis, Flávio Ran-gel, Redi, Armindo Blanco, Nani, Gui-dacci, Félix de Athayde, Mariano, Rober-to Moura, Luscar, Artur Poerner, Coen-tro, Sônia Nolasco Ferreira, Albert Piauí,Flávio Pinto Vieira, Biratan, Edson Bra-ga, Canini, Sylvio Abreu, Calicut, Reinal-do, Luiz Carlos Maciel, Angeli, FaustoWolff, Miguel Paiva, Laerte, José Lewgoy,Demo, Aliedo, Maurício Wrots, DilMárcio, João Antônio, Duayer, Walter

“cabeças” do Pas-quim (Ziraldo, Ja-guar e Henfil) nãoestavam mais em sin-tonia, pois já trilhavamcaminhos políticos dife-rentes. Jaguar era simpáti-co ao PDT de Brizola, Zi-raldo se alinhava com oPMDB e Henfil militavapelo recém-formado PT.Houve uma espécie de apos-ta interna onde o comando do jornalseria decidido pelo resultado das elei-ções no Rio de Janeiro. Se ganhasse MiroTeixeira (candidato pelo PMDB), o jor-nal passaria para o comando de Ziraldo;vencendo Brizola, ficaria com Jaguar.Na remota hipótese de o candidato Ly-sâneas Maciel (do PT) vencer, Henfilficaria no comando. Ziraldo e Jaguar es-tavam tão convictos de que seus candi-datos ganhariam que fizeram uma apos-ta: o perdedor seria obrigado a comerliteralmente o jornal. Venceu Brizola, eJaguar virou o novo dono, mas compena de Ziraldo mandou fazer um bolocom a aparência do jornal. “Tenho cer-teza de que se fosse ele a vencer eu teriaque comer papel mesmo”, declarou de-pois Jaguar.

Mas os tempos haviam mudado. Oque o público estava querendo agoraeram publicações na linha besteirol,como o Planeta Diário (fundado porReinaldo, Hubert e Cláudio Paiva, todosrevelados pelo Pasquim) e o jornal Cas-seta Popular (mais tarde os dois gruposse fundiram como Casseta & Planeta efizeram fama na TV)

Jaguar segurou a onda por mais dezanos, mas a essa altura o jornal viu asvendas caírem vertiginosamente. Ostempos eram outros e o encanto tinhaacabado. Durante algum tempo o pre-juízo do jornal foi bancado pela promis-sora editora Codecri, pertencente à mes-ma empresa, que emplacou alguns li-vros na lista de best-sellers e garantiuuma sobrevida. Mas a editora naufra-gou e o jornal resistiu o quanto pôde.Em 1992, o Pasquim deu seu último sus-piro numa melancólica sede na Rua daCarioca, a última das muitas que teveem seus 23 anos de existência.

Mas isso ainda não foi o fim do Pas-quim. Ziraldo ainda faria uma tentati-va de reunir os colaboradores originaisna sua revista Bundas; quando esta fe-chou as portas, ressuscitou o antigonome adaptando-o ao novo século:OPasquim 21. Este teve vida bem maiscurta que o seu antecessor – pouco maisde dois anos. (*com Otacílio D’Assunção)

Guelman, Paulo Garcez, Geandré,Newton Carlos, Marta Alencar, Iza Fre-aza, Caulos, Amorim, Rick Goodowin,César Tartaglia, Nicoliélio, Alberto Di-nes, Haroldo Zager, Cássio Loredano,Mariza, Hubert, Tarik de Souza, Agnere Edélzio Tavares (este, personagemimortal da mente brilhante de Ivan Les-sa, criado para trocar safanões literáriose jornalísticos com os leitores, por inter-médio da Seção de Cartas), além de tan-tos e tantos outros craques.

DecadênciaO que a ditadura militar tentou du-

rante anos só foi conseguido, paradoxal-mente, após a abertura política. Com orestabelecimento da liberdade de ex-pressão na grande imprensa, os jornaisda imprensa nanica foram perdendo seuencanto e a razão de ser. Contavam-seem cerca de 200 os cartunistas em ati-vidade nos tempos da ditadura, espalha-dos por publicações como o próprio Pas-quim, Ovelha Negra e outros. Os cartuns

ajudavam a burlar a censura, pois as te-souras de plantão não conseguiam en-tendê-los completamente, e passavamcom mais facilidade. Mas os cartunistasnão sobreviveram quando os temposmudaram. Não bastava apenas fazerpiadas atacando a ditadura. O públiconão estava mais interessado naquilo eestava sendo aberto o caminho para obesteirol, em voga na década de 80.

Pouco a pouco a equi-pe foi perdendo o pique eos colaboradores se dis-persando. Durante cincomeses, de dezembro de1981 a março de 1982,houve uma tentativa deZiraldo de mudar o for-mato do jornal, que pas-sou para o formato stan-dard. Não deu certo evoltou a ser um tablóide.Naquele ano haveria asprimeiras eleições diretaspara governador e as três

O Pasquim 73:toda a equipe dojornal havia sidopresa, menosMillôr e Henfil.

Pixinguinha, notraço de Redi

Page 24: Suplemento Especial Caricatura-2007

24 Jornal da ABI Jornal da ABI Jornal da ABI Jornal da ABI Jornal da ABI 322 Outubro de 2007

Nascido em Caratinga, em 1932, Zi-raldo começou a publicar seus primei-ros desenhos no comecinho da décadade 1950, em Belo Horizonte, no jornalFolha de Minas. Em 1955 se integrou àequipe do jornal O Binômio, dirigidopelo bravo José Maria Rabelo, e logo foichamado para trabalhar no Rio de Janei-ro, em O Cruzeiro, onde desenhou, dia-gramou, escreveu e editou.

Ziraldo teve carreira meteórica em OCruzeiro, onde começou como assisten-te de arte e logo, logo se tornava editorde arte. Por possuir também um tempe-ramento envolvente, foi convidado peladireção da revista a assumir o posto derelações-públicas, convite imediata-mente aceito pelo mineiro que jamaisrecusou trabalho. Ali nasceu, entre ou-tras criações do talento de Ziraldo, o per-sonagem Saci Pererê (a princípio, apenasum cartum publicado nas páginas da re-vista). A aceitação do negrinho de umaperna só foi tão grande, que o seu cria-dor resolveu criar toda uma turma de“amiguinhos” para sustentar o Pererê etransformar o personagem em revistaem quadrinhos: A turma do Pererê, quefoi às bancas de revistas, em seu primei-ro número, no dia 1º de abril de1964, no dia e hora em que seinstalava a ditadura militar noPaís, bancada pela própria em-presa que editava O Cruzeiro,e teve vida curta. O fim desseprimeiro período do gibi foicercado de especulações, seteria ocorrido por razões po-líticas ou econômicas. Sabe-se que os tempos eram bicu-dos, mas também houve di-vergências na hora do acer-to financeiro. O certo é queZiraldo – que deixara adireção de arte da granderevista semanal para cui-dar dos seus “heróis bra-sileiros”, fi-cou sem umae sem outra.Tempos de-pois ele pôderetomar a pu-blicação doPererê por ou-tra editora, e até hoje o personagem é re-visitado por quem o conhecia ou desco-berto pelas novas gerações, graças a edi-ções de belos álbuns que têm sido publi-cados com os melhores momentos daturminha da mata mineira.

A partir daí, o múltiplo Ziraldo dedi-cou-se à publicidade, às charges diáriasque marcaram época na página de Opi-nião do Jornal do Brasil, a páginas espe-ciais na imprensa, como o Cartum JS(criado por ele no Jornal dos Sports) e àatuação política no recém-nascido Pas-quim, no final da década de 1960. Alémde A turma do Pererê, criou personagensemblemáticos do humor brasileiro,como Jeremias, O Bom, Mineirinho, oCome Quieto, Supermãe e tantos outros.

O nome de Ziraldo hoje é, também,

O TALENTO ABRANGENTE DOPAI DO MENINO MALUQUINHO

fortemente ligado à literatura infantil– atividade na qual já brilha com maisde 100 títulos lançados. O primeiro su-cesso foi com a obra Flicts, uma alego-ria poética e supercolorida sobre as co-res e suas possibilidades, e o mais perma-nente é o best-seller O menino maluqui-nho, que já vendeu mais de 2 milhões deexemplares e foi traduzido para umameia dúzia de idiomas.

Admirado por algumas gerações deartistas e de curtidores do humor, Ziral-do é considerado um mestre porvários cartunistas. Publicouem revistas estrangeiras eescreveu para teatro, ci-nema e televisão. Empre-endedor inquieto, Ziraldocriou e dirigiu, entre 1999e 2002, as revistas Bundase Palavra. Também crioue dirigiu, entre 2004 e2005, o semanário O Pas-quim 21, uma tentativade rememorar ou de ren-der homenagens ao ve-lho Pasquim.

Geisel é atormentado pela“mosca” Magalhães Pinto.

Aureliano Chaves e seusonho de chegar àPresidência da República.

À esquerda, a bela homenagem a Charles Chaplin;abaixo, Figueiredo e a esperança de Brizola.

Em comemoração aos 10 anos do Pasquim,um almanaque para Ziraldo; abaixo, o

Menino Maluquinho, seu best-seller.

Page 25: Suplemento Especial Caricatura-2007

25Jornal da ABI Jornal da ABI Jornal da ABI Jornal da ABI Jornal da ABI 322 Outubro de 2007

Meu pai era comerciante ecomprava no atacado em SãoPaulo produtos para vender em

sua loja. As mercadorias vinham em cai-xas de madeira cheias de capim envoltasem papeis de jornais e revistas. Numacompra de louça, ao desembrulhar unspratos vi uns desenhos de Jaguar. Erauma página sobre o Natal onde PapaiNoel bem sacana pintava e bordava. Fi-quei deslumbrado, pois na época, em Es-meraldas, só chegavam umas revistinhasde humor muito vagabundas. Aquilo eranovidade: aquele humor, aquele traço.Eu, que já começava a fazer meus primei-ros rabiscos, guardei aqueles desenhos,como pequenas riquezas que houvessemvindo numa arca do tesouro.

Alguns anos depois, já morando emBelo Horizonte encontro os desenhosdo Jaguar no Pasquim que surgia. Bem,aí eu já estava entrando no ramo, jápublicava no jornal O Diário. Em 1973ao chegar ao Rio de Janeiro, fui à casado Henfil, logo que cheguei. O Henfilme disse: “Vai pra redação do Pasquim ecole no Jaguar, ele sabe tudo”. Desta vezeu me encontrei não com os desenhos,mas com o Jaguar em carne e osso e al-gum líquido. Passei muito tempo o ata-zanando, levando pra redação, todos osdias, toneladas de cartuns. Jaguar memandava ir pra praia, ir pro cinema, irpastar. Mas eu continuei firme, ingenu-amente achando que era o seu Gafanho-to. Fiquei ao seu lado até o último Pas-quim ir para as bancas.

Quando Jaguar, o carioca,perdeu a virgindade

Jaguar se gabava de ser um cariocaque nunca tinha sido assaltado, apesar deter cara de gringo: – é cor-de-rosa e temos olhos azuis – e de andar pelos lugaresmais barra-pesadas do Rio. Estava fican-do sozinho no time dos não assaltados,no fundo sentia que sua carioquice per-dia pontos, passou a se sentir um cario-ca da gema, mas de uma gema de um ovotransgênico. Mas como toda araruta temo seu dia de mingau, uma madrugada ele

POR NANI

Quando começou a desenhar Jaguartinha influência de um cartunista

francês chamado Trez. Depois queconheceu os desenhos de André

François, Jaguar teve sua epifania eo seu traço mudou da água para ouísque. Seguiu essa nova linha, masbotou o molho brasileiro, porque elenão é bobo. E o desenho do Jaguar

ficou tão nacional, que o Millôrescreveu certa vez que vinha pela

rua e viu o que a princípio achou seruma família de miseráveis; masnão, eram desenhos do Jaguar

esperando uma legenda.

foi assaltado. Não foi o melhor dos diaspara tal acontecimento; ele tinha acaba-do de fazer vasectomia e os pontos aindadoíam. Ele estacionou sua Brasília napraia do Leme, estava indo pra casa quan-do dois assaltantes o abordaram. Um de-les anunciou o assalto cutucando a re-gião operada. Jaguar reagiu furioso:

– Pô, cara. Não cutuca aí que eu fizoperação pra não ter neném.

– Cumé? Tu é boiola? – Os ladrõesnão entenderam nada.

Jaguar explicou que havia feito va-sectomia e que isso era coisa de macho.Os ladrões sacanearam na linha do “meengana que eu gosto”, e disseram que

evitar gravidez era coisa pra mu-lher, que eles não queriam nem sa-ber, que besteira era aquilo, gringo?

Mas quiseram ouvir mais sobre a talda vasectomia. Jaguar então contou queteve que fazer uns testes antes: o esper-mograma. Explicou o que era e revelouque não conseguiu fazer na clínica dodoutor Cesar Nahoun, que ficava em

Niterói, e teve que levar os potinhospara fazer em casa.

– Sozinho eu só consigo me excitarouvindo a Voz do Brasil.

E foi o que ele fez. Estava no Lemequando deu: “Em Brasília 19 horas”...Encheu o potinho e pegou um táxi naporta de casa dizendo ao motorista:

– Vamos para Niterói que eles nãopodem morrer!

O motorista apavorado olhava paratrás e para os lados querendo saber quemnão podia morrer. Eram os espermato-zóides dentro do copinho. E o táxi voouà toda pela Ponte Rio-Niterói. Os assal-tantes ficaram tão horrorizados com ahistória que foram saindo parabenizan-do Jaguar pela coragem de enfrentaraquela coisa toda. Jaguar, então viroupara os ladrões e perguntou:

– E o assalto?Os assaltantes voltaram, levaram

uma graninha e se foram. E Jaguar nun-ca mais se sentiu inferiorizado por serum carioca virgem em matéria de assal-to. Era um carioca completo. �

Ilustração para umartigo de Paulo Francis.

Charge publicadano jornal O Dia.

MEUS ENCONTROS COM JAGUAR

Page 26: Suplemento Especial Caricatura-2007

26 Jornal da ABI Jornal da ABI Jornal da ABI Jornal da ABI Jornal da ABI 322 Outubro de 2007

Outros o antecederam, desde o semi-nal Tico-Tico e fundadores do traço na-cional como J.Carlos. Mas, sem dúvida,foi o mineiro Henrique de Souza Filho,o Henfil (1944-1988), em plena treva daditadura dos 70, quem mais dialogoucom as massas, transformando-se numpopstar do desenho no País. Seus perso-nagens futebolísticos como o Urubu(Flamengo), Bacalhau (Vasco), Cri-Cri(Botafogo) Pó-pó (Fluminense) foramadotados pelas torcidas em substituiçãoaos Popeyes e outros símbolos importa-dos que utilizavam. Num de seus inú-meros empregos, o jornal carioca (en-tão) de circulação popular O Dia, Hen-fil desenvolveu o personagem Orelhão,que, além de servir-se do aparelho de ruamais acessível ao povão na era pré-celu-lar, operava como uma espécie de ouvi-dor das causas da população. Egresso daJuventude Católica e um dos fundado-res do PT, Henfil também colaborouintensamente (e de graça, claro) empublicações sindicais. Mas sua projeçãonacional veio através do estouro do se-manário Pasquim, onde se tornou umdos principais impulsionadores de ven-das com sua galeria de personagensagressivos, politizados, humanistas eiconoclastas.

A dupla dicotômica de Fradins, oCumprido (baseado em um amigo, o jor-nalista mineiro Humberto Pereira) re-primido e conservador e Baixinho (umindisfarçável auto-retrato), um sádicolibertário, nasceram ainda na Belo Ho-rizonte onde se formou, emigrado daperiférica Ribeirão das Neves. Na revis-ta Alterosa, o desenhista de bonequi-nhos pornográficos da oficina foi com-pelido a criar personagens, já que o di-retor achava seu traço parecido com o

HENFIL, O POPSTAR DO HUMORPOR TÁRIK DE SOUZA

do francês Bosc. Mais tarde o compara-riam a outro ativista turbulento, Wo-linski, mas o fato é que Henfil desenvol-veu um percurso único. Limitado fisi-camente pela hemofilia, que tambémacometeu e vitimaria seus irmãos, osociólogo Betinho (imortalizado em Obêbado e a equilibrista, de João Bosco eAldir Blanc), que o influenciou politi-camente, e o violonista e compositorFrancisco Mário, que realizava seu ladomusical, ele lutava contra dores diárias.E fazia periódicas transfusões de sangue,que acabariam custando-lhe a vida. Oinício da epidemia de aids desnudou(mais) uma tragédia da péssima admi-

A aventura de Henfil nos Estados Unidos não deu certo porque os Fradinhos – The Mad Monks – foram considerados doentios.

Abaixo, Nixonescolhe sua

próximabrincadeira.

Page 27: Suplemento Especial Caricatura-2007

27Jornal da ABI Jornal da ABI Jornal da ABI Jornal da ABI Jornal da ABI 322 Outubro de 2007

nistração da medicina no País, a falta defiscalização da qualidade do sangue, queacabaria decretando a sentença de mor-te dos irmãos Souza.

Além dos Fradinhos, que estrelariamuma revista periódica independente delarga tiragem, Henfil criou o cangaceiroZeferino (publicado no Jornal do Brasile em outros jornais posteriormente),moldado na figura bonachona e um tan-to coronelesca do pai, um livre-atiradorque ocupou diversos cargos, de diretor depenitenciária a agente funerário. Haviaainda o Bode Orellana, o intelectual datira, que ele ironizava sem dó, baseadono tipo físico do cantador erudito baia-no Elomar. A Graúna era a personagemfeminina da trama, que oscilava entre asubmissão e o ativismo. Graficamente,talvez fosse sua mais genial e sucintacriação: o corpo da ave era pouco maisque um ponto de exclamação.

Ainda no Pasquim, Henfil não para-va de inovar. Ilustrava uma tira de críti-ca musical e ia dando luz a personagensque funcionavam como uma espécie determômetro do momento político, àmedida que a ditadura avançava. Dodidático Caboco Mamadô, que no cemi-tério dos mortos-vivos enterrava os co-laboracionistas, ao Tamanduá Chupa-dor de Cérebros, a Patrulha Odara (umcontraponto às patrulhas ideológicas) eo inefável Ubaldo, o Paranóico. Bolado

com o redator destas linhas, que no-meou o dito cujo num final de semanapassado em Arraial do Cabo, ele surgiaem sincronia com o assassinato de nos-so amigo e colega jornalista VladimirHerzog, o Vlado, nos porões do Doi-Codi paulistano. A paranóia grassava.Mas, infelizmente, não era imaginária.

O extraordinário sucesso de Henfiltambém estava associado à sua brutalcapacidade de trabalho. E para cada novafrente aberta ele criava uma linguagem,como ao preencher a página final darevista IstoÉ com as Cartas da Mãe. Uti-lizando a foto da própria Dona Maria

Souza como uma espécie de escudo, eleacicatava os poderosos da vez, incluin-do o então presidente-general, João Ba-tista Figueiredo, a quem chamava deprimo por conta de um longínquo pa-rentesco. Criou a sarcástica TV-Ho-mem, dentro do TV Mulher apresenta-da por Marília Gabriela, em plena oni-potente Globo. No cinema, dirigiu o nãomenos anárquico Tanga - Deu no NewYork Times, a partir de sua experiênciade tentar implantar seus quadrinhosnos EUA. Aceitos a princípio pelos sin-dicatos que os distribuíram para deze-nas de jornais, os Fradinhos(The Mad Monks) logo foramrechaçados pelo conservado-rismo da pátria da (estátua)da liberdade, sob a pecha desicks (doentios). Mas, decerta forma, anteciparam os corro-sivos e hoje abençoados Simpsons.Das cartas que enviava para osamigos a partir da matriz, escre-veu o livro Diário de um cucara-cha (Editora Record, 1983). Da

mesma forma, uma viagem à Chinarendeu outro best-seller literário, o pre-monitório Henfil na China (antes daCoca-Cola). O livro saiu em 1980 pelaCodecri (Comando de Defesa do Crio-léu), editora que fundou no Pasquim eque ajudou nas finanças do jornal. Maisque uma sigla, que os políticamentecorretos poderiam hoje interpretar mal,ao pé da letra, o título era uma espéciede divisa de quem deu a vida em defesados oprimidos – crioléus de todas as co-res e credos.

Com Urubu, Henfil deu vazão a uma de suas paixões: o Flamengo

Page 28: Suplemento Especial Caricatura-2007

28 Jornal da ABI Jornal da ABI Jornal da ABI Jornal da ABI Jornal da ABI 322 Outubro de 2007

Ao contrário do que possa parecer, aditadura ajudou mais os cartunistas doque atrapalhou. Na década anterior àditadura, os novos profissionais do tra-ço podiam se contar nos dedos: basica-mente o time estava restrito a Ziraldo,Jaguar, Fortuna, Millôr, Claudius e Bor-jalo, além dos cartunistas de humorpopular, como Carlos Estêvão e Péricles.A geração anterior estava morrendo ouse aposentando, e a “nova geração” se-guia as novas tendências internacionaisditadas por papas como Saul Steinberg.Quando os militares assumiram o co-mando do Brasil, em 1964, uma novageração começou a aparecer. A políticanão era a tônica principal. Os desenhosde Juarez Machado brincavam com ononsense e outras promessas, comoWagn, começavam a despontar.

Algumas publicações abriram espaçopara gente nova. O Cruzeiro deixou queZiraldo e Fortuna editassem uma seçãode humor chamada O Centavo. Maistarde o Correio da Manhã lançou seusuplemento Manequinho; o Jornal dosSports, o CartumJS. E Reinaldo Jardimabriu espaço em seu O Sol. As portas co-meçaram a se abrir para uma nova gera-ção: Miguel Paiva, Daniel Azulay, Cau-los e outros. Henfil, que já tinha come-çado sua carreira em Minas Gerais, cor-ria por fora: mudara-se para o Rio de Ja-neiro e começou a fazer sucesso primei-ro com charges futebolísticas no Jornaldos Sports. Ele não era originalmente da“turma do Pasquim” mas seus Fradinhosfizeram tanto sucesso que Henfil tor-nou-se o sustentáculo do jornal.

No inicio dos anos 70 o Pasquim era apièce de resistence mais popular contra osdesmandos da ditadura, que acabou es-timulando o aparecimento de umanova geração dentro da nova geração:Nani, Edgar Vasques, Reinaldo, Santia-go e muitos outros se tornaram cada vezmais presentes. Muitos cartunistas no-vos foram revelados pelo jornal na se-ção Abre Alas e depois foram incorpora-dos ao seleto time da casa. A razão parahaver tanto espaço para cartuns era sim-ples. Como os textos eram muito visa-dos, com a instituição da censura pré-

Talvez o maior mérito do Pasquim foiter revelado ao mundo toda uma novageração de cartunistas, depois de anosem que o clube tinha apenas meia dú-zia de sócios. Se na década de 60 os car-tunistas podiam ser contados nos dedos,na década de 70 eles já formavam vári-os times de futebol.

A lista é enorme: Afo, Agner, Alcy,Albert Piauí, Benjamin, Calicut, Cani-ni, Cláudio Paiva, Coentro, Demo, Du-ayer, Emil, Geandré, Glauco, Guidacci,

UMA NOVA GERAÇÃOHélio, Hubert, IF, irmãos Caruso, Laer-te, Lailson, Lor, Luscar, Marcon, Maria-no, Mariza, Milson, Mino, Miran, Mo-llica, Mayrink, Nani, Nicolielo, Nilson,Ral, Reinaldo, Rico, Santiago, Solda,Zeluco e dezenas de outros mostrarama cara pela primeira vez ou se solidifica-ram durante essa fase.

Nem todos estão mais em atividade,entretanto. Enquanto Angeli, Glauco eos irmãos Caruso viraram popstars, ou-tros como Nani acumulam funções,revezando-se na charge e em escreverpara tv, e a turma que mais tarde funda-ria o Planeta Diário (Cláudio Paiva,Hubert e Reinaldo) simplesmente pa-rou de desenhar e, fundindo-se com ogrupo da Casseta Popular, tornou-seCasseta & Planeta, campeão de audiên-cia global nas noites de terça. O talen-toso Demo, uma das melhores revela-ções do Pasquim, voltou a ser EdgarMoura e construiu uma brilhante car-reira como diretor de fotografia de ci-nema. Outros ainda ocupam espaços es-tratégicos nos seções de charges de jor-nais locais. Mas a maioria simplesmen-te pendurou as chuteiras.

Jaguar disse certa vez:– Durante anos, o clube do cartum

foi o mais fechado do Brasil. Só tinhacinco sócios: Millôr, Ziraldo, Fortuna,Claudius e eu. E não aparecia mais nin-guém porque não tinha trabalho.

Realmente, o Pasquim deu trabalho amuita gente em todos os sentidos, tantoaos censores como a toda essa geração.

Nesta coluna, charges de Reinaldo (no alto),Geandre (acima) e Nilson (abaixo). Ao lado,

Canini e uma crítica ao capitalismo.

Page 29: Suplemento Especial Caricatura-2007

29Jornal da ABI Jornal da ABI Jornal da ABI Jornal da ABI Jornal da ABI 322 Outubro de 2007

via, os editores do Pasquim tinham queter o triplo de material para que se pu-desse compor apenas uma edição. Oscartuns e charges passavam com maisfacilidade, pois muitas vezes nem eramentendidos pelos censores, e alguns nãoeram considerados tão ofensivos.

Em cima do muro, a grande impren-sa procurava não se manifestar, o quedeu espaço para os jornais independen-

tes florescerem. A esquerda brasileiracomeçou a se organizar para produzirveículos “sérios”. Fernando Gasparianlançou seu Opinião, que alguns anosdepois teve uma dissidência in-terna e gerou uma nova publi-cação: Movimento. Esses ta-blóides, e mais algumas pu-blicações voltadas para ni-chos específicos como gayse feministas, usavam dese-nhos, mas não na formade cartuns e charges, e similustrações ou caricaturassofisticadas. Nessas publi-cações se sobressaíram o ar-gentino Luís Trimano e o brasileiroCássio Loredano; este mais tarde fezcarreira internacional.

O Pasquim continuou líder de vendasnos anos de chumbo mas não foi o úni-co a liberar a porteira para os cartunis-tas. Em 1976, o cartunista paulista Ge-andré lançou um jornal inteiro em for-mato tablóide só de cartuns, o OvelhaNegra, que conseguiu a façanha de pu-blicar mais de cem cartunistas em umasó edição. Como a Ovelha era uma ope-ração independente capitaneada pelopróprio Geandré, não teve fôlego paraagüentar o rojão. Poucos anunciantese um certo boicote dos jornaleiros, poismuitos não queriam se arriscar a ter sua

banca explodida pelos grupos terroris-tas paramilitares, enterraram prema-turamente o jornal, que ainda tentouuma sobrevida mudando para o forma-to de revista mas também não foi mui-to longe.

Paradoxalmente, a ditadura acabouconseguindo exterminar os cartunistas,mas não através da tesoura e bancas ex-plodidas: simplesmente decretando avolta da liberdade de imprensa. Aquilodeu um nó na cabeça dos cartunistas. Se

anteriormente só falar mal do Governoera uma garantia de publicação, agoraisso não tinha mais graça. Muitos nãoconseguiram se adaptar aos novos tem-pos e o interesse do público por publi-cações de resistência foi diminuindoquando isso deixou de ser novidade. OPasquim entrou em curva descendente.Após a volta dos anistiados e o fim dacensura prévia, uma nova geração come-çou a ocupar o espaço que os filhotes daditadura não conseguiam segurar. Adécada seguinte, a de 80, viu surgir umanova tendência: o besteirol no estilo dosjornais Planeta Diário e Casseta Popular.

A IMPRENSA DERESISTÊNCIA

Clarice Linspector,por Loredano e

Carlos Drumondde Andrade, por

Trimano.

Page 30: Suplemento Especial Caricatura-2007

30 Jornal da ABI Jornal da ABI Jornal da ABI Jornal da ABI Jornal da ABI 322 Outubro de 2007

Fazer uma charge todo dia já é com-plicado, o que dirá muitas. Mas isso nãoé problema para Ernani Diniz Lucas, oNani. Ele é capaz de fazer mais de vin-te, se precisar. Durante pouco mais dedois anos o chargista e humorista man-teve um espaço no Caderno B do Jornaldo Brasil onde, dia sim dia não, soltavade cinco a sete charges atualíssimas. Acoluna foi cortada na última reformu-lação do jornal, em setembro. Mas Naninão pára. Essa era apenas uma de suas1001 atividades. Continuacom a sua tira diária Ve-reda Tropical (publica-da no jornal O Dia eoutros), publicandoum livro atrás do ou-tro com compilaçõesde seus cartuns e tiras,e escrevendo roteirosde tv, sem contar comlivros de texto quesolta de vez em quan-do e mil colaboraçõespelo Brasil afora.

Vai ser difícil apa-recer alguém que te-nha tanta capacidadede encarar uma pro-dução dessas. Nanitrabalha 24 horas pordia; até quando estádormindo sua menteprocessa as piadas. Daí

NANI, A MÁQUINA DE FAZER CARTUM

POR OTACÍLIO D’ASSUNÇÃO

acorda às sete ou oito da manhã, tomaseu café, lê os jornais e começa a produ-zir sem parar. Ele é muito rápido no ga-tilho, tanto para pensar como para exe-cutar os desenhos. Seu estilo permite fa-zer tudo com extrema rapidez. Uma se-mana de tiras, de Vereda Tropical ele de-mora em média uma hora para fazer. Fazas demais tarefas do dia e continua tra-balhando, isto é, pensando e absorven-do informação o tempo todo. Há quasetrês décadas acumula as funções de car-tunista com roteirista de tv: sua estréianesse ramo foi quase trinta anos atrás,quando começou a fazer roteiros paraChico City. Acabou virando o principalroteirista do programa. Passou pelos

mais importanteshumoristicos daGlobo: Escolinha,Sai de Baixo, Casseta& Planeta, Zorra Total.

Esse cartunistamultitarefa nas-ceu na cidade deEsmeraldas, no in-terior de Minas Gerais, em 1951. De láfoi para Belo Horizonte, onde estreouno O Diário. Sua presença nos jornaismineiros chamou a atenção de Alberi-co Souza Cruz, que em 1973 estava as-sumindo a direção de O Jornal, do Riode Janeiro, e trouxe toda uma equipe demineiros. Assim, aos 22 anos de idade

mudou-se para o Rio deJaneiro, de onde nun-

ca mais saiu, a nãoser para as suas sis-temáticas fériasanuais de fim deano em sua terranatal; afinal até oSuperNani precisade uma reciclagem.Mas as férias ne-nhum de seus leito-res percebe: ele tra-balha dobrado nomês anterior paraadiantar o serviço.

Nani é supermesmo. Ou temalguém lá em cimadando uma boaforça para ele. Com

o fígado em franga-lhos, depois de passar

décadas tomando meia garrafa de uísqueou cachaça por dia, a cirrose o obrigou aentrar numa fila do SUS para transplan-te. Quando chegou sua vez em 2004, foiinternado e operado.Aí quase passou des-ta para a melhor. O fígado transplanta-do foi rejeitado e ele teve que receber, àspressas, uma espécie de fígado mecâni-co, enquanto aguardava a chegada de ou-tro, que foi apenas um fígado-tampão.Este segurou a onda até que o fígado de-finitivo chegou. Ou seja, ele já teve cin-co fígados: o original, o que foi rejeita-do, o artificial, o fígado-emergência e ofígado que tem agora. Essa agonia duroumais de dois meses, um bom tempo emcoma induzido e uma longa recuperação.Enquanto isso os amigos se revezavamdoando sangue ou rezando, e uma equi-pe médica fez todos os esforços para sal-var sua vida. Nani acabou batendo o re-corde latino-americano de sobrevivênciacom um fígado artificial.

Fui visitá-lo quando teve alta. Aindasob os efeitos do que passou (seu corpoainda estava inchado e tinha perdido osmovimentos das pernas, depois de ficardois meses imobilizado numa cama dehospital, o que o obrigou a um períodode fisioterapia), estava em casa e libera-do para receber visitas. O corpo ainda serecuperava, mas seu cérebro estava atoda (esse nunca parou de funcionar).Assim que entramos no quarto foi di-zendo: “Já bolei hoje uns 15 plim-plins”e ficou horas falando sem parar, comum fiapo de voz. E só falava de trabalhoo tempo todo, descontando o tempo queficou fora do ar.

Depois de dois ou três meses já haviase recuperado completamente e estavaprestes a assumir a página de charges noJornal do Brasil. Numa reunião na casade Ziraldo, às vésperas de sair do novoCaderno B, quem não soubesse da his-tória nem poderia desconfiar do queaconteceu meses antes. Estava melhordo que nunca. E até com mais cabelo.Umas pequenas entradas na testa ti-nham desaparecido, devido aos efeitoscolaterais dos remédios que passou atomar. E não perdeu a chance de fazermais uma piada: “Já foi descoberta acura da calvície, é só os carecas fazeremtransplante de fígado”.

Carlos Alberto da Costa Amo-rim nasceu no Rio de Janeiro, em1964. Em 1984 começou a publi-car seus trabalhos no Pasquim. De1990 a 1997 foi chargista do Jor-nal dos Sports (Rio) e atuamenteproduz uma charge diária distri-buída para vários jornais no País.Seus trabalhos foram premiadosem dezenas de exposições e Salõesde Humor no Brasil e até mesmono Irã: em 1997 foi convidado,como membro do júri, a partici-par do III International Exhibiti-on Cartoon Biennial, em Teerã.Após a morte de Álvarus, Amorimeditou por muito tempo a páginadedicada ao humor e aos grandeshumoristas brasileiros no antigoBoletim da ABI, denominação ori-ginal deste Jornal da ABI.

AMORIM

Page 31: Suplemento Especial Caricatura-2007

31Jornal da ABI Jornal da ABI Jornal da ABI Jornal da ABI Jornal da ABI 322 Outubro de 2007

Los Tres Amigos originalmente era umfilme com Steve Martin, mas o título foiemprestado para uma trinca de amigos ecartunistas de longa data, que consolida-ram a fama nas décadas de 80 e 90 e to-maram de assalto a Folha deS. Paulo, tanto nas tiras comono espaço das charges.

Todos nasceram nosanos 50. O mais velho deles,Laerte Coutinho, estreou no Balão,gibi universitário feito por uma mole-cada da Usp no início dos anos70 em plena ditadura militar,onde também despontou An-geli. Além das colaboraçõespara o Pasquim e outros veícu-los da imprensa alternativa,Laerte passou anos envolvidocom o movimento sindical,fazendo vinhetas para umaeditora chamada Oboré, queabastecia todos os jornais sin-dicais do País com ilustrações. Fo-ram anos difíceis de muita luta e pou-ca recompensa.

– O comunismo quase acabou como Laerte – contou certa vez Angeli.

Enquanto Laerte militava no sindica-lismo, Angeli e Glauco se infiltraram naFolha de S. Paulo a partir da década de 80,brilhando principalmente nas páginasdo lendário Folhetim editado por Tarsode Castro. Ainda faziam charges políti-cas, mas com a chegada do movimentoBesteirol, nos anos 80, partiram paracriações mais light. Angeli criou sua tiraChiclete com Banana (título inspirado namúsica de Gilberto Gil) e Glauco uma

série de personagensque se revezavam natira Geraldão. Ambassão publicadas até

hoje. Angeli se tornoupopular principalmente

com a desatinadaRê Bordosa, quedesta para me-lhor com grandeestardalhaço.A Folha, cuja pá-

gina de tiras era com-posta principalmente

LENTA E GRADUAL

TRÊS AMIGOS DO HUMOR

dos personagens de Mauricio de Souza,foi mudando aos poucos a linha e pu-blicando tiras mais adultas. Laerte levoupara lá o seu Condomínio, que mais tar-de se transformou em Piratas do Tietê.Nessa época, os três brilhavam nas re-vistas da Circo Editorial, comandadapor Toninho Mendes, cujo carro-chefeera justamente Chiclete com Banana,que segundo os editores logo superou acasa dos 100 mil exemplares.

Foi nessa época que começaram aproduzir quadrinhos a seis mãos. Essaparceria acabou se consolidando na tiraLos Tres Amigos, publicada no Folhateenna década de 90. E, como não poderia deser, como os Três Mosqueteiros, os TrêsAmigos viraram quatro: a vaga de D’Artagnan nessa tresloucada troupe foiocupada pelo gaúcho Adão Iturrusgarai,dez anos mais novo que eles, que tam-bém se tornou patrimônio da Folha.

Adão é o único dos quatro que nãofaz charges. Laerte ja fez muitas maspendurou um pouco as chuteiras. Mas,além da tira dos Piratas, mantém umacolaboração semanal na seção de tvmostrando as suas reminiscências dainfância e adolescência nos anos 60.Enquanto isso, Angeli e Glauco se re-vezam no espaço mais nobre do jornal,

com a charge na página de opinião.Numa tendência oposta ao estilo segui-do por Chico Caruso e Ique nos jornaiscariocas, voltado para caricaturas e umjeito de fazer charges mais tradicional,Glauco simplificou mais ainda o seutraço quase incorporando o estilo dolendário Nássara, Angeli seguiu o cami-nho da reflexão em caprichadíssimos de-senhos mostrando o dia-a-dia de Brasília.– Na minha opiniãoele é o melhor char-gista do Brasil – de-clara o colega Ota. –Eu gosto da tira,mas tenho pratica-mente um orgasmoquando vejo cadacharge dele.

Os Três Amigosoriginais estão to-dos cinqüentõesagora e consolida-ram suas carreiras.Laerte continua ovelho idealista desempre: quando afábrica Havaianasconvidou todos osquadrinistas da Fo-lha para empresta-

rem seus traços para uma grife de san-dálias, ele foi o único a se recusar a par-ticipar (e como conseqüência perdeuuma boa bolada). Simplesmente por-que não se sentia nada confortável coma idéia de que alguém pudesse estar pi-sando nos seus desenhos. Enquantoisso, o ainda quarentão Adão, que ha-via trocado Porto Alegre por São Pauloe depois pelo Rio, agora trocou o Brasilpela Argentina. Morando em BuenosAires, produz e envia suas tiras de umnotebook.

Angeli em dois momentos: à esquerda, no Pasquim; acima, natradicional página 2, de Opinião, da Folha de S.Paulo

Page 32: Suplemento Especial Caricatura-2007

32 Jornal da ABI Jornal da ABI Jornal da ABI Jornal da ABI Jornal da ABI 322 Outubro de 2007

OOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOO

Otacílio d’Assunção, o OtaOtaOtaOtaOta, nasceu em 1954 edesde 1971 publica charges e tiras, além de ter desen-volvido uma carreira paralela na área editorial e tam-bém como jornalista. Por mais de três décadas editoua revista Mad em três editoras diferentes e, durante asua gestão na Vecchi, teve o mérito de ter aberto omercado para o desenhista de quadrinhos nacionalao lançar diversos títulos totalmente editados noBrasil; chegou a editar cerca de mil páginas por mês.

Seu estilo tosco é mais apropriado para a sátira decostumes, e sua série O Relatório Ota na revista Mad

Durante mais de 100 anos as chargesforam exclusividade dos jornais e peri-ódicos humorísticos. Com a revoluçãodigital, porém, começou a haver ligei-ra migração para a nova midia.

Em 1995, ainda na época dos monito-res de fósforo preto, quando a Internetno Brasil começava a engatinhar, o car-tunista Julio Mariano criou o ChargeOnline (www.chargeonline.com.br). Apartir de então começaram a entrar narede seus trabalhos e mais os dos colegasde todo o País que quisessem participar.

A idéia pegou e o Chargeonline con-quistou um fiel público, no qual se in-clui o colunista José Simão, da Folha deS. Paulo, que sempre cita charges queencontra por lá. Por dia aparecem de 50a 60 charges fresquinhas que os própri-os chargistas publicam diretamenteatravés de um processo online bastantesimples. A charge fica no ar durante umdia com o crédito dos jornais locaisonde originalmente saíram. As visitasandam hoje pela casa do 1,5 milhão depageviews por mês e durante os seusdoze anos de existência o Chargeonlinecoletou vários prêmios. Mesmo assim,continua no vermelho. Sua única fon-

te de renda é a receita dos pequenosanúncios do Google, que mal dá paracobrir a despesa do tráfego do site.

Mariano pondera que, associado aalgum portal, poderia multiplicar suavisitação, mas isso tiraria a independên-cia do site: – Não quero entrar nessaporque os portais pertencem a gruposjornalísticos rivais e não gostariam dehospedar trabalho da concorrência.

Mesmo assim, nem todos os cartu-

nistas brasileiros estão no site. Algunssimplesmente não se lembram de envi-ar as charges; outros, por estarem pre-sos a contratos de exclusividade. Clican-do no ícone de Chico Caruso no Char-geonline, aparecem apenas um avisofalando que o jornal O Globo, “insensí-vel à importância cultural de nosso tra-balho”, não autoriza a veiculação dascharges, e um link para a charge deChico na edição virtual do jornal.

Mariano vem mantendo heroica-mente o site, que, além das dificuldadesfinanceiras, volta e meia sofre com ata-ques de hackers que tentam tirar do ar osite só de maldade. Mas pretende conti-nuar comandando seu heróico exércitobrancaleonesco de cartunistas até o fim.

O criador do Chargeonline nasceuem Colatina, ES, em 1950, e mora noRio de Janeiro desde 1968. Publicou noPasquim e em O Globo, fez charges diá-rias na Última Hora por 11 anos e empraticamente todos os jornais alterna-tivos dos anos 70 e 80. Ganhou váriosprêmios em Salões de Humor e foi umdos primeiros cartunistas a usar compu-tador como ferramenta de trabalho.

A CHARGE VAI PARA O CIBERESPAÇO

Renato Luiz Campos, o Aroeira,Aroeira,Aroeira,Aroeira,Aroeira,nasceu em Belo Horizonte em 1954.Um dos desenhistas mais talentosos dohumor brasileiro, Aroeira ocupou onobre espaço da charge diária nos prin-cipais jornais do Rio de Janeiro: Jornaldo Brasil, O Globo e atualmente O Dia.Chargista e capista superpremiado, deucara e elegância às várias edições da re-vista Bundas e do Pasquim21. Músicoamador e diletante, toca saxofone nabanda dos Irmãos Caruso.

o tornou famoso. Mas em 2003 ele criou a tira de sá-tira política O Reino Encantado de Dom Ináfio da Fil-va, lançada assim que Lula assumiu a presidência doBrasil. A série é um pastiche das tiras clássicas O Rei-zinho e Mago de Id e situa os mesmos elementos daatmosfera política brasileira atual num fictício rei-no governado pelo monarca Dom Ináfio, um homemdo povo guindado à condição de rei. Ináfio estreouno Pasquim 21 em janeiro de 2003 e com o cancela-mento da publicação transferiu-se para o Jornal doBrasil, onde sai até hoje.

OOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOO

OTA

AROEIRA

Page 33: Suplemento Especial Caricatura-2007

33Jornal da ABI Jornal da ABI Jornal da ABI Jornal da ABI Jornal da ABI 322 Outubro de 2007

Nos anos dourados do boom da im-prensa alternativa, na década de 70,quando publicações de humor, idéias equadrinhos pipocavam pelo País intei-ro, os gêmeos Paulo e Chico Caruso jáfaziam parte do time do Balão, revistaindependente feita nos porões da Usp eque revelou outros talentos emergentescomo Angeli, Laerte e Luiz Gê.

De lá para cá, os dois irmãos seguiramcarreiras paralelas e ocuparam espaçosprivilegiados na imprensa.

Desde 1984 Chico é o chargista per-manente do jornal O Globo, levado para

Chico Caruso homenageoudois grandes caricaturistas

– J.Carlos e Alvarus –em charge publicada

noJornal do Brasil no diaseguinte à morte deste.

IRMÃOSCARUSO,

GÊMEOS EGÊNIOS

lá pelo próprio Roberto Marinho, que otirou do Jornal do Brasil, onde seu tra-balho era publicado na área nobre doseditoriais. Com isso, as charges volta-ram a ocupar um espaço na primeirapágina do jornal, coisa que não ocorriahá décadas.

Curiosamente, seu irmão Paulo ocu-pa hoje um espaço correspondente noJornal do Brasil, para onde levou tam-bém a sua Avenida Brasil, página dehumor – misto de charges com quadri-nhos – que era publicada na revista Is-toÉ e que agora é publicada na Revistade Domingo, do JB.

Eles começaram a mostrar seus talen-tos no papel impresso, mas conquista-ram outros espaços. Chico tem um qua-dro no Fantástico, para onde foi sua char-ge animada após uma passagem peloJornal Nacional. Inicialmente apenasuma animação da charge publicada no

jornal O Globo pela manhã, agora o es-paço televisivo de Chico é uma espéciede crônica chargística animada, com so-noplastia feita pelo próprio Chico. Porseu lado, Paulo faz caricaturas ao vivo noprograma Roda Viva, na TV Cultura.

Mas a maior proeza da dupla foi con-seguir levar a charge aos palcos. Dota-dos de talento musical, os irmãos come-çaram fazendo shows de improviso paraos amigos, em bares com piano, em finsda década de 70, e aos poucos foramtransformando a performance num es-petáculo que já atravessou vários gover-nos e teve inúmeras edições. O que erauma brincadeira tornou-se um espetá-culo teatral profissional, com direito abanda musical de apoio, da qual faz par-te o também cartunista Aroeira. Emocasiões especiais, o escritor e tambémhumorista Luiz Fernando Veríssimo dáuma canja de jazz.

Acima, Severino Cavalcanti, de Chico, emcharge publicada no Globo. Abaixo, dois

momentos do Bar Brasil, de Paulo, na IstoÉ.

Chico desenhouCollor de Melo se

transformandonum presidiário

Page 34: Suplemento Especial Caricatura-2007

34 Jornal da ABI Jornal da ABI Jornal da ABI Jornal da ABI Jornal da ABI 322 Outubro de 2007

O número um da revista Bundas foiàs bancas de todo o Brasil no dia 18 dejunho de 1999. A capa, ilustrada por umbelíssimo traseiro feminino, exibindomáscara preta atravessada de uma “ban-da” a outra, trazia uma frase de NelsonRodrigues, “Indecente é a cara”, e umachamada que pretendia informar depronto o que esperava pelo leitor emsuas páginas internas: Anata do humor e do jorna-lismo brasileiro está den-tro. Pague pra ver!

Uma linha no alto, va-rando o logotipo, informa-va: Não contém piscinas,jacuzzis, alcovas, nem pe-ruas. O lançamento foium estouro, exigindo pelomenos o dobro da tirageminicialmente prevista.

O editorialista oficial darevista, Luís Fernando Ve-ríssimo, dava o tom da nova publicaçãono texto Para que fique claro: “... Não tra-zemos a espada, nem o fogo, nem o sifão,e muito menos uma bolsinha com antiá-cido, band-aid, camisinha, cizânia e desa-gregação. Estamos aqui em nome de to-dos os valores morais e cívicos, hoje tãoesquecidos, contidos na palavra Bundas”.

O expediente do número um de Bun-das trazia Ziraldo Alves Pinto como jor-nalista responsável, Jaguar como editor-chefe e Luís Pimentel como editor-exe-cutivo. E exibia o seguinte time de co-laboradores: Millôr, Veríssimo, ChicoCaruso, Paulo Caruso, Nani, MiguelPaiva, Moacir Werneck de Castro, Tut-ty Vasques, Angeli, Sérgio Augusto, JoséLewgoy, Adão Iturrusgarai, Fritz Utze-ri, Tárik de Souza, Lan, Artur Xexéo,Aldir Blanc, Frei Betto, Aroeira, Jô Soa-res, Amorim, Rui Castro, Aloysio Bion-di, Nei Lopes, Nataniel Jebão, Redi, Ota,Ikenga, Gil, Leonardo, Cavalcanti, Ali-edo, André Barroso e Mello Menezes.

Millôr se afastou logo nos primeirosnúmeros. Jaguar deixou a editoria nomeio do caminho, tornando-se colabora-dor fixo. O projeto gráfico e a direção dearte eram dos artistas Ricardo Leite e Ra-fael Ayres, da Pós Imagem Design, empre-sa que cuidou de toda a parte gráfica darevista, do primeiro ao último número.

A idéia de se lançar uma revis-ta naqueles moldes nasceupelo menos dois anos antes desua concretização. Ziraldo,Jaguar, Millôr Fernandes,Chico Caruso e outros cola-boradores mais próximosda direção da revista tive-ram inúmeras reuniões ediscussões sem fim, até a

Formado em Publicidade e Propagan-da pela Faculdade Cásper Líbero, Eduar-do Baptistão não se desviou após a diplo-mação do caminho que trilhava preco-cemente desde 1985, aos 19 anos, quan-do começara o curso: era ilustrador nomercado editorial e nele continuou. Jánesse ano de 1985, porém, havia publi-cado seu primeiro trabalho na Folha deS. Paulo. A partir de então, colaborou oucolabora em publicações como Veja, VocêS/A, Imprensa, Vogue, Bundas, Jornal daRepública, Quem, Sexy, Playboy, Placar,entre outras, o que mostra a diversida-de de suas criações e de seu talento.

Paulista nascido em 1966, Baptistãoé ilustrador do Estadão desde 1991 e doJornal da Tarde desde 2003 e colabora-dor da revista CartaCapital desde 1995.Seu currículo alinha inúmeras e desta-cadas premiações de caráter nacional einternacional: o primeiro prêmio na 7a.Bienal Internacional de Cartum de Te-erã, em 2005; o primeiro lugar em Ca-ricatura no World Press Cartoon emPortugal, em 2006; o Prêmio SociedadeInteramericana de Imprensa-Sip em2007; o segundo lugar em Caricaturaem 1993, o primeiro lugar em 2000 e2005 e menção honrosa em 2006 noSalão Internacional de Humor de Pira-cicaba; o Prêmio Câmara Municipal de

BUNDAS E O PASQUIM 21:DUAS VIAGENS HUMORÍSTICAS DE ZIRALDO

POR LUÍS PIMENTEL

* Naturalmente, Ruth Cardoso, primeira-dama,mulher do então presidente da República FernandoHenrique Cardoso.

instalação definitiva da equipe em umacasa de vila na Rua Bulhões de Carvalho,em Copacabana, Rio de Janeiro. À fren-te, sempre Ziraldo. O mesmo que à fren-te ficou até à circulação do último nú-mero da publicação, o Almanaque Bun-das, em dezembro do ano 2000. A vendaem banca tornando-se a cada semana me-nor e a ausência ostensiva de publicida-de fizeram a revista fechar as portas, coma empresa que a editava (Editora Pererê)

mergulhada em dívidas.Lançada exatamente

trinta anos depois do lan-çamento do Pasquim epouco menos de dez anosdepois de sua morte, Bun-das surgiu com o objetivode retomar e fazer renas-cer a linguagem despoja-da e criativa do velho Pas-ca. Essa intenção era visí-vel ou risível na qualidadedos textos e dos cartuns,bem como no tom colo-

quial impresso às entrevistas, uma dasmarcas mais legítimas do Pasquim.

Com a publicação deuma entrevista obrigató-ria a cada edição, espalha-ram seu talento e conta-ram suas histórias, em pá-ginas e páginas de Bundas,entre outros, os seguintesentrevistados: Lula, Chi-co Buarque, Barbosa LimaSobrinho, Marta Suplicy,Mino Carta, Heloísa He-lena, José Saramago, Ma-rina Silva, Orlando Villas-bôas, Oscar Niemeyer,Hugo Carvana, Zico, Mi-úcha, José Genoíno, Fer-nanda Montenegro e tantos, tantos ou-tros. Afinal, foram realizadas entrevis-tas nos 77 números semanais da revis-ta. Além das edições regulares, foramlançados mais três almanaques especi-ais: Almanaque do Ziraldo, Almanaquedo Jaguar e Almanaque Bundas.

O fechamento de Bundas deixoucomo herança para Ziraldo, segundo in-formações do próprio, inúmeras dívidascom fornecedores, aí incluídos gráficas,a empresa responsável pela paginação ecolaboradores. O mineiro sonhador e tei-moso, acreditando na máxima de que umamor se cura com outro, meses depoisestava dedicado à elaboração do projetográfico e editorial de um novo veículo dehumor: o jornal O Pasquim21.

O número um d´O Pasquim 21 foi àsbancas no dia 18 de fevereiro de 2002.Ziraldo à frente, Zélio Alves Pinto comoeditor-chefe e Luís Pimentel como edi-tor-adjunto, e um time de colaboradoresque tinha, entre outros, Aldir Blanc,Cárcamo, Cavalcante, Dalcio Machado,Edgar Vasques, Emir Sader, Fausto Wol-ff, Fritz Utzeri, Gilmar, Ique, LeonardoBoff, Marcos Caetano, Nani, NatanielJebão, Newton Carlos, Ota, Paulo Caru-so, Quinho, Sérgio Arouca, Sérgio Au-gusto, Sérgio Rodrigues e Veríssimo.

Veríssimo (ele mesmo, Luiz Fernan-do) mais uma vez fazia o papel infor-mal de editor formal e assinava um lin-

díssimo texto de abertu-ra, que começava assim:“Nossa ambição é modes-ta: queremos reinventara imprensa. Ser o Gutem-berg do pós-setembro 11(...) Nossa causa maior éo bom humor, o que nãoquer dizer que não abriga-remos rabugentos, ran-zinzas e ranhetas comsuas causas, desde que res-peitem a dona Ruth*”.

A capa do jornal traziaa então candidata (candi-datura felizmente aborta-

da em tempo hábil) à Presidência da Re-pública, Roseane Sarney, trajando biquí-ni e enormes bigodes paternos. A man-chete anunciava: A Musa do Verão. Aedição trazia também duas entrevistas depeso: a grande combatente da Pastoral daCriança, Dona Zilda Arns, feita pela equi-pe da redação, e Noam Chomski, feitaem Porto Alegre pelo colaborador Faus-to Wolff, durante o badalado PrimeiroFórum Social Mundial.

Como era de se esperar, os primeirosnúmeros d´O Pasquim 21 tiveram boasvendas, alguma badalação e muita pro-messa de publicidade. Mas a publicaçãosofreu do mesmo mal de sua antecesso-ra Bundas: as vendas em banca não co-briam a despesa e os anunciantes nãocooperaram. O jornal resistiu apenasaté meados do ano de 2004. Mas valeu,Ziraldo. E como valeu.

O TALENTOPREMIADO DEBAPTISTÃO

E DÁLCIO

Acima, capa do número zerode O Pasquim 21, desenhadapor Aroeira. Abaixo, ilustração

de Angeli para Bundas.

34 Jornal da ABI Jornal da ABI Jornal da ABI Jornal da ABI Jornal da ABI 322 Outubro de 2007

Page 35: Suplemento Especial Caricatura-2007

35Jornal da ABI Jornal da ABI Jornal da ABI Jornal da ABI Jornal da ABI 322 Outubro de 2007

São Paulo em 2006 e 2007; mençãohonrosa no Prêmio Vladimir Herzogde Anistia e Direitos Humanos em1996 e 2005.

OS PRÊMIOSDE DÁLCIO

Uma caricatura deLula que foi capa de Vejae ganhou o Prêmio Abril -Ca-tegoria Capa, em outubro de2007, um cartum (do ursopolar) premiado com o se-gundo lugar no Aydin Do-gan International CartoonCompetition, em Istambul,Turquia, considerado o Oscardo cartum mundial, uma char-ge sobre Mianmar (antiga Bir-mânia), que acaba de ganhar o se-gundo lugar no Lurie United Na-tions 2007, prêmio da Organiza-ção das Nações Unidas, após suapublicação no Correio Popular deCampinas, figuram as premiaçõesobtidas por Dálcio Machado, umautodidata que até agora conquistou88 láureas nos principais festivais dehumor do Brasil, Portugal, Grécia, Itá-lia, Japão, Turquia, Estados Unidos, Irãe Coréia do Sul.

Não é pouco para esse criador nasci-do em Campinas em 1972 e que passou21 anos em uma fazenda perto da Uni-versidade de Campinas-Unicamp, ondeseu pai administrava o haras. Foi essa arazão do autodidatismo de Dálcio, que,tal como Baptistão, também teve umainiciação precoce no cartum: foi com 13anos que ele publicou o primeiro traba-lho, uma charge sobre o Fundo Mone-tário Internacional-FMI, num boletimda Pastoral Operária de sua cidade.

Dálcio mantém uma charge diáriana página 2 do Correio Popular, é cola-borador de Veja e da Revista da Sema-na, ilustra livros infantis e produzplim-plins para a TV Globo, aquela ilus-tração em movimento que marca ofim e o começo das partes de filmes daprogramação da emissora. Tudosem sair da sua Campinas.

As caricaturas de Clementina de Jesus (napágina 34) e Nando Reis, desenhadas por

Baptistão, foram premiadas no SalãoInternacional de Humor de Piracicaba –

Prêmio Aquisição da Câmara Municipal –,em 2006 e 2007, respectivamente. Ao lado

o urso polar de Dálcio, que ficou emsegundo lugar no Aydin Dogan

International Cartoon Competition,em Istambul, Turquia, considerado

o Oscar do cartum mundial.

UMA PALAVRA FINALCom esta Edição Extra, o Jornal da ABJornal da ABJornal da ABJornal da ABJornal da ABIIIIIprocurou dar um panorama geral dos170 anos da caricatura brasileira, quetranscorre em dezembro. Mas, é claro,por falta de espaço, muitos desenhistasde renome não foram citados.Prometemos, porém, continuar acontar essa história de grandestalentos em nossas páginas.

Desenhada por Dálcio, a caricaturade Lula que ilustrou a capa da

revista Veja, ganhou o Prêmio Abril,e a charge sobre os conflitos em

Mianmar ficou em segundo lugarno Lurie United Nations.

Page 36: Suplemento Especial Caricatura-2007